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Alves Alves o Perigo Da Historia Unica PDF
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O perigo da história única 3
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4 Iulo Almeida Alves & Tainá Almeida Alves
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O perigo da história única 5
definitive story of that person”5 , diz Chima- Para Hardt e Negri (2005), a partir das
manda. guerras e da questão da segurança, que per-
meiam e envolvem o mundo de determi-
Todo o dispositivo que visa criar nada maneira, com discursos e ações que
controlo e condicionamento se- manifestam soberania e dominação, surge o
grega tácticas que o domesti- regime de biopoder. Assim como a “guerra
cam ou o subvertem; contraria- transforma-se na matriz geral de todas as re-
mente, não há produção cultural lações de poder e técnicas de dominação, es-
que não empregue materiais im- teja ou não envolvido o derramamento de
postos pela tradição, pela autori- sangue” (2005: 34), a forma de governo as-
dade ou pelo mercado e que não sume um caráter controlador sobre a popu-
esteja submetida às vigilâncias e lação. Tal aspecto se manifesta em nossos
às censuras de quem tem poder conteúdos sociais e relações formais. Essa
sobre as palavras ou os gestos estrutura do biopoder, sustentada também
(CHARTIER, 2002: 137). pelos meios de comunicação e suas histórias
únicas sobre diversos assuntos e diversas
A ideia de biopoder, trazida inicialmente versões de uma mesma história, define parte
por Foucault (1988), se relacionava com as do controle aplicado à população.
reflexões sobre as práticas disciplinares, que
se centravam no corpo como máquina, tra- Numa cultura como a nossa, acos-
balhando em seu adestramento. É a gestão tumada a dividir e estilhaçar todas
da vida como um todo, técnicas de poder as coisas como meio de controlá-
sobre o biológico, que se torna ponto cen- las, não deixa, às vezes, de ser um
tral nas discussões políticas. Modificá-lo, tanto chocante lembrar que, para
transformá-lo, aperfeiçoá-lo eram objetivos efeitos práticos e operacionais, o
do biopoder, e produzir conhecimento, saber meio é a mensagem. Isto ape-
sobre ele, para melhor manejá-lo. nas significa que as conseqüên-
Assim como a disciplina foi necessária na cias sociais e pessoais de qualquer
“domesticação” do corpo produtivo fabril, o meio — ou seja, de qualquer uma
biopoder foi também muito importante para das extensões de nós mesmos —
o desenvolvimento do capitalismo, ao con- constituem o resultado do novo es-
trolar a população e adequá-la aos processos talão introduzido em nossas vidas
econômicos, para que pudesse ser incluída, por uma nova tecnologia ou exten-
de forma controlada, nos aparelhos de pro- são de nós mesmos (MCLUHAN,
dução capitalistas. É uma lei que normatiza, 1979: 21)
que se utiliza de diversos aparelhos (médi-
cos, administrativos) para regular a vida. De fato, os meios de comunicação de
5
massa se converteram num dos principais
“Poder é a habilidade não somente de contar
a história de outra pessoa, mas de fazer daquela a instrumentos de construção social da rea-
história definitiva dessa pessoa”. lidade; eles são extensões do ser humano
(MCLUHAN, 1979). E o jornalismo cons-
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trói a realidade, dando-lhe forma de narra- regam pouca informação e mistificam o ob-
tiva e a difundindo, convertendo-a em reali- jeto.
dade pública. Nesse sentido, a notícia é uma
representação social da realidade, articulada
Conclusão
dentro de uma instituição, a imprensa.
Os meios de comunicação não são meras As histórias têm sido usadas para expro-
formas de transporte de informações, mas priar e tornar algo maligno, mas também po-
dotados de textos que revelam significados dem ser usadas para capacitar e humanizar.
culturais criados em determinados períodos Podem destruir a dignidade de um povo,
históricos e que estão ligados a transfor- mas também podem restaurar essa dignidade
mações comportamentais e mudanças inte- perdida. Nesse sentido, diz Chimamanda,
lectuais objetivas nos receptores. Assim, muitas histórias importam. Engajada em
as mídias “controlam” a massa através de solucionar as questões, a escritora propõe
suas publicações e espetáculos. Utilizam-se, o comprometimento com os dois lados da
antes, de histórias únicas para formatar sua história, o que ela cita como “um equilíbrio
audiência e criar estereótipos. de histórias”, e o desejo da descoberta por to-
Para Adichie, o problema com estereóti- das as histórias daquele lugar ou daquele ser
pos não é que eles estejam errados; a carac- humano.
terística é exatamente que eles são incom- Do ponto de vista contemporâneo, em que
pletos - “they make one history become the se trazem as discussões sobre o social, cul-
only story”6 –, superficializam a experiência tura, linguagens e identificações – no sentido
e negligenciam todas as outras narrativas que apresentado por Hall (2001: 39), em que de-
formam um lugar ou uma pessoa. vemos falar, no lugar de identidade, em iden-
tificações, para perceber que se trata de um
The consequence of the single processo sempre em andamento e nunca fi-
story is this: it robs people off nalizado –, Chimamanda aparece como uma
dignity. It makes our recogni- grande conectora desses assuntos em seu dis-
tion of our equal humanity diffi- curso: ela trata da construção da imagem de
cult. It emphasis how we are dif- um lugar ou pessoa no âmbito do sentido
ferent rather than how we are si- que essa mensagem pode – e, certamente,
milar.7 irá – produzir. Sua construção verbal e sim-
bólica, no que tange a estereótipos como ob-
Distorcidas do real ou apenas pequenos
jetos imagéticos, é verdadeiramente uma teia
pedaços constitutivos dele, as histórias es-
de saberes e literatura, também seu ponto de
tereotipadas apenas (re)criam padrões. Car-
discurso.
6
Do inglês, “eles transformam uma história na Ela assume e apresenta uma versão dela
única história”. dos Estudos Culturais e pós-coloniais: diz
7
“A consequência da história única é a seguinte: da diáspora, assim como o fez Stuart Hall
rouba-se a dignidade das pessoas. Dificulta o reco-
nhecimento da nossa humanidade compartilhada. En- (2003); fala do saber reconhecer as faces
fatiza o quão diferentes somos em detrimento de quão de uma história e seus personagens sem
iguais somos”. desmerecê-los; trata de minorias, do olhar
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Referências bibliográficas
CHARTIER, Roger. A história cultural:
entre práticas e representações. 2a ed.
Portugal: Difel, 2002.
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