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A ALVORADA CONSEQUENCIALISTA DA ANÁLISE DE


CONTRAFACTUAIS

2.1.
Prospectos de um problema: De David Hume ao teste de Ramsey.

O primeiro grande artigo a suscitar o problema dos contrafactuais foi


certamente The Contrary-to-Fact Conditional (1946), de Roderick Chisholm. O
artigo se tornou emblemático por refletir dois principais fatos: a densidade
filosófica de um tema ainda incipiente e, especialmente, por revelar a presença
constante e tácita do problema de contrafactuais em inúmeras questões filosóficas
cujos reais pressupostos ainda não eram totalmente claros.
Um dos principais exemplos recai sobre algumas das investigações
empreendidas pelo Positivismo Lógico. Autores como C. D. Broad, R. Carnap, e
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mais um extenso grupo do Positivismo Lógico, produziram uma extensa literatura


concernente aos ‘adjetivos disposicionais’ – tais como ‘inflamável, ‘frágil’ ou
‘solúvel’. Tratam-se basicamente de termos que sondam relações hipotéticas; de
sorte que sempre que

associamos um adjetivo disposicional a um substantivo, estamos exprimindo, de


maneira categórica, uma proposição hipotética do seguinte tipo: ‘estivesse isto em
certo estado, e de alguma forma relacionado a outros objetos de tipos específicos,
então certos eventos de um tipo específico se seguiriam em um ou alguns destes
objetos. (Broad apud Chisholm, 1946, p.291)

ou seja, uma disposição, ou potencialidade, como a solubilidade do sal em água


alude à ocasião em que, satisfeitas determinadas condições (e independente de sua
realização), o sal se dissolve ou teria se dissolvido.
Chisholm também remonta às análises de H. H. Price e C. S. Peirce, cujas
intuições, embora ainda carecessem de maior circunspeção, já indicavam a
relevância e alcance epistêmico destes tipos condicionais. Price considerava que
os constituintes últimos do universo eram formados pelo que chamara de
“impressões sensíveis hipotéticas”, a intuição de que determinados dados dos
sentidos se tornariam atuais, caso outros dados sensíveis se tornassem atuais. De
forma análoga, para C. S. Peirce, a essência do ‘Pragmatismo’ se cumpria no
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exame das “resoluções condicionais concebidas”, condicionais articulados na


forma subjuntiva, que deduzem dos “reais gerais”, o que seriam, ou poderiam vir
a ser, caso fossem atualizados na realidade concreta. As causas dos problemas
inerentes aos contrafactuais, no entanto, sugerem uma origem ainda mais
longínqua.
Na célebre seção VII de seu An Enquiry Concerning Human Understanding,
David Hume define uma causa como sendo uma espécie de “objeto, seguido por
outro, de modo que todos os objetos similares ao primeiro são seguidos por
objetos similares ao segundo” (Hume, 1748 [2007], p.56). À luz de contrafactuais,
esta definição pode ser vertida para a seguinte versão: (1) uma causa é um objeto
seguido por outro; tal que (2) quando houver algum objeto similar ao primeiro, ele
será seguido por objetos similares ao segundo. Ou como esclarece Hume, ainda
em seu próprio Enquiry, tal que “não tivesse o primeiro objeto existido, o segundo
também nunca teria existido” (Hume, 1748 [2007], p.56). Destarte, quando
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observamos uma bola de bilhar se movendo e colidindo com uma segunda bola
que passa a se mover (o exemplo é do próprio Hume), a conclusão de Hume é a de
que a expectativa de movimento da segunda bola, sob uma relação causal
homogênea, resulta do mero hábito da mente, tendo observado as mesmas
relações reiterada e sucessivamente.
O ponto de Hume é que a relação causal que projetamos sobre objetos não
poderia ocorrer por mera sanção lógica, já que não há nenhum imperativo
propriamente lógico que “governe” o movimento da segunda bola. Deveria,
portanto, ocorrer em razão de algum aspecto físico do universo, inteiramente
contingente. É fácil entender porque as conclusões de Hume trazem à tona o
problema atinente aos contrafactuais. Quando dizemos, por exemplo, que “se a
primeira bola tivesse colidido com a segunda, esta teria se movido”, a conclusão
de Hume é a de que não há nenhuma razão intrínseca para se pensar que a
segunda bola teria que se mover, a não ser que alguém pudesse perscrutar
suficientemente as condições relevantes que tornariam a inferência válida, o que
para Hume, tributário de fortes aspirações empiristas, careceria de qualquer
propósito.
No mesmo artigo, supramencionado, Chisholm atribui a Frank P. Ramsey a
primeira real tentativa de eliminação dos problemas relativos aos condicionais
contrafactuais, provinda de algumas idéias contidas em seu artigo General
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Propositions and Causality (1925 [1931]), de publicação póstuma. A suposição


inicial de Ramsey se segue da seguinte forma: Se imaginamos um condicional do
tipo ‘Se x tivesse assistido à peça, x não teria gostado’, para Ramsey estaríamos
adjudicando certas hipóteses às informações das quais dispomos antecipadamente,
de tal forma que a hipótese do antecedente, em concurso com certas informações
tacitamente apreendidas, licencia o conseqüente do contrafactual. A este conjunto
de informações corresponderia, segundo Ramsey, um estoque de conhecimentos e
crenças (Stock of Knowledge and Beliefs). A idéia de Ramsey versa sobre a
capacidade que temos de ponderar sobre hipóteses e gerenciar informações,
sugerindo uma análise de condicionais que convoca as condições de
dedutibilidade ou conseqüência das hipóteses.
Para Ramsey, portanto, ao apreciar um condicional clássico, na forma ‘Se p,
então q’, aduzimos as condições em que q é inferível de p em concurso com
determinados fatos caucionados como verdadeiros (S acredita que p é verdadeiro)
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e leis gerais que são convocadas pelo contexto da suposição. Assim, uma
implicação p ⊃ q, por exemplo, é analisada, nos contrafactuais, pela conjuntura
total dos fatos e regularidades que são tomadas como universais. Esta idéia de
Ramsey passou a ser denominada na literatura subseqüente de Teste de Ramsey,
por envolver uma noção de “ensaio mental” de hipóteses ou uma espécie de
experimento de pensamento que põe determinadas suposições à prova e as
delibera sob o “foro” de conhecimentos e opiniões que alguém credita como
verdadeiras ou no mínimo insuspeitas.
A abordagem de Ramsey recai, portanto, sobre uma investigação das
circunstâncias de derivação do conseqüente em um contexto bastante peculiar,
pois as suposições adicionadas ao antecedente agem em contravenção com
crenças estabelecidas. Na ocasião de asserção do contrafactual, segundo a noção
de Ramsey, um sujeito S que acredita em p (que p é verdadeiro), adiciona
artificiosamente ¬ p ao seu estoque de crenças apenas para deduzir determinadas
conclusões. Como recorda Nicholas Rescher (2007), um condicional de tipo “Se
p, então q” será aceitável, conforme Ramsey, “se e somente se, a aceitação de q é
necessária em virtude da mínima alteração, no corpo de crenças, necessária para
acomodar p” (Ramsey apud Rescher, 2007, p.161). Stalnaker, em seu A Theory of
Conditionals (1968), descreve a avaliação de um condicional, segundo Ramsey,
da seguinte forma:
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Primeiramente, adicione o antecedente (hipoteticamente) ao seu estoque de


crenças; Em segundo lugar, faça quaisquer ajustes necessários para manter a
consistência (sem modificar a crença hipotética do antecedente); por último,
considere se o conseqüente é ou não verdadeiro. (Stalnaker, 1968, p.102)

2.2.
Os condicionais contrários aos fatos: Chisholm

Ao pensar condicionais, Chisholm reconhece que grande parte de nosso


conhecimento e raciocínio se assenta em condicionais expressos na forma
subjuntiva ou contrária aos fatos. Mais pontualmente, ele alude às ocasiões em
que exprimimos algum conhecimento sobre o que teria acontecido caso algumas
condições fossem satisfeitas, ou ainda, sobre “quais tendências, faculdades, ou
potencialidades um objeto poderia manifestar em ambientes adequados”
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(Chisholm, 1946, p.289). Para Chisholm, tais condicionais se realizam nas


ocasiões em que asserimos uma conjectura, sabendo ou, no mínimo, acreditando
que o antecedente é falso. Este tipo de inferência reflete uma habilidade natural do
ser humano em arrazoar sobre as conseqüências de suposições que sabemos serem
contrárias aos fatos.
Chisholm ainda se questiona sobre como seria possível verter um
contrafactual típico, da forma (x) (y) Se x fosse φ e y fosse ψ, y seria χ,
exprimindo uma potencialidade, para o modo indicativo. O primeiro diagnóstico
de Chisholm indica que os métodos habituais de tradução ou equivalência dos
condicionais subjuntivos para a forma indicativa redundam em análises triviais.
Dessa forma, suponhamos que temos ao nosso dispor um vaso (frágil) novo em
folha, que nunca tenha caído ao chão ou sofrido qualquer avaria. Neste caso, um
contrafactual na forma subjuntiva, como ‘Se este vaso tivesse caído ao chão, ele
teria se quebrado’, cuja tradução para o modo indicativo nos daria ‘Se este vaso
cai ao chão, ele se quebra’, realça o fato de que a análise vero-funcional por
implicação material tornaria o contrafactual inepto, já que pelo antecedente ser
inalteravelmente falso (pois sob nossa suposição, o vaso nunca caiu ao chão) o
condicional seria sempre materialmente verdadeiro. Isto fica patente ao usarmos a
disjunção equivalente ao condicional material (¬ p ∨ q), i.e., ‘ou bem o vaso não
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cai ao chão, ou bem se quebra’. A mais breve inspeção nos mostra que essa
disjunção será sempre verdadeira, pois tendo o vaso nunca caído ao chão
(factualmente), ¬ p é verdadeiro e a disjunção sairá de antemão verdadeira. Para
Chisholm, portanto,

sabendo meramente que o antecedente de um condicional material é falso (ou que


seu conseqüente é verdadeiro) e que, portanto, o condicional é verdadeiro, nós não
podemos dizer que o conseqüente seria verdadeiro se o antecedente fosse tornado
verdadeiro. Um condicional subjuntivo é tal que podemos saber que o antecedente
implica de alguma maneira o conseqüente sem, no entanto, saber os valores-de-
verdade de cada um. (Chisholm, 1946, p.295)

Dessa forma, não podemos sequer imputar os valores-de-verdade do


antecedente ou conseqüente pela verdade material do contrafactual. É neste ponto
da análise que Chisholm passa a se reportar ao teste de Ramsey como uma tese
iluminadora, uma primeira sugestão viável na elucidação de contrafactuais por
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prescindir da análise vero-funcional. Mas embora as idéias de Ramsey


apontassem para um campo de investigação conveniente, é curioso, conforme
Chisholm constata, que em muitas ocasiões afirmássemos um condicional
subjuntivo para justamente evidenciar a ausência de nexo inferencial entre o
antecedente e o conseqüente, de modo que as relações de derivabilidade entre as
premissas hipotéticas e suas conclusões, no sentido proposto por Ramsey,
demandavam melhores esclarecimentos. Esta constatação de Chisholm de certa
forma desabonava as boas intuições do teste de Ramsey.
Para ilustrar as dificuldades, notemos que ao afirmarmos um condicional do
tipo (Mesmo que) as ações da bolsa de Nova York fechassem hoje em baixa de
5%, (ainda assim) Warren Buffett estaria rico, nós queremos dizer que o
conseqüente ocorreria de qualquer maneira, ou ainda, que o concurso de fatos com
o antecedente é insuficiente ou irrelevante para interferir no resultado. Para
Chisholm, estes tipos de contrafactuais indicavam a propriedade que tinham de
delatar a “inderivabilidade” do condicional, mostrando que hipóteses
contrafactuais convocam ou dispensam espontaneamente as condições de dedução
em jogo.
Chisholm ainda nota que C. I. Lewis apresenta uma proposta semelhante à
de Ramsey, ao sugerir que as inferências da linguagem natural, mesmo quando
envolvem condicionais materiais, são articuladas na forma vinculada ‘p e p ⊃ q
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implicam logicamente q’. Não obstante, embora reflita um argumento bastante


intuitivo e com enorme apelo, a formulação de C. I. Lewis ainda é incapaz de
esclarecer ou delimitar as informações que estão condicionando o antecedente.
Este fato é agravado por ilustração do próprio Chisholm.
Recordando as idéias de Ramsey e C. I. Lewis, ao julgar um condicional C,
tal como ‘Se Holbrook tivesse sido eleito, o preço do trigo iria subir’, estamos
tentando acomodar o enunciado indicativo ‘Holbrook é eleito’ (chamemos este de
H) com determinadas informações que implicam – ou não – o conseqüente ‘o
preço do trigo sobe’ (chamemos este de W). Porém, notemos que o significado
estrito do condicional não depende das condições particulares de assertibilidade,
deliberadas por cada indivíduo, sendo cogitadas por estoques distintos de
“informação prévia”.
Assim, quando duas pessoas sustentam um condicional tal como C, seu
significado é exatamente o mesmo, embora seja possível que cada pessoa esteja
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afirmando ou recusando C em virtude de estoques de crenças radicalmente


divergentes. Isso sugere que a asserção de um condicional subjuntivo se subordina
a um plano mais geral de dedução de hipóteses, sobrejacente às condições
particulares de inferência, de sorte que existe uma classe geral de enunciados
verdadeiros que ao agir em conjunto com H, permite a dedução de W. Destarte,
Chisholm conclui que ao sustentar um condicional C, estamos querendo dizer que
“[existe] um enunciado p tal que p e H implicam W e p é verdadeiro” (Chisholm,
1946, p.299). Chisholm reconhece, no entanto, que a fórmula é em si insuficiente,
pois não exclui determinados enunciados p que trivializariam o condicional.
Suponhamos, por exemplo, que acreditamos que Holbrook nunca será de
fato eleito para um cargo público. Neste caso, o condicional universal ‘(x) Se x é
um cargo público e Holbrook é eleito para x, o preço do trigo sobe’ será
trivialmente verdadeiro, já que ao acomodar este condicional com nossa crença de
que “Holbrook nunca será eleito para um cargo público”, o antecedente universal
passa automaticamente a determinar uma classe vazia de membros e trivializa o
resultado do conseqüente. Isto fica evidente, como mostra Chisholm, quando
notamos que um segundo condicional, tal como ‘(x)Se x é um cargo público e
Holbrook é eleito para x, então o trigo deste ano irá se transformar em ouro’,
será também trivialmente verdadeiro, embora neste caso, o despropósito da
assertiva seja muito mais evidente. De fato, a não restrição da inclusão de tais
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condicionais universais permitiria que afirmássemos qualquer coisa, sejam elas


intuitivamente verdadeiras, patentemente falsas, fisicamente implausíveis ou
impossíveis, absurdas, contraditórias, etc. Em face de qualquer crença que
tivermos, e que, portanto, aceitamos como verdadeira (S acredita que p é
verdadeiro), podemos sempre elaborar um condicional universal correlato U, de
tal sorte que p em concurso com U torne o antecedente falso (determine uma
classe vazia) e o condicional passe a ser materialmente verdadeiro.
Assim sendo, Chisholm elabora uma série de medidas restringentes para
impedir a “contaminação” do antecedente por uma classe de trivializadores. Desse
modo, proíbem-se primeiramente os condicionais universais cujos antecedentes
determinem, ao entrar em conjunção com o estoque de crenças, uma classe vazia
de membros. Analogamente, só serão aceitos condicionais universais que
importem, simultaneamente, enunciados que assegurem a existência de membros
da classe determinada pelo seu antecedente. Também são proibidas as asserções
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de condicionais materialmente verdadeiros pela mera falsidade do antecedente ou


verdade do conseqüente.
Mas esse conjunto de regras ainda não seria restritivo o suficiente para
evitar trivializações, como aponta Chisholm, dado que a tradução de um
contrafactual no modo subjuntivo, tal como ‘Se este vaso tivesse caído ao chão,
ele teria se quebrado’, para o modo indicativo, mesmo cumprindo todas as
obrigações mencionadas, não seria suficiente para evitar trivialização. Pois
suponhamos o seguinte enunciado p: (x) [(x = vaso) ⊃ (( x cai) ⊃ ( x se quebra))],
existe pelo menos um x tal que x = vaso. Note que nosso enunciado p assegura a
existência de membros da classe determinada pelo antecedente. Mas este
enunciado também será trivialmente verdadeiro se o subjuntivo original for
julgado como materialmente verdadeiro, i.e., que é verdadeiro em virtude
exclusivamente do antecedente ser falso (pois factualmente, nosso vaso nunca
caiu ao chão). A solução, para Chisholm, recairia sobre a inclusão de mais uma
regra de restrição: nosso enunciado p não poderá incluir, neste caso, qualquer
condicional universal cujo conseqüente inclua, simultaneamente, ou bem uma
função logicamente equivalente a “x cai”, ou bem logicamente equivalente a “x se
quebra”. Portanto, ao avaliarmos um condicional subjuntivo na forma ‘(x) (y) se x
fosse φ e y fosse ψ, então y seria χ’, para afastar a possibilidade de trivialização,
nosso enunciado p não poderá incluir um
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condicional universal cujo conseqüente inclua quaisquer duas funções que sejam
logicamente equivalentes a funções que tenham ‘x é φ e y é ψ’ e ‘y é χ’ como
instâncias correspondentes, ou cujo antecedente inclua qualquer função que não
contenha a variável de quantificação (Chisholm, 1946, p.301).

Ainda assim, mesmo ao adicionarmos esta solução à classe de normas


restringentes, o critério permanece inócuo em contornar problemas relativos a
generalizações não-acidentais, que são corriqueiramente solicitadas a se filiar ao
antecedente para inferir o conseqüente, como é o caso típico de contrafactuais
subjuntivos que envolvem termos disposicionais ou solicitam leis gerais da
natureza.
O exemplo de Chisholm é suficientemente lúcido. Se supusermos, por
exemplo, que existem dois personagens distintos, independentes entre si e que,
por pura contingência dos fatos venham a se sentar em um mesmo banco de um
parque, e que, suponhamos ainda, ambos são irlandeses. Pois se erguemos um
universal tal como ‘(x) Se x se sentou ao banco do parque... no tempo..., x é
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irlandês’, isso nos licenciaria, em tese, a aplicar a fórmula de tal maneira que
teríamos um condicional da forma ‘Se Ivan estivesse sentado no banco do
parque... no tempo... Ivan seria irlandês’. A improcedência deste subjuntivo
parece bastante clara, pela simples razão de que não vislumbramos
implicatividade, ou nexo causal, entre o fato de se sentar em um banco do parque
e o fato de se ser irlandês.
Este último tipo de condicional universal ilustra o que podemos chamar de
uma “generalização meramente acidental”, uma mera coincidência resultante de
uma enumeração simples de eventos singulares. Distintamente, generalizações
como ‘Todos os homens são mortais’ denotam extrema implicatividade. No
primeiro caso, somos resistentes a aceitar que um conseqüente subjuntivo tal
como “x seria Irlandês” pudesse ser inferido de “se x estivesse sentado no banco
do parque”; no segundo caso, não temos problema em aceitar que “x seria mortal”
pudesse ser inferido de “se x fosse homem”. E. L. Beardsley (1949) nota que o
maior problema enfrentado por Chisholm, ao lidar com tais sentenças universais,
resulta justamente “da dificuldade em encontrar um par de definições (de ‘não-
acidental’ e ‘implicar contrafactuais verdadeiros’) que não sejam circulares”
(Beardsley, 1949, p.573), i.e., ao invés de defini-los por recurso a cada particular
que confirma o universal.
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Outro problema, curiosamente antevisto por Chisholm em seu artigo (e que


se desdobrou posteriormente nas análises de Goodman), é o fato de que
condicionais contrafactuais na forma subjuntiva engendram rotineiramente
problemas de ambigüidade do contexto de suposição. Isso ocorre especialmente
quando um antecedente subjuntivo envolve alguma relação de equivalência,
supondo uma identidade contrafactual. São casos de antecedentes como “se x
fosse y”, que para todos os efeitos, querem dizer o mesmo que “se x fosse idêntico
a y” ou ainda, relações do tipo “se x estivesse no mesmo lugar de y”. Nesse caso,
não fica claro se a suposição exige que x seja ajustado de tal sorte a se
compatibilizar com y ou o contrário, ou seja, não é bem definido quem toma o
papel de contexto e quem toma propriamente o papel de hipótese.
Alguém poderia cogitar, por exemplo, a hipótese (H1) de que ‘Se Apollo
fosse um homem, ele seria mortal’, a quem, por sua vez, outra pessoa poderia
retorquir que (H2) ‘Caso Apollo fosse um homem, pelo menos um homem seria
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imortal’. Podemos ainda complementar as constatações de Chisholm notando


simplesmente que, em (H1), “Apollo” está sendo tomado como argumento e o
atributo de “ser um homem” é o contexto de suposição, enquanto que em (H2), o
atributo de “ser um homem” está sendo tomado como argumento e “Apollo” é o
contexto de suposição.
Como mostra Chisholm, o antecedente ‘Se Apollo fosse um homem’ deve
ser desambiguado da seguinte maneira: Em (H1 ), o antecedente significa algo
como “se Apollo fosse diferente do que sempre acreditamos que ele fosse, e
possuísse todos os atributos possuídos por todos os homens”. Já em (H2), o
antecedente significa algo como “se a classe de todos os homens fosse mais ampla
do que acreditássemos ser, de modo que também incluísse Apollo, então algum
homem seria imortal”. O segundo problema atinente às generalizações não-
acidentais, apresentado por Chisholm, transcorre sobre a possibilidade de sempre
transformar condicionais universais não-acidentais em condicionais universais
meramente acidentais.
Assim, poderíamos dispor, por exemplo, de um condicional universal como
(i) ‘(x) Se x tomar água daquele poço, x irá se envenenar’; por outro lado,
suponhamos que daqueles que efetivamente se envenenaram, um tenha nascido no
lugar p no tempo t, o outro em p’ e t’, etc. (de forma que tenhamos uma descrição
unívoca). Segundo Chisholm, na ocasião desta suposição, poderíamos asserir um
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condicional universal acidental (ii), de sorte que “(x) se x nasceu em p e t, ou em


p’ e t’, etc., x está envenenado” (Chisholm, 1946, p. 305). Como nota Chisholm, o
problema é agravado pelo fato de que de (i) poderíamos inferir o contrafactual
correlato ‘Se x bebesse da água daquele poço, x se envenenaria’; contudo, não
seria válido inferir de (ii) seu contrafactual correlato ‘Se x tivesse nascido em p e t,
x se envenenaria’.
Todas essas situações recalcitrantes indicavam fortemente que o elemento
problemático dos contrafactuais se concentrava na relação de dedutibilidade e
conseqüência, no laço inferencial que ligava o antecedente ao conseqüente, e
principalmente, no modo como regularidades não-acidentais intervinham nesta
relação. De fato, uma das razões que conferiram bastante destaque ao enigma dos
contrafactuais foi o peso que as leis da natureza, ou regularidades não-acidentais,
desempenhavam em sua análise, de modo que se tornou impossível, em dado
momento, prosseguir uma teoria de contrafactuais que dispensasse o tratamento
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deste tema. Portanto, as primeiras teorias de contrafactuais não foram apenas


motivadas pela busca do significado dos contrafactuais, mas também
inversamente, como nota D. Edgington (1995), foram impulsionadas pelo fato de
que “se compreendêssemos contrafactuais, isto poderia [finalmente] nos iluminar
sobre a noção de lei” (Edgington, 1995, p.247). Ou como afirmou o próprio
Goodman, cuja teoria será exposta em maiores detalhes na próxima parte,

Uma definição satisfatória de lei científica, uma teoria satisfatória da confirmação


ou de termos disposicionais [...] resolveria grande parte do problema dos
contrafactuais. Do mesmo modo, a ausência de uma solução a este problema
implica que não tenhamos um tratamento adequado a quaisquer desses outros
tópicos. Inversamente, a solução do problema dos contrafactuais nos forneceria
respostas a questões cruciais sobre lei, confirmação e o significado de
potencialidade. (Goodman, 1947, p.113).

2.3.
A teoria de Nelson Goodman

Com a publicação do artigo The Problem of Counterfactual Conditionals


(Goodman, 1947), o tema dos contrafactuais passa definitivamente a adentrar a
arena filosófica e se populariza em escala considerável. Também se diga, tornou-
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se a teoria conseqüencialista padrão de contrafactuais, posto que é a mais bem


desenvolvida e referenciada dessas teorias.
O primeiro grande avanço de Goodman, em contraste com Chisholm, foi o
de escandir a análise de condicionais contrafactuais para a falsidade concomitante
do conseqüente em concurso com o antecedente, de forma que a designação
‘condicional contrafactual’ se referisse apenas aos condicionais cujos
antecedentes e conseqüentes são inalterável e simultaneamente falsos, em virtude
de serem contrários aos fatos. Um exemplo modelo de condicional contrafactual
para Goodman é ilustrado pelo próprio (Cf.: Goodman, 1946, p.113):

(1) Se este pedaço de manteiga tivesse se aquecido a 150º F (65° C),


ele teria derretido

Goodman, seguindo as intuições já notadas por Chisholm, atenta para o fato


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de que os contrafactuais, considerados como compostos vero-funcionais, são


verdadeiros meramente em virtude de sua própria forma, já que são
inalteravelmente falsos. De tal modo que um contrafactual (2) cujo antecedente
fosse o mesmo de (1), mas com o conseqüente contraditório ao conseqüente de
(1):

(2) Se este pedaço de manteiga tivesse se aquecido a 150º F, ele não


teria derretido

teria o mesmo valor de verdade de (1). Portanto, para Goodman, a principal tarefa
relativa à análise dos contrafactuais passa a ser a de investigar as circunstâncias
em que um contrafactual é verdadeiro, enquanto o mesmo contrafactual com
conseqüente negado é falso, e mais, a busca de um tal critério de verdade deve ter
em mente que “um contrafactual, pela sua natureza, não poderia nunca ser
submetido a qualquer teste empírico direto pela [mera] suposição de seu
antecedente” (Goodman, 1947, p. 114).
Goodman reconhece que o problema propriamente dito, referente aos
contrafactuais, é em verdade um problema que extrapola a mera forma em que
condicionais são afirmados, de maneira que mesmo quando contrafactuais são
vertidos para condicionais factuais - ou poderíamos até complementar, mesmo
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quando subjuntivos contrafactuais são vertidos para o modo indicativo – a questão


diz respeito às circunstâncias de ratificação das conclusões. Deste modo, embora o
contrafactual (1) seja logicamente equivalente ao seu contrapositivo factual (1’):

(1’) Visto que este pedaço de manteiga não derreteu, ele não foi
aquecido a 150º F

A plausibilidade tanto de (1) quanto de (1’) não resulta meramente da


verdade ou falsidade de seus antecedentes e conseqüentes enquanto componentes
vero-funcionais da implicação, mas sim de outros fatos que ainda não são
totalmente claros.
Goodman também nota que outros tipos de condicionais exigem
esclarecimentos mais profundos quando passam a envolver contrafactualidade.
Ele ilustra o caso do que denomina de “semifactuais”, condicionais que Chisholm
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já havia inclusive investigado, como pudemos ver. Goodman mostra que, embora
aceitemos o semifactual:

(3) Mesmo que o fósforo tivesse sido riscado, ainda assim não teria
acendido

Não propendemos a aceitar, no entanto, seu contrapositivo:

(3’) Mesmo que o fósforo tivesse acendido, ainda assim não teria sido
riscado

A intenção original, como elucida Goodman, era a de afirmar que o


acendimento do fósforo não poderia ser inequivocamente inferido do ato de riscar
o fósforo. Semifactuais são, portanto, condicionais que negam o que é afirmado
pelo contrafactual oposto. Isto fica evidente ao notarmos que o semifactual (3)
tem a intenção de negar diretamente o contrafactual

(4) Se o fósforo tivesse sido riscado, ele teria acendido


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Semifactuais são afirmados, portanto, não para mostrar que o conseqüente


se seguiria do antecedente, mas inversamente, para evidenciar que há uma
insuficiência de condições para dedução do conseqüente; diferentemente,
contrafactuais plenos, afirmam, ou têm a intenção de assegurar, que a conexão
entre antecedente e conseqüente prevalece.
Outro tipo especial de contrafactual, analisado por Goodman, são os
denominados “contraidênticos”, condicionais cujos antecedentes são suposições
de identidade. Como já vimos, Chisholm também analisou estes tipos de
condicionais nos casos de antecedentes que exprimem uma relação de
equivalência. Para Goodman, um contraidêntico pode ser ilustrado no condicional

Se eu fosse Júlio Cesar, eu não estaria vivo no século XX


Ou
Se Júlio Cesar fosse eu, ele estaria vivo no século XX
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Assim como Chisholm, Goodman percebe que, embora os antecedentes


exprimam uma relação equivalente de identidade, os conseqüentes são, em tese,
incompatíveis entre si. Esta incompatibilidade resulta, em verdade, da
ambigüidade de apreensão da identidade enquanto hipótese, o que já havia sido
identificado por Chisholm, como podemos recordar.
Outro tipo de condicional que exprime hipóteses potencialmente
contraditórias são os chamados “contracomparativos”, condicionais cujos
antecedentes supõem relações comparativas, tais como (i) ‘Se eu tivesse chegado
mais tarde, teria perdido o trem’. Segundo Goodman, o problema subjacente a
um antecedente contracomparativo é o fato de que ao traduzi-lo para um único
enunciado contendo uma relação entre duas sentenças não modalizadas e sem
tempo verbal, criamos antecedentes fatalmente auto-contraditórios, de modo que
(i) ficaria (ii) Se “eu cheguei mais tarde do que cheguei” fosse verdadeiro.
Embora Goodman reconheça que este último antecedente não exprime
corretamente o sentido originalmente intencionado. Uma das soluções que
Goodman oferece para os contracomparativos demanda apenas a introdução de
um quantificador existencial, de modo que:
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(∃t) t é um tempo ∧ eu cheguei no tempo t ∧ se eu tivesse chegado mais


tarde em relação a t, eu teria perdido o trem.

Neste caso, a auto-contradição de (i) é resolvida. Goodman também percebe


que estes dois últimos tipos de contrafactuais, “contracomparativos” e
“contraidênticos”, originam tais dificuldades aparentes apenas em razão da
imprecisão semântica do contexto de suposição, e bastaria que o falante ou o
escritor dirimissem os equívocos fixando as condições, de forma que não haja
uma imprecisão propriamente intrínseca a esses condicionais. Por exemplo, se
temos um conflito entre dois condicionais

Se Belo Horizonte estivesse no Rio Grande do Sul, então Belo Horizonte


estaria na região sul.
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Se o Rio Grande do Sul incluísse Belo Horizonte, então o Rio Grande do


Sul não estaria mais na região sul do Brasil.

De acordo com Goodman, embora ambos os antecedentes expressem


relações logicamente indiscerníveis, o direcionamento das expressões é distinto,
de forma que o primeiro antecedente exprime algo como

Se Belo Horizonte estivesse no Rio Grande do Sul, e as fronteiras do Rio


Grande do Sul permanecessem inalteradas...

Enquanto o segundo antecedente exprimiria algo como

Se o Rio Grande do Sul incluísse Belo Horizonte, e as fronteiras de Belo


Horizonte permanecessem inalteradas...

Um último tipo especial de condicional, pertencente à classe de


contrafactuais, como mostra Goodman, são o que chama de “contralegais”,
contrafactuais cujos antecedentes supõem fatos particulares impossíveis ou que
violam leis gerais do entendimento, tais como
26

Se círculos fossem quadrados,...


Se a soma de 1 e 3 fosse igual a 5,...
Se este cubo de gelo fosse esférico,...

Para Goodman, embora possamos afirmar que todos esses contrafactuais


encerrem problemas interessantes, em um nível conceitual ou abstrato, eles sequer
se aproximam do grau de dificuldade que é suscitado pelos contrafactuais usuais.
Destarte, há dois importantes problemas em jogo. Em primeiro lugar, temos de
encarar o fato de que uma reivindicação de conexão entre o antecedente e o
conseqüente é feita com base na assunção de que existem determinadas
circunstâncias que atuam com o antecedente, e obviamente, essas circunstâncias
não vêm explicitadas no condicional. Segundo Goodman, portanto, quando
enunciamos um contrafactual do tipo:
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Se este fósforo tivesse sido riscado, ele teria acendido

“nós queremos dizer que as condições são tais - i.e., o fósforo é bem feito,
suficientemente seco, há suficiente oxigênio presente, etc. - que ‘este fósforo
acende’ pode ser inferido de ‘este fósforo foi riscado’” (Goodman, 1947, p.116).
A constatação deste fato manifesta o primeiro problema a ser investigado por uma
teoria adequada de contrafactuais: definir e especificar quais são as sentenças que
atuam em conjunção com o antecedente contrafactual e chancelam a inferência do
conseqüente. Estas sentenças, para Goodman, descreveriam as verdadeiras
“condições relevantes” envolvidas na inferência do condicional. A esta definição e
investigação do que comportam tais sentenças corresponde o “problema das
condições relevantes”.
Mas mesmo assim, como antecipa Goodman, mesmo sabendo que uma
primeira tarefa da teoria de contrafactuais se assentaria nessa investigação,
descobrindo quais são as “condições relevantes” em pauta, devemos reconhecer
que a conexão subjacente ao antecedente e ao conseqüente não é de natureza
meramente abstrata ou formal. Neste ponto, é difícil discordar de Goodman.
Contrafactuais de fato sugerem que o conseqüente raramente se segue
logicamente do antecedente por pura sanção lógica, isto é, se temos algo a
27

investigar, provavelmente não será uma relação propriamente lógica entre os


enunciados (ou não apenas).
Assim, para Goodman havia claramente um sintoma de que deveria haver
enunciados implícitos – assumidos tacitamente – que estariam conduzindo o
antecedente contrafactual ao conseqüente, embora essa relação não fosse de
natureza propriamente lógica. O princípio, portanto, que permite inferir

Este fósforo acende

da conjunção

Este fósforo é riscado ∧ Este fósforo está suficientemente seco ∧ há


oxigênio o suficiente...
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não se reduz a um imperativo lógico, mas sim a alguma lei de natureza causal ou
física. Isto se traduz no segundo grande problema identificado por Goodman:
definir o que são e como se comportam tais leis em uma circunstância de
suposição contrafactual. A esta definição e investigação corresponde, portanto, o
“problema das leis”.

2.3.1.
O problema das ‘condições relevantes’

Goodman propõe inicialmente que cogitemos que o conseqüente seja


acarretado em virtude de alguma lei que sustenta a suposição do antecedente,
acrescida de uma descrição de um estado-de-coisas atual do mundo. Pensemos,
seguindo Goodman, que um consequente C é inferível de um antecedente A, a
partir de um conjunto S de sentenças verdadeiras que é convocado a agir com A.
Este conjunto S formaria, portanto, uma base que licita certas conclusões a partir
de determinadas suposições contrafactuais, sendo composta de enunciados que,
somados ao antecendente, delimitam as condições de suficiência da dedução do
conseqüente; de tal sorte que: (A ∧ S) → C.
28

Goodman se questiona então se poderíamos prescindir da circunscrição mais


precisa das condições relevantes, já que bastaria somar ao antecedente o conjunto
de todas as sentenças verdadeiras que compõem o estado atual de coisas no
mundo. Esta idéia pressupõe que as condições irrelevantes não interfeririam no
resultado e que, portanto, resolveríamos o problema simplesmente incluindo tudo.
O universo inteiro! Essa suposição mostra a Goodman que, pelo contrário, a não
circunscrição precisa da classe das “condições relevantes” e o não impedimento
da inclusão indesejada de determinados enunciados, ensejariam grandes
problemas. O primeiro deles seria a trivialização formal do conseqüente.
Basta notar que se adicionássemos ao antecedente todas (absolutamente
todas!) as sentenças verdadeiras que descrevem o estado atual de coisas no
mundo, estaríamos incluindo a negação ¬ A do antecedente (verdadeiro, visto que
A é contrafactual e, portanto, falso). Como é evidente, isto resultaria em um
problema de trivialização, de tal modo que, de um par de contraditórios (A ∧ ¬
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A), qualquer coisa se segue; tanto C quanto ¬ C passam a ser inferíveis. Portanto,
deve-se excluir enunciados logicamente incompatíveis com o antecedente.
Podemos denominar este problema de (a) problema da trivialização formal.
Notemos que a intuição de um tal conjunto S de sentenças verdadeiras, que
atuariam em conjunção com o antecedente, é uma concepção que se espalha por
todas as teses consequencialistas que são, de alguma forma, tributárias das idéias
de Ramsey. Bennett faz uma leitura bastante elucidativa deste conjunto S (que ele
prefere chamar de conjunto Support) de Goodman, explicando que se trata
basicamente do conjunto que convoca os “fatos contingentes que ajudam a tornar
o condicional verdadeiro” (Bennett, 2003, p.303). Contingentes, pois descrevem
fatos particulares cuja negação, obviamente, não implicaria em contradições e
serviria como suporte heurístico de conclusões contrafactuais. Para David Lewis
(1973), este conjunto se compõe de ‘premissas adicionais adequadas’, de forma
que numa teoria consequencialista – ou metalingüística, como prefere Lewis - o
contrafactual é verdadeiro se, e somente se, estas premissas em conjunção com o
antecedente implicam o conseqüente.
De fato, não só Goodman, mas também Chisholm já supunham que se a tese
consequencialista estivesse correta, o conseqüente se seguiria do antecedente
apenas se determinados enunciados relevantes para a inferência (obviamente, não
29

qualquer enunciado) fossem factualmente verdadeiros. Como notam Brown &


Watling (1952), “eles desejavam poder caracterizar esses enunciados relevantes
de tal forma que a descrição pudesse ser incorporada em uma fórmula indicativa”
(Brown & Watling, 1952, p.225).
Outro problema avaliado por Goodman foi o fato de que determinadas
sentenças verdadeiras, embora não contradissessem formalmente o antecedente,
eram incompatíveis com o antecedente. Goodman nos dá o seguinte exemplo:

Para um antecedente como

Se este radiador tivesse se congelado, ele teria se quebrado

Dentre as sentenças verdadeiras de S, no caso deste antecedente, haveria


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Este radiador nunca atingiu uma temperatura abaixo de 33° F


(correspondente a em torno de 0°C, ponto de congelamento)

Também é verdadeiro que

Todos os radiadores que congelam sem terem atingido temperatura abaixo


de 33° F, se quebram.

E também é verdadeiro que

Todos os radiadores que congelam sem terem atingido temperatura abaixo


de 33° F, não se quebram.

Pelo fato de que não existe, fisicamente, um tal radiador que congela sem ter
atingido temperatura abaixo de 33°F, ou melhor, pelo fato de que nenhuma
observação dos fatos contingentes do mundo até hoje corroborou esse antecedente
ou falseou um princípio geral, é possível inferir dessa incompatibilidade qualquer
conclusão. Podemos denominar este empecilho de (b) problema da trivialização
fática, cuja incompatibilidade resulta dos fatos do mundo, de um aspecto físico e
contingente do universo, e não uma incompatibilidade lógica. Para Goodman a
30

opção mais natural seria a de repelir os contrafactuais que dependam de leis ou


regularidades gerais que são vazias; contrafactuais devem ser, portanto, avaliados
apenas à luz de enunciados estritamente universais, tais como “Todos os Fs são
Gs” quando há de fato um F, ou seja, F denota uma classe que inclui pelo menos
um membro.
Goodman percebe, no entanto, que mesmo ao excluir princípios vazios, é
possível ainda utilizar princípios não-vazios que sustentam os mesmos resultados
de incompatibilidade, às custas apenas de uma inocente disjunção:

(i) Tudo que é, ou bem um radiador que congela sem estar abaixo de
0°C, ou bem uma bolha de sabão, se quebra;

(ii) Tudo que é, ou bem um radiador que congela sem estar abaixo de
0°C, ou bem um punhado de cinzas, não se quebra;
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Com esses tipos de princípios adicionados ao conjunto S, também é possível


inferir qualquer conseqüente. Goodman propõe, dessa forma, definir ‘condições
relevantes’ como o conjunto de todos os enunciados verdadeiros que tenham: (i)
compatibilidade lógica com A e também (ii) compatibilidade fática (ou não-
lógica, como diz Goodman) com A; de modo que incompatibilidade fática resulta
da infração de alguma lei fática geral. Isso, no entanto, não é o suficiente, pois se
temos um contrafactual como:

Se João estivesse na Coréia,...

O antecedente será totalmente compatível com as informações:

João não está na Coréia do Sul


e
João não está na Coréia do Norte

E também,

A Coréia do Norte somada à Coréia do Sul é idêntica à Coréia


31

Se tomarmos todos os enunciados correspondentes a essas informações, e


somá-los ao antecedente Se João estivesse na Coréia, engendramos auto-
incompatibilidade, de modo que não é suficiente deduzir o conseqüente a partir de
(A ∧ S) e mais alguma lei ou princípio geral relevante, pois isso tornaria
verdadeiro tanto o contrafactual:

Se João estivesse na Coréia, ele estaria na Coréia do Sul

quanto,

Se João estivesse na Coréia, ele estaria na Coréia do Norte

Obviamente, essas conclusões são incompatíveis entre si e não podem ser


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simultaneamente verdadeiras. A análise correta de contrafactuais, portanto,


deveria evitar a auto-incompatibilidade, de modo que um contrafactual passa a ser
verdadeiro

se, e somente se, existe algum conjunto S de enunciados verdadeiros tal que A & S
é auto-compatível e conduz ao conseqüente em virtude de uma lei, ao passo que
não existe um conjunto S’ tal que A & S’ seja auto-compatível e conduza, em
virtude de uma lei, à negação do conseqüente (Goodman, 1947, p.118).

Em suma, a solução de Goodman foi simplesmente a de proibir a intrusão


de um condicional rival tão bom quanto o original, i.e., que preservasse os
mesmos aspectos de compatibilidade, mas que nos levasse à conclusão indesejada.
Como observou Parry (1957), essas dificuldades expostas por Goodman
obliteram, de certa forma, certas condições mais banais do que os aparentes
problemas suscitados pelo exemplo. Parry argumenta que ao ensaiar um
antecedente como “Se João estivesse na Coréia,...”, estamos abstraindo as
condições relevantes sobre localização geográfica de João enquanto preservamos
os demais fatos e suas relações com o estado-de-coisas no mundo (coisa que não
fazemos inteiramente ao abstrair a localização geográfica).
Para Parry, seria “patente que as ‘outras coisas’ [os demais fatos,] incluídas
nas condições relevantes, S, não poderiam incluir qualquer coisa à respeito da
32

localização atual no momento do antecedente” (Parry, 1957, p.90). Ainda


segundo Parry, seria fundamental distinguir propriedades essenciais de outras
acidentais, ou ainda, atributos cuja contingência dependa de outros atributos, tal
como localização geográfica. Certos atributos contingentes, como idade ou
nacionalidade, cuja modificação não irá interferir no contrafactual
(especificamente neste contrafactual), devem ser distinguidos de outros atributos,
tais como localização espacial, cuja modificação hipotética irá alterar o resultado
final. De todo modo, Parry reconhece que tal distinção, embora fundamental, não
seria necessariamente simples de ser traçada.
A réplica de Goodman a Parry (1957) veio apenas alguns meses após a
crítica. A objeção foi incisiva: tal distinção seria dificilmente exeqüível e
possivelmente mais complexa do que suas próprias tentativas de elaborar um
critério funcional de auto-compatibilidade. A sugestão de Parry (tratar
distintamente atributos) é ou bem restritiva demais, ou bem vaga demais.
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Conforme Goodman, “especialmente restritiva demais [e portanto, inócua] pois se


aplicaria apenas a contrafactuais sobre localizações” (Goodman, 1957, p.444).
Em todo caso, Goodman admite que sua restrição é incapaz de dar conta
completamente do problema. Pois dentre os enunciados verdadeiros do conjunto S
estaria também a negação ¬ C do conseqüente (verdadeiro, visto que C é
contrafactual e, portanto, falso). Se ¬ C for incompatível com A, então A será
suficientemente forte para chancelar o conseqüente, sem o auxílio de quaisquer
condições adicionais; Por outro lado, se ¬ C for realmente compatível com A (o
que ocorre na absoluta maioria dos casos relevantes) e estiver atuando em S, então
a conjunção (A ∧ S) nos dará trivialmente ¬ C (e não C, que é o que queremos).
Para Goodman o mais importante é que o critério nos dê o conseqüente
correto, mas não nos dê, ou proíba, o conseqüente oposto; ou ainda, que possa
embargar o estabelecimento de alguma conexão inferencial que chancele ¬ C. O
conjunto S por si só, quando está isolado, não é capaz de decidir entre C e ¬ C,
mas quando for adicionado ao antecedente, S deve ser capaz de permitir C e
afastar ¬ C. Outro problema correlato é que possivelmente S conterá sentenças
que, embora sejam compatíveis com A, elas não seriam verdadeiras se A fosse
tornado verdadeiro. Queremos, por exemplo, que o seguinte contrafactual seja
verdadeiro:
33

(a) Se o fósforo F tivesse sido riscado, teria acendido.

Mas obviamente queremos negar que o seguinte contrafactual seja


verdadeiro:

(b) Se o fósforo F tivesse sido riscado, ele não estaria seco.

Com os critérios elaborados até agora, não dispomos de regras o suficiente


para impedir o estabelecimento do contrafactual (b), que é obviamente falso, visto
que não procede nenhuma implicatividade entre o fósforo ser riscado e ele então
não estar seco (ou “começar a se molhar”, conforme melhor ilustração posterior).
Isto ocorre pelos seguintes fatos: primeiramente, podemos dizer que S inclui entre
suas sentenças verdadeiras a sentença:
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Fósforo F não acendeu

que no condicional em pauta, (a), é totalmente compatível com o antecedente.


Nosso composto A ∧ S irá então incluir uma série de conjunções de condições
relevantes, tais como:

Fósforo F é riscado ∧ Fósforo F não acendeu ∧ Fósforo F foi bem feito


(estruturalmente perfeito, preserva todas as condições esperadas, etc.) ∧ Há
oxigênio o suficiente para combustão...

Neste caso, de A ∧ S podemos legitimamente inferir

Fósforo F não estava seco

Assim, Goodman entende que o conjunto S deve não só ser compatível com
A, mas também sustentar apenas enunciados co-sustentáveis com A, i.e., segundo
Goodman, um enunciado B de S será co-sustentável (cotenable) com A, e a
conjunção A ∧ S será co-sustentável “se não for o caso que S não fosse verdadeiro
34

quando A fosse verdadeiro” (Goodman, 1947, p.120). A esta cláusula corresponde


o ‘problema da co-sustentabilidade’.
O problema maior, conforme Goodman, é o fato de que para determinar se
há um conjunto S que seja co-sustentável com A, teríamos de determinar “se o
contrafactual ‘Se A fosse verdadeiro, então S seria verdadeiro’ é em si verdadeiro”
(Goodman, 1947, p.121). De tal maneira que a verdade de A deve nos levar à
verdade de S, mantendo compatibilidade entre os enunciados; ao passo que a
verdade de A não deve nos levar à verdade de ¬ S. Goodman constata que a
“autorização” de S é circular, pois ela depende de uma verificação a posteriori da
ausência de um S’, que seja co-sustentável com A, e que permita a inferência de ¬
S.
A cláusula de co-sustentabilidade poderia ser parafraseada da seguinte
maneira: um enunciado B de S é co-sustentável com A, se e somente se, (A → B)
∧ ¬ (A → ¬ B); então, neste caso, o enunciado ¬ B (“fósforo F não acendeu”)
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deveria ser excluído do conjunto S, pois ele não é co-sustentável com o


antecedente A “fósforo F foi riscado”, pois quando A for verdadeiro, ¬ B será
falso, ou seja: ¬ (A → ¬ B). Examinaremos melhor este problema em nosso
terceiro capítulo.

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