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2.1.
Prospectos de um problema: De David Hume ao teste de Ramsey.
observamos uma bola de bilhar se movendo e colidindo com uma segunda bola
que passa a se mover (o exemplo é do próprio Hume), a conclusão de Hume é a de
que a expectativa de movimento da segunda bola, sob uma relação causal
homogênea, resulta do mero hábito da mente, tendo observado as mesmas
relações reiterada e sucessivamente.
O ponto de Hume é que a relação causal que projetamos sobre objetos não
poderia ocorrer por mera sanção lógica, já que não há nenhum imperativo
propriamente lógico que “governe” o movimento da segunda bola. Deveria,
portanto, ocorrer em razão de algum aspecto físico do universo, inteiramente
contingente. É fácil entender porque as conclusões de Hume trazem à tona o
problema atinente aos contrafactuais. Quando dizemos, por exemplo, que “se a
primeira bola tivesse colidido com a segunda, esta teria se movido”, a conclusão
de Hume é a de que não há nenhuma razão intrínseca para se pensar que a
segunda bola teria que se mover, a não ser que alguém pudesse perscrutar
suficientemente as condições relevantes que tornariam a inferência válida, o que
para Hume, tributário de fortes aspirações empiristas, careceria de qualquer
propósito.
No mesmo artigo, supramencionado, Chisholm atribui a Frank P. Ramsey a
primeira real tentativa de eliminação dos problemas relativos aos condicionais
contrafactuais, provinda de algumas idéias contidas em seu artigo General
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e leis gerais que são convocadas pelo contexto da suposição. Assim, uma
implicação p ⊃ q, por exemplo, é analisada, nos contrafactuais, pela conjuntura
total dos fatos e regularidades que são tomadas como universais. Esta idéia de
Ramsey passou a ser denominada na literatura subseqüente de Teste de Ramsey,
por envolver uma noção de “ensaio mental” de hipóteses ou uma espécie de
experimento de pensamento que põe determinadas suposições à prova e as
delibera sob o “foro” de conhecimentos e opiniões que alguém credita como
verdadeiras ou no mínimo insuspeitas.
A abordagem de Ramsey recai, portanto, sobre uma investigação das
circunstâncias de derivação do conseqüente em um contexto bastante peculiar,
pois as suposições adicionadas ao antecedente agem em contravenção com
crenças estabelecidas. Na ocasião de asserção do contrafactual, segundo a noção
de Ramsey, um sujeito S que acredita em p (que p é verdadeiro), adiciona
artificiosamente ¬ p ao seu estoque de crenças apenas para deduzir determinadas
conclusões. Como recorda Nicholas Rescher (2007), um condicional de tipo “Se
p, então q” será aceitável, conforme Ramsey, “se e somente se, a aceitação de q é
necessária em virtude da mínima alteração, no corpo de crenças, necessária para
acomodar p” (Ramsey apud Rescher, 2007, p.161). Stalnaker, em seu A Theory of
Conditionals (1968), descreve a avaliação de um condicional, segundo Ramsey,
da seguinte forma:
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2.2.
Os condicionais contrários aos fatos: Chisholm
cai ao chão, ou bem se quebra’. A mais breve inspeção nos mostra que essa
disjunção será sempre verdadeira, pois tendo o vaso nunca caído ao chão
(factualmente), ¬ p é verdadeiro e a disjunção sairá de antemão verdadeira. Para
Chisholm, portanto,
condicional universal cujo conseqüente inclua quaisquer duas funções que sejam
logicamente equivalentes a funções que tenham ‘x é φ e y é ψ’ e ‘y é χ’ como
instâncias correspondentes, ou cujo antecedente inclua qualquer função que não
contenha a variável de quantificação (Chisholm, 1946, p.301).
irlandês’, isso nos licenciaria, em tese, a aplicar a fórmula de tal maneira que
teríamos um condicional da forma ‘Se Ivan estivesse sentado no banco do
parque... no tempo... Ivan seria irlandês’. A improcedência deste subjuntivo
parece bastante clara, pela simples razão de que não vislumbramos
implicatividade, ou nexo causal, entre o fato de se sentar em um banco do parque
e o fato de se ser irlandês.
Este último tipo de condicional universal ilustra o que podemos chamar de
uma “generalização meramente acidental”, uma mera coincidência resultante de
uma enumeração simples de eventos singulares. Distintamente, generalizações
como ‘Todos os homens são mortais’ denotam extrema implicatividade. No
primeiro caso, somos resistentes a aceitar que um conseqüente subjuntivo tal
como “x seria Irlandês” pudesse ser inferido de “se x estivesse sentado no banco
do parque”; no segundo caso, não temos problema em aceitar que “x seria mortal”
pudesse ser inferido de “se x fosse homem”. E. L. Beardsley (1949) nota que o
maior problema enfrentado por Chisholm, ao lidar com tais sentenças universais,
resulta justamente “da dificuldade em encontrar um par de definições (de ‘não-
acidental’ e ‘implicar contrafactuais verdadeiros’) que não sejam circulares”
(Beardsley, 1949, p.573), i.e., ao invés de defini-los por recurso a cada particular
que confirma o universal.
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2.3.
A teoria de Nelson Goodman
teria o mesmo valor de verdade de (1). Portanto, para Goodman, a principal tarefa
relativa à análise dos contrafactuais passa a ser a de investigar as circunstâncias
em que um contrafactual é verdadeiro, enquanto o mesmo contrafactual com
conseqüente negado é falso, e mais, a busca de um tal critério de verdade deve ter
em mente que “um contrafactual, pela sua natureza, não poderia nunca ser
submetido a qualquer teste empírico direto pela [mera] suposição de seu
antecedente” (Goodman, 1947, p. 114).
Goodman reconhece que o problema propriamente dito, referente aos
contrafactuais, é em verdade um problema que extrapola a mera forma em que
condicionais são afirmados, de maneira que mesmo quando contrafactuais são
vertidos para condicionais factuais - ou poderíamos até complementar, mesmo
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(1’) Visto que este pedaço de manteiga não derreteu, ele não foi
aquecido a 150º F
já havia inclusive investigado, como pudemos ver. Goodman mostra que, embora
aceitemos o semifactual:
(3) Mesmo que o fósforo tivesse sido riscado, ainda assim não teria
acendido
(3’) Mesmo que o fósforo tivesse acendido, ainda assim não teria sido
riscado
“nós queremos dizer que as condições são tais - i.e., o fósforo é bem feito,
suficientemente seco, há suficiente oxigênio presente, etc. - que ‘este fósforo
acende’ pode ser inferido de ‘este fósforo foi riscado’” (Goodman, 1947, p.116).
A constatação deste fato manifesta o primeiro problema a ser investigado por uma
teoria adequada de contrafactuais: definir e especificar quais são as sentenças que
atuam em conjunção com o antecedente contrafactual e chancelam a inferência do
conseqüente. Estas sentenças, para Goodman, descreveriam as verdadeiras
“condições relevantes” envolvidas na inferência do condicional. A esta definição e
investigação do que comportam tais sentenças corresponde o “problema das
condições relevantes”.
Mas mesmo assim, como antecipa Goodman, mesmo sabendo que uma
primeira tarefa da teoria de contrafactuais se assentaria nessa investigação,
descobrindo quais são as “condições relevantes” em pauta, devemos reconhecer
que a conexão subjacente ao antecedente e ao conseqüente não é de natureza
meramente abstrata ou formal. Neste ponto, é difícil discordar de Goodman.
Contrafactuais de fato sugerem que o conseqüente raramente se segue
logicamente do antecedente por pura sanção lógica, isto é, se temos algo a
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da conjunção
não se reduz a um imperativo lógico, mas sim a alguma lei de natureza causal ou
física. Isto se traduz no segundo grande problema identificado por Goodman:
definir o que são e como se comportam tais leis em uma circunstância de
suposição contrafactual. A esta definição e investigação corresponde, portanto, o
“problema das leis”.
2.3.1.
O problema das ‘condições relevantes’
A), qualquer coisa se segue; tanto C quanto ¬ C passam a ser inferíveis. Portanto,
deve-se excluir enunciados logicamente incompatíveis com o antecedente.
Podemos denominar este problema de (a) problema da trivialização formal.
Notemos que a intuição de um tal conjunto S de sentenças verdadeiras, que
atuariam em conjunção com o antecedente, é uma concepção que se espalha por
todas as teses consequencialistas que são, de alguma forma, tributárias das idéias
de Ramsey. Bennett faz uma leitura bastante elucidativa deste conjunto S (que ele
prefere chamar de conjunto Support) de Goodman, explicando que se trata
basicamente do conjunto que convoca os “fatos contingentes que ajudam a tornar
o condicional verdadeiro” (Bennett, 2003, p.303). Contingentes, pois descrevem
fatos particulares cuja negação, obviamente, não implicaria em contradições e
serviria como suporte heurístico de conclusões contrafactuais. Para David Lewis
(1973), este conjunto se compõe de ‘premissas adicionais adequadas’, de forma
que numa teoria consequencialista – ou metalingüística, como prefere Lewis - o
contrafactual é verdadeiro se, e somente se, estas premissas em conjunção com o
antecedente implicam o conseqüente.
De fato, não só Goodman, mas também Chisholm já supunham que se a tese
consequencialista estivesse correta, o conseqüente se seguiria do antecedente
apenas se determinados enunciados relevantes para a inferência (obviamente, não
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Pelo fato de que não existe, fisicamente, um tal radiador que congela sem ter
atingido temperatura abaixo de 33°F, ou melhor, pelo fato de que nenhuma
observação dos fatos contingentes do mundo até hoje corroborou esse antecedente
ou falseou um princípio geral, é possível inferir dessa incompatibilidade qualquer
conclusão. Podemos denominar este empecilho de (b) problema da trivialização
fática, cuja incompatibilidade resulta dos fatos do mundo, de um aspecto físico e
contingente do universo, e não uma incompatibilidade lógica. Para Goodman a
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(i) Tudo que é, ou bem um radiador que congela sem estar abaixo de
0°C, ou bem uma bolha de sabão, se quebra;
(ii) Tudo que é, ou bem um radiador que congela sem estar abaixo de
0°C, ou bem um punhado de cinzas, não se quebra;
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0812783/CA
E também,
quanto,
se, e somente se, existe algum conjunto S de enunciados verdadeiros tal que A & S
é auto-compatível e conduz ao conseqüente em virtude de uma lei, ao passo que
não existe um conjunto S’ tal que A & S’ seja auto-compatível e conduza, em
virtude de uma lei, à negação do conseqüente (Goodman, 1947, p.118).
Assim, Goodman entende que o conjunto S deve não só ser compatível com
A, mas também sustentar apenas enunciados co-sustentáveis com A, i.e., segundo
Goodman, um enunciado B de S será co-sustentável (cotenable) com A, e a
conjunção A ∧ S será co-sustentável “se não for o caso que S não fosse verdadeiro
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