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Resumo: O artigo visa analisar e avaliar os reflexos das mudanças institucionais nas
condições da governança territorial do Distrito Federal entre 1991-2009, em face dos
princípios da boa governança (design principles) de bens comuns (commons) propostos por
Elinor Ostrom e seus parceiros. Concluiu-se que as mudanças institucionais realizadas
tenderam a refletir uma gestão do uso, parcelamento e ocupação do solo inadequada, com
pouca ardência aos desing principles e assentadas em regras e normas tecnicamente precárias,
quadro que avança na contramão de uma governança que impacte de forma positiva o
desenvolvimento urbano, a qualidade de vida da população e a proteção ambiental.
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1 INTRODUÇÃO
Os recursos qualificados como bens comuns caracterizam-se por sua subtratibilidade
(a retirada por um usuário reduz a quantidade de recursos deixados para outros) e pela
utilização conjunta de um grupo de usuários (a utilização desses recursos, a rigor, não poderá
ser impedida). Diante disso, historicamente, as sociedades humanas enfrentam desafios e
veem-se obrigadas a desenvolver e implementar novas formas de gestão de recursos comuns
que estão no limiar do esgotamento.
Qualquer grupo que tenta gerir um recurso comum (por exemplo, terras, aquíferos e
recursos pesqueiros) de forma ideal e sustentável, deve resolver um conjunto de problemas,
entre ele os relacionados à construção de instituições para a ação coletiva. Nesse sentido,
existem evidências empíricas de que os grupos que são capazes de organizar e governar o seu
comportamento com sucesso adotam alguns princípios básicos de boa governança, dessa
forma conseguindo assegurar o uso sustentável dos commons e evitar sua exaustão.
No Distrito Federal (DF), as terras não parceladas foram e continuam sendo quase que
de exclusivo monopólio estatal (BRASIL, 1956). Pode-se afirmar que o Governo do Distrito
Federal tem a maior companhia imobiliária do Brasil a Terracap (DISTRITO FEDERAL,
2014). O Estado assume o processo de alocação e transferência de direitos de uso e de
propriedade em áreas urbanas e rurais, por meio de arranjos institucionais que conformam a
estrutura de governança do ordenamento territorial no DF. Essa estrutura de governança
abrange as diferentes regras sobre o uso, o parcelamento e a ocupação do solo.
Nas áreas urbanas, tem-se nesse campo um conjunto extenso de leis e normas
regulamentares referentes a diretrizes para o adensamento urbano, áreas prioritárias ou
vetadas para a expansão urbana, delimitação dos núcleos urbanos, zoneamento, coeficientes
de aproveitamento e gabaritos edilícios, instrumentos de fiscalização e combate à ocupação
irregular do solo urbano etc. Essas regras guiam (ou pelo menos deveriam guiar) as transações
que transferem direitos de uso e de propriedade entre entidades governamentais ou entre o
poder público e entidades não governamentais ou cidadãos.
As mudanças nessas leis e normas regulamentares constituem, assim, alterações na
estrutura de governança territorial urbana do DF. Espera-se que elas constituam tentativas de
o poder público solucionar, entre outros problemas, a ocupação irregular e desordenada do
solo, bem como de promover o fortalecimento da gestão urbana democrática, para que a
propriedade cumpra sua função social e colabore para a melhoria da qualidade de vida da
população e a proteção do meio ambiente.
Analisa-se aqui, com base especialmente na pesquisa de Vicente (2012), se as
mudanças empreendidas no conjunto de regras que conformam a estrutura de governança
territorial urbana do Distrito Federal, no período 1991-2009, fomentaram ou não a “boa saúde
da governança”. Para tanto, faz-se uso dos princípios de boa governança (design principles),
que devem reger um adequado sistema de gestão de bens comuns (commons) por parte de
uma comunidade de usuários, propostos por Elinor Ostrom e seus colegas (COLE; OSTROM,
2012; EPSTEIN, 2012; COX; ARNOLD; TOMÁS, 2010; MCGINNIS; OSTROM, 2010;
SARKER; BALDWIN; ROSS, 2009; OSTROM, 2003; SARKER; ITOH, 2001; OSTROM,
1990).
Acredita-se que o controle das terras no DF pelo poder público tem peculiaridades que
justificam a aplicação dos design principles como parâmetro de análise. Podemos considerar o
território do DF como um bem comum, que vem sendo explorado a partir de um conjunto de
regras que compõe a política de ordenamento territorial. A política de ordenamento territorial
do DF é regida por um conjunto amplo e heterogêneo de regras que têm mudado bastante ao
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3. METODOLOGIA
Apresenta-se aqui estudo de caso, com perspectiva longitudinal (1991-2013), que faz
uma análise das mudanças na estrutura de governança que normatiza o uso, o parcelamento e
a ocupação do solo urbano no DF, à luz dos princípios da boa governança de bens comuns
propostos por Elinor Ostrom e seus parceiros (COLE; OSTROM, 2012; EPSTEIN, 2012;
COX; ARNOLD; TOMÁS, 2010; MCGINNIS; OSTROM, 2010; SARKER; BALDWIN;
ROSS, 2009; OSTROM, 2003; SARKER; ITOH, 2001; OSTROM, 1990).
Frey (2000, p. 220-221) enfatiza a importância de se utilizarem métodos como estudos
de caso longitudinais, capazes de enxergar o modo de funcionamento da construção e
execução das políticas públicas. O citado autor destaca:
Os estudos tradicionais sobre políticas públicas – baseados em métodos
quantitativos – frequentemente são forçados a se limitar a um número reduzido de
variáveis explicativas, devido às dificuldades técnicas e organizativas. No entanto,
se quisermos saber mais detalhes sobre a gênese e sobre o percurso de certos
programas políticos – os fatores favoráveis e os entraves bloqueadores –, então a
pesquisa qualitativa/interpretativa não pode deixar de se concentrar de forma mais
intensa na investigação da vida interna dos processos político-administrativos. Com
esse direcionamento processual, tornam-se mais importantes os arranjos
institucionais, as atitudes, crenças e os objetivos dos atores políticos, os
instrumentos de ação e as estratégias políticas adotadas. (FREY, 2000, p. 220-
221)
Na pesquisa de Vicente (2012), abordaram-se as mudanças nas regras sobre o
ordenamento territorial urbano a partir de duas lentes complementares: (i) o Modelo das
Coalizões de Defesa (MCD), desenvolvido por Sabatier e Jenkins-Smitth (1993; 1999); e (ii)
a análise da aderência, ou não, aos princípios da boa qualidade de governança dos bens
comuns propostos por Ostrom e seus colaboradores. Neste trabalho, o foco está apenas na
segunda lente.
Os documentos analisados na pesquisa de Vicente (2012) totalizaram
aproximadamente doze mil páginas. Eles abrangem, entre outros: relatórios oficiais sobre
investigação de ilegalidades com terras públicas no DF (CPI/1991/1995); os registros sobre o
chamado Fórum de Terras em 1995; os registros das audiências ocorridas ao longo da
Investigação Terracap (2001) e da Comissão Parlamentar de Inquérito dos Condomínios
(2002); o relatório final sobre o inquérito STJ/650 (BRASIL, 2009); e os registros das
audiências ocorridas na revisão do Plano Diretor de Ordenamento Territorial (PDOT) entre
2007 e 2009, promovidas pelo Executivo e pelo Legislativo locais.
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4 RESULTADOS
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35
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25
20 17
15 11
10 7
5 2
0
1970 1980 1990 2000 2012
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Entre 2004 e 2010, foram ajuizadas, pelo MPDFT, 337 ADIns contra 645 leis
distritais, a maior parte delas por vício de iniciativa em assuntos de uso, parcelamento e
ocupação do solo (MPDFT, 2011).
A Lei Complementar nº 13, de 03 de setembro de 1996 e a Emenda nº 40 à Lei
Orgânica do DF, de 2002, reforçada pela Emenda nº 49, de 2007, estatuíram a competência
exclusiva do governador para a alteração de destinação de área pública. Ficou determinado
que o uso, o parcelamento e a ocupação do solo do DF estão intimamente relacionados à
administração de bens do DF, matéria que somente pode ser tratada mediante projetos de lei
de iniciativa exclusiva do Poder Executivo. Mesmo assim, a "sanha legiferante" da CLDF
não conseguiu ser estancada. Os deputados distritais, valendo-se da conveniência política em
atender os interesses políticos de grupos bastante específicos, continuam legislando sobre o
tema, muitas vezes passando por cima da Lei Orgânica e aumentando o número de projetos
inconstitucionais aprovados pela CLDF.
Pode-se afirmar que, historicamente, os arranjos institucionais têm definido arenas de
conflito nas quais as distinções entre o legal e o ilegal são temporárias e acabam contribuindo
por intermináveis disputas judiciais pela titularidade e posse das terras no DF. Assim, as
regras que ordenam o uso, o parcelamento e a ocupação do solo, na prática, têm promovido
conflitos, e não soluções.
De modo geral, a procura pelo Poder Judiciário na resolução dos conflitos sociais no
DF, especialmente pelos direitos de propriedade sobre terras, tem-se acentuado cada vez mais.
Nesse âmbito, o Ministério Público (MP) tem aumentado sua atuação, para garantir a tutela de
direitos coletivos e difusos sobre os conflitos de ordem política, quanto à influência sobre as
políticas públicas e controvérsias a respeito de normas, além dos conflitos de cunho social
(POLI; NOGARA, 2009; CORDIOLI, 2008). A maior atuação do MP na defesa dos
interesses coletivos parece avanço relevante.
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5. O PERÍODO 2010-2013
Mais recentemente, os embates políticos relacionados ao ordenamento territorial
urbano no DF estão centrados na discussão de dois instrumentos legais: o Plano de
Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília (PPCUB) e a Lei de Uso e Ocupação do
Solo do Distrito Federal (Luos)iv.
A proposta do PPCUB encaminhada pelo Executivo foi recebida com forte oposição
de técnicos que lidam com as normas de tombamento. Em audiência pública realizada no
início de dezembro de 2013v, no Senado Federal, Ramos, diretora de patrimônio cultural do
Instituto Histórico e Geográfico do DF, afirmou que, na proposta, quase 70% dos setores que
compõem a área tombada de Brasília sofrem algum tipo de intervenção. Em sua opinião, o
PPCUB erra por não apresentar mapas com as principais alterações, não especificar
claramente o que vai ser modificado e, além disso, não trazer ferramentas para corrigir
desvirtuamentos, como os condomínios residenciais na orla do Lago, potencializando
adensamentos urbanos em quase toda a área tombada sem os devidos estudos de
infraestrutura.
Paranhos, presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB/DF), na mesma
reunião, apontou a especulação imobiliária como raiz das mudanças que colocam em risco o
tombamento do conjunto urbanístico de Brasília. O professor Schvarsberg, da Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo da UnB, por suas vez, mais de 50% do teor do projeto do PPCUB
necessitam ser problematizados.
O processo da Luos encaminhado pelo governo Agnelo tem gerado menos
manifestações públicas do que o PPCUB, mas também não estará isento de conflitos antes da
decisão final. Nessa lei estarão definições importantes sobre a localização de atividades,
gabaritos das edificações e outros elementos, aplicáveis a todas as cidades do DF,
simultaneamente, com exceção da área tombada do Plano Piloto de Brasília, a qual que é
tratada pelo PPCUB.
A Luos consta em previsão expressa da Lei Orgânica do DF desde 1993. A
inexistência desse arranjo institucional reflete na ausência de definições sobre o tema na
grande maioria das localidades urbanas do DF, gerando anacronismos e disfunções no
processo de gestão do território. Durante anos, os ambientalistas demandaram a aprovação
dessa lei. Juntamente com o ZEE, a Luos, em tese, imporá restrições e mecanismos de freios à
expansão urbana desordenada, instituindo instrumentos de gestão mediante os quais as
decisões quanto ao uso e ocupação do território passariam ser tomadas em bases sustentáveis.
A proposta do governo Agnelo, apesar de ter sido submetida a audiências públicas,
não entrou verdadeiramente na agenda política, talvez pelo destaque conferido ao PPCUB. As
críticas já estão surgindo. Na reunião anteriormente citada ocorrida no Senado Federal, Melo,
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6 À GUISA DE CONCLUSÃO
Evidenciou-se na pesquisa a grande distância entre a gestão de terras no DF e
parâmetros adequados de uma boa governança de bens comuns. Essa distância pode ser
explicada, em grande parte, pelas opções, em termos de políticas públicas e de política em
senso estrito, dos grupos que dominaram as arenas decisórias.
As instituições formais que disciplinam o uso, parcelamento e ocupação das terras no
DF mostraram-se fracas para induzir a cooperação efetiva entre os atores e, mais do que isso,
para garantir a prevalência do interesse coletivo. Não se conseguiu, ainda, afastar plenamente
a perspectiva da Tragédia dos Comuns.
Os seis princípios de boa governança de bens comuns adotados na pesquisa –
fronteiras bem definidas, sistemas de monitoramento e fiscalização, sanções graduais,
alinhamento e articulação intersetorial efetiva na gestão, mecanismos de resolução de
conflitos e mecanismos de participação social – podem ser considerados todos relevantes.
Eles funcionam de forma integrada. Pouco adiantará, por exemplo, definir usuários e limites
dos recursos, se não houver monitoramento e fiscalização, ou a possibilidade de serem
aplicadas sanções em caso de irregularidades.
Cabe lembrar que a aplicação desses princípios em um tema como a gestão de terras
públicas no DF impôs adaptações. A dimensão e a complexidade do bem comum em foco –
um território praticamente inteiro de uma unidade federada, sujeito a um forte controle estatal
– conflita, pelo menos parcialmente, com a ótica da auto-organização para a criação de
instituições prevista na lista dos design principles (COX; ARNOLD; TOMÁS, 2010;
MCGINNIS; OSTROM, 2010; OSTROM, 1990). As adaptações nesse sentido parecem
coerentes com as dúvidas pontuais levantadas na revisão sobre a larga aplicação empírica
desses princípios, desenvolvida por Cox, Arnold e Tomás (2010).
Pode-se afirmar que se tem em tela, de forma geral, um modelo de governança
territorial problemático, que:
• privilegiou a doação de lotes para formação de currais eleitorais;
• promoveu alterações de uso do solo e mudanças de destinação de áreas de
forma casuística e indiscriminada, sem uma análise prévia da necessidade e utilidade
dessas alterações, que na maioria das vezes ofenderam os preceitos legais da necessidade
de existência de motivos excepcionais e interesse público comprovado;
• não resolveu as incertezas jurídicas sobre o direito de propriedade
.especialmente, sobre a definição da titularidade e de posses das terras no DF provocando
insegurança do sistema fundiário e registrário no DF;
• não evitou o surgimento de comportamentos oportunistas, nem mitigou os
conflitos entre os grupos por meio de criação de arenas menos custosas para resolução
desses conflitos;
• enfraqueceu os espaços de participação social e não promoveu a
democratização do acesso à moradia;
• estabeleceu um sistema de monitoramento e fiscalização frágil, que não
conseguiu evitar a proliferação de parcelamentos irregulares e habitações em áreas de
risco; e
• trabalhou de forma desarticulada as ações relativas às questões fundiárias,
urbanísticas e ambientais;
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i
Citem-se, na esfera federal, especialmente, a Lei nº 6766/1979 (Lei do Parcelamento do Solo Urbano), a Lei nº
9.605/1998 (Lei de Crimes Ambientais) e a Lei nº 8429/1992 (Lei da Improbidade Administrativa). Na distrital,
o próprio Plano Diretor de Ordenamento Territorial (PDOT), aprovado pela Lei Complementar nº 809/2009 tem
dispositivos expressos nessa linha, sem prejuízo de outras leis locais que poderiam ser mencionadas.
ii
Ver os arts. 213 e 214 da Lei Complementar do DF nº 809/2009.
iii
A maior parte das pessoas costuma associar a ação direta de inconstitucionalidade apenas ao Supremo Tribunal
Federal (STF). O STF julga ADIns relativas à legislação federal. No caso em tela, as ações são propostas no
Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), tendo por base afrontas à Lei Orgânica do DF, que
equivale a uma constituição estadual. A relevância das ADIns comparadas com outros tipos de ação judicial está
no fato de que elas têm eficácia erga omnes, ou seja, se bem sucedidas, barram a aplicação da lei contestada,
excluindo-a do mundo jurídico. Uma declaração incidental de inconstitucionalidade gerada em outros tipos de
lides não tem esse poder amplo.
iv
Ver Projetos de lei complementar nº 78 e 79, de 2013, na CLDF.
v
Notas taquigráficas disponíveis em:
http://www.senado.gov.br/atividade/comissoes/sessao/escriba/notas.asp?cr=2203. Acesso em: 30 dez. 2013.
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