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Silvana Oliveira
O objetivo desta aula é estabecer relações entre a produção literária e
a crítica que se encarrega de sua interpretação. A literatura ganha sentido
no momento em que determinado público especializado dela se ocupa e
propõe interpretações e leituras que devem se sustentar nos elementos
de composição das obras. Assim, a crítica literária se propõe como uma
instituição que valida e, ao mesmo, justifica a existência disto a que cha-
mamos literatura. Estudaremos, portanto, as relações existentes entre a
produção literária e a produção do discurso crítico sobre a literatura.
O que é literatura?
A pergunta que abre esta aula (O que é literatura?) vem sendo feita
há mais de 2 500 anos. Isso mesmo! Não com estas palavras, é claro. Os
gregos antigos, por exemplo, já se dedicavam a pensar sobre aquelas ma-
nifestações do espírito que não tinham uma função muito clara, como as
narrativas contadas de uns para os outros, ou as declamações com temas
alegres ou tristes que emocionavam os ouvintes ou ainda as encenações
teatrais que tanto interessavam ao público da época.
como aedos ou rapsodos, cuja função era a de fazer circular oralmente – por meio
de declamações públicas – essas composições entre o maior número possível de
pessoas. O registro que temos dos textos daquela época é bastante posterior ao
momento em que eles foram compostos.
Como já deve ter ficado claro para todos, estabelecer o conceito de literatura
não é nada simples: dependemos de contextos históricos, referências culturais
e esforço teórico.
Além disso, fica claro de início que a noção de literatura está diretamente re-
lacionada à arte. Pois a literatura é compreendida, de modo geral, como o exer-
cício artístico da linguagem.
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Literatura e crítica literária
Disso podemos concluir que, para os clássicos, ou seja, para os gregos an-
tigos, a literatura é um uso especial da linguagem com o objetivo de criar uma
imitação da realidade.
Funções da literatura
Além do aspecto relacionado ao texto impresso, a partir da Era Moderna a
literatura passou a ter uma relação mais direta com a ideia de ficção, de criação,
afastando-se um pouco da noção clássica de imitação da realidade.
Podemos dizer que, a partir dessa época, acredita-se que ao artista cabe a
visão das coisas como ainda não foram vistas e como são verdadeiramente.
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Em 1442, Johann Gensfleish Gutenberg (1397-1468) desenvolveu técnicas de impressão em papel.
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Podemos então dizer que a literatura existe em relação à época em que foi
produzida e também em relação ao país em que apareceu.
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Literatura e crítica literária
Uma pessoa pode passar a vida inteira resolvendo todos os problemas que se
apresentam para ela usando aquilo que o senso comum determina. Mas, um belo
dia, essa pessoa pode querer pensar um pouquinho mais sobre diferentes formas
de resolver problemas na sua vida e aí ela estará se transformando em um teórico!
A partir desse momento, essa pessoa pode não aceitar mais tão facilmente as
soluções ditadas pelo senso comum. Ela estará muito interessada em pensar por si
mesma e, quem sabe, inventar modos muito originais de enfrentar a realidade.
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Todos nós já nos perguntamos um dia por que Machado de Assis é um autor
tão importante na história da literatura. Quem disse que ele é importante? De
certa forma, foi a crítica literária que disse isso. É claro que não disse sozinha:
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Literatura e crítica literária
Além disso, Candido também considera que o crítico deve ser um “árbitro ob-
jetivo” capaz de julgar o valor da obra artística por meio de dois mecanismos bá-
sicos – a impressão e o juízo. Enquanto Machado de Assis fala em ciência, Antonio
Candido fala em impressão, mas precisamos entender que a impressão adequada
sobre determinada obra necessita do conhecimento – ou seja, da ciência.
Temos então que o papel do crítico literário é julgar – por meio dos conheci-
mentos que a teoria literária estabelece – o valor da obra de literatura.
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Texto complementar
No artigo que você vai ler agora, Machado de Assis apresenta, de forma lúcida
e clara, as características da crítica literária brasileira, bem como discute as fun-
ções do crítico literário e sua importância para que haja uma produção literária
consistente e amadurecida. Leia com atenção, pois o texto vai ajudar na compre-
ensão de muitos conceitos discutidos nesta aula.
Ideal do crítico
(MACHADO DE ASSIS, 1999)
Exercer a crítica afigura-se a alguns que é uma fácil tarefa, como a outros
parece igualmente fácil a tarefa do legislador; mas, para a representação literária,
como para a representação política, é preciso ter alguma coisa mais que um sim-
ples desejo de falar à multidão. Infelizmente é a opinião contrária que domina, e
a crítica, desamparada pelos esclarecidos, é exercida pelos incompetentes.
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Literatura e crítica literária
O crítico atualmente aceito não prima pela ciência literária; creio até que uma
das condições para desempenhar tão curioso papel é despreocupar-se de todas
as questões que entendem com o domínio da imaginação. Outra, entretanto,
deve ser a marcha do crítico; longe de resumir em duas linhas – cujas frases
já o tipógrafo as tem feitas – o julgamento de uma obra, cumpre-lhe meditar
profundamente sobre ela, procurar-lhe o sentido íntimo, aplicar-lhe as leis
poéticas, ver enfim até que ponto a imaginação e a verdade conferenciaram
para aquela produção. Deste modo, as conclusões do crítico servem tanto à
obra concluída como à obra em embrião. Crítica é análise – a crítica que não
analisa é a mais cômoda, mas não pode pretender a ser fecunda.
Com tais princípios, eu compreendo que é difícil viver; mas a crítica não
é uma profissão de rosas, e se o é, é-o somente no que respeita à satisfação
íntima de dizer a verdade.
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Literatura e crítica literária
Será necessário dizer que uma das condições da crítica deve ser a urbanidade?
Uma crítica que, para a expressão das suas ideias, só encontra fórmulas ásperas
pode perder as esperanças de influir e dirigir. Para muita gente será esse o meio
de provar independência; mas os olhos experimentados farão muito pouco caso
de uma independência que precisa sair da sala para mostrar que existe.
Isto pelo que respeita aos poetas. Quanto à crítica dominante, como não
se poderia sustentar por si, ou procuraria entrar na estrada dos deveres di-
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Estudos literários
1. Considere a noção de mimese como os clássicos a concebiam e assinale a
alternativa correta.
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