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TEXTO 1
Medicalizar consiste em “passar a definir e tratar algo como um problema médico”, ou seja, direcionar conhecimentos e recursos técnicos da medicina para tratar algo
que antes não era abrangido pela disciplina. É natural que, à medida que a ciência avance, novas
patologias sejam detectadas (como a depressão ou o autismo, para citar dois exemplos bem SAIBA MAIS!
atuais), e outras, reinterpretadas e descartadas (como a histeria ou mesmo a homossexualidade –
considerada uma doença até poucas décadas atrás). A “medicalização” apresenta dois sentidos na obra de Foucault.
Avanços tecnológicos permitem não só diagnosticar melhor, mas também diagnosticar mais, O primeiro compreende processo de sanitarização, entre os
mesmo condições que não coloquem a vida em risco ou comprometam sua qualidade. O séculos XVII e o XIX, que promoveu o desenvolvimento de
importantes cidades europeias e a erradicação de algumas
problema reside precisamente na facilidade com que novas doenças podem ser hoje “criadas”, doenças. O segundo momento refere-se à “medicalização
quando situações antes tidas como meras variações da normalidade acabam patologizadas, indefinida”, que teve início ao final do século XIX e se estende até
algumas de forma justificada, outras, não. aos dias atuais, e é caracterizada por uma extrapolação da
O termo medicalização começou a ser usado nos anos 1970 principalmente por autores como o ciência médica à vida como um todo. Esse processo de
sociólogo médico estadunidense Peter Conrad, o polímata austríaco – crítico da sociedade medicalização refere-se ao conceito de biopoder – conjunto de
industrial – Ivan Illich e o psiquiatra húngaro Thomas Szasz, que apontavam sua proeminência práticas estatais instrumentalizadas por meio de técnicas de poder
especialmente no campo das enfermidades psiquiátricas, denunciando-a como uma forma de que buscam exercer o controle sobre os indivíduos e sobre as
controle social do comportamento e subjetividade individuais, ideia que já vinha de Foucault. populações a partir do dado biológico humano.
Jorge Quillfeldt. Medicina científica x medicalização da vida. Revista Scient American Brasil, ano 13, n. 155. [Adaptado].
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Com o avanço do tratamento psicofarmacológico, nos casos de depressão severa e grave, acaba incluindo-se também o tratamento psicofarmacológico para os casos
de depressão leve e a transtornos aos quais, a priori, não seriam indicados tais psicofármacos. Não só pessoas depressivas estão tomando tais medicações, mas também
pessoas que querem se adaptar melhor à rotina do dia a dia.
Antidepressivos comuns estão sendo usados e indicados em casos que não têm relação com a depressão, como, por exemplo, a tensão pré-menstrual, a dor física, o
mau humor, a ejaculação precoce, entre outros. Esses não têm relação direta com a depressão, mas geralmente dão ao indivíduo a ideia de sofrimento e mal-estar que
deve ser remediado com antidepressivos.
O problema é que, sem que o sujeito perceba, a medicação tenta suprimir não só o sofrimento, mas também tudo aquilo que o indivíduo deseja e não pode possuir.
Tudo o que a mídia e a propaganda oferecem e que o indivíduo não pode ter. A medicação retira o indivíduo da percepção da angústia e dá-lhe um silenciamento cada
vez maior. Retira-o da percepção da crítica e dá-lhe a aceitação incondicional dos ditames de uma sociedade normativa.
Esses casos de uso abusivo de ansiolíticos e antidepressivos são incentivados, principalmente, pela indústria farmacêutica. Afinal, não é da vontade de uma companhia
farmacêutica reduzir o uso de seu produto tampouco curar transtornos, pois a cura desses transtornos significaria a morte, morte de seus rendimentos. O aumento do
mercado e da venda de antidepressivos e ansiolíticos não diminui os casos de depressão. Não é a medicação que cura a depressão. Dessa forma, os clientes das
indústrias farmacêuticas acabam se tornando clientes vitalícios.
Além disso, pessoas sem transtorno mental ou doença alguma têm feito uso de medicações que serviriam para tratar disfunções cerebrais, mas que nelas intensificam
a atenção, concentração, memória e aumentam o desempenho cognitivo. São as chamadas pílulas da inteligência. Exemplo disso é a criança no contexto escolar que, ao
apresentar um comportamento adverso, uma dificuldade de aprendizado, ou um dos diversos transtornos vigentes possíveis até o momento, é comum que ela seja
encaminhada a um atendimento especializado para ser atendida ou medicada, e, posteriormente, aguardar resultados na questão da aprendizagem.
Filipe Barbosa Margarido. A banalização do uso de ansiolíticos e antidepressivos. Revista de Psicologia, v. 15, n. 22, 2012. [Adaptado].