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108 Situação da Infância Brasileira 2006

Índice de
Desenvolvimento Infantil
O IDI é um instrumento que contribui para a formulação e o monitoramento

de políticas públicas orientadas à infância no Brasil. Seu objetivo

é ajudar a atingir os compromissos assumidos na Declaração do Milênio

Os conceitos de desenvolvimento infantil e incluídos no Plano Presidente Amigo da Criança


desenvolvimento humano são complexos e e do Adolescente, lançado em 2003 pelo gover-
envolvem dimensões nem sempre fáceis de no brasileiro.
expressar em um índice. A idéia de criar um Índi- A Convenção e o Estatuto reconhecem que
ce de Desenvolvimento Infantil (IDI) surgiu da neces- as crianças são sujeitos de direito, sem distin-
sidade de promover e desenvolver políticas públi- ção de raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião
cas orientadas para os primeiros seis anos de vida política, origem nacional ou social, posição eco-
da criança, período em que se formam grande par- nômica e nascimento; que toda criança tem direi-
te das capacidades cognitiva, emocional, social e to a sobrevivência sadia, desenvolvimento ple-
de desenvolvimento físico da pessoa. no e proteção contra todas as formas de discri-
Nesse sentido, o IDI é mais um instrumento minação, exploração e abuso; que a criança tem
que contribui para a formulação e o monitoramen- direito a uma vida saudável e a um desenvolvi-
to de políticas públicas orientadas à primeira infân- mento pleno na primeira infância. Isso implica que
cia que o Brasil pode usar para alcançar os com- o governo tem a responsabilidade e a obrigação
promissos assumidos na Declaração do Milênio, de oferecer acesso a serviços de qualidade, e a
em 2000. Esse documento originou os oito família tem o compromisso de proteger e cuidar
Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), da criança nessa fase especial de desenvolvimen-
que 191 Estados-membros das Nações Unidas se to. Não se deve esquecer que constitucionalmen-
comprometeram a alcançar até 2015. Por sua desa- te não se trata de uma atribuição apenas do gover-
gregação municipal, o IDI é particularmente útil no. A família e a comunidade também têm res-
para mobilizar recursos e vontade política, no pro- ponsabilidade nos cuidados com a criança.
cesso de descentralização e municipalização das Sob essa perspectiva, o IDI incorpora variáveis
políticas e dos serviços destinados ao desenvol- relacionadas a: oferta de serviços de saúde; ofer-
vimento infantil. ta de serviços de educação; e cuidado e proteção
A Declaração e os Objetivos do Milênio foram que a família deve proporcionar à criança nos pri-
pautados por diversos acordos e instrumentos meiros anos (representados pelo nível de educa-
jurídicos internacionais, como a Convenção sobre ção do pai e da mãe).
os Direitos da Criança, cujos princípios e conteú- O IDI 2004 poderá ser comparado com o IDI
do no Brasil estão traduzidos no Estatuto da 1999, permitindo, assim, que se verifique o grau
Criança e do Adolescente. Os Objetivos do de avanço dos Estados e municípios no período.
Milênio relativos à infância foram adaptados e Além de apresentar a posição de cada município
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no âmbito estadual e nacional, é possível identi- inicial do processo educacional. É o que susten-
ficar quem teve os maiores ganhos e verificar as ta a Declaração Mundial sobre Educação para Todos,
boas práticas de políticas públicas associadas a de 1990, aprovada em Jontien, na Tailândia, ao afir-
esses avanços. mar que a aprendizagem se inicia com o nascimen-
to. Dez anos mais tarde, no Fórum Mundial de
Educação, realizado em Dakar, Senegal (2000),
A CONCEPÇÃO DE INFÂNCIA entre as metas fixadas encontravam-se a expan-
E OS DIREITOS DA CRIANÇA são e o aprimoramento da assistência e educação
da primeira infância, especialmente para as crian-
As transformações na sociedade contemporâ- ças mais vulneráveis e desfavorecidas.
nea têm ocasionado mudanças na concepção de Assim, a relevância atribuída recentemente
infância. Considerada etapa fundamental no proces- à saúde, à assistência e à educação da criança
so de construção da cidadania, hoje ela emerge como corresponde, portanto, ao reconhecimento do
realidade social. O reconhecimento do significado papel crucial dos primeiros anos de vida no
da infância e dos direitos da criança em seus pri- desenvolvimento integrado das potencialidades
meiros anos de vida vem sendo tratado como assun- psíquicas do ser humano, não apenas no que
to prioritário por governos, organismos internacio- diz respeito às dimensões intelectuais e cogni-
nais e organizações da sociedade civil, em um núme- tivas, mas também ao equilíbrio emocional e à
ro crescente de países em todo o mundo. sociabilidade, essenciais para a formação da pes-
De forma geral, os estudos recentes sobre soa e do cidadão, de acordo com o Plano Na-
a primeira infância concentram a atenção em ques- cional de Educação (PNE, 2001), do Ministério
tões como mortalidade infantil, nutrição, saúde da Educação (MEC).
e as relações entre infância, família e pobreza. Nesse contexto, vale lembrar a base doutinária
A família é um espaço indispensável para a garan- do Estatuto da Criança e do Adolescente, que segue
tia da sobrevivência, do desenvolvimento e da pro- a concepção de proteção integral. O direito ao desen-
teção integral da criança, independentemente do volvimento da sociabilidade da criança como cida-
arranjo familiar. É consenso entre especialistas dã implica cumprir alguns direitos fundamentais, como:
que os primeiros anos de vida são caracteriza- • Direito à vida e à saúde, que requer o desenvol-
dos por um rápido e significativo desenvolvimen- vimento de políticas que lhe permitam ter um
to físico e mental. Tais aspectos têm sido con- desenvolvimento sadio e digno. Isso envolve
siderados como alicerces das capacidades cog- ampliação de programas de pré-natal, condições
nitivas e emocionais futuras. Nesse contexto, os de amamentação, apoio alimentar à gestante e
serviços de educação infantil assumem um papel à nutriz, atendimento especializado aos porta-
importante e, em complementação à ação da famí- dores de deficiência e proteção contra a práti-
lia, devem proporcionar condições adequadas de ca de maus-tratos.
desenvolvimento físico, emocional, cognitivo e • Direito a liberdade, respeito e dignidade, que
social da criança. requer tanto o reconhecimento da criança como
A educação da criança nessa etapa inicial do um ser em desenvolvimento, com direitos asse-
ciclo de vida não é apenas um direito de cidada- gurados pela Constituição e pelas leis, como tam-
nia. Configura-se como essencial para que seja pos- bém a materialidade desses direitos. Chama a
sível assegurar uma vida digna a todas as crian- atenção o artigo 16, que trata do direito de brin-
ças brasileiras. A garantia do direito à educação car, praticar esportes e divertir-se.
em creches e pré-escolas públicas de qualidade Entretanto, ao mesmo tempo em que se pro-
é um dos aspectos mais importantes para se cons- cura respeitar os direitos da criança, é importan-
truir uma sociedade mais igualitária. Assim, cada te ressaltar que muitas delas vivem em situações
vez mais a educação infantil se afirma como o nível adversas, enfrentando condições de vida precá-
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rias, que vão desde exploração do trabalho infan- de 13,6% em 2000. Tal processo resultou da
til até abuso e exploração sexual por parte de adul- combinação de um conjunto de fatores, como
tos. Soma-se a isso a falta de atenção às crianças a intensa urbanização, a queda da taxa de fecun-
com necessidades especiais. didade, os avanços tecnológicos nos meios de
comunicação, além do ingresso maciço de
mulheres no mercado de trabalho, ocasionan-
ANÁLISE DOS RESULTADOS do uma demanda significativa de serviços rela-
tivos à primeira infância.
Antes de iniciar a análise do IDI, é preciso con- No Brasil, o número de crianças na primei-
siderar que, para planejar metas de políticas rela- ra infância gira em torno de 23 milhões, sendo
tivas às crianças com alcance de médio e longo a participação de crianças de até 6 anos no Norte
prazo, deve-se levar em conta o comportamen- e Nordeste superior à das demais regiões. Em
to demográfico da população brasileira. Por isso, especial nos Estados do Amapá, Roraima, Acre
apresenta-se inicialmente a representatividade e Amazonas, justamente na região menos desen-
das crianças de até 6 anos na composição da volvida do País, esse grupo representa cerca de
população brasileira. um quinto da população total de cada Estado
que a compõe, o que indica que as organizações
A representatividade das crianças de governamentais devem dar atenção especial a
até 6 anos no conjunto da população essa região. A propósito, as taxas de fecundi-
dade no Norte são historicamente as mais ele-
As estatísticas recentes vêm mostrando mu- vadas do País.
dança no comportamento etário da população
brasileira. As duas tendências mais evidentes Comparação entre o IDI 1999
são a redução da participação de crianças e e o IDI 2004
jovens e o crescimento da proporção de pes-
soas idosas. Segundo o IBGE, em 1980, as A comparação do IDI referente ao ano de 1999
crianças menores de 6 anos representavam com o de 2004 demonstra que no período entre
18,9% da população; em 1991, sua participação o cálculo dos dois índices houve melhoria sig-
reduziu-se para 15,9%, chegando à porcentagem nificativa – o valor saltou de 0,61 para 0,67, apre-

Resumo dos procedimentos de cálculo e processamento


Indicadores do IDI passam por revisão

Foram encontradas divergências de ças vacinadas contra sarampo”, do Mi- sua maior representatividade. Os da-
valores na validação dos dados utilizados nistério da Saúde. Manteve-se o percen- dos foram especialmente enviados ao
e divulgados em 2001. Então, decidiu-se tual de crianças de 4 a 6 anos no pré-esco- UNICEF pelo Ministério da Saúde.
recalcular o IDI 1999 para possibilitar a lar, enquanto o indicador de sarampo foi É importante esclarecer ainda que
comparação com o índice de 2004. Além substituído pelo percentual de crianças indicadores relativos à escolaridade pre-
disso, houve alteração da fórmula de cál- vacinadas com DTP (1999) e tetravalen- cária dos pais foram recalculados para
culo dos indicadores “percentual de crian- te (2004), que passou a fazer parte do cál- o ano de 1996, visto que não foi pos-
ças de até 3 anos matriculadas em cre- culo do IDI por orientação e recomenda- sível validar os cálculos divulgados para
che”, do Inep/MEC, e “percentual de crian- ção do Ministério da Saúde, devido à o IDI 1999.
Veja informações nos textos A composição do IDI, A construção do IDI, A fórmula do IDI e A interpretação e o uso do IDI.
Índice de Desenvolvimento Infantil 111

Gráfico 1 Gráfico 2

Proporção das crianças de até 6 anos de idade Índice de Desenvolvimento Infantil (IDI)
Brasil e grandes regiões (2000) Brasil e grandes regiões (1999 e 2004)

17,9%
0,75
0,73
0,70 0,70
0,67 0,67
15,0%
0,64
13,9% 0,61
13,6%
0,56 0,56
12,6%
12,3%

0,48 0,49

Brasil Centro-Oeste Nordeste Norte Sudeste Sul Brasil Centro-Oeste Nordeste Norte Sudeste Sul

Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2000. 1999 2004

sentando acréscimo de quase 10%. Entretanto, É consenso entre os especialistas que a esco-
para efeito de interpretação, com base na mes- laridade dos chefes ou responsáveis pela família
ma classificação do Índice de Desenvolvimento afeta de forma substancial o nível de bem-estar
Humano (IDH), esse valor ainda é considerado de seus filhos. Do ponto de vista socioeducacio-
um padrão médio de desenvolvimento infantil. nal, condiciona as chances de escolarização dos
Em termos regionais, os valores do IDI refle- filhos e a própria ambiência cultural da família. Esse
tem as condições históricas de desenvolvimen- condicionamento sociocultural dos pais é ressal-
to socioeconômico do País. Nas regiões menos tado nas avaliações de programas de igualdade de
favorecidas, como o Norte e o Nordeste, o índi- oportunidades escolares implementados pelos
ce é significativamente mais baixo que a média governos, que enfatizam ser a “família educóge-
nacional. Nessas duas grandes regiões, a melho- na” geralmente mais importante que os próprios
ra foi mais expressiva que no restante do País, fatores intra-escolares no processo de desenvol-
apresentando acréscimo em torno de 15%. Esse vimento educacional das crianças.
avanço pode estar associado às políticas sociais Também é consensual que a família é um espa-
ali implementadas, que têm beneficiado as famí- ço privilegiado para o adequado desenvolvimento
lias e as crianças residentes em regiões mais caren- humano, concepção já consagrada em documentos
tes. No Sudeste e no Sul, o IDI alcançado é con- internacionais e, no caso do Brasil, em sua Constituição
siderado de padrão médio de desenvolvimento e no Estatuto da Criança e do Adolescente.
(0,75 e 0,73, respectivamente), bem acima do índi- Sob tal ótica, ao analisar a proporção de crian-
ce nacional. Mas, antes de comentar em detalhes ças de até 6 anos que moram com pai ou mãe com
o IDI dos Estados e municípios brasileiros, é impor- escolaridade de até três anos de estudo (conside-
tante conhecer os indicadores que o compõem. rada baixa), é possível dimensionar a vulnerabili-
dade das crianças na primeira infância, situação
Escolaridade precária dos pais intimamente relacionada aos recursos educacio-
nais de suas famílias.
Para compreender melhor o IDI, é necessário As duas grandes regiões geográficas que apre-
fazer uma análise específica de cada um dos indi- sentam os maiores valores do IDI são justamen-
cadores que compõem o índice. te aquelas em que o nível educacional dos pais
112 Situação da Infância Brasileira 2006

Tabela 1
Proporção de crianças de até 6 anos cujos responsáveis têm escolaridade precária (1996-2000)
Regiões Pai Variação Mãe Variação
1996 2000 (b/a)*100- (b-a) 1996 2000 (d/c)*100- (d-c)
(a) (b) 100 (c) (d) 100
Brasil 37,1% 32,3% -12,9% -4,8% 32,6% 27,8% -14,7% -4,8%
Centro-Oeste 28,7% 25,0% -12,9% -3,7% 24,1% 20,2% -16,2% -3,9%
Nordeste 59,8% 53,2% -11,0% -6,6% 50,4% 44,2% -12,3% -6,2%
Norte 50,5% 44,6% -11,7% -5,9% 44,8% 38,6% -13,8% -6,2%
Sudeste 23,5% 20,1% -14,5% -3,4% 22,0% 18,2% -17,3% -3,8%
Sul 21,5% 17,4% -19,1% -4,1% 20,7% 16,9% -18,4% -3,8%
Fonte: IBGE, Contagem da População 1996 e Censo Demográfico 2000.

e das mães é mais favorável. Em 2004, nidades no processo de desenvolvimento, do qual


enquanto no Sul e no Sudeste o percentual de são, ao mesmo tempo, sujeitos e beneficiários.
pais com escolaridade de até três anos de estu-
do era de 17,4% e 20,1%, respectivamente, no Matrícula no pré-escolar
Norte essa proporção era mais que o dobro
(44,6%) e no Nordeste a situação era ainda mais Ter acesso ao pré-escolar é um direito da crian-
preocupante, demonstrando que a maioria dos ça garantido pela Constituição brasileira e referen-
pais de crianças na primeira infância tem nível dado no PNE. Os estudos sobre o impacto da edu-
de escolaridade baixo (53,2%). No caso das mães cação infantil na vida futura da criança vêm mobi-
de crianças de até 6 anos, observa-se a mesma lizando cada vez mais as pesquisas acadêmicas inter-
tendência regional, ainda que as mulheres apre- nacionalmente, e se configuraram como cruciais no
sentem um nível educacional um pouco mais alto que se refere às decisões de políticas governamen-
que o dos homens. tais nos anos 1980.
Como esses indicadores influem na estrutu- Ao comparar os percentuais de crianças de 4
ra de cálculo do IDI, os resultados expressam a 6 anos de idade matriculadas no pré-escolar, veri-
melhores condições de bem-estar para as crian- fica-se um salto significativo em âmbito nacional,
ças residentes no Sul e no Sudeste. Cabe desta- de 44,4% em 1999 para 55,1% em 2004, o que
car, no entanto, que entre 1999 e 2004 a redução corresponde a um crescimento de 24,1%, influen-
na proporção de pais e mães com pouca escola- ciado, principalmente, pelo aumento ocorrido nas
ridade, em termos de pontos percentuais, foi maior regiões Norte e Nordeste. Sem dúvida, constata-
no Nordeste e no Centro-Oeste, seguida pelo Norte, se melhora acentuada na escolarização desse gru-
o que certamente corresponde a um dos fatores po populacional, contudo ainda muito distante das
de influência na melhoria do IDI nessas regiões. metas fixadas pela Conferência Mundial sobre
Sem dúvida, a baixa escolaridade do responsá- Educação Para Todos, em 1990.
vel familiar compromete atributos básicos, que inte- As crianças residentes no Norte e no
gram o paradigma de desenvolvimento humano sus- Nordeste apresentaram as maiores taxas de
tentável que vem sendo promovido pelo Programa matrícula no pré-escolar. Segundo especialis-
das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud): tas da área, a situação mais favorável dessas
• O desenvolvimento das pessoas (no caso, de crianças se deve a programas socioeducativos
crianças de até 6 anos), no sentido de aumen- infantis implementados no nível municipal des-
tar suas oportunidades, potencialidades e direi- de 1985, cujas perspectivas compensatórias de
tos de escolha. pré-escolarização foram efetivas. Já no Sul, por
• O desenvolvimento pelas pessoas, para aumen- exemplo, o nível econômico-cultural da região
tar a participação ativa dos indivíduos e das comu- oferece alternativas de melhor atendimento no
Índice de Desenvolvimento Infantil 113

âmbito familiar, em relação à educação infan- ças de famílias com maior e menor poder aqui-
til. Além disso, no Sul a maioria das crianças de sitivo: à medida que a renda familiar aumenta,
6 anos de idade encontra-se matriculada no ensi- crescem os níveis de escolarização. Em média,
no fundamental. Isso porque, antes mesmo do as crianças de 4 a 6 anos pertencentes às famí-
PNE, muitos municípios, fundamentados na Lei lias mais favorecidas têm 60% mais oportuni-
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional dade de estudar que as menos favorecidas eco-
(LDBEN), de 1996, incorporaram a matrícula das nomicamente. Contudo, outros fatores podem
crianças de 6 anos ao ensino fundamental. Uma interferir na taxa de escolarização das crianças,
das explicações está associada à implantação entre os quais se destacam: o número de pes-
do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento soas que moram com a criança, o grau de esco-
do Ensino Fundamental e de Valorização do laridade dos pais, a sua condição na casa (filho,
Magistério (Fundef), o qual levou muitas pre- outro parente ou agregado) e a carga horária de
feituras a redirecionar e retrair suas ações em trabalho da mãe.
relação à educação infantil, pois esse fundo se Nesse sentido, as políticas públicas devem
estruturou de forma a priorizar a aplicação do levar em consideração as condições sociais e eco-
orçamento municipal para a educação no ensi- nômicas das famílias e seus locais de residên-
no fundamental. O projeto de ampliação do ensi- cia, dado que a renda familiar e as escassas ver-
no fundamental para 9 anos tende a intensifi- bas públicas de grande parte dos municípios aca-
car a incorporação das crianças de 6 anos no bam por ser fatores que marcam a desigualda-
ensino fundamental. de na democratização do acesso da primeira infân-
A situação de escolarização das crianças de cia à educação.
4 a 6 anos se reporta às exigências legais con-
tidas no PNE 2001 quanto ao prazo para que a Cobertura pré-natal adequada
meta de cobertura seja atingida: 60% da popu-
lação de 4 a 6 anos (ou de 4 e 5 anos) na esco- Outro indicador de extrema relevância na com-
la até 2006 e 80% até 2011. Nessa perspecti- posição do IDI refere-se ao número de consultas
va, o Brasil ainda tem grandes desafios para no pré-natal. Segundo a Organização Mundial da
alcançar suas metas, e no cenário atual apenas Saúde (OMS), assistência pré-natal é um conjun-
a Região Sudeste apresenta possibilidade de atin- to de cuidados médicos, nutricionais, psicológi-
gir o estabelecido. cos e sociais destinados a proteger o binômio
Estudos anteriores divulgados por UNICEF, feto/mãe durante a gravidez, o parto e o puerpé-
IBGE e Unesco já demonstraram que um dos rio, tendo como principal finalidade a diminuição
fatores que mais influenciam na escolaridade das da morbimortalidade materna e perinatal. O ideal
crianças é, sem dúvida, a renda da família. A aná- é um intervalo de quatro semanas entre as con-
lise das taxas de escolarização, considerando- sultas, para avaliar, por exemplo, o estado geral
se o rendimento mensal familiar, permite iden- da gestante, sua pressão arterial e o crescimen-
tificar uma nítida desigualdade entre as crian- to uterino, assim como os batimentos cardíacos
Tabela 2
Crianças de 4 a 6 anos de idade matriculadas no pré-escolar (1999 e 2004)
Grandes regiões 1999 2004 Variação
Brasil 44,4% 55,1% 24,1%
Centro-Oeste 35,6% 46,2% 29,8%
Nordeste 42,1% 57,1% 35,6%
Norte 34,2% 46,5% 35,7%
Sudeste 52,1% 60,7% 16,5%
Sul 39,6% 45,6% 15,1%
Fonte: Ministério da Educação (MEC), 1999 e 2004.
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e os movimentos do feto. Após a 36ª semana, a O nível educacional da gestante é, sem dúvi-
gestante deve ser acompanhada em intervalos da, outro determinante da maior taxa de cober-
de sete a quinze dias. tura pré-natal adequada. Quanto mais escola-
Para o cálculo do IDI considera-se a propor- rizada for a gestante, maior a conscientização
ção de gestantes com mais de seis consultas sobre os serviços de saúde a que tem direito
no pré-natal. Essa média foi estabelecida pela para o atendimento recomendável durante a ges-
Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) e tação. Ou seja, acompanhamento pré-natal com
pelo Ministério da Saúde a fim de garantir que mais de seis consultas médicas ao longo da gra-
se realizem os exames necessários para avaliar videz, realização de todos os exames necessá-
as condições da mãe (sangue e urina) e da criança, rios e acesso a todas as informações relevan-
e para pesquisar infecções e imunizar o feto con- tes para que tenha gestação, parto e pré-par-
tra doenças como o tétano neonatal. Dada a to tranqüilos.
importância do pré-natal para evitar a mortalida- Estudos recentes apontam que o desenvol-
de perinatal (que representa praticamente a meta- vimento infantil sadio está intimamente ligado
de da mortalidade infantil no País) e os óbitos à formação de um bom vínculo entre a mãe e
maternos, esse indicador, em conjunto com as o bebê desde a gestação, em especial no primei-
taxas de cobertura de vacinação, é considerado ro ano de vida. Como afirma Winnicott (1978),
de extrema relevância para aferir as condições um bebê não existe sozinho, ele é essencialmen-
de sobrevivência das crianças no primeiro ano te parte de uma relação que se estabelece de
de vida. forma precoce, desde a gestação. Acreditando
Em termos nacionais, o percentual de ges- ser a formação desse vínculo a semente mais
tantes com cobertura pré-natal adequada importante para o desenvolvimento do indivíduo
apresentou crescimento 5,7 pontos percen- e sabendo da precocidade com que essa rela-
tuais, no período de 1998 a 2002, passando de ção é estabelecida, o atendimento à gestante
43,1% para 47,8%. Os maiores avanços são torna-se fundamental.
observados nas regiões Sudeste, Sul e Cen- A gravidez é um período de preparação físi-
tro-Oeste, enquanto no Nordeste a taxa pra- ca e psicológica muitas vezes marcado por uma
ticamente se manteve constante. O Sudeste variedade de sentimentos que fornecem a ener-
liderou a melhoria do atendimento pré-natal – gia necessária para a mulher se ajustar à nova
no mesmo período, o aumento foi quase o identidade. Além dos aspectos de saúde físi-
dobro do observado para o conjunto do País. ca, a questão emocional é determinante para
Em contrapartida, no Norte houve queda subs- o bem-estar da mulher grávida. Esse período
tancial no atendimento às gestantes (8,6 pon- é propício para intervenções que visem sobre-
tos percentuais). tudo preparar a mulher para o parto, a amamen-
Provavelmente, a queda no Norte e a pou- tação, os cuidados com o bebê e a prevenção
ca variação encontrada no Nordeste possam ser de futuros problemas que podem ser identifi-
explicadas pela oferta precária de serviços públi- cados prematuramente.
cos de saúde nessas regiões. No Sudeste, Sul Para que isso ocorra, é necessário a mãe
e Centro-Oeste, além de a oferta pública de ser- apresentar um bom capital emocional e ter uma
viços de saúde ser maior, as famílias com crian- boa rede de apoio, na família e nos serviços
ças pequenas possuem melhores condições assistenciais, hospitalares e comunitários.
socioeconômicas, o que lhes permite buscar Com a intenção de protegê-la, reforçando-a nes-
assistência pré-natal em clínicas particulares. se lugar de privilégio, modeladora entre o bebê
Portanto, esse é um forte determinante de me- e o mundo, essa rede de apoio deve ser iden-
lhores condições de bem-estar das gestantes tificada e analisada para ser otimizada. Assim,
nessas regiões. é preciso implementar políticas públicas de saú-
Índice de Desenvolvimento Infantil 115

Gráfico 3

Proporção de gestantes com mais de seis consultas pré-natais


Brasil e grandes regiões (1998 e 2002)
60,7%
58,6%

54,7%

50,6% 51,4%
47,8% 47,5%

43,1%

33,7% 34,7%
32,9%

26,1%

Brasil Centro-Oeste Nordeste Norte Sudeste Sul


Fonte: Ministério da Saúde, Datasus. 1998 2002

de mais efetivas no Norte e no Nordeste, pois ra homogênea em alta porcentagem de crian-


apenas um terço das gestantes dessas regiões ças em todo o País (90% ou mais) pode con-
recebe o atendimento mínimo de seis consul- trolar ou eliminar as doenças para as quais elas
tas durante o pré-natal. foram desenvolvidas.
A saúde materna e infantil ainda enfrenta pro- No Brasil, até a década de 1970, quando foi
blemas graves e evitáveis. Apesar do grande pro- criado o Programa Nacional de Imunização (PNI), ape-
gresso no combate a diversos problemas – como nas uma pequena parcela de crianças era vacinada.
doenças infecciosas na infância, desnutrição, par- O programa organizou, de maneira racional e padro-
tos não seguros e bebês com baixo peso ao nas- nizada, a conservação e a distribuição das vacinas
cer –, eles ainda contabilizam mais de um terço em todo o País. Como resultado desse esforço, ao
da mortalidade em todo o mundo, e quase meta- final dos anos 1990, a cobertura foi significativamen-
de nos países de baixa e média renda. te ampliada. Em termos nacionais, em 1999 a meta
de cobertura atingia mais de 90% das crianças, mas
Imunização ficou bem abaixo desse patamar no Norte e no
Nordeste (75,6% e 88,7%, respectivamente), co-
A imunização é um excelente exemplo de inter- mo pode ser observado na Tabela 3, o que indica a
venção que envolve a família, a comunidade e os necessidade de se aprofundarem os esforços nes-
serviços públicos, com custos relativamente bai- sas regiões em relação à saúde da criança.
xos. Além disso, permite um impacto enorme no Em 2004, a cobertura com a vacina tetrava-
desenvolvimento infantil, uma vez que ajuda a lente teve um acréscimo na taxa geral do País,
garantir o crescimento seguro da criança, evitan- atingindo as metas ideais, ou seja, a quase tota-
do doenças perigosas. lidade das crianças com menos de 1 ano de ida-
Há várias décadas a luta mundial contra algu- de, residentes no Brasil. Destaca-se a Região
mas doenças graves e freqüentes dispõe de vaci- Norte, onde o aumento foi mais significativo:
nas de alta eficácia e segurança, entre elas a saltou de 75,6% para 92,1%, o que represen-
DTP, vacina tríplice contra difteria, coqueluche ta acréscimo de quase 22% em cinco anos.
e tétano, e a tetravalente, composta da DTP e Esse cenário favorável é conseqüência das
da Hib (Haemophilus influenzae tipo b). Segundo amplas campanhas de vacinação desenvolvi-
a OMS, a aplicação dessas vacinas de manei- das nos últimos anos.
116 Situação da Infância Brasileira 2006

Tabela 3
Imunização, com DTP e tetravalente, em crianças menores de 1 ano de idade (1999 e 2004)
Grandes regiões DTP (1999) Tetravalente (2004) Variação
Brasil 94,5% 96,2% 1,8%

Centro-Oeste 96,8% 100,0% 3,3%


Nordeste 88,7% 93,6% 5,5%
Norte 75,6% 92,1% 21,6%
Sudeste 100,0% 96,9% -3,1%
Sul 93,7% 100,0% 6,7%
Fonte: Ministério da Saúde, 1998.

O maior aumento na cobertura com a tetrava- ção, com índice de 0,78. Nos demais Estados,
lente no Norte ajuda a criança a ter uma vida mais o IDI se manteve no padrão médio de desenvol-
saudável e constitui-se em mais um dos fatores vimento infantil (variando de 0,78 no Distrito
que justificam a significativa melhoria do IDI 2004 Federal a 0,52 no Acre) e apenas em Alagoas o
daquela região. Entretanto, a cobertura vacinal é índice continua abaixo de 0,50, o que correspon-
um indicador que mede apenas o acesso à vaci- de a um padrão de baixo desenvolvimento infan-
nação, não se podem inferir informações sobre a til. Vale lembrar a importância da educação no pro-
qualidade e a variedade dos serviços disponíveis cesso de desenvolvimento humano, pois justa-
em cada um dos Estados brasileiros. mente nesse Estado, em 2004, havia um terço
da população adulta analfabeta e 45% com esco-
laridade inferior a quatro anos de estudo, o que
IDI ESTADUAL corresponde ao nível de analfabetismo funcional.

Mantendo a tendência regional, em quase


todos os Estados, o IDI 2004 melhorou em IDI MUNICIPAL
relação ao de 1999. O Estado de São Paulo se
destaca por ter atingido um IDI que o coloca na Em 1999, quase 40% dos municípios brasilei-
condição de apresentar alto desenvolvimento infan- ros apresentavam IDI abaixo de 0,50, demonstran-
til, pois foi o único que atingiu o patamar de 0,80. do desenvolvimento infantil baixo. Em 2004, ain-
O Distrito Federal tende a chegar a essa condi- da se encontravam nesse patamar 25% dos muni-

Gráfico 4
Índice de Desenvolvimento Infantil (IDI) por unidades da Federação (2004) 0,80
0,78
0,76
0,75
0,74
0,72
0,72
0,69
0,68
0,65

0,65

0,65
0,65
0,62
0,60

0,60
0,58
0,58

0,58
0,57
0,55
0,54
0,53
0,53
0,52

0,52
0,47
ALAGOAS

ACRE

AMAZONAS

BAHIA

PIAUÍ

MARANHÃO

PARÁ

PARAÍBA

TOCANTINS

CEARÁ

RONDÔNIA

PERNAMBUCO

RIO GRANDE DO NORTE

SERGIPE

MATO GROSSO

MINAS GERAIS

AMAPÁ

RORAIMA

MATO GROSSO DO SUL

GOIÁS

PARANÁ

RIO GRANDE DO SUL

ESPÍRITO SANTO

RIO DE JANEIRO

SANTA CATARINA

DISTRITO FEDERAL

SÃO PAULO
Índice de Desenvolvimento Infantil 117

cípios, ou seja, quase 1.350 municípios. No padrão longo dos últimos anos no Norte e no Nordeste,
considerado médio, enquadram-se cerca de ainda há grandes dificuldades. A cobertura assis-
3.650 municípios, e apenas em torno de 560 estão tencial e educacional para as crianças de até
acima de 0,80 – nível classificado como desenvol- 6 anos está distante de atingir patamares ade-
vimento infantil alto. quados às necessidades reais da sociedade
brasileira.
O grau de bem-estar e vulnerabilidade das
CONSIDERAÇÕES FINAIS crianças está relacionado à escolaridade dos pais
e ao poder aquisitivo da família. Portanto, a aná-
Entre 1999 e 2004 o IDI nacional melhorou lise da situação das crianças associa-se à con-
significativamente, sobretudo com o impacto do dição socioeconômica das famílias brasileiras e
aumento observado nas regiões Norte e Nordes- à frágil iniciativa governamental de aumentar a
te, onde houve redução na proporção de respon- oferta de vagas em escolas e melhorar o aten-
sáveis pelas famílias com escolaridade precária dimento à saúde, principalmente nas regiões
e aumento na cobertura vacinal, com a tetravalente. menos favorecidas e, portanto, para as crianças
Apesar dos avanços legais observados ao de famílias mais pobres.
118 Situação da Infância Brasileira 2006

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Índice de Desenvolvimento Infantil 119

Índice de Desenvolvimento Infantil (IDI)


Brasil, por municípios
1999

2004

n Abaixo de 0,50
n De 0,50 a 0,80
n Acima de 0,80
120 Situação da Infância Brasileira 2006

A composição do IDI
• Percentual de crianças menores de 6 anos so e restrito à vacinação, não é possível fazer infe-
morando com mães com escolaridade precá- rências sobre a qualidade e variedade dos servi-
ria (ICMEP): são classificadas como mães com esco- ços disponíveis no município para esse grupo etá-
laridade precária as que têm menos de quatro anos rio. Os dados foram fornecidos pelo Ministério da
de estudo, o limite de anos de instrução para que Saúde e correspondem ao ano de 1999 (para a DTP)
não sejam consideradas analfabetas funcionais. e 2004 (para a tetravalente). Algumas das cober-
Assim, quanto maior o percentual de crianças turas vacinais são maiores que 100%, porque a
menores de 6 anos vivendo com mães de esco- informação se refere ao número de doses, e não
laridade precária, pior será a classificação do muni- ao número de crianças vacinadas. Nos casos em
cípio em termos de desenvolvimento infantil. Os que o número de doses foi superior a 100% da
dados foram obtidos a partir da Contagem da estimativa do número de crianças, para o cálcu-
População 1996 e do Censo Demográfico 2000, lo do índice essas coberturas foram consideradas
ambos do IBGE. iguais a 100%.
• Percentual de crianças menores de 6 anos • Percentual de mães com cobertura pré-
morando com pais com escolaridade precária natal adequada (IPré-natal): mede o percentual
(ICPEP): embora a importância relativa do nível de de nascidos vivos de mães que tiveram mais de
instrução do pai seja menor que o da mãe quan- seis consultas de acompanhamento, desde o
to ao cuidado e ao desenvolvimento dos primei- conhecimento da gravidez até o parto. Essa média
ros anos da criança, sua inclusão é de extrema rele- foi estabelecida pela Organização Pan-Americana
vância. Como os anos de escolaridade do chefe da da Saúde (Opas) e pelo Ministério da Saúde a fim
família determinam, em grande medida, o nível sala- de garantir que se realizem os exames necessá-
rial e a renda familiar, ao considerar o nível de esco- rios para avaliar as condições da mãe (sangue e
laridade de ambos os cônjuges, o IDI incorpora o urina) e da criança, e para pesquisar infecções e
nível de consumo e de bens materiais que a crian- imunizar o feto contra doenças como o tétano neo-
ça possui no ambiente familiar. Os dados foram obti- natal. Dada a importância do pré-natal para evi-
dos a partir da Contagem da População 1996 e do tar a mortalidade perinatal (que representa pra-
Censo Demográfico 2000, ambos do IBGE. ticamente a metade da mortalidade infantil no País)
• Cobertura vacinal em crianças menores de e os óbitos maternos, este indicador, em conjun-
1 ano de idade – DTP (1999) e tetravalente (2004) to com as taxas de cobertura de vacinação, é con-
(ITetra, ITDP): estes dois indicadores medem o per- siderado de extrema relevância para aferir as con-
centual de crianças menores de 1 ano imunizadas dições de sobrevivência das crianças no primei-
contra difteria, coqueluche e tétano (DTP ou trí- ro ano de vida. Este percentual é obtido com o
plice), e contra difteria, coqueluche, tétano, total de nascidos vivos de mães que tiveram mais
meningite e outras infecções causadas pelo de seis consultas pré-natal dividido pelo total de
Haemophilus influenzae tipo b (tetravalente ou nascidos vivos no período. A informação, obtida
DTP+Hib). A cobertura vacinal é obtida dividindo- no Departamento de Informação e Informática
se o número de crianças com menos de 1 ano que do Sistema Único de Saúde (Datasus), correspon-
foram imunizadas pelo total de crianças da mes- de a 1998 e 2004.
ma faixa etária em um determinado período de tem- • Taxa de escolarização bruta na pré-escola
po. Além de assinalar maior ou menor morbimor- (IPré-escola): este indicador mede o percentual de
talidade decorrente dessas doenças, a cobertura crianças matriculadas na pré-escola (pública e pri-
vacinal reflete de forma indireta o acesso a outros vada), independentemente da idade. Trata-se de
serviços de atendimento materno-infantil. uma boa aproximação do direito ao acesso da crian-
Obviamente, por ser um indicador típico de aces- ça a esse nível de ensino. Ao indicar se a oferta
Índice de Desenvolvimento Infantil 121

de matrículas é suficiente para atender à faixa etá- e 2004 e foram fornecidos pelo Sistema de
ria correspondente, a taxa permite avaliar a exis- Estatísticas Educacionais (Edudatabrasil) do
tência de alunos matriculados em um nível de ensi- Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
no inadequado à sua idade. É obtida mediante a Educacionais Anísio Teixeira (Inep/MEC). É impor-
divisão do número de alunos matriculados na pré- tante assinalar que nesta taxa não foram incluídos
escola pelo total de crianças entre 4 e 6 anos. O os alunos que se encontram em classe de alfa-
ideal teria sido empregar a taxa de escolarização betização, já que essa modalidade de ensino é adi-
líquida na pré-escola, que inclui apenas as crian- cional, está fora do ensino regular. Ela é orienta-
ças cuja faixa etária corresponde oficialmente a da para as crianças que já têm idade suficiente para
esse nível, porém essa informação não está dis- entrar no ensino fundamental mas que ainda não
ponível para o nível municipal. A taxa de escola- sabem ler nem escrever. Não incluir as classes de
rização bruta, como a cobertura de imunização, não alfabetização no IDI é um incentivo para reduzir
permite aferir a qualidade do ensino e das práti- essa modalidade em favor da ampliação da cober-
cas pedagógicas. Os valores correspondem a 1999 tura na pré-escola.

A construção do IDI
Para combinar os indicadores selecionados num ção igual ou próxima a essa terão índice próximo
único índice, é necessário expressá-los em unida- ou igual a 0.
des comparáveis. Para isso, os valores de cada indi- • Coberturas de vacinação (DTP e DTP+Hib):
cador foram normalizados numa escala de 0 a 1, o percentual máximo desejado é 100%, ou seja,
onde 1 corresponde à melhor condição de desen- que todas as crianças sejam vacinadas com a DTP
volvimento infantil e 0 à pior. Para efeito de com- e a DTP+Hib. Municípios que obtenham ou se apro-
paração e interpretação, essa é a mesma escala ximem desse valor terão índice próximo ou igual
utilizada para o cálculo do Índice de Desenvol- a 1. O percentual mínimo é 0% das crianças vaci-
vimento Humano (IDH). nadas. Municípios com situação igual ou próxima
• Percentual de crianças com mães de esco- a essa terão índice próximo ou igual a 0.
laridade precária: o percentual máximo desejado • Percentual de gestantes com cobertura pré-
é 0, ou seja, que nenhuma criança menor de 6 anos natal adequada: o percentual desejado é 100%
tenha mãe com nível de instrução precário. Municípios das gestantes com acesso a mais de seis consul-
que obtenham ou se aproximem desse valor terão tas pré-natais. O percentual mínimo é 0% das ges-
índice próximo ou igual a 1. O percentual mínimo é tantes com mais de seis consultas pré-natais.
100% de crianças cujas mães tenham escolarida- Quanto mais próximo do valor máximo ou míni-
de precária. Municípios com situação igual ou pró- mo estiver um município, mais próxima de 1 ou
xima a essa terão índice próximo ou igual a 0. 0 será sua classificação no IDI.
• Percentual de crianças com pais de esco- • Escolarização bruta na pré-escola: para esse
laridade precária: o percentual máximo deseja- indicador, o valor máximo ou desejado é 100% das
do é 0, ou seja, que nenhuma criança menor de crianças da faixa etária de 4 a 6 anos matricula-
6 anos tenha pai com nível de instrução precário. das no respectivo nível de ensino. Assim como nos
Municípios que obtenham ou se aproximem des- outros casos, o patamar mínimo é 0%. Quanto mais
se valor terão índice próximo ou igual a 1. O per- próximo do valor máximo ou mínimo estiver um
centual mínimo é 100% de crianças cujos pais município, mais próxima de 1 ou 0 será sua clas-
tenham escolaridade precária. Municípios com situa- sificação no IDI.
122 Situação da Infância Brasileira 2006

A fórmula do IDI
Ii = Iimunicípio - Iimínimo / Iimáximo - Iimínimo , onde:

Ii representa os indicadores i =1,2,3,4,5, padronizados entre os valores 0 a 1 no conjunto dos 5.507


municípios do Brasil em 1996 ou 5.560 municípios em 2000;

Iimunicípio representa o valor do indicador i = 1,2,3,4,5, no município m;

Iimínimo representa o valor mínimo estabelecido para o indicador I = 1,2,3,4,5;

Iimáximo representa o valor máximo estabelecido para o indicador I = 1,2,3,4,5;

Uma vez normalizados os valores dos respectivos indicadores na escala de 0 a 1, eles


são combinados para obter o IDI. A expressão para a sua combinação é a seguinte:

De acordo com essa expressão, o IDI resul- Também é importante notar que, diferentemen-
ta da média ponderada entre: indicadores norma- te de outros índices, os indicadores escolhidos para
lizados do percentual de crianças menores de 6 constituir o IDI têm relação direta com as causas
anos que vivem com mães que possuem esco- ou os próprios problemas que afetam o desenvol-
laridade precária (ICMEP), percentual de crianças vimento infantil, e não com os indicadores de efei-
menores de 6 anos que vivem com pais que pos- to ou de efetividade, como taxas de mortalidade
suem escolaridade precária (ICPEP), acesso a ser- no período pré-natal e na infância, taxa de desnu-
viços de saúde materno-infantil (ITetra + IDTP + trição, desempenho na pré-escola etc. Além da dis-
IPré-natal) e acesso a serviços de educação (IPré- ponibilidade e confiabilidade desses dados no âmbi-
escola). Por serem complementares, os indica- to municipal, outra vantagem é que a discussão
dores de saúde e de educação foram agrupados sobre as estratégias de intervenção já se inicia com
e representam, em conjunto, 50% do IDI. Os indi- as próprias causas ou com o próprio problema (bai-
cadores do nível de instrução dos pais somam xo acesso a creches, por exemplo). Quando se uti-
os outros 50%. Sem dúvida, as ponderações ado- liza um indicador sintético de resultado, como mor-
tadas podem ser consideradas arbitrárias e dis- talidade infantil ou expectativa de vida, é preciso
cutidas ad infinitum. Porém, deve-se considerar construir uma árvore de causalidade, o que pode
que, no cálculo do IDI, esse grau de arbitrarie- dificultar o desenho de estratégias e o controle
dade afeta a totalidade dos municípios da mes- social das metas, que, no caso de coberturas ou
ma maneira. oferta de serviços, são facilmente mensuráveis.
Índice de Desenvolvimento Infantil 123

A interpretação e o uso do IDI


• O IDI de um município vai de 0 a 1, sendo 1 o o princípio de indivisibilidade, a Convenção sobre
valor máximo que o município deveria buscar no os Direitos da Criança e o Estatuto da Criança e
processo de sobrevivência, crescimento e de- do Adolescente não estabelecem nenhuma hie-
senvolvimento de suas crianças no primeiro pe- rarquia entre os direitos, o que significa que todos
ríodo de vida. A diferença entre o IDI de deter- são inter-relacionados e cada um deles é igual-
minado município e 1 mostra o caminho que é mente importante e fundamental para a dignida-
preciso percorrer para alcançar o nível máximo de da criança. O IDI e seus indicadores são o pon-
possível. O valor máximo significa que todas as to de partida para uma análise dos problemas da
crianças com menos de 6 anos do município primeira infância sob um enfoque integrador, que
moram com pais que têm mais de quatro anos considere a própria natureza da criança e seu
de escolaridade e que o direito a serviços bási- desenvolvimento dentro do ciclo de vida. A aná-
cos de saúde materno-infantil e pré-escola está lise e a proposição de estratégias devem ser mul-
plenamente garantido. tidisciplinares e multissetoriais, levando em con-
• Para efeitos de classificação e comparação entre ta todas as dimensões físicas, cognitivas e afe-
municípios, emprega-se a mesma classificação tivas das crianças na primeira infância, em seu
do IDH, ou seja, IDI acima de 0,800 = desenvol- ambiente familiar e comunitário. Isso não sig-
vimento infantil elevado; entre 0,500 e 0,799 = nifica, para efeito de programação, que todos
desenvolvimento infantil médio; abaixo de os direitos sejam implementados ao mesmo tem-
0,500 = desenvolvimento infantil baixo. po. É necessário definir prioridades, tendo em vis-
• O IDI deve ser interpretado em conjunto com ta as principais ameaças ao desenvolvimento
os indicadores que o conformam. Por ser uma infantil e as oportunidades para sua realização.
média ponderada, pode esconder disparidades • O efeito mobilizador do IDI e o posterior dese-
entre os indicadores e dentro do próprio indica- nho de estratégias para o cuidado infantil e a
dor. Por exemplo, se o percentual de mães com educação inicial devem envolver os múltiplos
cobertura sem controle pré-natal é alto, é neces- atores sociais, a fim de gerar programas com
sário identificar os grupos mais afetados, sua loca- alto nível de participação, especialmente da mãe
lização e magnitude. Isso vai permitir conside- e do pai, da família como um todo e da comu-
rar os grupos mais vulneráveis, desenhar a melhor nidade, além das organizações governamen-
estratégia de intervenção e estimar custos para tais e não-governamentais. Isso é fundamen-
resolver o problema. De acordo com o princípio tal na apreciação dos problemas e no desenho
da não-discriminação, a efetivação dos direitos das soluções, para garantir apropriação, efe-
não pode ser comprometida por distinção, exclu- tividade e sustentabilidade dos resultados das
são, restrição ou preferência baseadas em raça, intervenções.
gênero, cor, origem, grupo socioeconômico, pre- Além de apoiar o estabelecimento de priorida-
ferências políticas, etnia ou deficiência. Por isso des em programas estaduais e/ou federais, o IDI
é importante, nas análises dos indicadores que pode ser utilizado para identificar iniciativas bem-
compõem o IDI, desagregá-los e considerar dife- sucedidas em municípios com índices altos. A iden-
renças de gênero, área geográfica, origem étni- tificação, a avaliação, a documentação e a disse-
ca e grupo socioeconômico. minação dessas experiências são fundamentais
• A análise dos indicadores do IDI deve ser feita para desenhar estratégias que possam tornar-se
numa dimensão integral, e não setorial. Conforme políticas públicas de amplo alcance.

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