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ARTIGO – Clóvis Moura e sua visão

sobre o negro na dinâmica da luta de


classes no Brasil.
Publicado em 3 de fevereiro de 2012

Este artigo é parte da pesquisa desenvolvida por Walber Monteiro sobre a obra de
Clóvis Moura. Vale a pena conferir.

Clóvis Moura e sua visão sobre o negro na dinâmica da luta de classes no Brasil

Por Walber Monteiro

Em 1948, aos 23 anos, o cientista social Clóvis Moura iniciou os seus estudos sobre
a resistência negra no Brasil escravista. Tanto a obra Rebeliões da senzala quanto a
pessoa de Clóvis Moura foram menosprezadas e isoladas pelos próprios
companheiros e intelectuais do PCB por não estarem em sintonia com as análises
teóricas dos quadros dirigentes do partido, da internacional comunista e do
stalinismo – que não se interessava em compreender a relação existente no Brasil
entre “raça” e classe. Como ele mesmo coloca, “os PCs brasileiros, bem como os
latinoamericanos, tinham dificuldades em entender a questão “raça”/classe que
envolve a problemática do afrodescendente brasileiro, bem como do
afrodescendente latino-americano” (Moura, 1994).
Clóvis Moura explicou as diversas formas de resistência como resultado da posição
do negro na sociedade. Entender a sociedade da época e a cultura, principalmente a
acadêmica e política, assumiu uma importância na obra de Clóvis Moura, seja
inspirando- o ou fazendo-o contestar.
O seu primeiro livro, Rebeliões da senzala, que revê a história da escravidão e do
papel do negro/escravo na dinâmica escravista brasileira, ficou concluído em 1952
mas só foi publicado em 1959 pela editora Zumbi, que era uma “microeditora
fundada por militantes comunistas para publicar obras rejeitadas pela editora Vitória.
Foi com esse livro que Clóvis Moura se inseriu, diga-se tardiamente, no cenário
intelectual brasileiro.
Ao contrário da maioria dos pensadores que analisaram a escravidão e o negro
brasileiro a partir de Nina Rodrigues, que desprezou a luta dos escravos ou quando
muito procurou explicá-las como sendo resultado da sua incapacidade em se
adaptar aos padrões da cultura ocidental, caracterizando tais conflitos como sendo
mera expressão de choques culturais, Clóvis Moura explicou as diversas formas de
resistência negra como resultado da posição social ocupada pelo negro no interior
 Seguir
da sociedade escravista.
Para Moura, “o problema da luta dos escravos negros ainda era considerado, um
tema esporádico, secundário e, quando muito, manifestações de movimentos
antiaculturativos. Tirava-se, com isto, o conteúdo que produzia o dinamismo interno
desses movimentos, elidia-se a contradição fundamental que os produzia – a luta de
classes no sistema escravista – para reduzi-los a um mero jogo de choques entre
padrões, traços e complexos culturais que os negros trouxeram da África e os da
cultura ocidental que os recebeu.
Esta posição teórica e a sua continuação metodológica levavam a que sempre se
procurasse uma interpretação culturalista para o conflito social que se desenvolvia
em consequência das contradições do sistema escravista que se formara no Brasil
(…). Transferia- se, assim, para o plano cultural, através dos conceitos de
acomodação, adaptação, aculturação, assimilação e outros, os diversos níveis de
consciência social do escravo e a sua consequente rebeldia. O conflito social era
substituído pelos choques culturais. E com isto a escravidão ficava apenas como um
pano de fundo estático onde ele se operava. Nessa posição se postaram quase
todos os que escreveram sobre a escravidão moderna no Brasil a partir de Nina
Rodrigues.”
Clóvis Moura mostra que a rebeldia do negro se explica pela própria dinâmica social
do modo de produção escravista, marcada pela existência no seu interior de classes
antagônicas – senhores e escravos – em conflito.
Contrariando os modelo historiográfico e suas visões da história com seus enfoques
tradicionais e eruditos que visavam à apresentação de um modelo sem contradições
e antagonismos sociais, Moura apresentou o escravo como o componente dinâmico
e ativo que, de diversas formas, se organizou e lutou contra a opressão do sistema
escravista, elaborando estratégias e ações que dinamizaram a sociedade,
contribuindo assim para o seu desgaste e destruição.
Do contrário, “procurando-se sempre o enfoque chamado erudito, esquecem-se de
que a apresentação de um esquema interpretativo sem a projeção das contradições
estruturais da realidade significa cair-se em uma visão organicista em que tudo se
ajusta porque essas contradições, nos seus diversos níveis, são descartadas para
estabelecer-se a harmonia do modelo metodológico. Desta forma, os movimentos de
rebeldia dos escravos, a violência usada por eles contra o sistema escravista são
subestimados constantemente. Esquecem-se esses estudiosos de que a violência
também é uma categoria econômica. Daí porque vemos tanto papel ser gasto na
discussão do problema, como se o escravo não existisse no sistema escravista
como sujeito coletivo atuando na dinâmica social” (MOURA, 1987).
Na análise de Moura o negro/ escravo é apresentado como um componente ativo,
por suas diversas formas de resistir à condição de escravo e suas inúmeras lutas
contra as classes que o escravizavam, contribuindo para o desgaste do modo de
produção escravista e para a consequente transição para um novo modo de
produção – o capitalismo subordinado -, e novos regimes de trabalho, no qual o
assalariado foi paulatinamente tomando conta. Portanto, de acordo com Clóvis
Moura, “foi o quilombola, o negro fugido nas suas variadas formas de
comportamento, isto é, o escravo que se negava, que se transformou em uma das  Seguir
forças que dinamizaram a passagem de uma forma de trabalho para outra ou, em
outras palavras, a passagem da escravidão para o trabalho livre (…)” (MOURA,
1988).
Além da ruptura com essa historiografia tradicional/oficial provocada por sua obra,
Moura procurou destacar a importância de se levar em conta a questão racial na
busca de uma verdadeira democracia no Brasil, pois, aqui, o problema da pobreza,
da miséria e da opressão está intimamente relacionado, também, com o problema
racial. Segundo ele, “assim como a sociedade brasileira não se democratizou nas
suas relações sociais fundamentais, também não se democratizou nas suas relações
raciais.
Por esta razão, a mobilidade social para o negro descendente do antigo escravo é
muito pequena no espaço social. Ele foi praticamente imobilizado por mecanismos
seletivos que a estratégia das classes dominantes estabeleceu. Por esta razão,
aquela herança negativa que vem da forma como a sociedade escravista teve início
e se desenvolveu, ainda tem presença no bojo da estrutura altamente competitiva do
eficazmente foi criado um amplo painel ideológico para explicar e/ou justificar essa
imobilização estrategicamente montada” (MOURA, 1978).
Para Clóvis Moura, o segmento social negro brasileiro, com suas lutas contra a
escravidão na sociedade escravista e suas posteriores mobilizações na luta pela
igualdade racial na sociedade brasileira – pós-abolição -, consiste em uma
importante ferramenta para se pensar a superação do atual quadro de desigualdade
social a que estão submetidos milhares de brasileiros. Portanto, “não se compreende
a situação das classes dominadas no Brasil, hoje como no passado, sem que se leve
em conta as duas dimensões essenciais da dominação, a classista e a racial. Elas
imbricam-se e conferem características próprias às relações de dominação em
nossa sociedade” (RUY, 2004).
A grande contribuição das obras de Clóvis Moura para a compreensão da realidade
histórico-social brasileira está na utilização do método materialista dialético. Assim,
ele busca compreender uma sociedade a partir das relações de produção da vida
material e das contradições e luta de classes que se acirram entre as principais
classes antagônicas existentes no interior dessa sociedade.
A partir da década de 1980 é possível perceber o reconhecimento da obra de Moura
a partir da releitura que diversos intelectuais passam a fazer da escravidão e do
papel do escravo, mas, ainda hoje, as obras de Clóvis Moura se encontram
marginalizadas nos meios acadêmico e intelectual brasileiros, que constantemente
aderem aos modismos acadêmicos que, cada vez mais, optam por uma prática
política nitidamente conservadora, por fragmentar a realidade e analisar realidades
microdesarticuladas da totalidade social, isso quando não chegam ao exagero de
negar qualquer possibilidade de se obter um conhecimento da realidade histórica.
Sobre Clóvis Moura
Clóvis Steiger de Assis Moura nasceu em 1925, em Amarante, Piauí, filho de Elvira
Moura e Francisco de Assis Moura. Na Bahia, ingressou na Faculdade de Direito,
porém não chegou a concluir o curso. Nos anos 1940 ingressou no PCB onde
trabalhou como jornalista do jornal O momento, diário do Partido Comunista
Brasileiro na Bahia. Em 1947, elegeu-se como deputado estadual pelo partido, mas Seguir
teve seu mandato cassado pelo Tribunal Eleitoral que, no mesmo ano, cancelou o
registro do Partido Comunista. Em 1949, Moura mudou-se para São Paulo e
começou a atuar na Frente Cultural do PCB. Graduou-se em Ciências Sociais em
1953 na hoje denominada Universidade do Estado de São Paulo (Unesp). Nos anos
de 1970, iniciou sua militância no movimento negro brasileiro. Faleceu em fins de
dezembro de 2003, no hospital Albert Einstein, em São Paulo, aos 78 anos.
Dentre as suas principais obras, na maioria analisando o problema do negro cativo e
do negro liberto – pósabolição -, destacam-se: Rebeliões da senzala – quilombos,
insurreições, guerrilhas (1959); O negro: de bom escravo a mau cidadão? (1977); A
Sociologia posta em questão (1978); Os quilombos e a rebelião negra (1981);
Quilombos – Resistência ao Escravismo (1987); Sociologia do negro brasileiro
(1988); As injustiças de Clio – o negro na historiografia brasileira (1990); Dialética
radical do Brasil negro (1994); A encruzilhada dos orixás – problemas e dilemas do
negro brasileiro; Os quilombos na dinâmica social do Brasil (2001) e vários outros
livros e artigos.

Walber Monteiro é sociólogo, assessor sindical e político e membro do Núcleo de


Pesquisa Biblioteca Clóvis Moura.

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(FESPSPRETO)

Publicado em Artigo por Núcleo de Pesquisa Biblioteca Clóvis Moura. Marque


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clovis-moura-e-sua-visao-sobre-o-negro-na-dinamica-da-luta-de-classes-no-
brasil/] .

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