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PORQUÊ DA ORAÇÃO

De modo análogo, nossa expressão de reza ou oração, não é uma expressão egoica, de pedido
de atenção, para o que “eu tenho” para dizer. É uma expressão de maravilhamento, perante o
que foi compreendido. É minha Consciência expressando vida no Universo e Realidade que me
outorgou Vida.

Tal qual, qualquer poesia, a oração se expressa acima no nível das palavras. Oração para nós é
estudo, antes de mais nada. Por isso, a oração matinal – de acordo com a lei judaica normativa
- conta com trechos da Torá e do Talmud, para servir como “cumprimento” do dever de
estudar. O rezar cumprimos nosso dever de estudar, porque rezar é uma reflexão! Ninguém
cumpre o dever de estudar, conversando...

Oração é uma extensão do estudo. Pois, a extensão do estudo é a poesia. Só quem tem
sensibilidade poética é capaz de fazer oração, pois, quem consegue compreender uma poesia
é capaz de ler. E saber ler é o requerimento mínimo do estudo. Quem não sabe ler não sabe
rezar. E ler não é scannear palavras num texto. A maioria das pessoas apenas olha textos.
Poucas leem de fato.

Então, oração em nossa cultura, não é “dom” de um esquizofrênico falando com alguém
imaginário. Deixe os loucos falando sozinhos...

Oração em nossa cultura é expressão de maravilhamento pela vida, perante o que foi
compreendido do que é constantemente estudado. Por isso um livro e não uma invenção
expontânea de diálogo. Ninguém vai para uma conversa com um script na mão! (a menos que
seja ator ou atriz – algo que se encaixa bem nos idólatras, devido as encenações deles…)

Oração em nossa cultura é uma habilidade adquirida. Precisa de treino. Ritual é isso: treino.
Deve ser exercitada. Conhecimento para nós é experiência de fato, não crença vã. Oração lida
com a habilidade de treinar sua capacidade interpretativa poética. Aprender a tefilá – a reza
ritual - é como aprender a compreender poesia. É como aprender a ler a Bíblia Hebraica com
maturidade. Por isso o Rambam não aceitava discípulos que, não fossem capazes de escrever
poemas, pois, poemas ocultam o saber da Tradição que não deve ser acessado por ignorantes.
Um dos principais elogios dele a seus discípulos aceitos, eram seus belos poemas escritos, pois,
deste modo ele mostravam avançada capacidade de leitura. Leitura com maturidade. Quem
não sabe ler com maturidade, não tem o mínimo de condição para lidar com texto nenhum –
muito menos, com os nossos...

E nossas orações, lidam só com textos tradicionais. São canções, que são lidas e não cantadas.
São textos selecionados nas Escrituras. São declarações elaboradas pelos sábios. Repete-se o
que foi proposto para reflexão. Você passa a vida repetindo os mesmos textos. Se fosse uma
conversa, seria um absurdo fazer isso. É porque não é.

Aquelas reflexões devem ser repetidas todos os dias, pois, as reflexões que proporcionam são
profundíssimas e são expressões de maravilhamento e gratidão pela existência.

Oração é, acima de tudo, expressão de gratidão. Gratidão por existir. Ser grato é ser
celebrativo. Ser grato ao HaShem significa ser grato a existência, e celebrá-la. Não é como “ser
grato a uma pessoa”, pois, isso é “dívida”. Não há dívina entre nós e o HaShem. Entre nós e o
HaShem há elo. Não existimos sem o HaShem e, celebramos a compreensão disso. Nossa
celebração é nossa gratidão e expressão e alegria e êxtase. E a oração é o poema elaborado,
para expressar isso.

Oração é aprofundamento da consciência. O saber continua superficial até que seja


aprofundado. Não existe mágica do entendimento. É preciso estudo e treino. Oração é este
processo de reflexão, que me permite avaliar a mim mesmo. Por isso, Tefilá vem da raiz de
“julgar-se”, ou “avaliar-se” em Hebraico. Não com o ego, mas, sem o ego. A avaliação é a
observação, sem julgamento. É a contemplação da realidade de mim mesmo, como sou de
fato. A oração é o modo que temos que nos avaliar, olhar para dentro de nós mesmos.
Avaliação dos pensamentos equivocados e, escolha consciente pela nossa conduta. A mente
deve ser observada. A oração permite a provocação dos pensamentos, para que sejam
observados. É uma análise de si mesmo, ou, autoanálise.

Oração não tem relação com bajulação. Deus não precisa ser bajulado, pois não é uma pessoa.
Só pessoas tem ego e é impossível que a Divindade seja uma pessoa. Nós precisamos ter
consciência da maravilha da existência. Por isso, os sábios escolheram os textos que
escolheram. São para nós. Nossa incapacidade de maravilhamento, deriva de nossa
mentalidade egoica, que só presta culto para si mesma e nos separa da realidade. O ego nos
leva para a idolatria, para o culto ao fruto da imaginação. A Oração permite treinar a
imaginação, para que seja usada à serviço da visão poética da vida, da existência, por meio da
Consciência. Permiote sair de nós mesmos. Por isso a linguagem é voltada para o HaShem,
pois, o Hashem é o outro, por excelência. A linguagem antropomórfica das Escrituras, visam
treinar nosso ego para sair de si mesmo, ainda que por um instante. Assim, deixamos de
enxergar apenas nosso umbigo, e lembramos que estamos num mundo compartilhado. A
oração é um treinamento para sairmos do nosso egoismo.

Mas, para nada serve a oração, se sua expressão não for de maravilhamento pela existência.
Se for apenas culto ao próprio ego, na pessoa do deus imaginário que é imagem e semelhança
do próprio ser humano. A linha que separa a oração real da loucura, se chama: Maturidade.

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