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CORSO

ARTIGO LV
ORIGINAL

DIFICULDADE NA COMPREENSÃO DA LEITUR


IFICULDADE A:
LEITURA
UMA AB ORD
ABORDAGEM MET
ORDA ACOGNITIV
META A
COGNITIVA
Luciana Vellinho Corso

RESUMO – Este trabalho apresenta os resultados de uma pesquisa


realizada junto a um grupo de alunos da 3a série do ensino fundamental, da
rede pública de Porto Alegre, com dificuldades na compreensão de texto.
Foram desenvolvidas ações pedagógicas, que são estratégias cognitivas, com
o intuito de possibilitar-lhes aprender a pensar e raciocinar sobre suas
atividades de leitura, apoiando-se nas trocas entre pares, sob a mediação do
pesquisador. O ensino das estratégias - trazendo indagações, idéias e
sugestões - permitiu às crianças participantes deste estudo pensar sobre o
que é lido e como agir diante de uma leitura em busca de significado.Temos
nos dedicado à investigação nesta área já que um grande número de alunos
não desenvolve, de forma natural e espontânea, as habilidades de
compreensão da leitura, contribuindo para agravar a séria realidade de
fracasso escolar que enfrentamos, pois compreender o que se lê é uma
habilidade necessária e fundamental para todas as atividades escolares.

UNITERMOS: Compreensão da leitura. Leitura. Aprendizagem.

INTRODUÇÃO cognitivas - habilidades metalingüísticas e de


O ato de ler e compreender compreensão.
As concepções atuais, utilizando como mar- O conceito de Inostroza 1 expressa bem
co teórico de referência as ciências cogni- este ponto: “O ato de ler é dinâmico onde o lei-
tivas (cognição e metacognição), as teorias cons- tor entra numa relação direta com o texto e ten-
trutivistas da aprendizagem e as teorias ta “mergulhar nele” para encontrar o seu signi-
sociointeracionistas consideram a aprendizagem ficado. Em outras palavras, o ato de ler é
da leitura como um processo complexo que requer constituir sentido entre o ler e o eu”.
e compromete um sujeito histórico que, A leitura é uma habilidade mental complexa.
juntamente com o desejo de aprender (motivação), Não é uma competência única, mas antes a
precisa desenvolver uma série de habilidades resultante de vários componentes diferentes,

Luciana Vellinho Corso – Pedagoga, Psicopedagoga, Correspondência


Mestre em Educação pela Universidade de Flinders, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Faculdade
Adelaide, Austrália. Doutoranda do Programa de Pós- de Educação. Departamento de Estudos Especializados.
Graduação da Faculdade de Educação da UFRGS. Avenida Paulo Gama, 110 – prédio 1201 – Porto Alegre
Professora do Departamento de Estudos Especializados RS – Brasil – 90040-060 – Tel: (51) 3316-3099
da Faculdade de Educação da UFRGS. E-mail: l.corso@terra.com.br

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embora complementares, empregando tanto da história. No entanto, muitas crianças não


habilidades específicas no domínio particular do ultrapassam a fase de decodificação de símbolos
tratamento da informação, quanto competências e não utilizam estratégias para que a compre-
cognitivas bem mais gerais (por exemplo, a ensão do que lêem se dê de forma mais efetiva.
atenção, a memorização, a aptidão intelectual, os Por que isto ocorre?
conhecimentos gerais) que intervêm em outras Ao analisarmos esta questão deve-se levar em
numerosas atividades2. conta o interjogo de fatores que interferem na
A competência em leitura é definida aprendizagem da leitura e compreensão de texto.
por Braibant 2 como a combinação de dois Sendo assim, por um lado os problemas nesta
componentes necessários, nenhum deles área podem estar relacionados com a forma como
isoladamente, sendo suficiente. Por um lado, a a escola lida com esta aprendizagem. Por outro
precisão e a rapidez do reconhecimento das lado, os problemas de leitura podem estar
palavras condicionam toda a atividade de leitura, relacionados a dificuldades internas do aprendiz,
pois um bom nível de automatização desses como por exemplo, o desenvolvimento inade-
processos é indispensável para permitir que o quado de habilidades metacognitivas. São essas
leitor dedique o máximo de recursos cognitivos as habilidades que ajudam o aluno a “dar-se”
ao processo de compreensão; porém, por outro conta e “controlar” seu próprio processo de apren-
lado, a habilidade em leitura não se reduz a dizagem, refletindo, então, sobre sua atividade
simples decodificação das palavras; é preciso, de leitura.
ainda, dispor das capacidades cognitivas e Neste contexto, apresentamos uma breve
lingüísticas necessárias para compreender uma discussão sobre o papel da escola diante das
mensagem escrita. dificuldades apresentadas pelos alunos.
Vários estudos na área de dificuldades de Privilegiamos para discussão a área da meta-
aprendizagem da leitura e escrita vêm sendo cognição, já que esta tem sido nossa área de
realizados, e o que estes têm em comum é a estudo e investigação. Porém, em momento
compreensão dos processos de leitura e escrita, algum, podemos desconsiderar os vários outros
não como aprendizagens de técnicas, e sim como aspectos que entram em jogo quando buscamos
complexas interações entre os processos compreender as causas das dificuldades de
cognitivos e metacognitivos do sujeito e dos compreensão de texto.
estímulos ambientais, sob a mediação do
educador. Para isso, é fundamental uma Ensino da Leitura e Realidade Escolar
adequada compreensão dos processos mentais Que tipo de leitores a escola tem contribuído
utilizados, ou não, pelo aluno diante dos novos para formar?
objetos do conhecimento. Estes estudos na área “A escola não sabe fazer de seus alunos bons
da metacognição enfatizam ações, ou seja, leitores”3. Segundo Nunes et al.4, isto ocorre
estratégias que permitem ao aprendiz aprender porque as práticas pedagógicas atuais tratam a
a refletir sobre seu processo de aprendizagem. leitura e a escrita como se fossem uma atividade
São ações que irão favorecer a construção de um fim. As crianças lêem para praticar a leitura e
sujeito/leitor crítico ativo e independente. escrevem para praticar a escrita, dispensando-
se, assim, as oportunidades de colocar o aluno
Por que as dificuldades surgem? em contato direto com os mais variados usos que
Por volta da 3a e 4a série do ensino funda- a língua escrita oferece. Se a leitura e a escrita
mental, espera-se que o aluno seja capaz de fossem pensadas na escola como atividades-meio,
identificar a idéia principal de um texto, focar a os professores se utilizariam de uma enorme
atenção em informações principais e não em gama de situações de uso da língua escrita em
detalhes e conectar idéias de diferentes partes sala de aula, desde o início da alfabetização.

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Nem a escola pública, nem a particular, têm um sentido (informação que já está dada nele).
assumido a responsabilidade de tornar a leitura Não se pode encarar o texto apenas como um
e a escrita significativas 4 . Deste modo, é produto, e sim procurar observar o processo de
fundamental que a escola promova atividades de sua produção, e logo, da sua significação. Sendo
atribuição de sentido à leitura, através de seu uso assim, correspondentemente o leitor não apreende
para algum fim importante, pois se sabe que isto meramente um sentido que está lá; o leitor atribui
tem influência sobre o sucesso das crianças na sentidos ao texto. Ou seja, a autora enfatiza que
alfabetização e em toda a escolarização de um a leitura é produzida e se procura determinar o
modo geral4. processo e as condições de sua produção6.
É claro que, essa necessidade torna-se Segundo a autora, a escola tal como existe,
naturalmente maior quando se sabe que uma em referência à leitura, propõe de forma
proporção notável de crianças das camadas homogênea que todo mundo leia como a classe
populares poderá vir para a escola sem ter sido média lê. Para não se submeter a esse redu-
exposta a atividades significativas de leitura e cionismo, “deve-se procurar uma forma de leitura
escrita. Sabe-se que as oportunidades de que permita ao aluno trabalhar sua própria
exposição das crianças das camadas populares à história de leituras, assim como a história das
leitura são mais reduzidas em conseqüência de leituras dos textos, e a história da sua relação
viverem em ambientes em que a leitura e a escrita com a escola e com o conhecimento legítimo”6.
não constituem instrumentos importantes, nem A partir do exposto acima, fica evidente a
para o trabalho nem para a diversão, enquanto necessidade urgente da escola rever e repensar
que as crianças das camadas dominantes vivem seu papel em todos os seus aspectos, salientando
em ambientes de alta valorização da leitura e em particular o ensino da leitura e compreensão
escrita. de texto. É necessário que os profissionais da
Jolibert5 levanta a questão: O que a escola educação tenham preparo e qualificação
deve fazer para utilizar e desenvolver, e não adequados, a fim de que possam realmente
contrariar, as competências que as crianças vão conhecer seus alunos, compreender como estes
construindo com relação à leitura? Segundo a aprendem, e, então, tornar o processo de ensino
autora, não basta ajudar as crianças a construírem aprendizagem eficaz e, ao mesmo tempo,
o significado de um texto: “parece-nos ser prazeroso. Acreditamos que só assim a escola
necessário ajudá-las a entender como elas agem poderá resgatar no professor (competente e
para chegar a ele, isto é, um certo recuo com valorizado) o prazer de ensinar, pesquisar,
relação as suas estratégias espontâneas e descobrir, criar e, resgatar no aluno, o prazer de
beneficiar as instauradas pelos demais”. aprender.
A autora refere que quando se fala em
“questionamento de texto” são as crianças que Leitura e Metacognição
devem questioná-lo para extrair seu sentido, ou ‘Detectar ” e ‘Reparar ” os problemas que
melhor, que aprendam a questioná-lo com a surgem durante a leitura são habilidades
ajuda do professor, e não que é o professor quem (estratégias) chaves para a compreensão de um
“faz perguntas de compreensão” sobre o texto, texto. Infelizmente, nem todos os alunos
como freqüentemente ocorre nas escolas. desenvolvem estas habilidades.
Para Orlandi6, a leitura deve ser considerada De acordo com a literatura que aborda o
em seu aspecto mais conseqüente que não é o da aspecto cognitivo das dificuldades de
mera decodificação, mas o da compreensão. Na aprendizagem, problemas de compreensão de
perspectiva da análise do discurso, que é a que texto são intimamente relacionados ao
a autora assume em relação à leitura, não existe desenvolvimento inapropriado de habilidades
em uma leitura de texto, apenas apreensão de metacognitivas no aluno. Estas habilidades

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referem-se ao conhecimento e controle que o quando a leitura deixa de ter significado) e


aprendiz tem sobre sua aprendizagem. As “regular” (reparando o problema) sua leitura,
habilidades metacognitivas ajudam o aprendiz a pois ele sabe como agir diante de uma situação
‘tomar consciência” e “controlar ” seu próprio problema.
processo de aprender. Exemplificando: em uma Já os leitores que encontram mais dificuldade,
atividade de leitura, compreender o texto é um como referem Baker e Brown8, não percebem a
ato cognitivo (ação automática e inconsciente), possibilidade de parar a leitura e checar a própria
porém ter consciência de que a leitura foi eficiente compreensão; têm dificuldade de resumir um
ou não é um exemplo de uma habilidade texto pois não sabem que informação incluir; não
metacognitiva (controle consciente e deliberado usam contexto para descobrir o significado de
de ações cognitivas). palavras novas; acreditam que a idéia principal
Inostroza 1 salienta que o processo de do parágrafo é a primeira frase e que resumir é
metacognição nos permite distanciar da situação descrever tudo o que é possível lembrar da
de aprendizagem e revelar como construímos e história.
reconstruímos o conhecimento. O estudante tem Sabe-se que, enquanto alguns aprendizes
que ser capaz de justificar o que aprende, como adquirem essas habilidades metacognitivas de
aprende e para que aprende. E o professor, por forma espontânea, outros precisam ser ensinados.
sua vez, deve mediar para que as crianças Precisam aprender a usar suas habilidades
raciocinem e aprendam a pensar. metacognitivas através de uma instrução
Para Kletzien7, os alunos que apresentam detalhada para que possam “aprender a
dificuldades de leitura e compreensão de texto aprender ” melhor. Pesquisas nesta área têm
têm todas as habilidades cognitivas necessárias demonstrado que quando os leitores aprendem
para aprender, porém não sabem usá-las ou as a “debulhar” o texto de forma estratégica, sendo
usam de forma inadequada. Aprendizes com capazes de auto-regular sua leitura, estes
dificuldades de aprendizagem não desenvolvem evidenciam uma melhora significativa na
‘boas” estratégias para aprender ou desenvolvem compreensão daquilo que é lido7,9,10. É nesta linha
essas estratégias, mas não as usam no momento de trabalho que nossa proposta de pesquisa,
certo, ou falham ao utilizá-las. Em função disso, descrita logo a seguir, se insere.
esses alunos são chamados de “aprendizes
passivos” ou “aprendizes não estratégicos”, já MÉTODO
que não sabem como usar e direcionar suas habi- Sujeitos da pesquisa
lidades cognitivas para que haja uma apren- Participaram desta pesquisa 11 alunos, com
dizagem efetiva. idades entre 10 e 12 anos, provenientes de uma
Pesquisas mostram que os bons leitores usam escola pública, freqüentando a 3a série do ensino
mais estratégias cognitivas e as usam de forma fundamental. Os alunos foram indicados pela
mais adequada do que aqueles que apresentam professora de sala de aula, tendo como critério
dificuldades8. Durante a atividade de leitura, os o baixo rendimento destes nas atividades
bons leitores usam uma série de habilidades referentes à compreensão de texto. Todos os
metacognitivas tais como: ler e checar a participantes são provenientes de classe social
compreensão do que foi lido; fazer perguntas a baixa.
si mesmo sobre o texto; ler novamente quando o
texto deixa de ter significado; destacar as idéias Instrumento
principais; repetir o que foi lido usando suas Foi utilizado o Teste Recall, teste informal de
próprias palavras; sublinhar palavras compreensão de texto, desenvolvido por Fuchs,
desconhecidas. Através do uso destas estratégias, Fuchs e Maxwell, em 1988. Os alunos receberam
o leitor passa a “controlar ” (dando-se conta um pequeno texto de aproximadamente 400

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palavras e leram por um período de 10 minutos. da Bruxa Onilda), solicitando que a examinadora
A seguir, escreveram durante 30 minutos, trouxesse outras “parecidas”. Passamos a utilizar,
contando com suas próprias palavras, e sem então, as histórias desta coleção durante todo o
recorrer ao texto, tudo o que haviam lido. Os desenvolvimento do trabalho. O tópico “Bruxas”
alunos eram alertados para que, naquele lhes pareceu atraente, a linguagem era simples
momento, não se preocupassem com a ortografia e adequada ao grupo, as histórias tinham um
das palavras e sim com as idéias da história que fundo cômico e as ilustrações eram coloridas e
deveriam re-contar. Esta atividade foi realizada bonitas.
em dois momentos, no início (Recall 1) e no final Alguns trabalhos mostram como a estrutura
do trabalho (Recall 2). de determinados textos pode dificultar ou facilitar
Os textos utilizados foram previamente a compreensão do leitor. Os alunos podem
divididos em “unidades de idéia”. Esta tarefa tem encontrar menor dificuldade na interpretação de
por objetivo verificar a porcentagem de unidades uma narração do que diante de um texto
de idéia que o aluno produz (número total de expositivo. Isso porque na narração se recria
idéias escritas pelo aluno, dividido pelo número o que já se sabe, enquanto que nos textos
total de idéias presentes no texto). expositivos adquirimos normalmente informação
As passagens dos textos foram extraídas da nova sobre o mundo, com todas as exigências que
coleção da Bruxa Onilda de E. Larreula e R. requer aprender de forma autônoma.
Capdevila, tomando cuidado para que as duas No terceiro encontro, foi realizada a atividade
histórias utilizadas como Recall 1 e 2 tivessem o do Par Educativo: “Desenhe uma pessoa que
mesmo nível de dificuldade e o mesmo número ensina alguma coisa a alguém que esteja
de unidades de idéia. aprendendo, em seguida, escreva a história do
Além deste instrumento informal de desenho”. Com esta proposta pode-se observar a
compreensão de texto, utilizamos também a visão que as crianças têm a respeito da relação
observação sistemática das produções individuais existente entre aquele que ensina e aquele que
de cada participante no decorrer do processo de aprende. Através desta atividade (desenho e
intervenção com as estratégias. escrita) pode-se conhecer melhor os alunos com
relação aos vínculos que estes estabelecem ou
Procedimento não com a aprendizagem, o impacto que as
Inicialmente minha preocupação era dificuldades escolares causam em suas vidas e
estabelecer um vínculo com os alunos, procu- suas expectativas com relação à escola.
rando conhecer suas características, interesses e Após estes três encontros, o grupo realizou o
necessidades. Para tanto, foram realizadas ativi- primeiro Recall teste. A etapa seguinte foi dar
dades durante três encontros. Em dois destes início as atividades de intervenção que envolviam
encontros, o foco do trabalho foi contar histórias. o ensino de estratégias cognitivas de compreensão
Inicialmente as histórias eram lidas em voz alta de texto, pelo examinador, durante 15 sessões
pela examinadora e, após, as crianças eram de 50 minutos, realizadas em uma sala cedida
convidadas a: pela escola. Finalmente, logo após o término do
a) Contar para os colegas a parte da história que período de ensino das estratégias, os alunos
mais gostaram. fizeram o segundo Recall Teste.
b) Desenhar a parte mais divertida da história.
c) Fazer perguntas aos colegas sobre a história. As estratégias
d) Fazer perguntas para a professora. Primeiramente, discutiu-se com as crianças o
e) Inventar um final diferente para a história. conceito de estratégia (O que é?) e sua finalidade
As crianças manifestaram um grande (Para que se usa?), procurando sempre fazer
entusiasmo pela primeira leitura feita (As férias relação entre os conceitos discutidos e as

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experiências de vida do grupo (Você usa Com esta estratégia, os alunos, nos pequenos
estratégias? Dê alguns exemplos.). grupos, elaboravam as perguntas, utilizando as
A seguir, houve o direcionamento do trabalho palavras interrogativas, e entregavam para que
no sentido de motivar e destacar a importância outro grupo pudesse respondê-las. As respostas
do uso de estratégias que nos auxiliam a melhor eram “corrigidas” pelos autores das perguntas,
compreender a leitura. que deveriam sempre argumentar com os
A primeira estratégia trabalhada foi a colegas quando não concordassem com as
CHECAR. respostas dadas.
Por fim, a estratégia PARAFRASEAR foi
apresentada aos alunos. O uso desta estratégia
CHECAR
requer a utilização adequada das duas
1. Leia o parágrafo. anteriores, como mostra o quadro abaixo:
2. Pare de Ler e pergunte: “Eu entendi o que acabei
de ler?” “Faz sentido para mim?”.
PARAFRASEAR
3. Se tu entendeste, vá em frente com a leitura.
1. Use as estratégias CHECAR e QUESTIONAR.
4. Se não entendeste, volte para o início do
parágrafo e leia novamente. 2. Escreva com suas próprias palavras (sem copiar
do texto) as respostas para as perguntas que
fizeste.
Os alunos liam os parágrafos e, em trios,
elaboravam as perguntas, para que depois
apresentassem os seus achados aos demais Neste momento, os alunos, a partir das
colegas. Foi discutida com o grupo a importância respostas que haviam encontrado às perguntas
de fazer perguntas mais “difíceis”, aquelas cujas feitas pelos colegas, construíam a paráfrase do
respostas não eram facilmente encontradas no texto. Contar o que o texto diz com as próprias
texto. Do mesmo modo, foi enfatizada a palavras era, sem dúvida, um desafio para todos
importância de se responder às perguntas de que tinham muito presente o modelo da cópia
forma clara e completa, e de recorrer novamente e da reprodução, bastante valorizado na sala
à leitura do parágrafo, quando não fossem de aula e, conseqüentemente, muito presente
capazes de responder às perguntas. na forma como os participantes se relacionavam
Passamos, então, para a aprendizagem e com o texto.
prática da segunda estratégia chamada
QUESTIONAR. Dinâmica do trabalho de intervenção
A dinâmica do ensinar, aprender e praticar
as estratégias envolveu trocas constantes entre
QUESTIONAR
os participantes e entre o examinador e os
1. Leia o parágrafo. participantes.
2. Pare e faça perguntas sobre o que foi lido do Inicialmente, o trabalho centrava na figura
tipo: O quê? Quem? Por quê? Como? Onde? do examinador que apresentava a estratégia
Quando? O que você faria se?, etc. passo a passo e auxiliava os alunos a colocá-la
3. Leia o parágrafo novamente para encontrar as em prática pela primeira vez. A etapa seguinte
respostas. exigia a participação ativa dos alunos que, em
pequenos grupos, trabalhavam com as estra-
4. Se não conseguires encontrar as respostas, volte
tégias, construindo suas hipóteses de trabalho,
para o início do parágrafo e leia novamente.
culminando com as práticas de trocas e apre-
5. Se puderes responder, sublinhe a resposta no sentações para os demais colegas. Nestes mo-
texto, destacando a pergunta que foi feita. mentos, o papel do examinador era de debater

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com os pequenos grupos as idéias que surgiam, Número total de Unidades de Idéias
desafiando-os a fazer novas perguntas, a pensar apresentadas pelos alunos no 2o Recall**
sobre o que estava escrito, a responder aos Alunos Pós-teste
questionamentos dos colegas, a reler o texto, Daniela 13
enfim, a verdadeiramente utilizar as estratégias Dreice 16
em questão.
Giane 10
Jonatan 16
RESULTADOS
Juliana 19
Priscila G. 16
Número total de Unidades de Idéias
Priscila S. 18
apresentadas pelos alunos no 1o Recall*
Sabrina 25
Alunos Pré-teste
Daniela 7 Vanessa 19
Dreice 5
Giane 6 aproveitar o trabalho de intervenção com as
Jonatan 5 estratégias de compreensão de texto. Após
Juliana 3 terem aprendido as três estratégias e experi-
Priscila G. 4 mentado o uso destas - através de uma prática
Priscila S. 11 que os convidava a tomar uma postura bastante
Sabrina 12 ativa e questionadora diante da atividade de
Vanessa 9 leitura, os alunos foram capazes de produzir
uma maior quantidade de unidades de idéais
O primeiro Recal realizado pelos alunos neste segundo Recall.
evidenciou o elevado grau de dificuldades que Conforme a tabela abaixo, todos os alunos
os participantes desta pesquisa apresentavam individualmente apresentaram um aumento de
com relação à compreensão daquilo que lêem. unidades de idéias no pós-teste em relação ao
Na realidade, alguns deles ainda demons- pré-teste.
travam problemas na decodificação dos signos
lingüísticos, o que acabava necessariamente por
Número total de Unidades de Idéias
atrapalhar a compreensão. Outros apresen-
apresentadas pelos alunos no 1o e 2o Recall
tavam uma desorganização de pensamento no
que diz respeito à seqüência e à organização Alunos 1º Recall 2º Recall
dos eventos na história, muitas vezes repetindo Daniela 7 13
idéias e, outras, deixando aspectos importantes Dreice 5 16
de lado. Houve casos onde alunos destacaram Giane 6 10
aspectos secundários da história, considerando- Jonatan 5 16
os como idéias chaves, revelando uma dificul- Juliana 3 19
dade de apontar e diferenciar as idéias Priscila G. 4 16
principais dos detalhes. Priscila S. 11 18
O segundo Recall, conforme mostra a tabela Sabrina 12 25
acima, revelou o quanto os alunos puderam Vanessa 9 19

*O texto representando o Recall 1 continha 30 unidades de idéia.

**O texto representando o Recall 2 continha 30 unidades de idéia.

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DISCUSSÃO alunos em relação ao uso das estratégias.


Os resultados da pesquisa sugerem que as Inicialmente, faltava-lhes a capacidade de fazer
estratégias de compreensão de texto desen- perguntas, não só para si como para o outro.
volvidas permitiram aos alunos uma melhora na Acreditamos que esta é uma prática pouco
compreensão do que é lido. Com as estratégias utilizada na escola, uma vez que quem “deve”
os alunos foram convidados a realizar uma série perguntar é o professor que sabe, e quem “deve”
de ações para que pudessem dar conta do responder é o aluno que não sabe e que precisa
significado do texto, “atacando o texto”: lendo, saber.
fazendo perguntas, relendo, encontrando respos- Considerando uma certa “cultura peda-
tas, sublinhando, parafraseando. Estas ações, gógica”, a pergunta é muitas vezes interpretada
através da mediação do examinador - trazendo dentro da escola como um sinal de “ignorância
indagações, idéias, sugestões, permitiram às no sentido vulgar e pejorativo da palavra”, como
crianças participantes deste estudo pensar sobre refere Rubinstein11. À medida que os alunos
o que é lido e como agir diante de uma leitura percebiam o descompromisso do nosso trabalho
em busca de significado. com notas e provas, uma preocupação muito
A forma como as estratégias foram trabalhadas presente em suas falas, “autorizavam-se” a
possibilitou o papel ativo dos alunos durante o arriscar, a ousar e, então, podiam experimentar
processo. A valorização de um espaço de trocas fazer diferente do modo como costumavam
no qual a interlocução professor-aluno e aluno- “aprender” na sala de aula. E foi visível perceber
aluno desempenhou um papel fundamental no a satisfação que esta mudança de postura -
sentido de auxiliar os alunos a compreenderem domínio da ação de aprender, através das tarefas
o texto. As crianças conversavam entre si e com a solicitadas pelas estratégias - gerava no grupo.
examinadora, debatiam, trocavam idéias, Do mesmo modo, no início do trabalho, a
contavam sobre o que iriam escrever, pergun- paráfrase não existia no estilo de aprender dos
tavam sobre a escrita de determinadas palavras, alunos. Para a maioria só estava correto se esti-
sobre a adequação de palavras a sua idéia, sobre vesse escrito no texto. Deste modo, foi necessário
pontuação, criação de nova linha, etc. um longo trabalho de questionamento, de
Do mesmo modo, a exploração de produções levantamento de hipóteses, de ensaio e erro, para
individuais ou coletivas com o grupo sempre foi que os alunos se permitissem arriscar uma forma
de extrema relevância na ressignificação da diferente de fazer e de pensar. Essa atitude está
relação do aluno com o texto, como leitor e como diretamente relacionada com a baixa auto-estima
escritor. Ao verem seus questionamentos e suas e passividade dos alunos diante do conhecimento.
idéias sendo retomados e considerados como O trabalho com as estratégias possibilitou o
objetos de estudo e debate, os alunos foram aos resgate desta auto-estima, na medida em que as
poucos deixando de lado a passividade com que opiniões eram apresentadas e discutidas, mas
encaravam a leitura para assumirem um papel acima de tudo valorizadas. Era preciso dizer o
ativo, tendo como conseqüência uma produção que se pensava, ou ainda era preciso pensar sobre
bem mais criativa e envolvente. o que se dizia, para que depois o grupo, como
À medida que iam se percebendo como um todo, chegasse a um consenso.
produtores de idéias, questionamentos e paráfrases, A intervenção psicopegagógica, através do uso
foi possível observar o prazer com que o grupo de de estratégias de compreensão de texto, permitiu
alunos trabalhava com as estratégias, lendo e que os alunos participantes desta pesquisa
relendo diversas vezes um texto em busca de novas experimentassem processos utilizando recursos
idéias para trocar com ou mostrar aos colegas. cognitivos e afetivos e desenvolvessem um papel
Ao longo das sessões de intervenção, foi ativo diante do aprender. Não há dúvidas de que
possível observar uma mudança de postura dos estes são elementos facilitadores da aprendiza-

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gem que necessitam ser valorizados pelos Assim, trabalhar as dificuldades de


educadores e estarem presentes no cotidiano dos compreensão na leitura em uma perspectiva
nossos alunos. metacognitiva é uma proposta promissora. O
ensino de estratégias poderá beneficiar todos os
CONCLUSÃO alunos, e não somente aqueles que apresentam
Sabemos que existe um interjogo de fatores dificuldades. Aprender a ler estrategicamente é
que pode vir a interferir na aprendizagem da válido para todos os aprendizes. O que queremos
leitura e compreensão de texto. Aqui, mais senão encorajar todos os alunos a exercerem
destacamos aspectos relacionados a caracte- um papel ativo, autônomo e independente diante
rísticas individuais do aluno, com o desenvol- dos processos de aprendizagem? A intervenção
vimento inadequado de estratégias meta- voltada para o conhecer-se melhor enquanto
cognitivas. Salientamos como possível causa uma aprendiz (características como leitor), o aprender
inabilidade por parte da escola de lidar com esta a aprender de forma mais efetiva, o organizar-se
aprendizagem, não sabendo fazer de seus para aprender, vem ao encontro das necessidades
alunos bons leitores3. de todos os aprendizes, podendo torná-los mais
Os resultados desta pesquisa trazem impli- competentes e motivados para lidar com as
cações importantes para as práticas atuais situações de aprendizagem.
do ensino de compreensão de texto. Sugerem Acreditamos que programas que incluírem,
que a metacognição é uma habilidade nos seus currículos, o ensino de ações pedagó-
fundamental para a atividade de leitura, gicas estarão considerando dois aspectos funda-
contribuindo para a formação de leitores mentais. Em primeiro lugar, propor um ensino
autônomos, ativos e independentes, e que pre- voltado ao aluno, ou seja, as estratégias a serem
cisa ser desenvolvida na escola. Sugere, também, utilizadas deverão ser adaptadas às necessidades
que a escola possa rever e repensar suas e características individuais do aluno. Em
concepções de leitura e compreensão de texto, segundo lugar, através do ensino de ações
assim como, a metodologia de ensino dos pedagógicas, o professor de sala de aula, que é
mesmos já que a escola tem contribuído para o profissional que está diariamente com os alunos,
formar muitos dos problemas de compreensão torna-se capaz de auxiliá-los a prevenir e,
evidenciados pelos alunos. também, remediar futuras dificuldades escolares.

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SUMMARY
Difficulty in reading comprehension: a metacognitive approach

This article presents the results of a research developed with a group of


third year public primary school who faced difficulties in reading
comprehension. Pedagogical actions -cognitive strategies - were developed
with the purpose of allowing them to learn how to think and to reason about
their reading activities, based on peer changes, through the mediation of the
researcher. The taught of the strategies - bringing questions, ideas and
suggestions - allowed the students participating in this study, to think about
what is read and to think how to act towards reading when searching for
meaning. We have dedicated our investigation in this area because a great
number of students do not develop this ability naturally and spontaneously.
This situation contributes to make worse the serious reality of school failure
we have been facing, since the reading comprehension ability is fundamental
to all school further activities.

KEY WORDS: Reading comprehension. Reading. Learning.

REFERÊNCIAS comprehenders reading expository text of


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Trabalho realizado na rede pública de Porto Alegre Artigo recebido: 01/10/2004


envolvendo crianças da 3a série do ensino fundamental, Aprovado: 25/10/2004
portadoras de dificuldades na compreensão da leitura.

Rev. Psicopedagogia 2004; 21(66): 206-15

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