Você está na página 1de 106

Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica (SBPA)

Member of the International Association for Analytical Psychology (IAAP)


Junguiana
REVISTA LATINO-AMERICANA DA SOCIEDADE
BRASILEIRA DE PSICOLOGIA ANALÍTICA
Volume 34 /2016

Editoral A revista Junguiana tem por objetivo publicar trabalhos originais


Vera Lúcia Viveiros Sá – editora-geral que contribuam para o conhecimento da psicologia analítica e
Fani Goldenstein Kaufman – editora assistente ciências afins. Publica artigos de revisão, ensaios, relatos de
Maria Zelia Alvarenga – editora de resenhas pesquisas, comunicações, entrevistas, resenhas. Os interessados
em colaborar devem seguir as normas de publicação especificadas
Conselho Editorial no final da revista.
Fani Goldenstein Kaufman A Junguiana também está aberta a comentários sobre algum
Fernanda Gonçalves Moreira artigo publicado, bastando para isso enviar o texto para o e-mail
Marcia Moura Coelho artigojunguiana@sbpa.org.br.
Marfiza Reis
Maria Zélia Alvarenga
Rodney Taboada
Vera Lúcia Viveiros Sá SOCIEDADE BRASILEIRA
Victor Roberto Da Cruz Palomo DE PSICOLOGIA ANALÍTICA

Conselho Editorial Internacional


Axel Capriles – Sociedad Venezolana de São Paulo
Analistas Junguianos Diretores – Gestão 2015-2017
Jacqueline Gerson – Asociación Mexicana André Luiz Saraiva Pinheiro – Presidente
de Analistas Junguianos Luis Fernando Nieri de Toledo Soares – Diretor Administrativo/Tesoureiro
Juan Carlos Alonso – Asociación para el Desarrollo Luis Paulo Cotrim Amorim – Diretor do Instituto de Formação
de la Psicología Analítica en Colombia – Adepac Elaine Franzini Soria – Diretora de Cursos e Eventos
Luis Sanz – Asociación Venezolana de Psicología Ana Célia Rodrigues de Souza – Diretora de Biblioteca
Analítica Regina dos Santos Vicente – Diretora da Clínica
Mariana Arancibia – Grupo de Estudios C. G. Jung Ana Maria Cordeiro – Diretora de Comunicação/Divulgação
de Chile
Rua Dr. Flaquer, 63 – Paraíso – 04006-010
Mario E. Saiz – Sociedad Uruguaya de Psicología Analítica
Telefax: (11) 5575-7296
Nestor Costa – Asociación de Formación e Investigación
E-mail: sbpa@sbpa.org.br
en Psicología Analítica
Home page: www.sbpa.org.br
Patricia Michan – Asociación Mexicana de Analistas
Junguianos
Vladimir Serrano Pérez – Fundación C. G. Jung Associada Rio de Janeiro
del Ecuador Maddi Damião Júnior – Presidente
Marcello Fiorillo Bogado – Administração e Secretaria
Consultores científicos Alexandre Alves Domingues – Publicação e Biblioteca
Christina Hajaj Gonzales – Universidade Federal de Suely Engelhard – Finanças e Tesouraria
São Paulo, SP Carla Maria Portella Dias Bezerra – Cursos e Eventos
Durval L. de Faria – Pontifícia Universidade Católica, SP Elizabeth Christina Cotta Mello – Ensino
João Frayze-Pereira – Universidade de São Paulo, SP
Mariluce Moura – revista Pesquisa Fapesp, SP Tel.: (21) 2235-7294
Marisa Müller – Pontifícia Universidade Católica, RS E-mail: sbparj@bighost.com.br
Paulo Vaz de Arruda – Faculdade de Medicina da Home page: www.sbpa-rj.org.br
Universidade de São Paulo, SP

Preparação, revisão de texto e produção gráfica Indexação


Atual Design Index Psi Periódicos: www.bvs-psi.org.br
Base de dados Lilacs/Bireme – Literatura Latino-
Capa: Ana Gabriela Barth -Americana e do Caribe da Saúde, da Organização
Pan-Americana da Saúde (Opas) e da Organização
São Paulo, 2016 Mundial da Saúde (OMS). www.bireme.br

Junguiana: Revista da Sociedade Brasileira


de Psicologia Analítica – n.1 (1983)
São Paulo: Sociedade, 1983 -
semestral
ISSN 0103-0825
1.Psicologia – periódicos
CDD 150

2 „ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016


Junguiana
v.34, p.3

Editorial

Editada desde 1983, a Revista Junguiana passou por várias


mudanças ao longo da sua história. Essas fases refletiram o
amadurecimento do seu projeto e o próprio crescimento da
SBPA. A mudança em curso, para além das questões institu-
cionais, expressa a necessidade da Junguiana de migrar do
mundo físico ao virtual para continuar a exercer sua vocação
de veículo de divulgação do pensamento junguiano. A cultura
contemporânea apresenta um conceito ampliado de mundo
que transcende o físico e se evidencia, entre outros vários
fenômenos, no desaparecimento material dos objetos. O processo de desmaterialização da revista
trouxe o sentimento de perda da relação com um objeto cheio de histórias e afetos e o reconheci-
mento da cultura virtual como excelente oportunidade de reinvenção e transformação.

Assim, apresentamos a Junguiana volume 34.

Iniciamos a edição abordando um tópico em tendência no país, com o artigo “Corrupção no


Brasil: uma visão da psicologia analítica”. Em seguida, o ensaio clínico “Me dê uma mão ?, ou, quan-
do a ajuda é dizer ‘não’” analisa a bondade defensiva à luz do mito de Eros e Psique. “Sandplay:
conflito e criatividade plasmados na areia” relata a elaboração vivencial do encontro da técnica e
escolha profissional. “Uma explicação arquetípica da crucificação de Jesus pela teoria arquetípica da
história” sincronisticamente reelabora o tema morte/renascimento, apresentado, pelo mesmo autor,
no primeiro número da Revista Junguiana. Finalizamos com a resenha do livro A psique japonesa –
grandes temas dos contos de fadas japoneses.

Atendendo a pedidos, esta edição teve tema livre.

Entramos na cibercultura invocando Janus e a dupla fase, passado e futuro, presentes em mo-
mentos de transição. Compartilhamos o conteúdo desta edição em duas formas de apresentação:
no site da SBPA www.sbpa.org.br e, também, no portal dos periódicos eletrônicos em psicologia
(PePSIC) http://pepsic.bvsalud.org, onde estamos juntos a títulos de outros dez países. Dessa ma-
neira, estamos experimentando a flexibilidade do mundo virtual, tanto de interação como de
interatividade, para construir uma nova fase para a Revista Junguiana.

Boa leitura!

Vera Lúcia Viveiros Sá


Editora-geral
outubro de 2016

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016 „ 3


Sumário
Contents

55 5 Corrupção no Brasil: uma visão


Corruption in Brazil: da psicologia analítica
an Analytical Psychology view Camila Souza Novaes

69 19 Me dê uma mão ?, ou, quando


¿ Dame una mano ?, o, a ajuda é dizer “não”
cuando la ayuda es decir “no” Sylvia Mello Silva Baptista

77 27 Sandplay: conflito e criatividade


Sandplay: conflict and creativity plasmados na areia
embodied in the sand Patrícia Dias Gimenez

87 37 Uma explicação arquetípica da crucificação


The archetypal theory of history de Jesus pela teoria arquetípica da história
and the crucifixion of Jesus Carlos Amadeu Botelho Byington

99 49 Resenha
Book review A psique japonesa – grandes temas dos
The Japanese psyche – major contos de fadas japoneses
motifs in the fairy tales of Japan Ludmila da Silva Pires

102 102
Guidelines for publishing Normas para publicação

4 „ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016


Junguiana
v.34, p.5-17

Corrupção no Brasil:
uma visão da psicologia analítica*

Camila Souza Novaes**

Resumo
Nos últimos anos, a mídia internacional expôs de brasileiros e seus políticos ou na ineficiência Palavras-chave
vários escândalos relacionados à corrupção, que do sistema judiciário. A opinião do público leigo Corrupção,
demonstraram não só a fragilidade dos sistemas é superficial e tende a concluir de maneira pro- complexo cultural,
trauma cultural,
políticos mas também a escala global da corrup- jetiva que a corrupção é responsável por todos
malandro,
ção. A corrupção não é apenas um tema da moda, os problemas do país. A psicologia analítica pode bem e mal.
mas um fenômeno global gravíssimo que parece contribuir com novas abordagens para o estudo
ter peculiaridades entre os países. No Brasil, a do fenômeno da corrupção. Aplicando valores
corrupção é um problema que oprime a socieda- psicoterapêuticos a questões políticas, esta pes-
de, mas que parece estar diretamente relaciona- quisa pode vir a ajudar psicoterapeutas a abrir
do à identidade coletiva do brasileiro e, para mui-
tos, ela é intrínseca ao “jeitinho brasileiro”.
Apesar de a corrupção ser um assunto de dis-
cussão recorrente para diferentes campos de es-
tudo, a maioria das teorias existentes sobre a
corrupção é unilateral e parcial. Elas se concen-
tram em apenas uma parte do problema, colocan-
do a responsabilidade ou na falta de moralidade

* Material apresentado originalmente em inglês, com o título


“Corruption: Brazilian experience and post-Jungian perspective”,
sob a forma de palestra na conferência “Analysis and activism:
social and political contributions of Jungian Psychology”, um evento
da International Association of Analytical Psychology (IAAP), em
Roma, 2015. O tema deste artigo faz parte da tese de doutoramento
da autora (em andamento) pela Universidade de Essex na Inglater-
ra, sob a supervisão de Andrew Samuels.

** Psicoterapeuta junguiana. Doutoranda pela Universidade de Essex


na Inglaterra (Departamento de Estudos Psicanalíticos), e mestre
em Psicologia Clínica pela PUC-SP (Núcleo de Estudos Junguianos).
Coordenadora do Núcleo de Psicologia da Fundação Lar Harmonia
em Salvador, na Bahia.
E-mail: <cammys28@hotmail.com>.

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016 „ 5 jan-jun.2016


Junguiana
v.34, p.5-17

um caminho de duas vias entre “realidades in- brasileiros e que possam estar relacionados ao
ternas” e o “mundo da política”, como propõe atual cenário político-social do país, especialmen-
Andrew Samuels. Propõe-se aqui um olhar mais te a versão brasileira do arquétipo do trickster
atento para a relação entre a realidade interna (que parece estar oprimindo a psique brasileira)
do povo brasileiro e o mundo da política no Bra- e o complexo cultural do malandro, que não foi
sil, particularmente a corrupção brasileira. ainda analisado em detalhe. Argumenta-se tam-
O objetivo deste artigo é analisar a corrupção bém que a corrupção política deve ser vista não
em seus três diferentes (mas complementares) apenas como um ato egoísta de um indivíduo, mas
níveis: individual, cultural e coletivo. Discutimos de forma mais ampla, como um construto social
os complexos culturais brasileiros e traumas cul- e também como algo relacionado à corrupção da
turais que já foram identificados por junguianos própria natureza humana. „

Corrupção no Brasil: uma visão da psicologia analítica

1. Introdução
A corrupção é um fenômeno global. Ouve- Em ambos os crimes, a pena é de prisão de
se falar todos os dias sobre corrupção nos jor- dois a doze anos e multa.
nais e nas ruas. A corrupção foi considerada o O fenômeno da corrupção é um tema de atua-
problema número 1 do Brasil em pesquisa do lidade óbvia. Entretanto, poucos psicólogos es-
Instituto Datafolha (MENDONÇA, 2015). Além dis- creveram de maneira aprofundada sobre o as-
so, “a corrupção é o problema global mais fre- sunto, não chegando nem a uma dúzia. Apenas
quentemente discutido do mundo”, na frente um texto aborda a corrupção do ponto de vista
de mudança climática, pobreza extrema e fome, da psicologia analítica: o capítulo Corrupção,
desemprego e custos de alimentos e energia sintoma de um complexo cultural no Brasil?, de
(SCOTT, 2009). A corrupção ameaça a segurança Denise Ramos (2004). A análise subjetiva da
e o modo de viver de cidadãos no mundo todo. corrupção parece quase ignorada, de modo que
A corrupção custa vidas, especialmente quando relevantes questões psicológicas subjacentes ao
alguém morre por falta de medicação ou atendi- fenômeno permanecem sem resposta. Além de
mento porque um político corrupto desviou o um problema político, o que seria a corrupção
dinheiro de um hospital público. sob o ponto de vista do inconsciente? Seria ela
O Código Penal Brasileiro (Lei 2.848/1940) uma doença, um sintoma? A mídia muitas vezes
subdivide a corrupção em dois tipos: ativa e pas- se refere à corrupção como um câncer na socie-
siva. Corrupção ativa (Art. 333) é definida como dade brasileira. Entretanto essa é uma metáfora
“oferecer ou prometer vantagem indevida a fun- extremamente negativa, afinal, diante do cená-
cionário público, para determiná-lo a praticar, rio atual desse fenômeno no país, o “paciente
omitir ou retardar ato de ofício”. Corrupção pas- Brasil” estaria em estágio avançado de câncer,
siva (Art. 317) é definida como: possivelmente uma metástase. Sobraria pouca
esperança e futuro diante de um diagnóstico ter-
solicitar ou receber, para si ou para outrem, dire- rível como esse.
ta ou indiretamente, ainda que fora da função ou A descoberta do inconsciente trouxe consigo
antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem uma tremenda revolução de valores. Erich Neu-
indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem. mann (1990) fez “a primeira tentativa notável de

6 „ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016


Junguiana
v.34, p.5-17

apresentar os problemas éticos suscitados pela mesmo e também para com a norma coletiva. “A
descoberta do inconsciente” (JUNG, 2000, v. 18, união entre consciência e inconsciente, ou seja,
par. 1420). Alarmado com os efeitos terríveis das o processo de individuação, [...] é o cerne do pro-
guerras mundiais, Neumann propõe uma distin- blema ético” (JUNG, 2000, v. 18, par. 1419).
ção entre a velha ética e a nova ética. A velha ética Este artigo é estruturado em definições, cau-
é baseada na oposição entre bem e mal, luz e es- sas e consequências da corrupção sob a perspec-
curidão – uma concepção dualista do mundo. tiva da psicologia analítica, em seus três diferen-
Com origem religiosa judaico-cristã e grega, a ve- tes (mas complementares) níveis do inconsciente:
lha ética tem uma tendência ascética e persegue individual, cultural e coletivo.
uma perfeição ilusória, reprimindo o lado escuro.
Para Jung, buscar a perfeição é legítimo e inato ao 2. Nível individual da corrupção
homem, uma peculiaridade que fornece à civiliza- 2.1. Definições
ção suas raízes mais fortes. No entanto, o homem A corrupção pode ser descrita como um “com-
“é obrigado a suportar, por assim dizer, o oposto portamento desviante” das normas legais e valo-
do que intenciona, em benefício da sua inteireza” res morais, “que se manifesta sob a forma de um
(JUNG, 1982, v. 9/2, par. 123), o que, durante a abuso de função na política, sociedade ou econo-
guerra, mostrou ter resultados catastróficos. mia em favor de outra pessoa ou instituição” (RABL,
Neumann propõe uma nova atitude para com 2008, p. 25). Se refere a processos de decisão em
o mal, pois a velha ética estava se deteriorando situações de dilemas éticos e também a estraté-
e revelou-se insuficiente para resolver o proble- gias de justificativa que os indivíduos corruptos
ma moral do homem moderno. A nova ética de utilizam. Por exemplo, o indivíduo corrupto pode
Neumann pressupõe um indivíduo que é moral optar por um suborno para fechar um negócio
dentro dos padrões da velha ética, mas vai mais difícil ou para sair de uma dificuldade financei-
longe: seu objetivo não é a perfeição, mas a to- ra. Nessas situações, o indivíduo tende a evitar
talidade. Ele substitui a antiga oposição entre o lidar com a própria incompetência ou sentimen-
bem e o mal, com a integração da sombra. A per- to de inferioridade – uma fuga dos próprios con-
feição não contém o que não foi aceito pelo ego, teúdos inconscientes desagradáveis. Do ponto
mas a totalidade abarca a imperfeição da som- de vista da psicologia analítica, a corrupção pode
bra. Jung endossa a opinião de Neumann, dizen- ser compreendida no indivíduo corrupto como
do que “a integração da personalidade é inconce- um mecanismo de defesa contra os efeitos ma-
bível sem a relação responsável, ou seja, moral léficos da sombra. Seria apenas uma maneira
das partes entre si” (JUNG, 2000, v. 18, par. 1412). fácil e preguiçosa de resolver os problemas. Nes-
Jung afirmou ainda que: se nível de análise, a corrupção está relacionada
a características individuais da personalidade,
[...] a sombra constitui um problema de ordem um ato egoísta de um indivíduo.
moral que desafia a personalidade do eu como
um todo, pois ninguém é capaz de tomar cons- 2.2. Causas
ciência desta realidade sem dispender energias A corrupção representa uma tendência arque-
morais. Mas nesta tomada de consciência da típica do ego a inflação e transgressão de regras
sombra trata-se de reconhecer os aspectos obs- sociais em detrimento do interesse coletivo. Ela
curos da personalidade, tais como existem na parece nascer de uma insatisfação do ego con-
realidade. (1982, v. 9/2, par. 14) sigo mesmo, com sua inferioridade. O ato da cor-
rupção requer uma sensação de imenso poder
O processo de individuação é um desafio éti- de maneira a justificar o enorme desejo por ga-
co, que exige comprometimento para consigo nho pessoal por meio da transgressão de regras.

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016 „ 7


Junguiana
v.34, p.5-17

O indivíduo corrupto coloca as suas necessida- O modelo de normalização de Ashforth e


des acima da sociedade inteira, desconsiderando Anand é uma tentativa de explicação de como
as consequências da sua ganância. Identificado indivíduos honestos se envolvem em corrupção
com o Self, o indivíduo corrupto parece não ter sem experimentar conflitos. Esse modelo pode
limites. Quando um ato de corrupção é perpetra- nos ajudar a entender a corrupção como um pro-
do, não há comprometimento com o bem-estar cesso psíquico.
da nação ou mesmo com o “amor ao próximo”. A racionalização, um dos elementos da norma-
Corrupção é um ato hedonista, no qual o ter (seja lização, seria “o processo pelo qual os indivíduos
dinheiro ou poder) é colocado acima do ser. que se envolvem em atos de corrupção utilizam
O político corrupto parece se considerar co- narrativas socialmente construídas para legitimar
mo um deus. Ele rouba, pois se acha superior às os atos aos seus próprios olhos” (ibid., p. 3). Os
outras pessoas. autores acreditam que uma compartimentalização
de identidades é responsável pela separação en-
No campo da política, o líder político que inflou tre atos de corrupção praticados por um indivíduo
sua personalidade através da identificação com no contexto de uma organização e sua exibição de
o seu ofício ou que sente que representa a von- moralidade fora dela. Segundo os autores, uma
tade coletiva experimenta um sentimento de pessoa que mesmo em circunstâncias normais é
confiança, onipotência e megalomania que bei- considerada ética pode ser influenciada por e agir
ra o divino. (ODAJNYK, 2007, p. 22) em conformidade com o que é esperado dela em
um ambiente corrupto por conta da transmissão
Indivíduos corruptos parecem não fazer ne- de valores. Essa compartimentalização auxilia es-
nhum esforço para a “nova ética”. Para eles, o que ses indivíduos a se envolverem em corrupção sem
importa é a obtenção de mais poder ou dinheiro, experimentar conflitos. Em uma visão junguiana
independentemente dos meios, mesmo que seja do que os autores sugeriram, podemos dizer que
de forma destrutiva – Ashforth e Anand (2003) uti- diferentes personas estão sendo utilizadas pelo
lizam o termo “corrupção suicida”. Parece não ha- mesmo indivíduo em diferentes contextos e, além
ver limites para a ganância. Na tentativa de ser disso, que as personas estão em oposição: a per-
como deuses, os políticos enganam apenas a si sona do corrupto e a persona ética.
mesmos. Jung afirma: “[...] quem engana os ou-
tros engana a si mesmo, e vice-versa. Não se con- 2.3. Consequências
segue nada com isso, muito menos a integração Ashforth e Anand (ibid., p. 5) destacam que os
da sombra” (JUNG, 2000, v.18, par. 1414). criminosos de colarinho branco são considerados
Quando a corrupção se torna um comporta- indivíduos psicologicamente normais. Entretanto,
mento padrão, uma inversão moral significativa eles afirmam que “indivíduos corruptos tendem
ocorre. Ashforth e Anand chamaram esse proces- a não se ver como corruptos”. Ao negar tal rotu-
so de “normalização da corrupção” e descreve- lação, esses indivíduos “evitam os efeitos adver-
ram-no como a forma por meio da qual os atos sos de uma identidade social indesejável” (ibid.,
de corrupção se tornam p. 15). Em uma interpretação junguiana, dois la-
dos da personalidade do indivíduo corrupto pa-
incorporados nas estruturas e processos da or- recem se desenvolver de maneira terrivelmente
ganização, internalizados pelos membros da or- distante, evidenciada pelo fato de que
ganização como admissível e até mesmo como
comportamento desejável, e repassados para as a maioria dos indivíduos envolvidos em atos de
gerações seguintes de membros. (ASHFORTH; corrupção tende a não abandonar os valores que
ANAND, 2003, p. 1) a sociedade defende; eles continuam a valorizar

8 „ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016


Junguiana
v.34, p.5-17

a justiça, honestidade, integridade e assim por As características individualistas e narcísicas


diante, mesmo quando eles se envolvem em do sujeito corrupto coincidem com a projeção da
corrupção. (ibid., p. 15) sociedade de não-conformidade com a norma
social. A sociedade usa seus políticos para rea-
Essa é uma dissociação neurótica, pois está firmar sua própria integridade e honestidade.
relacionada a uma “discrepância entre a atitude Existe uma enorme recusa por parte dos cida-
consciente e a tendência inconsciente” (JUNG, dãos em reconhecer que o lado desprezível que
1988, v. 16, par. 26). veem nos políticos também faz parte das pró-
Os indivíduos corruptos vivem em uma disso- prias sombras. Talvez essa ruptura seja iniciada
ciação, como Dr. Jekyll e Mr. Hyde. No entanto, exatamente pela culpa e vergonha (JACOBY, 1996).
esses estados são vividos dentro da percepção Indivíduos corruptos parecem estar distancia-
de normalidade. O indivíduo corrupto pode ser dos de seus próprios processos de individuação
um pai amoroso, um vizinho atencioso ou mes- pessoal, pois eles estão identificados com a
mo religioso fervoroso (ASHFORTH; ANAND, 2003, sombra coletiva do mal projetado sobre eles.
p. 3). Em políticos, esse lado pode ser extrema- Ser pego pode ser uma maneira de sair desse
mente carismático, derivado de uma personali- processo e também um alívio. Mas quando con-
dade mana. Entretanto, o político corrupto tem frontados com a sua culpa e a vergonha da expo-
também um sósia maléfico dentro de si. A cor- sição pública, eles têm a oportunidade de voltar
rupção revela uma dissociação neurótica diante para o caminho pessoal da individuação. Segun-
de um dilema ético. É um mecanismo de defesa do John Beebe (1992, p. 67), a vergonha pode ser
contra o lado negro do mal da personalidade e um caminho para a cura, mas apenas se vivida
representa uma recusa à individuação enquanto com integridade.
realização moral. A corrupção tem como consequência uma
A individuação é um processo consciente de atrofia da personalidade individual, pois os po-
diferenciação das normas coletivas, nas quais é líticos corruptos servem a um propósito coletivo
preciso construir um caminho individual para o de projeção do nosso mal e deixam de viver os
desenvolvimento da personalidade. Até certo pon- próprios processos de individuação. Quando seus
to, isso está na verdade em oposição às normas atos vêm a público pela mídia, surge a vergonha e
coletivas, no entanto, seguir apenas as próprias a culpa de terem pecado. Metaforicamente, eles
normas é individualismo, não individuação. O in- morderam a maçã podre da corrupção e foram
dividualismo é, segundo Jung, “patológico e hostil expulsos do paraíso fiscal.
à vida”, uma vez que entra em conflito com a nor-
ma coletiva. “Individualismo significa acentuar e 3. Nível cultural da corrupção
dar ênfase deliberada a supostas peculiaridades, Freud e Jung fizeram diversas análises de fe-
em oposição a considerações e obrigações cole- nômenos sociais ao longo das suas obras. Jung
tivas.” No entanto, o objetivo da individuação é foi particularmente influenciado pela Völkerpsy-
tornar-se uma unidade indivisível, um “todo” em chologie, a psicologia do povo, de Wilhelm Wundt.
uma relação ótima com a sociedade: Foi uma teoria que obteve relativo sucesso até
ser associada ao nazismo (SHAMDASANI, 2003).
Individuação significa precisamente a realização As análises psicológicas de acontecimentos so-
melhor e mais completa das qualidades coleti- ciais de Jung foram bastante polêmicas. Os jun-
vas do ser humano; é a consideração adequada guianos precisam se perguntar se a psicologia
e não o esquecimento das peculiaridades indi- junguiana está de fato preparada para fazer análi-
viduais, o fator determinante de um melhor ren- se de culturas. Será que nós podemos utilizar
dimento social. (JUNG, 1981, v. 7, par. 267) a psicologia individual para explicar fenômenos

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016 „ 9


Junguiana
v.34, p.5-17

sociais? Ou seja, seria possível analisar um gru- as características que podem vir à mente ao nos
po, uma cultura, como se fosse um indivíduo, questionarmos não necessariamente estão liga-
fazendo uma simples transposição de conceitos das a ser corrupto. Muitas pessoas até ligam o
(LU, 2013)? A antropomorfização de culturas e/ou jeitinho brasileiro à corrupção, mas essa é uma
países é extremamente complexa e tem de ser conexão que pode ser injusta. Roberto DaMatta
feita com cautela. Muitos junguianos têm feito (1986) define jeitinho como um “modo de nave-
essa transposição de teorias sem o devido cuida- gação social”, “um modo de satisfazer nossas
do e colocando o Brasil no divã. Se assumirmos vontades e desejos, mesmo que isso vá de en-
que o Brasil é um paciente, estaríamos prontos contro às normas do bom senso e da coletivida-
para falar sobre a individuação de países? Como de em geral”. Só que o jeitinho brasileiro não ser-
seria isso? ve apenas para passar a perna nos outros. O jeiti-
Para falar de características subjetivas de um nho é também o que está por detrás da expres-
grupo, tem-se que considerar um terceiro nível de são “onde come um, comem dois”. É jeitinho para
inconsciente – na verdade, uma faixa de elemen- sobreviver, que está ligado à capacidade de
tos intermediária entre o inconsciente pessoal e resiliência do brasileiro diante da fome, da pobre-
o coletivo –, que seria o inconsciente cultural. za e da falta de recursos (NOVAES, 2016).
Joseph Henderson é tido como um dos primeiros
a falar sobre isso (SINGER, 2012), na década de 3.2. Causas
1960. Entretanto foi um brasileiro, chamado Arthur Diversos autores junguianos têm se debru-
Ramos, que lançou esse conceito na década de çado sobre as questões sociais do Brasil, exa-
1930, influenciado pelas ideias de Jung (ARAÚJO, minando a “alma brasileira” (BOECHAT, 2014;
2002). Só que ele o chamou de inconsciente fol- GAMBINI, 2000, 2004; BRIZA, 2006). Entretanto,
clórico. Essas três camadas do inconsciente per- essa expressão tem sido utilizada com signifi-
mitem uma análise do fenômeno da corrupção cados diferentes entre os autores: psique cole-
sob o ponto de vista subjetivo, que escapa às tiva brasileira, inconsciente cultural brasileiro e
outras ciências. Self grupal do Brasil.
O conceito que os junguianos estão utilizando
3.1. Definições atualmente para se referir a fenômenos sociais é
A relação que um indivíduo tem com a cor- o de complexo cultural, que se refere a
rupção não é a mesma se ele vive em um lugar
onde a corrupção é endêmica ou se vive em um [...] um agregado emocionalmente carregado de
lugar onde a corrupção está sob controle. A memórias históricas, emoções, ideias, imagens
corrupção é, então, relativa: varia de acordo com e comportamentos que tendem a se agrupar em
o tempo e o espaço. Ou seja, o que era conside- torno de um núcleo arquetípico que vive na psi-
rado um favor no passado hoje pode ser tido que de um grupo e é compartilhado por indi-
como corrupção. O que é corrupção aqui pode víduos dentro de um coletivo identificado.
não ser em outro país. Nesse nível de análise, a (SINGER, 2012, p. 5)
corrupção é um construto social.
Porque os brasileiros se queixam tanto da Nós poderíamos, então, dizer que as causas
corrupção? Ouvimos diariamente frases como: da corrupção na nossa cultura estão ligadas à
“O brasileiro é corrupto”; “Só podia ser no Bra- constelação de complexos culturais. Como Jung
sil”; “Isso é culpa do jeitinho brasileiro”. Os bra- afirma que na origem de um complexo está um
sileiros são mesmo corruptos? Somos imorais? trauma (1991, v. 8, par. 204), outra causa da
Antes de respondermos essas perguntas, pre- corrupção estaria, então, nos traumas coletivos
cisamos pensar no que é ser brasileiro. Todas sofridos pelos brasileiros ao longo da história.

10 „ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016


Junguiana
v.34, p.5-17

E uma terceira causa estaria no tipo psicológico vira-lata inspira simplicidade, passividade e pou-
do Brasil, como veremos adiante. co valor (CÂMARA, 2013), entretanto ele tem ca-
Alguns junguianos brasileiros já fizeram o racterísticas como resistência e forte instinto de
diagnóstico de alguns complexos culturais do sobrevivência. Outras denominações foram su-
Brasil. Eles relacionaram esses complexos a di- geridas (com características similares), como
ferentes problemas brasileiros, porém todos eles “complexo de cucaracha ”, por Denise Ramos, e
estão relacionados ao problema da corrupção. “complexo do sul”, por Gustavo Barcellos (2012).
Vejamos alguns exemplos. Nós compartilhamos esse complexo de inferio-
Segundo Boechat (2014, p. 72), somos “um ridade com outros países da América Latina, mas
país em busca de identidade”, pois “a alma bra- lá eles ganharam nomes diferentes por conta de
sileira está em processo dinâmico de formação, suas raízes históricas distintas.
não é um todo acabado”. Segundo Briza (2006), A autoestima dos brasileiros é, em geral, bai-
“nosso ego cultural ainda está frágil, está em xa, o que nos faz acreditar que não podemos
desenvolvimento”. O complexo brasileiro de iden- nem competir com países ricos. Uma visão es-
tidade pode ser representado por uma figura co- tereotipada de nós mesmos faz com que veja-
nhecida como gigante adormecido, extraída do mos apenas características negativas: inércia,
nosso hino nacional: “Gigante pela própria na- alienação, desonestidade, incompetência, indi-
tureza [...]. Deitado eternamente em berço es- vidualismo e outras até piores (RAMOS, 2004),
plêndido” (DAMATTA, 1991, p. 3). Essa figura é o que levou Nelson Rodrigues a cunhar a céle-
popularmente associada aos cidadãos brasilei- bre frase: o brasileiro é “um narciso às avessas,
ros que permanecem “dormindo”, alienados às que cospe na própria imagem” (1993, p. 60). Mas
questões políticas do país. Com dimensões con- temos diversos aspectos positivos também: per-
tinentais, o Brasil é o quinto país em tamanho e sistência, união, alegria, hospitalidade, criativi-
o sétimo em riqueza, mas não se encontra nem dade, entre outras. Entretanto, o brasileiro osci-
perto de alcançar suas potencialidades. O ego la entre orgulho e vergonha de ser brasileiro, de
coletivo parece muitas vezes se encontrar em um ser quem é.
estado letárgico, em contraposição à imagem de O complexo de inferioridade se mistura ao
força e potencialidade da águia americana ou do complexo racial no Brasil. O vira-lata é um cão
tigre asiático, por exemplo. sem pedigree, uma mistura de raças. Assim é o
Os brasileiros possuem um complexo de in- brasileiro, que muitas vezes carrega a própria
ferioridade bastante expressivo. Esse complexo miscigenação como estigma. Não há democra-
foi primeiramente “diagnosticado” por Nelson cia racial no Brasil, entretanto o brasileiro não
Rodrigues: se reconhece como racista. O preconceito dos
brasileiros é bastante peculiar, pois é disfarça-
Por “complexo de vira-latas” entendo eu a infe- do. Um dos pesquisadores que diagnosticou
rioridade em que o brasileiro se coloca, volun- esse complexo cultural foi Walter Boechat (2012),
tariamente, em face do resto do mundo. Isto em que o chamou de “racismo cordial”, assim como
todos os setores e, sobretudo, no futebol. Dizer Roberto Leal (2009), que falou em “arquétipo do
que nós nos julgamos “os maiores” é uma cíni- mestiço”. Por exemplo, no Brasil ainda se vive
ca inverdade. (RODRIGUES, 1993, p. 62) uma realidade onde se tem (um ou mais) em-
pregados domésticos em casa, um resquício dos
No meio junguiano, esse complexo foi des- tempos da escravidão. Trabalhamos demais para
crito também por Denise Ramos (2004), Byington sustentar um modo de vida que não é realidade
(2013) e Câmara (2013), que ratificaram a deno- em nenhum país desenvolvido. A gente não faz,
minação dada por Nelson Rodrigues. O termo contrata alguém para fazer, pois a mão de obra é

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016 „ 11


Junguiana
v.34, p.5-17

barata, apesar de desqualificada. As disparidades é de cabeça para baixo e, se você disser que é
sociais ainda são muito grandes no Brasil. de cabeça para baixo, eles o põem de cabeça
Os brasileiros ainda se veem como um país para baixo, para você ver que está de cabeça
do futuro, um puer. Comparado à “velha Euro- para cima”. É esse aspecto do trickster que ex-
pa”, o Brasil é realmente um país jovem, no auge plica o fato de o segundo deputado federal
de sua adolescência. Segundo Briza (2006), mais votado no país ter sido um palhaço se-
“nosso país ainda não fez sua efetiva passagem mianalfabeto, o Tiririca. O complexo cultural do
para a fase adulta” e vive ainda em um estágio malandro foi constelado como uma defesa con-
de dimensões mágicas, pois o “povo pede solu- tra a opressão (dos portugueses, da burocracia
ções e transformações mágicas”. A imaturidade e da pobreza). Entretanto, a malandragem não
política do Brasil reflete esse complexo de puer. é um sinônimo de corrupção, pois o trickster não
Entretanto, o velho rabugento, o senex, tem dado é imoral ou criminoso (SAMUELS, 2004); ele ape-
sinais de que começa a surgir na consciência dos nas age sem consequências por pura incons-
brasileiros, pois as reclamações sobre a situa- ciência. Só que o trickster não gosta de trabalhar
ção política do país têm crescido ultimamente. e no Brasil ele se tornou malandro profissional:
Mas será que é preciso perder a alegria para se o do colarinho branco.
tornar civilizado? Boechat chega a descrever brevemente o ma-
De civilizado, o trickster não tem nada. Ele é o landro brasileiro, apesar de não chamá-lo espe-
trapaceiro, palhaço e pregador de peças. Ele re- cificamente de complexo cultural. “O malandro
presenta uma expressão de tendências psíquicas aparece como num espectro que oscila desde o
inconscientes comuns a toda humanidade, refe- psicopata perigoso até personagens extremamen-
rentes à mudança na ordem existente das coisas, te positivos” (2014, p. 13).
confusão, brincadeira, dissimulação, caos, desor- O trickster pode ser visto também como me-
dem, enganação, esperteza, comunicação e mo- táfora para analisar o sistema político. Andrew
vimento. Características similares são encontra- Samuels afirma que a política precisa de “inge-
das em figuras do imaginário brasileiro, como o nuidade, improvisação, flexibilidade, quebrar re-
Saci-Pererê, Zé Carioca, Macunaíma, Boto-Cor-de- gras, ver as coisas de um modo diferente, fazer
-Rosa, Zé Pelintra, malandro e Didi Mocó. as coisas de um modo diferente, não ser rígida e
O trickster brasileiro, o malandro, seria seme- estar aberta para mudanças” (2001, p. 93), ca-
lhante a Wotan para os alemães. Jung (1993, racterísticas do trickster. Para Helena Bassil-
v. 10) apresentou o arquétipo de Wotan para des- Morozow (2015), o trickster é a solução para sis-
crever um fenômeno que estava oprimindo a Ale- temas políticos muito rígidos, como na União
manha. Entretanto, essa não parece ser a me- Soviética. Aí está a “pegadinha do malandro”:
lhor denominação para tal fenômeno. Se, por essas soluções não se aplicam ao Brasil! Nosso
um lado, o conceito “constelação do arquétipo” sistema já tem flexibilidade e improvisação de-
e toda sua força e numinosidade justificam a sua mais! Temos, então, que ver o trickster como a
aplicação, a ideia de que Wotan é específico da possibilidade de mudança, de virar o jogo. No
cultura alemã (não podendo se manifestar da nosso caso, isso significa trazer mais organiza-
mesma maneira no Brasil, portanto) inviabiliza sua ção ao que é caótico, mas sem perder a nossa
denominação como arquétipo. Wotan poderia ser alegria, nossa brasilidade. O brasileiro tem uma
hoje qualificado como complexo cultural. A ma- grande capacidade de encontrar soluções criati-
landragem brasileira é uma expressão cultural lo- vas para os problemas do dia a dia, mas falta
cal típica do arquétipo universal do trickster. aplicar isso à política de maneira produtiva.
Tom Jobim descreveu o Brasil de uma maneira A segunda causa está ligada aos traumas cul-
que se perpetuou ao longo dos anos: “O Brasil turais brasileiros, que tiveram efeitos dissociativos

12 „ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016


Junguiana
v.34, p.5-17

na psique brasileira. É possível identificar pelo 4. Nível coletivo da corrupção1


menos quatro principais traumas no Brasil ao lon- Segundo Dion (2010, p. 246), a “corrupção
go de sua história: a colonização (ou melhor, sua não é só um construto social, mas uma parte
invasão pelos portugueses), a escravidão, a dita- integral da própria cultura humana”. De maneira
dura e a opressão da pobreza e da fome. Trau- semelhante, Rabl afirma que a
mas culturais são como narrativas-fantasmas, que
ecoam negativamente nas gerações seguintes. corrupção, de uma forma ou de outra, esteve pre-
A terceira causa está ligada ao tipo psicoló- sente ao longo da história. Ela pode ser encon-
gico brasileiro – uma generalização necessária trada em todo lugar, em todas as sociedades e
aqui. Assim como Jung diagnosticou que o tipo todos sistemas econômicos, mesmo que mu-
psicológico dos alemães é predominantemente dem as manifestações, as frequências, os ní-
o pensamento introvertido e que o dos suíços é veis hierárquicos e as influências culturais.
predominantemente a sensação introvertida, é (RABL, 2008, p. 17)
possível deduzir que o tipo psicológico dos bra-
sileiros é predominantemente o sentimento ex- Essas características coletivas da corrupção
trovertido, como também afirmou Denise Ramos apontam para tendências arquetípicas. Nesse ní-
(2004). Sérgio Buarque de Holanda (2004) há vel de análise, a corrupção política está ligada à
muito tempo diagnosticou essa característica em corrupção da própria natureza humana. Focare-
nós, ao afirmar que “o brasileiro é cordial”. Cor- mos aqui na relação da corrupção com o bem e
dial, nesse caso, não se refere à polidez do bra- o mal, opostos absolutos que não podem ser
sileiro, mas sim ao tom emocional de suas rela- relativizados culturalmente.
ções. O brasileiro demonstra hospitalidade, ge- O papel do mal na psique foi extensamen-
nerosidade e afabilidade nas relações, mesmo te examinado por Jung, especialmente por
nos negócios, entretanto abusa de seu sistema meio do conceito de opostos. Para ele, o bem
de relações pessoais. O brasileiro cordial age e o mal são conceitos inefáveis e atemporais.
com o coração, mas não gosta de seguir regras. Consequentemente, ninguém sabe o que eles
Isso aparece no nepotismo, por exemplo. Embo- realmente são, mas nós os reconhecemos abs-
ra amigável, o brasileiro pode ser extremamente tratamente. Entendemos esses conceitos ape-
frio. Assim ele consegue fechar os olhos para as nas em comparação a certos padrões em de-
diferenças sociais. Segundo Von Franz (2007), o terminados lugares – “O que ao nosso povo
indivíduo que tem o pensamento introvertido parece mal pode ser considerado bom por ou-
como função inferior não gosta de pensar, espe- tro povo”, diz Jung sobre o caráter aparente re-
cialmente filosofar, e é depreciativo: seu pensa- lativo do bem e do mal (1993, v. 10, par. 862).
mento é negativo e rude. Mesmo considerando o bem e o mal como prin-
cípios que resultam de julgamento ético, ele
3.3. Consequências também os concebe nas suas raízes ontológi-
As consequências da corrupção no nível cul- cas, como aspectos de Deus e que contêm um
tural são um profundo enraizamento do fenôme- caráter numinoso. O bem e o mal são supra-
no na cultura brasileira, que desestimula os bra- ordenados, portanto maiores do que um úni-
sileiros a lutarem por um bem comum. Pior: vê-se co ser humano. Nesse sentido, o bem e o mal
características de passividade, entretanto o po- não são relativos. A corrupção não é muito di-
vo acaba fazendo o que quer para obter benefí- ferente de qualquer outro mal causado pelo
cios. Os complexos e traumas coletivos tendem ser humano, é apenas uma expressão particu-
a ameaçar a coerência do Self grupal devido à lar do mal. Os brasileiros pensam estar falan-
pouca idade e imaturidade da nação. do mal deste ou daquele partido, quando na

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016 „ 13


Junguiana
v.34, p.5-17

verdade estão falando do mal que existe den- para si, mas não do que é certo. A corrupção
tro deles mesmos, dentro de cada ser humano. está, então, relacionada a sucumbência às fraque-
Considerando a teoria dos opostos de Jung, zas humanas naturais. Condizente, Celia Moore
podemos utilizar o oposto da corrupção para ten- (2009, p. 37) entende que a corrupção pode ser
tar compreendê-la. Entre seus antônimos estão: definida como um “processo que perverte a na-
honestidade, moral, ética, pureza, integridade, tureza original de um indivíduo ou grupo de um
consciência moral. Dentre esses, focaremos dois: estado mais puro para um menos puro”. Para a
integridade e consciência moral. autora, a corrupção é uma “deterioração moral”,
John Beebe (1992) deu à integridade um assim como uma “perversão ou deterioração da
status maior dentro da psicologia analítica, co- integridade”. A tendência à integridade seria en-
locando-a como objetivo moral a ser alcançado tão um movimento em oposição a uma tendên-
pelo indivíduo, de maneira semelhante ao proces- cia à ruptura. Integridade e corrupção teriam,
so de individuação. A integridade seria, então, sim, algo de semelhante às pulsões de vida e de
mais que um movimento em direção à totalida- morte de Freud ou aos conceitos junguianos de
de; seria, antes, um movimento em direção à to- progressão e regressão da libido – entretanto,
talidade moral (moral wholeness ). O conceito de estaríamos falando de aspectos morais desses
integridade é complexo e contém diferentes ele- conceitos.
mentos, como: A consciência moral, um outro antônimo para
a palavra corrupção, foi descrita por Jung como
Responsabilidade, retidão, ficar de pé, intocado, um fator psíquico autônomo (1993, v. 10, par.
intacto, completude, perfeição, honestidade, 842), sendo esse uma forma especial de conhe-
obrigação moral, prazer, harmonia psicológica cimento e de consciência (ibid., p. 825). Na ver-
interna, continuidade, eros psicológico e ético, são em português de suas obras completas, a
sinceridade, castidade, virgindade, obediência, palavra alemã Gewissen foi traduzida como cons-
consciência moral, prudência, pureza, constân- ciência psicológica (conscience, na versão ingle-
cia, amabilidade e santidade. (ibid., 1992) sa) para se diferenciar da palavra consciência
(Bewusstsein em alemão e consciousness em
Podemos acrescentar a essa lista mais alguns inglês), que descreve o construto da psicologia
elementos que também estão relacionados à inte- que se opõe a inconsciente. Entretanto, o termo
gridade: o todo, a unidade, a coerência, a veracida- consciência psicológica não expressa o caráter
de, o não violado, sem danos. A maioria desses moral do conceito, portanto a autora preferiu uti-
elementos pode ser encontrada em sua caracte- lizar a expressão consciência moral. Enquanto em
rização oposta na ideia de corrupção: irresponsa- alemão e em inglês a separação entre esses con-
bilidade, vergonha, maculação, fragmentação, ceitos é bem clara, em línguas latinas não há tal
putrefação, ruptura, completude, imperfeição, distinção. Essa curiosidade talvez indique que um
desonestidade, imoralidade, dissociação, dolo, conceito não pode ser concebido sem o outro, o
violação, inconsciência, assunção de riscos, im- que pode ser endossado pela descrição de cons-
pureza, maldade e assim por diante. cience de Murray Stein: “É uma função autônoma
Segundo Tony Dungy (2011), integridade é a da psique e provavelmente é fortemente relacio-
escolha entre o que é conveniente e o que é cer- nada com a função inata da consciência de fazer
to: “Integridade é o que você faz quando ninguém descriminações sobre a realidade” (1995, p. 23).
está olhando; é fazer a coisa certa o tempo intei- A consciência moral não pode ser entendida
ro, mesmo que isso aja em sua desvantagem”. apenas em seu aspecto psicológico, mas tam-
Se compararmos, veremos que corrupção fica no bém teológico. A consciência moral pode ser
seu extremo, na escolha do que é conveniente entendida como a voz de Deus, um imperativo

14 „ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016


Junguiana
v.34, p.5-17

numinoso. De acordo com Jung (1993, v. 10, par. causado por complexos culturais e traumas trans-
835), se considerarmos que existe uma consciên- geracionais, além de uma expressão da função
cia moral “correta”, existiria também “[...] uma inferior coletiva. No nível coletivo, representa uma
‘falsa’ consciência, que exagera, deturpa e trans- propensão à ruptura, uma tendência contrária à
forma o bem em mal e vice-versa [...]”. A cor- integridade moral e uma expressão do mal na
rupção é então o que acontece quando não se sociedade.
ouve a voz da consciência, a voz de Deus, mas a Os benefícios imediatos da corrupção podem
voz do diabo. ser facilmente visualizados sob a forma de enri-
quecimento e poder. Entretanto, a compreensão
5. Conclusão dos benefícios a longo prazo está ainda por vir.
Como contribuição ao estudo da corrupção A corrupção é um mal necessário para o amadu-
do ponto de vista da psicologia junguiana, pro- recimento da sociedade brasileira, pois revela
ponho definições nos três níveis do inconscien- uma grande crise moral que precisa ser supera-
te. No nível individual, a corrupção representa da. A compreensão das obrigações éticas de
uma tendência arquetípica do ego à inflação e cada cidadão requer um processo consciente de
transgressão de regras sociais em detrimento do desenvolvimento moral. „
coletivo; um tipo de dissociação neurótica dian-
te de um dilema moral (um conflito com a som- Recebido em: 7/3/2016 Revisão: 16/8/2016
bra); e um mecanismo de defesa, mas também
uma recusa à individuação enquanto objetivo 1
Nesse nível do inconsciente, não é possível falar em causas ou
ético. No nível cultural, representa um sintoma consequências, por conta do fenômeno da acausalidade.

Abstract
Corruption in Brazil: An Analytical Psychology view
In recent years, international media has ex- opinion and current interpretive theories are super-
posed several corruption-related scandals, which ficial and tend to conclude that corruption is res-
have shown not only the fragility of political sys- ponsible for all social problems in Brazil. Analytical
tems but also the global scale of corruption. Cor- Psychology can contribute with new approaches
ruption is more than a trending topic, it is a glo- to the study of the corruption phenomenon. By
bal phenomenon with severe consequences that applying psychotherapeutic values to political is-
seems to have particular distinctions from coun- sues, I believe this research can help psychothera-
try to country. For example, in Brazil, corruption pists to open a two-way path between “inner reali-
is a widespread and a pressing social problem ties” and the “world of politics” as Andrew Samuels
that seems to be directly connected with the Bra- proposes. This research proposes a closer look at
zilian collective identity and, for many, is intrin- the relationship between the “inner reality” of the
sic to the “Brazilian way” (jeitinho brasileiro). Brazilian people and the “world of politics” in Bra-
Although corruption has been a matter of dis- zil, particularly focusing on Brazilian corruption.
cussion for many different fields of study, most The objective of this research is to analyse cor-
existing theories of corruption are unilateral and ruption in its three different but complementary
partial as they focus on just a part of the problem, levels: individual, cultural and archetypal. I dis-
placing the responsibility on either the lack of cuss the Brazilian cultural complexes and cultural
morality of Brazilians and their politicians, or on traumas that were already identified by Brazilian
the inefficiency of the judicial system. People’s Jungians and that might be related to the current

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016 „ 15


Junguiana
v.34, p.5-17

social-political scenario of the country. I argue I also argue that political corruption must be
that one of those complexes has not been com- seen not only as a selfish act of an individual,
pletely identified yet: the Brazilian version of the but more broadly, as a social construct and also
trickster archetype that seems to be opressing the as something related to the corruption of hu-
Brazilian psyche, the cultural complex malandro. man nature itself. „

Keywords: corruption, cultural complex, cultural trauma, trickster, good and evil.

Referências bibliográficas
ARAÚJO, F. C. D. Da cultura ao inconsciente cultural: psicologia DAMATTA, R. Carnivals, rogues, and heroes: an interpretation of
e diversidade étnica no Brasil contemporâneo. Psicologia: ciên- Brazilian dilemma. Notre Dame: University of Notre Dame Press,
cia e profissão, Brasília, v. 22, n. 4, p. 24-33, 2002. 1991.

ASHFORTH, B. E.; ANAND, V. The normalization of corruption DION, M. Corruption and ethical relativism: what is at stake?
in organizations. Research in organizational behavior, v. 25, Journal of financial crime, v. 17, n. 2, p. 240-250, 2010.
p. 1-52, 2003.
DUNGY, T. Uncommon. Winter Park: Tyndale House Publishers,
BARCELLOS, G. South and the soul. In: AMEZAGA, P. et al. 2011.
Listening to Latin America: exploring cultural complexes in
GAMBINI, R. Indian mirror: the making of the Brazilian soul. São
Brazil, Chile, Colombia, Mexico, Uruguay and Venezuela. New
Paulo: Axis Mundi – Terceiro Nome, 2000.
Orleans: Spring Journal, p. 17-30, 2012.
GAMBINI, R. A alma ancestral do Brasil. CURSO DE PSICOLOGIA
BASSIL-MOROZOW, H. The trickster and the system. Hove:
JUNGUIANA, out. 2004. Disponível em: <http://psiquejung.
Routledge, 2015.
blogspot.co.uk/2004/10/alma-ancestral-do-brasil.html>.
BEEBE, J. Integrity in depth. College Station: Texas A&M University Acesso em: 02 abr. 2015.
Press, 1992.
HOLANDA, S. B. de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das
BOECHAT, W. Cordial racism: race as a cultural complex. In: Letras, 2004. p. 141-151.
AMEZAGA, P. et al. Listening to Latin America. New Orleans:
JACOBY, M. Shame and the origins of self-esteem. East Sussex:
Spring Journal, p. 31-50, 2012.
Routledge, 1996.
BOECHAT, W. A alma brasileira: luzes e sombra. Petrópolis:
JUNG, C. G. Estudos sobre psicologia analítica. 2. ed. Petrópolis:
Vozes, 2014.
Vozes, 1981. (Obras completas, v. 7).
BRIZA, D. H. R. A mutilação da alma brasileira: um estudo ar-
JUNG, C. G. Aion: estudos sobre o simbolismo do si-mesmo.
quetípico. São Paulo: Vetor, 2006.
Petrópolis: Vozes, 1982. (Obras completas, v. 9/2).
BYINGTON, C. A. B. A identidade brasileira e o complexo de vira-
JUNG, C. G. A prática da psicoterapia. Petrópolis: Vozes, 1988.
lata. Junguiana, São Paulo, v. 31, n. 1, p. 71-80, jan-jun 2013.
(Obras completas, v. 16).
CÂMARA, E. F. S. Dom Pedro II e a psicologia da identidade
JUNG, C. G. A dinâmica do inconsciente. 2. ed. Petrópolis: Vozes,
brasileira. São Paulo: Sociedade, 2013.
1991. (Obras completas, v. 8).
DAMATTA, R. O faz o Brasil, Brasil. Rio de Janeiro: Rocco, 1986.
JUNG, C. G. Psicologia em transição. Petrópolis: Vozes, 1993.
(Obras completas, v. 10).

16 „ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016


Junguiana
v.34, p.5-17

JUNG, C. G. A vida simbólica. Petrópolis: Vozes, 2000. (Obras ODAJNYK, V. W. Jung and politics: the political and social ideas
completas, v. 18/2). of C. G. Jung. Lincoln: Authors Choice Press, 2007.

JUNG, C. G. The collected works of C. G. Jung: complete digital RABL, T. Private corruption and its actors. Lengerisch: Pabst
edition. Princeton: Princeton University Press, 2014. Science Publishers, 2008.

JUNG, E. (1995). Animus e anima. São Paulo: Cultrix. RAMOS, D. G. Corruption: symptom of a cultural complex in
Brazil? In: SINGER, T.; KIMBLES, S. L. The cultural complex:
LEAL, R. C. Notas sobre a psique brasileira: o arquétipo do
contemporary Jungian perspectives on psyche and society. Hove
mestiço. In: CONGRESO LATINOAMERICANO DE PSICOLOGIA
and New York: Brunner-Routledge, 2004. p. 102-123.
JUNGUIANA. Anales... Santiago: Bachino, M.; Montt, I,. 2009.
p. 308-314. RODRIGUES, N. À sombra das chuteiras imortais: crônicas de
futebol. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
LU, K. Can individual psychology explain social phenomena?
An appraisal of the theory of cultural complexes. Psychoanalysis, SAMUELS, A. Politics on the couch. London: Profile Books, 2001.
Culture & Society, v. 14, n. 4, p. 386-404, 2013.
SAMUELS, A. The political psyche. Nova York: Routledge, 2004.
MENDONÇA, R. Pela 1ª vez, corrupção é vista como maior pro-
SCOTT, J. C. Handling historical comparisons cross-nationally.
blema do país, diz Datafolha. Folha de São Paulo, 29 de nov. de
In: HEIDENHEIMER, A. J.; JOHNSTON, M. Political corruption:
2015. Disponível em <http://www1.folha.uol.com.br/poder/
concepts & contexts. 3. ed. New Jersey: Transaction Publishers,
2015/11/1712475-pela-1-vez-corrupcao-e-vista-como-maior-
2009.
problema-do-pais.shtml>. Acesso em: 05 mar. 2016.
SHAMDASANI, S. Jung and the making of modern psychology.
MOORE, C. Psychological perspectives on organizational
Cambridge: Cambridge University Press, 2003.
corruption. Charlotte: Information Age Publishing, 2009.
p. 35-71. SINGER, T. Introduction. In: AMEZAGA, P. et al. Listening to
Latin America. New Orleans: Spring Journal, 2012. p. 1-13.
NEUMANN, E. Depth psychology and a new ethic. Boston:
Shambhala, 1990. STEIN, M. Jung on evil. East Sussex: Routledge, 1995.

NOVAES, C. Corrupção e a deturpação do jeitinho brasileiro. VON FRANZ, M.-L. A função inferior. In: VON FRANZ, M.-L.;
Jornal Harmonia, ano XIII, n. 151, jun. 2016. HILLMAN, J. A tipologia de Jung. 6. ed. São Paulo: Cultrix, 2007.

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016 „ 17


18 „ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016
Junguiana
v.34, p.19-26

Me dê uma mão ?, ou,


quando a ajuda é dizer “não”

Sylvia Mello Silva Baptista*

Resumo
O presente artigo propõe uma reflexão sobre Palavras-chave
o conceito de ajuda no espaço clínico a partir do Ajuda,
mito de Eros e Psiquê, chamando atenção à pie- discriminação,
piedade ilícita,
dade ilícita e à necessidade de dizer “não” no
Eros,
processo individual de ampliação do conheci- Psiquê.
mento de si. „

* Psicóloga, membro analista da SBPA/IAAP, mestre em psicologia


clínica (PUC-SP), professora, supervisora clínica e coordenadora
do Núcleo de Mitologia e Psicologia Analítica (MiPA) na SBPA e no
Areté – Centro de Estudos Helênicos. Autora de O arquétipo do
caminho (Casa do Psicólogo) entre outros.
E-mail: <ssylviamellobaptista@gmail.com>.

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016 „ 19


Junguiana
v.34, p.19-26

Me dê uma mão ?, ou, quando a ajuda é dizer “não”

Sei lá minha memória. Curiosa por entender melhor


esse fragmento do conto, voltei a ele e à inter-
vai pela sombra, firme, pretação de Marie-Louise von Franz, e trago, aqui,
o desejo desespero de voltar luz a essas ideias, que espero que ampliem a
antes mesmo de ir-me compreensão do sempre infinito mistério que é
antes de cometer o crime a alma humana.
me transformar em outro
ou em outro transformar-me Relembrando a história
quem sabe obra de arte, O conto sobre Eros e Psiquê é longo e repleto
talvez, sei lá, falso alarme de detalhes aos quais não me aterei, convidando
grito caindo no poço, à leitura na íntegra, inclusive como material lite-
neste pouco poço nada vejo nem ouço, rário de prazer indubitável. É parte do romance
mais mais mais O asno de ouro (1985), introduzido como uma
cada vez menos história contada por uma velha, em uma das si-
tuações de fuga vividas pelo personagem cen-
poder isso, sinto, é tudo que posso, tral Lúcio, transformado, por um feitiço, em asno.
o tão pouco tudo que podemos Von Franz entende que essa inserção poderia ser
(Paulo Leminski) vista como um sonho do autor/personagem e
assim interpretada. De modo que mergulhamos
Introdução no simbolismo da história, que pode ser enca-
Tenho refletido em minha prática clínica so- rada tanto como uma expressão do processo de
bre o conceito de ajuda que surge na fala dos individuação feminina, como trabalhou Erich
pacientes quando se envolvem em uma situa- Neumann (1973), como da anima do protagonis-
ção de sofrimento, principalmente com familia- ta, como sugere Von Franz, revelando muito da
res ou companheiros amorosos. São muitas as psique de Apuleio, banhada pelo inconsciente
tentativas das pessoas de oferecer “ajuda” a norte-africano e pela sua consciência romana.
quem acreditam precisar, num evidente e flagran- O enfoque que darei será no mitema da tra-
te mecanismo de projeção, aliado à assunção do vessia no momento da catábase, pois creio estar
papel de salvador – mecanismo que afasta o ego ali a ampliação do tema da “ajuda” que desejo
da descida necessária aos ínferos pessoais para discutir. Mas vamos a um panorama da história.
um enfrentamento com as próprias questões. Psiquê era uma princesa de tão grande bele-
Vejo-me, invariavelmente, citando – e muitas ve- za que todos os habitantes de seu país, e mes-
zes repetindo – a passagem do conto de Apuleio mo estrangeiros, a admiravam e lhe rendiam
de Madaura, do século II d.C., na qual a jovem homenagens em quantidade e devoção tão gran-
Psiquê tem como tarefa negar ajuda a um velho des quanto, ou até maiores que, à própria deusa
que lhe estende a mão durante sua travessia pelo Afrodite. Sua fama correu mundo, a ponto dos
rio Estige, o rio da morte. Esse gesto o autor aler- altares dedicados à deusa ficarem esvaziados e
tou tratar-se de uma piedade proibida e Junito abandonados. Era como se Afrodite tivesse des-
Brandão (2002, p. 218) nomeou “piedade ilícita”. cido ao reino dos mortais e se fizesse humana
Apuleio cita mais duas passagens em que em Psiquê. Tal situação tornou-se insustentável
Psiquê precisa negar ajuda, mas a imagem do e a deusa convocou seu filho Eros para vingá-la.
rio da morte sempre foi a que ficou mais viva na Ordenou que flechasse a mortal e fizesse com

20 „ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016


Junguiana
v.34, p.19-26

que caísse apaixonada pela mais ignóbil das cria- Deméter e Hera. As deusas vêm ter com ela, que
turas. Enquanto isso, a pobre Psiquê sofria com suplica por proteção e ajuda. Ambas falam des-
o excesso. Sua beleza era tamanha que nada além de o campo do poder, não de eros. Reforçam
da contemplação era ousado por seus devotos, e a própria obediência à deusa Afrodite e negam
vivia, assim, dias de abandono e solidão. Seu pai ajuda a Psiquê. Deméter e Hera representam os
foi, então, consultar o Oráculo de Delfos e obteve aspectos mãe e esposa, instituições conserva-
como resposta que sua filha caçula deveria ser doras a serviço da manutenção do status quo.
exposta num rochedo em núpcias de morte. E Psiquê, ao contrário, precisa se transformar; dei-
assim se deu, com a comoção de todos e a en- xar morrer a menina e tornar-se mulher. Mais uma
trega ao sacrifício da virgem. Eros, cumprindo a vez, entrega-se. É recebida na casa da mãe de
tarefa imposta pela mãe, vai em busca de sua Eros por uma serva de nome Consuetude – o
vítima mas, num ato de desobediência, faz de hábito – e supliciada por outras duas, Inquieta-
Psiquê sua esposa, com a condição de que a ção e Tristeza. O simbolismo desses nomes na
jovem não o visse à luz do dia. Gozava de sua recepção de Psiquê diz muito!
presença no breu da noite e, assim que os pri- Afrodite, depois de humilhá-la ao máximo,
meiros raios de sol apontavam no céu, ele par- dá-lhe tarefas impossíveis, intencionando sua
tia. Ela permanecia e usufruía de toda sorte de morte. Em todas elas, a pobre princesa de fato
confortos e prazeres da mesa, até o reencontro desejou esse fim, mas foi acudida por criaturas
na noite seguinte. da natureza. A primeira das tarefas foi a separa-
Eros, antevendo um desejo da esposa, caso ção dos grãos no espaço de uma noite, para a
se encontrasse com suas irmãs, advertiu-a sobre qual Psiquê contou com a ajuda das formigas. A
um possível envenenamento por parte destas, segunda foi apanhar chumaços do tosão de ouro
movidas pela inveja. E, de fato, Psiquê pediu para de carneiros enfurecidos e recebeu o conselho
encontrar as duas irmãs, finalmente conduzidas de um caniço à beira do rio, onde, novamente,
ao palácio. A reação não foi outra: maravilha- quis se atirar. A terceira tarefa foi recolher, num
ram-se com o que viram. Maledicentes, instruí- delicado vaso de cristal, um pouco da água do
ram Psiquê a desobedecer a ordem marital – essa Estige em sua fonte, tendo sido ajudada pela
é a segunda desobediência da história, a primeira águia de Zeus. A quarta e última tarefa dizia res-
de Psiquê, indicando já que, simbolicamente, a peito àquilo que unia a deusa e a mortal: a bele-
individuação e a ampliação da consciência im- za. Afrodite ordena a Psiquê que vá aos ínferos
plicam na curiosidade e na transgressão (haja pedir a Perséfone que lhe conceda uma porção
vistos Eva e Adão no mito cristão e sua queda de um dia de beleza, desgastada que ficara por
do paraíso). Ao erguer a lâmpada e descobrir que ter cuidado do filho enfermo. Psiquê faz então a
dormia com um deus e não com um monstro, sua catábase e, como uma verdadeira heroína,
como confabularam as irmãs, deixa cair uma gota desce à terra dos mortos. É nesse ponto que
de óleo e fere Eros no ombro. Abandonada por gostaria de iniciar a nossa reflexão. Vamos, jun-
seu amor, que foge para longe, vinga-se de morte to com Psiquê, fazer esse percurso rumo ao mais
das irmãs. profundo de si mesma.
Começa aí o suplício da jovem, que, depois de
tentar atirar-se no rio mais próximo e ser conven- A descida
cida pelo deus Pan (um deus também rejeitado Psiquê é instruída por uma torre, de onde iria
pela mãe) a não fazê-lo, sai em busca do amado. se jogar, a não fazê-lo. Se ia mesmo ao Tártaro,
Afrodite fica sabendo do encontro do filho com porque não tentar trilhar o caminho pedido e, quem
a odiada mortal e anseia encontrá-la. Enquanto sabe, ser bem-sucedida na volta? Ela concorda
vagava, Psiquê passa pelos templos e encontra com a ponderação e ouve, atenta, as instruções.

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016 „ 21


Junguiana
v.34, p.19-26

Deveria encontrar o lugar de acesso ao Hades e A primeira negativa implica também em seu cui-
levar consigo em cada uma das mãos um bolo dado para não deixar de estar atenta ao alimen-
de farinha de cevada amassado com vinho e mel to para Cérbero, única possibilidade de saída do
para o cão Cérbero, guardião das portas do mun- mundo dos ínferos. Isso nos aponta para o fato
do das almas, além de duas moedas na boca de que a distração com a ajuda movida pela pie-
para a paga do barqueiro Caronte na travessia dade ilícita tem uma decorrência fatal.
do rio Estige. Psiquê não sabe quem é o velho coxo e o que
A primeira advertência diz respeito a um ele fará na sequência de sua possível ajuda. A
burriqueiro e um burro, ambos coxos, a quem velhice e a debilidade física provocam a projeção
ela terá de negar ajuda quando ele lhe pedir que de conteúdos que nublam a consciência. Pen-
apanhe umas toras caídas da carga levada pelo so, pela leitura simbólica do conto, que o cami-
burro. Deve também manter-se em silêncio e nho de Psiquê é o caminho da discriminação, da
continuar. Em seguida, chegará ao rio da morte, diferenciação, anunciado em sua primeira tarefa
pagará a moeda pela travessia de ida a Caronte de separação dos grãos. Antes disso mesmo, a
– sendo ele quem a retirará de sua boca com as faca que segura quando suspende a lâmpada de
próprias mãos – e negará estender a mão a um óleo para desmascarar seu marido também pode
ancião morto boiando próximo ao barco quando ser entendida como um elemento de discerni-
este lhe pedir para ser içado. A terceira negativa mento. A luz e o corte.
deverá ser dada a três tecelãs que lhe pedirão A individuação passa pelo treino dessa capa-
ajuda com seu trabalho. Foi lhe dito não ter o cidade. Por mais que se trate de um velho coxo,
direito de tocá-lo e, ainda por cima, deverá cui- com seu animal também coxo, Psiquê não pode
dar, uma vez mais, para não perder o bolo de se desviar de sua meta primeira, que é chegar à
cevada, vinho e mel. presença de Perséfone (a saber, confrontar-se com
A torre ainda lhe adverte da mais importante o feminino profundo), uma deusa que igualmen-
das recomendações: evitar a curiosidade e não te fez uma descida aos ínferos e se transformou.
abrir, em nenhuma hipótese, a caixinha da bele- Cabe a Psiquê resistir à tentação da falsa
za dada por Perséfone – essa será a terceira de- bondade para não cair na armadilha de Afrodite.
sobediência da história, a segunda de Psiquê e Sim, pois lembremos que a deusa do amor pro-
a mais significativa, por ser uma ação genuína, põe à mortal feitos que a levam a um fim letal.
expressão de seu próprio desejo, como veremos. A irmã das Erínias, vingadoras do sangue der-
Mas vamos às negações. ramado, é ela própria também uma vingadora,
dentro do campo do amor erótico. No seu as-
As negativas pecto maternal, Afrodite sente-se ameaçada por
O senhor coxo e seu burro igualmente claudi- Psiquê na dupla mãe-filho, na ruptura da endo-
cante indicam a identidade dos personagens na gamia. A armadilha é provocar a tentação de es-
sua deficiência, dificuldade que provoca no pró- vaziar uma mão para estender ao outro e assim
ximo a piedade, como acontecerá nos encontros deixar de focar o processo pessoal, crendo que
seguintes. Von Franz salienta que o apelo é ain- cuidar do processo alheio se configure “ajuda”
da maior para o feminino maternal na mulher, efetiva, quando, na verdade, cada um tem seu
tornando a tarefa especialmente difícil para a caminho individual a cumprir. Há de se manter
jovem. Quem não se sente impelido a ajudar um as mãos ocupadas! Se a jovem cai na sedução
ancião naquilo que ele não mais possui, a força da bondade proibida, psique/alma e amor se
física e o vigor, atributos da juventude? Os cin- separam em definitivo.
co personagens das negativas, aliás, são ve- Além disso, há o detalhe do silêncio. O velho
lhos, contrastando com Psiquê, na flor da idade. lhe pede explicitamente para que apanhe a tora

22 „ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016


Junguiana
v.34, p.19-26

e Psiquê deve permanecer impassível. Nem mes- “canto de sereia” da saída suicida e permanên-
mo uma resposta a lhe ser concedida. O silêncio cia naquele mundo de eidola.
é um sinal poderoso de permanência consigo A segunda negativa, de força imagética ine-
mesmo. Em algumas comunidades religiosas, faz- gável, diz respeito a nova discriminação e conse-
-se retiros de silêncio com o intuito de colocar a quente firmeza para não estender a mão a quem
pessoa em contato profundo com o interior e lhe pede. Pela segunda vez, o pedido é explícito
afastar falas e ruídos exteriores que alheiem a e a aproximação, dramática. O ancião implora
atenção da alma. O calar-se de Psiquê é um sinal para compartilhar do espaço protegido que a
inequívoco de que é preciso guardar-se do que separa das águas da morte. Cabe a ela entender
está fora. Recordemos também que esse momen- que, naquele contexto, a alma moribunda já é
to acontece em sua ida em direção ao Estige e lhe parte do mundo dos mortos (novamente a dis-
prepara para as negativas subsequentes. criminação) e, mais uma vez, o momento pede
Rafael López-Pedraza (2009) sublinha, citan- resistência e persistência na meta primeira.
do Karl Kerényi, que a raiz da palavra Estige – O numeral 3 é dotado de uma força mágica,
stygein – está ligada a ódio. Psiquê já teve que já bastante explorada por Jung e Von Franz, entre
conter a água da fonte desse rio num pequeno e outros. Representa o transcendente, a resposta
delicado vaso, ou seja, conter seu ódio. Psiquê que vem a partir da experiência de suportar a ten-
necessita conter o ódio destrutivo que a acom- são dos opostos, das oposições que nos puxam
panha nas tarefas impostas, silenciar sua ideia em direções antagônicas. Serão três tentativas
errônea de morte e sacrifício, discriminar a pie- de desvio, sendo a terceira constituída por três
dade ilícita de compaixão – con-pathos, compa- personagens. As fiandeiras remetem imediata-
decer-se de si, conectar-se com sua alma, raiz mente às três Parcas ou Moiras: Cloto, Láquesis
de seu próprio nome. e Átropos. Psiquê não deve tocar em seu traba-
Para Von Franz, Estige em grego refere-se à lho e, como nas outras situações, o pedido ex-
deusa feminina das águas que rege todas as plícito de ajuda deve ser ignorado. Von Franz
coisas, e seu aspecto mortal aponta para o terrí- chama atenção para o sentido de não se deixar
vel do inconsciente coletivo. A psique criativa é tentar por determinar o destino, uma vez que as
o único vaso, segundo a autora, capaz de conter Moiras atribuem a cada um de nós um quinhão
as águas do Estige. de vida. Cabe à jovem, portanto, aceitar. Ou ain-
Ela não cita o personagem coxo, mas Ocno, da, con-fiar. Terá que tecer o seu próprio tecido,
um homem que fabrica e torce uma corda, cujo compor a sua própria trama. É o feminino ances-
nome significa hesitação. Creio ser particularmen- tral quem lhe sinaliza. O trabalho de discrimina-
te interessante esse detalhe, uma vez que tal si- ção que vem acontecendo desde o início tem aqui
tuação, o hesitar, equivale a claudicar, a não pisar seu ápice. Há que saber a que urdidura se refere
com determinação, e assim as duas expressões, esse contexto.
aparentemente distantes, ganham semelhança.
À imagem de Ocno, acrescento uma amplia- As reflexões
ção quanto à figura da corda. No estudo da mi- Podemos depreender das tarefas executadas
tologia grega, é patente que a forma de suicí- nos ínferos por Psiquê um denominador comum:
dio das mulheres se fazia por enforcamento. a espera ou o suportar, o aguardar, o não agir.
Nicole Loraux (1988) explorou o tema em seu li- Se pensarmos novamente nas negativas que fez
vro Maneiras trágicas de matar uma mulher. O aos pedidos dos anciãos, vemos que, além de
personagem fabricante de cordas faz recordar discriminar, como apontado acima, Psiquê teve
essa associação com a sempre iminente morte que suportar os sentimentos movidos pelas situa-
de Psiquê. Ela deve ignorá-lo para não cair no ções apresentadas a ela e fiar-se numa certeza

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016 „ 23


Junguiana
v.34, p.19-26

interna de que estava fazendo o melhor do que lhe propósitos de Afrodite parecem expressar os si-
era pedido. Foi preciso silenciar, seguir em frente, nais que nos surgem ao longo do nosso caminho
imobilizar-se, não se aproximar em demasia para pessoal, sinais advindos da natureza animada.
chegar até Perséfone e conseguir sua encomenda. Recebeu ajuda e foi impedida de ajudar. Há uma
Com a rainha do Hades, Psiquê terá que trei- discriminação aqui. E essa diferenciação, a meu
nar a humildade. Há uma nova recusa, agora de ver, é do que mais carecem aqueles pacientes
aceitar os luxos que Perséfone lhe oferece. Tem que citei no início da apresentação dessas ideias
que sentar-se no chão duro, pedir um pão gros- mas que, na verdade, somos todos nós. Caímos
seiro como alimento e dizer “não” ao banquete na tentação de – e uso aqui uma expressão da
e ao conforto. São novas seduções que ocorrem linguagem ordinária – dar uma mão aos que nos
como tentativas de desnorteamento e mostram pedem, projetando neles nossa piedade ilícita,
que mesmo a uma deusa é possível negar. Ela nos acreditando potentes o suficiente para sal-
deve saber onde é seu lugar e ali permanecer com varmos o outro, aliviar-lhes a carga ou modifi-
humildade e fidelidade a seu propósito. car-lhes o destino. Colocamos em uma mesma
O mitologema da história, a meu ver, traz a palavra, ajuda, sentimentos distintos. Ousamos
questão da morte e do renascimento no âmbito tocar no tecido das Moiras/tecelãs e tentar dar à
da escolha – dentro do campo daquilo que é es- vida do outro um rumo distinto que vislumbra-
colhido pelas Moiras, claro. Psiquê trilha a saída mos melhor, mais interessante, mais saudável,
da condição de puella tendo que deixar morrer o mais certo.
velho, abandonando as hesitações e escolhendo, O trabalho da discriminação é o primeiro,
assumindo riscos e acreditando no sentido. como nos aponta o mito, mas também o cons-
Ao fim do conto, Psiquê, tendo cumprido to- tante e infindo. Parece-me que as negativas de
das as requisições de Afrodite, abre a caixa da Psiquê acontecem em um ponto no qual ela já
beleza e acredita que se fará mais bela aos olhos entendeu que deve permanecer numa posição
de seu amado – que, julga, irá encontrar como passiva. Todo seu processo implicou no receber.
prêmio. A beleza de um dia é a beleza efêmera, Cada tarefa exigiu dela uma capacidade de aco-
palavra que em grego é atribuída à vida do ho- lhimento do que era proposto. As ajudas que
mem. Perto dos deuses, o humano não passa obteve vieram todas de elementos da natureza,
de um ser de duração efêmera, de um único dia, demonstrando que a sua atenção precisou ser
como a existência de uma borboleta. Psiquê al- constantemente atraída para dentro, para a des-
meja a permanência com seu amado imortal mas coberta de uma percepção interna, uma vez que
sucumbe à efemeridade da beleza literal. Cai na essas interferências tinham como efeito princi-
última armadilha de Afrodite. Mas agora, depois pal recolocá-la em seu caminho. A armadilha
de todo um trajeto heroico, é resgatada por Eros maior que se desprende da história está na ati-
e levada ao Olimpo com o consentimento de tude de Afrodite, enquanto irmã das Erínias que
Zeus. Eros, portanto, também escolhe e age nu- tenta evitar o acesso da alma ao eros: a sedução
ma direção diferente da esperada pela mãe e pas- de prestar “ajuda” sem levar em conta o próprio
sa da condição de filho para a de esposo, com as processo. O mito traz como bordão a ideia de
bênçãos do maestro olímpico. suportar: discriminar e persistir, tendo como
guias internos a confiança na própria alma ani-
As tessituras e os arremates mada por Eros. Dizer não, não e não!
A curiosidade e a desobediência são condições Na vida de meus pacientes, sou testemunha
obrigatórias para alcançar o conhecimento e, por- de inúmeras situações em que a ajuda surge co-
tanto, a consciência, como já dito anteriormen- mo armadilha. Uma paciente endivida-se para em-
te. As ajudas que Psiquê recebeu para realizar os prestar dinheiro ao irmão, cujo comportamento

24 „ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016


Junguiana
v.34, p.19-26

na vida até o momento é de continuidade do do outro em sofrimento é algo praticamente au-


imutável. Ela imagina que o ajuda e que é ca- tomático dentro do contexto judaico-cristão em
paz, com a dita “boa ação”, de fazê-lo dar-se que fomos forjados no Ocidente. Mas o mito
conta da sua desorganização financeira, de sua ensina que a psique exige relatividade. E assim
incapacidade de arcar com responsabilidades, como será importante a alma/psique crer no sen-
de seu lado claudicante, de sua falta de limi- tido interno que a guiará, também ela deverá
tes, enfim, de tocar no seu destino. Auxiliar os suportar os julgamentos daqueles que a virem
pacientes a discriminar do que se trata o pedido como insensível. Muitas vezes, o paciente não
e o que de fato aquela situação carece e, além permanece na não-ação e no silêncio, e age mais
disso, a refletir sobre como eles poderiam se en- para não ser chamado de omisso. Estar a seu
volver com seus conhecidos de modo a respei- lado para que permaneça e resista, com as mãos
tar seus caminhos, mesmo que isso implique ocupadas, com a atenção voltada para o proces-
negar-lhes a mão, é uma tarefa enorme. Parece- so, sem distrações, sem piedades ilícitas, sem
-me que o papel do analista é de permanecer julgamentos, para que possa ter olhos na escu-
firme como a torre a lembrar a alma que será ridão da descida, para que pague os preços ne-
preciso aguentar as seduções, dizer não às ten- cessários, para que volte à luz transformado, se
tações e suportar as incertezas do trajeto para fazendo merecedor da coniunctio Psiquê-Eros
construir a rua que leva a eros, ao prazer, ao dentro de si, eis o desafiador papel do analista. „
encontro sagrado.
De forma quase invisível, há outro requisito Viver é um descuido prosseguido.
para esse encontro final: o não julgamento. Não (João Guimarães Rosa)
prestar ajuda literal atinge o âmago da atitude
cristã de nossa era, que é a piedade. Apiedar-se Recebido em: 2/3/2015 Revisão: 17/8/2015

Abstract

Give me a hand?, or, when helping is saying “no”


This article presents some thoughts on the notion of illicit pity and the necessity of saying
concept of help in a clinical setting by reflecting “no” during the individual process of a greater
on the myth of Eros and Psyche. It focuses on the self-discovery. „

Keywords: help, discrimination, ilicit piety, Eros, Psyche.

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016 „ 25


Junguiana
v.34, p.19-26

Referências bibliográficas
APULEIO, L. O asno de ouro. Tradução Ruth Guimarães. Rio de LORAUX, N. Maneiras trágicas de matar uma mulher. Tradução
Janeiro: Ediouro, 1985. p. 71-101. Maurice Olender. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1988.

BRANDÃO, J. S. Dicionário mítico-etimológico, v. I, Petrópolis: NEUMAN, E. Amor and Psyche, New York: Bollingen/Princeton
Vozes, 2000. p. 356-358. University Press, 1973.

BRANDÃO, J. S. Mitologia grega, v. II, Petrópolis: Vozes, 2002. LÓPEZ-PEDRAZA, R. De Eros y Psique. Caracas: Festina Lente, 2009.
p. 209-251.
VON FRANZ, M.-L. O asno de ouro – O romance de Lúcio Apuleio
LEMINSKI, P. Toda poesia. São Paulo: Companhia das letras, na perspectiva da psicologia analítica junguiana.Tradução
2013. p. 332. Inácio Cunha. Petrópolis: Vozes, 2014.

26 „ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016


Junguiana
v.34, p.27-36

Sandplay: conflito e criatividade


plasmados na areia

Patrícia Dias Gimenez*

Resumo
O artigo tem como objetivo refletir sobre a prá- Palavras-chave
tica clínica do analista que trabalha com imagens, Sandplay,
com foco principalmente no sandplay, o “brincar imagem,
símbolo,
na areia”, técnica criada por Dora Kalff na Suíça e
capacidade
trazida ao Brasil por Fátima Salomé Gambini. imaginativa.
A partir de um trecho de uma crônica do es-
critor brasileiro Rubem Alves, a autora defende a
possibilidade e a necessidade de ampliarmos
nosso olhar de analistas. O texto ressalta a im-
portância de o analista junguiano exercitar seus
“olhos brincalhões” (termo utilizado por Rubem
Alves na crônica), isto é: o analista precisa traba-
lhar para conquistar um olhar amplo e não limita-
do à necessidade de interpretação imediata do
símbolo. Para isso, o analista precisa investir no
desenvolvimento da sua capacidade imaginati-
va e precisa conquistar uma liberdade imaginati-
va para possibilitar o contato criativo do pacien-
te com suas imagens inconscientes plasmadas
na areia.
A autora defende que o analista junguiano que
trabalha com imagens, seja com sandplay, barro,
pinturas ou no trabalho com sonhos, vive um eter-
* Analista junguiana e membro analista da SBPA/IAAP. Mestre em no processo de vir a ser um analista. Ele nunca
psicologia social pelo Instituto de Psicologia da Universidade de está pronto, está constantemente em formação,
São Paulo. Trabalha com sandplay em clínica particular há 23 anos.
E-mail: <patgimenez@uol.com.br>. está sempre aprendendo com as imagens. „

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016 „ 27


Junguiana
v.34, p.27-36

Sandplay: conflito e criatividade plasmados na areia

Ela se calou, esperando o meu diagnóstico. Eu


me levantei, fui à estante de livros e de lá retirei
as “Odes Elementales”, de Pablo Neruda. Pro-
curei a “Ode à Cebola” e lhe disse: “Essa pertur-
bação ocular que a acometeu é comum entre os
poetas.
Veja o que Neruda disse de uma cebola igual
àquela que lhe causou assombro:
‘Rosa de água com escamas de cristal’ (apud
ALVES, 2004). Não, você não está louca.
Você ganhou olhos de poeta... Os poetas ensi-
nam a ver.”
Ver é muito complicado. Isso é estranho porque
os olhos, de todos os órgãos dos sentidos, são
os de mais fácil compreensão científica. A sua
física é idêntica à física óptica de uma máquina
Começo minha reflexão compartilhando um fotográfica: o objeto do lado de fora aparece re-
trecho de uma crônica que é minha maior inspi- fletido do lado de dentro. Mas existe algo na
ração para a escrita deste artigo: visão que não pertence à física.
William Blake sabia disso e afirmou: “A árvore
A complicada arte de ver que o sábio vê não é a mesma árvore que o tolo
vê” (apud ALVES, 2004). Sei disso por experiên-
Ela entrou, deitou-se no divã e disse: “Acho que cia própria. Quando vejo os ipês floridos, sin-
estou ficando louca”. Eu fiquei em silêncio to-me como Moisés diante da sarça ardente: ali
aguardando que ela me revelasse os sinais da está uma epifania do sagrado.
sua loucura. “Um dos meus prazeres é cozinhar. Mas uma mulher que vivia perto da minha casa
Vou para a cozinha, corto as cebolas, os toma- decretou a morte de um ipê que florescia à fren-
tes, os pimentões – é uma alegria! te de sua casa porque ele sujava o chão, dava
Entretanto, faz uns dias, eu fui para a cozinha muito trabalho para a sua vassoura. Seus olhos
para fazer aquilo que já fizera centenas de ve- não viam a beleza. Só viam o lixo.
zes: cortar cebolas. Ato banal sem surpresas. Adélia Prado disse: “Deus de vez em quando
Mas, cortada a cebola, eu olhei para ela e tive me tira a poesia. Olho para uma pedra e vejo
um susto. Percebi que nunca havia visto uma uma pedra” (apud ALVES, 2004). Drummond viu
cebola. Aqueles anéis perfeitamente ajustados, uma pedra e não viu uma pedra. A pedra que ele
a luz se refletindo neles: tive a impressão de viu virou poema. Há muitas pessoas de visão
estar vendo a rosácea de um vitral de catedral perfeita que nada veem.
gótica. “Não é bastante não ser cego para ver as árvores
De repente, a cebola, de objeto a ser comido, se e as flores. Não basta abrir a janela para ver os
transformou em obra de arte para ser vista! E o campos e os rios” (apud ALVES, 2004), escre-
pior é que o mesmo aconteceu quando cortei os veu Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando
tomates, os pimentões... Agora, tudo o que vejo Pessoa. O ato de ver não é coisa natural. Precisa
me causa espanto.” ser aprendido.

28 „ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016


Junguiana
v.34, p.27-36

Nietzsche sabia disso e afirmou que a primeira direito a muitas trocas, com a criadora da técni-
tarefa da educação é ensinar a ver. O zen-budis- ca, Dora Kalff.
mo concorda, e toda a sua espiritualidade é uma Levei algum tempo para procurar a Fátima.
busca da experiência chamada “satori”, a aber- Antes disso, explorei por conta própria esse
tura do “terceiro olho”. Não sei se Cummings se material, me baseando nos livros que havia com-
inspirava no zen-budismo, mas o fato é que prado em São Francisco (ainda não havia nada
escreveu: publicado em português na época), nas trocas
“Agora os ouvidos dos meus ouvidos acorda- com meu analista Antônio Carlos Garcia (que
ram e agora os olhos dos meus olhos se abri- chegou a trabalhar com a “caixa de areia”) e nos
ram” (apud ALVES, 2004). estudos com uma colega de faculdade que tam-
[…] A diferença se encontra no lugar onde os bém se interessava por sandplay. Na época, usá-
olhos são guardados. Se os olhos estão na cai- vamos o termo caixa de areia.
xa de ferramentas, eles são apenas ferramentas Devorei os livros, comprei uma porção de
que usamos por sua função prática. miniaturas e me pus a atender as crianças, meus
Com eles vemos objetos, sinais luminosos, no- primeiros pacientes. Desde o início, no consul-
mes de ruas – e ajustamos a nossa ação. O ver tório, me propus a trabalhar com a imagem. Não
se subordina ao fazer. Isso é necessário. Mas é consigo conceber um trabalho totalmente verbal
muito pobre. – embora vira e mexe encontre algum paciente
Os olhos não gozam […], mas quando os olhos que me desafia a viver um processo só verbal.
estão na caixa dos brinquedos, eles se trans- Mas mesmo que use muito pouco, acho sempre
formam em órgãos de prazer: brincam com o que importante estimular o contato com a imagem
veem, olham pelo prazer de olhar, querem fazer por meio do sandplay, do barro, da aquarela, do
amor com o mundo. giz de cera ou lápis de cor, o que for! Na verdade,
Os olhos que moram na caixa de ferramentas
são os olhos dos adultos. Os olhos que moram
na caixa dos brinquedos, das crianças. Para ter
olhos brincalhões, é preciso ter as crianças por
nossas mestras. […] (RUBEM ALVES)

A meu ver, os olhos de um analista que tra-


balha com sandplay precisam frequentar muito
a caixa de brinquedos, se permitir brincar para
possibilitar o brincar na areia. O analista precisa
exercitar o “psiquiar”, termo forjado por Rafael
López-Pedraza, analista junguiano venezuelano,
em seu seminário Sobre Eros e Psique (2010),
que traz a ideia de gerar movimento psíquico,
imaginar, movimentar águas psíquicas…
Comecei a trabalhar com sandplay pouco
tempo após ter me formado, em 1993. Meu su- busco o material com o qual o paciente sinta
pervisor (hoje meu colega na SBPA) Rodney maior afinidade. Acho rico, em alguns momen-
Taboada insistia para que eu conhecesse a Fáti- tos do processo, buscarmos imagens; tenho com
ma Salomé Gambini, a analista brasileira que mais isso a sensação de ir diretamente à fonte.
havia se aprofundado no trabalho com sandplay É claro que, ao trabalhar com sonhos, também
e que viveu um longo processo analítico, com estamos trabalhando com a imagem e bebendo

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016 „ 29


Junguiana
v.34, p.27-36

da fonte. Mas são processos diferentes e, a meu por nenhum material artístico. E ela se interes-
ver, complementares. Reconhecer a importância sou muito por sandplay. Desde o início, pude
de lembrar meu sonho, “pescá-lo” ao amanhe- perceber a riqueza do material, a facilidade com
cer, anotá-lo (ou desenhar, pintar, esculpir ins- que as crianças mergulhavam nas imagens na
pirado no sonho) exige uma postura ativa da areia e nas histórias que elas lhes inspiravam.
minha consciência. É um exercício de acolher a As crianças foram minhas mestras no sandplay
imagem. naquele começo de carreira.
No sandplay ou quando pintamos, vivemos Só depois encontrei a Fátima e pude viver com
o exercício de colher a imagem acordados, indo ela um longo processo. Esse encontro provocou
de forma ativa em uma direção complementar ao profundas mudanças na minha vida e no meu
sonho, em busca desse contato com a fonte, com trabalho.
o inconsciente. É uma busca para estabelecer O que mudou radicalmente para mim naque-
essa ponte, essa função transcendente. Não le encontro com as areias da Fátima foi desco-
entendo nada de engenharia, mas, nas pontes, brir a areia como o essencial no processo de
sempre vejo o processo de construção aconte- sandplay... E a liberdade de brincar, tema tão im-
cer a partir dos dois pontos que vão se unir em portante hoje em dia, quando estamos, por um
algum lugar no meio do caminho. Essa parece lado, por meio da neurociência, descobrindo a im-
ser uma boa imagem do trabalho em análise portância do brincar na infância; e, por outro lado,
junguiana com sonhos e sandplay. com a educação impedindo as crianças de brin-
A biografia de Jung e sua busca nessas duas car, obrigando-as a começar precocemente seu
direções é, para mim, o grande exemplo desse desenvolvimento intelectual em detrimento do
processo de investir nos dois sentidos: acolhen- brincar. Nesses 20 e poucos anos de trabalho
do a produção espontânea do inconsciente ao na areia, já sinto a diferença na forma de brincar
coletar os sonhos e, por outro lado, buscando das crianças: não sei se o que atrapalha mais é
essas imagens, exercitando a consciência para o excesso de estímulo intelectual precoce, a ação
mergulhar em imagens inconscientes e trazer dos iPads, iPhones e afins, ou a falta de espa-
tesouros para a terra firme da consciência. Jung ço/tempo para o livre brincar. Isso é muito triste
viveu tudo isso intensamente, não apenas no de se constatar e penso que está diretamente
âmbito da mente, mas trabalhou literalmente relacionado aos diagnósticos de TDAH e depres-
com o corpo e a alma ao esculpir, pintar muito e sões na infância e adolescência.
investir com tanta dedicação no seu altar interior Tema importante que exige mergulhos mais
descrito no precioso Livro Vermelho. profundos...
Foi o atendimento de uma criança que me ins- Voltando às areias, quando encontrei a Fá-
pirou a trabalhar com areia e miniaturas. Antes tima, estava começando a trabalhar na minha
disso, desde o meu encontro com Anna Barros, tese de mestrado sobre o uso de sandplay e
minha primeira analista junguiana de verdade, sonhos em processos de escolha profissional.
já havia ressuscitado em mim o contato com os Foi muito precioso esse aprendizado com ela e
pincéis, tintas, barro e lápis de cor que tinha tido suas areias e serei eternamente grata à vida e a
a sorte de vivenciar durante toda a minha infân- ela por esse encontro. Fátima me ensinou na
cia e adolescência. Então, quando comecei a tra- prática, em meu processo, e ela não foi “boazi-
balhar no meu consultório, assim que me for- nha” comigo: me confrontava, me desafiava a
mei, não tinha como não levar esse material para buscar a minha forma de expressão e reflexão,
lá e utilizá-lo com as crianças que começava a tanto na vida como na prática com sandplay. Pude
atender. Mas justamente a criança que me enco- tê-la a meu lado durante o processo do mestra-
rajou a conhecer o sandplay não se interessava do, da minha formação na SBPA, nas minhas

30 „ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016


Junguiana
v.34, p.27-36

gravidezes e partos, na defesa da minha mono- supervisão ou grupos de estudo. E percebo ne-
grafia, assim como no primeiro trabalho que me les o mesmo processo que aconteceu comigo
aventurei a apresentar no primeiro congresso – um “engessamento” do olhar: treinados para
latino-americano. identificar o que a imagem revela no que se
Sou grata porque nunca senti nesse apoio, refere à patologia, exercitamos um olhar par-
nesse espaço de reflexão que experimentei com cial, que não olha a totalidade e que muitas
ela, a necessidade de dirigir ou controlar minha vezes não conecta a imagem criada e o indiví-
forma de viver o sandplay. Minha forma de viver duo que criou a imagem. Esse pathos que apren-
o sandplay é diferente da que ela encontrou para demos na faculdade não é o pathos ao qual
si, assim como cada analista deve encontrar a James Hillman se refere como possibilidade de
sua própria forma de vivê-lo para que seja au- trabalho com a alma. Não é o pathos que pode
têntica. Fátima era uma pessoa extremamente gerar movimento psíquico. Pelo contrário, é o
introvertida. Ficava muito confortável na sua mi- pathos que paralisa, petrifica a alma. É nossa
núscula sala repleta de miniaturas e relativamen- herança da medicina focada na patogênese, na
te confortável em grupos pequenos e conheci- busca do “agente patológico”, que absorvemos
dos. Mas ela não gostava de se expor, de falar na formação como psicólogos, e não na saluto-
em público. Era dentro do seu consultório que gênese (gênese da saúde), nas nossas forças
falava com a autoridade de quem viveu um mer- de cura e no potencial para a individuação que
gulho profundo nas areias e na cultura e psique existe em nosso corpo, alma e espírito. Geral-
brasileiras. E era extremamente generosa nesse mente, não aprendemos na faculdade a con-
espaço livre e protegido que criou. Sou mesmo fiar nessas forças de criação, na capacidade
muito grata. de nos reinventarmos, na psique e sua eterna
Mas desde 2005 não tenho sua companhia busca circular, vivenciando vida-morte-vida.
para mergulhar nas areias… Ela mergulhou em Paralisamos na polaridade morte por temê-la,
outra direção. Em um primeiro momento, foi mui- por ter tanto medo de errar e buscar um diag-
to dolorido me ver só mas, aos poucos, entendi nóstico preciso.
que deveria seguir meu caminho, viver outros en- “Brincar” com a imagem não é permitido ou
contros e me apropriar ainda mais da minha ex- exercitado na faculdade. Olhar uma imagem e
periência para poder trocar, ensinar, aprender... buscar inicialmente a norma, a média que a es-
Agora me dou conta de que foram dois anos tatística diz, não faz sentido para mim hoje, mas
vivendo o sandplay sozinha, dez anos em sua foi como aprendi e como muitas vezes o olhar
companhia e mais 11 anos só novamente. Hoje do psicólogo é ensinado e treinado. Sinto que
vivo com meus pacientes o que vivi com Fátima, estamos sempre presos ao paradigma da ciên-
o que ela me proporcionou: mergulhos em seus cia e seus métodos baseados na norma e não
processos na areia, em suas imagens plasma- no indivíduo, não no processo de individuação.
das na areia – a possibilidade de viver seus con- Ainda somos assombrados pelo temor de ser-
flitos na areia e, por meio de um criar contínuo, mos considerados místicos e, com isso, sermos
encontrar caminhos criativos em suas vidas. desvalorizados. O “lodo negro do misticismo”
Nesse caminhar sozinha, um dos aspectos que tanto assombrou Freud também assombrou
que mais me inspiram é a percepção de uma Jung e nos assombra.
tendência a “engessar o olhar” que sinto na Quando escrevi minha tese de mestrado so-
psicologia. Na verdade, percebo isso desde a bre sandplay e escolha profissional, na Univer-
minha formação na faculdade de psicologia. Tra- sidade de São Paulo, muitas vezes entrei em
balho com muitos estudantes de psicologia e confronto com minha orientadora, que achava
com psicólogos recém-formados, em análise, inadequado utilizar o termo “brincar” em um

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016 „ 31


Junguiana
v.34, p.27-36

texto acadêmico. Eu não conseguia entender por Rudolf Steiner, contemporâneo de Jung que ins-
que o termo “brincar” não é adequado se estou pirou a criação de vários campos de conhecimen-
falando sobre uma técnica inspirada no brincar to, como a pedagogia Waldorf, a medicina antro-
das crianças. Por que brincar não pode ser leva- posófica, a agricultura biodinâmica, a economia
do a sério? viva etc.
Por isso, hoje me dedico a exercitar meus olhos Steiner foi profundo conhecedor da obra de
brincalhões por meio das imagens que se cons- Goethe e criou a proposta da observação goe-
telam na areia, na aquarela, no barro, nos contos theana, inspirado nas descrições que figuravam na
de fadas e mitos que me inspiram. Isso exige, obra de Goethe sobre sua prática de observação
antes de tudo, a conquista de um espaço interno da natureza. Na antroposofia, esse exercício do
de exploração. Preciso me autorizar a isso e com- olhar de forma fenomenológica, sem julgamentos,
preender que ninguém poderá me dar esse aval. observando seja uma planta ou uma criança den-
Eu devo conquistá-lo em minha busca, em minha tro do contexto escolar, seja um conto de fadas ou
experiência. Preciso não estar presa ao que é con- uma obra de arte, é um exercício meditativo, com o
siderado correto sob o ponto de vista do outro objetivo de ampliar a capacidade de olhar para
que está fora. Preciso me conectar ao outro que ampliar o pensar, o sentir e o querer.
está dentro para realmente me conectar ao outro Nesses últimos anos, tenho feito vários cur-
que está diante de mim. E, por sua vez, ajudá-lo a sos e vivências baseados na observação fenome-
se conectar ao outro que vive dentro dele. Preciso nológica proposta por Steiner e cada vez mais
não cair na tentação de definir parâmetros rígi- percebo a riqueza desse exercitar para o meu
dos para olhar e compreender uma imagem. Pre- ofício de analista que trabalha com imagens.
ciso não ter medo de errar, poder experimentar... Resumindo muito e correndo o risco de descre-
Esse é o princípio do brincar! ver essa proposta de forma mais simplista do
Nesse sentido, o compromisso no processo que ela é (considerando que, como exercício, ela
de aprendizagem do sandplay é o mesmo com- é mesmo muito simples, mas conforme o grau
promisso ético que me leva a ser uma analista; é de envolvimento com ela, podemos vivenciá-la
o compromisso ético com meu processo de de forma profunda), gostaria de expor os quatro
individuação e com o processo de individuação passos do exercício que tenho vivenciado no
do meu paciente, supervisionando ou aluno. Nos- sandplay. Para isso, vamos observar juntos uma
sos caminhos são diferentes, cada um tem o seu. cena na areia.
Não posso simplesmente ensinar sandplay, pre-
ciso viver o contato com as imagens psíquicas,
preciso “psiquiar” e ajudar quem está vivendo seu
processo de autoconhecimento ao meu lado a
confiar no seu contato com suas imagens, a
“psiquiar” também. Confiar, para mim, é a pala-
vra-chave: con + fiar = fiar junto, criar um fio úni-
co dentro de mim, o fio que me conecta ao que é
maior que minha consciência, mas que se revela
por meio dela, que deve ser capaz de conceber,
acolher, nutrir e mandar para o mundo.
Esse exercício dos olhos brincalhões e não
me guiar apenas pelo aprendizado intelectual e
instrumental do sandplay está relacionado ao
estudo da antroposofia, filosofia embasada por

32 „ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016


Junguiana
v.34, p.27-36

A descrição que farei é uma adaptação ao lembrança da sessão como essa cena foi mon-
sandplay das práticas de observação fenomeno- tada (eu, particularmente, não gosto de anotar a
lógica que vivi com contos de fadas, criações na cena, guardo somente minha observação). Como
areia e árvores. É minha licença poética que que- começou a montagem da cena? Como a areia foi
ro, aqui, compartilhar. escolhida (seca ou molhada)? Ele/ela sentiu a
Num primeiro passo, nos propomos a identi- necessidade de tocar a areia? Ou escolheu ape-
ficar na cena os aspectos relacionados ao elemen- nas pelo olhar, de certa distância? Como, diante
to terra. O que isso significa? Vamos usar nossa das miniaturas, elas foram sendo escolhidas?
sensação (em linguajar junguiano), vamos des- Como foi feita a montagem da cena: de pé, entre
crever os elementos da cena detalhadamente sem as miniaturas, ou sentado/a diante de mim, já nas
recorrer a termos que nos levem a julgamentos e poltronas, trazendo a areia a sua frente? Montou
comparações. Não importa se a cena é caótica ou a cena desde o início da sessão, no decorrer da
organizada, bonita ou feia, que seriam julgamen- sessão ou somente no finzinho, quando perce-
tos de valor. Naturalmente pensamos dessa for- beu que a sessão estava acabando? Usou todas
ma, mas nesse passo precisamos nos libertar de as miniaturas que escolheu ou alguma foi deixa-
tais parâmetros e observar a cena como única em da de lado? São muitas as lembranças a serem
si mesma. Com isso, buscamos estabelecer a base revisitadas e sentidas, mas o essencial nesse
da nossa observação, descrever a terra sobre a passo é como “sinto” que foi a construção da
qual e a partir da qual a cena se desenrola. O leito cena, do início ao fim. Posso também, ao vivenciar
sobre o qual nosso rio vai correr. Podemos até esse passo, me dar conta de que há muitas lacu-
desenhar a cena inteira ou algum detalhe que nos nas em minha memória quanto à confecção da
chame a atenção. cena e preciso aceitar esse fato sem me julgar:
posso ter me distanciado um pouco no momen-
to da criação da cena para deixar meu paciente
mais à vontade, posso ter voltado minha atenção
para outra direção, posso não ter me sentido à
vontade… São possibilidades de observação a
serem colhidas com respeito e não com crítica.
Em um terceiro momento, observarei sob o
prisma do elemento ar, com o meu pensar. Pre-
ciso aqui fazer o difícil exercício de ir na direção
contrária ao fluxo, o que exige muito do meu
pensamento, da minha memória. Preciso confi-
ar na minha memória. Parto do momento final
da sessão ao entender a cena como terminada e
volto no caminho da construção da sessão, da
cena. Faço uma retrospectiva do processo de cria-
Em um segundo momento, nos propomos a ção da cena. O exercício anterior me prepara para
olhar a partir do elemento água: nosso sentimen- esse: vou buscar nesse retorno à fonte, à ori-
to será nosso guia para observar a cena. Qual é o gem da cena, qual seria o gesto da cena. Posso
fluxo revelado nessa cena? Como sentimos que até vivenciar no meu corpo, em um desenho ou
ela flui? Conseguimos identificar se ela começa em uma cena na areia um gesto inspirado nela.
em algum ponto? Qual seria a “semente” da qual Indo no contrafluxo, busco estar atenta às ima-
brota a cena? Qual seria sua nascente e em que gens, sensações e sentimentos aos quais a cena
direção ela flui? Posso também buscar em minha me remete. Contra a correnteza, fico atenta se

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016 „ 33


Junguiana
v.34, p.27-36

consigo “pescar algum peixe”, algum alimento na cena. Preciso e posso perceber como ela me
novo. É nesse momento que mergulho também toca, no que me é familiar, em que consigo
no simbolismo de alguns elementos da cena. Caso empatizar com ela ou onde ela me é totalmente
não conheça, pesquiso. É quando tenho condição estranha e tenho dificuldade para empatizar.
de ler sobre o simbolismo de forma mais preci- Posso trabalhar o que é meu nessa observação
sa, filtrar o que alimenta minha observação e dis- e o que é do paciente, além daquilo que aconte-
pensar o que não interessa. ce nesse espaço intermediário: o que é meu, o
Chego então ao quarto passo desse exercício: que é dele e o que é nosso.
o elemento fogo será meu guia, minha intuição me Fátima era uma grande observadora de cenas…
guiará. Nesse momento, me calo, preciso silen- Ela contava que costumava ficar horas, sozinha,
ciar. Depois do esforço feito, preciso parar, calar observando uma cena específica. Voltava ao seu
a mente, respirar e esperar que algo se manifes- consultório à noite e se permitia ficar lá um bom
te: uma imagem, uma sensação, um sentimen- tempo, observando a cena real – isso era possí-
to... algo. Espero que a cena se/me revele. Algu- vel porque ela não as desmontava, consideran-
mas vezes faço esse exercício antes de dormir e do que tinha muitas mesas de areia. Normalmen-
peço por um sonho que me ajude a compreender te trabalhamos somente com duas mesas de
algo na cena que não consegui ainda identificar. areia, o que nos permite manter uma molhada
Levo a questão para o sono – como dizem na an- e uma seca. E só. Essa foi a orientação que ela
troposofia. Ao exercitar minha observação antes mesma me deu: não me permitir ficar em conta-
de dormir, como exercício meditativo, estou real- to com a cena viva por muito tempo pois isso
mente “levando para o sono” a imagem inspi- nos causa grande desgaste, tanto físico como
radora e pedindo inspiração ao meu inconscien- psíquico. Mas ela ficava.
te, buscando ativamente inspirar meus sonhos. Hoje, vivenciando esse exercício de observa-
ção goetheana, percebo que talvez ela também
buscasse algo semelhante ao que busco agora.
Ela provavelmente tentava entender, perceber,
sentir e intuir o que a cena lhe revelava. O que
acho interessante também nesse exercício é que
ele me permite mergulhar profundamente, mas
não de uma só vez, não em um só dia: não preci-
so me exaurir. Posso fazer com calma. Posso
observar uma cena por um mês, exercitando um
desses passos a cada semana, permitindo um
lento processo alquímico, vivenciando etapas
com calma e dedicação, cozinhando em banho-
maria. Mas, para isso, tenho que trabalhar mi-
nha ansiedade e acreditar que pouco é muito, o
que é bem difícil nos dias de hoje.
Lembro aqui mais uma vez o analista Rafael
São somente quatro passos, mas é um cami- López-Pedraza (2010), que, no texto citado ante-
nho árduo e profundo se feito com disciplina e riormente, discorre sobre a necessidade de viver-
entrega. Claro que não consigo me dedicar dessa mos a espera no cultivo da alma. É preciso forjar
forma a todas as cenas de todos os pacientes, a alma do analista que trabalha com imagens e
mas procuro vivenciar esse exercício em algumas. isso exige espera, a paciência atenta dos alqui-
É um exercício que me possibilita um mergulho mistas na opus alquímica. É preciso estar atento

34 „ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016


Junguiana
v.34, p.27-36

para não cair na armadilha da mediocridade e mais importante na prática é poder, por meio dela,
para “excluir o que poderia desvirtuar a verda- ajudar a liberar o contato do paciente com suas
deira iniciação” (LÓPEZ-PEDRAZA, 2010, p. 38), imagens, é ajudá-lo a confiar nesse fluxo de ima-
revela López-Pedraza ao falar do trabalho do ana- gens que buscamos estabelecer por meio das
lista. Ressalta no seu texto que, se não dermos cenas, é ajudá-lo a movimentar suas “águas psí-
atenção à verdadeira espera, podemos vivenciar quicas”. E como ressaltei acima, preciso ajudá-lo
na psicoterapia o que ele denomina “mimetismo a confiar na espera. Acho realmente mais impor-
psicopático”, que acontece quando seguimos de tante, em um primeiro momento, poder liberar
forma medíocre os slogans e as receitas para vi- esse fluxo que exige confiança na própria psique
ver. Ao observarmos uma imagem no sagrado e na forma como eu, na condição de analista, es-
ofício da análise que busca “fazer alma”, preci- tarei acolhendo suas imagens. Especialmente no
samos cultivar a espera. Primeiro em nós mes- início de um processo terapêutico, muitas vezes
mos e, se isso nos for possível ou quando isso não acho produtivo comentar a cena, pois é nes-
for possível, poderemos vivenciar essa espera se momento, quando o paciente costuma estar
com nosso paciente para que a imagem se revele ainda reconhecendo o terreno, construindo o vín-
após um esforço contínuo. Ela não se desvelará culo comigo e com a areia/miniaturas, que se dá
magicamente. É preciso um esforço contínuo, é o efeito de ativação de um pensar que pode atra-
preciso esse cultivo. palhar ou até mesmo interromper o fluxo. Na ses-
são seguinte, ele provavelmente pensaria mais ao
se ver diante das miniaturas e areia. E é justamen-
te isso que eu não quero: o pensar que trava!
Quero conquistar um pensar mais amplo, que
acolhe. Quero que ele confie cada vez mais e vá
se soltando aos poucos. Mas, ao terminar a ses-
são, peço a ele que fotografe a cena quantas ve-
zes quiser, dos ângulos que achar adequado. Pode
parecer não muito importante, mas percebi nes-
sa prática que posso, por meio desse simples
exercício, apreender o olhar do paciente para sua
própria cena. É verdade que alguns estranham o
pedido no início... Fazem poucas fotos, de uma
forma tímida. Mas, aos poucos, vão se soltando e
esse é um primeiro exercício de olhar sua produ-
ção de forma lúdica e livre. Depois, quando eu for
Outra questão importante para mim nesse compartilhar a sequência de cenas com ele, exerci-
exercício dos olhos brincalhões tem sido a foto- tar o nosso olhar para a sequência de cenas no fim
grafia. Já há algum tempo, adquiri o hábito de pe- de um processo breve como o de escolha profis-
dir aos pacientes que fotografem sua cena quan- sional, ou no fim da análise, será muito rico per-
do terminada, antes de ela ser fotografada por ceber o que ele achou importante fotografar e,
mim. Para mim, esse é o fim da sessão. Depois, depois, o que eu fotografei da cena e, juntos, co-
eles saem deixando a cena intacta e sou eu que lhermos nossas impressões acerca das cenas.
vou fotografar. Aqui é importante ressaltar que não Como conclusão, gostaria de acrescentar que,
tenho como prática, em geral, comentar a cena no ao exercitarmos nossos olhos brincalhões ao ob-
fim da sessão. Isso não é uma regra, é a minha servarmos uma sequência de cenas na areia (ou no
forma de viver o sandplay, pois entendo que o barro, na aquarela, no desenho ou outro material

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016 „ 35


Junguiana
v.34, p.27-36

artístico produzido por nosso paciente), viven- estaremos realmente auxiliando nossos pacientes
ciamos o conflito inerente à riqueza de possibi- a construir uma relação mais saudável com suas
lidades que as imagens sempre nos trazem. Esse imagens psíquicas, com seu inconsciente – objeti-
conflito é enriquecedor para nós, analistas, e, vo maior do nosso trabalho, ao meu ver. Podere-
consequentemente, para nossos pacientes. mos, assim, ajudá-lo a restabelecer uma confiança
Quando nos é possível sustentá-lo ao nos ver- nessas imagens e na capacidade que cada um traz
mos diante de uma imagem psíquica e não nos em si para lidar com elas criativamente. E estare-
obrigarmos a decifrá-la, “resolvê-la” rapidamente mos sendo fiéis ao eterno processo de vir a ser um
e, dessa forma, nos permitirmos silenciar, acio- analista que trabalha com imagens! „
nar nosso ouvido interno, ampliar nosso olhar e
colher sentimentos e impressões, acredito que Recebido em: 7/3/2016 Revisão: 19/7/2016

Abstract

Sandplay: conflict and creativity embodied in the sand


In this article, the author aims to reflect on an effort to achieve a broad look, instead of re-
the clinical practice of the analyst who works with maining limited to the need of the immediate sym-
images, focusing mainly on sandplay, “play in bol interpretation. For this, the analysts should
the sand”, technique created by Dora Kalff in invest in developing their imaginative capacity and
Switzerland and originally brought to Brazil by must earn an imaginative freedom in order to en-
Fatima Salome Gambini. able the creative contact of the patient with his/
Having a chronicle by Rubem Alves (a Brazilian her unconscious images embodied in sand.
writer) as starting point, the author defends the The author argues that the Jungian therapist
possibility and the need to broaden our horizonz who works with images, through sandplay, clay,
as therapists. She emphasizes the importance of painting or dreams, experience a never-ending
doing the exercise of “playful eyes” by Jungian process of becoming a therapist. They are never
therapists – a term used by Rubem Alves in his complete, so, they are in a constant training pro-
chronicle. She highlights that one needs to make cess, always learning from the images. „

Keywords: sandplay, image, symbol, imaginative capacity.

Referências bibliográficas
ALVES, R. A complicada arte de ver. Folha Online. São Paulo, JUNG, C. G. A natureza da psique. 2 ed. Petrópolis: Vozes, 1986
out. 2004. Seção [Sinapse] online. Disponível em: http:// (Obras completas, v. 12).
www1.folha.uol.com.br/folha/sinapse/ult1063u947.shtml.
KALFF, D. Sandplay – a psychotherapeutic approach to the
Acesso em 06/03/2016.
psyque. Boston: Sigo Press, 2011.
GAMBINI, R. O tempo e a voz – reflexões para jovens analistas.
LÓPEZ-PEDRAZA, R. Sobre Eros e Psiquê. São Paulo: Vozes, 2010.
São Paulo: Ateliê Editorial, 2011.
STEINER, R. O Método cognitivo de Goethe – linhas básicas para
GIMENEZ, P. Adolescência e escolha – um espaço ritual para a
uma gnosiologia da cosmovisão goetheana. 2 ed. São Paulo:
escolha profissional através do sandplay e sonhos. São Paulo:
Antroposófica, 2004.
Casa do Psicólogo, 2009.

36 „ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016


Junguiana
v.34, p.37-48

Uma explicação arquetípica da crucificação


de Jesus pela teoria arquetípica da história*

Carlos Amadeu Botelho Byington**

Resumo
Minha teoria arquetípica da história (BYINGTON, Finalizando, o artigo elabora a dificuldade da Palavras-chave
1983) segue os passos de Bachofen e de Neumann transcendência da dominância do arquétipo pa- Nomadismo,
com a modificação do conceito do arquétipo triarcal para a implantação do arquétipo da alte- arquétipo
matriarcal,
matriarcal para o arquétipo da sensualidade, e do ridade. Concluindo, o autor tenta explicar a razão
sociedades
arquétipo patriarcal para o arquétipo da organiza- para Jesus não haver evitado Sua crucificação na
assentadas,
ção, ambos presentes na psique da mulher, do implantação da missão heroica para transformar o arquétipo patriarcal,
homem e do Self cultural (BYINGTON, 2013). deus patriarcal, do Velho Testamento, na Trindade, metanoia,
Essa teoria descreve a dominância matriarcal do Novo Testamento. „ arquétipo da
durante a vida nômade dos primeiros 140 mil alteridade,
anos da história (WATSON, 2003) e a dominância arquétipos da
anima e do animus,
patriarcal iniciada após a revolução agropastoril,
crucificação.
mais de 12 mil anos atrás, quando nos torna-
mos povos assentados.
A seguir, marcada pelos mitos do Buda, há
2.500 anos, e do Cristo, há 2 mil anos, essa teoria
descreve o início da implantação mitológica e
civilizatória do arquétipo da alteridade, cujos he-
róis messiânicos pregam a elaboração dos con-
frontos humanos pela dialética da compaixão.

* Primeiramente escrita em 1983, e posteriormente em 2015,


aumentada e aperfeiçoada até esta última versão em 2016, para
ser publicada na Junguiana Eletrônica, Revista da Sociedade Brasi-
leira de Psicologia Analítica, São Paulo, 2016.
** Médico, psiquiatra e analista junguiano. Membro fundador da
Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica. Membro da Associação
Internacional de Psicologia Analítica. Criador da psicologia simbóli-
ca junguiana. Educador e historiador.
E-mail: <c.byington@uol.com.br>.
Site: <www.carlosbyington.com.br>.

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016 „ 37


Junguiana
v.34, p.37-48

Uma explicação arquetípica da crucificação de Jesus pela teoria arquetípica da história


Na minha teoria arquetípica da história, se- foi continuar a reduzir o arquétipo matriarcal ao
gui os trabalhos de Erich Neumann a respeito do arquétipo da grande mãe, ao papel de mãe, ao
desenvolvimento individual, descrito em seu livro feminino, excluindo o pai e o masculino das ori-
póstumo A criança (1955), e do desenvolvimento gens da formação da consciência.
cultural, descrito em seu trabalho anterior, Histó- A justificativa de Neumann para a redução do
ria da origem da consciência (1949). arquétipo matriarcal à grande mãe baseou-se
A primeira diferença entre a minha visão e os numa suposta exclusividade mitológica das
conceitos de Neumann é que ele considera o ar- mães na fertilidade do período original da mito-
quétipo matriarcal como o arquétipo da grande logia. Essa suposição me parece errada e redu-
mãe. Isso exclui o masculino da formação origi- tivista porque muitos deuses pais também ex-
nal da consciência. Como já assinalei, conside- pressam a fertilidade primordial. Se, de um lado,
ro a perspectiva de Neumann redutivista porque temos grandes deusas da fertilidade represen-
concebo o arquétipo matriarcal como o arquéti- tadas por Ishtar, Demeter, Ísis, Artemis, Afrodite,
po da sensualidade, o que inclui a mãe e o pai, o Baubo, Gaia, Rea e muitas outras, por outro lado,
feminino e o masculino. temos também grandes deuses da fertilidade,
Na redução da formação da consciência ao como o grande Zeus, o principal fertilizador na
arquétipo da grande mãe como o único repre- formação do panteão olímpico, Uranos, Cronos,
sentante da sensualidade matriarcal, Neumann Ea, Osíris e muitos outros. Na religião afro-bra-
seguiu Johann Jakob Bachofen e seu trabalho épico sileira, iorubá-nagô, as divindades da fertilidade
Direito materno (1861). Nesse livro, Bachofen de- criativa primordial são muito bem balanceadas
nominou matriarcado um período da história em gênero. Entre as femininas, temos Iemanjá
que precede a dominância patriarcal moderna, a (água salgada), Oxum (água doce), Oiá-Iansã
qual denominou patriarcado . Ele associou o (amor conjugal e maternidade), Euá (mitigadora
matriarcado às grandes deusas da mitologia, ao da sede), Nanã (fornecedora do barro para mol-
feminino, à maternidade e às mulheres dirigin- dar a espécie humana) e muitas outras. Entre os
do a sociedade. masculinos, temos Exu (promotor do sacrifício
A falácia da tese de Bachofen foi decretada – ebó ), Ogum (descobridor do ferro), Oxóssi
quando a antropologia e a arqueologia não en- (descobridor da caça), Odudua, que pode ser
contraram sociedades dirigidas por mulheres. tanto masculino (VERGER, 1981) como feminino,
Assim, após um sucesso acadêmico retumban- criador da terra (SANTOS, 1976).
te, na segunda metade do século XIX, o trabalho Como mencionei acima, a psicologia tradicio-
de Bachofen caiu em total descrédito. nal, baseada no evolucionismo, desqualificou o
Neumann, entretanto, considerou que a ideia estado emocional mental primordial da infância
da precedência do matriarcado em relação ao (arquétipo matriarcal) e elegeu, como superior e
patriarcado é válida na psicologia e na mitolo- maduro, o princípio da realidade corresponden-
gia, sob uma perspectiva arquetípica, e argumen- te ao superego, à persona e ao arquétipo patriar-
tou que Bachofen havia fracassado porque rela- cal. Enfatizei ter sido Neumann uma exceção,
cionara o matriarcado à história social real. porque ele considerou o estágio primordial como
Dessa maneira, Neumann defendeu a impor- um arquétipo e isso manteve a importância des-
tância da tese de Bachofen: as características sa etapa ao longo da vida.
matriarcais precedem as patriarcais na formação Seguindo Bachofen, Neumann, ao conside-
da consciência coletiva. Sob meu ponto de vista, rar o arquétipo matriarcal como o arquétipo da
o erro de Neumann, assim como o de Bachofen, grande mãe, maternal e feminina, deixou de fora

38 „ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016


Junguiana
v.34, p.37-48

o masculino e o pai das relações primordiais. As- matriarcal insular. Nossas vidas eram centradas
sim, ele estabeleceu um desequilíbrio na teoria nos símbolos da comida e na função estruturan-
de desenvolvimento que precisa ser corrigido. te da alimentação que guiava nossas andanças.
Esse é o motivo pelo qual mudei o sentido Vivenciamos o arquétipo matriarcal (sensuali-
do arquétipo matriarcal, sinônimo de grande dade) e o elaboramos predominantemente na
mãe, para o arquétipo da sensualidade, que in- posição passiva, porque, além da pesca e da
clui a mãe e o pai, o masculino e o feminino. Da caça, comíamos apenas o que a natureza nos
mesma maneira, mudei o sentido de arquétipo dava. Pouco a pouco, durante séculos, integra-
patriarcal como sinônimo do arquétipo do pai e mos a sensualidade matriarcal na posição ativa,
do masculino para o arquétipo da organização, para melhorar instrumentos, para tecer, para
que também inclui a mãe e o pai, o feminino e o fazer roupas ou para caçar e pescar. Alguns ins-
masculino. trumentos também eram usados como armamen-
Ao reduzir o matriarcal ao feminino e o patriar- to, para combater grupos rivais. O fogo era usado
cal ao masculino, Neumann cometeu o mesmo para cozinhar e para manter animais selvagens
erro de Bachofen e da psicologia tradicional: afastados. A magia era praticada para todos os
reduzir a sensualidade do quatérnio primário à fins: a polaridade ego-outro era vivida de manei-
mãe, ao seio e ao feminino, e a organização mo- ra tão íntima e simbiótica que o ego podia tratar
ral ao complexo paterno, ao pai e ao masculino. o outro como parte de sua própria imaginação e
Essa redução da sensualidade (Eros e Vênus) desejo. Pela mesma razão, a religiosidade era
à mãe e à mulher e da organização (Logos e Mar- vivida num panteísmo em que tudo é sagrado e
te) ao pai e ao homem pertence à fase circuns- subordinado à integralidade na “participação
tancial da história (dominação patriarcal), que mística” (LÈVI-BRÜHL, 1936). O sentimento era
durou mais de 10 mil anos e que não deve ser inerente à intimidade e à intuição, relacionando
considerada como realidade psicológica estru- permanentemente as dimensões consciente e
tural. Ao contrário, ela deve ser transcendida, de inconsciente.
modo que mulheres e homens, mães e pais, Durante milhares de anos, a sexualidade não
crianças de ambos os gêneros e de todas as cul- foi associada à gravidez e à função paterna. Os
turas possam buscar o pleno desenvolvimento homens eram protetores, amantes, caçadores e
de sua consciência coordenado pelo arquétipo guerreiros, mas não pais. Mães procriavam com
(anima e animus) da alteridade, dentro de uma diferentes homens, sem associá-los à sexuali-
perspectiva de liberdade e democracia. É isso o dade e à gravidez. O objetivo da vida era comer e
que pretendo propiciar com as concepções da perambular para buscar mais comida, ter rela-
psicologia simbólica junguiana. ções sexuais, criar os filhos, cantar e dançar em
rituais religiosos, fabricar cerâmica e utensílios,
Pré-história escapar de animais selvagens, combater grupos
Uma das grandes ilustrações de que a inte- rivais e sobreviver.
gração dos arquétipos depende da experiência Durante esses 140 mil anos de dominância
existencial é a duração dos 130 mil anos de do- matriarcal, predominantemente na posição pas-
minância no Self cultural do arquétipo matriar- siva, iniciou-se, paulatinamente, uma integração
cal, na posição passiva. do arquétipo matriarcal na posição ativa. O aces-
Nossa espécie tem, aproximadamente, 150 so permanente à comida, entretanto, não foi al-
mil anos, de acordo com a biologia molecular cançado e a coordenação do arquétipo matriarcal
(WATSON, 2003). Durante cerca de 140 mil anos, permaneceu grandemente na posição passiva.
fomos grupos nômades caçadores-coletores com Dessa forma, nossa espécie era apenas uma
nossa consciência coordenada pela posição entre inúmeras outras.

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016 „ 39


Junguiana
v.34, p.37-48

O historiador Yukal Noah Harari sugere que criatividade do arquétipo da organização da vida
tenha ocorrido uma mutação em nossa espécie, social.
por volta de 70 mil anos atrás, que teria desen- A formação de vilas e pequenos povoados,
cadeado um grande aumento de nossa capaci- seguidos pelas cidades, foi resultado da organi-
dade imaginativa, seguida por uma revolução zação da vida social de seres humanos sedentá-
cognitiva. Daí em diante, teríamos nos tornado rios. Muitas novas funções estruturantes foram
capazes de formar extensos grupos comunitários ativadas, como a organização do território indivi-
unidos e guiados por ideias (HARARI, 2011). dual, da propriedade privada e da herança cen-
tradas na família patriarcal, como célula da socie-
A revolução agropastoril dade. Nessa etapa, a sexualidade foi plenamente
A primeira metanoia da teoria relacionada à procriação. Os papéis do pai e da
arquetípica da história mãe na família foram firmemente estabelecidos.
Por volta de 12 mil anos atrás, começamos a O tabu do incesto, a virgindade feminina antes
plantar e a criar animais, sobretudo equinos, bo- do casamento e a proibição legal do adultério fe-
vinos, ovinos e caprinos. Cães foram domestica- minino tornaram-se politicamente corretos. A or-
dos muito antes. Isso significou a integração da ganização social patriarcal dividiu a sociedade em
posição insular do arquétipo matriarcal na po- classes subordinadas a uma coordenação central,
sição ativa e a ativação do arquétipo patriarcal o que, em seu tempo, formou a ideia do Estado
na posição passiva. (ENGELS, 1884).
Considero a revolução agropastoril a primei- A função organizadora do arquétipo patriarcal
ra metanoia da teoria arquetípica da história, separa-se da posição simbiótica matriarcal insu-
porque trouxe a primeira mudança de dominân- lar (ego-outro) e relaciona as polaridades, sepa-
cia arquetípica na consciência coletiva. Após radas entre si, para formar sistemas. A separação
participarmos da criatividade da natureza por das polaridades e a função de organização são
mais de 140 mil anos, finalmente aprendemos a grandemente reforçadas pelas funções estrutu-
imitá-la, cavando buracos no solo, neles enfian- rantes do poder e da agressividade para manter
do as sementes e produzindo nosso próprio ali- a abstração, a tradição, a ordem e a desigualda-
mento. Após tão longo tempo de busca da nutri- de social. Essa organização patriarcal rígida foi
ção na vida nômade, finalmente integramos essa imensamente produtiva para dirigir a sociedade
capacidade da natureza, controlamos a produ- e para dominar a natureza e as nações, na paz e
ção do nosso próprio sustento e tornamo-nos na guerra. A visão de mundo patriarcal organizou
assentados. Assim fazendo, integramos o arqué- todas as polaridades: a polaridade inferior-supe-
tipo matriarcal na posição ativa, realizamos uma rior, reforçada pelas funções estruturantes da
revolução sociológica, ultrapassamos a maioria agressão e do poder, tornou-se um denominador
das outras espécies e passamos a dominar e a comum a todos os sistemas da consciência.
mudar a vida em nosso planeta. Todas as polaridades sofreram essa elabora-
A energia poupada com o fim do trabalho ção hierárquica e foram integradas na consciên-
exaustivo da atividade nômade foi aplicada no cia, de acordo com a conotação inferior-supe-
segundo grande problema da espécie humana: rior. Todas as forças naturais foram dominadas
a organização social comunitária das nossas e organizadas com a conotação inferior-supe-
tarefas diárias como assentados. Esse desafio rior do poder e do controle (ADLER, 1914). A abs-
extraordinário ativou intensamente o arquétipo tração simbólica e a metaforização produzidas
patriarcal, o arquétipo da organização. Para nós, é pelo arquétipo patriarcal introduziram a cons-
difícil imaginar a grandiosidade dessa metanoia: ciência na dimensão das ideias e das ideologias.
a aquisição da autossuficiência alimentar e a Foi ela que permitiu o aumento considerável dos

40 „ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016


Junguiana
v.34, p.37-48

grupos humanos, formando sociedades em fun- tempo, de realizar tanta carnificina, destruição e
ção de uma identificação com valores e ideias horror, dentro do mal (BYINGTON, 2006).
(HARARI, 2011). Após muitos milhares de anos, durante os
quais a organização patriarcal modelou fronteiras,
As cinco posições arquetípicas sociedades e culturas, a espécie humana con-
(inteligências) da consciência quistou a Terra, reinou sobre ela e transformou a
O arquétipo do herói é o grande auxiliar da fun- maioria das espécies de sua fauna e de sua flora.
ção estruturante do arquétipo central (BYINGTON, Sua forma extrema de dominação foi a guerra e o
2002). Ele age de forma diferente em cada uma genocídio, que mancharam com sangue, matan-
das cinco inteligências arquetípicas do Self. Co- ça, coragem, covardia, vergonha e horror os mais
mo descrevi anteriormente, elas são: a posição gloriosos ideais da história “civilizada”.
unitária indiscriminada (urobórica) ego-outro do A organização patriarcal moldou de tal manei-
arquétipo central, a posição insular binária ego- ra uma visão de mundo sistematicamente hierár-
-outro do arquétipo matriarcal, a posição ternária quica que as sociedades modernas estão profun-
polarizada ego-outro do arquétipo patriarcal, a damente divididas entre ricos e pobres, entre a
posição quaternária dialética ego-outro do arqué- elite econômica, política e militar e a maioria do
tipo da alteridade, que inclui os arquétipos da povo, mesmo nas democracias. As minorias fo-
anima e do animus, e, finalmente, a posição uni- ram estigmatizadas, dominadas e, quando rebe-
tária contemplativa ego-outro do arquétipo da ladas, frequentemente dizimadas. A visão de
totalidade (BYINGTON, 2008). mundo patriarcal separou rigidamente as po-
Reforçando a implantação da posição polari- laridades e estabeleceu uma clara discrimina-
zada do arquétipo patriarcal, o arquétipo do he- ção, favorecendo um polo e desfavorecendo ou-
rói expressou muitos feitos extraordinários na tro, de acordo com a sua capacidade de poder
conquista das forças planetárias naturais, na tra- e agressão. As polaridades homem-mulher e adul-
vessia de oceanos, aventurando-se na descober- to-criança foram fortemente afetadas. O poder
ta dos polos Norte e Sul e escalando as mais físico dos homens e dos adultos estabeleceu cla-
altas montanhas. Seus feitos mais ousados e mes- ramente uma relação de dominação e opressão
mo suicidas aconteceram nos campos de bata- nas sociedades, com a dominação patriarcal, que
lha, combatendo inimigos, conquistando nações varia, mas que foi e ainda é flagrantemente pre-
e morrendo, em nome do dever, para alcançar a sente em todas elas.
glória. A função do arquétipo do herói, reforçan- Apesar da lenta implantação da alteridade nas
do o arquétipo patriarcal na mitologia, sugeriu dimensões econômica, política e social em bus-
erradamente ao mundo acadêmico ser o herói ca do socialismo democrático, o controle patriar-
patriarcal o único padrão possível de expressão cal ainda resiste intensamente à implantação da
do arquétipo do herói (CAMPBELL, 1949). Na rea- liberdade, igualdade, sustentabilidade e amor
lidade, cada posição ego-outro na consciência social propiciado pela posição dialética do ar-
tem uma forma característica do arquétipo do quétipo da alteridade.
herói.
Seguindo Freud, descrevo a formação das de- A implantação do arquétipo da alteridade
fesas, da patologia, da sombra e do mal, fixação Os mitos de Buda e de Cristo
das funções estruturantes normais. É o conceito Após milhares de anos de dominação patriar-
de fixação, de defesa, de complexo e de sombra cal, durante os quais nações e impérios foram
que nos permite compreender como o arquétipo formados, escravizados e destruídos, classes so-
patriarcal foi capaz de criar e de organizar tantos ciais foram firmemente estabelecidas. A rígida
feitos geniais do bem na civilização e, ao mesmo mentalidade de tradição, família e propriedade

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016 „ 41


Junguiana
v.34, p.37-48

– e desigualdade – foi incorporada à consciên- patriarcal gloriosa, estruturada desde o êxodo do


cia coletiva. Egito, da revelação dos Dez Mandamentos e da
Com o tempo, a dominação patriarcal e seu he- longa jornada para a Terra Prometida. A glória
rói fizeram-se extraordinariamente poderosos. militar veio das monarquias brilhantes de Saul,
Sua sombra de derramamento de sangue, de- Davi e Salomão. Em muitas profecias messiâni-
vastação da natureza e das relações sociais tor- cas patriarcais, o messias patriarcal é o retorno
nou-se, a cada século, mais ameaçadora para do próprio Rei Davi (BRIERRE-NARBONNE, 1933).
a sobrevivência da espécie (LOVELOCK, 1979). A Essa forte tradição patriarcal dominou o Siné-
exaustão progressiva das reservas naturais, a drio, o governo da comunidade israelita. Dessa for-
superpopulação, a crescente capacidade destru- ma, a maioria do povo seguiu a tradição patriarcal
tiva dos armamentos, os privilégios da elite e a identificada com a rebelião armada contra Roma.
pobreza da maior parte das sociedades, a polui- Ela ansiava pelo arquétipo do herói messiânico
ção da natureza, as disfunções climáticas, a patriarcal que inclui a conotação gloriosa da morte
corrupção e o crime organizado começaram a sacrificial na batalha.
ameaçar nossa sobrevivência. A grande questão Contudo, um herói messiânico extraordinaria-
revelada na dimensão patriarcal deveu-se, exa- mente diferente também foi ativado no Self cul-
tamente, a seu poder de organização, que havia tural judeu. Ele pertencia à tradição messiânica
assegurado sua bem-sucedida expansão. A so- judaica, mas em vez de solucionar conflitos pela
lução de conflitos pela agressão e, em casos agressão e pelo poder, professava a compaixão
extremos, pela guerra tornou-se a demonstração e a interação pacífica na elaboração do conflito.
clara da natureza da dominância patriarcal. Era Ele pregava a relação afetuosa e compassiva para
óbvio que o poder destrutivo crescente, adquiri- enfrentar a discordância e a substituição do po-
do por nações rivais, inviabilizaria um dia a ex- der pelo amor, para evitar a repressão (BRIERRE-
pressão criativa dos conflitos mundiais. NARBONNE, 1933).
Uma colisão emblemática ocorreu no começo Essa posição da relação ego-outro para ela-
de nossa era, quando o gigantesco Império Ro- borar o conflito humano pertence claramente a
mano ocupou o Oriente Médio e escravizou Is- um arquétipo diferente daquele da posição po-
rael. Ambas as culturas expressavam formas de larizada da organização ego-outro do arquétipo
desenvolvimento patriarcal organizado extrema- patriarcal. Chamei-o arquétipo da alteridade por-
mente diferentes entre si. Roma havia subjugado que alter significa “o outro” em latim e tem uma
uma grande parte do mundo pelo poder militar. raiz comum com as línguas latinas.
Israel havia acumulado uma das mais antigas tra- O arquétipo da alteridade se expressa pelo
dições de feitos militares, de cultura diferenciada ego-outro na posição dialética quaternária. Ele é
e refinamento espiritual, todos registrados no An- fundamentalmente diferente, mas reúne tanto a
tigo Testamento, baseados na união com Deus e posição insular binária ego-outro do arquétipo
incompatíveis com a opressão por outra cultura. matriarcal, coordenado pela sensualidade e pelo
O confronto armado e a iminência do geno- desejo, como a posição ternária polarizada do
cídio dos israelitas criaram uma tensão extraor- arquétipo patriarcal, coordenado pela hierarquia,
dinária no Self cultural de Israel, o qual ativou baseada no poder e na dominação. Entretanto,
com muita intensidade dois arquétipos e duas a fim de operar plenamente dessa forma com-
representações heroicas do mito do Messias, plexa e profunda, a inteligência da alteridade
ambas tradicionais na cultura judaica (BRIERRE- necessita abranger a capacidade estruturante dos
NARBONNE, 1933). arquétipos matriarcal e patriarcal e de todas as
O arquétipo patriarcal messiânico no misti- demais polaridades. A posição ego-outro do ar-
cismo judeu foi ativado com base na tradição quétipo da alteridade é quaternária porque é

42 „ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016


Junguiana
v.34, p.37-48

coordenada pela compaixão e pela igualdade das ocidental, trouxe brilhantemente o arquétipo da
diferenças, tanto do ego como do outro. O ego transformação, com o seu tema de morte e res-
tem o direito de discordar do outro e também de surreição, para abordar a ultrapassagem da
apontar a sombra dele. Da mesma maneira, o ou- dominância patriarcal. No entanto, com isso, ele
tro pode discordar do ego e também apontar a se desviou do caminho mitológico histórico real
sua sombra. O arquétipo da alteridade abrange da cultura ocidental. Embora Neumann tenha
os arquétipos da anima e do animus descritos sido, como de costume, brilhantemente criativo,
por Jung como os arquétipos condutores (psico- ele se perdeu ao sugerir que o mito egípcio de
pompos), aqueles que coordenam o desenvolvi- Osíris expressa a implantação do arquétipo da
mento no processo de individuação para trans- alteridade na formação mitológica da consciên-
cender a dominação patriarcal do Self individual cia ocidental. O mito dessa transformação é o
e do Self cultural. Isso o torna o arquétipo da se- mito de Cristo. É óbvio que o Novo Testamento é
gunda metanoia da teoria arquetípica da história. o caminho mitológico que continua e transcen-
Continuando o caminho de Erich Neumann na de o Antigo Testamento.
descrição da formação arquetípica da consciên- O mito de Cristo e o de Buda mostraram o
cia (NEUMANN, 1949), vemos que ele descreveu desenvolvimento histórico da consciência no
a coordenação da consciência coletiva pelo ar- Ocidente e no Oriente para transcender a domi-
quétipo matriarcal, seguido pelo arquétipo pa- nação patriarcal.
triarcal e os sucedeu pelo que ele chamou de O mito de Buda expressou a implantação cul-
mito da transformação, ilustrado pelo mito egíp- tural da posição dialética ego-outro do arquéti-
cio de Osíris. Embora Neumann tenha sido mui- po da alteridade na Índia e no Oriente, por inter-
to criativo, trazendo o mito de Osíris para ultra- médio das funções de compaixão e desapego do
passar o mito patriarcal, por meio do tema da desejo, 500 anos antes do mito de Cristo.
morte e do renascimento, ele se desviou da se- A implantação do arquétipo da alteridade pelo
quência mitológica na cultura ocidental. Assim, mito de Buda não foi tão trágica nem tão brutal
apesar de ter se mantido na perspectiva arque- quanto aquela trazida pelo mito heroico do cris-
típica para descrever a transformação cultural tianismo, que precisou crucificar o herói para sua
pós-patriarcal, Neumann ignorou o papel central implantação. A explicação pode estar no fato de
do mito cristão na cultura ocidental e, dessa a Índia apresentar uma aceitação da exuberância
maneira, perdeu o sentido da história real. do arquétipo matriarcal muito maior que a cultura
O mito que coordenou predominantemente ocidental e de o Buda ter sido o nono avatar de
a implantação do arquétipo patriarcal na cultura Vishnu. O oitavo avatar, vivido no mito de Krishna,
ocidental foi ilustrado, de forma exuberante, pelo já havia desenvolvido a relação dos opostos (ego-
Antigo Testamento. Sua transformação com a -outro) num alto grau dialético, principalmente o
implantação do arquétipo da alteridade foi ilus- masculino e o feminino, no casamento de Krishna
trada pelo Novo Testamento e pelo mito de Cris- com a pastora Rahda. Sua relação amorosa igua-
to. Escolhendo o mito de Osíris para expressar litária vai muito além da limitação da relação de
essa transformação, Neumann não seguiu a co- opostos (ego-outro) na posição patriarcal tradi-
nexão histórica factual entre mito e cultura. cional polarizada e hierarquizada. Desse modo,
Embora os mitos expressem arquétipos, que, a Índia já havia preparado grandemente a revela-
como sabemos, são universais, mitos têm uma ção do relacionamento dialético dos opostos pela
sequência histórica e não podem ser interpreta- compaixão do mito messiânico de Buda. Outro
dos fora dela, como fez Neumann. Quando ele fator importante é que a exuberância do arquéti-
escolheu o mito de Osíris para expressar a trans- po matriarcal na mitologia hindu é muito menos
formação da dominância patriarcal na cultura reprimida do que no Velho Testamento.

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016 „ 43


Junguiana
v.34, p.37-48

A primeira era arquetípica, na teoria arque- foi a Jerusalém em 310 d.C. e converteu-se ao cris-
típica da história, durou 140 mil anos e terminou tianismo. Voltando a Roma, influenciou a conver-
na revolução agropastoril. Daí em diante, desen- são de seu filho. Diz a lenda que, em 312 d.C., na
volveu-se a segunda era arquetípica, com a do- véspera da batalha da Ponte Mílvia, entre Cons-
minação patriarcal que concebi como a primeira tantino e seu irmão Magêncio, pela liderança do
metanoia na teoria arquetípica da história. império, Constantino teve um sonho e viu no céu
O conceito de metanoia cultural segue a con- uma cruz de fogo rodeada pelas palavras “com
cepção junguiana de metanoia, empregada para este sinal vencerás” (in hoc signo vincet). Após
descrever a crise arquetípica individual do meio esse sonho, Constantino ordenou que se pin-
da vida, no processo de individuação. Eu o uso tasse uma cruz no escudo de seus soldados.
aqui, também, na transformação cultural porque Tendo derrotado seu irmão e unificado o impé-
considero a metanoia como a mudança da domi- rio, Constantino, o Grande prosseguiu na aceita-
nância arquetípica no processo de desenvolvimen- ção da fé cristã e, no Edito de Milão, em 313 d.C.,
to da consciência, tanto individual como coletiva. interrompeu a perseguição aos cristãos. Daí em
A ativação mitológica do arquétipo da alte- diante, a cristandade cresceu enormemente, tor-
ridade expresso no mito de Buda e no de Cristo nando o cristianismo a religião oficial do impé-
foi intensificada, respectivamente, há 2.500 e há rio sob o imperador Teodósio, em 350 d.C. Aqui-
2 mil anos. Sua integração na consciência coleti- lo que havia sido perdido para o poder patriarcal
va está no início da segunda metanoia. Essa inte- na crucificação foi recuperado pelo milagre da fé
gração é vista no exercício da posição ego-outro da alteridade, na Ressurreição. Esse milagre ex-
no padrão de alteridade dialética democrática, pressa a função arquetípica transcendente do
que oscila regressivamente com a dominância Self (JUNG, 1916).
patriarcal polarizada e com a posição matriarcal O fato de a Igreja ter como modelo a tradição
sensual. imperial romana influenciou, decisivamente, na
A primeira metanoia foi muito distinta da se- patriarcalização defensiva do cristianismo. Eu a
gunda, em função dos efeitos concretos decisi- considero defensiva porque a essência da alte-
vos da revolução agropastoril. ridade dialética da mensagem cristã foi fixada,
A segunda metanoia ainda está se iniciando, deformada e dominada regressivamente em
em função da dificuldade do arquétipo da alteri- muitas dimensões pela posição patriarcal pola-
dade de incluir e ultrapassar os padrões matriar- rizada. Pessoas foram presas, torturadas e mor-
cal e patriarcal. A dificuldade está, acima de tudo, tas durante muitos séculos em nome do Cristo
em desprender-se da visão de mundo mágico-mí- (BYINGTON, 1991).
tica amplamente presente no padrão matriarcal e Os perseguidos cristãos tornaram-se perse-
de transcender o apego ao controle patriarcal. guidores de hereges cristãos. A palavra grega
O conflito Israel-Roma, em seu confronto hairesis vem do verbo hairein, que significa es-
mais intenso, incluiu a crucificação de Jesus, colher, referindo-se àqueles que discordam dos
herói da alteridade. O conflito terminou 37 anos padrões doutrinários. Embora as perseguições
depois com o previsível massacre genocida do tenham sido institucionalizadas somente na
heroísmo patriarcal messiânico israelita, segui- Inquisição, em 1231, pelo papa Gregório IX, e o
do pela segunda destruição do templo de Sa- direito de se usar a tortura para a obtenção de
lomão e a Diáspora (dispersão) do povo judeu confissões tenha sido estabelecido em 1252, sob
(70 d.C.). o papa Inocêncio IV (THE NEW ENCYCLOPAEDIA
Dentro da temática arquetípica da Ressurrei- BRITANNICA, 1993), sinagogas foram queimadas
ção do Messias heroico da alteridade, Helena, em Israel em 350 d.C. e o bispo espanhol Prisci-
mãe do imperador Constantino (272-337 d.C.), liano foi condenado como herege e queimado

44 „ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016


Junguiana
v.34, p.37-48

ainda em 385 d.C. (THE NEW ENCYCLOPAEDIA com a extroversão. Os monastérios tornaram-se
BRITANNICA, 1993). É muito significativo que a universidades. O método experimental e a rela-
última decapitação de uma mulher por bruxaria ção com o erro seguiram o padrão dialético que
tenha ocorrido em Glarus, na Suíça, em 18 de havia sido vivido e praticado na confissão duran-
junho de 1782 (ZILBOORG, 1941). Isto faz com te a elaboração do pecado. Muitos começaram a
que o homicídio orientado pela Inquisição, den- elaborar o pecado como um evento psicológico
tro da Igreja, em nome de Cristo, tenha durado traumático (fixação, de Freud), que poderia ser
1.432 anos. curado pela confissão e pelo arrependimento
Apesar da Santa Missa, com a paixão de Je- (por meio do trabalho psicológico). O exame de
sus, ser celebrada integralmente na Igreja Cató- consciência da vida monástica treinou a mente
lica até os dias atuais, a Inquisição e o Santo para reconhecer a sombra como pecado e erro
Ofício ilustram a patriarcalização defensiva do e elaborar suas fixações, como condição para
mito cristão atuada durante muitos séculos. redenção. Simultaneamente, os monges mais ex-
Após a função da Ressurreição expressa no perientes, que atuavam como guias espirituais,
mito, o arquétipo da alteridade continuou a in- admitiam que eles também eram sujeitos à
tegrar-se à consciência coletiva na Igreja dividi- tentação e ao pecado que os separavam do Cris-
da. Apesar do aspecto patriarcalizado defensivo to (SÃO JOÃO DA CRUZ, 1578/79). Desse modo,
que coordenou as alianças políticas da Igreja, as a função ética passou a ser vivida na estruturação
ações militares das Cruzadas e a repressão ge- da consciência pela posição dialética quaternária
nocida dos albigensis e cataris, a vida interior do arquétipo da alteridade, o que, séculos de-
nos monastérios buscava profundamente com- pois, tornou-se um padrão para a elaboração dos
preender o significado do sofrimento de Jesus, erros da ciência e das fixações, dentro do méto-
a dor de Seus ferimentos e a razão pela qual Ele do científico e da transferência na psicoterapia
se deixou prender, torturar e crucificar. dinâmica (BYINGTON, 1983).
Após cinco décadas de elaboração, cheguei à O conflito entre a patriarcalização defensiva
conclusão de que a explicação foi de que Jesus do mito e a posição quaternária dialética do ar-
se deixou crucificar para denunciar, repudiar e quétipo da alteridade, que expressa o mito na
transcender a crueldade da repressão patriarcal. sua integridade, passou a ser vivido na interpre-
Penso que Seu sacrifício não deva ser compara- tação cotidiana da relação entre a Terra e o sol. O
do ao oferecimento em holocausto de Isaac, por conflito ocorreu inicialmente no estudo dos céus,
Abraão. Ao contrário, pois enquanto Abraão es- exatamente onde as projeções de Deus estavam
tava em total acordo e submissão ao Deus pa- fortemente centralizadas.
triarcal no holocausto de Isaac, Jesus, por meio Em 1543, Nicolau Copérnico (1473-1543) des-
de Seu sacrifício, denunciou e separou-se do creveu uma nova relação entre a Terra e o sol,
Deus patriarcal e da repressão do Velho Testa- contrária à da tradição milenar adotada como
mento para transformá-lo na Trindade com o Seu verdade pela Igreja. Discordando da astronomia
sacrifício, Sua morte e Sua Ressurreição. tradicional, que confirmava as aparências e as
Na Trindade, o Filho sacrificou-se para salvar e Escrituras, Copérnico descreveu a Terra girando
para transformar o Pai, mas não para substituí-lo em torno de si e do sol. Ele contradisse a Igreja,
com o parricídio, conforme costume na tradição pa- com o heliocentrismo, o que era uma heresia. E,
triarcal, mas pela compaixão, para separar-se e reu- mais grave e mais importante que isso, ele ba-
nir-se com Ele dentro da relação dialética qua- seou sua formulação da verdade no método da
ternária e igualitária do arquétipo da alteridade. observação da natureza, o que incluía, necessa-
No segundo milênio da nossa era, a implan- riamente, a modificação permanente e a corre-
tação cultural do mito cristão teve continuidade ção das posições do ego e do outro durante a

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016 „ 45


Junguiana
v.34, p.37-48

busca da verdade (elaboração). Isso significou razão. Muito pelo contrário! O conflito foi uma
que a busca pela verdade deveria admitir e corri- batalha mitológica dentro da fé, entre a essên-
gir o erro (pecado), tanto em relação ao ego como cia do mito cristão, que era a posição dialética
ao outro. Esse procedimento era completamen- da alteridade, e sua patriarcalização defensiva,
te diferente da prática esotérica do conhecimen- expressa pelo direito canônico criado pelo Santo
to, orientada pela mentalidade mágico-mítica da Ofício na Inquisição.
posição insular matriarcal desde tempos ime- A integração cultural do arquétipo da alte-
moriais. A principal mudança foi inovar o méto- ridade, entretanto, ainda não foi devidamente
do tradicional de busca da verdade, baseado na associada com o mito cristão. Minha concepção
revelação esotérica e na aparência, para a obser- é que a ciência foi a maior de todas as heresias
vação direta da relação das forças dentro dos e a mais profunda expressão do arquétipo da al-
fenômenos. teridade. A ciência separou-se da Igreja porque
O método de Copérnico coincidiu com o mé- continuou a expressar a essência do mito, en-
todo dialético, praticado por séculos nos mo- quanto a Igreja o patriarcalizou e o deformou.
nastérios: o exame de consciência para identifi- A tragédia cultural da separação entre a ciên-
car o pecado e resgatar, por meio da confissão e cia e a Igreja (1789) foi o Self cultural ocidental
do arrependimento, aqueles símbolos que se- ter sofrido uma dissociação patológica entre as
paravam os cristãos de Cristo. Tanto os mon- dimensões subjetiva e objetiva. A ciência igua-
ges introspectivos como os cientistas extrover- lou a verdade à dimensão objetiva e desprezou
tidos estavam se relacionando com o pecado e a dimensão subjetiva como erro, irracionalidade,
com o erro, dentro do padrão dialético quaternário superstição e mesmo charlatanismo. Dessa for-
do arquétipo da alteridade. Os monges estavam ma, a ciência criou a dissociação defensiva ma-
protegidos pela introversão secreta dos monas- terialista e expulsou a dimensão subjetiva da
térios; os cientistas, não, porque publicavam universidade. Tragicamente para o humanismo,
suas ideias abertamente, para a consciência cole- junto à dimensão subjetiva, outras funções es-
tiva. Copérnico estava perfeitamente consciente truturantes foram separadas da perspectiva cien-
do risco que corria com sua heresia. Ele esperou tífica, como a ética humanista, o sentimento, a
por seu leito de morte, em 1543, para publicar intuição, a esperança, a mediunidade e a fé. Com
sua última versão de Da revolução das esferas a globalização, a dissociação materialista, o po-
celestes, na qual descrevia o sistema heliocên- sitivismo e o materialismo dialético foram disse-
trico. O método de Copérnico não era apenas minados para o resto do planeta em conjunto com
“uma” heresia. Era a “maior de todas as here- a perspectiva científica deformada e dissociada.
sias”. Era tão grande que derrotou a interpreta- A dissociação materialista desenvolveu a di-
ção geocêntrica canônica dos céus. Assim fazen- mensão objetiva de maneira extraordinária e criou
do, invalidou cientificamente o direito da religião a fissão atômica, com sua capacidade genocida.
de estabelecer a verdade da realidade e abriu ca- Infelizmente, porém, o desenvolvimento da di-
minho para a separação entre a religião e o Esta- mensão subjetiva dentro do humanismo cientí-
do em muitas nações modernas. fico ficou muito atrás da dimensão objetiva e não
A Igreja continuou a combater e a perseguir conseguiu impedir o genocídio de Hiroshima e
os cientistas até ser finalmente derrotada na Re- Nagasaki.
volução Francesa (1789 d.C.). A batalha entre a A Organização das Nações Unidas realiza o
heresia científica e a Igreja durou 246 anos. In- trabalho valioso de reunir o objetivo e o subjeti-
felizmente, até hoje, a maior parte dos historia- vo para proteger os direitos humanos, apesar de
dores da ciência e da religião vê o conflito entre permanentemente desafiada por resistências
ciência e religião como um conflito entre fé e superlativas.

46 „ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016


Junguiana
v.34, p.37-48

No século XIX, houve muito progresso na cu- social, econômica e política da modernidade.
ra da ferida subjetivo-objetivo, presente na A implantação progressiva do arquétipo da
dissociação entre o Self cultural e o Self plane- alteridade está contribuindo para o desenvolvi-
tário. O estudo da dimensão subjetiva, nas di- mento da consciência, tema central da psicolo-
mensões psicológicas normal e patológica, foi gia simbólica junguiana. Enfatizo a formação da
de grande valia. Em todas as disciplinas (como nova identidade do homem, da mulher, do mas-
medicina, sociologia, antropologia, arqueologia, culino, do feminino, do pai, da mãe, da criança,
economia, educação e política), encontramos a do adulto, do casamento, da sociedade e das
disputa pelo controle entre a posição patriarcal, suas fixações e formação de defesa e de som-
geralmente fixada e defensiva, e a posição dia- bra, de modo a compreender e a possibilitar a
lética quaternária do arquétipo da alteridade, implantação criativa da posição dialética e qua-
frequentemente também fixada e defensiva ternária do arquétipo da alteridade, aqui vista
(BYINGTON, 2004). A posição patriarcal polariza- como o caminho simbólico que afasta a huma-
da é frequentemente defensiva quando disfar- nidade da miséria e da destrutividade individual
çada em relação dialética quaternária de alteri- e coletiva, em direção ao amor, à liberdade, ao
dade, para parecer democrática. Geralmente, a bem-estar social, à sustentabilidade, à igualda-
alteridade dialética apresenta-se defensiva na eco- de, à compaixão e à autorrealização. „
nomia, no sindicalismo defensivo, na demagogia
e no populismo que formam a maior deformação Recebido em: 9/3/2016 Revisão: 29/7/2016

Abstract

The archetypal theory of history and the crucifixion of Jesus


The archetypal theory of history (BYINGTON, 2.500 years ago and by the myth of Christ, 2.000
1983) follows the work of Bachofen and of Neu- years ago, this theory describes the beginning
mann with the modification of the concept of the of the mythological civilizing implementation of
matriarchal archetype as the archetype of sensuali- the alterity (otherness) archetype, whose messia-
ty and of the patriarchal archetype as the archetype nic hero preache for the elaboration of human
of organization, both present in the psyche of man conflicts through the dialectic of compassion.
and woman and in the cultural Self (BYINGTON, 2013). Finally, the article elaborates the difficulty of
This theory describes matriarchal dominance the transcendence of patriarchal dominance in
during the nomad life 140 thousand years of pre- the implementation of the archetype of alterity.
history (WATSON, 2003) followed by patriarchal In conclusion, the author tries to explain the rea-
dominance begun more than 12 thousand years son Jesus did not avoid his crucifixion to implant
ago, after the agropastoral revolution, when we the heroic mission of transforming the patriar-
became settled societies. chal God of the Old Testament into the Trinity of
Next, marked by the myth of Budha, about the New Testament. „

Keywords: nomadism, matriarchal archetype, settler’s societies, patriarchal archetype, metanoia, alterity
(otherness) archetype, anima and animus archetypes, crucifixion.

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016 „ 47


Junguiana
v.34, p.37-48

Referências bibliográficas
ADLER, A. (1914). Individual psychology. New Jersey: Rowman CAMPBELL, J. (1949). O herói de mil faces. São Paulo: Cultrix-
and Allanheld, 1973. Pensamento, 1995.

BACHOFEN, J. J. (1861). Mother right. In: Myth, religion and COPÉRNICO, N. De revolutionibus orbium coelestium (Da re-
mother right. Selected writings of J. J. Bachofen. New York: volução de esferas celestes), 1543.
Princeton University Press, 1967.
ENGELS, F. (1884). A origem da família, da propriedade privada e
BRIERRE-NARBONNE, J.-J. Les prophéties messianiques de do Estado. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1977.
l’Ancien Testament dans la littérature juive. Paris: Librairie
HARARI, Y. N. (2011). Sapiens. Uma breve história da humani-
Orientaliste Paul Geuthner, 1933.
dade. Porto Alegre: L&PM Editores, 2015.
BYINGTON, C. A. B. Uma teoria simbólica da história. O mito
JUNG, C. G. (1916). A função transcendente. Petrópolis: Vozes,
cristão como principal símbolo estruturante do padrão de
1983. (Obras completas, v. 8, p. 131-193).
alteridade na cultura ocidental. Junguiana, Revista da Socie-
dade Brasileira de Psicologia Analítica. Petrópolis, n.1, LEVY-BRÜHL, L. L’ experience mystique et les symboles chez les
p. 120-177, 1983. primitifs. Paris: Librairie Félix Alcans, 1936.

BYINGTON, C. A. B. Prefácio in: Martelo das feiticeiras. Rio de LOVELOCK, J. E. (1979). Gaia: a new look at life on Earth. Oxford:
Janeiro: Rosa dos Tempos, 1991. Oxford University Press, 2000.

BYINGTON, C. A. B. Inveja criativa – o resgate de uma força NEUMANN, E. (1955). A criança. São Paulo: Cultrix, 1991.
transformadora da civilização. São Paulo: W11 Editores, 2002.
NEUMANN, E. (1949). História e origem da consciência. São Pau-
BYINGTON, C. A. B. A construção amorosa do saber – funda- lo: Cultrix, 1995.
mento e finalidade da pedagogia simbólica junguiana. São
Paulo: W11 Editores, 2004. SANTOS, J. E. (1976). Os Nagô e a morte. Petrópolis: Vozes, 1977.

BYINGTON, C. A. B. Psicopatologia simbólica junguiana, In: SÃO JOÃO DA CRUZ & MOORE, T. (1578/1579). A noite escura
LAUREIRO, Mario E. Saiz (org.) Psicopatología psicodinámica da alma. São Paulo: Planeta, 2007.
simbólico-arquetípica. Montevideo: Prensa Médica, 2006,
THE NEW ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA, Chicago: Ency. Brit.
p. 15-46.
Inc, 1974.
BYINGTON, C. A. B. Psicologia simbólica junguiana. A viagem
VERGER, P. F. Orixás. Salvador: Corrupio, 1981.
de humanização do cosmos em busca da iluminação. São
Paulo: Linear B, 2008. WATSON, J. D.; BERRY, A. (2003). DNA – o segredo da vida. São
Paulo: Companhia das Letras, 2005.
BYINGTON, C. A. B. A viagem do ser em busca da eternidade e
do infinito. As sete etapas arquetípicas da vida pela psicologia ZILBOORG, G.; HENRY, G. W. A history of medical psychology.
simbólica junguiana. São Paulo: Editora do Autor, 2013. New York: Ed. W. W. Norton & Co., 1941.

48 „ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016


Junguiana
Resenha v.34, p.49-51

A psique japonesa – grandes temas dos contos de fadas japoneses


KAWAI, Hayao. São Paulo: Paulus, 2007. 278 p.

Ludmila da Silva Pires* seus trabalhos mais conheci- importância da figura feminina
dos, A psique japonesa – gran- presente no universo da psique
des temas dos contos de fadas japonesa – que compreende
Resumo japoneses, propõe-se a exami- uma variedade de personagens,
O presente artigo propõe-se nar a alma japonesa por meio como a deusa-sol Amaterasu, a
a analisar criticamente o livro A da interpretação dos contos de rainha Pimiko, até as poderosas
psique japonesa – grandes te- fadas nipônicos, além de reali- mulheres xamãs dos templos xin-
mas dos contos de fadas japo- zar comparações com suas toístas (KAWAI, 2007, p. 11-12).
neses, escrito pelo psicólogo contrapartes ocidentais. A obra Na introdução, Kawai apre-
analítico japonês Hayao Kawai. apresenta, ao longo de seus senta sua justificativa para a
Após uma contextualização do nove capítulos, os esforços de escolha dos contos em seu li-
autor e de sua obra, que obje- Kawai em transformar a psico- vro. Seu enfoque se dá na força
tivou transformar a psicologia logia analítica em um corpo de das figuras folclóricas femininas
analítica em um corpo de pen- pensamento e práxis que pu- e como essas podem ser con-
samento e práxis que pudesse desse se apropriar da mente ja- sideradas enquanto represen-
se apropriar da mente japonesa, ponesa, isto é, que se baseas- tantes do ego japonês. Para
realiza-se um breve exame críti- se na estrutura da psique ori- embasar suas comparações e o
co da obra do psicólogo japonês ental e não apenas em uma desenvolvimento de seu pensa-
e de sua formulação teórica. „ simples transposição de pres- mento, o autor faz referência
supostos e práticas ocidentais aos trabalhos de James Hillman
Palavras-chave: psicologia analítica, para o Japão. e sua psicologia arquetípica e à
contos de fadas japoneses, Hayao A proposta geral do autor é teoria de desenvolvimento do
Kawai, cultura japonesa. fornecer uma compreensão entre ego de Erich Neumann. Porém,
os japoneses e os “povos do ele vai além ao destacar as pe-
Ocidente”, tanto em suas se- culiaridades das histórias japo-
Enquanto primeiro psicólo- melhanças como em suas pro- nesas, gerando uma rica com-
go junguiano do Japão, Hayao priedades distintivas. Enten- preensão acerca da cultura e da
Kawai (  , 1928-2007) dendo o folclore e a mitologia personalidade nipônicas. Pro-
influenciou consideravelmente enquanto fontes de compreen- põe um ponto de vista “desen-
o campo da psicologia clínica são das profundezas da men- volvimental” do ego que seja
e dos estudos culturais e reli- te humana, Kawai faz uso dos apropriado à psique japonesa.
giosos japoneses. Ele introdu-  ( mukashi banashi ), os O primeiro capítulo, intitu-
ziu o conceito do jogo de areia “contos de antigamente”, que lado “O tema do quarto proi-
(sandplay) à psicologia japone- compõem o folclore nipônico, bido”, dedica-se ao estudo de
sa, além de participar do Círcu- frutos do imaginário japonês. um conto popular conhecido
lo de Eranos, em 1982. Um de Posteriormente, ele sublinha a como “A casa do rouxinol”

* Graduada em psicologia pela Faculdade de Estudos Administrativos de Minas Gerais (2014). Atua profissionalmente nas áreas de políticas
públicas, desenvolvimento de projetos no terceiro setor e código de ética do psicólogo. Atualmente, ministra cursos de práticas corporais
orientais e é coordenadora de projetos na ONG Espaço Mãos Dadas.
Email: <pires.ludmila1@gmail.com>.

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016 „ 49


Junguiana
v.34, p.49-51

(ウグイスの , Uguisu No Sato ), pode-se notar uma distinção madrasta aparece nos contos
uma narrativa que transita visi- cultural levantada por Kawai e de fadas para enfatizar os as-
velmente entre os espaços co- que também foi abordada por pectos negativos da maternida-
tidiano (consciência) e não co- filósofos, psicólogos e outros de,  (Yama-Uba ) – figura
tidiano (inconsciente). Os pon- autores estudiosos do pensa- do folclore japonês e uma es-
tos principais abordados por mento oriental. Para o filósofo pécie de mulher devoradora –
Kawai, em relação ao conto, são Nishida Kitaro, por exemplo, a surge nesse capítulo como uma
a transgressão de uma proibi- distinção cultural entre Oriente representação do aspecto devo-
ção que não é punida e o nada e Ocidente é baseada na ideia rador da grande mãe, de onde
primordial, um conceito comum de que o fundamento da reali- tudo nasce e para onde tudo
nas narrativas orientais. O au- dade, para o Ocidente, é o ser, retorna. Os capítulos subse-
tor também introduz dois ele- ou seja, a forma. Enquanto que, quentes de A psique japonesa
mentos fundamentais para a para o Oriente, é o nada, o sem apresentam uma série de figu-
compreensão das histórias ni- forma (KITARO apud HESIG, ras femininas oriundas do ima-
pônicas: み (urami ), que re- 2013, p. 101). Isso remete à con- ginário japonês, tais como: es-
presenta o ressentimento, e れ cepção das formas de pensa- posas não humanas, mulheres
( あわれ, aware ), uma espécie mento oriental e ocidental, que persistentes, insistentes ou de-
de leve tristeza sem esperança, foram identificadas por Jung, em terminadas, dentre outras.
uma ideia de pathos dos con- termos de características psico- As histórias escolhidas pelo
tos de fadas japoneses. Sendo lógicas e atitudes psíquicas, autor têm o intuito de demons-
assim, ele revela que o “nada e como formas completamente trar a extrema força de atração
a tristeza” fazem parte da cor- distintas. De modo geral, o ho- que o inconsciente exerce na
rente principal da cultura japo- mem ocidental é extrovertido, mente japonesa. Desse modo,
nesa (KAWAI, 2007, p. 39-44). ou seja, é aquele que se orien- ele sugere que os olhos pelos
O conto elencado pelo autor ta a partir do mundo externo, quais os japoneses enxergam o
permite aclarar o que se com- das condições objetivas. Por mundo e a realidade estão lo-
preende como o nada primor- outro lado, o pensamento do calizados no inconsciente e não
dial, ou o nada absoluto, uma tipo introvertido, predominan- na superfície da consciência. É
instância comumente presente te no Oriente, seria aquele que o que se chama de ter os “olhos
tanto nos escritos zen-budistas se norteia para fatores subjeti- semicerrados” (KAWAI, 2007,
como nas obras de filosofia da vos (JUNG, 2011, p. 17-18). Para p. 187-191).
Escola de Kyoto. Segundo Kawai, Jung, “O homem ocidental pro- Ao longo da obra, o autor
a presença do nada ou do vazio cura sempre a exaltação e o ori- destaca que uma das caracte-
não é sinônimo de que não ental, a imersão ou o aprofun- rísticas do povo japonês é a
aconteceu nada em uma histó- damento” (JUNG, 2011, p. 113). ausência de uma distinção cla-
ria, mas que simplesmente “o É essa diferenciação que sus- ra entre os mundos interno e
nada aconteceu” (KAWAI, 2007, tenta o trabalho de Kawai, per- externo, ou seja, entre os cam-
p. 41-42). Portanto, o nada não mitindo que o autor prossiga pos consciente e inconsciente.
representa a negatividade, mas em sua construção de uma ima- Essa característica, segundo
algo que está para além do posi- gem do ego nipônico. Kawai, pode ser representada
tivo e negativo, para além das No segundo capítulo, intitu- pelas figuras do  (fusuma ) ou
palavras e que expressa em si lado “A mulher que não come  (shouji ), respectivamente
uma potencialidade. nada”, Kawai discorre acerca a “janela corrediça” e a fina
No primeiro capítulo de A do lado negativo da mulher e “porta de papel”, símbolos pre-
psique japonesa, em particular, da maternidade. Assim como a sentes no cotidiano e na cultura

50 „ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016


Junguiana
v.34, p.49-51

oriental que, metaforicamente, contradições internas, tratando- The Japanese psyche –


apontam para uma maior per- -se de um ego multifacetado, di-
meabilidade entre consciente e verso e que pode incluir a tota-
major motifs in the fairy
inconsciente. lidade (KAWAI, 2007, p. 238). tales of Japan
Torna-se nítido que Kawai, no Tal como Jung e seus segui-
decurso de sua obra, esboça dores assinalaram, o folclore e Abstract
detalhes a fim de criar um perfil a mitologia são uma fonte rica This article is a review of the
de ego que não somente se des- de compreensão da mente hu- book The Japanese Psyche –
taca do modelo ocidental, mas mana, dos seus símbolos e Major Motifs in the Fairy Tales
que também ressalta determina- de suas nuances (HENDERSON of Japan, written by Hayao Ka-
das características culturais típi- apud JUNG, 2008, p.137). Assim, wai. After a brief contextual-
cas do povo japonês. Para sus- desenvolveu-se um método de ization about the author and his
tentar sua teoria, ele lança mão análise desse material folclóri- work, which aimed to transform
de numerosas comparações e co e mítico que revela, pouco a analytical psychology in a body
metáforas, para além da realiza- pouco, os elementos e a dinâ- of thought and practice that
da entre os contos populares mica da psique. Kawai, ao utili- could grasp the Japanese mind,
ocidentais e orientais. É digno de zar esse método, inova ao tra- there is a critical analysis of the
nota que o autor introduz um zer um olhar específico para o Kawai’s work and his theoreti-
novo ponto de vista acerca da folclore japonês e sua diversi- cal formulation. „
consciência e do ego orientais, dade cultural, além de realçar
embora pareça deixar de lado a força da figura feminina en- Keywords: analytical psychology,
conceitos importantes da psico- quanto protagonista no pro- Japanese fairy tales, Hayao Kawai,
logia junguiana, tal como a figu- cesso de desenvolvimento do Japanese culture.
ra feminina interior do ego mas- ego. Cabe considerar que as di-
culino: a anima. versas figuras femininas incluí-
É especificamente no nono das nos capítulos do livro de Referências bibliográficas
capítulo, “As mulheres determi- Kawai não compõem estágios HENDERSON, J. L. Os mitos antigos e
nadas”, que Kawai sistematiza sequenciais de desenvolvimen- o homem moderno. In: JUNG, C. G. O
o que é sua figura feminina do to do ego, mas aparecem, su- homem e seus símbolos.. Rio de Janeiro:
ego, que ele vem a nominar de postamente, como camadas múl- Nova Fronteira, 2008. p. 137.
“mulher determinada”. Essa fi- tiplas de uma totalidade.
gura feminina, que possui mar- Em suma, o livro é um convi- HEISIG, J. W. Filósofos de la nada: un
cantes características de passi- te para que o leitor se aprofunde ensayo sobre la Escuela de Kyoto. Bar-
vidade e força para enfrentar as nas histórias japonesas e na ri- celona: Herder Editorial, 2013. p. 410.
dificuldades, seria quem melhor queza cultural do Oriente, pela
traduz o ego japonês, estando ótica da psicologia analítica. É JUNG, C. G. Psicologia e religião oriental.
mais conectada com o modo de uma obra abrangente que, com Petrópolis: Vozes, 2011. p. 165.
vida geral dos homens e mulhe- uma abordagem irreverente e
KAWAI, H. A psique japonesa – grandes
res no Japão (KAWAI, 2007, p. provocativa, instiga o leitor a
temas dos contos de fadas japoneses.
173). Trata-se de uma consciên- imergir na complexidade do pen-
São Paulo: Paulus, 2007. p. 278.
cia que busca a totalidade, que samento japonês. Ademais, A
procura aceitar de volta o que psique japonesa é o retrato e
foi cortado ou excluído. Portan- componente histórico de um dos
to, ela aceita o que vier, até primeiros passos da psicologia
mesmo a imperfeição ou as junguiana em solo japonês. „

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016 „ 51


52 „ Revista Junguiana, 2016
Junguiana
v.34, p.53

Editorial

Published since 1983, Revista Junguiana has undergone


several changes throughout its history. These phases reflect
the maturing of its project and the very growth of SBPA. The
change in course, beyond institutional matters, expressed the
need for Junguiana to migrate from the physical to the virtual
world in order to continue exercising its calling as a vehicle for
the dissemination of Jungian thought. Contemporary culture
presents an expanded concept of the world that transcends
the physical and is evidenced in the material disappearance of
objects, among many other phenomena. The process of the magazine’s dematerialization brought
the feeling of loss of the relationship with an object full of stories and affections and the
acknowledgement of virtual culture as an excellent opportunity for reinvention and transformation.

Thereby, we present Junguiana volume 34.

We start this issue addressing a trending topic in the country with the article “Corruption in Brazil:
an Analytical Psychology view.” Then, the clinical study “Give me a hand ?, or, when helping is saying
‘no’” analyzes defensive kindness in light of the myth of Eros and Psyche. “Sandplay: conflict and
creativity embodied in the sand” reports the experiential preparation in the encounter of technique
and choice of profession. “The archetypal theory of history and the crucifixion of Jesus” synchro-
nistically reworks the theme of death/rebirth, presented by the same author, in the first issue of
Revista Junguiana. We end with a review of the book The Japanese psyche – major motifs in the fairy
tales of Japan.

Based on requests, this edition was open to all topics.

We entered cyberculture invoking Janus and the double-phase, of past and future, present in
moments of transition. We share the contents of this edition in two platforms: on the SBPA web-
site www.sbpa.org.br and in the portal for electronic journals in psychology (PePSIC) http://
pepsic.bvsalud.org where we appear along with titles from ten other countries. In this way, we are
experiencing the flexibility of the the virtual world, of both interaction and interactivity, to construct a
new phase for Revista Junguiana.

Enjoy your reading!

Vera Lúcia Viveiros Sá


General Editor
october 2016

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016 „ 53


54 „ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016
Junguiana
v.34, p.55-67

Corruption in Brazil:
an Analytical Psychology view*

Camila Souza Novaes**

Abstract
In recent years, international media has ex- placing the responsibility on either the lack of Keywords
posed several corruption-related scandals, which morality of Brazilians and their politicians, or on Corruption,
have shown not only the fragility of political sys- the inefficiency of the judicial system. People’s cultural complex,
cultural trauma,
tems but also the global scale of corruption. Cor- opinion and current interpretive theories are su-
trickster,
ruption is more than a trending topic, it is a global perficial and tend to conclude that corruption is good and evil.
phenomenon with severe consequences that responsible for all social problems in Brazil.
seems to have particular distinctions from coun- Analytical Psychology can contribute with new
try to country. For example, in Brazil, corruption is approaches to the study of the corruption phe-
a widespread and a pressing social problem that nomenon. By applying psychotherapeutic values
seems to be directly connected with the Brazilian
collective identity and, for many, is intrinsic to the
“Brazilian way” (jeitinho brasileiro).
Although corruption has been a matter of dis-
cussion for many different fields of study, most
existing theories of corruption are unilateral and
partial as they focus on just a part of the problem,

* This article was originally presented in English, with the title


“Corruption: Brazilian experience and post-Jungian perspective”,
at the conference “Analysis and activism: social and political
contribution of Jungian Psychology”, and event of the International
Association of Analytical Psychology (IAAP), in Rome, 2015. The
topic of this article is part of the PhD thesis (in progress) of the
author at the University of Essex, in the United Kingdom, under
the supervision of Andrew Samuels.

** Jungian Analyst. PhD student at the University of Essex, United


Kingdom (Centre for Psychoanalytic Studies). Master Degree in
Clinical Psychology at PUC-SP, Brazil (Center of Jungian Studies).
Coordinator of the Psychotherapeutic Clinic of Lar Harmonia Foun-
dation in Salvador, Brazil.
E-mail: <cammys28@hotmail.com>.

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016 „ 55 jan-jun.2016


Junguiana
v.34, p.55-67

to political issues, I believe this research can help traumas that were already identified by Brazilian
psychotherapists to open a two-way path be- Jungians and that might be related to the current
tween “inner realities” and the “world of politics” social-political scenario of the country. I argue
as Andrew Samuels proposes. This research pro- that one of those complexes has not been com-
poses a closer look at the relationship between pletely identified yet: the Brazilian version of the
the inner reality of the Brazilian people and the trickster archetype that seems to be opressing
world of politics in Brazil, particularly focusing the Brazilian psyche, the cultural complex ma-
on Brazilian corruption. landro. I also argue that political corruption must
The objective of this research is to analyse cor- be seen not only as a selfish act of an individual,
ruption in its three different but complementary but more broadly, as a social construct and also
levels: individual, cultural and collective. I dis- as something related to the corruption of human
cuss the Brazilian cultural complexes and cultural nature itself. „

Corruption in Brazil: an Analytical Psychology view

1. Introduction undue advantage, or on accepting promises of a


Corruption is a global phenomenon. We read such advantage.
about it every day on the newspapers and hear
in the streets. Corruption was ranked the num- The penalty in both crimes is imprisonment
ber 1 Brazilian’s issue in a poll from the Instituto from two to twelve years and a fine.
Datafolha (MENDONÇA, 2015). Besides that, “cor- The corruption phenomenon is a very timely
ruption is the world’s most frequently discussed subject. However, just a few psychologists have
global problem”, ahead of climate change, ex- written on the topic, less than a dozen. In fact,
treme poverty and hunger, unemployment, and there is only one text that deals with corruption
the cost of food and energy (SCOTT, 2009). Cor- from the point of view of Analytical Psychology,
ruption threats the security and way of life of citi- written by Denise Ramos (2004) which is a chap-
zens around the whole world. In the worst case ter called “Corruption: symptom of a cultural com-
scenario, it costs lives especially when someone plex in Brazil?”. The subjective analysis of cor-
dies because of lack of medication or medical ruption seems to be almost ignored, in a way that
care due to a corrupt politician who diverted relevant psychological issues underlying the phe-
money from a public hospital. nomenon remain unanswered. In addition, be-
The Brazilian Criminal Code (Law 2.848/1940) sides being a political problem, what is corrup-
subdivides corruption into two types: active and tion from the unconscious point of view ? Would
passive. In Article 333, active corruption is de- it be a disease, a symptom? Media often refers
fined as “offering or promising undue advantage to corruption as a cancer in Brazilian society.
to a public official to induce him to practice, to However, this is an extremely negative metaphor,
omit or delay any official act”. Passive corruption after all, given the current scenario of this phe-
(Art. 317) is defined as: nomenon in the country, the “patient Brazil”
would be in an advanced stage of cancer, possi-
requesting or receiving, for himself or for another bly a metastasis, and therefore, fatal. So there
person, directly or indirectly, even outside the would be little hope and future left after a ter-
function or before assuming it but because of it, rible diagnosis like this.

56 „ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016


Junguiana
v.34, p.55-67

The discovery of the unconscious brought a The process of individuation is an ethical chal-
tremendous revolution of values. Erich Neumann lenge, which demands commitment to oneself
(1990) made “the first notable attempt to for- and also to the collective norm. “The real core of
mulate the ethical problems raised by the dis- the ethical problem is the union of conscious and
covery of the unconscious” (JUNG, 2014, v. 18, unconscious in the individuation process” (JUNG,
par. 1420). Alarmed by the horrific effects of the 2014, v. 18, par. 1419).
world wars, Neumann proposes a distinction The parts of this article are structured into
between an old ethic and a new ethic. The old definitions, causes and consequences of corrup-
ethic is based on the opposition between good tion under the perspective of Analytical Psychol-
and evil, light and dark – a dualistic conception ogy, in its three different, but complementary,
of world. With Judaeo-Christian and Greek reli- layers of the unconscious: individual, cultural and
gious roots, the old ethic has an ascetic ten- collective.
dency and pursues an illusory perfection by
repressing the dark side. For Jung, to seek per- 2. Personal level of corruption
fection is legitimate and inborn in the human 2.1. Definitions
nature. This peculiarity provides civilization its Corruption can be described as a “deviant be-
strongest roots. Nonetheless, man “must suf- haviour” of legal norms and moral values, “which
fer from the opposite of his intentions for the manifests itself in an abuse of a function in poli-
sake of his completeness” (JUNG, 2014, v. 9/2, tics, society or economy, in favor of another per-
par. 123), which showed to have catastrophic son or institution” (RABL, 2008, p. 25). It refers to
outcomes during the wars. decision-making in ethical dilemmas situations
Neumann proposes a new attitude towards and also to the justification strategies of corrupt
evil, as the old ethic was deteriorating and proved individuals. For example, the corrupt individual can
inadequate to solve the modern man’s moral opt for a bribe to seal a deal in a difficult business
problem. Neumann’s new ethic presupposes an negotiation or to get out of a financial difficulty.
individual who is moral by the standards of what In these situations, the individual tends to avoid
he called old ethic, but goes further: its goal is dealing with his own incompetence or feelings of
not perfection, but wholeness. It replaces the old inferiority – an avoidance of their own unpleasant
opposition of good and evil with the integration unconscious contents. From the standpoint of
of the shadow. Perfection does not contain what Analytical Psychology, corruption can be under-
was not accepted by the ego, but wholeness stood in the corrupt individual as a defence mech-
embraces the imperfection of the shadow. Jung anism against the harmful effects of the shadow.
endorsed Neumann’s view, saying “the integra- It seems that corruption is an easy and lazy way
tion of the personality is unthinkable without the to solve one’s problems or inadequacies. In this
responsible, and that means moral, relation of level of analysis, corruption is related to individual
the parts to one another” (JUNG, 2014, v. 18, par. characteristics of the personality, a selfish act of
1412). Jung also stated: an individual.

[…] the shadow is a moral problem that chal- 2.2. Causes


lenges the whole ego personality, for no one Corruption represents an archetypal tendency
can become conscious of the shadow without of the ego to inflation and to the transgression
considerable moral effort. To become conscious of social norms at the expense of public inter-
of it involves recognizing the dark aspects of ests. It seems to be born from the dissatisfac-
the personality as present and real. (JUNG, 2014, tion of the ego with itself and with its inferiority.
v. 9/2, par. 14) The act of corruption requires the feeling of

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016 „ 57


Junguiana
v.34, p.55-67

immense power and uniqueness in order to jus- Ashforth and Anand’s model of normalization
tify the enormous desire for personal gain by is an attempt of explanation of how honest indi-
means of a transgression of the rules. Corrupt viduals engage in corruption without experien-
individuals put their own needs above the needs cing conflict. Their model can be used to under-
of the entire society, disregarding the conse- stand corruption as a psychological process.
quences of their greed. Identified with the Self, Rationalization, one of the elements of nor-
the corrupt individual seems to have no limits. malization, describes “the process by which in-
When an act of corruption is perpetrated, there dividuals who engage in corrupt acts use socially
is no commitment to the welfare of the nation or constructed accounts to legitimate the acts in
even to the “love of thy neighbour”. Corruption their own eyes” (ibid., p. 3). They believe that a
is a hedonist act, in which having (either money compartmentalisation of identities is responsible
or power) is placed above of being. for the separation between corrupt acts practiced
Corrupt politicians seem to consider them- by individuals in the context of an organisation
selves as gods. They steal, because they believe and their display of morality outside of it. Accord-
they are superior to other people. ing to Ashforth and Anand, an otherwise ethically-
minded individual is influenced by and acts ac-
In the realm of politics, the political leader who cordingly to what is socially expected from him/
has inflated his personality through identifica- her in a corrupt environment because of a trans-
tion with his office, or who feels that he repre- mission of corrupt values. That compartmental-
sents the collective will experience a sense of ization of identities helps them to engage in cor-
confidence, omnipotence, and megalomania that ruption without experiencing conflict. From a Jun-
borders on “godlikeness”. (ODAJNYK, 2007, p. 22) gian view of what they suggested, it can be said
that different personas are being used by the
Corrupt individuals seem to make no effort to same individual in different contexts, and in ad-
be in accordance with the “new ethic”. For them, dition, that these personas are in opposition: a
what matters is to obtain more power or money, corrupt persona and an ethical one.
even if it is by destructive means – Ashforth and
Anand (2003) use the expression “suicidal cor- 2.3. Consequences
ruption”. Corrupt individuals tend to use a lazy Ashforth and Anand (ibid., p. 5) highlight that
short-cut in their attempt to be like gods, but they white-collar offenders are conceived as psycho-
only fool themselves. Jung states: “[…] He who logically normal. However, they affirm “corrupt
deceives others deceives himself, and vice versa. individuals tend not to view themselves as cor-
Nothing is gained by that, much less the integra- rupt. […] By denying the label of corrupt, such
tion of the shadow” (2014, v. 18, par. 1414). individuals avoid the adverse effects of an un-
When corruption becomes standard beha- desirable social identity” (ibid., p. 15). In a Jun-
viour, a significant moral inversion takes place. gian interpretation, two sides of the corrupt
Ashforth and Anand (2003, p. 1) named this pro- individual’s personality seem to grow terribly
cess as “normalization of corruption” and des- apart. This dissociation is also evidenced by the
cribed it as how corruption acts become fact that

embedded in the organization structures and pro- […] most individuals engaged in corrupt acts
cesses, internalized by organizational members tend not to abandon the values that society es-
as permissible and even desirable behaviour, and pouses; they continue to value fairness, hon-
passed on to successive generations of mem- esty, integrity and so forth even as they engage
bers. (ASHFORTH; ANAND, 2003, p. 1) in corruption. (ibid, p. 15)

58 „ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016


Junguiana
v.34, p.55-67

This is a neurotic dissociation, because it is social norm. Society uses their politicians to re-
related to a “discrepancy between the conscious affirm their own integrity and honesty. There is
attitude and the trend of the unconscious” (JUNG, an enormous refusal by the citizens to acknowl-
2014, v. 16, par. 26). edge that the despicable side they see in the
Corrupt individuals live in a dissociation state, corrupt politicians is also part of themselves. It
like Dr. Jekyll and Mr. Hyde. However, both realms might be that this rupture is initiated by guilt and
are experienced within the perception of nor- shame (JACOBY, 1996). Corrupt individuals seem
mality. The corrupt individual can also be a lov- to be away from their own personal individua-
ing parent, a thoughtful neighbour or a devout tion processes, as they are identified with the
churchgoer (ASHFORTH; ANAND, 2003, p. 3). In collective evil shadow projected onto them. Get-
politicians this side can be extremely charismatic, ting caught might be a way out of this process
due to a mana personality. Nonetheless, the cor- and also a relief. But when confronted with their
rupt politician has an evil “doppelgänger” within guilt and shame of the public exposure they have
him/herself. Corruption reveals a neurotic dis- a chance to go back to their path of individu-
sociation caused by an ethical dilemma. It is a ation. According to John Beebe (1992, p. 67),
defence mechanism against the evil dark side of shame can be a healing path, but only if lived
personality and represents a refusal to individu- with integrity.
ation as a moral realization. Corruption has as a consequence an atrophy
The individuation is a conscious process of of the individual personality, as corrupt politi-
differentiation from the collective norms, in which cians serve a collective purpose of evil projec-
one must build an individual “path” towards the tion, which hinders their personal process of in-
development of the personality. To some extent dividuation. When their acts become public
it is actually opposed to the collective norms, through the media, shame and guilt of having
however, to follow only one’s own norms is indi- sinned arise on their consciousness. Metaphori-
vidualism, not individuation. The aim of individu- cally, they ate the forbidden fruit of corruption
alism, as Jung puts it, is “pathological and inimi- and were expelled from heaven, or, in this case,
cal to life”, as it conflicts with the collective norm. the tax haven.
“Individualism means deliberately stressing and
giving prominence to some supposed peculiar- 3. Cultural level of corruption
ity rather than to collective considerations and Freud and Jung made several analyses of social
obligations”. Nonetheless, the aim of individua- phenomena in their works. Jung was particularly
tion is to become an indivisible unity, a “whole” influenced by Wilhelm Wundt’s Völkerpsychologie,
in an optimal relationship with the society: which has been translated as ethnopsychology
or folk psychology. It was a theory that achieved
Individuation means precisely the better and relative success until it was associated with Na-
more complete fulfilment of the collective quali- zism (SHAMDASANI, 2003). Jung’s psychological
ties of the human being, since adequate con- analysis of social events were quite controver-
sideration of the peculiarity of the individual is sial. Jungians must ask if Jungian psychology is
more conducive to a better social performance actually prepared to analyse cultures. Can indi-
than when the peculiarity is neglected or sup- vidual psychology be used to explain social phe-
pressed. (JUNG, 2014, v. 7, par. 267) nomena? In other words, it would be possible
to analyse a group, a culture, like an individual,
The individualist and narcissistic character- making a simple transfer of concepts (LU, 2013)?
istics of the corrupt individual coincide with The anthropomorphization of cultures or coun-
society’s projection of non-conformance to the tries is extremely complex and has to be done

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016 „ 59


Junguiana
v.34, p.55-67

with caution. Many Jungians have made this mind when Brazilians question themselves are
transposition of theories without due care and not necessarily linked to being corrupt. Many
by putting Brazil on the couch. If we assume that people connect the Brazilian way (the jeitinho
Brazil is a patient, would Jungians be ready to brasileiro) to corruption, but this might be an
talk about the individuation countries? How unfair connection. Roberto DaMatta (1986) de-
would that be? fines jeitinho as a “social navigation mode”, “a
To talk about subjective characteristics of a way to satisfy our drives and desires, even if it
group, there must be considered that there is a goes against the rules of common sense and the
third level of the unconscious, actually a layer of community in general”. Nonetheless the Bra-
elements between the personal and the collec- zilian way does not only serve to manipulate
tive unconscious, which is the cultural uncon- others. The jeitinho is also what is behind the
scious. Joseph Henderson is regarded as one of saying “where one eats, two eat” (“onde come
the first Jungians to speak about this layer of the um, comem dois” ). It is the Brazilian way to sur-
cultural unconscious (SINGER, 2012), in the 60s. vive, which is linked to the Brazilian’s resilience
However, it was a Brazilian called Arthur Ramos, in the face of hunger, poverty, and lack of re-
who came up with this concept in the 30s, influ- sources (NOVAES, 2016).
enced by Jung’s ideas (ARAÚJO, 2002). Nonethe-
less, he named the cultural layer as folkloric un- 3.2. Causes
conscious. These three unconscious layers allow Several Jungian authors have analysed Brazil’s
us to analyse the phenomenon of corruption in social problems by examining the “Brazilian soul”
a subjective point of view that are not accessed (BOECHAT, 2014; GAMBINI, 2000; 2004; BRIZA,
by other sciences. 2006). However, this expression has been used
with different meanings among the authors: Bra-
3.1. Definitions zilian collective psyche, Brazilian cultural uncon-
We can state that culture corrupts, even if we scious and the Brazil’s group Self.
are talking about the company’s culture in which The concept that Jungians are currently using
the subject works or the country in which he/ to refer to social phenomena is the cultural com-
she was born, because the relationship an indi- plex, which refers to
vidual has with corruption is not the same if he/
she lives in a place where corruption is endemic [...] an emotionally charged aggregate of histori-
or in another where corruption is under control. cal memories, emotions, ideas, images and be-
Corruption is then relative: it varies according to haviors that tend to cluster around an archetypal
time and space. That is, what was considered a core that lives in the psyche of a group and is
favour in the past might now be considered cor- shared by individuals within that identified col-
ruption. What is considered corruption here may lective. (SINGER, 2012, p. 5)
not be in another country. In this level of analy-
sis, corruption is a social construct. Therefore it could then be said that the causes
Why do Brazilians complain so much about of corruption in our culture are linked to the con-
corruption? Phrases like: “Brazilians are cor- stellation of cultural complexes. Since Jung says
rupt”; “This could only happen in Brazil”; “The the origin of a complex is a trauma (JUNG, 2014,
fault is on the Brazilian way” are commonplace. v. 8, par. 204), another cause of corruption would
But, are Brazilians really corrupt? Are they im- then be the collective traumas suffered by Bra-
moral? Before I answer these questions, it is zilians throughout history. A third cause would
important to first think about what does it mean be Brazil’s psychological type, as will be shown
to be a Brazilian. All features that may come to in the following paragraphs.

60 „ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016


Junguiana
v.34, p.55-67

Some Brazilian Jungians have already diag- Denise Ramos (2004) and “southern complex”
nosed Brazil’s cultural complexes. They relate by Gustavo Barcellos (2012). Brazilians share this
these complexes to different Brazilian problems, inferiority complex with other countries in Latin
but they are all related to the problem of corrup- America, but there they have different names
tion. Here are some examples. because of their distinct historical roots.
According to Boechat (2014, p. 72), we are “a Brazilians’ self-esteem is generally low, which
country in search of an identity”, and “the Brazil- makes them believe that they cannot compe-
ian soul is in a dynamic forming process, not a te with rich countries. A stereotypical view of
finished whole”. According to Briza (2006), “our ourselves makes us only see negative charac-
cultural ego is still fragile, is still developing”. The teristics: inertia, obliviousness, dishonesty, in-
Brazilian identity complex can be represented by competence, individualism and more, which led
a figure known as the sleeping giant extracted Nelson Rodrigues to coin the famous expression:
from our national anthem: “A giant by thine own Brazilians are “an inverted narcissus, spitting on
nature […] Eternally lain on a splendid cradle” his own image” (RODRIGUES, 1993, p. 60). But
(DAMATTA, 1991, p. 3). This figure is popularly we do have several positive aspects too: persis-
associated with the Brazilian citizens who remain tence, unity, joy, hospitality, creativity, among
“asleep”, oblivious to the country’s political is- others. However, Brazilians oscillate between
sues. With continental dimensions, Brazil is the pride and shame of being Brazilian, of being who
fifth biggest and seventh wealthiest country in they are.
the world, but is nowhere near of reaching its The inferiority complex is mixed with a racial
full potential. The collective ego often seems to complex in Brazil. Vira-lata is a dog without pedi-
be in a lethargic state, as opposed to the image gree, a mixture of races. So are Brazilians, who
of great strength and potentiality of the Ameri- often carry their own miscegenation as a stigma.
can eagle or the Asian tiger, for example. There is no racial democracy in Brazil, but Bra-
Brazilians have a significant inferiority com- zilians do not recognise themselves as racists.
plex. This complex was first “diagnosed” by Brazilians’ prejudice is quite peculiar because
Nelson Rodrigues: it is disguised. One of the researchers who diag-
nosed this cultural complex was Walter Boechat
By “stray dog complex” (complexo de vira-lata ) (2012), who called it “cordial racism”, as well
I understand the inferiority position in which Bra- as Roberto Leal (2009), who denominated it the
zilians put themselves voluntarily in the face of “archetype of the mestizo”. For example, Brazil
the world. This happens in all sectors and espe- still lives a reality where it is possible to have
cially in football. To say that we judge ourselves one (or more) domestic servants (maids) at
as “superiors” is a cynical untruth. (RODRIGUES, home, a surviving trace from slavery times. They
1993, p. 62) work too much to sustain a way of life that is not
a reality in any rich country. The “DIY” concept
Among Jungians this complex has also been has not yet developed in Brazil. For example,
described by Denise Ramos (2004), Byington Brazil’s middle and upper class do not do house
(2013) and Câmara (2013), which ratified the chores themselves, they hire someone to do the
name given by Nelson Rodrigues. The term vira- chores for them, as the labour force is cheap,
lata inspires simplicity, passivity and little value although unqualified. Social disparities are still
(CÂMARA, 2013), however it also has character- very large in Brazil.
istics of resistance and a strong survival instinct. Brazilians still see their country as the coun-
Other names have been suggested (with similar try of the future, a puer. Compared to “old Eu-
characteristics), like “cucaracha complex” by rope”, Brazil is really a young country at the height

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016 „ 61


Junguiana
v.34, p.55-67

of its youth. According to Briza, “our country has the trickster that explains the fact that the sec-
not yet made its effective passage to adulthood” ond most voted congressman in the country has
and still lives in a stage of magical dimensions, been a semi-literate clown, Tiririca. The cultural
because “people ask for magical solutions and trickster complex was constellated as a defence
transformations” (BRIZA, 2006). Brazil’s politi- against oppression (from the Portuguese colo-
cal immaturity reflects this puer complex. How- nizers, bureaucracy, poverty). However, malan-
ever, the old grumpy, the senex, has indicated that dragem is not a synonym for corruption, be-
he begins to emerge in the consciousness of Bra- cause the trickster is not immoral or criminal
zilians, as the complaints about the country’s (SAMUELS, 2004), he just acts without conse-
political situation has grown lately. But do Bra- quences because of pure unconsciousness. But
zilians need to lose the joy in order to become the trickster does not like to work and in Brazil
civilized? he became a professional malandro : the white-
The trickster has no civilized characteristics. collar criminal.
He is the thief, a con man, the swindler. The trick- Boechat briefly describes the Brazilian trickster,
ster is an expression of unconscious psychic ten- although he does not specifically call it a cultural
dencies common to all mankind related to the complex. “The malandro appears as in a spectrum
change in the existing order of things, confusion, ranging from the dangerous psychopath to ex-
joke, deception, chaos, disorder, trickery, cun- tremely positive characters” (2014, p. 13).
ning, communication and movement. Similar The trickster can also be seen as a metaphor
characteristics are found in figures of the Brazil- to analyse the political system. Andrew Samuels
ian imaginary, as the Saci Pererê, Zé Carioca, (2001, p. 93) says politics needs “ingenuity, im-
Macunaíma, the Amazon River Dolphin, Zé Pe- provisation, flexibility, rule-breaking, seeing
lintra, trickster and Didi Mocó. things differently, doing things differently, not
The Brazilian version of the trickster, the ma- being hidebound and being open to change”,
landro, would be similar to what Wotan represents trickster features. For Helena Bassil-Morozow
for the Germans. Jung presented the archetype of (2015), the trickster is the solution to very rigid
Wotan to describe a phenomenon that was op- political systems, as in the Soviet Union. Therein
pressing Germany (JUNG, 2014, v. 10). However, lies the malandro’s biggest prank: these solu-
this does not seem to be the best name for this tions do not apply to Brazil! The Brazilian sys-
phenomenon. On the one hand the concept “ar- tem already has too much flexibility and impro-
chetypal constellation” with all its strength and visation! So Brazilians must see the trickster as
numinosity justifies its application, the idea that the ability to change, to turn the game around. In
Wotan is specific to the German culture (there- this case it means to bring more organization to
fore it cannot manifest itself in the same way in what is chaotic, but without losing the joy, or their
Brazil) makes it unfeasible to name it as an ar- “Brazilianness”. Brazilians have the great ability
chetype. Wotan could be called a cultural complex to find creative solutions to day-to-day problems,
nowadays. Brazil’s malandragem (trickery) is a but the application of this ability to politics in a
typical cultural and local expression of the uni- productive way remains to be done.
versal archetype of the trickster. The second cause is linked to Brazilian cul-
Tom Jobim, a famous Brazilian musician, de- tural traumas, that have dissociative effects on
scribed Brazil in a way that has persisted over the Brazilian psyche. Cultural traumas are like
the years: “Brazil is not for beginners” and said phantom narratives, echoing through the fol-
that “Brazil is an upside down country, and if you lowing generations. It is possible to identify at
say it is upside down, they put upside down, so least four major traumas in Brazil throughout
you see it is right-side up”. It is this aspect of its history. Colonization (or, the invasion by the

62 „ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016


Junguiana
v.34, p.55-67

Portuguese), slavery, dictatorship and the op- of the human culture itself”. Similarly, Rabl
pression due to poverty and hunger. states that
The third cause is linked to Brazil’s psycho-
logical type. As Jung diagnosed the psychologi- corruption in one form or another has been
cal type of Germans as predominantly intro- present throughout history. It can be found ev-
verted thinking and the Swiss as predominantly erywhere, in every society and every economic
introverted feeling, it is possible to deduce that system, even if the manifestations, the frequen-
the psychological type of Brazilians is predomi- cies, the hierarchical levels and the degree of
nantly extroverted feeling, as Denise Ramos cultural capture change. (RABL, 2008, p. 17)
(2004) also diagnosed. Sérgio Buarque de
Holanda (2012) long diagnosed this trait in Bra- These collective features of corruption point
zilians, saying that “Brazilians are cordial”. Cor- to archetypal tendencies. In this level of analy-
dial here does not refer to the politeness of sis, the corrupt behaviour is connected to the
Brazilians, but to the emotional tone of their corruption of human nature itself. Here I will fo-
relations, as for Brazilians everything is per- cus on the relationship of corruption with good
sonal. Brazilians show hospitality, generosity and evil, absolute opposites that cannot be cul-
and kindness in relationships, even in busi- turally relativized.
ness, however they misuse their personal re- The role of evil in the psyche was extensive-
lationship system. Cordial Brazilians act and ly examined by Jung, especially through the
think with their hearts, but do not like to fol- concept of opposites. For him, good and evil are
low rules. This feature appears in nepotism, for ineffable and atemporal concepts. Consequent-
example. Although cordials, Brazilians can be ly, no one knows what they really are, but they
extremely cold. In this way, Brazilians can close are recognisable abstractly. They are understood
their eyes to social despairs. According to Von only in comparison to certain standards in cer-
Franz (2007), the individual who has the intro- tain places: “something that appears evil to one
verted thinking as inferior function does not nation may be regarded as good by another na-
like to think, especially to philosophise situa- tion”, says Jung about the relative character of
tions and is contemptuous: his thinking is good and evil (JUNG, 2014, v. 10, par. 862). Even
negative and rude. though good and evil are considered by Jung as
principles that result from ethical judgement, he
3.3. Consequences also conceives them, in their anthological roots,
The consequences of corruption at the cul- as aspects of God, which have a numinous char-
tural level are a deep-rooted phenomenon in acter. Good and evil are supra ordinated, there-
Brazilian culture that discourages Brazilians to fore, bigger than a single human being. In this
fight for a common good. Worse, it is possible sense, good and evil are not relative. Corruption
to see passive characteristics, but the popula- is not much different from any other harm caused
tion ends up doing whatever they want in order by humans, it is only a particular expression of
to get benefits. Cultural complexes and collec- evil. Brazilians think they are cursing this or that
tive traumas tend to threaten the coherence of political party, when in fact they are talking about
the group Self due to the nation’s young age the evil that exists within themselves, within each
and immaturity. human being.
By using Jung’s theory of opposites, the op-
4. Collective level of corruption1 posite of corruption must be analysed in order
According to Dion (2010, p. 246), “corruption to understand it. Among its antonyms are: hon-
is not only a social construct, but an integral part esty, moral, ethic, purity, integrity, and, conscience.

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016 „ 63


Junguiana
v.34, p.55-67

Within these, I will focus on two: integrity and con- corruption is found at the end of what is conven-
science. ient, not of what is right. Corruption is then related
John Beebe (1992) gave to integrity a higher to succumbing to natural human weaknesses. In
status in Analytical Psychology, posing it as a the same way, Celia Moore (2009, p. 37) believes
moral objective to be achieved by the individual, corruption can be defined as a “process which per-
somehow similar to the process of individuation. verts the original nature of an individual or group
Integrity would then be more than a movement from a more pure state to a less pure state”. For
toward wholeness, but toward a moral whole- Moore, corruption is a “moral deterioration”, as well
ness. Integrity concerns what is whole, intact, as a “perversion or destruction of integrity”. The
undivided. Integrity is a complex concept and tendency towards integrity would then be a move-
contains different elements such as: ment opposed to the tendency towards rupture.
Integrity and corruption seem to hold certain simi-
responsibility, uprightness, standing tall, being larity with Jung’s concepts of progression and re-
untouched, staying intact, completeness, per- gression of the libido and Freud’s concepts of life
fection, honesty, moral obligation, delight, inner and death instincts. So, we would be touching here
psychological harmony, continuity, psycholog- the moral aspects of those concepts.
ical and ethical eros, sincerity, chastity, virginity, Conscience stands as another antonym to the
obedience, conscience, prudence, purity, con- word corruption. It was described by Jung as an
stancy, amiability, and holiness. (ibid., 1992) autonomous psychic factor (2014, v. 10, par. 842)
and represents a special form of knowledge or
Within this list, a few more elements can be consciousness (ibid., p. 825). Curiously, in Por-
added that are also related to integrity: whole, tuguese there is only one word for both concepts:
unity, coherence, truthfulness, not broken, un- Consciousness (originally Bewusstsein in Ger-
damaged. Most of those elements can be found man) and conscience (Gewissen in German) are
in its opposite characterisation, in the idea of translated to the word consciência. While in Ger-
corruption: irresponsibility, shame, maculation, man and English the separation between these
fragmentation, putrefaction, rupture, imperfec- concepts is very clear in Latin languages there is
tion, dishonesty, immorality, dissociation, deceit, no such distinction. This might indicate that one
violation, unconsciousness, risk-taking, impurity, cannot be conceived without the other, which
evilness and so on. could be indorsed by Murray Stein’s (1995, p. 23)
For Beebe, on one side is the idea that integ- description of conscience: it “is an autonomous
rity presupposes a conscience uncontaminated function of the psyche and is probably strongly
by concern for political advantage. On the other related to the innate function of consciousness
side, integrity cannot be separated from personal to make discriminations about reality”.
ambition from approval (the right way to win ap- Conscience must be understood not just in
proval). “Anyone who aspires to integrity has its psychological aspect, but also in the theologi-
somehow been wounded by time, has somehow cal aspect. Conscience can be understood as the
failed by wanting too much to succeed in a par- voice of God, a numinous imperative. According
ticular moment” (ibid. p. 12). This paradox is a to Jung, if we consider that there is a “right” kind
moral inversion. of conscience, there would also exist “[…] one,
According to Tony Dungy (2011), integrity is the which exaggerates, perverts, and twists evil into
choice between what is convenient and what is good and good into evil just as our own scruples
right, “integrity is what you do when no one is do; and it does so with the same compulsive-
watching; it’s doing the right thing all the time, even ness and with the same emotional consequen-
if it may work your disadvantage”. In comparison, ces as the ‘right’ kind of conscience” (JUNG, 2014,

64 „ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016


Junguiana
v.34, p.55-67

v. 10, par. 835). Corruption is then what happens generational traumas faced by Brazilians; and an
when the individual does not listen to the voice expression of the collective inferior function. At
of conscience, the voice of God, but the voice of the collective level, corruption is a propensity to
the devil. rupture; a contrary tendency to moral integrity; and
an expression of evil in society.
5. Conclusion The immediate benefits of corruption can be
As a contribution to the study of corruption easily visualized in the form of enrichment and
from the point of view of Jungian psychology, I power. However, understanding the long-term
propose definitions in the three unconscious lev- benefits is still to come. Corruption is a necessa-
els. At the individual level, corruption is an arche- ry evil for the maturing of Brazilian society. Un-
typal tendency of ego towards inflation and trans- derstanding ethical obligations requires a con-
gression of social norms at the expense of the scious process of moral development. „
collective; a kind of neurotic dissociation in face
of a moral dilemma (a conflict with the shadow); Recebido em: 7/3/2016 Revisão: 16/8/2016
and a defence mechanism, but also a refusal to
individuation as an ethical goal. On the cultural 1
In this level of the unconscious it’s not possible to talk about
level, it is a symptom due to complexes and trans- causes or consequences, because of the acausality phenomenom.

Resumo
Corrupção no Brasil: uma visão da psicologia analítica
Nos últimos anos, a mídia internacional expôs os problemas do país. A psicologia analítica pode
vários escândalos relacionados à corrupção, que contribuir com novas abordagens para o estudo
demonstraram não só a fragilidade dos sistemas do fenômeno da corrupção. Aplicando valores
políticos mas também a escala global da cor- psicoterapêuticos a questões políticas, esta pes-
rupção. A corrupção não é apenas um tema da quisa pode vir a ajudar psicoterapeutas a abrir
moda, mas um fenômeno global gravíssimo que um caminho de duas vias entre “realidades in-
parece ter peculiaridades entre os países. No Bra- ternas” e o “mundo da política”, como propõe
sil, a corrupção é um problema que oprime a so- Andrew Samuels. Propõe-se aqui um olhar mais
ciedade, mas que parece estar diretamente relacio- atento para a relação entre a realidade interna
nado à identidade coletiva do brasileiro e, para do povo brasileiro e o mundo da política no Bra-
muitos, ela é intrínseca ao “jeitinho brasileiro”. sil, particularmente a corrupção brasileira.
Apesar de a corrupção ser um assunto de dis- O objetivo deste artigo é analisar a corrupção
cussão recorrente para diferentes campos de es- em seus três diferentes (mas complementares)
tudo, a maioria das teorias existentes sobre a níveis: individual, cultural e coletivo. Discutimos
corrupção é unilateral e parcial. Elas se concen- os complexos culturais brasileiros e traumas cul-
tram em apenas uma parte do problema, colocan- turais que já foram identificados por junguianos
do a responsabilidade ou na falta de moralidade brasileiros e que possam estar relacionados ao
de brasileiros e seus políticos ou na ineficiência atual cenário político-social do país, especialmen-
do sistema judiciário. A opinião do público leigo te a versão brasileira do arquétipo do trickster
é superficial e tende a concluir de maneira pro- (que parece estar oprimindo a psique brasileira)
jetiva que a corrupção é responsável por todos e o complexo cultural do malandro, que não foi

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016 „ 65


Junguiana
v.34, p.55-67

ainda analisado em detalhe. Argumenta-se tam- de forma mais ampla, como um construto social
bém que a corrupção política deve ser vista não e também como algo relacionado à corrupção da
apenas como um ato egoísta de um indivíduo, mas própria natureza humana. „

Palavras-chave: Corrupção, complexo cultural, trauma cultural, malandro, bem e mal.

Referências bibliográficas
ARAÚJO, F. C. D. Da cultura ao inconsciente cultural: psicologia DION, M. Corruption and ethical relativism: what is at stake?
e diversidade étnica no Brasil contemporâneo. Psicologia: ciên- Journal of financial crime, v. 17, n. 2, p. 240-250, 2010.
cia e profissão, Brasília, v. 22, n. 4, p. 24-33, 2002.
DUNGY, T. Uncommon. Winter Park: Tyndale House Publishers,
ASHFORTH, B. E.; ANAND, V. The normalization of corruption 2011.
in organizations. Research in organizational behavior, v. 25,
GAMBINI, R. Indian mirror: the making of the Brazilian soul. São
p. 1-52, 2003.
Paulo: Axis Mundi – Terceiro Nome, 2000.
BARCELLOS, G. South and the soul. In: AMEZAGA, P., et al.
GAMBINI, R. A alma ancestral do Brasil. CURSO DE PSICOLOGIA
Listening to Latin America: exploring cultural complexes in Brazil,
JUNGUIANA, out. 2004. Disponível em: <http://psiquejung.
Chile, Colombia, Mexico, Uruguay and Venezuela. New Orleans:
blogspot.co.uk/2004/10/alma-ancestral-do-brasil.html>.
Spring Journal, p. 17-30, 2012.
Acesso em: 02 abr. 2015.
BASSIL-MOROZOW, H. The trickster and the system. Hove:
HOLANDA, S. B. de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das
Routledge, 2015.
Letras, 2004. p. 141-151.
BEEBE, J. Integrity in depth. College Station: Texas A&M University
JACOBY, M. Shame and the origins of self-esteem. East Sussex:
Press, 1992.
Routledge, 1996.
BOECHAT, W. Cordial racism: race as a cultural complex. In:
JUNG, C. G. Estudos sobre psicologia analítica. 2. ed. Petrópolis:
AMEZAGA, P., et al. Listening to Latin America. New Orleans:
Vozes, 1981. (Obras completas, v. 7).
Spring Journal, p. 31-50, 2012.
JUNG, C. G. Aion: estudos sobre o simbolismo do si-mesmo.
BOECHAT, W. A alma brasileira: luzes e sombra. Petrópolis: Vo-
Petrópolis: Vozes, 1982. (Obras completas, v. 9/2).
zes, 2014.
JUNG, C. G. A prática da psicoterapia. Petrópolis: Vozes, 1988.
BRIZA, D. H. R. A mutilação da alma brasileira: um estudo ar-
(Obras completas, v. 16).
quetípico. São Paulo: Vetor, 2006.
JUNG, C. G. A dinâmica do inconsciente. 2. ed. Petrópolis: Vozes,
BYINGTON, C. A. B. A identidade brasileira e o complexo de vira-
1991. (Obras completas, v. 8).
lata. Junguiana, São Paulo, v. 31, n. 1, p. 71-80, jan-jun 2013.
JUNG, C. G. Psicologia em transição. Petrópolis: Vozes, 1993.
CÂMARA, E. F. S. Dom Pedro II e a psicologia da identidade
(Obras completas, v. 10).
brasileira. São Paulo: Sociedade, 2013.
JUNG, C. G. A vida simbólica. Petrópolis: Vozes, 2000. (Obras
DAMATTA, R. O faz o Brasil, Brasil. Rio de Janeiro: Rocco, 1986.
completas, v. 18/2).
DAMATTA, R. Carnivals, rogues, and heroes: an interpretation
JUNG, C. G. The collected works of C. G. Jung: complete digital
of Brazilian dilemma. Notre Dame: University of Notre Dame
edition. Princeton: Princeton University Press, 2014.
Press, 1991.

66 „ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016


Junguiana
v.34, p.55-67

JUNG, E. (1995). Animus e anima. São Paulo: Cultrix. RABL, T. Private corruption and its actors. Lengerisch: Pabst
Science Publishers, 2008.
LEAL, R. C. Notas sobre a psique brasileira: o arquétipo do
mestiço. In: CONGRESO LATINOAMERICANO DE PSICOLOGIA RAMOS, D. G. Corruption: symptom of a cultural complex in
JUNGUIANA. Anales... Santiago: Bachino, M.; Montt, I,. 2009. Brazil? In: SINGER, T.; KIMBLES, S. L. The cultural complex:
p. 308-314. contemporary Jungian perspectives on psyche and society. Hove
and New York: Brunner-Routledge, 2004. p. 102-123.
LU, K. Can individual psychology explain social phenomena?
An appraisal of the theory of cultural complexes. Psychoanalysis, RODRIGUES, N. À sombra das chuteiras imortais: crônicas de
Culture & Society, v. 14, n. 4, p. 386-404, 2013. futebol. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.

MENDONÇA, R. Pela 1ª vez, corrupção é vista como maior pro- SAMUELS, A. Politics on the couch. London: Profile Books, 2001.
blema do país, diz Datafolha. Folha de São Paulo, 29 de nov. de
SAMUELS, A. The political psyche. Nova York: Routledge, 2004.
2015. Disponível em <http://www1.folha.uol.com.br/poder/
2015/11/1712475-pela-1-vez-corrupcao-e-vista-como-maior- SCOTT, J. C. Handling historical comparisons cross-nationally.
problema-do-pais.shtml>. Acesso em: 05 mar. 2016. In: HEIDENHEIMER, A. J.; JOHNSTON, M. Political corruption:
concepts & contexts. 3. ed. New Jersey: Transaction Publishers,
MOORE, C. Psychological perspectives on organizational
2009.
corruption. Charlotte: Information Age Publishing, 2009.
p. 35-71. SHAMDASANI, S. Jung and the making of modern psychology.
Cambridge: Cambridge University Press, 2003.
NEUMANN, E. Depth psychology and a new ethic. Boston:
Shambhala, 1990. SINGER, T. Introduction. In: AMEZAGA, P. et al. Listening to
Latin America. New Orleans: Spring Journal, 2012. p. 1-13.
NOVAES, C. Corrupção e a deturpação do jeitinho brasileiro.
Jornal Harmonia, ano XIII, n. 151, jun. 2016. STEIN, M. Jung on evil. East Sussex: Routledge, 1995.

ODAJNYK, V. W. Jung and politics: the political and social ideas VON FRANZ, M.-L. A função inferior. In: VON FRANZ, M.-L.;
of C. G. Jung. Lincoln: Authors Choice Press, 2007. HILLMAN, J. A tipologia de Jung. 6. ed. São Paulo: Cultrix, 2007.

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016 „ 67


68 „ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016
Junguiana
v.34, p.69-76

¿Dame una mano ?, o,


cuando la ayuda es decir “no”

Sylvia Mello Silva Baptista*

Resumen
En este artículo se propone una reflexión so- Palabras clave
bre el concepto de la ayuda en el espacio clínico Ayuda,
desde el mito de Eros y Psique, llamando la discriminación,
piedad ilícita,
atención a la piedad ilícita y la necesidad de decir
Eros,
“no” en el proceso individual de ampliación del Psique.
conocimiento de sí mismo. „

* Psicóloga, miembro analista de la SBPA/IAAP; máster en Psicología


Clínica (PUC-SP); profesora, supervisora clínica y coordinadora del
Núcleo de Mitología y Psicología Analítica (MiPA) en SBPA y en
Areté – Centro de Estudios Helénicos. Autora de O arquétipo do
caminho (Casa do Psicólogo) entre otros.
E-mail: <sylviamellobaptista@gmail.com>.

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016 „ 69


Junguiana
v.34, p.69-76

¿Dame una mano ?, o, cuando la ayuda es decir “no”

No lo sé del río de la muerte fue la que quedó siempre


más viva en mi memoria. Curiosa para entender
Va por la sombra, firme, mejor este fragmento de la historia, vuelvo a ella
el deseo desespero de volver y a la interpretación de Marie-Louise von Franz,
incluso antes de irme y trato de aclarar aquí esas ideas para poder
antes de cometer el crimen ampliar, espero, la comprensión del infinito
convertirme en otro misterio que es el alma humana.
o en otro transformarme
quién sabe obra de arte, Recordando la historia
tal vez, no lo sé, falsa alarma El cuento Eros y Psique es largo y lleno de
grito a caer en el pozo, detalles en los cuales no me detendré, sino le
en este poco pozo nada veo ni escucho, invito al lector a leerlo en la íntegra, pues tiene
más más más una calidad literaria de placer indudable. Forma
aún menos parte de la novela El asno de oro (1985), pre-
sentado como una historia contada por una
poder esto, lo siento, es todo lo que puedo, anciana en una de las situaciones de fuga vivi-
tan poco todo lo posible das por el personaje central Lucio, transforma-
(Paulo Leminski) do, por hechizo, en asno. Von Franz cree que es-
ta inserción podría ser vista como un sueño del
Introducción autor/personaje y así interpretado. De manera
Reflexiono sobre mi práctica clínica sobre el que buceamos en el simbolismo de la historia,
concepto de ayuda, que aparece en el discurso que se puede considerar una expresión del pro-
de los pacientes cuando se ven involucrados en ceso de individuación femenina, como lo trabajó
situaciones de sufrimiento, especialmente con la Erich Neumann (1973), así como del ánima del
familia o compañeros amorosos. Son muchos los protagonista, como sugiere Von Franz, dejando
intentos de las personas para ofrecer “ayuda” a al descubierto gran parte de la psique de Apuleyo
los que, así se cree, la necesitan, en un mecanis- bañada por el inconsciente del norte de África y
mo claro y flagrante de proyección combinado por su consciencia romana.
con la asunción de un papel de salvador, meca- Pretendo enfocar el mitema del cruce en el mo-
nismo que aparta el ego del descenso necesario mento de la katabasis, porque creo que está ahí la
a infiernos personales para una confrontación expansión del tema “ayuda” de que deseo hablar.
con las propias cuestiones. Siempre me veo ci- Pero vayamos a una visión general de la historia:
tando – y a menudo repietiendo – el pasaje del Psique era una princesa de tan grande belleza,
cuento de Apuleyo de Madaura, del siglo II d.C., que todos los habitantes de su país, e incluso
en el cual la joven Psique tiene la tarea de negar extranjeros, la admiraban y le rendían homenajes
ayuda a un anciano que le extiende la mano du- en cantidad y devoción tan grande o mayores que
rante el cruce del río Estigia, el río de la muerte. a la propia diosa Afrodita. Su fama se extendió
Este gesto, advirtió el autor, se trata de una pie- por el mundo, hasta que los altares dedicados a
dad prohibida, que Junito Brandão (2002, p.218) la diosa quedaron vaciados y abandonados. Fue
llama “piedad ilícita”. como si Afrodita, descendiendo al reino de los
Apuleyo menciona dos pasajes más en las mortales, se hiciera humana en Psique. Esta si-
que Psique necesita negar ayuda, pero la imagen tuación se hizo insostenible y la diosa convocó

70 „ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016


Junguiana
v.34, p.69-76

a su hijo Eros para que la vengara. Ordenó que amado. Afrodita sabe del encuentro de su hijo
flechase la mortal y le hiciera enamorarse de la con la mortal odiada y anhela por encontrarla.
más vil de las criaturas. Psique les ruega protección y ayuda a las diosas
Mientras tanto, la pobre Psique sufría de ex- Deméter y Hera que encontró mientras vagaba
ceso. Tamaña era su belleza que sus devotos se en los templos. Ambas hablan desde el campo
atrevían tan solo a contemplarla y ella vivía días del poder, no de eros. Refuerzan su obediencia
de abandono y soledad. Su padre, entonces, fue a la diosa Afrodita y le niegan ayuda a Psique.
a consultar el Oráculo de Delfos y recibió la res- Deméter y Hera representan los aspectos de ma-
puesta de que su hija menor debería ser expuesta dre y esposa, instituciones conservadoras al
en una roca para una boda de muerte. Y así su- servicio de la manutención del status quo. Psi-
cedió, con la conmoción de todos, el sacrificio y que, al contrario, necesita transformarse; dejar
la entrega de la virgen. morir a la niña y convertirse en mujer.
Eros, para cumplir la tarea impuesta por la Una vez más, se rinde. En la casa de la madre
madre, va en busca de su víctima. No obstante, de Eros la recibe una sierva de nombre Costumbre
por un acto de desobediencia, hace Psique su – el hábito – y la atormentan otras dos, Inquietud
esposa, con la condición de que la joven no lo y Tristeza. ¡El simbolismo de estos nombres en
viera a la luz del día. Disfrutaba de su presencia la recepción de Psique dice mucho!
en la obscuridad de la noche, y se iba en cuanto Afrodita, después de humillar a la princesa al
los primeros rayos de sol señalaban el cielo. Ella máximo, le da tareas imposibles, con la intención
permanecía y disfrutaba todo tipo de comodida- de que muera. En todas ellas la pobre princesa
des y placeres de la mesa, hasta el reencuentro deseaba este fin, pero le acuden criaturas de la
de la noche siguiente. naturaleza. La primera tarea fue separar granos
Al antever un deseo de su esposa de encon- en el espacio de una noche, en la que Psique
trarse con las hermanas, Eros le advierte que contó con la ayuda de las hormigas. La segunda
pueden envenenarla, movidas por la envidia. Y, fue la captura de lana del vellocino de oro de
de hecho, Psique pidió para reunirse con las dos ovejas salvajes, y recibió el asesoramiento de una
hermanas, finalmente conducidas al palacio. La caña al borde del río en el que quiso de nuevo
reacción no fue diferente: se maravillaron con lo tirarse. La tercera tarea era recoger en un jarrón
que vieron. Maledicentes, instruyen a Psique a de cristal delicado, un poco de agua de Estigia
desobedecer el orden del marido – es la segun- en su origen, en la cual ha sido ayudada por el
da desobediencia de la historia, la primera de águila de Zeus. La cuarta y última tarea tenía que
Psique, que señala simbólicamente cómo la ver con lo que la unía a la diosa la mortal: la
individuación y la expansión de la consciencia belleza. Afrodita le ordena a Psique que pida a
implican curiosidad y transgresión, (tal como Perséfone en los infiernos la porción de un día de
ocurre con Adán y Eva en el mito cristiano y su belleza, pues la que tenía se consumió cuidando
caída del paraíso). Al levantar la lámpara y des- al hijo enfermo. Psique luego hace su katabasis,
cubrir que dormía con un dios y no con un mons- y como una verdadera heroína, baja a la tierra
truo, como habían confabulado las hermanas, de los muertos. Aquí es donde me gustaría em-
deja caer una gota de aceite e hiere a Eros en el pezar nuestra reflexión. Vamos a hacer este viaje
hombro. Abandonada por su amor que huye para con Psique a lo más profundo de sí misma.
lejos, se venga de muerte de las hermanas.
Allí comienza el calvario de la joven, que, des- El descenso
pués de intentar arrojarse al río más cercano y Psique es instruida por una torre desde la que
ser convencida por el dios Pan (también rechazado iba a lanzarse a no hacerlo. Si su destino era el
por la madre) a no hacerlo, sale en busca del Tártaro, ¿por qué no intentar la ruta y tal vez tener

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016 „ 71


Junguiana
v.34, p.69-76

éxito en su regreso? Ella acepta la ponderación y cuidado de no quitarle atención al alimento de


escucha, atenta, las instrucciones. Debería en- Cerbero, su única posibilidad de escapar al mun-
contrar el lugar de acceso al Hades y llevar en ca- do del Orco. Esto nos apunta el hecho de que la
da mano una torta de harina de cebada amasada distracción con la ayuda por la piedad ilícita tiene
con vino y miel al perro Cerbero, guardián de las un resultado fatal.
puertas del mundo de las almas, además de dos Psique no sabe quién es el viejo cojo y qué
monedas en la boca para pagar al barquero Ca- va a hacer él después de su posible ayuda. La
ronte por el cruce del río Estigia. vejez y debilidad física causan la proyección de
El primer aviso se refiere a un conductor y un contenidos que nublan la consciencia. Pienso,
asno, ambos cojos, a quien negará ayuda cuando por la lectura simbólica de la historia, que la tra-
el señor le pide para recoger una carga de madera yectoria de Psique es el camino de la discrimi-
caída. También debe guardar silencio y continuar. nación, la diferenciación, anunciado en su prime-
Luego llegará al río de la muerte, le pagará por la ra tarea de separar granos. Antes de eso, incluso
travesía de ida a Caronte – quien debe tomar la el cuchillo que trae al suspender la lámpara de
moneda de su boca con las manos – y negará aceite para desenmascarar a su marido, también
extender la mano a un anciano muerto flotando se puede entender como un elemento de discer-
cerca de la embarcación cuando le pida que lo nimiento. La luz y el corte.
levante. La tercera negativa debe darles a las tres La individuación pasa por el entrenamiento
hilanderas que le pedirán ayuda con su trabajo. de esta capacidad. Aunque se trata de un viejo
Le dijeron que no tenía derecho a tocarlo. Y so- cojo, con su animal cojo, Psique no puede des-
bre todo debería tener cuidado, una vez más, para viarse de su objetivo principal: llegar a la pre-
no perder la torta de cebada, vino y miel. sencia de Perséfone (es decir, hacer frente al
La torre también le advierte de la más impor- femenino profundo), una diosa que también bajó
tante recomendación: evitar la curiosidad y no al reino del infierno y se transformó.
abrir, bajo ninguna circunstancia, la caja de belle- Psique necesita resistir a la tentación de
za dada por Perséfone - esta será la tercera deso- la falsa bondad para no caer en la trampa de
bediencia en la historia, la segunda de Psique, y Afrodita. Sí, porque recordemos que la diosa del
la más significativa por ser una verdadera acción, amor le propuso a la joven hechos que la con-
expresión de su propio deseo, como veremos ducirán a la muerte. La hermana de las Furias,
más adelante. Pero vamos a ver las negativas. vengadoras de la sangre derramada, – también
es ella misma una vengadora en el campo del
Las negativas amor erótico. En su aspecto maternal, Afrodita
El anciano cojo y su asno, también cojo, se siente amenazada por Psique en el dúo ma-
indican la identidad de los personajes en su dis- dre-niño, a la ruptura de la endogamia. La trampa
capacidad, dificultad que provoca en el prójimo es provocar la tentación de vaciar una mano para
la piedad, como ocurrirá en las siguientes situa- extender al otro y así dejar de centrarse en el
ciones. Von Franz observa que el llamamiento es proceso personal, en la creencia de que el cuida-
aún mayor para lo femenino maternal de las do del proceso de otras personas configura una
mujeres, haciendo la tarea especialmente difícil “ayuda” efectiva, cuando, en realidad, cada uno
para la joven. ¿Quién no se siente compelido a tiene su camino individual a cumplir. ¡Hay que
ayudar a un anciano que ya no tiene fuerza física mantener las manos ocupadas! Si cae la joven
y vigor, ambos atributos de la juventud? Los cin- en la tentación de la bondad prohibida, psique/
co personajes de las negativas, son, por cierto, alma y amor estarán separados para siempre.
viejos, lo que contrasta con Psique en la flor de Junto a esto, hay el detalle del silencio. El an-
la edad. La primera negativa también implica su ciano le pide explícitamente que recoja la carga y

72 „ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016


Junguiana
v.34, p.69-76

Psique debe permanecer inmóvil. Siquiera le da largo para no caer en los “cantos de sirena” de
una respuesta. El silencio es una señal pode- una salida suicida y permanecer en ese mundo
rosa de permanencia consigo mismo. Algunas de eidola.
comunidades religiosas hacen retiros de silen- La segunda negativa, de innegable fuerza
cio con el fin de poner a la persona en contacto imagética, se refiere a la discriminación y a la
profundo con el interior, y distanciar los ruidos consecuente firmeza de no extenderle la mano a
exteriores que retiran la atención del alma. El si- quien se la pide. Por segunda vez, el pedido es
lencio de Psique es una clara señal de que ne- explícito y la aproximación, dramática. El anciano
cesita guardarse de lo que está fuera. Recorde- le suplica compartir el espacio protegido que la
mos también que este momento ocurre en su separa de las aguas de la muerte. Le corresponde
camino hacia la laguna Estigia, y la prepara para a ella entender que, en ese contexto, el alma mo-
sus posteriores negativas. ribunda ya forma parte del mundo de los muertos
Rafael López-Pedraza (2009) señala, citan- (de nuevo la discriminación), y una vez más, es
do a Karl Kerényi, que la raíz de la palabra Estigia hora de resistir y persistir en su meta principal.
– stygein – se enlaza al odio. Psique ya tuvo que El numeral 3 está dotado de una fuerza mági-
contener el agua de la fuente de este río en un ca, ya bien explorada por Jung y Von Franz, entre
florero pequeño y delicado, o sea, contener su otros. Representa lo trascendente, la respuesta
odio. Psique necesita contener el odio destruc- que viene de la experiencia de soportar la tensión
tivo que le acompaña en las tareas impuestas, de los opuestos, de las oposiciones que nos tiran
silenciar su idea errónea de la muerte y sacrificio, en direcciones antagónicas. Habrán tres inten-
discriminar la piedad ilícita de la compasión – tos de desvío, y el tercero, con tres personajes.
con-pathos –, compadecerse de sí misma, conec- Las hilanderas nos remiten inmediatamente a las
tarse con su alma, raíz de su propio nombre. tres Parcas o Moiras, Cloto, Láquesis y Atropos.
Para Von Franz, Estigia en griego se refiere a Psique no debe tocar su trabajo y, tal como en
la diosa femenina de las aguas que rige todas las demás situaciones, debe ignorar el claro pe-
las cosas, y su aspecto mortal apunta a lo terrible dido de ayuda. Von Franz llama la atención so-
del inconsciente colectivo. La psique creativa es bre el sentido de no ceder a la tentación de de-
el único receptáculo, según la autora, capaz de terminar el destino, una vez que las Moiras nos
contener las aguas del Estigia. atribuyen a cada uno nuestra porción de vida. La
Ella no menciona al personaje cojo, sino a joven tendrá que aceptarlo. Tendrá que tejer su
Ocno, un hombre que manufactura y torce una propia tela, componer su propia trama. Se lo
cuerda, cuyo nombre significa hesitación. Creo señala lo femenino ancestral. El trabajo de dis-
que es particularmente interesante ese detalle, criminación que ha venido sucediendo desde el
ya que tal situación, la hesitación, equivale a comienzo tiene aquí su ápice. Hay que saber a
cojear, dar pasos sin determinación, y así las dos que urdimbre se refiere ese contexto.
expresiones aparentemente distantes, ganan
semejanza. Las reflexiones
Con la imagen de Ocno, agrego una extensión Podemos inferir de las tareas realizadas por
a la figura de la cuerda. En el estudio de la mito- Psique en los infiernos un denominador común:
logía griega es evidente que la forma de suicidio la espera o el apoyar, el esperar, el no actuar. Si
de las mujeres era la horca. Nicole Loraux (1988) pensamos de nuevo en las negativas a los pedi-
exploró el tema en su libro Maneras trágicas de dos de los ancianos, vemos que además de dis-
matar a una mujer. El fabricante de cuerdas nos criminar, como se señaló anteriormente, tuvo que
hace recordar esta asociación con la muerte soportar los sentimientos inspirados por las
siempre inminente de Psique. Ella debe pasar de situaciones que se le presentaron, y confiar en

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016 „ 73


Junguiana
v.34, p.69-76

una certeza interior de que estaba haciendo lo Las ayudas que Psique ha recibido para llevar a
mejor que le pidieron. Fue necesario silenciar, cabo los propósitos de Afrodita, parecen expre-
seguir adelante, inmovilizarse, no acercarse de- sar las señales que vienen en nuestro camino
masiado, para llegar hasta Perséfone y obtener personal, las señales procedentes de la natura-
su pedido. leza viva. Recibió ayuda y se le impidió ayudar.
Con la reina de Hades, Psique tendrá que en- Existe una discriminación aquí. Y esta diferencia,
trenar la humildad. Hay una nueva recusa, ahora es, a mi juicio, lo que más necesitan los pacientes
de aceptar los lujos que le ofrece Perséfone. Tie- que he citado al principio de la presentación de
ne que sentarse en el piso duro, pedir un pan estas ideas, pero que en realidad, somos todos
grosero como alimento, y decir “no” al banquete nosotros. Caemos en la tentación de – y aquí uti-
y al confort. Son nuevas seducciones que ocurren lizo una expresión del lenguaje ordinaria – echar
como tentativas de desconcierto y que nos mues- una mano a los que nos lo piden, y proyectamos
tran que hasta a una diosa es posible negar. Debe en ellos nuestra piedad ilícita, creyéndonos su-
saber cuál es su lugar y ahí quedarse humilde y ficientemente potentes como para salvar al otro,
fiel a su propósito. aligerarle la carga, o modificarle el destino. Pone-
El mitologema de esta historia, en mi opinión, mos en una única palabra, ayuda, diferentes sen-
trae la cuestión de la muerte y el renacimiento timientos. Nos atrevemos a tocar la tela de las
en el ámbito de la elección – en el ámbito de lo Moiras/hilanderas y tratamos de dar a la vida del
que eligen las Moiras, por supuesto. Psique bus- otro un rumbo distinto que se vislumbra mejor,
ca salir de la condición de puella: tiene que de- más interesante, más sano, más seguro.
jar morir lo viejo, no vacilar y hacer elecciones, El trabajo de discriminación no solo es el
correr riesgos y creer en el sentido. primero, como se ha señalado en el mito, sino
Al final del cuento, Psique tras cumplir todos también constante y sin fin. Me parece que las
los pedidos de Afrodita, abre la caja de la belleza negativas de Psique ocurren en un punto en el
y cree que se hará más bella a su querido que, cual entendió que debería permanecer en una
juzga, irá encontrar como premio. La belleza de posición pasiva. Todo su proceso dijo respecto
un día es la belleza efímera, palabra que en grie- a recibir. Cada tarea le exigió una capacidad de
go se atribuye a la vida del hombre. Comparado acogida de lo que le fue propuesto. Todas las
a los dioses, el humano no es más que un ser ayudas que obtuvo vinieron de elementos de la
de duración efímera, de un solo día, tal como es naturaleza, lo que nos muestra que su atención
la existencia de una mariposa. Psique anhela tenía que ser constantemente atraída hacia den-
quedarse con su amado inmortal, pero sucum- tro, para el descubrimiento de una percepción
be a la fugacidad de la belleza literal. Cae en la interna, ya que tales interferencias tuvieron el
última trampa de Afrodita. Pero ahora, después efecto principal de reubicarla en su camino. El
de su trayectoria heroica, Eros la rescata y la lleva mayor escollo que se desprende de la historia
al Olimpo con el consentimiento de Zeus. Eros está en la actitud de Afrodita, hermana de las
por tanto, también elige y actúa en una dirección Erinias, tratando de evitar el acceso del alma al
diferente a la esperada por la madre, y pasa de eros: la seducción de la prestación de “ayuda”
la condición de hijo a la de cónyuge, con la ben- sin tener en cuenta el proceso en sí. El mito tiene
dición del maestro olímpico. como personal la idea de soportar: discriminar
y persistir, teniendo como guías internas la con-
La tesitura y los remates fianza en su propia alma animada por Eros. ¡Decir
La curiosidad y la desobediencia son condi- no, no, no!
ciones obligatorias para alcanzar el conocimien- En la vida de mis pacientes, fui testigo de
to, y por ende, la conciencia, como se dijo antes. numerosas situaciones en las que la ayuda viene

74 „ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016


Junguiana
v.34, p.69-76

como una trampa. Una paciente se endeuda por de nuestra época, la piedad. Apiadarse del otro
prestarle dinero al hermano, cuyo comportamien- en sufrimiento es algo casi automático en el con-
to en la vida hasta el momento es inmutable. Ella texto judeocristiano en que fuimos forjados
imagina que lo ayuda y es capaz, con la llamada nosotros en el Occidente. Pero el mito enseña
“buena acción”, hacerlo darse cuenta de su de- que la psique exige relatividad. Y así como es
sorganización financiera, su incapacidad de asu- importante que el alma/psique crea en el sen-
mir responsabilidades, de su lado vacilante, su tido interno que la guiará, también tendrá que
falta de límites, en pocas palabras, de tocar su soportar los juzgamientos de los que la vean como
destino. insensible. A menudo el paciente no permanece
Ayudar a los pacientes a discriminar de qué en la no acción y en el silencio, sino actúa, para
se trata el pedido y, desde luego, qué requiere no ser llamado de omiso. Estar a su lado para
la situación, y de otro lado, a reflexionar cómo que permanezca y resista, con las manos ocupa-
pueden involucrarse con sus conocidos con el das, atento al proceso, sin distracciones, sin pie-
fin de respetar sus caminos, aunque eso signifi- dades ilícitas, sin juicios, para que pueda tener
que negarles la mano, es una enorme tarea. Me ojos en la oscuridad del descenso, para pagar
parece que el papel del analista es permanecer los precios necesarios, para volver a la luz trans-
firme como la torre que le recuerda al alma que formado, haciéndose digno de la coniunctio Psi-
deberá resistir a las seducciones, decir no a las que-Eros en su interior, este es el difícil papel
tentaciones y soportar las incertidumbres del del analista. „
trayecto hacia la construcción del camino que
conduce a eros, al placer, al encuentro sagrado. Vivir es un descuido continuado.
Casi invisible es el otro requisito para este (João Guimarães Rosa)
encuentro final: el no juzgar. No proporcionar ayu-
da literal llega al corazón de la actitud cristiana Recebido em: 2/3/2015 Revisão: 17/8/2015

Resumo

Me dê uma mão?, ou, quando a ajuda é dizer “não”


O presente artigo propõe uma reflexão sobre dade ilícita e à necessidade de dizer “não” no
o conceito de ajuda no espaço clínico a partir do processo individual de ampliação do conheci-
mito de Eros e Psiquê, chamando atenção à pie- mento de si. „

Palavras-chave: Ajuda, discriminação, piedade ilícita, Eros, Psiquê.

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016 „ 75


Junguiana
v.34, p.69-76

Referências bibliográficas
APULEIO, L. O asno de ouro. Tradução Ruth Guimarães. Rio de LORAUX, N. Maneiras trágicas de matar uma mulher. Tradução
Janeiro: Ediouro, 1985. p. 71-101. Maurice Olender. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1988.

BRANDÃO, J. S. Dicionário mítico-etimológico, v. I, Petrópolis: NEUMAN, E. Amor and Psyche, New York: Bollingen/Princeton
Vozes, 2000. p. 356-358. University Press, 1973.

BRANDÃO, J. S. Mitologia grega, v. II, Petrópolis: Vozes, 2002. LÓPEZ-PEDRAZA, R. De Eros y Psique. Caracas: Festina Lente, 2009.
p. 209-251.
VON FRANZ, M.-L. O asno de ouro – O romance de Lúcio Apuleio
LEMINSKI, P. Toda poesia. São Paulo: Companhia das letras, na perspectiva da psicologia analítica junguiana.Tradução
2013. p. 332. Inácio Cunha. Petrópolis: Vozes, 2014.

76 „ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016


Junguiana
v.34, p.77-86

Sandplay: conflict and creativity


embodied in the sand

Patrícia Dias Gimenez*

Abstract
In this article, the author aims to reflect on Keywords
the clinical practice of the analyst who works with Sandplay,
images, focusing mainly on sandplay, “play in image,
symbol,
the sand”, technique created by Dora Kalff in
imaginative
Switzerland and originally brought to Brazil by
capacity.
Fatima Salome Gambini.
Having a chronicle by Rubem Alves (a Brazilian
writer) as starting point, the author defends the
possibility and the need to broaden our horizonz
as therapists. She emphasizes the importance of
doing the exercise of “playful eyes” by Jungian
therapists – a term used by Rubem Alves in his
chronicle. She highlights that one needs to make
an effort to achieve a broad look, instead of re-
maining limited to the need of the immediate sym-
bol interpretation. For this, the analysts should
invest in developing their imaginative capacity and
must earn an imaginative freedom in order to en-
able the creative contact of the patient with his/
her unconscious images embodied in sand.
The author argues that the Jungian therapist
who works with images, through sandplay, clay,
painting or dreams, experience a never-ending
* Jungian analyst and SBPA/IAAP member.Master in social psycho-
logy from the Psychology Institute at the University of São Paulo. She process of becoming a therapist. They are never
is specialized in sandplay and has been working for 23 years in her
complete, so, they are in a constant training pro-
own clinic.
E-mail: <patgimenez@uol.com.br>. cess, always learning from the images. „

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016 „ 77


Junguiana
v.34, p.77-86

Sandplay: conflict and creativity embodied in the sand

to the Onion” and said: “This eye disorder that


has befallen on you is common among poets.
Observe what Neruda said of an onion, just like
the one that caused your amazement:
‘Water rose with crystal scales’ (apud ALVES,
2004). No, you’re not crazy.
You have earned the eyes of a poet... Poets teach
us to see.”
Seeing is very complicated. This is strange be-
cause, of all the senses, the eyes are the easi-
est ones for the scientific understanding. Their
physical shape is identical to the optical physics
of a camera: the object on the outside is reflected
on the inside. But there is something in the vi-
sion that does not belong to physics.
William Blake knew it and he stated: “The tree
I will start my analysis by sharing with you a that a wise man sees is not the same tree seen
an excerpt that inspires me a lot: by the fool” (apud ALVES, 2004). I know this from
experience. When I see a flowering Ipe tree, I
1
The complicated art of seeing feel like Moses before the burning bush: an
epiphany of the sacredness.
She came, lay down on the couch and said, “I But a woman who lived near my house proclaim-
think I’m going crazy.” I remained silent waiting ed the death of an Ipe tree that bloomed in front
for her to reveal the signs of her madness. of her house because it has made the ground
“Cooking is one of my pleasures. I go to the dirty and it meant a hard work for her broom.
kitchen, cut the onions, tomatoes, peppers. It is Her eyes did not see the beauty. They only saw
a joy! the trash.
However, a few days ago, I went to the kitchen to Adélia Prado3 once said: “God occasionally
do what I had done hundreds of times: to cut takes poetry away from me. I look at a stone and
onions. Trivial act, no surprises. But once the see a stone.” (apud ALVES, 2004). Drummond
onion was cut, I looked at it and I was startled. I saw a stone and did not see a stone4. The stone
realized I had never actually seen an onion. Those he saw turned into a poem. There are many
perfectly set of rings, light reflecting on them: people with perfect eyesight who see nothing.
for me, it seemed to be a rose at the stained glass “It is not enough not to be blind to see the trees
window of a gothic cathedral. and flowers. It is not enough to open the win-
Suddenly, the onion, from an object to be eaten, dow to see the fields and rivers,” (apud ALVES,
became a work of art to be seen! What’s worse is 2004) wrote Alberto Caeiro, Fernando Pessoa’s
that the same happened when I cut the tomatoes, heteronym. Vision capability is not natural. It
peppers... Now all I see astounds me.” needs to be learned.
She paused, waiting for my diagnosis. I stood Nietzsche knew this and he said that the first
up, went to the bookcase and there picked “Odes task in education is teaching how to see. Zen
2
Elementales ” by Pablo Neruda. I sought for “Ode Buddhism agrees, and all their spirituality is a

78 „ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016


Junguiana
v.34, p.77-86

search for the experience called “satori”, the still nothing published in Portuguese at the time),
opening of the “third eye”. I do not know if on the conversations with Antonio Carlos Garcia,
Cummings was inspired by the Zen Buddhism, my analyst (who had once worked with the “sand
but the fact is that he wrote: box”) and also on studies with a college classmate
“Now the ears of my ears are awaken and now who was also interested in sandplay. At the time,
the eyes of my eyes are opened”(apud ALVES, we used the term sandbox.
2004). I dove into the books, bought an assortment
[...] The difference is in where the eyes are kept. of miniatures and began to treat children, my first
If the eyes are in the toolbox, they are only tools patients. From the beginning, in the clinic, I set
we use for their practical functioning. out to work with image. I cannot conceive a to-
With them we see objects, light signals, street tally verbal work although from time to time I
names – and adjust our action. The seeing is have patients who challenge me to experience
subordinated to the doing. This is necessary. only verbal processes. But even when it is seldom
But it is too poor. used, I find substantial to encourage contact
Eyes do not reach orgasm [...], but when the eyes with image through sandplay, clay, watercolor,
are in the toy box, they turn into pleasure organs: crayon, color pencils, whatever! In fact, I seek the
they play with what they see, they look for the material the patient feels most connected with.
pleasure of looking, they want to make love with I think it is a rich process to seek for images;
the world. that brings me the feeling of going straight to
The eyes that live in the toolbox are the eyes of the source.
adults. The eyes that live in the toy box belong
to children. In order to have playful eyes, we
need to have children as our teachers. [...].
(RUBEM ALVES)

From my standpoint, the eyes of a therapist


who works with sandplay need to constantly visit
the toy box, so they need to afford themselves
to play in order to enable the play in the sand.
5
The analyst must practice “psycheating” , a term
coined by Rafael López-Pedraza in his seminar
“On Eros and Psyche” (2010), which brings the
idea of generating psychic movement, imagining,
stirring psychic waters ...
I started working with sandplay shortly after
graduation, in 1993. My supervisor, (now colleague
at SBPA6 ) Rodney Taboada kept insisting that I Of course, when working with dreams, we are
should contact Fatima Salome Gambini, a Brazil- also dealing with image and drinking straight from
ian analyst who has deepen in sandplay and also the water spring. But they are different processes
had experienced a long analytical process acquir- and, in my view, complementary ones. Acknowl-
ing countless exchanges and sharings with Dora edging the importance of remembering my dream,
Kalff, the creator of the technique. to catch up at dawn, writing it down (or drawing,
It took me some time to look for Fatima. Be- painting, sculpting inspired by the dream) requires
fore that, I explored this material on my own, based an active attitude of my consciousness. It is an
on books I had bought in San Francisco (there was exercise of welcoming the image.

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016 „ 79


Junguiana
v.34, p.77-86

In sandplay as well as in painting, we experi- found changes in my life and in my work.


ence the practice of cropping the image while What dramatically changed for me in that
awaken, going actively in a complementary direc- meeting with the Fatima’s sands was to find out
tion to the dream, in a search of contact with the the sand as core thing in the sandplay process...
source, the unconsciousness. It is a seek to es- And the freedom to play, such an important is-
tablish this bridge, this transcendent function. I sue nowadays, when we are, on the one hand
know nothing about engineering, but in bridges discovering the importance of playing in child-
I see that the construction process materializes hood through the neurosciences; and on the
itself from the two ends about to be connected other hand, seeing education to prevent children
somewhere in between! This seems like a good pic- from it, forcing them to face an early start in their
ture of the work in Jungian analysis with dreams intellectual development at the expense of play.
and sandplay. In these approximately 20 years working with
Jung’s biography and his search on these two sand, I already feel the difference in the way chil-
directions is, to me, the great example of this dren play: I do not know if what hinders them the
process of a two-way investment: on one side, most is the excessive early intellectual stimula-
welcoming the spontaneous production by the tion, the influence of iPads, iPhones and things
unconsciousness while I collect my dreams, and, like that or the lack of space/time for a free play.
on the other side, looking for these images as I This is very sad to see and I think that it is direct-
exercise my conscience to dive in such uncon- ly related to ADD diagnoses and depression in
scious images, bringing their treasures to a solid childhood and adolescence.
ground, to a consciousness land. Jung lived all A major theme that requires a deeper dive…
of this intensely, not only in the mind but liter- Back to sand, when I met Fatima I was start-
ally working with body and soul, so devotedly ing to develop my master’s thesis on the use of
sculpting, painting a lot and investing in his in- sandplay and dreams in professional choice pro-
ner altar described in the precious Red Book. cesses. This learning from her and the sand was
It was through treating a child that I felt in- very valuable, and I will be forever grateful to life
spired to work with sand and miniatures. Before and to her for this meeting. Fatima taught me
that, since my encounter with Anna Barros, my in practice, in my process, and she was not the
first Jungian therapist, I had already revived the “nice” type to me: she confronted, challenged me
contact with brushes, paints, clay, crayons, which to identify my form of expression and reflection,
I had been fortunate to experience through- both in life and in practice with sandplay. I could
out my childhood and adolescence. So when I have her by my side all along the master’s course,
started in my own office, soon as I had gradu- during my training at SBPA, my pregnancies and
ated, it was inevitable to bring in those materials births, the completion of my master’s degree, as
and use them with my first tiny patients. But the well as on the first paper I ventured to present at
child who encouraged me to make contact with the first Latin American Congress.
sandplay was not interested in any artistic mate- I am thankful because I never had during this
rial. And she got very interested in sandplay. From support, in this space for reflection that I experi-
the beginning, I could see the richness of those enced with her, her wish to direct or control my
elements, the ease way in which children plung- way of experience sandplay. My way of living
ed the images in the sand and the stories that sandplay is different from the one she found for
inspired them. Children were my teachers in herself, as well as it should be for each therapists,
sandplay as I started in my career. who must find their own way to experience it in
Only after I met Fatima I could experience a order to be authentic. Fatima was a very introverted
long journey with her. This meeting led to pro- person. She used to feel very comfortable in her

80 „ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016


Junguiana
v.34, p.77-86

tiny room filled with miniatures and relatively com- agent” that we absorb in training as psycholo-
fortable in small groups. But she did not like to gists; not in salutogenesis, which we work with
feel exposed, to speak in public. It was inside her our healing forces, the potential for individua-
office that she spoke with the authority of some- tion that exists in our body, soul and spirit. In
one who had lived a deep dive in the sands as college we do not usually learn to rely on these
well as in the Brazilian culture and psyche. And forces of creation, in the ability to reinvent our-
she was extremely generous in this free and pro- selves, in the psyche and its eternal circular
tected space she created. I am truly grateful. search, experiencing life-death-life. We paralyze
But since 2005 I could not count on her com- in the death polarity for fear of it, for being so
pany to dive into sand anymore... She has afraid of making mistakes and seeking for an
plunged in another direction. At first, it was very accurate diagnosis.
painful to find myself lonesome, but I gradually “Playing” with the image is not permitted or
realized that it was the time for me to follow my trained at college. Looking at an image and first
path, have other encounters and take ownership seeking the norm, the average according to sta-
of my experience so I would be able to exchange, tistics, does not make sense for me today, but it
teach, learn... was how I learned and how the psychologist’s
Now I realize that it has been two years living view is often taught and trained. I feel like we are
through sandplay on my own, ten years in her always stuck in the paradigm of science and its
company and 11, alone again. I now experience methods based on standard and not on the in-
with my patients what I used to have with Fatima; dividual, neither on the process of individuation.
what she gave me dives into their processes in We are still haunted by the fear of being consid-
the sand, in their images embodied in the sand ered mystical and thus, devalued. The “black
– the chance to experience their conflicts in the sludge mysticism” that haunted both Freud and
sand and through a continuous creation, find- Jung, still haunts us.
ing creative paths in their lives. While writing my master thesis on sandplay
In this lonely journey, one of the aspects that for the University of São Paulo, I often went into
most inspires me is the perception of a tendency confrontation with my advisor, who thought it
to “harden the views” in psychology. In fact, I was inappropriate to use the term “play” in an
perceive this since my training at the psycho- academic text. I could not understand why the
logy college. I work with several psychology term “play” could not be suitable if I was talking
undergraduates and with recently graduated about a technique inspired by the play of chil-
psychologists; in therapy, supervision or study dren. Why must play not be taken seriously?
groups. In them, I notice the same process I So now I dedicate to exercising my playful
faced – a “harden view”: trained to identify what eyes through the images that constellate in the
the image reveals in relation to pathology, we sand, watercolor, clay, fairy tales and myths that
exercise a partial look, which does not observe inspire me. This requires, above all, the conquest
the whole and which often does not connect the of an internal space for exploration. I need to al-
image created and the individual who has crea- low myself to it and to understand that no one
ted the image. This pathos we learn in college is can give me that endorsement. I must win it in
not the pathos which Hillman refers as a possi- my search, in my experience. I need not be at-
bility to deal with the soul. It is not the pathos tached to what is considered right from the point
that can generate psychic movement. It is rather, of view of the one who stands outside. I must
the pathos that paralyzes, petrifies the soul. It is connect to the other who lies within me, so I can
our heritage from the medicine focused on the actually connect to the other who lies before me.
pathogenesis, on the pursuit of the “pathogenic And in turn, help them to connect to the other who

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016 „ 81


Junguiana
v.34, p.77-86

lives within them. I must not be tempted to set for my work with images in the clinic. Summing
strict parameters to watch and understand an im- up and taking the risk of describing this propo-
age. I must not be afraid of making mistakes, of sition in an exceedingly simplistic manner, (be-
experiencing... This is the starting point of play! cause as an exercise, it is way too simple, but
In this sense, the commitment in the sand- depending on the involvement one has with it,
play learning process is the same ethical com- the experience may be profound), I would like to
mitment that leads me to be a therapist, it is the present the four steps of the way I have been
ethical commitment to my individuation process experiencing in sandplay. For this, let us, toge-
and to my patients, supervised professionals or ther, observe a scene in the sand.
students individuation processes. Our paths are
different; each of us has our own. I cannot merely
teach sandplay, I must experience the contact
with the psychic images, I must “psycheate” and
help those who are living their own processes
by my side to trust their contact with their ima-
ges, to “psycheate” too. Trust, for me, is the key
word: In Portuguese, “confiar”, or con (with) +
fiar (to weave) = to weave together, creating a
single thread inside me, the thread that connects
me to what is greater than my conscience, but
unveils through it, that should be able to concei-
ve, welcome, nurture and send out to the world.
This exercising of playful eyes and not guiding
me solely for the intellectual and instrumental
learning of sandplay has been related to the
study of anthroposophy, a philosophy grounded This description is an adaptation of my phe-
by Rudolf Steiner, a Jung contemporary who has nomenological observations of fairy tales, cre-
inspired the creation of various fields of knowl- ations in the sand and plants to sandplay. It is
edge such as the Waldorf pedagogy, anthropo- my poetic license what I would like to share with
sophical medicine, biodynamic agriculture, the you now.
living economy etc. In a first step of this practice, we propose to
Steiner was an expert on Goethe’s work and identify, in the scene, the aspects related to the
created the proposition of Goethean observation, earth element. What does that mean? Let us use
inspired by the descriptions of Goethe’s work on our sense (in Jungian terms), let us detail the ele-
his practice of nature observation. In anthroposo- ments in the scene without appealing to terms
phy, this exercise of observing in a phenomeno- that might lead us to judgment and comparison.
logical way, not judgmentally, as we watch a plant It doesn’t matter if the scene is chaotic or orga-
or a child within the school context, a fairy tale nized, beautiful or ugly, as this is a value judg-
or a work of art, is a meditative exercise, which ment. We naturally think in that way, but at this
aims to expand capacity to see in order to ex- point we need to release such parameters and
pand thinking, feeling and willing. regard the scene as unique in itself. With this, we
In recent years I have taken several courses seek to establish the basis of our observation, to
and made experiences based on the phenomeno- describe the land on which and from which the
logical observation proposed by Steiner and I scene unfolds, the bed on which our river will
increasingly perceive the richness in this exercise flows. We can draw either this whole scene or

82 „ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016


Junguiana
v.34, p.77-86

some detail of the scene that drags our attention. experiencing this step, realize that there are many
In a second step, we propose to scrutinize the gaps in my memory on how the scene was made;
water element, and now our feeling will be our then I must accept this fact without being judg-
guide for watching the scene. What is the flow mental: maybe I was a bit distant from the cre-
revealed here? How do we feel its flow? Have we ation of the scene to let my patient more relaxed,
managed to identify whether it begins at some maybe I had my attention turned in another di-
point? What is the “seed” from which the scene rection while creation was happening, maybe I
sprouts? What is its source and in which direc- was not feeling at ease... These are some pos-
tion does it flow? Can I, in this moment, look back sibilities of observation to be considered with
respect and not criticism.
In a third stage, I look through the prism of the
air element, with my thinking ability. I must make
a tough effort to go opposite to the flow, which
requires a lot of my thought, of my memory. I have
to trust in my memory. I start from the end of the
session, with the scene ready, and go backwards
through its construction process. I look back to
the creation of the scene. The previous exercise
has prepared me for this one: I seek for restora-
tion of the source, of the origin of the scene, to
what might be the gesture of the scene. I may even
experience a gesture inspired by the scene in my
body, in a drawing or in a scene in the sand. Coun-
tering the flow, I seek to be alert to images, sen-
sations and feelings to which the scene drags me.
at my memory of the session when the scene Going against the current, I am aware if I can “fish
was set (I do not particularly like to take notes of any fish”, any new snack. That is when I dive also
the scene, I stick just to my observation). How into the symbolism of some elements of the scene.
did the assembly of the scene start? How was If I happen to not be familiar with anything, now
the sand (wet or dry)? Did he/she feel the need is when I do research. At this point, I’m able to
to touch the sand? Or it was chosen just from have a more accurate understanding of the sym-
looking at it, from a certain distance? In face of bolism, to filter what nourishes my observation
the miniatures, how were they chosen? How was and dismiss what does not.
the scene assembled: was he/she standing, And then I get to the fourth step of this prac-
among the miniatures, sitting before me bring- tice: the fire element will now be my guide, my
ing the sand to work from there? Did he/she as- intuition will guide me. It is time for me to be
semble the scene since the beginning of the ses- silent, I need to be silent. After the effort is made,
sion, during the session or only at the very end, I must stop, soothe my mind, breathe and wait
when he/she realized that the session was end- for something to manifest itself: an image, a sen-
ing? Did he/she use all the miniatures selected sation, a feeling... anything. I hope for the scene
or were any of them left out? There are many to be conjured before me. Sometimes I do this
memories to be revisited and experienced, but exercise before bedtime and ask for a dream which
the essential thing at this point is how is it that I can help me understand something I have not
“feel” how the construction of the scene hap- been able to identify in the scene. I take the mat-
pened, from beginning to end? I may also, while ter to sleeptime – as they say in anthroposophy.

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016 „ 83


Junguiana
v.34, p.77-86

By exercising my observation before bedtime, physic and psychic. But she herself did that.
as a meditation exercise, I’m effectively “con- Today, as I was bent over this practice of
ducting the inspiring image to the sleep” and Goethean observation, I realized that she might
asking my unconscious for inspiration, thus also have been seeking something similar to what
seeking to actively inspire my dreams. I seek now. She was probably trying to under-
stand, perceive, feel and intuit what the scene dis-
closed. What I also consider interesting in this
exercise is the fact that it allows me to dive deep,
but not at once, not just in one day, there is no
need to haveenergy drained. I can go smoothly I
may watch a scene for a whole month spending
a week exercising one of these steps at a time,
thereby obtaining a slow alchemical process, ex-
periencing steps with calm and dedication. But for
that I have to work on my anxiety and believe that
little is much, which is quite difficult these days.
Here once more I recall therapist Rafael Lopez-
Pedraza (2010) who, as previously mentioned,
approaches the need for us to be always on hold
for the cultivation of the soul. The soul of the
therapist who works with images must be forged,
Only four steps, but it is an arduous and pro- and that requires waiting, the attentive patience
found path if approached with discipline and de- of alchemists in the alchemical opus. For this,
votion. Of course I am not able to dedicate so one must be careful not to fall into the trap of
much energy to all the scenes of all the patients, mediocrity, the “exclusion of what it could dis-
but I try to promote that practice with some of tort the true initiation” must happen – reveals
them. It grants me a dip in the scene. I need and I López-Pedraza (2010, p.38) when speaking about
can see how it touches me, where it is familiar to the therapist’s work. He points out in his text that
me, where I can empathize with it or where it is if we do not pay attention to the true waiting, we
totally strange to me and gets me detached. I can may experience, in psychotherapy, what he calls
identify what is mine in this observation and what “psychopathic mimetics”, which happens when
belongs to the patient. What happens in that in- we take the mediocre route of slogans and reci-
terspace: what is mine, what is theirs, what is ours. pes for living” (LÓPEZ-PEDRAZA, 2010, p.38).
Fatima was an amazing observer of scenes... Observing an image in the sacred work of the
she told me she used to spend hours alone analysis that seeks “to make the soul”, we need
watching a scene. She would come back to her to cultivate the waiting. First in ourselves and, if
office late at night and stay there for a while, that is possible or when it gets possible, we can
watching the actual scene, which she did not put experience with our patient that expectation for
down once she had many sand tables and that the image to be revealed after a continuous ef-
allowed her to keep them for a while. We usually fort. It shall not magically unveil. An ongoing
work with only two sand tables and that permits effort is necessary; this cultivation is essential.
us just to keep a wet one and a dry one. That is Another major issue for me in this practice of
all. This is the advice that she once gave me: to playful eyes has been photography. It has been
avoid remaining in contact with the live scene for some time since I acquired the habit of asking
too long because it causes us a great disturb both patients to photograph their scenes once they

84 „ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016


Junguiana
v.34, p.77-86

are finished, before they are photographed by me. I want to reach a broader thinking, a caressing one.
For me, this is the end of the session. After they I want them to become more reliant and gradually
leave, I remain with the scene untouched and loosen up. But at the end of the session, I ask
then comes my time for shooting. I must point them to photograph the scene: as many times as
out that I do not have the habit of commenting they feel necessary, from the angles they see it
fits better. This may seem unimportant, but I have
realized that this simple action allows me to per-
ceive the patient’s viewpoint to their scene through
the photos they take. In fact, some are surprised
by this request at first... They take a few photos,
act timidly. But little by little they loosen up and
this becomes a primary practice of watching their
production in a playful and free way. I will show
you some experiences of this kind. Then, when I
share with them the sequence of scenes, exercis-
ing our observation at the end of a brief process
such as a professional choice for instance, or at
the end of a therapy, it will be very profitable to
realize what they have favored in their shooting,
and what I have photographed in each scene;
then, together, we shall gather our impressions.
on a scene at the end of a session. This is not a As a conclusion, I would like to add that, as we
rule, it is my way of experiencing sandplay, be- put our “playful eyes” to action while observing a
cause I think that what matters the most in the sequence of scenes in the sand (or in clay, water-
practice is the perspective that through it, helps to color, drawing or any other artistic material pro-
release the contact of patients with their images, duced by our patient), we experience the conflict
helping them to trust in the images flow which we inherent to the myriad of possibilities brought by
seek to establish through the scenes, helping images. This conflict is edifying for us, therapists,
them to stir their “psychic waters”. And as I point- therefore, for our patients. When it is possible for
ed out above, I must help them to rely on their us to sustain it as we see ourselves in face of a
waiting. I think that, at first, the most important psychic image and not feel obliged to decipher it,
thing is to be able to release this flow that requires quickly “solve it”, thus allowing ourselves to si-
confidence in one’s psyche and in how I, as a thera- lence, triggering our inner ear, magnifying our gaze
pist, will be welcoming their images. Once this is and harvesting feelings and impressions, I believe
my main goal at the beginning of a therapeutic that we will be effectively helping our patients to
process, I do not usually find it constructive to build a healthier relationship with their mental
comment on scenes, for this practice performed images, with their unconscious – in my view, the
early, when the patient is still doing reconnais- prime objective of our work. That is how we can
sance of the area, building up a connection with support them in restoring confidence in those
me and with the sand/miniatures, this may cause images and in the individual ability for dealing with
them to activate a reasoning that can disrupt or them in a creative manner. In doing so, we will be
even halt the flow. And in the next session they honest to the eternal process of becoming a thera-
would probably show up more thoughtful in face pist who specializes in the work with images! „
of the miniatures and the sand. And that is pre-
cisely what I refuse: that curbing type of thinking! Recebido em: 7/3/2016 Revisão: 19/7/2016

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016 „ 85


Junguiana
v.34, p.77-86

1
English for “A Complicada Arte de Ver” 4
She refers to Carlos Drummond de Andrade’s famous poem “No
2
(Elementary Odes) meio do caminho”, originally published in 1928.
3
Famous poet, teacher, philosopher and writer of short stories 5
N.T.: Attempted translation for the original Spanish “Psiquear”.
connected to Brazilian Modernism. 6
Short for Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica (Brazilian
Society of Analytical Psychology)

Resumo

Sandplay: conflito e criatividade plasmados na areia


O artigo tem como objetivo refletir sobre a prá- limitado à necessidade de interpretação imedia-
tica clínica do analista que trabalha com imagens, ta do símbolo. Para isso, o analista precisa in-
com foco principalmente no sandplay, o “brincar vestir no desenvolvimento da sua capacidade
na areia”, técnica criada por Dora Kalff na Suíça e imaginativa e precisa conquistar uma liberdade
trazida ao Brasil por Fátima Salomé Gambini. imaginativa para possibilitar o contato criativo do
A partir de um trecho de uma crônica do es- paciente com suas imagens inconscientes plas-
critor brasileiro Rubem Alves, a autora defende madas na areia.
a possibilidade e a necessidade de ampliarmos A autora defende que o analista junguiano que
nosso olhar de analistas. O texto ressalta a im- trabalha com imagens, seja com sandplay, barro,
portância de o analista junguiano exercitar seus pinturas ou no trabalho com sonhos, vive um eter-
“olhos brincalhões” (termo utilizado por Rubem no processo de vir a ser um analista. Ele nunca
Alves na crônica), isto é: o analista precisa tra- está pronto, está constantemente em formação,
balhar para conquistar um olhar amplo e não está sempre aprendendo com as imagens. „

Palavras-chave: Sandplay, imagem, símbolo, capacidade imaginativa.

Referências bibliográficas
ALVES, R. A complicada arte de ver. Folha Online. São Paulo, JUNG, C. G. A natureza da psique. 2 ed. Petrópolis: Vozes, 1986
out. 2004. Seção [Sinapse] online. Disponível em: http:// (Obras completas, v. 12).
www1.folha.uol.com.br/folha/sinapse/ult1063u947.shtml.
KALFF, D. Sandplay – a psychotherapeutic approach to the
Acesso em 06/03/2016.
psyque. Boston: Sigo Press, 2011.
GAMBINI, R. O tempo e a voz – reflexões para jovens analistas.
LÓPEZ-PEDRAZA, R. Sobre Eros e Psiquê. São Paulo: Vozes, 2010.
São Paulo: Ateliê Editorial, 2011.
STEINER, R. O Método cognitivo de Goethe – linhas básicas para
GIMENEZ, P. Adolescência e escolha – um espaço ritual para a
uma gnosiologia da cosmovisão goetheana. 2 ed. São Paulo:
escolha profissional através do sandplay e sonhos. São Paulo:
Antroposófica, 2004.
Casa do Psicólogo, 2009.

86 „ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016


Junguiana
v.34, p.87-98

The archetypal theory of history


and the crucifixion of Jesus

Carlos Amadeu Botelho Byington*

Abstract
The archetypal theory of history (BYINGTON, Finally, the article elaborates the difficulty of Keywords
1983) follows the work of Bachofen and of Neu- the transcendence of patriarchal dominance in Nomadism,
mann with the modification of the concept of the the implementation of the archetype of alterity. matriarchal
archetype,
matriarchal archetype as the archetype of sen- In conclusion, the author tries to explain the rea-
settler’s societies,
suality and of the patriarchal archetype as the son Jesus did not avoid his crucifixion to implant
patriarchal
archetype of organization, both present in the psy- the heroic mission of transforming the patriar- archetype,
che of man and woman and in the cultural Self chal God of the Old Testament into the Trinity of metanoia,
(BYINGTON, 2013). the New Testament. „ alterity (otherness)
This theory describes matriarchal dominance archetype,
during the nomad life 140 thousand years of pre- anima and animus
archetypes,
history (WATSON,2003) followed by patriarchal
crucifixion.
dominance begun more than 12 thousand years
ago, after the agropastoral revolution, when we
became settled societies.
Next, marked by the myth of Budha, about
2.500 years ago and by the myth of Christ, 2.000
years ago, this theory describes the beginning of
the mythological civilizing implementation of the
alterity (otherness) archetype, whose messianic
hero preache for the elaboration of human con-
flicts through the dialectic of compassion.

* Medical doctor, psychiatrist and Jungian analyst. Founding


member of SBPA – Brazilian Society for Analytical Psychology.
Member of IAAP – International Association for Analytical Psychology.
Creator of Jungian symbolic psychology. Educator and historian.
E-mail: <c.byington@uol.com.br>.
Site: <www.carlosbyington.com.br>.

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016 „ 87


Junguiana
v.34, p.87-98

The archetypal theory of history and the crucifixion of Jesus


In my archetypal theory of history I followed to the mother role, to the feminine and excluded
Erich Neumann’s works regarding individual de- the father and the masculine from the origins of
velopment described in his posthumous book conscience formation.
The child (1955) and also cultural development Neumann’s justification for the matriarchal
described in his earlier work The origins and his- archetype’s reduction to the great mother was
tory of conscience (1949). based on the supposed mythological exclusivi-
The first difference about my view and Neu- ty of mothers on fertility in the primordial peri-
mann’s concepts is that he considers the matri- od of mythology. This supposition seems to me
archal archetype to be the great mother archetype. wrong and reductive because there are many
This excludes the masculine from the original for- great father gods who also express primordial
mation of conscience. As I have already pointed fertility. If on the one hand we have the great
out, I find Neumann’s perspective reductive be- goddesses of fertility represented by Ishtar,
cause I conceive the matriarchal archetype as the Demeter, Isis, Artemis, Aphrodite, Baubo, Gaia,
archetype of sensuality which includes the mother Rea, Yemanjá and many others, on the other
and the father, the feminine and the masculine. hand, we also have great gods of fertility such as
In the reduction of conscience formation to Ouranos, Chronos, Ea, Osiris, Xangô, and the
the great mother archetype as a sole representa- great Zeus as main fertilizer in the formation of
tive of matriarchal sensuality, Neumann followed the olympic pantheon and many others. In the
Johann Jakob Bachofen and his epic work Mother African-Brazilian Yorubá Nago religion, the pri-
right (1861). In this book, Bachofen named matri- mordial creative fertility divinities are very well
archate as a stage of history that would precede balanced in gender. Among the feminine we have
modern patriarchal dominance which he named Yemanjá (salt water), Oxum (sweet water), Oiá-
patriarchate. He associated the matriarchate with Iansã (conjugal love and motherhood), Eúa (the
the great goddesses in mythology, the feminine, thirst mitigator), Nanã (the provider of mud to
motherhood and with women ruling society. mold humans), and many others. Among the
The fallacy of Bachofen’s thesis was decreed masculine we have Exu (the sacrifice promoter –
when anthropology and archaeology did not find ebó ), Ogum (the discoverer of iron), Oxóssi (the
societies ruled by women. And so, after a great aca- discoverer of hunting), Odudua who can be either
demic success in the second half of the nineteenth masculine (VERGER, 1981) or feminine, creator of
century, Bachofen’s work fell into total discredit. the earth (SANTOS, 1976).
However, Neumann considered that the idea As I mentioned above, the traditional psy-
of the precedence of the matriarchate to the pa- chology based on evolutionism disqualified the
triarchate was quite valid in psychology and in primordial emotional mental state of childhood
mythology from an archetypal perspective and (matriarchal archetype) and elected as superior
argued that Bachofen had failed because he re- and mature the principle of reality correspond-
lated matriarchate to the real social history. ing to the superego, to the persona and to the
In this manner, Neumann defended the im- patriarchal archetype. I remarked that Neumann
portance of Bachofen’s thesis that matriarchal was an exception because he considered the pri-
characteristics precede the patriarchal ones in the mordial stage as an archetype and so the impor-
formation of collective conscience. His error in tance of matriarchal archetype throughout life
my view, in which he repeated in part Bachofen’s, was maintained.
was that he continued the reduction of the ma- Taking Bachofen’s view, Neumann considered
triarchal archetype to the great mother archetype, the matriarchal archetype as the archetype of the

88 „ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016


Junguiana
v.34, p.87-98

great mother, maternal and feminine, and left out in the cultural Self of the matriarchal archetype
the masculine and the father from primordial re- in the passive position.
lationships, as well as established an unbalance Our species has approximately 150 thousand
in the theory of psychological development which years according to molecular biology (WATSON
must be corrected. 2003). During approximately 140 thousand years
This is the reason why I changed the meaning we were nomadic hunting gathering groups with
of the matriarchal archetype as a synonym of the our conscience coordinated by the insular matri-
great mother to the archetype of sensuality, archal position. Our lives were centered on the
which includes the mother and the father, the symbols of food and on the feeding structuring
masculine and the feminine. Likewise, I changed function which guided our wanderings (BYINGTON,
the meaning of the patriarchal archetype as a 2002). We experienced the matriarchal archetype
synonym of the father and the masculine arche- (sensuality) and elaborated it mostly in the pas-
type to the archetype of organization, which also sive position because we only ate what nature gave
includes the mother and the father, the feminine us. During centuries we integrated matriarchal
and the masculine. sensuality little by little in the active position by
Neumann’s reduction of the matriarchal to the improving tools for fighting and weaving, making
feminine and of the patriarchal to the masculine clothes, pottery, hunting and fishing. These
was that he made the same mistake as Bachofen tools were also used to fight against rival groups.
as well as of the traditional psychology which We used fire for cooking and to keep wild ani-
reduced the sensuality of the primary quaterny mals away. Magic was practiced for everything
to the mother, the breast and the feminine fol- because the ego-other polarity was lived in such
lowed by the moral organization which was re- intimate and symbiotic way that the ego could
duced to the paternal complex, to the father and treat the other as part of its own imagination
the masculine. and desire. For the same reason, religiosity was
This reduction of sensuality (Eros and Venus) lived on pantheism where everything is sacred
to the mother and woman and of organization and subordinated to the wholeness in a “partici-
(Logos and Mars) to the father and man, belongs pation mystique” (LÉVI-BRÜHL, 1936). Feeling was
to a circumstantial phase of history (patriarchal inherent to intimacy and intuition, permanent-
domination) which lasted more than 12 thousand ly relating the conscious and the unconscious
years, which must not be considered as a struc- dimensions.
tural psychological reality. On the contrary, it must During thousands of years sexuality was not
be transcended together with the domination of associated with pregnancy and to the paternal
the patriarchal polarized worldview so that women function. Men were brothers, protectors, lovers,
and men, mothers and fathers, children of both hunters and fighters but not fathers. Women had
genders and all cultures can search for the full children and procreated with different men with-
development of their conscience coordinated by out associating them with sexuality and preg-
the alterity archetype (anima and animus) within nancy. The aim of life was to eat and to roam, in
a free democratic perspective. This is what I want order to search for more food, to have sexual in-
to foster with the conceptions of Jungian sym- tercourse, to sing and dance religious rituals, to
bolic psychology (BYINGTON, 2008). escape from wild animals, to fight rival groups
and survive.
Prehistory During these 140 thousand years of matri-
One of the great illustrations that archetypal archal dominance mostly in the passive position,
integration depends on the existential experience an integration of the archetype in the active po-
is the 130 thousand years duration of domination sition started slowly. However, permanent access

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016 „ 89


Junguiana
v.34, p.87-98

to food was not acquired and the coordination village and small towns followed by cities. Many
of the matriarchal archetype remained dominantly new structuring functions were activated like or-
in the passive position. In this way, our species ganization of individual territory, private property
was merely one among countless others. and heritage centered on the patriarchal family
The historian Yukal Noah Harari (2011), sug- as the social cell. By then, sexuality was fully re-
gests that a mutation occurred in our DNA around lated to procreation and the father and mother
70 thousand years ago which had caused the cog- roles were firmly established in the family. The
nitive revolution. From then on our metaphorical incest taboo, feminine virginity before marriage
capacity would have increased greatly so that we and the legal prohibition of feminine adultery
became capable of forming extensive community became political norms. Patriarchal communi-
groups united and guided by ideas. tarian social organization divided society in so-
cioeconomic classes subordinated to govern-
The agropastoral revolution ment which in time formed the idea of the state
The first metanoia of the archetypal (ENGELS, 1884).
theory of history The organization function of the patriarchal
Around twelve thousand years ago we began archetype abstracts from the symbiotic (ego-
to plant and raise animals, mainly cattle, horse, other) insular matriarchal position (participation
sheep and goats. Dogs were domesticated long mystique) and relates such abstracted polarities
before. That meant the integration of the insular to form systems. Its abstracting and organizing
position of the matriarchal archetype in the ac- function is very much reinforced by the structur-
tive position and the activation of the patriarchal ing functions of power and aggression to main-
archetype in the passive position. tain, tradition, order, private property and social
After participating in the creativity of nature inequality. This rigid patriarchal organization
during more than 130 thousand years we finally was immensely productive to rule society and
learned to imitate it: digging holes in the soil, to dominate nature and nations either in times
sticking seeds in them and producing our own of peace or war. The patriarchal worldview orga-
food. After such a long time of searching for food nized all polarities hierarchically in such a way
in nomadic life, we realized a social revolution that the inferior-superior polarity, reinforced by
which finally subdued nature, controlled food the structuring functions of aggression and
production and we became settlers. In doing so, power, became a common denominator to all
we surpassed most other species and began to systems of conscience.
dominate and change the life of our planet. All polarities suffered this hierarchical elabo-
The energy saved from the end of the exhaus- ration and were integrated in conscience accord-
tive activity of a nomadic lifestyle was applied to ing to the superior-inferior connotation. All natu-
the next great problem of humankind which was ral forces had to be dominated and organized
the organization of our communitarian social with the superior-inferior connotation of power
daily life as settlers. This extraordinary social and control (ADLER, 1914).
challenge activated intensely the patriarchal ar-
chetype, the archetype of organization. It is diffi- The five archetypal ego-other positions
cult for us to imagine the grandiosity of this (inteligences) of consciousness
metanoia which is the acquisition of self-suffi- The hero archetype is a great auxiliary of the
ciency in feeding and the creativity of the arche- structuring function of the central archetype
typal organization of the social life. (BYINGTON, 2002). It acts differently in each of the
One result of patriarchal communal organi- five archetypal intelligences of the Self. As de-
zation of settled social life was the formation of scribed before, they are the following: the unitary

90 „ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016


Junguiana
v.34, p.87-98

non-discriminated (uroboric) ego-other position the rich and the poor, between the economic,
of the central archetype, the binary insular ego- political and military elite and the majority of the
other position of the matriarchal archetype, the people. Minorities are stigmatized, dominated
ternary polarized ego-other position of the patri- and, when rebelled, frequently crushed. Patriar-
archal archetype, the quaternary dialectic ego- chal worldview separated all polarities and es-
other position of the alterity archetype, which in- tablished a clear discrimination favoring one pole
cludes the anima and the animus archetypes, and and disfavoring the other according to the capac-
finally the unitary contemplative ego-other posi- ity of power and aggression. The polarities man-
tion of the totality archetype (BYINGTON, 2008). woman and adult-children were heavily affected.
Reinforcing the implantation of the polarized The physical power of men and of adults clearly
position of the patriarchal archetype, the hero ar- established a relationship of domination and
chetype expressed many extraordinary deeds in oppression in patriarchal dominated societies.
conquering the natural planetary forces, crossing In spite of the slow implantation of alterity (oth-
oceans, discovering the North and South Poles and erness) in the economic, political and social di-
climbing the highest mountains. Its most daring mensions in the search for democratic socialism,
and even suicidal deeds happened in the social patriarchal control still resists intensely to the
dimension in the battlefield, fighting enemies, con- implantation of freedom, equality, sustainability
quering nations and dying in the name of duty and and social love brought by the dialectic position
for the sake of glory. The function of the hero ar- of the alterity archetype.
chetype reinforcing the patriarchal archetype in
mythology wrongly suggested to the academic The implantation of the archetype
world that the patriarchal hero was the only pos- of alterity (otherness)
sible pattern to express the hero (CAMPBELL, 1949). The myths of Buddha and of Christ
Following Freud, I describe the formation of After thousands of years of patriarchal domi-
defenses, pathology, and shadow and of evil nation during which nations and empires were
through the fixation of normal structuring func- formed, enslaved and destroyed, social classes
tions. It is the concept of fixation, of defense, of became firmly established and the rigid mental-
complex and of shadow which allows us to un- ity of tradition, family, property and inequality was
derstand how the patriarchal archetype was ca- incorporated into collective consciousness.
pable of creating and of organizing so many ex- As the time went on, patriarchal domination
traordinary good discoveries for the benefit of and its hero grew extraordinarily powerful. Their
civilization and, at the same time, implant so fixation and shadow of bloodshed and exploita-
much evil in destruction, bloodshed and horror tion of nature and of society began to appear in
(Byington 2006). each century more threatening to the survival of
After many thousands of years patriarchal or- the species (LOVELOCK, 1979). The progressive
ganization has shaped frontiers, societies, cul- exhaustion of natural resources, overpopulation,
tures, conquered the Earth, reigned and trans- the growing destructivity of heavy weaponry, the
formed most species of its fauna and flora. Its elite privileges and the poverty of the people in
extreme form of domination is through war and the major part of societies, the pollution of na-
genocide, which stains with blood, man slaugh- ture, climate dysfunctions, corruption and organ-
ter, bravery, cowardice, shame and horror the ized crime, all began to threaten our survival. The
most glorious chapters of “civilized” history. greatest issue which revealed itself within the
Patriarchal organization has shaped a world- patriarchal dimension was exactly due to its
view systematically hierarchical in such a way that power of organization which had secured its suc-
modern societies are profoundly divided between cessful expansion. It was the solution of conflict

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016 „ 91


Junguiana
v.34, p.87-98

by aggression and in extreme cases by war which archetypal messianic patriarchal hero with its glo-
in time became a clear demonstration of the patri- rious connotation of sacrificial death in battle.
archal domination. It was obvious that the increas- However, a very different messianic hero was
ing destructive power acquired by rival nations also activated in the Jewish cultural Self. It be-
would make the world confrontations impossible longed to Jewish messianic tradition, but instead
to be expressed in a creative way. of the solution of conflicts by aggression and
An emblematic collision occurred in the be- power, it prophesied compassion and peaceful
ginning of our era when the gigantic Roman Em- interaction to elaborate conflict. It preached affec-
pire occupied the Middle East and enslaved Is- tionate and compassionate relationship to face
rael. Both cultures expressed a very organized disagreement and to substitute power for love to
patriarchal development which was extremely avoid repression (BRIERRE-NARBONNE, 1933).
differentiated. Rome had submitted a great part This position of ego-other relationship to
of the world through military power and Israel elaborate human conflict clearly belongs to a dif-
had accumulated one of the oldest traditions of ferent archetype from the polarized ego-other or-
military deeds, refined culture and spiritual life, ganizing position of the patriarchal archetype. I
all registered in the Old Testament and based on named it the archetype of alterity (otherness),
the union with God and this was incompatible because alter means “the other” in latin and it is
with slavery. Their armed confrontation and the of common usage in latin rooted languages.
eminence of genocide of the Israelites created The alterity archetype is expressed by the ego-
an extraordinary tension in the cultural Self of other in the quaternary dialectical position. It is
Israel which activated very intensely two arche- fundamentally different but reunites either the
types and two heroic representations of the Mes- insular ego-other binary position of the matri-
siah myth which are both traditional in Jewish archal archetype, which is coordinated by sen-
culture (BRIERRE-NABONNE, 1933). suality and desire, as the ternary patriarchal po-
The messianic myths are very old in Jewish larized position of the patriarchal archetype which
mystical tradition and deal with autonomy, glory, is coordinated by organized hierarchy based on
military domination but also salvation, death, power and domination. In order to operate fully
resurrection, and with the union of opposites in in its complex and profound way, the intelligence
the Godhead (BRIERRE-NARBONNE, 1933). of alterity needs to encompass the structuring
The messianic patriarchal archetype in Jewish capacity of the matriarchal and patriarchal arche-
mysticism was activated in the beginning of our types and of all opposites. The ego-other posi-
era based on the glorious patriarchal tradition tion of the alterity archetype is quaternary be-
which had been structured since the Exodus from cause it is coordinated by compassion and equal-
Egypt, the revelation of the Ten Commandments ity.. The ego can assert itself and has the right to
in the desert and the long journey to the Promi- disagree with the other and also to point out its
sed Land. The military glory came from the bril- shadow.. In the same way, the other may disagree
liant monarchies of Saul, David and Solomon. with the ego and also point out its shadow. It
In many messianic patriarchal prophecies, the encompasses the anima and animus archetypes
patriarchal Messiah is the King David himself described by Jung as the leading archetypes (psy-
(BRIERRE-NARBONNE, 1933). chopomps). Alterity (otherness) coordinate deve-
Such strong patriarchal tradition dominated lopment in the individuation process in order to
the Synedrion, the government of the Israeli com- transcend patriarchal domination of the indi-
munity. The majority of the people followed the vidual and of the cultural Selves, which makes it
patriarchal tradition identified with the feeling of the archetype of the second metanoia the arche-
armed rebellion against Rome. It longed for the typal theory of history.

92 „ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016


Junguiana
v.34, p.87-98

Following Erich Neumann in the description is the mythological way which continues and tran-
of the archetypal formation of conscience (NEU- scends the Old Testament.
MANN, 1949), we see that he described the coor- The myths which showed the historical devel-
dination of collective consciousness by the ma- opment of conscience in both West and East in
triarchal archetype followed by the patriarchal order to transcend patriarchal domination were
archetype and succeeded them by what he called respectively the myth of Christ and the myth of
the transformation myth which he illustrated by Buddha.
the Egyptian myth of Osiris. Although Neumann The Buddha myth expressed the cultural im-
was very creative to bring in the myth of Osiris in plantation of the dialectic ego-other position of
order to go beyond the patriarchal myth through the alterity archetype in India through the func-
the theme of death and rebirth, he side-stepped tions of compassion and desire detachment, five
the mythological sequence of western culture. In hundred years before the myth of Christ.
this way, even though he remained in the mytho- The implantation of the alterity archetype
logical archetypal perspective to describe post- through the myth of the Buddha was not as tragic
patriarchal cultural transformation, Neumann ig- and brutal as the hero myth in Christianity which
nored the central role of the Christian myth in needed to crucify the hero for its implantation.
western culture and in so doing, lost the sense of The explanation can be in the fact that India al-
real history. ready had a significant acceptance of the exuber-
The myth which dominantly coordinated the ance of the matriarchal archetype much greater
implantation of the patriarchal archetype in than Jewish culture and also because Buddha is
western culture was exuberantly illustrated by the ninth avatar of Vishnu. The eighth avatar lived
the Old Testament. Its transformation with the in the myth of Krishna who developed dialecti-
implantation of the alterity archetype was illus- cally the relation of opposites (ego-other) to a
trated by the New Testament and the myth of high degree, mainly the masculine and the femi-
Christ. By choosing the myth of Osiris to express nine in the marriage of the Krishna shepherd with
this transformation, Neumann did not follow the Rahda. Their love story goes far beyond the limi-
factual historical connection between myth and tation of the relation of opposites (ego-other) in
culture. the traditional polarized patriarchal position and
Although myths express archetypes and arche- prepared greatly the revelation of the messianic
types are universal, they have a historical sequence myth of Buddha.
and cannot be interpreted out of it as Neumann The first archetypal era in the archetypal theory
did. When he chose the myth of Osiris to express of history lasted 140 thousand years and ended
the transformation of patriarchal domination in with the agropastoral revolution. From then on it
western culture, he brilliantly brought in the alterity was developed the second archetypal era of the
archetype with its theme of death and resurrec- patriarchal domination which I have conceived
tion to approach the post-patriarchal transforma- as the first metanoia in the archetypal theory of
tion in Egyptian mythology. Unfortunately, in so history..
doing, he abandoned the real historical mytho- The concept of cultural metanoia follows Jung’s
logical path in western culture. Although Neumann conception of metanoia employed by him to de-
was as usual brilliantly creative, he went astray scribe the individual midlife archetypal crisis of
by suggesting the Egyptian myth of Osiris to ex- the individuation process. I use it here in cultural
press the implantation of the alterity archetype transformation because I consider as metanoia
in the mythological formation of western con- a change of archetypal dominance whether in the
science. The myth of this transformation is the individual or in the collective development of con-
myth of Christ. It is clear that the New Testament science. The mythological activation of the alterity

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016 „ 93


Junguiana
v.34, p.87-98

archetype expressed in the myth of Buddha and of Milan Edict, in 313 A.D., decreed the interrupt-
Christ was intensified respectively 2.500 e 2.000 ing of the persecution of Christians. From then
years ago. Its integration in the collective conscious- on Christianity grew intensely and became the
ness is in the beginning of the second metanoia. official religion of the empire under Emperor Theo-
This integration is seen in the exercise of ego-other dosius in 350 A.D. That which was lost to pa-
position in the democratic dialectic alterity pattern. triarchal power, was won through the miracle of
It oscillates progressively and regressively with faith of alterity, in the Resurrection. This miracle
the domination of the polarized patriarchal posi- expresses the archetypal transcendent function
tion and of the matriarchal sensual position. of the Self (JUNG, 1916).
The first metanoia was much more distinct The organization of the Church having as mo-
than the second one because of the decisive del roman imperial tradition greatly influenced the
concrete effects of the agropastoral revolution. defensive patriarcalization of Christianity. I con-
The second metanoia is still beginning because sider it defensive because the dialectic alterity es-
of the difficulty for the alterity archetype to in- sence of the Christian message was in many di-
clude and surpass the matriarchal and the patri- mensions fixated and dominated regressively by
archal patterns. The difficulty is, above all, to the polarized patriarchal position. People were
detach from the magic-mythic worldview widely imprisoned tortured and killed during centuries
present in the matriarchal and in the effort to in the name of Christ (BYINGTON, 1991).
transcend the attachment in the power function The persecuted became persecutors and
of the patriarchal archetype. punishers of heretics (the Greek word hairesis
The Israel-Roman conflict in its most intense comes from the verb hairein which means to
confrontation included the crucifixion of the alteri- choose, referring to those who disagree with
ty heroic Messiah. The conflict ended thirty seven doctrinal standards). Although the persecu-
years later with the foreseen genocidal massacre tions only became institutionalized under the
of Jewish messianic patriarchal heroism, followed inquisition by Pope Gregory IX in 1231, and
by the second destruction of the temple of Solo- acquired the right to use torture to obtain con-
mon, and the Diaspora (scattering) of the Jewish fession in 1252, under Pope Innocence IV, (THE
people (70 A.D.). NEW ENCYCLOPEDIA BRITANNICA, 1993). Synago-
Within the archetypal theme of the Resurrec- gues were burned in Israel in 350 A.D. and the
tion of the heroic Messiah of alterity, Helen, Spanish Bishop Priscilian was condemned as her-
mother of emperor Constantin (272-337 A.D.), etic and burned in 385 A.D. (THE NEW ENCYCLO-
went to Jerusalem in 310 A.D., converted to PAEDIA BRITANNICA, 1993). It is very meaningful
Christianity, and returning to Rome, she influ- that the last decapitation of a woman for witch
enced the conversion of her son. Says one leg- crafting occurred in Glarus, Switzerland, as late
end that on the early eve of the battle of Milvia as June 18, 1782 (ZILBOORG, 1941).
Bridge, in 312 A.D., between Constantin and his Although the Holy Mass with the full passion
brother Magentio for the leadership of the em- of Jesus is celebrated in the Catholic Church until
pire, Constantin had a dream and saw a fired today, the Inquisition and the Holy Office illus-
cross with the words “with this sign you will win” trate the defensive patriarchalization of the Chris-
(cum hoc signo vincet ). Following his dream, the tian myth during many centuries. In this sense it
legend relates that Constantin ordered that a seems possible that many Christians do not yet
cross should be painted on the shield of his understand the meaning of the Christian myth.
soldiers. Having defeated his brother and uni- Following the function of the Resurrection
fied the empire, Constantine the Great went on expressed in the myth, the archetype of alterity
to accept officially the Christian faith and in the continued to be integrated in collective conscience

94 „ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016


Junguiana
v.34, p.87-98

in the divided Church. In spite of the defensively and sin (SAINT JOHN OF THE CROSS, 1578/79). In
patriarcalized aspect of the myth which coordi- this manner, the ethical function came to be lived
nated the Church in political alliances and military in the dialectical quaternary position of the alterity
actions such as the Crusades and the genocidal archetype which centuries afterwards became a
repression of the albigensis and the cataris, the pattern to elaborate fixations (sin, symptom and
inner life of the monasteries elaborated pro- error) within the transference in dynamic psycho-
foundly the suffering of Jesus, to feel the pain of therapy (BYINGTON, 1983).
his wounds and the reason why he let Himself be The conflict between the defensive patriarcha-
imprisoned, tortured, and crucified. lization of the myth and the dialectic quaternary
After five decades of elaboration I came to the position of the alterity archetype became to be
conclusion that the way Jesus chose to denounce, experienced in the daily interpretation of the rela-
repudiate and transcend the cruelty of patriarchal tionship between the Earth and the sun. The con-
repression was His crucifixion. I think that His sac- flict occurred initially in the study of the heavens,
rifice should not be compared to Abraham’s offer- exactly where the projections of the Godhead (the
ing Isaac in holocaust. On the contrary, because central archetype) were highly concentrated.
in Isaac’s holocaust, Abraham experienced total In 1543, Nicolaus Copernicus (1473-1543) de-
agreement and submission to the Godhead, while scribed a new relationship between the Earth and
through his sacrifice, Jesus denounced and sepa- the sun which was contrary to the millenary tra-
rated from the archetypal repressive patriarchal God dition adopted as truth by the Church. Contrary
of the Old Testament to transform it in the Trinity to traditional astronomy which confirmed the
through His sacrifice, His death and Resurrection. Holy Scriptures, Copernicus inverted traditional
Within the Trinity of the Son, the Father and knowledge and described the Earth rotating
the Holly Ghost in the New Testament, the Son around itself and around the sun. He not only
sacrificed Himself to save and transform the fa- radically contradicted the Church, which was her-
ther, not to replace him through parricide as was esy, but even more serious and important than
the custom in patriarchal tradition but through that, he based his formulation of truth on a meth-
compassion to detach and reunite with Him od of direct observation of nature which included
within love the dialectical quaternary relationship necessarily the permanent modification and cor-
of the archetype of alterity. rection of the positions of the ego and of the
In the second millennium of our era, the other during research (elaboration). This meant
elaboration of the Christian myth continued in that the search for truth had to admit and correct
extroversion and the monasteries became univer- error (sin) both in the part of the ego as well as
sities. The experimental method and the relation the other. This procedure was something unheard
to error followed the dialectical pattern which had of in the esoteric practice of knowledge which
been lived and practiced in confession during has born oriented by the magic-mythic mentality
the elaboration of sin. Many began to elaborate of the insular matriarchal position since imme-
sin as a psychological traumatic event (Freud’s morial times. The main change was that the tra-
fixation) which could be cured by confession and ditional method of the search for truth based on
repentance (through psychological work). The esoteric revelation and appearance gave place to
conscience examination in monastic life trained the direct observation of the forces relation within
the mind to recognize the shadow as a sin and the phenomena.
an error as well as to elaborate its fixations as a It so happened that Copernicus’ method coin-
condition for redemption. Simultaneously the cided with the dialectical method practiced for
older monks, who acted as spiritual guides, ad- centuries – the examination of conscience in the
mitted that they too were subject to temptation monasteries – to identify sin and ransom through

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016 „ 95


Junguiana
v.34, p.87-98

confession and repentance those sinful symbols jective dimensions. Science equated the truth with
(fixated) which separate Christians from Christ. the objective dimension and identified the sub-
Both the introspective monks and the extroverted jective dimension with error, irrationality, super-
scientists were relating respectively to sin and stition and even quackery. In this way, science cre-
error within the dialectic quaternary pattern of the ated the defensive dissociation of materialism and
alterity archetype. The monks were protected by expelled the subjective dimension from the uni-
the secret introversion of the monasteries; but versity. Tragically for humanism within the subjec-
not the scientists, because they published their tive dimension, other structuring functions were
ideas openly to collective conscience. Copernicus also separated from the scientific perspective such
was perfectly aware of his heresy and waited for as humanist ethics, feeling, intuition, hope and
his deathbed in 1543 to publish the last version faith. The materialist dissociation, positivism and
of his book On the revolutions of the heavenly dialectic materialism were disseminated together
spheres which described the heliocentric system. with the scientific dissociated perspective to the
Copernicus’ method was not only “a” heresy. It rest of the planet within globalization.
was “the greatest of all heresies”. So great that The materialist dissociation developed extraor-
it defeated the canonic interpretation of the heav- dinarily the objective dimension in science and
ens by geocentrism and in doing so, invalidated has gone as far as discovering the theory of rela-
scientifically the right of religion to state the truth tivity, quantum physics and atomic fission with
of reality which opened the way to separate reli- its genocidal capacity. The development of the
gion from the state in many modern countries. subjective dimension within scientific humanism
The Church continued to fight and persecute lagged far behind the objective and could not
scientists during 250 years until it was finally avoid the genocide of Hiroshima and Nagasaki.
defeated in the French Revolution (1789 A.D.). The The United Nations does a most valuable work
battles between the scientific heresy and the to reunite the subjective and the objective and
Church lasted 246 years. Unfortunately, even to- to protect human rights, in spite of being chal-
day, most historians of science and of religion lenged by enormous resistances.
view the conflict between science and religion as The XIX century developed much progress to
a conflict between faith and rationalism. Much heal the subjective-objective wound present in the
to the contrary. It was a mythological battle within dissociation of cultural and planetary Selves. The
faith between the genuine essence of the Chris- study of the subjective dimension in the normal
tian myth expressed by science and its defen- and in the pathological psychologic dimension
sive patriarchalization expressed by canonic law have been of a great value. However, in all disci-
created by the Holly Office in the Inquisition. plines such as medicine, sociology, anthropology,
However, the cultural integration of the arche- archeology, economics, education and politics
type of alterity, and the history of modern sci- among many others, we encounter the battle for
ence have not as yet been associated with the control between the polarized patriarchal position
Christian myth. My conception is that science was generally fixated and defensive and the dialectic
the greatest of all heresies and separated itself quaternary position of the alterity archetype fre-
from the Church because it continued to express quently also fixated and defensive (BYINGTON,
the essence of the myth while the Church patriar- 2004). The polarized patriarchal position is fre-
chalized and deformed it. quently defensive when it is disguised as the dia-
However the catastrophic separation of science lectic quaternary relationship of alterity to appear
from the Church (1789) was the fact that the west- politically correct. The dialectical alterity position
ern cultural Self-suffered a severe pathologic presents itself defensively generally in demago-
dissociation between the subjective and the ob- gy and populism which is the main social and

96 „ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016


Junguiana
v.34, p.87-98

political disease of democracy, and in “savage” formation, in order to understand and foster the
capitalism disguised as “liberal”. implantation of the quaternary dialectic alterity
The progressive implantation of the alterity archetype which is here conceived as the sym-
archetype is bringing much progress to the study bolic way to elaborate the shadow and lead hu-
of the development of conscience which is the manity away from social misery, individual and
central theme of Jungian symbolic psychology collective destructivity and evil towards love free-
(BYINGTON, 2008). I stress the new concept of dom, social welfare, equality, sustainability, com-
identity formation of man, woman, masculine, passion and Self-realization. „
feminine, father, mother, child, adult, marriage,
society and their fixations, defense and shadow Recebido em: 9/3/2016 Revisão: 29/7/2016

Resumo

Uma explicação arquetípica da crucificação de Jesus pela teoria arquetípica da história


Minha teoria arquetípica da história (BYINGTON, A seguir, marcada pelos mitos do Buda, há
1983) segue os passos de Bachofen e de Neumann 2.500 anos, e do Cristo, há 2 mil anos, essa teo-
com a modificação do conceito do arquétipo ma- ria descreve o início da implantação mitológica e
triarcal para o arquétipo da sensualidade, e do civilizatória do arquétipo da alteridade, cujos he-
arquétipo patriarcal para o arquétipo da organiza- róis messiânicos pregam a elaboração dos con-
ção, ambos presentes na psique da mulher, do frontos humanos pela dialética da compaixão.
homem e do Self cultural (BYINGTON, 2013). Finalizando, o artigo elabora a dificuldade da
Essa teoria descreve a dominância matriarcal transcendência da dominância do arquétipo pa-
durante a vida nômade dos primeiros 140 mil triarcal para a implantação do arquétipo da alte-
anos da história (WATSON, 2003) e a dominância ridade. Concluindo, o autor tenta explicar a razão
patriarcal iniciada após a revolução agropastoril, para Jesus não haver evitado Sua crucificação na
mais de 12 mil anos atrás, quando nos torna- implantação da missão heroica para transformar
mos povos assentados. o deus patriarcal, do Velho Testamento, na Trin-
dade, do Novo Testamento. „

Palavras-chave: nomadismo, arquétipo matriarcal, sociedades assentadas, arquétipo patriarcal, metanoia,


arquétipo da alteridade, arquétipos da anima e do animus, crucificação

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016 „ 97


Junguiana
v.34, p.87-98

Referências bibliográficas
ADLER, A. (1914). Individual psychology. New Jersey: Rowman COPERNICUS, N. (1543). De revolutionibus orbium coelestium
and Allanheld, 1973. (On the revolutions of the heavenly spheres).

BACHOFEN, J. J. (1861). Mother right. In: Myth, religion and ENGELS, F. (1884). The origins of the family, private property
mother right. Selected writings of J. J. Bachofen. New York: and the State. New York: Penguin Classics, 2010.
Princeton University Press, 1967.
HARARI, Y. N. (2011). Sapiens, a brief history of humankind.
BRIERRE-NARBONNE, J.-J. Les prophéties messianiques de Londres: Harvill Secker, 2014.
l’Ancien Testament dans la littérature juive. Paris: Librairie
JUNG, C. G. (1916). Transcendent function. London: Routledge
Orientaliste Paul Geuthner, 1933.
& Kegan Paul, 1960. (Collected works, v. 8).
BYINGTON, C. A. B. A symbolic theory of history: the Christian
LEVY-BRÜHL, L. L’ experience mystique et les symboles chez les
myth as the main structuring symbol of the alterity pattern in
primitifs. Paris: Librairie Félix Alcans, 1936.
western culture. Junguiana: Journal of Brazilian Society of
Analytical Psychology. Petrópolis, n.1, p. 120-177, 1983. LOVELOCK, J. E. (1979). Gaia: a new look at life on Earth. Oxford:
Oxford University Press, 2000.
BYINGTON, C. A. B. Preface to Malleus Maleficarum: The Witches’
Hammer (1484), by Heinrich Kramer and James Sprenger. Rio de NEUMANN, E. (1955). The child. New York: Putnam’s and Sons,
Janeiro: Rosa dos Tempos – Record, 1991. 1970.

BYINGTON, C. A. B. (2002). Creative envy: the rescue of one of NEUMANN, E. (1949). The origins and history of consciousness.
civilization’s major forces. Wilmette: Chiron Publications, 2003. Princeton, N. J.: Princeton University Press, 1954.

BYINGTON, C. A. B. (2004). Education from the heart: a Jungian SANTOS, J. E. (1976). Os Nagô e a morte. Petrópolis: Vozes,
symbolic perspective. Wilmette: Chiron Publications, 2010. 1977.

BYINGTON, C. A. B. (2006a). Jungian symbolic psychopathology. ST. JOHN OF THE CROSS (1578/79). The dark night of the soul.
São Paulo: Linear B, 2006. New York: Penguin Books, 2004.

BYINGTON, C. A. B. (2008). Jungian symbolic psychology. THE NEW ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA, Chicago: Ency. Brit.
The voyage of humanization of the cosmos in search of en- Inc, 1993.
lightenment. Wilmette: Chiron Publications, 2012.
VERGER, P. F. Orixás. Salvador: Corrupio, 1981.
BYINGTON, C. A. B. The journey of being in search of eternity,
and peace. The seven archetypal stages of life according to WATSON, J. D.; BERRY, A. DNA: the secret of life. New York:
Jungian symbolic psychology. São Paulo, 2013. Random House Inc., 2003.

CAMPBELL, J. (1949). The hero with a thousand faces. 2nd ZILBOORG, G.; HENRY, G. W. A history of medical psychology.
edition. Princeton, N. J.: Princeton University Press, 1972. New York: W. W. Norton & Co., 1941.

98 „ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016


Junguiana
Book review v.34, p.99-101

The Japanese psyche – major motifs in the fairy tales of Japan


KAWAI, Hayao. São Paulo: Paulus, 2007. 278 p.

Ludmila da Silva Pires* Japan, is proposed to exam- to the powerful female shamans
ine Japanese mind through an of Shinto shrines (KAWAI, 2007,
interpretation of Nipponese p. 11-12).
Abstract fairy tales, and make compari- In the introduction, Kawai
This article is a review of the sons with their western coun- presents his justification for
book The Japanese psyche – terparts. The book describe, choosing these stories in his
major motifs in the fairy tales throughout its nine chapters, book. His approach is based on
of Japan, written by Hayao Ka- Kawai’s efforts to transform the strength of these folkloric
wai. After a brief contextuali- analytical psychology into a female figures, describing how
zation about the author and his body of thought and practice these can be considered as rep-
work, which aimed to transform that could grasp the Japanese resentatives of a Japanese ego.
analytical psychology in a body mind, based on an eastern psy- To base his comparisons and
of thought and practice that che structure, not just being a the development of his thought,
could grasp the Japanese mind, simple transposition of western the author refers to James
there is a critical analysis of the psychological concepts and Hillman’s work and his arche-
Kawai’s work and his theoreti- practices to Japan. typal psychology, and the ego’s
cal formulation. „ In this book, the author’s development theory by Erich
proposal is to provide an under- Neumann. However, he goes
Keywords: analytical psychology, standing between Japanese further to highlight the pecu-
Japanese fairy tales, Hayao Kawai, people and the “people of the liarities of Japanese stories, cre-
Japanese culture. West”, both in their similarities, ating a rich and deep under-
but also in their distinctive prop- standing of Nipponese culture
erties. Considering folklore and and personality. Furthermore,
As the first Jungian psycho- mythology as sources of under- it proposes a kind of develop-
logist in Japan, Hayao Kawai standing the depths of the hu- mental point of view of an ego
(  , 1928-2007) greatly man mind, Kawai makes use of which could be suitable to Japa-
influenced the field of clinical the  (Mukashi Banashi ) – nese psyche.
psychology and Japanese’s the “Ancient Tales”, which com- The first chapter, called “The
cultural and religious studies. pose the Nipponese folklore, forbidden room”, is dedicated
He introduced the concept of products of Japanese imagina- to study the story “The nigh-
sandplay in Japanese psycho- tion. Thereafter, it underlines tingale’s home” (ウグイスの ,
logy, as well as actively parti- the importance of the female fi- Uguisu No Sato), a tale that clear-
cipated in the Eranos Circle in gure in the field of Japanese ly moves between conscious-
1982. One of his best-known psyche – covering a variety of ness and unconscious spaces.
books, The Japanese psyche – characters like the goddess-sun The main issues addressed by
major motifs in the fairy tales of Amaterasu, the queen Pimiko, Kawai are a transgression of a

* Degree in psychology by Faculty of Administratives Studies of Minas Gerais (2014). Professional practices in the áreas of public policies,
developing projects in the third sector and in the psychologist’s ethical code. Currently, teaches courses of oriental body practices and work
as a project coordinator at the NGO Espaço Mãos Dadas.
Email: <pires.ludmila1@gmail.com>.

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016 „ 99


Junguiana
v.34, p.99-101

prohibition that is not punished The philosopher Nishida Kitaro, devouring woman – emerges in
and the presence of primordial for example, the cultural differ- this chapter as a representation
nothingness, a common con- ence between East and West of the devourer aspect of the
cept in the eastern narratives. is widely based on the idea great mother, from where every-
The author also introduces two that the foundation of reality to thing is born and to where eve-
key elements for understanding the West is the Self, thus, the rything returns. Subsequently,
the Nipponese stories: み form. On the other hand, to the the subsequent chapters of The
(Urami ), which represents the eastern, is nothingness , the Japanese psyche present a se-
resentment and れ ( あわれ, formless (KITARO apud HESIG, ries of female figures derived
aware ), a kind of mild sadness 2013, p. 101). It implies on the from Japanese imagination,
without hope, a sense of pathos shape of eastern and western such as non-human wives, per-
of the Japanese tales. Thus, he thoughts, which were identi- sistent, insistent and determi-
reveals that “nothing and sad- fied by Jung in terms of psycho- ned women, and others.
ness” compounds the core of logical characteristics and psy- The stories chosen by the
Japanese culture (KAWAI, 2007, chical attitudes as completely author intend to demonstrate
p. 39-44). different. In general, western the extreme force of attraction
The tale chosen by the au- man is extroverted, that is, one that unconscious plays in Japa-
thor allows to clarify what is who is guided from the outside nese psyche. Thus, he suggests
the primordial nothingness or world, through objective condi- that the eyes through which
absolute nothingness, an in- tions. Oppositely, the thought the Japanese see the world and
stance commonly present in of the introvert type, predo- reality are located in the uncons-
the Zen Buddhist writings as minant in East, would be one cious, and not on the surface of
well as in the philosophical who is oriented to subjective consciousness. It is called to
works of the Kyoto School. Ac- elements (JUNG, 2011, p. 17-18). have “half-closed eyes” (KAWAI,
cording to Kawai, the presence According to Jung, “The West 2007, p. 187-191).
of nothingness or empty is not is always seeking uplift, but Throughout his work, the au-
a synonymous that nothing the East seeks a sinking or dee- thor points out that one of the
happened in a story, but sim- pening” (JUNG 2011, p. 113). Ka- characteristics of the Japanese
ply “the nothing was what hap- wai sustains his work through people is the lack of a clear dis-
pened” (KAWAI, 2007, p. 41-42). this distinction, that allows to tinction between inner and outer
Therefore, nothingness is not continue on his definition and worlds, which means, between
negativity, but something that construction of a Nipponese’s conscious and unconscious
is beyond the positive and ego image. fields. This feature, according
negative aspects, beyond the In the second chapter, en- to Kawai, can be represented
words and expresses within titled “The woman who eats through figures like  (fusuma )
itself in a potentiality. In the nothing” describes the negative or  (shouji ), respectively
first chapter of The Japanese side of the woman and the the “sliding window” and the
psyche, in particular, it is pos- maternity. As well as a step- thin “paper door”, symbols com-
sible to notice a cultural dis- mother who appears in fairy monly presents in everyday
tinction raised by Kawai, which tales to emphasize the negative life and in the eastern culture
was also discussed by philoso- aspects of motherhood, the which metaphorically indicate
phers, psychologists and other  (Yama-Uba) – a figure of a greater permeability between
authors of eastern thought. Japanese folklore and a kind of conscious and unconscious.

100 „ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016


Junguiana
v.34, p.99-101

It becomes clear that Kawai and multifaceted ego, which can A psique japonesa –
in the course of his work out- include the totality (KAWAI, 2007,
lines these details in order to cre- p. 238).
grandes temas dos contos
ate an ego profile that not only As Jung and his followers de fadas japoneses
stands out from the western pointed out, folklore and my-
model, but also points out some thology are a rich source of un- Resumo
typical cultural characteristics derstanding the human mind, O presente artigo propõe-se
of Japanese people. Therefore, its symbols and its nuances a analisar criticamente o livro A
he makes use of numerous (HENDERSON apud JUNG, 2008, psique japonesa – grandes te-
comparisons and metaphors, p.137). Thus, it was developed mas dos contos de fadas japo-
beyond the comparisons be- a method of analysis of the folk- neses, escrito pelo psicólogo
tween western and eastern folk loric and mythic material, which analítico japonês Hayao Kawai.
tales, in order to support his reveals, little by little, the ele- Após uma contextualização do
theory. It is noteworthy that the ments and dynamics of the autor e de sua obra, que obje-
author introduces a new point psyche. Kawai use this method, tivou transformar a psicologia
of view about consciousness but he innovates it by bringing analítica em um corpo de pen-
and the eastern ego, although a specific analysis of the Japa- samento e práxis que pudesse
it seems to forget or ignore im- nese folklore and its cultural se apropriar da mente japonesa,
portant concepts of Jungian psy- diversity, and emphasizes the realiza-se um breve exame críti-
chology, as the inner feminine strength of the female figure as co da obra do psicólogo japonês
figure-of the masculine ego: the a major player in the ego’s de- e de sua formulação teórica. „
anima. velopment process. It is worth
Specifically in the ninth chap- considering that several female Palavras-chave: psicologia analítica,
ter, called “The determined wo- figures included in Kawai’s book contos de fadas japoneses, Hayao
man”, Kawai systematizes what do not make a sequential stage Kawai, cultura japonesa.
is his feminine figure of ego, of ego development, but appear
which he comes to nominate as supposedly as multiple layers of
“determined woman”. This fe- a totality. Referências bibliográficas
male figure, which has striking In general, the book is an HENDERSON, J. L. Os mitos antigos e
characteristics of passivity and invitation to explore the Japane- o homem moderno. In: JUNG, C. G. O
strength to face the difficulties, se stories, myths and the cultu- homem e seus símbolos.. Rio de Janeiro:
would be the one who best re- re richness of the East, through Nova Fronteira, 2008. p. 137.
flects the Japanese ego; it is the perspective of analytical psy-
more connected with the gene- chology. A comprehensive work HEISIG, J. W. Filósofos de la nada: un
ral way of life of men and wo- which encourages the readers to ensayo sobre la Escuela de Kyoto. Bar-
men in Japanese society (KAWAI, immerse themselves in the com- celona: Herder Editorial, 2013. p. 410.
2007, p. 173). It is a conscious- plexity of Japanese thought. JUNG, C. G. Psicologia e religião oriental.
ness that seeks totality, to take Moreover, the Japanese psyche Petrópolis: Vozes, 2011. p. 165.
back what was cut or deleted. is a portrait and historical com-
Then, she accepts whatever co- ponent of one of the first steps KAWAI, H. A psique japonesa – grandes
mes, even imperfection or inter- of Jungian psychology on Japa- temas dos contos de fadas japoneses.
nal contradictions. It is a diverse nese land. „ São Paulo: Paulus, 2007. p. 278.

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016 „ 101


Junguiana
v.34, p.102

Normas para publicação de artigos


A revista Junguiana, periódico cientifico da Sociedade Brasileira de Psicologia
Analítica, editada pela primeira vez no ano de 1983, destina-se à divulgação de
trabalhos inéditos, que contribuam para o conhecimento e o desenvolvimento
da psicologia analítica e ciências afins, em um espírito aberto ao debate científico,
cultural, social e político contemporâneo. Com periodicidade semestral, a revista
aceita artigos originais, de revisão, casos clínicos, comunicação breve, entrevista
e resenha.
Para mais informações sobre as normas de publicação acesse o site da SBPA:
http://sbpa.org.br/portal/acervo/normas-para-publicacoes/.

Guidelines for publishing articles


Junguiana is the scientific Journal of the Brazilian Society for Analytical Psy-
chology, published for the first time in 1983 and directed towards the dissemina-
tion of unpublished works that contribute to the knowledge and development
of analytical psychology and related sciences, with an openness towards scien-
tific, cultural, social and contemporary political debate. Twice a year, the journal
accepts original and review articles, clinical cases, brief announcements, reviews
and interviews.
For further information about publication rules visit SBPA site:
http://sbpa.org.br/portal/acervo/normas-para-publicacoes/.

Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica


Rua Dr. Flaquer, 63 – Paraíso – CEP 04006-010 – São Paulo (SP)
Telefax (11) 2501-4859
www.sbpa.org.br

102 „ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016


Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 2016 „ 103

Você também pode gostar