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July 16, 2019

A investigação sobre o professor de Matemática


Problemas e perspectivas 1

João Pedro da Ponte


jponte@fc.ul.pt
Departamento de Educação e Centro de Investigação em Educação
Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa

Este texto apresenta uma perspectiva sobre a investigação actual relativa ao


professor de Matemática — uma área de estudo que conheceu um forte impulso na
última década. O texto passa em revista os principais campos de pesquisa que têm sido
objecto de estudo, a nível internacional, relativos à vida profissional do professor. Além
disso, apresenta, como caso particular, a pesquisa realizada em Portugal pelo grupo de
investigação DIF2, indicando as questões de interesse, o quadro teórico, as metodologias
usadas, e dando alguns exemplos do trabalho realizado.

Estado da arte da investigação sobre o professor de Matemática

Diversas publicações e acontecimentos marcam, nos últimos anos, os trabalhos


realizados em torno da figura e da actividade do professor de Matemática. Especial
referência merecem os livros Mathematics teachers in transition (Fennema & Nelson,
1997), Mathematics teacher education: Critical international perspectives (Jaworski,
Wood & Dawson, 1999) e Making sense of mathematics teacher education (Cooney &
Lin, em publicação). Surgem novas revistas, inteiramente dedicadas ao professor de

1
 Conferência realizada no I SIPEM — Seminário Internacional de Pesquisa em Educação Matemática,
promovido pela SBEM — Sociedade Brasileira de Educação Matemática, e realizado em Serra Negra,
São Paulo, Brasil, em Novembro de 2000.
2
 O grupo de investigação DIF, sediado na Universidade de Lisboa, é formado por dez membros:  João
Pedro da Ponte, Henrique Guimarães, Leonor Santos, Hélia Oliveira (todos da Univ. Lisboa), Lurdes
Serrazina (ESE Lisboa), Paula Canavarro (Univ. Évora), Ana Boavida (ESE Setúbal), Manuel Saraiva
(Univ. Beira Interior), Fátima Guimarães (Bolseira do Ministério da Educação) e Paulo Abrantes
(presentemente director do DEB-ME). O endereço do grupo é http://www.educ.fc.ul.pt/cie/dif.

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Matemática — o Journal of Mathematics Teacher Education e o Journal of


Mathematics Teacher Development — e nas revistas de Educação Matemática mais
prestigiadas — como o Educational Studies in Mathematics e o Journal for Research in
Mathematics Education — continuam a surgir excelentes artigos sobre esta temática. A
revista Quadrante, publicada pela APM, dedicou o seu número temático (duplo) de 1999
ao professor de Matemática e nos números precedentes diversos artigos referem-se
igualmente a este tema. Uma revisão de literatura recente sobre a investigação em
Educação Matemática em Portugal (Ponte, Matos & Abrantes, 1998) dá também
especial atenção aos estudos sobre o professor.
Em Julho de 2000, realizou-se no Japão o ICME 9 (International Congress of
Mathematics Education). Um dos seus grupos de trabalho para a acção, o WGA 7 – In-
service and preservice education of mathematics teachers, foi dedicado aos professores.
Este grupo fornece uma ampla perspectiva sobre a investigação actual, que abarca todos
os níveis de ensino, do jardim de infância à universidade. Na verdade, a atenção dado ao
estudo dos professores dos mais diversos níveis não será um facto novo na pesquisa
nesta área. No entanto, os trabalhos deste grupo mostram igualmente que a investigação
que se realiza presentemente respeita também a uma grande variedade de papéis
profissionais, incluindo papéis de liderança, de aconselhamento local e de formação, o
que constitui, sem dúvida, um desenvolvimento muito significativo.

A investigação sobre o conhecimento do professor

O conhecimento que o professor que ensina Matemática usa na sua actividade


profissional constitui um dos principais temas de interesse destes estudos. Importa saber,
por exemplo, em que consiste esse conhecimento, qual a sua natureza, como se
desenvolve, qual a sua relação com a prática profissional, qual a sua relação com a teoria
educacional e qual o lugar que nele ocupa o conhecimento da Matemática.
O conhecimento matemático dos professores está entre os aspectos que têm merecido
maior atenção dos investigadores. Na verdade, a proposição “sem um bom conhecimento
de Matemática não é possível ensinar bem a Matemática” é incontornável. A preparação
dos professores, neste campo, parece ser problemática em todos os níveis de ensino mas
particularmente insatisfatória nas séries iniciais. No WGA 7 do ICME, os estudos sobre
o conhecimento matemático do professor — particularmente numerosos — respeitam
tanto à Matemática básica como avançada, às aplicações da Matemática e ao uso das
novas tecnologias no seu ensino. Um exemplo muito interessante de estabelecimento de
parcerias para proporcionar um contexto favorável ao desenvolvimento do conhecimento
matemático do professor é dado por Baggett e Ehrenfeucht (2000). Uma excelente
revisão de literatura sobre este assunto encontra-se em Mewborn (2000).

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Mas, se para ser professor de Matemática é preciso saber Matemática, não é


menos verdade que para se ser professor é preciso um conhecimento profissional que
envolve, para além do conhecimento relativo às disciplinas de leccionação, o
conhecimento didáctico (o pedagogical content knowledge de Shulman, 1986), o
conhecimento do currículo e o conhecimento dos processos de aprendizagem. Estudos
sobre estas questões marcaram igualmente a sua presença no WGA 7. Alguns deles
focam-se mais no conceito de competência do que no de conhecimento, centrando-se
por exemplo, na relação do professor com o aluno (Chang & Downes, 2000) ou em
novos métodos de ensino e avaliação (Chissick, 2000).
Finalmente, é de registar que também existem estudos que dão grande atenção
aos valores e atitudes do professor — elementos importantes da sua identidade
profissional. Nestes estudos, que são em muito menor quantidade, destaca-se de modo
especial os que dão ênfase ao desenvolvimento de uma cultura de colaboração entre
professores (Chissick, 2000; Gómez, 2000).
Nos artigos publicados na Quadrante assumem também grande relevo os
trabalhos sobre o conhecimento e as práticas profissionais dos professores de
Matemática, com especial relevo para as práticas lectivas. Alguns destes artigos têm um
acentuado cunho teórico, como o de Azcárate (1999), que aborda o modo como o
professor lida com os problemas que surgem na sua prática profissional e o de García e
Llinares (1999), que se debruça sobre os processos interpretativos do professor. Outros
artigos descrevem estudos empíricos, como por exemplo, o de Fiorentini, Nacarato e
Pinto (1999) que discute a relação entre saberes profissionais, a experiência e a reflexão
e o de Polettini e Sabaraense (1999), que analisa as relações entre conhecimento e
práticas profissionais num contexto de mudança curricular.

A investigação sobre a formação e o desenvolvimento profissional

Nas investigações relatadas no WGA 7 do ICME, que se centram no estudo de


programas de formação, notam-se quatro ênfases principais. Alguns estudos dão especial
atenção às iniciativas de formação e respectivos objectivos, outros focam-se sobretudo
na estrutura dos programas de formação e nos papéis desempenhados pelos diversos
participantes, outros, ainda, debruçam-se sobre a definição de standards profissionais ou
de formação e ao currículo da formação e, finalmente, há estudos que incidem
especialmente sobre recursos e políticas. No número temático da Quadrante de 1999
são também diversos os estudos sobre a formação e, muito em especial, sobre o
desenvolvimento profissional dos professores, numa lógica de reflexão e investigação
sobre as práticas.

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Na verdade, um dos aspectos mais salientes da investigação actual sobre


formação de professores incide sobre os processos de formação, ou, se se quiser, de
aprendizagem profissional. Desses estudos, alguns tomam como tema principal a
reflexão sobre a prática. É o caso dos estudos que tomam como ponto de partida a
observação, o questionamento, a discussão e a teorização sobre a prática lectiva. Entre
estes são de referir os estudos que dão especial atenção à experimentação de novas
ideias na sala de aula (por exemplo, Chissick, 2000; Pietila, 2000; Tsamir & Tirosh,
2000).
Noutros trabalhos o tema principal é o processo de investigação (ou de
investigação-acção) realizado pelo próprio professor. O centro dessa investigação pode
ser o aluno (por exemplo, o seu discurso ou a sua compreensão da Matemática). Pode
ser também a própria prática lectiva do professor ou de outros professores. Pode, ainda,
ser a prática matemática do professor ou dos seus alunos. Um tema que surge com
frequência, nestes estudos, é a necessidade de ouvir o aluno (Peter-Koop & Wollring,
2000). Uma análise comparativa de diversos trabalhos realizados tendo por base a ideia
que o professor pode aprender investigando sobre a sua própria prática é proporcionada
por Krainer (2000).
Além dos trabalhos focados nos processos de formação, pode identificar-se um
outro grupo de estudos sobre o professor que incidem sobre os processos de
colaboração. Esta pode envolver intervenientes muito diversos. Pode (i) ocorrer entre
professores e futuros professores, (ii) envolver professores, futuros professores e
formadores de professores, (iii) incluir formadores e directores de escola, (iv) envolver
essencialmente formadores ou (v) ter lugar entre instituições. Exemplos particularmente
interessantes são os dados por Baggett e Ehrenfeucht (2000), Chissick (2000) e Gómez
(2000).
Uma outra tendência crescente da investigação realizada neste campo dá especial
atenção aos contextos onde trabalha o professor e onde se desenvolve a sua formação.
Alguns desses trabalhos incidem em questões de nível macro. É o caso dos que dão
atenção ao desenvolvimento de sistemas de acreditação profissional (Bishop, Clarke &
Bennett, 2000) ou a outros aspectos dos contextos nacionais, sociais e culturais (Hart,
2000). É, também, o caso dos que dão especial atenção ao uso de novas tecnologias no
processo de formação, como as tecnologias multimedia (Dolk, 2000). Alguns estudos
incidem em questões que podemos considerar de nível meso. Um exemplo são os
trabalhos que se focam no contexto comunitário onde se insere o professor e/ou o
programa de formação (Hart, 2000). Finalmente, outros estudos colocam-se no plano
micro, dando especial atenção aos contextos escolares e institucionais onde se inserem
os programas de formação e os professores (Baggett & Ehrenfeucht, 2000; Wilson,
2000).

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Em muitos destes trabalhos, uma atenção muito grande é dada ao modo como os
factores do contexto influenciam a formação. Esses factores parecem ser sobretudo de
duas ordens. Por um lado, temos a investigação educacional, através dos seus conceitos
e práticas e do seu estímulo à realização de projectos de investigação-acção, bem como
da realização de projectos em grande escala. Por outro lado, surgem influências da
sociedade, onde se inclui o desenvolvimento de novas tecnologias, a evolução do
currículo de Matemática, a adopção de standards profissionais, a realização de estudos
internacionais (como o TIMMS) e a influência das comunidades locais.
O modo como se estudam os contextos parece assim resultar, sobretudo, de duas
perspectivas sobre a mudança das estruturas, concepções e práticas de formação. Uma
dá atenção sobretudo aos processos internos em que decorre a acção, incluindo (i) a
reflexão e investigação em diferentes níveis — envolvendo alunos, futuros professores,
professores, formadores e investigadores, (ii) o ouvir os alunos e (iii) a colaboração. A
outra perspectiva tem a ver, sobretudo, com a reformulação da cena político-
institucional mais geral onde decorre a formação dos professores, evidenciando-se
tendências contraditórias, que incluem (i) a integração da formação inicial e contínua, (ii)
o estabelecimento de novas parcerias e (iii) a criação de sistemas de acreditação
profissional.

A investigação realizada pelo Grupo DIF

O grupo de Investigação DIF - Didáctica e Formação tem tomado como objecto


de estudo o professor de Matemática. De especial atenção têm sido, sobretudo, as
concepções, práticas, conhecimento e desenvolvimento profissional do professor. A
escolha destes temas de investigação decorre do empenhamento do grupo em contribuir
para a melhoria do ensino da Matemática. É nossa convicção que tal melhoria só é
possível na base de um conhecimento aprofundado da figura e da actividade do
professor e das condicionantes em que ele desenvolve a sua actividade profissional.
O trabalho do grupo tem por referência uma perspectiva curricular relativamente
ao ensino desta disciplina, marcada por ideias-chave como a resolução de problemas, as
investigações matemáticas, as novas tecnologias, a modelação, o trabalho de grupo e o
trabalho de projecto. É nossa convicção que o currículo de Matemática deve evoluir no
sentido de incorporar estas e outras ideias que resultam da investigação educacional e da
evolução da sociedade e do sistema educativo. Mas em vez de encarar o professor como
um simples elemento do sistema, com responsabilidade pela implementação destas

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perspectivas, preferimos vê-lo como um actor de pleno direito, que decide, em cada
momento, o que pretende ou não pretende integrar na sua prática profissional.
No percurso de investigação do grupo destacam-se três linhas principais, que se
têm desenvolvido em paralelo. Numa primeira linha, atende-se sobretudo ao
conhecimento profissional do professor em processos de inovação de natureza variada.
Nalguns casos, estes processos são da iniciativa do próprio professor, noutros, resultam
de contextos de formação e noutros, ainda, de contextos de reforma curricular. Numa
segunda linha dá-se especial atenção à formação e ao desenvolvimento profissional do
professor. Alguns destes aspectos têm sido estudados em escalas de tempo relativamente
curtas, como as que decorrem de processos de formação específicos, outros em escalas
mais alargadas, que incluem toda a carreira profissional do professor. Numa terceira
linha, assume uma maior proeminência uma preocupação de intervenção curricular.
Exemplos disso são a participação de membros do grupo no Projecto MPT—
Matemática para Todos, dedicado à exploração das potencialidades educativas das
tarefas de investigação e, mais recentemente, o lançamento do projecto Investigar e
Aprender3, organizado em torno de um Web site dedicado à promoção de uma
perspectiva investigativa no currículo e na prática profissional dos professores de
Matemática.

Questões de investigação

Ao longo do percurso percorrido pelo grupo DIF, diversas são as questões-chave


que têm inspirado os trabalhos realizados. A abordagem de novas questões, mais do que
indicar o esgotamento das questões em estudo, significa, sobretudo, a necessidade
sentida de alargar o âmbito da pesquisa4.
i) Quais são as concepções dos professores? Partindo do princípio que as
práticas dos professores dependem, de algum modo, das suas concepções, tem todo o
sentido procurar saber quais são, afinal, as concepções dos professores. De especial
interesse são as suas concepções em relação à Matemática e ao ensino da Matemática,
bem como em relação a aspectos mais específicos como a resolução de problemas, a
aprendizagem e a avaliação. Isso mesmo foi objecto de atenção em trabalhos empíricos
como os de Paulo Abrantes (1986), Henrique Guimarães (1988, 1995), Ana Boavida
(1993) e Mª José Delgado (1993). Uma discussão teórica que sistematiza os principais
resultados neste campo encontra-se em João Pedro Ponte (1992).

3
 Este projecto desenvolve­se a partir do Web site http://www.educ.fc.ul.pt/investiga.
4
  Incluímos   nesta   discussão   (i)   os   trabalhos   colectivos   realizados   pelo   grupo,   (ii)   as   teses   de
doutoramento e mestrado realizadas por membros do grupo e (iii) as teses de mestrado orientadas por
membros do grupo que se relacionam mais directamente com as respectivas problemáticas.

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ii) Como são as práticas profissionais dos professores? Qual a relação entre
concepções e práticas? Cedo se começou a perceber que os professores nem sempre
fazem aquilo que consideram que devem fazer. Em muitas situações, há mesmo uma
distância considerável entre o que se diz e o que se faz. A relação entre concepções e
práticas, longe de ser linear, afigura-se como bastante complexa, e esse tema adquire um
lugar central no trabalho colectivo de Ponte, Guimarães, Santos, Canavarro e Silva
(1993), bem como nos estudos de Paula Canavarro (1993, 1994) e Luís Menezes
(1995).
As práticas dos professores revelaram-se um tema de estudo bem mais complexo
do que o que poderia parecer à partida. Classificações simplistas como “práticas
inovadoras” e “práticas tradicionais” revelam-se muito pobres para compreender o que
se passa, de facto, na sala de aula. Daí o interesse dado em diversos trabalhos ao estudo
de questões como a escolha das tarefas (Ponte e Santos, 1998), o uso de materiais
didácticos (Serrazina e Loureiro, 1999), a comunicação (Menezes, 1995, Ponte e
Santos, 1998), a avaliação (Santos, 1992; Varandas, 2000), bem como em processos de
mudança curricular (Canavarro, Santos e Ponte, 2000) ou em vertentes curriculares
específicas como o uso de novas tecnologias (Canavarro, 1994) ou as investigações
matemáticas na sala de aula (Oliveira, 1998). Nesta área, um novo campo de estudo
começou a ser explorado por Leonor Santos (2000), ao considerar duas situações
distintas de prática — a individual e a colectiva — procurando analisar o modo como
elas se inter-relacionam e quais os papéis do trabalho individual e do trabalho colectivo
na prática do professor.
iii) O que caracteriza o conhecimento profissional do professor? A prática
profissional não assenta apenas em concepções sobre a Matemática e sobre o ensino
desta disciplina. Envolve, certamente, todo um conhecimento profissional que importa
caracterizar e compreender, nomeadamente no que se refere à sua natureza,
componentes e estrutura e modo como se constitui e desenvolve, questões abordadas
nos trabalhos empíricos de Fátima Guimarães (1996b, 1999) e Rosário Almeida (2000).
O modo como o professor lida com os problemas profissionais que surgem na sua
prática lectiva foi estudado por Leonor Santos (2000) e o papel da reflexão sobre a
prática considerado por Saraiva (1996). O conhecimento profissional do professor
envolvido na realização de actividades de investigação matemática pelos alunos foi
objecto de atenção em diversos estudos (Cunha, 1998; Oliveira, 1998a, 1998b; Ponte,
Ferreira, Brunheira, Oliveira e Varandas, 1998; Ponte, Ferreira, Varandas, Brunheira e
Oliveira, 1999; Ponte, Oliveira, Brunheira, Varandas e Ferreira, 1998; Ponte, Oliveira,
Cunha e Segurado, 1998). O conhecimento profissional de futuros professores na
realização de trabalhos de investigação foi estudado por Lina Brunheira (2000). No que

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respeita ao conhecimento profissional do professor, há ainda a referir os trabalhos de


natureza teórica de João Pedro Ponte (1994) e Fátima Guimarães (1996a).
iv) Como se processa o desenvolvimento profissional? No estudo dos processos
de desenvolvimento profissional do professor o grupo tem tido em conta que o professor
não é apenas um profissional que exerce a sua acção com maior ou menor eficiência. É
uma pessoa total, em que se entrelaçam as dimensões profissional, pessoal, cognitiva,
afectiva e social, que importa compreender na sua globalidade e inter-relações. Daí o
nosso interesse por questões como a ligação entre o desenvolvimento profissional e as
culturas de ensino, os factores institucionais, o lado pessoal do professor. Interessa
perceber o modo como encara o professor o seu desenvolvimento profissional, os
factores que influenciam esse desenvolvimento e as condicionantes que é necessário ter
em conta. Inserem-se neste campo os trabalhos empíricos de Lurdes Serrazina (1998,
1999), relativos ao desenvolvimento profissional de professoras do 1º ciclo do ensino
básico, de Canavarro e Abrantes (1995), sobre uma experiência de formação com
professoras do ensino secundário, de Ponte e Brunheira (2000), relativos à componente
prática da formação de futuros professores do ensino secundário, de Ponte, Oliveira e
Varandas (em publicação) sobre o papel das novas tecnologias na formação inicial de
professores e de Mª José Ribeiro (2000), sobre o impacto da formação em novas
tecnologias nas práticas profissionais dos professores. No que se refere ao
desenvolvimento profissional do professor, há ainda a referir os trabalhos de índole
teórica de João Pedro Ponte (1998, 1999, em publicação).

Referências teóricas e metodologia

O trabalho realizado pelo grupo envolve diversas referências teóricas


fundamentais. Por exemplo, no que respeita à Matemática e à Didáctica da matemática, é
de destacar George Pólya (1945), Bento Caraça (1958) e Hans Freudenthal (1973). Uma
influência importante surge também das perspectivas da Filosofia da matemática que
encaram esta ciência sobretudo como uma actividade humana (Lakatos, 1978; Davis &
Hersh, 1995). Destes autores resulta uma perspectiva curricular marcada pela
centralidade da actividade do aluno no desenvolvimento das suas capacidades e
conhecimentos matemáticos. Esta perspectiva considera a Matemática como um
empreendimento humano, podendo e devendo, no que se refere ao seu ensino, constituir
uma experiência pessoal enriquecedora e gratificante em que todos participam. Isso não
implica uma simplificação reducionista da Matemática aos seus conceitos mais simples,
mas uma construção curricular impregnada de elementos desafiantes e tanto quanto
possível relacionados com a realidade dos alunos.

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No que respeita à visão do professor e do seu conhecimento será de destacar a


influência de Freema Elbaz (1983), Donald Schön (1983) e Lee Shulman (1986). Destes
autores emerge uma visão do professor como um protagonista fundamental no seu
campo profissional. Daí decorre um interesse pelo conhecimento específico do professor
que este mobiliza directamente na sua acção profissional, mesmo quando não tem
consciência explícita do mesmo. Daí resulta igualmente a preocupação em valorizar
tanto as problemáticas fundamentais da educação como os aspectos específicos relativos
aos conteúdos de ensino do professor.
No que se refere à natureza do conhecimento profissional e aos seus processos
de desenvolvimento, é de registar diversas influências. Uma delas é a perspectiva do
interaccionismo simbólico, teorizada por Blumer (1969), que coloca num plano de
destaque o significado que as pessoas atribuem às acções e aos conceitos. Outra diz
respeito ao processo de socialização e de construção da identidade profissional (Berger e
Luckman, 1973; Dubar, 1997). Um elemento importante é também dado pela
valorização da narrativa como forma por excelência de expressão (e de estudo) do
conhecimento experiencial (Bruner, 1990, 1991).
No campo da formação, diversas referências fundamentais são de autores de
língua francesa. Um desses elementos é o quadro de análise de Lesne (1984),
distinguindo modos de trabalho pedagógico centrados na transmissão de conteúdos, na
pessoa do formando, ou na dimensão social da formação. Outro provém de Ferry (1987)
com a sua insistência no carácter fundamental dos processos e da dinâmica formativa,
distinguindo modelos de formação centrados nas aquisições, na experimentação e na
análise. Outro, ainda, é Boutinet (1996), com a sua valorização do conceito de projecto
como elemento fundamental do processo (auto)formativo.
No que respeita à metodologia, a investigação realizada pelo grupo insere-se
fundamentalmente no quadro da abordagem interpretativa de inspiração fenomenológica
(Bogdan e Biklen, 1994; Denzin, 1989; Goetz e LeCompte, 1984). Procura estudar-se a
realidade tal como ela é experimentada pelos professores, como actores educativos. O
design metodológico mais utilizado pelo grupo é o estudo de caso qualitativo (Merriam,
1988; Yin, 1989). Neste tipo de abordagem dá-se especial atenção à caracterização de
um objecto no que ele tem de único e específico, na sua relação com o contexto e na sua
história (Ponte, 1994). Os estudos de caso são geralmente de professores. Mas também
têm sido usadas outras unidades de análise como, por exemplo, grupos de professores,
escolas e unidades de ensino.
Um aspecto que tem vindo a ganhar um peso cada vez maior nas metodologias
usadas pelo grupo é a realização de projectos em colaboração envolvendo professores e
investigadores num trabalho comum, definindo questões, preparando materiais,

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realizando intervenção, recolhendo e analisando dados, divulgando resultados e


explorando o poder da interacção cúmplice entre professores e investigadores.
Os instrumentos de recolha de dados mais usados são (i) a entrevista, tanto a
entrevista semi-estruturada feita com base num guião, como a “conversa” de reflexão
conjunta entre professor e investigador, (ii) a observação, em especial semi-participante,
(iii) a análise documental e (iv) a narrativa, oral e escrita.
Numa primeira fase predominavam as entrevistas semiestruturadas, através das
quais se abordavam as ideias e as experiências vividas pelos professores, com o
propósito de identificar as suas concepções fundamentais. Nessas entrevistas, o guião
fornecia o fio condutor, mas muitas perguntas iam surgindo ao longo do seu
desenvolvimento, na sequência das respostas do professor. Este tipo de entrevista
continua a ser usado nas investigações do grupo. Mas, mais recentemente, nos trabalhos
assentes numa lógica de colaboração, tem vindo a ganhar importância um outro tipo de
entrevista, onde é maior a simetria entre investigador e participante. Havendo objectivos
comuns — por exemplo, a análise de uma aula preparada em conjunto — a entrevista
pode decorrer mais como uma conversa reflexiva entre dois participantes-investigadores,
que procuram em conjunto explorar o significado dos acontecimentos ocorridos.
Nos trabalhos do grupo DIF encontra-se uma variedade de estilos de observação,
desde a distanciada, que não envolve uma participação do investigador nas actividades
em estudo, até à participante, representando um envolvimento por vezes muito forte.
Esta variedade decorre dos objectivos prosseguidos pelos diversos estudos, ocorrendo,
por vezes, que um mesmo estudo envolve mais do que um tipo de observação. A análise
documental, não sendo uma estratégia muito proeminente, é um recurso auxiliar a que se
recorre sempre que tal se revela adequado.
As narrativas (Bruner, 1990, 1991) constituem talvez o elemento mais inovador
das metodologias usadas pelo grupo. Estas podem ser espontâneas ou construídas, isto
é, podem surgir de forma imprevista no decorrer de uma conversa ou reflexão, ou
podem ser elaboradas de modo deliberado a partir de uma dada experiência educativa.
Algumas vezes, a sua autoria é exclusivamente do professor participante, outras vezes as
narrativas são elaboradas por um membro da equipa de investigação e, em outros casos,
resultam de um processo de construção conjunta. As narrativas podem ser analisadas de
vários modos, sendo um dos mais conhecidos o de Labov que diferencia os seguintes
elementos: resumo, orientação, complicação, avaliação, resolução, coda (Cortazzi,
1993). Naturalmente, na análise de episódios de sala de aula, são também importantes as
categorias da Didáctica da Matemática (tais como tarefas, contrato, comunicação,
monitorização, avaliação).

Um estudo sobre o conhecimento profissional

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Na nossa perspectiva, uma actividade profissional envolve uma forte acumulação


de experiência num domínio bem definido. Essencial, na actividade profissional, é a
capacidade de tomar decisões acertadas e de resolver problemas práticos e, no caso dos
professores, a capacidade de o fazer em interacção com outros actores — principalmente
os alunos, mas também os colegas e outros elementos da comunidade educativa. O
professor tem de ser capaz de apreender intuitivamente as situações, articulando
pensamento e acção e gerindo dinamicamente relações sociais. Tem de ter autoconfiança
e capacidade de improvisação perante situações novas.
Deste modo, o conhecimento profissional está estreitamente ligado à acção. Este
conhecimento tem, necessariamente, uma forte relação com o conhecimento comum
(usado na vida quotidiana) e ganha consistência quando se articula com o conhecimento
académico. No entanto, o conhecimento profissional tem uma natureza específica. Na
verdade, o critério fundamental de validade do conhecimento académico é a sua
estrutura lógica e o senso comum aceita como válido tudo o que é, de algum modo,
compatível com a vida diária. Por sua vez, o valor do conhecimento profissional resulta
da sua eficácia na resolução de problemas práticos, tendo em conta as condições
concretas e os recursos existentes. O conhecimento profissional baseia-se sobretudo na
experiência e na reflexão sobre a experiência, não só individual, mas de todo o corpo
profissional.
A forma como o professor conduz o processo de ensino-aprendizagem na sala de
aula pressupõe necessariamente um conhecimento em quatro domínios fundamentais: (a)
a Matemática, (b) o currículo, (c) o aluno e os seus processos de aprendizagem e (d) a
condução da actividade instrucional. Estes quatro domínios, que constituem o núcleo do
conhecimento profissional do professor referente à sua prática lectiva, estão estruturados
em termos das suas concepções. Embora decisivo para a sua prática profissional, grande
parte deste conhecimento é mais implícito do que explícito e reelabora-se
constantemente em função das experiências vividas pelo professor.
Um dos estudos que realizámos visava caracterizar aspectos das concepções,
práticas e conhecimento profissional do professor num contexto de reforma curricular
(Ponte e Santos, 1998). Neste estudo, por exemplo, evidenciou-se que o professor tinha
noção da existência de dois níveis de discurso na sala de aula. Num primeiro nível, o
discurso da aula é dominado pela sequência das perguntas da professora. Em muitos
casos são perguntas de resposta directa, que apelam ao conhecimento da terminologia
matemática. É o que decorre das seguintes palavras de uma professora:

O que era a equação, para eles dizerem que era a igualdade, a incógnita, o
que é aquela letra, o que é que significa... E eles responderam bastante bem,
por acaso eu achei... O que era resolver a equação... ‘Essa letra que aparece

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na igualdade, como é que se chama? — incógnita. O que é resolver a


equação? — descobrir o valor da incógnita que torna a igualdade verdadeira.
A esse valor da incógnita chamamos solução ou raiz’... E finalmente ‘o que
eram equações? aquelas equações que tinham a mesma solução que nome
dávamos? — equações equivalentes’, eles disseram bem... (Entrevista)

O segundo nível do discurso refere-se às interacções informais entre os alunos. A


professora, segundo nos diz, não os desencoraja de trocarem impressões entre si durante
a realização das tarefas. Dessa troca de impressões, muitas vezes, surge a resposta para
as questões colocadas. Outras vezes, surgem situações que põem em perigo o ambiente
de trabalho da aula:

Sim, trocam, trocam [impressões entre si]. Mas eu às vezes até gosto. Não
quero que me perguntem de início, logo assim quando não sabem. Digo
logo: tentem lá, tentem lá a ver se conseguem. E às vezes conseguem. Às
vezes conseguem mesmo.

Mesmo na feitura dos exercícios, na... enquanto estavam a fazer os


exercícios, na resolução e normalmente as aulas de exercícios são sempre um
bocado mais barulhentas, não é? E depois há um que pergunta ao outro e
depois não é... [em voz baixa] então quanto é que deu? como é que fazes?
[em voz gritada] Ó não sei quantos... que é que deu isto? Que é que deu
aquilo? Então e... E outras vezes não é nada, não tem nada a ver com a
Matemática, nem nada com os exercícios. (Entrevista)

O discurso produzido nas aulas desta professora reflecte aspectos importantes


das suas concepções, evidenciando o modo como valoriza fortemente os objectivos
curriculares do cálculo e conhecimento de factos específicos. Evidencia também a sua
concepção do processo de aprendizagem, que perspectiva de modo extremamente
estruturado, em pequenos passos.
Este estudo mostra claramente como as concepções gerais sobre a Matemática e
o seu ensino assumidas pelo professor são elementos estruturantes do seu conhecimento
profissional. Quando os objectivos curriculares se centram em competências factuais e
procedimentais o professor assume modos de organizar a aula e de interagir com os
alunos diferentes do que assume quando os objectivos curriculares que valoriza incluem
outros elementos. O mesmo acontece em relação às tarefas de que é preciso partir. É o
que se evidencia noutros estudos que temos realizado, principalmente em torno da
realização de investigações matemáticas, e de que falarei de seguida.

As histórias de investigações matemáticas

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Um trabalho que recorreu, de modo bastante decisivo, às narrativas vem descrito


no livro Histórias de investigações matemáticas (Ponte, Oliveira, Cunha e Segurado,
1998). Estas histórias referem-se a aulas ou episódios de aulas em que os alunos
realizaram investigações matemáticas.
Estas histórias ilustram que as coisas nem sempre correm bem. Por vezes, surgem
imprevistos que criam situações mais ou menos complicadas para o professor resolver.
Mas torna-se bem evidente a dinâmica que se pode gerar quando os alunos têm
oportunidade de realizar trabalho matemático de cunho genuíno. É o que transparece,
por exemplo, neste extracto de uma história da professora Irene Segurado, relativa a
uma sua aula com uma turma da 5ª série:

As descobertas surgiam agora em catadupa e não havia aluno que não se


empenhasse em dar a sua contribuição, o que me dificultava, por vezes, o
registo e a sistematização:
• O algarismo das unidades é sempre 0, 6, 2, 8 e 4.
• O algarismo das unidades é sempre um número par.
• O algarismo das dezenas não se repete de 5 em 5.
Fui refreando esse entusiasmo com pedidos e exclamações: Calma! Vamos
verificar se o que o colega afirmou é verdade; Atenção; Vejam!; Olhem que
interessante o que o colega descobriu!
A Sónia de repente afirmou: São os mesmos algarismos que para os
múltiplos de 4. E mesmo antes desta afirmação fazer sentido para mim já a
Vânia declarava: Estão é por outra ordem. Percebi então que estavam a
comparar os múltiplos de 4 e 6, o que expliquei à turma.
Começa na mesma por zero, constatou o Pedro que neste dia se encontrava
bem acordado.
Os outros algarismos estão ao contrário, referiu a Ana.
Há múltiplos de 4 que também são múltiplos de 6.
Os múltiplos de 6 a partir do 12, são alternadamente também múltiplos de
4.
...
As descobertas vinham agora como as cerejas, umas atrás das outras,
ultrapassando todas as minhas expectativas quanto às respostas que os alunos
dariam. Eu não tinha previsto a hipótese de comparar os múltiplos dos
diferentes números, pois nunca os colocara em paralelo. Vivi por isso as suas
descobertas com enorme entusiasmo. Um aluno mais perspicaz observou:
A professora está muito contente connosco não está? E estava!
O registo feito no quadro proporcionou uma nova abordagem da tarefa.
Além disso, o ter trabalhado com o grande grupo levou a que o contributo de

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um dado aluno fosse ‘agarrado’ por todos os seus colegas, conduzindo a um


maior número de descobertas.

A professora, entusiasta incondicional do trabalho de grupo, reflecte nesta


história sobre as potencialidades que também encerra uma aula realizada em grande
grupo, quando os alunos em vez de fazerem exercícios rotineiros, são levados a
comunicar as suas descobertas relativas a uma tarefa aberta e desafiante.
A análise destas histórias proporciona, num primeiro nível, elementos
interessantes sobre o conhecimento profissional do professor implicado na realização
deste tipo de trabalho. Por exemplo, no que se refere à Matemática, evidencia o papel do
seu conhecimento de conceitos e terminologia, das relações entre conceitos, dos
processos de pensamento matemático, da validação de resultados, das competências
básicas e do raciocínio avançado. No que respeita à aprendizagem, fornece-nos dados
sobre o seu conhecimento de processos de aprendizagem, incluindo o papel das
interacções, a relação entre acção e reflexão, o papel das concepções e conhecimentos
prévios, as estratégias de raciocínio e a importância da perspectiva do professor sobre as
capacidades dos alunos. Em relação ao currículo, temos o conhecimento das finalidades
e objectivos, a gestão do tempo curricular, as conexões, a representação dos conceitos e
o uso de materiais. Finalmente, no que surge como decisivo, temos o conhecimento
instrucional, envolvendo a gestão do tempo, do contrato, dos modos de trabalho, das
tarefas, da interacção, da comunicação e do ambiente na situação de ensino-
aprendizagem.
Estas histórias de investigações proporcionaram também resultados num segundo
nível sobre diversos aspectos que constituíam grandes pressupostos deste trabalho. No
que se refere às tarefas de investigação e ao saber matemático, mostram o seu valor
educacional, o seu papel curricular, e alguns modos e condições de concretização. No
que diz respeito às interacções sociais no processo de aprendizagem, mostram a
diversidade e natureza das interacções emergentes e sugerem novas questões para
investigar. Em relação ao professor perante a inovação educativa, mostram diversas
dificuldades com as investigações, que se prendem com os objectivos, a articulação com
o currículo e a concretização na aula. Mostram também a importância da experiência
anterior e as possibilidades de criatividade pedagógica que se abrem ao professor.
Finalmente, estes resultados proporcionam uma reflexão sobre a metodologia usada no
estudo, muito em especial sobre as possibilidades e dificuldades do trabalho em
colaboração e das narrativas.

Conclusão

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A investigação que se realiza presentemente sobre o professor de Matemática em


muitos países envolve dois géneros principais. Por um lado, realizam-se trabalhos de
índole naturalística, incidindo sobre professores, grupos de professores e programas de
formação. Este tipo de investigação procura diagnosticar problemas, compreender
realidades. Embora possa vir a servir mais tarde para introduzir mudanças no
funcionamento das instituições e dos seus programas, o seu objectivo imediato é
compreender a situação existente. Por outro lado, realizam-se trabalhos de intervenção,
em que se procura concretizar uma determinada acção formativa e avaliar os seus
efeitos. Em alguns trabalhos, dos dois géneros, procuram-se também estudar
metodologias de concepção e avaliação de programas de formação, incluindo a
realização de parcerias entre diversos tipos de instituições.
A formação do professor que ensina Matemática continua a ser um tema
fundamental em muitos destes estudos. No entanto, os progressos realizados nos últimos
anos resultam sobretudo de se ter alargado o quadro de pesquisa. Continua a ser,
naturalmente, importante investigar o modo como se pode levar o professor a adquirir os
conhecimentos, competências, atitudes e valores necessários ao seu exercício
profissional. Contudo, para que esse estudo seja frutuoso é necessário investigar também
em que consistem os saberes profissionais docentes e quais os processos pelos quais o
professor aprende e se desenvolve profissionalmente. Daí o relevo que, a par dos
trabalhos mais centrados na formação, têm tido os estudos de carácter mais descritivo,
centrados nos saberes profissionais do professor ou nos seus processos de
desenvolvimento profissional.
A noção de formação remete para a ideia de um processo de ensino. A formação
tende a centrar-se num tema que é desenvolvido por um ou mais formadores, através de
um currículo, concretizado de modo mais imaginativo ou mais “tradicional”. A
formação, entendida deste modo é, e será sempre, necessária à profissão — tanto para o
ingresso na carreira (formação inicial), como para atender a necessidades específicas
(formação continuada) ou proporcionar um aprofundamento de conhecimentos e
competências (especialização). No entanto, esta noção tem vindo a ser complementada
com a noção de desenvolvimento profissional, que se centra no crescimento do próprio
professor protagonizando os seus projectos, individuais e colectivos.
Como procurei mostrar ao longo deste texto, a investigação actual sobre o
professor de Matemática procura caracterizar e compreender melhor o conhecimento
que o professor detém e mobiliza na sua prática, bem como os seus processos de
desenvolvimento profissional, levando cada vez mais em consideração aspectos de
natureza social e pessoal, bem como os contextos locais e políticos em que ele exerce a

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sua actividade. A nossa visão sobre o que é ensinar e aprender Matemática, sobre a
Matemática que os alunos precisam de aprender, e sobre os objectivos e o papel da
escola na sociedade actual, fazem-nos sentir que muito terá de mudar no ensino da
Matemática, quer ao nível da actividade profissional do professor, quer ao nível dos
contextos e condições em que este se desenrola. Trata-se, no entanto, de mudanças nas
quais o próprio professor deverá ter parte activa — fazendo ouvir a sua voz e fazendo
sentir o seu protagonismo.
O estudo dos novos problemas postos pela transformação do sistemas educativos
— e em particular, dos problemas que se colocam ao professor — requer, cada vez mais,
a realização de projectos verdadeiramente de colaboração, em que investigadores do
ensino superior e professores colaboram em pé de igualdade na formulação das
questões, na análise dos dados, na divulgação dos resultados. Poderemos estar, assim, no
limiar de uma nova fase dos estudos directamente relacionados com o professor de
Matemática, em que o centro do interesse se desloca do professor individual, dos seus
conhecimentos e processos de formação, para o âmbito colectivo, em que o professor
interagindo com outros actores educativos — em particular com investigadores — se
assume como actor principal do processo de transformação da escola.

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 A maioria das teses aqui referidas encontra-se disponível na Associação de Professores de Matemática,
podendo ser pedida por correio electrónico <apm@netcabo.pt>. Por seu lado, muitos dos artigos podem
ser obtidos no endereço <http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/jponte>.

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