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Paulo - VIDA, PAIXÃO E GLORIFICAÇÃO DO CORDEIRO DE DEUS" A PDF
Paulo - VIDA, PAIXÃO E GLORIFICAÇÃO DO CORDEIRO DE DEUS" A PDF
Aquele que deseja avançar de vir tude em vir tude, de graça em graça, deve
meditar continuamente na Paixão de Jesus...
Não há prática mais proveitosa para a inteira santificação da alma do que a
freqüente meditacão nos sofrimentos de Jesus Cristo.
São Boaventura
MIR EDITORA
São Paulo
2004
PREFÁCIO
As Emocionantes e admiráveis nar rativas da Paixão e Mor te de Jesus Cristo,
feitas pela Religiosa Agostiniana Anna Catharina Emmerich, resultantes de
suas profundas meditações quaresmais, no decurso de 1820 e 1823, sem que
conste discrepância alguma dos respectivos textos evangélicos, constituem
uma demonstração plausível da realidade dessas visões sobrenaturais.
Não se trata de fatos extraordinários submetidos às investigações
científicas, mas sinceramente apreciados pela razão calma, refletida, que se
conduz pelas leis do raciocínio às provas de sua veracidade. É verdade que a
doutrina católica ordena e o bom senso exige que não se devem aceitar as
visões ou revelações de ordem sobrenatural, sem primeiramente fazê-Ias
passar pelo crivo de uma análise sensata, escrupulosa, submetida ao juízo da
Igreja, evitando que se tomem suscetíveis de ser reduzidas às proporções de
fenômenos naturais.
Como é de esperar, deve ser esse o ponto de par tida das investigações sobre
a realidade das extraordinárias visões de Catharina Emmerich.
Ora, é critério fundamental desse estudo conhecer quais os sinais
característicos da origem das visões sobrenaturais. Primeiramente, se deve
notar que a alucinação se distingue da sensação. Se estes dois fenômenos
se confundem, como efeito imediato e íntimo de uma modificação material
dos órgãos dos sentidos, entretanto, profunda é a sua distinção, porquanto a
alucinação se passa na imaginação e, por tanto, é subjetiva, e a sensação se
dá no sentido e vem de um objeto exterior, é objetiva.
A sensação está intimamente ligada, em sua totalidade, à ação do objeto,
que é a causa. O objeto é a fonte essencial, é a medida. Suprimindo o objeto,
desaparece a sensação. A sensação e a ação do objeto for mam um conjunto
perfeitamente unido: o objeto é o sinete e a sensação a impressão. É com
sinais contrários que se reconhece a alucinação. Por não ter necessidade,
para agir, das vibrações que constituem a ação própria do objeto sobre o
sentido, conta apenas com a disposição puramente subjetiva dos tecidos
ner vosos do organismo vivo.
É cer to que os fenômenos do mundo sensível estão sujeitos às leis, de que
nenhum poder natural pode dispensá-Ios. Os fantasmas da alucinação, ao
contrário, estão sempre em oposição a estas leis e de um modo ridículo,
como se obser va constantemente. É a condição, o efeito próprio da
alucinação, de que não se conhece exceção entre todos os fatos
rigorosamente constatados.
Escritores notáveis, Dirheimen, Schmoeger, que se ocuparam de estudar,
com imparcialidade, as visões de Catharina Emmerich. Casales e Clemente
Brentano, que traduziram a nar ração da vida e das cenas dolorosas da
Paixão do Salvador, mostraram-se admirados e edificados da lealdade
escrupulosa de Emmerich, que não per mitiu acrescentar nem modificar o que
ela viu e contemplou na integra, em obediência às suas revelações.
Salientou-o ainda mais a abnegação de todo e qualquer elogio que se lhe
dirigia.
Na análise psicológica dos fatos visionários, os citados autores mostram que
as verdadeiras sensações do sobrenatural, em Catharina Emmerich, se
achavam inteiramente ligadas aos objetos que nelas imprimiam as suas
imagens, conser vando os órgãos de sensação uma cer ta independência, que
facilitava a ação da vontade na recusa da influência de qualquer agente
sensível com disposição anor mal. Somente via, entendia e tocava o que lhe
parecia ver, entender e tocar em plena objetividade.
Ora, as alucinações não dependem igualmente de quem as experimenta.
Penetram profundamente no íntimo dos órgãos sensórios apossam-se do
sistema ner voso e da imaginação, sendo incapaz todo o es forço da vítima de
poder dissipá-Ias. São verdadeiras obsessões.
A cultura do espírito e, principalmente, alguns dons superiores da
imaginação, podem manter cer tas regularidades nas concepções ou cenas
preparadas sob a for ma regularizada imaginativa. Tais fenômenos, porém,
não podem ter lugar nos espíritos acanhados e incultos.
Catharina Emmerich nasceu de pais pobres e camponeses. Aos vinte oito
anos de idade, foi admitida, paupér rima, na comunidade das Agostinianas, no
Convento de Duelmen.
Ao penetrar nos segredos da vida interior, foi assistida da graça das visões
celestiais. É de supor com que ardor espiritual, com que pureza e santidade
contemplou a Vida de Jesus e da SS. Virgem, expressas em vestes
maravilhosas! Como julgar que as cenas dolorosas da Paixão de Jesus Cristo,
que inspiradamente traçou no quadro prodigioso de suas visões, sejam a
criação ar tística de uma pobre e ignorante camponesa? O gênio não é a
mesma coisa que a simplicidade, a ignorância e a ausência dos dons da
imaginação. Ora, Catharina Emmerich, que se saiba, jamais procurou
manifestar, como natural expansão de sua imaginação sem cultura, as
sublimidades da Divina Redenção nos sofrimentos de Jesus sem uma
inter venção sobrenatural. Prefaciando, embora modestamente, quando
outros o poderiam fazer melhor, este livro, contendo as visões de Catharina
Emmerich sobre a Paixão e Mor te de Jesus, o nosso único intuito não é
apreciar o valor intrínseco desse trabalho, que contém o produto
sobrenatural de visões divinas, já reconhecidas pelo testemunho consciente
e pelo critério judicioso, com as devidas reservas da Igreja.
Apenas nos limitamos, por considerar opor tuno, à exposição de diversas
razões sobre o poder da imaginação, até onde será suscetível de chegar o
alcance do bom senso vulgar. Em todo o cor rer da leitura deste livro, vê-se
claramente que não pode ser uma obra de exclusiva imaginação ou uma
conseqüência de alucinação, pois que se trata de representações sensíveis,
que, anterior mente, não foram percebidas pelos sentidos. Ou melhor, não
pode ser sintomática de alucinação toda a representação sensível,
perfeitamente ordenada, cujos elementos, e não o tipo, foram percebidos
pelos sentidos. A imaginação entregue a si mesma é condenada à desordem;
não podia, precedentemente, combinar esses elementos na calma e sob a
direção da razão.
A representação sensível combinada dos fatos obser vados, as cenas
descritas até então ignoradas, é injustificável que sejam resultados de
alucinações.
Não temos a pretensão de aplicar todos esses casos à série das visões de
Catharina Emmerich, podendo, entretanto, dizer que não se teriam
desprezado essas regras na crítica de tais revelações sob o prisma do
sobrenatural, porque seria faltar a ciência, a mais elementar, não menos que
o bom senso, em face da doutrina católica.
Apesar deste livro não ter por objetivo doutrinar sobre um assunto que ainda
não conta com o assentimento pleno e definitivo da Igreja, entretanto, não
se lhe pode, negar que revela, com novos raios de luz, a verdade da mística
divina, que conduz a alma cristã à sua união com Deus, na contemplação
assídua do augusto mistério da Redenção. Pelo que se tor na recomendável o
piedoso livro à edificação dos fiéis.
Todo o exposto está subordinado ao juízo decisivo da suprema Autoridade
Eclesiástica.
M. N. CASTRO
INTRODUÇÃO
Quando os Apóstolos S. Pedro e S. João foram levados ao Grande Conselho,
por causa do milagre operado no paralítico de nascimento, disse S. Pedro:
"Este (Jesus) é a pedra que vós, construtores, rejeitastes; ei-Io tor nado a
pedra angular. Não há em nenhum outro salvação; pois nenhum outro nome
foi dado aos homens que os possa tor nar felizes". (Atos. 4, 11-12).
Destas palavras se deduz o lugar impor tante que deve ocupar o divino
Salvador, nos corações daqueles que por Ele querem chegar ao Pai celeste e
à eter na bem-aventurança. Ao seu santíssimo amor sejam, pois, dedicadas
estas páginas. Tratarão d’Ele, da sua vida santa, descrevendo-lhe
principalmente a sagrada Paixão e Mor te, que aceitou por amor de nós, para
fazer-nos justos e filhos do Pai celeste, nós que eramos pecadores.
Os impressionantes eventos pelos quais foi realizada esta dolorosa, mas
também grandiosa obra da nossa salvação, estão descritos em letras de ouro
no Livro dos livros, a Bíblia Sagrada, escrita por inspiração do Divino
Espírito Santo, o Espírito da verdade, que dirigiu o escritor, de modo que
tudo o que escreveu, com todo o direito é considerado e venerado como
palavra de Deus. Sentimo-nos obrigados a declará-Io, antes de apresentar ao
estimado leitor uma das obras póstumas de Clemente Brentamo, na qual nos
relata o que uma antiga religiosa, Anna Catharina Emmerich, lhe tinha
nar rado da vida e mor te de Nosso Senhor. A Escritura Sagrada vale mais do
que tudo e não há outro livro, ainda que pareça vir de inspiração divina, que
iguale o valor das palavras da Escritura Sagrada, cujo autor Deus preser vou
de todo e qualquer er ro, o que não podemos afir mar dos que contaram mais
tarde visões celestiais ou dos que as escreveram.
Contudo, não somos dos que, por este motivo, desprezam as visões das
almas privilegiadas. Deste modo, cada um seguirá a opinião que quiser. Pode
examinar com toda a liberdade os motivos para a credibilidade destas visões
e aproveitá-Ias nas suas meditações, ou pode deixar de dar-Ihes qualquer
atenção. No último caso não transgredirá nenhum mandamento de Deus e,
por tanto, não pecará, mas renunciará deste modo, ao proveito espiritual que
poderia delas tirar. Deus e a Igreja deixam-nos plena liberdade nestas
coisas, contanto que creiamos o que a santa Igreja nos manda crer e que é
para todos nós o único caminho da eter na bem-aventurança.
Grande número de homens doutíssimos examinaram as visões da piedosa
Anna Catharina Emmerich e reconheceram-lhe a credibilidade, com palavras
calorosas. Citamos apenas algumas sentenças da opinião de Frederico
Windischmann, professor tão piedoso como douto, mais tarde Vigário geral
do arcebispado de Muenchen Freising:
"A Providencia Divina escolheu em Anna Catharina um Instr umento que -
preparado com os poucos conhecimentos da instr ução rural, familiarizada,
como se achava, somente com livros de devoção ordinários, não versada na
Escritura Sagrada, privada até propriamente de uma direção espiritual, - não
podia apresentar ao divino assunto um vaso humanamente tão bem for mado
como S. Teresa, Maria de Agreda e outras; por isso mesmo era muito menos
capaz de fazer impostura, querendo imitar aqueles grandes exemplos. Pelo
contrário, para provar claramente a verdade do dom divino, deviam as visões
da jovem camponesa, despidas quase inteiramente da par te subjetiva e
mística, no sentido comum desta palavra, referir-se somente ao objetivo da
vida real de Jesus Cristo. Mas, justamente por isso lhe foi dado um assunto,
em que não há lugar para fantasia puramente humana e para os sonhos de
falsa contemplação, os quais, se quisessem imiscuir-se-Ihe, deveriam causar
er ros e enganos a cada passo; numa palavra: a inimitável objetividade da
visão, sem reflexões místicas da vidente, é uma prova evidente da
veracidade. Assim a descrição, às vezes quase fatigante, de pessoas, do
respectivo aspecto, vestuário, costumes de vida; a enumeração de cidades e
povoações, de caminhos e viagens, de regiões, montanhas, rios e lagos:
todos estes detalhes arqueológicos tem o fim providencial: primeiro, de
provar a impossibilidade de invenção, por par te da vidente ou do seu
secretário; segundo, de dar à pessoa de Jesus, aparecendo e agindo com
verdade histórica, um fundo histórico, do mesmo modo verdadeiro. Dissemos
antes que nenhuma reflexão mística e contemplação subjetiva da vidente
escurecia a objetividade das visões; mas isso não impede que, de vez em
quando, resplandeça, através das pessoas e dos acontecimentos, uma luz
maravilhosa de um mundo superior e que a vidente, como criança singela,
nos deixe contemplar os mistérios mais profundos da Escritura Sagrada e da
doutrina cristã.”
Na presente obra seguimos principalmente o livro "A Paixão de Jesus
Cristo", escrito por Clemente Brentano, segundo as suas anotações, e
editado pela primeira vez em 1832. (Cap. 2 - 10). Dividimos o texto em
capítulos, dando-lhe mais títulos. Algumas Infor mações de Anna Catharina
Emmerich, que somente per turbam a nar ração da Paixão de Jesus Cristo,
foram eliminadas; outras, de mais impor tância, encontrará o leitor no
apêndice. Por outro lado, parecia desejável dar primeiro algumas
infor mações sobre a família do Divino Salvador, a sua infância e vida pública,
até a instituição do SS. Sacramento, na noite de quinta feira da Semana
Santa. O 1º. capítulo dá um resumo de tudo que a Ser va de Deus viu, em
muitos meses, dessa par te da vida de Jesus.
Como, porém, o Divino Salvador mereceu com sua Paixão a glória
da Ressur reição e Ascensão, a vinda do Espírito Santo e a propagação
da Igreja, assim a história completa da Paixão exige também a nar ração
dos fatos gloriosos da vida glorificada de Cristo; pois o próprio
Salvador disse, no domingo da Páscoa, aos discípulos, no caminho de Emaús:
"Não era preciso que assim sofresse o Cristo, para depois entrar na sua
glória?" Nar ramos esses fatos gloriosos (Cap. 11 - 15), em geral, segundo as
visões de Anna Catharina Emmerich, citando-a às vezes textualmente.
Estranhamos que a ser va de Deus mencionasse apenas em poucas palavras
ou até calasse, muitas coisas que a Escritura Sagrada nar ra detalhadamente,
por exemplo, as belas Palavras que o Arcanjo S. Gabriel e a SS. Virgem
proferiram na Anunciação, como também a despedida de Jesus na noite da
Quinta-Feira Santa, o ser mão de S. Pedro no domingo de Pentecostes, a
conversão e as obras de S. Paulo, etc. Vemos nisso a direção da Sabedoria
Divina, que não faz coisa inútil. Mas para completar a nar ração,
intercalamos, onde nos parecia conveniente, par tes da Escritura Sagrada.
Deste modo, apresentamos ao leitor a história bastante completa, apesar de
cur ta, da Vida, Paixão e Glorificação de Jesus e desejamos ardentemente
que concor ra para acender e aumentar a chama de amor e gratidão ao nosso
Divino Salvador.
Tendo indicado o fim que visa este livro, queremos na primeira par te
infor mar ligeiramente o leitor sobre a vida de Anna Catharina Emmerich, afim
de que possa examinar e então resolver, se deve ou não dar fé às visões da
Ser va de Deus. Já Clemente Brentano, para não escandalizar os incrédulos,
editou "A Paixão de Cristo" sob o título de "Meditações". Cada um tem assim
a liberdade de tomar as nar rações dessa religiosa sob esse ponto de vista ou
de dar-Ihes fé mais ampla.
For malmente declaramos, por tanto, confor me o decreto de Urbano VIII, que
todos os fatos milagrosos contados neste livro, numa palavra, tudo que não
foi confir mado pela Escritura Sagrada ou a Santa Igreja, exige somente
credibilidade humana. Além disso, não queremos, de ne nhum modo,
antecipar a sentença da Igreja, dando a alguém o titulo de "santo" ou "bem-
aventurado", Damos a este livro o título de "Vida, Paixão e Glorificação do
Cordeiro de Deus". Aproveitaram-se as seguintes obras:
1
Família, amigos, infância e mocidade de Jesus
A Escritura Sagrada diz: "Quando veio a plenitude dos tempos, enviou Deus o
seu Filho, nascido de mulher, sujeito à lei, afim de remir os que estavam
debaixo da lei, para que recebêssemos a adoção de filhos." (Gal. 4, 4-5).
Essas palavras nos ensinam que, com a vinda do Redentor a este mundo,
começou uma era nova, a qual a Escritura Sagrada chama a plenitude e
consumação de todos os tempos.
A era de-Jesus Cristo foi a plenitude dos tempos, porque nele se cumpriram
todas as predições dos profetas. Foi-o também, porque em Jesus Cristo
começou a última e perfeita era.
Quantos períodos já tinham passado antes de começar esta última e mais
sublime era! Segundo o que nos ensinam as ciências, tanto as profanas como
as sagradas, já a haviam precedido muitos e, em par te, longos espaços de
tempo. Assim a era sideral, em que foram criados por Deus, os astros, com o
respectivo movimento e desenvolvimento; depois a era telúrica, em que a
ter ra, até então uma massa ígnea em fusão, começou a for mar em si uma
crista fir me, mais e mais espessa. Depois a era orgânica, em que Deus or nou
e encheu a ter ra de plantas e animais; afinal a era histórica, que teve
princípio com a criação dos primeiros homens. Mas esta última teve ainda
diversos períodos; pois no princípio ficaram os homens sob o império da lei
natural, que Deus lhes gravou em letras indeléveis na consciência; com ela
todos os homens conhecem o que devem fazer ou deixar de fazer e por isso
Deus exige a obser vação dessa lei de todos os homens, mesmo dos pagãos
que não o conhecem. Mas Deus não se contentou com isso; quis entrar em
relações com os homens, pela graça e conduzir aqueles que lhe obede-
cessem, a uma união mais íntima consigo.
Mas também nesse desígnio procedeu gradualmente. A primeira aliança foi a
que começou pela escolha de Abraão para ser pai do povo de Israel e acabou
com a promulgação da lei, no monte Sinai. Em conseqüência dessa aliança,
entrou o povo de Israel em relações mais estreitas com Deus. Recebeu d’Ele
um culto novo, novas leis e a promessa consoladora de que do seu seio
proviria o Salvador. Para esse fim, serviam todas as leis especiais,
cerimônias e preceitos do Velho Testamento; até dos pecados e das
desgraças do povo israelita sabia o Senhor, pela sua Divina Providência,
dirigir os efeitos, de modo que lhe ser viam aos divinos desígnios. Sob esse
ponto de vista encara a Ser va de Deus especialmente a for mação daquela
família, da qual devia nascer o divino Salvador.
Quando o Redentor apareceu neste mundo, ter minou a velha Aliança, porque
estava realizado o seu fim: os bons, entre os judeus e também entre os
gentios, reconheceram o seu estado pecaminoso e a necessidade da
salvação, anelando ansiosos pelo Messias.
Começou então uma segunda Aliança, abundante em graças, a qual foi
confir mada no monte Sião, em Jerusalém, pela vinda do Espírito Santo, no
dia de Pentecostes. Com essa Nova Aliança, que durará até o fim do mundo,
principiou a consumação dos tempos, na qual foi proporcionada aos homens
pecadores a salvação abundante em Jesus Cristo e pela qual somos elevados
do estado de ser vidão ao estado de liberdade e à dignidade de filhos de
Deus.
(1) José e Joaquim tinham a mesma avó. Depois da mor te do primeiro marido.
Matan, pai de Jacó, ela se casou com Leví. Dessa união nasceu Matthat, pai
de Joaquim.
(2) Dessa bênção da promissão conta Anna Catharina o seguinte: Quando Eva
foi for mada. vi que Deus deu uma coisa a Adão: era como se tor rentes de luz
emanassem de Deus. aparecendo-lhe em for ma humana, da fronte, da boca,
do peito e das mãos e se unissem numa esfera de luz, que entrou no lado
direito de Adão, do qual Eva foi tirada. Somente Adão o recebeu. Era este o
ger me da bênção de Deus. Por ter comido do fruto proibido. foi tirada a Adão
essa bênção de geração pura e santa em Deus. Vi a segunda Pessoa divina
descer com algo em for ma de cutelo na mão e tirar a bênção a Adão. antes
deste consentir no pecado.
Abraão recebeu depois a bênção da promissão, quando o Anjo o abençoou;
após ele, também Moisés. do qual veio a Arca da Aliança. Vi este Mistério ou
a bênção numa espécie de invólucro, como um conteúdo, um ser ou uma
força. Era pão e vinho, car ne e sangue; era o ger me da bênção antes do
primeiro pecado; era a existência sacramental da geração antes do pecado,
conser vada aos homens pela religião, que lhes possibilitou, pela piedade,
uma estir pe mais e mais purificada, que finalmente ter minou em Maria, que
concebeu pelo Espírito Santo o Messias, há tanto tempo anelado.
Vi diversas vezes o Sumo Pontífice, estando no Santo dos Santos, empregar a
bênção da promissão, como uma ar ma ou uma força, movendo-a de um lado
para outro, para conseguir proteção ou bênção, concessão de uma graça
pedida. um benefício ou um castigo.
Não a tocava com as mãos nuas. Mergulhava-a também na água, para fins
santos, a qual se dava a beber, como bênção Isméria, mãe de Sant’Ana.
bebeu também dessa água e foi assim disposta para a conceição de Ana.
Esta não bebeu da água sagrada; pois a bênção já estava com ela".
Maria tinha três anos e três meses, quando fez o voto de associar-se às
virgens santas, que se dedicavam ao ser viço do Templo. Antes da par tida,
fizeram na casa pater na uma grande festa, à qual estiveram presentes cinco
sacerdotes, que sujeitaram Maria a uma espécie de exame, para ver se já
chegara à idade de juízo e madureza de espírito, para, ser admitida no
Templo. Disseram-lhe que os pais tinham feito por ela o voto, que não devia
beber vinho ou vinagre, nem comer uvas ou figos. Maria ainda acrescentou
que não comeria nem peixe, nem especiarias, nem frutas, senão uma espécie
de pequenas bagas amarelas, que não beberia leite, dor miria na ter ra e se
levantaria três vezes durante a noite para rezar.
Os pais de Maria ficaram muito comovidos com estas palavras. Joaquim
abraçou a filha, exclamando, entre lágrimas: "Oh, minha querida filha, isto é
duro demais; se assim queres viver, teu velho pai não te verá mais." - Foi um
momento de profunda comoção. Os sacerdotes, porém, disseram que se devia
levantar só uma vez para a oração, como as outras virgens, juntando ainda
outras circunstâncias atenuantes, como, por exemplo, que devia comer peixe
nas grandes festas.”
Maria ofereceu-se também para lavar as vestes dos sacerdotes e outras
roupas grossas.
"No fim da solenidade, vi que Maria foi abençoada pelos sacerdotes. Ela
estava em pé, num pequeno trono, entre dois sacerdotes; aquele que a
abençoou, estava-lhe em frente, os outros atrás. Os sacerdotes rezaram
alter nadamente, em rolos de pergaminho e o primeiro abençoou-a,
estendendo as mãos sobre ela. Tive nessa ocasião uma maravilhosa visão do
estado íntimo da santa Menina. Vi-a como que iluminada e transparente pela
bênção do sacerdote e sob seu Coração, em glória indizível, vi a mesma
imagem que na contemplação do santo Mistério na Arca da Aliança. Numa
for ma luminosa, igual à do cálice de Melquisedec, vi figuras brilhantes,
indescritíveis, da bênção da promissão. Era como trigo e vinho, car ne e
sangue, que tendiam a unir-se. Vi, ao mesmo tempo, que sobre essa aparição
o Coração da Virgem se abriu, como a por ta de um templo e o mistério da
promissão, cercado como de um dossel, guar necido de misteriosas pedras
preciosas, lhe entrou no Coração aberto; era como se a Arca da Aliança
entrasse no templo. Depois disso, encer rava o coração da Virgem o maior
bem que naquele tempo havia no mundo. Desaparecendo essa imagem, vi
apenas a santa Menina cheia de ardente devoção e amor. Vi-a como que
extasiada e elevada acima da ter ra".
Joaquim e Ana viajaram com Maria para Jer usalém. Em procissão solene foi
a Menina introduzida no Templo; depois de oferecido um sacrifício, erigiu-se
um altar por baixo de um por tal. Maria ajoelhou-se nos degraus, enquanto
Joaquim e Ana lhe puseram as mãos na cabeça, proferindo orações de
oferecimento. Um sacerdote cor tou-lhe então um anel do cabelo, queimou-o
num braseiro e vestiu-a de um véu pardo. Dois sacerdotes conduziram Maria
muitos degraus para cima, à parede divisória que separa o Santo do resto do
Templo e colocaram-na num nicho, do qual se via o Templo, em baixo. Depois
um sacerdote ofereceu incenso no altar próprio.
"Vi brilhar sob o Coração de Maria uma auréola de glória e soube que
continha a promissão, a bênção santíssima de Deus. Essa auréola aparecia
como que cercada pela arca de Noé, de modo que a cabeça da Santíssima
Virgem sobressaia acima da Arca. Depois vi a figura da arca de Noé
transfor mar-se na da Arca da Aliança, cercada pela aparição do Templo.
Então vi desaparecer essas for mas e sair da auréola brilhante a figura do
cálice da última ceia, diante do peito de Maria. aparecendo-lhe diante da
boca um pão assinalado com uma cruz. Dos lados lhe emanavam numerosos
raios de luz, em cujas extremidades apareciam muitos mistérios e símbolos
da SS. Virgem, como, por exemplo, os nomes da Ladainha de N. Senhora, em
figuras. Do ombro direito e do esquerdo cruzavam-se dois ramos de oliveira e
cipreste sobre uma palmeira pequena, que vi aparecer atrás de Maria. Entre
esses ramos vi as for mas de todos os instrumentos da paixão de Jesus. O
Espírito Santo, com asas luminosas, parecendo mais figura de homem do que
de pomba, pairou sobre a aparição. No alto vi o céu aber to, com a Jer usalém
celeste no centro, com todos os palácios, jardins e habitações dos futuros
Santos; tudo estava cheio de Anjos; também a auréola de glória que cercava
Maria, estava cheia de cabeças de Anjos.
Então desapareceu a visão gradualmente, como aparecera. Por fim vi
somente o esplendor sob o Coração de Maria e luzir nele a bênção da
promissão. Depois desapareceu também essa visão e vi apenas a Santa
Menina, consagrada ao Templo, guar neci da de seus ador nos, sozinha entre
os sacerdotes.”
Maria despediu-se dos pais e foi entregue às mestras: Noemi, Ir mã da mãe de
Lázaro e a profetisa Ana, outra matrona.
"Então vi uma festa das virgens do Templo. Maria tinha de perguntar às
mestras e às meninas, uma a uma, se queriam deixá-Ia ficar junto delas. Era
o costume adotado. Depois fizeram uma refeição e no fim houve uma dança;
estavam umas em frente às outras, duas a duas e
dançando for mavam figuras: cruzes, etc.
De noite Noemi conduziu Maria ao seu quar tinho, de onde se podia ver o
interior do Templo. O quar to não for mava um quadrângulo regular ; as paredes
estavam marchetadas de triângulos, que for mavam várias figuras. Havia no
quar to um banquinho, mezinha e estantes nos cantos, com diversos
repar timentos para guardar objetos. Diante desse quar tinho havia um quar to
de dor mir e um guarda-roupa, como também a cela de Noemi.
As virgens do Templo usavam vestido branco, comprido e largo, com cinta e
mangas muito largas, que ar regaçavam para o trabalho. Estavam sempre
veladas.
Maria, era, para sua idade, muito hábil; vi-a trabalhar, fazendo já pequenos
lenços brancos, para o ser viço do Templo.
Vi a Santa Virgem passar o tempo par te na morada das matronas (com as
outras meninas), par te na solidão do quar to, em estudo, oração e trabalho.
Trabalhava em ponto de malha e tecia, sobre varas compridas, panos
estreitos, para o ser viço do Templo. Lavava as toalhas e limpava os vasos do
Templo. Vi-a muitas vezes em oração e meditação.
Além das orações prescritas no Templo, Maria SS. tinha como devoção
especial o desejo contínuo da Redenção, que lhe constituía uma ininter r upta
oração da alma. Guardava esse desejo como um segredo e fazia as devoções
às escondidas. Quando todas dor miam, levantava-se do leito, para orar a
Deus. Vi-a muitas vezes se desfazer em lágrimas e rodeada de celestial
esplendor, durante a oração.
A alma da Virgem parecia não estar na ter ra e gozava muitas vezes de
consolações celestes. Tinha um desejo indizível da vinda do Messias e na
sua humildade, apenas se atrevia a desejar ser a ser va mais humilde da Mãe
do Salvador.
Tendo as virgens do Templo alcançado cer ta idade, casavam-se e deixavam o
ser viço do mesmo. Quando chegou, porém, o tempo de Maria, ela não quis
deixar o Templo; mas disseram-lhe que devia casar.”
"Eu vi, conta Catharina Emmerich, que um sacerdote muito idoso, que não
podia mais andar (provavelmente o Sumo Sacerdote), foi transpor tado por
alguns outros, numa cadeira, para diante do Santíssimo e rezou, lendo num
rolo de pergaminho que lhe estava em frente, sobre uma estante, enquanto
se queimava um sacrifício de incenso. Extasiado em espírito, teve uma
aparição, sendo-lhe a mão colocada sobre o rolo, onde o dedo indicador
mostrava a palavra do Profeta Isaías: E sairá uma vara do tronco de Jessé o
uma flor brotar-Ihe-á da raiz. (Is. 11, 1). Quando o ancião voltou a si, leu esse
verso e conheceu-lhe a significação ensinada na visão.
Enviaram, por tanto, mensageiros por todo o país, convocando todos os
homens solteiros da estir pe de Davi ao Templo. Reuniram-se muitos deles no
Templo, em vestes de gala, e foi-Ihes apresentada a Virgem Santíssima. Vi
ali um jovem muito piedoso da região de Belém; tinha também implorado
sempre, com ardente devoção, a vinda do Salvador prometido e vi-lhe no
coração o grande desejo de ser o esposo de Maria. Esta, porém, se recolheu
à cela, der ramando lágrimas abundantes e não podia confor mar-se com o
pensamento de ter de renunciar à virgindade. Então vi que o Sumo Sacerdote
(segundo a inspiração recebida do Céu) distribuiu ramos a todos os homens
presentes, com ordem de marcar cada um o seu ramo com o respectivo nome
e segurá-Io nas mãos, durante a oração e o sacrifício. Feito Isso, todos
entregaram os seus ramos, que foram colocados sobre um altar, diante do
Santíssimo; anunciou-Ihes o Sumo Sacerdote que aquele cujo ramo
florescesse, seria destinado por Deus a desposar a Virgem Maria de Nazaré.
Enquanto os ramos estavam diante do Santíssimo, continuaram os homens a
oferecer sacrifícios, a rezar ; vi que aquele jovem clamava instantemente a
Deus, com os braços estendidos, num dos átrios do Templo e rompeu em
lágrimas, quando todos receberam os seus ramos e foram infor mados que
nenhum florescera e, por tanto, nenhum dentre os presentes fora destinado a
ser o esposo dessa Virgem.
Vi depois que os sacerdotes do Templo procuraram de novo, nos registros
das gerações, se havia ainda um descendente de Davi, que antes tivessem
saltado. Como, porém, fossem marcados seis ir mãos de Belém, de um dos
quais já há muito tempo não havia notícias, procuraram o domicílio de José e
acharam-no, num lugar não muito longe de Samaria, situado num ribeiro,
onde morava sozinho, per to do ribeiro, trabalhando em ser viço de outros
mestres. Estaria talvez na Idade de 33 anos. (3)
(3) "José era o terceiro, entre seis ir mãos. Os pais, já falecidos, tinham
habitado um vasto edifício fora de Belém, o antigo solar de Davi, cujo pai,
Isai ou Jessé, já o possuíra. Restavam, porém, no tempo de José, apenas os
muros do edifício principal. Nos quar tos de cima moravam José e os innãos,
com o mestre, um velho judeu. Vi-os brincar nos quar tos, lá em cima. Vi
também o mestre Ihes dar muitas lições estranhas que não entendi bem. Os
pais não cuidavam muito dos filhos; pareciam ser nem bons nem maus. José
tinha um gênio muito diferente dos ir mãos. Era inteligente e aprendia com
facilidade; era, porém, simples, recolhido, piedoso e sem ambição. Os ir mãos
pregavam-lhe muitas peças, davam-lhe empur rões e causavam-lhe muitos
desgostos. Os pais também não estavam muito satisfeitos com José;
desejavam que, com os talentos de que era dotado, aspirasse a qualquer
posição elevada no mundo; mas o rapaz não tinha inclinações para isso.
Achavam-no muito simples e humilde demais; rezar e exercer pacatamente
uma profissão era a única aspiração do jovem. Para evitar as contínuas
provocações dos ir mãos, vi-o ir muitas vezes do outro lado de Belém, em
companhia de algumas mulheres piedosas e rezar com elas. Tinha então
cerca de 19 anos. Vi-o também passar algum tempo em gr utas, uma das
quais veio a ser depois o lugar do nascimento de Nosso Senhor. Ali rezava e
fazia pequenos trabalhos em madeira, pois per to havia a oficina de um velho
car pinteiro; José ajudava-o nos trabalhos e aprendeu assim, pouco a pouco,
a profissão.
A hostilidade dos imlãos aumentou a tal ponto, que lhe foi impossível ficar
mais tempo na casa pater na. Vi-o, numa noite, fugir disfarçado de casa, para
ganhar o sustento pelo trabalho de car pinteiro. Estava na idade de 18 a 20
anos. Primeiro o vi trabalhar na oficina de um car pinteiro em Libonah, onde
aprendeu a profissão completamente. José era piedoso, bom e singelo; todos
o estimavam. Vi como prestava humildemente muitos pequenos ser viços ao
mestre; vi-o apanhar as aparas, juntar lenha e conduzí-Ia às costas. Depois
trabalhou em Tanath, per to do Megiddo, mais tarde Tibérias; teria então
cerca de 33 anos. José pedia e anelava muito pela vinda do Messias.”
À ordem do Sumo Sacerdote, veio José com o seu melhor traje ao Templo de
Jerusalém. Teve também de segurar um ramo, durante o sacrifício e as
orações; quando quis pô-Io sobre o altar, diante do Santíssimo, brotou uma
flor branca, como uma açucena, na ponta do ramo e vi descer sobre ele uma
aparição luminosa, como o Espírito Santo. Então reconheceram José como
esposo de Maria, escolhido por Deus e apresentaram-no a Maria, em
presença de sua mãe e dos sacerdotes. Maria, confor mada com a vontade de
Deus, aceitou-o humildemente por noivo.
As núpcias foram celebradas em Jerusalém. Depois seguiu Maria com a mãe
para Nazaré; José, porém, foi primeiro a Belém, a negócios de família. À sua
chegada em Nazaré, fizeram uma festa. Na casa que Ana montara para eles,
tinha José um quar to separado, na frente. Ambos estavam muito acanhados.
Viviam em oração e muito recolhidos.”
"Vi a Santíssima Virgem, com sua mãe Sant'Ana, fazendo trabalhos de malha,
preparando tapetes, ligaduras e panos, conta Anna Catharina. José estava a
caminho, voltando de Jerusalém, para onde tinha levado animais para o
sacrifício. Passando pela meia noite pelo campo de Chir nki, a seis léguas de
Nazaré, apareceu-lhe um Anjo, com o aviso de par tir imediatamente com
Maria para Belém, pois era ali que ela devia dar à luz o filho. Ordenou-lhe
também que levasse, além do jumento, em que Maria devia viajar, uma
jumentinha de um ano; que deixasse esta cor rer livre e seguisse o caminho
que ela tomasse.
José comunicou a Maria e Ana o que lhe fora dito; então se prepararam para
a par tida imediata. Ana ficou muito aflita. A Virgem Santíssima, porém, já
sabia antes que devia dar à luz o filho em Belém, mas na sua humildade
calara-se.”
A vida dos filhos de Deus é uma mistura de alegria e de dor. Maria
Santíssima tinha-o experimentado já em Nazaré; verificou-o por toda a vida e
também então, na viagem ao lugar abençoado, onde o Filho de Deus ia descer
à ter ra. A piedosa Emmerich nar ra:
"Vi José e Maria par tirem, acompanhados por Ana, Maria Cleophae e alguns
criados, até o campo de Ginim, onde se separaram, despedindose comovidos.
Vi a Sagrada Família continuar a viagem, subindo a ser ra de Gilboa. Na noite
seguinte passaram por um vale muito frio, dirigindo-se a um monte. Caíra
geada. Maria, sentindo frio, disse: "Devemos descansar, não posso ir mais
adiante." José ar ranjou-lhe um assento, debaixo de um terebinto; ela, porém,
pediu instantemente a Deus que não a deixasse sofrer qualquer mal, por
causa do frio. Então a penetrou tanto calor, que ela deu as mãos a José, para
aquecer as dele. José falou-lhe muito carinhosamente; ele era tão bom e
sentia tanto que a viagem fosse tão penosa! Falou também da boa recepção
que esperava achar em Belém.
Celebraram o Sábado numa estalagem. Na manhã seguinte continuaram o
caminho, passando por Samaria. A Santíssima Virgem andava a pé; às vezes
paravam em lugares convenientes e descansavam.
(4) Jesus Cristo nasceu, segundo as visões de Anna Catharina, ainda no ano
de 3997, por conseguinte 8 anos antes da nossa cronologia, que se começa a
contar no ano de 4004.
A verdadeira data do nascimento também se lhe apresenta diferente: quatro
semanas antes, por tanto: a anunciação de Nossa Senhora nos fins de
Fevereiro e o Natal pelos fins de Novembro.
A jumenta ora ficava atrás, ora cor ria muito para a frente; mas onde os
caminhos divergiam, apresentava-se e tomava o caminho bom e onde deviam
descansar, parava.
A primeira coisa que S. José fazia, em cada lugar de descanso e em cada
estalagem, era ar ranjar um lugar cômodo para a Santíssima Virgem sentar-se
e descansar.
Quando a sagrada família chegou a dez léguas de Jerusalém, encontrou de
noite uma casa solitária. José bateu à por ta, pedindo agasalho para a noite;
mas o dono da casa tratou-os grosseiramente e negou-lhes o abrigo. Então
andaram um pouco adiante e, entrando num rancho, encontraram ali a
jumenta esperando.
Abandonaram esse abrigo já antes de amanhecer. Em outra casa foram
também tratados asperamente. José tomou pousada mais vezes pelo fim da
viagem, pois esta se tor nava cada vez mais penosa para a SS. Virgem.
Seguindo sempre a jumenta, fizeram deste modo uma volta de quase um dia e
meio, para leste de Jerusalém. Rodeando Belém, passaram pelo nor te da
cidade e aproximaram-se pelo lado oeste. Pararam e pousaram afastados do
caminho, sob uma ár vore. Maria apeou-se e concer tou o vestido. Depois José
a conduziu a um grande edifício, que estava a alguns minutos fora de Belém;
era a casa pater na de José, o antigo solar de Davi, mas naquele tempo ser via
de recebedoria do imposto romano. José entrou na casa; os amanuenses
perguntaram quem era e depois lhe leram a genealogia, como também a de
Maria. Aparentemente, ele não sabia que Maria descendia também por
Joaquim, em linha direta, de Davi. Maria foi também chamada perante os
escrivões.
José entrou então com ela em Belém, procurando em vão pousada logo nas
primeiras casas; pois havia muitos forasteiros na cidade. Continuaram assim,
indo de rua em rua. Chegando à entrada de uma rua, Maria esperava com os
jumentos, enquanto José ia de casa em casa, pedindo agasalho, mas em vão.
Maria tinha de esperá-lo às vezes muito e sempre com o mesmo resultado;
tudo já ocupado, não havia mais lugar para eles. Então disse José a Maria
que era melhor ir à outra par te de Belém; mas também lá procurou em vão.
Conduziu-a então e ao jumento, para debaixo de uma ár vore grande, afim de
descansar, enquanto ele ia à procura de hospedagem. Muita gente passou
pela ár vore, olhando para Maria. Julgo que alguns também se lhe dirigiram,
perguntando quem era. Maria era tão paciente, tão humilde e ainda tinha
esperança. Mas, depois de esperar muito, voltou José triste e abatido, pois
nada ar ranjara. Os amigos, dos quais tinha falado à SS. Virgem, não
quiseram reconhecê-lo. Lamentou-o com lágrimas nos olhos, mas Maria
consolou-o. Mais uma vez começou ele a procurar de casa em casa, voltando
finalmente tão abatido, que só se aproximou hesitante. Disse que conhecia
um lugar fora da cidade per tencente aos pastores; ali, com cer teza,
achariam abrigo.
Assim saíram de Belém, para uma colina situada no lado oriental da cidade,
na qual havia uma gr uta ou adega. A jumentinha, que já da casa pater na de
José tinha cor rido para lá, fazendo a volta da cidade, veio-lhes ao encontro,
pulando e brincando alegremente em roda. Então disse a SS. Virgem a José:
"Vê, de cer to é vontade de Deus que aqui fiquemos.”
José acendeu uma luz e, entrando na caver na, tirou algumas coisas de lá,
afim de ar ranjar um lugar de descanso para a SS.Virgem. Depois a levou para
dentro e ela se assentou no leito feito de mantas e fardéis de viagem. José
pediu-lhe humildemente desculpa pela pobre hospedagem; mas Maria, cheia
de piedosa esperança e amor, estava contente e feliz.
José buscou água num odre e da cidade trouxe pratinhos, algumas frutas e
feixes de lenha miúda; buscou também brasas, para acender fogo e preparar
a refeição. Depois de ter comido e feito as orações, deitou-se Maria no leito;
José, porém, ar ranjou o seu leito à entrada da gruta.
Maria Santíssima passou o dia seguinte, o Sábado, na gruta, rezando e
meditando com grande devoção. De tarde José a levou, através do vale, à
gruta que ser vira de sepulcro a Marabá, ama de Abraão. Depois, ter minado o
Sábado, veio reconduzí-la à primeira gruta. Maria disse a S. José que à meia
noite desse dia chegaria a hora do nascimento de seu Filho, pois teriam
passado nove meses desde a anunciação pelo Anjo: José ofereceu-se para
chamar algumas mulheres piedosas de Belém para assistí-la, mas Maria
recusou.
Desse modo chegaram os santos Pais de Jesus, guiados pela Divina
Providência, ao lugar deter minado pelo Pai Eter no, em união com o Filho
Unigênito e o Espírito Santo, para o nascimento daquele divino Menino, cheio
de graça, que havia de tirar da ter ra a maldição, abrir o Céu e criar um novo
Éden de Deus cá na ter ra. Lúcifer e os seus sequazes perderam o reino do
Céu pelo orgulho, querendo ser iguais a Deus e assim perderam os primeiros
homens também o paraíso, porque o mesmo sedutor os enganou com vãos
desejos de serem iguais a Deus. Por isso, a santa humildade havia de abrir
de novo o caminho do Céu. O Filho de Deus veio a este mundo ensinar, pelo
exemplo, essa e todas as outras vir tudes. Eis porque Ele, o Rei da
eter nidade, quis nascer homem num lugar onde os animais se abrigavam.
Para primeiro berço escolheu uma miserável manjedoura, na qual o gado
costumava comer. Assim não lhe faltou nada da pobreza humana, mas uniu-
se-lhe o esplendor da majestade divina. - A piedosa vidente continua:
"Quando Maria disse ao esposo que o tempo estava próximo e que a deixasse
e fosse orar, José saiu, recolhendo-se ao leito, para rezar. Ao sair, voltou-se
mais uma vez, para fitar a SS. Virgem e viu-a como rodeada de chamas; toda
a gruta estava iluminada como por uma luz sobrenatural. Então entrou com
santo respeito na sua cela e prostrou-se por ter ra, para orar.
Vi o esplendor em volta da SS. Virgem crescer mais e mais. Ela estava de
joelhos, cober ta de um vestido largo, estendido em redor, sem cinto. A meia
noite ficou extasiada e levantada acima do solo; tinha os braços cruzados
sobre o peito. Não vi mais o teto da gruta; uma estrada de luz abria-se-Ihe
por cima, até o mais alto Céu, com crescente esplendor.
Maria, porém, levantada da ter ra em êxtase, olhava para baixo, adorando o
seu Deus, cuja Mãe se tor nara e que jazia deitado por ter ra, diante dela, qual
criancinha nova e desamparada. Vi o nosso Salvador qual criancinha
pequenina, resplandecente, cujo brilho excedia a toda a luz na gruta, deitado
no tapete, diante dos joelhos de Maria. Parecia-me que era muito pequeno e
crescia cada vez mais, diante dos meus olhos.
Depois de algum tempo vi o Menino Jesus mover-se e ouvi-o chorar. Então foi
que Maria voltou a si. Tomou a criancinha e, cobrindo-a com um pano,
aper tou-a ao peito. Assim se sentou, envolvendo-se, com o Filhinho, no véu.
Então vi em redor Anjos em for ma humana, prostrados em adoração diante do
Menino.
Cerca de uma hora após o nascimento, Maria chamou S. José, que ainda
estava rezando. Chegando-se-Ihe per to, prostrou-se-Ihe o esposo em frente,
em adoração, cheio de humildade e alegria. Só depois que Maria lhe pediu
que aper tasse de encontro ao coração o santo dom de Deus, foi que se
levantou, recebendo o Menino Jesus nos braços e louvando a Deus, com
lágrimas de alegria.
A SS. Virgem envolveu então o Menino em panos e deitou-o na manjedoura,
cheio de junco e er vas finas e cober ta com uma manta. A manjedoura estava
ao lado direito, na entrada da gruta. Os santos Pais, tendo deitado o menino
no presepe, ficaram-lhe ao lado, cantando salmos.”
O tempo chegara à consumação: O Verbo fizera-se car ne, - o Verbo Eter no e
Divino do Pai Celestial Todo-Poderoso. A profecia de Isaías cumprira-se: A
Virgem concebera e dera à luz um filho, cujo nome é Emanuel, "Deus
Conosco". (Is. 7, 14). Apareceu entre nós o Messias, prometido já no paraíso
e por todos os povos tão ardentemente anelado. Está deitado numa
manjedoura, qual criança pobre e desamparada. Será reconhecido em tão
humildes condições? A quem se revelará pri meiro o Rei da glória? Não aos
grandes e soberbos da ter ra! Pastores, pobres e simples, são os primeiros
convidados por mensageiros celestiais à manjedoura, para adorar o Menino
divino. Conta Catharina Emmerich:
"Vi três pastores, que estavam juntos, diante do rancho, admirando a
maravilhosa noite; no céu vi uma nuvem luminosa, descendo para eles. Ouvi
um doce canto. A principio se assustaram os pastores, mas de repente Ihes
surgiu um Anjo, dizendo: "Não temais, anuncio-vos uma grande alegria, que é
dada a todo o povo, pois nasceu hoje, na cidade de Davi, o Salvador, que é
Cristo, nosso Senhor... Eis o sinal para conhecê-Io: achareis uma criança
envolta em panos e deitada num pre sépio." Enquanto o Anjo assim falava,
aumentava o esplendor em redor e vi então cinco ou sete Anjos, grandes,
luminosos e graciosos, diante dos pastores; seguravam nas mãos uma fita,
como de papel, na qual estava escrita uma coisa, em letras do tamanho de
um palmo: ouvi-os louvar a Deus e cantar : "Glória a Deus nas alturas e paz na
ter ra aos homens de boa vontade".
Os pastores na tor re de vigia tiveram a mesma aparição, apenas um pouco
depois. Do mesmo modo apareceram os Anjos a um terceiro grupo de
pastores, per to de uma fonte, a três léguas de Belém, a leste da tor re dos
pastores. Vi que os pastores não foram imediatamente à gr uta; para lá
chegar os três pastores tinham um caminho de uma hora e meia e os da tor re
o dobro. Vi também que deliberaram sobre o que deviam levar, como
presente, ao Messias recém-nascido; depois buscaram as dádivas o mais
depressa possível.
Ao crepúsculo da manhã chegaram os pastores, com os presentes, à gruta.
Contaram a S. José o que Ihes anunciara o Anjo e que vinham para adorar o
Messias. José aceitou os presentes, com humildes agradecimentos e
conduziu os pastores à SS. Virgem. que estava sentada ao pédo presépio,
com o Filho ao colo. Os recém-chegados prostraram-se de joelhos diante de
Jesus, segurando os cajados nos braços; choraram de alegria e
per maneceram assim muito tempo, sentindo grande felicidade e doçura.
Quando se despediram, deu-Ihes a SS. Virgem o Menino a abraçar. De tarde
vieram outros pastores, com mulheres e crianças, trazendo presentes.
Alguns dias depois do nascimento de Jesus, estando José e Maria ao lado do
presépio e olhando com grande e íntima felicidade para o divino Menino,
aproximou-se de súbito o jumento, e, caindo de joelhos, baixou a cabeça até
o chão. Maria e José der ramaram lágrimas à vista disso.
Depois do Sábado, José chamou três sacerdotes de Belém, para a
circuncisão do Menino. Estes trouxeram a cadeira da circuncisão e uma laje
de pedra octogonal, na qual se encontravam os instrumentos necessários. Ao
nascer do dia teve lugar a circuncisão. Oito dias depois do nascimento do
Senhor, vi que um anjo apareceu ao sacerdote, apresentando-lhe o nome de
Jesus, escrito numa lousa. O Menino Jesus chorou alto, depois da santa
cerimônia. José recebeu-o do sacerdote e depositou-o nos braços da SS.
Virgem.
Na tarde do dia seguinte, chegou Isabel, com um velho criado, à gruta. Houve
grande regozijo. Isabel aper tou o Menino ao coração. Veio também Ana, com
o segundo marido e Maria Helí. Maria pôs o Menino nos braços da velha mãe,
que estava muito comovida. Maria contou-lhe também, cheia de íntima
felicidade, todas as circunstâncias do nascimento. Ana chorou com Maria,
acariciando durante todo o tempo o Menino Jesus.”
Um dos fatos mais maravilhosos da vida do Divino Salvador é a vinda dos três
Reis Magos ao presépio. Surge a pergunta: Como foi possível que três
homens de alta posição, com numerosa comitiva, vindos de ter ras
longínquas, chegassem guiados por uma estrela ao presépio de Belém?
Para explicação cita-se geralmente o trecho do livro Números 24, 17; "Uma
estrela sai de Jacó, um cetro levanta-se de Israel, que esmagará os
príncipes de Moab." Cer tamente é este trecho de impor tância e sem dúvida o
conheceram os pontífices dos judeus, melhor do que os chefes das tribos
longínquas dos gentios. Contudo, não vieram aqueles ao presépio, mas estes
últimos. Logo, não bastava só a estrela, para levá-los lá, faziam-se precisas
outras previdências divinas, milagrosas. Quais foram estas, conta-nos a
pobre camponesa de Flamske:
"Os antepassados dos três Reis Magos descendiam de Jó, que outrora vivera
no Cáucaso. Um discípulo de Balaão anunciara ali a profecia deste, de que
apareceria uma estrela de Jató. Essa profecia achou larga aceitação.
Constr uiu-se uma tor re alta, numa montanha. Muitos sábios e astrônomos
viveram ali altemadamente; tudo que notavam nos astros, escreviam e
ensinavam a todos.
Os chefes de uma tribo da ter ra de Jó, numa viagem ao Egito, na região de
Heliopoli, receberam por um Anjo a revelação de que o Salvador nasceria de
uma Virgem e seria adorado pelos seus descendentes. Eles mesmos deviam
voltar e estudar os astros. Esses Médos começaram então a obser var as
estrelas. Diversas vezes, porém, caiu esse estudo em esquecimento, por
causa de vários acontecimentos. Depois começou o abominável abuso de
sacrificarem crianças, para que a criança prometida viesse mais depressa.
Cerca de 500 anos antes do nascimento de Jesus, estava esse estudo dos
astros também em decadência. Existia porém, a descendência daqueles
chefes, constituída por três ir mãos, que viviam separados, cada um com sua
tribo. Tiveram três filhas, às quais Deus deu o dom de profecia, de modo que
ao mesmo tempo percor reram o país e as três tribos, profetizando e
ensinando sobre a estrela de Jacó. Então se renovou nessas três tribos o
estudo das estrelas e renasceu o desejo da vinda do Menino prometido.
Desses três ir mãos descenderam os Reis Magos em linha direta, por 15
gerações, após 500 anos; mas, pela mistura com outras raças, eram de cores
diferentes. Desde o princípio desses 500 anos, ficavam sempre alguns dos
antepassados dos Reis num edifício comum, para estudarem os astros;
confor me as diversas revelações que recebiam, mudavam cer tas coisas nos
templos e no culto divino. Infelizmente continuou ainda entre eles, por muito
tempo, o sacrifício de homens e crianças. Todas as épocas que se referiam à
vinda do Messias, conheciam-nas em visões milagrosas, ao obser var as
estrelas. Desde a Conceição de Nossa Senhora, por tanto há 15 anos, essas
visões mostravam, cada vez mais distintamente, a vinda da criança. Por fim
viram até muitas coisas que se referiam à paixão de Jesus.
Podiam calcular bem o tempo da estrela de Jacó, que Balaão predissera.
(Núm. 24, 17); pois viram a escada de Jacó e, segundo o número dos degraus
e a sucessão das imagens que nestes apareciam, podiam calcular, como num
calendário, a proximidade da Salvação; pois o cume da escada deixava ver a
estrela ou a estrela era a última imagem dela. Viam a escada de Jacó como
um tronco, que tinha três séries de escalões cravados em roda; nestes
aparecia uma série de imagens, que viam também nas estrelas, no tempo da
sua realização. Dessa maneira sabiam exatamente que a imagem havia de
aparecer e conheciam, pelos inter valos, quanto tempo haviam de esperá-Ia.
Lembro-me de ter visto, na noite do nascimento de Jesus, dois dos Reis na
tor re. O terceiro, que vivia a leste do Mar Cáspio, não estava com eles; viu,
porém, a mesma visão, à mesma hora, na sua ter ra.
A imagem que reconheceram, apareceu em diversas variações; não foi numa
estrela que a viram, mas numa figura composta de um cer to número de
estrelas. Divisaram, porém, sobre a lua um arco-iris, sobre o qual estava
sentada uma virgem; à esquerda desta, aparecia no arco uma videira, à
direita um molho de espigas de trigo.
Vi aparecer diante da Virgem a figura de um cálice ou, melhor, subir ou sair-
lhe do esplendor ; saindo desse cálice, apareceu uma criancinha e, sobre
esta, um disco luminoso, como um ostensório vazio, do qual emanavam raios
semelhantes a espigas. Tive nisso a impressão do SS. Sacramento.
Do lado direito da criancinha, que subia do cálice, brotou um ramo, no qual
desabrochou, como uma flor, uma igreja octogonal, que tinha um por tão
grande e duas por tas laterais. A Virgem moveu com a mão o cálice, a criança
e a hóstia para cima, colocando-as dentro da Igreja e a tor re da Igreja
levantou-se-Ihe por cima e tomou-se por fim uma cidade brilhante, assim
como representamos a Jerusalém celeste. Vi nessa imagem muitas coisas,
como procedendo e desenvolvendo-se umas das outras.
Os Reis viram Belém como um belo palácio, como uma casa na qual se junta
e se distribui muita bênção. Lá viram a Virgem SS., com o Menino, rodeada
de muito esplendor e muitos reis se inclinarem diante dele, oferecendo-lhe
sacrifícios. Tomaram tudo como realidade, pensando que o rei tinha nascido
em tal esplendor e que todos os povos se lhe haviam submetido; por isso
foram também lhe oferecer os seus dons. Havia um grande número de
imagens naquela escada de Jacó. Vi-as todas aparecer nas estrelas, no
tempo do seu cumprimento. Naquelas três noites, os três Reis Magos viram
continuamente essas imagens. O mais nobre entre eles mandou então
mensageiros aos outros e, quando viram a imagem dos reis que ofereceram
presentes ao Rei recém-nascido, puseram-se também a caminho, com
riquíssimas dádivas, para não serem os últimos. Todas as tribos dos
astrônomos viram a estrela, mas s6 aqueles a seguiram.
Alguns dias depois da par tida dos reis, vi Theokenos, com o seu séquito,
juntar-se aos grupos de Mensor e Sair ; Theokenos não tinha estado antes
com estes últimos. Cada um dos Reis tinha no séquito quatro parentes
próximos da tribo, como companheiros. A tribo de Mensor era de cor
agradável, pardacenta; a de Sair parda e a de Theokenos de cor amarela,
brilhante.
Mensor era Caldeu; depois da mor te de Jesus, foi batizado por S. Tomé e
recebeu o nome de Leandro. Sair teve o batismo de desejo; não vivia mais,
quando Jesus foi à ter ra dos Reis Magos. Theokenos veio da Média e era o
mais rico; foi batizado e chamado Leão por S. Tomé. Deram-se aos Reis
Magos os nomes de Gaspar, Melchior e Baltasar, porque estes nomes lhes
designam o caráter : Gaspar - Vai com amor. Me1chior - Aproxima-se
humildemente. Baltasar - Age prontamente, confor mando a sua vontade com
a de Deus.
O caminho para Belém era de mais de 700 léguas: fizeram-no em 33 dias,
viajando muitas vezes dia e noite. A estrela que os guiava, era como um
globo brilhante. Um jor ro de luz emanava dela sobre a ter ra. Vi finalmente
chegarem os Reis à primeira vila judaica. Ficaram, porém, muito
acabrunhados, porque ninguém sabia coisa alguma do Rei recém-nascido.
Quanto mais se aproximavam de Jerusalém, tanto mais tristes ficavam, pois
a estrela se tor nava muito menos clara e brilhante e na Judéia a viram raras
vezes. Quando pararam, fora de Jer usalém, desaparecera totalmente.
Falaram da estrela e da criança recém-nascida, ninguém quis compreendê-
Ios; por isso, tomaram-se ainda mais tristes, pensando que se tinham
enganado".
Anna Catharina descreve ainda a admiração e sensação que a caravana dos
Reis Magos causou na cidade; como Herodes, alta noite, mandou chamar
Theokenos ao palácio e convidou os Reis a virem apre sentar-se na manhã
seguinte. Herodes enviou alguns criados a chama rem os sacerdotes e
escribas, que se esforçaram por sossegá-Io. Ao nascer do dia, se
apresentaram os Reis a Herodes e perguntaram-lhe onde estava o novo rei
dos judeus, cuja estrela tinham visto e ao qual tinham vindo adorar. Herodes
ficou muito inquieto, infor mou-se mais sobre a estrela e disse-Ihes que a
profecia se referia a Belém Ephrata; aconselhou-os a irem silenciosamente a
Belém e voltarem depois a informar-lhe, pois que também queria adorar o
Menino.
Vi sair de Jer usalém a caravana dos Reis. Vendo de novo a estrela, deram um
grito de alegria. Ao cair da noite, chegaram a Belém; então desapareceu a
estrela. Muito tempp ficaram diante das por tas, duvidando e hesitando, até
que viram uma luz brilhante, ao lado de Belém. Então tomaram o caminho
para o vale da gruta, onde acamparam. No entanto, apareceu a estrela por
cima do outeiro da gruta e uma tor rente de luz caiu ver ticalmente sobre
este. De repente se lhes encheram os corações de grande alegria, pois viram
na estrela a figura luminosa da criança. Os três Reis Magos aproximaram-se
da colina; abrindo a por ta da gruta, Mensor viu-a cheia de luz celeste e a
Virgem sentada lá dentro, com a criança, como a tinham visto nas visões.
Anunciou-o aos outros dois.
S. José saiu-Ihes ao encontro, cumprimentando-os e dando-Ihes as boas
vindas. Então se prepararam para o ato solene que queriam fazer e seguiram
S. José. Dois jovens estenderam primeiro um tapete de pano no chão, até a
manjedoura. Mensor e os companheiros entraram, caíram de joelhos e
Mensor colocou aos pés de Maria e José os presentes; com a cabeça
inclinada e os braços cruzados, proferiu palavras comoventes de adoração.
Depois tirou do bolso uma mão cheia de bar ras do tamanho de um dedo,
grossas e pesadas com um brilho de ouro e pô-Ias ao lado da criança, nas
vestes de Maria. Tendo se retirado, com os companheiros, entrou Sair com os
seus, prostrando-se, com profunda humildade, com os dois joelhos por ter ra.
Ofereceu com palavras tocantes os presentes, colocando diante do Menino
Jesus uma naveta de incenso, feita de ouro puro, cheia de pequenos grãos
esverdeados de incenso. Ficou muito tempo de joelhos, com grande devoção
e amor. Depois dele se aproximou Theokenos, o mais velho. Ficando em pé,
inclinou-se profundamente e apresentou um vaso de ouro cheio de uma er va
verde; ofereceu mir ra e ficou muito tempo diante do Menino Jesus, em
profunda comoção.
Os Reis Magos estavam encantados e repassados de amor e humilde
adoração. Lágrimas de alegria caiam-lhes dos olhos; também Maria e José
der ramaram lágrimas de felicidade. Aceitaram tudo, humildes e gratos;
finalmente dirigiu Maria a cada um algumas palavras afáveis.
Após os Reis, entraram também os criados, aproximando-se, cinco a cinco,
do presépio; ajoelharam-se em roda do Menino e adoraram-no em silêncio;
finalmente entraram também os pajens. Os Reis Magos voltaram mais uma
vez ao presépio, vestidos de amplos mantos, trazendo turíbulos nas mãos;
incensaram o Menino, Maria e José e toda a gruta, retirando-se depois, com
profunda inclinação. Era esta a cerimônia de adoração entre aqueles povos.
No outro dia visitaram os Reis mais uma vez o Menino e de noite vieram
despedir-se. Mensor entrou primeiro. Maria pôs-lhe o Menino nos braços; ele
chorou, radiante de alegria. Depois vieram também os outros. Maria deu-Ihes
o seu véu de presente.
Pela meia noite viram no sono a aparição de um Anjo, avisando-lhes que
par tissem imediatamente, não tomando o caminho de Jerusalém, mas o do
Mar Mor to. Com incrível rapidez desapareceram as tendas; e, enquanto os
Reis Magos se despediam de S. José, já o séquito estava caminhando a toda
a pressa, em três tur mas, para leste, com r umo ao deser to de Engadi, ao
longo do Mar Mor to. Vi o Anjo com eles na campina, mostrando-lhes a
direção do caminho; de súbito não se avistaram mais.
O Anjo tinha avisado os Reis bem a tempo; pois a autoridade de Belém, não
sei se por ordem de Herodes ou por próprio zelo, tinha a intenção de prender
os Reis, que dor miam na estalagem, fechá-los, sob a sinagoga, onde havia
adegas profundas e acusá-los perante o rei Herodes de desordens públicas.
Mas de manhã, quando se soube da par tida dos Magos, estes já estavam
per to de Engaddi, e o vale onde haviam acampado estava quieto e deser to
como dantes, nada restando do acampamento, fora algumas estacas de
tendas e os rastos do capim pisado" .
Em memória da visita dos três Reis Magos ao presépio é que se celebra,
todos os anos, a festa de Reis. A Escritura Sagrada chama-os apenas os
"Magos", mas o povo deu-lhes, desde os primeiros tempos, o título de "Reis",
talvez induzido pela profecia de Davi: "Os reis de Tharsis e das ilhas
oferecer-Lhe-ão dons; os reis da Arábia e de Sabá trar-Lhe-ão presentes". (S.
71, 10). A festa de Reis é uma das mais anti gas da Igreja cristã, mais antiga
do que a de Natal. É prova de que esse acontecimento fez grande impressão
aos amigos de Jesus. Em verdade era um fato maravilhosíssimo virem três
príncipes do Oriente, com nu meroso séquito, guiados por uma estrela,
prestar adoração ao Menino Jesus no presépio, ao passo que Israel não
conheceu o seu Senhor. Só Deus pode criar estrelas e sobretudo uma estrela
que guia homens e pára por cima do presépio: é um milagre grandioso, que
só Deus, o Senhor da natureza, pode operar. Foi, pois, esse acontecimento
uma prova de que tinha chegado verdadeiramente o cumprimento dos tempos
e de que Jesus era mais do que um homem comum.
A vinda dessa caravana numerosa e estranha devia dirigir os olhares de todo
o povo para Belém; tinha todo o cabimento a pergunta: Então chegou o tempo
em que deve vir o Messias? Desse modo foram preparadas todas as almas
que amavam a Deus, ao reconhecimento de Jesus como Messias; os infiéis,
porém, tomaram-se mais culpados.
Visto que a Escritura Sagrada pouco relata da infância de Jesus, deve ser de
grande interesse para nós o que Anna Catharina Emmerich nos conta dessa
época, descrevendo como o nosso Divino Salvador passou a infância e
mocidade.
"Vi a Sagrada Família, constituída pelas três pessoas Jesus, Maria e José,
desde o décimo até o vigésimo ano de Jesus, morar duas vezes em casa
alugada, com outras famílias; do vigésimo ao trigésimo ano de Cristo, vi-a
morar sozinha numa casa.
Havia na casa três quar tos separados: o da Mãe de Deus era o mais espaçoso
e agradável e nesse se reuniam também os três membros da Família para a
oração; fora disso, raramente os vi juntos. Durante a oração ficavam em pé,
as mãos cruzadas sobre o peito; pareciam rezar alto. Vi-os rezar muitas
vezes de noite, à luz do candeeiro. Todos dor miam separados nos respectivos
quar tos. Jesus passava a maior par te do tempo no seu quar to. José
car pintejava no seu; vi-o talhar varas e ripas, polir peças de madeira ou, de
vez em quando, trazer uma viga. Jesus ajudava-o no trabalho. Maria ocupava-
se muito com trabalhos de costura ou cer ta espécie de ponto de malha, com
varinhas. Vi Jesus cada vez mais recolhido, entregue à meditação, à
proporção que se lhe aproximava o tempo da vida pública.
Até os dez anos prestava aos pais todos os ser viços que podia; era também
amável, ser viçal e obsequiador para com todos na rua e onde quer que se lhe
ofereeesse ocasião. Como menino, era modelo para todas as crianças de
Nazaré. Amavam-no e receavam desagradar-lhe. Os pais dos companheiros,
censurando os maus costumes e as faltas dos filhos, costumavam dizer-Ihes:
"Que dirá o filho de José, se lhe contar isso? Como ficará triste!" Às vezes se
Lhe queixavam dos filhos, na presença destes, pedindo: "Dize-lhe que não
façam mais isso ou aquilo!" E Jesus aceitava-o de maneira infantil, como
brincadeira, ro gando aos amigos carinhosamente que procedessem de tal ou
tal modo; rezava também com eles pedindo ao Pai Celeste força para se
cor rigirem, persuadia-os a confessarem sem demora as faltas e a pedirem
perdão.
Jesus tinha figura esbelta e delicada, rosto oval e alegre, a tez sadia, mas
pálida. O cabelo liso, de um louro ar r uivado, repar tido no alto da cabeça,
pendia-lhe da testa, franca e alta, sobre os ombros. Vestia uma túnica
comprida, de cor parda acinzentada, inteiramente tecida, que lhe chegava
até os pés; as mangas eram um pouco mais largas nas mãos.
Aos oito anos foi Jesus pela primeira vez a Jerusalém, para a festa da
Páscoa e depois ia todos os anos.
Quando Ele veio a Jerusalém, na idade de doze anos, possuía já muitos
conhecidos na cidade. Os progenitores costumavam andar com os
conter râneos nessas viagens e, como fosse já a quinta romaria de Jesus,
sabiam que sempre andava em companhia dos jovens de Nazaré. Desta vez,
porém, na volta, se separara dos companheiros, per to do monte das
Oliveiras, pensando estes que fosse juntar-se aos pais. Mas, quando
chegaram a Gophna, notaram Maria e José a ausência de Jesus e tor naram-
se muito inquietos. Voltaram imediatamente, procurando-o pelo caminho e
em Jerusalém; mas não o acharam logo.
Nosso Senhor se havia dirigido, com alguns rapazes, a duas escolas da
cidade; no primeiro dia, a uma; no segundo, a outra. No terceiro dia, fora de
manhã a uma terceira escola, e de tarde ao Templo, onde o acharam os pais.
Jesus pôs os doutores e rabinos de todas as escolas, em tal estado de
admiração e de embaraço, pelas suas perguntas e respostas, que resolveram
humilhar o Menino, por inter médio dos rabinos mais doutos, na tarde do
terceiro dia, em auditório público, inter rogando-o sobre diversas matérias. Vi
Jesus sentado numa cadeira grande, rodeado de numerosos judeus velhos,
vestidos como sacerdotes. Escutavam atentamente e parecia estarem
furiosos. Como o Senhor houvesse alegado, nas escolas, muitos exemplos da
natureza, das ar tes e ciências, para demonstrar as suas respostas, reuniram-
se conhecedores de todas essas matérias. Começando estes, pois, a discutir
com Jesus, entrando em por menores, objetou-Ihes que tais coisas não se
deviam discutir no Templo; queria, porém, lhes responder por ser isso
vontade de Deus. Falou então sobre medicina, descrevendo todo o cor po
humano, como ainda não o conheciam os sábios; discor reu sobre astronomia,
arquitetura, agricultura, geometria, matemática, jurisprudência e sobre tudo
que lhe foi proposto. Deduziu tudo isso tão claramente da Lei e da promis-
são, das profecias do Templo, dos mistérios do culto e dos sacrifícios, que
uns não se far tavam de admirar e outros ficavam, ora envergonhados, ora
zangados e afinal todos se tor naram furiosos, porque lhes dissera Nosso
Senhor coisas de que nunca haviam tido conhecimento, nem tão clara
compreensão.
Já havia ensinado desse modo algumas horas, quando José e Maria chegaram
ao Templo, para se infor marem, com Levitas conhecidos, à respeito do Filho.
(5) Não se deve supor que Jesus acompanhasse os pais pela primeira vez a
Jerusalém, quando tinha 12 anos. O santo Evangelista Lucas diz apenas: E os
pais iam todos os anos a Jer usalém, no dia solene da Páscoa. E quando
Jesus tinha doze anos, subiram a Jer usalém, segundo o costume do dia de
festa. E, acabados os dias que esta durava, quando voltaram para casa, ficou
o Menino Jesus em Jerusalém, sem que os pais o advenissem. (Luc. 2,41-43).
S. Lucas não diz, por tanto, de nenhum modo, que era a primeira vez que
Jesus acompanhava os pais a Jerusalém. Não haveria ele cenamente
mencionado nem essa viagem, nem as dos outros anos, se não houvessem
acontecido coisas impor tantes, que era, desejável transmitir à posteridade.
Que o Menino Jesus fizesse essa viagem de Nazaré a Jerusalém a pé, com
oito anos, não se pode estranhar, pois que os meninos do Oriente, como, em
geral, os dos países cálidos, se desenvolvem mais cedo, cor poral e
espiritualmente, do que nos países frios. Jesus já fizera nessa idade a
viagem do Egito a Nazaré, viagem muito mais longa e penosa. Devia ser até
estranho e inexplicável que o Menino Jesus não houvesse tomado par te nas
romarias anuais a Jer usalém, dos oito aos doze anos. Pelo contrário, explica-
se fácil e satisfatoriamente a confiança de Maria e José para com o Menino
de doze anos, se este fazia aquela viagem, não pela primeira, mas
pela quinta vez.
Depois de voltar de Jerusalém, viveu Jesus, até a idade de trinta anos, com
Maria e José, em paz e recolhimento, na pequena casa de Nazaré. Nem a
Escritura Sagrada, nem a tradição nos transmitem por menores dessa época;
o Evangelho diz apenas: "E era-Ihes (aos pais) submisso." (Luc. 2, 51).
Também Anna Catharina Emmerich conta pouco dessa fase da vida de Jesus.
Ouçamos os fatos principais:
"Depois de Jesus ter voltado a Nazaré, vi preparar-se uma festa, em casa de
Sant' Ana, onde todos os moços e moças, parentes, e amigos de Jesus, se
reuniram. Nosso Senhor era a pessoa principal dessa festa, à qual estiveram
presentes 33 meninos, todos futuros discípulos do Salvador. Ele os ensinou e
contou-Ihes uma belíssima parábola de núpcias nas quais a água seria
mudada em vinho e os convidados indiferentes em amigos fiéis; depois Ihes
falou de outras bodas, nas quais o vinho seria mudado em sangue e o pão em
car ne; e esta boda per maneceria. com os convidados, até o fim do mundo,
como consolação e confor to e como vínculo vivo de união. Disse também a
Natanael, jovem parente seu: "Estarei presente às tuas bodas.”
Desde esse tempo, Jesus sempre foi como que o mestre dos companheiros.
Sentava-se-Ihes no meio, contando ou ensinando, ou passeava com eles
pelos campos.
Aos 18 anos, começou a ajudar a S. José na profissão. Dos vinte aos trinta
anos, teve muito que sofrer, por secretas intrigas dos judeus. Estes não
podiam supor tá-Io, dizendo, com inveja, que o filho do car pinteiro queria
saber tudo melhor.
Na época em que começou a vida pública, tor nou-se cada vez mais solitário e
meditativo. Quando Jesus se aproximava dos trinta anos, tor nou-se José
cada vez mais fraco. Vi Jesus e Maria mais vezes em companhia dele. Maria
sentava-se-Ihe ao lado do leito, de quando em quando. Quando José mor reu,
estava Maria sentada à cabeceira da cama, segurando-o nos braços; Jesus
se achava em frente, junto ao peito do moribundo. Vi o quar to cheio de luz e
de Anjos. O cor po de José foi envolvido num largo pano branco, com as mãos
postas abaixo do peito, deitado num caixão estreito e depositado numa bela
gruta sepulcral, per to de Nazaré, gruta a qual recebera como doação de um
homem bom. Além de Jesus e Maria, foram poucos os que acompanharam o
caixão; vi-o, porém, acompanhado de Anjos e rodeado de luz. O cor po de
José foi levado mais tarde pelos cristãos para um sepulcro per to de Belém.
Julgo vê-Io jazer ali, ainda hoje, em estado Incor rupto.
José teve de mor rer antes de Jesus, pois, sendo muito fraco e amoroso, não
lhe teria sobrevivido à crucificação. Já sentira profundamente as
perseguições que o Salvador teve de sofrer, dos vinte aos trinta anos, pelas
repetidas maldades secretas dos judeus. Também Maria havia sofrido muito
com essas perseguições. É indizível com que amor o jovem Jesus supor tava
as tribulações e intrigas dos judeus.
Depois da mor te de José, Jesus e Maria se mudaram para uma aldeia situada
entre Cafamaum e Betsaida, em que um homem chamado Leví ofereceu uma
casa a Jesus. Maria Cleophae, que, com o terceiro marido, vivia na casa de
Sant'Ana, per to de Nazaré, mudou-se para a casa de Maria, em Nazaré. Vi
Jesus e Maria irem de Cafar naum para lá e creio que Maria ficou ali, pois
havia acompanhado Jesus a Cafar naum.
Entre os moços de Nazaré Jesus já tinha muitos adeptos; mas sempre o
abandonavam de novo. Andava com eles pelas regiões marginais do lago e
também em Jerusalém, pelas festas. A família de Lázaro, em Betânia, era
também já conhecida de Jesus.”
Três semanas depois da Páscoa, par tiu Jesus da Betânia e foi ao lugar de
Batismo, per to de Ono. Ali o procurou um mensageiro do Rei Abgar de
Edessa, que estava doente e pediu para ser curado. Enquanto Jesus
ensinava, pintou-lhe esse homem o rosto, num pequeno quadro branco,
esforçou-se por muito tempo, mas não conseguiu fixá-lo bem, pois cada vez
que olhava para Jesus, parecia estar admirado do seu rosto, julgando que
devia começar de novo. Acabada a pregação de Jesus, ajoelhou-se o
mensageiro diante d’Ele e entregou-lhe uma car ta do rei. Jesus leu-a e
escreveu nela algumas palavras. Depois aper tou a par te mole do invólucro de
encontro ao rosto e devolveu a car ta ao mensageiro; este a aper tou também
sobre o desenho que fizera, que depois mostrou perfeita semelhança com o
rosto de Jesus. Também no pano em que Jesus tocara, lhe ficou gravado o
retrato.
Por causa do grande concurso de povo, no lugar onde Jesus batizava,
mandaram os fariseus invejosos mensageiros, com car tas, a todas as
sinagogas do país, com a ordem de prendê-lo, entregá-lo e de prender e
repreender-lhe os discípulos. Jesus mandou por isso aos discípulos que se
dispersassem, enquanto Ele, com poucos companheiros, fez a longa viagem
para Tiro e Sidônia, onde pregou a doutrina e curou enfer mos. Entretanto,
foram chamados os discípulos a Jerusalém e Genabris, para responderem
acerca da doutrina de Jesus e das relações que tinham com Ele. Pedro,
André e João foram também citados e presos. Mas rasgaram os laços com um
leve esforço, como por milagre e foram soltos.
Jesus, porém, voltou fur tivamente a Cafar naum, onde consolou sua Mãe e os
discípulos, retirando-se depois novamente para Tiro. Ali foi a Sichor, Libnath
e Adama. Neste último lugar, contou a parábola do administrador infiel. Um
velho Judeu dessa cidade, que obstinadamente falou contra a doutrina de
Jesus e por um milagre ficou com o cor po cur vado, conver teu-se e foi curado
por outro milagre. De Adama, dirigiu-se Jesus ao monte do Ser mão, per to de
Berota, a seis léguas de Adama e lá pregou a alguns milhares de homens,
das dez horas da manhã até à noite. Quando chegou a Cafar naum, vieram os
discípulos de João dar-lhe a notícia da prisão do mestre. Jesus continuou a
viagem, encaminhando-se para Betãnia, onde per maneceu alguns dias. De
noite se retirou para a gruta do Monte das Oliveiras, para rezar na solidão e
também porque Adão e Eva, expulsos do Paraíso, pisaram pela primeira vez a
ter ra ali, no Monte das Oliveiras. Lázaro e as piedosas mulheres ofereceram-
se para edificar hospedarias para Jesus e os discípulos e assim resolveram
que se construíssem quinze hospedarias, distribuídas por todo o país. Jesus
contou a parábola da pedra preciosa, aplicando-a a Madalena, que, como tal,
se tinha perdido. Depois par tiu para Bethoron, Kibzaim, passando por Gabaa
e Najoth, falando em toda par te do último tempo da graça e da justiça que se
lhe seguiria. Contou também a parábola do dono da vinha, que afinal havia
enviado o filho e proferiu os "Ais" sobre Jerusalém. Continuando o caminho
pela Samaria, veio ao poço de Jacó, per to de Sichar, onde conversou com a
Samaritana Dina e se lhe deu a conhecer como o Messias prometido. Depois
tomou o caminho da Galiléia, por Atharot e Engannim, onde curou cerca de
quarenta coxos, cegos, mudos, etc., seguindo depois, por Naim e Caná, para
o Lago de Genezaré. Em Caná lhe veio ao encontro o mensageiro do tribuno
de Cafar naum, cujo filho moribundo curou. Dirigiu-se então a Cafar naum,
ensinou ali alguns dias, curando muitos enfer mos. Tendo visitado Betsaida,
veio também a Nazaré e, entrando na sinagoga, inter pretou como referente a
Ele mesmo o trecho do profeta Isaías: (61, 1). "O Espírito do Senhor repousou
sobre mim, porque o Senhor me encheu de sua unção; mandou-me evangelizar
os pobres, curar os contritos de coração, pregar remissão aos cativos e
liberdade aos encarcerados, etc.". Repreendeu também severamente a
injustiça dos fariseus, que por isso se enraiveceram e o levaram a um monte,
para lançá-lo de um rochedo ao abismo. Jesus, porém, passou despercebido
pela multidão apinhada e escapou.
Per to de Trariquéia, à margem austral do Lago Genezaré, curou Jesus cinco
leprosos; depois veio a Galaad, atravessando o lago e visitou a casa de
Pedro. Num dia curou cerca de cem enfer mos; no dia seguinte, outros tantos
em Cafar naum, entre estes a sogra de Pedro.
Então percor reu diversas povoações, entre Caná e o lago, como Betúlia,
Jotapata, Dothaim, Genabris e, algumas léguas para o sul, Abelmehola e
Bezech; atravessando o Jordão, ensinou em Ainon Ramoth-Galaad, Azo,
Ephron e Betharamphta-Julias, dirigindo-se depois mais para o nor te, a Abila
e Gadara, onde curou grande número de doentes e possessos; de lá voltou,
ao longo do Jordão, por Dion e Jogbeha, a Ainon, onde contou a parábola do
filho pródigo e celebrou a festa dos Tabemáculos. Atravessando de novo o
Jordão, foi a Acrabis, Siloé Coréia, na província de Samaria; depois ao nor te,
a Salem, AserMichmethath e, ao oeste, a Meroz, onde Judas Iscariotes se
juntou a Jesus; ali curou também as duas filhas possessas do demônio, de
uma viúva chamada Lais de Naim. Em Dothaim, curou um homem hidrópico,
de nome Issachar e recebeu Tomé no número dos discípulos. Em Endor, livrou
um rapaz pagão de um demônio mudo. Em Gischala curou o filho coxo e mudo
do tribuno daquele lugar.
Quando Jesus ensinou num monte, per to de Gabara, estava também presente
Madalena, obedecendo a um convite de Mar ta e das santas mulheres. Ficou
comovida com as palavras de Jesus e, seguindo-o à casa de Simão, onde Ele
se sentara à mesa, der ramou-lhe sobre a cabeça um frasco de óleo
aromático e recebeu o perdão dos pecados. Converteu-se, mas recaiu pouco
depois na antiga vida de pecados.
Jesus curou o ser vo do tribuno de Cafar naum e depois um
leproso, pronunciando apenas estas palavras: "Quero. Fica são.”
Enquanto ensinava na sinagoga, entrou por ela precipitadamente um
endemoninhado; Jesus livrou-o, dizendo ao demônio: "Cala-te! E sai deste
homem!”
Em Naim, ressuscitou Jesus o filho da viúva Maroni. Quando estava curando
em Megido, vieram discípulos de João, dizendo: "João manda perguntar-vos: -
Sois aquele que há de vir ou devemos esperar por outro?" Jesus respondeu:
"Ide, anunciai a João o que tendes ouvido e visto: cegos enxergam, coxos
andam, surdos ouvem, leprosos ficam sãos, mor tos ressuscitam. O que é
tor to, fica direito e feliz de quem não se escandalizar de mim." Depois falou
de João, chamando-o o maior dos profetas.
Em Cafar naum, ressuscitou a filha do chefe da sinagoga, Jairo.
Nesse tempo chamou Mateus; no dia seguinte, disse a Pedro e André:
"Segui-me; far-vos-ei pescadores de homens." Também Tiago e João, filhos
de Zebedeu, foram convidados a seguí-Io. Atravessando na mesma noite o
mar de Galiléia, na barca de Pedro, com os doze Apóstolos, apaziguou a
tempestade com sua palavra. Alguns dias depois se realizaram a pesca
milagrosa e o ser mão da montanha.
Em Cafar naum, Jesus curou um paralítico, que fizeram descer pelo teto e
colocaram diante do Senhor. A filha do chefe da sinagoga recaiu e faleceu de
novo. Jesus foi, a pedido de Jairo, à casa deste. No caminho se deu a cura da
mulher que padecia de fluxo de sangue, só pelo contacto com as vestes do
Salvador. A filha de Jairo ressuscitou segunda vez, pelo poder divino de
Jesus.
Os fariseus de Cafar naum, desde muito inimigos de Jesus, mur muraram
contra Ele e propuseram-lhe muitas perguntas ardilosas. Jesus operou
muitos milagres, à vista deles, curando aí também o homem que tinha uma
das mãos secas.
Depois foi à ter ra dos Gerasenos, onde encontrou dois possessos. Os
demônios pediram-lhe que os deixasse entrar numa manada de porcos, que
estavam per to. Jesus per mitiu-lhes. Então se lançou a manada num lago
vizinho. Os dois homens, porém, ficaram livres dos demônios.
Jesus mandou os discípulos atravessarem o lago antes d’Ele e seguiu-os
mais tarde, andando sobre a água. Salvou então Pedro, que ia afundar-se, por
falta de fé.
Jesus celebrou a festa da Dedicação do Templo em Cafar naum e depois
enviou os Apóstolos e discípulos a diversas regiões, para ensinarem,
batizarem e curarem. Com os restantes discípulos percor reu a região ao
nor te do lago Genesaré. Na vila de Azanoth, situada mais para o sul, pregou
um ser mão longo e severo, ao qual, às insistências de Mar ta, também
Madalena assistiu. Durante o ser mão, teve esta diversos ataques como
convulsões e o demônio saiu-lhe do cor po em for ma escura. Ela chorou e
recebeu do Senhor o perdão dos pecados, per manecendo depois no estado de
graça.
Jesus viajou então para Betânia e Hebron, onde visitou a casa pater na de
João Batista, dando aos parentes a notícia da decapitação do Precursor. Em
Jerusalém, curou o homem que por trinta e oito anos estivera doente,
ensinando em seguida no Templo. Chegando a Tirza, remiu um cer to número
de presos e dirigiu-se de novo a Cafarnaum, onde ensinou e explicou o "Pai
nosso''; ali escolheu os Apóstolos, subordinando-lhes os 72 discípulos.
Com cinco pães e dois peixes saciou cinco mil homens, que por isso queriam
fazê-lo rei. Atravessou, porém, o lago e deu em Cafarnaum a promessa da SS.
Eucaristia. Pouco depois far tou, com sete pães e sete peixes, a quatro mil
homens. Esse milagre, assim como a primeira multiplicação de pães, operou-
o Jesus numa montanha, entre Betsaida e Chorozaim, à margem setentrional
do lago Genezaré.
Dirigiu-se depois para o nor te, à região de Cesaréia Filipe. Foi ali que
inter rogou os doze Apóstolos: "Por quem toma o povo o Filho do homem?"
Pedro respondeu com entusiasmo: "Vós sois o Cristo, o Filho de Deus vivo."
Como recompensa, recebeu Pedro a promissão do poder das chaves: "Tu és
Pedro e sobre esta (pedra) edificarei minha Igreja e as por tas do infer no não
prevalecerão contra ela. Dar te-ei as chaves do reino dos céus: Tudo que
ligares na ter ra, será ligado no Céu; e tudo que desligares na ter ra, será
desligado, no Céu". Dali viajou Jesus para Betânia, para celebrar a Páscoa.
Judas, com o apelido de lscariote, por terem os pais vivido algum tempo
naquele lugar (Cariot), foi recomendado por Bar tolomeu e Simão a Nosso
Senhor, quando este, no segundo ano de sua vida pública, veio a Meroz;
disseram-lhe que Judas era um homem instruído, distinto e obsequioso; que
muito desejava ser discípulo. Jesus suspirou e parecia triste, sem dizer o
motivo.
Judas, então na idade de 25 anos, linha cer ta erudição e dedicara-se também
ao comércio. Gostava de dar ares de impor tância e mostrava-se indiscreto e
intrometido, onde não o conheciam. Também era ambicioso e cobiçoso de
dinheiro e sempre tinha andado à procura da riqueza. A personalidade de
Jesus atraía-o muito e por isso tinha grande desejo de ser chamado seu
discípulo e par ticipar-lhe da glória.
Bar tolomeu e Simão, que o tinham recomendado, apresentaram-no a Jesus,
que o olhou muito amavelmente, mas com indizível tristeza. Judas pediu que
o deixasse tomar par te no ensino, ao que Jesus respondeu profeticamente
que podia, a não ser que quisesse deixá-Io a outrem.
"Judas era baixo e for te, muito ser viçal, ágil e loquaz; não era feio,
apresentava até um rosto amável e contudo repugnante e ignóbil. Os pais
não eram bons: o pai natural tinha ainda algumas boas qualidades e o que
havia de bom em Judas, fora herdado do pai. A mãe separara-se do marido;
quando Judas voltou mais tarde à casa mater na, esta teve, por causa dele,
um desentendimento com o marido e cheia de ira amaldiçoou o filho. A infeliz
vivia de impostura e fraude, pois ela e o marido eram prestidigitadores. Os
discípulos gostavam de Judas a princípio, pois era muito obsequioso, até
Ihes limpava as sandálias. Era um excelente andador e fez ao começo muitas
e longas caminhadas a ser viço da comunidade. Estava, porém, sempre cheio
de ciúme e inveja e pelo fim da vida de Jesus, se abor receu das viagens
apostólicas, da obediência e do mistério que envolvia a pessoa do Divino
Mestre e que não compreendia.”
Como um dos doze Apóstolos, Judas tor nou-se íntimo de Jesus. Ainda não
era mau e talvez não chegasse a sê-Io, se se tivesse vencido nas pequenas
coisas. A SS. Virgem exor tou-o muitas vezes. Como ele esperasse um reino
ter restre do Messias e essa esperança diminuísse, começou a ajuntar
dinheiro. Na última festa dos Taber náculos se deixou ar rastar inteiramente
ao mau caminho; já no domingo de Ramos andou com a traição no coração,
tendo já falado com os fariseus.
Quando Madalena, nas vésperas do domingo de Ramos, der ramou óleo
aromático sobre a cabeça de Jesus, o apóstolo infiel mur murou; onze dias
depois, teve outra ocasião de protestar contra igual "desperdício", como
dizia.
Foi quando por ordem de Jesus, se realizou em casa de Simão, na Betânia,
um banquete no qual ele tomou par te, em companhia dos doze Apóstolos e
das santas mulheres. Durante esse banquete, veio Madalena com ungüento,
que comprara na cidade, prostrou-se diante de Jesus, untando-lhe os pés e
enxugando-os com os sedosos cabelos. Depois der ramou também água
aromática sobre a cabeça do Mestre, de modo que o perfume encheu toda a
sala. Judas, indignado, falou então do desperdício, dizendo que o dinheiro se
podia ter dado aos pobres. Jesus, porém, afir mou que Madalena o ungira para
a mor te e onde fosse pregado o Evangelho, se anunciaria também essa ação.
Findo esse banquete, Judas cor reu, cheio de ira e avareza, a Jerusalém,
oferecendo-se aos fariseus para entregar-Ihes Jesus e perguntando quanto
lhe dariam por isso. Satisfeitíssimos, ofereceram-lhe trinta dinheiros.
2
A última Ceia
A última Ceia
Tendo os Apóstolos falado com Helí de Hebron, voltou este pelo pátio à casa;
eles, porém, se dirigiram para a direita, a Sião, desceram pelo lado nor te,
passaram uma ponte e, seguindo por veredas ladeadas de sebes verdejantes,
foram pelo outro lado do bar ranco, até às fileiras de casas ao sul do Templo.
Ali era a casa do velho Simeão, que mor rera depois da apresentação de
Jesus no Templo. Moravam então lá os filhos do venerando ancião; alguns
eram secretamente discípulos de Jesus. Os Apóstolos falaram a um deles,
que era empregado no Templo; era homem alto e muito moreno. Ele desceu
com os Apóstolos, passando a leste do Templo, por aquela par te de Ophel
pela qual Jesus entrara triunfalmente em Jerusalém, no domingo de Ramos;
assim foram pela cidade, ao nor te do Templo, até o Mercado de gado. Vi na
par te meridional do mercado pequenos recintos, onde belos cordeiros
saltavam como em pequenos jardins.
Na entrada triunfal de Jesus pensei que isso fora feito para abrilhantar a
festa; mas eram cordeiros pascais, que se vendiam ali. Vi o filho de Simeão
entrar num desses recintos; os cordeiros seguiram-no, saltando, e
empur ravam-no com as cabeças, como se o conhecessem. Ele escolheu
quatro, que foram levados ao Cenáculo. Vi-o também de tarde no Cenáculo,
ajudando na preparação do cordeiro pascaI.
Vi como Pedro e João deram ainda vários recados na cidade, encomendando
muitas coisas. Vi-os também fora de uma por ta, ao nor te do monte Cal vário
e a NO da cidade; entraram numa estalagem, onde ficaram nesses dias
muitos discípulos. Era a estalagem construída em Jerusalém para os
discípulos, a qual estava sob a administração de Seráfia, (conhecida pelo
nome de Verônica). Pedro e João mandaram alguns discípulos de lá ao
Cenáculo, para dar alguns recados, dos quais me esqueci.
Foram também à casa de Seráfia, à qual tinham de pedir diversas coisas; o
marido desta, membro do conselho, estava a maior par te do tempo fora de
casa, em negócios e, mesmo quando estava em casa, ela o via pouco. Seráfia
era uma mulher quase da idade da SS. Virgem e há tempo estava em relações
com a Sagrada Família; pois quando o Menino Jesus, depois da festa, ficara
atrás, em Jerusalém, comera em casa dela.
Os dois Apóstolos receberam ali diversos objetos, em cestos cober tos, que
foram levados ao Cenáculo, em par te pelos discípulos. Foi também ali que
receberam o cálice de que Nosso Senhor se ser viu, na instituição da sagrada
Eucaristia.
6. O Lava-pés
Jesus deu ainda instruções secretas. Disse aos Apóstolos que continuassem
a consagrar e administrar o SS. Sacramento, até o fim do mundo. Ensinou-
Ihes as for mas essenciais da administração e do uso do Sacramento e de que
modo deviam gradualmente ensinar e publicar esse mistério; explicou-Ihes
quando deviam receber o resto das espécies consagradas e dá-Io à SS.
Virgem e que deviam consagrar também o SS. Sacramento, depois de Ihes ter
enviado o Divino Consolador.
Instruiu-os em seguida sobre o sacerdócio, sobre a preparação do Crisma e
dos santos óleos e sobre a unção. Estavam ao lado do cálice três umas, duas
das quais continham misturas de bálsamo e diversos óleos e algodão; as
umas podiam ser postas uma em cima da outra. Jesus ensinou-lhes muitos
mistérios, como se devia preparar o santo Crisma, a que par tes do cor po se
devia aplicar e em que ocasiões. Lembro-me, entre outras coisas, que
mencionou um caso em que a sagrada Eucaristia não podia mais ser
recebida; talvez se tenha referido à Extrema-Unção: mas as minhas
lembranças a tal respeito não são muito cla ras. Falou ainda de diversas
unções, inclusive a dos reis e disse que os reis sagrados com o Crisma,
mesmo os injustos, possuíam uma força inter na misteriosa, que não era dada
aos outros. Der ramou, pois, ungüento e óleo na uma vazia e misturou-os; não
sei mais positivamente se foi nesse momento ou já por ocasião da
consagração dos pães, que benzeu o óleo.
Vi depois Jesus ungir a Pedro e João; já por ocasião da instituição do SS.
Sacramento lhes der ramara sobre as mãos a água que sobre as suas lhe
cor rera e os fizera também beber do cálice que Ele mesmo segurava.
Saindo do meio da mesa, um pouco para o lado, pousou as mãos primeiro
sobre os ombros e depois sobre a cabeça de Pedro e João. Em seguida
mandou que ficassem de mãos postas e colocassem os polegares em for ma
de cruz. Inclinaram-se os dois Apóstolos profundamente diante do Mestre
(não sei ai estavam de joelhos). O Senhor ungiu-Ihes os polegares e
indicadores com ungüento e fez-lhes com o mesmo também o sinal da cruz na
cabeça. Disse-Ihes também que essa unção devia per manecer com eles até o
fim do mundo. Tiago o Menor, André, Tiago o Maior e Bar tolomeu receberam
também ordens. Vi também o Senhor ajustar em for ma de cruz, sobre o peito
de Pedro, a faixa estreita de pano, que todos traziam ao pescoço; aos outros,
porém, do ombro direito para debaixo do braço esquerdo. Não sei mais com
cer teza se isso se fez já por ocasião da instituição do SS. Sacramento ou só
na hora da unção.
Vi, porém, que Jesus lhes comunicou com essa unção uma coisa real e
também sobrenatural, não sei como exprimí-Io em palavras. Disse-Ihes mais
que, depois de terem recebido o Espírito Santo, deviam também consagrar
pão e vinho e dar a unção aos outros Apóstolos. Nesse momento tive uma
visão sobre Pedro e João que, no dia de Pentecostes, antes do grande
batismo, impuseram as mãos aos outros Apóstolos, o que também fizeram,
uma semana depois, a alguns outros discípulos. Vi também João, depois da
ressur reição de Jesus, dar pela primeira vez o SS. Sacramento a Nossa
Senhora. Esse acontecimento foi celebrado pelos Apóstolos com grande
solenidade; a Igreja militante não tem mais essa festa, mas vejo-a celebrada
ainda na Igreja triunfante. Nos primeiros dias depois de Pentecostes vi só
Pedro e João consagrarem a santa Eucaristia, mais tarde a consagraram
também os outros.
O Senhor benzeu-Ihes também fogo, num vaso de bronze; esse fogo desde
então ardeu sempre, até depois de longas ausências era guardado junto ao
lugar onde se conser vava o SS. Sacramento, numa par te do antigo fogão
pascal; ali sempre o buscavam para as cerimônias religiosas.
Tudo que Jesus fez por ocasião da instituição da sagrada Eucaristia e da
unção dos Apóstolos, foi debaixo de grande segredo e era também ensinado
só secretamente e tem se conser vado, na sua essência, pela Igreja até os
nossos tempos, aumentado, porém, sob a inspiração do Espírito Santo,
confor me as necessidades.
Os Apóstolos ajudaram na preparação e bênção do santo Crisma; quando
Jesus os ungiu e lhes impôs as mãos, fez tudo com grande solenidade.
Ter minadas as santas cerimônias, o cálice, per to do qual estavam também os
santos óleos, foi cober to com a capa e Pedro e João levaram assim o SS.
Sacramento para o fundo da sala, separado do resto por uma cor tina e ali era
desde então o Santuário. O SS. Sacramento estava por cima do fogão pascal,
não muito alto. José de Arimatéia e Nicodemos cuidavam do Santuário e do
Cenáculo, na ausência dos Apóstolos.
Jesus ensinou ainda por muito tempo e disse algumas orações com grande
fer vor. Parecia às vezes conversar com o Pai celeste, cheio de entusiasmo e
amor. Os Apóstolos também ficaram penetrados de zelo e ardor e fizeram-lhe
várias perguntas, às quais respondeu. Creio que tudo isso está escrito em
grande par te na Escritura Sagrada. Durante esses discursos, disse Jesus
algumas coisas a Pedro e João separadamente, as quais estes depois deviam
comunicar aos outros Apóstolos, como complemento de instruções
anteriores e estes aos outros discípulos e às santas mulheres, quando
chegassem ao tempo de receberem tais conhecimentos. Pedro e João
estavam sentados per to de Jesus. O Senhor teve também uma conversa
par ticular com João, da qual me lembro agora apenas o prognóstico de que a
vida deste Apóstolo seria mais longa que a dos outros; falou-lhe também de
sete Igrejas, de coroas, Anjos e outras figuras simbólicas, com as quais
designava, como me parece, cer tas épocas. Os outros Apóstolos sentiram,
diante dessa confiança par ticular, um leve movimento de inveja.
O Mestre falou também diversas vezes do traidor, dizendo o que naquela hora
este estava fazendo; vi sempre Judas fazer o que o Senhor dizia. Como Pedro
lhe afir masse, com grande ardor, que havia de per manecer fiel, disse-lhe
Jesus: "Simão, Simão, eis que Satanás vos reclama com instância, para vos
joeirar como o trigo; mas eu roguei por ti, afim de que tua fé não desfaleça; e
tu enfim, depois de conver tido, confir ma na fé teus ir mãos." Como, porém,
Jesus dissesse que onde iria, não poderiam seguí-Io, exclamou Pedro que o
seguiria até a mor te. Replicou Jesus: "Em verdade, antes que o galo cante
duas vezes, tu me negarás três vezes," Quando lhes anunciou os tempos
duros que viriam, per guntou-Ihes: "Quando vos enviei sem alfor je, sem
sapatos, faltou-Ihes por ventura alguma coisa?" Responderam: "Não." Disse,
porém, que daquela hora em diante, quem tivesse bolsa, a tomasse e também
alfor je e o que nada tivesse, vendesse a túnica e comprasse espada, pois
que se devia cumprir a palavra: "E foi reputado por um dos iníquos". Tudo que
fora escrito sobre Ele, devia cumprir-se então.
Os Apóstolos entenderam-no no sentido natural e Pedro mostrou Lhe duas
espadas cur tas e largas, como cutelos.
Jesus disse: "Basta, vamo-nos daqui." Rezaram então um cântico; a mesa foi
posta ao lado e dirigiram-se todos ao vestíbulo.
Ali se aproximaram a mãe de Jesus, Maria de Cleofas e Madalena, que lhe
pediram instantemente que não fosse ao monte das Oliveiras; pois se
propagara o boato de que queriam apoderar-se dEle. Mas Jesus consolou-as
com poucas palavras, continuando apressadamente o caminho; eram cerca
de 9 horas da noite. Descendo a grandes passos pelo caminho pelo qual
Pedro e João tinham vindo ao Cenáculo, dirigiram-se ao monte das Oliveiras.
3
Jesus no Monte das Oliveiras
(6) Essas palavras referem-se a uma visão, na qual viu Jesus remir 27
devedores insolventes, detidos numa cadeia que tinha uma guar nição
romana.
9. A prisão do Senhor
Quando Jesus saiu do hor to, no caminho entre Getsêmani e o hor to das
Oliveiras, apareceu na entrada desse caminho, à distância de vinte passos,
Judas com os soldados, que ainda estavam discutindo. Pois Judas queria,
separado dos soldados, aproximar-se de Jesus, como amigo; eles deviam
depois entrar como por acaso, aparentemente sem Ele saber ; mas os
soldados seguraram-no, dizendo: "Assim não camarada, não nos fugirás antes
de ter mos preso o Galileu." Avistando depois os oito Apóstolos, que ao ouvir,
o bar ulho se aproximaram, chamaram os quatro soldados para reforçar-se.
Judas, porém, não consentiu que esses o acompanhassem e discutiu
veementemente com eles. Quando Jesus e os três Apóstolos viram, à luz da
lanter na, esse tropel r uidoso, com as ar mas nas mãos, Pedro quis atacá-Ios
à força e disse: "Senhor, os oito de Getsêmani estão também lá adiante:
Vamos atacar esses soldados". Jesus, porém, mandou-o ficar quieto e
retirou-se alguns passos para além do caminho, onde havia um lugar cober to
de relva. Judas, vendo o seu plano transtor nado, enraiveceu-se. Quatro dos
discípulos saíram do hor to Getsêmani, perguntando o que havia acontecido.
Judas começou a conversar, querendo sair do embaraço por meio de
mentiras, mas os soldados não o deixaram afastar-se. Aqueles quatro eram
Tiago, o Menor, Filipe, Tomé e Natanael; este e um dos filhos do velho
Simeão e alguns outros tinham vindo para junto dos oito Apóstolos, em
Getsêmani, uns enviados pelos amigos de Jesus, para ter notícias d’Ele,
outros impelidos pela inquietação e curiosidade. Além desses quatro,
andavam também os outros discípulos pelas vizinhanças, espiando de longe e
sempre prontos a fugir.
Jesus, porém, aproximou-se alguns passos da tropa e disse em voz alta e
clara: "A quem estais procurando?" Os chefes dos soldados responderam:
"Jesus de Nazaré." E Jesus disse: "Sou eu." Apenas tinha dito estas
palavras, caíram os soldados uns sobre os outros, como que atacados de
convulsões. Judas, que estava per to, ficou ainda mais desconcer tado no seu
plano; e pareceu querer aproximar-se de Jesus, mas o Senhor levantou a
mão, dizendo: "Amigo, para que vieste?" Judas disse, cheio de confusão,
alguma coisa sobre negócio realizado. Jesus, porém, disse-lhe mais ou
menos as seguintes palavras: "Oh! Melhor te fora não ter nascido." Mas não
me lembro mais das palavras exatas. No entretanto tinham-se levantado os
soldados e aproximaram-se de Jesus e dos seus, esperando o sinal do
traidor : que beijasse a Jesus. Pedro, porém, e os outros discípulos, cercaram
Judas com ameaças, chamandoo de ladrão e traidor. O infeliz quis livrar-se
deles por meio de mentiras, mas não conseguiu justificar-se, pois os
soldados defenderam-no contra os discípulos, dando assim testemunho
contra ele.
Jesus, porém, disse mais uma vez: "A quem procurais?" Virando se para Ele,
responderam de novo: "Jesus de Nazaré." Então disse: "Sou eu; já vos tenho
dito que sou eu; se, pois, procurais a mim, deixai aqueles." A palavra "sou
eu", caíram os soldados de novo com convulsões e contorções, como as têm
os epiléticos e Judas foi de novo cercado pelos Apóstolos, que estavam
extremamente furiosos contra ele. Jesus disse aos soldados: "Levantai-vos."
Levantaram-se assustados e como os Apóstolos ainda discutissem com Judas
e também se dirigissem contra os soldados, estes atacaram os Apóstolos,
livrando-Ihes Judas das mãos e impelindo-o com ameaças a dar o sinal
combinado, pois tinham ordem de prender só aquele a quem beijasse. Judas
aproximou-se então de Jesus, abraçou e beijou-O, dizendo, "Deus te salve,
Mestre." E Jesus disse: "Judas, écom um beijo que atraiçoas o Filho do
Homem?" Então os soldados cercaram Jesus e os soldados, avançando,
puseram mãos em Nosso Senhor. Judas quis fugir, mas os Apóstolos
detiveram-no e atacaram os soldados, gritando: "Mestre, feriremos com as
espadas?" Pedro, porém, mais excitado e zeloso, puxou da espada e golpeou
Malcho, criado do Sumo Sacerdote, que o quis repelir e cor tou-lhe um
pedaço da orelha, de modo que Malcho caiu por ter ra, aumentando
deste modo ainda a confusão. .
A situação nesse momento do veemente ataque de Pedro era a seguinte:
Jesus preso pelos soldados, que O queriam amar rar ; cercavam-na, num largo
círculo, os soldados, um dos quais, MaIcho, foi prostrado por Pedro. Outros
soldados estavam ocupados em repelir os discípulos, que se aproximaram ou
em perseguir outros que fugiram. Quatro dos discípulos andavam pelo lado
do monte e só se avistavam de vez em quando, a grande distância. Os
soldados estavam em par te um pouco desanimados pelas quedas, em par te
não ousavam perseguir seriamente os discípulos, para não enfraquecerem
demasiadamente a tropa que cercava Jesus. Judas, que quis fugir logo
depois do beijo traidor, foi detido a cer ta distância por alguns discípulos,
que o cobriram de injúrias. Mas os seis agentes, que só então se
aproximaram, livraram-no das mãos dos cristãos indignados. Os quatro
soldados, em roda de Jesus, estavam ocupados com as cordas e algemas,
seguravam-na e iam amar rá-Ia.
Tal era a situação, quando Pedro golpeou Malcho e Jesus ao mesmo tempo
disse: "Pedro! Embainha a tua espada, pois quem se ser ve da espada,
perecerá pela espada. Ou pensas que eu não podia pedir a meu Pai que me
mandasse mais de doze legiões de Anjos? Então não devo beber o cálice que
meu Pai me apresentou? Como se cumpririam as Escrituras, se assim não ,se
fizesse?" Disse aos soldados: "Deixai-me curar este homem". Aproximou-se
de MaIcho, tocou-lhe na orelha, rezando e ficou sã. Estavam, porém, em roda
os esbir ros, os soldados e os seis agentes, que O insultaram, dizendo aos
soldados: "Ele tem contrato com o demônio; a orelha por feitiço parecia
ferida e por feitiço sarou.”
Então Ihes disse Jesus: "Viestes a mim, ar mados de espadas e paus, a
prender-me como um assassino. Todos os dias tenho ensinado no Templo, no
meio de vós e não ousastes pôr a mão em mim; mas esta é a vossa hora, a
hora das trevas." Eles, porém, mandaram amar rá-Ia e insultaram-nO,
dizendo:. "A nós não nos pudeste jogar por ter ra com teu feitiço." Do mesmo
modo falaram os soldados: "Acabaremos com as tuas práticas de feiticeiro,
etc." Jesus respondeu ainda algumas palavras, mas não sei mais o que foi;
os discípulos, porém, fugiram para todos os lados. Os quatro soldados e os
seis fariseus não tinham caído e por tanto também não se tinham levantado, o
que sucedeu, como me foi revelado, porque estavam inteiramente nas redes
de Satanás, do mesmo modo que Judas, que também não caíra, apesar de
estar no meio dos soldados; todos os que caíram e se levantaram,
conver teram-se depois e tor naram-se cristãos. O cair e levantar era símbolo
da conver são. Esses soldados não puseram a mão em Jesus, mas apenas O
cercaram; MaIcho conver teu-se logo depois da cura, de modo que só por
causa da disciplina continuou o ser viço; já nas horas seguintes, durante a
Paixão de Jesus, fazia o papel de mensageiro entre Maria e os outros amigos
de Jesus, para dar notícias do que se passava.
Os soldados amar raram Jesus com grande barbaridade e com a brutalidade
de car rascos, por entre contínuos insultos e escár nios dos fariseus. Eram
pagãos da classe mais baixa e vil; tinham o peito, os braços e joelhos nus;
na cintura usavam uma faixa de pano e na par te superior do cor po, gibão
sem mangas, ligado nos lados com cor reias. Eram de estatura baixa, mas
for tes e muito ágeis, de cor parda-ruiva, como a dos escravos do Egito.
Amar raram Jesus de uma maneira cruel, com as mãos sobre o peito,
prendendo sem compaixão o pulso da mão direita por baixo do cotovelo do
braço esquerdo e o pulso da mão esquerda por baixo do cotovelo do braço
direito, com cordas novas e duras que lhe cor tavam a car ne. Passaram-lhe
em redor do cor po um cinturão largo, no qual havia pontas de fer ro e argolas
de fibra ou vime, nas quais amar raram-Lhe uma espécie de colar, no qual
havia pontas e outros cor pos pontiagudos, para ferir ; desse colar saiam,
como uma estola, duas cor reias cruzadas sobre o peito até o cinturão, ao
qual foram for temente aper tadas e ligadas. Fixaram ainda, em diversos
pontos do cinturão, quatro cordas compridas, pelas quais podiam ar rastar
Jesus para lá e para cá, confor me lhes ditava a maldade. Todas essas cordas
e cor reias eram novas e pareciam preparadas de propósito, desde que
começaram a pensar em prender Jesus.
4
Jesus conduzido a Anás e Caifás
Os cinqüenta soldados faziam par te de uma tropa de 300 homens, que haviam
ocupado de improviso as por tas e r uas de Ofel e ar redores; pois Judas, o
traidor, prevenira o Sumo Sacerdote que os habitantes de Ofel, na maior
par te pobres operários, jor naleiros, car regadores de água e lenha, a ser viço
do Templo, eram os par tidários mais convictos de Jesus e que era para
recear que fizessem tentativas de livrá-Lo, ao ser conduzido por lá. O traidor
bem sabia que Jesus tinha ali muitas vezes ensinado, consolado, socor rido e
curado muitos dos pobres obreiros. Foi também ali que Jesus se demorou,
por ocasião da viagem de Betânia a Hebron, depois da mor te de S. João
Batista, para consolar os amigos deste; nessa estadia em Ofel, Jesus curara
muitos operários e jor naleiros, feridos no desabamento do aqueduto e da
grande tor re de Silo. A maior par te dessa pobre gente reuniu-se, depois da
vinda do Espírito Santo, à primeira comunidade cristã; quando depois os
cristãos se separaram dos judeus e fundaram várias colônias da comunidade,
erigiramse tendas e cabanas dali por todo o vale, até o monte das Oliveiras.
Naquele tempo era também ali o campo de ação de Estevão. Ofel é uma
colina cercada de muralhas, situada ao sul do Templo e habitada na maior
par te por jor naleiros pobres; parece-me que não é muito menor do que
Dülmen.
Os habitantes de Ofel foram acordados do sono pelo barulho da tropa, que
ocupou o bair ro. Saíram das casas a cor rer, apinharam-se nas r uas e diante
da por ta onde estavam os soldados e perguntaram o que sucedia; mas foram
repelidos para suas casas com zombarias e rudes insultos pelos soldados,
que eram na maior par te escravos de índole baixa e imper tinente. Quando,
porém, tiveram a infor mação dada por alguns soldados: "trazem preso o falso
profeta, Jesus, o malfeitor ; o Sumo Sacerdote quer acabar-Lhe com as
práticas; provavelmente morrerá na cruz", levantou-se alto pranto e
lamentação em toda a vila, acordada do sono notur no. Essa pobre gente,
homens e mulheres, cor reram pelas ruas, chorando ou caindo de joelhos,
com os braços estendidos, clamando ao céu ou lembrando em alta voz os
benefícios que Jesus Ihes havia feito. Mas os soldados fizeram-nos voltar
para as casas, empurrando-os e batendo-Ihes; insultaram também a Jesus,
dizendo: "Eis aqui uma prova evidente de que é um agitador do povo. Não
conseguiram, porém, sossegar inteiramente o povo, temendo também que,
com maio res violências, ficasse ainda mais excitado; contentaram-se, pois,
em retê-Io fora da rua pela qual Jesus devia ser conduzido.
Entretanto aproximava-se cada vez mais da por ta de Ofel o cor tejo
desumano, que trazia Jesus preso. Nosso Senhor já caíra diversas vezes e
parecia não poder sustentar-se mais em pé. Um soldado
compadecido aproveitou essa ocasião e disse: "Vós mesmos vedes que Ele
não pode mais andar : Se O quiserdes levar vivo à presença do Sumo
Pontífice, soltai-Lhe um pouco as cordas que Lhe prendem as mãos, para
que, caindo, possa apoiar-se. Enquanto o cor tejo parava e os soldados Lhe
desligavam um pouco as mãos, outro soldado misericordioso trouxe Lhe água
para beber, de um poço que se achava na vizinhança. Haurira a água com um
saquinho de cor tiça, que os soldados e viajantes nesse país costumam usar
para beber. Jesus disse-Lhe algumas palavras de agradecimento, citando um
trecho de um profeta, sobre "beber água viva" ou "fontes de água viva", não
sei mais exatamente; os fariseus zombaram e insultaram-nO por isso.
Acusaram-nO de vangloriar-se e de blasfemar, disseram-Lhr que deixasse tais
palavras vaidosas; que não daria mais a beber nem a um animal, muito menos
a um homem. Foi-me, porém, revelado que aqueles dois homens: um que fez
desligar as mãos de Jesus e o outro que lhe deu a beber, tiveram a graça de
uma iluminação inter na. Conver teram-se já antes da mor te de Jesus e
uniram-se, como discípulos, à comunidade cristã. Eu lhes sabia os nomes e
também os nomes que receberam como discípulos e todas as circunstâncias
da sua conversão; mas é impossível guardar tudo na memória: é uma
imensidade de coisas.
O cor tejo continuou então o caminho, maltratando o Senhor ; subindo por uma
encosta, entrou pela por ta de Ofel, onde foi recebido pelos lamentos
pungentes dos habitantes, que tinham por Jesus grande afeto e gratidão. Só
à força podiam os soldados reter a multidão de homens e mulheres, que se
acercaram de todos os lados. Vinham cor rendo, prostravam-se de joelhos,
estendendo os braços e exclamando, "Soltai este homem, soltai este homem.
Quem nos há de socor rer, quem nos há de curar e consolar? Entregai-nos
este homem." Era um espetáculo que dilacerava o coração: Jesus, pálido,
desfigurado, ferido, o cabelo em desordem, o vestido molhado, sujo, mal
ar regaçado, puxado pelas cordas, empur rado a pauladas, impelido pelos
soldados imper tinentes, meio nus, como se conduz um animal meio mor to ao
sacrifício; vê-Io ar rastado pela soldadesca ar rogante, através da multidão
dos habitantes de Ofel, cheios de gratidão e compaixão, que Lhe estendiam
os braços, que curara de paralisia, que o aclamavam com as línguas a que
restituíra a voz, que olhavam e choravam com os olhos a que dera a vista.
Já no vale do Cedron se juntara à tropa muita gente de classe baixa, agitada
pelos soldados e provocada pelos agentes de Anás e Caifás e outros inimigos
de Jesus; insultavam e injuriavam a Jesus e ajudavam também a ultrajar e
afrontar o bom povo de OfeI. Este lugar está situado numa colina; vi o ponto
mais alto, no meio da vila, um largo onde estava empilhada muita madeira de
constr ução, como no pátio de uma car pintaria. Descendo dali, o cor tejo
dirigiu-se a uma por ta do muro, pela qual saiu do ar rabalde.
Depois do cor tejo ter saído de Ofel, os soldados impediram o povo de seguí-
Io, O cor tejo desceu ainda um pouco no vale, deixando à direita um edifício
vasto, restos, se me lembro bem, de obras de Salomão e à esquerda, o
tanque de Betesda. Assim marcharam, descendo sempre o caminho do vale
chamado Milo, depois se dirigiram um pouco para o sul, subindo as altas
escadarias do monte Sião, para a casa de Anás. Em todo esse caminho
continuavam a insultar e maltratar Jesus e o povo baixo que vindo da cidade
se juntara ao cor tejo, instigava os infames soldados a repetirem as
crueldades. Do monte das Oliveiras até a casa de Anás caiu Jesus sete
vezes.
Os habitantes de Ofel ainda estavam cheios de susto e tristeza, quando outro
incidente lhes renovou a compaixão: a Mãe de Jesus, conduzida pelas santas
mulheres e pelos amigos de Jesus, vindo do vale de Cedron, passou por Ofel,
indo à casa de Maria Marcos, situada ao pé do monte Sião. Quando a boa
gente de Ofel a reconheceu, começou de novo a chorar compadecida;
apinhava-se de tal modo em roda de Maria e dos companheiros, que a Mãe de
Jesus foi quase transpor tada pela multidão.
Maria, muda de dor, não falava, nem depois de chegar à casa de Maria
Marcos, senão quando chegou mais tarde João; então começou a perguntar
com grande tristeza e João contou-lhe tudo o que vira, desde a saída do
Cenáculo, até aquela hora. Mais tarde levaram a SS. Virgem à casa de Mar ta,
a leste da cidade, ao pé do palácio de Lázaro. Conduziram-na novamente por
desvios, evitando os caminhos pelos quais Jesus fora conduzido, para não
lhe aumentar demais a tristeza e dor.
Pedro e João que, a cer ta distância, tinham seguido o cor tejo, quando este
entrou na cidade, recor reram depressa a alguns conhecidos que João tinha
entre os empregados do Sumo Pontífice, para acharem uma opor tunidade de
entrar na sala do tribunal, para onde o Mestre devia ser levado. Esses
conhecidos de João eram uma espécie de mensageiros do tribunal, que
naquela hora receberam ordem de percor rer a cidade, para acordar os
anciãos de várias classes e mais outras pessoas e convocálos para a sessão
do tribunal. Desejavam mostrar-se obsequiosos aos dois Apóstolos, mas não
acharam outro meio senão o de fazer João e Pedro vestirem-se dos mantos
de mensageiros e ajudá-Ios a convocar os anciãos e revestidos desses
mantos, entrarem depois no tribunal de Caifás; pois ali estava reunido
somente gente de classe baixa, todos subor nados, soldados e falsas
testemunhas; todos os outros eram expulsos. Como, porém, José de
Arimatéia e Nicodemos e outras pessoas bem intencionadas também fossem
membros do Sinédrio, aos quais os fariseus talvez deixassem de avisar de
propósito, foram Pedro e João convidar todos esses amigos de Jesus. Judas,
no entanto, como um criminoso desvairado, que a seu lado vê o demônio,
andava vagando pelas encostas íngremes ao sul de Jer usalém, para onde se
jogavam o lixo e todas as imundícies.
3. Preparativos dos inimigos de Jesus
Cerca de meia noite chegou Jesus ao palácio de Anás e foi conduzido, pelo
átrio iluminado, à grande sala que tinha o tamanho de uma pequena Igreja.
No fundo, em frente à entrada, estava sentado Anás, rodeado de 28
conselheiros, num ter raço, sob o qual podia passar, pelo lado. Em frente
havia uma escada, inter rompida por patamares, que conduzia a esse tribunal
de Anás, no qual se entrava por uma por ta própria, do fundo do edifício.
Jesus, cercado ainda por uma par te dos soldados que o prenderam, foi
puxado pelos soldados alguns degraus da escada para cima e seguro pelas
cordas. A outra par te da sala foi ocupada por soldados e gentalha, judeus
que insultavam Jesus, criados de Anás, e par te das testemunhas reunidas
por este que depois se apresentaram em casa de Caifás.
Anás estava esperando impacientemente a chegada de Jesus: tudo nele
revelava ódio, malícia e crueldade. Era então presidente de um cer to tribunal
e reunira ali a junta da comissão, que tinha a tarefa de velar pela pureza da
doutrina e de exercer o ofício de procurador geral no tribunal do Sumo
Sacerdote.
Jesus estava em pé diante de Anás, calado, de cabeça baixa, pálido,
cansado, com as vestes molhadas e enlameadas, as mãos amar radas, seguro
com cordas pelos soldados. Anás, velho malvado, magro, com pouca barba,
cheio de imper tinência e de orgulho farisaico, sor ria hipócritamente, como
se não soubesse de nada e se admirasse de ser Jesus o preso que lhe haviam
anunciado. O discurso enfadonho com que recebeu Jesus, não sei repetí-Io
com as mesmas palavras, mas era mais ou menos o seguinte: "Olá! Jesus de
Nazaré! És tu? Onde estão então os teus discípulos, os teus numerosos
aderentes? Onde está o teu reino? Parece que tudo saiu muito diferente do
que pensavas! Acabaram agora as injúrias; esperávamos pacientemente até
que estivesse cheia a medida das tuas blasfêmias, dos teus insultos aos
sacerdotes e violações do Sábado. Quem são os teus discípulos? Onde
estão? Agora te calas? Fala, agitador e sedutor do povo? Já comeste o
cordeiro pascal de modo insólito, à hora e em lugar fora de costume. Queres
introduzir uma nova doutrina? Quem te deu o direito de ensinar? Onde
estudaste? Qual é a tua doutrina, que excita a todos? Responde, fala! Qual é
a tua doutrina?”
Então levantou Jesus a cabeça fatigada e, fitando Anás, disse: "Tenho falado
em público, diante de todo o mundo, em lugares onde todos os judeus
costumam reunir-se. Não tenho dito nada em segredo. Porque me perguntas a
mim? Pergunta àqueles que me ouviam, eles sabem o que tenho falado.”
Como o rosto de Anás, a essas palavras de Jesus, manifestasse ódio e raiva,
um esbir ro infame, miserável e adulador, que estava ao lado de Jesus e que o
percebeu, bateu, com a mão de fer ro, na boca e face de Nosso Senhor,
dizendo: "Assim é que respondes ao Sumo Pontífice?" Jesus, abalado pela
veemência da pancada e ar rancado e empur rado pelos soldados, caiu sobre a
escada de lado e o sangue escor reu-lhe do rosto; a sala retumbou de
escár nio, mur múrio, insultos e risadas. Levantaram Jesus com brutalidade e
Ele disse calmamente: "Se falei mal, mostra-me em que; se eu disse a
verdade, porque me feres?”
Anás, enfurecido pela calma de Jesus, convidou todos os presentes a dizer,
como Ele próprio queria, o que d’Ele tinham ouvido, o que ensinava. Seguiu-
se então uma grande vozeria e gritaria daquele populacho: Ele disse que era
rei, que era Filho de Deus, que os fariseus eram adúlte ros; Ele agitava o
povo, curava no sábado, com auxílio do demônio; o povo de Ofel rodeava-O
como dementes, chamava-O seu Salvador e Profeta; Ele se deixava chamar
Filho de Deus; Ele mesmo se dizia enviado por Deus, chamava a maldição
sobre Jerusalém, falava da destruição da cidade, não guardava o jejum,
percor ria o país seguido de multidões de povo, comia com ímpios, pagãos,
publicanos e pecadores, levava em sua companhia mulheres de má vida,
havia pouco tinha dito em Ofel que daria a quem lhe deu água a beber, água
da vida eter na e ele não teria mais sede; seduzia o povo com palavras
equívocas, desperdiçava o bem alheio, pregava ao povo muitas mentiras
sobre seu reino e muitas outras coisas.
Todas essas acusações foram proferidas ao mesmo tempo, numa grande
confusão. Os acusantes avançavam para Jesus, lançando-Lhe em rosto essas
acusações, acompanhadas de insultos e os soldados empur ravam-nO para cá
e para lá, dizendo: "Fala! responde!" Anás e os conselheiros tomavam
também par te, gritando-lhe, com riso sarcástico: "Ora, agora ouvimos a tua
doutrina. É boa! Que respondes? É essa então a tua doutrina pública? O país
está cheio dela. Aqui não tens nada que dizer? porque não ordenas? oh, rei?
Oh, enviado de Deus, mostra a tua missão?”
A cada uma dessas exclamações dos superiores, seguiam-se ar rancos,
empur rões e insultos da par te dos soldados e de outros que estavam
próximo, que todos de boa vontade teriam imitado o que Lhe batera na face.
Jesus cambaleava de um lado para o outro e Anás disse-Ihe, com
imper tinência insultante: "Quem és? Que espécie de rei ou enviado? Eu
julgava que fosses o filho de um marceneiro obscuro. Ou és acaso Elias, que
foi levado ao Céu num car ro de fogo? Dizem que ele ainda vive. Sabes
também te tor nar invisível, assim escapaste muitas vezes. Ou és por acaso
Malaquias? Sempre tens feito gala com esse profeta, inter pretando-lhe as
palavras como se falasse de ti mesmo. Anda também a respeito dele um
boato, que não tinha pai, que era um Anjo e não mor reu; boa opor tunidade
para um embusteiro fazer-se passar por ele. Dize, que espécie de rei és? És
maior do que Salomão? Esta é também uma afir mação tua. Está bem, não te
quero privar mais tempo do título de teu reino.”
Anás mandou, pois, trazer uma tira de pergaminho, de 3/4 de côvado de
comprimento e da largura de três dedos, pô-Ia sobre uma tabuinha, que
seguravam diante dele e escreveu com uma pena de caniço uma série de
letras grandes, cada uma das quais continha uma acusação contra o Senhor.
Enrolou-a depois e pô-Ia numa pequena cabaça, fechando esta com uma rolha
e amar rando-a a um caniço, mandou entregar-Lhe esse cetro ir risório e
dirigiu-Lhe, com riso satírico, algumas palavras, como: "Eis aqui o cetro de
teu reino; contém todos os teus títulos, dignidades e direitos. Leva-os ao
Sumo Sacerdote, para que conheça a tua missão e o teu reino e te trate
como convém à tua posição. Amar rai-Lhe as mãos e levai este rei ao Sumo
Sacerdote." Então amar raram de novo as mãos de Jesus, que antes tinham
desligado, cruzando-lhas sobre o peito e pondo nelas o cetro afrontoso, que
continha as acusações de Anás. Assim conduziram o Senhor, entre risadas,
insultos e brutalidades, da grande sala de Anás para a casa de Caifás.
7. O Tribunal de Cairás
Entre frenéticos gritos de insulto, com empur rões e ar rancos, foi Jesus
conduzido pelo átrio, onde a desenfreada fúria do populacho se moderou,
reduzindo-se a um sussur ro e mur múrio surdo de raiva contida. Da entrada
dirigiu-se o cor tejo à direita, para o tribunal. Passando por Pedro e João, o
querido Salvador, olhou-os, mas sem virar a cabeça para eles, para não os
trair. Mal Jesus tinha chegado, por entre as colunas, em frente do tribunal,
Caifás já lhe gritou: "Então chegaste" blasfemador de Deus, que nos tens
profanado esta santa noite.”
Tiraram então o cetro ir risório de Jesus, a cabaça, na qual se achavam as
acusações escritas por Anás; depois de ler as acusações, Caifás lançou uma
tor rente de insultos e acusações contra Jesus, enquanto os esbir ros e
soldados em roda puxavam e empur ravam Nosso Senhor ; tinham nas mãos
cur tos bastões de fer ro, em cuja extremidade havia um castão munido de
muitas pontas; com esses bastões empur ravam a Jesus, gritando: "Responde,
abre a boca. Não sabes falar?" Fizeram tudo isso enquanto Caifás, ainda
mais assanhado do que Anás, dirigiu um sem número de perguntas a Jesus,
que, silencioso e paciente, olhava para baixo sem levantar os olhos para
Caifás. Os soldados quiseram forçá-Loa falar, davam-Lhe mur ros na nuca e
nos lados, batiam-Lhe nas mãos e picavam-na com sovelas; houve até um vil
patife que lhe aper tou com o polegar o lábio inferior sobre os dentes,
dizendo: "Agora morde!”
Seguiu-se a audição das testemunhas. Mas em par te era só uma gritaria
confusa do populacho subor nado ou então depoimentos de vários grupos dos
mais assanhados inimigos de Jesus, entre os fariseus e saduceus de todo o
país, reunidos por ocasião da festa. Proferiram de novo tudo o que Ele mil
vezes tinha refutado; disseram: "Ele cura e expulsa os demônios pelo próprio
demônio; não guarda o sábado; quebra o jejum; os seus discípulos não lavam
as mãos; Ele seduz o povo; chama os fariseus de raça de víboras, de
adúlteros; prediz a destr uição de Jer usalém; tem relações com pagãos,
publicanos, pecadores e mulheres de má vida; percor re o país, seguido de
grande multidão de povo; faz-se chamar rei, profeta, até Filho de Deus, fala
sempre do seu reino; contesta o direito do divórcio; proferiu ameaças sobre
Jerusalém; chama-se pão da vida, ensina coisas inauditas, dizendo que quem
não Lhe comer a car ne e não Lhe beber o sangue, não poderá ser salvo.”
Desse modo eram torcidas e viradas ao contrário todas as palavras, doutrina
e parábolas de Jesus, para ser virem de acusações, sempre inter rompidas por
insultos e brutalidades. Mas todos contradiziam e se confundiam uns aos
outros. Um disse: "Ele se faz passar por rei"; outro: "Não, Ele se deixa
apenas chamar assim e quando O quiseram proclamar rei, fugiu." Então
gritou um: "Mas Ele diz que é Filho de Deus"; outro, porém, replicou: "Não,
Ele não disse isso, chama-se Filho só por fazer a vontade do Pai." Alguns
exclamaram que Ele os tinha curado, mas que depois recaíram; as curas
eram apenas feitiço." Quase todas as acusações consistiam essencialmente
em acusá-Io de feitiçaria. Algumas falsas testemunhas depuseram também
sobre a cura do homem na piscina de Betesda, mas mentiram e confundiram-
se. Os fariseus de Seforis, com os quais tinha discutido sobre o divórcio,
acusaram-na de falsa doutri na e até aquele jovem de Nazaré a quem Ele não
quisera aceitar como discípulo, teve a vileza de comparecer ali, para dar
testemunho contra Ele. Acusaram-na também de ter absolvido a adúltera no
Templo e ter acusado os fariseus.
Contudo não eram capazes de encontrar qualquer acusação solidamente
provada. Os grupos de testemunhas que entravam e saiam, começaram a
insultar Jesus, em lugar de depor contra Ele. Discutiam veemente uns com os
outros e nos inter valos Caifás e alguns dos conselheiros continuavam
incessantemente a insultar Jesus, gritando-Lhe, entre as várias acusações:
"Que rei és tu? Mostra teu poder. Manda vir as legiões de Anjos, das quais
falaste no hor to das Oliveiras. Que fizeste do dinheiro das viúvas e das
pessoas que se deixaram enganar? Tantas riquezas que desperdiçaste, que
foi feito delas? Responde, fala! Agora que devias falar, diante do juiz, ficas
calado; mas onde terias feito melhor em calar-te, diante do populacho e
mulherio, aí te abundavam as palavras, etc.”
Todas essas perguntas eram acompanhadas de incessantes crueldades dos
soldados, que, com pancadas e mur ros, queriam forçar Jesus a responder. Só
por milagre de Deus pôde Jesus agüentar tudo isso, para expiar os pecados
do mundo. Algumas testemunhas infames afir maram que Jesus era filho
ilegítimo, mas imediatamente replicaram outros: "É mentira; pois sua mãe
era uma moça piedosa do Templo e nós assistimos à cerimônia do seu
casamento com um homem muito religioso." Essas testemunhas começaram
a discutir.
Acusaram também Jesus e os discípulos de não oferecerem sacrifícios no
Templo. Eu também nunca vi Jesus ou os Apóstolos, desde que O seguiam,
levarem animais de sacrifício ao Templo, a não ser os cordeiros de Páscoa.
Essa acusação não era justa; pois também os Essenos não ofereciam
sacrifícios, sem por isso merecerem castigo. A acusação de feitiçaria
repetiu-se muitas vezes e o próprio Caifás afir mou diversas vezes que a
confusão das testemunhas era efeito da ar te mágica.
Alguns acusaram então Jesus de ter comido o cordeiro pascal já de véspera,
contrariamente ao costume e de ter alterado a ordem dessa cerimônia já no
ano anterior ; por isso começaram de novo a injuriar e insultar Jesus. Mas os
depoimentos das testemunhas eram tão confusos e contraditórios, que
Caifás e todo o Sinédrio ficaram envergonhados e furiosos, porque não
podiam encontrar nada que de qualquer modo pudessem provar. Nicodemos e
José de Arimatéia foram também convidados a se justificarem de ter Jesus
comido a Páscoa no Cenáculo deles, em Sião. Compareceram diante de
Caifás e provaram, com antigos documentos, que os galileus podiam comer o
cordeiro pascal um dia antes, confor me um direito imemorial; além disso,
acrescentaram, foram obser vadas as cerimônias prescritas, pois estiveram
presentes homens empregados do Templo. Com essa afir mação ficaram as
testemunhas muito embaraçadas e o que vexava os inimigos de Jesus, era
ter Nicodemos mandado trazer os rolos de lei e provado com estes o direito
dos galileus. Além de diversos motivos para esse direito dos galileus, os
quais esqueci, foi alegado que seria impossível, com a afluência do povo,
acabar as cerimônias no tempo prescrito pela lei do sábado; também haveria
inconveniências na volta, pela multidão do povo nos caminhos. Apesar dos
galileus nem sempre usarem desse direito, ficara, porém, perfeitamente
provado pelos documentos alegados por Nicodemos. A ira dos fariseus
cresceu ainda mais, quando Nicodemos ter minou o discurso pela obser vação
de que todo o Sinédrio se devia sentir ultrajado, diante do povo reunido, por
um processo feito com tal precipitação e preconceito, na noite de um dia tão
santo e com a confusão e contradição tão aber ta de todas as testemunhas,
com precipitação e impr udência ainda maior.
Depois de muitos depoimentos falsos, vis e mentirosos, se apresentaram
mais duas testemunhas, dizendo: Jesus disse que queria destruir o Templo
feito pelas mãos de homens e construir em três dias outro, que não seria
feito por mãos de homens. Mas também esses dois não estavam de acordo;
um disse que Jesus queria constr uir um templo novo; por isso teria celebrado
a Páscoa num outro edifício, porque queria destruir o antigo Templo; o outro,
porém, disse que aquele edifício também fora construído por mãos de
homens e que por tanto não se referia a ele.
Caifás chegou então ao auge da cólera; pois as crueldades praticadas para
com Jesus, as afir mações contraditórias das testemunhas, a inefável
paciência e o silêncio do Salvador, causaram impressão desfavorável a
muitos dos presentes. Algumas vezes foram as testemunhas até vaiadas.
Muitos ficaram inquietos no coração, vendo o silêncio de Jesus e cerca de
dez soldados afastaram-se, sob pretexto de se sentirem indispostos. Esses,
passando diante de Pedro e João, Ihes disseram: "Este silêncio do galileu,
num processo tão infame, dói no coração, é como se a ter ra se fosse abrir e
tragar-nos; dizei-nos aonde nos devemos dirigir.”
Caifás, furioso pelos depoimentos contraditórios e a confusão das duas
últimas testemunhas, levantou-se do assento, desceu alguns degraus, até
onde estava Jesus e disse: "Não respondes nada a esta acusação?" Indignou-
se, porém, de Jesus não o fitar ; os soldados puxaram então, pelos cabelos, a
cabeça de Nosso Senhor, para trás e bateram-lhe com os punhos por baixo do
queixo. Mas o Senhor não levantou os olhos. Caifás, porém, estendeu com
veemência as mãos e disse em tom furioso: "Conjuro-Te pelo Deus vivo, que
nos digas se és o Cristo, o Messias, o Filho de Deus Bendito!”
Acalmara-se a vozeria e seguiu-se um silêncio solene em todo o átrio; Jesus,
for talecido por Deus, disse, com uma voz cheia de inefável majestade, que
fazia estremecer a todos, com a voz do Verbo Eter no: "Eu o sou, disseste-o
bem. E eu vos digo que em breve vereis o Filho do homem assentado à mão
direita da majestade de Deus, vindo sobre as nuvens do céu.”
Durante essas palavras vi Jesus como que luminoso e sobre Ele, no céu
aber to, Deus Pai Todo-poderoso, numa visão inexprimível; vi os Anjos e as
orações dos justos, suplicando e orando em favor de Jesus. Vi, porém, como
se a divindade de Jesus falasse simultaneamente do Pai e do Filho: "Se eu
pudesse sofrer, queria sofrer ; mas porque sou misericordioso, aceitei a
natureza humana no Filho, para que nela sofresse o Filho do Homem; pois sou
justo e ei-Lo que toma sobre si os pecados de todos estes homens, os
pecados de todo o mundo.”
Por baixo de Caifás, porém, vi aber to todo o infer no, um círculo lúgubre de
fogo, cheio de figuras hediondas e ele por cima desse círculo, sustentado
apenas como por um crepe fino. Vi-o penetrado pela fúria do infer no. Toda a
casa me parecia um infer no agitado por baixo. Quando o Senhor declarou que
era o Filho de Deus, o Cristo, foi como se o infer no tremesse diante dEle e
fizesse subir a essa casa toda a sua fúria contra o Salvador.
Mas como tudo me é mostrado em imagens e figuras (cuja linguagem é para
mim também mais verdadeira, cur ta e clara do que outras explicações, pois
os homens também são for mas cor porais e sensíveis e não somente palavras
abstratas), vi o medo e o ódio do infer no manifestar-se sob inúmeras figuras
hor ríveis, que subiam em muitos lugares, como saindo da ter ra. Entre outras
me lembro ainda de bandos de pequenas figuras escuras, semelhantes a
cães, que andavam nas patas traseiras, cur tas e com gar ras compridas, mas
não me lembro mais que espécie de vicio representavam essas figuras;
sabia-o naquele tempo, mas agora só me lembro da for ma. Tais figuras
hor rendas vi entrar na maior par te dos assistentes, ou sentar-se nos ombros
ou sobre a cabeça deles. A assembléia estava cheia dessas figuras e a fúria
aumentava cada vez mais em todos os maus. Nesse momento vi também
muitas figuras hediondas, saindo dos sepulcros. além de Sião; creio que
eram espíritos maus. Vi também, per to do Templo, saírem da ter ra muitas
aparições e entre essas, diversas que pareciam ar rastar-se com cadeias,
como presos; não sei mais se essas últimas aparições eram espíritos maus
ou almas condenadas a habitarem cer tos lugares da ter ra e que talvez se
dirigissem ao limbo, que o Senhor abriu pela sua própria condenação à
mor te. - Não se podem exprimir exatamente essas coisas, nem quero
escandalizar aos que as ignoram, mas ao vê-Ias, sente-se um ar repio. Esse
momento tinha algo de hor rível. Creio que também João deve ter visto
alguma coisa, pois ouvi-o falar disso mais tarde; pelo menos todos os que
não eram ainda inteiramente maus, sentiram, com um medo profundo, o
hor ror desse momento; os maus, porém, sentiram-se numa violenta er upção
de ódio.
Caifás, como inspirado pelo infer no, apanhou a orla do manto oficial, cor tou-
a com uma faca e rasgou o manto, com um r uído sibilante, gritando: "Ele
blasfemou! Para que precisamos de testemunhas? Vós mesmos ouvistes a
blasfêmia; que julgais?" Então se levantaram todos quantos ainda estavam
presentes e gritaram, com voz ter rível: "É réu de mor te. É réu de mor te.”
A esse grito, a fúria do infer no tor nou-se naquela casa verdadeiramente
ter rível: os inimigos de Jesus estavam como embriagados por Satanás e do
mesmo modo os ser vos aduladores e abjetos (7). Era como se as trevas
proclamassem o seu triunfo sobre a luz. Causou tal hor ror aos que ainda
conser vavam um pouco de bom sentimento, que muitos destes saíram
fur tivamente, envolvidos nos mantos. Também as testemunhas mais notáveis,
como não Ihes fosse mais necessária a presença, saíram do tribunal,
sentindo remorsos da consciência. Outros, mais vis, vadiavam pelo átrio e
em redor da fogueira, onde, depois de recebido dinheiro, começaram a comer
e beber.
O Sumo Sacerdote disse, porém, aos soldados: "Entrego-vos este rei; prestai
a este blasfemo a devida honra." Depois se retirou com os membros do
Conselho, à sala circular, situada atrás do tribunal, cujo interior não se podia
ver do átrio.
João, cheio de profunda tristeza, lembrou-se então da pobre Mãe de Jesus.
Receou que a ter rível notícia, comunicada por um inimigo, pudesse ferí-Ia
ainda mais e por isso, lançando mais um olhar ao Santo dos santos, disse no
seu coração: "Mestre, bem sabeis porque me vou em bora" e saiu
apressadamente do tribunal, indo à SS. Virgem, como se fosse enviado por
Jesus mesmo. Pedro, porém, todo abalado pela angústia e pela dor e
sentindo, devido à fadiga, ainda mais o frio penetrante da manhã, ocultava a
tristeza e o desespero o mais que podia e aproximou-se timidamente da
fogueira no átrio, rodeada pelo populacho, que ali se aquecia. Não sabia o
que estava fazendo, mas não podia separarse do Mestre.
Quando Jesus disse, em tom solene: "Eu o sou", quando Caifás rasgou o
próprio manto, quando o grito: "É réu de mor te!" inter rompeu os insultos e
ultraje da gentalha, quando se abriu sobre Jesus o céu da justiça e o infer no
desencadeou sua fúria e dos sepulcros saíram os espíritos presos, quando
tudo estava cheio de medo e hor ror ; então Pedro e João, que tinham sofrido
muito por serem obrigados a ver, em silêncio e inação, o cruel tratamento de
Jesus, sem poder manifestar compaixão, não agüentaram mais ficar ali. João
saiu, juntamente com muita gente e testemunhas e dirigiu-se
apressadamente a Maria, Mãe de Jesus, que se achava com as mulheres
piedosas em casa de Mar ta, per to da Por ta do Angulo, onde Lázaro possuía
um grande edifício. Pedro, porém, não podia afastar-se, amava
demasiadamente a Jesus. Não podia conter-se; chorava amargamente,
esforçando-se por esconder as lágri mas. Não quis ficar, pois sua
conster nação tê-Io-ia traído, nem podia ir a outra par te, sem causar
estranheza aos outros. Dirigiu-se por isso ao átrio, ao canto da fogueira,
onde se, apinhavam soldados e muitos homens do populacho, que iam e
voltavam, para ver escar necer de Jesus e faziam obser vações baixas e
maliciosas. Pedro conser vava-se calado, mas esse silêncio e o ar de tristeza
do rosto deviam tor ná-Io suspeito aos inimigos do Mestre. Aproximou-se
então também do fogo a por teira e, como todos falassem de Jesus e o
insultassem, também entrou na conversa, à maneira das mulheres
imper tinentes e, olhando para Pedro, disse: "Tu também és um dos discípulos
do Galileu!" Pedro tor nou-se embaraçado e inquieto e, receando que aquela
gente grosseira o maltratasse, disse: "Oh, mulher! Eu não O conheço; não sei
e nem compreendo o que queres dizer." Levantou-se e com a intenção de
livrar-se deles, saiu do átrio; foi à hora em que o galo, fora da cidade, cantou
pela primeira vez; não me lembro de tê-Io ouvido, mas senti que então can-
tou. Saindo Pedro do átrio, viu-o outra criada e disse a alguns que estavam
ali: "Este também tem estado com Jesus" e eles disseram: "Não eras também
um dos discípulos do Galileu?" Pedro, assustado e confu so, exclamou,
protestando: "Em verdade, não o era, nem conheço esse homem." Depois se
afastou depressa do primeiro pátio para o exterior, afim de prevenir do
perigo alguns conhecidos, que vira olharem por cima do muro. Chorou e
estava tão cheio de angústia e tristeza, por causa de Jesus, que quase não
se lembrava da sua negação. No pátio exterior estava muita gente e também
amigos de, Jesus, que não foram admitidos ao pátio interior ; mas a Pedro foi
per mitido sair. Aquela gente trepara no muro, para espiar o que se passava e
Pedro encontrou entre eles muitos dos discípulos de Jesus, os quais a busca
de notícias tinham cor rido das caver nas do vale Hinom para lá. Esses se
acercaram logo de Pedro, inter rogando-o entre lágrimas, a respeito de Jesus;
mas ele estava tão abatido e tinha tanto medo de trair-se, que Ihes
aconselhou retirar-se, por haver ali perigo para eles. Depois se separou
deles, indo tristemente pelos pátios enquanto os outros saíram com pressa
da cidade. Estiveram ali cerca de 16 dos primeiros discípulos, entre eles
Bar tolomeu, Natanael, Satur nino, Judas Barsabas, Simeão, mais tarde bispo
de Jer usalém, Zaqueu e Manaem, o profético jovem, cego de nascença e
curado por Jesus.
Pedro não achou sossego; o amor de Jesus impelia-o ao pátio interior, que
cercava a casa; deixaram-no entrar, de novo, porque Nicodemus e José de
Arimatéia o mandaram entrar, na primeira vez. Não voltou imediatamente à
sala do tribunal, mas dirigiu-se à direita, indo ao longo da casa, para a
entrada da sala atrás do tribunal, onde o bando de soldados já estavam
conduzindo Jesus em redor da sala, com vaias e insultos. Pedro aproximou-
se medroso; posto que se sentisse obser vado como suspeito, impelia-o a
ânsia por Jesus a enfiar-se pela por ta, ocupada por gente baixa, que estava
assistindo àquela cena de escár nio. Nesse momento estavam ar rastando
Jesus, coroado com a grinalda de palha, em redor da sala. O Senhor lançou a
Pedro um olhar sério de repreensão. Pedro ficou como que esmagado pela
dor. Mas, lutando com o medo e ouvindo alguns dos circunstantes dizerem:
"Quem é este sujeito?", saiu novamente para o pátio, tão abatido e tão
confuso pelo medo, que andava cambaleando a passos lentos. Vendo-se,
porém, obser vado, entrou de novo no átrio, aproximou-se da fogueira, ficando
ali bastante tempo sentado, até que diversas pessoas, que fora lhe tinham
notado a confusão, entraram, começando de novo a provocá-Io, falando mal
de Jesus e de suas obras. Um deles, chamado Cássio e mais tarde Longino,
disse então: "É verdade, também és daquela gente; és galileu, tua linguagem
prova-o". Como Pedro quisesse sair com um pretexto, impediu-o um ir mão de
Malcho, dizendo: "O que? Não te vi com eles no hor to das Oliveiras? Não
feriste a orelha de meu ir mão?" Tor nou-se Pedro então como insensato, pelo
pavor que o dominou e livrando-se deles, começou a praguejar (tinha um
gênio violento) e jurar que absolutamente não conhecia esse homem e cor reu
do átrio para o pátio interior. Foi à hora em que o galo cantou de novo; os
soldados conduziram Jesus, nesse mesmo momento, da sala circular, pelo
pátio para o cárcere que ficava sob a sala. Virou-se, porém, o Senhor e olhou
para Pedro com grande dor e tristeza; lembrou-se Pedro então da palavra de
Jesus: "Antes do galo cantar duas vezes, negar-me-ás três vezes", e essa
lembrança pesou-lhe com ter rível violência sobre o coração. Fatigado pelas
angústias e o medo, tinha-se esquecido da promessa presunçosa de querer
antes morrer, do que O negar e do aviso profético de Jesus; mas à vista do
Mestre, esmagou-o a lembrança do crime que acabava de cometer. Tinha
pecado; pecado contra o Salvador, tão cruelmente tratado, condenado, ino-
cente, sofrendo tão resignado toda a hor rível tor tura. Como desvairado de
contrição, saiu apressadamente pelo pátio exterior, a cabeça velada e
chorando amargamente; não temia mais ser inter rogado; teria então dito a
todos quem era e que pecado lhe pesava na consciência.
Quem se atreveria a dizer, que em tais perigos, angústias, em tal pavor e
confusão, numa tal luta entre amor e medo, cansado, insone, prestes a
perder a razão pela dor de tantos e tão tristes acontecimentos dessa noite
hor rível, com uma natureza tão simples como ardente, quem se atreveria a
dizer que, em iguais condições, teria sido mais for te do que Pedro? O Senhor
abandonou-o às próprias forças; tor nou-se então tão fraco como o são todos
os que esquecem as palavras: "Vigiai e orai, para não cairdes em tentação".
Judas, o traidor, que não se tinha afastado muito, ouviu então o barulho do
séquito, como também as palavras de algumas pessoas, que seguiam de mais
longe; entre outras coisas disseram: "Agora vão leváLo a Pilatos; o Conselho
supremo condenou-O à mor te; vai ser crucificado; também não pode mais
viver, nesse hor rível estado em que O deixaram os maus tratos. Tem uma
paciência incrível, não diz nada, apenas que é o Messias e se sentará à
direita de Deus; outra coisa não disse e por isso vai mor rer na cruz; se não o
tivesse dito, não O podiam condenar à mor te, mas assim deve mor rer. O
patife que O vendeu, foi seu discípulo e pouco antes ainda comeu com ele o
cordeiro pascal; eu não queria ter par te nesta ação; seja como for, o Galileu
pelo menos nunca entregou um amigo à mor te por dinheiro.
Deveras, esse patife de traidor merece também ser enforcado." Então o
ar rependimento tardio, a angústia e o desespero começaram a lutar na alma
de Judas. O demônio impeliu-o a cor rer. O molho das trinta moedas de prata,
no cinto, sob o manto, era-lhe como uma espora do infer no: segurou-o com a
mão, para que não fizesse tanto barulho, batendo-lhe na per na ao cor rer.
Cor reu a toda a pressa, não atrás do cor tejo, para lançar-se aos pés de
Jesus, pedindo perdão ao Salvador misericordioso, não para mor rer com Ele,
nem para confessar a culpa diante de Deus; mas para se limpar diante dos
homens da culpa e desfazer-se do prêmio da traição; cor reu como um
insensato ao Templo, aonde diversos membros do supremo conselho como
chefes dos sacerdotes em exercício e alguns dos anciãos se tinham dirigido,
depois do julgamento de Jesus. Olharam-se mutuamente, admirados e com
um sor riso desprezível, dirigiram olhares altivos a Judas que, impelido pelo
ar rependimento do desespero e fora de si, cor reu para eles; ar rancou o feixe
das moedas de prata do cinto e, estendendo-Ihes a mão direita com o
dinheiro, disse, em tom de violenta angústia: "Tomai aqui o vosso dinheiro,
com o qual me seduzistes a entregar-vos o Justo; retomai o vosso dinheiro e
soltai Jesus; eu rompo o nosso pacto; pequei gravemente, traindo sangue
inocente." Mas os sacerdotes mostraram-lhe então todo o seu desprezo;
retiraram as mãos do dinheiro que Ihes oferecia, como se não quisessem
manchar-se com o prêmio da traição, dizendo: "Que nos impor ta que
pecasses? Se julgas ter vendido sangue inocente, é lá contigo; sabemos o
que compramos de ti e julgamo-Lo réu de mor te; é teu dinheiro, não temos
nada com isso. etc," Disseram-lhe essas palavras no tom que usam os
homens que estão muito ocupados e querem livrar-se de um impor tuno e
viraram as costas a Judas. Esse, vendo-se assim tratado, foi tomado de tal
raiva e desespero, que ficou como louco; eriçaramse-lhe os cabelos e
rompendo com as duas mãos o molho das moedas de prata, espalhou-as com
veemência no templo e fugiu para fora da cidade.
Vi-o de novo, cor rendo como louco, no vale de Hinom e o demônio em figura
hor rível ao seu lado, segredando-lhe ao ouvido, para levá-Io ao desespero,
todas as maldições dos profetas sobre esse vale, onde antigamente os
judeus sacrificavam os próprios filhos aos deuses. Parecia lhe que todas
essas palavras o indicavam com o dedo, dizendo, por exemplo: "Eles sairão
para ver os cadáveres daqueles que contra mim pecaram, cujo ver me não
mor re, cujo fogo não se apaga," Depois lhe soou aos ouvidos.: "Caim, onde
está Abel, teu Ir mão? Que fizestes? O sangue de teu ir mão clama a mim;
agora, pois, serás maldito sobre a ter ra, vagabundo e fugitivo." Quando
chegou à tor rente doe Cedron e olhou na direção do monte das Oliveiras,
estremeceu e virou os olhos. Então ouviu de novo as palavras: "Amigo, para
que vieste? Judas, é com um beijo que entregas o Filho do homem?" Então
um imenso hor ror lhe penetrou no fundo da alma, confundiram-se-Ihe os
sentidos e o inimigo segredou-lhe ao ouvido: "Aqui sobre o Cedron, fugiu
também Davi diante de Absalão; Absalão mor reu pendurado numa ár vore;
Davi referia-se também a ti no salmo: "Retribuíram o bem com o mal, ele terá
um juiz severo; Satanás estará à sua direita, todo o tribunal o condenará; os
seus dias serão poucos; outro lhe receberá o episcopado; o Senhor recordar-
se-á sempre da maldade dos seus pais e dos pecados de sua mãe, porque
sem misericórdia perseguiu os pobres e matou os aflitos; ele amava a
maldição e esta virá sobre ele; revestia-se da maldição como de uma veste,
como água lhe entrou ela nos intestinos, como óleo nos ossos; como uma
veste o cobre a maldição, como um cinto que o cinge eter namente." Entre
esses ter ríveis remorsos da consciência, chegara Judas a um lugar deser to,
pantanoso, cheio de lixo e imundície, a sudeste de Jerusalém, ao pé do
monte dos Escândalos, onde ninguém o podia ver. Da cidade se ouvia ainda
mais for te o tumulto e o demônio disse-lhe: "Agora O conduzem à mor te;
vendeste-O; sabes o que está escrito na lei? "Quem vender uma alma entre
seus ir mãos, os filhos de Israel, mor rerá. Acaba com isto, miserável, acaba
com isto!" Então tomou Judas desesperado o cinto e enforcou-se numa
ár vore que crescia em vários troncos, numa cavidade daquele lugar. Quando
se enforcou, rebentou-se-Ihe o ventre e os intestinos caíram-lhe sobre a
ter ra.
5
Jesus perante Pilatos e Herodes
Eram talvez seis horas da manhã, segundo o nosso modo de contar, quando a
comitiva dos sumos sacerdotes e dos fariseus, com o nosso Salvador,
hor rivelmente maltratado, chegou ao palácio de Pilatos. Entre o mercado e a
entrada do tribunal havia assentos em ambos os lados do caminho, onde se
diver tiam Anás e Caifás, e os conselheiros que os acompanhavam. Jesus foi
conduzido alguns passos adiante, até a escada de Pilatos, pelos soldados,
que o seguravam pelas cordas. Quando láchegaram, estava Pilatos deitado
sobre uma espécie de leito, na sacada do ter raço; tinha ao lado uma mezinha
de três pés, em que se viam algumas insígnias de sua dignidade e outros
objetos, dos quais não me lembro mais. Cercavam-no oficiais e soldados, que
também tinham colocado lá insígnias do poder romano. Os sumos sacerdotes
e judeus ficaram afastados do tribunal, porque, aproximando-se mais, se
teriam contaminado; segundo a lei havia um cer to limite, que não
transgrediam.
Quando Pilatos os viu chegar tão apressados, com tanto tumulto e gritaria,
conduzindo Jesus maltratado, levantou-se e falou em tom tão cheio de
desprezo, como talvez algum orgulhoso marechal francês falaria aos
deputados de uma cidadezinha: "O que vindes fazer tão cedo? Como pusestes
este homem em tão mísero estado? Começais cedo a esfolar e matar." Eles,
porém, gritaram aos soldados: "Adiante! Levai-O ao tribunal." Depois se
dirigiram a Pilatos: "Escutai as nossas acusações contra este criminoso; não
podemos entrar no tribunal, para não nos tor nar mos impuros.
Depois de exclamarem essas palavras, gritou um homem de estatura alta e
for te e figura venerável, no meio do povo apinhado atrás deles no fórum: "É
verdade, não podeis entrar neste tribunal, pois está santificado por sangue
inocente; só Ele pode entrar, só Ele entre os judeus épuro como os
inocentes." Assim dizendo, profundamente comovido, desapareceu na
multidão. Chamava-se Sadoc; era homem abastado, primo de Obed, que era o
marido de Seráfia, também chamada Verônica; dois dos seus filhinhos tinham
sido assassinados, com as crianças inocentes, no pátio do tribunal, por
ordem de Herodes. Desde então se tinha retirado do mundo e vivia como um
Esseno, em continência com a mulher. Tinha visto Jesus uma vez, em casa de
Lázaro e ouvira-O explicar a doutrina; quando viu Jesus tão cruelmente
ar rastado para a escada de Pilatos, reviveu-Ihe no coração a dolorosa
lembrança dos filhinhos assassinados naquele lugar e assim deu em alta voz
o testemunho da inocência do Senhor. Os acusadores de Jesus estavam com
muita pressa e ir ritados demais pelo modo desdenhoso de Pilatos e a posição
humilhante em que se achavam diante dele, para dar atenção à exclamação
de Sadoc.
Os soldados puxaram Jesus pelas cordas, escada acima, até o fundo do
ter raço, de onde Pilatos estava falando aos acusadores. O procurador
romano já ouvira falar muito de Jesus. Quando O viu tão hor rivelmente
maltratado e desfigurado e contudo conser vando uma dignidade inabalável,
sentiu cada vez mais nojo e desprezo dos sacerdotes e conselheiros
judaicos, que lhe tinham já antes prevenido que trariam Jesus de Nazaré, réu
de mor te, perante o tribunal, fazendo-Ihes sentir que não estava disposto a
condená-Lo sem culpa provada. Disse-Ihes, pois, em tom brusco e
desdenhoso: "De que crime acusais este homem?" A que responderam
ir ritados: "Se não O conhecêssemos como malfeitor, não vo-Lo teríamos
entregado." Disse-Ihes Pilatos: "Pois tomai e julgai-O segundo a vossa lei." -
"Sabeis, responderam os judeus, que não nos compete o direito absoluto de
executar uma sentença de mor te.”
Os inimigos de Jesus estavam cheios de escár nio e raiva; fizeram tudo com
precipitação e violência, para acabar com Jesus antes de co meçar o tempo
legal da festa, afim de poderem sacrificar o cordeiro pascal. Mas não sabiam
que Ele era o verdadeiro Cordeiro pascal, que eles mesmos conduziam ao
tribunal do juiz pagão, ser vidor de falsos deuses, em cujo limiar não queriam
contaminar-se, para poder nesse dia comer o cordeiro pascal.
Como o gover nador os intimasse a proferir as acusações, apresentaram três
acusações principais contra Jesus e por cada acusação depuseram 10
testemunhas. For mularam as acusações de modo que apresentavam Jesus
como réu de crime de lesa-majestade e assim Pilatos devia condená-Lo; pois
em causas que diziam respeito às leis da religião e do Templo, poderiam eles
mesmos decidir. Primeiro acusaram Jesus de ser sedutor do povo,
per turbador do sossego público e agitador ; e apresentaram algumas provas,
confir madas por testemunhas. Disseram mais que andava de um lugar para
outro, causando grandes ajuntamentos do povo; que violava o Sábado,
curando nesse dia. Nisso Pilatos inter rompeu-os, num tom sarcástico:
"Naturalmente não estais doentes, senão estas curas não vos causariam
tanta indignação." Eles, porém, continuaram a acusar Jesus, dizendo que
seduzia o povo com hor ríveis doutrinas, pois afir mava que teriam a vida
eter na os que Lhe comessem a car ne e bebessem o sangue. - Pilatos zangou-
se, ao ver a fúria precipitada com que proferiram essa acusação; olhou
sor rindo para os seus oficiais e dirigiu aos judeus palavras sarcásticas,
como, por exemplo: "Parece mesmo que quereis seguir-Lhe a doutrina e
possuir a vida eter na; tenho a impressão de que quereis comer-Lhe a car ne e
beber-Lhe o sangue.”
A segunda acusação era que Jesus instigava o povo a não pagar imposto ao
imperador. Pilatos inter rompeu-os indignado, como homem cujo cargo era
velar por essas coisas e disse, em tom convicto de suas próprias
infor mações: "Isto é mentira grossa; devo sabê-Io melhor do que vós." - Os
judeus, porém, gritaram, apresentando a terceira acusação: Que era mesmo
verdade, esse homem, de nascimento baixo, duvidoso e suspeito, tinha
for mado um par tido for te e proferido ameaças contra Jerusalém. Também
propagava entre o povo parábolas equivocas, sobre um rei que prepara as
núpcias do filho. Cer ta vez já uma grande multidão de povo, reunido em uma
montanha, tinha tentado proclamá-Lo rei, mas Ele, achando que era ainda
cedo, tinha-se escondido. Nos últimos dias tinha ousado mais: preparou uma
entrada tumultuosa em Jer usalém e fez o povo gritar : "Hosana ao filho de
Davi! Bendito seja o reino que vemos chegar, do nosso pai Davi. Também se
fazia prestar honras régias, pois que ensinava que era Cristo, o Unigênito do
Senhor, o Messias, o rei prometido dos judeus e assim se fazia chamar."
Também essa acusação foi confir mada pelos depoimentos de dez
testemunhas.
Quando Pilatos ouviu que Jesus se fazia chamar o Cristo, rei dos judeus,
tor nou-se pensativo. Saindo da sacada, entrou na sala contígua ao tribunal,
lançando, ao passar um olhar atento a Jesus e deu ordem à guarda de trazê-
Lo à sala do tribunal.
Pilatos era pagão supersticioso de espírito confuso e inconstante. Conhecia
as lendas obscuras de filhos dos deuses, que teriam vivido na ter ra; também
não ignorava que os profetas dos judeus, desde muito tempo, haviam predito
a vinda de um ungido de Deus, de um Redentor e um liber tador e que muitos
judeus o estavam esperando. Também sabia que uns reis do Oriente tinham
vindo ao velho Herodes, para pedir infor mações sobre um rei recém-nascido
dos judeus, a quem queriam prestar homenagens e que depois disso, muitas
crianças foram degoladas, por ordem de Herodes. Já ouvira falar da
promissão da vinda de um Messias, rei dos judeus, mas como pagão que era,
não o acreditava, nem podia compreender que espécie de rei seria; quando
muito, podia pensar, como os judeus instruídos e os herodianos daquele
tempo, num rei poderoso e conquistador. Tanto mais ridícula lhe parecia por
isso a acusação de que esse Jesus que estava diante dele, tão humilhado e
desfigurado, pudesse declarar ser aquele Messias, aquele rei. Como, porém,
os inimigos de Jesus apresentassem isso como crime contra os direitos do
imperador, mandou conduzir o Salvador à sua presença, para inter rogá-Lo.
Pilatos olhou para Jesus com assombro e disse-Lhe: "És então o rei dos
judeus?" - Jesus respondeu: "Dizes isto de ti mesmo ou foram outros que t'o
disseram de mim?" Pilatos, indignado de ver Jesus julgá-Io tão tolo, que
fosse espontaneamente perguntar a um homem tão pobre e miserável se era
rei, disse em tom desdenhoso: "Por acaso sou judeu, para me interessar por
tais misérias? Teu povo e seus sacerdotes entregaram-Te a mim, para
condenar-Te como réu de crime capital; dize-me, pois, o que fizeste?"
Respondeu-lhe Jesus, em tom solene: "O meu reino não é deste mundo; se o
meu reino fosse deste mundo, eu teria ser vidores, que combateriam por mim,
para não me deixar cair nas mãos dos judeus; mas o meu reino não é deste
mundo." Pilatos estremeceu, ao ouvir essa graves palavras de Jesus e disse
pensativo. "Então és mesmo rei?" - Jesus respondeu. "É como dizes, sou rei.
Nasci e vim a este mundo para dar testemunho da verdade e todo que é da
verdade, atende à minha voz." - Então Pilatos fitou-O e levantando-se, disse:
"Verdade? O que é a verdade?" - Falaram-se ainda outras palavras, das quais
não me lembro bem.
Pilatos saiu outra vez para o ter raço; não podia compreender Jesus; mas
sabia que não era um rei que quisesse prejudicar ao imperador, nem era
pretendente a um reino deste mundo; o imperador, porém, não se impor tava
com um reino do outro mundo. Pilatos gritou, pois, da sacada aos sumos
sacerdotes: "Não acho nenhum crime neste homem." - os inimigos de Jesus
ir ritaram-se de novo e proferiram uma tor rente de acusações contra Ele. O
Senhor, porém, per manecia calado e rezava por esses pobres homens e
quando Pilatos se Lhe dirigiu, perguntandoLhe: "Não tens nada a responder a
todas essas acusações?" Jesus não, proferiu uma só palavra, de modo que
Pilatos, sur preso, Lhe disse: "Vejo bem que empregam mentiras contra ti" -
(em vez de mentiras usou outra expressão, que, porém, esqueci). Os
acusadores continuavam, cheios de raiva, a acusá-Lo, dizendo: "O que? Não
achais crime n’Ele? Não é então crime sublevar todo o povo, espalhar sua
doutrina em todo o país, da Galiléia até aqui?”
Quando Pilatos ouviu a palavra Galiléia, refletiu um momento e perguntou:
"Esse homem é da Galiléia, súdito de Herodes?" Os acusadores responderam:
"Sim, seus pais moravam em Nazaré e Ele tem domicílio atual em
Cafar naum." Então disse Pilatos: "Pois que é galileu e súdito de Herodes,
conduzi-O a este; ele está aqui na festa e pode julgá-Lo." Mandou conduzir
Jesus outra vez do tribunal para as mãos dos implacáveis inimigos, enviando
também com eles um dos oficiais, para entregar ao tribunal de Herodes o
súdito galileu Jesus de Nazaré. Ficou assim satisfeito'de poder livrar-se
desse modo da obrigação de julgar Jesus pois essa causa lhe era
desagradável. Ao mesmo tempo tinha nisso um fim político, queria dar uma
prova de atenção a Herodes, que sempre desejara muito ver Jesus; pois
estavam em desavença.
Os inimigos de Jesus, furiosos por lhes haver Pilatos negado a demanda e
terem de ir ao tribunal de Herodes, fizeram recair toda a raiva sobre Jesus.
Cercaram-na de novo de soldados e, ir ritadíssimos, amar raram-Lhe as mãos e
com empur rões e pancadas, conduziram-na a toda pressa, através da
multidão que se apinhava no fórum e depois por uma r ua, até o palácio de
Herodes, que não ficava muito longe. Acompanharam-nos soldados romanos.
Cláudia Prócula, esposa de Pilatos, mandara-lhe dizer por um criado, durante
as ultimas discussões, que desejava falar-lhe urgentemente. Quando Jesus
foi conduzido a Herodes, estava escondida numa galeria alta, olhando com
grande angústia e tristeza para o cor tejo que passava pelo fór um.
5. Pilatos e a Esposa
6
Jesus é açoitado, coroado de espinhos e condenado à mor te
Jesus, cober to com a veste der risória, foi conduzido através da multidão,
entre os escár nios do populacho; pois a escória e os mais per versos de entre
o povo foram colocados na frente pelos fariseus, que Ihes davam o exemplo,
ultrajando Jesus. Um palaciano de Herodes já tinha chegado antes, com a
mensagem para Pilatos, de que Herodes lhe ficava muito grato pela atenção,
que, porém, no afamado sábio galileu encontrara apenas um bobo mudo; que
O tinha tratado como tal e mandara reconduzí-Lo novamente a Pilatos. Este
ficou satisfeito de saber que Herodes estava de acordo e não condenara
Jesus; mandou levar-lhe de novo cumprimentos e assim se tor naram amigos,
de inimigos que eram, desde o desabamento do aqueduto. (Vide: Apêndice
no. 3).
Jesus foi novamente conduzido pela rua ao palácio de Pilatos; empur raram-
nO, para subir a escada que conduzia ao ter raço; mas pelos brutais ar rancos
dos soldados, pisou na longa veste e caiu com tal violência sobre os degraus
de már more, que os salpicou de sangue sagrado. Os inimigos do Mestre, que
tinham de novo ocupado os assentos, ao lado do fór um e o populacho
romperam na gargalhada por essa queda de Jesus e os soldados empur raram-
nO a pontapés pelos últimos degraus.
Pilatos estava recostado no seu assento, que se parecia com um pequeno
leito .de repouso; a pequena mesa estava ao lado; como dantes, estavam
também agora com ele alguns oficiais e outros homens, com rolos de
pergaminho. Ele se dirigiu ao ter raço, do qual falava ao povo e disse aos
acusadores de Jesus: "Vós me entregastes este homem cOmo agitador do
povo à revolta; inter roguei-O diante de vós e não O achei réu do crime de que
O acusais. Também Herodes não lhe achou crime algum; pois vos mandei a
Herodes e vejo que não foi condenado à mor te. Por tanto mandá-Lo-ei açoitar
e depois soltar." Levantou-se, porém, entre os fariseus violenta mur muração
e clamor e a agitação e distribuição de dinheiro entre o povo tomou mais
intensidade. Pilatos tratou-os com muito desprezo e expressões satíricas;
entre outras, disse essa: "Não vereis por acaso cor rer bastante sangue
inocente ainda hoje, na hora dos sacrifícios?”
Ora, era nesse tempo que o povo vinha, antes da festa da Páscoa, pedir,
segundo um antigo costume, a liber,dade de um preso. Os fariseus tinham
enviado, justamente por isso, alguns agentes ao bair ro de Acra, a oeste do
Templo, para dar dinheiro ao povo, instigando-o a que não pedisse a
liber tação, mas a crucificação de Jesus. Pilatos, porém, esperava que o povo
pedisse a liberdade de Jesus e resolveu dar-Ihes a escolher entre Jesus e um
ter rível facínora, que já fora condenado à mor te, para que quase não
tivessem que escolher. Esse celerado chamava-se Bar rabás e era
amaldiçoado por todo o povo; tinha cometido assassinatos durante uma
agitação; vi que também tinha feito muitos outros crimes.
Houve um movimento entre o povo no fór um; um grupo avançou, com os
oradores à frente; esses levantaram a voz e bradaram a Pilatos, que estava
no ter raço: "Pilatos, fazei-nos o que sempre fizestes, por ocasião da festa!
"Pilatos, que só estava esperando por isso, respondeu-lhes: "Tendes o
costume de receber de festas a liberdade de um preso. A quem quereis que
solte, Bar rabás ou Jesus, o rei dos judeus, que dizem ser o Ungido do
Senhor?”
Pilatos, todo indeciso, chamava-O "rei dos judeus", já como romano
orgulhoso, que os desprezava, por terem um rei tão miserável, que tivessem
de escolher entre Ele e um assassino; já com uma cer ta convicção de que
Jesus pudesse ser de fato esse rei maravilhoso dos judeus, o Messias
prometido; mas também esse pressentimento da verdade era em par te
fingimento e mencionou esse título do Senhor porque bem sentia que a inveja
era o motivo principal do ódio dos príncipes dos sacerdotes contra Jesus, a
quem considerava inocente.
Após a pergunta de Pilatos, houve uma cur ta hesitação e deliberação entre o
povo e só poucas vozes gritaram precipitadamente: "Bar rabás!" Pilatos,
porém, foi chamado por um criado da mulher ; retirou-se um instante do
ter raço e o criado mostrou-lhe o penhor que ele dera de manhã à esposa e
disse-lhe: "Cláudia Prócula manda lembrarvos vossa promessa." Os fariseus,
no entanto, e os príncipes dos sacerdotes estavam em grande agitação;
aproximaram-se do povo, ameaçando e instigando-o; mas não precisavam de
tanto esforço.
Maria, Madalena, João e as outras piedosas mulheres estavam no canto de
uma arcada, tremendo e chorando. Embora a Virgem Santíssima soubesse
que não havia salvação para os homens senão pela mor te de Jesus,
entretanto, como Mãe, estava cheia de angústia e desejo de salvar a vida do
Filho santíssimo; e assim como Jesus, embora escolhesse de livre vontade
tor nar-se homem e mor rer na cruz, todavia sofria, como qualquer homem,
todas as dores e os mar tírios de um inocente hor rivelmente maltratado e
conduzido à mor te, assim também Maria padecia todos os tor mentos e
angústias de uma mãe vendo o filho maltratado por um povo ingrato. Ela e as
companheiras tremiam, entregues, ora à angústia, ora à esperança. João
afastava-se de vez em quando, a pouca distância, para ver se podia colher
uma boa notícia. Maria implorava a Deus para que não se cometesse esse
imenso crime; rezava como Jesus no monte das Oliveiras: "Se é possível,
afaste este cálice." Assim esperava ainda a mãe no seu amor ; pois enquanto
as instigações e ameaças dos fariseus ao povo passavam de boca em boca,
chegara também a ela o boato de que Pilatos queria soltar Jesus. Viam-se,
não longe, grupos de gente de Cafar naum, entre os quais muitos que Jesus
curara e ensinara; fizeram como se não O conhecessem e olhavam
fur tivamente para João e as infelizes mulheres, envoltas nos véus; mas Maria
pensava, como todos, que esses, pelo menos, rejeitariam Bar rabás, para
salvar o Benfeitor e Salvador. Mas tal não se deu.
Pilatos, lembrando-se, à vista do penhor, da súplica da esposa, devolveu-lho,
como sinal de que cumpria a promessa. Voltou ao ter raço e sentou-se ao lado
da mezinha; os sumos sacerdotes também tor naram a ocupar os respectivos
assentos e Pilatos exclamou de novo: "Qual dos dois quereis que eu solte?" -
Então se levantou um grito geral por todo o fórum e de todos os lados: "Não
queremos Este; entregai-nos Bar rabás!" Pilatos gritou mais uma vez: "Que
farei então de Jesus, que é chamado o Cristo, o rei dos judeus?" - "Crucificai-
O, Crucificai-O!" Pilatos perguntou então pela terceira vez: "Mas que mal tem
feito? Eu pelo menos não Lhe acho crime de mor te. Mas vou mandá-Lo
açoitar e depois soltar." Mas o grito "Crucificai-O! Crucificai-O!" rugia pelo
fórum, como uma tempestade infer nal e os sumos sacerdotes e fariseus
agitavam-see gritavam como loucos de raiva. Então Pilatos lhes entregou
Bar rabás, o malfeitor e condenou Jesus à flagelação.
3. A flagelação de Jesus
Pilatos, juiz covarde e indeciso, pronunciara várias vezes a palavra: "Não lhe
acho crime algum; por isso vou mandá-Lo açoitar e depois soltar." A gritaria
dos judeus, porém, continuava; "Crucificai-O! Crucificai-O!" Contudo queria
Pilatos tentar ainda fazer sua vontade e deu ordem de açoitar Jesus à
maneira dos romanos. Então entraram os soldados e, batendo e empur rando
a Jesus brutalmente, com os cur tos bastões, conduziram nosso pobre
Salvador, já tão maltratado e ultrajado, através da multidão tumultuosa e
furiosa, para o fór um, até a coluna de flagelação, que ficava em frente de
uma das arcadas do mercado, ao nor te do palácio de Pilatos e não longe do
posto da guarda.
Os car rascos, jogando os açoites, varas e cordas no chão, ao pé da coluna,
vieram ao encontro de Jesus. Eram seis homens de cor parda, mais baixos do
que Jesus, de cabelo crespo e eriçado, barba muito rala e cur ta; vestiam
apenas um pano ao redor da cintura, sandálias rotas e uma peça de couro ou
outra fazenda ordinária, que lhes cobria peito e costas como um escapulário,
aber to dos lados; tinham os braços nus. Eram criminosos comuns, das
regiões do Egito, que trabalhavam como escravos ou degredados na
constr ução de canais e edifícios públicos; escolhiam-se os mais ignóbeis e
per versos, para tais ser viços de car rascos no pretório.
Amar rados à mesma coluna, alguns pobres condenados tinham sido
açoitados até à mor te, por esses homens hor ríveis, cujo aspecto tinha algo
de br uto e diabólico e pareciam meio embriagados. Bateram em Nosso
Senhor com os punhos e com cordas, apesar de não lhes opor resistência
alguma, ar rastaram-nO com brutalidade furiosa, até à coluna da flagelação. É
uma coluna isolada, que não ser ve para sustentar o edifício. É de tamanho
tal, que um homem alto, com o braço estendido, lhe pode tocar a
extremidade superior, ar redondada e munida de uma argola de fer ro; na par te
de traz, no meio da altura, há também argolas ou ganchos. É impossível
descrever a brutalidade bárbara com que esses cães danados maltrataram a
Jesus, nesse cur to caminho; tiraram-Lhe o manto der risório de Herodes e
quase jogaram nosso Salvador por ter ra.
Jesus trepidava e tremia diante da coluna. Ele mesmo se apressou a despir a
roupa, com as mãos inchadas e ensangüentadas pelas cordas, enquanto os
car rascos O empur ravam e puxavam. Orava de um modo comovente e volveu
a cabeça por um momento para a Mãe SS. que, dilacerada de dor, estava com
as mulheres piedosas num canto das arcadas do mercado, não longe do lugar
de flagelação e disse, voltandose para a coluna, porque O obrigaram a
despir-se também do pano que lhe cingia os rins: "Desvia os teus olhos de
mim." Não sei se pronunciou essas palavras ou as disse só interior mente,
mas percebi que Maria as entendeu; pois a vi nesse momento desviar o rosto
e cair sem sentidos nos braços das santas mulheres veladas, que a
rodeavam.
Então abraçou Jesus a coluna e os algozes ataram-Lhe as mãos levantadas à
argola de cima, dando-Lhe ar rancos brutais e praguejando hor rivelmente
todo o tempo; puxaram-Lhe assim todo o cor po para cima, de modo que os
pés, amar rados em baixo à coluna, quase não tocavam no chão. O Santo dos
Santos estava cruelmente estendido sobre a coluna dos malfeitores, em
ignominiosa nudez e indizível angústia e dois dos homens furiosos
começaram, com crueldade sanguinária, a flagelar-Lhe todo o santo cor po,
da cabeça aos pés. Os primeiros açoites ou varas que usaram, pareciam ser
de madeira branca e dura; talvez fossem também feixes de tendões secos de
boi ou tiras duras de couro branco.
Nosso Senhor e Salvador, o Filho de Deus, verdadeiro Deus e verdadeiro
homem, contraia-se e torcia-se, como um ver me, sob os açoites dos
criminosos; ouviam-se-Lhe os gemidos e lamentos, doces e claros, como uma
prece afetuosa no meio de dores dilacerantes, entre o sibilar e estalar dos
açoites dos car rascos. De vez em quando ressoava a gritaria do povo e dos
fariseus, como uma nuvem escura de tempestade, abafando essas queixas
dolorosas e santas, cheias de bênçãos. As turbas gritavam: "Deve mor rer!
Crucificai-O!", pois Pilatos estava ainda a discutir com o povo. Quando queria
fazer-se ouvir, no meio do tumulto da multidão, fazia soar primeiro um toque
de trombeta, para impor silêncio. Nesses momentos se ouviam novamente os
açoites, os gemidos de Jesus, o praguejar dos car rascos e os balidos dos
cordeiros pascais, que eram lavados na piscina das Ovelhas, ao lado da
por ta das Ovelhas, a leste do fórum. Depois de lavados, eram levados, com a
boca amar rada, até o caminho do Templo, para não se sujarem mais, depois
eram conduzidos para o lado de fora, a oeste, onde ainda eram submetidos a
uma ablução cerimonial. Esses balidos desamparados dos cordeiros tinham
algo de indescritivelmente comovente; eram as únicas vozes que se uniam
aos gemidos do Salvador.
A multidão dos judeus mantinha-se afastada do lugar da flagelação, numa
distância, talvez, da largura de uma r ua. Soldados romanos estavam pdstos
em diferentes lugares, especialmente pelo lado do posto de guarda; per to da
coluna de flagelação havia grupos de populacho, que iam e vinham
silenciosos ou zombando; vi alguns que se sentiram comovidos; era como se
os tocasse um raio de luz saindo de Jesus.
Vi também meninos indignos que, ao lado do pretório, preparavam novas
varas e outros que iam buscar ramos de espinheiro. Alguns soldados dos
Príncipes dos sacerdotes tinham travado relações com os car rascos e
deram-lhes dinheiro; trouxeram-Ihes também um grande cântaro, cheio de
uma bebida ver melha, grossa, da qual beberam até ficar embriagados e
enraivecidos. Ao cabo de um quar to de hora deixaram os dois car rascos de
açoitar Jesus; foram juntar-se a dois outros e beberam com eles. O cor po de
Jesus estava todo cober to de contusões ver melhas, pardas e roxas e o
sangue sagrado cor ria-Lhe por ter ra; agitava-se em movimentos convulsivos.
De todos os lados se ouviam insultos e motejos.
Durante a noite tinha feito muito frio. Desde a madrugada até essa hora, não
clareara o céu e, com grande espanto do povo, caíram algumas cur tas
chuvas de pedra. Pelo meio dia clareou e apareceu o sol.
O segundo par de car rascos caiu então com novo furor sobre Jesus; tinham
outra espécie de açoites; eram como varas de espinheiro, com nós e
esporões. Os violentos golpes rasgaram todas as pisaduras do santo cor po
de Jesus; o sangue regou o chão, em redor da coluna e salpicou os braços
dos car rascos. Jesus gemia, rezava, torcia-se de dor.
Passaram então pelo fórum muitos estrangeiros, montados em camelos;
olharam assustados e entristecidos, quando o povo lhes disse o que se
estava passando. Eram viajantes, dos quais uns tinham recebido o batismo e
outros ouviram o ser mão da montanha. O tumulto e os gritos continuavam no
entanto, diante da casa de Pilatos.
Os dois seguintes car rascos bateram em Jesus com flagelos: eram cur tas
cor rentes ou cor reias, fixas num cabo, cujas extremidades estavam munidas
de ganchos de fer ro, que ar rancavam, a cada golpe, pedaços de pele e car ne
das costas. Oh! Quem pode descrever o aspecto hor rível e doloroso deste
suplício?
Mas a crueldade dos car rascos ainda não estava satisfeita; desligaram Jesus
e amar raram-nO de novo, mas com as costas viradas para a coluna. Como,
porém, estivesse tão enfraquecido, que não podia manter-se em pé,
passaram-Lhe cordas finas sobre o peito e sob os braços e debaixo dos
joelhos, amar rando-O assim todo à coluna; também Lhe ataram as mãos atrás
da coluna, a meia altura. Todo o cor po sagrado contraia-se-Lhe
dolorosamente, as chagas e o sangue cobriam-Lhe a nudez. Como cães
raivosos, caíram-Lhe os car rascos em cima, com os açoites; um tinha uma
vara mais delgada na mão esquerda, com que Lhe batia no rosto. O cor po de
Nosso Senhor for mava uma só chaga, não havia mais lugar são. Ele olhava
para os car rascos, com os olhos cheios de sangue, que suplicavam
misericórdia, mas redobravam os golpes furiosos e Jesus gemia, cada vez
mais fracamente: "Ai!”
A hor rível flagelação durara cerca de três quar tos de hora, quando um
estrangeiro, homem do povo, parente do cego Ctesifon, curado por Jesus, se
aproximou precipitadamente da coluna, pelo lado de traz e, com uma faca em
for ma de foice na mão, gritou indignado: "Parai! Não flageleis este homem
inocente até mor rer!" Os car rascos, meio embria gados, pararam espantados
e o homem cor tou rapidamente, como de um único golpe, as cordas de Jesus,
que todas estavam seguras num prego de fer ro, atrás da coluna; depois o
estrangeiro fugiu e perdeu-se na multidão. Jesus, porém, caiu desfalecido, ao
pé da coluna, sobre a ter ra empapada de sangue. Os car rascos deixaram-nO
lá e foram beber, depois de chamar os auxiliares do car rasco, que estavam
no posto de guarda, ocupados em trançar a coroa de espinhos.
Jesus torcia-se ainda de dor, ao pé da coluna, as chagas a sangrar ; nesse
momento vi passar per to algumas raparigas liber tinas, com as vestes
impr udentemente ar regaçadas; estavam de mãos dadas e pararam diante de
Jesus, olhando-O com repugnância melindrosa; com isso sentiu Jesus ainda
mais as feridas e levantou para elas o rosto ensangüentado, com um olhar
suplicante; então se afastaram, continuando o caminho e os car rascos e
soldados dirigiram-Ihes, entre gargalhadas, palavras indecentes.
Vi várias vezes, durante a fIagelação, aparecerem Anjos tristes em redor de
Jesus; ouvi a oração que o Senhor dirigia ao Pai eter no, no meio dos
tor mentos e insultos, oferecendo-se para expiação dos pecados dos homens.
Mas nesse momento, quando jazia, banhado em sangue, ao pé da coluna, vi
um anjo, que lhe restituía as forças; parecia dar-Lhe um alimento luminoso.
Então se aproximaram novamente os car rascos e dando-Lhe pontapés,
mandaram-nO levantar-se, dizendo que ainda não tinham acabado com o rei;
querendo ainda bater-Lhe, ar rastou-se Jesus pelo chão, para alcançar a faixa
de pano e cobrir a nudez; mas os per versos celerados empur ravam-na com os
pés para lá e para cá, rindo-se de ver Jesus em sangrenta nudez ar rastar-se
penosamente, como um ver me esmagado, para alcançar o pano e cobrir o
cor po dilacerado. Depois O impeliram, a pontapés e pauladas, a levantar-se
sobre as per nas vacilantes; não Lhe deram tempo de vestir a túnica, mas
lançaram-lha sobre os ombros e Jesus enxugou nela o sangue do rosto,
enquanto O conduziram apressadamente ao cor po da guarda, dando uma
volta. Podiam tê-Lo levado por um caminho mais cur to, porque as arcadas e
edifícios em redor do fórum eram aber tos, de modo que se podia enxergar o
cor redor sob o qual jaziam presos os dois ladrões e Bar rabás; mas passaram
com Jesus diante dos sumos sacerdotes, que gritaram: "Levai-O à mor te!
Levai-O à mor te!" e viraram a cabeça com nojo. Conduziram-nO para o pátio
interior do cor po da guarda. Quando Jesus entrou, não havia lá soldados,
mas escravos, soldados e marotos, a escória do povo.
Vendo que o povo estava tão agitado, Pilatos mandara vir reforço da cidadela
Antônia. Essas forças cercavam em boa ordem o cor po da guarda; podiam
falar, rir e insultar a Jesus, mas não sair das fileiras. Pilatos queria com eles
manter o povo em respeito. Podia bem haver lá mil homens.
Durante a flagelação falou Pilatos ainda várias vezes ao povo, que uma vez
até gritou: "Ele deve mor rer, ainda que todos nós também pereçamos."
Quando Jesus foi conduzido ao cor po da guarda, para ser coroado de
espinhos, ainda gritaram: "Mor ra! Mor ra!" pois chegavam cada vez novas
turbas de judeus, que pelos emissários dos sumos sacerdotes eram incitados
a gritar assim.
Houve depois uma cur ta pausa. Pilatos deu ordens aos soldados. Os sumos
sacerdotes e os conselheiros, que estavam sentados em bancos, de ambos
os lados da rua, à sombra das ár vores ou sob lonas estendidas, diante do
ter raço de Pilatos, mandarem os criados trazer alimentos e bebida. Vi
também Pilatos de novo per turbado pela superstição; retirou-se sozinho, para
oferecer incenso aos deuses e por cer tos sinais descobrir-Ihes a vontade.
Vi que depois da fIagelação a SS. Virgem e as amigas, tendo enxugado o
sangue de Jesus, se afastaram do fórum. Vi-as com os panos
ensangüentados, numa pequena casa encostada a um muro; não era longe do
fórum; não me lembro mais de quem era. Não me recordo de ter visto João
durante a flagelação.
Jesus foi coroado de espinhos e escar necido no pátio interior do cor po da
guarda, construído sobre os cárceres, ao lado do fórum. Esse pátio era
cercado de colunas e todas as entradas tinham sido aber tas. Havia ali cerca
de cinqüenta miseráveis patifes, sequazes dos soldados, ser vos dos
carcereiros, soldados e auxiliares dos carrascos, escravos e os criminosos
que flagelaram Nosso Senhor ; esses todos tomaram par te ativa nas
crueldades praticadas em Jesus. No começo o povo tentou entrar, mas pouco
depois cercaram mil soldados romanos o edifício. Per maneciam nas fileiras,
mas com as zombarias e risos provocavam ainda o cruel exibicionismo dos
car rascos para redobrarem as tor turas de Jesus, animando-os com as
risadas, como o aplauso anima os atores no palco.
Rolaram para o meio do pátio o pedestal de uma velha coluna, no qual havia
um buraco, que talvez tivesse ser vido para nele ajustar a coluna. Nesse
pedestal colocaram um escabelo redondo e baixo, que por detrás tinha uma
espécie de cabo, para o manejar ; por maldade cobriram o escabelo de
pedregulho agudo e cacos de louça.
Ar rancaram de novo toda a roupa do cor po ferido de Jesus e impuseram-Lhe
um manto de soldado, cur to, ver melho, velho e já roto, que nem lhe chegava
até os joelhos. Pendiam dele ainda alguns restos de bor las amarelas; jazia
num canto do quar to dos verdugos, que costumavam impô-lo aos que tinham
açoitado, seja para enxugar-lhes o sangue, seja para escar necê-los.
Ar rastaram a Jesus para a coluna e empur raram-na br utalmente, com o cor po
despido e ferido, sobre o escabelo cober to de pedras e cacos. Depois Lhe
puseram a coroa de espinhos na cabeça. Essa tinha dois palmos de altura,
era muito espessa e trançada com ar te; em cima tinha uma borda um pouco
saliente. Puseram-Lha em redor da fronte, como uma ligadura e ataram-na
atrás com muita força, de modo que for mavam uma coroa ou um chapéu. Era
ar tisticamente trançada de três varas de espinheiro, da grossura de um
dedo, que tinham crescido alto, através dos espessos arbustos. Os espinhos,
pela maior par te, foram propositalmente virados para dentro. Per tenciam a
três diferentes espécies de espinheiros, que tinham alguma semelhança com
a nossa cambroeira, o abrunheiro e espinheiro branco. Em cima tinham
acrescentado uma borda, trançada de um espinheiro semelhante à nossa
sarça silvestre e pela qual pegavam e puxavam brutalmente a coroa. Vi o
lugar onde os meninos foram buscar esses espinhos.
Puseram-Lhe também na mão um grosso caniço, com um tufo na ponta.
Fizeram tudo isso com solenidade der risória, como se O coroassem de fato
rei. Tiravam-Lhe o caniço da mão e batiam com tanta força a coroa, que os
olhos de Nosso Senhor se enchiam de sangue. Cur vavam os joelhos diante
dEle, mostravam-Lhe a língua, batiam e cuspiam-Lhe no rosto, gritando:
"Salve, rei dos judeus!" Depois, entre gargalhadas, fizeram-na cair no chão,
junto com o escabelo e tor naram a colocá-Lo sobre ele aos empur rões.
Não posso relatar todas as tor turas e ultrajes que os car rascos inventaram,
para escar necer o pobre Salvador. Ai! Jesus sofreu hor rível sede; pois em
conseqüência das feridas, causadas pela desumana flagelação, estava com
febre e tremia; a pele e os músculos dos lados estavam dilacerados o
deixavam entrever as costelas em vários lugares; a língua contraíra-se-Lhe
espasmodicamente; somente o sangue sagrado que lhe cor ria da fronte,
compadecia-se da boca ardente, que se abria ansiosa. Mas aqueles homens
hor ríveis tomaram-Lhe a boca divina por alvo de nojentos escar ros. Jesus foi
assim maltratado por cerca de meia hora e a tropa, cujas fileiras cercavam o
pretório, aplaudia com gritos e gargalhadas.
6. Ecce Homo
Pilatos, que não procurava a verdade, mas apenas uma saída para a
dificuldade, estava mais indeciso que nunca. A consciência dizia-lhe: "Jesus
é inocente." A esposa mandara dizer-lhe: "Jesus é santo." A superstição
dizia-lhe: "É um inimigo de teus deuses." A covardia dizialhe: "É um deus e
vingar-se-á." Inter roga mais uma vez a Jesus, em tom inquieto e solene e
Jesus lhe fala dos seus mais ocultos crimes, prediz . lhe um futuro e uma
mor te miseráveis e que um dia virá, sentado sobre as nuvens do céu,
pronunciar sobre ele um juízo justo, o que deita na falsa balança da justiça
de Pilatos um novo peso contra a intenção de soltar Jesus. Ficou furioso por
se ver em toda a nudez de sua ignomínia interior diante de Jesus, a quem não
podia compreender ; sentiu-se indignado daquele que mandara açoitar e que
podia mandar crucificar, lhe predizer um fim miserável; dessa boca, que
nunca fora acusada de mentira, que não proferira uma só palavra em sua
própria defesa, ousar, em ocasião extremamente ar riscada, citá-Io perante
seu justo tribunal, naquele dia futuro. Tudo isso lhe ofendeu profundamente o
orgulho; mas como não havia sentimento dominante nesse homem miserável
e indeciso, ficou cheio de medo diante da ameaça do Senhor e fez a última
tentativa de liber tar Jesus. Ouvindo, porém, a ameaça dos judeus de acusá-
Io perante o imperador, se soltasse Jesus, foi dominado por outro pavor
covarde: o medo do imperador ter restre venceu o receio do rei cujo reino não
era deste inundo. O celerado covarde e ir resoluto pensava consigo: "Se Ele
mor rer, mor rerá também com Ele o que sabe de mim e o que me predisse." À
ameaça dos judeus de acusá-Io perante o imperador, decidiu-se Pilatos a
fazer-Ihes a vontade, contrariamente à promessa que fizera à esposa,
contrariamente à justiça e à própria convicção. Por medo do imperador,
entregou aos judeus o sangue de Jesus, mas para a própria consciência não
tinha senão água, que fez der ramar sobre as mãos, exclamando: "Sou
inocente do sangue deste Justo, respondereis por Ele." - Não, Pilatos, tu és
responsável, pois que O dizes Justo e Lhe der ramas o sangue; és o juiz
injusto, sem consciência. O mesmo sangue de que queria lavar as mãos e de
que não podia lavar a alma, os sanguinários judeus chamaram-na sobre si e
seus filhos, amaldiçoando-se a si mesmos. O sangue de Jesus, que atrai a
misericórdia de Deus sobre nós, fizeram-na chamar a vingança sobre eles,
gritando: "Que o seu sangue caia sobre nós e nossos filhos.”
Ouvindo esses gritos sanguinários, Pilatos mandou preparar tudo para
pronunciar a sentença. Deu ordem para trazer outras vestes solenes e vestiu-
as; puseram-lhe na cabeça uma espécie de coroa ou diadema, no qual havia
uma pedra preciosa ou outra coisa brilhante; vestiram-no também de outro
manto e diante dele levavam um bastão. Foi acompanhado de muitos
soldados; oficiais do tribunal iam na frente, transportando uma coisa e
seguiam-se escreventes, com rolos de papel e tabuinhas, precedidos por um
homem que tocava trombeta. Assim saiu do palácio para o fórum, onde, em
frente ao lugar da flagelação, havia um belo assento elevado, construído de
pedras, para pronunciar as sentenças; só depois de pronunciadas desse lugar
tinham as sentenças vigor legal. Esse tribunal era chamado Gabata e era um
estrado circular, para o qual subiam escadas de vários lados; em cima havia
um assento para Pilatos e atrás dele um banco, para outros membros do
tribunal. Muitos soldados cercavam esse tribunal e em par te ficavam nos de-
graus das escadas. Muitos dos fariseus já tinham ido do palácio de Pilatos ao
Templo. Somente Anás e Caifás, com cerca de vinte e oito outros, se
dirigiram ao tribunal no fór um, logo que Pilatos começou a vestir as
vestimentas oficiais. Os dois ladrões já haviam sido conduzidos ao tribunal,
quando Pilatos apresentou Jesus ao povo, dizendo: Ecce homo! O assento de
Pilatos estava cober to de uma manta ver melha e sobre essa havia uma
almofada azul, com galões amarelos.
Jesus, ainda vestido do rubro manto der risório, com a coroa de espinhos na
cabeça, as mãos atadas, foi então conduzido pelos esbir ros e soldados que O
cercavam, entre as vaias do povo, para o tribunal, onde O colocaram entre os
dois ladrões. Pilatos, sentado no tribunal, disse mais uma vez, em voz alta,
aos inimigos de Jesus: "Eis aí o vosso rei!" Eles, porém, gritaram: "Fora!
Mor ra! Crucifica-O!" - Pilatos disse: "Devo então crucificar vosso rei?" -Mas
os príncipes dos sacerdotes gritaram: " Não temos outro rei senão o César."
Então Pilatos não disse mais palavra em favor de Jesus, nem mais Lhe falou,
mas começou a pronunciar a sentença. Os dois ladrões tinham sido
condenados, já havia mais tempo, à mor te na cruz, mas a execução fora
adiada para esse dia, a pedido dos Sumos Sacerdotes, porque queriam
ultrajar Jesus, crucificando-O entre assassinos ordinários. As cruzes dos
ladrões já estavam ao lado deles, no chão, trazidas pelos ajudantes dos
car rascos. A Cruz de Nosso Senhor ainda não estava lá, provavelmente
porque a sentença ainda não fora pronunciada.
A Santíssima Virgem, que se tinha afastado depois da apresentação de Jesus
por Pilatos e da gritaria sanguinária dos judeus, abriu caminho, em
companhia de algumas mulheres, por entre a multidão e aproximouse do
tribunal, para ouvir a sentença de mor te, proferida contra seu Filho e Deus;
Jesus estava nos degraus da escada, diante de Pilatos, rodeado de soldados
e os inimigos lançavam-Lhe olhares cheios de ódio e escár nio. Um toque de
trombeta ordenou silêncio e Pilatos pronunciou, com a raiva de um covarde,
a sentença de mor te contra o Salvador.
Senti-me sufocada de indignação, diante de tanta baixeza e duplicidade; o
aspecto desse celerado ar rogante, do triunfo e ódio sanguinário dos
príncipes dos sacerdotes, satisfeitos após tantos esforços fatigantes, o
estado lastimoso e os sofrimentos do pacientíssimo Salvador, a indizível
angústia e os tor mentos da Mãe Santíssima e das santas mulheres, a furiosa
ansiedade com que os judeus esperavam a mor te da presa, o frio orgulho dos
soldados e minha visão das hor rendas figuras diabólicas entre a multidão do
povo, tudo isso me tinha aniquilado completamente. Ai! Percebi que eu devia
estar no lugar de Jesus, meu querido esposo; então a sentença seria justa.
Eu estava tão dilacerada pela dor, que não me lembro mais da ordem exata
das coisas. Vou contar mais ou menos o que me lembro.
Pilatos começou por um longo preâmbulo, em que se referiu com os mais
pomposos títulos ao imperador Cláudio Tibério. Depois expôs a acusação
contra Jesus, que fora condenado à mor te pelos Sumos Sacerdotes e cuja
crucificação tinha sido unanimemente exigida pelo povo, por ser um rebelde,
per turbador da paz pública, violador da lei judaica, por se fazer chamar Filho
de Deus e rei dos judeus. Quando, porém, acrescentou ainda que achava essa
sentença justa, - ele que por várias horas continuara a declarar Jesus
inocente, quase não pude conter-me mais, à vista desse homem infame e
mentiroso. Ele disse ainda: "Por isso condeno Jesus Nazareno, rei dos
judeus, a ser pregado na Cruz." Depois deu ordem aos car rascos que fossem
buscar a cruz. Também me lembro, mas não tenho plena cer teza, que ele
quebrou uma vara comprida, cuja metade era visível e lançou os pedaços aos
pés de Jesus.
A essas palavras a Mãe de Jesus caiu por ter ra sem sentidos e como mor ta;
agora então estava decidida, era cer ta a mor te de seu santíssimo e
amantíssimo Filho e Salvador, mor te hor rível, dolorosa, ignominiosa. As
companheiras e João levaram-na para fora da multidão, para que aqueles
homens cegos de coração não pecassem, insultando a dolorosa Mãe do
Salvador ; mas Maria não podia deixar de seguir o caminho da Paixão de
Jesus; as companheiras viram-se obrigadas a levá-Ia outra vez de lugar em
lugar ; pois o culto misterioso de unir-se-Lhe nos sofrimentos impelia a
Santíssima Mãe à oferecer o sacrifício de suas lágrimas em todos os lugares
onde o Redentor, seu Filho, sofrera pelos pecados dos homens, seus ir mãos;
e assim a Mãe do Senhor consagrou com as lágrimas todos esses santos
lugares e tomou posse deles para a futura veneração pela Igreja, Mãe de
todos nós, como Jacó erigiu uma pedra e, ungindo-a com óleo, consagrou-a
em memória da promissão, que ali recebera.
A sentença foi escrita, mesmo no tribunal, por Pilatos e copiada mais de três
vezes, por aqueles que lhe estavam atrás. Enviaram vários mensageiros;
porque alguns dos documentos precisavam ser assinados por outras pessoas;
não me lembro se esses documentos faziam par te da sentença ou se eram
outras ordens. Contudo foram também alguns desses documentos levados a
lugares distantes. Havia, porém, ainda outra sentença, escrita por Pilatos
mesmo e que lhe provava claramente a duplicidade; pois tinha teor
totalmente diferente da sentença que pro nunciara; vi como a escreveu
contra a vontade, com o espírito ator mentado e um anjo irado a dirigir-lhe a
mão. Esse documento, de cujo conteú do tenho apenas uma lembrança vaga,
dizia mais ou menos o seguinte:
"Compelido pelos Sumos Sacerdotes e o Sinédrio e ameaçado por uma
iminente insur reição do povo, que acusavam Jesus de Nazaré de agitação
contra a autoridade, de blasfêmia e de desprezo da lei judaica, exigindo-Lhe
a mor te, entreguei-Ihes o mesmo Jesus, para ser crucificado, não tanto
movido pelas acusações, que em verdade não achei fundadas, mas para não
ser acusado perante o imperador, de favorecer a insur reição e negar justiça
aos judeus. Entreguei-O porque exigiram com violência a mor te, como
transgressor da lei; e com Ele dois ladrões, já antes condenados, cuja
execução fora adiada por maquinações dos judeus, porque queriam que
fossem executados junto com Jesus.”
Nesse documento, pois, escreveu o malvado um relatório totalmente
diferente. - Depois escreveu ainda a inscrição da cruz em três linhas, com
ver niz, sobre uma tabuinha de cor escura. O documento em que Pilatos
desculpava a sentença, foi copiado várias vezes e enviado a diversos
lugares. Os Sumos Sacerdotes discutiram ainda com Pilatos no tribunal; não
estavam contentes com a sentença, queixando-se sobretudo porque tinha
escrito que eles haviam exigido o adiamento da execução dos ladrões, para
que fossem executados com Jesus; contestaram também o título de Jesus:
queriam que escrevesse "que se declarou rei dos judeus" e não simplesmente
"rei dos judeus". Mas Pilatos perdeu a paciência, tratou-os com ar rogância,
gritando furioso: "O que escrevi, fica escrito." Ainda insistiram, dizendo que
a Cruz de Jesus não devia ficar mais alta que as dos ladrões; era preciso,
porém, fazê-Ia mais alta, porque, por um er ro dos operários, ficara mais
cur ta a par te acima da cabeça, não cabendo o título escrito por Pilatos; esse
protesto contra o alongamento da cruz era apenas um subterfúgio, para
evitar a inscrição, que Ihes parecia injuriosa. Mas Pilatos não cedeu e assim
foram obrigados a alongar a cruz, adaptando-lhe uma peça de madeira, à qual
se pudesse fixar o título. Assim concor reram várias circunstâncias para dar
à cruz aquela for ma significativa, que sempre lhe tenho visto, isto é, com os
braços um pouco elevados, como os galhos de uma ár vore, os quais, ao sair
do tronco, se estendem para cima; tinha a for ma da letra Y, com a linha do
centro alongada por entre os braços. Os dois braços eram mais finos do que
o tronco e estavam embutidos nesse, sendo os encaixes reforçados de ambos
os lados, por uma cunha fincada por baixo. Como, porém, o tronco acima da
cabeça, por um er ro, tivesse saído cur to de mais para se fixar bem visível a
inscrição de Pilatos, foi preciso ajustar mais uma peça ao tronco. No lugar
dos pés pregaram um pedaço de madeira, para os sustentar.
Enquanto Pilatos pronunciava a sentença injusta, vi Cláudia Prócula, sua
mulher, remeter-lhe o penhor e separar-se dele. Na mesma noite fugiu
ocultamente do palácio e foi para junto dos amigos de Jesus, que a levaram
a um esconderijo, num subter râneo da casa de Lázaro, em Jer usalém. Vi
também um amigo de Jesus gravar, numa pedra esverdeada atrás do tribunal
do Gábata, duas linhas, que diziam respeito à sentença injusta de Pilatos e à
separação da mulher do Procurador ; ainda me lembro das palavras "judex
injustus" e do nome "Cláudia Prócula".
Mas não me recordo se foi no mesmo dia ou alguns dias mais tarde; lembro-
me apenas que nesse lugar do fórum estava um numeroso grupo de homens
conversando, enquanto o outro homem, encober to por eles, gravou aquelas
linhas, sem ser visto. Vi que aquela pedra ainda está, desconhecida embora,
em Jerusalém, nos alicerces duma casa ou duma Igreja, situada onde
antigamente era o Gábata. Cláudia Prócula tor nouse cristã e depois de se ter
encontrado com S. Paulo, tor nou-se-Ihe amiga dedicada.
Pronunciada a sentença, enquanto Pilatos escrevia e discutia com os Sumos
Sacerdotes, era Jesus entregue aos car rascos; antes houvera ainda algum
respeito ao tribunal, mas depois estava o Divino Mestre inteiramente à
mercê desses homens abomináveis. Trouxeram-Lhe a roupa, que Lhe tinham
tirado para escar necê-Lo em casa de Caifás; fora guardada e parece-me que
também fora lavada por gente compassiva, pois estava limpa. Creio também
que era costume entre os romanos levar os condenados à execução, vestidos
de sua própria roupa. Despiram de novo Jesus: desataram-Lhe as mãos, para
poder revestí-Lo, ar rancaram-Lhe o manto ver melho do cor po chagado,
abrindo-Lhe assim muitas feridas. Ele mesmo vestiu, com mãos trêmulas, a
faixa em tor no da cintura e os car rascos lançaramLhe o escapulário sobre os
ombros. Como, porém, a coroa de espinhos fosse muito larga para deixar
passar-Lhe pela cabeça a túnica sem costura, que Lhe fizera a Virgem
Santíssima, ar rancaram-Lhe a coroa e todas as feridas começaram a sangrar,
com indizíveis dores. Depois de Lhe porem a túnica sobre as feridas do
cor po, vestiram-na da veste larga de Lã branca, que cingiram com a faixa
larga e puseram-Lhe finalmente o manto. Feito isso, amar raram-na
novamente com o cinturão, munido de pontas de fer ro, no qual estavam
presas as cordas para conduzí-Lo. Durante todo esse tempo batiam e em-
pur ravam-nO, tratando-O com atroz crueldade.
Os dois ladrões estavam um ao lado direito, outro ao lado esquerdo de Jesus;
tinham as mãos amar radas e pendia-Ihes, como a Jesus diante do tribunal,
uma cadeia de fer ro do pescoço. Vestiam apenas um pano na cintura e um
gibão semelhante a um escapulário, de fazenda ordinária, sem mangas e
aber to nos lados; na cabeça tinham bonés, tecidos de palha, que se
pareciam com bar retinhas estofadas de crianças. A pele dos ladrões era de
um pardo sujo, cober ta de cicatrizes, causadas pela flagelação passada.
Aquele que se conver teu depois, já estava calmo e pensativo; o outro, porém,
ir ritado e imper tinente, unindo-se aos car rascos para insultar e amaldiçoar
Jesus, que os olhava a ambos com olhos cheios de caridade e desejo de
salvá-Ios, oferecendo também por eles todos os seus sofrimentos.
Os car rascos estavam ocupados em juntar todas as fer ramentas;
preparavam-se para a triste e ter rível marcha, em que o nosso amado e
doloroso Salvador quis car regar o peso dos pecados de nós todos, homens
ingratos e para os expiar, ia der ramar o santíssimo Sangue do cálice de seu
Cor po, transpassado pelos homens mais abomináveis.
Anás e Caifás ter minaram afinal a discussão acalorada com Pilatos;
receberam algumas tiras compridas ou rolos de pergaminho, com cópias dos
documentos e dirigiram-se apressadamente ao Templo; e só por pouco não
chegaram tarde.
Então se separaram os Sumos Sacerdotes do verdadeiro Cordeiro pascal;
cor reram ao Templo de pedra, para imolar e comer o cordeiro simbólico e a
realização do símbolo, o verdadeiro Cordeiro de Deus, fizeram-na conduzir
por vis car rascos ao altar da cruz. Separaram-se ali os dois caminhos, dos
quais um conduzia ao símbolo e outro à realização do Sacrifício;
abandonaram o Cordeiro de Deus, a pura Vítima expiatória, que tentaram
macular exterior mente e insultar com todo o hor ror da per versidade,
entregaram-na a car rascos ímpios e desumanos e cor reram ao Templo de
pedra, para imolar cordeiros lavados, purificados e bentos. Haviam tomado
todo o cuidado para não se sujarem exte rior mente e tinham as almas todas
sujas, transbordantes de ódio, inveja e ultrajes. - "Que o seu sangue caia
sobre nós e nossos filhos", tinham exclamado e com essas palavras
cumpriram a cerimônia, impuseram a mão de sacrificador sobre a cabeça da
vítima. Separaram-se ali os dois caminhos, que conduziam ao altar da lei e
ao altar da graça.
7
Jesus leva, a Cruz ao Gólgota
A rua estreita dirige-se no fim para a esquerda, tor na-se mais larga e começa
a subir. Passa ali um aqueduto subter râneo, que vem do Monte Sião; creio
que passa ao longo do fór um, onde há também, sob a ter ra, canais
abobadados e desemboca na piscina das ovelhas, per to da por ta das ovelhas.
Eu ouvia o mur múrio e o cor rer das águas nos canos. Naquele ponto, antes
de subir a rua, há um lugar mais fundo, onde, por ocasião das chuvas, se
junta água e lama e há lá uma pedra saliente, que facilita a passagem, como
em muitas outras ruas de Jer usalém, as quais, em grande par te, são
bastante toscas. Quando Jesus, car regado do pesado fardo, chegou a esse
lugar, não tinha mais força para ir adiante; os car rascos ar rastavam e
empur ravam-nO sem piedade; então Jesus, nosso Deus, tropeçando sobre a
pedra, caiu por ter ra e a cruz tombou-Lhe ao lado. Os car rascos
praguejaram, puxaram-nO pelas cordas, deram-Lhe pontapés; o séquito
parou, for mou-se um grupo tumultuoso em redor do Divino Mestre. Debalde
estendia a mão, para que alguém O ajudasse a levantar-se. "Ai!" exclamou,
"dentro em pouco estará tudo acabado", e os lábios moviam-se-Lhe em
oração. Os fariseus gritaram: "Vamos! Fazei-O levantar-se, senão nos mor re
nas mãos!" Aqui e acolá, dos lados da r ua, se viam mulheres a chorar, com
crianças, que também choramingavam assustadas. Com auxílio sobrenatural,
conseguiu Jesus afinal levantar a cabeça e esses homens abomináveis e
diabólicos, em vez de O ajudarem e aliviarem, ainda Lhe impuseram
novamente a coroa de espinhos. Levantaram-nO depois brutalmente e
puseram-Lhe a cruz de novo ao ombro. Com isso era obrigado a pender para o
outro lado a cabeça, tor turada pelos espinhos, para assim poder car regar o
pesado patíbulo. Com novo e maior mar tírio subiu então pela r ua, que dali em
diante se tor nava mais larga.
A Mãe de Jesus, transpassada de dor, tinha se retirado do fór um, com João e
algumas mulheres, depois de ouvir a sentença que lhe condenara
injustamente o Filho. Tinham visitado muitos dos lugares sagrados pela
Paixão de Jesus, mas quando o cor rer do povo e o toque dos clarins e o
séquito de Pilatos, com os soldados, anunciaram a par tida para o Calvário,
Maria não pôde conter-se mais: o amor impelia-a a ver o divino Filho, no seu
sofrimento e pediu a João que a conduzisse a um lugar onde Jesus tivesse de
passar.
Eles tinham vindo dos lados de Sião; passaram ao lado do tribunal donde
Jesus, havia pouco, fora levado por por tas e alamedas que noutros tempos
estavam fechadas, mas nessa ocasião aber tas, para dar passagem à
multidão. Passaram depois pela par te ocidental de um palácio, que do outro
lado dá, por um por tão, para a r ua larga, na qual o séquito entrou depois da
primeira queda de Jesus. Não sei mais com cer teza se esse palácio era uma
ala da casa de Pilatos, com a qual parece estar ligada por pátios e alamedas
ou se é, como me lembro agora, a própria habitação do Sumo Sacerdote
Caifás; pois a casa em Sião era apenas o tribunal. - João conseguiu de um
criado ou por teiro compassivo a licença de passar, com Maria e as
companheiras, para o outro lado e o mesmo empregado abriu-lhes o por tão
para a rua larga. - Estava com eles um sobrinho de José de Arimatéia;
Suzana, Joana Chusa e Salomé de Jerusalém seguira a Santíssima Virgem.
Quando vi a dolorosa Mãe de Deus, pálida, olhos ver melhos de chorar,
tremendo e gemendo, envolta da cabeça aos pés num manto azul-cinzento,
passando com as companheiras por aquela casa, sentime presa de dor e
susto. Já se ouviam por sobre as casas o tumulto e os gritos do séquito, que
se aproximava, o toque da trombeta e a voz do arauto, anunciando nas
esquinas das r uas a execução de um condenado à cruz. O criado abriu o
por tão; o r uido tor nou-se mais distinto e assus tador. Maria rezava e disse a
João: "Que devo fazer, ficar para vê-Lo ou fugir? Como poderei supor tar vê-Lo
neste estado?" João disse: "Se não ficardes, ar repender-vos-eis
amargamente toda a vida". Então saíram da casa, ficando à espera, sob a
arcada do por tão; olhavam para a direita, rua abaixo, que até lá subia, mas
continuava plana, do lugar onde estava Maria.
Ai! Como o som da trombeta lhe penetrou no coração! O séquito aproximava-
se, ainda estaria distante uns 80 passos, quando saíram do por tão. Ali o povo
não andava na frente, mas aos lados e atrás havia alguns grupos; grande
par te da gentalha, que saíra por último do tribunal, cor ria por atalhos para a
frente, para ocupar outros lugares, donde pudesse ver passar o séquito.
Quando os ser vos dos car rascos, que transpor tavam os instrumentos do
suplício, se aproximaram, imper tinentes e triunfantes, começou a Mãe de
Jesus a tremer e chorar e torcer as mãos de aflição. Um dos miseráveis
perguntou aos que iam ao lado: "Quem é essa mulher, que está ali
lamentando?" Um deles respondeu: "É a mãe do Galileu." Ouvindo isso os
per versos insultaram-na com palavras de zombaria, apontaram-na com os
dedos e um desses homens per versos tomou os cravos, com os quais Jesus
devia ser pregado na cruz e mostrou-o à Santíssima Virgem, com ar de
escár nio. Ela, porém, torcendo as mãos, olhava na direção de seu Filho e
esmagada pela dor, encostou-se ao pilar do por tão. Tinha a palidez de um
cadáver e os lábios roxos. Passaram os fariseus a cavalo; depois veio o
menino, com o título da cruz e, ai! alguns passos atrás, Jesus, o Filho de
Deus, seu próprio Filho querido, o Santo, o Redentor : lá ia cambaleando e
cur vado, afastando penosamente a cabeça, com a coroa de espinhos, do
pesado fardo da cruz. Os car rascos ar rastavam-na pelas cordas para a
frente; tinha o rosto pálido, cober to de sangue e pisaduras, a barba toda
junta e colada sob o queixo pelo sangue. Os olhos encovados e sangrentos
do Salvador, sob o hor rível enredo da coroa de espinhos, lançaram um olhar
grave e cheio de piedade à Mãe dolorosa e depois, tropeçando, Ele caiu pela
segunda vez, sob o peso da cruz, sobre os joelhos e as mãos. A Mãe, na
veemência da dor, não via mais nem soldados nem car rascos, via só o Filho
querido em estado tão lastimoso e tão maltratado. Estendendo os braços,
cor reu os poucos passos do por tão até Jesus, através dos car rascos e
abraçando-O, caiu-Lhe ao lado de joelhos. Ouvi as palavras: "Meu Filho!" -
"Minha Mãe!" - não sei se foram pronunciadas pelos lábios ou só no coração.
Houve um tumulto: João e as mulheres tentavam afastar Maria, os car rascos
praguejavam e insultavam-na; um deles gritou: "Mulher, que queres aqui? Se
O tivesses educado melhor, não estaria agora em nossas mãos." Vi que
alguns dos soldados estavam comovidos; eles afastaram a Santíssima
Virgem, nenhum, porém, a tocou. João e as mulheres levaram-na e ela caiu
de joelhos, como mor ta de dor, sobre a pedra angular do por tão, a qual
supor tava o muro; estavam de costas viradas para o séquito, apoiando-se
com as mãos na par te superior da pedra inclinada, sobre a qual caíra. Era
uma pedra com veias verdes; onde os joelhos de Nossa Senhora tocaram,
ficaram cavidades e onde as mãos se lhe apoiaram, deixaram marcas menos
profundas. Eram impressões chatas, com contor nos pouco claros,
semelhantes a impressões causadas por uma pancada sobre massa de
farinha. Era uma pedra muito dura. Vi que no tempo do bispo Tiago o Menor
essa pedra foi colocada na primeira Igreja católica, que foi construída ao
lado da piscina de Betesda.
Já o tenho dito várias vezes e digo-o mais uma vez, que vi em diversas
ocasiões tais impressões causadas pelo contato de pessoas santas em
acontecimentos de grande impor tância. Isso é tão cer to, que há até a
expressão: "Uma pedra sentir-se-ia comovida", ou a outra: "Isso faz
impressão". A eter na Sabedoria não tinha precisão da ar te da imprensa, para
transmitir à posteridade testemunhos dos santos.
Como os soldados, ar mados de lanças, que marchavam aos lados do séquito,
impeliam o povo para diante, os dois discípulos que estavam com a Mãe de
Jesus, reconduziram-na pelo por tão, que foi fechado atrás deles.
Os car rascos tinham, no entanto, levantado Jesus aos ar rancos e puseram-
Lhe a cruz de novo ao ombro, mas de outra maneira. Os braços da cruz,
amar rados ao tronco haviam ficado um pouco soltos e um deles descera um
pouco ao lado do tronco; foi esse que Jesus abraçou então, de modo que o
tronco da cruz pendia atrás, mais no chão.
O séquito continuou nessa rua larga, até chegar à por ta de um antigo muro
da cidade interior. Diante dessa por ta há uma praça, em que desembocam
três ruas. Ali Jesus tinha de passar sobre outra pedra grande, mas tropeçou
e caiu. A cruz tombou para o lado e Jesus, apoiando-se sobre a pedra, caiu
por ter ra e tão enfraquecido estava, que não pôde levantar-se mais.
Passaram grupos de gente bem vestida, que iam ao Templo e vendo-O,
exclamaram: "Coitado, o pobre homem mor re!" Deuse um tumulto; não
conseguiram mais levantar Jesus e os fariseus que conduziam o cor tejo,
disseram aos soldados: "Não chegamos lá com Ele vivo; deveis procurar um
homem que Lhe ajude a levar a cruz." Vinha justamente descendo pela rua do
meio Simão de Cirene, um pagão, acompanhado pelos três filhinhos;
transpor tava um feixe de ramos secos debaixo do, braço. Era jardineiro e
vinha dos jardins situados per to do muro oriental da cidade, onde trabalhava.
Todos os anos vinha, com mulher e filhos, para a festa em Jerusalém, como
muitos outros da mesma profissão, para podar as sebes. Não pôde sair do
caminho, porque a multidão se apinhava na rua. Os soldados, que pela roupa
viam que era pagão e pobre jardineiro, apoderaram-se dele e, levando-o para
onde estava Jesus, mandaram-lhe que ajudasse o Galileu a transpor tar a
cruz. Simão resistiu e mostrou muita repugnância, mas obrigaram-no à força:
Os filhinhos choravam alto e algumas mulheres que conheciam o homem,
levaram-nos consigo. Simão sentiu muito nojo e repugnância, vendo Jesus
tão miserável e desfigurado e com a roupa tão suja e cheia de imundície.
Mas Jesus, com os olhos cheios de lágrimas, olhou para Simão com olhar tão
desamparado, que causava dó. Simão foi obrigado a ajudá-Lo a levantar-se;
os car rascos amar raram o braço da cruz mais para trás e penduraram-no,
com uma volta da corda, sobre o ombro de Simão, que andava muito per to,
atrás de Jesus, que deste modo não tinha mais de car regar tanto peso.
Finalmente o lúgubre séquito se pôs em movimento.
Simão era homem robusto, de 40 anos. Andava com a cabeça descober ta;
vestia uma túnica cur ta, aper tada e na cintura uma faixa de pano roto; as
sandálias, atadas aos pés e per nas com cor reias, ter minavam na frente em
bico agudo. Os filhos vestiam túnicas listadas de várias cores; dois já eram
quase moços, chamavam-se Rufo e Alexandre e juntaram-se . mais tarde aos
discípulos. O terceiro era ainda pequeno; vi-o ainda menino, em companhia
de Santo Estêvão. Simão ainda não tinha seguido muito tempo Jesus,
car regando o patíbulo e já se sentia profundamente comovido.
5. Verônica e o Sudário
A rua em que se movia nessa hora o séquito, era longa, com uma leve cur va
para a esquerda e nela desembocavam várias ruas laterais. De todos os
lados vinha gente bem vestida, que se dirigia ao Templo; ao ver o séquito,
uns se afastavam, com o receio farisaico de se contaminarem, outros
manifestavam cer ta compaixão. Havia cerca de duzentos passos que Simão
ajudava Jesus a car regar a cruz, quando uma mulher de figura alta e
imponente, segurando uma menina pela mão, saiu de uma casa bonita, ao
lado esquerdo da rua e que tinha um átrio cercado de muros e de um belo
gradil brilhante, onde se penetrava por um ter raço, com escadaria. Ela
cor reu, com a menina, ao encontro do cor tejo. Era Seráfia, mulher de Sirac,
membro do Conselho do Templo, a qual, pela boa ação praticada nesse dia,
recebeu o nome de Verônica (de "vera icon": verdadeira imagem).
Seráfia tinha preparado em casa um delicioso vinho aromático, com o
piedoso desejo de oferecê-Io como refresco a Jesus, no caminho doloroso
para o suplício. Já tinha ido uma vez ao encontro do séquito, em expectativa
dolorosa; vi-a velada, segurando pela mão uma mocinha que adotara, passar
ao lado do séquito, quando Jesus se encontrou com a Santíssima Virgem.
Mas, com o tumulto, não achou ocasião de aproximar-se e voltou às pressas
para casa, para lá esperar o Senhor.
Saiu, pois, velada de casa para a r ua; um pano pendia-lhe do ombro; a
menina, que podia ter nove anos, estava-lhe ao lado, ocultando sob o manto o
cântaro com o vinho, quando o séquito se aproximou. Os que o precediam,
tentaram em vão retê-Ia; ela estava fora de si de amor e compaixão. Com a
menina, que se lhe segurava, pegando-lhe o vestido, atravessou a gentalha,
que ia dos lados e por entre soldados e car rascos, avançou para a frente de
Jesus e, caindo de joelhos, levantou para Ele o pano, estendido de um lado,
suplicando: "Per miti-me enxugar o rosto de meu Senhor." Jesus tomou o pano
com a mão esquerda e apertou-o, com a palma da mão de encontro ao rosto
ensangüentado; movendo depois a mão esquerda, com o pano, para junto da
mão direita, que segurava a cruz, aper tou-o entre as duas mãos e restituiu-
lho, agradecendo; ela o beijou, escondendo-o sobre o coração, debaixo do
manto e levantou-se.
Então a menina ofereceu timidamente o cântaro com o vinho; mas os
soldados e car rascos, praguejando, impediram-na de confor tar Jesus. A
audácia e rapidez dessa ação provocou um ajuntamento curioso do povo e
causou assim uma pausa de dois minutos apenas na marcha, o que per mitiu a
Seráfia oferecer o sudário a Jesus. Os fariseus a cavalo e os car rascos
ir ritaram-se com essa demora e mais ainda com a veneração pública
manifestada ao Senhor e começaram a maltratá-Lo e empur rá-Lo. Verônica,
porém, fugiu com a menina para dentro de casa.
Apenas entrara no aposento, estendeu o sudário sobre a mesa e caiu por
ter ra desmaiada; a menina, com o cântaro de vinho, ajoelhou-se-lhe ao lado,
chorando. Assim as encontrou um amigo da casa, que entrara para a visitar e
a viu como mor ta, sem sentidos, ao lado do sudário estendido, no qual o
rosto ensangüentado do Senhor estava impresso de um modo
maravilhosamente distinto, mas também hor rível. Muito assustado, fê-Ia
voltar a si e mostrou-lhe o rosto do Senhor. Cheia de dor, mas também de
consolação, Seráfia ajoelhou-se diante do sudário, exclamando: "Agora vou
abandonar tudo, o Senhor deu-me uma lembrança".
Esse sudário era de lã fina, cerca de três vezes mais longo do que largo.
Costumava-se usar em volta do pescoço; às vezes usavam ainda outro em
tor no dos ombros. Era uso ir ao encontro de pessoas aflitas, cansadas,
tristes ou doentes e enxugar-lhes o rosto; era sinal de luto e compaixão; nas
regiões quentes também usavam dá-lo de presente. Verônica guardava esse
sudário sempre à cabeceira da cama. Depois de sua mor te veio ter, por
inter médio das santas mulheres, às mãos da Santíssima Mãe de Deus e dos
Apóstolos e depois à Igreja.
6. A quar ta e quinta queda de Jesus sob a cruz. As compassivas filhas de
Jerusalém
O séquito estava ainda a boa distância da por ta; a rua descia um pouco até
lá. A por ta era uma construção extensa e for tificada; passavase primeiro por
uma arcada abobadada, depois sobre uma ponte e finalmente por outra
arcada. A por ta ficava em direção sudoeste; ao sair dela, se via o muro da
cidade estender-se para o sul, a uma distância como, por exemplo, da minha
casa até a Matriz, (cerca de dois minutos de caminho); depois virava, a uma
boa distância, para oeste e voltava novamente à direção do sul, fazendo a
volta do Monte Sião. A direita se estendia o muro para o nor te, até à por ta do
Angulo, dirigindo-se depois ao longo da par te setentrional de Jer usalém,
para leste.
Quando o séquito se aproximou da por ta, impeliam-nO os car rascos com mais
violência. Justamente diante da por ta, havia no caminho desigual e
ar ruinado uma grande poça: os car rascos ar rastavam Jesus para frente,
aper tavam-se uns aos outros; Simão Cireneu procurou passar ao lado da
poça, pelo caminho mais cômodo; com isso deslocou-se a cruz e Jesus caiu
pela quar ta vez sob a cruz e tão duramente, no meio do lodaçal, que Simão
quase não pôde segurar a cruz, Jesus exclamou em voz fina, fraca e contudo
alto: "Ai de ti! Ai de ti! Jerusalém! Quanto te tenho amado! Como uma
galinha, que esconde os pintinhos sob as asas, assim queria reunir os teus
filhos e tu me ar rastas tão cruelmente para fora das tuas por tas." - O Senhor
disse essas palavras com profunda tristeza, mas os fariseus, virando-se para
Ele, insultaram-nO, dizendo: "Este per turbador do sossego público ainda não
acabou; ainda tem a língua solta?" e outras zombarias semelhantes.
Espancaram e empur raram Jesus, ar rastando-O para fora do lodaçal, para o
levantar. Simão Cireneu ficou tão indignado com as crueldades dos
car rascos, que gritou: "Se não acabardes com essa infâmia, jogarei a cruz no
chão e não a car regarei mais, mesmo que me mateis também.”
Logo depois de passar a por ta, separa-se da estrada, do lado direito, um
caminho estreito e áspero que, dirigindo-se para o nor te, conduz em poucos
minutos ao monte Cal vário. A estrada grande ramifica-se, a pouca distância
dali, em três direções: à esquerda, para sudoeste, pelo vale Gihon, em
direção à Belém; para oeste, em direção à Emaús e Jope e para noroeste,
rodeando o monte Calvário, em direção à por ta Angular, que conduz a Betur.
Olhando da por ta pela qual Jesus saiu, à esquerda, para sudoeste, pode-se
ver a por ta de Belém. Essas duas por tas são, entre as por tas de Jer usalém,
as menos distantes. No meio da estrada, fora da por ta, donde par te o
caminho para o monte Calvário, havia uma estaca, com uma tabuleta
pregada, na qual estavam escritas as sentenças de mor te proferidas contra
Jesus e os ladrões, escritas em letras brancas salientes, que pareciam
coladas sobre a tabuleta. Não longe dai, na esquina do caminho do Gólgota,
estava um numeroso grupo de mulheres, a chorar e lamentar. Em par te eram
moças e mulheres pobres, com crianças, vindas de Jerusalém, que se tinham
adiantado ao séquito; em par te mulheres vindas de Belém, Hebron e outros
lugares circunvizinhos, que tinham chegado para a festa e se juntaram
àquelas mulheres.
Jesus não caiu ali inteiramente por ter ra; ia caindo como quem desmaia, de
modo que Simão pôs a extremidade da cruz no chão e, aproximando-se de
Jesus, segurou-O. O Senhor encostou-se em Simão. Essa foi a quinta queda
do Salvador sob a cruz. As mulheres e moças, ao verem Jesus tão
desfigurado e ensangüentado, começaram a chorar e lamentar alto,
oferecendo-lhe os sudários, segundo o costume entre os judeus, para que
enxugasse o rosto. Jesus virou-se-Ihes e disse: "Filhas de Jerusalém, (isso
significa também: filhas de Jer usalém e cidades vizinhas), não choreis por
mim, mas chorai por vós e vossos filhos; porque sabei que virá tempo em que
se dirá: "Ditosas as que são estéreis e ditosos os ventres que não geraram e
ditosos os peitos que não deram de mamar." - Então começarão os homens a
dizer aos montes: "Caí sobre nós!" e aos outeiros: "Cobri-nos". Porque, se
isto se faz no lenho verde, que se fará no seco?" Ainda Ihes disse outras
belas palavras, as quais, porém, esqueci; entre outras disse que aquelas
lágrimas Ihes seriam recompensadas, que doravante deviam seguir outros
caminhos, etc.
Houve ali uma pausa, pois o séquito parou por algum tempo. Aqueles que
levavam os instrumentos do suplício, continuaram o caminho para o Calvário;
seguiam-se depois cem soldados do destacamento de Pilatos, o qual tinha
acompanhado o cor tejo até ali, mas chegado à por ta da cidade, voltara para
o palácio.
O séquito pôs-se novamente em caminho. Jesus, cur vado sob a cruz, impelido
a empur rões e golpes, ar rastado pelas cordas, subiu penosamente o áspero
caminho que segue para o nor te, entre o monte Calvário e os muros da
cidade; depois, no alto, se volta o caminho tor tuoso outra vez para o sul. Lá
caiu Jesus, tão enfraquecido, pela sexta vez; foi uma queda dura e a cruz, ao
cair, ainda mais o feriu. Os car rascos, porém, espancaram e impeliram-na
com mais brutalidade do que antes, até que Jesus chegou ao cume, no
penedo do Gólgota e ali caiu novamente com a cruz por ter ra, pela sétima
vez.
Simão Cireneu, também maltratado e cansado, estava cheio de indignação e
compaixão; quis ajudar Jesus a levantar-se, mas os car rascos, aos
empur rões e insultos, fizeram-no voltar pelo caminho, mor ro abaixo; pouco
depois se associou aos discípulos do Mestre Divino. Também os outros que
trouxeram os instrumentos ou seguiram o cor tejo e de que os car rascos não
precisavam mais, foram enxotados do cume. Os fariseus a cavalo subiram o
monte Cal vário por outros caminhos, mais cômodos, do lado oeste. Do cume
se avistam justamente os muros da cidade.
A face superior, o lugar do suplício, tem a for ma circular e caberia bem no
largo diante da nossa Matriz; é do tamanho de um bom picadeiro e cercado
de um ater ro baixo, cor tado por cinco caminhos. Essa disposição de cinco
caminhos encontra-se em quase todos os lugares do país, em lugares de
banhos públicos ou de batismo, como na piscina Betesda; muitas cidades
também têm cinco por tas. Essa disposição acha-se em todas as constr uções
dos tempos antigos e também em mais moder nos e assim foram feitas em
atenção às antigas tradições. Como em todas as coisas da Ter ra Santa, há
também nisso um profundo sentido profético, cumprido nesse dia, em que se
abriram os cinco caminhos de toda a salvação, as cinco sagradas Chagas de
Jesus.
Os fariseus a cavalo pararam fora do círculo, no lado oriental do monte, onde
o declive é mais suave; o lado que dá para a cidade e por onde eram
conduzidos os condenados, é escar pado e íngreme. Estavam ali também cem
soldados romanos, nativos das fronteiras entre a Itália e a Suíça, que
estavam distribuídos em par te em vários lugares da execução. Alguns
ficaram com os dois ladrões, que, por falta de lugar no cume, não tinham
levado para cima, mas fizeram deitar de costas, com os braços amar rados
aos madeiros transversais das cruzes, na encosta do monte, um pouco
abaixo do cume, onde o caminho vira para o sul. Muita gente, na maior par te
das classes baixas, estrangeiros, ser vos, escravos, pagãos e muitas
mulheres, gente que não se impor tava de contaminar-se, juntavam-se em
redor do largo do cume ou for mavam grupos, cada vez mais numerosos, nas
alturas circunvizinhas, acrescidos de gente que se dirigia à cidade. Para
oeste, ao pé do monte Gihon, havia um grande acampamento de forasteiros,
vindos para a festa da Páscoa; mui'tos ficavam olhando de longe, outros se
aproximavam pouco a pouco.
Eram cerca de onze horas e três quar tos, quando Jesus, ar rastado com a
cruz para o lugar do suplício, caiu por ter ra e Simão foi expulso de lá. Os
car rascos levantaram o Salvador aos ar rancos das cordas e desligaram os
madeiros da cruz, jogando-os no chão, um em cima do outro. Ai! que aspecto
ter rível apresentava Jesus, em pé no lugar do suplício, abatido, triste,
cober to de feridas, ensangüentado, pálido. Os car rascos deitaram-na
brutalmente por ter ra, dizendo em tom de mofa: "á rei dos judeus, devemos
tomar medida de teu trono?" Mas Jesus deitou-se de livre vontade sobre a
cruz e se a fraqueza lha tivesse per mitido, os car rascos não teriam tido
necessidade de jogá-Lo por ter ra. Estenderam-na sobre a cruz e marcaram
nesta os lugares das mãos e dos pés, enquanto os fariseus em redor riam e
insultavam o Divino Salvador.
Levantando-O novamente, conduziram-nO amar rado uns setenta passos ao
nor te, descendo a encosta do monte Calvário, a uma fossa cava da na rocha,
que parecia uma cister na ou adega; levantando o alçapão, empur raram-nO
para dentro tão brutalmente, que se não fosse por auxí lio divino, teria
chegado ao fundo duro da rocha com os joelhos esmagados. Ouvi-Lhe os
gemidos altos e agudos. Fecharam o alçapão e deixaram uma guarda. Segui-
O nesses setenta passos; parece-me lem brar ainda de uma revelação
sobrenatural de que os Anjos o socor reram, para que não esmagasse os
joelhos; mas a pobre Vítima gemia e chorava de modo que cor tava o coração.
A rocha amoleceu, ao contato dos joelhos sagrados do Redentor.
Os Car rascos começaram então os preparativos. Havia no centro do largo do
suplício uma elevação circular, de talvez dois pés de altura, para a qual se
tinham de subir alguns degraus: era o ponto mais alto do penedo do Calvário.
Nesse cume estavam cavando a cinzel os buracos nos quais as três cruzes
deviam ser plantadas; já tinham tomado medida para isso na extremidade
inferior das cruzes. Colocaram os troncos das cruzes dos ladrões à direita e
à esquerda, sobre essa elevação; esses lenhos eram toscamente aparados e
mais baixos do que a cruz de Jesus; em cima haviam sido cor tados
obliquamente. Os madeiros transversais, aos quais os ladrões ainda estavam
amar rados, foram depois ajustados um pouco abaixo da extremidade superior
dos troncos.
Os car rascos colocaram então a cruz de Nosso Senhor no lugar onde O
queriam pregar, de modo que a pudessem comodamente levantar e fazer
entrar na escavação. Encaixaram os dois braços da cruz no tronco, pregaram
a peça de madeira para os pés, abriram com uma ver ruma os furos para os
cravos e para o prego do título, fincaram a mar telo as cunhas sob os braços
da cruz e fizeram cá e lá algumas cavidades no tronco da cruz, para dar
espaço para a coroa de espinhos e as costas, de modo que o cor po ficasse
mais supor tado pelos pés do que pendurado pelas mãos, que podiam rasgar-
se com o peso do cor po e para que Jesus sofresse maior mar tírio. Ainda
fincaram em cima por um madeiro transversal, para ser vir de apoio às
cordas, com as quais queriam puxar e elevar a cruz e fizeram ainda outros
preparativos semelhantes.
* Os santos Evangelistas Mateus (27, 56) e Marcos (15, 40) mencionam, além
da Mãe de Jesus, as seguintes mulheres piedosas: Maria Madalena, Maria,
filha de Cleofas e Salomé. - S. João fala das duas primeiras e de Helí. Pelo
menos podem as suas palavras ser tomadas nesse sentido: "Estavam ao pé
da cruz de Jesus sua Mãe, a innã de sua Mãe. Maria, filha de Cleofas e Maria
Madalena." Nem é preciso dizer que a palavra "ir mã" pode também significar
parenta.
8
Crucificação e mor te de Jesus
Jesus, imagem viva da dor, foi estendido pelos car rascos sobre a cruz; Ele
próprio se sentou sobre ela e eles brutalmente O deitaram de costas.
Colocaram-Lhe a mão direita sobre o orifício do prego, no braço direito da
cruz e aí lhe amar raram o braço. Um deles se ajoelhou sobre o santo peito,
enquanto outro lhe segurava a mão, que se estava contraindo e um terceiro
colocou o cravo grosso e comprido, com a ponta limada, sobre essa mão
cheia de bênção e cravou-o nela, com violentas pancadas de um mar telo de
fer ro. Doces, e claros gemidos ouviram-se da boca do Senhor ; o sangue
sagrado salpicou os braços dos car rascos; rasgaram-Lhe os tendões da mão,
os quais foram ar rastados, com o prego triangular, para dentro do estreito
orifício. Contei as mar teladas, mas esqueci, na minha dor, esse número. A
Santíssima Virgem gemia baixinho e parecia estar sem sentidos
exterior mente; Madalena estava desnor teada.
As ver r umas eram grandes peças de fer ro, da for ma de um T; não havia nelas
nada de madeira. Também os pesados mar telos eram, como os cabos, de
fer ro e todos de uma peça inteiriça; tinham quase a for ma dos mar telos de
pau que os marceneiros usam entre nós, trabalhando com for mão.
Os cravos, cujo aspecto fizera tremer Jesus, eram de tal tamanho que,
seguros pelo punho, excediam em baixp e em cima cerca de uma polegada.
Tinham cabeça chata, da largura de uma moeda de cobre, com uma elevação
cônica no meio. Tinham três gumes; na par te superior tinham a grossura de
um polegar e na par te inferior a de um dedo pequeno; a ponta fora aguçada
com uma lima; cravados na cruz, vi-Ihes a ponta sair um pouco do outro lado
dos braços da cruz.
Depois de terem pregado a mão direita de Nosso Senhor, viram os
crucificadores que a mão esquerda, que tinham também amar rado ao braço
da cruz, não chegava até o orifício do cravo, que tinham perfurado a duas
polegadas distante das pontas dos dedos. Por isso ataram uma corda ao
braço esquerdo do Salvador e, apoiando os pés sobre a cruz, puxaram a toda
força, até que a mão chegou ao orifício do cravo. Jesus dava gemidos
tocantes; pois deslocaram-Lhe inteiramente os braços das ar ticulações; os
ombros, violentamente distendidos, for mavam grandes cavidades axilares,
nos cotovelos se viam as junturas dos ossos. O peito levantou-se-Lhe e as
per nas encolheram-se sobre o cor po. Os car rascos ajoelharam-se sobre os
braços e o peito, amar raram-lhe for temente os braços e cravaram-Lhe então
cruelmente o segundo prego na mão esquerda; jor rou alto o sangue e
ouviram-se os agudos gemidos de Jesus, por entre as pancadas do pesado
mar telo. Os braços do Senhor estavam tão distendidos, que for mavam uma
linha reta e não cobriam mais os braços da cruz, que subiam em linha
oblíqua; ficava um espaço livre entre esses e as axilas do Divino Már tir.
A SS. Virgem sentiu todas essas tor turas com Jesus; estava de uma palidez
cadavérica e fracos gemidos saiam-lhe da boca. Os fariseus dirigiram
insultos e zombarias para o lado onde ela estava; por isso os amigos
conduziram-na para junto das outras santas mulheres, que estavam um pouco
mais afastadas do lugar do suplício. Madalena estava como louca; feria o
rosto de modo que tinha as faces e os olhos cheios de sangue.
Havia na cruz, em baixo, talvez a um terço da respectiva altura, uma peça de
madeira, fixa por um prego muito grande, destinada a supor tar os pés de
Jesus, afim de que ficasse mais em pé do que suspenso; de outro modo as
mãos teriam sido rasgadas pelo peso do cor po e os pés não poderiam ser
pregados sem quebrá-Ios. Nessa peça de madeira tinham perfurado o orifício
para o cravo. Tinham também feito uma cavidade para os calcanhares, como
também havia outras, em vários pontos da cruz, para que o Már tir pudesse
ficar suspenso mais tempo e o peso do cor po não Lhe rasgasse as mãos,
fazendo-O cair.
Todo o cor po de nosso Salvador tinha-se contraído para o alto da cruz, pela
violenta extensão dos braços e os joelhos tinham-se-Lhe dobrado. Os
car rascos lançaram-se então sobre esses e, por meio de cordas, amar raram-
nos ao tronco da cruz; mas pela posição er rada dos orifícios dos cravos, os
pés ficavam longe da peça de madeira que os devia supor tar. Então
começaram os car rascos a praguejar e insultar. Alguns julgavam que se
deviam furar outros orifícios para os pregos das mãos; pois mudar o supor te
dos pés era difícil. Outros fizeram horrível troça de Jesus: "Ele não quer
estender-se, disseram, mas nós Lhe ajudaremos." Atando cordas à per na
direita, puxaram-na com hor rível violência, até o pé tocar no supor te e
amar raram-na à cruz. Foi uma deslocação tão hor rível, que se ouvia estalar o
peito de Jesus, que gemia alto: "Ó meu Deus! Meu Deus!" Tinham-Lhe
amar rado também o peito e os braços, para os pregos não rasgarem as mãos;
o ventre encolheu-se-Lhe inteiramente, as costelas pareciam a ponto de
destacar-se do ester no. Foi uma tor tura hor rorosa.
Amar raram depois o pé esquerdo com a mesma br utal violência, colocando-o
sobre o pé direito e como os pés não repousavam com bastante fir meza
sobre o supor te, para serem pregados juntos, perfuraram primeiro o peito do
pé esquerdo com um prego mais fino e de cabeça mais chata do que os
cravos, como se fura a sovela. Feito isso, tomaram o cravo mais comprido
que o das mãos, o mais hor rível de todos e, passando-o br utalmente pelo furo
feito no pé esquerdo, atravessaramlhe a mar teladas o direito, cujos ossos
estalavam, até o cravo entrar no orifício do supor te e, através desse, no
tronco da cruz. Olhando de lado a cruz, vi como o prego atravessou os dois
pés.
Essa tor tura era a mais dolorosa de todas, por causa da distensão de todo o
cor po. Contei 36 golpes de mar telo, no meio dos gemidos claros e
penetrantes do pobre Salvador ; as vozes em redor, que proferiam insultos e
maldições, pareciam-me sombrias e sinistras.
A Santíssima Virgem tinha voltado ao lugar do suplício; a deslocação do
cor po do Filho adorado, o som das mar teladas e os gemidos de Jesus,
causaram-lhe tão veemente dor e compaixão, que caiu novamente nos braços
das companheiras, o que provocou um ajuntamento de povo. Então acor reram
alguns fariseus a cavalo, insultando-as e os amigos afastaram-na outra vez a
alguma distância. Durante a crucifixão e a elevação da cruz, que se lhe
seguiu, se ouviam, especialmente entre as mulheres, gritos de compaixão,
como: "Porque a ter ra não traga esses miseráveis? Porque não cai fogo do
céu, para os devorar?" - A essas manifes tações de amor respondiam os
car rascos com insultos e escár nio.
Os gemidos que a dor ar rancava de Jesus, misturavam-se com contínua
oração; recitava trechos dos salmos e dos profetas, cujas predições nessa
hora cumpria; em todo o caminho da cruz, até à mor te, não cessa va de rezar
assim e de cumprir as profecias. Ouvi e rezei com Ele todas essas passagens
e às vezes me lembro delas, quando rezo os salmos; mas fiquei tão
acabrunhada com o mar tírio de meu Esposo celeste, que não sei mais juntá-
Ias. - Durante esse hor rível suplício, vi Anjos a chorar aparecerem acima de
Jesus.
O comandante da guarda romana fizera pregar no alto da cruz a tábua, como
titulo que Pilatos escrevera. Os fariseus estavam indignados porque os
romanos se riam alto do título "Rei dos judeus." Por isso voltaram alguns
fariseus à cidade, depois de ter tomado medida para uma outra inscrição,
para pedir a Pilatos novamente outro título.
Enquanto Jesus era pregado à cruz, estavam ainda alguns homens a
trabalhar na escavação em que a cruz devia ser colocada; pois era estreita a
cova e a rocha muito dura. Alguns dos car rascos, em vez de dar a Jesus para
beber o vinho aromático trazido pelas santas mulheres, be beram-no eles
mesmos e ficaram embriagados; queimava-Ihes as entra nhas e causava-Ihes
tanta dor nos intestinos, que ficaram desvairados; insultavam a Jesus,
chamando-O de feiticeiro e enfureciam-se à vista da paciência do Divino
Mestre; desceram várias vezes o Calvário, a cor rer, para beber leite de
jumenta. Havia lá per to algumas mulheres, que per tenciam a um
acampamento de peregrinos, vindos para a festa da Páscoa, as quais tinham
jumentas, cujo leite vendiam.
Pela posição do sol era cerca de doze horas e um quar to, quando Jesus foi
crucificado. No momento em que elevaram a cruz, ouviu-se do Templo o soar
de muitas trombetas: Era a hora em que imolavam o cor deiro pascal.
3. Elevação da cruz
Até pelas 10 horas, quando Pilatos pronunciou a sentença, caíra várias vezes
chuva de pedra; depois, até às 12 horas, o céu estava claro e havia sol; mas
depois do meio dia, apareceu uma neblina ver melha, sombria, diante do sol.
Pela sexta hora, porém, ou como vi pelo sol, mais ou menos às doze e meia,
(a maneira dos judeus de contar as horas é diferente da nossa) houve um
eclipse milagroso do sol. Vi como isso se deu, mas infelizmente não pude
guardá-Io na memória e não tenho palavras para o exprimir. A princípio fui
transpor tada como para fora da ter ra; vi muitas divisões no fir mamento e os
caminhos dos astros, que se cruzavam de modo maravilhoso. Vi a lua do
outro lado da ter ra; vi-a voar rapidamente ou dar um salto, como um globo de
fogo; depois me achei novamente em Jerusalém e vi a lua aparecer sobre o
monte das Oliveiras, cheia e pálida, - o sol estava velado pelo nevoeiro, - e
ela se moveu rapidamente do oriente, para se colocar diante do sol. No come-
ço vi, no lado oriental do sol, uma lista escura, que tomou em pouco tempo a
for ma de uma montanha, cobrindo-o depois inteiramente. O disco do sol
parecia cinzento escuro, rodeado de um círculo ver melho, como uma argola
de fer ro em brasa. O céu tomou-se escuro; as estrelas tinham um brilho
ver melho. Um pavor geral apoderou-se dos homens e dos animais, o gado
fugiu mugindo, as aves procuravam um esconderijo e caiam em bandos sobre
as colinas em redor do Cal vário; podiam-se apanhá-Ias com as mãos. Os
zombadores começaram a calar-se; os fariseus tentavam explicar tudo como
fenômeno natural, mas não conse~ guiram acalmar o povo e eles mesmos
ficaram interior mente apavorados. Todo o mundo olhava para o céu; muitos
batiam no peito e, torcendo as mãos, exclamavam: "Que o seu sangue caia
sobre os seus assassinos." Muitos, de per to e de longe, caíram de joelhos,
pedindo perdão a Jesus, que no meio das dores volvia os olhos para eles.
A escuridão aumentava, todos olhavam para o céu e o Cal vário estava
deser to; ali per maneciam apenas a Mãe de Jesus e os mais íntimos amigos;
Dimas, que estivera mergulhado em profundo ar rependimento, levantou com
humilde esperança o rosto para o Salvador e disse: "Senhor, fazei-me entrar
num lugar onde me possais salvar ; lembrai-vos de mim, quando estiverdes no
vosso reino." Jesus respondeu-lhe: "Em verdade te digo: Hoje estarás comigo
no Paraíso.”
A Mãe de Jesus, Madalena, Maria de Cléofas, Maria Helí e João estavam
entre as cruzes dos ladrões, em redor da cruz de Jesus, olhando para Nosso
Senhor. A Santíssima Virgem, em seu amor de mãe, suplicava interior mente a
Jesus que a deixasse mor rer com Ele. Então olhou o Senhor com inefável
ter nura para a Mãe querida e, volvendo os olhos para João, disse a Maria:
"Mulher, eis aí o teu filho; será mais teu filho do que se tivesse nascido de
ti." Elogiou ainda João, dizendo: "Ele teve sempre uma fé sincera e nunca se
escandalizou, a não ser quando a mãe quis que fosse elevado acima dos
outros." A João, porém, disse: "Eis aí tua Mãe!" João abraçou com muito
respeito, como um filho piedoso, a Mãe de Jesus, que se tinha tor nado
também sua Mãe, sob a cruz do Redentor moribundo. A SS. Virgem ficou tão
abalada de dor, após essas solenes disposições do Filho moribundo, que,
caindo nos braços das santas mulheres, perdeu os sentidos exterior mente;
levaram-na para o ater ro em frente à cruz, onde a sentaram por algum tempo
e depois a conduziram para fora do círculo, para junto das outras amigas.
Não sei se Jesus pronunciou alto todas essas palavras; percebi-as
interior mente, quando, antes de mor rer, entregou Maria Santíssima, como
Mãe, ao Apóstolo querido e este, como filho, a sua Mãe. Em tais con-
templações se percebem muitas coisas, que não foram escritas; é pouco
apenas o que pode exprimir a língua humana. O que lá é tão claro, que se
julga compreender por si mesmo, não se sabe explicar com palavras. Assim
não é de admirar que Jesus, dirigindo-se à Santíssima Virgem, não dissesse:
"Mãe", mas mulher"; pois que ela ali estava na sua digni dade de mulher que
devia esmagar a cabeça da ser pente, naquela hora em que aquela promessa
se realizava, pelo sacrifício do Filho do Homem, seu próprio filho. Não era de
admirar lá que Jesus desse João por filho àquela a quem o Anjo saudava:
"Ave Maria, cheia de graça", porque o nome de João significa "graça"; pois
todos são o que os respectivos nomes significam e João tor nara-se filho de
Deus e Jesus Cristo vivia nele. Percebia-se que Jesus, naquele momento,
dava com aquelas palavras uma mãe, Maria, a todos que, como João, O
recebem e, crendo nEle, se tor nam filhos de Deus, que não foram nascidos do
sangue, nem da vontade da car ne, nem da vontade do homem, mas do próprio
Deus. Sentia-se que a mais pura, a mais humilde, a mais obediente de todas
as mulheres, que se tomara a Mãe do Verbo feito car ne, respondendo ao
Anjo: "Eis aqui a ser va do Senhor, faça-se em mim segundo a vossa palavra!",
agora, ouvindo do Filho moribundo que se devia tor nar Mãe espiritual de
outro filho, dizia, obediente e humilde, as mesmas palavras, no íntimo do
coração, dilacerado das dores da separação: "Eis aqui a ser va do Senhor,
faça-se em mim segundo a vossa palavra", aceitando assim por filhos todos
os filhos de Deus, todos os ir mãos de Jesus. Tudo isso parece lá tão simples
e necessário, mas aqui é tão diferente, que é mais fácil sentí-Io, pela graça
de Deus, do que o exprimir em palavras.
Eram mais ou menos duas horas e meia, quando fui conduzida à cidade, para
ver o que lá se passava. Encontrei-a cheia de pavor e conster nação; as ruas
em trevas, cober tas de nevoeiro; os homens er ravam cá e lá, às apalpadelas;
muitos estavam prostrados por ter ra, nos cantos, com a cabeça cober ta,
batendo no peito; outros olhavam para o céu ou estavam sobre os telhados,
lamentando-se. Os animais mugiam e escondiam-se, os pássaros voavam
baixo e caiam. Vi que Pilatos fizera uma 'visita a Herodes e que estavam
conster nados, no mesmo ter raço do qual Herodes, de manhã, assistira ao
escár nio de que Jesus fora alvo. "Isto não é natural", disseram, "excederam-
se nos maus tratos infligidos ao Nazareno." Vi-os depois irem juntos ao
palácio de Pilatos, atravessando o fórum; ambos estavam muito assustados,
indo a passos apressados e cercados de soldados. Pilatos não ousou olhar
para o lado do Gábata, o tribunal donde tinha pronunciado a sentença contra
Jesus. O fór um estava deser to; aqui e acolá alguns homens voltavam
apressadamente para casa, outros passavam chorando.
Juntavam-se também alguns grupos de povo nas praças públicas. Pilatos
mandou chamar os anciãos do povo ao palácio e perguntou-Ihes o que
significavam aquelas trevas; disse-Ihes que as tomava por um sinal de
desgraça iminente; o Deus dos judeus parecia estar irado porque haviam
exigido à força a mor te do galileu, que cer tamente era profeta e rei dos
judeus; enquanto ele, Pilatos, não tinha culpa, lavara, as mãos, etc.
Os judeus, porém, ficaram endurecidos, queriam explicar tudo como
fenômeno comum e não se conver teram. Conver teu-se, contudo, muita gente,
entre outros também todos os soldados que, na véspera, tinham caído por
ter ra e se levantado, quando prenderam Jesus no monte das Oliveiras.
No entanto juntou-se uma multidão de povo diante do palácio de Pilatos e
onde de manhã tinham gritado: "Crucifica-o! crucifica-o!", gritavam agora:
"Fora o juiz injusto! Que o sangue do Crucificado caia
sobre os seus assassinos!" Pilatos viu-se obrigado a rodear-se de guardas.
Zodóc, que, de manhã, quando Jesus fora conduzido ao pretório, lhe
proclamara alto a inocência, agitou-se e falou com tal energia diante do
palácio, que Pilatos esteve a ponto de mandá-Io prender. Pilatos, o miserável
desalmado, atribuiu toda a culpa aos judeus: disse que não tinha nada com
isso, que Jesus era o rei, o profeta, o Santo dos judeus, a quem estes tinham
levado à mor te e nada tinha com Ele, nem lhe cabia culpa; os próprios judeus
é que lhe tinham exigido a mor te, etc.".
No Templo reinava extremo susto e ter ror. Estavam ocupados na imolação do
cordeiro pascal, quando veio de repente a escuridão. Tudo estava em
confusão e aqui e acolá se ouviam gritos angustiantes. Os príncipes dos
sacerdotes fizeram tudo para conser var a calma e a ordem: fizeram acender
todas as lâmpadas, apesar de ser meio dia, mas a confusão crescia cada vez
mais. Vi Anás preso de susto e ter ror ; cor ria de um canto a outro, para se
esconder. Quando tor nei a sair da cidade, ouvi as grades das janelas das
casas tremerem, sem haver tempestade. A escuridão crescia cada vez mais.
Na par te exterior da cidade, ao noroeste, per to do muro, onde havia muitos
jardins e sepulturas, desabaram algumas entradas de sepulcros, como se
houvesse um tremor de ter ra.
Sobre o Gólgota fizeram as trevas uma impressão ter rível. A hor rorosa fúria
dos car rascos, os gritos e maldições na elevação da cruz, os uivos dos
ladrões ao serem amar rados ao madeiro, os insultos dos fariseus a cavalo, o
revezar dos soldados, a barulhenta par tida dos carrascos embriagados, tudo
isso diminuíra a princípio um pouco o efeito das trevas. Seguiram-se depois
as repreensões do ladrão penitente, Dimas e a raiva dos fariseus contra ele.
Mas à medida que crescia a escuridão, tor navam-se mais pensativos os
espectadores, afastando-se da cruz. Foi então que Jesus recomendou sua
Mãe a João e que Maria foi conduzida a alguma distância do lugar do
suplício. Houve um momento de solene silêncio; o povo estava assustado
com as trevas; a maior par te olhava para o céu; em muitos corações se
levantou a voz da consciência; muitos se ar rependeram e, olhando para a
cruz, bateram no peito; pouco a pouco se for maram grupos de pessoas que
sentiam essas mesmas impressões. Os fariseus, ocultando o ter ror, ainda
procuravam explicar tudo pelas leis naturais, mas baixavam cada vez mais a
voz e afinal quase não ousavam mais falar ; de vez em quando ainda proferiam
uma palavra insolente, mas soava um tanto forçada. O disco do sol estava
meio escuro, como uma montanha ao luar ; estava rodeado de um anel
ver melho. As estrelas tinham um brilho r ubro; os pássaros caiam sobre o Cal
vário e nas vinhas vizinhas entre os homens e deixavam-se pegar com a mão;
os animais dos ar redores mugiam e tremiam; os cavalos e jumentos dos
fariseus aper tavam-se uns de encontro aos outros, baixando as cabeças. O
nevoeiro úmido envolvia tudo.
Em redor da cruz reinava silêncio; todos se tinham afastado, muitos fugiram
para a cidade. O Salvador, naquele infinito mar tírio, mergulhado no mais
profundo abandono, dirigindo-se ao Pai celestial, rezava pelos inimigos,
impelido pelo amor. Rezava, como durante toda a Paixão, recitando versos de
salmos que nEle se cumpriam. Vi figuras de Anjos em redor d’Ele. Quando,
porém, a escuridão cresceu e o ter ror pesava sobre todas as consciências e
todo o povo estava em sombrio silêncio, ficou Jesus abandonado de todos e
privado de toda a consolação. Sofria tudo quanto sofre um pobre homem,
aflito e esmagado pelo absoluto abandono, sem consolação divina ou
humana, quando a fé, a esperança e a caridade, privadas de iluminação e
consolo, de visível assistência, ficam sozinhas no deser to da provação,
vivendo de si mesmas, num infinito mar tírio. Tal sofrimento não se pode
exprimir. Nessa tor tura moral, Jesus nos alcançou a força de resistir mos na
extrema miséria do abandono, quando se rompem todos os laços e relações
com a existência e a vida ter rena com o mundo e a natureza em que vivemos,
quando se desfazem também as perspectivas que esta vida em si nos abre,
para outra existência; nessa provação venceremos, se unir mos nosso
abandono com os merecimentos do abandono de Jesus na cruz. O Salvador
conquistounos os méritos da perseverança, na extrema luta do absoluto
abandono e ofereceu por nós, pecadores, a miséria, a pobreza, o mar tírio, o
abandono, que sofreu na cruz, de modo que o homem, unido a Jesus no seio
da Igreja, não deve mais desesperar na hora extrema, quando tudo
se escurece e toda a luz e consolação acaba. Não temos mais de descer
nesse deser to da noite interior, sozinhos e sem proteção. Jesus lançou no
abismo desse mar de amargura, o abandono exterior e interior que padeceu
na cruz e assim não mais deixou os cristãos desamparados no abandono da
mor te, quando desaparece toda a consolação. Não há mais para o cristão
nem deser to, nem solidão, nem abandono, nem desespero, na hora da mor te,
no último combate; pois o Salvador, a luz, o caminho e a verdade, também
andou por esse caminho tenebroso, der ramando bênçãos e vencendo todos
os ter rores e erigiu sua cruz também nesse deser to.
Jesus, inteiramente desamparado e abandonado, ofereceu-se, como faz o
amor, a si mesmo por nós, fez até do abandono um riquíssimo tesouro; pois
se ofereceu, com toda sua vida, seus trabalhos, amor e sofrimento e a
dolorosa experiência de nossa ingratidão, ao Pai celestial, por nossa
fraqueza e pobreza. Fez testamento diante de Deus e ofereceu todos os seus
merecimentos à Igreja e aos pecadores. Pensou em todos; naquele abandono
estava com todos, até o fim dos séculos; e assim rezou também por aqueles
hereges que afir mam que sendo Deus, não sentiu as dores da Paixão e não
sofreu ou sofreu menos do que um homem comum em igual mar tírio. -
Par ticipando dessa oração e sentindo com Ele as angústias, parecia-me ouví-
Lo dizer, que: "se devia ensinar o contrário, isto é, que Ele sentiu esse
sofrimento do abandono com mais amargura do que um homem comum,
porque estava intimamente unido à Divindade, porque era verdadeiro Deus e
verdadeiro homem e no sentimento da humanidade abandonado por Deus,
bebeu, como Deus- Homem, até o fundo o cálice do abandono completo.”
E testemunhou por um grito a dor do abandono, dando assim a todos os
aflitos, que reconhecem a Deus por Pai, a liberdade de uma queixa cheia de
confiança filial. Pelas três horas, Jesus exclamou em alta voz: "Eli, Eli, lama
Sabachtani!", o que quer dizer : "Meu Deus, meu Deus, porque me
abandonastes?”
Quando esse grito de Nosso Senhor inter rompeu o angustiante silêncio que
reinava em redor da cruz, os escar necedores se voltaram novamente para Ele
e um deles disse: "Ele chama Elias", e outro: "Vamos ver, se Elias vem ajudá-
Lo a descer da cruz." Quando, porém, Maria ouviu a voz do Filho, nada mais
pôde retê-Ia; voltou para junto da cruz, seguida por João, Maria, filha de
Cleofas, Madalena e Salomé.
Enquanto o povo tremia e gemia, vinha passando per to um grupo de cerca de
trinta homens a cavalo, notáveis da Judéia e da região de Jope, que tinham
vindo para a festa; e quando viram Jesus tão hor rivelmente tratado e os
sinais ameaçadores que se mostravam na natureza, exprimiram em alta voz o
hor ror que sentiam, exclamando: "Ai! desta cidade abominável! Se nela não
estivesse o Templo, devia-se destruí-Ia a fogo, por se ter tomado culpada de
tanta iniqüidade.”
As palavras desses distintos estrangeiros foram como um ponto de apoio
para o povo, que rompeu em mur muração e altos lamentos; os que tinham os
mesmos sentimentos, juntaram-se em grupos. Todos os presentes for maram
dois par tidos: uns mur muravam e lamentavam-se, os outros proferiam
insultos e maldições. Os fariseus, porém, ficavam cada vez menos
ar rogantes; temendo um levantamento do povo, porque também o povo de
Jerusalém estava sobressaltado, aconselharam-se com o centurião
Abenadar ; deram-se ordens para fechar a por ta da cidade que dava para o
Calvário, cor tando assim toda a comunicação; mandaram também um
mensageiro a Pilatos, para pedir 500 soldados e de Herodes a guarda real,
para impedir uma insur reição. No entanto conseguiu o centurião Abenadar,
pela energia, restabelecer a ordem e calma, proibindo qualquer insulto a
Jesus, para não ir ritar o povo.
Logo depois das três horas, o céu começou a clarear-se; a lua afastou-se
gradualmente do sol, para o lado oposto àquele de que viera. O sol
reapareceu, sem brilho, ainda vedado pelo nevoeiro ver melho e a lua ia
descendo rapidamente para o outro lado, como se caísse. Pouco a pouco o
sol readquiriu mais claridade e as estrelas desapareceram; contudo o dia
ainda per manecia sombrio. A medida que reaparecia a luz, tor navam-se os
inimigos escar necedores mais ar rogantes; foi nessa ocasião que disseram:
"Ele chama Elias." Abenadar, porém, impôs-Ihes silêncio e manteve a ordem.
Quando Jesus, com um grito for te, entregou o espírito nas mãos do Pai
celestial, a alma do Salvador, qual for ma luminosa, acompanhada de
brilhante cor tejo de Anjos, entrou na ter ra, ao pé da cruz; entre os Anjos
estava também S. Gabriel. Vi esses Anjos expulsarem grande número de
espíritos maus da ter ra para o abismo. Jesus, porém, mandou muitas almas
do limbo para que, retomando os cor pos, assustassem os impenitentes, os
exor tassem a conver ter-se e dessem testemunho d’Ele.
O tremor de ter ra, na hora da mor te do Redentor, quando o rochedo do
Calvário se fendeu, causou muitos desmoronamentos e desabamentos em
todo o mundo, especialmente na Palestina e em Jer usalém. Maio povo na
cidade e no Templo sossegara um pouco, ao desaparecer a escuridão, eis
que os abalos do solo e o estrondo do desabamento dos edifícios, em muitos
lugares, espalharam um ter ror geral e ainda maior do que dantes. O pavor
chegou ao extremo, quando apareceram os mor tos ressuscitados, andando
pelas r uas e admoestando com voz rouca o povo, que fugia, chorando, em
todas as direções.
No Templo, os príncipes dos sacerdotes acabavam justamente de
restabelecer a ordem e recomeçar os sacrifícios, suspensos pelo ter ror das
trevas e triunfavam com a volta da luz, quando de repente tremeu o solo,
ouvindo-se um estrondo de muros a desabar, acompanhado de ruido sibilante
do véu do Templo, que se rasgou de alto a baixo, causando um momento de
mudo ter ror na imensa multidão, inter rompido em diversos lugares por gritos
e lamentos. Mas a multidão estava tão habituada à ordem do Templo, o
imenso edifício tão repleto de gente, a ida e vinda dos que ofereciam
sacrifícios estava tão bem regulada, as cerimônias da imolação dos
cordeiros e da aspersão do altar com o sangue se desenrolavam tão
regular mente, através das longas fileiras dos sacerdotes, acompanhadas de
canto e do alto som das trombetas, que o susto não produziu logo no
principio uma confusão e desordem geral. Assim, pois, continuavam os
sacrifícios em algumas par tes do imenso edifício do Templo, com as
inúmeras passagens e salas, quando em outra par te já reinava o espanto e
ter ror e em outros lugares os sacerdotes já conseguiam acalmar o povo; mas
ao aparecimento dos mor tos, em várias par tes do Templo, todo o povo se
dispersou e o sacrifício foi inter rompido, como se o Templo fosse profanado.
Contudo nem isso se deu repentinamente, de modo que a multidão se tivesse
precipitado pelos degraus abaixo, empur rando e esmagando-se uns aos
outros; mas dissolveu-se gradualmente, saindo em grupos, enquanto outros
eram ainda contidos pelos sacerdotes ou estavam em par tes separadas do
Templo. Todavia, manifestava-se o medo e o ter ror em toda par te, em
diversos graus, de um modo incrível.
Pode-se fazer uma idéia da desordem e confusão que reinava, imaginando um
grande for migueiro, de tranqüilo movimento, em que se jogam pedras ou se
remexe com um pau; enquanto reina confusão num ponto, em outro ainda
continua o movimento e a atividade toda regular e mesmo no lugar onde
houve desar ranjo, logo começa a restabelecer-se a ordem.
O sumo sacerdote Caifás e seu par tido, com audácia desesperada, não
perderam a cabeça. Como um hábil gover nador de uma cidade revoltada,
afastou a confusão, ameaçando aqui, exor tando ali, desunindo os par tidos,
atraindo outros com muitas promessas. Devido ao seu endureéimento
diabólico e aparente calma, conseguiu impedir uma perigosa per turbação
geral, fazendo com que a massa do povo não visse nesses acontecimentos
assustadores um testemunho da mor te inocente de Je sus. A guar nição do
for te Antônia também fez tudo para conser var a ordem; deste modo era o
ter ror e a confusão grande, é verdade, mas cessou a celebração da festa,
sem que houvesse tumulto. O povo dispersou-se, ficando ainda com um
oculto pavor, que também foi pouco a pouco abafado pela ação dos fariseus.
Essa era a situação geral da cidade; seguem-se agora alguns incidentes
par ticulares, de que ainda me lembro: As duas grandes colunas situadas à
entrada do Santuário do Templo e entre as quais estava suspensa a
magnífica cor tina, afastaram-se no alto, a da esquerda para o sul, a da
direita para o nor te; a verga que supor tavam, abaixou-se e a grande cor tina
par tiu-se em duas, de alto a baixo, com um som sibilante e, caindo as duas
par tes para os lados, abriu-se o santuário. Essa cor tina era ver melha, azul,
branca e amarela; trazia o desenho de muitas constelações dos astros e
também figuras, como, por exemplo, a da ser pente de bronze. O santuário
estava aber to a todos os olhares. Per to da cela onde Simeão costumava
rezar, no muro ao nor te, ao lado do santuário, tombou uma pedra grande e a
abóbada da cela desabou; em várias salas se afundou o solo, umbrais
deslocaram-se e colunas cederam para os lados.
No santuário apareceu, proferindo palavras de ameaça, o Sumo Sacerdote
Zacarias, que fora assassinado entre o Templo e o altar ; falou também da
mor te do outro Zacarias (*) e de João Batista, como em geral da mor te dos
profetas. Ele saiu pela aber tura que ficara, onde caiu a pedra na cela de
Simeão e falou aos sacerdotes que estavam no Santo. Dois filhos do piedoso
Sumo Sacerdote Simão o Justo, bisavô do velho sacerdote Simeão que
profetizara na apresentação de Jesus no Templo, apareceram como espíritos
grandes, per to da grande cátedra (cadeira dos doutores), proferindo palavras
severas sobre a mor te dos profetas e sobre o sacrifício que ia cessar ;
exor taram a todos a que seguissem a doutrina de Jesus crucificado. Per to do
altar apareceu o profeta Jeremias, proclamando em voz ameaçadora o fim do
sacrifício antigo e o começo do novo. Essas aparições e palavras, em lugares
onde só Caifás e os sacerdotes as ouviram, foram negadas ou ocultadas e foi
proibido falar nisso, sob pena de grande excomunhão. Mas ouviu-se ainda um
grande ruído; abriram-se as por tas do santo e uma voz gritou: "Saiamos
daqui!" Vi então Anjos, que se retiraram do Templo. O altar do incenso
tremeu e caiu um dos vasos de incenso; o ar mário que continha os rolos da
Escritura, tombou e os rolos caíram fora, em desordem; a confusão au-
mentou, não sabiam mais que hora do dia era.
(*) Em 1821 Anna Catharina contemplou o primeiro ano da vida pública de
Jesus e, em meados de Setembro, contou muitas coisas sobre as relações do
Senhor com um velho Esseno, Eliud, sobrinho de Zacarias pai de João
Batista. Eliud morava num lugar situado antes de chegar a Nazaré, onde
também Jesus ficou alguns dias antes de ser batizado. Das conversas de
Eliud e Jesus, Anna Catharina aprendeu muitos fatos, que se referem aos
primórdios da história da sagrada Família. Entre outros contou, a 18 de
Setembro, pelas visões que teve, de dez dias antes do batismo de Jesus:
"Hoje ouvi o seguinte: no sexto ano de João Batista foi Isabel, sua mãe, viver
com ele no deser to. Não podia mais ficar em casa, por causa da tristeza que
a acabrunhava: pois Herodes mandara prender o marido, Zacarias, que
estava em viagem de Hebron a Jerusalém, para fazer o ser viço no Templo:
depois de o ter sujeitado a cruéis tor turas mandara matá-Io, por não querer
revelar o esconderijo do filho. Amigos sepultaram o cor po per to do Templo.
Esse não é, porém, aquele Zacarias que fora mor to entre o Templo e o altar,
a quem vi aparecer depois da mor te de Jesus; saiu do muro, ao lado do
oratório do velho Simeão e andou pelo Templo; o túmulo em que estava, era
no muro e r uiu, como vários outros sepulcros no Templo, etc.
15. O coração de Jesus trespassado por uma lança. Esmagamento das per nas
e mor te dos ladrões
Durante todo esse tempo reinava silêncio e tristeza sobre o Gólgota. O povo
assustado dispersara-se, indo esconder-se em casa. A Mãe de Jesus e João,
Madalena, Maria, filha de Cleofas e Salomé estavam, em pé ou sentados, em
frente à cruz, com as cabeças veladas, chorando. Alguns soldados estavam
sentados no bar ranco, com as lanças fincadas no chão. Cássio, a cavalo, ia
de um lado para outro. Os soldados conversavam do alto do Cal vário com
outros que estavam mais em baixo. O céu estava nublado e toda a natureza
parecia abatida e de luto. Vieram então seis car rascos, subindo o monte Cal
vário; trouxeram escadas, pás e cordas, como também pesadas maças de
fer ro de três gumes, para esmagar as per nas dos executados.
Quando os car rascos entraram no círculo do suplício, os parentes de Jesus
retiraram-se um pouco. A Santíssima Virgem foi novamente presa de angústia
e receio de que os verdugos ainda maltratassem o Cor po de Jesus; pois
encostaram as escadas à cruz e subindo, sacudiram o santo Cor po
conferindo se apenas se fingia mor to. Como, porém, notassem que o cor po já
estava inteiramente frio e rígido e João, a pedido das mulheres piedosas, a
eles se dirigisse para impedir a crueldade, deixaram provisoriamente o cor po
do Senhor, mas não pareciam convencidos de que estivesse mor to. Subiram
então pelas escadas nas cruzes dos ladrões; dois esmagaram, com as maças
cor tantes, os ossos dos braços acima e abaixo do cotovelo, um terceiro fez o
mesmo acima e nas canelas, abaixo dos joelhos. Gesmas soltou gritos
hor ríveis. Esmagaram-lhe em três golpes o peito, para acabar de matá-Io.
Dimas gemeu com a tor tura e mor reu; foi o primeiro mor tal que tor nou a ver
o Redentor. Os car rascos desataram então as cordas, deixando cair os
cor pos no chão e ar rastando-os depois com cordas, para o vale entre o Cal
vário e o muro da cidade, onde os enter raram.
Os car rascos ainda pareciam duvidar da mor te do Senhor e os parentes de
Jesus estavam ainda mais assustados, pela br utalidade com que haviam
procedido e com medo de que pudessem voltar. Mas Cássio, oficial
subalter no, homem de 25 anos, ativo e um pouco precipitado, cuja vista
cur ta e cujos olhos tor tos, juntamente com os ares de importância que se
dava, provocavam freqüentemente a troça dos subordinados, recebeu de
repente uma inspiração sobrenatural. A crueldade e vil brutalidade dos
car rascos, o medo das santas mulheres e um impulso repentino, causado por
uma graça divina, fizeram-no cumprir uma profecia. Ajustando a lança, que
trazia em geral dobrada e encur tada, fir mou-lhe a ponta e virando o cavalo,
esporeou-o para subir o cume, onde estava a cruz e onde o cavalo quase não
podia virar ; vi como o afastou da fenda do rochedo. Parando assim entre a
cruz do bom ladrão e a de Jesus, ao lado direito do cor po de Nosso Salvador,
tomou a lança com ambas as mãos e introduziu-a com tal força no lado
direito do Santo Cor po, através das entranhas e do coração, que a ponta da
lança saiu um pouco do lado esquerdo, abrindo uma pequena ferida. Quando
tirou depois com força a santa lança, brotou da larga chaga do lado direito
do Redentor um rio de sangue e água que, caindo, banhou o rosto de Cássio,
como uma onda de salvação e graça. Ele saltou do cavalo e, prostrando-se de
joelhos, bateu no peito e confessou a fé em Jesus em alta voz, diante de
todos os presentes.
A Santíssima Virgem e os outros, cujos olhos estavam sempre fixos no
Salvador, viram a súbita ação do oficial com grande angústia e acom-
panharam o golpe da lança com um grito de dor, precipitando-se para a cruz.
Maria caiu nos braços das amigas, como se a lança lhe tivesse transpassado
o próprio coração e sentisse o fer ro cor tante atravessá-Io de lado a lado.
Cássio, caindo de joelhos, louvava a Deus, pois, iluminado pela graça, ficou
crendo e também os olhos do cor po se lhe curaram e desde então via tudo
cIaro e distinto. Mas ao mesmo tempo ficaram todos profundamente
comovidos à vista do sangue que, misturado com água, se juntara,
espumante, numa cavidade da rocha, ao pé da cruz; Cássio, Maria
Santíssima, as santas mulheres e João apanharam o sangue e a água em
tigelas, guardando-o depois em frascos e enxugando-o da rocha com panos.
Cássio estava como que transfor mado; tinha recobrado a vista perfeita e
profundamente comovido, cur vava-se diante de Deus, com coração humilde.
Os soldados presentes, tocados pelo milagre que se operara nele,
prostraram-se de joelhos, batiam no peito e louvavam a Jesus. O sangue e a
água cor riam abundantemente da larga chaga do lado direito do Salvador,
sobre a rocha limpa, onde se juntaram; apanharam-no, com indizível comoção
e as lágrimas de Maria e Madalena misturavam-selhe. Os car rascos, que
nesse ínterim tinham recebido a ordem de Pilatos de não tocar no cor po de
Jesus, que doara a José de Arimatéia, para o sepultar, não voltaram mais.
A lança de Cássio, constava de várias peças, que eram ajustadas uma sobre
a outra; quando dobrada, parecia apenas um bastão, de pouco comprimento.
A par te de fer ro que feria, tinha a for ma de pêra achatada; quando se queria
ser vir da lança, enfiava-se-Ihe a ponta e abriam-se em baixo duas lâminas de
fer ro, cur vas e movediças.
Tudo Isso se passou em redor da cruz de Jesus, logo depois das quatro
horas, quando José de Arimatéia e Nicodemos estavam ocupados em juntar
as coisas necessárias para o enter ro. Os criados de Joséde Arimatéia foram,
enviados para limpar o sepulcro e anunciaram aos amigos de Jesus no
Gólgota que José recebera de Pilatos licença para tirar da cruz o cor po do
Mestre e sepultá-Io no seu sepulcro; então voltou João, com as santas
mulheres, à cidade, dirigindo-se ao monte Sião, para que a Santíssima
Virgem pudesse tomar algum alimento e também para buscar alguns objetos
para o enter ro. Maria tinha uma pequena habitação nos edifícios laterais do
Cenáculo. Não entraram pela por ta mais próxima, mas, mais ao sul, pela
por ta que conduz a Belém; pois a por ta para o Cal vário estava fechada e
ocupada por dentro pelos sbldados que os fariseus tinham requisitado, com
medo de um levante do povo.
Quando Jesus, com um grito for te, rendeu a santíssima alma, vi-a, qual figura
luminosa, acompanhada de muitos Anjos, entre os quais também Gabriel,
descer pela ter ra a dentro, ao pé da cruz. Vi, porém, que a divindade lhe
ficou unida tanto à alma, como também ao cor po, pregado à cruz. Não sei
explicar o modo porque se passou. Vi o lugar aonde se dirigiu a alma de
Jesus; era dividido em três par tes, parecendo três mundos e eu tinha a
sensação de que tinha a for ma redonda e que cada um estava separado do
outro por uma esfera.
Antes de chegar ao limbo, havia um lugar claro e, por assim dizer, mais
verdejante e alegre. Era o lugar em que vejo sempre entrarem as almas remi
das do purgatório, antes de serem levadas ao céu. O limbo, onde se achavam
os que esperavam a redenção, estava cercado de uma esfera cinzenta,
nebulosa e dividido em vários círculos. Nosso Salvador, conduzido pelos
Anjos como em triunfo, entrou por entre dois desses círculos, dos quais o
esquerdo encer rava os Patriarcas até Abraão e o direito as almas de Abraão
até João Batista. Jesus penetrou por entre os dois; eles, porém, ainda não O
conheciam, mas estavam todos cheios de alegria e desejo; foi como se
dilatassem esses páramos da saudade angustiosa, como se ali entrassem o
ar, a luz e o or valho da Redenção. Tudo se deu rapidamente, como o sopro do
vento. Jesus penetrou através dos dois círculos, até um lugar cercado de
neblina, onde se achavam Adão e Eva, nossos primeiros pais. Falou-Ihes e
adoraram-nO com indizível felicidade. O cor tejo do Senhor, ao qual se juntou
o primeiro casal humano, dirigiu-se então à esquerda, ao limbo dos
Patriarcas que tinham vivido antes de Abraão. Era uma espécie de
purgatório; pois entre eles se moviam, cá e lá, maus espíritos, que
ator mentavam e inquietavam algumas dessas almas de muitas maneiras. Os
Anjos bateram e mandaram que abrissem; pois havia lá uma entrada, uma
espécie de por ta, que estava fechada; os Anjos anunciaram a vinda do
Senhor, parecia-me ouví-Ios exclamar : "Abri as por tas!" Jesus entrou
triunfalmente; os espíritos maus, retirando-se, gritaram: "Que tens conosco?
Que queres fazer de nós? Queres crucificar-nos também?, etc." - Os Anjos,
porém, amar raram-nos e empur raram-nos para diante. Essas almas sabiam
pouco de Jesus, tinham só uma idéia obscura do Salvador ; Jesus anunciou-
Ihes a Redenção e eles lhe cantaram louvores. Dirigiu-se então a alma do
Senhor ao espaço à direita, ao verdadeiro limbo, em frente ao qual se
encontrou com a alma do bom ladrão, conduzida por Anjos ao seio de Abraão
e com a do mau ladrão que, cercado de espíritos maus, foi precipitada no
infer no. A alma de Jesus dirigiu-Ihes algumas palavras e entrou então no seio
de Abraão, acompanhada dos Anjos, das almas remidas e dos demônios
expulsos.
Esse lugar parecia-me situado um pouco mais alto; era como se se subisse
do subter râneo de uma igreja à igreja superior. Os demônios amar rados
quiseram resistir, não queriam passar ; mas foram levados à força pelos
Anjos. Neste lugar estavam todos os santos Israelitas, à esquerda os
Patriarcas, Moisés, os Juízes, os Reis; à direita os profetas e todos os
antepassados e parentes de Jesus, até Joaquim, Ana, José, Zacarias, Isabel
e João. Nesse lugar não havia nenhum mau espírito, nem tor mento algum, a
não ser o desejo ansioso da Redenção, que se realizara enfim. Indizível
delícia e felicidade enchia as almas todas, que saudavam e adoravam o
Salvador ; os demônios amar rados foram obrigados a confessar sua ignomínia
diante delas. Muitas dessas almas foram enviadas à ter ra, para entrar nos
respectivos cor pos e dar testemunho do Senhor. Foi nesse momento que
tantos mor tos saíram dos sepulcros em Jer usalém; apareciam como
cadáveres ambulantes, depositando depois novamente os cor pos, como um
mensageiro da justiça deposita o manto oficial, depois de ter cumprido as
ordens do superior.
Vi depois o cor tejo triunfal do Salvador entrar numa esfera mais baixa, uma
espécie de lugar de purificação, onde se achavam piedosos pagãos que
tinham tido um pressentimento da verdade e o desejo de conhecê-Ia. Havia
entre eles espíritos maus, porque tinham ídolos; vi os espíritos malignos
forçados a confessar o embuste e as almas adorarem o Senhor com alegria
tocante. Os demônios desse lugar foram também amar rados e levados no
cor tejo. Assim vi o Salvador passar triunfalmente, com grande velocidade,
por vários lugares onde estavam almas encer radas, liber tando-as e fazendo
ainda muitas outras coisas, mas no meu estado de miséria não posso contar
tudo.
Por fim o vi aproximar-se, com ar severo, do centro do abismo, do infer no,
que me apareceu sob a for ma de um imenso edifício hor rível, for mado de
negros rochedos, de brilho metálico, cuja entrada tinha enormes por tas,
ter ríveis, pretas, fechadas com fechaduras e fer rolhos que causavam medo.
Ouviam-se uivos de desespero e gritos de tor mento, abriram-se as por tas e
apareceu um mundo hediondo e tenebroso.
Assim como vi as moradas dos bem-aventurados sob a for ma de uma cidade,
a Jerusalém celeste, com muitos palácios e jardins, cheios de frutas e flores
maravilhosas, de várias espécies, confor me as inúmeras condições e graus
de santidade, assim vi também o infer no como um mundo separado, com
muitos edifícios, moradas e campos. Mas tudo destinado, ao contrário, à
tor tura e às penas dos condenados. Como na morada dos bem-aventurados
tudo é disposto segundo as causas e condições da eter na paz, har monia e
alegria, assim no infer no se manifesta em tudo a eter na ira, discórdia e
desespero. Como no céu há muitíssimos edifícios, indizivelmente belos,
transparentes, destinados à alegria e à adoração, assim há no infer no
inúmeros e variados cárceres e caver nas, cheios de tor tura, maldição e
desespero. No céu há maravilhosos jardins, cheios de frutos de gozo divino;
no infer no hor rendos deser tos e pântanos, cheios de tor mentos e angústias e
de tudo que pode causar hor ror, medo e nojo. Vi templos, altares, castelos,
tronos, jardins, lagos, rios de maldição, de ódio, de hor ror, de desespero, de
confusão, de pena e tor tura; como há no céu rios de bênção, de amor, de
concórdia, de alegria e felicidade; aqui a eter na, ter rível discórdia dos
condenados; lá a união bem-aventurada dos santos. Todas as raízes
da cor rupção e do er ro produzem aqui tor tura e suplício, em
inumeráveis manifestações e operações; há só um pensamento reto: a idéia
austera da justiça divina, segundo a qual cada condenado sofre a pena, o
suplí cio, que é o fruto necessário de seu crime; pois tudo que se passa e
se vê de hor rível nesse lugar, é a essência, a for ma e a per versidade
do pecado desmascarado, da ser pente que ator menta com o veneno maldo so
os que o alimentaram no seio. Vi lá uma colunata hor rorosa, em que tudo se
referia ao hor ror e à angústia, como no reino de Deus à paz e ao repouso.
Tudo se compreende facilmente, ao vê-Io, mas é quase impossível exprimir
tudo em palavras.
Quando os Anjos abriram as por tas, viu-se um caos de contradição, de
maldições, de injúrias, de uivos e gritos de dor. Vi Jesus falar à alma de
Judas. Alguns dos Anjos prostraram exércitos inteiros de demônios. Todos
foram obrigados a reconhecer e adorar Jesus, o que foi para eles o maior
suplício. Grande número deles foram amar rados a um círculo, que cercava
muitos outros, que deste modo tam bém ficaram presos. No centro havia um
abismo de trevas, Lúcifer foi amar rado e lançado nesse abismo, onde
vapores negros lhe fer viam em redor. Tudo se fez segundo os decretos
divinos. Ouvi dizer que Lúcifer, se não me engano, 50 ou 60 anos antes do
ano 2.000 de Cristo, seria novamente solto por cer to tempo. Muitas outras
datas e números foram indicados, dos quais não me lembro mais. Deviam
ser soltos ainda outros demônios antes desse tempo, para provação
e castigo dos homens. Creio que também em nossO tempo era a vez
de alguns deles e de outros pouco depois do nosso tempo.
É-me impossível contar tudo quanto me foi mostrado; são muitas coisas e
não as posso relatar em boa ordem; também me sinto tão doente e quando
falo dessas coisas, elas se me representam novamente diante dos olhos e só
o aspecto já é suficiente para nos fazer mor rer.
Ainda vi exércitos imensos de almas remidas saírem do purgatório e do
limbo, acompanhando o Senhor, para um lugar de delícias abaixo
da Jerusalém celeste. Foi lá que vi também, há algum tempo, um amigo
falecido. A alma do bom ladrão foi também conduzida para lá e viu assim o
Senhor no Paraíso, confor me a promessa. Vi que nesse lugar
foram preparados banquetes de alegria e confor to, como os tenho visto
já muitas vezes, em visões consoladoras.
Não posso indicar com exatidão o tempo e a duração de tudo que se passou,
como também não posso contar tudo quanto vi e ouvi lá porque eu mesma
não compreendo mais tudo, já porque podia ser mal compreendida pelos
ouvintes. Vi, porém, o Senhor em lugares muito diferentes, até no mar,
parecia santificar e liber tar todas as criaturas; em toda par te fugiam os
maus espíritos diante d’Ele e lançaram-se no abismo. Vi também a alma do
Senhor em muitos lugares da ter ra. Vi-Q aparecer no sepulcro de Adão e Eva,
sob o Gólgota. As almas de Adão e Eva juntaram-se-Ihe novamente; falou-Ihes
e com elas Q vi passar, como sob a ter ra, em muitas direções e visitar os
túmulos de muitos profetas, cujas almas se lhe juntaram, próximo das
respectivas ossadas e explicou-Ihes o Senhor muitas coisas. Vi-O depois,
com esse séquito escolhido, em que seguia também Davi, passar em muitos
lugares de sua vida e paixão, explicando-Ihes com indizível amor todos os
fatos simbólicos que se tinham dado ali e o cumprimento dessas figuras em
sua pessoa.
Vi-O especialmente explicar às almas tudo quanto se dera de fatos
figurativos no lugar em que foi batizado e contemplei muito comovida a
infinita misericórdia de Jesus, que as fez par ticipar da graça de seu santo
Batismo.
Causou-me inexprimível comoção ver a alma do Senhor, acompanhada por
esses espíritos bem-aventurados e consolados, passar, como um raio de luz,
através da ter ra escura e dos rochedos, pelas águas e pelo ar e pairar tão
sereno sobre a ter ra.
É o pouco de que me lembro ainda, de minha contemplação da descida do
Senhor aos infer nos e da redenção das almas dos Patriarcas, depois de sua
mor te; mas além dessa visão dos tempos passados, vi nesse dia uma imagem
eter na de sua misericórdia para com as pobres almas do purgatório. Vi que,
em cada aniversário desse dia, lança por meio da Igreja, um olhar de
salvação ao purgatório; vi que já no Sábado Santo remiu algumas almas do
purgatório, que tinham pecado contra Ele na hora da crucificação.
A primeira descida de Jesus ao limbo é o cumprimento de figuras anteriores
e, por sua vez, é a figura da redenção atual. A descida aos infer nos que vi,
referia-se ao tempo passado, mas a salvação de hoje é.uma verdade
per manente; pois a descida de Jesus aos infer nos é o plantio de uma ár vore
da graça, destinada a administrar os seus méritos divinos às almas do
purgatório e a redenção contínua e atual dessas almas é o fruto dessa ár vore
da graça no jardim espiritual do ano eclesiástico. A Igreja militante deve
cuidar dessa ár vore, colherlhe os frutos, para os outorgar à Igreja
padecente, porque essa nada pode fazer em seu próprio proveito. Eis o que
se dá em todos os merecimentos de Nosso Senhor ; é preciso cooperar, para
ter par te neles. Devemos comer o pão ganho com o suor de nosso rosto.
Tudo quanto Jesus fez por nós no tempo, dá frutos eter nos; mas
devemos cultivá-Ios e colhê-Ios no tempo, para poder gozá-Ios na eter nidade.
A Igreja é como um bom pai de família; o ano eclesiástico é o jardim mais
perfeito, com todos os frutos eter nos no tempo; em um ano tem bastante de
tudo para todos. Ai! dos jardineiros preguiçosos e infiéis, que deixam perder
uma graça, que poderia curar um enfer mo, for talecer um fraco, saciar um
faminto: no dia de juízo terão de dar conta até do menor pézinho de er va.
9
A sepultura de Jesus
A sepultura de Jesus
Esse jardim (*) está situado a cerca de sete minutos do monte Calvário,
per to da por ta de Belém, na encosta que vai subindo até os muros da cidade;
é um belo jardim, com grandes ár vores e bancos, em lugares com sombra; de
um lado se estende até o muro da cidade, no alto da encosta. Quem vem da
por ta ao nor te do vale, entrando no jardim, tem à esquerda o ter reno do
jardim, que sobe até o muro da cidade; e vê no fundo do mesmo, à direita, um
rochedo isolado, onde é o sepulcro.
Essa por ta é de metal, que parece ser cobre e abre em dois batentes que,
aber tos, se encostam à parede em ambos os lados; não fica per pendicular,
mas um pouco inclinada para o nicho e quase tocando o solo, de modo que
uma pedra colocada em frente impede de abri-Ia. A pedra destinada a esse
fim ainda estava fora da gruta e foi colocada à por ta fechada só depois de
depositado o cor po de Nosso Senhor no sepulcro. É grande e um pouco
ar redondada para o lado da por ta, porque as paredes laterais também não
estão em ângulo reto. Para abrir os batentes da por ta não é necessário rolar
a pedra para fora da gruta, o que seria bastante difícil, por causa da falta de
espaço; mas passa-se uma cor rente, que pende da abobada, através de
algumas argolas, fixas para esse fim na pedra; puxando pela cor rente,
levanta-se a pedra, mas mesmo assim, só com esforço de vários homens se a
desloca, encostando-a à parede lateral.
2. O descendimento da cruz
A Santíssima Virgem estava sentada sobre uma cober ta, estendida sobre a
ter ra; o joelho direito, um pouco elevado, como também as costas, apoiavam-
se-Ihe sobre uma almofada, feita de mantos enrolados; fizeram esse ar ranjo
para facilitar à Mãe, exausta de dor e cansaço, a triste obra de caridade que
ia fazer, para com o santo cor po do Filho querido, cruelmente assassinado. A
santa cabeça de Jesus, um pouco cur vada, estava encostada ao joelho de
Maria; o cor po jazia estendido sobre o pano. Igualavam-se a dor e o amor da
Virgem Santíssima. Tinha de novo nos braços o cor po do Filho adorado, a
quem durante tão longo mar tírio não pudera testemunhar seu amor ; via
quanto estava desfigurado o santo cor po, pelas hor ríveis crueldades, via-lhe
de per to as feridas, beijava-lhe as faces sangrentas, enquanto Madalena
jazia prostrada por ter ra, com o rosto sobre os pés de Jesus.
Os homens retiraram-se então para um pequeno vale, situado a sudoeste, na
encosta do Cal vário, onde tencionavam ter minar o embalsamamento e
ar rumaram tudo quanto era necessário para esse fim. Cássio, com um grupo
de soldados que se tinham conver tido, mantinhase a respeitosa distância;
toda a gente inimiga do Mestre tinha já voltado para a cidade e os soldados
ainda presentes ficaram para ser vir de guarda' e impedir que alguém viesse
per turbar as últimas honras prestadas a Jesus. Alguns ajudavam, comovidos
e humildes, prestando pequenos ser viços, quando Ihes pediam.
Todas as santas mulheres ajudavam, onde era preciso, passando os vasos
com água, esponjas, panos, ungüentos e especiarias ou mantinham-se
atentas a cer ta distância. Entre elas se achavam Maria, filha de Cleofas,
Salomé e Verônica; Madalena estava sempre ocupada com o santo cor po;
Maria Helí, a ir mã mais velha da Santíssima Virgem, senhora já idosa, estava
sentada silenciosa, João estava sempre ao lado da Santíssima Virgem,
pronto a prestar-lhe qualquer auxílio; era o mensageiro entre as mulheres e
os homens; ajudava àquelas e depois prestou também muitos ser viços aos
homens, durante o embalsamamento. Estava tudo muito bem preparado; as
mulheres trouxeram odres de couro, que se podiam abrir e dobrar e um vaso
com água, que estava sobre uma fogueira de car vão. Trouxeram a Maria e a
Madalena tigelas com água e esponjas limpas, espremendo as usadas e
despejavam a água usada nos odres de couro. Creio, pelo menos, que os
chumaços redondos que as vi espremerem, eram esponjas.
A Santíssima Virgem conser vava um ânimo for te, em toda a sua indizível dor ;
(*) mesmo em sua tristeza não podia deixar o santo cor po no hor rendo
estado em que o pusera o ignominioso suplício e assim começou, com
atividade infatigável, a lavá-Io cuidadosamente. Abrindo a coroa de espinhos
pelo lado posterior, tirou-a cuidadosamente da cabeça de Jesus, com auxílio
dos outros. Para que os espinhos que entraram na cabeça, não alargassem
as feridas, foi preciso cor tá-Ios um a um da coroa. Colocaram depois a coroa
junto aos cravos, ao lado, e Maria tirou alguns espinhos compridos e
fragmentos que tinham ficado na cabeça do Salvador, com uma espécie de
pinças cur vas e elásticas, de cor amarela e mostrou-os tristemente aos
amigos compassivos. Puseram os espinhos junto à coroa; mas é possível que
alguns fossem guardados como lembrança.
Quase não se podia mais reconhecer o rosto do Senhor, tão desfigurado
estava pelas feridas e pelo sangue. O cabelo e a barba, em desalinho,
estavam completamente colados pelo sangue. Maria lavou-lhe o rosto e a
cabeça, passando esponjas molhadas sobre o cabelo, para tirar o sangue que
secara. A medida que lavava, tor navam-se mais visíveis os efeitos do cruel
suplício, causando cada vez novas manifestações de compaixão, novos
cuidados, de ferida em ferida. Maria limpou-lhe as feridas da cabeça, lavou o
sangue dos olhos, das narinas e dos ouvidos, com uma esponja e um pequeno
lenço, estendidos sobre os dedos da mão direita; com esse limpou também a
boca entreaber ta, a língua, os dentes e os lábios de Nosso Senhor. Dispôs o
pouco que restava da cabeleira de Jesus em três par tes, uma para cada lado
e uma para o lado posterior da cabeça e depois de alisar os cabelos de
ambos os lados, fê-los passar por trás das orelhas. Quando acabou de limpar
a cabeça, deu-Lhe um beijo na face e cobriu o santo rosto. Dirigiu então os
cuidados ao pescoço, aos ombros, ao peito e às costas do santo cor po, aos
braços e às mãos laceradas e sangrentas. Ai! Então se viu toda a hor renda
dilaceração do santo cor po. Todos os ossos do peito e todas as ar ticulações
estavam deslocadas e tor naram-se inflexíveis; o ombro sobre o qual Jesus
transpor tou a pesada cruz, era uma grande chaga; toda a par te superior do
cor po estava cober ta de feridas e pisaduras, causadas pela flagelação; no
lado esquerdo se via uma ferida pequenina, onde saíra a ponta da lança e no
lado direito se abria a larga chaga feita pela mesma lança, que também lhe
traspassou o coração de lado a lado. Maria Santíssima lavou e limpou todas
essas feridas. Madalena, prostrada de joelhos, ficava-lhe às vezes em frente,
para a ajudar, mas quase sempre estava aos pés de Jesus, os quais lavou
então pela última vez, mais com as lágrimas do que com água, enxugando-os
com o cabelo.
Quando criança, pensava eu sempre, ao ver esse pano, que era o mesmo que
vi no embalsamamento do Senhor. Provavelmente tinha o feitio de uma rede,
para deixar escor rer a água, ao lavar. Vi mais um pano grande, estendido
sobre a pedra. Deitaram o cor po do Senhor sobre o primeiro e alguns
seguravam o outro por cima. Nicodemos e José de Arimatéia ajoelharam-se e
desataram, sob essa cober ta, o lençol em que tinham envolvido o ventre do
Senhor, ao descê-Lo da cruz. Depois tiraram também do santo cor po a cinta
que Jonadab, sobrinho do pai nutrício do Salvador, lhe trouxera antes da
crucifixão. Lavaram então o ventre do Senhor com esponjas, sob o pano com
que o cobriam, com piedoso recato e que o tor nava invisível aos seus olhos.
Cober to ainda com o pano, levantaram-nO depois, por meio de outros panos,
passados sob os braços e joelhos e assim lhe lavaram também as costas,
sem virar o cor po. Continuavam a lavar, até que a água espremida das
esponjas escor ria clara e limpa. Depois o lavaram ainda com água de mir ra e
vi que depuseram o santo cor po sobre a pedra, estendendo-o
respeitosamente com as mãos, dandolhe uma posição reta, pois o meio do
cor po e as per nas estavam ainda um pouco cur vas, entesadas, na posição
em que se encolhera, mor rendo. Puseram-Lhe então sob os lombos um pano
da largura de um côvado e cerca de três côvados de comprimento, enchendo-
lhe o seio de molhos de er vas, - como vejo às vezes em banquetes celestes,
er vas verdes em pratos de couro, com borda azul, - e de fibras finas e
crespas de plantas parecidas com açafrão e sobre tudo isso espalharam um
pó fino, que Nicodemos trouxera num vaso. Envolveram depois o ventre, com
todas essas especiarias, no pano, puxaram uma par te deste, por entre as
per nas, para cima e fixaram-na sobre o ventre, fazendo entrar a extremidade
do pano por baixo do cinto. Depois de O ter deste modo envolvido, ungiram
todas as chagas das coxas, cobriram-nas de especiarias, puseram molhos de
er vas entre as per nas, até os pés e enrolaram as per nas junto com as er vas,
de baixo para cima.
Então foi João chamar a Santíssima Virgem e as outras santas mulheres.
Maria ajoelhou-se ao lado da cabeça, colocando sob essa um lenço fino, que
recebera de Cláudia Prócula, mulher de Pilatos e que trouxera ao pescoço,
sob o manto. Ela e as outras santas mulheres encheram então os espaços
entre a cabeça e os ombros, em redor do pescoço, até às faces de Jesus,
com molhos de er vas, com as fibras e o pó fino e feito isso, a Santíssima
Virgem atou tudo com aquele pano, envolvendo cabeça e ombros. Madalena
der ramou ainda um frasco inteiro de um líquido aromático na ferida do lado
de Jesus e as santas mulheres puseram-lhe ainda er vas e especiarias nas
mãos e em redor dos pés. Os homens puseram especiarias nas axilas, na
cova estomacal, enchendo todo o espaço em redor do cor po, cruzaram sobre
o seio os santos braços entor pecidos e envolveram finalmente todo o cor po,
junto com as especiarias, no grande pano branco, até o peito, como se
enfaixa uma criança; depois fizeram entrar sob um dos braços já enfaixados
a extremidade de uma faixa, com a qual enrolaram todo o cor po, levantando-
o e começando pela cabeça. Feito isto, puseram-no sobre o pano grande, de
seis côvados de comprimento, o qual José de Arimatéia comprara e nele
o envolveram. O cor po jazia obliquamente sobre o pano, do qual dobraram
uma extremidade dos pés até o peito, a outra, de cima, sobre a cabeça e
ombros; com as par tes salientes dos lados envolveram o meio do cor po.
Todos se ajoelharam então em redor do cor po, para se despedirem, chorando
e eis que um milagre comovente se lhes deparou ante os olhos: Toda a figura
do santo cor po, com todas as feridas, apareceu na superfície do pano que o
cobria, desenhado em cor ver melhoescura, como se Jesus quisesse
recompensar-Ihes os cuidados carinhosos e a tristeza, deixando-Ihes o
retrato, através de todo o invólucro. Chorando alto, abraçaram o santo cor po,
beijando e venerando a milagrosa imagem. A admiração de que estavam
possuídos, era tão grande, que de novo abriram o pano e tor nou-se ainda
maior, quando acharam todas as faixas e ataduras do cor po brancas como
dantes; só o pano exterior trazia a imagem da figura do Senhor.
A par te do pano sobre a qual jazia o cor po, mostrava o desenho do dorso do
Senhor e os lados do pano que o cobriam, sobrepostos, apresentavam a
imagem da frente, porque na frente estava o pano dobrado sobre Ele, com
vários cantos. A imagem não dava a impres são de feridas sangrentas, pois
todo o cor po estava envolto espessamente em especiarias, com muitas
ataduras; era, porém, uma ima gem milagrosa, testemunho da divindade
criadora, que per manecera unida ao cor po de Jesus.
Vi também muitos fatos da história posterior dessa santa mor talha, os quais,
porém, não sei mais contar na devida ordem. Ela estava, junto com outros
panos, na posse dos amigos de Jesus, depois da ressur reição. Uma vez vi
que foi ar rancada a uma pessoa, que a levava sob o braço. Vi-a duas vezes
nas mãos de judeus, mas também muito tempo em diversos lugares, venerada
pelos cristãos. Uma vez houve uma questão por causa dela e para a ter minar,
jogaram a mortalha no fogo, mas foi milagrosamente levada pelos ares e caiu
nas mãos de um cristão.
Foram feitas três cópias da santa imagem, por santos homens, que puseram
outros panos em cima, com fer vorosa oração, reproduzindo assim tanto a
figura do dorso, como também a imagem composta da frente. Essas cópias
foram consagradas pelo contato na intenção solene da Igreja e em todos os
tempos têm sido instrumento de muitos milagres. O original vi uma vez, um
pouco estragado, com alguns rasgões, na Ásia, venerado por cristãos não
católicos. Esqueci o nome da cidade, que fica situada num vasto país,
vizinho da ter ra dos Reis Magos. Vi nessas visões também cer tas coisas de
Turim e da França, do Papa Clemente I e do imperador Tibério, que mor reu
cinco anos depois da mor te de Cristo; mas esqueci-as.
4. O enter ro
10
A Gloriosa Ressur reição de Jesus
1. As vésperas da ressur reição
2. José de Arimatéia é posto em liberdade
3. A noite antes da ressur reição de Jesus
4. A Ressur reição do Senhor
5. As santas mulheres no sepulcro. Aparições de Jesus
6. Relatório da guarda do sepulcro
7. Ameaças dos inimigos
8. Ágape após a ressur reição de Jesus
Depois de ter minado o sábado, entrou João na sala das piedosas mulheres,
chorou com elas e consolou-as. Quando, após algum tempo saiu, entraram
Pedro e Tiago o Maior para o mesmo fim, demorando-se também pouco tempo
apenas. Retiraram-se então as santas mulheres mais uma vez para a cela,
chorando ainda por algum tempo, sentadas sobre a cinza e cober tas do véu
de luto.
Enquanto a Santíssima Virgem estava sentada, em ardente oração, cheia de
saudade de Jesus, vi acercar-se-lhe um Anjo, que lhe disse que saísse pela
por tinha de Nicodemos, pois o Senhor se aproximava. Encheu-se então o
coração de Maria de profunda alegria; envolvendo-se no manto, ela deixou as
santas mulheres, sem dizer onde ia. Vi-a dirigirse apressada àquela por tinha
do muro da cidade pela qual tinham entrado, ao voltar do Sepulcro.
Podiam ser cerca de 9 horas da noite, quando vi a Santíssima Virgem parar
de repente o passo apressado, num lugar deser to, per to dessa por tinha;
olhou com radiante amor para o muro da cidade. A alma de Jesus veio
voando, resplandecente, sem sinais das chagas, ao encontro de Maria,
seguida de um grande número de almas dos patriarcas. Virando-se para os
patriarcas e indicando Maria, disse estas palavras: "Maria, minha Mãe" e foi
como se a abraçasse; depois desapareceu. Maria, porém, caiu de joelhos e
beijou a ter ra onde Ele pisara; os sinais dos joelhos e pés da Virgem ficaram
impressos na pedra. Voltou então, cheia de indizível consolação, para junto
das santas mulheres, que encontrou reunidas em redor de uma mesa,
preparando ungüentos e especiarias. Não lhes disse o que lhe sucedera; mas
estava confor tada e consolou a todos e confir mou-as na fé.
Quando Maria voltou, vi as santas mulheres em redor de uma longa mesa, de
pés cruzados, como um aparador e cuja toalha pendia até o chão. Vi algumas
escolherem, misturarem e ar r umarem variadíssimos molhos de er vas; tinham
também alguns frascos com ungüento e outros com água de nardo, como
também várias flores vivas, entre as quais me lembro de ter visto uma íris
listrada ou um lírio; embrulharam tudo em panos. Durante a ausência de
Maria, tinham ido à cidade Madalena, Maria Cleofa, Salomé, Joana Cuza e
Maria Salomé, para comprar tudo. Queriam ir na madrugada do dia seguinte
ao sepulcro, para der ramar e espalhar tudo sobre o cor po amor talhado do
Senhor. Vi os discípulos buscarem uma par te das especiarias em casa
daquela merceeira e entregarem-nas à por ta da casa das santas mulheres,
sem entrar lá.
11
Outras aparições de Jesus até a ascensão
12
A Ascensão e a vinda do Espírito Santo
Pedro foi ao Templo, com João e os outros sete Apóstolos que ficaram em
Jerusalém. "Já no caminho fora da cidade, no vale de Josafá, havia muitos
enfer mos, deitados em redor do Templo, no átrio dos gentios e até na
escadaria do Templo. Vi que era principalmente Pedro que curava; os outros
curavam também, é verdade, mas era mais para auxiliar a Pedro. Este curava
só aqueles que acreditavam em Jesus e se queriam unir à comunidade dos
cristãos. Onde havia uma dupla fila de doentes, vi a sombra de Pedro cair
sobre a segunda fila, enquanto curava e os enfer mos saravam pela vontade
dele. A muitos se negou a curar. Ensinou também no Templo, defronte do
altar dos holocaustos, à direita e também num lugar elevado, com degraus,
na sala lateral, à esquerda de quem entrava no Templo. Ninguém os
estor vava; o povo era-lhes muito dedicado.”
Os Atos dos Apóstolos, cap. 5, continuam a nar ração:
Assim, pois, concor riam multidões de homens das cidades vizinhas de
Jerusalém, trazendo os enfer mos e os cativos de espíritos imundos, os quais
eram todos curados. Mas, levantando-se o príncipe dos sacerdotes e todos os
que com ele estavam (a seita dos saduceus), encheram-se de inveja e de
ciúme e fizeram prender os Apóstolos e metê-los na cadeia pública. Mas o
Anjo do Senhor, abrindo de noite as por tas do cárcere e tirando-os para fora,
disselhes: "Ide e apresentai-vos no Templo, pregai ao povo todas as palavras
de vida." Tendo ouvido isto, entraram ao amanhecer no Templo e se puseram
a ensinar. Mas, chegando o príncipe dos sacerdotes e os que com ele
estavam, convocaram o conselho e todos os anciãos dos filhos de Israel e
mandaram buscar os Apóstolos no cárcere. Mas tendo lá ido os agentes e
como, aber to o cárcere, não os achassem, voltaram e deram a notícia:
"Achamos o cárcere fechado com toda a diligência e os guardas diante das
por tas; mas, abrindo-as, não achamos ninguém dentro." Quando, porém,
ouviram esta novidade, o magistrado do Templo e os príncipes dos
sacerdotes ficaram per plexos sobre o que teria sido feito deles. Mas ao
mesmo tempo chegou alguém, que Ihes deu esta notícia: "Olhai que aqueles
homens que metestes no cárcere, estão no Templo, ensinando o povo." Então
foi o magistrado com os agentes e trouxe-os sem violência, porque temia ser
apedrejado pelo povo. E logo que os trouxeram, apresentaram-nos ao
conselho e o príncipe dos sacerdotes fez-Ihes a seguinte pergunta: "Não vos
ordenamos, com expresso preceito, que não ensinásseis neste nome? E não
obstante, tendes enchido Jer usalém da vossa doutrina; e quereis lançar
sobre nós o sangue desse homem." Mas Pedro e os Apóstolos, respondendo,
disseram: "Impor ta mais obedecer a Deus do que aos homens. O Deus dos
nossos pais ressuscitou Jesus, a quem destes a mor te, pendurando-O num
madeiro. A Este elevou Deus com sua destra, como príncipe e como Salvador,
para dar a contrição a Israel e a remissão dos pecados. E somos
testemunhas destas palavras e também o Espírito Santo, que Deus deu a
todos os que lhe obedecem." Quando isto ouviram, enraiveceram-se e
planejaram matá-Ios. Mas, levantando-se no conselho um fariseu, por nome
Gamaliel, doutor da lei, homem de respeito em todo o povo, mandou que
saíssem para fora aqueles homens, por um breve espaço de tempo. E disse:
"Homens israelitas, refleti bem no que haveis de fazer acerca destes
homens. Porque, em tempos passados, se levantou um cer to Teodas, que
dizia ser um grande homem, a quem aderiu o número de quatrocentos
homens; o qual foi mor to e todos que nele acreditavam foram desfeitos e
reduzidos a nada. Depois deste se levantou Judas Galileu, nos dias em que
se fazia o ar rolamento do povo e levou-o após si, mas pereceu e foram
dispersos todos quantos se lhe acostaram. Agora, pois, vos digo: não vos
metais com estes homens, deixai-os; porque, se este conselho ou esta obra
vem dos homens, há de desvanecer-se; se, porém, vem de Deus, não podereis
desfazê-Ia, para que não pareça que resistis até a Deus." Seguiram-lhe o
conselho e, tendo chamado os Apóstolos, depois de os haverem feito açoitar,
mandaram-Ihes que não falassem mais no nome de Jesus e soltaram-nos. Os
Apóstolos, porém, saíram da presença do conselho verdadeiramente
contentes, por terem sido achado dignos de sofrer afrontas pelo nome de
Jesus. E todos os dias não cessavam de ensinar e de pregar Jesus Cristo, no
Templo e pelas casas." (Atos 5)
Dos primeiros cristãos diz a Escritura Sagrada a bela palavra: "da multidão
dos que criam, o coração era um e a alma uma; e nenhum dizia per tencer-lhe
coisa alguma das que possuía, mas tudo entre eles era comum." (Atos 4,32.)
Já depois do ágape, no domingo da Páscoa, os Apóstolos e discípulos
propuseram esta resolução. Os recém-conver tidos concordaram com a
proposta.
"Pedro ensinava que nenhum devia possuir mais do que o outro, que deviam
repar tir tudo e cuidar dos pobres que se reuniam à comunidade. Vi que no
pátio do Cenáculo matavam rezes, trinchavam ovelhas e cabras, distribuindo
tudo aos necessitados. As peles eram entregues a um homem, para as
preparar. Os pobres recebiam também cober tores, pano de lã para roupa e
pão. Tudo era distribuído. Reinava sempre boa ordem na distribuição; as
mulheres recebiam sua par te da mão de mulheres e os homens da mão de
homens.”
Aos recém-conver tidos foram destinadas também as casas de Mar ta e
Madalena; Lázaro distribuiu toda a for tuna pela comunidade. Do mesmo modo
entregou Bar nabas todo o dinheiro recebido pela venda de seus bens, na ilha
de Chipre.
Juntou-se-Ihes também um judeu rico, de nome Ananias, com a mulher,
Safira, moradores da Betânia. Ananias trouxe panos, ovelhas e jumentos,
donativos para a comunidade e pediu o batismo. Antes de ser admitido,
trouxe ainda o produto da venda de um campo; mas, com o consentimento da
mulher, guardara par te do dinheiro para si. Quando, porém, veio pôr o
dinheiro aos pés de Pedro, na presença dos Apóstolos e de todos os recém-
conver tidos, repreendeu-o este por causa da mentira e logo caiu Ananias
mor to. A mesma sor te teve também Safira.
Esse acontecimento é nar rado mais extensamente nos Atos dos Apóstolos,
cap. 5:
"Um varão, pois, por nome Ananias, com a mulher, Safira, vendeu um campo e
com fraude usur pou cer ta porção do preço do campo, com consentimento da
mulher ; e levando uma par te, depositou aos pés dos Apóstolos. E disse
Pedro: "Ananias, porque tentou Satanás o teu coração para que mentisses ao
Espírito Santo e reser vasses par te do preço do campo? Por ventura não te
era livre ficar com ele e ainda depois de vendido, não era teu o preço? Como
assentaste, pois, em teu coração fazer tal? Sabe que não mentiste aos
homens, mas a Deus." Ananias, porém, ouvindo estas palavras, caiu e
expirou. E infundiu-se um grande temor em todos os que o ouviram.
Levantando-se então uns mancebos, car regaram-no e levando-o dali para
fora, enter raram-no.
E passado que foi o espaço de três horas, entrou também a mulher, não
sabendo o que tinha acontecido. E Pedro disse-lhe: "Dize-me, mulher, se
vendeste por tanto a herdade?" e ela disse: "Sim, por tanto." Pedro então lhe
disse: "Porque assim combinastes, para tentar o Espírito do Senhor? Eis aí
estão à por ta os pés daqueles que enter raram teu marido e te levarão a ti."
No mesmo instante lhe caiu Safira aos pés e expirou e os moços, entrando,
acharam-na mor ta e levando-a, enter raram-na junto do marido. E difundiu-se
um grande temor por toda a Igreja e entre todos os que ouviram nar rar este
acontecimento.
Os cômodos da casa per to da piscina da Betesda, daí há pouco, não
bastavam mais para a multidão dos recém-conver tidos. Os Apóstolos
entraram, pois, em negociações com os magistrados judeus, para conseguir
outros ter renos para habitações. Foram-Ihes indicados três ter renos
apropriados, per to de Betânia. O povo mudou para lá e puseram tendas leves
em redor de uma tenda maior, na qual morava um discípulo e se guardavam
as provisões comuns. Assim se for maram três comunidades novas de fiéis.
Os Apóstolos, porém, procuravam também os velhos amigos, que moravam
em lugares mais afastados, para lhes infor mar sobre os acontecimentos após
a última Páscoa, para lhes ensinar e os batizar. Assim mandou Pedro a Tomé,
Filipe e Matias, cada um com mais um discípulo, a Samaria, Tebez e Tibérias.
Mas também Pedro e os outros Apóstolos se espalharam por toda a Judéia;
apenas Tiago o Menor, com alguns discípulos, ficou em Jerusalém e na Igreja
de Betesda.
5. Eleição dos sete diáconos. Queixas por causa da distribuição das esmolas
Nesse tempo se ouviram queixas das viúvas e dos órfãos sobre a distribuição
das esmolas. Reuniram-se por isso novamente todos os Apóstolos no
CenáciIlo, em volta de Pedro, a quem todos se submetiam e que lhes deu a
santa Comunhão. Depois o conduziram, vestido do or nato episcopal, ao
vestíbulo da casa, onde dirigiu a palavra aos numerosos discípulos e recém-
conver tidos, para promulgar ordens a respeito da distribuição das esmolas.
"Entre outras coisas, ouvi dizer que não era conveniente abandonar a
pregação da palavra de Deus, para cuidar de alimentos e roupa. Assim, por
exemplo, não convinha mais que Lázaro, Nicodemos e José de Arimatéia
administrassem, como até então, os bens ter restres da comunidade, por se
terem tor nado sacerdotes. Depois falou ainda sobre a ordem na distribuição
das esmolas, sobre a administração das casas, dos órfãos e das viúvas.
Então se apresentou Estêvão, um belo moço, esbelto, oferecendo-se para
esse ser viço. Entre os outros reconheci também a Par menas, que era um dos
mais velhos. Mas havia entre eles também mouros, que eram ainda muito
moços e não tinham recebido o Espírito Santo. Pedro impôs as mãos a todos,
cruzando-Ihes a estola do lado, sob o braço; sobre aqueles que ainda não
tinham recebido o Espírito Santo, se der ramou então uma luz.”
A esses sete diáconos foram então entregues os bens e as provisões da
comunidade. José de Arimatéia, porém, cedeu-lhes a sua casa. Faziam
distribuir as esmolas em três lugares: diante do Cenáculo, em Betânia e na
praça da estalagem, no caminho de Belém. Nesse último lugar se levantaram
de novo queixas, mas os queixosos não tinham tanta razão. Por isso enviaram
Estêvão e os outros diáconos mensageiros aos Apóstolos que, depois de
nomear os diáconos, se tinham espalhado por todo o país.
Pedro voltou, com André, da região de Jope a Jerusalém, Tomé, com Felipe,
da Samaria; compareceram também outros Apóstolos, para terminar essa
questão. Mas antes de chegarem, os descontentes já se tinham dirigido, com
a queixa, ao conselho dos sacerdotes em Jerusalém, por inter médio de Saulo
e Gamaliel e Estêvão foi citado perante o conselho. Mas este, acusado e
inter rogado por muitos fariseus e judeus excitados, se defendeu tão bem e
com tanta seriedade, que foi absolvido.)
Tendo, porém, Pedro se reunido no Cenáculo com os outros Apóstolos,
mandou chamar os queixosos à sua presença e resolveu tudo, fazendo
separar muitos da comunidade e acomodar em outras casas.
Apesar dos Samaritanos não terem comunhão com os judeus, não deviam
ficar privados do Evangelho, como também os gentios, pois já o Salvador
ensinara muitas vezes nas regiões de Samaria, depois de ter tido aquela
piedosa conversação com a mulher samaritana, no poço de Jacó.
Entre os sete primeiros diáconos se achava também Felipe que, depois de
Estêvão, era o mais respeitado. Felipe dirigiu-se à Samaria e pregou ali o
Evangelho do Cristo.
"E o povo estava atento ao que Felipe lhe dizia, escutando-o com o mesmo
ardor e vendo os prodígios que fazia, porque os espíritos imundos saiam de
muitas pessoas, dando grandes gritos e muitos paralíticos e coxos eram
curados; pelo que se originou uma grande alegria naquela cidade. Havia lá,
porém, um homem, por nome Simão, o qual antes tinha ali exercido a magia,
enganando o povo Samaritano, dizendo que era um grande homem, a quem
todos davam ouvidos, desde o maior até o menor, dizendo: Este é a vir tude
magna de Deus. E obedeciam-lhe, porque, com as ar tes mágicas, por muito
tempo Ihes havia per turbado o espírito. Mas depois que creram o que Felipe
Ihes anunciava do reino de Deus, foram-se batizando homens e mulheres, em
nome de Jesus. Então creu também o mesmo Simão e depois que foi
batizado, ligou-se a Felipe. Vendo os prodígios e grandíssimos milagres que
se faziam, todo cheio de pasmo se admirava. Os Apóstolos, porém, que se
achavam em Jer usalém, tendo ouvido que Samaria recebera a palavra de
Deus, mandaram lá Pedro e João, os quais, quando chegaram, fizeram oração
pelos Samaritanos, afim de receberem o Espírito Santo, que ainda não tinha
descido sobre nenhum dos recém-conver tidos, mas tinham sido apenas
batizados em nome do Senhor Jesus. Então Ihes impunham as mãos e
recebiam o Espírito Santo. E quando Simão viu que se dava o Espírito Santo
por meio da imposição da mão dos Apóstolos, ofereceu-Ihes dinheiro,
dizendo: "Dai-me também este poder, de que qualquer a quem eu impuser as
mãos, receba o Espírito Santo." Mas Pedro disse-lhe: "O teu dinheiro pereça
contigo; uma vez que te persuadiste de que o dom de Deus se pode adquirir
com dinheiro, não tens par te nem herança alguma neste ministério; porque o
teu coração não é reto diante de Deus. Faze, pois, penitência desta tua
maldade e roga a Deus que, se é possível, te seja perdoado este pensamento
do teu coração; porque vejo que estás num fel de amargura e preso nos laços
da iniqüidade". E respondendo Simão, disse: "Roga por mim ao Senhor, para
que não me suceda nada do que disseste". Depois de terem dado este
testemunho e anunciado a palavra do Senhor, voltaram para Jerusalém e
pregaram em muitos lugares da Samaria. E o Anjo do Senhor disse a Felipe:
"Levanta-te e dirige-te para o sul, ao caminho que vai de Jerusalém a Gaza, o
qual se acha deser to." E, levantando-se, par tiu. E eis que um homem etíope,
eunuco, ser vo de Candace, rainha da Etiópia, de cujos tesouros era
superintendente, tinha vindo a Jerusalém para fazer oração e voltava,
sentado na sua car ruagem, lendo o profeta Isaías. Então disse o Espírito a
Felipe: "Vai e aproxima-te deste car ro". E cor rendo logo Felipe, ouviu que o
eunuco lia o profeta Isaías e disse-lhe: "Compreendes por ventura o que estás
lendo?" o etíope respondeu-lhe: "Como o poderei entender, se não houver
alguém que mo explique?" E rogou a Felipe que subisse e se lhe sentasse ao
lado. Ora a passagem da Escritura que lia, era esta: "Como ovelha foi levado
ao matadouro e como cordeiro mudo diante de quem o tosquia, assim ele não
abriu a boca. Na sua humilhação foi abolido o Julgamento. Quem poderá
contar-lhe a geração, pois que sua vida será tirada da ter ra?" E respondendo
o eunuco a Felipe, disse: "Rogo-te que me digas de quem disse isto o profeta:
de si mesmo ou de algum outro?" E abrindo Felipe a boca e principiando por
esse trecho da Escritura, anunciou-lhe Jesus. E continuando o caminho,
chegaram a um lugar onde havia água e disse o eunuco: "Eis aqui água; o que
impede que eu seja batizado?" E respondeu-lhe Felipe: "Se crês de todo o
coração, podes". E respondendo, disse o etíope: "Creio que Jesus Cristo é o
Filho de Deus". E mandou parar o car ro e descerem os dois para a margem do
rio, onde Felipe o batizou. E tanto que saíram da água, ar rebatou o Espírito
do Senhor a Felipe e o eunuco não mais o viu; continuou, porém, o caminho,
cheio de prazer. Mas Felipe achou-se em Azot e passando além, pregava o
Evangelho em todas as cidades, até que veio a Cesaréia". (Atos 8, 6 - 40).
7. Perseguições
Era inevitável que os fiéis fossem cada vez mais perseguidos pelo ódio dos
judeus. Pedro dissera-lhes aber tamente que assim se devia mostrar quem
possuía o Espírito Santo enviado por Jesus; começara o tempo de agir e
sofrer perseguição.
Mas para que não se levantasse logo uma perseguição violenta contra os
recém-conver tidos, os Apóstolos julgavam prudente afastaremse de vez em
quando das vizinhanças de Jerusalém. A primeira vez foram todos para a
respectiva ter ra natal. A segunda vez, depois da eleição dos diáconos,
mudaram de lugar. Desta vez se encaminhou Tomé para a Samaria, Zaqueu
para Bedar, João para Éfeso, na Ásia Menor, Pedro, porém, com Silvano, para
a região de Jope.
"Pedro fazia mais milagres do que todos os outros, diz Catharina Emmerich.
Expulsava demônios e ressuscitava mor tos; vi até que um Anjo o precedia,
mandando o povo fazer penitência e pedir socor ro a Pedro. O centurião
Comélio também já ouvira falar nele, mas naquele tempo não se conver tera
ainda. Antes de Estêvão ser apedrejado, todos os Apóstolos mais uma vez se
reuniram em Jerusalém e depois de se dispersarem de novo, Pedro voltou a
Jope e então se efetuou a conversão de Cor nélio.
Maria e todas as santas mulheres, inclusive Verônica, estavam em Betânia.
Também vi Saulo em Jerusalém, já muito ativo. Dirigia todo o ódio dos
judeus. Vi-o percor rer a cidade e agitar o povo, com incrível ódio, convencido
de ter o direito ao seu lado. Conhecia muitos discípulos, procurava-os de
propósito e discutia com eles. Também se esforçava por per turbar e destruir
a nova colônia dos cristãos. Incitava também o ódio dos saduceus e ficou
furioso ao ouvir nar rar que Simão Mago, em Samaria, se conver tera. Este,
porém, apostatou e juntou-se em Jer usalém a Saulo, cujo ódio crescia cada
vez mais. Saulo pediu aos sacerdotes judeus car tas, com poderes especiais e
ia a muitos lugares, para perseguir os cristãos".
Depois de Pedro e os Apóstolos haverem resolvido a questão havida em
Jerusalém, todos se retiraram novamente para regiões onde os judeus não
lhes podiam fazer mal. Pedro dirigiu-se novamente a Jope e ar redores.
Durante a estadia em Lídia, mor reu em Jope uma piedosa mulher cristã, de
nome Tabita. Então enviaram os discípulos alguns mensageiros a Jope, para
chamar Pedro. Quando este chegou à casa da mor ta, aproximou-se do
cadáver e disse: "Tabita, levanta-te." Então abriu a mor ta os olhos e
levantou-se do féretro, com espanto de todos que estavam presentes.
"Simão Mago está na cidade, juntamente com Saulo, incitando todos contra a
comunidade cristã. Os fiéis estão em grande aflição. Muitos dos Apóstolos
estão longe, mas os fiéis mandaram chamálos. Os judeus destroem as casas
dos cristãos, até nos lugares que eles mesmos lhes tinham destinado. Os
cristãos que moram na estrada de Belém, estão saindo para Salém, onde
João batizava. Ali estão construindo cabanas e uma capela; têm consigo um
sacerdote e também o SS. Sacramento, numa cápsula.
Ser viu de pretexto à perseguição o fato de Pedro, viajando de Samaria a
Jope, batizar no caminho muita gente, inclusive cer to homem, cuja
conversão provocou grande discussão em Jerusalém. Estêvão defendeu essa
causa com tanta fir meza, que o prenderam. A comunidade aflita mandou
chamar Pedro e os outros Apóstolos.
9. A conversão de SauIo
Tiago o Menor gover nava como bispo a Igreja de Jerusalém, para a qual,
segundo uma velha tradição, fora eleito pelo próprio Salvador. Foi o único
que ficou na cidade, pois os outros par tiram para ter ras longínquas a fim de
pregar o reino de Deus. Nasireu por causa de suas vir tudes e piedade era
muito estimado, não só entre os Apóstolos e discípulos, mas também entre
os judeus, de modo que lhe deram o apelido de "justo." Apesar disso, devia
também mor rer már tir, alguns anos depois de Tiago o Maior.
"Vi quando o levaram, durante sete dias, de um tribunal ao outro e cada dia o
maltratavam durante uma hora. Depois de o terem lançado do pináculo do
Templo abaixo, apedrejaram-no ainda e afinal o mataram a pauladas.”
Como os par tidários de Tiago resistissem, levantou-se um tumulto, no qual
foram mor tos três discípulos, entre os quais também um filho do velho
profeta Simeão.
Depois da mor te de Tiago o Menor, a Igreja de Jerusalém ficou 5 anos sem
bispo. Mais tarde foi nomeado bispo Simeão, que era filho de Maria, filha de
Cléofas. No entanto era a Igreja administrada por Joas, parente de Pedro.
Antes da destruição de Jerusalém, pelo general romano Tito, no ano 70,
Simeão saiu com os cristãos da cidade e só voltou doze anos mais tarde. No
ano 87 foi crucificado, na idade de 120 anos.
É provável que já antes de Simeão, tivesse sido mar tirizado em Jerusalém o
santo Apóstolo Matias. A piedosa Emmerich viu-o, é verdade, duas vezes no
país dos Reis Magos (Ar mênia), pregando a fé, mas diz depois que foi mor to a
pauladas na cabeça, com um longo pau, depois da mor te de Tiago o Menor.
A história eclesiástica, nar ra mais extensamente: O Apóstolo pregou o santo
Evangelho, com zelo incansável, na Judéia e Galiléia, durante 33 anos. Como
o número dos cristãos aumentasse dia a dia, foi levado perante o Conselho
supremo e ameaçado de mor te pelo Sumo Sacerdote Ananias, se não
deixasse de pregar o Crucificado. Matias, porém, demonstrou que Jesus é o
Filho unigênito de Deus, o Messias prometido, que ressuscitou dos mor tos.
Por esta corajosa profissão de fé, foi con "de nado pelo Sumo Sacerdote à
mor te por lapidação. O cor po do santo Apóstolo foi sepultado em Jerusalém.
Santa Helena, porém, levou-o para Roma e deu-o a santo Agrítio, que o levou
a Treves, para onde fora nomeado Bispo.
A piedosa Emmerich teve também uma visão, em que viu os judeus, sob o
reinado do imperador Juliano o Apóstata, quando S. Cirilo era Bispo de
Jerusalém, no ano 362, tentarem reedificar o Templo, para desse modo
provar a falsidade da profecia de Jesus Cristo.
"Vi que uma tempestade levou grande quantidade de cal e materiais de
constr ução, cobrindo e obstruindo estradas inteiras. Da ter ra saiu fogo,
destruindo as fer ramentas; grandes abóbadas caíram, matando muitos
homens e na roupa dos operários apareceram nódoas pretas, em for ma de
cruzes. Vi também alguns operários caírem numa adega, cuja abóbada ruíra e
aí acharem uma grande pia de pedra, que continha mui tos rolos escritos;
uma voz mandou-lhes que levassem alguns destes. Esses operários foram
depois socor ridos e salvos, a maior par te. Aqueles rolos continham muitos
documentos sobre o bom ladrão e sobre a infância de Jesus, verdade e
ficção.
Vi também, naquele tempo, uma grande cruz luminosa aparecer do Monte das
Oliveiras até o Monte Calvário e muitos se conver teram.”
14
Os últimos anos e a mor te gloriosa de Maria Santíssima
1. Maria em Éfeso
2. Viagens de Maria a Jerusalém
3. Reunião dos Apóstolos, por ocasião da mor te de Maria, em Éfeso
4. Os últimos dias de vida de Maria
5. A mor te gloriosa da Santíssima Virgem
6. Embalsamamento e enter ro de Maria
7. A Assunção de Maria
8. Aber tura do sepulcro de Maria
1. Maria em Éfeso
Depois da ascensão do Filho querido, viveu Maria, segundo a nar ração de
Catharina Emmerich, três anos em Jerusalém e depois outros três anos em
Betânia, em casa de Lázaro. São João, que sempre a acompanhava, levou-a
para Éfeso. afim de a salvar da perseguição e ali viveu ainda nove anos.
"Maria não morava propriamente em Éfeso, mas numa região onde já se
tinham refugiado algumas das santas mulheres, suas amigas. A habitação de
Maria achava-se numa colina, à esquerda do caminho de Jer usalém a Éfeso,
cerca de três horas e meia de viagem, antes de chegar a Éfeso; a colina
tinha uma subida suave, para o lado da cidade. Era uma região deser ta, com
muitas colinas fér teis e belas, com grutas limpas, entre pequenas planícies
arenosas; era deser ta, mas não inabitável; havia muitas ár vores isoladas, de
troncos lisos e copas sombrias, em for ma de pirâmide.
Quando João trouxe a Santíssima Virgem para uma casa que lá mandara
constr uir, já ali moravam várias famílias cristãs e algumas das santas
mulheres, seja em grutas dos montes ou em subter râneos, tor nados
habitáveis com alguma construção de madeira, seja em frágeis tendas; só a
casa de Maria era de pedra.
A Santíssima Virgem morava ali com uma jovem empregada. Viviam
recolhidas em paz e sossego.
João não morava na mesma casa; passava a maior par te do tempo em Éfeso
ou ar redores; fez também várias viagens à Palestina. Dava-lhe sempre a
Santa Comunhão, rezava com ela a Via Sacra, dava-lhe a bênção e recebia-
lhe também a bênção mater na.
No último tempo da estadia ali, vi Maria tor nar-se cada vez mais recolhida no
amor de Deus; quase não tomava mais alimento. Era como se só
exterior mente estivesse na ter ra e com o espírito no outro mundo. Parecia
não notar o que lhe acontecia em redor. Vi-a, nas últimas semanas antes da
mor te, já muito idosa e fraca e a criada a guiá-Ia às vezes pela casa.
Uma vez vi João entrar lá. Tirou o cinto e vestiu outro, que tirou sob o manto
e que era or nado de letras. No braço pôs uma espécie de manípulo e no peito
uma estola. A Santíssima Virgem veio saindo do quar to de dor mir, revestida
toda de uma veste branca, apoiando-se sobre o braço da criada. Tinha o
rosto branco como a neve e como que transparente. A saudade parecia trazê-
Ia como que suspensa entre o céu e a ter ra. Desde a ascensão de Jesus,
todo o seu ser tinha a expressão de uma saudade infinita e sempre
crescente, que parecia consumi-Ia. Dirigiu-se, com João, ao lugar de oração.
Puxou uma fita ou cor reia; então se virou o taber náculo na parede e a cruz
que lá estava, apareceu. Depois de terem ambos rezado, ajoelhados, por
algum tempo, levantou-se João e tirou do peito um vaso de metal; abriu-o de
um lado, tirou de lá um invólucro de lã fina e deste, um lenço dobrado, de
estofo branco, do qual retirou o Santíssimo Sacramento, em for ma de um
pedacinho de pão branco. Depois disse algumas palavras solenes e sérias e
deu à Santíssima Virgem a Sagrada Comunhão.
Por trás da casa, até cer ta distância, na encosta da montanha, Maria
Santíssima fizera para si uma Via Sacra. Enquanto morava em Jer usalém
nunca deixara, desde a mor te do Senhor, de percor rer-lhe o caminho
da Paixão, chorando de saudade e compaixão. De todos os lugares do cami-
nho onde Jesus sofrera, ela tinha medido a distância a passos; o amor
imenso de Mãe extremosa não lhe podia viver sem a contínua contemplação
desse caminho doloroso.
Pouco tempo depois de chegar àquela região, eu a via diariamente caminhar
até cer ta distância, subindo a colina atrás da casa, nessa meditação da
Paixão e mor te do Filho amado. A princípio ia sozinha, medindo pelo número
de passos que tantas vezes contara, as distâncias dos lugares onde Jesus
sofrera cer tos tor mentos. Em todos esses lugares erigia uma pedra ou, se
havia ali uma ár vore, marcava-a. O caminho conduzia a um bosque onde,
numa elevação, marcou o Monte cal vário e numa gruta de outra colina, o
sepulcro de Jesus Cristo.
Depois de ter medido desse modo as doze estações da Via Sacra, percor ria-
a, em silenciosa meditação, acompanhada da criada; em cada estação da
Paixão se sentavam, recordando no coração o mistério do respectivo
sofrimento e louvando ao Senhor por seu Infinito amor, com lágrimas de
compaixão. Depois ar ranjaram as estações ainda melhor e vi que a
Santíssima Virgem escrevia com um buril, na pedra assinalada,
a significação do lugar, o número dos passos, etc. Vi também, depois
da mor te da Santíssima Virgem, os cristãos percor rerem esse caminho, pros-
trando-se por ter ra e beijando o chão.”
Algum tempo antes da mor te, rezou a SS. Virgem, para que nela se cumprisse
o que Jesus lhe prometera no dia antes da ascensão, em casa de Lázaro, em
Betânia. Foi-me mostrado em espírito, que quando ela lhe suplicou que
depois da ascensão não a deixasse muito tempo neste vale de lágrimas,
Jesus lhe disse vagamente quais as obras espirituais que ela devia ainda
fazer na ter ra até a mor te e, atendendo-lhe à súplica, prometeu-lhe que os
Apóstolos e vários discípulos lhe assistiriam a mor te; recomendou-lhe o que
Ihes devia então dizer e como os devia abençoar.
Quando a SS. Virgem implorou que os Apóstolos se reunissem em tor no dela,
vi, em regiões muito diferentes e opostas, chegar o chamado aos Apóstolos;
neste momento só me lembro do seguinte:
Os Apóstolos já tinham construído pequenas Igrejas, em vários lugares, onde
tinham pregado; embora algumas dessas Igrejas não fossem construídas de
pedra, mas apenas de vime trançado e rebocadas de bar ro, todavia tinham
sempre, todas que tenho visto, na par te posterior, a for ma circular ou
triangular, como a casa de Maria em Éfeso. Nessas Igrejas tinham altares e
celebravam o santo sacrifício da Missa.
Vi que todos foram chamados, Inclusive os que estavam nas ter ras mais
longínquas, recebendo por aparições a ordem de ir ver a SS. Virgem. Em
geral não foi sem milagroso auxílio que os Apóstolos fizeram as longuíssimas
viagens. Creio que freqüentemente faziam as viagens de uma maneira
sobrenatural, sem eles mesmos saberem; pois muitas vezes os tenho visto
passar no meio de grandes multidões de homens, sem serem vistos.
Quando o chamado do Senhor se, fez ouvir aos Apóstolos, para irem a Éfeso,
Pedro e se bem me lembro, também Matias, se achavam na região de
Antioquia. André, que vinha de Jerusalém, onde fora perseguido, não se
achava longe. Judas Tadeu e Simão estavam na Pérsia. Tomé encontrava-se
na Índia, quando recebeu a ordem de par tir ; mas já resolvera ir à Tar tária,
mais para o nor te e não pode decidir-se a abandonar esse projeto. Assim
continuou o caminho para o nor te, atravessando par te da China, até chegar à
região onde agora é a Rússia; ali foi chamado pela segunda vez e par tiu
então às pressas para Éfeso. João estava mesmo na vizinhança de Éfeso;
Bar tolomeu a leste do Mar Vermelho, na Ásia. Paulo foi chamado. Foram
chamados apenas os que eram parentes ou amigos da Sagrada Família.
"Eu tinha muita convivência com a Mãe de Deus em Éfeso, conta Catharina
Emmerich, a 7 de Agosto de 1821. Fui com ela e cerca de cinco outras santas
mulheres, percor rer a Via Sacra. Estava lá também a sobrinha da profetiza
Ana e a viúva Mara, sobrinha de Santa Isabel. A SS. Virgem ia à frente de
todas. Vi-a já muito idosa, mas não tinha outro sinal de velhice na aparência,
senão o da intensa saudade, que a levava à união com o Filho, à glorificação.
Maria era indizivelmente séria; nunca a vi rir, mas apenas sor rir de modo
tocante. Estava emagrecida, mas não lhe vi rugas, nem sinal algum de
velhice. Estava como que espiritualizada. Parecia ser a última vez que fazia a
Via Sacra. Enquanto assim caminhava, parecia-me que João, Pedro e Tadeu
já tinham chegado.
Vi (a 9 de Agosto) Maria deitada num leito estreito e baixo cober to por um
dossel, em for ma de tenda, do qual pendiam brancas cor tinas, à direita do
quar to, atrás do fogão. A cabeça repousava-lhe sobre uma almofada redonda.
Estava muito fraca e pálida e como abrasada de saudade. A cabeça e todo o
cor po lhe estava envolto num longo pano. Um cober tor de lã parda cobria-a.
Vi umas cinco mulheres, uma depois da outra, entrarem e saírem do quar to;
pareciam despedir-se da moribunda. As que saiam, faziam com as mãos
gestos de comovedora tristeza ou de oração. Vi novamente entre elas a
sobrinha de Isabel, que tinha visto durante a Via Sacra.
Maria disse uma vez a Maria de Agreda: "Se eu tivesse querido afastar de
mim a mor te, o Altíssimo ter-me-ia concedido esta graça: pois como o
pecado não tinha par te em mim, também a mor te, castigo do pecado, não
podia ter par te em mim. Como, porém, meu Santíssimo Filho, que muito
menos ainda podia merecer a mor te, quis voluntariamente sofrer e mor rer,
para dar satisfação à justiça divina pelas culpas do mundo, assim também
escolhi para mim a mor te, para ficar por minha vontade unida a meu Filho, na
mor te como na vida.
Como recompensa desta minha escolha, Deus Nosso Senhor me concedeu,
em favor dos filhos da Igreja, o privilégio, para mim tão caro, de dar minha
proteção especial na hora da mor te, contra os assaltos do inimigo das
almas, como também meu auxílio e minha intercessão perante o tribunal da
divina misericórdia, a todos que me veneram, se me invocarem na hora da
mor te, para os socor rer, pelos méritos de minha mor te voluntária. O Senhor
concedeu-me para isso poder par ticular e a promessa expressa de que dará
aos meus devotos abundantes auxílios da graça, para uma boa mor te e
verdadeira refor ma da vida, se me invocarem, em memória do mistério da
minha mor te.”
Com toda razão acrescentou por tanto a Igreja à saudação do Anjo e de Santa
Isabel, que tantas vezes rezamos no rosário, as outras palavras: "Santa
Maria, Mãe de Deus, rogai por nós, pecadores, agora e na hora da nossa
mor te. Amém.”
Depois vi seis Apóstolos já reunidos na sua casa, Pedro, André, João, Tadeu,
Bar tolomeu e Matias, como também um dos sete diáconos, Nicanor, que era
sempre tão ser viçal e amável. Os Apóstolos estavam reunidos em oração na
par te anterior da casa, à direita, onde tinham preparado um oratório.
Hoje (a 10 de Agosto) vi entrar ainda dois Apóstolos, com as vestes
ar regaçadas, como viajantes, Tiago o Menor e Mateus.
Os Apóstolos celebraram ontem, à noite e hoje de manhã o ofício divino, na
par te anterior da casa. Diante do altar havia uma estante cober ta, da qual
pendia um rolo da Escritura. Sobre o altar havia candeeiros acesos e na
mesa um vaso em for ma de cruz, feito de uma substância que brilhava como
madrepérola. Tinha apenas um palmo de altura e outro tanto de largura e
continha cinco vasos fechados, com tampa de prata. No do meio se achava o
SS. Sacramento. Nos outros, porém, crisma, óleo, sal e fibras (talvez
algodão) e outras coisas santas. Os vasos foram feitos e estavam fechados
de tal maneira, que não se podia der ramar nada. Os Apóstolos costumavam
transpor tar essa cruz nas viagens, pendente sobre o peito, debaixo do
manto. Assim eram mais do que o Sumo Sacerdote, quando trazia sobre o
peito o Santo do Antigo Testamento.
Pedro, revestido do or nato sacerdotal, estava diante do altar, os outros
atrás, em coro. As mulheres assistiam em pé, no fundo da casa.
Vi chegar um novo Apóstolo (a II de Agosto) foi Simão. Ainda faltavam Felipe
e Tomé.
Houve novamente ofício divino. Depois deu Pedro à SS. Virgem a Sagrada
Comunhão. Levou-lha naquele vaso em for ma de cruz. Os Apóstolos for maram
duas fileiras, do altar até ao leito, inclinando-se profun damente, quando
Pedro passou por entre eles com o SS. Sacramento. As cor tinas do leito da
SS. Virgem foram aber tas de todos os lados.
Diante do leito de Maria havia um banquinho baixo, triangular e sobre este,
um pratinho, com uma colherzinha parda e transparente.
Vi novamente (a 12 de Agosto) o divino ofício; foi celebrada a Missa. O
quar tinho de Maria estava todo aber to. Uma mulher estava ajoelhada ao lado
do leito, levantando e amparando de vez em quando a Santíssima Virgem. Vi
fazê-Io também durante o dia e oferecer-lhe uma colher de suco de fruta do
pratinho. Maria tinha um crucifixo sobre o leito, em for ma de Y, tendo quase
meio braço de comprimento; ela recebeu o SS. Sacramento.
Vi hoje (a 13 de Agosto) o ofício divino, como de costume e a Santíssima
Virgem, durante o dia, sentada no leito, tomando várias vezes al
gum alimento, com a colherzinha.
Vi os Apóstolos chegarem na maior par te muito fatigados. Ao entrar,
abraçavam os que já estavam presentes, muito comovidos; alguns choraram
de alegria e também de tristeza, pelo motivo tão doloroso daquele encontro.
Aproximavam-se do leito de Maria, saudando-a respeitosamente; ela, porém,
só poucas palavras lhes podia dizer.
Vi também cinco discípulos e lembro-me mais vivamente de Simão, o Justo e
de Bar nabé.
7. A Assunção de Maria
Os Apóstolos, discípulos e mulheres voltaram separados, demorando-se
ainda aqui e acolá, rezando nas estações da Via Sacra; alguns ficaram
também velando em oração per to do sepulcro. Ao voltar, viram de longe, por
cima do sepulcro de Maria, uma luz maravilhosa e ficaram muito comovidos,
sem saber o que era.
Vi ainda vários Apóstolos e algumas santas mulheres rezar e cantar no
pequeno jardim, diante do sepulcro. Descia, porém, uma larga faixa de luz do
céu até o rochedo do sepulcro e nela vi um esplendor de três círculos, de
Anjos e almas, que rodeavam a aparição de Nosso Senhor e da alma gloriosa
de Maria. A aparição de Jesus Cristo, com os sinais resplandecentes das
chagas, pairava diante dela. Em redor da alma de Maria vi, no círculo interior
de luz, figuras de crianças, no segundo círculo pareciam meninos de seis
anos e no círculo exterior jovens adultos. Vi-Ihes distintamente os rostos; o
resto vi apenas como for mas luminosas. Quando esta aparição chegou até o
rochedo, tor nando-se cada vez mais clara, vi dali até Jerusalém celeste uma
estrada de luz. Depois vi a alma da SS. Virgem, que seguia a aparição de
Jesus, passar para a frente e entrar através da rocha no sepulcro, do qual
pouco depois saiu unida ao cor po glorificado de Maria, muito mais clara e
resplandecente e voltou com o Senhor e todo o glorioso séquito, para a
Jerusalém celeste. Depois desapareceu todo o esplendor e se via de novo a
luz pálida do céu estrelado, que se estendia sobre a região.
Se os Apóstolos e as santas mulheres, que rezavam diante do sepulcro,
também o viram, não o sei; mas vi que todos olhavam para cima, orando
cheios de admiração; outros, porém, atônitos se prostraram, tocando com o
rosto a ter ra. Vi também alguns que voltavam para casa, levando consigo a
padiola, entoando cânticos e orações no caminho da Via Sacra e demorando-
se diante das estações, olharem com grande emoção e fer vor para a luz que
surgira acima do sepulcro.
Assim não vi a SS. Virgem mor rer e subir ao céu de modo comum; mas
primeiramente se lhe tirou da ter ra a alma e depois também o cor po.
Mais tarde, regressando à casa, os Apóstolos e discípulos tomaram algum
alimento e depois se deitaram para dor mir.
15
Ação dos Apóstolos e discípulos de Jesus entre os gentios
Alguns dos discípulos tinham vindo a Antioquia, falando ali também aos
gentios e recebendo-os no seio da Igreja. Como se conver tessem muitos, foi
enviado lá Bar nabé, da Igreja de Jerusalém. Este procurou Paulo e com ele
trabalhou com tanto sucesso em Antioquia que os par tidários de Jesus foram
ali chamados, pela primeira vez, cristãos.
Surgiu, porém, ali uma disputa, quando alguns, vindo da Judéia, ensinavam
que a circuncisão, e com esta também a obser vação de toda a lei mosaica,
era necessária para a salvação. Paulo e Bar nabé eram contrários a essa
doutrina e foram, com alguns outros, enviados pela comunidade de Antioquia
a Jerusalém, para propor esta questão, de tamanha impor tância, aos
Apóstolos e anciãos, para a decidirem. Esta foi a causa do primeiro Concílio
da Igreja. Catharina Emmerich apenas nos infor ma que a Mãe de Jesus veio
de Éfeso para assistir a este concílio e dar seus conselhos aos Apóstolos.
Tiramos a nar ração do Concílio dos Atos dos Apóstolos, (15,4-32).
Tendo (Paulo e Bar nabé, com os companheiros) chegado a Jerusalém, foram
recebidos pela Igreja e pelos Apóstolos e presbíteros, aos quais referiram
quão grandes coisas Deus tinha operado neles. Mas levantaram-se alguns da
seita dos fariseus que haviam abraçado a fé, dizendo: "É necessário, pois,
que os gentios sejam circuncidados e também que obser vem a lei de
Moisés." Congregaram-se, pois, os Apóstolos e presbíteros, para examinarem
este ponto. E depois de fazer a respeito um grande estudo, levantando-se
Pedro, lhes disse: "Ir mãos, sabeis que desde os primeiros dias ordenou Deus
que da minha boca ouvissem os gentios a palavra do Evangelho e que a
cressem. E Deus, que conhece os corações, declarou-se por eles, dando-Ihes
o Espírito Santo, como também a nós; e não fez diferença alg~ma entre nós e
eles, purificandolhes pela fé os corações. Logo, porque tentais agora a Deus,
impondo um jugo aos discípulos, que nem nossos pais nem nós podemos
suportar? Mas cremos que pela graça do Senhor Jesus Cristo somos salvos,
assim como eles também o foram.”
Então toda a assembléia se calou e escutavam a Bar nabé e Paulo, que lhes
contava quão grandes milagres e prodígios fizera Deus, por inter venção
deles, entre os gentios. E depois que se calaram, entrou a falar Tiago,
dizendo: "Ir mãos, ouvi-me. Simão tem contado como Deus primeiro visitou os
gentios, para fazer deles um povo para o seu nome. E com isto concordam as
palavras dos profetas, como está escrito: Depois disto voltarei e edificarei
de novo o taber náculo de Davi, que caiu, e reparar-lhe-ei as r uínas e levantá-
Io-ei, para que o resto dos homens e todas as gentes sobre as quais tem sido
invocado o meu nome, busquem a Deus, diz o Senhor, que faz estas coisas. -
Pelo Senhor é conhecida a sua obra desde a eter nidade. Pelo que julgo que
não se devem inquietar os que dentre os gentios se conver tem a Deus, mas
que se lhes deve somente prescrever que se abstenham das contaminações
dos ídolos e da for nicação e das car nes sufocadas e do sangue. Porque
Moisés, desde tempos antigos, tem em cada cidade homens que o pregam,
nas sinagogas, onde é lido todos os sábados.”
Então pareceu bem aos Apóstolos e presbíteros e a toda a Igreja eleger
dentre eles varões e enviá-Ios a Antioquia, com Paulo e Bar nabé; enviaram
Judas, que tinha o sobrenome de Barsabas e Silas, muito conceituados entre
os ir mãos e pelos quais enviaram a seguinte epístola: "Os Apóstolos e
presbíteros ir mãos, aos ir mãos conver tidos dos gentios que se acham na
Antioquia e na Síria e na Cilícia, saúde. Tendo ouvido nar rar que alguns que
têm saído de nós, transtor nando os vossos corações, vos têm per turbado
com palavras, sem Ihes ter mos mandado tal: Aprouve-nos a nós, congregados
em Concílio, escolher homens e enviá-Ios a vós, com os nossos mui amados
Bar nabé e Paulo, que têm exposto a vida pelo nome de Nosso Senhor Jesus
Cristo. Enviamos, por tanto, Judas e Silas, que até verbalmente vos exporão
as mes mas coisas. Porque pareceu bem ao Espírito Santo e a nós, não
vos impôr mais encargos do que os necessários, que são os seguintes:
que vos abstenhais do que tiver sido sacrificado aos ídolos e do sangue e
das car nes sufocadas e da for nicação, do que fareis bem de vos guardar.
Deus seja convosco.”
Assim enviados, foram a Antioquia e tendo congregado a multidão dos fiéis,
entregaram a car ta. Depois de a ter lido, se encheram de contentamento,
pela consolação que Ihes causou. E também Judas e Silas, como profetas
que eram, consolaram com muitas palavras os ir mãos e os confir maram na
fé.
S. Pedro parece ter se dirigido, logo depois de ser liber tado do cárcere de
Jerusalém, para Antioquia, onde teve par te essencial na fundação daquela
Igreja, que gover nou durante sete anos.
A 18 de Janeiro, porém, do ano 44, como nar ra a piedosa Emmerich, chegou
Pedro a Roma, com os dois discípulos Mar tialis e Apolinaris e o criado
Marcion. De Antioquia veio primeiro a Jer usalém, depois a Roma, passando
por Nápoles e várias outras cidades. Foi recebido mui carinhosamente, com
os companheiros, por Léntulo, um dos mais distintos romanos, a quem fora
anunciada a sua chegada.
Muitos romanos que haviam ido ao batismo de João, também tinham ouvido
falar do Messias e dos milagres que fazia. Léntulo procurou essa gente e
escutou-Ihes avidamente as nar rações. Cresceu-lhe tanto a saudade e o amor
a Jesus, que mandou um sudário fino para tocar no Divino Mestre, no aper to
da multidão e guardou-o depois com grande reverência.
Léntulo tinha também grande desejo de pintar a figura de Jesus e por isso
pedia continuamente a Pedro que lhe contasse muitas coisas sobre o
Salvador. Muitas vezes tentava pintar o retrato de Jesus, mas Pedro sempre
lhe dizia que ainda não lhe era semelhante. Um dia ador meceu Léntulo
durante a oração e ao acordar, encontrou o retrato verdadeiro ter minado
milagrosamente.
Léntulo tor nou-se um dos primeiros cristãos de Roma. Pedro morava, porém,
em casa de Pudens, a qual consagrou como primeira Igreja de Roma e para a
qual Léntulo contribuiu com muitos donativos.
De Roma veio Pedro a Éfeso, por ocasião da mor te de Maria e na volta visitou
Jerusalém. Pedro ocupou a cadeira episcopal de Roma durante 25 anos. Foi
crucificado no ano 69, na idade de 99 anos.
Par tindo de Jerusalém, Tiago o Maior dirigiu-se, pelas ilhas gregas e pela
Sicília, à Espanha, onde desembarcou em Gades. Como ali não fosse bem
recebido, mudou-se para outra cidade. Mas também lá não foi tratado melhor ;
prenderam-no e teria sido mor to, se um Anjo não o tivesse livrado
milagrosamente. Deixou na Espanha cerca de sete discípulos e,
acompanhado de dois outros, voltou por Massília, no sul da França, a Roma.
Mas voltou depois à Espanha, dirigindo-se de Guedes, por Toledo, a
Saragoça.
"Ali, diz Catharina Emmerich, se conver teu muita gente, ruas inteiras creram
no Senhor, com exceção apenas dos que ainda aderiam ao paganismo. Vi
Tiago cor rer também muitos perigos. Soltavam contra ele víboras, as quais
tomava tranqüilamente nas mãos e não lhe faziam mal, mas viravam-se
contra os idólatras que o cercavam e estes, vendo o milagre, começavam a
temê-Io. Vi também que em Granada, onde apenas começara a pregar, foi
preso com todos os discípulos e cristãos. Tiago invocou no coração o
socor ro e a proteção da Santíssima Virgem, que nesse tempo ainda vivia em
Jerusalém e Maria salvou-o, com todos os seus discípulos, por inter médio de
Anjos. A Virgem Santíssima mandou-lhe por um Anjo a ordem de ir à Galícia,
pregar ali a fé e depois voltar.
Vi Tiago, após a volta, em grandes tribulações, por causa de uma iminente
perseguição e provação da comunidade cristã de Saragoça. Rezava numa
noite à beira do rio, fora dos muros da cidade, junto com alguns discípulos,
pedindo a Deus conselho, se devia ficar ou fugir. Lembrou-se também da
Santíssima Virgem e suplicou-lhe que o ajudasse a pedir luzes e auxílio do
Filho, que cer tamente não lhe negaria. Então vi subitamente aparecer por
cima do Apóstolo um esplendor no céu e Anjos que entoavam um magnífico
canto e transpor tavam uma coluna resplandecente, que da base projetava um
raio fino de luz sobre um lugar, alguns passos distante de Tiago, como para
indicar esse ponto. A coluna tinha um brilho ver melho, era atravessada por
muitas veias, muito alta e delgada, ter minando em cima como um lírio, que
se abre em línguas de luz, das quais uma raiava longe, em direção a
Compostela, a oeste, as outras, porém, para as regiões próximas. Nessa flor
de luz, vi a figura da Santíssima Virgem em pé, como sempre ficava em vida
na ter ra, durante a oração, toda branca e transparente, com um brilho mais
belo e suave que o da seda branca. Estava de mãos postas, uma par te do
longo véu cobria-lhe a cabeça, a outra par te, porém, envolvia-a até os pés,
de modo que com os pés delicados e pequenos estava sobre as cinco pétalas
da flor de luz. Era um quadro indizivelmente doce e belo. Vi que Tiago,
orando de joelhos, levantou os olhos e recebeu interior mente de Maria a
ordem de, sem demora, construir nesse lugar um templo, em que a
intercessão de Maria se fir masse como uma coluna. Ao mesmo tempo lhe
anunciou a Virgem Santíssima que, depois de acabar a construção da Igreja,
devia ir a Jer usalém, Tiago levantou-se, chamou os discípulos, que já tinham
visto a luz e cor reram para junto dele e comunicou-Ihes a aparição milagrosa
e todos seguiam com os olhos o esplendor que ia desaparecendo.
Tendo executado em Saragoça a ordem de Maria, Tiago constituiu uma
comissão de doze discípulos, entre os quais também homens doutos, que
deviam continuar a obra, que começara com tantas dificuldades e
tribulações.
Em seguida par tiu de Espanha para Jerusalém, como lhe ordenara a Virgem.
Nessa viagem visitou em Éfeso Maria, que lhe predisse a mor te próxima, em
Jerusalém, consolando e confor tando-o. Tiago despediu-se de Maria e do
ir mão e continuou a viagem para Jer usalém, onde foi decapitado. (Veja cap.
13, no. 10).
O cor po do Apóstolo esteve algum tempo num sepulcro per to de Jerusalém.
Quando, porém, se levantou uma nova perseguição, levaram-no alguns
discípulos, entre os quais José de Arimatéia e Satur nino, para a Espanha.
Mas a per versa rainha Lupa, que já antes perseguira S. Tiago, não quis
per mitir que o sepultassem ali.
"Os discípulos tinham posto o santo cor po sobre uma pedra, que sob ele
for mou então uma cavidade, como um sepulcro. Sucedeu também que outros
cadáveres, sepultados ao lado, foram lançados fora da ter ra. Lupa acusou os
discípulos perante o rei, que os mandou prender ; mas escaparam
milagrosamente e o rei que os perseguia com cavalaria, passou sobre uma
ponte, que desabou, mor rendo ele com todos os companheiros. Lupa
assustou-se tanto com esse fato, que mandou dizer aos discípulos que
prendessem e atrelassem touros bravos num car ro; onde estes levassem o
cor po, ali poderiam construir uma Igreja. Esperava que os touros bravos
destruíssem tudo. Um dragão opôs-se na região deser ta aos discípulos, mas
mor reu fulminado, quando fizeram o sinal da cruz; os touros bravos, porém,
tor naram-se mansos, deixaramse atrelar ao car ro e levaram o santo cor po ao
castelo de Lupa. Ali então foi sepultado e o castelo transfor mado em Igreja,
pois Lupa conver teuse, confessando a fé cristã, com todo o povo".
No sepulcro do santo Apóstolo aconteceram muitos milagres. Mais tarde lhe
foram transferidos os ossos para Compostela, que se tor nou um dos mais
afamados lugares de peregrinação. S. Tiago pregou cerca de quatro anos na
Espanha.
Os cristãos podiam viver em Éfeso, sem ser incomodados; todavia era João
guardado por algum tempo como preso. Podia, porém, sair, acompanhado por
dois soldados; e visitava muitas vezes gente boa. Uma vez se encontrou, num
tal passeio, com um grupo de estudantes, cujo professor falara contra João.
Como o Apóstolo tinha pregado o desprezo das riquezas ter restres,
compraram ouro e pedras preciosas, que quebraram em pedaços,
espalhando-os por escár nio no caminho de João; queriam mostrar-lhe que os
pagãos podiam também desprezar a riqueza, sem por isso serem
necessariamente cristãos. João, porém, disse-Ihes que isso era desperdício,
mas não a vir tude do desapego. Um dos rapazes desafiou-o então a apanhar
os pedaços das pedras e restaurar-Ihes a for ma anterior, que creriam no seu
Deus. João disse-Ihes que as apanhassem e lhas trouxessem. Assim fizeram;
João rezou e restituiu-Ihes então tudo em estado perfeito. Prostraram-se
então os jovens diante dele, deram as jóias aos pobres e tor naram-se
cristãos.
"Dois dos que tinham dado os bens aos pobres e seguido a João, conta
Catharina Emmerich, vendo os escravos bem vestidos, ar rependeram-se de
ter seguido a Cristo. Vi João apanhar ramos do mato e pedras na praia do
mar, conver tendo-os pela oração em varas de ouro e pedras preciosas e;
dando-Ihes, disse que comprassem de novo as riquezas.
Estava ainda a repreendê-Ios por causa da queda, quando passou diante
deles o cadáver de um jovem e muita gente que o transpor tava; imploraram,
chorando, ao Apóstolo que lhe restituísse a vida. Orando, ressuscitou-o e
mandou-lhe dizer aos discípulos ir resolutos o que sabia do estado de suas
almas. O ressuscitado falou-Ihes do outro mundo, exor tando-os a fazer
penitência. Ar rependeram-se então os jovens e o Apóstolo mandou-os jejuar,
recebendo-os depois novamente na Igreja; o ouro, porém, tor nou-se de novo
em ramos e as pedras preciosas conver teram-se novamente nas pedras
anteriores e foram lançadas ao mar.
Vi que muitos se conver teram e que João foi preso. Um sacerdote dos ídolos
disse que creria em Jesus e o liber taria, se João bebesse um cálice de
veneno, sem mor rer. Fizeram-no conduzir a um largo, perante o juiz e grande
multidão de homens. Vi também que dois condenados à mor te foram forçados
a beber o veneno e caíram mor tos em pouco tempo. João rezou e pronunciou
algumas palavras sobre o cálice. Então saiu deste um negro vapor e uma luz
desceu sobre ele. João bebeu tranqüilamente e o veneno não lhe fez mal
algum. O sacerdote pagão exigiu ainda que João ressuscitasse os dois
mor tos. O Apóstolo deu-lhe o manto para o estender sobre os mor tos e disse-
lhe o que devia dizer então. Feito isso, levantaram-se os dois mor tas; à vista
deste milagre, quase toda a cidade se conver teu e deram liberdade a João.
Vi também desabar um templo em Éfeso, quando queriam obrigar João a
sacrificar aos ídolos. Era como se uma tempestade caísse sobre o templo;
r uiu o teto, poeira e vapor saiam de todas as aber turas e os ídolos fundiram-
se.
Um judeu conver tido, que ainda era catecúmeno, caiu, na ausência de João,
em grande pobreza e dívidas e era por isso muito perseguido. Então lhe disse
um judeu maldoso que tomasse veneno, pois teria de ficar até à mor te no
cárcere dos devedores insolventes. Vi então o pobre homem, cheio de
angústia, beber três vezes uma taça de bronze, cheia de veneno, mas como
S. João lhe tivesse ensinado a fazer o sinal da cruz sobre tudo quanto
comesse ou bebesse, o veneno não lhe fez mal, apesar de querer envenenar-
se. Nesse ínterim voltou João àquele lugar. O homem confessou-lhe o ato que
praticara e, repreendido, reconheceu o crime, manifestando grande
ar rependimento. João fez o sinal da cruz sobre a taça de veneno, a qual se
conver teu em ouro e mandou-lhe pagar com isso as dividas. Esse homem
tor nou-se discípulo de João e bispo daquela cidade onde João achou o
menino que mais tarde encontrou como membro de um bando de bandidos.
João achou-o apascentando um rebanho fora da cidade. Conversando com o
menino, conheceu-lhe os bons talentos, apesar de grande falta de educação.
Mandou que chamasse os pais, dos quais João pediu e recebeu o menino,
para o educar. Tinha este 10 anos de Idade. João levou-o ao bispo de Beréa,
para o educar e disse a este que mais tarde viria pédí-Io. No princípio tudo ia
bem; depois se descuidaram do menino, que afinal se juntou a uma quadrilha
de salteadores. Quando João, na volta, perguntou pelo menino, soube que se
achava nas montanhas, entre os salteadores. Então montou numjumento e
seguiu para lá. Erajá idoso e o caminho da montanha muito íngreme. Tendo
achado o moço, suplicou-lhe de joelhos que se conver tesse. O jovem tinha
então cerca de vinte anos. João levou-o consigo, depôs o bispo e impôs uma
penitência ao moço, que se tor nou mais tarde também bispo.
O bispo demitido era, aliás, um homem bom, mas faltara ao dever para com o
moço. Ficara apenas seis anos bispo; era mais o vigário geral de João.
Chama-se Áquila e mor reu de mor te natural. Oh! como chorou, ajoelhando-se
diante de João, quando este o repreendeu pelo descuido! Quando João foi
atirado no óleo fer vente, tinha ensinado na Itália, onde fora também preso.
De Patmos, onde era muito benquisto e tinha conver tido muitos, viajava às
vezes, com os guardas, mesmo até Éfeso. As revelações do Apocalipse, não
as recebeu de uma só vez, nem as escreveu ao mesmo tempo, mas com
inter valos; somente três anos antes da mor te foi que escreveu o Evangelho,
no Interior da Ásia. - Tive várias visões do mar tírio deste Apóstolo, em Roma.
Vi-o num pátio circular, cercado de um muro simples, onde o despiram e
açoitaram; estava já muito velho, mas ainda tinha um aspecto delicado e
juvenil. Vi-o também conduzido por uma por ta para fora da cidade a um largo
vasto e circular, onde havia uma caldeira alta e um pouco estreita,
colocada sobre um fogão circular de pedra, o qual tinha aber turas embaixo,
para entrar o ar. João vestia um manto largo, abotoado no peito, quase como
o Senhor, quando foi escar necido depois da coroação de espinhos. Havia em
roda muita gente a olhá-lo. Tiraram-lhe o manto e vi o cor po sangrento pela
flagelação. Dois homens levantaram João, que subia também. O óleo estava
fer vendo; embaixo faziam fogo com lenha cur ta, de cor escura, que traziam
em feixes. Tendo João estado dentro da caldeira por algum tempo, sem sinal
de dor ou queimaduras, tiraram-no; todo o cor po conser vava-se ileso e
renovado, pois todas as feridas feitas pelos açoites, tinham-se curado. Muita
gente que o viu, precipitou-se para a caldeira, sem medo, enchendo
pequenos jar ros com o óleo e eu ficava admirada de que não se queimassem.
João, porém, foi reconduzido à cidade.
De Roma veio João de novo a Éfeso vivendo ali alguns dias escondido. Só de
noite visitava as moradas dos cristãos e também celebrou o santo sacrifício
em casa de Maria. Depois mudou, com alguns discípulos, para Kedar, onde
três anos antes da mor te escreveu o Evangelho, na solidão. Os discípulos
não estavam presentes quando escrevia; moravam um pouco afastados e só
de vez em quando iam levar-lhe alimen to. Vi que escrevia deitado sob uma
ár vore e que, quando chovia, em cima do Apóstolo per manecia o céu claro e
não o molhava. Viveu ali mais tempo, ensinando também e conver tendo muita
gente nas cidades. De lá voltou novamente a Éfeso.
Os par tidários principais dos reis Magos, depois de recebido o ba tismo das
mãos de São Tomé, dirigiram-se à Ilha de Creta; o resto espalhara-se por
outras regiões. São Tomé instituíra na Arábia vários bispos, per tencentes às
tribos dos Reis Magos. Estes bispos não conseguiram mais gover nar os fiéis
da região, os quais sempre recaiam na idolatria. Por isso escreveram a São
João, que Ihes mandasse dois discípulos, ambos ir mãos de Fidélis, os quais
receberam no batismo os nomes de Macário e Caio e já eram homens. Esses,
porém, tanto tempo lho pediram, que afinal, embora em idade avançada, fez
essa viagem. Moravam ainda mais longe do que o acampamento de Mensor.
Vi João num lugar onde habitavam os cal deus, que possuíam no seu templo o
jardim fechado de Maria. O templo não existia mais; tinham uma Igreja
pequena, em for ma da casa de Maria em Éfeso, com ter raço, como tenho
visto todas as Igrejas nos primeiros tempos do cristianismo. Ali se reuniram
também os bispos, pedindo a João que escrevesse a vida de Jesus, pois que
lhe contariam tudo quanto sabiam. Disse-lhes, porém, o Apóstolo que já tinha
escrito a vida de Jesus e tudo quanto podia escrever de sua Divindade neste
mundo; que, enquanto escrevera, quase sempre havia estado no céu, não
podia escrever mais outra coisa. Disse-Ihes que um dos discípulos que
acompanhara Jesus, de nome Eremenzear, mais tarde chamado Her mes, tinha
escrito a respeito; Macário e Caio deviam completá-lo. Vi também que estes
assim fizeram e que a obra de Macário se perdeu, mas a de Caio ainda
existe. João par tiu dali para Jer usalém, depois para Roma, donde voltou para
Éfeso.
Tive também uma bela visão da mor te de São João. Estava já muito velho,
mas tinha o rosto ainda belo, delicado e juvenil. Vi-o par tir e distribuir o pão
divino, creio que por três dias em seguida, numa Igreja de Éfeso. Lembro-me
que Jesus lhe tinha aparecido, anunciando-lhe a mor te; recordo-me só
obscuramente, mas vi muitas vezes Jesus lhe aparecer. Depois o vi ensinar
ao ar livre, sob uma ár vore, fora da cidade, rodeado pelos discípulos; dirigiu-
se em seguida, acompanhado apenas por dois discípulos, a um belo lugar
num bosque, atrás de uma pequena colina. Havia ali uma linda relva e podia-
se ver o mar azul no horizonte. Mostrou-Ihes uma coisa no chão; era que
deviam cavar ou acabar-lhe a cova. Creio que era para acabar, pois pouco
depois tudo estava tão bem preparado, que o trabalho principal devia ter sido
feito já anterior mente. As pás ainda estavam lá. Vi-o voltar para junto dos
outros, ensinandoIhes com amor, rezando e exor tando-os a se amarem uns
aos outros. Os dois voltaram também e um deles disse: "Ai! meu Pai, cremos
que nos quereis abandonar." Comprimiam-se-Ihe todos em roda e prostravam-
se por ter ra, chorando; João exor tou-os, rezou e abençoou-os. Depois man-
dou que ficassem ali; e acompanhado por cinco dentre os discípulos, foi ao
lugar do sepulcro, que não era muito profundo, mas bem revestido de relva;
tinha uma tampa de vime e sobre esta puseram depois, se bem me lembro,
relva e uma pedra.
João, em pé à beira da cova, rezou com os braços estendidos; depois colocou
dentro o manto, entrou e, sentando-se, ainda rezava. E veio-lhe um grande
esplendor, enquanto ainda falava; os discípulos estavam prostrados por
ter ra, chorando e rezando. Vi depois uma coisa maravilhosa: Quando João
caiu vagarosamente deitado e expirou, vi no esplendor que o encimava, uma
figura resplandecente, semelhante a ele, sair-lhe do cor po, como de um
invólucro grosseiro e desaparecer com a luz. Depois vi também os outros
discípulos, que se aproximavam e se prostravam em roda do sepulcro, sobre
o cor po sagrado, que foi cober to em seguida.
Vi também que o cor po do Apóstolo não está mais na ter ra, mas entre nor te
e leste, num lugar resplandecente como o sol; vi que lá era como um
inter mediário, recebendo alguma coisa de cima e levando-a para baixo. Vi
esse lugar como ainda per tencente à ter ra, mas elevado acima dela e
inacessível.”
São Marcos veio a Roma, com o príncipe dos Apóstolos, S. Pedro. No seu
Evangelho escreveu o que lhe ditou S. Pedro.
Quando ir rompeu em Roma uma epidemia de peste, erigiu-se, por ordem de
Marcos, uma Via Sacra. Cristãos e pagãos que rezavam, percor rendo esta Via
Sacra, ficavam livres ou curados da peste. Muitos pagãos, vendo esse
milagre, se conver teram.
De Roma se dirigiu São Marcos para o Egito, para pregar ali o Evangelho.
"Vi-o primeiro em Alexandria; não foi com muito gosto que par tiu para lá. Na
viagem cor tou tão desastrosamente o dedo da mão direita, que o teria
perdido, se não fosse curado por uma aparição celeste, com a qual muito se
assustou, como S. Paulo. Em volta do dedo lhe ficou toda a vida uma marca
ver melha.
Ao entrar em Alexandria, rasgou-se-Ihe a sandália e deu-a a um sapateiro, de
nome Aniano, para a remendar. Este se feriu na mão, durante o trabalho;
Marcos, porém, curou-a com um ungüento preparado de pó e saliva. Vendo-o,
conver teu-se Aniano e Marcos foi morar-lhe em casa. Aniano possuía uma
casa vasta, muitos escravos, mulher e dez filhos. Numa sala, per tencente à
casa entregue a Marcos, se celebravam as primeiras reuniões dos
conver tidos. Os Apóstolos não celebravam o santo Sacrifício numa nova
comunidade, antes desta ter sido bem instruída e confir mada. Seguiamjá um
rito cer to na distribuição da sagrada Comunhão, durante o Santo Sacrifício.
Três dos dez filhos de Aniano tomaram-se mais tarde sacerdotes. O pai foi
sucessor de S. Marcos.
O Apóstolo esteve também em Heliópoli. Havia ali um oratório, instituído
quando morava ali a sagrada Família; desse oratório foi constr uída uma
igreja e ao lado, mais tarde um pequeno convento. Os que Marcos ali batizou,
eram na maior par te judeus.
São Marcos foi preso e lançado num cárcere em Alexandria e mor reu
estrangulado com uma corda. Quando estava no cárcere, vi Jesus aparecer-
lhe, tendo na mão uma patena e dando-lhe um pequeno pão redondo. Vi
também que o cor po do már tir foi levado mais tarde para Veneza.”
Como nos conta a piedosa Emmerich, esteve S. Lucas primeiro com São João,
em Éfeso, depois com Santo André. Na ter ra pátria travou conhecimento com
Paulo, a quem depois acompanhou nas viagens.
"Escreveu o Evangelho, a conselho de Paulo e porque circulavam livros
apócrifos da vida do Senhor. Escreveu-o 25 anos depois da Ascensão de
Jesus, redigindo-o na maior par te com as infor mações de testemunhas
oculares, que procurava por toda a par te. Já no tempo da ressur reição de
Lázaro o vi visitar os I,ugares onde O Senhor operava milagres e infor mar-se
de tudo. Tinha também amizade com Barsabas. Foi-me também revelado que
Marcos escreveu o Evangelho só com infor mações de testemunhas oculares e
que nenhum dos Evangelistas conhecia nem aproveitou na sua obra a dos
outros. Também me foi dito que teriam inspirado menos fé se tivessem
escrito tudo e que não escreveram os milagres, muitas vezes repetidos, por
motivo da extensão do livro.
Vi que Lucas pintou vários retratos da Santíssima Virgem, alguns de modo
milagroso. O busto de Maria, que não conseguia acabar, encon trou
ter minado, ao voltar a si de um êxtase, em que caíra durante a oração. Esse
retrato é ainda conser vado em Roma, na Basílica de Santa Maria Maior, por
cima de um altar, na capela do Presépio, à direita do altar-mor. Não é, porém,
o original, mas apenas uma cópia. O original foi antigamente encer rado num
muro junto com muitas outras coisas sagradas, por ocasião de uma
perseguição; nesse muro, que foi conver tido em um pilar, há também
relíquias de santos e documentos de muita antiguidade. A Igreja tem seis
pilares; é o do meio, à direita, de modo que o sacerdote, dizendo a Missa no
altar da imagem de Maria, ao dizer : Dominus vobiscum, indica com a mão
direita esse pilar.
Lucas pintou também o retrato inteiro de Maria, vestida de noiva; mas não
sei onde se acha agora esse quadro. Outro, em vestes de luto, cor po inteiro,
creio tê-Io visto numa Igreja, onde se guarda o anel nupciaI de Maria.
(Peruzia, na Itália)
Lucas pintou também Maria, como indo ao descendimento de Cristo da cruz;
deu-se isto de um modo milagroso: Depois que todos os Apóstolos e
discípulos tinham fugido, vi Maria, ao crepúsculo a caminho do Calvário,
creio que acompanhada de Maria, filha de Cléofas e Salomé. Vi que Lucas
estava ao lado do caminho e comovido diante daquela inconsolável dor,
estendeu-lhe um lenço, com o desejo de que nele lhe ficasse impressa a
imagem. Achou realmente o retrato no lenço, como uma sombra a passar e
confor me essa imagem, pintou o quadro, contendo duas figuras: ele, com o
lenço e Maria, passando-lhe em frente. Não sei se Lucas estendeu o lenço só
com o desejo de receber o retrato ou seguindo o costume de estender um
lenço aos tristes ou porque dese jasse praticar para com Maria o ato de
caridade que Verônica fizera para com Jesus.
Creio ter visto esse quadro de S. Lucas guardado por um povo estranho, que
vive entre a Síria e a Ar mênia. Não são verdadeiros cristãos, crêem em João
Batista, têm um batismo de penitência, que recebem todas as vezes que se
querem purificar dos pecados. Lucas pregava o Evangelho nessa região,
operando muitos milagres por meio desse quadro. Perseguiram-no e faltou
pouco para o lapidarem; o quadro, porém, ficou lá. Lucas levou consigo doze
homens desse povo, os quais tinha conver tido. Aquela tribo morava numa
montanha, cerca de doze horas de caminho a leste do Líbano. No tempo de S.
Lucas contava apenas algumas centenas de almas. A Igreja local era como
uma gruta na montanha; para entrar nela, era preciso descer ; olhando para
cima, viam-se cúpulas, nas quais havia janelas, como se vêem nas abóbadas
das nossas Igrejas.
Tenho visto esse quadro de S. Lucas naquela região, em tempos mais
recentes; não sei se foi em nosso tempo, mas é possível; pois no tempo de S.
Lucas tudo era muito simples. Mas agora a Igreja parecia maior ; o povo
parecia ter também muitas cerimônias diferentes; o sacerdote estava
sentado diante do altar, debaixo de um arco, o quadro pendurado no alto da
abóbada e diante dele ardiam muitas lâmpadas; já estava enegrecido e
indistinto. Recebem muitas graças por meio do quadro e veneram-no, porque
têm visto milagres feitos por ele.
Lucas foi supliciado como bispo, em Tebas, se não me engano. Vi o amar rado
com uma corda a uma ár vore e mor rer a golpes de dardos. Um desses lhe
transpassou o peito e o cor po caiu-lhe para a frente; então o amar raram de
novo, lançando-lhe depois mais dardos. De noite foi sepultado secretamente.
O remédio, de que S. Lucas se ser viu, no seu tempo de médico, era resedá,
misturado com óleo de palma benta. Ungia com esta mistura a testa e os
lábios em for ma de cruz; usava também, às vezes, resedá seco, com infusão
de água.
16
Glorificação de Jesus pelos Santos
3. S. Dionísio Areopagita
"Vi uma virgem jovem e graciosa, ar rastada no meio de soldados. Vestia uma
longa veste de lã, de cor parda; um véu cobria-lhe a cabeça, que o cabelo
envolvia em tranças. Os soldados ar rastavam-na, segurando-a pelos lados do
manto, de modo que a veste ficava muito distendida. Seguia muito povo,
entre o qual também algumas mulheres. Levaram-na pela por ta de um muro
alto, através de um pátio quadrado, a um quar to. Empur rando a virgem para
dentro, puxaram-na para todos os lados, arrancando-lhe o manto e o véu.
Com sua mansidão e inocência era como um cordeiro nas mãos dos
car rascos. Tomando o manto, abandonaramna. Inês ficou em pé, num canto,
no fundo do quar to, olhando para cima e com as mãos postas, rezando
tranqüilamente.
Entraram primeiro dois ou três jovens. Avançando furiosos para ela,
ar rancaram-lhe o vestido do cor po. Nesse momento lhe caíram os longos
cabelos e vi aparecer-lhe por cima, voando, um jovem resplandecente (um
Anjo) e der ramar-lhe em redor uma onda de luz, como uma veste. Os homens
assustados deitaram a fugir. Então entrou cor rendo, um jovem imper tinente,
que a tinha perseguido com seu amor, rindo-se da covardia dos outros. Quis
tocá-Ia, mas Inês segurou-lhe as mãos e empur rou-o para trás. Ele caiu, mas
levantou-se no mesmo momento e ar remessou-se furioso contra a virgem.
Esta, porém, o atirou novamente para trás, até a por ta do quar to, onde caiu
por ter ra, imóvel. Inês, porém, tranqüila como dantes, rezava,
resplandecente, na flor da mocidade; o rosto era-lhe como uma rosa
luminosa. Aos gritos dos outros, acor reram alguns homens, entre os quais
também um que parecia ser o pai do moço que jazia por ter ra. Estava
indignado e furioso, falando em feitiçaria; ouvindo-a, porém, dizer que
conseguiria restituir-lhe a vida, se a pedisse em nome de Jesus, acalmou-se
e pediu-lhe que o fizesse. Então falou Inês ao mor to e este se levantou e foi
conduzido pelos outros para fora, ainda cambaleando.
Passando algum tempo, vi de novo soldados, que entraram no quar to,
trazendo-lhe um vestido de cor parda, aber to nos lados e atado com um
cordão e um véu ordinário, como os recebiam sempre os már tires. Vestiu-os,
enrolou o cabelo em volta da cabeça e foi assim conduzi da ao lugar do
suplício. Era um pátio, cercado de muralhas grossas, nas quais havia
cárceres e quar tos. Podia-se subir por este muro e olhar para o largo; havia
gente lá em cima. Foram levadas também outras pessoas ao suplício, vindas
de uma cadeia situada não muito longe do lugar onde Inês fora maltratada;
creio que eram um avô, os dois genros e os filhos destes; estavam amar rados
uns aos outros com cordas. Quando chegaram diante do Juiz, que estava
sentado num assento alto, de pedra, no pátio quadrado, foi Inês conduzida
perante o magistrado, que a inter ro gou e exor tou amavelmente; depois
inter rogou e exor tou também os outros. Estes tinham sido trazidos para
serem inter rogados e para assistirem ao mar tírio de Inês. As mulheres
desses homens ainda eram pagãs. Depois de inter rogados vários presos, um
após outro, foi Inês conduzida novamente ao juiz e assim por três vezes.
Depois foi conduzida a um posto, subindo três degraus e onde a quiseram
amar rar ; ela, porém, não o per mitiu. Em roda havia um montão de lenha, que
foi acesa. Vi, porém, de novo, pairando sobre Inês uma figura, que der ramou
sobre ela uma tor rente de luz, for mando um escudo, pelo que as chamas da
fogueira, desviando-se, se lançaram contra os car rascos, ferindo vários
deles. Ela, porém, ficou ilesa. Os car rascos tiraram-na e levaram-na
novamente ao juiz. Foi colocada sobre um cepo ou uma pedra; quiseram atar-
lhe as mãos, mas não o quis; pousou-as no regaço. Vi uma figura resplande-
cente diante dela, segurando-lhe os braços. Então lhe pegou um dos
car rascos no cabelo e decepou-lhe a cabeça, como tinham feito a Cecília; a
cabeça pendia-lhe ainda num dos ombros. Lançaram-lhe o cor po, assim
mesmo vestido, à fogueira. Vi durante o julgamento amigos da már tir, de
longe e chorando. Parecia-me muitas vezes um milagre que tais amigos
compassivos, que socor riam e consolavam os már tires, não fossem
maltratados. O cor po e, creio, até o vestido, não se queimaram. Eu lhe tinha
visto a alma sair do cor po, branca como a lua e subir ao céu.
A execução teve lugar, se bem me lembro, antes do meio-dia e ainda durante
o dia lhe tiraram os amigos o cor po da fogueira e sepultaram-no
honrosamente. Muitas pessoas assistiram ao enter ro; estavam todas veladas,
talvez para não serem conhecidas. Creio que vi o jovem curado por ela, no
lugar do suplício; ainda não se conver tera. Vi, fora da visão, ao meu lado, a
aparição de Santa Inês, luminosa e resplandecente, com a palma na mão. O
esplendor que a cercava, era de cor ver melha no centro e por fora se tor nava
azul. Consolou-me alegremente nas minhas, veementes dores, dizendo:
"Sofrer com Jesus, sofrer em Jesus é doce".
"Os pais de Ágata moravam em Paler mo; a mãe era ocultamente cristã, o pai
era pagão. Vi que a mãe lhe ensinava às escondidas a doutrina cristã. Tinha
duas alas. Desde os primeiros anos da infância, alimentava grande
intimidade com Jesus. Vi-a muitas vezes sentada no jardim e junto dela um
menino belíssimo e resplandecente, com quem falava e brincava. Preparava-
lhe um assento cômodo na relva e de mãos postas o ouvia pensativa.
Brincavam com flores e pauzinhos. O menino parecia crescer junto com ela.
Vinha vê-Ia também mais tarde, quando mais crescido, à proporção que ela
crescia, mas quando estava sozinha.
Vi como Ágata se tor nou maravilhosamente pura e for te de coração;
cooperava sempre com a graça, negando consentimento mesmo às me nores
impurezas e imperfeições e castigava-se a si mesma pelas últimas.
Ao deitar-se, à noite, estava o Anjo da guarda muitas vezes ao lado,
lembrando-lhe o que tinha esquecido e ela con-ia a fazê-Io. Era uma oração
ou esmola ou qualquer coisa referente ao amor, pureza, humilda de,
obediência, misericórdia, vigilância contra o pecado. Desde criança, se
esgueirava muitas vezes fur tivamente, com esmolas e alimentos para os
pobres. Era uma alma belíssima e muito querida de Jesus, mas em contínua
luta. Vi-a açoitar-se e beliscar-se, para punir a concupiscência e as menores
faltas. Com todas essas severidades, per manecia entretanto sempre franca,
corajosa e desembaraçada.
Quando tinha cerca de oito ou nove anos, vi-a levada com algumas outras
meninas, num car ro, a Catânea. Ia por vontade do pai, que queria que
recebesse uma educação livre pagã. Foi entregue a uma
mulher imper tinente, que tinha ainda cinco filhas em casa. Estas faziam todo
o esforço possível para desviar Ágata da vir tude. Vi-as passearem com ela
em belos jardins, mostrando-lhe lindos vestidos e jóias; mas a menina
conser vava-se sempre a mesma, sem manifestar nenhum interesse por tais
coisas. Vi o menino celeste ainda muitas vezes junto dela e a menina
tor nava-se cada vez mais séria e fir me. Era muito bonita, não muito alta, mas
de for mas perfeitas. Tinha o cabelo preto, grandes olhos escuros, o nariz de
for ma bonita, o rosto de um belo oval; tinha um gênio suave, mas fir me,
manifestando em todo o seu ser uma admirável for taleza da alma. Vi que a
mãe mor reu de tristeza e saudade, durante a ausência da filha.
Em casa da mulher vi como Ágata combatia com coragem e fiel perse-
verança a sua natureza, resistindo a todas as tentações. Quintiano, que a
condenou mais tarde ao mar tírio, vinha freqüentemente a esta casa.
Não gostava da esposa, era um homem repugnante, de um gênio baixo
e orgulhoso, andava a espreitar em toda a cidade, para depois ator mentar ou
intrigar as pessoas. Vi-o com aquela mulher e olhando às vezes para Ágata,
como se olha uma menina bonita; não a tratava, porém, de
modo inconveniente. Vi então ao lado de Ágata o Esposo celeste, visível
só para ela. Mostrava-lhe os instrumentos do mar tírio, creio mesmo
que brincavam com estes.
Mais tarde a vi novamente na cidade natal após a mor te do pai. Tinha cerca
de treze anos. Confessava em público a fé cristã e vivia com gente boa. Vi
que foi tirada de casa por homens enviados por Quintiano; veio de novo para
a casa daquela mulher, onde tinha novamente aparições do Esposo celeste.
Vi também como a mulher tentava de todos os modos seduzir Ágata, com
lisonjas, prazeres e diver timentos; ouvi como Ágata uma vez lhe respondeu
confor me a doutrina do Esposo divino; quando a mulher quis seduzí-Ia com
palavras para uma licenciosidade, respondeu-lhe: "O teu cor po e sangue são
criaturas de Deus, como a ser pente também o é; mas o que fala em ti é o
demônio." Vi as freqüentes visitas de Quintiano à casa dessa mulher e
conheci-lhe muito também dois amigos.
Depois vi Ágata ser lançada no cárcere, inter rogada e açoitada. Cor taram-lhe
os seios. Vi muitas vezes nos mar tírios o instrumento com que o fizeram e
com o qual ar rancavam grandes pedaços de car ne dos corpos dos santos.
Mas estes sentiam um auxílio milagroso de Jesus, que muitas vezes vejo
refrigerá-Ios. Assim não desfaleciam, quando outros teriam caído
desmaiados.
Vi Ágata depois no cárcere, onde lhe apareceu um ancião, dizendo que viera
curar-lhe os seios. A donzela respondeu, agradecendo, que nunca usara
remédios ter renos e que tinha o seu Senhor Jesus Cristo, que a poderia
curar, se quisesse. Disse-lhe o ancião: "Sou cristão e já muito velho, não
tenhas medo de mim." Ágata, porém, respondeu-lhe: "As minhas feridas não
têm nada que ofenda a castidade. Jesus curarme-á, se for sua vontade; Ele
criou o mundo e pode também criar os meus seios." Então vi o ancião sor rir,
dizendo: "Pois sou o ser vo d’Ele, eis que os teus seios já estão curados" - e
então desapareceu.
Ágata foi conduzida mais uma vez ao mar tírio. Num quar to abobadado havia
fogões, sob os quais faziam fogo; tinham o feitio de caixotes profundos e nos
lados interiores havia muitas pontas agudas e cor tantes. Estavam ali muitos
desses caixões, um ao lado do outro. As vezes eram diversos homens que
neles eram tor turados. Podia-se passar por entre os caixões, sob os quais
ardia o fogo e assim eram assados vivos os que neles estavam deitados
sobre cacos cor tantes. Quando Santa Ágata foi lançada "num tal caixão,
tremeu a ter ra, um muro desabou, matando os dois amigos de Quintiano. O
povo amotinou-se, ameaçando Quintiano, que fugiu. A santa Virgem foi levada
novamente ao cárcere, onde mor reu. Quanto a Quintiano, mor reu afogado
num rio, quando estava fazendo uma viagem para confiscar os bens de Ágata.
Vi também, numa época posterior, que um monte vomitava fogo e que o povo
fugia diante da massa ardente, para o sepulcro de Ágata, opondo a tampa do
sepulcro ao fogo, que se extinguiu.”
Santa Ágata, Santa Petronila e Santa Tecla foram as três virgens már tires
mais heróicas, segundo diz a piedosa vidente. Santa Petronila, que era
enteada de São Pedro, contribuiu muito para a propagação do reino de
Cristo; comemora-se-Ihe a festa no dia 31 de Maio. Santa Tecla era discípula
de S. Paulo; celebra-se-Ihe a festa a 23 de Setembro.
"Vi uma cidade impor tante, situada numa região montanhosa, (Cesaréia, na
Capadócia) e no jardim de uma casa de estilo romano, vi brincando três
meninas, de 5 a 8 anos. Seguravam-se umas às outras pelas mãos, ora
dançando em roda, ora parando, cantavam e colhiam flores. Depois de ter
brincado por algum tempo, vi as duas meninas mais velhas separarem-se da
mais nova, afastando-se com as flores, que depois desfolharam. A pequena
parecia afligir-se muito, vendo as outras se afastarem para o outro lado do
jardim. Vi que a menina abandonada ficou com uma profunda dor no coração,
da qual eu compar tilhava. O rosto empalideceu-lhe e ao mesmo tempo o
vestidinho se lhe tor nou branco como a neve e ela caiu como mor ta no chão.
Então ouvi uma voz no coração: "Esta é Dorotéa." Vi no mesmo instante se
lhe aproximar a aparição de um menino resplandecente, que tinha na mão um
ramalhete de flores, levantou-a e conduzindo-a ao outro lado do jardim,
entregou-lhe o ramalhete e desapareceu. A menina ficou muito contente e
cor rendo para as duas outras, mostrou-Ihes as flores, contando quem lhas
tinha dado. Estas se admiraram muito, abraçaram a pequena, parecendo
ar repender-se da ofensa, de modo que a paz se restabeleceu entre elas.
A vista disso, nasceu no meu coração o desejo de receber também mais uma
vez tais flores, para me confor tar. Apareceu-me então de repente Dorotéa,
como virgem, exor tando-me com belas palavras a fazer uma boa preparação
para a Santa Comunhão e disse-me: "Como é que desejas tanto as flores,
recebendo tantas vezes a flor das flores?" Explicou-me também a
significação daquela visão das meninas, que se referia àapostasia e
conversão das duas meninas mais velhas.
Depois tive uma visão da mor te da már tir. Vi-a, com as duas ir mãs, num
cárcere e vi que tinham uma questão. As duas ir mãs negavam-se a mor rer
por Cristo e foram postas em liberdade. Depois vi Dorotéa diante do juiz, que
a mandou levar às duas apóstatas, na esperança de fazê-Ia seguir-lhe o
exemplo e ser seduzida pelas palavras das pecadoras. Mas ao contrário,
Dorotéa fê-Ias voltar à fé cristã. Foi então amar rada a um poste. Rasgaram-
lhe a car ne com ganchos, queimaram-lhe os lados com fachos e afinal foi
degolada. A vista disto, vi conver ter-se um jovem (Teófilo), que a tinha
escar necido no caminho do suplício e a quem ela respondera algumas
palavras. Vi diante dele a aparição de um menino resplandecente, trazendo
flores e frutas. O moço ar rependeu-se e con fessou aber tamente a fé cristã;
sofreu também o mar tírio e foi decapitado. Junto com Dorotéa, foram muitos
outros tor turados e queimados.”
"A cidade em que Apolônia sofreu o mar tírio, estava situada sobre uma ponta
de ter ra. Os numerosos ramos pelos quais o Nilo se der rama no mar, não
ficam mui longe dali. É uma cidade vasta e bela (Alexandria), na qual se
achava a casa pater na de Apolônia, cercada de pátios e jardins, num largo
elevado.
Presenciou-lhe o mar tírio uma viúva idosa, de estatura alta. Os pais eram
pagãos; ela, porém, já fora instruída desde criança na doutrina cristã e
batizada pela ama, que era uma cristã oculta. Depois de crescida, foi casada
pelos pais com um pagão, com quem vivia na casa pater na. Tinha muito que
sofrer e a vida matrimonial era-lhe uma penitência penosa. Via se prostrada
por ter ra, banhada em lágrimas, rezando e cobrindo a cabeça de cinza. O
marido era um homem alto e magro e muito pálido; mor reu muito antes dela.
Apolônia viveu ainda cerca de trinta anos após a mor te do esposo, como
viúva sem filhos. Fazia muitas obras de misericórdia aos pobres cristãos e
era a consolação e esperança de todos os necessi tados. A ama sofreu
também o mar tírio, um pouco antes dela. Foi por ocasião de um tumulto, em
que foram saqueadas as casas dos cristãos e destruídas pelo fogo, sendo
mor tos também muitos cristãos. Vi Apolônia mais tarde, presa em casa, por
ordem do Juiz, conduzi da ao tribunal e depois lançada no cárcere. Vi que foi
conduzida repetidas vezes para diante do juiz, sendo cruelmente maltratada,
por causa das palavras severas e decididas com que confessava a fé cristã.
Era um espetáculo que feria o coração e eu não podia deixar de chorar
amargamente, ao passo que podia ver outros mar tírios, muito maiores, com
grande calma. Talvez fosse a idade e o aspecto venerável da már tir o que me
comovia. Davam lhe pancadas com maças, batiam-lhe no rosto e na cabeça
com pedras.
Esmagaram-lhe o nariz, o sangue cor ria-lhe da cabeça, as faces e a
boca estavam rasgadas, os dentes tinham-lhe saltado fora, com as pancadas.
Vestia a veste branca, com os lados aber tos, com a qual tantas vezes tenho
visto os már tires. Por baixo tinha uma camisa de lã.
Estava sentada num assento de pedra sem encosto, as mãos amar radas atrás
na pedra e também os pés atados. Tinham-lhe ar rancado o véu, o longo
cabelo pendia-lhe solto em redor da cabeça. O rosto estava todo desfigurado
e cober to de sangue. Um dos car rascos segurava-a por detrás, puxando-lhe a
cabeça, outro lhe abria a boca ferida, introduzindo-lhe à força na mésma um
pedaço de chumbo. Depois lhe ar rancou o car rasco um dente após outro com
um grosso tenaz, quebrando-lhe ainda pedaços da mandíbula. Durante essa
tor tura, em que Apolônia sofreu até cair desmaiada, vi que Anjos, almas de
santos már tires e também a aparição de Jesus a consolavam e confor tavam
e que implorou e recebeu a graça de tor nar-se protetora contra dores de
dentes, de cabeça e do rosto. Como não deixava de louvar a Jesus e
desprezar os sacrifícios dos ídolos, mandou o juiz que fosse conduzida à
fogueira e se não mudasse de convicção, lançada ao fogo. Vi que não podia
mais andar sozinha; estava já semi-mor ta. Dois car rascos levantaram-na pe-
los braços e ar rastaram-na a um lugar elevado e plano, onde ardia uma
fogueira, numa fossa. Diante da fogueira, parecia pedir uma coisa. Não podia
mais levantar a cabeça. Os pagãos julgaram que quisesse negar Jesus ou
que vacilasse na fé e soltaram-na. Ela, porém, caiu por ter ra moribunda.
Rezou, mas de repente se levantou e deitou-se nas chamas. Durante todas as
tor turas vi muita gente pobre, à qual Apolônia socorrera, durante tantos
anos: torciam as mãos, choravam e lamentavam. Por si mesma não teria
podido lançar-se no fogo, recebeu a força e inspiração de Deus. Vi que não
foi consumida pelo fogo, mas assada. Depois que mor reu, os pagãos
abandonaram o lugar. Os cristãos aproximaramse ocultamente, tiraram o
cor po sagrado e sepultaram-no num lugar abobadado.”
"A casa pater na de Cecília estava situada num lado de Roma. Tinha o mesmo
feito da casa de Santa Inês, com pátios, arcadas e um chafariz. Os pais não
os vi muitas vezes. Vi Cecília, muito bonita, meiga e viva, de faces ver melhas
e rosto delicado, quase como Maria. Vi-a brincar com outras crianças nos
pátios. Quase sempre estava com ela um Anjo, na figura de um menino
gracioso; falava-lhe e o via, mas as outras crianças não o viam. Proibira-lhe
de falar dele. Muitas vezes eu via junto dela crianças, à cuja aproximação o
Anjo se afastava. Tinha cerca de sete anos. Vi-a também sozinha no quar to e
o Anjo ao lado, ensinando-a a tocar um instrumento de música, colocando-lhe
os dedos nas cordas ou segurando uma folha de papel. Ora tinha uma caixa
encordoada sobre os joelhos e o Anjo pairava-lhe em frente, segurando um
rolo de pergaminho, para o qual ela olhava; ora tinha um instrumento
parecido com o violino, encostado ao ombro e ao pescoço; com a mão direita
tangia as cordas e cantava para dentro do instrumento, que tinha uma
aber tura cober ta como de uma pele. Produzia um som suavíssimo. Vi também
muitas vezes com ela um menino, de nome Valériano e o ir mão mais velho,
como também um homem vestido de um longo manto branco, que morava
per to e julgo ser aio do menino que brincava com Cecília e parecia ser
educado com ela e destinado a ela.
Vi, porém, uma ama de Cecília, que era cristã e por inter médio da qual travou
conhecimento com o Papa Urbano. Vi Cecília e as companheiras encherem
muitas vezes de víveres e frutas as dobras das vestes, que ar regaçavam
depois do lado e cobriam com os mantos. Assim car regadas, saiam juntas
fur tivamente pela por ta, para que ninguém notasse coisa alguma. Vi o Anjo
de Cecília acompanhá-Ia sempre, o que era um quadro muito gracioso. Vi as
crianças irem a um edifício, cercado de grandes tor res, muros e diques.
Dentro desses muros e em subter râneos abobadados, viviam cristãos
encarcerados. Não me lembro com cer teza se estavam encarcerados ou
apenas escondidos; parecia-me, porém, que os pobres que moravam nas
estradas, eram guardas ou cuidavam do esconderijo. Lá vi as crianças
repar tindo entre os pobres o que tinham trazido; faziam-no fur tivamente. Vi
que Cecília prendia as saias às per nas por meio de uma fita e assim
deslizava pelo íngreme ater ro abaixo. Ali a deixavam entrar nos subter râneos
e uma vez a fizeram penetrar, por uma aber tura redonda, num subter râneo,
onde um homem a levou a Santo Urbano. Vi que este lhe ensinava, lendo
rolos e que ela levava e também trazia tais rolos de escritura, sob o manto.
Tenho também uma lembrança vaga de que foi batizada lá embaixo. Vi uma
vez Valériano, já moço, com o preceptor, entre as moças que brincavam; quis
abraçar Cecília durante o brinquedo, mas esta o repeliu. O jovem queixou-se
ao preceptor, que o contou aos pais da donzela. Não sei o que estes lhe
disseram, mas castigaram Cecília, proibindo-lhe de sair do quar to. Lá vi
sempre o Anjo com ela, ensinando-a a tocar o instrumento e cantar.
Finalmente tive também uma visão dos esponsais de Cecília. Vi os pais de
ambos e muitos outros homens, mulheres, meninos e meninas numa sala,
onde se viam belas estátuas. Cecília e Valériano estavam ador nados de
grinaldas e vestes festivas, de cor. Havia também uma mesa baixa,
car regada de iguarias. O Anjo ficava sempre entre Cecília e o noivo. Depois
os vi a sós num quar to. Cecília disse que era sempre acompanhada por um
Anjo e como Valériano quisesse vê-Io, respondeu que não o podia sem ser
batizado. Quando o mandou procurar Santo Urbano, já seguira com o esposo
para outra casa.”
Em outra ocasião conta Catharina Emmerich: "Vi a Santa sentada num quar to
muito s\~ples, quadrangular. Tinha sobre os joelhos uma caixa triangular, da
(altura de algumas polegadas, encordoada, na qual tocava com ambas as
mãos; erguia os olhos e sobre ela se via um esplendor e pairavam entes
luminosos, como Anjos ou crianças bem-aven turadas, cuja presença Cecília
parecia sentir. Vi-lhe também ao lado um Jovem, sumamente puro e delicado;
era mais alto do que ela, mas sujeitava-se-Ihe humilde, obedecendo-lhe às
ordens. Creio que era Valériano, pois mais tarde o vi amar rado com outro
(Tibúrcio) a um poste, flagelado com açoites e decapitado. Não se realizou
este mar tírio na praça grande do suplício, mas num lugar mais deser to. Vi
também o mar tírio de Santa Cecília, num pátio circular, diante da casa. A
casa era quadrangular, com ter raço, sobre o qual se podia passear ; nos
quatro cantos havia quatro esferas de alvenaria e no centro, creio que uma
estátua. No pátio tinham colocado uma caldeira grande, aquecida por uma
for te fogueira e na qual vi sentada a virgem, com os braços estendidos,
vestida de branco, resplandecente e alegre. Um Anjo, ir radiando uma luz
ver melha, estendia-lhe a mão, outro segurava-lhe uma coroa de flores sobre
a cabeça. Tendo uma lembrança obscura de ter visto um animal cor nudo, que
parecia uma vaca brava, mas não como as vacas de nosso tempo; foi
conduzido pela por ta do pátio e através deste a um buraco escuro. Cecília foi
depois tirada da caldeira e três vezes golpeada no pescoço, com uma espada
cur ta e larga. Mas não vi senão a espada. Vi-a também viva ainda, apesar de
ferida e falar com um sacerdote velho, que eu já tinha visto antes, em casa
da már tir. Mais tarde vi a casa transfor mada em Igreja; vi lá conser vadas
muitas relíquias, inclusive o cor po da Santa, do qual, porém, de um lado,
tinham sido tiradas muitas par tes. Havia Missa nessa Igreja.”
Santa Cecília apareceu na sua festa de 1819 à piedosa ser va de Deus, para a
consolar na perseguição que contra ela se levantara.
"Pedi a Santa Cecília que me consolasse e no mesmo momento tive a
aparição. Era comovente. A cabeça, separada por uma larga ferida do
pescoço, estava inclinada sobre o ombro esquerdo. Não era alta, tinha
cabelos e olhos pretos, cútis branca, era bela e delicada. Vestia uma veste
branca, mas não branqueada, com grandes e grossos florões dourados, com a
qual provavelmente foi mar tirizada. Disse-me mais ou menos o seguinte:
"Tem paciência. As tuas faltas Deus as perdoará, se te ar rependeres. Não
fiques tão abatida por ter dito a verdade aos teus perseguidores. Quem é
inocente, pode falar com toda a franqueza aos inimigos. Também falei com
severidade aos meus inimigos e quando me falaram da flor da mocidade e das
flores de ouro do meu vestido, respondi-Ihes que as estimava tão pouco como
o pó de que eram feitos os seus ídolos e que queria ouro em troca desse
lodo. Vê, com esta ferida ainda vivi três dias e gozei do consolo do ser vo de
Jesus Cristo. Trouxe-te a paciência, a menina de verde roupagem; ama-a, que
ela te auxiliará.”
"O pai de Santa Catarina chamava-se Costa. Era descendente de estir pe real;
pois um dos seus antepassados era Hazael, que fora ungido rei da Síria por
Elias, por ordem de Deus. Do lado mater no descendia Catarina da família de
Mercúria, sacerdotisa pagã, conver tida por Jesus na ilha de Salamina.
Catarina era filha única de Costa. Tinha, como a mãe, cabelo loiroclaro, era
muito viva e corajosa, tendo sempre alguma coisa que sofrer ou disputar.
Tinha uma ama e desde muito cedo recebeu mestres masculinos. Via-a fazer
brinquedos de cor tiça para crianças pobres. Já mais crescida, escrevia
muito sobre lousas e rolos, dando-os depois a outras meninas, para as
copiar. Vi também que se dava muito com a ama de Santa Bárbara, que era
cristã ocultamente. Catarina possuía em alto grau o dom de profecia dos
antepassados de sua mãe e aquela profecia a respeito do grande profeta foi-
lhe mostrada também numa visão, quando tinha apenas seis anos. Contou-a
durante o jantar aos pais, que não ignoravam a história de Mercúria. O pai,
homem muito severo e reser vado, encer rou-a por castigo num subter râneo.
Vi que ali os ratinhos e outros animais se lhe mostravam muito familiares,
brincando diante dela. Havia uma luz em redor de Catarina. Desejava de toda
a sua alma o Salvador dos homens, pedindo que a tocasse também e tinha
muitas visões e iluminações. Desde aquele tempo nutria um ódio invencível
contra todos os ídolos; escondia, enter rava ou quebrava todas as pequenas
estátuas de falsos deuses, que podia apanhar e por isso e por motivo dos
discursos estranhos e profundos que proferia contra a idolatria, era muitas
vezes encer rada no cárcere do pai. Contudo era também instruída em todas
as ciências; vi que andando, escrevia na areia e nas . paredes do palácio e
que as companheiras a imitavam.
Quando tinha cerca de oito anos, par tiu com o pai para Alexandria, onde o
futuro noivo a conheceu. O pai voltou com ela a Chipre. Ali não havia mais
judeus, mas de vez em quando se encontravam um escravo judeu e poucos
cristãos ocultos. Catarina foi instr uída interior mente por Deus e rezava com
ardente desejo do Batismo, que recebeu aos dez anos. Foi quando o bispo de
Dióspoli mandou, às ocultas, três sacerdotes a Chipre, para consolar os
cristãos. Recebeu uma ordem inter na de mandar batizar também Catarina,
que estava então novamente no cárcere, onde tinha por guarda um cristão
disfarçado. Este a levou de noite àreunião secreta dos cristãos, num
subter râneo fora da cidade, onde ela foi repetidas vezes e lá, junto com
outros, foi instruída na fé e batizada pelos sacerdotes. Vi que o batizante lhe
der ramou sobre a cabeça água de uma taça. Catarina recebeu, com o
batismo, uma inefável sabedoria. Falava de coisas maravilhosas, mas ainda
ocultava a fé cristã, como todos os cristãos faziam. Como, porém, o pai não
lhe supor tasse mais a aversão pela idolatria, as palavras e profecias, levou-a
a Pafos, mandando encer rá-Ia num cárcere, julgando que ali não poderia
travar relações com pessoas da mesma convicção religiosa. Contudo
Catarina era tão bela e inteligente, que o pai a amava ter namente. As
criadas e guardas eram mudadas freqüentemente, porque havia entre elas
muitas vezes ocultas cristãs. Já dantes gozara da aparição de Jesus, o
Esposo celeste, no qual sempre pensava e de outro esposo não queria saber.
De Pafos voltou novamente para casa e o pai quis dá-Ia em matrimônio a um
jovem de nome Maximiliano, descendente de uma antiga família real e
sobrinho do gover nador de Alexandria, que não tinha filhos e o fizera seu
herdeiro. Mas Catarina não o queria absolutamente. Antes deste noivado,
quando tinha doze anos, lhe mor rera a mãe nos braços. Catarina confessou à
mãe que era cristã e instruiu-a, induzindo-a a receber o batismo. Vi que
Catarina der ramou água de uma taça de ouro, com um ramo, sobre a cabeça,
testa, boca e peito da mãe.
Havia sempre muito tráfego entre Alexandria e Chipre e o pai mandou
Catarina à casa de parentes, esperando que afinal se afeiçoasse ao noivo.
Tinha naquele tempo treze anos. Em Alexandria morava com o pai do noivo,
numa vasta casa, com várias salas. O noivo morava também lá, mas separado
dela; estava como desvairado de amor e mágoa. Ela, porém, falava sempre do
outro noivo, a quem amava; por isso pensaram em mudar-lhe os sentimentos
pela sedução. Mandavam também homens sábios e doutos, para a desviar da
fé cristã, mas Catarina confundia a todos.
Naquele tempo era Teonas Patriarca de Alexandria, o qual conseguiu, com
grande brandura, que os cristãos não fossem perseguidos pelos pagãos. Mas
eram sempre muito oprimidos e tinham de supor tar tudo calados e de evitar
qualquer campanha contra a idolatria. Nessas circunstâncias se for mou uma
per niciosa convivência tolerante com os gentios, causando grande
indiferença entre os cristãos e por isso dispôs Deus que Catarina
desper tasse muitos da frouxidão, pelas suas luzes e seu ardente zelo. Vi
Catarina em casa de Teonas. Este lhe deu o Santíssimo Sacramento, que ela
levou para casa, transpor tando-o numa cápsula de ouro sobre o peito. Não
recebeu o Preciosíssimo Sangue. Vi naquele tempo em Alexandria muitos
pobres homens presos, com a aparência de eremitas, que eram hor rivelmente
tor turados nos trabalhos pesados de constr uções, transpor tando ou
car regando pedras. Creio que eram judeus conver tidos à fé cristã, que
tinham for mado uma colonia ao pé do monte Sinai, sendo depois presos e
levados a Alexandria. Vestiam vestes de cor parda, tecidas de cordas da
grossura de um dedo e um pano pardo na cabeça, que pendia sobre os
ombros. Vi que também receberam o Santíssimo Sacramento às escondidas.
Catarina voltou também uma vez a Chipre, quando o noivo fez uma viagem de
Alexandria à Pérsia e ela esperava ficar livre dele. O pai estava muito
enfadado de a ver ainda solteira. Teve de voltar para Alexandria e lá
insistiram ainda mais para que se casasse. Mais tarde a levou o pai ainda
uma vez à Salamina, onde foi solenemente recebida por moças pagãs e
levada a muitos diver timentos e festas; mas não conseguiram mudar-lhe a
decisão.
De volta a Alexandria, insistiam ainda mais em lhe tirar a fé. Vi uma grande
festa pagã. Catarina foi obrigada pelos parentes pagãos a ir ao templo
pagão; mas não se deixou induzir a sacrificar aos ídolos. Ao contrário,
quando estavam os pagãos no meio das esplêndidas cerimônias do sacrifício,
avançou Catarina, inspirada de zelo sobrenatural, para os que sacrificavam e
der rubando os altares de incenso e os vasos, começou a pregar em alta voz
contra o pecado abominável da idolatria. Levantou-se grande tumulto,
apoderaram-se dela, declarando-a louca; repreenderam-na no átrio do
templo, mas ajovem começou a falar ainda com mais veemência. Então a
prenderam, mas a caminho do cárcere, chamou todos os cristãos para se
reunirem a ela e darem o sangue por Aquele que os salvara com seu Sangue
divino. Foi encarcerada, açoitada com escor piões e lançada às feras. Eu
pensava comigo que não era per mitido procurar assim à força o mar tírio. Mas
há exceções desta regra e instrumentos da vocação de Deus. Catarina tinha
sido sempre impelida à idolatria e ao odioso matrimônio; logo depois da
mor te da mãe, o pai a levara muitas vezes às indecentes festas de Vênus; lá,
porém, nunca abrira os olhos. Em Alexandria afrouxara o zelo dos cristãos.
Agradava muito aos gentios que o patriarca Teonas consolasse os
maltratados escravos cristãos e os exor tasse a ser virem fielmente aos
cruéis senhores; mostravam-se tão amigos de Teonas, que muitos cristãos
fracos na fé pensavam que a idolatria não fosse condenável. Por isso Deus
mandou esta virgem de espírito for te, corajosa e inspirada, para conver ter
pelas palavras, pelo exemplo e o mar tírio muitos que, sem isto, teriam
perecido. Cuidara sempre tão pouco de ocultar a fé, que visitava os escravos
e operários cristãos, nas praças públicas, consolando-os e exrór tando-os à
perseverança na fé; pois sabia quantos se tor navam indiferentes, pela
tolerância e apostatavam da fé. Vira também tais apostatas no templo,
tomando par te nos sacrifícios; por isso lhe era tão veemente a dor e
indignação. As feras, às quais foi lançada depois da flagelação, lambiam-lhe
as feridas, que saravam de repente, por milagre, quando foi novamente
levada ao cárcere. Chegou o pai de Salamina e, tirando-a do cárcere, levou-a
de novo para a casa do noivo. Ali empregaram todos os meios de tentação,
para a induzir à apostas ia. Mas as moças pagãs, que a deviam persuadir à
idolatria, eram conver tidas por ela para Cristo e também os filósofos que
vieram disputar com ela, aderiram-lhe. O pai ficou furioso, atribuiu tudo à
feitiçaria e mandou açoitar Catarina de novo e lançá-Ia no cárcere. A mulher
do tirano (Maximino) visitou-a no cárcere e conver teu-se, junto com um
oficial (Porfírio). Quando entraram no cárcere, um Anjo pôs-lhe uma coroa
sobre a cabeça e outro lhe ofereceu uma palma. Não sei se a mulher o viu.
Catarina foi então levada ao circo e colocada sobre um estrado, entre duas
rodas largas, munidas de pontas de fer ros cor tantes, como relhas de arado.
Quando quiseram fazer girar as rodas, foram quebradas pelos raios lançados
no meio dos pagãos, dos quais cerca de trinta ficaram feridos ou mor tos.
Desencadeou-se uma violenta tempestade, com saraivada; ela, porém, ficou
sentada tranqüilamente, com os braços estendidos, entre os destroços das
rodas. Conduziram-na novamente ao cár cere e por vários dias tentaram
persuadí-la à idolatria. Alguns homens quiseram violá-Ia, mas Catarina
repeliu-os com a mão e eles ficaram rígidos como estátuas e sem força para
se mover. Outros se atiraram sobre ela, mas a donzela afastou-os,
mostrando-Ihes os que se tinham tor nado como petrificados. Tomavam tudo
por feitiçaria e Catarina foi de novo conduzida ao lugar do suplício. Ajoelhou-
se diante de um cepo, volvendo a cabeça um pouco para o lado e assim foi
degolada, com um fer ro das rodas destruídas. Cor reu tanta quantidade de
sangue, que todos se admiraram; esguichava com força e tor nou-se
finalmente claro como água. A cabeça caiu por ter ra. Atiraram o cor po sobre
uma fogueira, mas as chamas ar remessaram-se contra os car rascos; o cor po
ficou envolto numa nuvem de fumaça. Tiraram-no então e lançaram-no a
algumas feras esfomeadas, para que o despedaçassem. Mas estas não o
tocaram e no dia seguinte os car rascos atiraram o cor po da santa virgem
numa fossa cheia de excrementos, debaixo de sabugueiros. Na noite seguinte
vi nesse lugar dois Anjos, em vestes sacerdotais, que envolveram o cor po
resplandecente numa cober ta de entrecasca e o levaram, voando.
Os dois Anjos transpor taram o cor po da virgem para o cume inacessível do
monte Sinai. Vi a superfície do cimo, era pouco extensa, de tamanho de uma
pequena casa; constava de uma rocha de diversas cores, na qual se achavam
impressas for mas de plantas. Colocaram cabeça e cor po de br uços sobre a
rocha, que parecia mole como cera, pois o cor po se lhe imprimiu inteiro,
como numa for ma. Vi que os lados superiores das mãos estavam
perfeitamente desenhados na pedra. Os Anjos colocaram sobre a pedra, que
se elevava um pouco acima do solo, uma cober ta brilhante. O santo cor po
ficou nesse lugar, durante vários séculos, inteiramente oculto, até que foi
mostrado por Deus, numa visão, a um eremita, per to do monte Horeb.
Ali viviam vários eremitas, sob a direção de um abade. O eremita revelou ao
abade a visão, que várias vezes tivera e verificou-se que ainda outro dos
confrades tinha tido a mesma visão. O abade ordenouIhes, sob obediência,
que trouxessem o santo cor po, o que de modo natural era impossível; pois o
cume era inteiramente inacessível, inclinado e fendjdo. Vi-os abrirem numa
noite caminho, para o qual precisavam de vários dias; estavam num estado
sobrenatural. Era noite escura, mas em redor Ihes brilhava uma luz. Vi que
ambos foram levados por Anjos ao cume escar pado; vi os Anjos abrirem o
sepulcro, entregando a um a cabeça, ao outro o cor po envolto, que já se
tomara pequeno e leve e car regando as relíquias assim nos braços, foram
levados novamente para baixo pelos Anjos, que os seguravam pelos braços.
Vi ao pé do Sinai a capela onde descansa o cor po sagrado: é construída
sobre doze colunas. Os monges pareciam ser gregos. Vestiam hábito de uma
fazenda grossa, que ali mesmo fabricavam. Vi as relíquias de Santa Catarina
num pequeno caixão. Mas restava apenas o alvíssimo crânio e um braço
inteiro; mais não vi. Tudo está em ruína.
Vi também no monte, ao lado da sacristia, um pequeno subter râneo cujas
paredes contém, em cavidades, santas relíquias, que na maior par te estão
envoltas em pano de lã ou seda e bem conser vadas. Há entre elas também
restos de profetas, que antigamente viveram ao pé do mon te e que já eram
venerados nas grutas do monte pelos Essenos. Vi ali também ossos de Jacó,
de José e da família, que os israelitas trouxeram consigo, quando saíram do
Egito. Essas santas relíquias pareciam ser desconhecidas; mas são às vezes
veneradas por piedosos monges. A Igreja encosta-se ao lado do monte que dá
para Arábia. Mas de tal modo, que se lhe pode ainda passar por detrás.
Catarina tinha dezesseis anos, quando mor reu már tir, no ano 299. Das
numerosas virgens que a acompanharam chorando, ao lugar do suplício,
apostataram algumas mais tarde; a mulher do tirano, porém, e o oficial
sofreram com fir meza a mor te e o mar tírio".
17
Glorificação da Santa Cruz
2. Descober ta da Cruz
"Vi que levaram a santa Cruz numa grande procissão e que traziam coxos e
enfer mos, conduzindo-os pelos braços ou transpor tando-os em padiolas e que
foram todos curados, ao passar a santa Cruz. Creio que o povo não tomava
esses milagres como sinais para distinguir a cruz das outras, mas apenas
como confir mação de que era realmente a Cruz do Senhor.
O velho judeu tomou-se também cristão e grande venerador da santa Cruz;
trazia sempre o sinal da cruz sobre o lado direito do manto; mais tarde se
tor nou bispo de Jerusalém.
Vi que Helena pediu e recebeu o santo Batismo e mandou demolir o templo
pagão sobre o Santo Sepulcro. No princípio recusavam os judeus começar o
trabalho; mas desencadeou-se uma tremenda tempestade, que levou todo o
entulho e virou muitas das casas dos judeus construídas em redor. Os
judeus, porém, tomados de veemente ter ror, começaram todos a trabalhar
com todo o esforço. A primitiva entrada do Sepulcro não foi mais aber ta, mas
outra ao lado. Vi depois Santa Helena, que naquele tempo contava cinqüenta
anos, ocupada em dirigir a construção de uma grande Igreja (a Igreja do
Santo Sepulcro); a Igreja cristã fora até então a de Sião, onde havia sido
instituído o Santíssimo Sacramento.”
Helena mandou pôr uma par te da santa Cruz num relicário precioso
e entregou-a a Macário, então bispo de Jerusalém. Quando, no ano 614, o rei
da Pérsia, Cosroes II, conquistou Jer usalém, levaram os vencedores essa
par te da Cruz, como espólio, para a Pérsia. Só após uma guer ra de doze
anos, em que o imperador Heráclito venceu os persas, voltou a santa Cruz à
Igreja do Santo Sepulcro, em Jerusalém. - Outra par te da Santa Cruz foi
levada pela Santa para Roma, onde foi entregue à Igreja da Santa Cruz,
edificada por Santa Helena, na qual esta santa relíquia ainda hoje é
conser vada e venerada.
A Cruz, outrora sinal de ignomínia e de desprezo, tomara-se sinal glorioso do
triunfo e da vitória que o cristianismo alcançara sobre o paganismo e que
depois se estendeu aos países do sul da Europa e do nor te da África e mais
tarde também ao nor te e leste da Europa. Ar mados com a Cruz venturosa,
par tiam nos séculos seguintes, até o nosso tem po, inúmeros missionários,
cheios de amor de Deus e zelo pelas almas, indo a toda a par te da ter ra, até
aos povos mais longínquos da África, Ásia, América e Austrália, para Ihes
levar o Evangelho da fé e granjear para o Salvador do mundo novos ser vos,
que O adorassem, amassem e glorificassem. Assim contribuíam e contribuem
para o cumprimento da palavra de São Paulo: "Ele (o Salvador) humilhou-se a
si mesmo, feito obediente até a mor te e mor te de cruz; pelo que Deus
também o exaltou e lhe deu um nome que é sobre todos os nomes, para que
ao nome de Jesus se dobre todo o joelho dos que estão nos céus, na ter ra e
nos infer nos; e toda a língua confesse que o Senhor Jesus Cristo está
na glória de Deus Pai." (Fil. 2, 8-11).
Nesta glória viu São João ao Salvador : "o Cordeiro de Deus imolado", como
ele nar ra no livro do Apocalipse, 5, 11 - 17:
"E olhei e ouvi a voz de muitos Anjos ao redor do trono e dos animais e dos
anciãos; e era o número deles milhares e milhares, que diziam em alta voz:
"Digno é o Cordeiro, que foi mor to, de receber a vir tude e a divindade e a
sabedoria e a for taleza e a honra e a glória e a bênção. E toda a criatura que
há no céu e sobre a ter ra e debaixo da ter ra e as que há sobre o mar e
quantas há nele, ouvi dizer a todas: "Ao que está sentado no trono e ao
Cordeiro, bênção e honra e glória e poder por todos os séculos.”
APÊNDICE
Seráfia era prima de João Batista; pois o pai era filho do ir mão do pai de
Zacarias. Era natural de Jerusalém.
Quando Maria foi levada à comunidade das virgens do Templo, ainda menina
de 4 anos apenas, vi Joaquim e Ana entrarem na casa pater na de Zacarias,
não longe do mercado de peixe. Morava ali um velho parente de Zacarias;
talvez fosse o tio do mesmo e avô de Seráfia, a qual vi nesse tempo já muito
mais velha do que Maria; podia ter cinco anos mais. Também na festa dos
esponsais de Maria e José, a vi mais velha do que a SS. Virgem. Era também
parente do velho Simeão, que profetizou no Templo, por ocasião da
Apresentação de Jesus e desde a infância era amigo dos filhos do venerando
ancião, os quais tinham, já há muito tempo, como o pai, ardente desejo da
vinda do Messias, como também Seráfia. Esta esperança de salvação
conser vava-se entre muitos homens bons daquele tempo, como um secreto
amor ; os contemporâneos não o pressentiam absolutamente. Quando Jesus,
então menino de doze anos, ficou em Jer usalém, para ensinar no Templo, vi
Seráfia mais velha do que a Mãe de Jesus e ainda solteira. Mandava comida
para Jesus, a um albergue fora de Jerusalém, onde Ele se hospedava, nas
horas em que não estava no Templo. Essa hospedaria, situada a quinze
minutos de caminho na direção de Belém, era a mesma em que Maria e José
ficaram um dia e duas noites, com um casal de velhos, quando, depois do
nascimento de Jesus, foram de Belém ao Templo, para apresentar o Menino
Jesus. Aquele casal de velhos eram Essênios, a mulher era parente de Joana
Cuza. Conheciam a Sagrada Família e Jesus. Essa albergaria era um
estabelecimento destinado aos pobres; Jesus e os discípulos alojavam-se
muitas vezes ali e vi que nos últimos tempos da vida ter rena do Salvador,
quando estava ensinando no Templo, Seráfia mandava várias vezes comida
para lá. Mas naquele tempo eram outros os proprietários do albergue.
Seráfia casou-se tarde; o marido, Sirach, descendente da casta Suzana, era
membro do Conselho do Templo. Como, a princípio, tinha prevenção contra
Jesus, Seráfia tinha muito que sofrer por causa das íntimas relações que
mantinha com Jesus e as santas mulheres. Até foi várias vezes presa pelo
marido num subter râneo, durante bastante tempo. Conver tido por Nicodemos
e José de Arimatéia, diminuiu essa aversão e per mitiu à mulher que seguisse
a doutrina de Jesus. Diante do tribunal de Caifás, deu com Nicodemos, José
de Arimatéia e outros bem intencionados, o voto a favor de Nosso Senhor e
abandonou com eles o Sinédrio.
Seráfia era ainda uma bela e for te mulher, mas já devia ter mais de 50 anos.
Na entrada triunfal de Jesus em Jerusalém, que celebramos no Domingo de
Ramos, eu a vi com uma criança ao colo, entre outras mulheres, tirando o
véu da cabeça e estendendo-o com respeito e alegria no caminho. Era o
mesmo pano que apresentou ao Senhor, num outro cor tejo mais triste, mas
também mais vitorioso, para lhe aliviar os padecimentos; o mesmo véu que
deu à compassiva dona o nome novo e triunfal de Verônica e que é agora
objeto de veneração pública na Igreja.
No terceiro ano depois da ascensão de Jesus, mandou o imperador romano
um dos seus homens a Jerusalém, para juntar todos os testemunhos e boatos
sobre a mor te e a ressur reição de Jesus. Esse homem trouxe consigo a Roma
Nicodemos, Seráfia e um parente do Joana Cuza, o discípulo Epafras. Este
último era um criado muito singelo dos discípulos, que antes tinha sido
empregado e moço de recados dos sacerdotes no Templo. Vira Jesus, logo
depois da ressur reição, junto com os Apóstolos, no Cenáculo, nos primeiros
dias e também muitas vezes, em outras ocasiões.
Vi Verônica no palácio do imperador, que estava doente. O leito imperial era
elevado alguns degraus acima do assoalho, tinha uma grande cor tina. O
quar to era quadrangular, mas não muito espaçoso; não vi janelas, mas a luz
entrava no quar to pelo teto, do qual pendiam cordões, pelos quais se podiam
abrir e fechar válvulas e ventiladores. O imperador estava só; os criados
estavam na antecâmara. Vi que Verônica tinha consigo, além do sudário,
ainda uma mor talha de Jesus e que estendeu o sudário diante do imperador.
Era uma faixa longa e estreita, que antigamente usava como mantilha na
cabeça e no pescoço. O retrato do rosto de Jesus achava-se na extremidade
do véu. Quando o apresentou ao imperador, segurou com a mão a par te mais
longa, que pendia para baixo. O rosto de Jesus não era como uma simples
pintura, mas impresso no pano com sangue; também era mais largo que num
retrato comum, porque o pano cobria todo o rosto. Na mor talha que Verônica
trouxera consigo, vi a impressão do cor po flagelado de Jesus; creio que era
um dos panos sobre os quais fora colocado, antes de ser sepultado.
Não vi que o imperador tocasse ou fosse tocado com esses panos. Mas
recebeu a saúde só de os ver. Queria que Verônica ficasse em Roma; queria
dar-lhe como recompensa uma casa, campos e bons empregados; mas a
piedosa cristã só desejava voltar para Jerusalém e mor rer onde Jesus
mor rera. Vi também que voltou, com os companheiros, para Jerusalém e que
na perseguição dos cristãos, quando Lázaro e as ir mãs foram expulsos para
o exílio, fugiu com algumas outras mulheres, mas foi presa e lançada num
cárcere. Aí mor reu de fome, como már tir da verdade, por Jesus Cristo, a
quem tantas vezes alimentara com pão ter restre e que a alimentara com sua
Car ne e seu Sangue para a vida eter na.
Lembro-me mais em geral de ter visto uma vez, já há algum tempo, que o
sudário de Verônica ficou com as santas mulheres, após a mor te dela e que o
discípulo Tadeu o levou consigo para Edessa e lá, como também em outros
lugares, fazia milagres por meio dele, que também veio para Constantinopla
e depois, por inter médio dos Apóstolos, se tor nou propriedade da Igreja.
Creio ter visto uma vez que está em Turim, onde também está a mor talha de
Jesus; mas naquele tempo vi a história de todos os panos santos, que se me
confundiu na memória. Também hoje vi ainda muita coisa de Verônica ou
Seráfia, o que, porém, não conto, porque não tenho uma recordação clara.”
Outra vez nar ra Catharina Emmerich: "A respeito do sudário, vi que era um
pano como naquele tempo costumavam usar no pescoço e às vezes um
segundo sobre os ombros. Verônica tinha um igual sobre os ombros, no
caminho da cruz. Oferecer um tal pano, era sinal de compaixão e de tomar
par te na tristeza ou no luto. Verônica, vendo o Senhor tão machucado e
sangrento, cor reu para lhe enxugar o rosto, que se lhe imprimiu num lado do
pano, com o sangue das feridas da testa e de todo o rosto. Verônica nunca
esteve pessoalmente em Roma. O sudário ficou com as santas mulheres;
quando Mar ta e Madalena foram exiladas para Massília, recebeu-o a Mãe de
Deus, da qual veio, por meio dos Apóstolos, para Roma. - Nessa perseguição
de Lázaro e das ir mãs, também Verônica, que era uma bela e esbelta mulher,
junto com outras mulheres, foi muito perseguida. Fugiram, mas foram
alcançadas e presas e Verônica mor reu de fome no cárcere.
5. Cruz e lagar
Abenadar, que depois recebeu o nome de Ctesifon, era oriundo de uma ter ra
situada entre a Babilônia e o Egito, a ditosa Arábia, à direita da última
residência de Jó. Numa montanha ondulosa há casas quadrangulares,
encostadas umas às outras; ali é que nasceu. Os homens andam sobre os
telhados, que são planos. Há muitas ár vores pequenas ali: estava brumoso o
tempo, quando ali estive. A gente dessa região colhe incenso dessas ár vores
e também cultivava er vas de bálsamo em latadas. Estive na casa de
Abenadar : era um edifício esquisito, semelhante a um conjunto de caixas
quadrangulares, planas em cima; era vasto e espaçoso, como as casas dos
homens abastados dessa região, mas de pouca altura. Abenadar alistara-se
como voluntário, na tropa que estava aquar telada no for te Antônia, em
Jerusalém. Entrara a ser viço dos romanos, para se exercitar nas belas ar tes,
pois era homem douto. Era de cor trigueira, de estatura baixa, mas for te,
homem fir me e resoluto.
Foi por um dos primeiros ser mões de Jesus e por um milagre, não me lembro
mais qual, que se sentiu comovido. Convencido de que a salvação provinha
dos judeus, aceitou a lei mosaica, mas ainda não se tor nou discípulo de
Jesus; nunca, porém, se mostrou maldoso ou cheio de ódio contra Jesus; ao
contrário, tinha-lhe compaixão e um oculto respeito. Era homem muito sério
e revezando com o destacamento a guarda no Gólgota, conser vou a ordem e
calma ao redor da cruz, até que a verdade o venceu e publicamente, diante
de todo o povo, deu testemunho de Jesus, ao vê-Io mor rer. Sendo rico e
voluntário, podia abandonar imediatamente o posto, o que fez realmente.
Mostrou-se logo tão fiel e ser viçal no descendimento da cruz e na sepultura
do Senhor, que se mostrou íntimo amigo dos discípulos de Jesus e foi
batizado entre os primeiros, depois de Pentecostes, no tanque de Betesda,
recebendo o nome de Ctesifon. Tinha ainda um ir mão da Arábia. Ctesifon
nar rou-lhe todos os prodígios que vira e exor tou-o a abraçar a salvação. O
ir mão dirigiu-se, pois, em seguida a Jerusalém, com todos os seus bens, foi
batizado, sob o nome de Cecílio, tor nando-se, com Ctesifon, o auxiliar dos
diáconos na nova comunidade do Senhor.
Ctesifon acompanhou, com alguns outros discípulos, o Apóstolo Tiago o
maior à Espanha e com ele voltou a Jerusalém. Mais tarde foi enviado mais
uma vez pelos Apóstolos à Espanha, levando para lá o cor po de Tiago o
Maior, que mor rera már tir em Jer usalém. Tor nou-se bispo e residia numa
espécie de ilha ou península, não longe da França, onde também esteve e
tinha muitos discípulos e era benquisto pelo povo. O nome da cidade soa
como Vergi. Essa região desapareceu depois, destruída e levada pela água.
Creio que não sofreu o mar tírio; senão eu não o teria esquecido. Escreveu
alguns livros, nos quais se refere também à Paixão de Jesus Cristo. Mas
foram também editados livros de autores sob o nome de Ctesifon e alguns
livros deste sob outros nomes; assim foram alguns escritos de sua autoria
condenados pela Igreja, junto com os outros não escritos por ele.
Um dos guardas do sepulcro de Cristo que não se deixara subor nar, era
conter râneo de Ctesifon, a quem dedicava especial afeição. O nome soava-
lhe como Sulei ou Suleji. Este foi preso e depois de recuperar a liberdade,
viveu sete anos escondido numa caver na do monte Sinai, continuamente
socor rido pelos amigos de Ctesifon. Este homem recebeu grandes graças e
escreveu um livro, com profundas meditações, semelhantes aos escritos de
Dionísio Areopagita. Um escritor dos tempos posteriores aproveitou par tes
desse livro, as quais assim chegaram ao nosso tempo. Eu mesma li uma vez
cer tas coisas no convento, que agora sei que provinham deste escritor. Eu o
sabia muito claramente, como também o título do livro; mas pelas
contrariedades e pela falta de sossego, esqueci-o. Esse conter râneo de
Ctesifon veio visitá-Io mais tarde, na Espanha. Entre os companheiros de
Ctesifon na Espanha, estavam seu ir mão Cecílio, também um Intalécio,
Hesício e Eufrásio. Conver teu-se também, nos primeiros tempos, um Árabe de
nome Sulima. Não me lembro mais das circunstâncias; mais tarde, no tempo
dos diáconos, se tor nou cristão outro conter râneo de Ctesifon, cujo nome
soava como Sulensis.
Clemente Brentano junta a esta infor mação de Catharina Emmerich as
seguintes anotações:
No verão de 1832, nove anos depois da mor te da nar radora, leu o autor no 3º.
tomo da "Viage literário e Ias Iglesias de Espana" de D. J. L. Villanueva. (10
tomos, Madrid, 1805-23) a notícia que damos aqui em resUlpo. Pelo ano de
1595 foram feitas escavações em Granada e descober tos documentos,
relíquias e chapas de chumbo, que continham os nomes de Ctesifon e
Hiscius, discípulos de Tiago o Maior, etc. Este achado foi declarado por
várias pessoas, especialmente pelo D. J. B. Perez, bispo de Savoia, uma
impostura premeditada para provar assim que o sepulcro daqueles dois
discípulos, como o de Cecílio, estavam em Granada. Perez diz que o impostor
teve essa idéia pela crônica falsa, afamada naquele tempo, sob o nome de FI.
L. Dexter ; pois esta menciona como discípulos de Tiago o Maior : Ctesifon,
Hiscius e Cecílio. Um velho pergaminho gótico citava os seguintes
propagadores do cristianismo, que desembarcaram em Cadix e dali
percor reram o país: Torquato teria ficado em Acci (Cadix), Hesichius
(Hiscius) fora para Carcesa (Garzorla), Intalesion para Ursi (Almeria ou Orco,
per to de Galera), Secundo, para Abula (Avilla), Cecílio para Eliber ri (Sierar
Elvira, per to de Granada), Eufrásio para Iliturgi (Andujar), Ctesifon para
Berge, que alguns tomavam por Ver ja, na Aragonia, outros por Verga, per to
de Granada e outros ainda por Vera, situada à beira-mar, entre Car tagena e
Capo di Gata. Nesses lugares teriam pregado e também mor rido e ali lhes
seriam veneradas as relíquias. Mas, diziam, esses discípulos eram enviados
pelos Apóstolos de Roma e apenas um documento, sabidamente falso, sob o
nome de Papa Calixto lI, falando da transladação do cor po do santo Apóstolo
Tiago o Maior para a Espanha, os chamava discípulos deste. Mas os
discípulos deste Apóstolo eram, segundo a história da Espanha, escrita por
Pelágio, bispo de Oviedo: Calosero, Basílio, Crisógno, Teodoro, Arcanásio e
Máximo.
Como prova principal da impostura, alega Perez que essas chapas de chumbo
mencionam que Ctesifon, antes do Batismo, era chamado Abenadar, mas os
outros sete tinham nomes gregos ou latinos; como podia se lhes juntar um
nome árabe? Naquele tempo não havia ainda Árabes; e depois, porque
abandonou o nome árabe? etc. Também afirmam esses documentos falsos
que Ctesifon tinha escrito um livro em língua árabe, com letras salomônicas.
Por quê? se não havia naquele tempo Árabes na Espanha, etc? Depois critica
ainda o bispo Perez as tais chamadas letras salomônicas e pergunta: Por quê
escreveu árabe em letras salomônicas?
Em Maio de 1833 achou o autor em "Mariana de rebus Hispanicis", que a
lenda conta, entre os discípulos acima mencionados, ainda um Atanásio e um
Teodoro, que teriam sido guardas do sepulcro de Jesus; e no dia seguinte
achou nos "Actis Sanctorum", tomo lI, para o dia 1º. de Fevereiro, um
comentário sobre S. Cecílio e os companheiros na Espanha, que contém,
além de muitas coisas sobre aquele achado falso, também o documento da
rigorosa condenação do Papa Urbano VIII dos escritos e chapas de chumbo
descober tos em Granada e falsamente atribuídos a Cecílio e aos
companheiros, como também uma lista desses documentos condenados,
tirada do "Aparatus sacer" de Possevino e outra diferente, do comentário de
Bivário sobre a crônica atribuída a Dexter. Nestas listas se encontram, entre
outros, esses capítulos: do reino e da morada do infer no, da infinita
providência, da misericórdia, da justiça, de tudo quanto Deus criou e da
criação dos anjos, da glória e dos milagres de Cristo, N. Senhor e de sua
Mãe, desde a encar nação do Verbo, até a Ascensão, etc., títulos que bem
podiam lembrar as meditações, acima mencionadas, de Sulei, amigo de
Ctesifon, o qual viveu no monte Sinai e escritas à maneira de Dionísio
Areopagita. Em geral têm esses documentos tanta analogia com o fragmento
da nar radora, que lemos acima, que deixamos o leitor verificar se par ticipa
da nossa sur presa.
Teriam existido obras daqueles discípulos árabes, que foram depois
falsificadas, com intenções sectárias, como aconteceu à história dos
Apóstolos de Abdais e às obras de Dionísio Areopagita? A nar radora falou
diversas vezes da falsificação das obras do último e mencionou também que
foram cometidas falsificações nas obras de Ctesifon e assim algumas tinham
sido condenadas. Infelizmente a nar ração ficou neste ponto tão incompleta,
que mal podemos adivinhar.
9. O nome de CaIvário.