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SAGRADA BIOGRAFIA
Da Obra de Anna Catharina Emmerich
Gilmar de Oliveira
Editora Compaixão
itor: Gilmar de Oliveira
pa: Inês Ruivo
one de Maria, Mãe de Deus, de Vladimir
agramação: So Wai Tam
visão: Gilmar de Oliveira
Editora Compaixão
Rua dos Fiéis, 205A, térreo, Portão
42713-800 Lauro de Freitas, BA
T 55 71 99224 8960
editoracompaixao@gmail.com
www.mariaavirgemsagrada.com.br
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico ou mecânico,
incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora.
ISBN 978-65-80-63000-4
© EDITORA COMPAIXÃO, Lauro de Freitas, Brasil, 2019
Agradecimentos especiais ao senhor Antônio Bastos Pereira da
Silva, editor no Brasil das Obras de Anna Catharina
Emmerich: “Santíssima Virgem Maria” e “Vida, Paixão e
Glorificação do Cordeiro de Deus”, pela corroboração que
possibilitaram a publicação do presente livro.
Ave Maria cheia de graça, o Senhor é convosco. Bendita sois
vós entre as mulheres, e bendito é o Fruto do vosso ventre,
Jesus! Santa Maria, mãe de Deus, rogai por nós, pecadores,
agora e na hora de nossa morte. Amém!
CONTENTS
Title Page
O
processo de autoconhecimento implica em uma busca por conhecer as
origens desde os aspectos étnicos, sociais, culturais, psicológicos e
espirituais. Movido por essa busca, e voltando-me ao aspecto
espiritual, cheguei à conclusão de que é de fundamental importância
conhecer o mais profundo possível o conjunto de “ENTES” que são objetos
de nossa fé, que temos como modelo de vida, que nos inspiram e que nos
conduzem por um caminho virtuoso.
Na condição de Cristão Católico, movido por um amor filial, coloquei-
me a caminho na busca de conhecer mais Àquela que é objeto de tanto
amor e devoção por parte de todos nós, católicos, a Santíssima Virgem
Maria. Comecei a ler livros, artigos, entre outros objetos de estudo. Vi que
existe muito material que fala das devoções Marianas e pouco da sua vida,
de relatos biográficos. A partir daí, despertou o desejo em mim de juntar os
“recortes” encontrados sobre Maria e tentar traçar uma linha cronológica da
sua vida. Cheguei à conclusão de que deveria ir à Terra Santa, visitar os
lugares onde Maria viveu e lá tentar encontrar mais material que pudesse
me ajudar nessa nova missão “pessoal”. Dias antes de viajar, comprei o
livro “Vida, Paixão e Glorificação do Cordeiro de Deus”, de Anna
Catharina Emmerich, uma freira alemã que viveu no século XIX. Eu já
tinha informação de que as visões dessa mística eram no mínimo
intrigantes. Seus escritos foram base para o filme de Mel Gibson, “A Paixão
de Cristo”.
Na Terra Santa, depois de já ter viajado por diversos lugares referentes
à vida da Virgem Maria, parei em Jerusalém por vários dias e, durante esses
dias, comecei a ler o livro de Anna Catharina. Fiquei extremamente
impressionado com a precisão como ela descrevia os lugares da Via-Sacra.
Por várias vezes eu saí com o livro na mão, verificando os aspectos
geográficos descritos no livro sobre a Via-Sacra. Em alguns momentos eu
não consegui conter as lágrimas diante da precisão descrita.
Com isso, descobri que ela, Anna Catharina, tinha um livro sobre a
vida de Maria. Foi um sufoco para consegui comprar, visto que o livro já
estava esgotado, mas, graças ao grande empenho de amigos no Brasil,
conseguimos comprá-lo em um sebo. De volta ao Brasil, debrucei-me sobre
este livro, “Santíssima Virgem Maria”, leitura fantástica, rica em detalhes.
Contudo, o livro ocultou toda a vida de Maria durante os anos de vida
pública de Jesus, bem como durante a paixão, morte e ressurreição, partes
importantíssimas da vida de Maria. Essa parte foi ocultada porque já se
encontrava no livro sobre a vida de Jesus, “Vida, Paixão e Glorificação do
Cordeiro de Deus”. Então, minha missão agora era começar a fazer uma
compilação dos escritos sobre a vida de Maria a partir dessas duas obras de
Anna Catharina Emmerich.
Este trabalho resultou no presente livro: “Maria, a Virgem Sagrada”.
Creio que atualmente é o que existe de mais completo sobre a vida de
Nossa tão amada Senhora, Maria.
Observação
O presente livro é uma compilação de recortes dos livros de Anna
Catharina Emmerich: “Vida, Paixão e Glorificação do Cordeiro de Deus” e
“Santíssima Virgem Maria”, ambos publicados no Brasil pela MIR Editora.
Para facilitar a identificação do texto referente a cada obra, onde o texto se
encontra em itálico, é referente a “Vida, Paixão e Glorificação do Cordeiro
de Deus”, tudo o mais referente-se à “Santíssima Virgem Maria”.
DESCENDÊNCIA DA VIRGEM MARIA
Após o nascimento de Sobe, Ismeria ficou estéril por uns dezoito anos.
Quando ficou grávida novamente por graça de Deus, vi que foi dada a
Ismeria uma revelação à noite. Ela viu um anjo ao lado de sua cama
escrevendo uma letra na parede. Pareceu-me que era novamente aquela letra
M. Ismeria contou a seu marido; ele também viu isso em seu sono. Agora
acordados, ambos viram o sinal na parede. Depois de três meses, Ismeria
deu à luz Santa Anna, que veio ao mundo com aquele sinal em seu corpo.
SANTA ANNA, ASSIM COMO NOSSA SENHORA,
TAMBÉM FOI CRIADA NO TEMPLO.
Em seu quinto ano, Anna foi levada, como Nossa Senhora, à escola no
Templo, onde permaneceu por doze anos. Ela foi trazida para casa
novamente aos dezessete anos e encontrou duas crianças: sua irmãzinha
Maraha, que nasceu enquanto estava fora, e um filhinho de sua irmã mais
velha Sobe, chamado Eliud. Um ano depois Ismeria contraiu uma doença
mortal. Enquanto estava morrendo, ela falou a todos os seus parentes e
apresentou-lhes Anna como a futura preceptora da casa. Depois falou uma
vez mais a sós com Anna, dizendo-lhe que ela era um vaso da graça,
escolhido por Deus, e que deveria se casar e buscar os conselhos do profeta
no Monte Horeb. Em seguida, faleceu.
Sobe, a irmã mais velha de Anna, era casada com Salomo. Além de
seu filho Eliud, ela teve uma filha, Maria Salomé, que se casou com
Zebedeu e foi mãe dos apóstolos Tiago e João. Sobe teve uma segunda
filha, que era tia do noivo de Caná e mãe de três discípulos de Nosso
Senhor. Eliud, o filho de Sobe e Salomo, era o segundo marido de Maroni,
viúva de Naim, e pai do menino ressuscitado por Jesus.
Maraha, a irmã mais nova de Anna, recebeu a herdade em Sephoris,
quando seu pai Eliud mudou-se para o vale de Zabulon. Ela casou-se, teve
uma filha e dois filhos, Arastaria e Cocharia, que se tornaram discípulos.
Anna teve ainda uma terceira irmã, que era muito pobre e esposa de um
pastor dos pastos de Anna. Frequentemente estava na casa de Anna.
Enue, a terceira filha de Stolanus, casou e viveu entre Belém e Jericó.
Um de seus descendentes esteve com Jesus. Os pais de Anna eram ricos.
Isso era claro para mim por causa de suas posses; tinham muitos bois, mas
não reservavam nada para si, pois tudo repartiam com os pobres.
PARENTESCO DE JOAQUIM, PAI DE MARIA
SANTÍSSIMA, E SÃO JOSÉ.
Anna e Joaquim viveram com Eliud, pai de Anna, por cerca de sete
anos (como pude ver pela idade de sua primeira criança). Por fim,
decidiram separar-se de seus pais e estabelecerem-se numa casa com terras
na vizinhança de Nazaré, que lhes foi dada pelos pais de Joaquim. Lá
pretenderam viver isoladamente e começar uma nova vida de casados,
buscando as bênçãos de Deus sobre sua união por meio de um estilo de vida
mais agradável a Ele. Vi que essa decisão foi tomada em família; vi também
os pais de Anna fazendo preparativos para a nova casa das crianças. Eles
dividiram os rebanhos e as manadas, separando, para suas crianças, bois,
asnos e ovelhas, todos muito maiores do que os que temos aqui em casa.
Todos os utensílios domésticos, louças de barro e roupas foram
empacotados sobre asnos e bois que estavam junto à porta. Toda aquela boa
gente era esperta no empacotamento das coisas e os animais de carga eram
hábeis em carregar e transportar. Nós nem de longe somos tão eficazes em
empacotar coisas em carroças quanto eles eram em animais. Seus utensílios
domésticos eram belos; todos os vasos eram mais delicados que os de hoje,
como se cada um tivesse sido feito por um artesão com especial amor e
atenção. Eu os vi empacotando frágeis jarros e cântaros, decorados com
belíssima ornamentação; eles os encheram com musgo e os embrulharam
com mais musgo, prendendo-os a uma correia para pendurá-los sobre o
lombo dos animais, que eram cobertos com tapetes adornados com ouro.
Quando partiram, os pais deram às crianças um pequeno e pesado objeto
numa bolsa, sem dúvida uma peça de metal precioso.
Quando tudo estava pronto, os servos e servas juntaram-se à procissão,
conduzindo os rebanhos, as manadas e os animais de carga até a nova casa
que ficava distante, umas cinco ou seis horas de jornada. Creio que essa
habitação pertenceu aos pais de Joaquim. Depois de Anna e Joaquim terem
se despedido de todos os amigos e servos, com agradecimentos e
recomendações, eles deixaram a antiga casa com muita emoção e bons
propósitos. A mãe de Anna não era mais viva, mas vi que seus pais
acompanharam o casal até a nova casa. Talvez Eliud tivesse se casado
novamente ou talvez fossem apenas os pais de Joaquim que ali estavam.
Maria Helí, a filha mais velha de Anna, que tinha seis ou sete anos de idade,
estava também nesse grupo.
Sua nova casa ficava no campo, num lugar agradável e montanhoso;
era rodeada por prados e árvores e ficava uma hora e meia a oeste de
Nazaré, num cume entre o vale de Nazaré e o vale de Zabulon. Um
desfiladeiro com uma avenida de terebintos partia da casa em direção a
Nazaré. Em frente à casa havia um pátio anexo, seu piso parecia ser de
pedra aparente. Era, ainda, rodeada por um muro baixo de pedras brutas,
com uma cerca de varas trançadas sobre o muro ou atrás dele. Em um lado
desse pátio havia casas não muito robustas para os trabalhadores e para o
armazenamento de ferramentas de vários tipos; também havia um abrigo
aberto para o gado e para os jumentos de carga. Tinha muitos jardins e em
um deles, próximo à casa, vi uma grande árvore de uma espécie estranha.
Seus galhos pendiam para o chão e misturavam-se entre raízes de outras
árvores, que formavam um grande círculo. Havia uma porta com dobradiças
no centro da casa mais larga. O interior dessa casa era tão grande quanto
uma igreja de tamanho médio e era dividida em diferentes ambientes por
biombos de vime móveis que não chegavam até o teto. A porta abria para
dentro da primeira parte da casa, uma grande antessala que se estendia por
toda a largura e era usada para grandes reuniões e refeições, ou, se
necessário, podia ser dividida com biombos móveis mais leves para fazer
pequenos dormitórios quando havia muitos convidados. Oposta a essa porta
principal, havia uma outra menos robusta, que ligava o meio da casa por
uma passagem em que se encontravam quatro dormitórios de cada lado.
Esses quartos eram divididos por biombos leves, da altura de um homem,
com uma treliça na parte superior. Adiante, a passagem ligava à terceira
parte da casa, os fundos, que não era retangular, pois terminava num
semicírculo. No meio da sala, oposta à entrada, a parede do forno erguia-se
até uma abertura para a saída da fumaça no telhado; nesse forno preparava-
se o alimento. Uma lâmpada de cinco braços pendurada no teto iluminava
tudo em frente ao forno. Ao seu lado e atrás, encontravam-se vários quartos
amplos divididos por pequenos biombos. Atrás desse forno, divididos por
tapetes, estavam os ambientes usados pela família — os dormitórios, a sala
de orações, o refeitório e salas de trabalho.
Além dos belos pomares que rodeavam a casa, estavam os campos e
depois uma floresta com uma montanha ao fundo.
Quando os viajantes chegavam à casa, encontravam já tudo em ordem
e no lugar, porque os anciãos enviavam sua bagagem antecipadamente,
antes de chegarem. Os servos e servas desempacotavam e arrumavam as
coisas tão bela e cuidadosamente como antes de terem sido empacotadas.
Os servos eram prestativos e silenciosos, trabalhavam inteligentemente por
conta própria, de modo que não havia necessidade de alguém lhes dar
ordens todo o tempo sobre cada simples tarefa. Assim, tudo logo ficou
arrumado e quieto. Os pais de Joaquim e Anna, depois de terem trazido seus
filhos para o novo lar, os abraçaram e se despediram, iniciando seu retorno
para casa, acompanhados pela pequena neta, que voltou com eles. Nunca vi
festejos durante essas visitas e outras ocasiões semelhantes; eles
costumeiramente deitavam-se em círculo, tinham diante de si pequenas
tigelas e jarros sobre o tapete, mas suas conversas eram geralmente sobre
temas espirituais e santas expectativas.
Vi agora o novo casal iniciando uma vida inteiramente nova. Era sua
intenção oferecer a Deus tudo o que haviam passado e se portarem como se
então tivessem acabado de se casar, esforçando-se para viverem de uma
maneira agradável a Deus, e assim trazerem sobre eles as bênçãos divinas
que tão sinceramente desejavam acima de tudo. Vi o casal andando em
meio aos seus rebanhos e manadas, seguindo o exemplo de seus pais,
dividindo-os em três partes: entre o Templo, os pobres e eles mesmos. A
melhor e mais seleta parte era destinada ao Templo; aos pobres, a segunda
melhor parte; e a de menor qualidade permanecia com eles. Eles faziam o
mesmo com todas as suas posses. Sua casa era muito espaçosa; viviam e
dormiam em quartos separados, onde muitas vezes os vi em oração
individual com grande devoção. Permaneceram vivendo dessa maneira por
um longo tempo, ofertando generosos donativos e, a cada vez que dividiam
seus animais e suas posses, tudo crescia e se multiplicava rapidamente de
novo. Viviam em grande abstenção, observando períodos de abnegação e
continência. Eu os vi usando vestes de penitência e muitas vezes vi Joaquim
ajoelhando-se em súplicas a Deus, quando estava com seus rebanhos
distantes nas pastagens.
Por dezenove anos após o nascimento de sua primeira criança, eles
permaneceram vivendo assim devotadamente diante de Deus, em constante
desejo da graça da frutificação e com uma aflição crescente. Vi alguns
vizinhos mal-intencionados vindo murmurar contra eles, dizendo que eles
deviam ser pessoas más, uma vez que não tinham filhos e que a menina que
estava com os pais de Anna não era realmente sua filha, mas tinha sido
adotada por causa de sua esterilidade. Caso contrário ela deveria estar com
ela em sua casa, e assim por diante. Cada vez que ouviam essas palavras, a
aflição do bom casal era renovada.
ANNA E JOAQUIM ORAVAM PELO FIM DA
ESTERILIDADE DE ANNA. DEUS ESCUTA SUAS
PRECES. UM ANJO ANUNCIA À ANNA O NOME DA
FILHA DA PROMISSÃO, MARIA.
O anjo disse que sua infertilidade não era uma desgraça para ele, mas
ao contrário, uma honra, por causa da criança que sua esposa estava para
conceber — o fruto imaculado da bênção de Deus sobre ele e o momento da
coroação da bênção de Abraão. Joaquim, incapaz de alcançar o sentido real
disso, foi levado pelo anjo atrás do véu pendurado em frente ao Santo dos
Santos. Entre esse véu e as barras do biombo diante do Santo dos Santos
havia um lugar amplo o suficiente para se permanecer de pé. Vi o anjo
aproximar-se da Arca da Aliança: pareceu-me que ele tirou algo dela,
porque o vi segurar na direção de Joaquim um globo brilhante ou um
círculo de luz, mandando-o que soprasse sobre ele e olhasse para dentro
dele. Então eu vi como se todos os tipos de imagens aparecessem nesse
círculo de luz. Quando Joaquim soprou nele, vi que essas imagens eram
visíveis para ele. Seu sopro de forma alguma diminuiu a intensidade do
círculo de luz. O anjo disse-lhe que a concepção da criança de Anna seria
tão imaculada quanto esse globo, que permanecia brilhando apesar de ter
sido soprado por Joaquim. Logo após, vi o anjo levantando o globo, até que
este permaneceu parado no ar como um halo circular. Por uma abertura
nesse halo, vi uma série de imagens, começando com a queda e terminando
com a Redenção da humanidade. Todo o curso do mundo passou diante dos
meus olhos, como se uma imagem fundisse na outra. Eu conheci e entendi
todas elas, mas não consigo reproduzir os detalhes. Acima, no topo, vi a
Santíssima Trindade, e abaixo, em um dos lados vi o Jardim do Éden, com
Adão e Eva, a queda, a promessa da Redenção e todos os seus ícones: Noé;
o dilúvio; a arca; a recepção da bênção por meio de Abraão; seu auxílio no
nascimento do primogênito Isaac; a história de Isaac até Jacó; como este
último lutou com o anjo; e em como a bênção veio sobre José do Egito e
cresceu, em glória, nele e em sua esposa. Vi como a presença sagrada da
bênção foi retirada do Egito por Moisés com as relíquias de José e de sua
esposa Aseneth e tornou-se o Santo dos Santos da Arca da Aliança, a
presença do Deus Vivo entre Seu povo.
Em seguida vi a reverência feita pelo povo de Deus a esse objeto
sagrado e suas cerimônias em respeito a ele; vi os relacionamentos e
casamentos que formaram a sagrada genealogia dos antepassados de Nossa
Senhora, bem como os precursores e símbolos da Virgem e de Nosso
Salvador na História e nos profetas. Tudo isso vi em símbolos que me
rodeavam e também surgiam da parte inferior do anel de luz. Vi imagens de
grandes cidades, torres, palácios, tronos, portões, jardins e flores, tudo
estranhamente entrelaçado, como se fossem pontes de luz; tudo estava
sendo atacado e violentado por ferozes bestas e outras figuras de poder.
Todas essas imagens significam como a família ancestral de Nossa Senhora,
pela qual Deus se faria Carne e se tornaria Homem, estava sendo conduzida
pela graça de Deus, como tudo o que é santo, por meio de muitas
tribulações e sofrimentos.
Lembro-me também de ter visto entre essa série de imagens um jardim
rodeado por uma densa cerca de espinhos, em que uma multidão de
serpentes e outras criaturas repugnantes tentavam em vão penetrar. Também
vi uma forte torre atacada de todos os lados por soldados armados, que
caíam de cima desta. Vi muitas imagens desse tipo relativas à história dos
antepassados de Nossa Senhora; as pontes e passagens eram todas
interligadas e significavam a vitória contra todos os ataques para perturbar,
retardar, impedir ou interromper a obra de salvação. Era como se, pela
compaixão de Deus, houvesse sido derramado sobre a humanidade, tal qual
em um rio turvo, uma carne pura e um sangue puro, de modo que toda a
humanidade tivesse de reconstituir-se sozinha, em meio a dificuldades e
lutas, a partir de seus elementos dispersos. Pelas incontáveis misericórdias
de Deus e pela fiel cooperação da humanidade, ocorre uma última
oportunidade, após muitas manchas, erros e consequentes limpezas e
consertos, num fluxo infalível de onde surge a Santíssima Virgem, a partir
da qual o Verbo se fez Carne e habitou entre nós.
Entre as imagens que vi no globo de luz, havia muitas que estão
presentes na ladainha de Nossa Senhora. Sempre que rezo essa ladainha,
vejo essas imagens, reconheço-as e venero-as com grande devoção. As
imagens no globo continuaram a se desenrolar até que atingissem o
cumprimento de toda a compaixão de Deus sobre a humanidade, ora tão
dividida e dispersa em seu estado decaído, terminando, do lado oposto ao
Jardim do Éden, com a Jerusalém Celestial aos pés do Trono de Deus. Após
ter visto todas essas imagens, o globo desapareceu. Creio que tudo isso foi
uma comunicação para Joaquim das visões que lhe foram reveladas pelo
anjo e que também foram vistas por mim. Sempre que recebo tais
comunicações, elas aparecem num círculo de luz como um globo.
Vi também que o anjo tocou ou ungiu a fronte de Joaquim com a ponta
de seu polegar e indicador, e que ele lhe deu um alimento brilhante e um
líquido luminoso de um pequeno cálice radioso. Era do mesmo formato do
cálice da Última Ceia. Pareceu-me também que esse alimento colocado em
sua boca tomou a forma de uma espiga de trigo brilhante e de um cacho de
uvas. Depois entendi que toda impureza e todo desejo pecaminoso haviam
deixado Joaquim. Com referência a isso, o anjo concedeu a ele o maior e
mais sagrado fruto da bênção dada por Deus a Abraão, culminando em
José, no sagrado conteúdo da Arca da Aliança, na presença de Deus entre
seu povo. Ele deu a Joaquim essa bênção da mesma forma como me tinha
sido mostrado antes, exceto que, enquanto o anjo da bênção deu a Abraão a
bênção de si mesmo, do seu íntimo por assim dizer, ele parecia dá-la a
Joaquim de fora do Santo dos Santos.
A bênção de Abraão foi, por assim dizer, o princípio da graça de Deus
dada na bênção ao pai de Seu futuro povo, de forma que dele procederiam
as pedras para a construção de Seu Templo. Quando Joaquim recebeu a
bênção, contudo, era como se o anjo tivesse tomado a bênção sagrada do
tabernáculo desse Templo e a entregado para um sacerdote, a fim de que a
partir dele se pudesse formar o vaso sagrado no qual o Verbo se faria Carne.
Tudo isso não pode ser expresso em palavras, porque eu estava falando do
Santo do Santos inviolado, ainda que violado no homem quando do seu
pecado e queda. Desde o início da minha juventude, tenho muitas vezes, em
minhas visões do Antigo Testamento, visto o Interior da Arca da Aliança, e
tenho tido sempre a impressão de que há uma Igreja completa, mas mais
solene, que inspira o santo temor. Vi dentro não só as Tábuas da Lei como
Palavra de Deus escrita, mas também uma presença sacramental do Deus
Vivo, como as raízes do vinho e do trigo, da carne e do sangue do futuro
sacrifício de nossa redenção.
A graça dada por essa presença abençoada produziu, com a cooperação
de homens tementes a Deus segundo a Lei, aquela árvore cuja florescência
final era a pura flor na qual o Verbo se fez carne e Deus se fez Homem,
dando-nos assim na Nova Arca a Sua humanidade e a Sua divindade pela
instituição do Sacramento do Seu Corpo e Sangue, sem o qual não podemos
alcançar a vida eterna. Nunca conheci a Arca da Aliança sem a presença
sacramental de Deus, exceto quando esta havia caído nas mãos do inimigo,
em cujo período a Santa Presença estava segura nas mãos do Sumo
Sacerdote ou com um dos profetas.
Quando apenas as Tábuas da Lei estavam presentes na Arca da
Aliança, sem o santo tesouro, parecia para mim como o Templo dos
Samaritanos no Monte Garizim ou como uma igreja do nosso tempo, que
está sem o Santíssimo Sacramento e, em vez das Tábuas da Lei escritas
pelas mãos de Deus, contém apenas os livros das Sagradas Escrituras,
imperfeitamente compreendidos pela humanidade.
Na Arca da Aliança feita por Moisés, que permaneceu no Templo e
Tabernáculo de Salomão, vi o Santíssimo Objeto da Arca da Aliança na
forma de um círculo brilhante cruzado por dois raios menores de luz que
formavam uma cruz; mas agora, quando o anjo concedeu a bênção a
Joaquim, eu vi essa bênção sendo dada a ele como se fosse algo brilhante,
como uma semente brilhante, com formato de um feijão, o qual ele
depositou no peito aberto da veste de Joaquim. Quando a bênção foi
concedida a Abraão, vi a graça sendo conduzida a ele da mesma maneira,
bem como sua virtude e eficácia na intensidade ordenada por Deus até que
ele a transmitisse para seu primogênito Isaac, que depois passou a Jacó e, a
partir dele, por meio do anjo, para José, e de José e sua esposa, com virtude
aumentada, para a Arca da Aliança. Percebi que o anjo restringiu o segredo
com Joaquim, e eu entendi o porquê disso mais tarde, com Zacarias, o pai
de João Batista, que ficou mudo depois de ter recebido a bênção e a
promessa da fertilidade de Isabel pelo Anjo Gabriel no Altar do Incenso [Lc
1,9-22]. Foi-me revelado que, com essa bênção, Joaquim recebeu o mais
alto fruto e o completo cumprimento da bênção de Abraão, isto é, a bênção
para a concepção imaculada da Santíssima Virgem, que deveria esmagar a
cabeça da serpente. O anjo levou então Joaquim de volta para o Santo
Lugar e desapareceu, com Joaquim caindo no chão, em êxtase, ao mesmo
tempo em que ficou paralisado. Os sacerdotes que reentraram no Santo
Lugar o encontraram radiante de alegria. Eles o levantaram reverentemente
e o colocaram num assento geralmente usado só por sacerdotes. Ali lavaram
seu rosto, seguraram algo com forte cheiro junto às suas narinas, deram-lhe
de beber e, de forma geral, o trataram como alguém que tivesse desmaiado.
Quando ele se recuperou, parecia jovem e forte, irradiando alegria.
Foi um aviso do alto que levou Joaquim para o Santo Lugar e foi por
uma inspiração similar que ele foi trazido por uma passagem subterrânea,
que pertencia à parte consagrada do Templo, e igualmente sob a Porta de
Ouro. Foi-me dito qual era o significado e a origem dessa passagem quando
o Templo foi construído, e também para qual finalidade era usada, mas não
tenho uma clara recordação disso. Certa observância religiosa relativa à
bênção e à reconciliação dos estéreis estava ligada a essa passagem. Em
certas circunstâncias pessoas eram trazidas por meio dela para ritos de
purificação, expiação e absolvição.
Joaquim foi conduzido pelos sacerdotes, perto do local do abate de
animais, por uma pequena porta que dá para essa passagem. Os sacerdotes
retornaram, mas Joaquim continuou ao longo dela, que gradualmente se
inclinava para baixo. Anna também tinha vindo ao Templo com suas servas,
que carregavam os pombos para o sacrifício em cestas de vime. Ela havia
entregado suas oferendas e tinha revelado a um sacerdote que ela havia sido
mandada por um anjo para encontrar seu marido debaixo da Porta de Ouro.
Vi agora que ela foi conduzida por sacerdotes, acompanhada por algumas
veneráveis mulheres (entre as quais penso que estava a profetisa Anna), por
uma entrada do outro lado, para dentro da passagem consagrada, onde suas
acompanhantes a deixaram. Tive uma maravilhosa visão de como era essa
passagem. Joaquim entrou por uma pequena porta; a passagem inclinava-se
para baixo e era estreita no início, mas se tornava mais larga adiante. As
paredes eram de ouro reluzente e verde, e uma luz avermelhada brilhava
acima. Vi belos pilares, como árvores torcidas e videiras. Depois de
atravessar cerca de um terço da passagem, Joaquim veio a um lugar no
meio do qual se erguia um pilar com formato de uma palmeira, com folhas
e frutos pendentes. Ali ele encontrou Anna radiante de felicidade. Eles
abraçaram-se com santa alegria e um contou ao outro as boas notícias. Eles
estavam em estado de êxtase e envolvidos por uma nuvem de luz. Vi essa
luz emanando de uma multidão de anjos, que estava carregando o que
parecia ser uma alta e brilhante torre, que pairava sobre as cabeças de Anna
e de Joaquim. A forma dessa torre era a mesma que eu havia visto, por
imagens, da ladainha de Nossa Senhora, da Torre de Davi, a Torre de
Marfim, e assim por diante. Vi que essa torre parecia desaparecer entre
Anna e Joaquim, que estavam envoltos pela glória brilhante.
Entendi que, como resultado da graça ali dada, a concepção de Maria
foi tão pura quanto todas as concepções teriam sido, não fosse pela queda.
Tive, ao mesmo tempo, uma visão indescritível. Os céus abriram-se acima
deles e eu vi a alegria da Santíssima Trindade e dos anjos, e sua
participação na misteriosa bênção conferida aos pais de Maria. Anna e
Joaquim retornaram, louvando a Deus, para a saída debaixo da Porta de
Ouro. Nessa direção a passagem inclinava-se para cima. Eles entraram em
uma espécie de santuário debaixo de um belo e alto arco, onde muitas luzes
estavam acesas. Lá eles foram recebidos por sacerdotes que os deixaram ali.
A parte do Templo acima, que era o saguão do Sinédrio, ficava sobre a
metade da passagem subterrânea. Acima do final desta estava, creio eu, a
habitação dos sacerdotes cuja tarefa era cuidar dos paramentos. Joaquim e
Anna foram para a extremidade da colina do Templo, com visão para o Vale
de Josafá, onde o caminho não podia mais seguir reto, mas bifurcado à
direita e à esquerda. Depois de terem visitado outra casa de sacerdotes, vi
Joaquim, Anna e suas servas em jornada para casa. Em sua chegada a
Nazaré, Joaquim, depois de uma alegre refeição, deu alimento para muitas
pessoas pobres e distribuiu generosas esmolas. Vi quão cheios de alegria e
de fervor ele e Anna estavam, em gratidão a Deus, quando pensavam em
Sua compaixão para com eles; eu os vi muitas vezes juntos em oração e
cheios de lágrimas.
Foi-me explicado que a Santíssima Virgem fora concebida por seus
pais em santa obediência e em completa pureza de coração, e que desse dia
em diante eles viveram em continência, na mais alta devoção e temor a
Deus. Ao mesmo tempo fui instruída sobre quão incomensurável a
santidade das crianças é estimulada pela pureza, castidade e continência de
seus pais e pela sua resistência a todas as tentações impuras; a continência
pós-concepção preserva o fruto do ventre materno de muitos impulsos
pecaminosos. Em geral, foi-me dada uma torrente abundante de
conhecimento sobre as raízes da deformidade e do pecado.
A CONCEPÇÃO DA SANTÍSSIMA VIRGEM MARIA;
ANNA TINHA APROXIMADAMENTE 43 ANOS.
Depois disso foram para Belém, cujos prédios estavam a uma certa
distância um do outro. A entrada era através de paredes em ruína, como se o
portão tivesse sido destruído. Maria permaneceu com o jumento na entrada
da rua, enquanto José procurava uma hospedaria nas casas próximas — em
vão, pois Belém estava cheia de forasteiros, todos correndo de lugar em
lugar. José voltou para junto de Maria, dizendo que, como não havia
encontrado nenhum abrigo ali, eles iriam mais para dentro da cidade. José
conduzia o jumento pelas rédeas, enquanto a Santíssima Virgem andava ao
seu lado. Quando chegaram ao início de uma outra rua, Maria novamente
ficou junto ao jumento, enquanto José ia de casa em casa, à procura de
abrigo. Novamente voltou entristecido. Isso aconteceu várias vezes, e a
Santíssima Virgem teve de esperar por um longo tempo.
Por toda a parte as casas estavam cheias e em todo lugar eram
recusados. José disse a Maria que eles deveriam ir para a outra parte de
Belém, onde certamente iriam encontrar abrigo. Por isso retornaram um
pouco pelo caminho de onde tinham vindo e viraram para o sul. Iam
hesitantes pela rua, que mais parecia uma estrada rural, porque as casas
eram construídas em declives. Ali também sua procura foi infrutífera. No
outro lado de Belém, onde as casas ficam muito separadas, eles chegaram a
uma depressão em espaço aberto, como um campo, onde era mais solitário.
Havia uma espécie de cabana e, não muito distante, uma árvore frondosa,
como uma tília. O tronco era liso e os ramos faziam uma espécie de telhado.
José levou a Santíssima Virgem até essa árvore e fez para ela um assento
confortável contra o tronco, usando os fardos que carregavam. Ali ela
poderia descansar, enquanto ele procurava abrigo nas casas próximas. O
jumento conservou a cabeça virada em direção à árvore. A princípio Maria
permaneceu sentada verticalmente, recostada no tronco. Seu vestido largo
de lã não tinha faixa e a rodeava em dobras; sua cabeça estava coberta com
um véu branco. Muitas pessoas passavam e olhavam para ela, sem saber
que o Redentor estava tão perto delas. Ela era tão paciente, tão humilde, tão
cheia de esperança. Oh, ela teve de esperar muito, muito tempo! Por fim,
sentou-se sobre um tapete com sua cabeça inclinada e as mãos cruzadas
abaixo do peito.
José voltou a ela em grande sofrimento por não ter encontrado abrigo.
Seus amigos, de quem ele havia falado para a Santíssima Virgem, com
muita dificuldade o reconheceram. Ele estava em lágrimas quando Maria o
confortou. Mais uma vez ele foi de casa em casa. Quando informou a
proximidade do parto de sua esposa como o motivo principal de seu apelo,
ele encontrou recusas ainda mais fortes. Embora o lugar fosse solitário, os
passantes por fim começaram a parar e olhar curiosamente para a
Santíssima Virgem a distância, como se deve fazer quando alguém está
esperando na penumbra por um longo tempo. Creio que algumas até
falaram com ela, perguntando-lhe quem ela era.
Por fim, José voltou. Ele estava tão triste que apareceu hesitante,
dizendo que não obteve sucesso. Como conhecia um lugar fora da cidade,
pertencente aos pastores que frequentemente iam para lá quando traziam os
rebanhos para a cidade, pensou que, em último caso, lá encontrariam
abrigo. Disse que conhecia o lugar desde a sua infância. Quando seus
irmãos o atormentavam, ele costumava fugir para lá para se esconder deles
e rezar. Mesmo que os pastores aparecessem, ele facilmente entraria num
acordo com eles. Nessa época do ano era improvável que chegassem. Assim
que ele acomodasse a Santíssima Virgem lá, em paz e sossego, ele
novamente iria procurar nas redondezas por um outro abrigo.
Seguiram para fora de Belém, a leste da cidade, por um caminho
isolado, pela esquerda, ao longo de muros em ruína, valas e encostas de
algum vilarejo. No início o caminho subia suavemente e, em seguida,
descia depois de passar por uma colina. A leste da cidade, alguns minutos
para fora, eles chegaram a uma colina ou alta encosta, em frente da qual
havia um campo aberto bem agradável, cheio de árvores. Algumas eram
parecidas com o cedro ou terebinto, outras tinham folhas pequenas como o
buxo.
Dentre muitas outras grutas ou cavernas habitáveis e diferentes, no
extremo sul da colina, ao redor da estrada que percorria até o vale dos
pastores, estava a gruta na qual José procurou abrigo para a Santíssima
Virgem. Do oeste, a entrada levava para dentro da colina, em direção leste,
através de uma estreita passagem, que levava para uma câmara, metade
semicircular, metade triangular. As paredes da caverna eram de rocha
natural e apenas para o lado sul era rodeada pela estrada que vai para o vale
dos pastores. Era feita de alvenaria mal-acabada. No lado sul havia uma
outra entrada para a caverna, que geralmente ficava fechada. José teve de
límpá-la antes que pudesse usá-la. Se você saísse pela entrada e virasse à
esquerda, daria numa entrada mais larga a uma câmara mais baixa, estreita e
imprópria, que se estendia sob a Gruta da Natividade. Da entrada comum da
gruta, voltada para o oeste, nada se podia ver, a não ser alguns telhados e
torres de Belém. Se você virasse para a direita, saindo por essa entrada,
você daria na entrada de uma gruta inferior, que era escura e foi por um
tempo o esconderijo da Santíssima Virgem. Na frente da entrada principal,
sustentado por pilares, havia um telhado leve de juncos, de modo que se
podia sentar abrigado em frente à caverna. No alto do lado sul, havia três
aberturas para luz e ar, fechadas com grades fixas em alvenaria. Havia uma
abertura similar no teto da gruta. Este era coberto com turfa e formava a
extremidade da serrania na qual estava Belém.
Ao sudeste da Gruta da Natividade, chegava-se ao pico do topo do vale
onde estava a tumba de Maraha, aquela que amamentou Abraão e que é
chamada de Caverna do Leite ou Caverna dos Lactentes. A Santíssima
Virgem veio diversas vezes ali com o Menino Jesus. Acima da caverna,
havia uma grande árvore com assentos ao redor, de onde se tinha uma visão
melhor de Belém do que a da Gruta da Natividade.
Foi-me revelada muita coisa que aconteceu na Gruta da Natividade e
que possui significação simbólica e profética nos tempos do Antigo
Testamento. Apenas me lembro que Set, a criança da promessa, foi aqui
concebida e dada à luz por Eva depois de uma penitência de sete anos. Um
anjo disse-lhe nesse local que aquela semente foi dada por Deus no lugar de
Abel. Set foi escondido e amamentado por sua mãe nessa gruta e na gruta
de Maraha, pois seus irmãos eram-lhe hostis, assim como os filhos de Jacó
o eram com José. Nessas grutas, já habitadas por homens no princípio dos
tempos, vi muitas vezes lugares escavados na rocha, nos quais se podia
dormir confortavelmente sobre peles ou sobre o capim. Assim, talvez, a
cavidade na pedra, abaixo da manjedoura, pode ter sido o berço de Set ou
de um morador posterior. Não posso me assegurar disso agora.
APROXIMA-SE O MOMENTO DO NASCIMENTO
DO SALVADOR.
Agora vi todos os três reis magos juntos. O que chegou por último,
Theokenos, é o que morava mais longe. Sua face era de uma bela cor
amarelada. (Eu o reconheci como aquele que estava doente em sua tenda,
quando trinta e dois anos mais tarde Jesus o visitou em seu assentamento
perto da Terra Prometida.) Cada um dos três reis tinha quatro parentes
próximos ou amigos de sua família, de modo que, contando os reis, havia
quinze pessoas importantes do grupo, além dos vários servos e guias dos
camelos que os acompanhavam. Os muitos jovens na comitiva andavam
sem roupa da cintura para cima e eram incrivelmente ágeis para saltar e
correr.
À tarde, quando o seu confessor lhe perguntou os nomes dos três reis
magos, ela, Anna Catharina, respondeu: “Mensor, o de face marrom, depois
da morte de Cristo recebeu o nome de Leandro ao ser batizado por São
Tomé. Theokenos, o velho, de face amarelada, que estava doente durante a
visita de Jesus ao acampamento de Mensor, na Arábia, foi batizado por São
Tomé com o nome de Leo. O de pele marrom, que já havia falecido quando
Nosso Senhor fez Sua visita, era chamado de Seir ou Sair.” Seu confessor
lhe perguntou: “Como foi ele então batizado?” Ela respondeu, sorrindo, sem
hesitação: “Como ele já havia morrido recebeu o batismo de desejo”. Seu
confessor disse ainda: “Nunca ouvi tais nomes em minha vida: como eles
obtiveram os nomes Gaspar, Melquior e Baltazar?” Ela respondeu: “Eles
assim eram chamados por causa de seu caráter, já que estes nomes
significam: (1) Ele vai com amor; (2) Ele vagueia e se aproxima
gentilmente com gestos agradáveis; (3) Ele toma decisões rápidas, e
rapidamente direciona sua vontade para a vontade de Deus”. Acrescentou
isso com grande carinho, expressando o sentido dos nomes por mímica.
Fica para os especialistas em linguística decidir como analisar os
significados.
Sair vivia a três dias de jornada da casa de Mensor, e Theokenos a
cinco dias de viagem. Cada dia de viagem compreendia doze horas de
deslocamento. Mensor e Sair estavam juntos no acampamento quando
tiveram a visão da estrela sobre o Nascimento de Nosso Senhor. Partiram no
dia seguinte com seus acompanhantes. Theokenos teve a mesma visão em
sua casa e seguiu atrás dos outros com grande pressa, alcançando-os na
cidade abandonada. Creio que a duração de sua viagem até Belém foi em
torno de 700 horas. A viagem durava cerca de sessenta dias, cada um com
doze horas de movimentação. Eles a fizeram em 33 dias devido à grande
velocidade de seus animais e por terem algumas vezes viajado também à
noite.
A estrela que ia adiante deles não era um cometa, mas uma
luminosidade brilhante transportada por um anjo. De dia, seguiam o anjo.
No coração da estrela, ou melhor, do globo de luz, que ia adiante deles
para indicar-lhes o caminho, eu vi a aparição de uma Criança com uma
Cruz. Quando eles viram a Virgem nas estrelas, no nascimento de Jesus, o
globo de luz apareceu na frente da imagem e subitamente começou a
mover-se para frente de modo suave.
Se considerarmos a distância que tinham de viajar, a velocidade de sua
jornada era impressionante. Seu passo era tão rápido e constante que eu os
vi se deslocando para frente com a mesma organização, rapidez e ritmo de
um voo de pássaros migratórios. As casas dos três reis ficavam nas três
pontas de um triângulo. Mensor e Sair viviam mais próximos um do outro
do que Theokenos. Eles já haviam passado a Caldeia, creio eu, onde uma
vez eu vi o jardim anexo ao templo. A distante cidade de Theokenos tinha
suas fundações de pedras, sobre as quais estavam todas as tendas. Existia
água à sua volta. Parecia-me do mesmo tamanho de Münster.
Os ancestrais dos reis descendem de Jó, que viveu uma vez no
Cáucaso e que possuía outras terras afastadas. Cerca de 1500 anos antes
do nascimento de Cristo, apenas uma tribo deles permaneceu lá.
A SAGRADA FAMÍLIA MUDA-SE PARA OUTRA
GRUTA PRÓXIMA PARA DAR LUGAR À SANTA
ANNA E SUA COMITIVA, QUE CHEGARAM PARA
VISITÁ-LOS.
Cerca de sete horas da noite, tive uma visão do velho Simeão. Ele era
magro, bastante idoso, com uma pequena barba. Era um sacerdote comum,
casado e com três filhos adultos; o mais jovem devia ter vinte anos. Vi
Simeão, que vivia perto do Templo, andando, em uma passagem escura e
estreita pelos muros do Templo, rumo a uma cela abobadada, construída
dentro do espesso muro. Nada vi dentro dessa cela, a não ser uma abertura,
através da qual se podia olhar para dentro do Templo. Ali o velho Simeão
ajoelhou-se em oração profunda. Um anjo apareceu diante dele e o avisou
para prestar atenção à pequena criança, a primeira a ser apresentada cedo
pela manhã do dia seguinte, pois ela era o Messias por quem ele tinha
esperado por tanto tempo. Depois que O visse, em breve morreria. Vi isso
muito claramente; a cela estava iluminada e o santo homem irradiava
alegria. Depois eu o vi a caminho de sua casa para contar à sua esposa, com
grande alegria, o que lhe havia sido anunciado. Depois que ela havia se
retirado para dormir, Simeão colocou-se em oração novamente.
Nunca vi Israelitas devotos ou mesmo seus sacerdotes orarem com
gestos exagerados como os judeus de hoje em dia. Eu os vi, entretanto, se
autoflagelando. Vi a profetiza Anna orar em sua cela enquanto visionava a
Apresentação do Menino Jesus no Templo.
Essa manhã, quando ainda estava escuro, vi a Sagrada Família,
acompanhada de pessoas da estalagem, deixar a hospedaria e dirigir-se para
o Templo em Jerusalém, com as oferendas e com o jumento carregado para
a jornada. Eles foram para um pátio, cercado de muros, no Templo.
Enquanto José e o estalajadeiro guardavam o jumento num estábulo, a
Santíssima Virgem e a Criança eram amavelmente recebidas por uma velha
senhora e conduzidos para dentro do Templo, por uma passagem coberta.
Uma lâmpada foi levada, pois ainda estava escuro. Nem bem haviam
entrado por essa passagem, o velho Simeão aproximou-se, cheio de
expectativa, da Santíssima Virgem. Depois de pronunciar algumas palavras
amigas para ela, tomou o Menino Jesus em seus braços. Aconchegou-o
junto ao coração e, depois, apressou-se de volta para o Templo por um outro
caminho. A mensagem do anjo no dia anterior o deixara tão ansioso para
ver a Criança da Promissão, por quem havia esperado tanto tempo, que se
dirigiu ao lugar reservado para as mulheres. Simeão usava uma longa veste,
parecida com a dos sacerdotes cristãos quando não estão celebrando (um
tipo de batina). Frequentemente o vejo no Templo e sempre como um velho
sacerdote de posição sem destaque. No entanto, sua grande piedade,
simplicidade e sabedoria o distinguem muito.
A Santíssima Virgem foi levada por sua guia aos pátios externos do
Templo, onde ocorria a cerimônia. Ela foi recebida por Noemi, sua antiga
professora, e pela profetiza Anna, que viviam nesse lado do Templo.
Simeão veio uma vez mais para fora do Templo, ao encontro da Santíssima
Virgem. Com a Criança nos braços de Maria, ele levou-os ao lugar
destinado à purificação do primogênito. Anna, a quem José deu as cestas
com as oferendas, seguiu-a ao lado de Noemi. Os pombos estavam na parte
inferior da cesta; acima deles havia um compartimento com frutas. José
entrou por uma outra porta para o lugar reservado aos homens.
CERIMÔNIA DE APRESENTAÇÃO DE JESUS NO
TEMPLO E PURIFICAÇÃO DE MARIA.
Nesse fim de tarde, vi Anna e sua filha mais velha com a Santíssima
Virgem. Maria Heli tinha com ela um menino vigoroso de quatro ou cinco
anos de idade, seu neto, o filho mais velho de Maria Cleofas. José tinha
partido para a casa de Anna. Eu olhava as mulheres ali sentadas,
segredando umas com as outras. Ao mesmo tempo, brincavam com o
Menino Jesus, abraçando-O ou colocando-O nos braços do menino. As
mulheres são sempre iguais, pensei; tudo é feito exatamente como hoje em
dia.
José voltara cedo na manhã anterior, quinta-feira, da casa de Anna. Ela
e sua filha mais velha ainda estavam em Nazaré. Haviam acabado de ir
dormir, quando o anjo avisou José. Maria e o Menino Jesus tinham um
quarto à direita da lareira; o de Anna era à esquerda; e o de sua filha mais
velha estava entre os quartos delas e o de José. Esses quartos eram
compartimentos divididos e algumas vezes cobertos com painéis de vime. O
quarto de Maria tinha ainda uma outra cortina ou biombo que o dividia. O
Menino Jesus ficava deitado sobre um tapete diante de seus pés, para que
ela O pudesse pegar sem sair da cama.
Vi José, em seu quarto, deitado de lado, dormindo com a cabeça sobre
o braço. Vi também um jovem luminoso aproximar-se de sua cama e falar
com ele. José sentou-se, mas, ainda sonolento, voltou a deitar-se. O jovem
segurou sua mão e levantou-o. José tomou consciência do que ocorria e o
jovem desapareceu. José foi até a lâmpada acesa em frente à lareira, no
centro da casa, acendeu a sua própria lâmpada e bateu na porta do quarto da
Santíssima Virgem, perguntando se podia entrar. Eu o vi entrar e falar com
Maria, sem que ela abrisse a divisória diante de sua cama. Depois dirigiu-se
até o jumento no estábulo e para um quarto onde toda espécie de coisas era
guardada, a fim de preparar tudo para a partida. Logo que José saiu do
quarto da Santíssima Virgem, ela levantou-se e vestiu-se para a viagem;
depois, foi avisar sua mãe sobre a ordem de Deus. Anna, Maria Heli e seu
menino levantaram-se, enquanto o Menino Jesus permanecia dormindo.
Para essas boas pessoas, a Vontade de Deus vinha em primeiro lugar.
Embora tristes, apressaram-se em preparar tudo para a jornada, antes de se
permitirem lamentar pela partida. Anna e Maria Heli ajudaram nos
preparativos. Maria deixou muitas coisas que havia trazido de Belém.
Carregaram apenas um pacote de tamanho moderado e alguns cobertores,
que foram levados por José até o jumento. Tudo foi feito em silêncio e
muito rápido, como era próprio para uma viagem em segredo, depois de um
aviso no meio da noite. Quando Maria buscou sua Criança, ela estava com
tanta pressa que nem mesmo a vi trocando as fraldas de Jesus. Vieram as
despedidas, e eu não consigo descrever quão tocante foi ver o sofrimento de
Anna e de sua filha mais velha. Elas abraçaram o Menino Jesus entre
lágrimas. Anna abraçou a Santíssima Virgem repetidas vezes; chorava
amargamente, como se nunca mais fosse vê-la. Maria Heli lançou-se ao
chão em lágrimas.
Não era ainda meia-noite quando saíram de casa. Anna e Maria Heli
acompanharam a Santíssima Virgem a pé por um pequeno trecho na saída
de Nazaré. Esse caminho ia em direção à casa de Anna, bem mais à
esquerda. Maria carregava o Menino Jesus diante dela numa espécie de
tipoia, que envolvia os ombros e era presa atrás de seu pescoço. Ela vestia
um longo manto, que envolvia a ambos, além de um grande véu quadrado,
preso ao redor da nuca, que caía amplamente dos lados de seu rosto. Não
tinham caminhado muito, quando José chegou com o jumento, carregado
com um odre de água, uma cesta com vários compartimentos contendo
pãezinhos, pequenos jarros e aves vivas. A bagagem e os cobertores foram
dispostos em volta da sela lateral, que tinha um apoio para os pés. As
mulheres se abraçaram novamente entre lágrimas. Anna abençoou a
Santíssima Virgem, que por fim se sentou no jumento conduzido por José.
Em seguida partiram.
Pela manhã vi Maria Heli com seu menino indo para a casa de Anna,
enquanto a governanta e um servo seguiram para Nazaré. Após isso, ela foi
para sua própria casa. Vi Anna pondo tudo em ordem na casa de José e
empacotando muitas coisas. Depois, chegaram dois homens da casa de
Anna; um deles vestia apenas uma pele de carneiro e usava sandálias
grossas presas com tiras em torno das pernas. O outro vestia um longo
manto; parecia ser o atual marido de Anna. Eles ajudaram a arrumar tudo na
casa de José e carregaram tudo o que pudesse ser transportado para a casa
de Anna.
Durante a noite da fuga da Sagrada Família de Nazaré, eu os vi
passarem por muitos lugares e descansarem num abrigo antes de clarear o
dia. Perto do anoitecer, quando não podiam seguir mais adiante, eu os vi
pararem numa vila chamada Nazara, na casa de pessoas que viviam isoladas
e eram bastante menosprezadas. Não eram propriamente judeus; sua
religião era estranha e participavam de um culto religioso num templo no
Monte Garizim, perto da Samaria, cujo caminho era de difícil acesso,
através de uma montanha, com vários quilômetros de distância. Eles eram
oprimidos por muitas tarefas difíceis e obrigados a trabalhar como escravos
no Templo, em Jerusalém, e em outros prédios públicos. Essas pessoas
deram calorosas boas-vindas à Sagrada Família, que ali permaneceu todo o
dia seguinte. Ao retornar do Egito, a Sagrada Família mais uma vez visitou
essas boas pessoas e, novamente, os visitaram quando Jesus esteve no
Templo aos doze anos, seguindo dali para Nazaré.
Ao entardecer, no final do Sabá, a Sagrada Família saiu de Nazara e
continuou a viagem durante a noite e por todo o domingo; na noite seguinte
eu os vi escondidos naquele velho terebinto onde tinham parado na época
do Advento, em sua viagem a Belém, quando a Santíssima Virgem sentia
muito frio. Era o terebinto de Abraão, perto do arvoredo de Moré, não longe
de Siquém, Thenat, Silo e Arumah. As notícias sobre a perseguição de
Herodes tinham se espalhado por ali, e a região deixou de ser segura. Foi
perto dessa árvore que Jacó enterrou os ídolos de Labão. Josué reuniu o
povo próximo dessa árvore e ergueu um tabernáculo contendo a Arca da
Aliança. Foi ali que ele os fez renunciar aos seus ídolos. Abimelec, o filho
de Gedeão, foi aclamado nesse local como rei pelo povo de Siquém.
Vi a Sagrada Família descansando pela manhã numa parte fértil do
campo, refrescando-se ao lado de um riacho, onde havia um arbusto de
bálsamo. O Menino Jesus estava deitado sobre os joelhos da Santíssima
Virgem com Seus pezinhos descalços. Incisões haviam sido feitas aqui e ali
nos galhos do arbusto de bálsamo, que tinha frutos vermelhos. Dessas
incisões caía um líquido dentro de pequenos potes pendurados nos galhos.
Fiquei impressionada pelo fato de os potes não terem sido roubados. José
encheu os pequenos jarros, que havia trazido consigo, com sumo de
bálsamo. Eles comeram pequenos pães e alguns frutos desse arbusto. O
jumento bebeu do arroio e pastou nas proximidades. À sua esquerda, vi
Jerusalém ao longe. Era uma cena encantadora.
Zacarias e Isabel também receberam o aviso de perigo iminente. Creio
que a Sagrada Família enviou-lhes um mensageiro de confiança. Vi Isabel
levar o pequeno João para um lugar bem escondido, no deserto, a algumas
horas de distância de Hebron. Zacarias acompanhou-os apenas até parte do
caminho, num lugar onde atravessaram um riacho, através de uma viga de
madeira. Depois ele os deixou e rumou para Nazaré (pelo caminho que
Maria seguiu em sua visita a Isabel), provavelmente para obter mais
informações com Anna. Muitos dos amigos da Sagrada Família estavam
abatidos com sua partida.
O pequeno João não usava nada mais do que uma pele de cordeiro.
Embora com apenas dezoito meses de idade, ficava de pé com firmeza e
podia correr e pular ao redor. Mesmo naquela idade já tinha um cajado na
mão, que ele usava como brinquedo. Não se deve pensar que essa região
deserta possui apenas areia. Mais do que um lugar desolado com pedras,
cavernas e ravinas, há também arbustos, pés de frutas selvagens e amoras.
Vi a Sagrada Família, depois de terem cruzado algumas das cristas do
Monte das Oliveiras, indo em direção a Hebron, além de Belém, para uma
gruta ampla, cerca de dois quilômetros da floresta de Mambre, na garganta
de uma montanha. Nessa montanha havia uma cidade cujo nome soava
como Efraim. Creio que era o sexto ponto de parada em sua jornada. Vi a
Sagrada Família chegar bastante cansada e abatida. Maria estava bastante
triste e chorava. Faltava tudo de que necessitavam e, em sua fuga, tomaram
trilhas secundárias, evitando as cidades e alojamentos públicos. Passaram o
dia todo descansando ali. Muitos favores especiais foram-lhes concedidos
nesse local. Um anjo apareceu e os confortou; uma fonte de água jorrou
após a oração da Santíssima Virgem. Uma cabra veio até eles e deixou-se
ordenhar. Um profeta costumava orar nessa gruta e creio que Samuel lá
esteve várias vezes. Davi cuidava das ovelhas de seu pai nesse lugar, onde
sempre orava. Foi ali que recebeu de um anjo a ordem de lutar contra
Golias.
Da gruta viajaram para o sul, por sete horas, com o Mar Morto sempre
à sua esquerda. Duas horas depois de deixarem Hebron, passaram pelo
deserto, onde o pequeno João Batista estava escondido. Seu caminho levou-
os a apenas uns cem metros de distância de sua gruta. Vi a Sagrada Família,
abatida, vagar através de um deserto arenoso. O cantil e o jarro com
bálsamo estavam vazios. A Santíssima Virgem estava muito aflita, e tanto
ela quanto o Menino Jesus sentiam sede. Eles afastaram-se um pouco da
trilha, para onde o nível do chão descia. Havia arbustos e um pouco de relva
murcha.
A Santíssima Virgem desceu do jumento, sentou-se um pouco com a
Criança em seu colo e rezou em sua aflição. Enquanto rezava pedindo água,
como Agar no deserto, foi-me mostrado um incidente maravilhosamente
tocante. A gruta na qual Isabel tinha se escondido com seu filhinho era bem
perto dali, num pico rochoso abrupto, e eu vi o menininho não muito longe
da gruta, vagando ao redor das pedras e arbustos, como se estivesse ansioso
e desejosamente à espera de algo. Não vi Isabel nessa visão.
Ver esse pequeno menino caminhando e correndo pelo deserto com tal
confiança causou-me grande impressão. Tal como quando, ainda no ventre
de sua mãe, ele havia saltado com a aproximação de seu Senhor, igualmente
ali se sentiu tocado pela proximidade de seu Redentor. Vi a criança usando
sua pele de cordeiro sobre os ombros, cingida em volta da cintura,
carregando seu pequeno cajado. Sentiu que Jesus estava perto, sedento e
cansado. João caiu de joelhos e chorou suplicando a Deus com as mãos
estendidas. Depois saltou de pé, correu, guiado pelo Espírito, para o topo
das rochas e golpeou o chão com o cajado, de onde jorrou água em
abundância. Correu adiante da torrente até a ponta da rocha, onde a água
caía sobre as pedras. Ficou de pé ali e viu a Sagrada Família passar a
distância.
A Santíssima Virgem ergueu o Menino Jesus para o alto em seus
braços, dizendo: “Veja! João no deserto!”; e eu vi João pulando alegremente
ao lado da água corrente, acenando para eles com uma pequena bandeira na
ponta de seu cajado. Depois correu de volta para o deserto. Em pouco
tempo, a água chegou até o caminho dos viajantes, que pararam para se
refrescar em um agradável lugar, onde havia arbustos e relva fina. A
Santíssima Virgem desmontou do jumento com a Criança; todos estavam
alegres. Maria sentou-se na relva e José cavou um buraco, um pouco
afastado, para encher com a água. Quando esta tornou-se totalmente
límpida, eles beberam e Maria lavou a Criança. Depois lavaram as mãos, os
pés e os rostos. Por fim, José levou o jumento até a água e encheu seu cantil
de couro. Estavam todos felizes e agradecidos. A relva murcha, agora
saturada com água, crescia novamente. O sol nasceu e brilhou sobre eles.
Sentaram-se renovados, repletos de silenciosa alegria, e descansaram por
duas ou três horas.
O último lugar onde a Sagrada Família se abrigou, no território de
Herodes, não ficava longe de uma cidade na extremidade do deserto, a
poucas horas de viagem do Mar Morto. Seu nome soava como Anem ou
Anim. Pararam em uma casa solitária, que servia de alojamento para
aqueles que viajam no deserto. Havia várias cabanas e abrigos na colina,
bem como alguns frutos selvagens, que cresciam ao redor. Os habitantes
pareceram-me serem condutores de camelos, pois mantinham alguns
camelos em cercados nos prados. Eram bastante rudes e haviam se
entregado à prática de roubos, mas receberam bem a Sagrada Família ao lhe
mostrarem hospitalidade. Na cidade vizinha encontravam-se também
muitas pessoas desregradas que haviam se assentado ali depois de terem
lutado nas guerras. Entre as pessoas da hospedaria, havia um homem de
vinte anos chamado Rubem.
Vi a Sagrada Família viajando numa noite clara de céu estrelado
através de um deserto arenoso coberto com pequenos arbustos. Senti como
se estivesse viajando com eles também. Era perigoso por causa da
quantidade de cobras que se enrolavam entre os arbustos, nos pequenos
buracos debaixo das folhas. Elas rastejavam em direção à trilha, sibilando
alto e esticando seus pescoços para a Sagrada Família que, entretanto,
passava em segurança, rodeada de luz. Vi outras feras malignas com corpos
longos e pretos, pernas curtas e asas como grandes barbatanas. Estas
lançavam-se sobre o chão, como se estivessem voando. Suas cabeças eram
semelhantes às dos peixes. Vi a Sagrada Família chegar a uma depressão do
solo, atrás de alguns arbustos, onde pretendiam descansar.
A Sagrada Família viajou sempre afastada da estrada principal, dois
quilômetros ao leste. O nome do último lugar em que passaram, entre a
Judeia e o deserto, soava como Mara. O lugar fez-me lembrar da casa de
Anna, embora não o fosse. Os habitantes eram rudes e desregrados; a
Sagrada Família não obteve qualquer ajuda deles. Depois disso chegaram a
um grande deserto arenoso. Não havia uma trilha, nada que indicasse a
direção, e por isso não sabiam o que fazer. Depois de algum tempo, viram o
pico escuro e sombrio de uma montanha à sua frente. Penosamente
abatidos, ajoelharam-se e pediram ajuda a Deus.
Um número de feras selvagens reuniu-se ao redor deles. A princípio
pareciam perigosos, mas não eram de todo maus, pois olhavam para eles da
mesma maneira amigável que o velho cãozinho do meu confessor me olha
quando se aproxima de mim. Percebi, então, que tais feras haviam sido
enviadas para mostrar-lhes o caminho. Olharam em direção à montanha e
correram para lá. Depois retornaram, exatamente como os cães fazem
quando querem que os sigamos para algum lugar. Por fim, a Sagrada
Família seguiu os animais e passou sobre o pico da montanha, através de
uma região inóspita e deserta. Estava escuro e o caminho passava por uma
mata. Em frente a essa mata, a alguma distância do caminho, vi uma
cabana pobre. Não muito longe, uma lâmpada, pendurada numa árvore,
atraía os viajantes. O caminho era sinistro: valas haviam sido cavadas aqui
e ali e também ao redor da cabana. Cordões ocultos estavam esticados
através das partes boas do caminho. Quando tocados pelos viajantes, tais
cordões balançavam sinos na cabana, alertando seus habitantes ladrões que
vinham assaltá-los. Essa cabana de ladrões não ficava sempre no mesmo
lugar, pois podia ser mudada e remontada onde seus habitantes assim
quisessem.
Quando a Sagrada Família aproximou-se da luz pendurada na árvore,
vi o líder dos ladrões e cinco comparsas cercarem-na. A princípio suas
intenções eram más. Ao olharem para o Menino Jesus, porém, um raio,
como uma flecha, atingiu o coração do líder, que ordenou aos seus
companheiros para não lhes fazerem nenhum mal. A Santíssima Virgem
também viu o raio atingir o coração do ladrão, fato que ela relatou mais
tarde à profetisa Anna em seu retorno.
O ladrão agora guiava a Sagrada Família pelos lugares perigosos do
caminho até sua cabana. Era noite. Nessa cabana estavam a mulher do
ladrão com algumas crianças. O homem contou à sua mulher sobre a
estranha sensação que teve quando viu a Criança. Ela, no entanlo, recebeu a
Sagrada Família timidamente, mas não foi rude. Os viajantes sentaram-se
no chão, num canto, e começaram a comer algumas das provisões que
tinham consigo.
As pessoas da cabana estavam, a princípio, constrangidas e tímidas
(totalmente diferente, ao que parecia, do usual), mas, gradualmente,
aproximaram-se mais e mais da Sagrada Família. Alguns dos outros
homens, que haviam guardado o jumento de José, entravam e saíam a todo
instante. Finalmente todos ficaram mais à vontade e começaram a conversar
com os viajantes. A mulher trouxe para Maria alguns pãezinhos com mel e
frutas, bem como taças com bebida. Um fogo permanecia aceso num
buraco, no canto da cabana. Ela arranjouainda um lugar à parte para a
Santíssima Virgem e uma gamela com água para banhar o Menino Jesus.
Lavou o linho para Maria e o secou junto ao fogo.
Maria banhou o Menino Jesus debaixo de um pano. O homem, muito
agitado, disse à sua esposa: “Essa criança hebreia não é uma criança
comum; ela é uma criança santa. Peça à sua mãe que nos deixe lavar nosso
menino leproso na água em que essa criança foi banhada, talvez faça bem a
ele.” Assim que a mulher se aproximou de Maria para lhe pedir isso, Nossa
Senhora disse, antes que aquela mãe dissesse uma palavra, para que lavasse
seu menino leproso na água do banho. A mulher colocou seu menino de três
anos nos braços de Maria. Ele estava rijo com a lepra e, por causa das
escaras, não se podia ver as suas feições. A água em que Jesus havia sido
banhado parecia mais límpida do que antes. Tão logo a criança leprosa foi
mergulhada, as escamas de lepra se desprenderam e ela ficou limpa. A
mulher estava fora de si de tanta alegria e tentou abraçar Maria e o Menino
Jesus, mas esta afastou sua mão e não quis permitir que ela a tocasse ou a
Jesus. Aconselhou-a a cavar um poço fundo na rocha e colocar aquela água
dentro: isso iria dar ao poço o mesmo poder de cura. Maria conversou
bastante com ela; creio que a mulher prometeu deixar o lugar na primeira
oportunidade.
As pessoas estavam extremamente felizes com a cura do filho e o
mostraram para seus companheiros, que não paravam de entrar e sair
durante a noite. Contavam a bênção que havia lhes acontecido. Os que
chegavam (alguns eram meninos) ficavam em volta da Sagrada Família e
olhavam para eles maravilhados. O mais extraordinário é o fato de esses
ladrões serem tão respeitosos com a Sagrada Família e, ao mesmo tempo,
naquela noite, enquanto hospedavam seus visitantes, atacarem outros
viajantes atraídos para lá pela luz. Os últimos eram levados para uma
grande gruta dentro da mata. Esta, cuja entrada estava escondida, era
coberta com a vegetação selvagem e não podia ser vista. Parecia ser o real
local de moradia. Vi vários meninos na gruta, entre sete e nove anos de
idade, que haviam sido roubados de seus pais. Uma velha senhora mantinha
a casa lá. Havia toda espécie de produtos de roubo — roupas, tapetes, carne,
garotos, ovelhas e animais grandes também. A gruta era grande e continha
uma enorme quantidade de coisas.
Maria dormiu pouco naquela noite; permanecia sentada, em seu
acolchoado, a maior parte do tempo. Decidiram sair cedo pela manhã, bem
abastecidos de provisões. As pessoas do lugar caminharam com eles por um
pequeno trecho e os guiaram além das valas, até a estrada certa. Quando os
ladrões deixaram a Sagrada Família, o homem disse com profunda emoção;
“Lembrem-se de nós aonde quer que forem.” Diante dessas palavras, vi, na
cena da Crucifixão, o Bom Ladrão dizendo a Jesus, “Lembra-te de mim
quando tiveres entrado no teu reino!” Reconheci nele o menino que havia
sido curado. A mulher do ladrão, depois de algum tempo, abandonou esse
meio de vida e juntou-se a famílias honestas num outro local de descanso
por onde a Sagrada Família passou. Lá surgiram uma fonte de água e um
jardim de arbustos de bálsamo.
Novamente vi a Sagrada Família viajando pelo deserto. Quando
estavam perdidos, outra vez vi várias espécies de feras arrepiantes
aproximarem-se deles: lagartos com asas de morcego e serpentes. Não eram
hostis. Pareciam apenas querer mostrar-lhes o caminho. Adiante, quando
haviam perdido todo vestígio do caminho, eu os vi sendo guiados por um
lindo milagre. De cada lado do caminho, a planta chamada de a rosa de
Jericó apareceu com suas folhas enroladas em volta da flor central, na parte
superior da haste. Aproximaram-se delas com alegria e quando estavam
diante de uma delas podiam ver uma outra mais adiante florescendo, e
assim foi por todo o deserto. Foi revelado à Santíssima Virgem que, tempos
depois, as pessoas desse lugar colheriam essas flores para vendê-las aos
viajantes como meio de vida. (Vi isso acontecendo em outra ocasião.) O
nome do lugar soava como Gase ou Gose [Gaza?]. Então eu os vi em um
lugar cujo nome era Lepe ou Lape [Pelusium?]. Havia ali um lago com
valas, canais e altos aterros. Cruzaram a água numa balsa com uma espécie
de cercado, onde foi colocado o jumento. Maria sentou-se com sua Criança
num pedaço de tora. Dois homens feios, pardos, seminus, com narizes
achatados e lábios protuberantes conduziram a balsa através do lago.
Passaram apenas pelas casas distantes do lugar. As pessoas eram tão rudes e
antipáticas que os viajantes passavam sem falar com ninguém. Creio que
essa era a primeira cidade pagã. Estiveram por dez dias em solo judeu e dez
dias no deserto.
Agora vi a Sagrada Família em território egípcio. Estavam em um
campo plano com áreas verdes aqui e ali, nas quais os rebanhos pastavam.
Vi árvores nas quais ídolos haviam sido amarrados; assemelhavam-se a
meninos de fraldas com figuras e letras inscritas. Havia pessoas atarracadas
e gordas, vestidas como fiandeiras de algodão, parecidas com as que vi
perto da fronteira dos três reis. Essas pessoas corriam para adorar seus
ídolos. A Sagrada Família foi para um abrigo onde estavam alguns animais,
que sairam para lhes dar espaço. As suas provisões haviam se acabado; não
tinham nem pão nem água. Ninguém lhes deu nada. Maria alimentava sua
Criança com dificuldade. De fato, suportaram toda a miséria humana. Por
fim, alguns pastores vieram para dar água aos animais numa fonte fechada.
José suplicou-lhes um pouco de água. Depois a Sagrada Família, exausta e
desamparada, adentrou uma mata. Ao saírem dela, viram uma tamareira alta
e fina com frutos crescendo em pencas, como um cacho de uvas, bem no
topo da árvore. Maria aproximou-se da árvore com o Menino Jesus em seus
braços e rezou, levantando a Criança em sua direção. A árvore dobrou-se
para baixo como se estivesse ajoelhando, de modo que foram capazes de
colher todos os seus frutos. A árvore permaneceu naquela posição. Alguns
miseráveis da última cidade haviam seguido a Sagrada Família. Maria
distribuiu os frutos da árvore para as muitas crianças sem roupa que corriam
atrás deles. Cerca de quinze minutos depois da primeira árvore, eles
chegaram a um grande sicômoro com tronco oco. Saíram da vista das
pessoas que os seguiam e esconderam-se na árvore para que elas seguissem
adiante. Passaram a noite ali.
No dia seguinte, continuaram por terras abandonadas e desertos de
areia. Eu os vi sentados numa colina de areia, totalmente exaustos, pois
estavam sem água. A Santíssima Virgem pediu a Deus em oração e uma
abundante fonte de água jorrou ao seu lado, correndo pelo chão. José
nivelou um pequeno monte de areia e fez um pequeno dique para a água;
cavou um canal para fazer fluir o excedente. Refrescaram-se com a água e
Maria banhou o Menino Jesus. José deu água ao jumento e encheu seu
cantil. Vi tartarugas e feias criaturas aproximarem-se para beber a água.
Não fizeram nenhum mal à Sagrada Família. Ao contrário, olharam para
eles de forma amistosa. A água fluía num largo círculo, desaparecendo no
chão novamente, perto da nascente. O lugar por onde ela passava foi
maravilhosamente abençoado; logo se tornou verde e produziu os mais
deliciosos arbustos de bálsamo. Cresceram tanto que refrescaram a Sagrada
Família em sua volta do Egito. Mais tarde o lugar tornou-se conhecido
como um jardim de bálsamo. Muitas pessoas foram se instalar ali; entre
elas, creio, a mãe da criança leprosa que foi curada no covil dos ladrões.
Depois tive visões desse lugar. Uma bela cerca viva de arbustos de bálsamo
circundou o jardim, no meio do qual havia grandes árvores frutíferas. Um
grande poço foi cavado e dele se retirava abundante suprimento de água
através de uma roda, que era acionada por um boi. Essa água foi misturada
à água do poço de Maria, de modo a suprir todo o jardim. A água do novo
poço seria nociva se não fosse misturada. Foi-me mostrado que os bois que
moviam a roda não trabalhavam do meio-dia de sábado até a manhã de
segunda-feira.
A SAGRADA FAMÍLIA EM HELIÓPOLIS, EGITO.
Depois de ficar por um ano e meio em Heliópolis, até Jesus ter cerca
de dois anos de idade, a Sagrada Família deixou a cidade, por causa da falta
de trabalho e das várias perseguições, em direção ao sul, rumo a Mênfis.
Quando passaram através de uma pequena cidade, não muito longe de
Heliópolis, sentaram-se para descansar na varanda aberta de um templo
pagão. O ídolo caiu e quebrou-se em pedaços. (Ele tinha a cabeça de boi
com três chifres; havia buracos em seu corpo, onde as oferendas dos
sacrifícios eram colocadas para queimar.) Isso causou tumulto entre os
sacerdotes pagãos, que passaram a perseguir e a maltratar a Sagrada
Família. Quando os sacerdotes começaram a conferenciar entre si, um deles
disse que pensava ser sábio colocarem-se sob a proteção do Deus daquelas
pessoas, recordando sobre as pragas que abateram seus antepassados,
quando estes perseguiram os israelitas e, como na noite anterior ao seu
êxodo, os primogênitos morreram em todas as casas egípcias. Seguiram seu
conselho e liberaram a Sagrada Família sem lhes fazer mal algum.
Eles foram para Tróia, um lugar na margem leste do Nilo, oposta a
Mênfis. Era uma cidade grande, mas muito suja. Pensaram em ficar ali, mas
não foram recebidos. De fato, não obtiveram nem mesmo um gole de água
ou um pouco de tâmaras que pediram. Mênfis ficava do lado oeste do Nilo,
que era ali muito largo e com ilhas. Parte da cidade ficava do lado leste. No
tempo do Faraó, havia um grande palácio com jardins e uma torre alta, em
cujo topo a filha do Faraó costumava subir para observar a região em volta.
Vi o lugar onde o bebê Moisés foi encontrado em meio aos juncos. Mênfis
parecia ser composta de três diferentes cidades, uma de cada lado do Nilo e
uma outra, chamada Babilônia, que parecia pertencer a ela. Esta ficava bem
abaixo do rio, na margem leste. De fato, no tempo do Faraó, toda a região
ao redor do Nilo entre Heliópolis, Babilônia e Mênfis era tão cheia de
canais, prédios e aterros de pedra que tudo parecia formar uma única
cidade.
No tempo da visita da Sagrada Família, tudo se tornou separado por
grandes espaços desertos. De Tróia, foram para o norte rio abaixo em
direção à Babilônia, que era malconstruída, suja e desolada. Contornaram a
cidade entre ela e o Nilo e voltaram por onde vieram por certa distância.
Rio abaixo seguiram a margem pela qual Jesus viajou mais tarde, quando
atravessou da Arábia até o Egito, depois da ressurreição de Lázaro e antes
de encontrar seus discípulos novamente no Poço de Jacó em Sicar. Viajaram
rio abaixo por duas horas. Ao longo de seu caminho, havia construções
destruídas. Tiveram de cruzar um pequeno braço do rio ou canal até
chegarem a um lugar cujo nome, naquela época, não lembro. Depois, foi
chamado de Matarea, que era perto de Heliópolis. Esse lugar, que fica num
promontório cercado por água dos dois lados, era bastante solitário. Suas
construções dispersas eram, na maioria, malfeitas, de madeira de palma e
barro grosso, cobertas com junco. José encontrou muito trabalho ali,
reforçando as casas com varas de vime e construindo galerias de água até
elas.
Nessa cidade, a Sagrada Família viveu em uma sala abobadada, num
bairro solitário do lado oposto ao rio, não muito longe do portal pelo qual
entraram. Como anteriormente, José construiu um quarto em frente à sala
abobadada. Ali também, quando chegaram, um ídolo caiu num pequeno
templo e depois todos os ídolos caíram. Novamente um sacerdote pagão
acalmou as pessoas, lembrando das pragas do Egito.
Depois, quando uma pequena assembleia de judeus e pagãos
convertidos reuniu-se em torno da Sagrada Família, os sacerdotes cederam-
lhes o pequeno templo onde o ídolo havia caído. José o transformou numa
sinagoga. Ele tornou-se o fundador da congregação e introduziu o canto
apropriado dos salmos, visto que os primeiros cultos tinham sido bem
desorganizados. Apenas alguns judeus, bem pobres, viviam ali em buracos
miseráveis e em fossos, embora na cidade judia entre On e o Nilo houvesse
muitos judeus que tinham um Templo regular. Apesar disso, caíram em uma
horrível idolatria a um bezerro de ouro, uma imagem com cabeça de boi,
rodeada por pequenas imagens de animais como o furão ou doninha,
coberta por um pálio. Eram esses animais que protegiam as pessoas dos
crocodilos. Tinham também uma imitação da Arca da Aliança, com coisas
horríveis dentro dela. Continuaram numa revoltante idolatria, que consistia
de práticas imorais executadas numa passagem subterrânea cujo pretexto
era causar a vinda do Messias. Eram bastante obstinados e recusavam-se a
mudar suas vidas. Mais tarde muitos deles deixaram o lugar e foram morar
onde a Sagrada Família vivia, não mais do que duas horas de distância. Por
causa dos muitos diques e canais, não podiam viajar diretamente, mas
tinham de usar um desvio em torno de On.
Os judeus na terra de Gessen já haviam se familiarizado com a
Sagrada Família na cidade de On. Maria fez muitos trabalhos para eles —
tricotava, tecia e costurava. Nunca confeccionou coisas que fossem
supérfluas ou de luxo, apenas vestes de oração ou o que fosse necessário.
Mesmo precisando de dinheiro, muitas vezes vi Maria recusar trabalhos que
as mulheres lhe pediam por vaidade ou moda. Vi também que as mulheres a
insultavam com desprezo.
Em um primeiro momento, tiveram um período muito duro em
Matarea. Havia grande escassez de boa água e madeira. Os habitantes
cozinhavam com relva seca ou junco. A Sagrada Família geralmente comia
comida fria. José recebeu uma grande quantidade de trabalho para fazer
melhorias nas cabanas, mas as pessoas lá o tratavam como escravo, dando-
lhe apenas o que queriam. Algumas vezes trazia para casa algum dinheiro
referente a seu trabalho, outras vezes não. Os habitantes eram bastante
desajeitados na construção de suas casas. Estava faltando madeira e,
embora eu visse troncos de árvore caídos aqui e ali, notei que não havia
ferramentas para que pudessem ser usados. A maioria das pessoas não tinha
nada além de pedras e facas de osso, usadas como corta-grama. José havia
trazido as ferramentas necessárias consigo. A Sagrada Família logo ajeitou
um pouco sua moradia. José dividiu a sala de forma muito conveniente com
biombos de vime leves, preparou um lugar para a lareira, fez bancos e
mesinhas baixas. As pessoas do local comiam longe do chão.
Viveram ali por vários anos. Tenho visto muitas cenas sobre a infância
de Nosso Senhor. Vi onde Jesus dormia. Na parede espessa do dormitório
de Maria, vi um nicho escavado por José, no qual estava o acolchoado de
Jesus. Maria dormia a Seu lado e eu a vi muitas vezes durante a noite,
diante dele, orando a Deus. José dormia em outro quarto.
Também vi um local de oração que José ajeitou em seu quarto. Ficava
numa passagem separada. José e a Santíssima Virgem tinham seus próprios
lugares especiais, e o Menino Jesus também tinha seu próprio cantinho,
onde orava sentado, de pé ou de joelhos. A Santíssima Virgem tinha uma
espécie de pequeno altar, diante do qual rezava. De um armário de parede,
ela podia abaixar uma aba que ora funcionava como porta ora como
mesinha, sobre a qual se colocava um pano vermelho e branco. Na parede
espessa eram guardadas relíquias sagradas. Vi pequenas plantas, em potes,
em forma de cálice. Vi, ainda, a ponta do cajado de São José, que floresceu
e o elegeu como esposo de Maria. Essa ponta foi colocada numa caixa com
quatro centímetros de espessura. Além disso, havia uma outra relíquia
preciosa, mas não sei mais explicar o que era. Numa caixa transparente vi
cinco pequenas varetas brancas da grossura de canudos grandes, que
ficavam cruzadas e pareciam estar amarradas no meio; no topo eram curvas
e mais largas.
Em Matarea, onde os habitantes tinham de matar a sede com a água
lamacenta do Nilo, uma fonte brotou, como antes, em resposta às orações
de Maria. A princípio sofreram grande escassez de tudo e foram obrigados a
viver de frutos e água ruim. Fazia muito tempo desde que tiveram boa água
pela última vez e José estava aprontando-se para pegar seus cantis de couro
e colocá-los no jumento a fim de buscar água da fonte de bálsamo no
deserto, quando, em resposta às suas orações, um anjo apareceu à
Santíssima Virgem. Disse-lhe para procurar uma fonte atrás de sua casa. Eu
a vi saindo de seu quarto para um lugar aberto, num plano mais baixo,
rodeado por um aterro entrecortado. Havia uma árvore muito grande ali.
Nossa Senhora tinha uma vara com uma pá na ponta, tal como as pessoas
naquele país costumavam carregar em suas viagens. Ao espetar o chão,
perto da árvore, um belo e claro fluxo de água jorrou. Ela correu feliz para
chamar José que, ao cavar em redor da fonte, descobriu que esta tinha sido
revestida com alvenaria embaixo, mas havia secado porque ficou entupida
com lixo. José fez alguns reparos e limpezas e rodeou-a com um belo e
novo trabalho em pedra. Perto da fonte, do lado pelo qual Maria havia se
aproximado, havia uma grande pedra, tal qual um altar. De fato, creio que
fora uma vez um altar, mas esqueci a ligação.
Nesse local, a Santíssima Virgem costumava secar as roupas de Jesus
ao sol depois de lavá-las. Essa fonte permaneceu desconhecida e foi usada
somente pela Sagrada Família, até que Jesus tivesse crescido o bastante
para assumir pequenas incumbências, como pegar água para a Sua Mãe.
Uma vez vi que Ele trouxe outras crianças para a fonte. Deu-lhes um pouco
de água numa folha. As crianças contaram isso a seus pais e logo outros
vieram até ela. Mas, como regra, era usada apenas pelos judeus. Vi Jesus
buscar água para a Sua Mãe pela primeira vez. Maria estava em seu quarto,
ajoelhada em oração, quando Jesus foi para a fonte sem ser visto, com um
cantil, e pegou água; essa foi a primeira vez. Maria ficou inexprimivelmente
tocada quando O viu retornando. Suplicou-lhe que não fizesse isso
novamente, pois podia cair na fonte. Jesus disse que seria bastante
cuidadoso e que desejava pegar água sempre que ela precisasse.
O Menino Jesus realizava, com grande atenção e solicitude, toda
espécie de serviços para Seus pais. Quando José estava trabalhando perto de
casa, algumas vezes eu o vi correndo para buscar alguma ferramenta que
havia sido deixada para trás. Jesus prestava atenção a tudo. Estou certa de
que a alegria que Ele deu a Seus pais deve ter compensado todos os
sofrimentos que enfrentaram posteriormente. Também vi Jesus ir algumas
vezes ao povoado judeu, cerca de um quilômetro e meio de Matarea, para
buscar pão como pagamento pelos trabalhos de Sua Mãe. Os muitos
animais repugnantes que se encontravam naquele país não Lhe faziam mal;
ao contrário, eram muito amistosos com Jesus. Eu O vi brincando, mesmo
com as serpentes.
A primeira vez que foi sozinho para o povoado judeu (não sei se já
estava com cinco ou sete anos de idade), Ele vestia uma túnica marrom com
flores amarelas na barra, tecida pela Santíssima Virgem. Ele ajoelhou-se no
chão para rezar ainda a caminho da cidade; vi dois anjos surgirem e
anunciarem a morte de Herodes, o Grande. Jesus nada disse aos pais, não
sei por quê. Talvez por humildade; ou pelo fato de o anjo assim ter
recomendado; ou talvez não tivesse chegado a hora de deixarem o Egito.
Uma vez eu O vi ir para o povoado com outras crianças judias. Quando
voltou para casa, chorou amargamente por causa da degradação dos judeus
que ali viviam.
A fonte que apareceu em Matarea, em resposta às orações da
Santíssima Virgem, não era nova, mas uma antiga fonte que jorrou
novamente, após ter ficado obstruída, embora estivesse forrada de
alvenaria. Vi que Jó esteve no Egito bem antes de Abraão e que havia
habitado naquele lugar, na mesma região. Foi ele quem encontrou a fonte e
fez sacrifícios sobre a grande pedra encontrada ali.
O RETORNO DA SAGRADA FAMÍLIA DO EGITO.
JESUS JÁ ESTAVA COM APROXIMADAMENTE
OITO ANOS.
Aos oito anos foi Jesus pela primeira vez a Jerusalém, para a festa da
Páscoa, e depois ia todos os anos.
Depois de voltar de Jerusalém, viveu Jesus, até a idade de trinta anos,
com Maria e José, em paz e recolhimento, na pequena casa de Nazaré. Nem
a Escritura Sagrada, nem a tradição nos transmitem pormenores dessa
época; o Evangelho diz apenas: “E era-lhes (aos pais) submisso.” (Luc.
2,51). Também Anna Catharina Emmerich conta pouco dessa fase da vida
de Jesus. Ouçamos os fatos principais:
“Depois de Jesus ter voltado a Nazaré, vi prepar-se uma festa, em
casa de Sant’Ana, onde todos os moços e moças, parentes, e amigos de
Jesus, se reuniram. Nosso Senhor era a pessoa principal dessa festa, à qual
estiveram presente 33 meninos, todos futuros discípulos do Salvador. Ele os
ensinou e contou-lhes uma belíssima parábola de núpcias, nas quais a água
seria mudada em vinho e os convidados indiferentes em amigos fiéis;
depois lhes falou de outras bodas, nas quais o vinho seria mudado em
sangue e o pão em carne; e essa boda permaneceria, com os convidados,
até o fim do mundo, como consolação e conforto e como vínculo vivo de
união. Disse também a Natanael, jovem parente seu; “Estarei presente às
tuas bodas.”
Desde esse tempo, Jesus sempre foi como que o mestre dos
companheiros. Sentava-se no meio, contando ou ensinando, ou passeava
com eles pelos campos.
Aos 18 anos, começou a ajudar a S. José na profissão. Dos vinte aos
trinta anos, teve muito que sofrer, por secretas intrigas dos judeus. Estes
não podiam suportá-lo, dizendo, com inveja, que o filho do carpinteiro
queria saber tudo melhor.
Na época em que começou a vida pública, tornou-se cada vez mais
solitário e meditativo. Quando Jesus se aproximava dos trinta anos, tornou-
se José cada vez mais fraco. Vi Jesus e Maria mais vezes em companhia
dele. Maria sentava-se ao lado do leito, de quando em quando. Quando
José morreu, estava Maria sentada à cabeceira da cama, segurando-o nos
braços; Jesus achava-se em frente, junto ao peito do moribundo. Vi o
quarto cheio de luz e de Anjos. O corpo de José foi envolvido num largo
pano branco, com as mãos postas abaixo do peito, deitado num caixão
estreito e depositado numa bela gruta sepulcral, perto de Nazaré, gruta que
recebera como doação de um homem bom. Além de Jesus e Maria, foram
poucos os que acompanharam o caixão; vi-o, porém, acompanhado de
anjos e rodeado de luz. O corpo de José foi levado mais tarde pelos cristãos
para um sepulcro perto de Belém. Julgo vê-lo jazer ali, ainda hoje, em
estado Incorrupto.
José teve de morrer antes de Jesus, pois, sendo muito fraco e amoroso,
não lhe teria sobrevivido à crucificação. Já sentira profundamente as
perseguições que o Salvador teve de sofrer, dos vinte aos trinta anos, pelas
repetidas maldades secretas dos judeus. Também Maria havia sofrido muito
com essas perseguições. É indizível com que amor o jovem Jesus suportava
as tribulações e intrigas dos judeus.
Depois da morte de José, Jesus e Maria se mudaram para uma aldeia
situada entre Cafarnaum e Betsaida, em que um homem chamado Leví
ofereceu uma casa a Jesus. Maria Cleophae, que, com o terceiro marido,
vivia na casa de Sant’Ana, perto de Nazaré, mudou-se para a casa de
Maria, em Nazaré.
Entre os moços de Nazaré, Jesus já tinha muitos adeptos; mas sempre
o abandonavam de novo. Andava com eles pelas regiões marginais do lago
e também em Jerusalém, pelas festas. “A família de Lázaro, em Betânia,
era também já conhecida de Jesus.”
INICIO DA VIDA PÚBLICA DE JESUS
JESUS É BATIZADO POR JOÃO BATISTA E FAZ
JEJUM POR QUARENTA DIAS.