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Luc Vandenberghe
Pontifícia Universidade Católica de Goiás – Goiânia – GO – Brasil
Resumo
O objetivo deste trabalho é identificar algumas dimensões de conteúdo numa terapia em grupo para
dor crônica. Participaram do estudo 15 mulheres com idade entre 30 e 58 anos. Três grupos foram
formados e foi aplicado um protocolo de 12 sessões de cunho misto, psicoeducativo e psicoterápico.
As sessões foram gravadas, transcritas e submetidas a uma análise de acordo com os preceitos da
grounded theory, a fim de identificar os conteúdos do processo terapêutico. Surgiram quatro
categorias: Convivência com a dor; Problemas do cotidiano; Relacionamento com os terapeutas e
Interação ao vivo entre participantes. Em cada uma dessas quatro dimensões, é possível descrever
uma busca das participantes de ajustar suas formas de lidar com suas emoções, com seu passado, com
relacionamentos interpessoais e consigo. As quatro categorias sustentam uma proposta de terapia em
grupo que não só ensina lidar com dor, mas aborda uma variedade de aspectos pessoais e sociais que
influenciam a dor crônica.
Palavras-chave: Psicoterapia de grupo, Dor crônica, Manejo da dor.
Abstract
The present study intends to identify content dimensions in group therapy for chronic pain. Fifteen
women between 30 and 58 years old participated in this study. Three groups were formed and twelve
sessions mixing psycho-educational and psychotherapy protocol were applied. The sessions were
recorded, transcribed and submitted to a grounded theory analysis, in order to identify the dimensions
of the treatment process. Four categories emerged: Living with pain; Daily life problems;
Relationship with the therapists and In-vivo interaction between participants. In each of these
dimensions, it is possible to describe the quest of the participants to adjust their ways of coping with
emotions, with their past, with interpersonal relationships and with their self perception. The four
categories support a proposal for group therapy that does not only provide ways to cope with pain, but
mobilizes a variety of personal and social variables that influence chronic pain.
Keywords: Group psychotherapy, Chronic pain, Coping with pain.
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Endereço para correspondência: Daiane Soares Silva - Rua Periatã, Qd. 207, Lt. 07. Parque Amazônia, Goiânia,
GO. E-mail: daianedv@hotmail.com. Luc Vandenberghe – E-mail: luc.m.vandenberghe@gmail.com
Apoio financeiro da CNPQ através de bolsa de iniciação científica
Os autores gostariam explicitar sua gratidão a Rosely Domingues Guimarães de Oliveira e Daniella Batista de
Ataídes Marques, que atuaram como terapeutas na fase piloto e desenvolveram, junto com o terceiro autor, a
primeira versão do protocolo de tratamento. Agradecem também a Daniella e Rosely, por conduzir, juntamente
com a primeira autora, os grupos em que foi obtido o material para essa pesquisa. E finalmente, agradecem a
Daniella, Rosely e Katiúscia Kelly de Andrade pela ajuda na pesquisa bibliográfica, pelo apoio logístico e pelas
contribuições e ajuda em diversos aspectos do projeto.
336 Silva, D. S., Rocha, E. P., & Vandenberghe, L.
A dor é uma experiência sensorial que cada uma dessas. De fato, chama atenção que
contém também aspectos emocionais, os tratamentos psicológicos com apoio
cognitivos e interpessoais. Há uma integração empírico são muito diversos nas suas
profunda entre os processos corpóreos e fundamentações teóricas e técnicas. Nos
psicológicos na produção da dor crônica. parágrafos que seguem, apresentamos algo
Melzack (1998) descreve como o estresse dessa diversidade. Certos tratamentos focam
psicossocial está envolvido nestes processos. especificamente na emoção, outros na
Relacionamentos tensos e conflituosos colocam cognição, outros na interação com o ambiente e
em ação as típicas cascatas neuro-hormonais do ainda outros na aceitação.
estresse. Em resposta à traumatização Existem tratamentos da dor que enfocam
psicológica repetida e a conflitos não resolvidos as respostas de medo relacionadas com a dor.
no dia a dia, o corpo pode vir a liberar Esses tratamentos usam técnicas de exposição
substâncias que agridem os próprios tecidos. ao vivo, pautados no paradigma pavloviano,
Um exemplo conhecido são as citocinas. Estas para extinguir o medo da dor. Pode parecer
promovem a quebra de proteínas para liberar a contraintuitivo que a mera modificação de
glicose que o corpo necessita frente às respostas emocionais possa eliminar um quadro
exigências sistêmicas da resposta de estresse. de dor crônica. Para explicar esse efeito,
Frequentes ataques desse tipo, durante anos, Vlaeyen, Jong, Leeuw e Crombez (2004) se
corroem os tecidos musculares e a mielina das referem à existência de um círculo vicioso que
cápsulas dos neurônios, levando assim a danos é composto (1) pela vigilância excessiva da
permanentes. Além disso, quando a resposta de parte do paciente para detectar sinais que
estresse se torna crônica, a cascata fisiológica podem anteceder a dor, (2) as estratégias de
do estresse inibe a atividade imune, deixando esquiva disfuncionais para evitar as sensações
os tecidos vulneráveis. A própria dor também ameaçadoras, (3) o aumento de estresse e da
causa estresse, que coloca em ação as mesmas tensão corporal por causa desse comportamento
cascatas, gerando assim um espiral de dor e apreensivo e (4) o aumento da sensação de dor,
estresse cada vez mais graves. decorrente da tensão e do estresse, que, por sua
Essa interação entre fisiologia e vez, leva para mais apreensão e hipervigilância.
sofrimento subjetivo mostra como pode ser A eliminação do medo interrompe esse círculo
enganosa a distinção entre dor com causas pelo fato de diminuir a vigilância excessiva, a
físicas e dor com causas subjetivas. Ao tratar tensão e a tendência de recorrer a estratégias de
pessoas com dor crônica, o psicólogo deve esquiva.
considerar o entrelaçamento intrínseco entre Os tratamentos cognitivo-
fatores psicológicos e processos corporais. comportamentais enfocam as distorções
Deslocando a dor que um paciente relata para o cognitivas e as crenças disfuncionais às quais
nível imaginário, dizendo que essa dor não é atribuem um papel causal importante no
física, o clínico pode subestimar o quanto o problema. Tais tratamentos são muitas vezes
sofrimento está inscrito no corpo físico. A estruturados na forma de programas
dicotomia artificial entre dor de origem física e psicoeducativos que ensinam estratégias de
de origem emocional desqualifica a vivência coping adequados. Além disso, lançam mão do
real do paciente, atribuindo a dor dele a um amplo arsenal clínico das psicoterapias
distúrbio mental. Além disso, desconsidera a cognitivas, incluindo as diferentes estratégias
compreensão que construímos acerca dos de reestruturação cognitiva dos pensamentos
processos de estresse e dor (Vandenberghe & automáticos, das suposições e regras acerca de
Ferro, 2005; Ferro & Vandenberghe, 2010). situações concretas do cotidiano e das crenças
É justamente o entrelaçamento da emoção, centrais dos pacientes (Gatchel, Robinson &
da cognição e das dinâmicas interpessoais com Stowell, 2006).
os processos corpóreos que explicam o porquê O trabalho de Fordyce (1976) aborda o
de abordar variáveis psicológicas da dor aspecto interpessoal da dor e enfatiza as
crônica na clínica. A complexidade desse interações entre o paciente e seu mundo social.
entrelaçamento se reflete no campo dos Muitas vezes, a comunidade verbal reforça
tratamentos psicológicos. Se a dor está comportamentos específicos que o autor chama
intimamente relacionada às dimensões de comportamentos de dor. Estes são, muitas
emocional, cognitiva e interpessoal, faz sentido vezes, comportamentos de esquiva. O paciente
que o tratamento psicológico possa agir por se queixa, isola-se, mostra-se irritável ou usa
Grupo para dor crónica 337
aspectos de conteúdo relevantes para a intenção ponto de convergência das quatro categorias,
desta pesquisa. Definem-se esses conceitos pois tanto o material do seu dia a dia trazido ao
como códigos abertos, porque foram escolhidos grupo pelas participantes quanto às ocorrências
em função dos conteúdos encontrados nas observadas durante as sessões foram vivências
transcrições e não retirados de um instrumento intensas. Trata-se tanto de vivências positivas,
de análise existente. Para a codificação, foram quanto negativas. A partir disso, procuramos
utilizados intencionalmente conceitos não relatar o que ocorreu nos grupos.
técnicos para poder evidenciar assuntos e
acontecimentos da perspectiva do que ocorreu
Convivência com a dor
no grupo, e não, da perspectiva da aplicação do
protocolo ou dos referenciais teóricos O cotidiano das participantes era marcado
encontrados na literatura. pelo estresse intenso causado pela dor
A partir da recorrência de conteúdos permanente e pelo círculo vicioso em que a dor
similares e relacionados, os códigos foram e o estresse se influenciavam mutuamente. Elas
revisados, muitas vezes, resultando no relataram uma tendência de abandonar bons
agrupamento de vários códigos em outro mais hábitos e autocuidados importantes, pelo fato
abrangente. Depois de desenvolver um de dedicarem-se inteiramente à dor.
conjunto estável de códigos, estes foram Interrompiam atividades prazerosas por causa
examinados quanto às relações e aos contrastes da dor, ficavam desestabilizadas
entre eles para identificar famílias de códigos. emocionalmente e intolerantes à frustração. Sua
Esse procedimento permitiu a emergência de produtividade (quanto a tarefas domésticas,
categorias que resumissem o que essas famílias profissionais e outras), em geral, era baixa, o
tinham em comum. As codificações e as que prejudicava mais ainda a qualidade de vida.
categorias emergentes eram sistematicamente A dor levava a gastos com tratamentos. Em
comparadas entre elas e com os dados dos quais alguns casos, isso gerava também problemas
emergiram, com o intuito de identificar financeiros e consequentemente mais estresse.
diferenças e similaridades, possibilidades de Ser identificada como portadora de dor
juntar ou dividir categorias e entender eventuais crônica levava à perda de autonomia e à
relações entre eles. A partir dessas discussões exposição ao assédio moral em diferentes
foi elaborado um modelo com quatro grandes contextos de sua vida, incluindo família,
categorias ou dimensões que descrevem as trabalho e até o contexto de atendimento
experiências compartilhadas pelos pacientes médico. O assédio moral ocorreu na forma de
nos três grupos. Estes constituem o resultado da acusações diretas e indiretas de impostura e
pesquisa. denúncias injustas. Chamava à atenção como a
própria condição de paciente portadora de dor
crônica às vezes, afastava recursos de apoio
Resultados social, deixando-a mais desamparada
As quatro categorias que resultaram deste exatamente por necessitar de ajuda.
trabalho foram chamadas (1) de convivência Tratamentos problemáticos e dificuldades na
com a dor, (2) problemas do cotidiano, (3) obtenção de direitos por não ter uma doença
relacionamento com as terapeutas e (4) mais objetivamente definida também
processos ao vivo no grupo. Juntas, estas interferiam visivelmente na qualidade de vida.
permitem descrever o que as participantes Tratamentos problemáticos eram os que
trouxeram e vivenciaram no grupo. Cada uma tornaram a pessoa mais debilitada ou
será explanada no decorrer do presente texto. prejudicaram a qualidade de vida por gerar
Ao organizar a descrição dessas efeitos colaterais, ou por não surtir o efeito
categorias, sempre se recorria aos dados brutos. esperado. Os direitos de difícil obtenção
E durante esse trabalho, ficava cada vez mais variavam da simples aceitação de uma licença
claro o quanto os encontros foram médica ao acesso à medicação gratuita pelos
emocionalmente carregados. A experiência das programas do governo e o direito à
sessões de terapia era marcada pela intensidade aposentadoria. A dependência dos remédios e
da vivência da dor, dos problemas do cotidiano, seus efeitos colaterais contribuíam para o
do relacionamento com as terapeutas e das estigma. Algumas participantes sentiam que
interações no grupo. Essa categoria central, suas potencialidades profissionais e pessoais
denominada intensidade emocional, descreve o eram desqualificadas em diversas ocasiões,
340 Silva, D. S., Rocha, E. P., & Vandenberghe, L.
como no relato da Sra. D.: “Fiquei 4 anos e acumulavam rotinas exaustivas e centralizarem
meio trabalhando e aguentando responsabilidades que não precisariam ser
humilhações...”. assumidas por elas: “Eu vou à casa da minha
A exclusão social se manifestava, por mãe, arrumo a casa e faço almoço pra ela,
exemplo, na perda de apoio dos familiares nas chego à minha casa, arrumo minha casa e faço
críticas maldosas no trabalho e na família e por meu almoço, [sempre sou eu que] tenho que ir
comentários que evidenciavam incompreensão. com ela ao médico”. (Sra. F). Várias
Este contexto propiciava que algumas participantes negligenciavam o autocuidado
participantes se sentissem isoladas. para poder cuidar de outras pessoas ou assuntos
Encontravam dificuldades para conversar sobre relativos a elas.
o que ocorria com elas, tanto dentro da própria No início, as participantes não
família, quanto com outras pessoas demonstraram possuir formas adequadas de
significativas para elas. Assim, muitas enfrentamento. As maneiras delas de lidarem
relatavam que a dor as desvalorizava com as suas dificuldades geravam mais
socialmente e algumas vezes sentiam-se problemas no cotidiano. Exemplos de
desqualificadas pelos próprios profissionais de estratégias inadequadas de manejo focado na
saúde, nos quais tinham investido suas emoção usadas por elas incluíam evitar contato
esperanças. social e procurar isolamento. Porém,
Frequentemente, o significado subjetivo da desenvolveram também estratégias adequadas
dor era claramente marcado por um passado de coping focado na emoção. Alguns exemplos
que tipicamente incluía anos de sofrimento e eram o envolvimento com novas pessoas e
perdas. Parecia um peso que a pessoa se atividades, manejo por envolvimento com
obrigou a carregar, limitando as suas atividades religiosas, reavaliação dos
possibilidades atuais ao lidar com cada novo problemas e aceitação emocional.
dia. Relatos de traumas de infância foram A Sra. B. relatou, referindo-se a uma
frequentes nos grupos, incluindo o abuso sexual situação em que ela poderia ter interagido com
e a rejeição pela família. As lentes pelas quais outras pessoas: “As pessoas não entendem.
as participantes se enxergavam eram marcadas Então eu sinto mal e vou ficando só dentro de
por histórias de sofrimento passado. Muitas casa, porque eu evito de sair. Não saio”. Um
vezes imaginavam que os outros as viam exemplo de engajamento em trabalhos sociais
igualmente com o mesmo olhar. como estratégia de manejo da dor foi relatado
As participantes atribuíam o pela Sra. H.:
desenvolvimento do seu quadro de dor crônica, “Tem algo que me tira [a dor] da
muitas vezes, às exigências profissionais e ao cabeça, me ajuda a esquecer a dor. Eu e
sofrimento no seu passado. Porém, quando foi uma amiga montamos algumas fantasias
indagado, na sessão, com quais variáveis atuais da Emília, nos vestimos e começamos a
as variações no nível da dor eram relacionadas, ir às escolas do bairro, a gente ia de
as participantes destacaram a relação com manhã brincar com as crianças”.
emoções, cansaço e irritabilidade, repouso
prolongado, atividades físicas, afazeres A primeira participante esquivava de
domésticos, variações climáticas e o ciclo do emoções negativas, procurando isolamento e
dia. Todos aumentavam a dor. Essas dedicando-se inteiramente à dor. A segunda,
observações feitas pelas participantes se procurava atividades interessantes, entrando em
mostraram assuntos produtivos para discussões contato com situações positivas.
nos grupos, amparando as mesmas na busca de O desenvolvimento de estratégias focados
melhoras formas de lidar com a dor. no problema incluía: cuidar melhor da saúde,
em geral, procurar novas maneiras de lidar com
conflitos interpessoais e com fontes de estresse
Problemas do cotidiano diversos, como pagar dívidas e resolver
O leque de fontes de estresse que foi problemas práticos que tinham sido
trazido nos grupos era muito amplo. Alguns negligenciadas por muito tempo. Percebia-se,
temas recorrentes incluíam: tensões familiares, no decorrer da terapia, uma retomada de
tensões no trabalho, excesso de preocupação atividades prazerosas, busca de melhores
com a família e tentativas rígidas de formas para lidar com os sinais físicos de
autocontrole. Frequentemente, as pacientes estresse e prática de diversas atividades físicas.
Grupo para dor crónica 341