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Coma

Introdução

O coma é um estado clínico em que o indivíduo não interage com o ambiente (ou interage com
dificuldade), apresentando resposta precária ou ausência de resposta aos estímulos externos,
além de, não poder ser totalmente desertável.
Ao longo dos tempos, diversos termos médicos foram cunhados para representar estados
neurológicos intermediários entre a vigília, ou estado de alerta e o coma. Certamente, já
ouvimos falar em sonolência, torpor, obnubilação, letargia, estupor e alguns outros. Na prática
clínica, entretanto, essa miríade de termos não tem relevância e pode causar confusão.
Nesse capítulo, iremos focar principalmente no exame neurológico do paciente em coma, não
deixando de abordar o prognóstico desses pacientes, além de, brevemente, rever os principais
diagnósticos diferenciais.

É possível haver coma de olhos abertos?
Não, por definição o estado de coma implica no paciente estar de olhos fechados. Ver abaixo
em diagnóstico diferencial do coma.

Causas e Fisiopatologia

O nosso SNC é formado por uma intricada rede de neurônios localizados no tronco cerebral,
com conexões com o diencéfalo (principalmente os tálamos) até chegar ao córtex. Dessa rede,
merece destaque o seu principal componente: o sistema reticular ativador ascendente (SRAA),
localizado no tegmento ventral da ponte e mesencéfalo, e que, em última análise, ativará os
dois hemisférios cerebrais durante o período de vigília
Essa simplificação excessiva do funcionamento da ativação cortical ajuda a entender a gênese
do coma face às diversas lesões do SNC. A regra básica é a de que toda lesão focal, pequena o
bastante mas, que acometa e distorça o SRAA ou que seja grande e difusa o suficiente para
destruir amplamente as estruturas corticais poderá causar o coma.
As principais causas, então, podem ser divididas em:

- Distúrbios focais: AVCs de tronco cerebral, lesões com efeito expansivo sobre o tronco como
tumores do SNC, lesões que cursem com hipertensão intracraniana (hidrocefalia, TCE)

- Lesões difusas: as metabólicas (uremias, hipoglicemia, encefalopatia hepática), a hipotermia,
as intoxicações, as lesões por hipóxia-anóxia, as infecções (meningoencefalites)

ATENÇÃO! No nosso meio, predominam as causas como TCE e os AVCs. A grande variedade de
causas do coma ajuda a entender o porquê da importância de uma história clínica bem

coletada. O passado médico, história de uso de medicamentos, presença de febre e


aparecimento de sinais focais ou de perda súbita da consciência são dados que não podem ser
subestimados.

Exame geral e Neurológico

GERAL

Deve ser dada atenção aos sinais vitais: febre nas infeções do SNC, hipertensão na hemorragia
subaracnóidea (HSA) e AVCh, alterações no padrão respiratório na hipertensão intracraniana. A
glicemia capilar é mandatória em todos os pacientes.
O exame cuidadoso da pele é indispensável, reparando nas púrpuras e petéquias da
meningococcemia e na icterícia na insuficiência hepática, por exemplo.

NEUROLÓGICO

O exame do coma é dotado de particularidades, devendo ser objetivo sem ser incompleto. O
que o aluno Jaleko™ precisa memorizar é uma sequência de exame que é indispensável para
todo paciente em coma, independente da causa. Tais manobras, se misturam com algumas dos
testes realizados no protocolo de morte encefálica, mais uma vez, destacando a importância
desse tópico para todos que transitam nas emergências e unidades de terapia intensiva, não
ficando ao cargo apenas de neurologistas/neurocirurgiões.

1. Nível de Consciência – Escala de Coma de Gasglow (ECG)

Nesse tópico falaremos em Glasgow, a famosa ECG. Nenhum aluno pode fazer qualquer prova
de conhecimentos médicos sem conhecê-la. Ela é de fácil aplicação e tem importante poder
prognóstico (Figura TI-CO-1).
Sabe-se que, a pontuação da ECG na admissão em pacientes com catástrofes neurológicas,
como a HSA e no TCE grave, é um dos mais poderosos preditores de sequelas e morte, mais
especificamente o componente de resposta motora.

Escala de Coma de Gasglow
(ECG)

2. Exame motor

Já avaliado em parte na ECG. Nesse momento do exame, focaremos em detectar movimentos
anormais, alterações do tônus, assimetria de reflexos tendinosos profundos, sinais de
hemiparesia/hemiplegia e reflexos patológicos (Babinski e sucedâneos).

Quais são as posturas anormais e qual a sua importância?
São as posturas de decorticação (flexão das extremidades superiores) e decerebração (extensão
das extremidades), que implicam em prognóstico neurológico reservado por lesão abaixo do
nível cortical e do núcleo rubro no mesencéfalo, respectivamente.

3. Reflexos de tronco cerebral

Reflexos pupilares
O padrão de alterações pupilares é de extrema valia, não só prognóstica, mas também para
localização da lesão no SNC e, em alguns casos, para definição da etiologia (como nas pupilas
puntiformes da intoxicação por opiáceos ou lesões pontinas)
A pesquisa se dá pela estimulação direta com foco de luz – reflexo fotomotor direto e
consensual.
As pupilas das lesões pontinas são puntiformes, assim como as pupilas da intoxicação por
opiáceos. As pupilas mediofixas são observadas, classicamente, na morte encefálica mas,
também podem ocorrer em algumas intoxicações e na hipotermia. Na hipertensão
intracraniana grave, com herniação cerebral, há um padrão inicial de anisocoria com dilatação
da pupila ipsilateral.
Como regra geral, as pupilas permanecem responsivas à luz nos distúrbios metabólicos, e não
responsivas nas lesões focais.


Movimentos oculares
Os principais reflexos oculares a serem pesquisados aqui são, o óculo-cefálico (reflexo dos
olhos-de-boneca) e a prova calórica.
O reflexo dos olhos-de-boneca (doll’s eyes), consiste na virada dos olhos contra-lateralmente à
movimentação lateral súbita da cabeça no plano horizontal – os olhos não acompanham o
movimento da cabeça.
Na prova calórica, instila-se 30-50 ml de água gelada, com a cabeça a 30 graus do plano
horizontal, e espera-se a resposta dos globos oculares virando em direção ao estímulo. Deve-se
aguardar por pelo menos 5 minutos para que isso ocorra.
Em caso de lesão de vias óculo-vestibulares, no tronco, ambos os reflexos estarão ausentes.

Reflexo córneo-palpebral
Outro reflexo, comumente testado, é o do reflexo córneo-palpebral (via aferente trigeminal ou
V NC; via eferente facial ou VII NC). Deve ser pesquisado com leve toque na córnea do paciente
com pequeno chumaço de algodão. A resposta estará ausente em, encefalopatias difusas, como
as metabólicas e hipóxica-isquêmica (sendo inclusive fator prognóstico no pós-PCR), nas lesões

hemisféricas extensas e nas lesões de tronco, abaixo da ponte, além é claro, na morte
encefálica.

ATENÇÃO! Acima, foi falado em síndrome de herniação cerebral. Bem, as síndromes de
herniação cerebral (o melhor seria herniação encefálica) fazem parte final do espectro da
hipertensão intracraniana, em um momento em que há esgotamento da faixa de compensação
da PIC, determinando mudança de posição de alguma parte de tecido cerebral que então
exercerá pressão sobre alguma estrutura nobre. (Ver mais detalhes no capítulo Hipertensão
Intracraniana). O marco clínico principal que chama atenção para a ocorrência desse quadro
dramático é, a anisocoria, com midríase ipsilateral ao ponto da herniação.

Diagnósticos Diferenciais

É possível alguém parecer em coma quando na verdade não está. Nesse momento,
lembraremos daquele paciente que permanece irresponsivo, durante meses em um leito de
hospital, mas com os olhos abertos. Cenas clássicas das novelas e filmes.
Bem, quais as principais condições capazes de manifestarem-se desta forma?

Síndrome Locked-in
Quadro dramático gerado por uma lesão caprichosa na porção basal da ponte (em geral
consequência a um AVCi de artéria basilar) que determina uma quadriplegia, com perda da
movimentação ocular horizontal. O paciente permanece consciente, orientado, porém incapaz
de mover os quatro membros ou falar. Curiosamente, ele pode mover os olhos no plano
vertical, já que, o centro de controle do olhar vertical localiza-se no mesencéfalo que não é
afetado na série. A síndrome foi retratada com perfeição no filme “O escafandro e a borboleta”.

Mutismo acinético
Estágio final de muitas condições, em que há degeneração difusa do córtex cerebral, tal e qual
visto nas demências avançadas, com grave comprometimento do córtex pré-motor e pré-
frontal. Esse paciente não obedece aos comandos e não consegue iniciar nenhum ato motor.
Entretanto, é capaz de seguir o examinador (ou os familiares) com os olhos.

MORTE ENCEFÁLICA
Apesar de não ser o objetivo principal deste texto, o protocolo de morte encefálica (ME) baseia-
se no exame neurológico do coma, realizado de forma padronizada e em dois momentos
diferentes, além de, complementado por algum exame subsidiário que evidencia ausência de
atividade cerebral ou de fluxo sanguíneo cerebral (Doppler transcraniano, EEG, Angiografia).
O exame busca, identificar quaisquer atividades de tronco cerebral que, se presentes, afastam a
morte encefálica e segue a sequência apresentada acima em um paciente com ECG 3 que tenha
lesão do SNC conhecida e compatível com a ME. Nele, pesquisam-se os reflexos fotomotor, a
prova calórica, córneo-palpebral, além da prova da apneia e de tosse.

Esqueça Tudo M enos Isto!



- Coma: paciente não abre os olhos e não interage com o meio. Dano ao SRAA.

- Causas: lesões focais no tronco ou lesões difusas nos hemisférios ou ambas.

- Exame neurológico: ECG, pupilas, motor, movimentos oculares (prova calórica, Doll’s eyes)

- Pupilas: responsivas nas lesões metabólicas; fixas nas lesões estruturais

- Diagnósticos diferenciais: mutismo acinético; Locked-in (Lesão base da ponte)

- Morte encefálica: 2 exames clínicos (exame do coma) com 6h de intervalo, em adultos +
1 exame subsidiário

Bibliografia: Pronto-Socorro – HC-FMUSP – 3ª edição
UptoDate – Stupor and Coma in Adults

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