Você está na página 1de 317

PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES

Teoria e Prática
Pedro Carlos Bitencourt Marcondes nasceu
em Caçapava/SP e é Desembargador do
Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais
desde 2006, tendo assumido a Presidência da
Casa para o biênio 2014-2016 e a Presidência
do Conselho dos Tribunais de Justiça do Brasil
O presente trabalho é fruto da experiência amealhada pelo para o biênio 2016-2018. Mestre em Direito
autor ao longo de mais de vinte anos como magistrado e Público pela Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG) e professor universitário

Servidor Público
professor universitário, em especial, na área de Direito Público.

Servidor Público
do Centro Universitário de Belo Horizonte
A obra em comento propõe-se a apresentar, sob aspectos (UNI-BH), atualmente licenciado, atuou
práticos e teóricos, o regime jurídico dos servidores públicos, como Promotor de Justiça e Juiz de Direito
os contornos constitucionais e as conotações decorrentes do
vínculo estabelecido entre tais pessoas e o Poder Público. Teoria e Prática em diversas comarcas de Minas Gerais. É,
ainda, professor orientador nas áreas de
Destina-se especialmente a graduandos em Direito, profis­ Direito Público, Direito Constitucional e
sionais que atuam nas áreas afins ao Direito Público, em Direito Administrativo da Escola Judicial
especial, ao Direito Administrativo. Desembargador Edésio Fernandes, do TJMG.

PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES


Visite a nossa Livraria Virtual:
ISBN 978-85-450-0120-1
www.editoraforum.com.br

ADMINISTRATIVO
livros@editoraforum.com.br
Vendas: (31) 2121-4949

DIREITO
Acesse nossa livraria virtual
CÓDIGO: 10000954 www.editoraforum.com.br/loja

CAPA_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 1-2,4-5 10/03/2016 14:07:27


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES

SERVIDOR PÚBLICO
TEORIA E PRÁTICA

Belo Horizonte

2016

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 3 10/03/2016 14:05:34


© 2016 Editora Fórum Ltda.

É proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer meio eletrônico,
inclusive por processos xerográficos, sem autorização expressa do Editor.

Conselho Editorial

Adilson Abreu Dallari Flávio Henrique Unes Pereira


Alécia Paolucci Nogueira Bicalho Floriano de Azevedo Marques Neto
Alexandre Coutinho Pagliarini Gustavo Justino de Oliveira
André Ramos Tavares Inês Virgínia Prado Soares
Carlos Ayres Britto Jorge Ulisses Jacoby Fernandes
Carlos Mário da Silva Velloso Juarez Freitas
Luciano Ferraz
Cármen Lúcia Antunes Rocha
Lúcio Delfino
Cesar Augusto Guimarães Pereira
Marcia Carla Pereira Ribeiro
Clovis Beznos Márcio Cammarosano
Cristiana Fortini Marcos Ehrhardt Jr.
Dinorá Adelaide Musetti Grotti Maria Sylvia Zanella Di Pietro
Diogo de Figueiredo Moreira Neto Ney José de Freitas
Egon Bockmann Moreira Oswaldo Othon de Pontes Saraiva Filho
Emerson Gabardo Paulo Modesto
Fabrício Motta Romeu Felipe Bacellar Filho
Fernando Rossi Sérgio Guerra

Luís Cláudio Rodrigues Ferreira


Presidente e Editor

Coordenação editorial: Leonardo Eustáquio Siqueira Araújo

Av. Afonso Pena, 2770 – 15º andar – Savassi – CEP 30130-012


Belo Horizonte – Minas Gerais – Tel.: (31) 2121.4900 / 2121.4949
www.editoraforum.com.br – editoraforum@editoraforum.com.br

M321s Marcondes, Pedro Carlos Bitencourt


Servidor Público: teoria e prática / Pedro Carlos Bitencourt Marcondes. Belo
Horizonte: Fórum, 2016.

325 p.
ISBN 978-85-450-0120-1

1. Direito administrativo. 2. Direito público. 3. Direito constitucional. I. Título.

CDD: 341.3
CDU: 342.9

Informação bibliográfica deste livro, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):

MARCONDES, Pedro Carlos Bitencourt. Servidor Público: teoria e prática. Belo Horizonte: Fórum,
2016. 325p. ISBN 978-85-450-0120-1

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 4 10/03/2016 14:05:35


Dedico este livro àqueles que sempre me apoiaram:
meus pais, esposa e filhos, mas, especialmente,
ao meu querido e saudoso avô, Pedro Luiz Pinto
Bitencourt, meu maior professor e incentivador.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 5 10/03/2016 14:05:35


Agradeço, de modo especial, aos meus assessores Ana
Paula Maffra, Bernardo Rocha, Gabriel Nicoliello,
Laura Valadares, Lílian Guimarães e Polyany
Meireles, e aos ex-assessores Denise Falcão e Vítor
Vilela, cuja atuação foi fundamental na elaboração
de pesquisas, colheita de dados e atualização das
alterações normativas promovidas ao longo dos anos.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 7 10/03/2016 14:05:35


SUMÁRIO

CAPÍTULO 1
SERVIDORES PÚBLICOS................................................................................. 13
1.1 Introdução.............................................................................................. 13
1.2 Conceito.................................................................................................. 13
1.3 Militares: servidores públicos?............................................................ 17

CAPÍTULO 2
INVESTIDURA..................................................................................................... 25
2.1 Princípio da ampla acessibilidade aos cargos, empregos
e funções públicas................................................................................. 25
2.2 Concurso público.................................................................................. 26
2.2.1 Critérios de seleção............................................................................... 27
2.2.2 Prazo de validade e nomeação............................................................ 31
2.2.3 Reserva de vagas................................................................................... 37
2.3 Provimento dos cargos públicos......................................................... 41
2.3.1 Provimento de cargos e obrigatoriedade do concurso público...... 44
2.4 Efetividade e estabilidade.................................................................... 47
2.5 Vitaliciedade.......................................................................................... 57

CAPÍTULO 3
CARGOS EM COMISSÃO E FUNÇÕES DE CONFIANÇA................. 59
3.1 Cargo em comissão............................................................................... 59
3.2 Função de confiança (função comissionada/gratificada)................. 61
3.3 Regime jurídico...................................................................................... 61
3.4 A Súmula Vinculante nº 13, do Supremo Tribunal Federal, e o
nepotismo no serviço público.............................................................. 65

CAPÍTULO 4
CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA DE EXCEPCIONAL INTERESSE
PÚBLICO................................................................................................................ 71
4.1 Noções..................................................................................................... 71
4.2 Requisitos............................................................................................... 78
4.3 Regime jurídico...................................................................................... 78

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 9 10/03/2016 14:05:35


4.4 Da nulidade da contratação e seus efeitos......................................... 81
4.5 Da contratação de pessoal para as funções de agente comunitário
de saúde e agente de combate às endemias prevista no art. 198,
da Constituição da República.............................................................. 87
4.6 Da contratação temporária de excepcional interesse público no
Estado de Minas Gerais. Leis Mineiras e controvérsias na
jurisprudência do TJMG....................................................................... 91

CAPÍTULO 5
SISTEMA REMUNERATÓRIO....................................................................... 97
5.1 Conceitos ............................................................................................... 97
5.2 Irredutibilidade.................................................................................. 100
5.3 Isonomia............................................................................................... 101
5.4 Forma de fixação................................................................................. 102
5.4.1 Revisão geral........................................................................................ 104
5.5 Vedação ao efeito cascata................................................................... 105
5.6 Teto remuneratório............................................................................. 107

CAPÍTULO 6
ACUMULAÇÃO DE CARGOS, EMPREGOS E FUNÇÕES............... 121
6.1 Da regra da inacumulabilidade......................................................... 121
6.2 Hipóteses permissivas........................................................................ 122
6.3 Acumulação de proventos e vencimentos....................................... 128
6.4 Efeitos da acumulação ilícita ............................................................ 136

CAPÍTULO 7
SEGURIDADE SOCIAL E REGIME PREVIDENCIÁRIO.................... 143
7.1 Seguridade social: saúde, previdência e assistência social .......... 143
7.2 Assistência à saúde ............................................................................ 144
7.3 Previdência .......................................................................................... 145
7.3.1 Regime próprio dos servidores públicos ........................................ 147
7.3.2 Aposentadoria..................................................................................... 159
7.3.2.1 Modalidades de aposentadoria ........................................................ 160
7.3.2.2 Forma de cálculo e reajuste dos proventos ..................................... 169
7.3.2.3 Regras de transição ............................................................................ 170
7.3.3 Previdência Complementar............................................................... 172
7.3.4 Pensão................................................................................................... 177

CAPÍTULO 8
ASSOCIAÇÃO SINDICAL E DIREITO DE GREVE.............................. 183
8.1 Associação sindical............................................................................. 183
8.2 Direito de greve................................................................................... 186

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 10 10/03/2016 14:05:35


CAPÍTULO 9
ESTATUTO DOS SERVIDORES DA UNIÃO FEDERAL – PONTOS
RELEVANTES..................................................................................................... 189
9.1 Introdução............................................................................................ 189
9.2 Vacância, remoção e redistribuição.................................................. 190
9.3 Vantagens............................................................................................. 198
9.3.1 Introdução............................................................................................ 198
9.3.2 Conceito................................................................................................ 199
9.3.3 Vantagens em espécie......................................................................... 200
9.4 Férias..................................................................................................... 212
9.5 Licenças................................................................................................. 213
9.6 Afastamentos....................................................................................... 216
9.7 Concessões........................................................................................... 219
9.8 Tempo de serviço................................................................................. 221

CAPÍTULO 10
RESPONSABILIDADES.................................................................................. 223
10.1 Responsabilidade civil e administrativa.......................................... 224
10.2 Responsabilidade penal...................................................................... 227

CAPÍTULO 11
PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR DO SERVIDOR
PÚBLICO.............................................................................................................. 231
11.1 Princípios: poderes e limitações........................................................ 231
11.1.1 Princípio da legalidade....................................................................... 232
11.1.2 Princípio da oficialidade.................................................................... 233
11.1.3 Princípio da segurança jurídica......................................................... 233
11.1.4 Princípio da boa-fé.............................................................................. 235
11.1.5 Princípio da autotutela....................................................................... 236
11.1.6 Princípio do devido processo legal................................................... 237
11.1.7 Autoexecutoriedade............................................................................ 239
11.2 Conceito................................................................................................ 241
11.3 Sindicância/inquérito administrativo............................................... 244
11.4 Processo administrativo propriamente dito.................................... 246
11.5 Penalidades: Lei nº 8.112/90 e Lei nº 869/52..................................... 248
11.5.1 Cassação da aposentadoria................................................................ 254
11.6 Revisão do processo............................................................................ 256
11.7 Prazo prescricional.............................................................................. 259

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 11 10/03/2016 14:05:35


CAPÍTULO 12
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA......................................................... 263
12.1 Introdução – A moralidade como elemento legitimador do
exercício do poder no Estado Democrático de Direito.................. 263
12.2 A moralidade pública no Brasil: vetor constitucional da
atuação do Estado............................................................................... 266
12.3 Distinção (in)existente entre a moralidade e a probidade
administrativa..................................................................................... 270
12.4 Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92).................... 272
12.4.1 Competência legislativa..................................................................... 272
12.4.2 Sujeito passivo..................................................................................... 276
12.4.3 Sujeito ativo.......................................................................................... 278
12.4.3.1 Agentes públicos................................................................................. 278
12.4.3.2 Terceiros................................................................................................ 287
12.4.4 Tipos de improbidade........................................................................ 289
12.4.5 Sanções.................................................................................................. 294
12.4.6 Procedimento administrativo............................................................ 300
12.4.7 Ação judicial......................................................................................... 305
12.4.7.1 Legitimidade ativa.............................................................................. 305
12.4.7.2 Legitimidade passiva.......................................................................... 306
12.4.7.3 Competência........................................................................................ 307
12.4.7.3.1 Da legitimidade ad processum do MP nas ações de
improbidade......................................................................................... 312
12.4.7.4 Fase preliminar.................................................................................... 317
12.4.7.5 Prescrição.............................................................................................. 320

REFERÊNCIAS...................................................................................................... 323

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 12 10/03/2016 14:05:35


CAPÍTULO 1

SERVIDORES PÚBLICOS

1.1 Introdução
A Constituição da República, ao disciplinar as normas aplicáveis
às diversas categorias de pessoas que laboram para o Estado, se utiliza,
de forma ampla, da expressão “servidor público”.1 Assim, para o estudo
do tema, importante esclarecer alguns aspectos básicos, pois o texto
constitucional, em diversas passagens, traz expressões como “servidores
ocupantes de cargo efetivo”, “empregados públicos”, “ocupantes de
cargo em comissão”, entre outros.
Dessa forma, a distinção e a conceituação desse diversos agentes
que, de alguma forma, expressam a vontade da Administração,
mostram-se relevantes para que seja realizado exame detido das normas
aplicáveis aos servidores públicos propriamente ditos.

1.2 Conceito
Na Constituição da República, notadamente nos arts. 37 a 41,
encontram-se insertas normas (princípios e regras) sobre os “servidores
públicos”, e desses dispositivos se conclui que nem todos aqueles que
servem como expressão da vontade do Estado podem ser considerados

1
A Seção II do Capítulo que trata da Administração Pública se intitula “DOS SERVIDORES
PUBLICOS”.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 13 10/03/2016 14:05:36


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
14 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

como tal, pois, para tanto, a existência de vínculo de trabalho, de


natureza permanente e com subordinação com a Administração Pública
direta e indireta, constitui requisito essencial.2
O vínculo jurídico existente entre a Administração e o servidor
pode ser: (i) estatutário, quando a relação jurídica é permeada por
regras estabelecidas unilateralmente pelo Poder Público, sem natureza
contratual, portanto modificável da mesma forma que instituída – são
os detentores de cargos de provimento efetivo e os de cargo em comissão
(direção, chefia e assessoramento);3 (ii) celetistas, assim denominados
porque regidos por norma de Direito do Trabalho, de competência
legiferante da União, principalmente aquela prevista na Consolidação da
Leis do Trabalho (CLT); e (iii) jurídico-administrativo, quando contratados
temporariamente nos termos da lei de cada ente da federação, para atender
à necessidade temporária de excepcional interesse público.
Entre os celetistas, interessante, para fins didáticos, separá-los
em duas subespécies: (i) o empregado público, cujo vínculo de trabalho
se dá com a Administração Direta e as pessoas jurídicas de direito
público da Administração Indireta (autarquias e fundações públicas);4

2
Celso Antônio Bandeira de Mello vale-se da expressão agente público “para designar genérica
e indistintamente os sujeitos que servem ao Poder Público como instrumentos expressivos
de sua vontade ou ação, ainda quanto o façam apenas ocasional ou episodicamente. Quem
quer que desempenhe funções estatais, enquanto as exercita, é um agente público. Por
isto, a noção abarca tanto o Chefe do Poder Executivo (em quaisquer das esferas) como
os senadores, deputados e vereadores, os ocupantes de cargos ou empregos públicos
da Administração Direta dos três Poderes, os servidores das autarquias, das fundações
governamentais, das empresas publicas e sociedades de economia mista nas distintas
órbitas de governo, os concessionários e permissionários de serviço público, os delegados
de função ou ofício público, os requisitados, os contratados sob locação civil de serviços
e os gestores dos negócios públicos” (In: Curso de Direito Administrativo. 31. ed. São Paulo:
Malheiros, 2014. p. 248-249).
3
A separação entre cargo efetivo e em comissão se dá mais para fins didáticos, pois ambos
são espécies do gênero cargo público e o vínculo jurídico entre o ocupante desses cargos
com o Poder Público é institucional.
4
EC nº 19/98 deu nova redação ao artigo 39 da Constituição da República, extinguindo
a obrigatoriedade do chamado regime jurídico único dos servidores da União, Estados-
membros, Distrito Federal e Municípios, passando a dispor que os mencionados entes
deveriam instituir um Conselho de Política de Administração e Remuneração de Pessoal.
Todavia, referido dispositivo fora suspenso, liminarmente, pelo Supremo Tribunal
Federal, no bojo da MC na ADI nº 2.135/DF (ainda sem decisão definitiva), ao fundamento
de existência de vício formal, uma vez que a matéria, objeto de destaque na Câmara
dos Deputados, não teria sido aprovada, em primeiro turno, com o quórum necessário
naquela Casa Legislativa. Referida decisão fora modulada, com efeitos ex nunc, a fim de se
resguardar a “validade de atos praticados com base em legislações eventualmente editadas
durante a vigência do dispositivo ora suspenso” (ADI nº 2.135 MC, Rel. originário Min.
Néri da Silveira, Rela. p/ Acórdão Min. Ellen Gracie (art. 38, IV, “b”, do RISTF), Tribunal
Pleno, j. em 02.08.2007, DJ, 07 mar. 2008).

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 14 10/03/2016 14:05:36


CAPÍTULO 1
SERVIDORES PÚBLICOS
15

(ii) simplesmente empregado, aquele contratado por regras de Direito do


Trabalho, pelas pessoas jurídicas de direito privado da Administração
Indireta.
Há, entretanto, pessoas que, sem possuírem vínculo de trabalho,
exercem atividade pública, servem – na feliz expressão de Bandeira de
Mello –, como manifestação da vontade do Estado, mas não podem ser
considerados servidores públicos, são os agentes políticos,5 e os particulares
investidos, seja de forma temporária ou esporádica, seja por delegação.
Os agentes políticos são os exercentes de mandatos, como os
Chefes de Governo, Parlamentares, Ministros de Estado e Secretários
de Governo. O vínculo dessas pessoas em relação ao ente público,

5
Para Celso Antônio Bandeira de Mello, “agentes políticos são os titulares dos cargos estru-
turais a organização política do país, ou seja, ocupantes dos que integram o arcabouço cons-
titucional do Estado, o esquema fundamental do Poder. Daí que se constituem formadores
da vontade superior do Estado. [...] O vínculo que tais agentes entretêm com o Estado não é
de natureza profissional, mas de natureza política. Exercem um munus público. Vale dizer, o que
os qualifica para o exercício das correspondentes funções não é a habilitação profissional,
a aptidão técnica, mas a qualidade de cidadãos, membros da civitas e, por isto, candidatos
possíveis à condução dos destinos da Sociedade. A relação jurídica que os vincula ao Estado
é de natureza institucional, estatutária. Seus direitos e deveres não advêm de contrato trava-
do com o Poder Público, mas descendem diretamente da Constituição e das leis. Donde, são
por elas modificáveis, sem que caiba procedente oposição às alterações supervenientes, sub
color de que vigoravam condições diversas ao tempo das respectivas investiduras” (In: Curso
de Direito Administrativo. 31. ed. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 251-252). Na mesma linha,
anota Oswaldo Aranha Bandeira de Mello: “são aqueles que agem em nome e por conta do
Estado, como titulares do direito de participação ativa na vida deste, para cujo exercício são
chamados. Por conseguinte, ligados ao Estado por relação de representação. Incumbe-lhes
propor, estabelecer ou decidir as diretrizes políticas dos entes públicos, enfim, focalizar os
princípios diretores e coordenadores da sua atividade. Os seus direitos e obrigações de-
correm da sua posição de cidadão. São agentes políticos, destarte. Condutores dos seus
destinos e responsáveis pelo seu governo” (Teoria dos servidores públicos. RDP, São Paulo,
n. 1, p. 44, set. 1967). Hely Lopes Meirelles igualmente adota a expressão ao se referir a tais
pessoas públicas, trazendo, contudo, uma conceituação ainda mais abrangente, incluindo
os membros do Poder Judiciário, do Ministério Público, dos Tribunais de Contas, os re-
presentantes diplomáticos “e demais autoridades que atuem com independência funcional
no desempenho de atribuições governamentais, judiciais ou quase-judiciais, estranhas ao
quadro do serviço público” (cf. Direito Administrativo brasileiro. 39. ed. São Paulo: Malheiros,
2013. p. 80). Cármen Lúcia Antunes Rocha adota uma posição intermediária, segundo a
qual “integram eles a estrutura constitucional do Estado em sua composição orgânica supe-
rior e a eles correspondem o desempenho daquelas funções segundo os ditames do sistema
jurídico fundamental.” E completa: “pelo que se contém no texto normativo fundamental
ora em vigor, os membros de Poder são considerados agentes políticos, mas nem todos os
agentes políticos estão inseridos naquele universo” (Princípios constitucionais dos servidores
públicos. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 63-78). Por sua vez, Maria Sylvia Zanella Di Pietro,
no que acompanhada por Diogenes Gasparini (In: Direito Administrativo. 13. ed. São Paulo:
Saraiva, 2008. p. 156), alinha-se ao conceito de Celso Antônio Bandeira de Mello, na medida
em que “a ideia de agente político liga-se indissociavelmente, à de governo e à de função
política, a primeira dando ideia de órgão (aspecto subjetivo) e, a segunda, de atividade (as-
pecto objetivo)” (In: Direito Administrativo. 28. ed. São Paulo, 2015. p. 655). Dessa forma, não
haveria sentido em se incluir, em tal categoria, as pessoas elencadas por Meirelles.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 15 10/03/2016 14:05:36


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
16 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

como bem assevera Bandeira de Mello, tem natureza política, temporária,


seus atos são discricionários e com fundamento direto na Constituição,
são instituidores das políticas públicas, que servem de norte para a
Administração.
Quanto aos particulares acima mencionados, destacam-se, no
primeiro caso, os jurados, mesários; no segundo, os concessionários,
permissionários de serviço público, notários, tabeliães e registradores.6
Interessante notar que, quando se fala que essas pessoas
(servidores ou agentes) praticam atos estatais, surge a indagação: é
por meio delas que o Estado exterioriza sua vontade? São elas suas
representantes, tal como ocorre no mandato, ou essa separação entre
mandante e mandatário não se apresenta possível nesses atos de forma
a se constatar verdadeira simbiose a permitir que o agente, ao agir, o
faça como se fosse o próprio Estado, como parte integrante dele?
O agente público seria instrumento de exteriorização da vontade
do Estado, o que leva este a responder perante os administrados pelos
atos praticados por aquele no exercício de suas funções.
Marçal Justen Filho7 explica a teoria do órgão, comparando, de
forma simbólica, a pessoa jurídica com a estrutura fisiológica e anatômica
dos seres humanos, porque, se é fato que a vontade da pessoa humana
é formada e exteriorizada pelos órgãos que integram sua estrutura
corporal, da mesma forma as pessoas jurídicas se valem das pessoas
físicas como se fossem seus órgãos.
Assim, se o agente atua como órgão, sob o ponto de vista jurídico,
essa manifestação é considerada como a vontade estatal.8

6
Esses agentes, mesmo não sendo servidores públicos, praticam atos estatais, passíveis
de controle não só por via do mandado de segurança, como também podem implicar
responsabilização por ato de improbidade administrativa (art. 1º, da Lei nº 8.429/92) ou
ilícito penal (art. 327, do CP). Acerca do tema, conferir o Capítulo III desta obra.
7
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 9. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2013. p. 871-872.
8
“Segundo a teria do órgão [...] a vontade estatal é formada e manifestada por meio da atu-
ação de pessoas físicas. Essas pessoas físicas não são, no rigor técnico, representantes do
Estado – mesmo que, na terminologia usual, haja referência à condição de representante.
[...] O instituto da representação não se aplica aos agentes públicos, porque isso produzi-
ria um problema invencível. Se o agente público fosse um representante do Estado, isso
significaria a existência de dois pólos jurídicos distintos. Haveria o Estado-representado e
o sujeito-representante, o que colocaria o problema de identificar a vontade estatal repre-
sentada. O ponto fundamental reside em que o direito atribuiu os atos materiais do agente
à pessoa jurídica. Portanto, há uma única atuação jurídica, no sentido de que o Estado
produz atos jurídicos por meio de uma pessoa física, que forma e exterioriza parta fins
jurídicos a vontade estatal” (JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 9. ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 871-872).

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 16 10/03/2016 14:05:36


CAPÍTULO 1
SERVIDORES PÚBLICOS
17

1.3 Militares: servidores públicos?


A Constituição da República de 1988, em sua redação original,
estabelecia, dentro do capítulo da Administração Pública, a denominação
dos militares como Servidores Públicos Militares, em contraponto aos
Servidores Públicos Civis, regulados pela seção antecedente. Em
1998, contudo, foi promulgada a Emenda Constitucional nº 18, que
deu nova redação às Seções II e III do referido capítulo, para “Dos
Servidores Públicos” e “Dos Militares dos Estados, do Distrito Federal
e dos Territórios”, respectivamente, excluindo do artigo 42 a referência
aos militares das Forças Armadas, que passaram a ser tratados,
especialmente, no §3º do art. 142,9 da Constituição da República.
Por meio da PEC nº 338, apresentada em 1996 pelo Poder
Executivo, com tramitação inicial na Câmara dos Deputados, procurou-
se alterar a situação constitucional dos membros das Forças Armadas,
dos policiais militares e dos bombeiros militares. Justificou-se, naquele
momento, tal alteração, porquanto o enquadramento do militar como
funcionário ou servidor público seria prejudicial tanto ao exercício
da profissão como às próprias Instituições Militares. Ressalte-se que,
inicialmente, a proposta intentava revogar o art. 42 da Constituição,
somente acrescentando o §3º ao art. 142.
Contudo, após pareceres da Comissão de Constituição de Justiça
e de Redação, e da Comissão Especial, constituída para discussão da
PEC nº 338, ambas da Câmara dos Deputados, adotou-se substitutivo
ao texto original da proposta, sendo que foi submetida à votação,
e logo enviada ao Senado Federal, a redação final da Proposta de
Emenda Constitucional nº 338-D de 1996, recebendo parecer favorável
da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, cuja relatoria foi do
Senador Romeu Tuma.
Promulgada, a Emenda Constitucional nº 18 provocou na doutrina
divergência a respeito da natureza jurídica do militar, porquanto a
exclusão da denominação do título “Servidor Público Militar” poderia
ser considerada como perda expressa dessa qualidade.
Cármen Lúcia Antunes Rocha e Maria Sylvia Zanella Di Pietro
passaram a entender que, a partir do momento em que a Emenda

9
Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica,
são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e
na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à de-
fesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes,
da lei e da ordem. [...] §3º Os membros das Forças Armadas são denominados militares,
aplicando-se-lhes, além das que vierem a ser fixadas em lei, as seguintes disposições.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 17 10/03/2016 14:05:36


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
18 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

retirou a expressão “Servidores Militares” do texto constitucional, não


mais seriam considerados como integrantes da categoria “servidores
públicos”.10 A sistematização atual, portanto, estabeleceria os militares
como espécie ou categoria de agente público, sendo possível aplicar-lhes
as normas referentes aos servidores públicos somente quando houver
previsão expressa.11
Nada obstante, apesar da dissonância com o texto constitucional,
fato é que esse equipara a natureza jurídica do militar ao servidor
público.
Nesse sentido, Marçal Justen Filho12 e José Afonso da Silva13
defendem que, apesar de os militares não se encontrarem disciplinados
no capítulo dos servidores públicos, nada obsta que continuem sendo
tratados como tais, conforme ocorria anteriormente à promulgação da
Emenda Constitucional nº 18, porquanto não há nenhuma vedação.
Registre-se, por oportuno, que Silva entende que os militares estão
inseridos no conceito amplo de servidor público.14
O que se verifica é que a Emenda Constitucional nº 18 buscou
afastar a natureza de servidor público dos agentes militares. Contudo,

10
ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Princípios constitucionais dos servidores públicos. São Paulo:
Saraiva, 1999. p. 85.
11
É esse o posicionamento de Maria Sylvia Zanella Di Pietro (In: Direito Administrativo. 28.
ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 661). Também nesse sentido, Diogenes Gasparini afirma que
os militares “são, na atual sistematização constitucional, uma espécie de agente público:
agente público militar ou, simplesmente, agente militar. Sua organização e regime
jurídico diferem em muito da organização e regime dos servidores públicos” (In: Direito
Administrativo. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p 253).
12
Marçal Justen Filho aduz que “a Constituição deixou de enquadrar os militares na categoria
de servidor público. Isso não significa, obviamente, que os militares não se configurem
como agentes estatais. A vontade constitucional orienta-se a impedir a extensão automática
aos militares do regime jurídico próprio dos agentes não políticos civis. Ressalte-se que nem
haveria impedimento à utilização da expressão servidor, a propósito dos militares. [...]” (In:
Curso de Direito Administrativo. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 893).
13
José Afonso da Silva, em sua obra Curso de Direito Constitucional Positivo, aduz que “a
intenção confessada foi a de tirar dos militares o conceito de servidores públicos que a
Constituição lhes dava”, e prossegue afirmando que “ontologicamente, porém, nada
mudou porque os militares são, sim, servidores públicos em sentido amplo como eram
considerados na regra constitucional reformada” (In: Curso de direito constitucional positivo.
35. ed. São Paulo: Malheiros, 2012. p. 704).
14
José Afonso da Silva assevera, ainda, que: “aqui cabe-nos a tarefa de examinar a organização
dos agentes administrativos, que se repartem em dois grandes grupos: (1) os servidores
públicos; [...] (2) os militares [...]. A EC-18/98 eliminou a terminologia servidores civis e
servidores militares, o que, a rigor, não muda nada, porque a distinção está subentendida,
já que militares também são servidores públicos” (In: Curso de Direito Constitucional Positivo.
35. ed. São Paulo: Malheiros, 2012. p. 680). No mesmo sentido, José dos Santos Carvalho
Filho defende que os militares são servidores públicos lato sensu (In: Manual de Direito
Administrativo. 27. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 600).

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 18 10/03/2016 14:05:36


CAPÍTULO 1
SERVIDORES PÚBLICOS
19

tal expediente não impediu que a Constituição estabelecesse disciplinas


jurídicas similares para ambos os servidores, civis e militares, estendendo
a estes regras e princípios adotados relativamente àqueles.
Nesse diapasão, é forçoso ressaltar que há características
comuns entre os regimes jurídicos dos servidores públicos civis e dos
militares, apesar da existência de estatutos próprios para ambos. Sobre
a questão, a título exemplificativo, podem-se citar institutos análogos
nos estatutos, previstos no art. 37 da Constituição, como a aprovação
prévia em concurso público para a investidura em cargo público, o prazo
de validade do concurso, a vedação da vinculação dos vencimentos, a
proibição de acumulação de cargos, empregos e funções, entre outros.
Sobre a acumulação de cargos, os §§3º e 4º do art. 42 da Constituição
da República de 1988, em sua redação original, determinavam que o
militar em atividade que ocupasse cargo público civil permanente seria
transferido para a reserva, bem como que aquele que assumisse cargo,
emprego ou função pública temporária, após dois anos de afastamento,
contínuos ou não, seria transferido para a inatividade.
Além disso, o caput do referido artigo estabelecia que eram
considerados servidores militares federais os integrantes das Forças
Armadas, ao passo que estavam inseridos no rol dos servidores militares
dos Estados, Territórios e Distrito Federal os integrantes das polícias
militares e dos corpos de bombeiros militares.
Posteriormente, com a promulgação da Emenda Constitucional nº
18/98, houve modificação com relação aos militares das Forças Armadas,
conforme explanado alhures, visto que figuravam no “Título III – Da
Organização do Estado, Capítulo VII – Da Administração Pública”, e
passaram para o “Título V – Da Defesa do Estado e das Instituições
Democráticas, Capítulo II – Das Forças Armadas”, ou seja, as disposições
a esse respeito, inicialmente disciplinadas no art. 42, da Constituição da
República,15 passaram a constar, especialmente, no art. 142, §3º.16
A redação do art. 142, §3º, da Constituição da República, após a EC
nº 18/98, estabelecia que os militares não poderiam acumular, com suas

15
Art. 42. São servidores militares federais os integrantes das Forças Armadas e servidores
militares dos Estados, Territórios e Distrito Federal os integrantes de suas polícias militares
e de seus corpos de bombeiros militares.
16
Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica,
são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia
e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à
defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes,
da lei e da ordem. [...] §3º Os membros das Forças Armadas são denominados militares,
aplicando-se-lhes, além das que vierem a ser fixadas em lei, as seguintes disposições:

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 19 10/03/2016 14:05:36


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
20 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

funções, cargo ou emprego público civil, sob pena de serem transferidos


para a reserva. Da mesma forma, o antigo inciso III conferia idêntico
tratamento no caso de emprego ou função pública civil temporária,
estabelecendo que o militar, depois de dois anos de afastamento,
contínuos ou não, seria transferido para a reserva. Há de se ressaltar,
também, que o inciso VIII não estendia aos militares as exceções contidas
no art. 37, XVI, que tratam das possibilidades de acumulação de cargos
pelos servidores públicos civis.
Contudo, com a promulgação da Emenda nº 77/14, que alterou
os incisos II, III e VIII, do art. 142, §3º, referendando o entendimento
sobre a possibilidade de os militares acumularem dois cargos públicos.
É que a nova redação dos referidos incisos estendeu aos militares a
exceção prevista no art. 37, XVI, “c”,17 possibilitando a acumulação de
dois cargos ou empregos privativos de profissionais da saúde, desde
que haja prevalência da função militar.
O Superior Tribunal de Justiça, mesmo antes da Emenda, já
vinha entendendo pela possibilidade de os militares acumularem dois
cargos de profissionais da saúde, como se vê do Recurso em Mandado
de Segurança nº 22.765/RJ.18 Naquela oportunidade, a Relatora, Ministra
Maria Thereza de Assis Moura, consignou haver divergência no âmbito
do Supremo Tribunal Federal a respeito da matéria, sendo que no
Excelso Pretório os casos eram analisados com base no art. 17, do Ato
das Disposições Constitucionais Transitórias. A par dessa divergência,
a Relatora, diante de uma interpretação sistemática dos dispositivos
constitucionais atinentes à matéria, concedeu a segurança no caso,
permitindo a acumulação de cargos públicos privativos de profissionais
da saúde.

17
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: [...] XVI - é
vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibi-
lidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI: [...] c) a de dois
cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas.
18
Nesse sentido, veja-se a ementa do acórdão: Recurso em Mandado de Segurança.
Administrativo. Servidor público estadual. Enfermeira da Polícia Militar do Estado do
Rio de Janeiro. Cumulação com o cargo de enfermeira no Município do Rio de Janeiro.
Possibilidade. Interpretação sistemática dos artigos 37, inciso XVI, “c”, com o artigo 42,
§1º, e 142, §3º, II, todos da Constituição Federal. 1. Diante da interpretação sistemática dos
artigos 37, inciso XVI, alínea “c”, com o artigo 142, §3º, inciso I, da Constituição de 1988, é
possível a acumulação de dois cargos privativos na área de saúde, no âmbito das esferas
cível e militar, desde que o servidor público não desempenhe as funções tipicamente
exigidas para a atividade castrense, e sim atribuições inerentes a profissões de civis. 2.
Recurso conhecido e provido. (STJ. RMS nº 22.765/RJ, Rela. Mina. Maria Thereza de Assis
Moura, Sexta Turma, j. 03-08-2010, DJe, 23 ago. 2010).

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 20 10/03/2016 14:05:36


CAPÍTULO 1
SERVIDORES PÚBLICOS
21

Nesse ponto, também para ilustrar, o Supremo Tribunal Federal,


no âmbito do Recurso Extraordinário nº 182.811/MG, cujo Relator
fora o Ministro Gilmar Mendes,19 já reconheceu a possibilidade de
acumulação de cargos, por profissionais de saúde que possuem cargos
na área militar, em outras entidades públicas, de forma a equiparar os
servidores militares com os servidores civis, em controvérsia a respeito
da interpretação do art. 15, §2º, do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias.20
Faz-se importante registrar, também, acerca das modificações
trazidas pela Emenda Constitucional nº 19/98, a qual implementou uma
reforma administrativa do Estado brasileiro, cujas principais alterações
se referem à estabilidade dos servidores públicos, à remuneração dos
agentes públicos e à gestão da Administração.
Entre as inúmeras mudanças no texto constitucional, a Emenda
Constitucional nº 19 introduziu a forma de remuneração denominada
subsídio,21 para algumas categorias de agentes públicos, inclusive
agentes políticos, em substituição à remuneração ou vencimento.
Estão submetidos ao novel regime de remuneração os membros
de quaisquer dos poderes, os detentores de mandato eletivo, os
Ministros de Estado, os Secretários Estaduais e Municipais, os membros
do Ministério Público, os integrantes da Advocacia-Geral da União,
os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal, os Defensores
Públicos, os Ministros do Tribunal de Contas da União e, também, os
servidores policiais militares. Além disso, o art. 39, §8º, da Constituição
da República, faculta aos servidores públicos organizados em carreira

19
A controvérsia se resume à interpretação do artigo 17, §2º, do ADCT, o qual dispõe: “é
assegurado o exercício cumulativo de dois cargos ou empregos privativos de profissionais
de saúde que estejam sendo exercidos na administração pública direta ou indireta.” O
artigo amplia o benefício da acumulação de cargos, não o restringindo aos profissionais
da saúde militares ou civis, mas abrangendo-os, antecipando a alteração do artigo 37, XVI,
“c”, promovida pela Emenda Constitucional nº 34, de 13 de dezembro de 2001. (STF. RE nº
182.811, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, j. 30.05.2006, DJ, 30 jun. 2006).
20
Sobre o entendimento do Supremo Tribunal Federal, há de se ressaltar o posicionamento
contrário, capitaneado pela Ministra Ellen Gracie, de que a interpretação dos dispositivos
levaria à conclusão de que a autorização para acumulação de cargo estaria vinculada
apenas ao cargo de médico, a teor do artigo 17, §1º, do ADCT.
21
Trata-se de parcela remuneratória única, de caráter alimentar, paga pelo Estado em
virtude dos serviços prestados, devendo ser respeitado o disposto no art. 37, X e XI, que
diz respeito à necessidade de lei específica para a fixação ou majoração dos subsídios
e respeito ao teto remuneratório máximo. Cabe esclarecer que, embora a intenção do
constituinte tenha sido estabelecer parcela única, algumas parcelas, tais como o décimo
terceiro salário e o adicional de horas extras, bem como as indenizações, como as ajudas de
custo, por não configurarem remuneração, podem ser pagas também aos agentes públicos
que percebem subsídios.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 21 10/03/2016 14:05:36


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
22 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

serem remunerados mediante subsídios, conforme opção do legislador


de cada ente federativo.
Assim, é possível verificar que, se de um lado a Emenda Consti-
tucional nº 18 procurou retirar os militares da categoria dos servidores
públicos, por outro, a Emenda Constitucional nº 19 “reenquadrou, ainda
que indiretamente, os policiais militares no conceito de servidores, ao
afirmar que a remuneração dos servidores policiais militares será fixada
na forma de subsídio”.22
A respeito de considerar o militar servidor público, não vem
sendo outro o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, conforme
se observa no julgamento do Agravo Regimental no Recurso Ordinário
em Mandado de Segurança nº 26.772/MS,23 de relatoria do Ministro
Rogério Schietti Cruz.
Destarte, ante a equiparação dos militares aos servidores públicos
no tocante ao regime remuneratório trazido pela Emenda Constitucional
nº 19/98 e levando em consideração que os militares são agentes públicos,
como qualquer outro prestador de serviço ao Estado, o entendimento
mais pertinente é o de que o militar deve ser inserido no conceito de ser-
vidor público, ainda que a Emenda Constitucional nº 18 tenha retirado
esse sentido de forma unicamente literal, tendo a exclusão dos militares,
do capítulo destinado aos servidores públicos, caráter exclusivamente
terminológico.
Entretanto, trata-se de categoria especial de servidor, em razão,
principalmente, da destinação constitucional (defesa da pátria, dos
poderes constitucionais da lei e da ordem), e do regime jurídico peculiar,
definido por lei própria dos militares. Ademais, sujeitam-se a rígidas
regras, baseadas na hierarquia e na disciplina, sendo-lhes vedadas, a
título exemplificativo, a sindicalização e a greve, bem como a filiação
a partidos políticos aos militares em serviço ativo, nos termos do

22
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 35. ed. São Paulo: Malheiros,
2012. p. 704.
23
“Administrativo. Recurso ordinário em Mandado de Segurança. Servidor público militar
da reserva remunerada Lei Federal n. 6.880/80. Lei Complementar Estadual n. 53/90.
Proventos do posto imediatamente superior. Impossibilidade. 1. O Superior Tribunal
de Justiça tem entendimento no sentido de que a Lei Complementar estadual n. 53/90
não pode estabelecer condições que não se ajustem à legislação federal, sendo vedada,
assim, a promoção de militar, quando da sua transferência para a reserva, para que receba
proventos referentes ao grau imediatamente superior. Precedentes. 2. Agravo regimental
não provido” (STJ. AgRg no RMS nº 26.772/MS, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta
Turma, j. em 19.08.2014, DJe, 02 set. 2014).

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 22 10/03/2016 14:05:37


CAPÍTULO 1
SERVIDORES PÚBLICOS
23

art. 142, §3º, IV, V, da Constituição da República,24 ao passo que os


servidores civis são, seguramente, titulares desses direitos.
De forma semelhante, o ingresso dos militares na carreira também
é cercado de aspectos peculiares em relação aos requisitos exigidos pelos
estatutos e editais, haja vista que as especificidades da carreira autorizam
o legislador a estabelecer critérios diferenciados.
No âmbito do Estado de Minas Gerais, o art. 5º da Lei nº
5.301/1969, que contém o Estatuto dos Militares do Estado de Minas
Gerais, com a redação conferida pela Lei Complementar nº 95/07,25
estabelece as condições necessárias para o ingresso nas carreiras militares
no âmbito estatal, algumas delas inerentes à natureza das atribuições que
serão exercidas, tais como: idoneidade moral, idade compatível – qual
seja, entre dezoito e trinta anos de idade na data da inclusão, salvo para
os oficiais do Quadro de Saúde, cuja idade máxima permitida será de
trinta e cinco anos –, altura mínima de um metro e sessenta centímetros,
exceto para oficiais do Quadro de Saúde, aptidão física, aprovação em
avaliação psicológica, entre outras, verificadas após concurso público
de provas ou provas e títulos.

24
Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica,
são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia
e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à
defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes,
da lei e da ordem. [...] §3º Os membros das Forças Armadas são denominados militares,
aplicando-se-lhes, além das que vierem a ser fixadas em lei, as seguintes disposições: [...]
IV - ao militar são proibidas a sindicalização e a greve; V - o militar, enquanto em serviço
ativo, não pode estar filiado a partidos políticos;
25
Art. 5º. O ingresso nas instituições militares estaduais dar-se-á por meio de concurso
público, de provas ou de provas e títulos, no posto ou graduação inicial dos quadros
previstos no §1º do art. 13 desta Lei, observados os seguintes requisitos: I - ser brasileiro; II
- possuir idoneidade moral; III - estar quite com as obrigações eleitorais e militares; IV - ter
entre 18 e 30 anos de idade na data da inclusão, salvo para os oficiais do Quadro de Saúde,
cuja idade máxima será de 35 anos; V - possuir ensino médio completo ou equivalente;
VI - ter altura mínima de 1,60m (um metro e sessenta centímetros), exceto para oficiais do
Quadro de Saúde; VII - ter aptidão física; VIII - ser aprovado em avaliação psicológica; IX
- ter sanidade física e mental; X - não apresentar, quando em uso dos diversos uniformes,
tatuagem visível que seja, por seu significado, incompatível com o exercício das atividades
de policial militar ou de bombeiro militar.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 23 10/03/2016 14:05:37


CAPÍTULO 2

INVESTIDURA

2.1 Princípio da ampla acessibilidade aos cargos,


empregos e funções públicas
A Constituição da República estabelece, em seu art. 37, I, o
princípio da ampla acessibilidade, por meio do qual os cargos, empregos
e funções públicas são acessíveis aos brasileiros natos, naturalizados e
portugueses equiparados,26 que preencham os requisitos estabelecidos
em lei, e ainda aos estrangeiros, na forma da lei, de acordo com a redação
dada pela Emenda Constitucional nº 19/98.27
De outro lado, a norma inserta no inc. II do mesmo art. traz o
princípio28 do concurso público para a investidura em cargo ou emprego
público.29

26
Em que pese o dispositivo constitucional não se refira aos portugueses (art. 37, I, da CR),
ali eles devem ser compreendidos. Isso por força do Decreto Legislativo nº 82/71, que
trata da Convenção sobre Igualdade de Direitos e Deveres entre Brasileiros e Portugueses,
posteriormente promulgado pelo Decreto nº 70.391/72.
27
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da união, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: I - os cargos,
empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos
estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei;
28
O princípio em tela possui caráter deontológico, na medida em que torna obrigatória a
realização do concurso.
29
Art. 37. [...] II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia
em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 25 10/03/2016 14:05:37


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
26 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

Há, entretanto, exceções estabelecidas pelo legislador constituinte


para adequar o princípio do concurso público com a dinâmica da
máquina administrativa e do serviço público. Assim, são permitidas
duas formas de investidura em que se dispensa o concurso: (i) o cargo
em comissão declarado de livre nomeação e exoneração (art. 37, V);
(ii) a contratação por tempo determinado, para atender a necessidade
temporária de excepcional interesse público (art. 37, IX), cujos
regramentos serão elucidados em tópicos específicos.
Além dessas, há outras hipóteses pontuais previstas na
Constituição em que a investidura prescinde da realização de concurso
público. Enquadram-se nessas hipóteses os cargos de Ministro do
Supremo Tribunal Federal (art. 101), Ministros do Superior Tribunal
de Justiça, Tribunal Superior do Trabalho e Superior Tribunal Militar
(arts. 104, 111-A, 123), 1/5 (um quinto) dos membros dos Tribunais
Regionais Federais e dos Tribunais de Justiça Estaduais (art. 94), cargos
de Ministros do Tribunal de Contas da União e de Conselheiros dos
Tribunais de Contas dos Estados (arts. 73 e 75), além de cargos de
ocupação temporária no Tribunal Superior Eleitoral e nos Tribunais
Regionais Eleitorais (arts. 119 e 120), bem como de membros do Conselho
Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público (arts.
103-B e 130-A).

2.2 Concurso público


O concurso público de provas ou de provas e títulos é exigido
como requisito para a investidura em cargos e empregos públicos.
Com efeito, a Constituição busca, ao mesmo tempo, possibilitar a todos
os brasileiros e estrangeiros (na forma da lei) o acesso aos cargos e
empregos públicos, bem como, de outro lado, selecionar os candidatos
mais preparados para seu exercício.30

complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações


para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;
30
Celso Antônio Bandeira de Mello assim esclarece: “O que a Lei Magna visou com os
princípios da acessibilidade e do concurso público foi, de um lado, ensejar a todos iguais
oportunidades de disputar cargos ou empregos na Administração direta e indireta. De
outro lado, propôs-se a impedir tanto o ingresso sem concurso, ressalvadas as exceções
previstas na Constituição, quanto obstar a que o servidor habilitado por concurso para
cargo ou emprego de determinada natureza viesse depois a ser agraciado com cargo ou
emprego permanente de outra natureza, pois esta seria uma forma de fraudar a razão de
ser do concurso público” (In Curso de Direito Administrativo. 31. ed. São Paulo: Malheiros,
2014. p. 285-286).

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 26 10/03/2016 14:05:37


CAPÍTULO 2
INVESTIDURA
27

Todo concurso público tem como postulados os princípios da


isonomia, da moralidade e da competição, os quais servem de norte para
que o legislador infraconstitucional estabeleça regras sobre os concursos
públicos.31 Normas restritivas que se antagonizem com tais princípios
são inconstitucionais, como, por exemplo, a que veda a participação
no certame de pessoas do sexo feminino, exceto se pelas características
das atribuições do cargo o discrímen se justifique, assunto que será
abordado mais adiante. Daí se afirmar que tais princípios, por serem
de observância obrigatória para o legislador infraconstitucional, como
também para o administrador, têm natureza deontológica.

2.2.1 Critérios de seleção


A Emenda Constitucional nº 19/98, ao alterar a redação do inc. I,
do art. 37, da Constituição, possibilitou ao legislador infraconstitucional
estabelecer requisitos para acesso ao cargo público. Todavia, em
respeito aos princípios constitucionais aplicáveis, qualquer limitação
exigida deve ser de natureza objetiva, razoável e justificável, diante da
característica do cargo a ser ocupado.
Frise-se que somente o Poder Legislativo, por meio de ato
normativo primário, possui a prerrogativa de estabelecer condições
para o ingresso no serviço público,32 restringindo, portanto, o princípio
da ampla acessibilidade.
O edital do concurso é o instrumento administrativo que
conterá todas as regras e condições do certame, como, por exemplo,
a qualificação para o exercício do cargo e o conteúdo programático a
ser exigido nas provas. Compete à Administração nomear a comissão
examinadora, responsável pela organização das fases do concurso e
pela elaboração das questões. Os parâmetros exigidos devem se pautar
pela legalidade e em conformidade com as previsões editalícias, sendo
vedada ao Poder Judiciário análise que fuja à verificação da legalidade
do Edital e do cumprimento de suas normas pela banca responsável.33

31
CAETANO, Marcelo. Manual de Direito Administrativo. Lisboa: Coimbra Editora, 1973. v. II,
p. 638, apud CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 27. ed.
São Paulo: Atlas, 2014. p. 634.
32
STF. RE nº 559.823 Ag.Rg/DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Segunda Turma, j. em 27.11.2007,
DJ, 1º fev. 2008.
33
Em recente decisão, o Supremo Tribunal Federal, em consonância com a jurisprudência do
Superior Tribunal de Justiça, entendeu que critérios adotados por bancas examinadoras
não podem ser revistos pelo Poder Judiciário, cuja análise deve ser limitada às hipóteses
de ilegalidade e inconstitucionalidade. A decisão foi proferida no Recurso Extraordinário

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 27 10/03/2016 14:05:37


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
28 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

O Supremo Tribunal Federal, visando evitar abusos em previsões


editalícias, sem respaldo legal, editou a Súmula nº 14, com o seguinte
teor: “Não é admissível, por ato administrativo, restringir, em razão da
idade, inscrição em concurso para cargo público”. Ensina Adilson de
Abreu Dallari que esta súmula foi posteriormente reinterpretada, não
tendo sido, contudo, revogada. Explico: o regulamento pode estabelecer
critérios para o ingresso em cargo público, desde que as restrições sejam
estabelecidas nos limites do ato legislativo primário, cumprindo, assim,
sua função regulamentar.34
Nada impede, por exemplo, que o legislador estabeleça requisito
de idade para a investidura em determinado cargo público. A eleição da
idade adequada deve ser feita por meio de critérios objetivos, aferidos
em relação às atribuições do cargo, como, por exemplo, para o cargo
de policial civil, sendo vedada a adoção de parâmetros subjetivos. Este
entendimento foi consolidado pelo Pretório Excelso com a edição da
Súmula nº 683, que possui o seguinte enunciado: “o limite de idade
para a inscrição em concurso público só se legitima em face do art. 7º,
XXX, da Constituição, quando possa ser justificado pela natureza das
atribuições do cargo a ser preenchido”.
A Excelsa Corte firmou jurisprudência no sentido de que os
requisitos para habilitação e investidura em cargo público devem ser
cumpridos no momento da posse, e não da inscrição para o concurso
público,35 na mesma linha do entendimento consolidado pelo Superior
Tribunal de Justiça na Súmula nº 266.36
Como destacado alhures, o princípio da isonomia assume vital
importância, porque dele decorrem, de maneira lógica, condutas
específicas a serem seguidas pela Administração. Dentre elas se destaca a
exigência de que todos os candidatos devem ser submetidos às mesmas
regras e condições avaliativas.
Assim, condições pessoais de cada candidato não podem
prevalecer sobre as regras gerais estabelecidas para todos, sob pena

nº 632.853/CE, com repercussão geral, no qual se discutia a possibilidade de anulação


judicial de questões aplicadas em concurso público para o cargo de enfermeiro, que,
segundo alegações dos candidatos, apresentavam mais de uma assertiva correta (STF. RE nº
632.853 RG/CE, Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, j. em 23.04.2015, DJ, 29 jun. 2015.
34
DALLARI, Adilson Abreu. Regime Constitucional dos Servidores Públicos. 2. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1992. p. 32.
35
Cite-se, a título de exemplo: AI nº 418.727 ED/SP, Rel. Min. Roberto Barroso, Primeira
Turma, j. em 09.04.2014, DJ, 09 maio 2014.
36
Súmula nº 266. O diploma ou habilitação legal para o exercício do cargo deve ser exigido
na posse e não na inscrição para o concurso público.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 28 10/03/2016 14:05:37


CAPÍTULO 2
INVESTIDURA
29

de ofensa ao postulado igualitário e à supremacia do interesse público


sobre o privado, conforme já decidido pelo Supremo Tribunal Federal
no RE nº 630.733, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, julgado em
maio de 2013, com repercussão geral. No caso, o recorrente pretendia
a remarcação de teste de aptidão física em razão de problemas de
saúde ocorridos de forma inesperada na data agendada, alegando
suposta violação ao princípio da isonomia. A Suprema Corte decidiu
pela inexistência de direito subjetivo à remarcação das avaliações,
confirmando a constitucionalidade da cláusula editalícia que vedava
a realização de segunda chamada das provas, porque, ao contrário do
alegado, a proibição “confere eficácia ao princípio da isonomia à luz dos
postulados da impessoalidade e da supremacia do interesse público”.37
Outra questão interessante a ser destacada refere-se à constitu­
cionalidade da exigência de aprovação em avaliação psicológica. O
Supremo Tribunal Federal possui jurisprudência reiterada no sentido
de que o exame psicotécnico, como condição necessária ao acesso a
determinados cargos públicos de carreira, apresenta-se legítimo, nos
termos da Constituição da República, desde que presentes os seguintes
pressupostos: a) previsão em lei no sentido material e no edital; b)
objetividade dos parâmetros; e c) possibilidade de revisão do resultado.38
Entretanto, o telos a justificar referido exame é constatar a exis­
tência de incompatibilidade do concursando devido a algum traço de
sua personalidade que o incompatibilize com as atribuições do cargo. É
vedado estabelecer perfil para o cargo, sob pena de ofensa ao princípio
da ampla acessibilidade.
Os concursos públicos atraem grande número de aspirantes a
ocupar cargos e empregos públicos, com enorme competitividade entre

37
STF. RE nº 630.733, Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, j. em 15.05.2013, DJ, 20 nov.
2013, com repercussão geral.
38
Confira-se: Ementa: Mandado de Segurança. Conselho Nacional do Ministério Público.
Controle de legalidade de ato praticado pelo Ministério Público de Rondônia. Concurso
público. Exame psicotécnico. Previsão em lei. Critérios objetivos. Ordem denegada. I – O art.
5º, I, da Lei 12.016/2009 não configura uma condição de procedibilidade, mas tão somente
uma causa impeditiva de que se utilize simultaneamente o recurso administrativo com
efeito suspensivo e o mandamus. II – A questão da legalidade do exame psicotécnico nos
concursos públicos reveste-se de relevância jurídica e ultrapassa os interesses subjetivos
da causa. III – A exigência de exame psicotécnico, como requisito ou condição necessária
ao acesso a determinados cargos públicos, somente é possível, nos termos da Constituição
Federal, se houver lei em sentido material que expressamente o autorize, além de previsão
no edital do certame. IV – É necessário um grau mínimo de objetividade e de publicidade
dos critérios que nortearão a avaliação psicotécnica. A ausência desses requisitos torna o
ato ilegítimo, por não possibilitar o acesso à tutela jurisdicional para a verificação de lesão
de direito individual pelo uso desses critérios V - Segurança denegada (STF. MS nº 30822/
DF. Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, j. em 05.06.2012, DJe, 26 jun. 2012).

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 29 10/03/2016 14:05:37


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
30 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

eles. Por tal razão, são comuns as demandas judiciais envolvendo os


concorrentes, situações que rendem ensejo a decisões que, não raro,
determinam o prosseguimento do candidato no certame de forma
precária.39 É usual que sejam nomeados para os cargos ou empregos
sem que haja decisão definitiva, circunstância que gera o exercício
das funções inerentes por longos períodos. Diante disso, é corriqueiro
que, mesmo após julgamento desfavorável, os candidatos nomeados
provisoriamente pretendam a posse definitiva no cargo ou emprego,
com arrimo na teoria do fato consumado.
A teoria do fato consumado surgiu no direito administrativo no
intuito de equilibrar, considerando o transcurso de considerável lapso
temporal, os princípios da legalidade e da igualdade com a necessidade
de estabilização das relações sociais – segurança jurídica.
Nessa ponderação de princípios, o ponto de equilíbrio desloca-se
em relação de proporção com o tempo: quanto maior a distância entre o
início de produção de efeitos do ato irregular e a sua retirada do sistema,
maior peso atribui-se à segurança jurídica; inversamente, quanto
menor o tempo decorrido, maior o peso da legalidade e da igualdade,
a determinar o desfazimento do ato contrário ao ordenamento.
Invocando a aplicação dessa teoria, em caso excepcional, o
Superior Tribunal de Justiça, a despeito de ressalvar o desacerto de
decisão judicial precária que atacou a legitimidade do ato administrativo
de desclassificação de candidato, não a revogou, em virtude de os seus
efeitos se haverem postergado no tempo, resultando no exercício das
funções inerentes ao cargo pelo interessado por mais de 10 anos.40

39
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 27. ed. São Paulo:
Atlas, 2014. p. 633.
40
Confira-se: Administrativo. Agravo Regimental no Recurso Especial. Concurso público
para o cargo de delegado da Polícia Federal. Candidato reprovado no teste físico e que
permaneceu no certame por força de decisão judicial. Exercício do cargo há mais de 10
anos. Aplicação da teoria do fato consumado. Situação consolidada pelo decurso do
tempo. Agravo Regimental da União desprovido. 1. Segundo a orientação jurisprudencial
consolidada desta Corte Superior, não se aplica a teoria do fato consumado nas hipóteses
em que o candidato permanece no certame por força de decisão judicial concedida a título
precário; na presente demanda, contudo, em face de suas peculiaridades fáticas, deve ser
flexibilizado esse entendimento. 2. In casu, o recorrente, após ter sido reprovado no teste
físico para provimento do cargo de Delegado de Polícia Federal, teve assegurado o seu
direito de permanecer no certame por força de decisão judicial, estando no exercício do
cargo há mais de 10 anos, motivo pelo qual impõe-se reconhecer que a situação fática está
consolidada no tempo; ademais, durante o decênio de exercício funcional, não se registra
contra o Servidor qualquer deficiência operacional ou insuficiência de desempenho que
se possa atribuir àquele insucesso do passado. 3. Apesar de respeitáveis pronunciamentos
em contrário, deve-se prestigiar a conservação de situações jurídicas que o fluir irreparável
do tempo produz, inclusive pelos seus efeitos favoráveis à pacificação das relações
sociais; se essas situações permanecessem sempre modificáveis, se implantaria o reino de

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 30 10/03/2016 14:05:37


CAPÍTULO 2
INVESTIDURA
31

Sucede que esse mesmo Sodalício, colocando em relevo o princípio


da isonomia, passou a rever a possibilidade de incidência da teoria do
fato consumado em casos semelhantes. Isso porque sua aplicação resulta
na instituição de situação de desigualdade inadmissível, haja vista que
o ingresso do candidato nos quadros da Administração causou prejuízo
para os demais que concorreram cumprindo todos os requisitos e etapas
indispensáveis para o acesso ao cargo pleiteado.
Por outro lado, não se pode perder de vista que a provisoriedade
constitui característica intrínseca das medidas antecipatórias de tutela,
que, além de correrem por conta e risco de quem as requer, podem
ser revogadas a qualquer tempo, com automático efeito retroativo (ex
tunc). Exatamente por isso, sua concessão não se revela hábil a conferir
qualquer segurança ou estabilidade à relação a que se refere.
Seguindo essa linha, o Supremo Tribunal Federal, recentemente,
negou provimento a recurso extraordinário, com repercussão geral
reconhecida – o que implica a vinculação da tese para os demais órgãos
do Poder Judiciário –, consignando que “a posse ou o exercício em cargo
público por força de decisão judicial de caráter provisório não implica a
manutenção, em definitivo, do candidato que não atende a exigência de
prévia aprovação em concurso público”, não podendo, dessa forma, ser
alegado o princípio da confiança legítima, em virtude da provisoriedade
da decisão judicial, que, na visão da Corte Suprema, deve ser, por curso
natural, revogada.41

2.2.2 Prazo de validade e nomeação


Segundo a norma inserta no art. 37, III, da Constituição da
República, “o prazo de validade do concurso público será de até dois
anos, prorrogável uma vez por igual período”. Daí se infere que o prazo

insegurança e da intranquilidade, com prejuízos visíveis à própria ordem pública. 4. Em


respeito ao princípio da segurança jurídica nas relações de Direito Público, em contraste
com a aplicação pura e simples do princípio da legalidade, é salutar que se assegure a
manutenção de situações jurídicas colmatadas ex ope temporis, como no caso. 5. Agravo
Regimental da UNIÃO desprovido (STJ. AgRg no REsp nº 1223220/RJ, Rel. Min. Napoleão
Nunes Maia Filho, Primeira Turma, j. em 17.04.2012, DJe, 09 maio 2012).
41
STF. Ementa: Administrativo. Responsabilidade civil do Estado. Investidura em cargo
público por força de decisão judicial. 1. Tese afirmada em repercussão geral: na hipótese
de posse em cargo público determinada por decisão judicial, o servidor não faz jus a
indenização, sob fundamento de que deveria ter sido investido em momento anterior,
salvo situação de arbitrariedade flagrante. 2. Recurso extraordinário provido (RE nº
724.347, Relator: Min. Marco Aurélio, Relator p/ Acórdão: Min. Roberto Barroso, Tribunal
Pleno, j. em 26.02.2015, Acórdão Eletrônico Repercussão Geral - Mérito DJe-088, divulg
12.05.2015, public 13.05.2015).

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 31 10/03/2016 14:05:37


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
32 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

de prorrogação deve ser necessariamente igual àquele estabelecido


inicialmente pelo instrumento de convocação. Assim, se o período
previsto para o certame for de 02 (dois) anos, por exemplo, a prorrogação
deverá ser feita também por 02 (dois) anos.
Ressalte-se que a possibilidade de prorrogação do prazo
deve constar da lei ou do edital, e configura opção discricionária da
Administração. Contudo, já decidiu o Supremo Tribunal Federal que,
conquanto a Administração não seja obrigada a prorrogar o prazo
de validade do certame, se criadas novas vagas (durante o prazo
inicialmente estabelecido), é razoável que se proceda a essa prorrogação,
para que os candidatos aprovados sejam aproveitados.42
A Constituição estabelece ainda que, durante o prazo de validade
do certame, o candidato aprovado deve ser convocado com precedência
sobre candidatos aprovados em novo concurso, observando-se a ordem
de classificação (art. 37, IV).
Questão que gerou grande discussão diz respeito à discricio­
nariedade da Administração para a nomeação dos aprovados.
Durante certo período, predominava na doutrina e jurisprudência
dos Tribunais Superiores o entendimento de que o candidato aprovado
possuía mera expectativa de direito à nomeação, ainda que o edital
estabelecesse o número de vagas.
O direito subjetivo à nomeação, contudo, foi reconhecido em casos
de preterição do candidato, mediante a comprovação da necessidade
da vaga pela Administração. Nessa linha, foi caracterizada a preterição
quando a nomeação de candidato foi realizada com desrespeito à ordem
classificatória. A questão foi consolidada com a edição da Súmula nº
15 do STF: “Dentro do prazo de validade do concurso, o candidato
aprovado tem o direito à nomeação, quando o cargo for preenchido
sem observância da classificação”.43

42
Assim: Concurso público. Criação, por lei federal, de novos cargos durante o prazo de va-
lidade do certame. Posterior regulamentação editada pelo TSE a determinar o aproveita-
mento, para o preenchimento daqueles cargos, de aprovados em concurso que estivesse em
vigor à data da publicação da lei. A Administração, é certo, não está obrigada a prorrogar
o prazo de validade dos concursos públicos; porém, se novos cargos vêm a ser criados, du-
rante tal prazo de validade, mostra-se de todo recomendável que se proceda a essa prorro-
gação. Na hipótese de haver novas vagas, prestes a serem preenchidas, e razoável número
de aprovados em concurso ainda em vigor quando da edição da lei que criou essas novas
vagas, não são justificativas bastantes para o indeferimento da prorrogação da validade de
certame público razões de política administrativa interna do TRE que realizou o concurso
(RE nº 581.113, Rel. Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, j. em 05.04.2011, DJ, 31 maio 2011).
No mesmo sentido: RE nº 779.117-AgR, Rela. Mina. Cármen Lúcia, Segunda Turma, j. em
04.02.2014, DJE, 14 fev. 2014.
43
Confira-se: “A aprovação em concurso não gera direito à nomeação, constituindo mera
expectativa de direito. Esse direito somente surgirá se for nomeado candidato não aprovado

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 32 10/03/2016 14:05:37


CAPÍTULO 2
INVESTIDURA
33

A preterição também foi caracterizada em casos onde ocorreram


contratações precárias para o preenchimento das vagas existentes em
detrimento dos candidatos aprovados,44 ou ainda quando, na vigência do
concurso anterior, é aberto novo certame, quando se mostra comprovada
a necessidade da vaga.
Frise-se que a preterição pressupõe ato espontâneo da Adminis-
tração, e por tal razão não se consubstancia quando a nomeação se deu
em decorrência de decisão judicial.45
Todavia, não se pode olvidar que o edital público vincula a
Administração em todos os seus termos, assim como também vincula
os interessados que se inscreveram no certame. Nesse contexto, quando
o administrador, ao elaborar o edital do concurso, prevê nele certo
número de vagas, surge para os aprovados, na ordem de classificação
correspondente, o direito subjetivo à nomeação dentro do prazo de
validade do certame.
A força da argumentação daqueles que entenderam a tese
da existência do direito subjetivo dos candidatos aprovados está no
pressuposto de que a abertura do concurso denota a necessidade do
preenchimento dos cargos vagos existentes. O direito surge porque
ao publicar o número de vagas existentes a Administração vincula-se,
dentro do prazo de validade, a nomear os aprovados, de forma que
a recusa imotivada à nomeação afronta o princípio da proteção da
confiança.
De fato, a exigência constitucional de realização do concurso
público é devidamente respeitada quando o Poder Público realiza o
certame com respeito a garantias fundamentais. Assim, “ao lado das
garantias de publicidade, isonomia, transparência, impessoalidade,
entre outras, o direito à nomeação representa também uma garantia
fundamental da plena efetividade do princípio do concurso público”,

no concurso ou se houver o preenchimento de vaga sem observância de classificação


do candidato aprovado” (STF. MS nº 21.870, Rel. Min. Carlos Velloso, Tribunal Pleno, j.
em 07.10.1994, DJ, 19 dez. 1994). No mesmo sentido: STF. AI nº 452.831-AgR, Rel. Min.
Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, j. em 15.02.2005, DJ, 11 mar. 2005; RE nº 421.938, Rel.
Min. Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, j. em 09.05.2006, DJ, 02 fev. 2006. Vide: AI nº
777.644-AgR, Rel. Min. Eros Grau, Segunda Turma, j. em 20.04.2010, DJ, 14 maio 2010.
44
Concurso público. Terceirização de vaga. Preterição de candidatos aprovados. Direito à
nomeação. [...] Uma vez comprovada a existência da vaga, sendo esta preenchida, ainda
que precariamente, fica caracterizada a preterição do candidato aprovado em concurso
(STF. AI nº 777.644-AgR, Rel. Min. Eros Grau, Segunda Turma, j. em 20.04.2010, DJ, 14
maio 2010).
45
Nesse sentido: STF. RE nº 594.917-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma,
j. em 09.11.2010, DJE, 25 nov. 2010; RE nº 437.403-AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda
Turma, j. em 28.03.2006, DJE, 05 maio 2006.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 33 10/03/2016 14:05:37


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
34 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

conforme afirmado pelo Ministro Gilmar Mendes, relator do RE nº


598.099.46
Não se subtrai, totalmente, o juízo de conveniência e oportunidade
da Administração Pública. Na realidade, referido juízo já foi feito no
momento de elaboração do edital, quando se chegou a estabelecer o
número de vagas. Entretanto, uma vez fixado o número de vagas, a
discricionariedade limita-se em razão da existência do direito subjetivo
à nomeação dos candidatos aprovados e classificados, que deve ocorrer
até a expiração do período de validade do certame.
A Administração, portanto, dentro do prazo de validade do
concurso, pode escolher o momento em que fará a nomeação, mas
não poderá, nessas condições, negar a própria nomeação, que passa
a ser direito subjetivo do candidato e dever do Poder Público, sempre
respeitada a ordem de classificação.
Há situações, entretanto, que podem justificar a recusa
da Administração em nomear novos servidores. Dessa forma, a
situação justificadora somente se legitima se apresentar as seguintes
características: (i) os fatos ensejadores da situação excepcional devem ser
necessariamente posteriores à publicação do edital; (ii) as circunstâncias
devem ser imprevisíveis à época da abertura do certame; (iii) os
acontecimentos devem ser de gravidade relevante, a ponto de gerar
onerosidade excessiva ou mesmo impossibilidade de cumprimento
das regras editalícias; (iv) a solução deve ser a única possível, de forma
que não haja outros meios menos gravosos para solucionar a situação
excepcional. De qualquer modo, ressalta o Ministro, a decisão deve
sempre ser devidamente motivada, possibilitando assim o controle por
parte do Poder Judiciário.47

46
STF. RE nº 598.099, Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, j. em 10.08.2011, DJ, 03 out.
2011, com repercussão geral.
47
STF. [...] Dentro do prazo de validade do concurso, a administração poderá escolher o mo-
mento no qual se realizará a nomeação, mas não poderá dispor sobre a própria nomeação,
a qual, de acordo com o edital, passa a constituir um direito do concursando aprovado e,
dessa forma, um dever imposto ao Poder Público. Uma vez publicado o edital do concurso
com número específico de vagas, o ato da administração que declara os candidatos aprova-
dos no certame cria um dever de nomeação para a própria administração e, portanto, um
direito à nomeação titularizado pelo candidato aprovado dentro desse número de vagas.
[...] O dever de boa-fé da administração pública exige o respeito incondicional às regras do
edital, inclusive quanto à previsão das vagas do concurso público. Isso igualmente decorre
de um necessário e incondicional respeito à segurança jurídica como princípio do Estado
de Direito. Tem-se, aqui, o princípio da segurança jurídica como princípio de proteção à
confiança. Quando a administração torna público um edital de concurso, convocando to-
dos os cidadãos a participarem de seleção para o preenchimento de determinadas vagas no
serviço público, ela impreterivelmente gera uma expectativa quanto ao seu comportamen-
to segundo as regras previstas nesse edital. Aqueles cidadãos que decidem se inscrever

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 34 10/03/2016 14:05:38


CAPÍTULO 2
INVESTIDURA
35

Em outras palavras, tendo sido anunciada a existência de vagas no


edital, seu preenchimento é direito subjetivo dos candidatos aprovados
dentro desse limite, salvo se a Administração, de maneira motivada,
demonstrar alteração no quadro fático, a justificar a desnecessidade de
provimento dos cargos.
Essa vinculação, contudo, não existe em relação às vagas que
surgirão durante o prazo de validade do concurso, por se tratar de fato
superveniente, que, por si só, não pode servir de fundamento fático a
justificar a necessidade do provimento de cargos. Situação outra estaria
no fato de, se escoado o prazo de validade do concurso, a Administração
abrisse outro edital para preenchimento das vagas surgidas durante
aquele prazo.
O Superior Tribunal de Justiça tem entendimento no sentido de
que a aprovação do candidato além do número de vagas inicialmente
previstas no edital do concurso público confere-lhe o direito subjetivo

e participar do certame público depositam sua confiança no Estado administrador, que


deve atuar de forma responsável quanto às normas do edital e observar o princípio da
segurança jurídica como guia de comportamento. Isso quer dizer, em outros termos, que o
comportamento da administração pública no decorrer do concurso público deve se pautar
pela boa-fé, tanto no sentido objetivo quanto no aspecto subjetivo de respeito à confiança
nela depositada por todos os cidadãos. [...] Quando se afirma que a administração pública
tem a obrigação de nomear os aprovados dentro do número de vagas previsto no edital,
deve-se levar em consideração a possibilidade de situações excepcionalíssimas que justifi-
quem soluções diferenciadas, devidamente motivadas de acordo com o interesse público.
Não se pode ignorar que determinadas situações excepcionais podem exigir a recusa da
administração pública de nomear novos servidores. Para justificar o excepcionalíssimo
não cumprimento do dever de nomeação por parte da administração pública, é necessário
que a situação justificadora seja dotada das seguintes características: a) Superveniência:
os eventuais fatos ensejadores de uma situação excepcional devem ser necessariamente
posteriores à publicação do edital do certame público; b) Imprevisibilidade: a situação
deve ser determinada por circunstâncias extraordinárias, imprevisíveis à época da pu-
blicação do edital; c) Gravidade: os acontecimentos extraordinários e imprevisíveis de-
vem ser extremamente graves, implicando onerosidade excessiva, dificuldade ou mesmo
impossibilidade de cumprimento efetivo das regras do edital; d) Necessidade: a solução
drástica e excepcional de não cumprimento do dever de nomeação deve ser extremamente
necessária, de forma que a administração somente pode adotar tal medida quando abso-
lutamente não existirem outros meios menos gravosos para lidar com a situação excep-
cional e imprevisível. De toda forma, a recusa de nomear candidato aprovado dentro do
número de vagas deve ser devidamente motivada e, dessa forma, passível de controle
pelo Poder Judiciário. [...] Esse entendimento, na medida em que atesta a existência de um
direito subjetivo à nomeação, reconhece e preserva da melhor forma a força normativa do
princípio do concurso público, que vincula diretamente a administração. [...] O princípio
constitucional do concurso público é fortalecido quando o Poder Público assegura e ob-
serva as garantias fundamentais que viabilizam a efetividade desse princípio. Ao lado das
garantias de publicidade, isonomia, transparência, impessoalidade, entre outras, o direito
à nomeação representa também uma garantia fundamental da plena efetividade do princí-
pio do concurso público. [...] (STF. RE nº 598.099, Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno,
j. em 10.08.2011, DJ, 03 out. 2011, com repercussão geral).

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 35 10/03/2016 14:05:38


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
36 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

à nomeação para o respectivo cargo se, durante o prazo de validade


do certame, surgirem novas vagas, seja em virtude da criação de
novos cargos mediante lei, seja em virtude de vacância decorrente de
exoneração, demissão ou aposentadoria, entre outros.48
A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, contudo,
entendeu que, nesse caso, não há falar-se em direito subjetivo, mas
sim em expectativa de direito à nomeação, ainda que posteriormente
sejam criadas novas vagas. Nesse ponto, consignou o Ministro Luiz Fux,
no julgamento do ARE nº 757.978/MG, que “a criação de novas vagas
durante o prazo de validade de concurso não gera, automaticamente,
direito à nomeação dos candidatos aprovados fora das vagas do edital,
salvo se comprovados arbítrios ou preterições”.49

48
Administrativo. Concurso público. Coordenador Parlamentar da Câmara Municipal.
Aprovação dentro do cadastro de reserva previsto em edital. Abertura de nova vaga
no prazo de validade do certame. Direito à nomeação. [...] 3. Esta Corte Superior adota
entendimento segundo o qual a regular aprovação em concurso público fora do número de
vagas previstas no edital confere ao candidato mera expectativa de direito à nomeação. 4.
A jurisprudência desta Corte Superior também reconhece que a classificação e aprovação
do candidato, ainda que fora do número mínimo de vagas previstas no edital do concurso,
confere-lhe o direito subjetivo à nomeação para o respectivo cargo se, durante o prazo de
validade do concurso, houver o surgimento de novas vagas, seja por criação de lei ou por
força de vacância. Ressalta-se que há a aplicação de tal entendimento mesmo que não haja
previsão editalícia para o preenchimento das vagas que vierem a surgir durante o prazo
de validade do certame. Precedente: RMS 32105/DF, Rel. Ministra ELIANA CALMON,
SEGUNDA TURMA, julgado em 19/08/2010, DJe 30/08/2010. 5. No presente caso, a
candidata Márcia Farah Elias foi aprovada em 1º lugar, mas teve a sua posse indeferida
por não comprovar o lapso temporal exigido pelo edital, de 05 anos de inscrição na Ordem
dos Advogados do Brasil. Diante do ocorrido, a referida candidata impetrou mandado
de segurança para garantir a posse no cargo em questão, cuja ordem foi denegada pelo
Juiz de Primeira Instância e mantida pelo Tribunal, tendo transitado em julgado em 2012,
conforme informação de fls. 337. 6. Em razão do indeferimento da posse da 1ª colocada,
a ora recorrente, classificada em 2º lugar, também, apresentou mandado de segurança,
alegando a existência de direito subjetivo à posse no cargo de Coordenador Parlamentar,
uma vez que a única vaga prevista no edital não fora preenchida (STJ. REsp nº 1359516/SP,
Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, j. em 16.05.2013, DJ, 22 maio 2013).
49
Segue a ementa do julgado: Agravo Regimental no Recurso Extraordinário com
Agravo. Administrativo. Concurso público. Novas vagas criadas por lei na vigência de
concurso válido. Candidato aprovado fora do número de vagas do edital. Preterição não
caracterizada. Direito subjetivo à nomeação. Inexistência. Precedentes. Necessidade do
reexame do conjunto fático-probatório. Incidência da Súmula 279/STF. 1. A preterição
do candidato em concurso público, quando aferida pelas instâncias ordinárias, não
pode ser revista pela E. Suprema Corte, em face da incidência da Súmula 279/STF que
dispõe, verbis: “Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário”. 2. O
recurso extraordinário não se presta ao exame de questões que demandam revolvimento
do contexto fático-probatório dos autos, adstringindo-se à análise da violação direta da
ordem constitucional. 3. A jurisprudência do STF já firmou entendimento no sentido de
que tem direito subjetivo à nomeação o candidato aprovado dentro das vagas previstas
no edital do concurso público a que se submeteu. Nestes casos, a Administração tem
um dever de nomeação, salvo situações excepcionalíssimas plenamente justificadas.
Contudo, a criação de novas vagas durante o prazo de validade de concurso não gera,

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 36 10/03/2016 14:05:38


CAPÍTULO 2
INVESTIDURA
37

A questão foi reconhecida em repercussão geral em recente


julgamento, sem deliberação sobre o mérito até o fechamento desta
edição.50
De outro lado, o direito à nomeação é reconhecido para
candidatos aprovados, mas não classificados dentro do número de
vagas estabelecido no edital, desde que caracterizada a preterição, nos
mesmos moldes já explicitados.51

2.2.3 Reserva de vagas


O postulado isonômico assume fundamental importância no que
concerne ao acesso aos cargos e empregos públicos, pois se buscam,
por meio do concurso, aqueles que preencham as condições legais e
intelectuais para o exercício do cargo.
Referido princípio, para conferir igualdade de condições a
pessoas que, devido às circunstâncias sociais ou físicas, se encontram
em desvantagem, autoriza o legislador a estabelecer critérios que têm
por objetivo afastar a condição desfavorável de modo a permitir que as
pessoas possam concorrer em igualdade de condições, ou seja, trata de
forma desigual os desiguais, para prevalecer o postulado da igualdade
material.

automaticamente, direito à nomeação dos candidatos aprovados fora das vagas do edital,
salvo se comprovados arbítrios ou preterições. Precedentes. [...] (STF. ARE nº 757978 AgR/
MG, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, j. em 25.02.2014, DJ, 07 abr. 2014).
50
Ementa: Recurso Extraordinário. Administrativo. Controvérsia sobre o direito subjetivo
à nomeação de candidatos aprovados fora do número de vagas previstas no edital de
concurso público no caso de surgimento de novas vagas durante o prazo de validade do
certame. Tema 784. Repercussão geral reconhecida (STF. RE nº 837.311 RG/PI, Rel. Min.
Luiz Fux. j. em 20.11.2014, DJ, 02 dez. 2014).
51
STJ: Administrativo e Processual Civil. Agravo Regimental no Agravo em Recurso Espe-
cial. Dissídio jurisprudencial não demonstrado. Súmula 284/STF. Candidata aprovada
fora do número de vagas previsto no edital do certame. Comprovação de ocorrência de
contratação temporária dentro do prazo de validade do concurso. Preterição. Direito sub-
jetivo à nomeação. Acórdão recorrido no mesmo sentido da jurisprudência deste Tribunal.
Agravo Regimental do Estado da Paraíba desprovido. [...] 3. A mera expectativa de direito
se transforma em direito subjetivo à nomeação para os candidatos aprovados fora do nú-
mero de vagas previsto no edital do concurso público nas seguintes hipóteses: (a) viola-
ção da ordem de classificação dos candidatos nomeados, em desfavor do requerente; (b)
contratação de outra(s) pessoa(s) de forma precária para esta(s) vaga(s), ainda na vigência
deste concurso público; e (c) abertura de novo certame ainda na vigência do anterior. 4.
In casu, as instâncias de origem reconheceram o direito subjetivo da agravada à nomea-
ção em razão da comprovação de que, durante o prazo de validade do concurso, houve
a contratação temporária em preterição aos candidatos aprovados em concurso público.
[...] (STJ. AgRg no AREsp nº 432.638/PB, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira
Turma, j. 16.06.2014, DJ, 04 ago. 2014).

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 37 10/03/2016 14:05:38


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
38 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

Destarte, a Constituição, ao conferir primazia ao princípio da


igualdade material, introduziu no sistema pátrio ação afirmativa em
relação às pessoas portadoras de deficiência, quando estabelece, em seu
art. 37, VIII, que a lei deve reservar percentual dos cargos e empregos
públicos a serem especificamente ocupados.
Cabe ao legislador, em todos os níveis federativos, definir
o percentual a ser reservado, pois a norma constitucional não é
autoaplicável.
Assim, na esfera da União, o Decreto nº 3.298/99, que regulamenta
a Lei nº 7.853/89 (instituidora da Política Nacional para a Integração
da Pessoa Portadora de Deficiência), assegura, a título de percentual
mínimo, 5% (cinco por cento) das vagas oferecidas, sendo que, em caso
de número fracionado, deve-se elevar o número de vagas até o primeiro
número inteiro subsequente.52 De outro lado, a Lei nº 8.112/90 estabelece
a reserva de até 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas.
A Constituição do Estado de Minas Gerais prevê, nos moldes da
Constituição da República, que a lei deve reservar percentual de cargos
e empregos públicos para pessoas portadoras de deficiência, e, nessa
seara, a Lei Mineira nº 11.867/95 obriga a Administração a reservar 10%
(dez por cento) dos cargos ou empregos públicos para tal desiderato.
Por sua vez, o Decreto Estadual nº 42.257/02 estabelece percentual
mínimo de 10% (dez por cento) do total de vagas oferecidas no edital
do concurso público.
A exigência da reserva das vagas para deficientes se baseia na
discriminação notada contra pessoas com necessidades especiais, com
claro intuito de proteção deste segmento social. Importante frisar,
todavia, que a determinação constitucional não exclui a necessidade
de cumprimento dos requisitos mínimos exigidos para a investidura
no serviço público. Por tal razão é que a norma confere competência
ao Poder Legislativo para definir os critérios de admissão da pessoa
portadora de deficiência, a fim de se evitar que lhe seja assegurado
exercício de cargo para o qual não haja a devida capacitação.53

52
Decreto nº 3.298/99: Art. 37. Fica assegurado à pessoa portadora de deficiência o direito de
se inscrever em concurso público, em igualdade de condições com os demais candidatos,
para provimento de cargo cujas atribuições sejam compatíveis com a deficiência de que é
portador. §1º. O candidato portador de deficiência, em razão da necessária igualdade de
condições, concorrerá a todas as vagas, sendo reservado no mínimo o percentual de cinco
por cento em face da classificação obtida. §2º. Caso a aplicação do percentual de que trata
o parágrafo anterior resulte em número fracionado, este deverá ser elevado até o primeiro
número inteiro subseqüente.
53
ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Princípios Constitucionais dos Servidores Públicos. São
Paulo: Saraiva, 1999. p. 212-213.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 38 10/03/2016 14:05:38


CAPÍTULO 2
INVESTIDURA
39

Nesse ponto, o Supremo Tribunal Federal, em acórdão de relatoria


do Ministro Celso de Mello reconheceu o direito das pessoas detentoras
de necessidades especiais à investidura no serviço público, diante da
aprovação prévia no concurso, desde que a “deficiência não se revele
absolutamente incompatível com as atribuições funcionais inerentes ao
cargo ou ao emprego público”.54
Com efeito, o portador de deficiência possui o direito de
participar do concurso dentro das vagas reservadas, realizando todas
as fases previstas, mas desde que em igualdade de condições com os
demais participantes. Não se admite, dessa forma, adoção de critérios
diferenciados para os concorrentes, que devem se submeter ao mesmo
processo de avaliação, sob pena de se consagrar discriminação às
avessas, em frontal desrespeito ao princípio da igualdade. A Oitava
Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais deu
provimento a recurso de apelação para garantir ao candidato portador
de deficiência que participasse de todas as etapas do certame, nas
mesmas condições dos demais concorrentes. No caso, o apelante fora
sumariamente eliminado do concurso para investidura em cargo de
guarda municipal, por suposição da banca examinadora de que seria
reprovado na avaliação física, em virtude da incompatibilidade de sua
deficiência com as atribuições exigidas para o trabalho.55
A reserva de vagas em concursos públicos para negros e índios
é outra questão que merece ser destacada. A adoção da ação afirmativa
para ingresso em universidades foi declarada constitucional pelo

54
STF. RMS nº 32.732 AgR, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, j. em 03.06.2014, DJ, 1º
ago. 2014.
55
Transcreve-se a ementa do julgado: Ementa: Administrativo. Concurso público. Ilegiti-
midade passiva da entidade responsável pela execução do certame. Aprovação em vaga
destinada a portador de deficiência. Agente de Guarda Municipal. Direito do candidato
portador de deficiência de participar de todas as fases do certame. Eliminação sumária.
Impossibilidade. STF. Precedentes. Recurso de apelação provido. 1. A Fundação Guima-
rães Rosa é parte ilegítima para figurar no pólo passivo da presente demanda, pois a enti-
dade é responsável pela mera execução do concurso, realizando apenas atos de natureza
material. 2. A Constituição de 1988 obriga à reserva de vagas em concursos públicos aos
portadores de deficiência, conforme art. 37, VIII. Ação afirmativa que visa à inserção e
integração do portador de deficiência à sociedade. Tratamento diferenciado na busca pela
isonomia material. 3. O candidato portador de deficiência possui direito de participar
de todas as fases do certame, não se admitindo sua eliminação sumária por suposição
de que sua deficiência é incompatível com as funções exigidas para o cargo. STF. Pre-
cedente. 5. Recurso de apelação provido para declarar o direito do apelante a realizar o
exame físico necessário para aprovação no cargo de guarda municipal (TJMG. AC/RN
nº 1.0372.08.034873-6/001, Rel. Des. Bitencourt Marcondes, Oitava Câmara Cível, j. em
13.02.2014, DJe, 24 fev. 2014).

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 39 10/03/2016 14:05:38


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
40 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

Supremo Tribunal Federal,56 e, desde então, tornou-se frequente a


discussão acerca das cotas raciais também para concursos públicos.
Nessa linha, alguns estados brasileiros aprovaram leis reservando
percentual das vagas para negros e índios, a exemplo de Rio de Janeiro,
Paraná e Mato Grosso do Sul.57
Consigne-se que recente decisão proferida pelo Órgão Especial do
Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro declarou formalmente
inconstitucional a Lei nº 6.740/14, que estendia cotas raciais para concur-
sos realizados pelos Poderes Judiciário, Legislativo, Ministério Público e
Tribunal de Contas, por vício de iniciativa. No caso, o processo legislativo
fora deflagrado por parlamentares estaduais, sendo que, por se tratar de
matéria atinente a servidor público, a iniciativa competia privativamente
ao Chefe do Poder Executivo.58 A reserva de vagas anteriormente esta-
belecida na Lei nº 6.067/11 (exclusivamente para concursos realizados
no âmbito do Poder Executivo), contudo, permanece em vigor, pois o
diploma normativo teve sua constitucionalidade material confirmada
pelo referido órgão julgador.59
No âmbito federal, a Lei nº 12.990, promulgada em junho de 2014,
reserva aos afrodescendentes 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas
nos concursos públicos a serem realizados na Administração Direta e
Indireta da União. A norma inserta no art. 3º do diploma aprovado
determina que esses candidatos concorrerão tanto às vagas a eles
reservadas como também àquelas destinadas à ampla concorrência.60

56
STF. ADPF nº 186/DF. Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, j. em 26.04.2012,
DJe, 20 out. 2014.
57
O Paraná aprovou, em 2003, a Lei nº 14.274, reservando 10% (dez por cento) das vagas
oferecidas nos concursos púbicos aos afrodescendentes. No estado do Mato Grosso do Sul
vigoram, desde 2008, a Lei nº 3.594 (negros), e, desde 2010, a Lei nº 3.994 (índios), ambas
regulamentadas pelo Decreto nº 13.141/11, com reservas de 10% (dez por cento) e 3% (três
por cento), respectivamente. No Rio de Janeiro, foram aprovadas as Leis nºs 6.067/11 e
6.740/14, estabelecendo que 20% (vinte por cento) das vagas devem ser reservadas aos
negros e índios.
58
TJRJ. ADI nº 0025273-88.2014.8.19.0000, Rel. Des. Marco Antonio Ibrahim, Órgão Especial,
j. em 13.10.2014, DJ, 04 fev. 2015.
59
TJRJ. ADI nº 0059568-59.2011.8.19.000, Rel. Des. Sidney Hartung, Órgão Especial, j. em
23.09.2013, DJ, 24 out. 2013.
60
Lei nº. 12.990/2014, art. 1º. Ficam reservadas aos negros 20% (vinte por cento) das vagas
oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos
no âmbito da administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das
empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União, na forma
desta Lei. [...] Art. 3º. Os candidatos negros concorrerão concomitantemente às vagas
reservadas e às vagas destinadas à ampla concorrência, de acordo com a sua classificação
no concurso. [...]

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 40 10/03/2016 14:05:38


CAPÍTULO 2
INVESTIDURA
41

2.3 Provimento dos cargos públicos


O provimento é definido como ato que designa a pessoa para
ocupar cargo público, podendo ser classificado como originário ou
derivado.
Nesse contexto, provimento originário é aquele que se dá de
forma inicial, sem que o agente possua, anteriormente, qualquer vínculo
jurídico com a Administração.
O provimento derivado pressupõe relação prévia com o serviço
público, podendo se apresentar sob as modalidades de derivação
horizontal e vertical.
Assim, a derivação horizontal é definida como a transferência
do servidor para outro cargo de mesmo nível e padrão, sem que haja
elevação ou decesso funcional, ao passo que a derivação vertical, por
seu turno, corresponde à transferência do servidor para cargo diverso
daquele para o qual foi originariamente nomeado, com elevação
funcional.
A Lei nº 8.112/90 enumera as diversas formas de provimento
dos cargos públicos na Administração Federal: nomeação, promoção,
readaptação, reversão, aproveitamento, reintegração e recondução,
sendo que todos eles se concretizam mediante ato da autoridade
competente de cada poder.
A nomeação é a única forma possível de provimento originário, e
se dá, em regra, mediante aprovação em concurso público. As demais
são formas de provimento derivado.61
A promoção consiste na elevação do servidor dentro da própria
carreira, escalonada em classes a serem preenchidas de acordo com os
critérios de merecimento previamente estabelecidos.
A readaptação, conforme a norma inserta no art. 24,62 dá-se quando
o servidor é investido em outro cargo cujo exercício é mais compatível
com sua superveniente limitação física ou mental, desde que não haja
ascensão ou rebaixamento.
Por seu turno, a reversão é a forma de provimento derivado que
corresponde ao retorno do servidor aposentado à atividade, quando os

61
Art. 9º. A nomeação far-se-á: I - em caráter efetivo, quando se tratar de cargo isolado de
provimento efetivo ou de carreira; II - em comissão, inclusive na condição de interino, para
cargos de confiança vagos. [...] Art. 10. A nomeação para cargo de carreira ou cargo isolado
de provimento efetivo depende de prévia habilitação em concurso público de provas ou
de provas e títulos, obedecidos a ordem de classificação e o prazo de sua validade.
62
Art. 24. Readaptação é a investidura do servidor em cargo de atribuições e responsabilidades
compatíveis com a limitação que tenha sofrido em sua capacidade física ou mental
verificada em inspeção médica.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 41 10/03/2016 14:05:38


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
42 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

motivos para a aposentação por invalidez forem insubsistentes ou ainda


por interesse da Administração, em caso de aposentadoria voluntária.63
Nesse ponto, cabe a ressalva, em que pese a alteração trazida pela
Medida Provisória nº 2.245/01 ao inc. II, do art. 25, da Lei nº 8.112/90,
é questionável a constitucionalidade da reversão de servidor que
se aposentou voluntariamente. Isso porque a aposentadoria leva ao
rompimento do vínculo funcional do agente com o serviço público, com
a consequente vacância do cargo e surgimento de nova relação jurídica,
de natureza previdenciária. Daí se infere que essa forma de provimento
ofende a exigência constitucional do concurso público.64 A Suprema
Corte, conquanto não tenha se manifestado expressamente sobre a
previsão contida no estatuto federal, chegou a declarar parcialmente
inconstitucional Lei do estado do Ceará que previa a readmissão
de magistrado exonerado, sem a observância da prévia e necessária
aprovação em concurso público, por considerar que o dispositivo criava
nova forma de provimento do cargo não contemplada na LOMAN (LC
nº 35/79). O fundamento utilizado, contudo, fora a constatação, no caso,
de vício de inconstitucionalidade formal, porque se tratava de matéria
de iniciativa exclusiva do Supremo Tribunal Federal.65

63
Art. 25. Reversão é o retorno à atividade de servidor aposentado: I - por invalidez, quando
junta médica oficial declarar insubsistentes os motivos da aposentadoria; ou II - no
interesse da administração, desde que: a) tenha solicitado a reversão; b) a aposentadoria
tenha sido voluntária; c) estável quando na atividade; d) a aposentadoria tenha ocorrido
nos cinco anos anteriores à solicitação; e) haja cargo vago.
64
Nesse ponto, Carvalho Filho, ao comentar sobre a possibilidade inserida na Lei Federal,
destaca: “Em nosso entendimento, tais normas são flagrantemente inconstitucionais.
Como já se enfatizou, a aposentadoria extingue a relação estatutária e acarreta a vacância
do respectivo cargo, não se podendo admitir a ressurreição da reação jurídica devidamente
sepultada. Por outro lado, esse tipo de reversão rende ensejo a que o servidor, depois de
abandonar o serviço público, resolva simplesmente desistir de sua inatividade e voltar ao
mesmo cargo, deixando sempre fluido e instável o quadro funcional. Não se pode esquecer,
ainda, que reingresso dessa natureza ofende frontalmente o princípio da acessibilidade
aos cargos mediante prévia aprovação em concurso público, expressamente abolido no
art. 37, II, da vigente Constituição, e isso porque inaugura nova relação estatutária, diversa
daquela que se extinguiu pela aposentadoria. O fundamento, aliás, é o mesmo adotado
pelo STF para os casos de transferência ascensão funcional, institutos que, também aceitos
anteriormente, como o era a reversão por interesse administrativo, foram banidos do atual
sistema por vulneração ao aludido postulado” (In: Manual de Direito Administrativo. 27. ed.
São Paulo: Atlas, 2014. p. 627).
65
Segue a ementa do julgado: Ementa: Constitucional. Magistrado. Permuta. Readmissão.
Lei 12.342, de 1994, do Estado do Ceará, artigos 201 e 204. C.F., art. 93, I. LOMAN, art.
78. I. - Permuta de cargos por magistrados: Lei 12.342/94, do Estado do Ceará, art. 201:
constitucionalidade. II. - Readmissão de magistrado exonerado: Lei 12.342/94, do Estado
do Ceará, art. 204: inconstitucionalidade. III. - Ação direta de inconstitucionalidade julgada
procedente, relativamente ao art. 204 e improcedente quanto ao artigo 201, ambos da Lei
12.342/94, do Estado do Ceará (STF. ADI nº 2.983/CE, Rel. Min. Carlos Velloso, Tribunal
Pleno, j. em 23.02.2005, DJ, 15 abr. 2005).

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 42 10/03/2016 14:05:38


CAPÍTULO 2
INVESTIDURA
43

Pela mesma razão, a reversão como modalidade de desaposentação


em virtude de revogação da aposentadoria por invalidez mostra-se
eivada de inconstitucionalidade. Isso porque, como afirmado acima,
a aposentadoria do servidor acarreta rompimento do vínculo com o
serviço público, e a reversão constitui, indubitavelmente, nova forma de
investidura, sem observância da exigência de aprovação em concurso
público.
O aproveitamento, por sua vez, consubstancia-se no “retorno
à atividade do servidor em disponibilidade”, que deve dar-se
obrigatoriamente em cargo com atribuições e vencimentos compatíveis
com o cargo anterior, nos termos da norma insculpida no art. 30, da Lei
nº 8.112/90.66
A recondução consiste no retorno do servidor estável ao cargo
anteriormente ocupado, em caso de servidor inabilitado em estágio
probatório do outro cargo que motivou seu pedido de exoneração no
cargo a que pretende ser reconduzido. Essa forma de provimento se
nos apresenta inconstitucional. Isso porque, valendo-nos do mesmo
raciocínio acima esposado quando tratamos da reversão, há afronta ao
princípio da obrigatoriedade do concurso público, já que a posse em
outro cargo público acarreta a vacância do primeiro.67
Outra forma é a reintegração, com previsão constitucional (art.
41, §2º),68 definida como a reinvestidura do servidor estável no cargo
anteriormente ocupado (ou no equivalente se houve transformação),
quando houver invalidação de sua demissão por decisão administrativa
ou judicial, hipótese em que ocorrerá ressarcimento de todas as
vantagens. O servidor tem direito às promoções que ocorreriam se
estivesse no serviço, bem como aos vencimentos relativos à época.
Em caso de extinção do cargo, o servidor ficará em disponibilidade.
De outro lado, caso esteja provido o cargo, o ocupante anterior será
reconduzido ao cargo de origem, aproveitado em outro ou ainda posto
em disponibilidade.69

66
Art. 30. O retorno à atividade de servidor em disponibilidade far-se-á mediante
aproveitamento obrigatório em cargo de atribuições e vencimentos compatíveis com o
anteriormente ocupado.
67
Lei nº 8.112/90, art. 33. A vacância do cargo público decorrerá de: [...] VIII – posse em outro
cargo inacumulável;
68
Art. 41, §2º. Invalidada por sentença judicial a demissão do servidor estável, será ele
reintegrado, e o eventual ocupante da vaga, se estável, reconduzido ao cargo de origem,
sem direito a indenização, aproveitado em outro cargo ou posto em disponibilidade com
remuneração proporcional ao tempo de serviço.
69
Art. 41, §2º, CR/88, e art. 28 e §§, da Lei nº 8.112/90.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 43 10/03/2016 14:05:38


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
44 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

Na mesma linha do diploma federal, a Lei Mineira nº 869/52


prevê as seguintes espécies de provimento: nomeação, promoção,
transferência, reintegração, reversão e aproveitamento.70

2.3.1 Provimento de cargos e obrigatoriedade do


concurso público
A regra constitucional de exigência da prévia realização de
concurso para ingresso no serviço público aplica-se, como ressaltado,
ao provimento de cargos públicos efetivos.
Na ordem constitucional anterior, a redação da norma inserta no
art. 97 (Emenda Constitucional de 1969) acabou ocasionando diversos
abusos, pois previa que a exigência de aprovação em concurso público
se aplicaria somente à “primeira investidura” e a “cargos de carreira”,
“salvo os casos previstos em lei”.71 Prevaleceu, assim, o entendimento
de que, para as demais formas de investidura, não seria necessário o
concurso público, o que deu ensejo a “transformações de cargos”. Dessa
forma, “foi inventada a figura da transposição, destinada a prover me-
diante concurso interno, reservado a quem já fosse funcionário público,
os cargos que, a rigor, deveriam ser disputados em concurso público”.72
Já na vigência da Constituição de 1988, a redação original do art.
23 da Lei nº 8.112/90 (Servidores Públicos Federais) discriminava a figura
da transferência (“passagem do servidor estável de cargo efetivo para
outro de igual denominação, pertencente a quadro de pessoal diverso,
de órgão ou instituição do mesmo Poder”), instituto que, após diversas
discussões, acabou revogado pela Lei nº 9.527/97.
Com efeito, diante de situações semelhantes ocorridas sob a
ordem constitucional vigente, o Supremo Tribunal Federal declarou
inconstitucionais o “acesso” e a “transferência”, por significarem, na
realidade, formas de ingresso em carreiras diferenciadas daquela para
a qual o servidor tenha originalmente prestado concurso público.73

70
Lei nº 869/52, art. 12: Os cargos públicos são providos por: I - Nomeação; II - Promoção;
III - Transferência; IV - Reintegração; V - Readmissão; VI - Reversão; VII - Aproveitamento.
71
Assim dispunha o art. 97: Os cargos públicos serão acessíveis a todos os brasileiros que
preencham os requisitos estabelecidos em lei. §1º. A primeira investidura em cargo público
dependerá de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos,
salvo os casos indicados em lei.
72
Conforme relatado por Dallari em sua obra Regime Constitucional dos Servidores Públicos. 2.
ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992. p. 35.
73
Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade. Ascensão ou acesso, transferência e apro-
veitamento no tocante a cargos ou empregos públicos. - o critério do mérito aferível por

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 44 10/03/2016 14:05:39


CAPÍTULO 2
INVESTIDURA
45

O entendimento acabou sufragado com a edição da Súmula nº


685: “É inconstitucional toda modalidade de provimento que propicie
ao servidor investir-se, sem prévia aprovação em concurso público
destinado a seu provimento, em cargo que não integra a carreira na
qual anteriormente investido”.
A questão merece ser elucidada.
É que, como afirmado, não há, na derivação horizontal, elevação
ou decesso funcional, que ocorre, a título de exemplo, com a readaptação
do agente.
A derivação vertical pressupõe a elevação funcional, que ocorre
no momento da transferência do servidor para posição diversa daquela
para a qual foi nomeado, subdividindo-se em promoção e ascensão (ou
acesso). Na promoção, em regra, a elevação ocorre dentro da própria
carreira, escalonada em classes a serem preenchidas de acordo com os
critérios de merecimento previamente estabelecidos. A ascensão ou
acesso, por outro lado, concretiza-se na elevação para cargo inicial de
outra carreira, para a qual, muitas vezes, há previsão de realização de
concurso próprio.
A falta de precisão terminológica acaba por gerar dúvidas na
prática forense. De fato, já tivemos oportunidade de esclarecer o assunto,
notadamente no julgamento de questões relativas à carreira de magisté-
rio no Estado de Minas Gerais. Naquela ocasião, em sede de mandado
de segurança, a impetrante pleiteava sua promoção por acesso do nível
“P4” para o nível “P5”, cujo provimento, por sua vez, podia ser efetiva-
do por concurso próprio. Conforme ali destacamos, o Quadro inserto
no Anexo I, da Lei Estadual nº 7.109/77, estabeleceu classes diferentes,
pois os graus de responsabilidade e complexidade das atribuições eram

concurso público de provas ou de provas e títulos e, no atual sistema constitucional, ressal-


vados os cargos em comissão declarados em lei de livre nomeação e exoneração, indispen-
sável para cargo ou emprego público isolado ou em carreira. Para o isolado, em qualquer
hipótese; para o em carreira, para o ingresso nela, que só se fará na classe inicial e pelo
concurso público de provas ou de provas títulos, não o sendo, porém, para os cargos sub-
sequentes que nela se escalonam até o final dela, pois, para estes, a investidura se fará pela
forma de provimento que e a “promoção”. Estão, pois, banidas das formas de investidura
admitidas pela constituição a ascensão e a transferência, que são formas de ingresso em
carreira diversa daquela para a qual o servidor público ingressou por concurso, e que não
são, por isso mesmo, ínsitas ao sistema de provimento em carreira, ao contrário do que su-
cede com a promoção, sem a qual obviamente não haverá carreira, mas, sim, uma sucessão
ascendente de cargos isolados. - o inciso ii do artigo 37 da constituição federal também não
permite o “aproveitamento”, uma vez que, nesse caso, há igualmente o ingresso em outra
carreira sem o concurso exigido pelo mencionado dispositivo. Ação direta de inconstitu-
cionalidade que se julga procedente para declarar inconstitucionais os artigos 77 e 80 do
ato das disposições constitucionais transitórias do estado do rio de janeiro (STF. ADI nº
231/RJ, Rel. Min. Moreira Alves, Tribunal Pleno, j. em 05.08.1992, DJ, 13 nov. 1992).

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 45 10/03/2016 14:05:39


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
46 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

diversos, porque a qualificação exigida para a ocupação do cargo “P1”


é o 2º grau completo (normal); ao passo que para o cargo “P3” exige-se
o terceiro grau, licenciatura curta; e para o “P5”, o terceiro grau com
licenciatura plena. Tratava-se de classes diferentes, tanto é que a nor-
malista poderia ingressar no cargo encartado na classe “P1”, mas não
poderia fazê-lo em relação ao “P3”. Diante disso, como havia previsão
de provimento autônomo para o cargo “P5”, impossível a promoção
para esse cargo, pois configuraria verdadeira ascensão, figura proscrita
pela Constituição da República.74
Diante da ordem constitucional vigente, portanto, não é juridi­
camente possível a investidura em cargo de carreira diversa por meio de
provimento derivado, mormente se é possível o ingresso para o referido
cargo por concurso público próprio. Ao contrário, para que o provimento
derivado não esbarre nas exigências constitucionais de realização do
certame público, é necessário que exista a carreira, escalonada em classes,
definidas em função do grau de complexidade das atribuições a serem
exercidas, bem como que os cargos elevados somente sejam alcançáveis
mediante evolução interna.
A esse respeito, o Supremo Tribunal Federal já se manifestou
pela inconstitucionalidade da Lei Mineira nº 10.961/92, que previa o
acesso a cargo de carreira diversa por meio de seleção interna, forma
de provimento derivado. Considerou-se que essa forma de provimento
privilegiava indevidamente determinada categoria de servidores que
já possuía vínculo com a Administração Estadual.75
Forma de ascensão transversa, mais sutil do que a mencionada
acima, é aquela em que se equiparam vencimentos de carreiras dife­
rentes, em que se exigem requisitos diversos de escolaridade para o
ingresso, mas após determinado tempo e o cumprimento de outras
exigências o servidor é “promovido” para a classe subsequente,
que é idêntica àquela cuja exigência e atribuições do cargo, para
preenchimento de provimento originário, é diferente. É o caso dos
servidores do Poder Judiciário do Estado de Minas Gerais, dos cargos
de oficial judiciário e de técnico judiciário, cargos de carreiras diferentes,
com requisitos de escolaridade diversos, ambos divididos em classes,
mas com possibilidade de equiparação de vencimentos, desde que
aquele que ingressou no primeiro, após ser avaliado e conclua qualquer

74
Sentença proferida na qualidade de Juiz Titular da 2ª Vara da Fazenda Pública e Autarquias
da comarca de Belo Horizonte, Processo nº 0024.04.292968-7, publicada em 08.05.2004.
75
STF. ADI nº 917, Rel. p/ o ac. Min. Teori Zavascki, Tribunal Pleno, j. em 06.11.2013, DJe, 30
out. 2014.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 46 10/03/2016 14:05:39


CAPÍTULO 2
INVESTIDURA
47

curso superior, seja promovido para a classe subsequente, equiparando-


se ao de técnico judiciário.
A inconstitucionalidade apresenta-se evidente, apesar de o
servidor não ser transposto para outra carreira, porque o estipêndio
correspondente ao cargo respectivo está relacionado com suas
atribuições e o fato de existirem cargos em carreira diversos no mesmo
órgão, mas que se equiparam após a primeira promoção vertical, a meu
ver, é forma de contornar a exigência constitucional de concurso público.
É uma contradição em termos que visa atender interesses corporativos,
pois se se equiparam em vencimentos não haveria sentido a existência
das duas carreiras.
Destarte, conclui-se: para o ingresso no serviço público
exige-se a prévia aprovação em concurso (ressalvadas as exceções
constitucionalmente previstas), sendo que, em se tratando de cargos de
carreira, a investidura deverá sempre ocorrer na classe inicial. Os cargos
de classes subsequentes, portanto, somente poderão ser ocupados pela
figura da promoção. Importante a ressalva de que, se houver previsão
de concurso próprio para cargos de classes superiores, a “promoção”
para tais cargos não se coaduna com a ordem constitucional, pois escapa
à exigência da prévia aprovação no certame.

2.4 Efetividade e estabilidade


A norma inserta no art. 41, caput, da Constituição da República,
com redação conferida pela EC nº 19/98, dispõe que “são estáveis após
três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de
provimento efetivo em virtude de concurso público”.76
A estabilidade significa o direito de o servidor aprovado em
concurso público permanecer no cargo de provimento efetivo. Trata-se
de direito subjetivo. Esse atributo pessoal é adquirido após 03 (três) anos
a contar da posse no cargo, desde que tenha sido avaliado positivamente
por comissão especial instituída para essa finalidade.
Efetividade, por seu turno, é característica própria da nomeação
para cargo de provimento em caráter efetivo, ou seja, todo aquele
aprovado em concurso público torna-se efetivo no ato de publicação
do Decreto de sua nomeação.77

76
A Carta Mineira trata da matéria no art. 35, com redação dada pelo art. 10 da ECE nº 49/01.
77
Registra, ainda, Hely Lopes Meirelles, que há casos em que determinado servidor pode
ocupar, temporariamente, cargo de provimento efetivo, tal como ocorre em substituições;
todavia, por lhes faltarem os requisitos essenciais da prévia aprovação em concurso público

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 47 10/03/2016 14:05:39


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
48 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

Como se constata da norma contida no art. 41 da CR, a estabilidade


não se adquire automaticamente pelo decurso do tempo (§4º) – como
ocorria antes da EC nº 19, de 04.06.98 –, necessário se faz para a aquisição
(condição obrigatória) a avaliação de desempenho feita por comissão
especial para tal desiderato. Implica, portanto, afirmar que, se após o
triênio não ocorrer a referida avaliação, não se declarará sua estabilidade.
Merece registro, também, a hipótese anômala prevista no art.
19 do ADCT da CR, que declarou a estabilidade daqueles servidores
que, embora não submetidos à prévia aprovação em concurso público,
estivessem, na data da promulgação da Carta Magna, em exercício há
pelo menos 05 (cinco) anos ininterruptos.
Portanto, há, no direito brasileiro, 02 (duas) categorias de
servidores estáveis: (i) aqueles previamente aprovados em concurso
público, e que cumpriram os demais requisitos contidos no art. 41, caput,
da CR; e (ii) os que, por força da norma de transição inserta no art. 19
do ADCT da mesma Carta, tiveram reconhecida tal condição.
O estágio probatório (ou confirmatório) consiste no período em
que o servidor, nomeado e empossado para cargo de provimento efetivo,
permanece sob avaliação da Administração acerca da conveniência de
sua manutenção nos quadros do serviço público, mediante aferição
de critérios estabelecidos em lei para a aquisição da estabilidade, tais
como aptidão, idoneidade moral, disciplina, dedicação, assiduidade,
pontualidade, eficiência etc.78
O prazo, que até então era de 02 (dois) anos, foi ampliado em 01
(um) ano pela entrada em vigor da EC nº 19/98, e é contado do efetivo
exercício no órgão correspondente, não sendo computado eventual
tempo de trabalho prestado a outra entidade da Administração, a título
efetivo ou precário, como o caso de exercício de função pública ou cargo
em comissão de recrutamento amplo.79

e da nomeação para exercício do cargo, não há falar-se em estabilidade. Da mesma forma,


pontua que a inexistência de cargo efetivo também afasta a aquisição da estabilidade por
parte do empregado público cujo regime jurídico é regido pela Consolidação das Leis do
Trabalho (In: Direito Administrativo Brasileiro. 39. ed. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 507).
78
Comenta Hely Lopes Meirelles que “se a Administração não pudesse exonerar o servidor
em fase de observação nenhuma utilidade teria o estágio probatório, criado precisamente
para se verificar, na prática, se o candidato à estabilidade confirma aquelas condições
teóricas de capacidade que demonstrou no concurso. Somente quando se conjugam os
requisitos teóricos de eficiência com as condições concretas de aptidão prática para o
serviço público, nesta incluída o desempenho no estágio experimental, é que ‘se titulariza
o funcionário para o cargo’, na feliz expressão de Waline” (In: Direito Administrativo
Brasileiro. 39. ed. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 509).
79
A título ilustrativo, cumpre destacar que a Lei nº 8.112/90, que contém o Estatuto dos
Servidores Públicos Federais, prevê expressamente, no art. 20, §5º, os afastamentos
permitidos no cômputo do estágio probatório.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 48 10/03/2016 14:05:39


CAPÍTULO 2
INVESTIDURA
49

A Emenda em referência, em seu art. 28,80 ressalvou a situação


dos servidores que, na data de sua promulgação, já haviam cumprido o
prazo de 02 (dois) anos,81 bem como inovou ao frisar que a estabilidade
constitui garantia conferida apenas aos aprovados em concurso público
para ocupar cargo público,82 e ao incluir a realização da avaliação especial

80
Art. 28. É assegurado o prazo de dois anos de efetivo exercício para aquisição da
estabilidade aos atuais servidores em estágio probatório, sem prejuízo da avaliação a que
se refere o §4º do art. 41 da Constituição Federal.
81
Previsão análoga se encontra contida no art. 104 do ADCT da Constituição do Estado de
Minas Gerais.
82
Anota José Afonso da Silva que, antes do advento da EC nº 19/98, a garantia da
estabilidade se estendia a qualquer servidor aprovado em concurso público, ou seja, não
só ao estatutário, mas também o celetista (In: Curso de Direito Constitucional Positivo. 35.
ed. São Paulo: Malheiros, 2012. p. 699). Em sentido contrário, Maria Sylvia Zanella Di
Pietro critica veementemente enunciado do Superior Tribunal do Trabalho a respeito
da matéria: “Não tem qualquer sentido a Súmula 390, I, do TST, quando estabelece
que ‘O servidor público celetista da administração direta, autárquica ou fundacional
é beneficiário da estabilidade prevista no art. 41 da CF/1988’; esse entendimento já era
difícil de ser aceito na redação original do artigo 41 da Constituição, mas chegou a ser
adotado pelo STF, antes da Emenda Constitucional nº 19/98. Porém, a partir Emenda nº
19, que só assegura estabilidade ao servidor nomeado para cargo de provimento efetivo,
não mais se justifica a outorga de estabilidade ao servidor celetista, que é contratado (e
não nomeado) para emprego (e não cargo). A distinção entre cargo e emprego resulta
claramente da Constituição, especialmente do artigo 37, I, II e VIII, e também do respectivo
regime previdenciário. Os ocupantes de emprego são beneficiados com os direitos sociais
previstos no artigo 7º (proteção contra despedida arbitrária, seguro-desemprego, fundo de
garantia), não assegurados aos servidores estatutários; e o próprio regime previdenciário
é diverso, consoante decorre do artigo 40, §13 da Constituição. A Súmula 390, I, do TST
iguala situações que, pela Constituição, são submetidas a regimes jurídicos diferenciados”
(In: Direito Administrativo. 28. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 732). A jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal, mesmo anteriormente à promulgação da EC nº 19/98, já
era assente no sentido de que a estabilidade é garantia apenas dos servidores públicos
detentores de cargo público. A título ilustrativo, colhem-se os seguintes julgados: Ementa:
Recurso. Extraordinário. Inadmissibilidade. Empregado de economia mista. Estabilidade
do art. 41, da Constituição da República. Inaplicabilidade. Jurisprudência assentada. Ausência
de razões novas. Decisão mantida. Agravo regimental improvido. Nega-se provimento
a agravo regimental tendente a impugnar, sem razões novas, decisão fundada em
jurisprudência assente na Corte (STF. RE nº 549.738 AgR, Rel. Min. Cezar Peluso, Segunda
Turma, j. em 11.12.2007, DJ, 22 fev. 2008, g.n.); Ementa: Empresa Brasileira de Correios e
Telégrafos – ECT. Demissão imotivada de seus empregados. Impossibilidade. Necessidade
de motivação da dispensa. RE parcialmente provido. I - Os empregados públicos não fazem
jus à estabilidade prevista no art. 41 da CF, salvo aqueles admitidos em período anterior ao advento
da EC nº 19/1998. Precedentes. II - Em atenção, no entanto, aos princípios da impessoalidade
e isonomia, que regem a admissão por concurso público, a dispensa do empregado de
empresas públicas e sociedades de economia mista que prestam serviços públicos deve
ser motivada, assegurando-se, assim, que tais princípios, observados no momento daquela
admissão, sejam também respeitados por ocasião da dispensa. III – A motivação do ato de
dispensa, assim, visa a resguardar o empregado de uma possível quebra do postulado da
impessoalidade por parte do agente estatal investido do poder de demitir. IV - Recurso
extraordinário parcialmente provido para afastar a aplicação, ao caso, do art. 41 da CF,
exigindo-se, entretanto, a motivação para legitimar a rescisão unilateral do contrato
de trabalho (STF. RE nº 589.998, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, j. em

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 49 10/03/2016 14:05:39


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
50 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

de desempenho, a ser promovida por comissão constituída para tal fim,


como condição para a aquisição da estabilidade (art. 41, §4º).83
A respeito dessa avaliação como condição obrigatória para
adquirir a estabilidade, além do fator temporal, há divergência entre
a doutrina e a jurisprudência predominante do Superior Tribunal de
Justiça.
Há os que defendem que a omissão da Administração durante
o triênio em fazer a avaliação levaria à presunção de que esta fora
positiva.84 Os precedentes do Superior Tribunal de Justiça, entretanto,
são em sentido contrário, ou seja, que a condição (avaliação) por ser
poder dever da Administração, não está sujeita a preclusão,85 o que, a

20.03.2013, DJ, 12 set. 2013, g.n.); Ementa: Embargos de Declaração no Agravo Regimental
no Agravo de Instrumento. Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT. Demissão
imotivada de sua empregada. Impossibilidade. Necessidade de motivação da dispensa.
Embargos acolhidos com efeitos infringentes. I - O Plenário do Supremo Tribunal Federal,
ao julgar o mérito do RE 589.998/PI, de minha relatoria, com repercussão geral reconhecida,
firmou o entendimento no sentido de que a dispensa de empregados de empresas públicas e
sociedades de economia mista prestadoras de serviços públicos deve ser motivada, em obediência
aos princípios da impessoalidade e isonomia que regem a admissão por concurso público, afastando-
se, entretanto, o direito à estabilidade prevista no art. 41 da Constituição Federal. II - Embargos
de declaração acolhidos para, atribuindo-lhes excepcionais efeitos infringentes, cassar
o acórdão embargado, dar provimento ao agravo regimental, para dar provimento ao
agravo de instrumento, para dar provimento ao recurso extraordinário, em conformidade
ao que foi decidido no julgamento do RE 589.998-RG/PI (STF. AI nº 651.512 AgR-ED, Rel.
Min. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, j. em 26.11.2013, DJ, 03 fev. 2014, g.n.).
83
Art. 41. [...] §4º Como condição para a aquisição da estabilidade, é obrigatória a avaliação
especial de desempenho por comissão instituída para essa finalidade. (Incluído pela
Emenda Constitucional nº 19, de 1998).
84
Para José dos Santos Carvalho Filho, “Caso a Administração não institua a comissão
ou esta retarde sua decisão para após o prazo de três anos, deverá considerar-se que o
servidor, cumprido o prazo, terá adquirido a estabilidade, mesmo sem a avaliação da
comissão. É que a norma da avaliação funcional por comissão especial foi criada em favor
da Administração, de modo que, se esta não concretiza a faculdade constitucional, deve
entender-se que tacitamente avaliou o servidor de forma positiva. O que não se pode é
prejudicar o servidor, que já cumpriu integralmente o período de estágio, pela inércia ou
ineficiência dos órgãos administrativos. Assim, para conciliar os citados dispositivos, será
necessário concluir que a avaliação do servidor pela comissão deverá encerrar-se antes de
findo o prazo necessário para a aquisição da estabilidade, para, então, se for o caso, ser
providenciado o processo de exoneração do servidor avaliado negativamente” (In: Manual
de Direito Administrativo. 27. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 677).
85
Processual Civil. Recurso ordinário em Mandado de Segurança. Embargos de Declaração
recebidos como Agravo Regimental. Inspetor da Polícia Civil. Demissão. Estágio probató-
rio. Direito líquido e certo não demonstrado. I - O §4º do art. 41 da Constituição Federal,
na redação incluída pela Emenda Constitucional n. 19/98, impõe como condição obriga-
tória para a aquisição da estabilidade “a avaliação especial de desempenho por comissão
instituída para essa finalidade”, razão pela qual não se trata de mera liberalidade da Ad-
ministração Pública, mas sim de “poder-dever”, diante de sua característica de “direito/
obrigação”, que não preclui em razão do decurso do tempo. II - A imposição constitucio-
nal, no caso, deve ser observada, ainda que em momento posterior aos prazos fixados
pelos normativos aplicáveis, não ficando a Administração dispensada de sua realização,

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 50 10/03/2016 14:05:39


CAPÍTULO 2
INVESTIDURA
51

toda evidência, consoante obtempera Hely Lopes Meirelles, não afasta


a possibilidade de apuração da responsabilidade do servidor que, por
dever de ofício, devesse instituir tal comissão ou, caso constituída, não
promova a avaliação.86
O entendimento de que militaria a favor do servidor a presunção
de avaliação positiva repristina a norma revogada, pois esta se baseava
nessa presunção, pois se, durante o período, não surgisse qualquer
fato decorrente da conduta do servidor que ensejasse sua exoneração,
ou que esta não tivesse ocorrido até o termo do prazo, a aquisição da
estabilidade ocorreria.
Como a norma vigente exige a avaliação como condição para
estabilidade, é de se convir que somente depois dela é que se pode
falar na aquisição do atributo, pois o tempo de exercício, por si, não é
suficiente.
Ocorre que, também, considerar que não há preclusão do direito
a avaliação não se apresenta a melhor solução, porque, de certa forma,
o servidor poderá não ter reconhecido seu direito constitucional à
estabilidade.
A nosso aviso, a melhor interpretação é considerar que, após
o triênio sem a respectiva avaliação, inicia-se o prazo decadencial de

tampouco o servidor liberado de sua concretização para o alcance da estabilidade. Prece-


dentes. III - “O estágio probatório de três anos é o período no qual” a Administração apura
a conveniência ou não da permanência do servidor no serviço público, “por meio da ve-
rificação do preenchimento dos requisitos estabelecidos” para a aquisição da estabilidade
(RMS 17741, Rel. Ministra Alderita Ramos de Oliveira. Sexta Turma. DJe de 1º/8/2012).
Logo, está a Administração autorizada e apta a aferir, por meio do conjunto de avaliações,
a qualidade do serviço prestado pelo servidor. IV - Incabível a instrução probatória do
acerto ou não de decisão proferida por Comissão instituída para a avaliação do servidor,
na via do mandado de segurança, cingindo-se o controle jurisdicional à análise da regula-
ridade do procedimento administrativo, consoante precedentes desta Corte de Justiça. V
- Este Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento segundo o qual a estabilidade tão
somente é adquirida ultrapassada a fase da aprovação no estágio probatório, nos termos
do §4º do art. 41 da Constituição da República, ocorrendo somente “após o implemento,
cumulativo, de dois requisitos: (i) o transcurso de 3 (três) anos no cargo pretendido; e (ii)
a aprovação na avaliação de estágio probatório” (RMS 024467, Rel. Ministra Laurita Vaz).
VI - A ausência da demonstração da veracidade da alegação de ofensa aos princípios do
devido processo legal e da ampla defesa impossibilita o reconhecimento de direito líqui-
do e certo a amparar a pretensão. VII - A declaração de possíveis nulidades no processo
administrativo disciplinar, segundo o princípio da instrumentalidade das formas (pas de
nullité sans grief), depende da efetiva demonstração de prejuízos à defesa do servidor (MS
12803/DF, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz. Terceira Seção. DJe de 15.4.2014), conforme
orientam os precedentes deste Tribunal Superior. VIII - Embargos de declaração recebidos
como agravo regimental, ao qual se nega provimento (STJ. EDcl no RMS nº 26.338/RJ, Rel.
Min. Nefi Cordeiro, Sexta Turma, j. em 12.08.2014, DJe, 27 ago. 2014).
86
In: Direito Administrativo Brasileiro. 39. ed. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 508.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 51 10/03/2016 14:05:39


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
52 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

05 (cinco) anos,87 para a Administração instaurar comissão especial


e avaliar o servidor, sob pena de, não o fazendo, ser-lhe reconhecido
o direito à estabilidade. Essa interpretação prestigia o sistema,
harmonizando a regra que preceitua a necessidade da avaliação como
condição obrigatória para a estabilidade, mas, também, aquela que
confere ao servidor o direito subjetivo público desse atributo, que não
pode ser obstado pela conduta omissiva da Administração. De qualquer
forma, o período de avaliação deve ser o do triênio.
Uma vez não tendo logrado êxito em dita avaliação, será o
servidor exonerado, sem prejuízo da instauração de inquérito (processo
administrativo) e das formalidades legais, consoante o enunciado da
Súmula nº 21,88 do Supremo Tribunal Federal,89 editada na década de
1960, e ratificada por precedentes inclusive posteriores à promulgação
da EC nº 19/98.90

87
Cf. enunciados das Súmulas de nºs 346 e 473, do Supremo Tribunal Federal.
88
Súmula nº 21: “Funcionário em estágio probatório não pode ser exonerado nem demitido
sem inquérito ou sem as formalidades legais de apuração de sua capacidade”. Nessa linha
é o magistério de Celso Antônio Bandeira de Mello (In: Curso de direito administrativo. 31.
ed. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 295) e de José dos Santos Carvalho Filho (In: Manual de
Direito Administrativo. 27. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 680).
89
Em sentido contrário, leciona Hely Lopes Meirelles que o servidor em estágio probatório
pode vir a ser exonerado, justificadamente, independentemente de instauração de proces-
so administrativo disciplinar, porquanto, no caso, não se trataria de punição, mas, antes,
apuração, no momento adequado pela Administração, das exigências legais para perma-
nência do servidor em seus quadros, notadamente acerca do critério da eficiência (In: Di-
reito administrativo brasileiro. 39. ed. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 508-509).
90
Ementa: Agravo Regimental no Agravo de Instrumento. Administrativo. Exoneração de
servidor público. Necessidade de observância dos princípios da ampla defesa e do contra-
ditório. Agravo Regimental ao qual se nega provimento. 1. Para a exoneração de servidor
público, ainda que em estágio probatório, é imprescindível a observância do devido pro-
cesso legal com as garantias a ele inerentes. Precedentes. 2. Impossibilidade de reexame de
provas em recurso extraordinário: incidência da Súmula 279 do Supremo Tribunal Fede-
ral” (STF. AI nº 623.854 AgR, Rela. Mina. Cármen Lúcia, Primeira Turma, j. em 25.08.2009,
DJ, 23 out. 2009); “Ementa: 1. Servidor estadual em estágio probatório: exoneração não
precedida de procedimento específico, com observância do direito à ampla defesa e ao
contraditório, como impõe a Súmula 21-STF: nulidade. 2. Nulidade da exoneração: efei-
tos. Reconhecida a nulidade da exoneração deve o servidor retornar à situação em que se
encontrava antes do ato questionado, inclusive no que se refere ao tempo faltante para a
complementação e avaliação regular do estágio probatório, fazendo jus ao pagamento da
remuneração como se houvesse continuado no exercício do cargo; ressalva de entendi-
mento pessoal do relator manifestado no julgamento do RE 247.349” (STF. RE nº 222.532,
Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, j. 08.08.2000, DJ, 1º set. 2000); Ementa:
Mandado de Segurança. Administrativo. Procurador do trabalho. Estágio probatório. Vi-
taliciedade. Procedimento administrativo. Princípio do contraditório e da ampla defesa.
Segurança concedida (STF. MS nº 23.441, Rela. Mina. Ellen Gracie, Rel. p/ ac. Min. Joaquim
Barbosa, Tribunal Pleno, j. em 27.11.2008, DJ, 06 nov. 2009).

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 52 10/03/2016 14:05:40


CAPÍTULO 2
INVESTIDURA
53

Merece registro a norma contida no art. 20, §2º, da Lei nº 8.112/90


(Estatuto dos Servidores Públicos Federais), que assegura ao servidor
estável nomeado para novo cargo efetivo o direito de ser reconduzido ao
cargo anterior caso exonerado em virtude de não haver sido aprovado
no estágio probatório do novo. Conforme já salientado no item 2.3,
defendemos a inconstitucionalidade de tal dispositivo, na medida em
que haveria afronta ao princípio da obrigatoriedade do serviço público,
haja vista que a posse em outro cargo público acarreta a vacância do
primeiro.
O direito à permanência no cargo, todavia, não é absoluto, tendo
o constituinte previsto as hipóteses de perda do cargo (art. 41, §1º).
A primeira delas é por sentença judicial transitada em julgado.
A tal respeito, confira-se o item 12.2 desta obra.
A segunda é o processo administrativo disciplinar em que se
apura conduta omissiva passível de demissão.
A terceira é o desempenho insuficiente, após procedimento de
avaliação periódica, garantido o devido processo legal, nos termos da
lei complementar. Anteriormente ao advento da EC nº 19/98, que previu
a hipótese, alguns Estatutos já continham essa possibilidade. Normas
que, se anteriores à Constituição vigente, a toda evidência, não foram
recepcionadas, ou, se posteriores, inconstitucionais, porque o legislador
infraconstitucional não poderia criar hipóteses outras que não aquelas
previstas na Constituição da República, a não ser que essa hipótese
configurasse falta grave a ensejar a demissão.
A outra hipótese, a quarta, é aquela prevista no art. 169, §4º,91 a
ser implementada quando houver excesso de despesa com pessoal,92
configurado quando os gastos ultrapassarem os limites estabelecidos
em Lei Complementar.

91
A Lei Federal nº 9.801, de 14 de junho de 1999, norma geral, vinculante aos demais entes
da federação, estabelece regras para efetivação da dispensa dos servidores estáveis.
92
Lei Complementar nº 101/01, art. 18. Para os efeitos desta Lei Complementar, entende-se
como despesa total com pessoal: o somatório dos gastos do ente da Federação com os ativos,
os inativos e os pensionistas, relativos a mandatos eletivos, cargos, funções ou empregos,
civis, militares e de membros de Poder, com quaisquer espécies remuneratórias, tais
como vencimentos e vantagens, fixas e variáveis, subsídios, proventos da aposentadoria,
reformas e pensões, inclusive adicionais, gratificações, horas extras e vantagens pessoais
de qualquer natureza, bem como encargos sociais e contribuições recolhidas pelo ente às
entidades de previdência. §1º. Os valores dos contratos de terceirização de mão-de-obra
que se referem à substituição de servidores e empregados públicos serão contabilizados
como “Outras Despesas de Pessoal”. §2º. A despesa total com pessoal será apurada
somando-se a realizada no mês em referência com as dos onze imediatamente anteriores,
adotando-se o regime de competência.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 53 10/03/2016 14:05:40


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
54 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

Trata-se da Lei Complementar nº 101/01, conhecida por Lei de


Responsabilidade Fiscal, que, no art. 19, estabelece que, em cada período
de apuração e em cada ente da Federação, a despesa com pessoal não
poderá exceder os percentuais da receita corrente líquida, na proporção
de 50% (cinquenta por cento) para a União e 60% (sessenta por cento)
para os Estados-membros e Municípios.
Não se incluem em tais limites, contudo, as despesas com: (i)
indenização por demissão de servidores ou empregados; relativas a
incentivos à demissão voluntária; (ii) derivadas da aplicação do disposto
no inciso II, do §6º, do art. 57, da CR; (iii) decorrentes de decisão judicial
e da competência de período anterior ao da apuração a que se refere o
§2º, do art. 18; (iv) com pessoal, do Distrito Federal e dos Estados do
Amapá e Roraima, custeadas com recursos transferidos pela União na
forma dos incisos XIII e XIV, do art. 21, da CR, e do art. 31 da EC nº
19/98; (v) com inativos, ainda que por intermédio de fundo específico,
custeadas por recursos provenientes: da arrecadação de contribuições
dos segurados; da compensação financeira de que trata o §9º, do art.
201, da CR; das demais receitas diretamente arrecadadas por fundo
vinculado a tal finalidade, inclusive o produto da alienação de bens,
direitos e ativos, bem como seu superávit financeiro.
Essa nova hipótese de perda do cargo, que excepciona o direito
constitucional subjetivo a estabilidade, para prevalência do princípio do
equilíbrio orçamentário – que se deduz das normas contidas nos arts.
165 e 167, bem como no art. 169, todos da Constituição da República –,
apenas será possível após a redução, em 20% (vinte por cento), das
despesas com cargos em comissão e funções de confiança e exoneração
dos servidores não estáveis.
A observação que se faz é que o art. 33 da EC nº 19/98 preceitua
que não se consideram estáveis aqueles servidores admitidos na
administração direta, autárquica e fundacional sem concurso público
após o dia 05.10.1983.
Da análise contextual dos preceitos constitucionais a respeito da
estabilidade, como atributo pessoal adquirido pelo servidor e a forma
de aquisição, bem como o que dispõe o art. 19 do ADCT, referida regra
se apresenta redundante, desnecessária.
Isto porque, se a única forma de se adquirir a estabilidade, fora
das hipóteses mencionadas no art. 41, está naquela mencionada no art.
19 do ADCT, qual seja, servidores públicos dos três entes da federação
que estivessem em exercício há pelo menos 05 (cinco) anos continuados
(mesmo que não tenham sido admitidos por concurso), até a data da

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 54 10/03/2016 14:05:40


CAPÍTULO 2
INVESTIDURA
55

promulgação da Constituição da República (05.10.1988), todos aqueles


que fossem admitidos sem concurso após essa data, por exclusão, não
seriam estáveis.
Ocorre que há inúmeras leis e Constituições Estaduais, que, fora
das hipóteses mencionadas, conferem estabilidade a servidores que
foram admitidos após outubro de 1983. Daí o telos da norma, pois mesmo
que inconstitucionais referidas normas locais, para o fim específico do
art. 169, §3º, II, o servidor admitido sem concurso de provas ou de provas
e títulos, após 05.10.1983, não será considerado estável.
Referida dispensa, para ser implementada, dependerá, ainda, da
edição de ato normativo motivado do ente, que “especifique a atividade
funcional, o órgão ou unidade administrativa objeto da redução de
pessoal”.
A Constituição assegura a tal servidor o recebimento de
indenização referente a um mês de remuneração para cada ano de
serviço prestado (§5º), e o cargo em questão será declarado extinto,
vedada a criação de cargo, emprego ou função com atribuições idênticas
ou similares pelo prazo de 04 (quatro) anos (§6º).
Em qualquer caso, a judicialização da questão poderá ensejar a
declaração de nulidade do ato administrativo e, via de consequência,
o retorno ao status quo ante acarretará a reintegração do servidor ao
cargo, sendo que eventual ocupante do cargo devido ao provimento
em virtude de sua vacância será reconduzido ao cargo de origem, sem
direito a indenização, aproveitado em outro cargo, ou, ainda, posto em
disponibilidade com remuneração proporcional ao tempo do serviço
(art. 41, §2º).
Por fim, havendo extinção do cargo ocupado pelo estável ou
declarada sua desnecessidade, por ato da Administração, o servidor será,
igualmente, posto em disponibilidade, com remuneração proporcional
ao tempo de serviço (§3º).
No período anterior à promulgação da EC nº 20/98, a jurispru-
dência do Supremo Tribunal Federal entendia que a remuneração do
servidor posto em disponibilidade deveria ser integral, tendo em vista
não só a ausência de menção expressa em sentido contrário na norma
constitucional, como em razão da irredutibilidade de vencimentos.93 Com

93
Constitucional. Servidor em disponibilidade. Vencimentos, Súmula 358 STF. Segundo a
Constituição de 1988, também era assim em 46 e 67, disponibilidade não e punição. Dis-
ponibilidade e aposentadoria. Vencimentos e proventos. Conceitos distintos: vencimentos
de servidor em atividade, ainda que em disponibilidade, e proventos da inatividade. Lin-
guagem legal e sumular. Irredutibilidade de vencimentos e de proventos. Dec. 99.300/90.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 55 10/03/2016 14:05:40


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
56 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

o advento da Emenda, que deu nova redação ao §3º do art. 41, a questão
foi superada, na medida em que a norma dispõe, de maneira clara, que
a remuneração será proporcional ao tempo de serviço do servidor.94

Fixação de vencimentos proporcionais ao servidor em disponibilidade. Inconstitucionali-


dade em face do art. 41, par. 3., CF. Ação julgada procedente (STF. ADI nº 313, Rel. Min.
Paulo Brossard, Tribunal Pleno, j. em 21.08.1991, DJ, 30 abr. 1992); Servidores Públicos.
Disponibilidade. Vencimentos proporcionais ou integrais. Medida Cautelar. Ação Direta
de Inconstitucionalidade do Decreto n. 99.300, do Presidente da Republica, que manda
calcular, proporcionalmente ao tempo de serviço público, os proventos dos servidores es-
táveis, cujos cargos ou empregos forem extintos ou declarados desnecessários. Alegação de
ofensa ao art. 61, parágrafo 1., “c”, da Constituição Federal, por se tratar de ato normativo
autônomo (não, assim, decreto regulamentar - art. 84, IV), sobre regime jurídico de servi-
dores públicos, que exigiria lei formal, embora de iniciativa do Presidente da Republica.
Alegação, também, de vício material, por afronta aos artigos 37, XV, 39, parágrafos 2., 7.,
VI, que firmam a irredutibilidade de vencimentos e salários dos servidores públicos. Me-
dida cautelar de suspensão da eficácia do decreto impugnado, em face da relevância dos
fundamentos jurídicos da ação e do perigo da demora do processo e julgamento da causa
(“periculum in mora”), para os servidores atingidos em seus vencimentos. Deferimento da
medida, por maioria de votos, até o julgamento final da causa, diante, também, do disposto
no parágrafo 3. do art. 41 da Constituição e da jurisprudência da Corte, ao tempo da vigên-
cia de normas constitucionais idênticas a do parágrafo 3. do art. 40 (STF. ADI nº 309 MC,
Rel. Min. Sydney Sanches, Tribunal Pleno, j. em 27.06.1990, DJ, 14 fev. 1992). No mesmo
sentido já decidiu o Superior Tribunal de Justiça: RMS - Administrativo - Funcionário -
Vencimentos - Modificação administrativa - O Direito, como sistema, reúne pluralidade de
institutos. Cumpre reconhecer a harmonia. Na ordem jurídica não há contradição lógica. O
direito adquirido não impede modificação administrativa. A própria situação jurídica pode
ser alterada. O servidor não tem direito a inalterabilidade da organização administrativa.
Tanto assim, existe o instituto da - Disponibilidade. Conjuga-se a sucessão de situações. Os
vencimentos, contudo, são preservados pela irredutibilidade (STJ. RMS nº 6.711/SC, Rel.
Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, Sexta Turma, j. em 11.06.1996, DJ, 09 set. 1996).
94
A tal respeito, anota José dos Santos Carvalho Filho: “Tornou-se polêmica a questão dos
proventos no caso de disponibilidade. Suscitava-se a dúvida sobre se os proventos seriam
integrais ou proporcionais na referida situação funcional. Antes, porém, vale a pena trazer
a razão da dúvida. A Constituição anterior, quando tratava da disponibilidade, consignava
que o servidor perceberia vencimentos proporcionais ao tempo de serviço (art. 100, pará-
grafo único). A vigente Constituição, quando foi promulgada, nenhuma alusão fez nesse
sentido, limitando-se a exigir que o servidor viesse a ser aproveitado em outro cargo. Duas
correntes de pensamento, então, se formaram. A primeira com o entendimento de que, a
despeito do silêncio da Constituição, os vencimentos (rectius: proventos) deveriam ser pro-
porcionais, o que resultava da interpretação conjugada do art. 41, §3º, com o art. 40, §9º, da
CF. Como este último dispositivo assegura o cômputo do tempo de serviço federal, estadual
ou municipal para efeitos de aposentadoria e disponibilidade, os vencimentos teriam que
ser proporcionais, porque, a não ser assim, ficaria sem sentido o dispositivo. Outra corrente
teve pensamento diferente, advogando a tese de que os proventos deveriam ser pagos inte-
gralmente. Com a devida vênia dos juristas que adotaram o primeiro pensamento, não nos
convenceu o argumento da interpretação conjugada do art. 40, §9º, e do art. 41, §3º, da CF:
Em nosso entendimento, deveria prevalecer a interpretação comparativa entre o sistema
anterior e o vigente. No sistema anterior, o servidor poderia ficar (como ficava, na prática)
eternamente na situação de disponibilidade remunerada. Logicamente, os proventos deve-
riam ser pagos proporcionalmente ao tempo de serviço, porque, se não houvesse o apro-
veitamento, a remuneração do servidor seria ao menos inferior à que percebia na atividade,
gerando menor desfalque ao erário público. A Carta em vigor, entretanto, alterou o conte-

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 56 10/03/2016 14:05:40


CAPÍTULO 2
INVESTIDURA
57

2.5 Vitaliciedade
Característica com nuances um pouco diversas da estabilidade
é a vitaliciedade, restrita, pela própria Constituição, aos membros da
Magistratura, do Ministério Público e dos Tribunais de Contas.
Consoante as lições de José Afonso da Silva, a vitaliciedade
apresenta-se tanto como atributo do cargo, quanto como garantia
do servidor de nele permanecer por toda a vida ou até se aposentar
compulsoriamente.95
Ressalte-se que a vitaliciedade é conferida a tais agentes públicos
após o prazo de 02 (dois) anos de efetivo exercício, período esse de
estágio probatório, salvo nos casos de ascensão direta de membros das
Cortes de Contas (art. 73) e dos Tribunais, pelo critério do art. 94 da
Constituição da República, denominado “quinto constitucional”, em
que adquirem a garantia no ato de posse.96
Todavia, tal atributo não afasta a perda do cargo no caso de
demissão, que somente poderá ocorrer mediante sentença judicial
transitada em julgado (art. 96, I, da CR).97 98

údo da norma anterior: de um lado, suprimiu a referência a vencimentos proporcionais ao


tempo de serviço; e de outro, inseriu a menção até seu adequado aproveitamento em outro cargo.
Sensível à polêmica e visando dirimir definitivamente a dúvida, a EC nº 19/1998, que im-
plantou a reforma administrativa do Estado, deixou definido, na alteração que introduziu
no §3º do art. 41 da CF, que o servidor estável ficará em disponibilidade com remuneração
proporcional ao tempo de serviço, até seu adequado aproveitamento em outro cargo. Desse modo,
está agora superada a discussão quanto à forma de remuneração do servidor em disponi-
bilidade. Registre-se que a base dos proventos continua sendo o tempo de serviço prestado
pelo servidor, e não o tempo de contribuição, como ocorre com a aposentadoria. A norma
do art. 41, §3º, da CF, foi confirmada nesse ponto pelo art. 40, §9º, da CF, introduzido pela
EC nº 20/1998, que implantou a reforma da Previdência Social. É importante registrar, no
entanto, que a alteração, a despeito de haver definido a forma remuneratória, não eliminou
a obrigação, cometida ao Poder Público, de providenciar o aproveitamento, em outro cargo,
do servidor posto em disponibilidade, de modo que tal situação continua sendo qualificada
como de mera transitoriedade, ainda que o servidor esteja sendo remunerado de forma pro-
porcional” (In: Manual de Direito Administrativo. 27. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 743-745).
95
In: Curso de Direito Constitucional Positivo. 34. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 700.
96
Cf. arts. 78 e 99 da Constituição do Estado de Minas Gerais.
97
Alexandre de Moraes ressalta outra hipótese, de natureza política: “Excepcionalmente, po-
rém, a própria Constituição Federal prevê um abrandamento da vitaliciedade dos Minis-
tros do Supremo Tribunal Federal ao consagrar em seu art. 52 a competência privativa do
Senado Federal para processar e julgar os Ministros do Supremo Tribunal, nos crimes de
responsabilidade. Trata-se de uma regra de responsabilização política dos membros da mais
alta Corte Judiciária que pratiquem infrações político-administrativas atentatórias à Consti-
tuição Federal (impeachment)” (In: Direito Constitucional. 28. ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 530).
98
José Afonso da Silva, em sua obra Direito Constitucional, afirma, ainda, que a perda do
cargo vitalício poderá se dar em virtude de sua extinção, hipótese em que o titular ficará
em disponibilidade com vencimentos integrais (op. cit., p. 700). Entendemos que, embora

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 57 10/03/2016 14:05:40


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
58 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

Merece destaque o fato de que a Lei Complementar nº 35/79


(LOMAN), prevê, nos arts. 26, II, e 27,99 a possibilidade de perda do
cargo por procedimento administrativo deflagrado pelo Tribunal a que
o magistrado esteja vinculado, “de ofício ou mediante representação
fundamentada do Poder Executivo ou Legislativo, do Ministério Público
ou do Conselho Federal ou Secional da Ordem dos Advogados do
Brasil”. Nada obstante, considerando que a perda do cargo somente
se dará por meio de sentença judicial transitada em julgado (art. 95,
I, da CR), forçoso o reconhecimento, na espécie, da não recepção de
tais normas pela vigente Carta da República, razão pela qual se pode
afirmar que, no âmbito administrativo, a pena máxima a ser aplicada a
magistrado será a de aposentadoria compulsória.

não tenha a Constituição explicitado a exceção, referida hipótese não se aplicaria aos cargos
vitalícios, tendo em vista suas características e a garantia expressa de que a perda do cargo
somente poderá ocorrer por meio de sentença judicial transitada em julgado (art. 96, I, da CR).
99
Art. 26. O magistrado vitalício somente perderá o cargo: [...] II - em procedimento
administrativo para a perda do cargo nas hipóteses seguintes: a) exercício, ainda que em
disponibilidade, de qualquer outra função, salvo um cargo de magistério superior, público
ou particular; b) recebimento, a qualquer título e sob qualquer pretexto, de percentagens
ou custas nos processos sujeitos a seu despacho e julgamento; c) exercício de atividade
político-partidária. [...]

Art. 27. O procedimento para a decretação da perda do cargo terá início por determinação
do Tribunal, ou do seu órgão especial, a que pertença ou esteja subordinado o magistrado,
de ofício ou mediante representação fundamentada do Poder Executivo ou Legislativo,
do Ministério Público ou do Conselho Federal ou Secional da Ordem dos Advogados
do Brasil. §1º. Em qualquer hipótese, a instauração do processo preceder-se-á da defesa
prévia do magistrado, no prazo de quinze dias, contado da entrega da cópia do teor da
acusação e das provas existentes, que lhe remeterá o Presidente do Tribunal, mediante
ofício, nas quarenta e oito horas imediatamente seguintes à apresentação da acusação. §2º.
Findo o prazo da defesa prévia, haja ou não sido apresentada, o Presidente, no dia útil
imediato, convocará o Tribunal ou o seu órgão especial para que, em sessão secreta, decida
sobre a instauração do processo, e, caso determinada esta, no mesmo dia distribuirá o
feito e fará entregá-lo ao relator. §3º. O Tribunal ou o seu órgão especial, na sessão em que
ordenar a instauração do processo, como no curso dele, poderá afastar o magistrado do
exercício das suas funções, sem prejuízo dos vencimentos e das vantagens, até a decisão
final. §4º. As provas requeridas e deferidos, bem como as que o relator determinar de
ofício, serão produzidas no prazo de vinte dias, cientes o Ministério Público, o magistrado
ou o procurador por ele constituído, a fim de que possam delas participar. §5º. Finda a
instrução, o Ministério Público e o magistrado ou seu procurador terão, sucessivamente,
vista dos autos por dez dias, para razões. §6º. O julgamento será realizado em sessão
secreta do Tribunal ou de seu órgão especial, depois de relatório oral, e a decisão no sentido
da penalização do magistrado só será tomada pelo voto de dois terços dos membros do
colegiado, em escrutínio secreto. §7º. Da decisão publicar-se-á somente a conclusão. §8º.
Se a decisão concluir pela perda do cargo, será comunicada, imediatamente, ao Poder
Executivo, para a formalização do ato.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 58 10/03/2016 14:05:40


CAPÍTULO 3

CARGOS EM COMISSÃO E FUNÇÕES DE


CONFIANÇA

As normas insertas nos arts. 37, incs. II e V, da Constituição da


República,100 e 23, caput, da Constituição do Estado de Minas Gerais,101
ao estabelecerem a possibilidade de nomeação de servidores para
exercício de cargos comissionados, e de funções de confiança, preveem
que esses destinam-se, exclusivamente, às atribuições de direção, chefia
e assessoramento.

3.1 Cargo em comissão


Cargo em comissão é aquele criado para ser ocupado, em caráter
transitório, por pessoa de confiança da autoridade nomeante, a quem
compete, igualmente, determinar sua exoneração, que pode ocorrer ad
nutum, livremente, sem motivação.

100
Art. 37. [...] II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia
em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a
complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações
para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração; (g.n.) [...] V - as funções
de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os
cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e
percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia
e assessoramento;
101
Art. 23. As funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de
cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos
casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições
de direção, chefia e assessoramento.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 59 10/03/2016 14:05:40


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
60 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

Desse modo, a nomeação para exercícios de cargos comissionados


caracteriza-se como exceção à regra constitucional da obrigatoriedade
do concurso público para investidura em cargos públicos, de modo que
a criação de cargos em comissão somente se apresenta admissível nas
hipóteses expressamente previstas na Constituição, isto é, para exercício
de funções de direção, chefia e assessoramento.
Nesse contexto, o Supremo Tribunal Federal pacificou entendi-
mento no sentido de que a criação de cargos em comissão exige, além
do caráter de assessoramento, direção e chefia das funções a serem
exercidas, a existência de relação de confiança entre servidor e autori-
dade nomeante.102
Estabelece, ainda, a cláusula constitucional, com redação conferi-
da pela EC nº 19/98, que a lei deverá prever as condições e os percentuais
mínimos desses cargos a serem exercidos por servidores de carreira,
efetivos. Daí por que se concluir que o preenchimento de tais cargos
poderá ocorrer mediante recrutamento restrito (entre servidores efetivos
do próprio órgão ou ente público) ou amplo (pessoas que não possuem
vínculo com a Administração).103
Com efeito, a lei referida na norma constitucional será a de cada
ente público, mas, no que se refere aos percentuais mínimos em que

102
Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade. Art. 37, II e V. Criação de cargo em
comissão. Lei 15.224/2005 do Estado de Goiás. Inconstitucionalidade. É inconstitucional
a criação de cargos em comissão que não possuem caráter de assessoramento, chefia ou
direção e que não demandam relação de confiança entre o servidor nomeado e o seu
superior hierárquico, tais como os cargos de Perito Médico-Psiquiátrico, Perito Médico-
Clínico, Auditor de Controle Interno, Produtor Jornalístico, Repórter Fotográfico, Perito
Psicológico, Enfermeiro e Motorista de Representação. Ofensa ao artigo 37, II e V da
Constituição federal. Ação julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade dos
incisos XI, XII, XIII, XVIII, XIX, XX, XXIV e XXV do art. 16-A da lei 15.224/2005 do Estado
de Goiás, bem como do Anexo I da mesma lei, na parte em que cria os cargos em comissão
mencionados (STF. ADI nº 3.602/GO, Rel. Min. Joaquim Barbosa. Tribunal Pleno, j. em
14.04.2011, DJe, 07 jun. 2011); Ementa: Concurso público: plausibilidade da alegação de
ofensa da exigência constitucional por lei que define cargos de Oficial de Justiça como de
provimento em comissão e permite a substituição do titular mediante livre designação de
servidor ou credenciamento de particulares: suspensão cautelar deferida. 1. A exigência
constitucional do concurso público não pode ser contornada pela criação arbitraria
de cargos em comissão para o exercício de funções que não pressuponham o vinculo
de confiança que explica o regime de livre nomeação e exoneração que os caracteriza;
precedentes. 2. Também não e de admitir-se que, a título de preenchimento provisório de
vaga ou substituição do titular do cargo - que deve ser de provimento efetivo, mediante
concurso público -, se proceda, por tempo indeterminado, a livre designação de servidores
ou ao credenciamento de estranhos ao serviço público (STF. ADI nº 1.141 MC/GO, Rel. Min.
Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, j. em 10.10.1994, DJ, 04 nov. 1994).
103
No caso de Minas Gerais, a Constituição Estadual prevê, no artigo 23, §1º, que “nas enti­
dades da administração indireta, pelo menos um cargo ou função de confiança de direção
superior será provido por servidor ou empregado público de carreira da respectiva
instituição”.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 60 10/03/2016 14:05:40


CAPÍTULO 3
CARGOS EM COMISSÃO E FUNÇÕES DE CONFIANÇA
61

os cargos deverão ser ocupados por servidores efetivos, deverá ser


observado o princípio da razoabilidade, sob pena de desrespeito à
Carta Magna.

3.2 Função de confiança (função comissionada/


gratificada)
Funções públicas ou funções comissionadas/gratificadas, na
definição de Celso Antônio Bandeira de Mello, “são plexos unitários
de atribuições, criados por lei, correspondentes a encargos de direção,
chefia ou assessoramento, a serem exercidos por titular de cargo efetivo,
da confiança da autoridade que as preenche.”104
Ao que se denota do conceito, a função de confiança não se confunde
com cargo em comissão, na medida em que, enquanto este é titularizado
por determinado sujeito, aquela se restringe a atribuições, também
temporárias, conferidas a determinado servidor de carreira, ocupante
de cargo efetivo, designado pela autoridade administrativa para tal
mister.105
Nada obstante, da mesma forma que os cargos em comissão, as
funções de confiança se restringem às atribuições de direção, chefia ou
assessoramento, são demissíveis ad nutum e, normalmente, remuneradas
por meio de pro labore.106

3.3 Regime jurídico


No caso de servidor ocupante de cargo em comissão – indepen­
dentemente se se tratar de efetivo –, fará jus aos benefícios estabelecidos
no Estatuto dos Servidores do ente a que se encontrar vinculado.
Da mesma forma, os ocupantes de funções de confiança terão
seu regime jurídico disciplinado no respectivo Estatuto, havendo

104
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 31. ed. São Paulo:
Malheiros, 2014. p. 260.
105
Consoante o magistério de Marçal Justen Filho, “a chamada função de confiança não consiste
numa posição jurídica equivalente a um cargo público, mas na ampliação das atribuições
e responsabilidades de um cargo de provimento efetivo, mediante uma gratificação pecu-
niária. Não se admite o conferimento de tal benefício ao ocupante de cargo em comissão,
na medida em que a remuneração correspondente abrange todas as responsabilidades e
encargos possíveis” (In: Curso de Direito Administrativo. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribu-
nais, 2013. p. 938).
106
No âmbito do Estado de Minas Gerais, o Estatuto dos Servidores (Lei Estadual nº 869/52)
trata do tema nos arts. 150 e 151.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 61 10/03/2016 14:05:40


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
62 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

a possibilidade de previsão de pagamento de gratificação pelo


desempenho da atividade comissionada.
Há diferenciação, contudo, no que se refere ao regime de pre­
vidência, haja vista que, nos termos do art. 40, §13, da Constituição
da República, incluído pela EC nº 20/98,107 o regime próprio, quando
existente, é exclusivo dos servidores de carreira.108
De todo modo, cumpre salientar que, face ao advento da EC nº
19/98, as funções de confiança estão adstritas aos titulares de cargos
efetivos, daí por que “o fator confiança fica restrito ao âmbito interno
da Administração”.109
Questão tormentosa no que se refere ao regime jurídico dos
ocupantes de cargos em comissão, diz respeito à licença-maternidade
e estabilidade gestacional provisória prevista no art. 7º, XVIII, da Cons-
tituição da República, e art. 10, II, “b”, do ADCT/CR.
Referidas normas constitucionais vedam a dispensa da trabalha-
dora gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após
o parto.
Assim, considerando as particularidades do cargo em comissão
– sobretudo a existência de relação de confiança entre autoridade
nomeante e nomeado, bem como a possibilidade de demissão ad nutum –,
indaga-se: tal benefício também alcançaria a servidora em estado
gravídico?
A dúvida apresenta-se pertinente, sobretudo, na medida em que,
mesmo diante da ausência de estabilidade no serviço público, a gestante
permaneceria vinculada aos quadros da Administração até o término
do gozo da licença ou do período da estabilidade acima mencionado.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior
Tribunal de Justiça, contudo, pacificou-se no sentido de que a garantia
em comento, ou de sua respectiva indenização, no caso de dispensa,
estende-se às servidoras públicas civis e militares, independentemente
do regime jurídico ao qual se submetem, ainda que de natureza precária,
tendo em vista a prevalência do direito a proteção constitucional

107
Art. 40. [...] §13. Ao servidor ocupante, exclusivamente, de cargo em comissão declarado
em lei de livre nomeação e exoneração bem como de outro cargo temporário ou de
emprego público, aplica-se o regime geral de previdência social.
108
Disposição análoga é encontrada no art. 36, da Constituição do Estado de Minas Gerais.
109
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 39. ed. São Paulo: Malheiros,
2013. p. 477.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 62 10/03/2016 14:05:41


CAPÍTULO 3
CARGOS EM COMISSÃO E FUNÇÕES DE CONFIANÇA
63

à maternidade e ao nascituro sobre as normas infraconstitucionais


atinentes ao regime jurídico dos servidores.110

110
Ementa: Agravo regimental em recurso extraordinário. Servidora pública em licença ges-
tante. Estabilidade. Reconhecimento, mesmo em se tratando de ocupante de cargo em co-
missão. Precedentes. 1. Servidora pública no gozo de licença gestante faz jus à estabilidade
provisória, mesmo que seja detentora de cargo em comissão. 2. Jurisprudência pacífica
desta Suprema Corte a respeito do tema. 3. Agravo regimental a que se nega provimen-
to (STF. RE nº 368.460 AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, j. em 27.03.2012, DJ,
26 abr. 2012); Agravo regimental em agravo de instrumento. 2. Estabilidade provisória.
Gestante. 3. Cargo em comissão. 4. Benefício constitucionalmente assegurado. Precedentes
do STF. 5. Agravo regimental a que se nega provimento (STF. RE nº 612.294 AgR, Rel.
Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, j. em 25.10.2011, DJ, 16 nov. 2011); Ementa: Agra-
vo Regimental no Agravo de Instrumento. Constitucional. Administrativo. Cargo em co-
missão. Servidora gestante. Exoneração. Direito à indenização. 1. As servidoras públicas e
empregadas gestantes, inclusive as contratadas a título precário, independentemente do
regime jurídico de trabalho, têm direito à licença-maternidade de cento e vinte dias e à
estabilidade provisória desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto. Pre-
cedentes: RE n. 579.989-AgR, Primeira Turma, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski,
Dje de 29.03.2011, RE n. 600.057-AgR, Segunda Turma, Relator o Ministro Eros Grau, Dje
de 23.10.2009 e RMS n. 24.263, Segunda Turma, Relator o Ministro Carlos Velloso, DJ de
9.5.03. 2. Agravo regimental a que se nega provimento (STF. AI nº 804.574 AgR, Rel. Min.
Luiz Fux, Primeira Turma, j. em 30.08.2011, DJ, 16 set. 2011); Constitucional. Administrati-
vo. Recurso Ordinário em Mandado de Segurança. Servidora pública. Dispensa de função
comissionada no gozo de licença-maternidade. Estabilidade provisória. Proteção à mater-
nidade. Ofensa. Recurso provido. 1. A estabilidade provisória, também denominada perí-
odo de garantia de emprego, prevista no art. 10, inc. II, letra “b”, do ADCT, visa assegurar
à trabalhadora a permanência no seu emprego durante o lapso de tempo correspondente
ao início da gestação até os primeiros meses de vida da criança, com o objetivo de impedir
o exercício do direito do empregador de rescindir unilateralmente e de forma imotivada
o vínculo laboral. 2. O Supremo Tribunal Federal tem aplicado a garantia constitucional
à estabilidade provisória da gestante não apenas às celetistas, mas também às militares e
servidoras públicas civis. 3. Na hipótese, muito embora não se afaste o caráter precário do
exercício de função comissionada, não há dúvida de que a ora recorrente, servidora públi-
ca estadual, foi dispensada porque se encontrava no gozo de licença maternidade. Nesse
cenário, tem-se que a dispensa deu-se com ofensa ao princípio de proteção à maternidade.
Inteligência dos arts. 6º e 7º, inc. XVIII, da Constituição Federal e 10, inc. II, letra “b”, do
ADCT. 4. Recurso ordinário provido (STJ. RMS nº 22.361/RJ, Rel. Min. Arnaldo Esteves
Lima, Quinta Turma, j. em 08.11.2007, DJ, 07 fev. 2008). No mesmo sentido, já decidiu o Ór-
gão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, em acórdão sob minha rela-
toria: Ementa: Mandado de Segurança. Servidora. Designação a título precário. Dispensa.
Gravidez. Estabilidade provisória. Art. 10, II, “b”, do ADCT. Direito à indenização subs-
titutiva desde a impetração do writ até cinco meses após o parto. Segurança parcialmente
concedida. 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de
Justiça pacificou-se no sentido de que a garantia da estabilidade provisória estende-se às
servidoras públicas civis e às militares, independentemente do regime jurídico ao qual se
submetem, ainda que de natureza precária, tendo em vista a preponderância da proteção
constitucional à maternidade e ao nascituro sobre as normas infraconstitucionais atinentes
ao regime jurídico dos servidores. 2. Não obstante, a orientação jurisprudencial daqueles
Sodalícios é no sentido de que, uma vez rompido o vínculo jurídico entre a servidora e a
Administração pela dispensa arbitrária no período em que lhe é assegurada a estabilidade
provisória, não tem a servidora direito à reintegração, mas sim à indenização substitutiva
em valor equivalente ao que receberia desde a dispensa até cinco meses após o parto. 3.
A ação mandamental não produz efeitos patrimoniais em relação ao período anterior à
impetração, que deve ser pleiteado na via ordinária, a teor do enunciado da Súmula nº 271,

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 63 10/03/2016 14:05:41


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
64 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

A Suprema Corte já reconheceu, inclusive, a repercussão geral


da matéria quando do julgamento do Agravo no Recurso Especial nº
674.103/SC.111
Sem embargo, a orientação jurisprudencial daqueles Sodalícios
é no sentido de que, uma vez rompido o vínculo jurídico entre a
servidora e a Administração pela dispensa arbitrária no período em
que lhe é assegurada a estabilidade provisória, não tem aquela direito
à reintegração, mas sim à indenização em valor equivalente ao que
receberia desde a dispensa até cinco meses após o parto.
Isso porque a servidora designada a título precário, ou nomeada
para exercício de cargo em comissão não tem direito de permanência
no cargo, podendo ser exonerado a qualquer tempo, de acordo com os
critérios de conveniência e oportunidade da Administração, o que, de
acordo com o entendimento acima mencionado, inviabilizaria o pedido de
reintegração da servidora dispensada, ainda que em estado gravídico.112
Em casos deste jaez, portanto, forçoso o reconhecimento do direito
da servidora em receber indenização substitutiva em valor equivalente
à remuneração que deixou de perceber desde a dispensa até cinco meses
após o parto.
Essa estabilidade provisória (em casos de cargos em comissão)
poderá acarretar situações interessantes. A título de exemplo,

do Supremo Tribunal Federal. (TJMG. MS nº 1.0000.13.034043-3/000, Rel. Des. Bitencourt


Marcondes, Órgão Especial, j. em 23.10.2013, DJ, 08 nov. 2013).
111
Direito Constitucional, Administrativo e Trabalhista. Contratos por prazo determinado
e ocupantes de cargos em comissão não ocupantes de cargos efetivos. Gravidez durante
o período da prestação dos serviços. Direito à licença-maternidade e à estabilidade pro-
visória. Artigo 7º, XVIII, da Constituição Federal. Artigo 10, inciso II, alínea b, do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias (STF. ARE nº 674.103 RG, Rel. Min. Luiz Fux, j.
em 03.05.2012, DJ, 18 jun. 2013).
112
A propósito, calha transcrever excerto do voto proferido pelo Ministro Celso de Mello,
no julgamento do RE nº 634.093/DF AgR.: “[...] Em suma: as gestantes – quer se trate de
servidoras públicas, quer cuide de trabalhadoras, qualquer que seja o regime jurídico a
elas aplicável, não importando se de caráter administrativo ou de natureza contratual
(CLT), mesmo aquelas ocupantes de cargo em comissão ou exercentes de função de
confiança ou, ainda, as contratadas por prazo determinado, inclusive na hipótese prevista
no inciso IX do art. 37 da Constituição, ou admitidas a título precário – têm direito público
subjetivo à estabilidade provisória, desde a confirmação do estado fisiológico de gravidez
até cinco (5) meses após o parto (ADCT, art. 10, II, “b”), e, também à licença-maternidade
de 120 dias (CF, art. 7º, XVIII, c/c art. 39, §3º), sendo-lhes preservada, em consequência,
nesse período, a integridade do vínculo jurídico que as une à Administração Pública ou ao
empregador, sem prejuízo da integral percepção do estipêndio funcional ou remuneração
laboral. Se sobrevier, no entanto, em referido período, dispensa arbitrária ou sem justa
causa de que resulte a extinção do vínculo jurídico-administrativo ou da relação contratual
da gestante (servidora pública ou trabalhadora), assistir-lhe-á o direito a uma indenização
correspondente aos valores que receberia até cinco (5) meses após o parto, caso inocorre tal
dispensa. [...]” (STF. RE nº 634.093 AgR, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, j. em
22.11.2011, DJ, 07 dez. 2011).

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 64 10/03/2016 14:05:41


CAPÍTULO 3
CARGOS EM COMISSÃO E FUNÇÕES DE CONFIANÇA
65

suponhamos que o magistrado para o exercício de seu munus tenha


direito de indicar assessor (cargo em comissão). Sua aposentadoria
acarretaria a exoneração da pessoa nomeada para assessorá-lo, porém,
esta se encontra em estado gravídico (segundo mês), como tem direito
a estabilidade, permaneceria no serviço público; entretanto, o novo
magistrado não poderia fazê-lo enquanto o cargo estivesse provido.
Em outros termos, a estabilidade provisória impediria a
exoneração da beneficiária do cargo comissionado, mas, a toda evidência,
não a exoneraria das obrigações decorrentes de suas atribuições; por
outro lado, uma vez provido o cargo vago decorrente da aposentadoria
do magistrado, seu ocupante teria o direito de indicar pessoa para
assessorá-lo. Não poderia fazê-lo, contudo, porque não haveria como
nomear alguém para cargo já provido.
A indicação e a nomeação de outro somente poderia ocorrer
quando fosse concedida à ocupante do cargo em comissão a licença-
maternidade.
Isto porque, com a licença-maternidade, abre-se a possibilidade
de nomeação para substituição, como previsto em lei.
Poder-se-ia argumentar que, diante da colisão de direitos
(estabilidade versus indicação), a melhor solução seria a exoneração e o
pagamento de indenização.
A indenização pressupõe a perda de um direito, que, no caso,
consiste em não ser exonerado; portanto, a exoneração, em si, é ilegal,
não sendo lícita ao administrador, que tem por dever de ofício observar
o princípio da legalidade, a prática do ato ilegal.

3.4 A Súmula Vinculante nº 13, do Supremo Tribunal


Federal, e o nepotismo no serviço público
A norma inserta no art. 37, caput, da Constituição da República,
elenca os princípios constitucionais norteadores da Administração
Pública, quais sejam: legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade e eficiência.
O art. 37, V, do mesmo diploma, ao prever a possibilidade de
nomeação de pessoas não concursadas para exercício de cargos em
comissão (de recrutamento amplo), estabelece exceção ao princípio da
obrigatoriedade do concurso público, consagrado no art. 37, II.
Assim, embora seja possível a admissão de pessoas não concur-
sadas para exercício de cargos comissionados de recrutamento amplo,
não se apresenta viável o favorecimento de parentes de servidores e
membros de Poder mediante nomeação para exercício desses cargos,

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 65 10/03/2016 14:05:41


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
66 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

sob pena de ofensa aos princípios constitucionais acima elencados,


notadamente os da impessoalidade e da moralidade administrativa.
Visando coibir abusos e, no intuito de disciplinar o acesso de
cargos, empregos e funções por parentes, cônjuges e companheiros
de magistrados e de servidores investidos em cargos de direção e
assessoramento no âmbito do Poder Judiciário, o Conselho Nacional
de Justiça editou a Resolução nº 07, de 18 de outubro de 2005,113 cuja
interpretação, por parte daquele Colegiado, encontra-se disposta no
Enunciado Administrativo nº 01/05.114

113
Art. 1º É vedada a prática de nepotismo no âmbito de todos os órgãos do Poder Judiciário,
sendo nulos os atos assim caracterizados.

Art. 2º Constituem práticas de nepotismo, dentre outras: I - o exercício de cargo de provi-
mento em comissão ou de função gratificada, no âmbito da jurisdição de cada Tribunal ou
Juízo, por cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o
terceiro grau, inclusive, dos respectivos membros ou juízes vinculados; II - o exercício, em
Tribunais ou Juízos diversos, de cargos de provimento em comissão, ou de funções grati-
ficadas, por cônjuges, companheiros ou parentes em linha reta, colateral ou por afinidade,
até o terceiro grau, inclusive, de dois ou mais magistrados, ou de servidores investidos em
cargos de direção ou de assessoramento, em circunstâncias que caracterizem ajuste para
burlar a regra do inciso anterior mediante reciprocidade nas nomeações ou designações;
III - o exercício de cargo de provimento em comissão ou de função gratificada, no âmbito
de cada Tribunal ou Juízo, por cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral
ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, de qualquer servidor investido em cargo
de direção ou de assessoramento; IV - a contratação por tempo determinado para atender
a necessidade temporária de excepcional interesse público, de cônjuge, companheiro ou
parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, dos respecti-
vos membros ou juízes vinculados, bem como de qualquer servidor investido em cargo de
direção ou de assessoramento; V - a contratação, em casos excepcionais de dispensa ou ine-
xigibilidade de licitação, de pessoa jurídica da qual sejam sócios cônjuge, companheiro ou
parente em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive, dos respectivos membros
ou juízes vinculados, ou servidor investido em cargo de direção e de assessoramento. §1º
Ficam excepcionadas, nas hipóteses dos incisos I, II e III deste artigo, as nomeações ou de-
signações de servidores ocupantes de cargo de provimento efetivo das carreiras judiciárias,
admitidos por concurso público, observada a compatibilidade do grau de escolaridade do
cargo de origem, a qualificação profissional do servidor e a complexidade inerente ao cargo
em comissão a ser exercido, vedada, em qualquer caso a nomeação ou designação para
servir subordinado ao magistrado ou servidor determinante da incompatibilidade. §2º A
vedação constante do inciso IV deste artigo não se aplica quando a contratação por tempo
determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público hou-
ver sido precedida de regular processo seletivo, em cumprimento de preceito legal.
114
A) As vedações constantes dos arts. 2º e 3º da Resolução nº 07, de 18 de outubro de 2005,
abrangem o parentesco natural e civil, na linha reta e colateral, até o terceiro grau, inclusive,
e o parentesco por afinidade, na linha reta ou colateral, alcançando ainda o parente colateral
de terceiro grau, do cônjuge ou companheiro dos membros e juízes vinculados ao Tribunal;
B) Para os fins do disposto no §1º do art. 2º da Resolução nº 7, de 18 de outubro de 2005, são
equiparados aos servidores admitidos por concurso público ocupantes de cargo de pro-
vimento efetivo das carreiras judiciárias: I - os empregados públicos do Poder Judiciário
contratados por prazo indeterminado, providos os respectivos empregos mediante con-
curso público, por expressa previsão legal; II - os empregados públicos do Poder Judiciário
contratados por prazo indeterminado antes da Constituição Federal de 1988, providos os
respectivos empregos sem concurso público, e que foram considerados estáveis pelo art. 19
do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias; e III - os servidores públicos do Poder

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 66 10/03/2016 14:05:41


CAPÍTULO 3
CARGOS EM COMISSÃO E FUNÇÕES DE CONFIANÇA
67

Posteriormente, a constitucionalidade de referido ato normativo


foi questionada perante o Supremo Tribunal Federal, ao argumento de
que haveria a necessidade de lei em sentido formal para regular a matéria,

Judiciário contratados por prazo indeterminado antes da Constituição Federal de 1988,


providos os respectivos empregos sem concurso público, e que em face da mudança de re-
gime jurídico único tiveram os referidos empregos transformados em cargos, por expressa
previsão legal. C) As vedações previstas no art. 2º da Resolução nº. 07, de 18 de outubro
de 2005, não se aplicam quando a designação ou a nomeação do servidor tido como pa-
rente para a ocupação de cargo comissionado ou de função gratificada foram anteriores ao
ingresso do magistrado ou do servidor gerador da incompatibilidade, bem como quando
o início da união estável ou o casamento forem posteriores ao tempo em que ambos os
cônjuges ou companheiros já estavam no exercício das funções/cargos, em situação que
não caracterize ajuste prévio para burlar a proibição geral de prática de nepotismo. D) O
vínculo de parentesco com magistrado ou com servidor investido em cargo de direção ou
de assessoramento já falecidos ou aposentados não é considerado situação geradora de
incompatibilidade para efeito de aplicação do art. 2º da Resolução nº. 07, de 18 de outubro
de 2005. E) Os antigos vínculos conjugal e de união estável com magistrado ou com servi-
dor investido em cargo de direção ou de assessoramento não são considerados hipóteses
geradoras de incompatibilidade para efeito de aplicação do art. 2º da Resolução nº 07, de 18
de outubro de 2005, desde que a dissolução da referida sociedade conjugal ou de fato não
tenha sido levada a efeito em situação que caracterize ajuste para burlar a proibição geral
de prática de nepotismo”. F) Para caracterização das hipóteses de nepotismo, previstas no
art. 2º da Resolução nº 07/2005, o âmbito de jurisdição dos tribunais superiores abrange
todo o território nacional, compreendendo: a) para o STJ, são alcançados pela incompatibi-
lidade os parentes e familiares dos respectivos membros perante o próprio tribunal supe-
rior e todos os Tribunais Regionais Federais, Tribunais de Justiça, Varas Federais e Varas
Estaduais; b) para o TSE, são alcançados pela incompatibilidade os parentes e familiares
dos respectivos membros perante o próprio tribunal superior e todos os Tribunais Regio-
nais Eleitorais e Zonas Eleitorais; c) para o STM, são alcançados pela incompatibilidade os
parentes e familiares dos respectivos membros perante o próprio tribunal superior e todas
as auditorias de correição militares, conselhos de justiça militares e juízos-auditores mili-
tares; e d) para o TST, são alcançados pela incompatibilidade os parentes e familiares dos
respectivos membros perante o próprio tribunal superior e todos os Tribunais Regionais
do Trabalho e Varas do Trabalho. G) Para os fins do disposto no inciso I do art. 2º da Reso-
lução nº. 07, a incompatibilidade no tocante aos juízes está vinculada ao limite territorial
do tribunal a que estejam vinculados, sem prejuízo da proibição constante do respectivo
inciso II, quanto ao chamado nepotismo cruzado; H) No âmbito dos Tribunais Regionais
Eleitorais, tendo em vista a peculiaridade de sua composição, também constitui fato ge-
rador da incompatibilidade definida no inciso I do art. 2º da Resolução nº 07 a relação de
matrimônio, convivência e parentesco com juiz ou membro de Tribunal de Justiça ou de
Tribunal Regional Federal, com jurisdição no mesmo limite territorial; I) Para os fins do
disposto no inciso III do art. 2º da Resolução nº 07, considera-se como situação geradora
de incompatibilidade aquela em que haja relação de subordinação hierárquica; J) Para a
definição do alcance da expressão “cargo de direção ou de assessoramento” constante no
inciso III do art. 2º da Resolução nº. 07, deverão ser consideradas a natureza e as atribui-
ções do cargo, independentemente da nomenclatura adotada; K) Os cargos de provimento
efetivo de carreiras do Poder Executivo, do Poder Legislativo e do Ministério Público não
são equiparáveis aos cargos das carreiras judiciárias, para os efeitos do disposto no §1º do
art. 2º da Resolução nº 07; L) Para os fins do disposto no art. 5º da Resolução nº. 07 de 18 de
outubro de 2005, fica a critério do Presidente do Tribunal a escolha do servidor que deverá
ser exonerado para extinguir a relação de nepotismo, não cabendo ao Conselho Nacional
de Justiça pronunciar-se quanto a tal escolha; M) Não se aplica administrativamente qual-
quer prazo decadencial ou prescricional para impedir as exonerações determinadas pela
Resolução nº. 07; N) O servidor inativo do Poder Judiciário, quando no exercício do cargo
em comissão ou função gratificada, é equiparado ao servidor não efetivo.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 67 10/03/2016 14:05:41


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
68 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

oportunidade em que a Excelsa Corte, ao julgar a ADC nº 12/DF,115


entendeu que a vedação à prática de nepotismo116 é decorrência lógica e
imediata da aplicação dos princípios da moralidade e da impessoalidade,
insertos no art. 37, caput, da Constituição da República.117 Indo além,
consignou-se que essa vedação deveria se estender ao âmbito de toda
a Administração Pública.
Diante da conclusão alcançada por aquele Sodalício, aprovou-
se o enunciado da Súmula Vinculante nº 13,118 que visa coibir abusos

115
Ementa: Ação Declaratória de Constitucionalidade, ajuizada em prol da Resolução nº 07,
de 18.10.05, do Conselho Nacional de Justiça. Ato normativo que “disciplina o exercício
de cargos, empregos e funções por parentes, cônjuges e companheiros de magistrados e
de servidores investidos em cargos de direção e assessoramento, no âmbito dos órgãos do
Poder Judiciário e dá outras providências”. Procedência do pedido. 1. Os condicionamentos
impostos pela Resolução nº 07/05, do CNJ, não atentam contra a liberdade de prover e
desprover cargos em comissão e funções de confiança. As restrições constantes do ato
resolutivo são, no rigor dos termos, as mesmas já impostas pela Constituição de 1988,
dedutíveis dos republicanos princípios da impessoalidade, da eficiência, da igualdade e
da moralidade. 2. Improcedência das alegações de desrespeito ao princípio da separação
dos Poderes e ao princípio federativo. O CNJ não é órgão estranho ao Poder Judiciário
(art. 92, CF) e não está a submeter esse Poder à autoridade de nenhum dos outros dois.
O Poder Judiciário tem uma singular compostura de âmbito nacional, perfeitamente
compatibilizada com o caráter estadualizado de uma parte dele. Ademais, o art. 125 da
Lei Magna defere aos Estados a competência de organizar a sua própria Justiça, mas
não é menos certo que esse mesmo art. 125, caput, junge essa organização aos princípios
“estabelecidos” por ela, Carta Maior, neles incluídos os constantes do art. 37, cabeça. 3.
Ação julgada procedente para: a) emprestar interpretação conforme à Constituição para
deduzir a função de chefia do substantivo “direção” nos incisos II, III, IV, V do artigo 2º
do ato normativo em foco; b) declarar a constitucionalidade da Resolução nº 07/2005, do
Conselho Nacional de Justiça (STF. ADC nº 12/DF, Rel. Min. Carlos Britto, Tribunal Pleno,
j. em 20.08.2008, DJ, 18 dez. 2009).
116
A vedação ao nepotismo, no âmbito federal, encontra-se positivada no art. 117, VIII, da
Lei nº 8.212/90: “Ao servidor é proibido [...] manter sob sua chefia imediata, em cargo ou
função de confiança, cônjuge, companheiro ou parente até o segundo grau civil;”
117
A propósito, anotou o Ministro Gilmar Mendes em seu voto: “Dessa forma, o ato admi-
nistrativo que implique esse tipo de prática imoral – nepotismo – é ilegítimo, não apenas
por violação a uma determinada lei, mas por ofensa direta à moralidade que atua como
substrato ético da ordem constitucional. Nesse sentido, é possível afirmar que não seria
necessária uma lei em sentido formal para instituir a proibição do nepotismo, pois ela já
decorre do conjunto de princípios constitucionais, dentre os quais têm relevo os princípios
da moralidade e da impessoalidade”.
118
Cf. Ementa: Mandado de Segurança. Nepotismo. Cargo em comissão. Impossibilidade. Prin-
cípio da moralidade administrativa. Servidora pública da Secretaria de Educação nomeada
para cargo em comissão no Tribunal Regional do Trabalho da 16ª Região à época em que o
vice-presidente do Tribunal era parente seu. Impossibilidade. A proibição do preenchimen-
to de cargos em comissão por cônjuges e parentes de servidores públicos é medida que ho-
menageia e concretiza o princípio da moralidade administrativa, o qual deve nortear toda
a Administração Pública, em qualquer esfera do poder. Mandado de segurança denegado
(STF. MS nº 23.780/MA, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Tribunal Pleno, j. em 28.09.2005, DJ, 03
mar. 2006); Ementa: Administração Pública. Vedação nepotismo. Necessidade de lei for-
mal. Inexigibilidade. Proibição que decorre do art. 37, caput, da CF. RE provido em parte.
I - Embora restrita ao âmbito do Judiciário, a Resolução 7/2005 do Conselho Nacional da
Justiça, a prática do nepotismo nos demais Poderes é ilícita. II - A vedação do nepotismo

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 68 10/03/2016 14:05:41


CAPÍTULO 3
CARGOS EM COMISSÃO E FUNÇÕES DE CONFIANÇA
69

praticados na Administração Pública Direta e Indireta, nos três Poderes


da União, Estados, Distrito Federal e Municípios:

Súmula Vinculante nº 13. A nomeação de cônjuge, companheiro ou


parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau,
inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa
jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para
o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função
gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos
Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios,
compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a
Constituição Federal.

A partir de então, não só o Poder Judiciário, mas toda a Admi­


nistração Pública passou a ter que observar os ditames de referido
enunciado, cujo efeito é vinculante, nos termos da norma inserta no art.
103-A da Constituição da República.119
Questão interessante a respeito do tema diz respeito à averiguação
da prática de nepotismo na hipótese de nomeação de servidores para
ocuparem cargos em comissão no mesmo órgão e o critério de relação
de subordinação entre ambos ou com a autoridade nomeante.
Nessa seara, o Supremo Tribunal Federal, ao apreciar a matéria,
adotou interpretação no sentido de abrandar os termos da Súmula
Vinculante nos casos em que inexiste grau de subordinação hierárqui-
ca.120 Isso porque o nepotismo ocorre quando o servidor é nomeado
não em razão de sua qualificação ou expertise, mas, antes, em virtude
de sua relação de parentesco com a autoridade nomeante ou outra, na
hipótese de nepotismo cruzado. É a valorização dos laços familiares em
detrimento da meritocracia.
Nesse sentido, estabeleceram-se dois critérios objetivos para
configuração do nepotismo, a saber: (i) relação de parentesco entre a
pessoa nomeada e a autoridade nomeante ou o ocupante de cargo de

não exige a edição de lei formal para coibir a prática. III - Proibição que decorre diretamente
dos princípios contidos no art. 37, caput, da Constituição Federal. IV - Precedentes. V - RE
conhecido e parcialmente provido para anular a nomeação do servidor, aparentado com
agente político, ocupante, de cargo em comissão (STF. RE nº 579.951/RN, Rel. Min. Ricardo
Lewandowski, Tribunal Pleno, j. em 20.08.2008, DJ, 24 out. 2008).
119
Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante
decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitu-
cional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vin-
culante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta
e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou
cancelamento, na forma estabelecida em lei.
120
Cf. STF. MS nº 27.102/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. em 11.06.2014.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 69 10/03/2016 14:05:41


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
70 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

direção, chefia e assessoramento a quem estiver subordinada; e (ii) a


relação de parentesco entre a pessoa nomeada e a autoridade que exerce
ascendência hierárquica sobre a autoridade nomeante.
Em recente decisão, digna de nota, o Ministro Dias Toffoli deixou
de conhecer de Reclamação Constitucional,121 apresentada pelo Estado
do Rio Grande do Sul, em que se discutia pretensa violação ao enunciado
vinculante por parte do Tribunal de Justiça daquele Estado que, em sede
de Mandado de Segurança, permitira a permanência de servidora titular
de cargo em comissão de Assessor de Desembargador nos quadros
daquele Sodalício, apesar da existência de parente de terceiro grau
ocupando cargo idêntico, porém, em gabinete diverso. Em suas razões
de decidir, o em. Relator pontuou que diante da “estrutura do Poder
Judiciário, em especial a discricionariedade do membro da magistratura
na escolha de servidor para lhe assessorar, respeitados os limites legais
e constitucionais, não há como presumir ascendência hierárquica” da
servidora por primeiro nomeada em relação à indicação da segunda,
inexistindo, ademais, relação de subordinação entre ambas ou, ainda,
prova de suposta “troca de favores” entre as autoridades nomeantes.
Assim, pode-se afirmar que a jurisprudência daquele Pretório
Excelso firmou-se no sentido de que a incompatibilidade da conduta,
nessa hipótese, com o enunciado da Súmula Vinculante nº 13, não está
na existência pura e simples da relação de parentesco entre o nomeado e
um servidor público, mas, sim, na presunção de que a indicação “tenha
sido direcionada a pessoa com relação de parentesco com quem tenha
potencial de interferir no processo de seleção.” Dito de outro modo, há
que se perquirir, no caso concreto, acerca da existência de relação de
subordinação ou de eventual influência do vínculo de parentesco no
processo de escolha do servidor.
Por fim, impende destacar que a prática do nepotismo, quando
verificada, configura ato de improbidade administrativa, por violação
aos princípios da Administração Pública, consoante disposto no art. 11,
I, da Lei nº 8.429/92,122 tema esse tratado com maior profundidade no
Capítulo 12 desta obra.

121
STF. Rcl nº 19.529, Rel. Min. Dias Toffoli, j. em 03.08.2015, DJe, 19 ago. 2015.
122
Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da
administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade,
imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente: I - praticar ato
visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de
competência;

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 70 10/03/2016 14:05:41


CAPÍTULO 4

CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA DE
EXCEPCIONAL INTERESSE PÚBLICO

4.1 Noções
Dispõe a norma inserta no art. 37, IX, da Constituição da
República, que “a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo
determinado para atender a necessidade temporária de excepcional
interesse público”.
Pela leitura da norma acima transcrita, depreende-se ser impres-
cindível, para a realização da contratação temporária, a existência de
previsão na lei do ente da federação respectivo, sob pena de nulidade
de pleno direito, nos termos do art. 37, §2º, e punição da autoridade
responsável.
Entretanto, como não poderia deixar de ser, o legislador
infraconstitucional não pode se afastar, sob pena de antinomia com a
norma constitucional, dos parâmetros estabelecidos por ela.
Cabe extrair, portanto, o significado do vocábulo temporário.
Seu significado corresponderia ao circunstancial, ou também se
inseriria algo mais do que isso, como o provisório?
A opção restritiva, abarcando hipóteses relacionadas apenas com
situações circunstanciais, retira a possibilidade de o legislador prever a
contratação temporária para o desempenho de atividades permanentes
e usuais da Administração, ainda que haja necessidade, devendo o
poder público promover concurso público para o preenchimento dos
cargos vagos, ou criar mais cargos, para que se possa dar continuidade
à atividade administrativa.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 71 10/03/2016 14:05:41


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
72 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

A ampliativa implica considerar que necessidade temporária


não é somente a circunstancial, mas, também, a provisória, admitindo-
se, assim, em casos excepcionais, a contratação temporária de pessoal
para desempenho de atividades típicas, permanentes, até que, em
prazo razoável, a Administração preencha as vagas, ou crie os cargos
necessários. A justificativa para a contratação nessas hipóteses estaria
no princípio da continuidade da atividade estatal.
De qualquer modo, de se frisar que o legislador não pode es-
pecificar quais os empregos ou cargos que poderiam ser preenchidos
sem concurso, por meio de contrato temporário, mas, sim as hipóteses
ensejadoras, que, por sua natureza, devam ser incomuns, anômalas, de
exceção.123
Isso faz com que o administrador tenha certa liberdade para a
contratação, logicamente, dentro da hipótese prevista, como, por exem-
plo, nos casos de assistência a situações de calamidade pública.
Ao tratar sobre o tema, Celso Antônio Bandeira de Mello, em
seu Regime Constitucional dos Servidores, enfrenta a questão indagando
se o alcance da expressão se refere à hipótese de grande relevância,
“ou pretenderia abarcar casos em que o interesse em causa, conquanto
não sendo de transcendência extrema, se propusesse ante situação de
exceção, ou seja, ‘excepcional’, demandando suprimento urgente”.124
A opção pelo interesse relevantíssimo só permitiria a contratação
temporária em casos de danos à saúde pública, à paz pública e simila-
res, proibindo-a, por exemplo, para cargos ou empregos de natureza
permanente, mas que se encontram vagos por negligência da Admi-
nistração em realizar concurso, para seu preenchimento, acarretando
descontinuidade, ou deficiência a atividade, como, por exemplo, no caso
das escolas, sendo certo, ainda, que sua efetivação “impõe, obriga, deter-
mina o início e a continuidade de providências para o aperfeiçoamento
do certame, o qual, ocorrendo, conduzirá à extinção criada mediante o
contrato transitório”.125

123
“Deveras, não haveria como arrolá-los ou quantificá-los, pois o que a Constituição cer-
tamente quis obviar foi o enfrentamento de situações anômalas, de exceção. Logo, de re-
percussões imprevisíveis. Daí a impossibilidade de antecipar quais as funções e em que
número demandariam provisório preenchimento para atender a contingências suscitadas
por eventuais invulgares. [...] Assim, o que a lei deve indicar são as espécies de situações in-
comuns que autorizam a contratação temporária, sem concurso” (BANDEIRA DE MELLO,
Celso Antônio. Regime constitucional dos servidores da administração direta e indireta. São Pau-
lo: Revista dos Tribunais, 1991. p. 80).
124
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Regime constitucional dos servidores da administração
direta e indireta. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991. p. 81.
125
ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Princípios constitucionais dos servidores públicos. São
Paulo: Saraiva, 1999. p. 242-243.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 72 10/03/2016 14:05:42


CAPÍTULO 4
CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA DE EXCEPCIONAL INTERESSE PÚBLICO
73

Não se pode olvidar, todavia, que a possibilidade da contratação


temporária existe como exceção à regra e deve ocorrer diante de
anormalidades temporárias a ensejar a contratação atrelada ao relevante
interesse público. Deverão atender os princípios constitucionais da
razoabilidade e da moralidade administrativa, só podendo ocorrer em
casos que justifiquem a contratação.
É certo que essas ocorrências passam pelo controle do Tribunal
de Contas (arts. 74, §§1º e 2º, da Carta Magna), do Poder Judiciário, por
meio de ação popular, ou ação civil pública. Ademais, como dito alhures,
a norma do art. 37, §2º, da Constituição da República, prevê a nulidade
do ato e a punição do administrador nos termos da lei.
O Supremo Tribunal Federal, historicamente, tem dado interpre-
tação restritiva à norma constitucional, e o faz, por certo, com a intenção
de impedir que a exceção se torne regra, temeroso de abrir uma porta
para a fraude sistemática ao concurso público, tendo firmado jurispru-
dência126 no sentido de que a contratação temporária não poderia ter por
objeto a seleção ou recrutamento de pessoal para atividades burocráticas,
ordinárias, permanentes do órgão público.127

126
Referida premissa fica evidente no voto proferido pelo Ministro Maurício Corrêa por oca-
sião do julgamento da ADI nº 890/DF, senão vejamos: “Com efeito, a cláusula constitucional
autorizadora destina-se exclusivamente – e aqui a interpretação restritiva se impõe – aos
casos em que comprovadamente haja necessidade temporária de pessoal. Tal situação não
abrange aqueles serviços permanentes que estão a cargo do Estado nem aqueles de natu-
reza previsível, para os quais a Administração Pública deve alocar, de forma planejada,
os cargos públicos para isso suficientes, a serem providos pela forma regular do concurso
público, sob pena de desídia e ineficiência administrativa” (STF. ADI nº 890, Rel. Min. Mau-
rício Corrêa, Tribunal Pleno, j. em 11.09.2003, DJ, 06 fev. 2004).
127
Isso porque, “caso a Administração tenha meios ordinários, regulares, para atender aos
ditames do interesse público, ainda que em situação de urgência, qualificada pela tempo-
rariedade, não se poderá admitir a contratação temporária. É o caso, por exemplo, quando
há concursados aprovados aguardando serem nomeados para cargos vagos” (STF. RE nº

128
658.026/MG, Rel. Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, j. em 09.04.2014, DJ, 31 out. 2014).
Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei Distrital 418/93. EC 19/98. Alteração
não-substancial do artigo 37, II, da CF/88. Prejudicialidade da ação. Inexistência. Concur-
N
so público. Atividades permanentes. Obrigatoriedade. Serviço temporário. Prorrogação do
prazo. Limitação. Regime jurídico aplicável. [...] 3. Atividades permanentes. Concurso Pú-
blico. As atividades relacionadas no artigo 2º da norma impugnada, com exceção daquelas
previstas nos incisos II e VII, são permanentes ou previsíveis. Atribuições passíveis de serem
exercidas somente por servidores públicos admitidos pela via do concurso público. 4. Ser-
viço temporário. Prorrogação do contrato. Possibilidade limitada a uma única extensão do
prazo de vigência. Cláusula aberta, capaz de sugerir a permissão de ser renovada sucessiva-
mente a prestação de serviço. Inadmissibilidade. 5. Contratos de Trabalho. Locação de ser-
viços regida pelo Código Civil. A contratação de pessoal por meio de ajuste civil de locação
de serviços. Escapismo à exigência constitucional do concurso público. Afronta ao artigo 37,
II, da Constituição Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada procedente para
declarar inconstitucional a Lei 418, de 11 de março de 1993, do Distrito Federal (STF. ADI nº
890, Rel. Min. Maurício Corrêa, Tribunal Pleno, j. em 11.09.2003, DJ, 06 fev. 2004).

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 73 10/03/2016 14:05:42


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
74 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

Nesse sentido são os seguintes precedentes da Suprema Corte:


ADI nº 890;128 ADI nº 2.987;129 ADI nº 2.229;130 ADI nº 3.700;131 ADI
nº 3.430/ES;132 ADI nº 3.210/PR.133

128

129
Ementa: Servidor público: contratação temporária excepcional (CF, art. 37, IX): inconstitu-
cionalidade de sua aplicação para a admissão de servidores para funções burocráticas or-
dinárias e permanentes (STF. ADI nº 2.987, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno,
j. em 19.02.2004, DJ, 02 abr. 2004).
130
Ementa: Constitucional. Administrativo. Servidor público: Defensor público: Contratação
temporária. C.F., art. 37, II e IX. Lei 6.094, de 2000, do Estado do Espírito Santo: inconstitu-
cionalidade. I. - A regra é a admissão de servidor público mediante concurso público: C.F.,
art. 37, II. As duas exceções à regra são para os cargos em comissão referidos no inciso II
do art. 37, e a contratação de pessoal por tempo determinado para atender a necessidade
temporária de excepcional interesse público. CF, art. 37, IX. Nessa hipótese, deverão ser
atendidas as seguintes condições: a) previsão em lei dos cargos; b) tempo determinado;
c) necessidade temporária de interesse público; d) interesse público excepcional. II. - Lei
6.094/2000, do Estado do Espírito Santo, que autoriza o Poder Executivo a contratar, tem-
porariamente, defensores públicos: inconstitucionalidade. III. - Ação direta de inconsti-
tucionalidade julgada procedente (STF. ADI nº 2.229, Rel. Min. Carlos Velloso, Tribunal
Pleno, j. em 09.06.2004, DJ, 25 jun. 2004).
131
Ementa: Constitucional. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei nº 8.742, de 30 de no-
vembro de 2005, do Estado do Rio Grande Norte, que “Dispõe sobre a contratação tempo-
rária de advogados para o exercício da função de Defensor público, no âmbito da Defen-
soria Pública do Estado”. [...] 2. Por desempenhar, com exclusividade, um mister estatal
genuíno e essencial à jurisdição, a Defensoria Pública não convive com a possibilidade de
que seus agentes sejam recrutados em caráter precário. Urge estruturá-la em cargos de
provimento efetivo e, mais que isso, cargos de carreira. 3. A estruturação da Defensoria
Pública em cargos de carreira, providos mediante concurso público de provas e títulos,
opera como garantia da independência técnica da instituição, a se refletir na boa qualidade
da assistência a que fazem jus os estratos mais economicamente débeis da coletividade. 4.
Ação direta julgada procedente (STF. ADI nº 3.700, Rel. Min. Ayres Britto, Tribunal Pleno,
j. em 15.10.2008, DJ, 06 mar. 2009).
132
Ementa: Constitucional. Lei estadual capixaba que disciplinou a contratação temporária
de servidores públicos da área de saúde. Possível exceção prevista no inciso IX do art. 37
da Lei Maior. Inconstitucionalidade. ADI julgada procedente. I - A contratação temporária
de servidores sem concurso público é exceção, e não regra na Administração Pública,
e há de ser regulamentada por lei do ente federativo que assim disponha. II - Para que
se efetue a contratação temporária, é necessário que não apenas seja estipulado o prazo
de contratação em lei, mas, principalmente, que o serviço a ser prestado revista-se do
caráter da temporariedade. III - O serviço público de saúde é essencial, jamais pode-se
caracterizar como temporário, razão pela qual não assiste razão à Administração estadual
capixaba ao contratar temporariamente servidores para exercer tais funções. IV - Prazo
de contratação prorrogado por nova lei complementar: inconstitucionalidade. V - É
pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de não permitir contratação temporária
de servidores para a execução de serviços meramente burocráticos. Ausência de relevância
e interesse social nesses casos. VI - Ação que se julga procedente (STF. ADI nº 3.430/ES,
Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. em 12.08.2009, DJ, 23 out. 2009).
133
Ementa: Constitucional. Administrativo. Servidor público: Contratação temporária. C.F.,
art. 37, IX. Lei 9.198/90 e Lei 10.827/94, do Estado do Paraná. I. - A regra é a admissão de
servidor público mediante concurso público: C.F., art. 37, II. As duas exceções à regra são
para os cargos em comissão referidos no inciso II do art. 37 e a contratação por tempo
determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público:
C.F., art. 37, IX. Nessa hipótese, deverão ser atendidas as seguintes condições: a) previsão
em lei dos casos; b) tempo determinado; c) necessidade temporária de interesse público

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 74 10/03/2016 14:05:42


CAPÍTULO 4
CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA DE EXCEPCIONAL INTERESSE PÚBLICO
75

Entretanto, na ADI nº 3.068/DF, por maioria, a Suprema Corte


entendeu ser possível o legislador autorizar a contratação, sem concurso
público, para atender a necessidade temporária de excepcional interesse
público, quer para o desempenho de atividades de caráter eventual,
temporário ou excepcional, quer para o desempenho de atividades de
caráter regular e permanente.134
Esse precedente é isolado, mas deixa entrever, para a legitimidade
dessa contratação, alguns requisitos que se diferenciam em seu grau de
exigência dependendo da atividade a ser desempenhada.
No julgamento da ADI nº 3.430/ES,135 a questão atinente à natureza
permanente da atividade objeto da contratação temporária voltou a ser
debatida no âmbito daquele Pretório Excelso, tendo sido reconhecida
a inconstitucionalidade de lei capixaba que autorizava a admissão
temporária de pessoal na área da saúde.
Nas discussões daquele julgamento, os Ministros assentaram que
a inconstitucionalidade da lei impugnada residiria na generalidade da
norma, que deixava de especificar os casos em que a contratação tem-
porária poderia ocorrer, conferindo ao Governador poder para indicar
quais situações ensejariam ditas contratações. No entanto, entenderam,
por maioria, modular os efeitos da declaração de inconstitucionalidade
ao prazo de 60 (sessenta dias) da comunicação, tendo em vista a situação
instalada naquele Estado, à época, com a chamada “gripe suína”.

excepcional. II. - Precedentes do Supremo Tribunal Federal: ADI 1.500/ES, 2.229/ES e 1.219/
PB, Ministro Carlos Velloso; ADI 2.125-MC/DF e 890/DF, Ministro Maurício Corrêa; ADI
2.380-MC/DF, Ministro Moreira Alves; ADI 2.987/SC, Ministro Sepúlveda Pertence. III.
- A lei referida no inciso IX do art. 37, C.F., deverá estabelecer os casos de contratação
temporária. No caso, as leis impugnadas instituem hipóteses abrangentes e genéricas de
contratação temporária, não especificando a contingência fática que evidenciaria a situação
de emergência, atribuindo ao chefe do Poder interessado na contratação estabelecer os
casos de contratação: inconstitucionalidade. IV. - Ação direta de inconstitucionalidade
julgada procedente (STF. ADI nº 3.210/PR, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, j. em
11.11.2004, DJ, 03 dez. 2004).
134
Na oportunidade, frisou o Ministro Eros Grau, Relator para o acórdão, que “O inciso IX do
art. 37 da Constituição do Brasil não separa, de um lado, atividades a serem desempenhadas
em caráter eventual, temporário ou excepcional e, de outro lado, atividades de caráter
regular e permanente. Não autoriza exclusivamente a contratação por tempo determinado
de pessoal que desempenhe atividades em caráter eventual, temporário ou excepcional.
Amplamente, autoriza contratações para atender a necessidade temporária de excepcional
interesse público em uma e outra hipótese. Seja pelo desempenho de atividades de caráter
regular e permanente, desde que a contratação seja indispensável ao atendimento de
necessidade temporária de excepcional interesse público. 7. Portanto, não existe essa
discriminação. A autorização, que se encontra no texto constitucional é ampla [...]” (STF.
ADI nº 3.068, Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. p/ o ac. Min. Eros Grau, Tribunal Pleno, j. em
25.08.2004, DJ, 23 set. 2005).
135
STF. ADI nº 3.430, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, j. em 12.08.2009, DJ, 23
out. 2009.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 75 10/03/2016 14:05:42


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
76 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

Não se olvida, ainda, que a Corte Constitucional por vezes tem


adotado posição moderada, partindo da premissa de que não seria a
natureza permanente das atividades públicas empeço à contratação
temporária, mas a transitoriedade da necessidade aliada ao excepcional
interesse público.136
sa Entretanto, nos autos do Recurso Especial nº 658.026/MG,137
relator o Ministro Dias Toffoli, o Supremo Tribunal Federal reconheceu

136
A título ilustrativo, confira-se: Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade. Art. 2º, inc.
VII, da Lei 6.915/1997 do Estado do Maranhão. Contratação de professores por tempo de-
terminado. Interpretação e efeito das expressões “necessidade temporária” e “excepcional
interesse público”. Possibilidade de contratação temporária para suprir atividades públicas
de natureza permanente. Transitoriedade caracterizada. Parcial provimento da ação. 1. A
natureza permanente de algumas atividades públicas – como as desenvolvidas nas áreas
da saúde, educação e segurança pública – não afasta, de plano, a autorização constitucional
para contratar servidores destinados a suprir demanda eventual ou passageira. Necessida-
de circunstancial agregada ao excepcional interesse público na prestação do serviço para
o qual a contratação se afigura premente autoriza a contratação nos moldes do art. 37, inc.
IX, da Constituição da República. 2. A contratação destinada a atividade essencial e perma-
nente do Estado não conduz, por si, ao reconhecimento da alegada inconstitucionalidade.
Necessidade de exame sobre a transitoriedade da contratação e a excepcionalidade do in-
teresse público que a justifica. 3. Ação direta de inconstitucionalidade julgada parcialmente
procedente para dar interpretação conforme à Constituição (STF. ADI nº 3.247, Rela. Mina.
Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, j. em 26.03.2014, DJ, 18 ago. 2014).
137
Ementa: Recurso extraordinário. Repercussão geral reconhecida. Ação direta de incons-
titucionalidade de lei municipal em face de trecho da Constituição do Estado de Minas
Gerais que repete texto da Constituição Federal. Recurso processado pela Corte Suprema,
que dele conheceu. Contratação temporária por tempo determinado para atendimento a
necessidade temporária de excepcional interesse público. Previsão em lei municipal de ati-
vidades ordinárias e regulares. Definição dos conteúdos jurídicos do art. 37, incisos II e IX,
da Constituição Federal. Descumprimento dos requisitos constitucionais. Recurso provido.
Declarada a inconstitucionalidade da norma municipal. Modulação dos efeitos. 1. O assun-
to corresponde ao Tema nº 612 da Gestão por Temas da Repercussão Geral do portal do
STF na internet e trata, “à luz dos incisos II e IX do art. 37 da Constituição Federal, da cons-
titucionalidade de lei municipal que dispõe sobre as hipóteses de contratação temporária
de servidores públicos”. 2. Prevalência da regra da obrigatoriedade do concurso público
(art. 37, inciso II, CF). As regras que restringem o cumprimento desse dispositivo estão
previstas na Constituição Federal e devem ser interpretadas restritivamente. 3. O conteúdo
jurídico do art. 37, inciso IX, da Constituição Federal pode ser resumido, ratificando-se,
dessa forma, o entendimento da Corte Suprema de que, para que se considere válida a
contratação temporária, é preciso que: a) os casos excepcionais estejam previstos em lei; b)
o prazo de contratação seja predeterminado; c) a necessidade seja temporária; d) o interesse
público seja excepcional; e) a necessidade de contratação seja indispensável, sendo vedada
a contratação para os serviços ordinários permanentes do Estado, e que devam estar sob o
espectro das contingências normais da Administração. 4. É inconstitucional a lei municipal
em comento, eis que a norma não respeitou a Constituição Federal. A imposição constitu-
cional da obrigatoriedade do concurso público é peremptória e tem como objetivo resguar-
dar o cumprimento de princípios constitucionais, dentre eles, os da impessoalidade, da
igualdade e da eficiência. Deve-se, como em outras hipóteses de reconhecimento da exis-
tência do vício da inconstitucionalidade, proceder à correção da norma, a fim de atender ao
que dispõe a Constituição Federal. 5. Há que se garantir a instituição do que os franceses
denominam de la culture de gestion, a cultura de gestão (terminologia atualmente ampliada
para ‘cultura de gestão estratégica’) que consiste na interiorização de um vetor do progres-
so, com uma apreensão clara do que é normal, ordinário, e na concepção de que os atos
de administração devem ter a pretensão de ampliar as potencialidades administrativas,

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 76 10/03/2016 14:05:42


CAPÍTULO 4
CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA DE EXCEPCIONAL INTERESSE PÚBLICO
77

a repercussão geral da matéria,138 e, por maioria, reformou acórdão


oriundo do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de Minas
Gerais,139 para declarar a inconstitucionalidade de dispositivo de
Lei Municipal mineira que permitia, genericamente, a contratação
temporária para suprir necessidades de pessoal na área do magistério.
No julgamento em referência, a Corte decidiu que a inconstitu-
cionalidade da norma impugnada estaria no fato de deixar de pontuar,
de forma detalhada, as situações de transitoriedade e excepcionalidade
– ínsitas ao permissivo constitucional –, conferindo ao administrador
ampla liberdade para estabelecer os casos de necessidade na área da
educação passíveis de suprimento mediante a utilização da modalidade
de contratação, o que burla a regra do concurso público.140
Frisou-se, na oportunidade, que, “embora a natureza da atividade
pública, por si só, não afaste, de plano, a autorização constitucional
para contratar servidores destinados a suprir demanda eventual ou
passageira”, é inconteste o fato de que a Constituição da República “não
permite que a Administração se utilize da contratação temporária para
suprir, de forma artificial, atividades públicas de natureza permanente”.
Pelo exposto, o que se observa é que a Corte reafirmou a ju-
risprudência no sentido de que a contratação temporária, dada sua
inerente excepcionalidade, afigura-se descabida para arregimentação
de pessoal para suprimento de atividades permanentes do serviço pú-
blico, admitindo-se, casuisticamente, esse tipo de contratação quando
caracterizar a descontinuidade do serviço.

visando à eficácia e à transformação positiva. 6. Dá-se provimento ao recurso extraordi-


nário para o fim de julgar procedente a ação e declarar a inconstitucionalidade do art.
192, inciso III, da Lei nº 509/1999 do Município de Bertópolis/MG, aplicando-se à espécie
o efeito ex nunc, a fim de garantir o cumprimento do princípio da segurança jurídica e o
atendimento do excepcional interesse social (STF. RE nº 658.026/MG, Rel. Min. Dias Toffoli,
Tribunal Pleno, j. em 09.04.2014, DJ, 31 out. 2014).
138
Ementa: Direito Administrativo e Constitucional. Ação Direta de Inconstitucionalidade de
norma municipal que dispõe sobre contratação temporária de pessoal. Discussão acerca
dos requisitos da temporariedade e da excepcionalidade, justificadores do interesse públi-
co em que fundamentada a contratação. Matéria que ultrapassa os interesses das partes,
passível de repetição em inúmeros processos. Presença de repercussão geral (STF. RE nº
658.026 RG, Rel. Min. Dias Toffoli, j. em 01.11.2012, DJ, 13 nov. 2012).
139
TJMG. ADI nº 1.0000.08.475374-8/000, Rel. Des. Brandão Teixeira, Rel. p/ o ac. Des. Antônio
Carlos Cruvinel, Corte Superior, j. em 13.01.2010, DJe, 23 abr. 2010.
140
A tal respeito, elucida Gustavo Alexandre Magalhães que “a contratação temporária de
servidores públicos é uma das medidas excepcionais de admissão de pessoal pela Admi-
nistração. E como exceção ao princípio constitucional do concurso público, deve restringir-
se aos casos em que o interesse público efetivamente o exija, sob pena de retornar-se ao
spoils system, sistema por meio do qual os governantes eleitos preenchiam os cargos públi-
cos de acordo com suas conveniências políticas” (In: Contratação temporária por excepcional
interesse público. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 122).

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 77 10/03/2016 14:05:42


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
78 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

4.2 Requisitos
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE nº 658.026/
MG – no bojo do qual reconhecida a repercussão geral da matéria –,
ao explicitar o conteúdo jurídico da norma inserta no art. 37, IX, da
Carta Magna, ratificou o entendimento da Corte e sistematizou os
requisitos para a contratação temporária: (i) os casos excepcionais
requerem disposição expressa em lei; (ii) prazo predeterminado; (iii) a
necessidade há de ser de caráter temporário; (iv) existência de interesse
público excepcional; e (v) a contratação tem de ser indispensável, sendo
vedada para serviços tidos por ordinários, burocráticos, permanentes
do órgão público que estejam sob o espectro das contingências normais
da Administração.
Em suma, uma vez ausentes quaisquer desses requisitos, a norma
será inconstitucional, ou a contratação eivada de nulidade, porquanto em
dissenso com a regra constitucional que privilegia o concurso público,
permitindo a contratação temporária apenas em caráter de exceção.

4.3 Regime jurídico


Divergência ou questionamento não há sobre sua natureza: é de
direito público. Igualmente não há empeço, em tese, de a lei que prevê
a contratação temporária estabelecer que se aplicam, no que couber, as
normas do Estatuto do respectivo ente federado;141 o que é inaplicável
é o regime celetista, pois a relação deve ser regida, obrigatoriamente,
por normas de direito público.142
De todo modo, hígido ou não o contrato, conforme jurisprudência
reiterada do Superior Tribunal de Justiça,143 não há falar-se em direito

141
Estendendo, portanto, os direitos referidos no art. 39, §3º, da Constituição da República.
142
A tal respeito anota Cármen Lúcia Antunes Rocha: “Qualquer que seja a hipótese deter-
minante da contratação temporária de servidor, é de atentar a que o regime jurídico a
que eles se submete é diverso daquele que incide e informa o que se impõe na relação da
entidade pública e o servidor titular de cargo de provimento efetivo. Em qualquer cir-
cunstância, há imperiosa necessidade de haver a identificação do contratado e a definição,
expressa e pública (publicidade que se dá, aliás, mediante publicação), dos motivos que
conduziram à contratação. [...] O regime jurídico que informa a relação funcional acordada
entre contratado e a entidade pública contratante deve ser estabelecida na lei que prevê a
hipótese constitucional e a regulamenta no âmbito de cada qual das hipóteses políticas.
É certo, todavia, que, seja qual for o conjunto de direitos, deveres e responsabilidades
firmadas legalmente para as partes, será aquela sempre uma relação de direito público,
firmando-se nos princípios e regras do direito administrativo” (In: Princípios Constitucio-
nais dos Servidores Públicos. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 245).
143
Nesse sentido: Administrativo. Contrato temporário. Relação jurídico-administrativa. Pror-
rogação indevida do contrato que não altera o regime jurídico. FGTS indevido. Precedentes

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 78 10/03/2016 14:05:42


CAPÍTULO 4
CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA DE EXCEPCIONAL INTERESSE PÚBLICO
79

a recebimento de FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço),


parcela genuinamente decorrente da relação de emprego regida pela
Consolidação das Leis do Trabalho, ou anotação em CTPS (Carteira de
Trabalho e Previdência Social), haja vista a inexistência, repise-se, de
relação de emprego, sendo o vínculo existente jurídico-administrativo,
e não celetista.
Quanto ao regime previdenciário, por não ser servidor público
ocupante de cargo efetivo, o contratado temporário, da mesma forma
que o ocupante de cargo em comissão de recrutamento amplo, submete-
se ao regime geral de previdência social,144 consoante a norma inserta
no artigo 40, §13, da Constituição da República.
Por fim, tal como já afirmado no item 3.3., é garantido às
contratadas temporárias o direito ao gozo de licença-maternidade,
bem como à estabilidade provisória (art. 7º, XVIII, CR, e art. 10, II,
“b”, ADCT/CR), ou da respectiva indenização, no caso de dispensa,
consoante jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal e
do Superior Tribunal de Justiça.145 Lin
desta Corte. [...] 2. Esta Corte adotou entendimento no sentido de que o trabalhador tem-
porário mantém relação jurídico-administrativa, razão pela qual a regra do art. 19-A da
Lei 8.036/90, quanto ao pagamento do FGTS, a ele não se ajusta. Desse modo, não há falar
em direito aos respectivos depósitos. 3. Agravo regimental a que se nega provimento (STJ.
EDcl no REsp nº 1.457.093/MG, Rel. Min. Sérgio Kukina, Primeira Turma, j. em 05.08.2014,
DJe, 14 ago. 2014); Processual Civil. Administrativo. Contrato de trabalho temporário pre-
cário. Relação jurídico-administrativa. Prorrogação. Impossibilidade de transmudação do
regime jurídico. Ausência de nulidade. Pagamento do FGTS. Descabimento. Precedentes.
1. O presente caso não versa sobre hipótese de servidor público cuja investidura em cargo
ou emprego público foi anulada, mas sim de trabalhador contratado a título precário que
teve o contrato de trabalho prorrogado, o que não é suficiente para transmudar a natureza
do vínculo administrativo em trabalhista. 2. A jurisprudência do STJ firmou-se no sentido
de que o servidor temporário mantém relação jurídico-administrativa com o Estado, razão
pela qual o disposto no art. 19-A da Lei n. 8.036/90 não se aplica, no que concerne às verbas
do FGTS. Agravo regimental improvido (STJ. AgRg no AREsp nº 483.585/PE, Rel. Min.
Humberto Martins, Segunda Turma, j. em 22.04.2014, DJe, 05 maio 2014); Administrativo.
Recurso Especial. Servidor estadual. Contratação temporária. Relação jurídico-adminis-
trativa. Pagamento do FGTS. Art. 19-A da Lei 8.036/90. Inaplicabilidade. Precedentes. 1. O
Supremo Tribunal Federal adotou o entendimento de que a mera prorrogação do prazo de
contratação de servidor temporário não é capaz de transmudar o vínculo administrativo
que este mantinha com o Estado em relação de natureza trabalhista (RE 573.202/AM, Rel.
Min. RICARDO LEWANDOWISKI). 2. A orientação desta Corte se firmou no sentido de
que o servidor temporário mantém relação jurídico-administrativa com o Estado, razão
pela qual a regra do art. 19-A da Lei 8.036/90, no que respeita às verbas do FGTS, não se
lhe aplica. Precedentes. 3. Recurso especial não provido (REsp nº 1.399.207/MG, Rela. Mina.
Eliana Calmon, Segunda Turma, j. em 17.10.2013, DJe, 24 out. 2013).
144
A tal respeito já decidiu o Superior Tribunal de Justiça: O regime próprio de previdência é
aplicável apenas aos servidores ocupantes de cargos efetivos. Ao servidor contratado por
prazo determinado aplica-se o regime geral da previdência social, nos termos do art. 40,
§13, da Constituição (STJ. RMS nº 29.462/PA, Rel. Min. Felix Fischer, Quinta Turma, j. em
20.08.2009, DJe, 14 set. 2009). No mesmo sentido: STJ. RMS nº 18.774/MG, Rel. Min. Gilson
Dipp, Quinta Turma, j. em 03.03.2005, DJ, 28 mar. 2005.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 79 10/03/2016 14:05:43


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
80 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

do Superior Tribunal de Justiça.145

145
Ementa: Constitucional. Administrativo. Licença maternidade. Militar. Admissão em
caráter temporário. Estabilidade provisória. Possibilidade. Isonomia. Art. 7º, XVIII, da
Constituição e art. 10, II, b, do ADCT. Agravo Improvido. I – As servidoras públicas e
empregadas gestantes, independentemente do regime jurídico de trabalho, têm direito à
licença-maternidade de cento e vinte dias e à estabilidade provisória desde a confirmação
da gravidez até cinco meses após o parto, conforme o art. 7º, XVIII, da Constituição e
o art. 10, II, b, do ADCT. II – Demonstrada a proteção constitucional às trabalhadoras
em geral, prestigiando-se o princípio da isonomia, não há falar-se em diferenciação entre
servidora pública civil e militar. III – Agravo regimental improvido (STF. Ag.Rg. no RE nº
597.989/PR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, j. em 09.11.2010, DJ, 29 mar.
2011); Ementa: Constitucional. Licença-maternidade. Contrato temporário de trabalho.
Sucessivas contratações. Estabilidade provisória. Art. 7º, XVIII da Constituição. Art. 10,
II, b do ADCT. Recurso desprovido. A empregada sob regime de contratação temporária
tem direito à licença-maternidade, nos termos do art. 7º, XVIII da Constituição e do
art. 10, II, b do ADCT, especialmente quando celebra sucessivos contratos temporários
com o mesmo empregador. Recurso a que se nega provimento (STF. RE nº 287.905, Rela.
Mina. Ellen Gracie, Rel. p/ ac. Min. Joaquim Barbosa, Segunda Turma, j. em 28.06.2005,
DJ, 30 jun. 2006); Ementa: Recurso ordinário. Constitucional. Administrativo. Mandado
de Segurança. Servidora pública designada em caráter precário. Exoneração durante a
gestação. Licença-maternidade. Estabilidade provisória. Art. 7º, XVIII, da Constituição. Art.
10, II, “b”, do ADCT. Indenização substitutiva da estabilidade provisória. Possibilidade.
Valores posteriores à impetração. Súmulas 269 e 271/STF. Precedentes. 1. As servidoras
públicas, incluídas as contratadas a título precário, independentemente do regime jurídico
de trabalho, possuem direito à licença-maternidade e à estabilidade provisória, desde a
confirmação da gravidez até cinco meses após o parto, consoante dispõem o art. 7º, XVIII, da
Constituição Federal e o art. 10, inciso II, alínea “b”, do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias, sendo a elas assegurada indenização correspondente às vantagens financeiras
pelo período constitucional da estabilidade. Precedentes. 2. O mandado de segurança não
produz efeitos patrimoniais em relação a período pretérito à impetração, os quais devem
ser reclamados administrativamente ou pela via judicial adequada, em razão da incidência
do teor das Súmulas 269 e 271 do STF. 3. Recurso ordinário parcialmente provido para
assegurar à impetrante o direito à percepção da indenização substitutiva, correspondente
à remuneração devida a partir da data da impetração do mandamus até o quinto mês após
o parto (STJ. RMS nº 26.069/MG, Rela. Mina. Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma,
j. em 28.04.2011, DJ, 1º jun. 2011). Na mesma esteira vêm decidindo os Tribunais de Justiça
dos Estados: Ementa: Agravo de Instrumento. Vedação concessão de tutela antecipada
que esgote, no todo ou em parte, o objeto da demanda. Inaplicabilidade. Administrativo.
Servidora pública. Licença maternidade. Estabilidade provisória. Admissão em caráter
precário. Contratada temporariamente. Possibilidade. Isonomia. Art. 7º, XVIII, da
Constituição da República e art. 10, II, ‘b’, do ADCT. Recurso conhecido e provido. 1. A
vedação na concessão de tutela antecipada que esgote, total ou parcialmente, o objeto da
ação apenas é aplicável na hipótese em que o indeferimento não importe na ineficácia da
tutela jurisdicional. 2. As servidoras públicas e empregadas gestantes, independentemente
do regime jurídico de trabalho, têm direito à licença-maternidade de cento e vinte dias e
à estabilidade provisória desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto,
conforme o art. 7º, XVIII, da Constituição e o art. 10, II, b, do ADCT. 3. Demonstrada
a proteção constitucional às trabalhadoras em geral, prestigiando-se o princípio da
isonomia, não há falar-se em diferenciação entre servidora pública ocupante de cargo
de provimento efetivo, em comissão ou mesmo contratada temporariamente (TJMG. AI
nº 1.0086.13.000850-0/001, Rel. Des. Bitencourt Marcondes, Oitava Câmara Cível, j. em
08.08.2013, DJe, 19 ago. 2013); Ementa: Constitucional e Administrativo. Servidora pública.
Função pública. Contrato temporário. Vínculo precário. Gravidez. Dispensa ao fim do
período pactuado. Indenização pelo período da licença-maternidade. Admissibilidade.
Aplicabilidade dos artigos 7º, XVIII, 39, §3º, da CF, e 10, II, ‘b’ do ADCT. Prorrogação

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 80 10/03/2016 14:05:43


CAPÍTULO 4
CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA DE EXCEPCIONAL INTERESSE PÚBLICO
81

4.4 Da nulidade da contratação e seus efeitos


Questão de grande relevância no que concerne à contratação tem-
porária são as consequências advindas da declaração de sua nulidade,
seja porque efetivada diante da inexistência de lei do ente federado que
a regulamente, por estar fundada em norma inconstitucional, ou, ainda,
na hipótese de estar amparada em norma constitucional, porém, com
sucessivas prorrogações no tempo, o que leva ao desvio de finalidade.

a) Contratação temporária sem norma jurídica do ente federado –


incompetência da Justiça Comum
A ausência de lei local para a contratação temporária a torna nula
de pleno direito, mas leva ao questionamento sobre a natureza jurídica
dessa relação.
O Tribunal Superior do Trabalho chegou a editar o enunciado
da Súmula nº 363,146 a partir do julgamento de recursos provenientes
de acórdãos dos Tribunais Regionais do Trabalho, a respeito das
consequências advindas dessa relação.

por mais sessenta dias. Impossibilidade. Irretroatividade da Lei 18.879/10. Procedência


parcial do pedido. - A servidora contratada temporariamente pelo poder público tem
direito à licença-maternidade, e, por conseguinte, sua dispensa ao final do contrato
administrativo, não exonera o Estado de pagar-lhe a respectiva indenização. Precedentes.
[...] (TJMG. AC nº 1.0024.11.064602-3/001, Rel. Des. Alberto Vilas Boas, Primeira Câmara
Cível, j. em 03.06.2014, DJe, 11 jun. 2014); Apelação Cível. Servidor público. Magistério
estadual. Contrato temporário. Servidora gestante. Exoneração. Direito à indenização. 1.
As servidoras públicas e empregadas gestantes, inclusive as contratadas a título precário,
independentemente do regime jurídico de trabalho, têm direito à licença-maternidade de
cento e vinte dias e à estabilidade provisória desde a confirmação da gravidez até cinco
meses após o parto. Precedentes: RE n. 579.989-AgR, Primeira Turma, Relator o Ministro
Ricardo Lewandowski, Dje de 29.03.2011, RE n. 600.057-AgR, Segunda Turma, Relator o
Ministro Eros Grau, Dje de 23.10.2009 e RMS n. 24.263, Segunda Turma, Relator o Ministro
Carlos Velloso, DJ de 9.5.03 (STF, AI 804574 AgR/DF). 2. Ação julgada improcedente na
origem. Apelação parcialmente provida (TJRS. AC nº 70.054.982.632, Rel. Des. Eduardo
Uhlein, Quarta Câmara Cível, j. em 27.08.2014, DJ, 09 set. 2014); Ementa: Servidor público
estadual. Contratação por tempo determinado, nos termos da Lei Complementar Estadual
nº 1.093/2009. Rescisão contratual antes do termo previsto, no interesse da administração.
Servidora gestante. Estabilidade reconhecida no art. 10, inciso II, alínea “b”, do ADCT.
Direito à licença à gestante configurado, nos termos do art. 39, §3º, combinado com o art. 7º,
inciso XVIII, ambos da Constituição Federal. Décimo terceiro e férias devidos, nos termos
do art. 12 da Lei Complementar Estadual nº 1.093/2009. Sentença que julga improcedente
a ação reformada. Pedidos procedentes em parte. Recurso parcialmente provido (TJSP. AC
nº 0000343-82.2013.8.26.0505, Rel. Des. Paulo Galizia, Décima Câmara de Direito Público,
j. em 29.09.2014, DJ, 1º out. 2014).
146
Súmula nº 363: A contratação de servidor público, após a CF/1988, sem prévia aprovação
em concurso público, encontra óbice no respectivo art. 37, II e §2º, somente lhe conferindo
direito ao pagamento da contraprestação pactuada, em relação ao número de horas
trabalhadas, respeitado o valor da hora do salário mínimo, e dos valores referentes aos
depósitos do FGTS.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 81 10/03/2016 14:05:43


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
82 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

O relevante, entretanto, é verificar o porquê de essas ações terem


sido propostas naquele ramo do Poder Judiciário, tendo em vista que a
natureza administrativa afastaria a competência daquele. O fundamento
seria a ausência de norma primária local que atrairia a competência da
Justiça Trabalhista.
Certo é que cabe à Justiça Comum reconhecer a existência ou não
da relação jurídico-administrativa, mas o fato é, se não a reconhecer,
a dirimência por retirar essa natureza administrativa transfere para
a Justiça Laboral a competência para apreciar conflito advindo desse
contrato considerado nulo de pleno direito. Isto porque parte-se do
pressuposto de que a relação jurídica de direito administrativo entre o
contratado e a Administração Pública está, como já dito, na existência
de lei local. A ausência de instrumento normativo retira desse vínculo
de trabalho a possibilidade de se lhe conferir a natureza administrativa.
A conclusão se dá em razão da premissa considerada na jurispru-
dência firmada na Suprema Corte a respeito da competência da Justiça
Comum. Os vários julgados daquele Sodalício permitem concluir que
o ponto de partida é o de que a norma local, de previsão das hipóteses
de contratação temporária, afirma a natureza jurídico-administrativa
da contratação, pouco importando – para esse fim – se a norma é cons-
titucional ou não, ou, ainda, se houve desvio de finalidade a tornar o
contrato ilegal e, portanto, nulo.

b) Contratação temporária fundada em norma constitucional do ente


federado, mas com desvio de finalidade
De outro lado, se a contratação temporária, apesar de prevista e
realizada com fundamento em norma constitucional do ente federado,
prorroga-se no tempo – mediante previsão ou não na norma local –,
desnaturando, portanto, o caráter “temporário” da admissão, a hipótese
é de desvio de finalidade do ato.
Desse modo, e considerando que a jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal é firme no sentido de que a contratação temporária não
pode ter por objeto a seleção ou recrutamento de pessoal para atividades
ordinárias, permanentes do órgão público, uma vez comprometida a
higidez do contrato, forçosa a declaração de sua nulidade, porquanto
afronta o princípio do concurso público, insculpido no art. 37, II, da
Constituição da República.
Sendo o contrato nulo de pleno direito, dele não exsurge qualquer
direito ao servidor, com exceção da contraprestação pactuada: o saldo
de vencimento.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 82 10/03/2016 14:05:43


CAPÍTULO 4
CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA DE EXCEPCIONAL INTERESSE PÚBLICO
83

c) Contratação temporária fundada em norma inconstitucional do ente


federado
Por fim, se a contratação temporária é feita com base em lei
inconstitucional – isto é, lei que vai de encontro à norma insculpida
no art. 37, IX, da Constituição da República, conforme a interpretação
restritiva dada pelo Supremo Tribunal Federal –, a hipótese é de
nulidade do próprio contrato administrativo, não gerando qualquer
efeito ou direito ao servidor, exceto o saldo de vencimento.147

147
A tal respeito já decidiu o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais: Direito Consti-
tucional - Direito Administrativo - Direito Processual Civil - Apelação - Ação de cobrança
- Contratação temporária - Ausência de observância do disposto no artigo 37, incisos II e IX,
da Constituição Federal - Nulidade - Direito social - Férias - Terço constitucional - Verbas
indevidas - Recurso provido. - Se a Administração Pública realiza contratação que não se
enquadra no disposto no artigo 37, inciso IX, da Constituição Federal, resta clara a nulida-
de do contrato, nos termos do parágrafo 2º. do mencionado dispositivo, já que a regra é
admissão de servidor aprovado em concurso. - Conforme decidido pelo Supremo Tribunal
Federal, em julgamento de Recurso Extraordinário com repercussão geral, a nulidade do
contrato temporário celebrado pela Administração Pública impede a atribuição de direitos
sociais ao contratado, dentre eles a indenização por férias não gozadas, acrescidas de um
terço (TJMG. AC nº 1.0671.10.001397-6/001, Rel. Des. Moreira Diniz, Quarta Câmara Cível,
j. em 24.09.2015, DJe, 1º out. 2015); Ementa: Apelação Cível. Administrativo. Contratação
temporária. Nulidade do contrato administrativo. Ausência do direito ao recebimento das
verbas trabalhistas, exceto saldo de vencimento. Sentença reformada, em reexame neces-
sário. Recurso de Apelação conhecido e provido. 1. A jurisprudência do Supremo Tribu-
nal Federal é firme no sentido de que a contratação temporária não pode ter por objeto a
seleção ou recrutamento de pessoal para atividades ordinárias ou permanentes do órgão
público, porquanto a norma inserta no artigo 37, IX, da Constituição da República, trata de
hipóteses anômalas, de exceção, não podendo se tornar prática comum na Administração
Pública, pena de ofensa ao principio do concurso público. 2. São nulos de pleno direito
contratos administrativos celebrados sem a indicação do fundamento jurídico para contra-
tação temporária, e com o escopo de admitir servidor para exercício de função de caráter
permanente. 3. Sendo os contratos nulos de pleno direito, deles não exsurgem quaisquer
direitos ao servidor, com exceção do saldo de vencimento, ensejando, em tese, a punição
da autoridade responsável por ato de improbidade administrativa, nos termos do disposto
no artigo 37, §2º, da Constituição da República (TJMG. AC/RN nº 1.0145.09.565474-8/001,
Rel. Des. Bitencourt Marcondes, Oitava Câmara Cível, j. em 22.01.2015, DJe, 02 fev. 2015);
Apelação Cível - Direito administrativo - Ação de cobrança - Servidor contratado tempo-
rariamente - Contrato nulo - Direito apenas ao saldo de salário. - Segundo orientação do
Excelso STF, firmada por ocasião dos julgamentos dos Recursos Extraordinários nº 596.478
e 705.140 (ambos com repercussão geral), em caso de nulidade da contratação temporária
por parte da Administração Pública, o prestador de serviços submetido ao regime jurídico
administrativo faz jus apenas aos salários inadimplidos. - “A Constituição de 1988 reprova
severamente as contratações de pessoal pela Administração Pública sem a observância das
normas referentes à indispensabilidade da prévia aprovação em concurso público, comi-
nando a sua nulidade e impondo sanções à autoridade responsável (CF, art. 37, §2º)” (RE
nº 705140, Relator: Min. Teori Zavascki, Tribunal Pleno, julgado em 28.08.2014, Acórdão
Eletrônico Repercussão Geral - Mérito DJe-217, divulg 04.11.2014, public 05.11.2014). - Os
depósitos de FGTS são devidos apenas àqueles empregados submetidos ao regime celetista
(CLT), não se estendendo aos servidores contratados sob o regime de direito administra-
tivo. V.V. (TJMG. AC/RN nº 1.0024.13.042643-0/001, Rel. Des. Heloisa Combat, Rel. p/ ac.
Des. Ana Paula Caixeta, Quarta Câmara Cível, j. em 06.08.2015, DJe, 12 ago. 2015); Ementa:
Administrativo - Reexame necessário - Agente de segurança penitenciário - Contrato tem-
porário - Prorrogações sucessivas - Nulidade - Adicional de local de trabalho e adicional
noturno - Direitos sociais indevidos. 1. Havendo contratação temporária ou prorrogação
das hipóteses legais será nulo o contrato. 2. Nos contratos nulos o contrato não faz jus aos

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 83 10/03/2016 14:05:43


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
84 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

O argumento se justifica na medida em que, caso estendidos os


mesmos direitos ao contrato nulo, estar-se-ia a reconhecer que o ato
ilícito teria os mesmos efeitos do lícito.
O Tribunal Superior do Trabalho, ao apreciar recursos de litígios
provenientes de relação de trabalho entre o Poder Público e o particular,
provenientes de vínculo trabalhista, editou o enunciado da Súmula nº
363, já mencionado, segundo o qual tais contratos, por serem nulos, nos
termos da norma constitucional mencionada, só conferem direito ao
saldo de salário, respeitado o valor da hora do salário mínimo.
Não se olvida, entretanto, a existência de entendimento em
contrário na jurisprudência, no sentido de que, em que pese a declaração
de nulidade da contratação, são assegurados ao contratado os direitos
lsa previstos no §3º do art. 39, da Carta Magna,148 sob pena de enriquecimento
sem causa da Administração Pública.149

lsa direitos do art. 7º e 39, §3º da Constituição Federal (TJMG. AC nº 1.0024.13.253756-4/001,


Rel. Des. Renato Dresch, Quarta Câmara Cível, j. em 17.09.2015, DJe, 23 set. 2015).
148
Em crítica parcial a esse entendimento, discorre Gustavo Alexandre Magalhães ser “evi-
dente que o art. 39 refere-se apenas ao pessoal efetivo, permanente da Administração. É
por essa mesma razão que o art. 39, §3º, não estabelece direitos mínimos para os servido-
res públicos temporários, mas apenas para os agentes integrantes do quadro permanente.
Além disso, em nenhum momento estabeleceu a Carta Magna que só existe regime es-
tatutário no art. 39, o que permite a adoção do regime também para os agentes públicos
mencionados no art. 37, IX. Na verdade, a Constituição nem previu expressamente que o
regime dos servidores ocupantes de cargo público seria o estatutário, sendo esta interpre-
tação criação da doutrina e da jurisprudência. Os servidores ocupantes de cargo público,
que ingressem em caráter definitivo e permanente na função pública, serão organizados
em carreira, mas os servidores temporários, pela própria natureza transitória das ativida-
des exercidas, não têm qualquer tipo de progressão vertical. Mas, de forma alguma, o fato
de o agente temporário não ocupar cargo público ou não ser organizado em carreira pode
ser invocado para proibir a natureza estatutária do regime. Nos casos em que o regime do
agente temporário for previsto integralmente em lei, o legislador estabelecerá as atribui-
ções inerentes ao exercício da função, seus vencimentos e demais direitos e obrigações.
Nestas situações, a noção de função aproxima-se muito da ideia de cargo ou emprego pú-
blico, visto que será prevista integralmente em lei. Não se considera necessário, contudo,
que o legislador estabeleça previamente o número de funções que poderão ser exercidas,
como ocorre com os cargos e empregos, mas tão somente as hipóteses de contratação e o
regime jurídico do servidor temporário. Deve-se atentar ainda para o fato de que não há,
na Constituição Federal, previsão de direitos mínimos para os servidores temporários. À
primeira vista, poderia parecer que o legislador ordinário não enfrentaria limites quando
da instituição do regime jurídico dos servidores temporários. Entretanto, o Constituinte
de 1988 estabeleceu como fundamentos da República Federativa do Brasil a dignidade da
pessoa humana (art. 1º, III) e o valor social do trabalho (art. 1º, IV). Isto quer dizer que
qualquer prestação de serviço em caráter subordinado está submetida a esses princípios,
incluindo-se as atividades exercidas pelos servidores públicos temporários. Deve o Poder
Judiciário, em face de cada caso concreto, verificar se a lei instituidora do regime jurídico
do agente temporário atende aos comandos do princípio da valorização do trabalho hu-
mano, adotando como parâmetro (mínimo) as garantias mínimas previstas pelo art. 39
e pelo art. 7º da Constituição. De qualquer maneira, caso não haja na lei local previsão
dos direitos e garantias do servidor contratado por tempo determinado, deve o Judiciário
aplicar subsidiariamente as normas trabalhistas que regem a matéria nas relações entre
empregados e empregadores privados. Tendo em vista, ainda, o princípio da isonomia, é

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 84 10/03/2016 14:05:43


CAPÍTULO 4
CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA DE EXCEPCIONAL INTERESSE PÚBLICO
85

sem causa da Administração Pública.149


Ressalte-se, por fim, que, neste caso, a descaracterização do
contrato administrativo não retira a competência da Justiça Comum para
apreciação da celeuma, consoante iterativa jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal.150

vedado ao legislador ordinário estabelecer discriminações injustificadas entre os agentes


contratados por tempo determinado e o pessoal do quadro permanente da Administração.
A preocupação apresenta-se relevante pelo fato de que os agentes efetivos terem maior
poder de barganha. É que, por ter perspectiva de relação duradoura com o Estado, o pes-
soal do quadro permanente é sempre mais organizado e articulado, com representação de
qualidade por meio de sindicatos. Já os servidores temporários não têm, na grande maioria
das vezes, oportunidade de organização, já que em média os vínculos não ultrapassam seis
meses (apesar de formalmente serem também representados)” (In: Contratação temporária
por excepcional interesse público. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 160-161).
149
Ementa: Administrativo - Servidor público - Contratação temporária irregular - Direito às
verbas sociais - 13º salário e férias, acrescidas de 1/3 - Comprovação do pagamento ou do
gozo - Ausência - Direito do contratado - Vedação ao enriquecimento ilícito - Precedentes
do STF. - Na esteira da jurisprudência do STF (ARE 864476/MG, ARE 845440/RS),
reconhecida a nulidade da contratação temporária firmada pelo ente público nos moldes
do art. 37, inciso IX, da CF/88, o contratado faz jus aos direitos sociais previstos no art. 7º
da Constituição Federal, dentre os quais se incluem o décimo terceiro salário e as férias,
acrescidas de 1/3, sob pena de enriquecimento ilícito do ente pagador, além da violação
ao princípio constitucional da moralidade, norteador do Direito Administrativo brasileiro.
(TJMG. AC nº 1.0015.13.004518-8/001, Rel. Des. Elias Camilo, Terceira Câmara Cível, j. em
02.07.2015, DJe, 15 jul. 2015); Ementa: Ação de cobrança - Contratação temporária irregular
- Nulidade - Produção de efeitos ex nunc - Proteção ao administrado de boa-fé - Regime
estatutário - Art. 39, §3º, da CF - Recurso parcialmente provido. 1. O STF, corretamente,
rechaçou o abuso cometido com as contratações temporárias, pronunciando-se, em
reiterados julgamentos, pela acepção restritiva do instituto, ou seja, apenas em caso de
necessidade transitória de interesse público excepcional é que se admite essa modalidade
de contratação. 2. Há que se reconhecer efeitos ao ato administrativo - aí incluso o contrato
administrativo - nulo, a quem, de boa-fé, foi atingido por ele. Apenas se comprovado
conluio com o profissional contratado de forma irregular é que se poderia entender pelo
retorno ao status quo ante. Contudo, uma vez que a boa-fé se presume, na ausência de
prova em contrário não há que se cogitar da hipótese de compelir o profissional a devolver
o que recebeu do Poder Público como contraprestação. 3. É de se reconhecer àquele que foi
irregularmente contratado de forma temporária apenas as vantagens discriminadas no art.
39, §3º da CF/88 (TJMG. AC nº 1.0035.10.017731-6/001, Rel. Des. Elpídio Donizetti, Oitava
Câmara Cível, j. em 04.04.2013, DJe, 29 abr. 2013).
150
“A justiça comum é competente para processar e julgar causas em que se discuta a validade
de vínculo jurídico-administrativo entre o poder público e servidores temporários.
Esse o entendimento do Plenário que, em conclusão e por maioria, deu provimento a
agravo regimental e julgou procedente pedido formulado em reclamação ajuizada com
o objetivo de suspender ação civil pública proposta pelo Ministério Público do Trabalho
perante vara trabalhista. No caso, o “parquet” pretendia a anulação de contratações e de
credenciamentos de profissionais — ditos empregados públicos — sem a prévia aprovação
em concurso público. Alegava-se afronta ao que decidido pelo STF na ADI 3.395 MC/
DF (DJU de 10.11.2006), tendo em conta que o julgamento da lide competiria à justiça
comum — v. Informativo 596. O Colegiado asseverou que a orientação firmada na decisão
paradigma seria no sentido de competir à justiça comum o julgamento de litígios baseados
em contratação temporária para o exercício de função pública, instituída por lei local em
vigência antes ou depois da CF/1988. Isso não atrairia a competência da justiça trabalhista
a alegação de desvirtuamento do vínculo. Assim, a existência de pedidos fundados na CLT

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 85 10/03/2016 14:05:43


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
86 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

ou no FGTS não descaracterizaria a competência da justiça comum. Por fim, o Tribunal


deliberou anular os atos decisórios até então proferidos pela justiça laboral e determinar o
envio dos autos da ação civil pública à justiça comum competente. Vencidos os Ministros
Marco Aurélio (relator) e Rosa Weber, que negavam provimento ao agravo” (STF. Rcl nº 4.351
MC-AgR/PE, Rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o acórdão Min. Dias Toffoli, 11.11.2015,
Inf. 807); Ementa: Agravo Regimental na Reclamação. Administrativo e Processual Civil.
Dissídio entre servidor e o poder público. ADI nº 3.395/DF-MC. Cabimento da reclamação.
Incompetência da Justiça do Trabalho. [...] 2. Compete à Justiça comum pronunciar-se
sobre a existência, a validade e a eficácia das relações entre servidores e o poder público
fundadas em vínculo jurídico-administrativo. 3. Não descaracteriza a competência da
Justiça comum o fato de se requererem verbas rescisórias, FGTS e outros encargos de
natureza símile, dada a prevalência da questão de fundo, a qual diz respeito à própria
natureza da relação jurídico-administrativa, ainda que desvirtuada ou submetida a vícios
de origem. 4. Agravo regimental provido para julgar procedente a reclamação (STF. Rcl nº
13.897 AgR, Rel. Min. Marco Aurélio, Relator p/ o ac. Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, j.
em 06.05.2014, DJ, 1º ago. 2014); Ementa: Agravo Regimental no Agravo de Instrumento.
Designação temporária para o exercício de função pública. Regime jurídico-administrativo.
Incompetência da justiça do trabalho para examinar eventual nulidade da contratação.
Agravo Regimental ao qual se nega provimento” (STF. AI nº 791.065 AgR, Rela. Mina.
Cármen Lúcia, Primeira Turma, j. em 15.02.2011, DJ, 25 mar. 2011); Ementa: Reclamação
Constitucional. Autoridade de decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal: artigo
102, inciso I, alínea l, da Constituição da República. Medida Cautelar na Ação Direta de
Inconstitucionalidade n. 3.395. Contratação temporária de servidores públicos: artigo 37,
inciso IX, da Constituição da República. Ações ajuizadas por servidores temporários contra
a Administração Pública: competência da Justiça Comum. Causa de pedir relacionada a uma
relação jurídico-administrativa. Agravo regimental provido e reclamação procedente. 1. O
Supremo Tribunal Federal decidiu no julgamento da Medida Cautelar na Ação Direta de
Inconstitucionalidade n. 3.395 que “o disposto no art. 114, I, da Constituição da República,
não abrange as causas instauradas entre o Poder Público e servidor que lhe seja vinculado
por relação jurídico-estatutária”. 2. Apesar de ser da competência da Justiça do Trabalho
reconhecer a existência de vínculo empregatício regido pela legislação trabalhista, não
sendo lícito à Justiça Comum fazê-lo, é da competência exclusiva desta o exame de questões
relativas a vínculo jurídico-administrativo. 3. Se, apesar de o pedido ser relativo a direitos
trabalhistas, os autores da ação suscitam a descaracterização da contratação temporária ou
do provimento comissionado, antes de se tratar de um problema de direito trabalhista a
questão deve ser resolvida no âmbito do direito administrativo, pois para o reconhecimento
da relação trabalhista terá o juiz que decidir se teria havido vício na relação administrativa a
descaracterizá-la. 4. No caso, não há qualquer direito disciplinado pela legislação trabalhista
a justificar a sua permanência na Justiça do Trabalho. 5. Precedentes: Reclamação 4.904,
Relatora a Ministra Cármen Lúcia, Plenário, DJe 17.10.2008 e Reclamações 4.489-AgR, 4.054
e 4.012, Plenário, DJe 21.11.2008, todos Redatora para o acórdão a Ministra Cármen Lúcia.
6. Agravo regimental a que se dá provimento e reclamação julgada procedente (STF. Rcl nº
8.107 AgR/GO, Rel. Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, J. em 08.10.2009, DJ, 27 nov. 2009);
Ementa: Conflito negativo de competência. Agravo Regimental. Justiça Comum Estadual e
Tribunal Superior do Trabalho. Reclamação trabalhista. Servidor público. Regime especial
administrativo instituído pela Lei nº 1.674/84, do Estado do Amazonas, com fundamento
no art. 106 da Constituição Federal de 1967, na redação dada pela EC nº 01/69. Ações que
não se reputam oriundas de relação de trabalho. Regime jurídico administrativo. Natureza
jurídica imutável. Afronta ao que decidido na ADI 3.395/MC. Interpretação do artigo 114,
inciso I, da Constituição Federal, introduzido pela EC nº 45/2004. Incompetência da Justiça
do Trabalho para dirimir conflitos entre servidores públicos e entes da Administração aos
quais estão vinculados. Competência da Justiça Comum. Agravo Regimental provido. 1.
Esta Corte, ao julgar hipóteses análogas à presente em que se tratava de servidor público
estadual regido por regime especial administrativo disciplinado por lei local editada com

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 86 10/03/2016 14:05:43


CAPÍTULO 4
CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA DE EXCEPCIONAL INTERESSE PÚBLICO
87

4.5 Da contratação de pessoal para as funções de agente


comunitário de saúde e agente de combate às
endemias prevista no art. 198, da Constituição da
República
A Emenda Constitucional nº 51/06 acrescentou ao art. 198, da Carta
Magna, os §§4º a 6º,151 autorizando os gestores locais do Sistema Único
de Saúde a realizar contratações para exercício das funções de agente
comunitário de saúde e agente de combate às endemias. Além disso,
determinou ao legislador ordinário a edição de lei regulamentadora do
regime jurídico desses servidores.
Nesse contexto, foi promulgada a Lei Federal nº 11.350/06, que,
em relação ao regime jurídico dos agentes comunitários de saúde e
agentes de combate às endemias, preconizou, nos arts. 2º e 8º,152 que o

fundamento no artigo 106 da Emenda Constitucional nº 1/69, firmou o entendimento de


que a competência para julgar as questões relativas a essa relação jurídica é da Justiça
Comum Estadual e não da Justiça especializada. Precedentes do Plenário: CC 7.201, Relator
Min. Marco Aurélio, Relator p/ Acórdão Min. Ricardo Lewandowski, DJe 12.12.2008; RE
573.202, Relator Min. Ricardo Lewandowski, Dje 05.12.2008; RE 367.638/AM, Rel. Min.
Moreira Alves, DJ 28.03.2003. 2. No julgamento da ADI nº 3.395, o Supremo Tribunal
Federal, em sede cautelar, determinou a suspensão de toda e qualquer interpretação dada
ao inciso I do artigo 114 da Constituição Federal que inclua na competência da Justiça
do Trabalho a apreciação de causas instauradas entre o Poder Público e seus servidores,
sejam eles de natureza estatutária ou contrato administrativo. Precedentes do Plenário:
Rcl 7.157 Agr/MG, Relator Min. Dias Toffoli, DJe 19.03.2012; Rcl 6.568, Relator Min. Eros
Grau, Dje 25.09.2009; Rcl 4.872, Relator Min. Marco Aurélio, Relator p/ Acórdão Min.
Menezes Direito, DJe 06.11.2008. 3. In casu, a reclamação trabalhista tem como base a
Lei Estadual nº 1.674/84, que disciplinou o regime jurídico administrativo especial dos
servidores admitidos em caráter temporário, de sorte que resta inequívoca, com base na
ampla e pacífica jurisprudência desta Corte, a competência da Justiça Comum Estadual
para o julgamento do caso sub examine. 4. Agravo regimental a que se dá provimento para
declarar a Justiça Estadual Comum – no caso, o Juízo da 2ª Vara da Fazenda Pública do
Estado do Amazonas - competente para processar e julgar o feito (STF. CC nº 7.231 AgR,
Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. p/ o ac: Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, j. em 24.04.2013, DJ, 28
mar. 2014).
151
Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierar-
quizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:
[...] §4º. Os gestores locais do sistema único de saúde poderão admitir agentes comunitá-
rios de saúde e agentes de combate às endemias por meio de processo seletivo público, de
acordo com a natureza e complexidade de suas atribuições e requisitos específicos para
sua atuação. §5º. Lei federal disporá sobre o regime jurídico e a regulamentação das ati-
vidades de agente comunitário de saúde e agente de combate às endemias. §6º. Além das
hipóteses previstas no §1º do art. 41 e no §4º do art. 169 da Constituição Federal, o servi-
dor que exerça funções equivalentes às de agente comunitário de saúde ou de agente de
combate às endemias poderá perder o cargo em caso de descumprimento dos requisitos
específicos, fixados em lei, para o seu exercício.
152
Art. 2º. O exercício das atividades de Agente Comunitário de Saúde e de Agente de
Combate às Endemias, nos termos desta Lei, dar-se-á exclusivamente no âmbito do
Sistema Único de Saúde - SUS, na execução das atividades de responsabilidade dos entes

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 87 10/03/2016 14:05:43


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
88 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

exercício de tais atividades se dará exclusivamente no âmbito do Sistema


Único de Saúde (SUS), mediante vínculo direto entre os agentes e o
órgão ou entidade da Administração Direta, Autárquica ou fundacional,
admitidos pelos gestores locais do SUS e pela Fundação Nacional de
Saúde (FUNASA) e submetidos ao regime jurídico estabelecido pela
Consolidação das Leis do Trabalho, salvo no caso de disposição diversa
em lei local.
Depreende-se, portanto, que referidos agentes devem ser admi-
tidos pelas entidades integrantes do SUS em cada ente da Federação,
seja em conformidade com as regras gerais previstas na lei federal –
que estabelece, como já afirmado, o regime jurídico celetista –, seja em
consonância com a norma local – que poderá, inclusive, submetê-los ao
regime estatutário, mediante a lotação de cargos em seu quadro de pes-
soal. Em qualquer caso, todavia, o recrutamento deverá se dar mediante
a realização de processo seletivo (simplificado ou concurso público).
Tal diploma normativo estabelece, ainda, nuances quanto ao
regime jurídico de referidos profissionais, tais como: (i) pagamento do
piso salarial profissional nacional, para jornada mínima de 40 horas
semanais (art. 9º-A, §§1º e 2º);153 (ii) especificidades quanto ao plano de
carreira (art. 9º-G);154 (iii) hipóteses especiais para rescisão unilateral

federados, mediante vínculo direto entre os referidos Agentes e órgão ou entidade da


administração direta, autárquica ou fundacional.

Art. 8º. Os Agentes Comunitários de Saúde e os Agentes de Combate às Endemias
admitidos pelos gestores locais do SUS e pela Fundação Nacional de Saúde - FUNASA,
na forma do disposto no §4º do art. 198 da Constituição, submetem-se ao regime jurídico
estabelecido pela Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, salvo se, no caso dos Estados,
do Distrito Federal e dos Municípios, lei local dispuser de forma diversa.
153
Art. 9º-A. O piso salarial profissional nacional é o valor abaixo do qual a União, os Estados,
o Distrito Federal e os Municípios não poderão fixar o vencimento inicial das Carreiras
de Agente Comunitário de Saúde e de Agente de Combate às Endemias para a jornada
de 40 (quarenta) horas semanais. §1º. O piso salarial profissional nacional dos Agentes
Comunitários de Saúde e dos Agentes de Combate às Endemias é fixado no valor de R$
1.014,00 (mil e quatorze reais) mensais. §2º. A jornada de trabalho de 40 (quarenta) horas
exigida para garantia do piso salarial previsto nesta Lei deverá ser integralmente dedicada
a ações e serviços de promoção da saúde, vigilância epidemiológica e combate a endemias
em prol das famílias e comunidades assistidas, dentro dos respectivos territórios de
atuação, segundo as atribuições previstas nesta Lei.
154
Art. 9º-G. Os planos de carreira dos Agentes Comunitários de Saúde e dos Agentes de
Combate às Endemias deverão obedecer às seguintes diretrizes: I - remuneração paritária
dos Agentes Comunitários de Saúde e dos Agentes de Combate às Endemias; II - definição
de metas dos serviços e das equipes; III - estabelecimento de critérios de progressão e
promoção; IV - adoção de modelos e instrumentos de avaliação que atendam à natureza das
atividades, assegurados os seguintes princípios: a) transparência do processo de avaliação,
assegurando-se ao avaliado o conhecimento sobre todas as etapas do processo e sobre o seu
resultado final; b) periodicidade da avaliação; c) contribuição do servidor para a consecução
dos objetivos do serviço; d) adequação aos conteúdos ocupacionais e às condições reais

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 88 10/03/2016 14:05:43


CAPÍTULO 4
CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA DE EXCEPCIONAL INTERESSE PÚBLICO
89

do contrato de trabalho (art. 10);155 (iv) possibilidade de cessão de


servidores federais aos Estados, Distrito Federal e Municípios, mediante
celebração de contrato de consórcio público (art. 13);156 e (v) concessão
de indenização de campo, prevista no art. 16 da Lei nº 8.216/91 (art. 15,
§2º).157
Merece destaque o fato de que a Lei Federal nº 13.026/14, em
seu art. 3º,158 criou o Quadro em Extinção de Combate às Endemias,

de trabalho, de forma que eventuais condições precárias ou adversas de trabalho não


prejudiquem a avaliação; e) direito de recurso às instâncias hierárquicas superiores.
155
Art. 10. A administração pública somente poderá rescindir unilateralmente o contrato do
Agente Comunitário de Saúde ou do Agente de Combate às Endemias, de acordo com
o regime jurídico de trabalho adotado, na ocorrência de uma das seguintes hipóteses: I
- prática de falta grave, dentre as enumeradas no art. 482 da Consolidação das Leis do
Trabalho - CLT; II - acumulação ilegal de cargos, empregos ou funções públicas; III -
necessidade de redução de quadro de pessoal, por excesso de despesa, nos termos da
Lei no 9.801, de 14 de junho de 1999; ou IV - insuficiência de desempenho, apurada
em procedimento no qual se assegurem pelo menos um recurso hierárquico dotado
de efeito suspensivo, que será apreciado em trinta dias, e o prévio conhecimento dos
padrões mínimos exigidos para a continuidade da relação de emprego, obrigatoriamente
estabelecidos de acordo com as peculiaridades das atividades exercidas. Parágrafo único.
No caso do Agente Comunitário de Saúde, o contrato também poderá ser rescindido
unilateralmente na hipótese de não-atendimento ao disposto no inciso I do art. 6o, ou em
função de apresentação de declaração falsa de residência.
156
Art. 13. Os Agentes de Combate às Endemias integrantes do Quadro Suplementar a que se
refere o art. 11 poderão ser colocados à disposição dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios, no âmbito do SUS, mediante convênio, ou para gestão associada de serviços
públicos, mediante contrato de consórcio público, nos termos da Lei no 11.107, de 6 de
abril de 2005, mantida a vinculação à FUNASA e sem prejuízo dos respectivos direitos e
vantagens.
157
Art. 15. Ficam criados cinco mil, trezentos e sessenta e cinco empregos públicos de Agente
de Combate às Endemias, no âmbito do Quadro Suplementar referido no art. 11, com
retribuição mensal estabelecida na forma do Anexo desta Lei, cuja despesa não excederá
o valor atualmente despendido pela FUNASA com a contratação desses profissionais. [...]
§2º. Aplica-se aos ocupantes dos empregos referidos no caput a indenização de campo de
que trata o art. 16 da Lei no 8.216, de 13 de agosto de 1991.
158
Art. 3º. Fica criado o Quadro em Extinção de Combate às Endemias e autorizada a trans-
formação dos empregos ativos criados pelo art. 15 da Lei no 11.350, de 5 de outubro de
2006, no cargo de Agente de Combate às Endemias, a ser regido pela Lei no 8.112, de 11
de dezembro de 1990. §1º. O Quadro em Extinção de Combate às Endemias será composto
exclusivamente pelo cargo de Agente de Combate às Endemias, de nível auxiliar, sendo
vinculado ao Quadro de Pessoal do Ministério da Saúde. §2º. A transformação dos empre-
gos em cargos públicos de que trata o caput deste artigo, com o consequente ingresso no
Quadro em Extinção de Combate às Endemias, dar-se-á automaticamente, salvo por opção
irretratável, a ser formalizada no prazo de 90 (noventa) dias a contar da data de entrada em
vigor desta Lei, na forma do Termo de Opção constante do Anexo I. §3º. Os empregados
que formalizarem a opção referida no §2º deste artigo permanecerão no Quadro Suplemen-
tar de Combate às Endemias, de que trata o art. 11 da Lei no 11.350, de 5 de outubro de
2006, vinculados à Fundação Nacional de Saúde - FUNASA e regidos pela Consolidação
das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943. §4º. A
estrutura remuneratória do cargo público de Agente de Combate às Endemias passa a ser
a constante dos Anexos II e III, observada a correlação estabelecida na forma do Anexo IV.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 89 10/03/2016 14:05:44


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
90 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

autorizando, ainda, a transformação dos empregos públicos criados pelo


art. 15 da Lei nº 11.350/06 (no âmbito da FUNASA) em cargos públicos
de agente de combate às endemias, vinculados ao quadro de pessoal do
Ministério da Saúde, a ser regido pelo Estatuto dos Servidores Públicos
da União (Lei Federal nº 8.112/90). Ressalvou, porém, a garantia da
irredutibilidade remuneratória (art. 4º),159 vedando a redistribuição160
de tais servidores a outros órgãos da Administração Pública federal,
independentemente do cumprimento dos requisitos estabelecidos no art.
37 do Estatuto (art. 15),161 bem como instituiu a GEACE – Gratificação
de Exercício da Atividade de Combate às Endemias (art. 11).162
No que tange à contratação temporária realizada com fulcro no
art. 37, IX, da Constituição da República, a norma inserta no art. 16163
vedou expressamente tal possibilidade, exceto na hipótese de combate
a surtos endêmicos.
Diante desses elementos, conclui-se que, a partir da promulgação
da Lei Federal nº 11.350/06, não se admite a contratação temporária
para exercício das funções de agente comunitário de saúde e agente de
combate às endemias, salvo na hipótese de combate a surtos endêmicos,
em que se aplica a legislação local disciplinadora das contratações a
título precário.

§5º. A transformação de que trata o caput não ensejará a alteração de nível de escolaridade
do cargo, independentemente do grau de escolaridade apresentado no momento da trans-
formação.
159
Art. 4º. Fica garantida a irredutibilidade de vencimentos aos servidores enquadrados no
Quadro em Extinção de Combate às Endemias. Parágrafo único. Na hipótese de redu-
ção decorrente da aplicação desta Lei, a diferença será paga a título de Vantagem Pessoal
Nominalmente Identificada - VPNI, a ser absorvida por ocasião do desenvolvimento no
cargo, da reestruturação de tabela remuneratória, concessão de reajustes, adicionais, grati-
ficações ou vantagem de qualquer natureza, conforme o caso.
160
A hipótese em comento será tratada no Capítulo IX desta obra.
161
Art. 15. É vedada a redistribuição dos cargos de Agente de Combate às Endemias a
outros órgãos da administração pública federal, independentemente do cumprimento das
disposições do art. 37 da Lei no 8.112, de 11 de dezembro de 1990.
162
Art. 11. Fica instituída a Gratificação de Exercício da Atividade de Combate às Endemias
- GEACE, devida aos ocupantes do cargo público de Agente de Combate às Endemias,
no âmbito do Quadro em Extinção de Combate às Endemias, do Quadro de Pessoal do
Ministério da Saúde. §1º. A Geace será devida aos titulares do cargo público de que trata
esta Lei, que, em caráter permanente, realizarem atividades de combate e controle de
endemias, em área urbana ou rural, inclusive em terras indígenas e de remanescentes
quilombolas, áreas extrativistas e ribeirinhas. §2º. A Geace não servirá de base de cálculo
para quaisquer outros benefícios, parcelas remuneratórias ou vantagens. §3º. A Geace não
é devida aos ocupantes de cargo em comissão ou função de confiança.
163
Art. 16. É vedada a contratação temporária ou terceirizada de Agentes Comunitários
de Saúde e de Agentes de Combate às Endemias, salvo na hipótese de combate a surtos
epidêmicos, na forma da lei aplicável.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 90 10/03/2016 14:05:44


CAPÍTULO 4
CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA DE EXCEPCIONAL INTERESSE PÚBLICO
91

Argumentar-se-ia que a legislação federal acima mencionada não


teria aplicabilidade no âmbito dos Estados e Municípios, tendo em vista
a autonomia política, administrativa e organizacional outorgada aos
entes federados pelo art. 18, Constituição da República,164 o que, a toda
evidência, abrange a competência para legislar sobre regime jurídico
de seus próprios servidores.
Contudo, não se pode olvidar, a edição da Lei Federal nº 11.350/06
decorreu de comando inserto na própria Carta Constitucional, com o
escopo de regulamentar o exercício das funções dos agentes de saúde
no âmbito do SUS, que é integrado pela União, Estados e Municípios
de forma descentralizada, com gestão única em cada esfera de governo.
Assim, a norma do §5º, do art. 198, da Constituição da República,
conferiu ao legislador federal competência para estabelecer o regime
jurídico desses servidores, tendo sido fixado o celetista, salvo se lei
local dispuser sobre criação de cargos com atribuições de agentes de
saúde sujeitos ao regime estatutário, ou, ainda, na hipótese de combate
a surtos endêmicos, o que, também, requer a existência de lei editada
pelo respectivo ente político, nos termos do art. 37, IX, da Constituição.
Nessa seara, a norma inserta no art. 8º, ao determinar a sujeição
dos servidores contratados para exercício das referidas funções ao regime
celetista, não representa ofensa à autonomia dos entes federados, na me-
dida em que ressalvou, como não poderia deixar de ser, a possibilidade
de admissão de servidores estatutários, e, no caso de surto endêmico,
de servidores contratados temporariamente, nos termos da lei local.

4.6 Da contratação temporária de excepcional interesse


público no Estado de Minas Gerais. Leis Mineiras e
controvérsias na jurisprudência do TJMG
No âmbito do Estado de Minas Gerais, a contratação temporária
de excepcional interesse público encontra-se prevista no art. 22, da
Constituição Estadual, cujo texto praticamente repete a dicção do art. 37,
IX, da Carta Magna, vedando, contudo, no parágrafo único, a utilização
da modalidade em comento para fins de admissão de pessoal na área
do magistério.

164
Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compre-
ende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos
desta Constituição.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 91 10/03/2016 14:05:44


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
92 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

A Lei Estadual nº 10.254/90 estabelecia, em seu art. 11,165 que


referida contratação, sob a forma de contrato de direito administrativo,
não poderia superar o período de 6 (seis) meses. As situações previstas
para a contratação se limitavam ao atendimento de situações declaradas
de calamidade pública e para realização de recenseamento.
Referida norma era, ainda, regulamentada pelo Decreto Estadual
nº 35.330/94, cujo art. 1º autorizava os Secretários de Estado de Saúde
e da Justiça a recrutar pessoal para assegurar a “prestação ininterrupta
dos serviços estaduais de saúde e penitenciário.”
Conforme tivemos a oportunidade de manifestar em diversos
casos envolvendo a matéria em questão,166 da leitura do art. 11 do
supracitado diploma legal, a ilação que se chega é de que não seria
possível a edição de Decreto prevendo a contratação temporária de
pessoal para execução dos serviços estaduais de saúde e penitenciário
– previstas na norma infralegal –, por não se enquadrar a hipótese em
nenhuma das alíneas de seu parágrafo primeiro.
Referido dispositivo legal fora revogado, expressamente, pelo
art. 17 da Lei Estadual nº 18.185, de 04.06.2009, editada com o fito de
disciplinar, de forma completa, a contratação temporária de excepcional
interesse público no Estado.
A mencionada lei, diferentemente da revogada, passou a prever
como situações de necessidade temporária de excepcional interesse
público aquelas relacionadas a assistência a situações de calamidade
pública e emergência, combate a surtos endêmicos, realização de
recenseamentos, assim como para suprir carência de pessoal em razão
de afastamento ou licença de servidores ocupantes de cargos efetivos,
ou para continuidade de serviços públicos essenciais, desde que, no
primeiro caso, o serviço não pudesse ser desempenhado a contento
com o quadro remanescente de servidores e, no segundo, diante da
ausência de candidatos aprovados em concurso público aptos a serem
nomeados, casos esses em que a duração do contrato administrativo

165
Art. 11. Para atender a necessidade temporária, de excepcional interesse público, poderá
haver contratação por prazo determinado, não superior a 6 (seis) meses, sob a forma de
contrato de direito administrativo, caso em que o contratado não será considerado servidor
público. §1º. A contratação prevista no artigo far-se-á exclusivamente para: a) atender a
situações declaradas de calamidade pública; b) (Revogada pelo art. 3º da Lei nº 11.825, de
12/6/1995.); c) realizar recenseamento. §2º. O contrato firmado com base neste artigo só gera
efeitos a partir da sua publicação no órgão oficial, sob a forma de extrato, especificando-se
partes contratantes, objeto, prazo, regime de execução, preço, condições de pagamento,
critérios de reajuste, quando for o caso, e dotação orçamentária a ser utilizada.
166
A título de exemplo, Cf. TJMG. AC nº 1.0024.11.193825-4/001, Rel. Des. Bitencourt
Marcondes, Oitava Câmara Cível, j. em 30.01.2014, DJe, 10 fev. 2014.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 92 10/03/2016 14:05:44


CAPÍTULO 4
CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA DE EXCEPCIONAL INTERESSE PÚBLICO
93

deverá se limitar ao período de afastamento do titular ou do provimento


dos cargos (art. 2º).
Condicionou, ainda, que a admissão de pessoal se fará mediante
processo seletivo simplificado, salvo nos casos de contratação em
decorrência de calamidade pública (art. 3º).
Estipulou, no art. 4º,167 os prazos máximos para a contratação e
suas prorrogações, bem como assegurou aos contratados sob sua égide,
que a remuneração será fixada em consonância com a do vencimento do
titular do respectivo cargo efetivo, ou, inexistindo correspondência, em
conformidade com os valores pagos pelo mercado a título de salário.
Previu, ainda, a extensão, aos contratados temporários, dos
“direitos estabelecidos nos dispositivos previstos no §3º. do art. 39
da Constituição da República” (art. 12), assim como, a critério da
Administração, das “vantagens funcionais previstas em lei, devidas
aos servidores ocupantes dos cargos públicos tomados como referência,
excluídas as vantagens de natureza individual”, além de prêmio por
produtividade (art. 8º).
Ao apreciar demandas envolvendo a aplicação de referidos
diplomas legais, bem como de Leis de Municípios mineiros envolvendo
a matéria, a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de Minas
Gerais tem se apresentado bastante controvertida, tendo a maioria das
Câmaras de Direito Público entendimento firmado no sentido de que,
apesar da nulidade das contratações face às sucessivas prorrogações,
apresenta-se devido o pagamento das parcelas previstas no art. 39, §3º,
da Constituição da República, sob pena de enriquecimento sem causa
da Administração,168 ao passo que, minoritariamente, outras entendem

167
Art. 4º As contratações de que trata esta Lei serão feitas com a observância dos seguintes
prazos máximos: I - seis meses, nos casos dos incisos I e II do caput do art. 2º; II - um ano,
nos casos dos incisos III e IV do caput do art. 2º; III - dois anos, nos casos do inciso V, nas
áreas de saúde e educação, e do inciso VI do caput do art. 2º; e; IV - três anos, no caso do
inciso V do caput do art. 2º, nas áreas de segurança pública, defesa social, vigilância e
meio ambiente. §1º É admitida a prorrogação dos contratos: I - no caso do inciso III do
caput do art. 2º, desde que o prazo total não exceda dois anos; II - nos casos dos incisos
I, II e IV do caput do art. 2º, pelo prazo necessário à superação da situação, desde que o
prazo da prorrogação não exceda dois anos; III - no caso do inciso V do caput do art. 2º,
por até um ano nas áreas de saúde e educação e por até três anos nas áreas de segurança
pública, defesa social, vigilância e meio ambiente; e; IV - no caso do inciso VI do caput do
art. 2º, desde que o prazo total não exceda três anos. §2º No caso do inciso V do caput do
art. 2º, serão adotadas, imediatamente após a contratação, as providências necessárias à
realização do concurso público para provimento dos cargos.
168
Cf. EI nº 1.0702.11.004845-2/002, Rel. Des. Alyrio Ramos, Oitava Câmara Cível, j. em
20.02.2014, DJe, 06 mar. 2014; AC nº 1.0702.10.077061-0/001, Rel. Des. Luís Carlos Gambogi,
Quinta Câmara Cível, j. em 23.01.2014, DJe, 30 jan. 2014; AC nº 1.0479.10.004361-7/001, Rel.
Des. Antônio Sérvulo, Sexta Câmara Cível, j. em 22.01.2013, DJe, 1º fev. 2013.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 93 10/03/2016 14:05:44


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
94 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

que a nulidade da contratação não gera qualquer efeito, sendo devido


apenas eventual saldo de vencimento.169
Com relação ao pedido de pagamento de FGTS, igualmente
há divergência entre seus órgãos fracionários, sobretudo em face da
interpretação dada a recursos repetitivos (REsp nº 1.110.848/RN)170 e

169
Cf. AC/RN nº 1.0024.11.147278-3/001, Rel. Des. Bitencourt Marcondes, Oitava Câmara
Cível, j. em 22.05.2014, DJe, 02 jun. 2014; AC nº 1.0024.10.282608-8/001, Rel. Des. Edgard
Penna Amorim, Oitava Câmara Cível, j. em 08.11.2012, DJe, 20 nov. 2012.
170
Processual Civil. Recurso Especial Representativo de Controvérsia. Art. 543-C, do CPC.
Administrativo. FGTS. Nulidade de contrato por ausência de concurso público. Direito
ao levantamento dos saldos fundiários. Citação do Município de Mossoró/RN. Carência
de prequestionamento. Súmulas 282 e 356 do STF. Ausência de indicação dos dispositivos
violados. Deficiência na fundamentação recursal. Súmula 284 do STF. 1. A declaração
de nulidade do contrato de trabalho em razão da ocupação de cargo público sem a
necessária aprovação em prévio concurso público, consoante previsto no art. 37, II, da
CF/88, equipara-se à ocorrência de culpa recíproca, gerando, para o trabalhador, o direito
ao levantamento das quantias depositadas na sua conta vinculada ao FGTS. 2. Precedentes
do STJ: REsp 863.453/RN, Rel. Ministra Denise Arruda, Primeira Turma, DJ 12.11.2007;
REsp 892.451/RN, Segunda Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ de 25.04.2007;
REsp 877.882/RN, Segunda Turma, Rel. Min. Humberto Martins, DJ de 28.02.2007; REsp
827.287/RN, Primeira Turma, Rel. Min. José Delgado, DJ de 26.06.2006; REsp 892719/RN,
Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 13.03.2007, DJe 02.06.2008.
3. O requisito do prequestionamento é indispensável, por isso que inviável a apreciação,
em sede de recurso especial, de matéria sobre a qual não se pronunciou o Tribunal de
origem, incidindo, por analogia, o óbice das Súmulas 282 e 356 do STF. 4. In casu, os arts.
22 e 29-C da Lei 8.036/1990, 21 do CPC, e 406 do CC, não foram objeto de análise pelo
acórdão recorrido, nem sequer foram opostos embargos declaratórios com a finalidade
de prequestioná-los, razão pela qual impõe-se óbice intransponível ao conhecimento do
recurso quanto aos aludidos dispositivos. 5. As razões do recurso especial mostram-se
deficientes quando a recorrente não aponta, de forma inequívoca, os motivos pelos quais
considera violados os dispositivos de lei federal, fazendo incidir a Súmula 284 do STF:
“É inadmissível o recurso extraordinário, quando a deficiência na sua fundamentação
não permitir a exata compreensão da controvérsia.” 6. In casu, a recorrente não aponta
violação a qualquer dispositivo legal, limitando-se a alegar a necessidade de chamamento
ao processo do Município de Mossoró, incidindo, mutatis mutandis, a Súmula 284 do STF,
bem assim as Súmulas 282 e 356, haja vista a simultânea ausência de prequestionamento
da questão. 7. A eventual ação de regresso, quando muito, imporia a denunciação da
lide do Município, que é facultativa, como o é o litisconsórcio que o recorrente pretende
entrevê-lo como “necessário”. 8. Não há litisconsórcio passivo entre o ex-empregador (o
Município) e a Caixa Econômica Federal - CEF, uma vez que, realizados os depósitos, o
empregador não mais detém a titularidade sobre os valores depositados, que passam a
integrar o patrimônio dos fundistas. Na qualidade de operadora do Fundo, somente a
CEF tem legitimidade para integrar o pólo passivo da relação processual, pois ser a única
responsável pela administração das contas vinculadas do FGTS, a teor da Súmula 82, do
Egrégio STJ (Precedente: REsp 819.822/RN, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira
Turma, julgado em 19.06.2007, DJ 29.06.2007 p. 496). 9. A Corte, em hipóteses semelhantes,
ressalva o direito da CEF ao regresso, sem prejudicar o direito do empregado (Precedente:
REsp 897043/RN, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 03.05.2007,
DJ 11.05.2007 p. 392). Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, desprovido.
Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/2008 (STJ. REsp
nº 1.110.848/RN, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Seção, j. em 24.06.2009, DJe, 03 ago. 2009).

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 94 10/03/2016 14:05:44


CAPÍTULO 4
CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA DE EXCEPCIONAL INTERESSE PÚBLICO
95

com repercussão geral (RE nº 596.478/RR),171 julgados, respectivamente,


pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo Supremo Tribunal Federal172
acerca do tema.
Em caso específico, porém, a Oitava Câmara Cível do TJMG
entendeu, à unanimidade de votos, em julgamento procedido nos
termos do art. 543-B, §3º, do Código de Processo Civil, por não exercer
o juízo de retratação de acórdão que, a priori, afrontaria o entendimento
sufragado pelo Supremo Tribunal Federal nos autos do mencionado RE
nº 596.478/RR.173 É que, no caso, o acórdão paradigma, que reconheceu
o direito ao FGTS, analisou hipótese de relação jurídica trabalhista, e
não jurídico-administrativa, até porque se tratava de recurso oriundo
de acórdão do Tribunal Superior do Trabalho, não servindo tal decisão,
portanto, de fundamento para concessão do aludido benefício a servidor
admitido sob as regras de Direito Administrativo.

171
Ementa: Recurso extraordinário. Direito Administrativo. Contrato nulo. Efeitos.
Recolhimento do FGTS. Artigo 19-A da Lei nº 8.036/90. Constitucionalidade. 1. É
constitucional o art. 19-A da Lei nº 8.036/90, o qual dispõe ser devido o depósito do
Fundo de Garantia do Tempo de Serviço na conta de trabalhador cujo contrato com a
Administração Pública seja declarado nulo por ausência de prévia aprovação em concurso
público, desde que mantido o seu direito ao salário. 2. Mesmo quando reconhecida a
nulidade da contratação do empregado público, nos termos do art. 37, §2º, da Constituição
Federal, subsiste o direito do trabalhador ao depósito do FGTS quando reconhecido ser
devido o salário pelos serviços prestados. 3. Recurso extraordinário ao qual se nega
provimento (STF. RE nº 596478, Rela. Mina. Ellen Gracie, Rel. p/ ac. Min. Dias Toffoli,
Tribunal Pleno, j. em 13.06.2012, DJ, 1º mar. 2013).
172
A favor: EI nº 1.0476.13.000937-8/002, Rel. Des. Duarte de Paula, Quarta Câmara Cível,
j. em 09.10.2014, DJe, 16 out. 2014; AC/RN nº 1.0105.13.026733-6/001, Rel. Des. Dárcio
Lopardi Mendes, Quarta Câmara Cível, j. em 11.09.2014, DJe, 17 set. 2014; Contra:
AC nº 1.0672.11.012303-7/001, Rel. Des. Alberto Vilas Boas, Primeira Câmara Cível, j.
em 19.02.2013, DJe, 28 fev. 2013; AC/RN nº 1.0481.09.098451-1/001, Rel. Des. Edilson
Fernandes, Sexta Câmara Cível, j. em 28.01.2014, DJe, 07 fev. 2014; AC nº 1.0058.11.001163-
0/001, Rel. Des. Belizário de Lacerda, Sétima Câmara Cível, j. em 11.03.2014, DJe, 14 mar.
2014; AC nº 1.0480.09.131302-7/001, Rel. Des. Marcelo Rodrigues, Segunda Câmara Cível,
j. em 18.06.2013, DJe, 1º jul. 2013.
173
STF. RE nº 596.478, Rela. Mina. Ellen Gracie, Rel. p/ ac. Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, j.
em 13.06.2012, DJ, 1º mar. 2013.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 95 10/03/2016 14:05:44


CAPÍTULO 5

SISTEMA REMUNERATÓRIO

5.1 Conceitos
O sistema de pagamento dos servidores públicos varia de acordo
com as modalidades previstas no ordenamento jurídico, podendo a
retribuição pecuniária ser feita na forma de pagamento em parcela única
ou não, dependendo do cargo ou função exercida.
A Constituição da República, em mais de um dispositivo (art. 37,
X e XI, v.g.), trata a remuneração e subsídio como espécies de retribuição
pecuniária. Define o subsídio no §4º do art. 39, mas não o faz em relação
à remuneração.
O termo remuneração, na doutrina, corresponde à retribuição
ao servidor de um valor fixo e outro variável, como também pode ser
empregado para abranger todos os valores, em pecúnia ou não, que o
servidor recebe mensalmente pelo seu trabalho.
No singular, o termo vencimento significa o estipêndio pago
como retribuição pelo efetivo exercício do cargo, emprego ou função,
relacionado geralmente ao padrão fixado em lei. No plural, o termo é
empregado como o valor acima mencionado acrescido das vantagens
pecuniárias.
A propósito, a Constituição da República ainda usa a expressão
vencimentos como sinônimo de remuneração (v.g., art. 37, XII), mas
também já utilizou com sentidos diversos, como fez na redação
anterior à Emenda Constitucional nº 19/98, do inc. XV, do art. 37 (os
vencimentos dos servidores públicos, civis e militares, são irredutíveis

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 97 10/03/2016 14:05:44


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
98 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

e a remuneração observará o que dispõem os arts. 37, XI, XII, 150, II,
153, III, e 153, §2º, I).
Na atual redação, emprega o signo vencimentos sem a distinção,
apenas assegurando a irredutibilidade para os subsídios e vencimentos.
Isto demonstra, como já se mencionou acima, nas definições de
vencimento, vencimentos, subsídio e remuneração, que referidos termos
não são empregados na Constituição da República, como em leis, com
a devida técnica.
Entretanto, a distinção entre eles é de significativa importância
para se entender o alcance da garantia constitucional da irredutibilidade
de vencimentos. A título de exemplo, pode-se afirmar que, quando o
signo remuneração tem como significado retribuição de parcela fixa e
variável, a garantia referida não a alcança.
Esclarecidos os vários significados de remuneração, fato é que a
Constituição estabelece duas formas de retribuição pecuniária para o
servidor público: remuneração e subsídio.
Nessa seara, a remuneração compreende o vencimento básico
(definido por lei), acrescido das vantagens pecuniárias. Assim, enquanto
o vencimento é a retribuição pecuniária devida ao funcionário pelo
efetivo exercício do cargo, correspondente ao padrão fixado em lei, a
remuneração (ou vencimentos, no plural) equivale ao padrão acrescido
das vantagens pecuniárias auferidas pelo servidor.
As vantagens pecuniárias constituem, nesse contexto, adições
estipendiárias ao vencimento básico do servidor, e podem apresentar
natureza definitiva ou transitória, em virtude do “tempo de serviço (ex
facto temporis), pelo desempenho de funções especiais (ex facto officii),
em razão das condições anormais em que se realiza o serviço (propter
laborem), ou, finalmente, em razão das condições pessoais do servidor
(propter personam)”.174
Os servidores podem ainda ser remunerados (sentido amplo),
pelo sistema de subsídio, cujo conceito foi inserido pela Emenda
Constitucional nº 19/98 e corresponde ao pagamento de parcela única,
vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio,
verba de representação ou outra espécie remuneratória.175

174
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 39. ed. São Paulo: Malheiros,
2013. p. 552.
175
Art. 39, §4º: O membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado
e os Secretários Estaduais e Municipais serão remunerados exclusivamente por subsídio
fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono,
prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, obedecido, em qualquer
caso, o disposto no art. 37, X e XI.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 98 10/03/2016 14:05:44


CAPÍTULO 5
SISTEMA REMUNERATÓRIO
99

Registre-se que o art. 39, §3º, da Constituição, garante uma série


de direitos sociais aos servidores públicos, entre eles o pagamento
de décimo terceiro salário, adicional de férias e gratificações de
insalubridade e periculosidade. Importante frisar que o pagamento
dessas vantagens, em rubricas distintas, não desconfigura o pagamento
de subsídio em “parcela única”.
São remunerados por subsídio, por determinação constitucional,
todos os agentes políticos (membros de Poder: Presidente e Vice-
Presidente da República, Ministros de Estado, Governadores e
Vice-Governadores, Secretários Estaduais, Prefeitos e Vice-Prefeitos,
Secretários Municipais, Senadores, Deputados Federais, Deputados
Estaduais e Vereadores); membros do Poder Judiciário (Ministros do
Supremo Tribunal Federal, dos Tribunais Superiores, dos Tribunais
Estaduais e Federais e magistrados, por força das normas insertas nos
arts. 48, XV, 93, V, e 96, II, “b”, da CR/88) e membros do Ministério
Público, da Advocacia-Geral da União, da Defensoria Pública, das
Procuradorias Estaduais e do Distrito Federal (art. 135).
Anota-se que o novo Código de Processo Civil, em vacatio legis,
preceitua que os honorários sucumbenciais passam a pertencer ao ad-
vogado da União, Procurador do Estado. Na verdade o novo Código
acabou por consagrar o que a Lei nº 8.906/94 já tinha alterado, ou seja,
a natureza remuneratória e não mais indenizatória dos honorários su-
cumbenciais, na medida em que preceitua que tal verba é do advogado
e não da parte vencedora.
Ocorre que esses servidores devem ser remunerados por subsídio
(art. 135), e como já visto não lhes é possível o recebimento de qualquer
outra remuneração, exceto aquelas previstas no §3º, do art. 39.
A conclusão a que se chega é que a norma contida no §19, do
artigo 85,176 do novel Código de Processo Civil, é inconstitucional, a não
ser que se lhe dê interpretação conforme para restringir sua aplicação
àqueles procuradores que não recebam subsídios.
Ressalte-se que aqueles advogados públicos que por força do art.
135, da Constituição da República, deveriam receber subsídios, mas não
o recebem por omissão do legislador, poderiam receber honorários.
Remunerar-se-ão ainda por subsídio os servidores policiais
integrantes da Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Polícia

176
Novo Código de Processo Civil, Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015, art. 85. A sentença
condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor. [...] §19. Os advogados
públicos perceberão honorários de sucumbência, nos termos da lei.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 99 10/03/2016 14:05:45


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
100 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

Ferroviária Federal, Polícias Civis, Militares e Corpo de Bombeiros,


conforme determinação contida no art. 144, §9º.177
Além desses agentes, a norma constitucional inserta no parágrafo
8º, do art. 39, preceitua que também poderão ser remunerados
por subsídio os demais servidores organizados em carreira, cuja
normatização compete a cada ente político, dentro de sua autonomia
federativa.

5.2 Irredutibilidade
O art. 37, XV, da Constituição, estabelece o princípio da irreduti-
bilidade de subsídios e vencimentos dos agentes públicos.
De início, é de se lembrar que a garantia constitui “modalidade
qualificada da proteção ao direito adquirido, na medida em que a sua
incidência pressupõe a licitude da aquisição do direito a determinada
remuneração”,178 não se tratando, portanto, de proteção revestida de
caráter absoluto.
Destarte, a proteção não é imune à incidência de tributos ou
ao teto remuneratório. Também não é imune à aplicação da vedação
contida no art. 37, XIV, em que os acréscimos pecuniários não podem
ser computados ou acumulados para fins de concessão de acréscimos
ulteriores.179
Deve-se lembrar que a garantia da irredutibilidade possui caráter
apenas jurídico. Isso significa que a vedação à redução dos vencimentos
ou subsídio incide apenas sobre o valor nominal, não sendo garantida
eventual perda do padrão de compra em razão de instabilidades
inflacionárias, cujas correções devem ser realizadas pela revisão geral
e anual, prevista no art. 37, X, da Constituição.180
Além disso, a Suprema Corte reconheceu que a alteração de
regime jurídico do servidor não ofende o princípio da irredutibilidade.
Isso porque o Pretório Excelso não admite direito adquirido a regime
administrativo, já que a relação jurídica estabelecida entre o Poder

177
Art. 144, §9º. A remuneração dos servidores policiais integrantes dos órgãos relacionados
neste artigo será fixada na forma do §4º do art. 39.
178
Vide RE nº 298.694, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, j. em 06.08.2003, DJ, 23
abr. 2004.
179
É a chamada vedação ao efeito cascata, cuja análise será feita em tópico adiante.
180
Art. 37, X: a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o §4º do art.
39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa
privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem
distinção de índices.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 100 10/03/2016 14:05:45


CAPÍTULO 5
SISTEMA REMUNERATÓRIO
101

Público e seus agentes é institucional e não contratual. A natureza


dessa relação, assim, permite a alteração da forma de remuneração, de
seu cálculo, vedando apenas a redução nominal dos vencimentos, pela
aplicação da irredutibilidade.

5.3 Isonomia
A redação original do parágrafo primeiro do art. 39 da Constituição
assegurava aos servidores da Administração Direta isonomia de
vencimentos para cargos de atribuições iguais ou semelhantes do mesmo
Poder ou de Poderes diversos, ressalvando apenas as vantagens de
caráter individual e relativas à natureza e local de trabalho.181
A igualdade absoluta, contudo, nunca chegou a ser aplicada, pois
esbarra no óbice da exigência de lei para fixação de vencimentos, ainda
que de cargos de atribuições iguais ou assemelhadas. Dessa forma, não
pode o Poder Judiciário, sob o fundamento do princípio da isonomia,
interferir nessa seara para igualar os valores pagos, pois usurpa função
do Poder Legislativo, conforme entendimento consolidado no enunciado
da Súmula nº 339 do Supremo Tribunal Federal,182 aprovada na vigência
da Constituição de 1946.
A Emenda Constitucional nº 19/98 suprimiu a norma, alterando
o disposto no mencionado dispositivo, para determinar que a fixação
dos padrões de vencimentos observe a natureza, grau de responsabi-
lidade, complexidade das atribuições, requisitos para investidura e
peculiaridade dos cargos.183
Com efeito, a Suprema Corte é firme ao afirmar que o princípio
da isonomia é dirigido aos Poderes Executivo e Legislativo, pois a eles
pertence a competência de estabelecer a remuneração dos servidores
públicos.184

181
Carvalho Filho ressalta que, apesar da previsão expressa no texto constitucional, a
isonomia jamais chegou a ser efetivamente aplicada, especialmente quando se trata de
servidores com atribuições iguais lotados em Poderes diversos (In: Manual de Direito
Administrativo. 27. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 760).
182
Súmula nº 339: Não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar
vencimentos de servidores públicos, sob fundamento de isonomia.
183
A Ministra Cármen Lúcia indaga se houve realmente a supressão do princípio, pois,
sendo o postulado isonômico mandamento basilar do sistema, sua exclusão do texto
constitucional (referente à remuneração dos servidores públicos) não pode significar sua
não aplicação (In: Princípios Constitucionais dos Servidores Públicos. São Paulo: Saraiva, 1999.
p. 328/329).
184
Vide: RE nº 395.273-1 AgRg/PA, Rela. Mina. Ellen Gracie, Segunda Turma, j. 08.06.2004, DJ,
06 ago. 2004.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 101 10/03/2016 14:05:45


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
102 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

Ainda assim, várias demandas judiciais buscam equiparação


de remunerações em virtude de semelhança de atribuições exercidas
em cargos diversos. Nesse ponto, o Excelso Pretório, recentemente,
reafirmou a aplicação da citada súmula, em julgamento de Recurso
Extraordinário com repercussão geral, pela impossibilidade de extensão
de gratificação com fundamento no princípio da isonomia.185

5.4 Forma de fixação


Os vencimentos dos servidores públicos devem ser fixados
mediante edição de lei específica, observada a iniciativa privativa em
cada caso, conforme norma inserta no art. 37, X, da Constituição da
República. Assim, compete privativamente ao Chefe do Poder Executivo
a iniciativa de lei que disponha sobre criação de cargos, funções ou
empregos ou aumento de sua remuneração, em razão do disposto
no art. 61, §1º, II, “a”. Para a fixação dos subsídios dos membros e da
remuneração dos servidores do Poder Judiciário, a iniciativa privativa
cabe aos Tribunais (art. 96, II, “b”). No caso dos membros e servidores do
Ministério Público, a competência é do Procurador-Geral, pelo disposto
no art. 127, §2º. E, por fim, a atual redação dos arts. 51, IV, e 52, XIII, da
Constituição, exige lei para fixação da remuneração respectiva no que
concerne aos servidores do Poder Legislativo.186
Assim, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme
no sentido de que o desrespeito à regra da iniciativa privativa do
Chefe do Poder Executivo para projetos de lei que disponham sobre
remuneração de pessoal acarreta inconstitucionalidade formal. Como
corolário desta regra, tem-se ainda a vedação ao Poder Legislativo de
apresentar emendas modificativas que acarretem elevação de despesas
ao projeto de lei.187
Importante a ressalva de que, no caso dos subsídios dos membros
do Poder Judiciário, a norma inserta no art. 93, V, da Constituição

185
Confira-se: Ementa: Recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida.
Administrativo. Servidor público. Extensão de gratificação com fundamento no princípio
da isonomia. Vedação. Enunciado 339 da Súmula desta Corte. Recurso extraordinário
provido (STF. RE nº 592.317/RJ, Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, j. 28.08.2014,
DJe, 10 nov. 2014).
186
A redação anterior não exigia lei para fixação dos vencimentos dos servidores do Poder
Legislativo.
187
Vide ADI nº 4.433 MC/SC, Rela. Mina. Ellen Gracie, Tribunal Pleno, j. em 06.10.2010, DJ, 10
nov. 2010.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 102 10/03/2016 14:05:45


CAPÍTULO 5
SISTEMA REMUNERATÓRIO
103

(redação dada pela EC nº 19/98), estabelece escalonamento vertical a


partir do subsídio dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, para
toda a Magistratura.188
O mencionado dispositivo, ao estabelecer que o subsídio mensal
fixado em lei e escalonado em nível federal e estadual, conforme
respectivas categorias da estrutura judiciária nacional, não pode ter como
diferença entre uma e outra categoria percentual superior a 10 (dez)
ou inferior a 5% (cinco por cento), nem exceder 95% (noventa e cinco
por cento) do subsídio mensal dos Ministros dos Tribunais Superiores,
acaba por autorizar automaticamente a revisão dos subsídios para
toda Magistratura quando novo subsídio é fixado para os Ministros do
Supremo Tribunal Federal. Nesse sentido, decidiu o Conselho Nacional
de Justiça, ao julgar pedido de providências apresentado pela AMB
(Associação dos Magistrados Brasileiros), determinando a inclusão de
parágrafo único no art. 11, da Resolução nº 13, cujo texto determina a
adoção automática do escalonamento previsto na Constituição.189

188
Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre
o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios: [...] V - o subsídio dos
Ministros dos Tribunais Superiores corresponderá a noventa e cinco por cento do subsídio
mensal fixado para os Ministros do Supremo Tribunal Federal e os subsídios dos demais
magistrados serão fixados em lei e escalonados, em nível federal e estadual, conforme as
respectivas categorias da estrutura judiciária nacional, não podendo a diferença entre uma
e outra ser superior a dez por cento ou inferior a cinco por cento, nem exceder a noventa
e cinco por cento do subsídio mensal dos Ministros dos Tribunais Superiores, obedecido,
em qualquer caso, o disposto nos arts. 37, XI, e 39, §4º; [...]
189
O Conselheiro Gilberto Valente Martins consignou em seu voto: “[...] Ante o exposto, por
entender que o não reajustamento automático do valor do subsídio da magistratura esta-
dual, com inobservância da regra contida no inciso V, do art. 93, da Constituição Federal,
compromete a natureza remuneratória nacional e uniforme da magistratura e pode gerar
um passivo para o Estado, o qual terá de pagar as devidas diferenças de forma retroati-
va na hipótese de não cumprimento imediato do escalonamento vertical da remuneração
dos Desembargadores, que decorre de mandamento constitucional e de autorização do
Congresso Nacional por meio de lei, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o presente
pedido de providências para propor a alteração da Resolução n. 13/2006 deste Conselho,
no sentido de acrescer ao artigo 11, parágrafo único com a seguinte redação: RESOLUÇÃO
Nº 13, DE 21 DE MARÇO DE 2006: [...] Art. 11. Os Tribunais publicarão, no Diário Oficial
respectivo, até 15 de janeiro de cada ano, os valores do subsídio e da remuneração de seus
magistrados, em” cumprimento ao disposto no §6º do art. 39 da Constituição Federal.
Parágrafo único: Alterado, por lei federal, o valor do subsídio de Ministro do Supremo
Tribunal Federal, os Tribunais de Justiça o adotarão, imediatamente, a contar de sua vi-
gência para a magistratura da União, como referencia para fins de pagamento do subsídio
aos membros da magistratura estadual, extensivo a inativos e pensionistas, observado o
escalonamento previsto no artigo 93, V, da CF” (CNJ. PP nº 0006845-87.2014.2.00.0000).

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 103 10/03/2016 14:05:45


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
104 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

5.4.1 Revisão geral


O citado art. 37, X, assegura, ainda, a “revisão geral anual da
retribuição, sempre na mesma data e sem distinção de índices”.
A revisão geral constitui simples reposição do valor da moeda,
visando à recomposição de seu poder aquisitivo atingido pelas perdas
inflacionárias, sem acarretar majoração na remuneração do servidor.
A Constituição exige que seja feita por meio de lei específica, devendo
ser concedida em data única e com índices uniformes para todos os
servidores.
Nesse ponto, consigne-se que a iniciativa para desencadear o
procedimento legislativo para a concessão da revisão geral anual aos
servidores públicos é ato de competência do Chefe do Poder Executivo
de cada esfera da Federação. Assim, mesmo reconhecida a mora legis-
lativa, não cabe ao Poder Judiciário suprir a omissão, nem fixar prazo
para que o agente competente o faça. Incabível, ainda, a indenização
correspondente, porque configuraria a concessão do reajuste sem base
legal. Vale dizer, a indenização, na espécie, significaria o próprio reajuste,
sem a respectiva previsão legislativa.190
Importante diferenciar revisão anual de reajuste de vencimentos,
cuja concessão importa em aumento real dos valores percebidos
pelo servidor. O reajuste, portanto, não se confunde com a revisão
geral, podendo ser implantado com índices distintos para as diversas
categorias de servidores.
Em outras palavras, quando o “reajuste” remuneratório possui
caráter geral, deverá ser estendido a todos os servidores, sob pena de
causar afronta ao postulado isonômico constitucional. Entretanto, se tem
caráter setorial e constitui vantagem específica concedida com o fito de
corrigir distorções (em situações jurídicas diversas), não se confunde
com a recomposição de perdas inflacionárias.
À guisa de exemplo, citamos o reajuste concedido aos servidores
do Poder Judiciário do Estado de Minas Gerais pela Lei Estadual nº
21.335/14, aplicado na data-base estabelecida na Lei nº 18.909/10. A toda

190
A Suprema Corte possui entendimento consolidado nesse sentido. Confira-se, a título
de exemplo: Ementa: Servidor público. Revisão geral de vencimento. Comportamento
omissivo do Chefe do Executivo. Direito à indenização por perdas e danos. Impossibilidade.
Esta Corte firmou o entendimento de que, embora reconhecida a mora legislativa, não
pode o Judiciário deflagrar o processo legislativo, nem fixar prazo para que o chefe do
Poder Executivo o faça. Além disso, esta Turma entendeu que o comportamento omissivo
do chefe do Poder Executivo não gera direito à indenização por perdas e danos. Recurso
extraordinário desprovido (STF. RE nº 424.584/MG, Rel. Min. Carlos Velloso. Rel. p/ ac.
Min. Joaquim Barbosa, Segunda Turma, j. em 17.11.2009, DJe, 07 maio 2010).

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 104 10/03/2016 14:05:45


CAPÍTULO 5
SISTEMA REMUNERATÓRIO
105

evidência não se trata de revisão geral, apesar de se referir ao “percentual


de revisão anual dos vencimentos e proventos dos servidores do Poder
Judiciário referente ao ano de 2014”. Isso porque, como já afirmado, a
revisão geral deve advir de lei de iniciativa privativa do Governador do
Estado, extensível a todos os servidores estaduais (não somente àqueles
do Poder Judiciário). Na hipótese, a lei em questão é de iniciativa do
próprio Tribunal de Justiça, e o aumento concedido é exclusivo para
aqueles servidores, consubstanciando-se em verdadeiro reajuste. Tanto
é assim que o aumento aplicável repercute na Lei de Responsabilidade
Fiscal, e é contabilizado para fins de limite com gastos de pessoal até ser
paulatinamente absorvido por reajustes salariais posteriores.
Frise-se, nesse ponto, que a atual jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal não reconhece repercussão geral em controvérsias
relativas à incorporação a vencimento de servidor de reajuste sobre sua
remuneração, por entender que se trata de exame de legislação local,
cuja análise compete ao Tribunal de origem.191

5.5 Vedação ao efeito cascata


São vedadas pelo texto constitucional tanto a vinculação como a
equiparação de quaisquer espécies remuneratórias, a teor do disposto
no art. 37, XIII. A vinculação ocorre quando os vencimentos de um
cargo com atribuições inferiores são atrelados aos valores de retribuição
relativos a outro cargo, em geral de atribuições mais complexas. Já
a equiparação ocorre quando se busca conferir a cargos diversos
remunerações iguais, ainda que possuam funções essencialmente
diferentes.192 O telos da norma proibitiva é, indubitavelmente, evitar os
aumentos em cascata, em que o acréscimo da remuneração de algum
cargo acarreta automático aumento em outro.

191
Confira-se, a título de exemplo: Processual Civil. Recurso Extraordinário com Agravo. Lei
10.698/03. Concessão de “vantagem pecuniária individual”. Ofensa ao art. 37, X, da CF.
Matéria infraconstitucional. Ausência de repercussão geral. 1. A controvérsia relativa à
incorporação, a vencimento de servidor, do reajuste de 13,23% sobre sua remuneração
é de natureza infraconstitucional, já que decidida pelo Tribunal de origem com base nas
Leis 10.697/03 e 10.698/03, não havendo, portanto, matéria constitucional a ser analisada.
2. É cabível a atribuição dos efeitos da declaração de ausência de repercussão geral quando
não há matéria constitucional a ser apreciada ou quando eventual ofensa à Constituição
Federal se dê de forma indireta ou reflexa (RE 584.608 RG, Min. ELLEN GRACIE, Pleno,
DJe de 13/03/2009). 3. Ausência de repercussão geral da questão suscitada, nos termos do
art. 543-A do CPC (STF. ARE nº 800.721 RG/PE, Rel. Min. Teori Zavascki, Tribunal Pleno,
j. em 17.04.2014, DJ, 29 abr. 2014).
192
MARINELA, Fernanda. Direito Administrativo. 8. ed. Niterói: Impetus, 2014. p. 766.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 105 10/03/2016 14:05:45


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
106 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

Além disso, a norma inserta no art. 37, XIV, da Constituição (com


redação determinada pela EC nº 19/98) determina que as vantagens
pecuniárias somente devem ser calculadas e acrescidas considerando
o vencimento básico, e não a remuneração de forma ampla. Daí por
que as vantagens não podem ser computadas para efeito de cálculo de
recebimento de outros acréscimos, a fim de se evitar o chamado “efeito
cascata”.
A redação original desse dispositivo, contudo, estabelecia que os
acréscimos pecuniários percebidos por servidor público não poderiam
ser computados ou acumulados, para fins de concessão de acréscimos
ulteriores, sob o mesmo fundamento.
Assim, antes do advento da Emenda Constitucional nº 19/98,
era imprescindível verificar o título e o fundamento das vantagens
pecuniárias percebidas pelo servidor para se apurar a hipótese de
incidência da vedação inserta no art. 37, XIV, da Constituição Federal.
Em outros termos, os adicionais por tempo de serviço não poderiam
incidir sobre outro, porque possuem o mesmo fundamento, mas, tivesse
o servidor direito a outra vantagem a ser percebida após o recebimento
de quinquênios, como, por exemplo, o adicional trintenário, este incidiria
sobre o vencimento mais os adicionais, haja vista se tratar de vantagens
adquiridas sob fundamento diverso.
Contudo, a nova redação do referido inciso generalizou a
proibição, quer dizer, o “efeito cascata” passou a ser vedado em relação a
quaisquer acréscimos pecuniários, sejam eles de mesma natureza ou não.
Desse modo, entendemos que, a partir da promulgação da EC
nº 19/98, a base de cálculo para a incidência dos novos acréscimos
pecuniários deve corresponder, necessariamente, à retribuição básica
do servidor, isto é, ao padrão de vencimento fixado em lei, mesmo que
as vantagens sejam diferentes.
Frise-se ser impossível a alegação de direito adquirido à forma
de cálculos das vantagens pecuniárias percebidas pelo servidor com
base na norma constitucional revogada, pois trata-se de matéria afeta
a regime jurídico, sobre a qual, segundo pacífica jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal, não incide a garantia constitucional. Com
efeito, a relação jurídica que o servidor mantém com o Poder Público
não tem natureza contratual, mas sim legal ou estatutária, podendo a
Administração modificar unilateralmente tal regime.193

193
Vide STF. RE nº 626.413 AgR/RS. Rel. Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, j. em 07.10.2014,
DJ, 20 nov. 2014.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 106 10/03/2016 14:05:45


CAPÍTULO 5
SISTEMA REMUNERATÓRIO
107

A questão gerou polêmica no âmbito do Estado de Minas Gerais,


onde os adicionais (como os quinquênios) incidiam sobre a remunera-
ção (vencimento básico e gratificação inerente ao exercício do cargo ou
função). Diversas ações propostas perante a justiça estadual pretende-
ram a manutenção da forma de cálculo dos adicionais, pugnando pela
aplicação da norma constitucional anterior, caso a vantagem tivesse
ocorrido antes da Emenda.
Conforme ressaltamos nesses julgados, não há que se falar em
direito adquirido do servidor a regime jurídico. Contudo, apesar de
ser possível que a Administração altere unilateralmente suas normas,
essas modificações encontram limite na garantia da irredutibilidade
de vencimentos (garantida pela norma inserta no art. 37, XV, da
Constituição). Desse modo, o servidor possui direito a não sofrer decesso
em sua remuneração em razão do advento da nova regra, que, por dizer
respeito a regime jurídico, aplica-se imediatamente à sua situação. Na
hipótese, todavia, de se verificar redução nominal da remuneração
decorrente da nova forma de cálculo das vantagens, a diferença deve
ser percebida a título de vantagem pessoal, até ser paulatinamente
absorvida por reajustes salariais posteriores.194

5.6 Teto remuneratório


A Constituição de 1988 pretendeu, desde sua promulgação,
estabelecer limite máximo de remuneração a ser aplicado aos servidores
públicos. Nesse contexto, a norma inserta na redação original do art.
37, XI, previa diferentes tetos para o funcionalismo público. A regra
determinava que a retribuição, a depender se o cargo figurasse nos
quadros do Poder Legislativo, Executivo ou Judiciário, limitar-se-ia,
respectivamente, aos valores percebidos pelos membros do Congresso

194
Nesse ponto, deve-se atentar para a norma inserta no parágrafo único do artigo 112 do
ADCT da Constituição mineira, acrescido pela Emenda Constitucional nº 57/03, que
assegura ao servidor público estadual da Administração Direta, Autárquica e Fundacional
a percepção dos quinqüênios adquiridos até o advento da EC nº 19/98 com base no
vencimento básico e gratificação. Referida norma, a toda evidência, apresenta vício de
inconstitucionalidade, por ofensa ao comando inserto no texto da norma do art. 37, XIV, da
Constituição da República, que veda expressamente a percepção de vantagens pecuniárias
calculadas umas sobre as outras (“efeito cascata”). Isso porque a norma constitucional
limita, de forma expressa, a autonomia organizatória dos estados membros quanto
à sua própria Administração e regime jurídico de seus servidores, sendo, portanto, de
observância obrigatória pelos entes federados. Foi por tal razão que suscitei, como relator
do processo, incidente de inconstitucionalidade perante o Órgão Especial do Tribunal de
Justiça de Minas Gerais (1.0024.12.133058-3/002).

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 107 10/03/2016 14:05:45


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
108 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

Nacional, Ministros de Estado e Ministros do Supremo Tribunal Federal


e seus correspondentes nos Estados, no Distrito Federal e nos Territórios.
Nos Municípios, o limite seria a remuneração dos Prefeitos.195
A fim de elucidar a força normativa do dispositivo em tela e evitar
hesitações no momento de adequação das remunerações e proventos
ao teto, o Constituinte Originário teve a cautela de, no art. 17 do ADCT,
dispor que “os vencimentos, a remuneração, as vantagens e os adicionais,
bem como os proventos de aposentadoria que estejam sendo percebidos
em desacordo com a Constituição serão imediatamente reduzidos aos
limites dela decorrentes, não se admitindo, neste caso, invocação de
direito adquirido ou percepção de excesso a qualquer título”.
Ao analisar o alcance do art. 37, XI, da CR, o Supremo Tribunal
Federal, no julgamento da ADI nº 14, de relatoria do Ministro Célio
Borja, firmou o entendimento de que, apesar de a norma ali insculpida
possuir densidade normativa suficiente para regular os casos concretos,
o limite remuneratório se referiria apenas ao padrão de vencimento do
cargo, excluindo-se, portanto, as vantagens pessoais.196 Na oportunidade,
asseverou-se que, pela mesma razão que as vantagens pessoais não
deveriam ser levadas em conta na proteção da isonomia entre os
vencimentos dos três Poderes – conforme a redação original do art. 39,
§1º, da CR197 –, elas também não haveriam de ser computadas para fins
de incidência do teto.

195
Art. 37, XI. A lei fixará o limite máximo e a relação de valores entre a maior e a menor
remuneração dos servidores públicos, observados, como limites máximos e no âmbito dos
respectivos Poderes, os valores percebidos como remuneração, em espécie, a qualquer
título, por membros do Congresso Nacional, Ministros de Estado e Ministros do Supremo
Tribunal Federal e seus correspondentes nos Estados, no Distrito Federal e nos Territórios,
e, nos Municípios, os valores percebidos como remuneração, em espécie, pelo Prefeito;
(redação original)
196
Veja-se a ementa do julgado: Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade Proposta pela
Associação dos Magistrados Brasileiros. O parágrafo 2. do artigo 2. da Lei Federal n. 7.721,
de 6 de janeiro de 1989, quando limita os vencimentos dos ministros do Supremo Tribunal
Federal - “Computados os adicionais por tempo de serviço” - a remuneração máxima
vigente no Poder Executivo, vulnera o art. 39, par. 1., “in fine”, da Constituição, que sujeita
a tal limite apenas os “vencimentos”, excluídas as vantagens “pessoais”. Compatibilidade
do conceito de “vencimentos” estabelecidos na Lei Complementar n. 35/79 e em outros
artigos da Lei Maior com a exegese do aludido dispositivo constitucional. Procedência
parcial da ação para declarar inconstitucionais as expressões “... e vantagens pessoais
(adicionais por tempo de serviço)...”, constante do par. 2., art. 2. da Lei 7.721/89 (ADI nº
14/DF, Rel. Min. Célio Borja, Tribunal Pleno, j. em 28.09.1989, DJ, 1º dez. 1989).
197
Art. 39. [...]

§1º A lei assegurará, aos servidores da administração direta, isonomia de vencimentos
para cargos de atribuições iguais ou assemelhados do mesmo Poder ou entre servidores
dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, ressalvadas as vantagens de caráter individual
e as relativas à natureza ou ao local de trabalho.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 108 10/03/2016 14:05:46


CAPÍTULO 5
SISTEMA REMUNERATÓRIO
109

O constituinte derivado, para contornar o entendimento acanhado


quanto ao alcance da norma constitucional relativa ao teto remunerató-
rio, promulgou a Emenda nº 19/98, por meio da qual dissipou a garantia
de isonomia de vencimentos prevista na redação original do art. 39, §1º,
da CR, ao mesmo tempo que instituiu o subsídio como forma de paga-
mento em parcela única a determinadas categorias, como já ressaltado
em tópico anterior.
Além disso, a nova ordem constitucional descortinada com
o advento da Emenda Constitucional nº 19/98 instituiu, no sistema
brasileiro, teto remuneratório geral, aplicável a todos os servidores
públicos – correspondente ao valor do subsídio mensal pago aos
Ministros do Supremo Tribunal Federal –, o qual abrangeria, por
disposição expressa, as vantagens pessoais.198
Referida Emenda cuidou, também, de estabelecer norma pre-
ceptiva de redução de vencimentos ao novo teto – correspondente ao
subsídio mensal pago aos Ministros do Supremo Tribunal Federal –,
cujo valor deveria ser fixado por lei de iniciativa conjunta, dos três po-
deres, nos termos do art. 48, XV,199 bem como de frisar categoricamente
a necessidade de imediata adequação da remuneração e dos proventos
aos preceitos do art. 37, XI, da CR, nos termos de seu art. 29: “os subsí-
dios, vencimentos, remuneração, proventos da aposentadoria e pensões
e quaisquer outras espécies remuneratórias adequar-se-ão, a partir da
promulgação desta Emenda, aos limites decorrentes da Constituição
Federal, não se admitindo a percepção de excesso a qualquer título”.
Todavia, o Supremo Tribunal Federal, ao analisar a matéria, no
julgamento da Medida Cautelar na ADI nº 2.075/RJ, considerou que a
norma inserta no art. 37, XI, da Constituição, com a redação que lhe foi
conferida pela Emenda nº 19/98, não seria autoaplicável, porquanto sua
eficácia dependeria da edição da lei que estabelecesse o valor do subsídio

198
Assim ficou a redação do art. 37, XI, CR/88, conferida pela Emenda Constitucional nº
19/98: “a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos
da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes
da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato
eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remune-
ratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer
outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Su-
premo Tribunal Federal”.
199
Emenda Constitucional nº 19/98, art. 7º: O art. 48 da Constituição Federal passa a vigorar
acrescido do seguinte inciso XV: “Art. 48. Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do
Presidente da República, não exigida esta para o especificado nos arts. 49, 51 e 52, dispor
sobre todas as matérias de competência da União, especialmente sobre: [...] XV - fixação
do subsídio dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, por lei de iniciativa conjunta dos
Presidentes da República, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal e do Supremo
Tribunal Federal, observado o que dispõem os arts. 39, §4º, 150, II, 153, III, e 153, §2º, I.”

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 109 10/03/2016 14:05:46


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
110 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, consoante o disposto no


citado inc. XV acrescido ao art. 48. Em outras palavras, a despeito da
eficácia imediata anunciada pelo art. 29 da Emenda nº 19/98, enquanto
perdurasse a mora legislativa, prevaleceriam os limites remuneratórios
individualmente fixados para cada um dos Poderes da República, na
forma da redação original do art. 37, XI, impondo-se, para fins de teto
– conforme consignado no julgamento da ADI nº 14 –, a consideração
somente do vencimento básico, de forma a não compreender, em seu
cômputo, as vantagens pecuniárias de ordem pessoal.200 201
Posteriormente, promulgou-se a Emenda nº 41/03, que conferiu
nova redação ao inciso XI, do art. 37, da CR.202 Nesta nova ordem
constitucional, consagraram-se limites específicos de pagamento para
cada esfera federativa, criando assim os chamados subtetos ou tetos
específicos.
Com efeito, definiu-se um limite remuneratório nacional,
correspondente ao subsídio mensal dos Ministros do Supremo Tribunal

200
Confira-se, conforme consignado no julgamento da MC na ADI nº 2.075: [...] O NOVO
TETO REMUNERATÓRIO, FUNDADO NA EC 19/98, SOMENTE LIMITARÁ A
REMUNERAÇÃO DOS AGENTES PÚBLICOS DEPOIS DE EDITADA A LEI QUE
INSTITUIR O SUBSÍDIO DEVIDO AOS MINISTROS DO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL. [...] - Enquanto não sobrevier a lei formal, de iniciativa conjunta dos Presidentes
da República, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal e do Supremo Tribunal
Federal (CF, art. 48, XV), destinada a fixar o subsídio devido aos Ministros da Suprema
Corte, continuarão a prevalecer os tetos remuneratórios estabelecidos, individualmente,
para cada um dos Poderes da República (CF, art. 37, XI, na redação anterior à promulgação
da EC 19/98), excluídas, em conseqüência, de tais limitações, as vantagens de caráter
pessoal (RTJ 173/662), prevalecendo, desse modo, a doutrina consagrada no julgamento da
ADI 14/DF (RTJ 130/475), até que seja instituído o valor do subsídio dos Juízes do Supremo
Tribunal Federal. – Não se revela aplicável, desde logo, em virtude da ausência da lei
formal a que se refere o art. 48, XV, da Constituição da República, a norma inscrita no
art. 29 da EC 19/98, pois a imediata adequação ao novo teto depende, essencialmente, da
fixação do subsídio devido aos Ministros do Supremo Tribunal Federal [...]. (ADI nº 2.075/
RJ MC, Rel. Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, j. em 07.02.2001, DJ, 27 jun. 2003).
201
Registre-se que o consenso exigido pela norma de iniciativa conjunta do art. 48, XV, da CF,
nunca se concretizou politicamente, de modo que a lei em questão não chegou a ser editada.
202
Assim ficou a redação do art. 37, XI, CR/88, dessa vez conferida pela Emenda Constitucional
nº 41/03: “a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos
públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos
Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de
mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie
remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou
de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos
Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios, o
subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador
no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito
do Poder Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado
a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie,
dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este
limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos”.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 110 10/03/2016 14:05:46


CAPÍTULO 5
SISTEMA REMUNERATÓRIO
111

Federal. No âmbito estadual e do Distrito Federal, há diferentes


previsões: para servidores do Poder Executivo, o limite é o subsídio
estabelecido para o Governador do Estado ou do Distrito Federal;
para os servidores do Poder Legislativo, o teto se refere ao subsídio
dos Deputados Estaduais ou Distritais; para os servidores do Poder
Judiciário, aplica-se o subsídio dos Desembargadores dos Tribunais de
Justiça, limitado a 90,25% (noventa vírgula vinte e cinco por cento) do
subsídio dos Ministros do Supremo Tribunal Federal.203 Esse subteto
também é aplicável aos membros do Ministério Público, Procuradores
e Defensores Públicos. Por fim, na esfera federativa municipal, o teto
deve observar o subsídio mensal percebido pelo Prefeito Municipal.
Tais limites são aplicáveis a toda Administração Pública, Direta
e Indireta, inclusive às empresas públicas e às sociedades de economia
mista (também para as subsidiárias), que recebam recursos da União,
Estados, Distrito Federal e Municípios para custeio com pagamento de
pessoal.204
Além do retorno do critério da diversificação do limite remunera-
tório de acordo com o nível federativo, de acordo com a nova disciplina
proposta pela EC nº 41/03: (i) no teto de retribuição, à semelhança do
pretendido pela EC nº 19/98, devem-se incluir as vantagens pessoais ou
de qualquer natureza; (ii) a lei para fixação do teto nacional voltou a ser
de iniciativa política isolada do STF (art. 96, II, “b”); (iii) visando conferir
eficácia imediata aos seus comandos, enquanto não fixado o valor do
subsídio dos Ministros do STF, o teto nacional, para fins de aplicação
do art. 37, XI, da CR, haveria de ser regulado pelo valor da maior remu-
neração atribuída por lei na data da publicação da Emenda nº 41/03 a
membro da Excelsa Corte, com a aplicação de seus desdobramentos aos
demais níveis da federação;205 (iv) a fim de frisar sua impositividade e a

203
Registre-se, conforme já analisado em tópico anterior, que a norma constitucional do §12
do art. 37, acrescida pela Emenda Constitucional nº 47/05, faculta aos Estados e ao Distrito
Federal fixar, a título de limite único aplicável em seu âmbito, o subsídio mensal dos
Desembargadores dos Tribunais de Justiça, respeitando-se o limite de 90,25% (noventa
vírgula vinte e cinco por cento) do subsídio dos Ministros do Supremo Tribunal Federal.
204
Vide art. 37, §9º, CR/88.
205
Art. 8º da EC nº 41/03: Até que seja fixado o valor do subsídio de que trata o art. 37, XI, da
Constituição Federal, será considerado, para os fins do limite fixado naquele inciso, o valor
da maior remuneração atribuída por lei na data de publicação desta Emenda a Ministro do
Supremo Tribunal Federal, a título de vencimento, de representação mensal e da parcela
recebida em razão de tempo de serviço, aplicando-se como limite, nos Municípios, o
subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador
no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito
do Poder Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado
a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento da maior remuneração mensal de

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 111 10/03/2016 14:05:46


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
112 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

necessidade de imediata adequação aos seus termos, o art. 9º da EC nº


41/03 determinou a aplicação do disposto no art. 17 do ADCT.
Num primeiro momento, instado a manifestar como se daria a
implementação do teto em caso que envolvia a percepção de proventos
acima do teto, em razão de vantagens pessoais adquiridas antes da
publicação da EC nº 41/03, a Corte Suprema, no âmbito do Mandado de
Segurança nº 24.875/DF, reconheceu a eficácia imediata da nova redação
do art. 37, XI, da CR, bem como a necessidade de inclusão daquelas no
cômputo do limite remuneratório.206

Ministro do Supremo Tribunal Federal a que se refere este artigo, no âmbito do Poder
Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos
Defensores Públicos.
206
Ementa: I. Ministros aposentados do Supremo Tribunal Federal: proventos (subsídios):
teto remuneratório: pretensão de imunidade à incidência do teto sobre o adicional por
tempo de serviço (ATS), no percentual máximo de 35% e sobre o acréscimo de 20% a que
se refere o art. 184, III, da Lei 1711/52, combinado com o art. 250 da L. 8.112/90: mandado
de segurança deferido, em parte. II. Controle incidente de constitucionalidade e o papel do
Supremo Tribunal Federal. Ainda que não seja essencial à decisão da causa ou que a decla-
ração de ilegitimidade constitucional não aproveite à parte suscitante, não pode o Tribunal
- dado o seu papel de “guarda da Constituição” - se furtar a enfrentar o problema de cons-
titucionalidade suscitado incidentemente (v.g. SE 5.206-AgR, 8.5.97, Pertence, RTJ 190/908;
Inq 1915, 05.08.2004, Pertence, DJ 05.08.2004; RE 102.553, 21.8.86, Rezek, DJ 13.02.87). III.
Mandado de segurança: possibilidade jurídica do pedido: viabilidade do controle da cons-
titucionalidade formal ou material das emendas à Constituição. IV. Magistrados. Subsí-
dios, adicional por tempo de serviço e o teto do subsídio ou dos proventos, após a EC
41/2003: argüição de inconstitucionalidade, por alegada irrazoabilidade da consideração
do adicional por tempo de serviço quer na apuração do teto (EC 41/03, art. 8º), quer na
das remunerações a ele sujeitas (art. 37, XI, CF, cf EC 41/2003): rejeição. 1. Com relação a
emendas constitucionais, o parâmetro de aferição de sua constitucionalidade é estreitíssi-
mo, adstrito às limitações materiais, explícitas ou implícitas, que a Constituição imponha
induvidosamente ao mais eminente dos poderes instituídos, qual seja o órgão de sua pró-
pria reforma. 2. Nem da interpretação mais generosa das chamadas “cláusulas pétreas”
poderia resultar que um juízo de eventuais inconveniências se convertesse em declaração
de inconstitucionalidade da emenda constitucional que submeta certa vantagem funcional
ao teto constitucional de vencimentos. 3. No tocante à magistratura - independentemen-
te de cuidar-se de uma emenda constitucional - a extinção da vantagem, decorrente da
instituição do subsídio em “parcela única”, a nenhum magistrado pode ter acarretado
prejuízo financeiro indevido. 4. Por força do art. 65, VIII, da LOMAN (LC 35/79), desde
sua edição, o adicional cogitado estava limitado a 35% calculados sobre o vencimento e
a representação mensal (LOMAN, Art. 65, §1º), sendo que, em razão do teto constitucio-
nal primitivo estabelecido para todos os membros do Judiciário, nenhum deles poderia
receber, a título de ATS, montante superior ao que percebido por Ministro do Supremo
Tribunal Federal, com o mesmo tempo de serviço (cf. voto do Ministro Néri da Silveira, na
ADIn 14, RTJ 130/475,483). 5. Se assim é - e dada a determinação do art. 8º da EC 41/03, de
que, na apuração do “valor da maior remuneração atribuída por lei [...] a Ministro do Su-
premo Tribunal Federal”, para fixar o teto conforme o novo art. 37, XI, da Constituição, ao
vencimento e à representação do cargo, se somasse a “parcela recebida em razão do tempo
de serviço” - é patente que, dessa apuração e da sua aplicação como teto dos subsídios ou
proventos de todos os magistrados, não pode ter resultado prejuízo indevido no tocante
ao adicional questionado. 6. É da jurisprudência do Supremo Tribunal que não pode o
agente público opor, à guisa de direito adquirido, a pretensão de manter determinada

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 112 10/03/2016 14:05:46


CAPÍTULO 5
SISTEMA REMUNERATÓRIO
113

Entretanto, em atenção à garantia de irredutibilidade salarial (art.


37, XV), entendeu-se que as vantagens pessoais adquiridas antes da
égide da EC nº 41/03 não poderiam ser de pronto glosadas, de modo que
o excesso passaria a ser percebido até que fosse absorvido, na medida
em que o valor do subsídio paradigma sofresse reajustes.
Em suma, desdobrando o entendimento desenvolvido pela
Excelsa Corte, ao servidor seria assegurada apenas e tão somente a
irredutibilidade da remuneração, e não a manutenção do regime jurídico
anterior à promulgação da EC nº 41/03.
Isso porque a norma do art. 37, XI, incluída pela EC nº 41/03,
apesar de possuir eficácia imediata, não possuiria o condão de atingir a
remuneração que o servidor percebesse sob a égide do regime anterior,
ainda que ultrapassasse o teto, sob pena de ofensa à garantia da
irredutibilidade, espécie qualificada de direito adquirido. Desse modo, a
parcela que excedesse o teto passaria a ser percebida a título de vantagem
pessoal, e a tendência seria sua absorção na medida em que o valor do
subsídio do cargo erigido como teto remuneratório fosse reajustado.

fórmula de composição de sua remuneração total, se, da alteração, não decorre a redução
dela. 7. Se dessa forma se firmou quanto a normas infraconstitucionais, o mesmo se há de
entender, no caso, em relação à emenda constitucional, na qual os preceitos impugnados,
se efetivamente aboliram o adicional por tempo de serviço na remuneração dos magistra-
dos e servidores pagos mediante subsídio, é que neste - o subsídio - foi absorvido o valor
da vantagem. 8. Não procede, quanto ao ATS, a alegada ofensa ao princípio da isonomia,
já que, para ser acolhida, a argüição pressuporia que a Constituição mesma tivesse erigido
o maior ou menor tempo de serviço em fator compulsório do tratamento remuneratório
dos servidores, o que não ocorre, pois o adicional correspondente não resulta da Consti-
tuição, que apenas o admite - mas, sim, de preceitos infraconstitucionais. V. Magistrados:
acréscimo de 20% sobre os proventos da aposentadoria (Art. 184, III, da L. 1.711/52, c/c o
art. 250 da L. 8.112/90) e o teto constitucional após a EC 41/2003: garantia constitucional de
irredutibilidade de vencimentos: intangibilidade. 1. Não obstante cuidar-se de vantagem
que não substantiva direito adquirido de estatura constitucional, razão por que, após a
EC 41/2003, não seria possível assegurar sua percepção indefinida no tempo, fora ou além
do teto a todos submetido, aos impetrantes, porque magistrados, a Constituição assegu-
rou diretamente o direito à irredutibilidade de vencimentos - modalidade qualificada de
direito adquirido, oponível às emendas constitucionais mesmas. 2. Ainda que, em tese, se
considerasse susceptível de sofrer dispensa específica pelo poder de reforma constitucio-
nal, haveria de reclamar para tanto norma expressa e inequívoca, a que não se presta o art.
9º da EC 41/03, pois o art. 17 ADCT, a que se reporta, é norma referida ao momento inicial
de vigência da Constituição de 1988, no qual incidiu e, neste momento, pelo fato mesmo
de incidir, teve extinta a sua eficácia; de qualquer sorte, é mais que duvidosa a sua com-
patibilidade com a “cláusula pétrea” de indenidade dos direitos e garantias fundamentais
outorgados pela Constituição de 1988, recebida como ato constituinte originário. 3. Os
impetrantes - sob o pálio da garantia da irredutibilidade de vencimentos -, têm direito a
continuar percebendo o acréscimo de 20% sobre os proventos, até que seu montante seja
absorvido pelo subsídio fixado em lei para o Ministro do Supremo Tribunal Federal. [...]
(STJ. MS nº 24.875/DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, j. em 11.05.2006, DJ,
06 out. 2006).

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 113 10/03/2016 14:05:46


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
114 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

De qualquer forma, se o servidor não submetido à regra


remuneratória do subsídio tivesse aumento em seu vencimento básico
após a fixação do teto e esse, juntamente com as vantagens pessoais –
tais como adicionais de tempo de serviço –, ultrapassasse o limite, a
parte excedente deveria ser decotada, para fins de imediata adequação
ao limite constitucional.207
Esse entendimento prevaleceu até que, no julgamento do RE nº
609.381, com repercussão geral reconhecida, sob a relatoria do Ministro
Teori Zavascki, o Supremo Tribunal Federal, por maioria, reviu o seu
posicionamento quanto ao ponto, para assentar que, para efeito de
observância do teto constitucional previsto no art. 37, XI, também
devem ser compreendidos os valores percebidos a título de vantagens
pessoais pelo servidor público ainda que adquiridos antes da vigência
da Emenda nº 41/03.208

207
Foi nesse sentido que decidiu a 8ª Câmara do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em
diversos processos em que atuei como Relator: Ementa: Reexame necessário. Apelação Cí-
vel. Preliminar de inadmissibilidade do recurso. Rejeição. Administrativo. Servidor. Teto
remuneratório. Inclusão das vantagens pessoais. Inexistência de ofensa a direito adquirido
e decesso de remuneração. Sentença reformada em reexame necessário. Recurso provido.
[...] 2. O Supremo Tribunal Federal deu interpretação à norma contida no art. 37, XI, da
CR/88, com redação dada pela EC nº 41/03, e àquelas contidas nos artigos 8º e 9º da refe-
rida emenda, no sentido de que as vantagens pessoais se incluem no teto remuneratório,
alterando seu entendimento anterior. 3. A Suprema Corte é firme no entendimento de que
a garantia do direito adquirido em matéria de pagamento servidor se resume à irredutibi-
lidade de vencimentos, blindando o direito de não haver decesso de remuneração quando
norma posterior, ainda que constitucional, venha estabelecer teto remuneratório inferior
ao valor recebido pelo servidor. 4. A garantia a irredutibilidade de vencimentos não im-
plica na desconsideração do limite fixado, mesmo que as vantagens pessoais tenham sido
adquiridas antes da EC nº 41/03. 5. A orientação daquele Augusto Sodalício acarreta as
seguintes hipóteses: (i) servidor que, antes da emenda, percebia remuneração superior ao
teto estabelecido no art. 8º, e a forma de remuneração fora alterada para o regime de subsí-
dio, continua com o direito de receber o valor até então percebido, sendo que o excesso será
pago a título de vantagem pessoal, até ser absorvido por futuro reajuste do teto; (ii) servidor
na mesma situação anterior, mas que continuou recebendo vencimento básico e vantagens
pessoais, também continua com o direito de receber o mesmo valor, sendo que o excesso
é pago a título de vantagem pessoal, entretanto, caso, seja promovido ou tenha aumento
de vencimento básico ou adquira algum adicional, não o perceberá, até que o teto sofra
alterações e absorva o valor que deveria receber; (iii) servidor que não tenha atingido o teto
remuneratório e receba nos moldes daquele mencionado no item “ii”, ao obter promoções
ou aumentos, que acrescidos às suas vantagens pessoais ultrapasse o teto, deve ter glosado
o excesso de remuneração. 6. Demonstrado que a remuneração dos servidores somente ul-
trapassou o valor do subsídio paradigma em virtude da concessão de aumentos e reajustes
após a promulgação da EC nº 41/03, não há que se falar em direito à percepção da remune-
ração sem a incidência do teto constitucional (TJMG. AC/RN nº 1.0024.13.042525-9/003, Rel.
Des. Bitencourt Marcondes, Oitava Câmara Cível, j. em 05.06.2014, DJ, 11 jun. 2014).
208
Constitucional e administrativo. Teto de retribuição. Emenda Constitucional 41/03.
Eficácia imediata dos limites máximos nela fixados. Excessos. Percepção não respaldada
pela garantia da irredutibilidade. 1. O teto de retribuição estabelecido pela Emenda

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 114 10/03/2016 14:05:46


CAPÍTULO 5
SISTEMA REMUNERATÓRIO
115

Na ocasião, o Ministro Relator, em seu voto condutor, fazendo


menção ao voto vencido proferido pelo Ministro Cezar Peluso no
julgamento do Mandado de Segurança nº 24.875, enfatizou que o recado
normativo do Constituinte – presente tanto no ADCT (art. 17), como nas
Emendas Constitucionais nº 19/98 (art. 29) e nº 41/03 (art. 9º) –, determina
que “aquilo que sobejar da incidência do teto constitui excesso, cuja
percepção não pode ser reclamada, ainda que o direito a ela tenha sido
licitamente adquirido segundo uma ordem jurídica anterior. [...] a norma
constitucional do teto de retribuição, desde sua formulação original,
jamais admitiu compromisso com quaisquer excessos, tenham ele sido
adquiridos por força de regimes legais superados ou pelo advento de
normas jurídicas supervenientes”.
Daí se afirmar que o respeito ao teto, por configurar verdadeira
condição de legitimidade erigida pelo próprio Constituinte para
o pagamento das remunerações no serviço público, não pode ser
suplantado pela garantia da irredutibilidade. Nas palavras do Ministro:
“a cláusula da irredutibilidade possui âmbito de incidência vinculado
ao próprio conceito de teto de retribuição, operando somente dentro
do intervalo remuneratório por ele definido”.
Registre-se que, conforme notícia veiculada no sítio eletrônico
do Supremo Tribunal Federal, datada de 18.11.2015, o posicionamento
quanto à possibilidade de glosa das vantagens pessoais adquiridas pelo
servidor antes da EC nº 41/03 para adequação ao limite remuneratório de
que cuida o art. 37, XI, da CR, foi, por maioria, replicado no RE nº 606.358,
de relatoria da Ministra Rosa Weber, igualmente com repercussão geral
reconhecida, oportunidade em que se fixou a seguinte tese: “computam-
se para efeito de observância do teto remuneratório do art. 37, XI, da

Constitucional 41/03 possui eficácia imediata, submetendo às referências de valor máximo


nele discriminadas todas as verbas de natureza remuneratória percebidas pelos servidores
públicos da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, ainda que adquiridas de
acordo com regime legal anterior. 2. A observância da norma de teto de retribuição repre­
senta verdadeira condição de legitimidade para o pagamento das remunerações no ser­
viço público. Os valores que ultrapassam os limites pré-estabelecidos para cada nível
federativo na Constituição Federal constituem excesso cujo pagamento não pode ser
reclamado com amparo na garantia da irredutibilidade de vencimentos. 3. A incidência
da garantia constitucional da irredutibilidade exige a presença cumulativa de pelo menos
dois requisitos: (a) que o padrão remuneratório nominal tenha sido obtido conforme o
direito, e não de maneira ilícita, ainda que por equívoco da Administração Pública; e (b)
que o padrão remuneratório nominal esteja compreendido dentro do limite máximo pré-
definido pela Constituição Federal. O pagamento de remunerações superiores aos tetos
de retribuição de cada um dos níveis federativos traduz exemplo de violação qualificada
do texto constitucional. 4. Recurso extraordinário provido (Relator: Min. Teori Zavascki,
Tribunal Pleno, julgado em 02.10.2014, Acórdão Eletrônico Repercussão Geral - Mérito
DJe-242, divulg 10.12.2014, public 11.12.2014).

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 115 10/03/2016 14:05:46


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
116 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

Constituição da República, também os valores percebidos anteriormente


à vigência da EC nº. 41/03 a título de vantagens pessoais pelo servidor
público, dispensada a restituição de valores eventualmente recebidos
em excesso e de boa-fé até o dia 18/11/2015” [data do julgamento].
Superada a análise da eficácia e da extensão da normatividade
do limite remuneratório de que trata o art. 37, XI, da CR, com a redação
que lhe foi conferida pela EC nº 41/03, mister se faz a abordagem
de duas tentativas infraconstitucionais de regulação dos subtetos
do funcionalismo público, ambas envolvendo servidores do Poder
Judiciário e levadas ao crivo do Supremo Tribunal Federal.
A primeira delas originou-se da edição, em 21 de março de 2006,
pelo Conselho Nacional de Justiça – com o propósito de regulamentar
o art. 37, XI, da CR –, das Resoluções nºs 13 e 14, que, em seus arts. 2º e
1º, parágrafo único, respectivamente,209 estabeleceram que os membros
da magistratura estadual submeter-se-iam ao paradigma remuneratório
correspondente ao subsídio dos desembargadores estaduais – limitado
a 90,25% (noventa vírgula vinte e cinco por cento) do subsídio dos
Ministros do Supremo Tribunal Federal, o que gerou uma distorção entre
os membros do Poder Judiciário, já que a remuneração dos membros da
magistratura federal permaneceria norteada pelo subsídio dos Ministros
do Supremo Tribunal Federal.
A questão foi levada até o Supremo Tribunal Federal, que, no
julgamento da Medida Cautelar na ADI nº 3.854-1, sob a relatoria do
Ministro Cezar Peluso, por maioria, conferiu interpretação conforme ao
art. 37, XI e §12 da CR – o primeiro dispositivo, na redação da EC nº 41/03,
e o segundo, introduzido pela EC nº 47/05 –, para excluir a submissão
dos membros da magistratura estadual ao subteto de remuneração, bem
como suspender a eficácia do art. 2º da Resolução nº 13/06 e do art. 1º,
parágrafo único, da Resolução nº 14, ambas do Conselho Nacional de
Justiça.210

209
Art. 2º da Resolução nº. 13/06 do CNJ: “Nos órgãos do Poder Judiciário dos Estados, o
teto remuneratório constitucional é o valor do subsídio do Desembargador do Tribunal
de Justiça, que não pode exceder a 90,25% (noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por
cento) do subsídio mensal de Ministro do Supremo Tribunal Federal”.
Art. 1º, parágrafo único, da Resolução nº 14/06: “Enquanto não editadas as leis estaduais
referidas no art. 93, inciso V, da Constituição Federal, o limite remuneratório dos
magistrados e servidores dos Tribunais de Justiça corresponde a 90,25% (noventa inteiros
e vinte e cinco centésimos por cento) do teto remuneratório constitucional referido no
caput, nos termos do disposto no art. 8º da Emenda Constitucional nº 41/2003”.
210
Magistratura. Remuneração. Limite ou teto remuneratório constitucional. Fixação diferen-
ciada para os membros da magistratura federal e estadual. Inadmissibilidade. Caráter na-
cional do Poder Judiciário. Distinção arbitrária. Ofensa à regra constitucional da igualdade
ou isonomia. Interpretação conforme dada ao art. 37, inc. XI, e §12, da CF. Aparência de

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 116 10/03/2016 14:05:46


CAPÍTULO 5
SISTEMA REMUNERATÓRIO
117

Na oportunidade, consignou-se que o caráter nacional e unitário


sobre o qual se estrutura o Poder Judiciário desautoriza tanto o
Constituinte Derivado como o legislador infraconstitucional a submeter
os magistrados a tetos de remuneração diferenciados, conforme o ramo
da Justiça a que pertençam: federal ou estadual.
É que, conforme salientado pelo Ministro Relator, justamente
uma das mais robustas demonstrações dessa configuração do arranjo
judiciário reside na chamada regra de escalonamento vertical dos
subsídios, de indiscutível alcance nacional, de que cuida o art. 93, V,
da CR.211 Ao dispor sobre a forma, gradação e o limite para fixação dos
subsídios dos magistrados não integrantes dos Tribunais Superiores,
o dispositivo em questão, em nenhum momento, faz ou autoriza a
distinção entre os membros do nível federal e estadual. Ao revés,
reconhece a todos como categorias da estrutura judiciária nacional.
Quanto ao ponto, vale conferir o seguinte trecho do voto condutor:
“o escalonamento nacional, inspirado no caráter nacional do Poder Judiciário,
é, com tão boas razões constitucionais, reflexo da estrutura unitária
da magistratura e, como tal, é também não menos incompatível com
a ideia de subordinação da remuneração dos seus membros a tetos
diversos, enquanto dependentes da só condição empírica da natureza
da categoria, federal ou estadual, a que pertençam, ainda que a distinção
advenha de emenda constitucional suprema”.
Em última instância, o tratamento desigual dos magistrados
em relação ao teto remuneratório ao qual devem se submeter,
erigindo por discrímen unicamente o ramo da Justiça em que figuram
e desconsiderando o caráter nacional e unitário do Poder Judiciário,
acabaria por violar frontalmente a regra constitucional da isonomia.
Na pertinente observação do Ministro Cezar Peluso: “o critério de

inconstitucionalidade do art. 2º da Resolução nº 13/2006 e do art. 1º, §único, da Resolução


nº 14/2006, ambas do Conselho Nacional de Justiça. Ação direta de inconstitucionalida-
de. Liminar deferida. Voto vencido em parte. Em sede liminar de ação direta, aparentam
inconstitucionalidade normas que, editadas pelo Conselho Nacional da Magistratura, es-
tabelecem tetos remuneratórios diferenciados para os membros da magistratura estadual
e os da federal (STF. ADI nº 3.854 MC/DF, Rel. Min. Cezar Peluso, Tribunal Pleno, j. em
28.02.2007, DJe, 29 jun. 2007).
211
Art. 93 [...] V - o subsídio dos Ministros dos Tribunais Superiores corresponderá a noventa
e cinco por cento do subsídio mensal fixado para os Ministros do Supremo Tribunal
Federal e os subsídios dos demais magistrados serão fixados em lei e escalonados, em nível federal
e estadual, conforme as respectivas categorias da estrutura judiciária nacional, não podendo a
diferença entre uma e outra ser superior a dez por cento ou inferior a cinco por cento,
nem exceder a noventa e cinco por cento do subsídio mensal dos Ministros dos Tribunais
Superiores, obedecido, em qualquer caso, o disposto nos arts. 37, XI, e 39, §4º; (redação
dada pela EC nº 19/98)

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 117 10/03/2016 14:05:46


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
118 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

discernimento e desigualação, aqui, vê-se logo que, não transpondo


as fronteiras de uma contingência funcional inconseqüente para fins
remuneratórios, que é só pertencer a este ou àquele ramo burocrático
do Poder Judiciário, não guarda nenhum relevo axiológico capaz de
permitir tratamento normativo heterogêneo”.
Por sua vez, a segunda tentativa infraconstitucional de regulação
do limite remuneratório analisada pelo Supremo Tribunal Federal
decorreu da tentativa de, no Estado da Bahia, por meio da Lei nº
11.905/10, instituir-se subteto fixo e desvinculado do subsídio dos
desembargadores, ao qual se submeteriam os servidores do Poder
Judiciário baiano.212
Ao analisar os atos normativos baianos supracitados, a Suprema
Corte, no julgamento da ADI nº 4.900/DF, por maioria, declarou-os
inconstitucionais, ao fundamento de que os limites remuneratórios
devem seguir a estritas balizas constitucionais, não podendo o ente
federado, arvorando-se em Poder Constituinte, definir um “subteto
do subteto”, mormente quando mais gravoso aos servidores da Justiça
baiana, sob pena de ofensa ao princípio da isonomia.213
É que, conforme salientado pelo Ministro Roberto Barroso,
dentro dos contornos constitucionais, no que diz respeito ao limite
remuneratório no âmbito estadual, haveria apenas duas possibilidades,

212
Arts. 1º e 2º da Lei Estadual baiana nº 11.905/10: Art. 1º. O subsídio mensal dos Desembar-
gadores do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia fica reajustado em 9,07% (nove inteiros
e sete centésimos por cento).
Art. 2º. A remuneração dos servidores públicos ocupantes de cargos, funções e empregos
no âmbito do Poder Judiciário do Estado da Bahia, e os proventos, pensões e outras espécies
remuneratórias, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de
qualquer outra natureza, não poderão exceder o valor de R$ 22.000,00 (vinte e dois mil reais).
213
Ação Direta. Lei ordinária que estabelece subteto aplicável aos servidores da justiça
desvinculado do subsídio mensal dos desembargadores. Inteligência do art. 37, XI e §12,
CF. 1. No que respeita ao subteto dos servidores estaduais, a Constituição estabeleceu a
possibilidade de o Estado optar entre: (i) a definição de um subteto por poder, hipótese em
que o teto dos servidores da Justiça corresponderá ao subsídio dos Desembargadores do
Tribunal de Justiça (art. 37, XI, CF, na redação da Emenda Constitucional 41/2003); e (ii) a
definição de um subteto único, correspondente ao subsídio mensal dos Desembargadores
do Tribunal de Justiça, para todo e qualquer servidor de qualquer poder, ficando de
fora desse subteto apenas o subsídio dos Deputados (art. 37, §12, CF, conforme redação
da Emenda Constitucional 47/2005). 2. Inconstitucionalidade da desvinculação entre o
subteto dos servidores da Justiça e o subsídio mensal dos Desembargadores do Tribunal
de Justiça. Violação ao art. 37, XI e §12, CF. 3. Incompatibilidade entre a opção pela
definição de um subteto único, nos termos do art. Art. 37, §12, CF, e definição de “subteto
do subteto”, em valor diferenciado e menor, para os servidores do Judiciário. Tratamento
injustificadamente mais gravoso para esses servidores. Violação à isonomia. Ação direta
a que se julga procedente (STF. ADI nº 4.900, Rel. Min. Teori Zavascki, rel. p/ Ac: Min.
Roberto Barroso, Tribunal Pleno, j. em 11.02.2015, DJe, 20 abr. 2015).

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 118 10/03/2016 14:05:47


CAPÍTULO 5
SISTEMA REMUNERATÓRIO
119

quais sejam: (i) conforme o art. 37, XI, da CR, com a redação que
lhe foi conferida pela EC nº 41/03, a fixação do subteto por poder,
correspondendo aos subsídios do Governador para o Executivo,
dos Deputados para o Legislativo e dos Desembargadores para o
Judiciário; (ii) nos termos do §12 acrescentado pela EC nº 47/05 ao
art. 37 da CR, a definição de subteto único, equivalente ao subsídio
dos Desembargadores, para todos os Poderes. Ou seja, diante desses
cenários, a remuneração dos servidores do Judiciário, em qualquer caso,
há de se nortear pelo subsídio dos Desembargadores.
Desse modo, tendo em vista, ainda, que a Constituição do Estado
da Bahia optou pela instituição de teto único, não poderia o legislador
infraconstitucional buscar regulamentar o subteto de forma distinta
exclusivamente para os servidores da Justiça baiana, não só por falta
de amparo constitucional – tanto no nível estadual como no federal –,
mas também por vulnerar a garantia da isonomia.
Finalmente, de acordo com o disposto no §11 do art. 37, não se
incluem no teto parcelas que possuam caráter indenizatório, porque
objetivam o ressarcimento de gastos efetuados pelo servidor na prestação
do serviço, tais como ajudas de custo, por exemplo. É possível, ainda,
que seja ultrapassado o limite remuneratório, em virtude do pagamento
de direitos sociais constitucionalmente garantidos aos servidores
públicos, na forma estabelecida pelo art. 39, §3º, da Constituição, como
o pagamento do décimo terceiro salário e férias.214

214
O art. 39, §3º, CR/88 garante aos servidores públicos os seguintes direitos sociais: salário
mínimo, décimo terceiro salário, remuneração do trabalho noturno superior ao diurno,
salário família, jornada de trabalho de 8 horas diárias e não superior a 44 horas semanais,
repouso semanal remunerado, pagamento de hora-extra, férias, licença à gestante e
licença-paternidade, proteção ao trabalho da mulher, redução de riscos mediante normas
de saúde, higiene e segurança e proibição de diferenças discriminatórias de salários por
motivo de sexo, idade, cor ou estado civil.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 119 10/03/2016 14:05:47


CAPÍTULO 6

ACUMULAÇÃO DE CARGOS, EMPREGOS E


FUNÇÕES

6.1 Da regra da inacumulabilidade


A vedação à acumulação remunerada de cargos públicos é regra
que encontra previsão na atual Constituição da República (art. 37, XVI
e XVII), no entanto, não se trata de inovação trazida pelo constituinte
de 1988. Na verdade, a regra da inacumulabilidade figurou em todas
as Constituições Republicanas, e, a despeito da omissão existente na
Constituição Monárquica de 1824, o Decreto de Regência, datado de
18.06.1822,215 tratava da matéria no período imperial, coibindo as acu-
mulações excessivas, prática oriunda do regime de privilégios pessoais
vigente na Corte Portuguesa.
A inacumulabilidade apresenta-se como decorrência lógica dos
princípios constitucionais da ampla acessibilidade aos cargos públicos,
da igualdade, moralidade e eficiência. Como bem assevera a Ministra
Cármen Lúcia Antunes Rocha, tal regra, além de concretizar o princípio
da acessibilidade de todos os habilitados em ascender aos cargos que
integram os quadros da Administração, visa assegurar o interesse da
sociedade em ter o serviço público bem prestado,216 pois, em tese, a

215
TÁCITO, Caio. Acumulação de Cargos na Constituição do Brasil. Revista de Direito Público,
São Paulo, ano II, v. 7, p. 16.
216
In: FORTINI, Cristiana (Org.). Servidor público: estudos em homenagem ao Professor Pedro
Paulo de Almeida Dutra. Belo Horizonte: Fórum, 2009. p. 75.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 121 10/03/2016 14:05:47


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
122 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

acumulação de várias funções em um único agente impede ou dificulta


o bom desempenho do serviço.

6.2 Hipóteses permissivas


A norma inserta no art. 37, XVI, caput, da Constituição da
República de 1988, explicita a vedação de acúmulo remunerado de
cargos públicos, ao passo que a insculpida no inc. XVII (com a redação
dada pela EC nº 19/98) estende tal proibição aos empregos e funções
públicas, bem como aos cargos, empregos e funções ocupados no
âmbito da Administração Indireta (autarquias, fundações, empresas
públicas, sociedades de economia mista), das subsidiárias e sociedades
controladas direta ou indiretamente pelo Poder Público.
A regra é a inacumulabilidade, contudo, o legislador constitucional
previu algumas exceções, admitindo a possibilidade de acúmulo de dois
cargos (empregos ou funções) nas seguintes hipóteses:
a) 02 (dois) cargos de professor (art. 37, XVI, “a”);
b) 01 (um) cargo de professor com outro, técnico ou científico
(art. 37, XVI, “b”);
c) 02 (dois) cargos ou empregos privativos de profissionais de
saúde, com profissões regulamentadas (art. 37, XVI, “c” –
Redação dada pela Emenda Constitucional nº 34/01);
d) Cargo, emprego ou função pública com mandato de Vereador
(art. 38, III);
e) Cargo da Magistratura e uma função de magistério (art. 95,
parágrafo único, I);
f) Cargo de Promotor ou Procurador de Justiça e uma função
pública de magistério (art. 128, §5º, II, “d”).
A possibilidade de exercício remunerado de cargos públicos é,
portanto, restrita aos casos expressamente elencados na Constituição,
desde que haja compatibilidade de horários. Ademais, deve ser obser-
vado o limite previsto na norma do art. 37, IX (teto remuneratório).
Quanto ao teto remuneratório, o Superior Tribunal de Justiça fir-
mou entendimento no sentido de que, na hipótese de acumulação lícita de
cargos, a remuneração total do servidor não se submete ao teto constitu-
cional, devendo os cargos, para este fim, ser considerados isoladamente.217

217
Recurso Ordinário em Mandado de Segurança. Questão de ordem. Matéria submetida ao
crivo da primeira seção deste Superior Tribunal. Constitucional e Administrativo. Servidor
público. Cumulação de cargos permitida constitucionalmente. Cargos considerados,
isoladamente, para aplicação do teto remuneratório.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 122 10/03/2016 14:05:47


CAPÍTULO 6
ACUMULAÇÃO DE CARGOS, EMPREGOS E FUNÇÕES
123

O Supremo Tribunal Federal, ao apreciar os Recursos Extraordi-


nários nº 602.584/DF e nº 612.975/MT, que tratam da incidência do teto
constitucional sobre proventos e pensões percebidos cumulativamente,
reconheceu a existência de repercussão geral.218
A necessidade de correlação de matérias entre as funções, como
era exigido pela Constituição de 1967, mais especificadamente na norma
do art. 97, §1º 219 (art. 99, §1º, EC nº 01/69), não mais subsiste sob a égide
da atual Carta Constitucional.
A compatibilidade de horários deve ser apurada não somente
quanto à inexistência de jornadas de trabalho sobrepostas, mas também
com observância do lapso temporal necessário ao deslocamento do
servidor.
Ainda quanto à compatibilidade de horários, verifica-se que a
Constituição a exige, mas não prevê limite à jornada de trabalho. Em
razão disso, há celeuma quanto à possibilidade de acúmulo quando um
dos cargos é exercido sob regime de dedicação exclusiva.
Ao tratar do tema, Hely Lopes Meirelles coloca que o regime de
dedicação exclusiva ou plena não se confunde com o regime de tempo
integral: no primeiro regime, o servidor trabalha para a Administração
e exerce determinada função de forma exclusiva, o que não impede que
possua vínculos com outros empregadores para exercício de funções


1. “Tratando-se de cumulação legítima de cargos, a remuneração do servidor público
não se submete ao teto constitucional, devendo os cargos, para este fim, ser considerados
isoladamente”. (Precedentes: AgRg no RMS 33.100/DF, Rel. Ministra ELIANA CALMON,
DJe 15/05/2013 e RMS 38.682/ES, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, DJe 05/11/2012).

2. Recurso Ordinário em Mandado de Segurança provido. (STJ. RMS 33134/DF. Primeira
Seção. Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES. Dje27/08/2013).
218
Ementa: Teto constitucional - Parcelas percebidas cumulativamente - Afastamento na ori-
gem - Alcance do artigo 37, inciso XI, da Constituição Federal na redação anterior e na
posterior à Emenda Constitucional nº 41/03 - Recurso Extraordinário - Repercussão geral
configurada. Possui repercussão geral a controvérsia acerca da aplicabilidade do teto re-
muneratório estabelecido no artigo 37, inciso XI, da Carta Federal, com a redação conferi-
da pela Emenda Constitucional nº 41/03, sobre as parcelas de aposentadorias percebidas
cumulativamente (STF. RE nº 612.975 RG/MT. Tribunal Pleno. Rel. Min. Marco Aurélio.
DJe, 26 abr. 2011).

Ementa: Teto remuneratório – Incidência sobre o montante decorrente da acumulação de
proventos de aposentadoria e pensão – Artigo 37, inciso XI, da Carta Federal e artigos 8º e
9º da Emenda Constitucional nº 41/2003. Possui repercussão geral a controvérsia sobre a
possibilidade de, ante o mesmo credor, existir a distinção do que recebido, para efeito do
teto remuneratório, presentes as rubricas proventos e pensão, a teor do artigo 37, inciso XI,
da Carta da República e dos artigos 8º e 9º da Emenda Constitucional nº 41/2003 (STF. RE
nº 602.584 RG/DF. Tribunal Pleno. Rel. Min. Marco Aurélio. DJe, 25 fev. 2011).
219
Art. 97. §1º. Em qualquer dos casos, a acumulação somente é permitida quando haja
correlação de matérias e compatibilidade de horários.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 123 10/03/2016 14:05:47


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
124 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

diversas; no segundo regime, o servidor labora exclusivamente para a


Administração em determinado cargo ou função, não podendo exercer
qualquer outra atividade laboral.220
Assim, a princípio, o exercício de cargo cujo regime de trabalho
seja de dedicação exclusiva ou plena não representa, por si só, óbice ao
desempenho de outro cargo, emprego ou função pública, desde que
sejam acumuláveis, de acordo com as hipóteses elencadas nas normas
constitucionais pertinentes.
Quanto ao tema, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal
e do Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido da legalidade da
acumulação de cargo público exercido em regime de dedicação exclusiva
com outro cargo, emprego ou função acumulável.221

220
O que caracteriza o regime de tempo integral é o fato de o servidor só poder exercer uma
função ou um cargo público, sendo-lhe vedado realizar qualquer outra atividade profis-
sional particular ou pública. Nesse regime a regra é um emprego e um só empregador, di-
versamente do que ocorre no regime de dedicação plena, em que o servidor pode ter mais
de um emprego e mais de um empregador, desde que diversos da função pública a que
se dedica precipuamente. A diferença entre o regime de tempo integral e o de dedicação
plena está em que naquele o servidor só pode trabalhar no cargo ou na função que exerce
para a Administração, sendo-lhe vedado o desempenho de qualquer outra atividade pro-
fissional pública ou particular, ao passo que neste (regime de dedicação plena) o servidor
trabalhará na atividade profissional de seu cargo ou de sua função exclusivamente para
a Administração, mas poderá desempenhar atividade diversa da de seu cargo ou de sua
função em qualquer outro emprego particular ou público, desde que compatível com o
da dedicação plena. No regime de tempo integral o servidor só poderá ter um emprego;
no de dedicação plena poderá ter mais de um, desde que não desempenhe a atividade
correspondente à sua função pública exercida neste regime. Exemplificando: o professor
em regime de tempo integral só poderá exercer as atividades do cargo e nenhuma outra
atividade profissional pública ou particular; o advogado em regime de dedicação plena só
poderá exercer a Advocacia para a Administração da qual é servidor, mas poderá desem-
penhar a atividade de Magistério ou qualquer outra para a Administração (acumulação de
cargos) ou para particulares (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 39.
ed. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 558).
221
Ementa: Agravo Regimental no Recurso Extraordinário. Administrativo. Constitucional.
Servidor público. Acumulação de cargos. Existência de norma infraconstitucional que
limita a jornada semanal dos cargos a serem acumulados. Previsão que não pode ser
oposta como impeditiva ao reconhecimento do direito à acumulação. Compatibilidade
de horários reconhecida pela Corte de origem. Reexame do conjunto fático-probatório.
Impossibilidade. Agravo improvido. I - A existência de norma infraconstitucional que
estipula limitação de jornada semanal não constitui óbice ao reconhecimento do direito à
acumulação prevista no art. 37, XVI, c, da Constituição, desde que haja compatibilidade de
horários para o exercício dos cargos a serem acumulados. II – Para se chegar à conclusão
contrária à adotada pelo acórdão recorrido quanto à compatibilidade de horários entre
os cargos a serem acumulados, necessário seria o reexame do conjunto fático-probatório
constante dos autos, o que atrai a incidência da Súmula 279 do STF. III - Agravo regimental
improvido (STF. RE nº 633.298 AgR/MG, 2ª Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJ, 14
fev. 2012); Ementa: Administrativo e Constitucional. Embargos declaratórios. Contradição
reconhecida. Correção. Reconsideração do julgado. Servidor público. Regime de dedicação
exclusiva. Acumulação de dois cargos de professor. Possibilidade. Compatibilidade de
horários. Exegese do art. 37, XVI, da CF/88 e art. 118, §2º, da Lei n. 8.112/1990. Precedentes
do STJ. 1. “O atual regime de trabalho (dedicação exclusiva), por si só, não é obstáculo.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 124 10/03/2016 14:05:47


CAPÍTULO 6
ACUMULAÇÃO DE CARGOS, EMPREGOS E FUNÇÕES
125

A primeira exceção à regra da inacumulabilidade consiste na


possibilidade de exercício de dois cargos de professor, cujo conceito
restringe-se à função de magistério que, na esteira da jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal, abrange não somente o trabalho em sala de
aula, mas também as funções de direção, coordenação e assessoramento
pedagógico, desde que exercidas por professores de carreira em
estabelecimentos de ensino básico (ADI nº 3.722/DF).222
A segunda hipótese em que se permite a acumulação é o exercício
de um cargo de professor com outro cargo técnico ou científico.
Cargo técnico é aquele que exige conhecimentos específicos em
uma área do saber (científica ou artística) para que possa ser exercido.
Pode ser de nível médio (Técnico em Enfermagem ou Técnico em
Química), ou superior (Advogado, Médico), consoante entendimento
firmado pelo Superior Tribunal de Justiça.223 Por sua vez, cargo científico

Evidente, deverá conferir a necessária atenção às duas disciplinas, no tocante ao horário”


(REsp 97.551/PE, Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, DJ de 25.8.1997). 2. Não há falar, in
casu, em ilegalidade da acumulação pretendida - cargo de professor adjunto da Faculdade
de Odontologia da UFRJ com o cargo de professor adjunto da disciplina de Radiologia do
Departamento de Cirurgia da Faculdade de Odontologia da UERJ -, por ter sido respeitada
a compatibilidade de horários e por se cuidar de cargos incluídos no rol taxativo previsto
na Constituição Federal. Embargos acolhidos com efeitos modificativos e, nessa extensão,
recurso especial provido (STJ. EDcl no REsp nº 1195791/RJ, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha,
Segunda Turma, j. em 19.06.2012, DJe 28 jun. 2012).
222
Ação Direta de Inconstitucionalidade manejada contra o art. 1º da Lei Federal 11.301/2006,
que acrescentou o §2º ao art. 67 da Lei 9.394/1996. Carreira de magistério. Aposentadoria
especial para os exercentes de funções de direção, coordenação e assessoramento peda-
gógico. Alegada ofensa aos arts. 40, §5º, e 201, §8º, da Constituição Federal. Inocorrência.
Ação julgada parcialmente procedente, com interpretação conforme.

I - A função de magistério não se circunscreve apenas ao trabalho em sala de aula, abrangen-
do também a preparação de aulas, a correção de provas, o atendimento aos pais e alunos, a
coordenação e o assessoramento pedagógico e, ainda, a direção de unidade escolar. II - As
funções de direção, coordenação e assessoramento pedagógico integram a carreira do ma-
gistério, desde que exercidos, em estabelecimentos de ensino básico, por professores de car-
reira, excluídos os especialistas em educação, fazendo jus aqueles que as desempenham ao
regime especial de aposentadoria estabelecido nos arts. 40, § 5º, e 201, § 8º, da Constituição
Federal. III - Ação direta julgada parcialmente procedente, com interpretação conforme, nos
termos supra (STF. ADI nº 3.772/DF, Rel. Min. Carlos Britto, Rel. p/ acórdão Min. Ricardo
Lewandowski, Tribunal Pleno, j. em 29.10.2008, DJe, 27 mar. 2009).
223
Ementa: Constitucional. Administrativo. Recurso Ordinário em Mandado de Seguran­
ça. Acumulação de cargos públicos. Professor aposentado e agente educacional.
Impossibilidade. Cargo técnico ou científico. Não-ocorrência. Recurso improvido. 1.
É vedada a percepção simultânea de proventos de aposentadoria de servidores civis
ou militares com a remuneração de cargo, emprego ou função pública, ressalvados os
acumuláveis na atividade, os cargos eletivos ou em comissão, segundo o art. 37, §10, da
Constituição Federal. 2. O Superior Tribunal de Justiça tem entendido que cargo técnico
ou científico, para fins de acumulação com o de professor, nos termos do art. 37, XVII,
da Lei Fundamental, é aquele para cujo exercício sejam exigidos conhecimentos técnicos
específicos e habilitação legal, não necessariamente de nível superior. 3. Hipótese em que a
impetrante, professora aposentada, pretende acumular seus proventos com a remuneração

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 125 10/03/2016 14:05:47


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
126 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

pode ser definido como um feixe de atribuições que englobam atividades


de pesquisa, observação de fatos, especulação, investigação metódica e
coordenada em determinada área do conhecimento humano.
Malgrado alguns entendam que o legislador constituinte
sinonimizou os conceitos de cargo técnico e científico para fins de
acumulação,224 a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça consa-
grou a distinção entre tais conceitos.225
A terceira e última hipótese elencada na norma do art. 37, XVI,
“c”, prevê a possibilidade de acumulação de dois cargos ou empregos
privativos de profissionais da saúde, com profissões regulamentadas
(médicos, enfermeiros, farmacêuticos, entre outros). Essa norma teve sua
redação determinada pela Emenda Constitucional nº 34, de 13.12.2001.
Antes dessa alteração, permitia-se a acumulação de dois cargos
privativos de médicos, e, nesse contexto, o Supremo Tribunal Federal
firmou entendimento no sentido da impossibilidade de se ampliar a
exceção para abranger os demais profissionais da saúde.226
Na hipótese de um cargo de direção ou assessoramento somente
poder ser exercido por profissional da área de saúde, a acumulação
apresenta-se possível, ainda que a natureza do cargo seja administrativa
ou de assessoramento, pois o que a norma constitucional exige é que o
cargo, emprego ou função seja privativo desses profissionais.
A norma insculpida no art. 38, da Constituição da República, trata
da situação dos servidores públicos eleitos para exercício de mandato

do cargo de Agente Educacional II – Interação com o Educando – do Quadro dos Servidores


de Escola do Estado do Rio Grande do Sul, para o qual não se exige conhecimento técnico
ou habilitação legal específica, mas tão-somente nível médio completo, nos termos da
Lei Estadual 11.672/2001. Suas atribuições são de inegável relevância, mas de natureza
eminentemente burocrática, relacionadas ao apoio à atividade pedagógica. 4. Recurso
ordinário improvido (STJ. RMS nº 20.033/RS, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, Quinta
Turma, j. em 15.02.2007, DJ, 12 mar. 2007).
224
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 39. ed. São Paulo: Malheiros,
2013. p. 487; GASPARINI, Diogenes. Regime Constitucional dos Servidores Públicos. 2. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1992. p. 90.
225
Ementa: RESP - Administrativo - Cargo científico - Cargo técnico – Cargo científico e o
conjunto de atribuições cuja execução tem por finalidade investigação coordenada e siste-
matizada de fatos, predominantemente de especulação, visando a ampliar o conhecimento
humano. Cargo técnico e o conjunto de atribuições cuja execução reclama conhecimento
específico de uma área do saber (STJ. REsp nº 117.492/DF, Rel. Min. Luiz Vicente Cernic-
chiaro, Sexta Turma, j. em 10.06.1997, DJ, 29 jun. 1998).
226
Ementa: art. 145, §7º, letra c, da Constituição do Estado de Mato Grosso, que prevê a
acumulação de dois cargos públicos privativos de profissionais da saúde. Hipótese não
contemplada pelo art. 37, XVI, da Constituição Federal, de observância obrigatória por
todos os entes integrantes da Federação, conforme expresso em seu caput. Procedência da
ação, com declaração de inconstitucionalidade do texto impugnado (STF. ADI nº 281/MT.
Rel. Min. Ilmar Galvão, Tribunal Pleno, j, em 05.11.1997, DJ, 06 fev. 1998).

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 126 10/03/2016 14:05:47


CAPÍTULO 6
ACUMULAÇÃO DE CARGOS, EMPREGOS E FUNÇÕES
127

eletivo: na hipótese de mandato eletivo federal, estadual ou distrital, o


servidor deve ser afastado de seu cargo, emprego ou função (art. 38, I);
tratando-se de mandato de prefeito, será afastado, mas poderá optar pelo
recebimento da remuneração do cargo, emprego ou função (art. 38, II);
se investido no mandato de vereador, poderá haver acumulação, desde
que as jornadas sejam compatíveis, caso contrário, será afastado, poden-
do optar pela remuneração do cargo, emprego ou função (art. 38, III).
Nas hipóteses de afastamento em razão do exercício de mandato
eletivo, o período será computado para todos os efeitos, inclusive para
fins de percepção de benefício previdenciário (art. 38, V), exceto para
promoção por merecimento (art. 38, IV).
No que tange aos Magistrados e Membros do Ministério Público,
a Constituição de 1988, ao elencar as garantias e proibições afetas às
respectivas carreiras, prevê a impossibilidade de exercício cumulativo de
qualquer outro cargo, emprego ou função, salvo um de magistério, ainda
que estejam em disponibilidade, consoante se depreende das normas
dos art. 95, parágrafo único, I, e art. 128, §5º, II, “d”, da Constituição
da República.
Especificamente quanto aos Magistrados, a norma constitucional
veda o exercício de qualquer outra função, salvo uma de magistério,
sem distinguir se na esfera pública ou privada. Quanto aos Membros
do Ministério Público, a norma é clara ao proibir o exercício de outra
função pública, salvo uma de magistério (com exceção da advocacia,
cuja prática lhes é vedada em quaisquer hipóteses – art. 128, §5º, II, “b”).
Diante disso, há divergência na doutrina acerca da interpretação
do sentido e alcance dessas normas relativamente às respectivas
carreiras.
Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro, a vedação, para os Magis­
trados, estende-se à esfera privada, ao passo que, em relação aos
Promotores e Procuradores, a restrição alcança somente uma função
pública de magistério, não havendo óbice ao exercício do magistério
no âmbito privado.227
Por outro lado, José dos Santos Carvalho Filho entende que, a
despeito da incompletude do texto da norma inserta no art. 95, parágrafo
único, I, da Constituição da República, sua interpretação deve ser

227
A norma é mais restritiva para o juiz do que para o promotor público; o primeiro, além das
funções do seu cargo, só pode exercer uma função de Magistério, seja pública ou privada;
o Promotor Público pode exercer outra função pública de magistério, nenhuma restrição
havendo quanto ao magistério particular (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito
Administrativo. 28. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 699).

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 127 10/03/2016 14:05:47


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
128 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

idêntica à daquela aplicável aos Membros do Ministério Público, ou


seja, a vedação imposta aos Magistrados diz respeito a uma função
pública de magistério.228
Ao apreciar a questão, o Supremo Tribunal Federal, no julgamen-
to da ADI-MC nº 3.126, ajuizada em face da Resolução nº 336/03, editada
pelo Conselho da Justiça Federal, que trata do acúmulo das funções
judicantes e de magistério no âmbito da Justiça Federal de primeiro e
segundo graus, adotou o entendimento no sentido de que a vedação
contida na norma constitucional diz respeito ao exercício de uma função
pública de magistério, sendo lícito ao Magistrado exercer outras funções
de magistério na esfera privada, desde que haja compatibilidade de
horários de forma a não prejudicar o exercício da judicatura.229
Em relação aos militares, a norma do art. 142, §3º, II, da Consti-
tuição da República, estabelece que o militar em atividade que tomar
posse em qualquer outro cargo ou emprego público civil permanente,
salvo na hipótese prevista no art. 37, XVI, “c” (acumulação de cargos
privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas),
será transferido para reserva, nos termos da lei.

6.3 Acumulação de proventos e vencimentos


A possibilidade de acumulação de proventos e vencimentos, na
hipótese em que o servidor aposentado ingressa novamente no serviço

228
No que concerne aos membros do Ministério Público, incide o art. 128, §5º, II, “d”, da CF,
segundo o qual lhes é vedado “exercer, ainda que em disponibilidade, qualquer outra função
pública, salvo uma de magistério”. Diferentemente do art. 95, parág. único, I, da CF, aplicável
aos magistrados, o dispositivo em tela deixa claro que a restrição a uma função de magistério
se refere ao exercício de função pública (daí a expressão “qualquer outra função pública”).
Idêntica, pois, deve ser a interpretação para os magistrados, apesar da incompletude de
seu texto (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 27. ed.
São Paulo: Atlas, 2014. p. 673).
229
Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada contra a Resolução no 336, de
2.003, do Presidente do Conselho da Justiça Federal, que dispõe sobre o acúmulo do
exercício da magistratura com o exercício do magistério, no âmbito da Justiça Federal de
primeiro e segundo graus. 2. Alegação no sentido de que a matéria em análise já encontra
tratamento na Constituição Federal (art. 95, parágrafo único, I), e caso comportasse
regulamentação, esta deveria vir sob a forma de lei complementar, no próprio Estatuto
da Magistratura. 3. Suposta incompetência do Conselho da Justiça Federal para editar o
referido ato, porquanto fora de suas atribuições definidas no art. 105, parágrafo único,
da Carta Magna. 4. Considerou-se, no caso, que o objetivo da restrição constitucional é
o de impedir o exercício da atividade de magistério que se revele incompatível com os
afazeres da magistratura. Necessidade de se avaliar, no caso concreto, se a atividade de
magistério inviabiliza o ofício judicante. 5. Referendada a liminar, nos termos em que foi
concedida pelo Ministro em exercício da presidência do Supremo Tribunal Federal, tão-
somente para suspender a vigência da expressão “único (a)”, constante da redação do art.
1o da Resolução no 336/2003, do Conselho de Justiça Federal (STF. ADI nº 3.126 MC/DF,
Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, j. em 17.02.2005, DJ, 06 maio 2005).

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 128 10/03/2016 14:05:47


CAPÍTULO 6
ACUMULAÇÃO DE CARGOS, EMPREGOS E FUNÇÕES
129

público para exercer outro cargo, emprego ou função, é questão polêmica


e, na história constitucional pátria, mereceu tratamento singelo, sendo,
não raras vezes, “omitida” pelo legislador constitucional, como se ve-
rificou na Constituição da República de 1988, em sua redação original.
Com efeito, a Carta Constitucional não tratou, inicialmente,
da questão da acumulação de proventos, limitando-se a estabelecer a
vedação à acumulação remunerada de cargos públicos (art. 37, XVI),
além de estender tal proibição aos empregos e funções públicas (art. 37,
XVII) – vide item anterior.
Essa “omissão” gerou inúmeras discussões acerca da aplicação da
regra da inacumulabilidade aos servidores aposentados, notadamente
porque, na Constituição da República de 1967, havia norma expressa
acerca do tema (art. 97, §3º).230
Parte da doutrina entendia que a inexistência de regra proibitiva
quanto aos aposentados implicava a possibilidade de acumulação de
proventos e vencimentos em quaisquer hipóteses, ainda que os cargos
não fossem acumuláveis na atividade, porquanto a vedação inserta
no art. 37, XVI, refere-se a cargos públicos, ao passo que a extensão da
proibição aos empregos e funções ocorreu de forma expressa, a teor do
disposto no inc. XVII, do art. 37, da Constituição.
Ao tratar do tema, Celso Antônio Bandeira de Mello pontuou
que a Constituição anterior previa a não incidência da regra da
inacumulatividade em relação aos aposentados quanto ao exercício
de mandato eletivo, cargo em comissão e contratação para prestação
de serviços técnicos ou especializados, de modo que, a contrario sensu,
proibiu a acumulação de proventos nos demais casos. Noutro giro, a
Constituição de 1988 fora silente quanto ao tema, o que denotava a falta
de proibição nesse sentido, já que não se pode estabelecer restrições onde
não existem. Esclarecia que o aposentado não exerce cargo, emprego ou
função, pois a aposentadoria desfaz o vínculo do servidor com o cargo
anteriormente exercido, que se torna vago. Assim, o aposentado não se
encontrava abrangido pela restrição insculpida no inc. XVI, do art. 37,
que vedava a acumulação de cargos e não de vencimentos, salários ou
proventos.231

230
Art. 97. É vedada a acumulação remunerada, exceto: [...] §3º. A proibição de acumular
proventos não se aplica aos aposentados, quanto ao exercício de mandato eletivo, cargo
em comissão ou ao contrato para prestação de serviços técnicos ou especializados.
231
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Regime Constitucional dos Servidores da
Administração Direta e Indireta. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991. p. 88-90.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 129 10/03/2016 14:05:48


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
130 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

Maria Sylvia Zanella Di Pietro corroborava tal entendimento e


ressaltava que a norma constitucional (art. 37, XVI) vedava a acumulação
de “cargo”, de forma que não seria possível ampliar o sentido do
vocábulo empregado pelo legislador constitucional para abranger os
aposentados. Assinalava que a ausência de menção à acumulação de
proventos significava que os servidores inativos poderiam exercer
livremente qualquer outro cargo, emprego ou função, tendo em vista o
princípio geral de direito segundo o qual as normas restritivas de direito
devem ser interpretadas restritivamente (exceptiones sunt strictissimoe
interpretationis).232
Outra corrente de juristas entendia que a Constituição de 1988
não fora omissa quanto ao tema, porquanto a falta de regramento
expresso denotava a impossibilidade de acumulação de proventos
e vencimentos, com exceção das hipóteses em que a própria Carta
Constitucional permitia a acumulação de cargos na atividade, já que a
regra é a inacumulatividade.
O Supremo Tribunal Federal, ao enfrentar o tema pela primeira
vez à luz da Constituição da República de 1988 (RE nº 163.204-6/
SP),233 entendeu pela impossibilidade de acumulação de proventos e
vencimentos, salvo nas hipóteses de cargos acumuláveis na atividade,
ao fundamento de que a vedação constitucional, embora não expressa,
abrangeria os aposentados, pois a regra é a inacumulatividade, de
modo que as exceções deveriam ser expressamente elencadas pela
Constituição.
De acordo com o entendimento sufragado no referido julgamento,
os aposentados não deixam de ser servidores, apenas se tornam inativos
e percebem seus proventos em virtude do exercício passado de um
cargo. Assim, tanto os vencimentos quanto os proventos caracterizam-se
como remuneração oriunda do exercício – atual ou passado – de cargos

232
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 28. ed. São Paulo: Atlas, 2015.
p. 701.
233
Ementa: Constitucional. Administrativo. Servidor público. Proventos e vencimentos:
Acumulação. C.F., art. 37, XVI, XVII. I. - A acumulação de proventos e vencimentos
somente e permitida quando se tratar de cargos, funções ou empregos acumuláveis na
atividade, na forma permitida pela Constituição. C.F., art. 37, XVI, XVII; art. 95, parágrafo
único, I. Na vigência da Constituição de 1946, art. 185, que continha norma igual a que
está inscrita no art. 37, XVI, CF/88, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal era
no sentido da impossibilidade da acumulação de proventos com vencimentos, salvo se
os cargos de que decorrem essas remunerações fossem acumuláveis. II. - Precedentes do
STF: RE-81729-SP, ERE-68480, MS-19902, RE-77237-SP, RE-76241-RJ. III. - R.E. conhecido e
provido (STF. RE nº 163.204/SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, j. em 09.11.1994,
DJ, 31 mar. 1995).

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 130 10/03/2016 14:05:48


CAPÍTULO 6
ACUMULAÇÃO DE CARGOS, EMPREGOS E FUNÇÕES
131

públicos, o que denota a impossibilidade de acumulação remunerada de


proventos fora dos casos excepcionados pelo legislador constitucional.
O Ministro Carlos Velloso, relator do acórdão, asseverou que a
ausência de menção ao vocábulo proventos nas normas constitucionais
que tratam da acumulação não poderia ser interpretada no sentido da
possibilidade de cúmulo de proventos, até mesmo porque, na vigência
da Constituição de 1946, que também não continha norma proibitiva
expressa, a jurisprudência majoritária do Supremo Tribunal Federal234
era contrária à acumulação irrestrita de proventos. Asseverou que a
proibição ao acúmulo de proventos decorre da vedação constitucional
ao duplo ganho, bem como do fato de os proventos caracterizarem-se
como retribuição pelo exercício passado de um cargo pelo aposentado,
que não deixa de ser servidor após a aposentação.
Por fim, salientou que o direito à integralidade e paridade dos
proventos com a remuneração dos servidores em atividade, como era
assegurado na Constituição de 1988 antes das alterações trazidas pela
Emenda Constitucional nº 41/03,235 reforça o entendimento no sentido
da vedação ao acúmulo de proventos e vencimentos, pois indica que
o legislador constitucional equiparou os servidores da ativa com os
inativos, mantendo esses últimos “vinculados” aos cargos que exerciam.
No supramencionado recurso extraordinário (RE nº 163.204-6/SP),
o Ministro Marco Aurélio proferiu voto no sentido da possibilidade de
acumulação de proventos e vencimentos além dos casos previstos no
art. 37, XVI, da Constituição de 1988, ao fundamento de que referida
norma veda tão somente a acumulação de cargos, não fazendo qualquer
menção aos proventos.
De acordo com o entendimento esposado pelo Ministro, a
interpretação do sentido da inacumulabilidade de proventos implicaria
ofensa aos princípios da legalidade, da acessibilidade aos cargos
públicos e ao direito fundamental de exercer qualquer trabalho, desde
que atendidos os requisitos legais para tanto.

234
STF. RE nº 81.729/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Xavier de Albuquerque, j. em 05.09.1975,
DJ, 19 set. 1975.
235
O direito à paridade e integralidade já não mais encontra previsão na Constituição de
1988, em razão da promulgação da Emenda Constitucional nº 41/03, que estabeleceu a
forma de cálculo do valor inicial dos proventos, bem como seu reajuste à semelhança do
que ocorre no Regime Geral de Previdência Social, isto é, cálculo do valor inicial com base
nas remunerações de contribuição e atualização monetária por índice que assegure o valor
real dos benefícios, na forma da lei – art. 40, §§3º e 17 – vide item 5, que trata do Regime
Próprio de Previdência dos Servidores Públicos.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 131 10/03/2016 14:05:48


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
132 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

Acrescentou, ainda, que, durante os trabalhos da Assembleia


Nacional Constituinte de 1988, a proposta apresentada para a norma
constitucional que trataria da acumulação de cargos continha, em
seu texto, a proibição de acumulação de proventos, salvo nos casos
de exercício de mandato eletivo, função de magistério ou cargo em
comissão.236 Entretanto, referida proposta fora alterada em razão da
apresentação de emenda supressiva, cujo escopo era afastar a vedação
de acúmulo em relação aos aposentados, sob a justificativa de que seria
necessário possibilitar o reingresso no serviço público a todo e qualquer
cidadão nele inativado, desde que presente e útil ao serviço.237
Asseverou que, em determinadas hipóteses, os trabalhos
legislativos que precedem a elaboração de normas podem guiar o
intérprete na exegese de seus comandos, conforme já reconhecido pelo
Supremo Tribunal Federal em outras ocasiões.238
Concluiu seu raciocínio salientando que a norma contida no art.
37, XVI, restringe a proibição ao acúmulo de cargos públicos, ao passo
que a do inc. XVII estende a vedação de forma explícita aos empregos
e funções, não havendo qualquer menção ao vocábulo proventos, o
que indica a inexistência de proibição de acumulação de proventos e
vencimentos.
A despeito desses argumentos, o voto proferido pelo Ministro
Carlos Velloso sagrou-se vencedor, e o Supremo Tribunal Federal fir-
mou entendimento no sentido da impossibilidade de acumulação de
proventos, salvo nas hipóteses previstas na própria Carta Constitucional.
Com a promulgação da Emenda Constitucional nº 20, de
16 de dezembro de 1988, a vedação ao acúmulo de proventos foi
expressamente incluída no texto constitucional, mais precisamente na
norma insculpida no §10, do art. 37.239

236
Art. 87. [...] §2º A proibição de acumular proventos não se aplica aos aposentados quanto
ao exercício de mandato eletivo, de magistério ou de cargo em comissão.
237
STF. RE nº 163.204-6/SP, Rel. Min. Carlos Velloso – trecho do Voto do Min. Marco Aurélio, p. 495.
238
Ementa: Funcionário público. Demissão. Prescrição da pretensão punitiva da Adminis-
tração Pública, - A pretensão punitiva da Administração Pública. No que diz respeito a
faltas disciplinares não definidas também como crime, mas sujeitas a pena de demissão,
prescreve em quatro anos. Interpretação extensiva do inciso II, letra a, do artigo 213 do
Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União, cujo espírito é mais amplo do que a
letra, e abarca, sem limitação por omissão, todas as faltas, que não crimes, sujeitas a pena
de demissão. Mandado de Segurança concedido (STF. MS nº 20069/DF, Rel. Min. Cunha
Peixoto, Tribunal Pleno, j. em 24.11.1976, DJ, 02 set. 1977).
239
Art. 37 [...] §10. É vedada a percepção simultânea de proventos de aposentadoria
decorrentes do art. 40 ou dos arts. 42 e 142 com a remuneração de cargo, emprego ou
função pública, ressalvados os cargos acumuláveis na forma desta Constituição, os cargos
eletivos e os cargos em comissão declarados em lei de livre nomeação e exoneração.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 132 10/03/2016 14:05:48


CAPÍTULO 6
ACUMULAÇÃO DE CARGOS, EMPREGOS E FUNÇÕES
133

Referida norma estabeleceu vedação à percepção simultânea de


proventos de aposentadoria pelo Regime Próprio de Previdência dos
Servidores Públicos (art. 40 e ss., da CR/88), dos Militares dos Estados
e Distrito Federal (art. 42) e das Forças Armadas (art. 142), com exceção
dos cargos acumuláveis na forma prevista na Constituição, bem como os
cargos eletivos e os cargos em comissão de livre nomeação e exoneração.
Desse modo, a acumulação de proventos e vencimentos somente
se apresenta possível nas hipóteses em que os cargos são acumuláveis em
atividade, assim como nos casos de exercício, pelo servidor aposentado,
de mandato eletivo ou cargo em comissão.
A Emenda Constitucional apresentava-se necessária não somente
em razão das inúmeras discussões travadas na doutrina e jurisprudência
acerca do tema, mas também e, principalmente, em decorrência da refor-
ma implementada no Regime de Previdência dos Servidores Públicos.
Antes do advento da EC nº 20/98, não havia desconto de contri-
buição previdenciária sobre a remuneração dos servidores (salvo em
relação aos servidores da União, que já contribuíam para o custeio de
seus proventos, em razão da promulgação da EC nº 03/93 – vide item
7.3.1), que se aposentavam em razão da idade e do tempo de serviço e
tinham seus proventos custeados exclusivamente pelo Tesouro.
Com as modificações introduzidas, adotou-se a obrigatoriedade
do regime contributivo, o tempo de serviço transmudou-se em tempo
de contribuição (o tempo de serviço anterior fora considerado como
de contribuição – art. 4º, EC nº 20/98), vedou-se a contagem ficta de
tempo de contribuição (art. 40, §10), e os servidores passaram a ter que
contribuir para o Regime Próprio de Previdência (art. 40, caput).240
Diante dessa reforma, a exegese dada pelo Supremo Tribunal
Federal acerca do regramento constitucional destinado à acumulação
de proventos e vencimento – no sentido de que a ausência de menção
expressa quanto ao tema denotaria a proibição do acúmulo – não mais
se sustentaria, pois, com a implementação do regime contributivo,
a aposentadoria não mais seria custeada somente pelo Tesouro, mas
também pelo próprio servidor, mediante o desconto compulsório da
contribuição previdenciária. Assim, se o servidor contribuísse, deveria
receber a contraprestação, isto é, os proventos de aposentadoria.
Desse modo, apresentava-se necessária a criação de norma
constitucional que explicitasse a proibição de acumulação de proventos,

240
A matéria atinente ao Regime Próprio dos Servidores Públicos será tratada no item 7.3.1.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 133 10/03/2016 14:05:48


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
134 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

o que, como já observado, foi feito mediante o acréscimo do §10, ao art.


37, da Constituição da República.
Entretanto, a norma do art. 11, da EC nº 20/98,241 assegurou o
direito à percepção simultânea de proventos e vencimentos aos servi-
dores e militares que, até a publicação da emenda, tivessem ingressado
novamente no serviço público por meio de concurso ou demais formas
previstas na Constituição, sendo-lhes vedado, contudo, o recebimento
de mais de uma aposentadoria pelo regime próprio do art. 40, da CR/88.
Trata-se de norma transitória, de caráter excepcional, com o esco-
po de convalidar as situações de acúmulo de proventos e vencimentos
existentes sob a égide do regime constitucional anterior.
A vedação à percepção de duas aposentadorias pelo regime de
que trata o art. 40, da CR/88, não abrange as hipóteses em que a própria
Constituição admite a acumulação na atividade – conforme se depreende
da norma do art. 40, §6º, CR/88242 –, ao contrário, diz respeito apenas
àqueles servidores que, tendo se aposentado, ingressaram novamente
no serviço público para exercício de cargo, emprego ou função não
acumulável.
Ademais, consoante remansosa jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal,243 a proibição não incide nas hipóteses em que as

241
Art. 11 - A vedação prevista no art. 37, §10, da Constituição Federal, não se aplica aos
membros de poder e aos inativos, servidores e militares, que, até a publicação desta Emen-
da, tenham ingressado novamente no serviço público por concurso público de provas ou
de provas e títulos, e pelas demais formas previstas na Constituição Federal, sendo-lhes
proibida a percepção de mais de uma aposentadoria pelo regime de previdência a que se
refere o art. 40 da Constituição Federal, aplicando-se-lhes, em qualquer hipótese, o limite
de que trata o §11 deste mesmo artigo.
242
Art. 40 [...] §6º - Ressalvadas as aposentadorias decorrentes dos cargos acumuláveis na
forma desta Constituição, é vedada a percepção de mais de uma aposentadoria à conta do
regime de previdência previsto neste artigo.
243
Ementa: Mandado de Segurança. Coordenador geral de recursos humanos da ABIN. Exe-
cutor de ato administrativo do Tribunal de Contas da União. Ilegitimidade passiva. Prosse-
guimento do feito quanto ao Presidente da Primeira Câmara do TCU. Decadência adminis-
trativa. Inocorrência. Cumulação de proventos da reserva militar com os de aposentadoria
em cargo civil antes da EC 20/98. Possibilidade. art. 11 da EC 20/98. 1. O Presidente da
1ª Câmara do Tribunal de Contas da União é parte legítima para figurar no pólo passi-
vo de mandado de segurança quando o ato impugnado reveste-se de caráter impositivo.
Precedente [MS n. 24.001, Relator MAURÍCIO CORREA, DJ 20.05.2002]. 2. Prejudicada a
impetração quanto ao Coordenador Geral de Recursos Humanos da ABIN, mero executor
do ato administrativo do Tribunal de Contas da União. 3. O ato de aposentadoria configura
ato administrativo complexo, aperfeiçoando-se somente com o registro perante o Tribunal
de Contas. Submetido a condição resolutiva, não se operam os efeitos da decadência antes
da vontade final da Administração. 4. O art. 93, §9º, da Constituição do Brasil de 1967, na
redação da EC 1/69, bem como a Constituição de 1988, antes da EC 20/98, não obstavam o
retorno do militar reformado ao serviço público e a posterior aposentadoria no cargo civil,
acumulando os respectivos proventos. Precedentes [MS n. 24.997 e MS n. 25.015, Relator o

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 134 10/03/2016 14:05:48


CAPÍTULO 6
ACUMULAÇÃO DE CARGOS, EMPREGOS E FUNÇÕES
135

aposentadorias sejam oriundas de regimes previdenciários distintos,


quais sejam, Regime Próprio dos Servidores Públicos (art. 40, CR/88),
Regime Geral de Previdência Social (art. 201 e ss., CR/88), e Regime de
Previdência dos Militares dos Estados e Distrito Federal e das Forças
Armadas (art. 42 e art. 142, CR/88).
Nesse ponto, a Suprema Corte entende que a norma do art. 11,
EC nº 20/98 é cristalina ao restringir a percepção de duas aposentadorias
pelo regime de previdência tratado no art. 40, CR/88 – Regime Próprio
dos Servidores Públicos (civis) –, não fazendo menção aos demais
regimes previstos na Carta Constitucional.
Desse modo, apresenta-se legítima a acumulação de proventos
de aposentadoria decorrentes do exercício de cargo público com
aposentadoria oriunda de outros regimes, seja do Regime Geral de
Previdência Social (em virtude do exercício de atividade na iniciativa
privada ou emprego público), seja do Regime de Previdência dos
Militares, em razão da reforma/reserva concedida a militar.
Por outro lado, não se apresenta possível o acúmulo de duas
apo­sentadorias com fulcro no art. 40, da Constituição, ainda que as
fontes pagadoras sejam distintas, tendo em vista a vedação expressa
contida no art. 11, da EC nº 20/98, sendo nesse sentido a jurisprudência
do Supremo Tribunal Federal.244
A exceção trazida pela norma transitória no art. 11, da EC nº
20/98, gerou algumas discussões na doutrina e divergências de julgados
nos Tribunais em relação à possibilidade de acúmulo de mais de dois
proventos/vencimentos (acumulação tríplice ou quádrupla de proventos
com vencimentos).
Isso porque alguns servidores invocaram a exceção estabelecida
pela referida norma para pleitear o direito à percepção de proventos com
vencimentos de dois cargos (esses últimos acumuláveis em atividade),
ou de duas aposentadorias (decorrentes de cargos acumuláveis) com

Ministro EROS GRAU, DJ 01.04.05; e MS n. 24.958, Relator o Ministro MARCO AURÉLIO,


DJ 01.04.05]. 5. Reformado o militar sob a Constituição de 1967 e aposentado como servidor
civil na vigência da Constituição de 1988, antes da edição da EC 20/98, não há falar-se em
acumulação de proventos do art. 40 da CB/88, vedada pelo art. 11 da EC n. 20/98, mas a per-
cepção de provento civil [art. 40 CB/88] cumulado com provento militar [art. 42 CB/88], si-
tuação não abarcada pela proibição da emenda. 6. Segurança concedida (STF. MS nº 25.192/
DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Eros Grau, j. em 07.04.2005, DJ, 06 maio 2005). No mesmo
sentido: STF. MS nº 24.958/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, j. em 02.02.2005,
DJ, 1º abr. 2005; AgRg no RE nº 527.714-3/RJ, Rel. Min. Eros Grau, Segunda Turma, j. em
05.06.2007, DJ, 29 jun. 2007; AgRg no AI nº 801.096/DF, Primeira Turma, Rel. Min. Luiz Fux,
j. em 06.12.2011, DJ, 19 dez. 2011.
244
STF. AI nº 799.716/MG, Decisão Monocrática, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ, 26 out. 2010.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 135 10/03/2016 14:05:48


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
136 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

vencimentos de outro cargo, ou, ainda, de duas aposentadorias com


exercício de dois cargos acumuláveis.245
O principal argumento para sustentar a licitude da acumulação
nessas hipóteses consistia no fato de a norma do art. 11, da EC nº 20/98
ter convalidado as situações pretéritas mediante o preenchimento de
apenas um requisito temporal, isto é, o reingresso no serviço público
antes da publicação da emenda. Assim, teria assegurado o direito dos
servidores à percepção de mais de dois proventos/vencimentos.
Contudo, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-
se no sentido da impossibilidade do acúmulo de mais de dois proventos/
vencimentos, ainda que o provimento dos cargos tivesse ocorrido antes
da promulgação da EC nº 20/98.246

6.4 Efeitos da acumulação ilícita


A acumulação de cargos em hipóteses diversas das expressamente
previstas na Constituição da República apresenta-se ilícita, pois a regra
é a inacumulabilidade (vide item 6.1).

245
A título meramente ilustrativo, a acumulação tríplice poderia ocorrer na hipótese em que
um servidor aposentado em dois cargos de professor (cargos acumuláveis, nos termos
do art. 37, XVI, “a”, CR/88) ingressasse novamente no serviço público para exercer cargo
técnico ou mesmo outro cargo de professor. Outra hipótese possível é a do servidor
aposentado em razão do exercício do cargo de médico e posteriormente contratado pelo
Poder Público para exercício de mais dois cargos de médico.
246
Ementa: Constitucional. Servidor público. Acumulação de vencimentos com proventos
de duas aposentadorias. Impossibilidade. I. - A acumulação de proventos e vencimentos
somente é permitida quando se tratar de cargos, funções ou empregos acumuláveis na
atividade, na forma permitida na Constituição. II. - Não é permitida a acumulação de
proventos de duas aposentadorias com os vencimentos de cargo público, ainda que
proveniente de aprovação em concurso público antes da EC 20/98. III. - Agravo não
provido (STF. AI nº 484.756 AgR/PR, Segunda Turma, Rel. Min. Carlos Velloso, j. em
15.02.2005, DJ, 1º abr. 2005); Ementa: Agravo Regimental no Recurso Extraordinário
com Agravo. Administrativo. Servidora pública. Cumulação tríplice de proventos. Três
cargos de professora. Impossibilidade. Precedentes. Agravo improvido. I – Consoante
a jurisprudência desta Corte, é vedada a acumulação tríplice de proventos, ante a
impossibilidade do acúmulo de três cargos públicos na atividade. II – Agravo regimental
improvido (STF. ARE nº 668.478 AgR /RJ, 2ª Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJ,
03 set. 2012); Ementa: Administrativo. Agravo Regimental no Recurso Extraordinário.
Servidora pública. Acumulação de proventos com vencimentos de professor. Acúmulo
quádruplo de remunerações. Art. 11 da EC 20/98. Inviabilidade. 1. Segundo a jurisprudência
do Supremo Tribunal Federal, apenas se permite a acumulação de proventos e vencimentos
quando se tratar de cargos, funções, ou empregos acumuláveis na atividade, conforme
permitido pela Constituição. 2. Não se admite acúmulo quádruplo de provimentos e
vencimentos de professor, mesmo que decorrentes de aprovações em concursos públicos
anteriores à vigência da EC 20/98 (AI 545.424 AgR-AgR, 2ª Turma, Min. Celso de Mello,
Dje de 25/03/13; AI 529.499 AgR, 1ª Turma, Min. Ricardo Lewandowski, DJe 17/11/10).
Precedentes. 3. Agravo regimental a que se nega provimento (STF. RE nº 432.682 AgR/PR,
Segunda Turma, Rel. Min. Teori Zavascki, j. em 25.06.2013, DJ, 14 ago. 2013).

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 136 10/03/2016 14:05:48


CAPÍTULO 6
ACUMULAÇÃO DE CARGOS, EMPREGOS E FUNÇÕES
137

A constatação da ilicitude na acumulação de cargos produz


efeitos na esfera administrativa que podem ensejar a exoneração do
servidor ou, até mesmo, aplicação da pena de demissão ou cassação
da aposentadoria.
A matéria é afeta ao regime jurídico dos servidores públicos,
sendo, portanto, tratada nas leis respectivas de cada ente da federação,
tendo em vista a autonomia político-administrativa outorgada pela
Constituição da República aos Estados, Distrito Federal e Municípios
para estabelecerem normas e organizarem seu quadro de pessoal.
Não obstante, os efeitos da acumulação ilícita, via de regra,
diferenciam-se em razão da constatação da boa-fé ou má-fé do
servidor: na primeira hipótese, garante-se o direito de opção e ocorre a
exoneração em um dos cargos; na segunda, instaura-se o procedimento
administrativo para aplicação da penalidade de demissão ou cassação
da aposentadoria, assegurando-se ao servidor o direito à ampla defesa
e ao contraditório (art. 5º, LV, e art. 41, §1º, II, CR/88).
A Lei nº 8.112/90, que dispõe sobre o regime jurídico dos
servidores públicos da União, estabelece que a acumulação ilegal de
cargos, empregos ou funções públicas é infração funcional punida com
demissão (art. 132, inciso XII).247
A norma inserta no art. 133, do referido diploma normativo,
com as alterações trazidas pela Lei nº 9.527/97, prevê que, constatada a
acumulação ilícita, a autoridade competente deve notificar o servidor
para apresentar opção, que, uma vez feita, enseja a exoneração no outro
cargo, já que, nesse caso, a lei caracteriza o ato como demonstração de
boa-fé (art. 133, §5º).248 Na hipótese de omissão ou resistência, instaura-se
processo administrativo disciplinar, cujo procedimento é especial (rito
sumário – art. 133, caput, I a III).249

247
Art. 132. A demissão será aplicada nos seguintes casos: [...] XII - acumulação ilegal de
cargos, empregos ou funções públicas; [...]
248
Art. 132. [...] §5º - A opção pelo servidor até o último dia de prazo para defesa configurará
sua boa-fé, hipótese em que se converterá automaticamente em pedido de exoneração do
outro cargo.
249
Art. 133. Detectada a qualquer tempo a acumulação ilegal de cargos, empregos ou funções
públicas, a autoridade a que se refere o art. 143 notificará o servidor, por intermédio de sua
chefia imediata, para apresentar opção no prazo improrrogável de dez dias, contados da
data da ciência e, na hipótese de omissão, adotará procedimento sumário para a sua apu-
ração e regularização imediata, cujo processo administrativo disciplinar se desenvolverá
nas seguintes fases: I - instauração, com a publicação do ato que constituir a comissão, a
ser composta por dois servidores estáveis, e simultaneamente indicar a autoria e a ma-
terialidade da transgressão objeto da apuração; II - instrução sumária, que compreende
indiciação, defesa e relatório; III - julgamento.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 137 10/03/2016 14:05:48


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
138 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

A opção feita mesmo após a instauração do procedimento, mas até


o último dia do prazo para apresentação da defesa, também caracteriza
a boa-fé, ensejando o arquivamento do feito e a exoneração no outro
cargo, nos termos do disposto no §5º, do art. 133, citado alhures.
Constatada a acumulação ilícita e provada a má-fé, aplica-
se a penalidade de demissão ou cassação da disponibilidade ou
aposentadoria (art. 133, §6º).250
A lei federal considera que a opção feita pelo servidor até o último
dia do prazo para apresentação de defesa configura boa-fé, a ponto de
afastar a aplicação da pena de demissão.
O legislador criou presunção legal de boa-fé no ato praticado
pelo servidor no sentido de optar por um dos cargos, desde que o faça
no prazo previsto na lei.
Entretanto, a constatação da boa-fé na acumulação ilícita de cargos
é questão preexistente à realização da opção pelo servidor, porque
está ligada à intenção do agente (boa-fé subjetiva), mormente porque,
no ato de posse, exige-se, normalmente, declaração da inexistência de
acumulação ilícita.
Assim, se o acúmulo fora praticado com má-fé, isto é, com a ciência
do agente acerca da prática do ato ilícito, a posterior opção por um dos
cargos ocupados em razão da atuação administrativa (notificação ou
instauração do processo disciplinar) não teria o condão de convalidar
a situação irregular, que já teria se consumado e produzido efeitos
práticos, vinculando o administrador, que, por sua vez, teria o dever de
aplicar a pena de demissão, em decorrência dos princípios da legalidade,
impessoalidade e probidade (art. 37, caput, CR/88).
Contudo, o servidor que, mesmo de boa-fé, não faz a opção por
entender pela licitude da acumulação, discordando da interpretação
dada pela Administração quanto à sua situação funcional, pode ser, ao
final do processo disciplinar, penalizado com a demissão, até porque a
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de
Justiça firmou-se no sentido de que a ausência de opção pelo servidor
por um dos cargos configura má-fé, por denotar disposição em persistir
na prática do ilícito.251

250
Art. 132. [...] §6º. Caracterizada a acumulação ilegal e provada a má-fé, aplicar-se-á a pena
de demissão, destituição ou cassação de aposentadoria ou disponibilidade em relação aos
cargos, empregos ou funções públicas em regime de acumulação ilegal, hipótese em que
os órgãos ou entidades de vinculação serão comunicados.
251
Ementa: Recurso Ordinário em Mandado de Segurança. Acórdão proferido pela Terceira
Seção do Superior Tribunal de Justiça, que denegou Mandado de Segurança Impetrado
contra ato do Ministro de Estado da Previdência e Assistência Social. Demissão do cargo

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 138 10/03/2016 14:05:48


CAPÍTULO 6
ACUMULAÇÃO DE CARGOS, EMPREGOS E FUNÇÕES
139

A despeito do posicionamento adotado pelo Supremo Tribunal


Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça, o fato de o servidor não
realizar a opção por um dos cargos públicos que ocupa, por si só, não
pode ser interpretado como má-fé, notadamente quando o servidor
apresenta resistência por considerar lícita sua situação.
Isso porque a acumulação de cargos é tema que, não raras vezes,
gera discussões nas esferas administrativa e judicial, pois, em determi-
nados casos, a constatação da licitude ou não da situação do servidor
em regime de acumulação é questão polêmica, por demandar exegese
de conceitos jurídicos indeterminados, como é o caso dos conceitos de
cargo técnico e cargo científico.
Desse modo, se há divergência a respeito da interpretação
de determinada situação jurídica, a ponto de ensejar, até mesmo, a
judicialização da questão, não se apresenta possível caracterizar a

de médico do quadro de pessoal do INSS. Acumulação ilegal de emprego público em três


cargos. Presunção de má-fé, após regular notificação. Recurso improvido I. O acórdão
recorrido entendeu que o servidor público que exerce três cargos ou empregos públicos de
médico - um no INSS, outro na Secretaria Estadual de Saúde e Meio Ambiente e outro junto
a hospital controlado pela União, incorre em acumulação ilegal de cargos. II. O Supremo
Tribunal Federal tem reconhecido a presunção de má-fe do servidor que, embora notificado,
não faz a opção que lhe compete. III. Demissão do recorrente que se assentou em processo
administrativo regular, verificada a ocorrência dos requisitos do art. 133, §6º, da Lei 8.112/90.
IV. Precedentes desta Corte em situações semelhantes: RMS 24.249/DF, Rel. Min. Eros Grau
e MS 25.538/DF, Rel. Min. Cezar Peluso. V. Recurso improvido (STF. RMS nº 23917/DF, Rel.
Min. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, DJe, 19 set. 2008); Ementa: Administrativo.
Recurso Ordinário em Mandado de Segurança. Sociedade de economia mista. Conceito.
Conceitos jurídicos. Servidor público. Acumulação de cargos. Não-exercício do direito de
opção no prazo legal. Má-fé configurada. 1. Para efeitos do disposto no art. 37, XVII, da
Constituição são sociedades de economia mista aquelas – anônimas ou não – sob o controle
da União, dos Estados-membros, do Distrito Federal ou dos Municípios, independentemente
da circunstância de terem sido “criadas por lei”. 2. Configura-se a má-fé do servidor que
acumula cargos públicos de forma ilegal quando, embora devidamente notificado para
optar por um dos cargos, não o faz, consubstanciando, sua omissão, disposição de persistir
na prática do ilícito. 3. Recurso a que se nega provimento (STF. RMS nº 24249/DF, Primeira
Turma, Rel. Min. Eros Grau, j. em 14.09.2004, DJ, 03 jun. 2005); Ementa: Administrativo.
Professor. Acumulação ilegal de aposentadoria. Nulidade do processo administrativo.
Ofensa aos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório. Não ocorrência.
Dever de autotutela da Administração Pública. Súmula nº 473/STF. Comprovação de má-fé.
Desnecessidade. 1. Não há falar em nulidade do processo administrativo, por inobservância
das regras do devido processo legal, se o impetrante teve ciência não apenas da instauração
do processo, mas de todos os demais atos, tendo inclusive apresentado defesa assinada por
advogado. 2. “A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios
que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de
conveniência e oportunidade, respeitados os direitos adquiridos e ressalvada, em todos os
casos, a apreciação judicial.” (Súmula nº 473/STF).3. “Não há necessidade de se comprovar
má-fé do servidor na acumulação ilegal dos cargos, se a ele é dada oportunidade para
exercer o direito de opção por dois dos três cargos e empregos exercidos, e deixa de fazê-lo.”
(MS nº 7.127/DF, Relator o Ministro FELIX FISCHER, DJU de 27/11/2000). 4. Mandado de
segurança denegado (STJ. MS nº 12084/DF, Rel. Min. Haroldo Rodrigues (Desembargador
Convocado do TJ/CE), Terceira Seção, j. em 25.05.2011, DJ, 13 jun. 2011).

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 139 10/03/2016 14:05:48


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
140 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

resistência do servidor em optar por um dos cargos como má-fé ou


intenção de perpetuar uma ilegalidade.
Ademais, a má-fé deve ser provada e não presumida, já que
o comportamento contrário ao Direito não pode ser tomado como
premissa corrente, mas sim como algo excepcional e patológico.
No âmbito do Estado de Minas Gerais, a Lei nº 869/52, que contém
o Estatuto dos servidores públicos estaduais, prevê a aplicação da pena
de demissão ao servidor que acumular ilegalmente cargos ou funções
(art. 249, I).252 Já as normas contidas nos inc. I e II, do art. 257,253 cominam
a pena de cassação da aposentadoria na hipótese de ficar comprovado
que o servidor inativo praticou, quando em atividade, quaisquer dos
atos para os quais é prevista a aplicação da pena de demissão, bem como
na hipótese de aceitação ilegal de cargo ou função.
Por sua vez, a norma do art. 259254 assegura o direito de o servidor
optar por um dos cargos, desde que provada a boa-fé. Assim, ausente
a comprovação da boa-fé no âmbito de procedimento administrativo,
aplica-se a pena de demissão ou cassação da aposentadoria, além da
sanção consubstanciada na inabilitação para exercício de cargos ou
funções no Estado pelo prazo de 05 (cinco) anos (art. 259, parágrafo
único).255
A Lei nº 869/52 exige a comprovação da boa-fé, tanto para o
exercício do direito de opção, quanto para a aplicação da pena de
demissão ou cassação da aposentadoria, diferentemente do regramento
adotado na Lei nº 8.112/90, que determina a comprovação da má-fé.
Contudo, a presunção deveria militar em favor da boa-fé do
servidor, cuja má-fé, isto é, ciência quanto à ilicitude do ato e intenção

252
Art. 249. A pena de demissão será aplicada ao servidor que: I - acumular, ilegalmente,
cargos, funções ou cargos com funções;
253
Art. 257. Será cassada, por decreto do Governador do Estado, a aposentadoria ou dispo-
nibilidade, se ficar provado, em processo, que o aposentado ou funcionário em disponi-
bilidade: I - praticou, quando em atividade, qualquer dos atos para os quais é cominada
neste Estatuto a pena de demissão, ou de demissão a bem do serviço público; II - aceitou
ilegalmente cargo ou função pública; [...].
254
Art. 259. No caso do art. 249, item I, provada a boa-fé, poderá o servidor optar, obedecidas
as seguintes normas: a) tratando-se do exercício acumulado de cargo, funções ou cargos e
funções do Estado, mediante simples requerimento, de próprio punho e firma reconhecida,
dirigido ao Governador do Estado; b) quando forem os cargos ou funções acumulados
de esferas diversas da Administração - União, Estado, Município ou entidade autárquica,
mediante requerimento, na forma da alínea anterior, e dada ciência imediata do fato à
outra entidade interessada.
255
Art. 259. [...] Parágrafo único. Se não for provada em processo administrativo a boa-fé,
o servidor será demitido do cargo ou destituído da função estadual, sendo cientificado
também, neste caso, a outra entidade interessada e ficando o servidor ainda inabilitado,
pelo prazo de 5 anos, para o exercício de cargos ou funções do Estado.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 140 10/03/2016 14:05:49


CAPÍTULO 6
ACUMULAÇÃO DE CARGOS, EMPREGOS E FUNÇÕES
141

deliberada em praticá-lo, necessitaria de comprovação, como previsto


na legislação federal.
Outro ponto a merecer comentário quanto aos efeitos da
acumulação ilícita no âmbito do Estado de Minas Gerais é a prática
adotada pela Administração em notificar o servidor para optar por um
dos cargos, mesmo antes da averiguação de sua intenção (boa ou má-fé).
Entretanto, como observado, a concessão de prazo para realização
da opção somente poderia ocorrer na hipótese de demonstração da
boa-fé, pois, do contrário (comprovação da má-fé), a imposição da pena
de demissão seria inevitável, tendo em vista o princípio da legalidade
estrita, cuja observância vincula o administrador.
Por outro lado, se a Administração assegura o exercício do direito
de opção, é porque reconheceu (ou deveria ter reconhecido) a existência
da boa-fé, de modo que a omissão ou resistência porventura apresentada
pelo servidor não poderia caracterizar má-fé – como comumente ocorre –,
a ensejar a aplicação da pena de demissão.
Quanto à restituição dos valores percebidos a título de
remuneração/proventos em decorrência da acumulação ilícita, doutrina
e jurisprudência pátrias entendem pela impossibilidade de devolução
na hipótese de ficar comprovada a contraprestação laboral, tendo em
vista o princípio que veda o enriquecimento ilícito.256
Somente se constatada a má-fé e a ausência da efetiva prestação
dos serviços, notadamente quando não há compatibilidade de horários,

256
Ementa: Embargos de Declaração no Recurso Extraordinário. Conversão em Agravo Re-
gimental. Processo Administrativo. Acumulação: Juiz classista e cargo efetivo. Devolução
ao erário dos valores recebidos. 1. As questões suscitadas no recurso sobre o processo ad-
ministrativo não foram examinadas no acórdão recorrido, nem foram objeto de embargos
de declaração. Incidem, no caso, as Súmulas 282 e 356 do Supremo Tribunal Federal. 2.
Acumulação: juiz classista e cargo efetivo. Impossibilidade. Precedentes. 3. Devolução ao
Erário dos valores recebidos como juiz classista. Inadmissibilidade. Valor social do traba-
lho. Precedente. 4. Agravo regimental parcialmente provido (STF. RE nº 496246 ED/CE,
Primeira Turma, Rela. Mina. Cármen Lúcia, j. em 22.05.2007, DJe, 17 ago. 2007); Ementa:
Civil e Administrativo. Ação Civil Pública. Cumulação ilícita de funções públicas. Asses-
sor jurídico em dois municípios. Impossibilidade de condenação por ato de improbidade.
Pedido inicial. Ressarcimento. Descabimento. Compatibilidade de horários. Contrapres-
tação de serviços. Condenação em honorários advocatícios. Má-fé não demonstrada. Im-
possibilidade. 1. Inviável o acolhimento de pedido formulado pelo Ministério Público em
recurso especial, pela condenação por ato de improbidade tipificado no art. 11 da LIA, não
constante da exordial, sob pena de ofensa ao art. 460 do CPC (decisão extra petita).2. É
descabida a devolução dos valores percebidos pelo agente, mesmo nos casos de cumulação
ilícita de funções ou cargos, quando efetivamente houve contraprestação dos serviços, em
compatibilidade de horários, para não se configurar enriquecimento ilícito da Adminis-
tração. Precedente da Corte Especial. 3. É pacífica a jurisprudência de que, nas ações civis
públicas, não se impõe ao Ministério Público a condenação em honorários advocatícios ou
custas, ressalvados os casos em que o autor for considerado litigante de má-fé. Preceden-
tes. 5. Recurso especial parcialmente provido (STJ. REsp nº 565548, Segunda Turma, Rela.
Mina. Eliana Calmon, j. em 13.08.2013, DJe, 20 ago. 2013).

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 141 10/03/2016 14:05:49


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
142 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

é que o ressarcimento ao erário se apresenta possível, já que tal


situação pode caracterizar, até mesmo, prática de ato de improbidade
administrativa, uma vez demonstrada a conduta desonesta do agente.257

257
Ementa: Administrativo. Recurso Especial. Improbidade administrativa. Matéria proba-
tória. Ônus do autor. Art. 333 do CPC. Conduta ímproba não configurada. Art. 11 da Lei
8.429/92. Atipicidade. Imputação sujeita a medidas e/ou sanções na seara administrativa.
Recurso provido. 1. Hipótese em que o recorrente, professor universitário em regime de
dedicação exclusiva, patrocinou 8 causas judiciais em 16 anos de magistério. O acórdão
recorrido, mesmo reconhecendo não haver prova da contraprestação pecuniária pelo pa-
trocínio das ações, entendeu que o ônus de provar a ausência de remuneração competia
ao réu. Também restou consignado no acórdão que a conduta do recorrente não implicou
prejuízo para a instituição pública, tendo em vista que cumpria integralmente sua jor-
nada de trabalho e era dedicado à instituição federal de ensino. Não obstante, manteve
a sentença de procedência da ação de improbidade com aplicação da pena de “perda,
em definitivo, da gratificação por exercício da dedicação exclusiva” e multa civil no valor
de R$3.000,00. 2. Incumbe ao autor da ação de improbidade o ônus da prova sobre os
fatos imputados ao suposto agente ímprobo. No caso, a norma que prevê o regime de
dedicação exclusiva (art. 14, I, do Decreto 94.664/87) veda o “exercício de outra atividade
remunerada, pública ou privada”. Embora o Tribunal a quo afirme não estar comprovada
a remuneração pelo patrocínio das oito causas judiciais, entendeu que o ônus de provar
a ausência de remuneração competia ao réu. 3. Ainda que superada a ausência de prova
da infração ao preceito normativo que veda o exercício de outra atividade remunerada, o
exame das normas que tratam do regime de dedicação exclusiva e da cumulação de cargos
púbicos conduzem à compreensão de que o fato imputado ao recorrente constitui infra-
ção administrativa sujeita a medidas e sanções na seara administrativa, mas não ato de
improbidade. 4. Embora o direito de opção previsto no art. 133, §5º, da Lei 8.112/90 não se
aplique à espécie, pois voltado à “acumulação de cargos, empregos ou funções públicas”,
constitui critério de interpretação para desqualificar a conduta atribuída ao recorrente
como ímproba. 5. O art. 14, §1º, d, do Decreto 94.664/87 prevê a possibilidade de professor
em regime de dedicação exclusiva colaborar de forma “esporádica, remunerada ou não,
em assuntos de sua especialidade e devidamente autorizada pela instituição, de acordo
com as normas aprovadas pelo conselho superior competente”. Assim, embora a conduta
atribuída ao recorrente seja irregular, pois não precedida de autorização, o permissivo
normativo conduz à compreensão de não ser razoável qualificá-la como ato de improbida-
de por ofensa aos princípios da administração pública (art. 11 da Lei 8.429/92). 6. Recurso
provido para reformar o acórdão recorrido e, em consequência, julgar improcedentes os
pedidos formulados na ação de improbidade (STJ. REsp nº 1314122/MG, Primeira Turma,
Rel. Min. Benedito Gonçalves, j. em 03.04.2014, DJe, 09 abr. 2014).

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 142 10/03/2016 14:05:49


CAPÍTULO 7

SEGURIDADE SOCIAL E REGIME


PREVIDENCIÁRIO

7.1 Seguridade social: saúde, previdência e assistência


social
A Seguridade Social caracteriza-se como um sistema que compre-
ende um conjunto de ações de iniciativa do Poder Público e da sociedade
com o objetivo de assegurar os direitos relativos à saúde, previdência e
assistência social (art. 194, caput, CR/88).
Pode-se dizer, assim, que a Seguridade Social é formada por três
pilares ou esferas de atuação: Saúde, Previdência e Assistência Social.
A Saúde é, nos termos do art. 196, da Constituição da República,
direito de todos e dever do Estado, assegurada mediante adoção de
políticas públicas que visem à redução do risco de doença e ao acesso
universal e igualitário às ações e serviços necessários à sua promoção,
proteção e recuperação, independentemente do pagamento de
contribuição.
A Assistência Social, por sua vez, é prestada aos hipossuficientes,
sem a necessidade de contribuição, e tem por objetivo garantir: (i) a
proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;
(ii) o amparo às crianças e adolescentes carentes; (iii) a promoção da
integração ao mercado de trabalho; (iv) a habilitação e reabilitação das
pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à
vida comunitária; e (v) a garantia de um salário mínimo de benefício

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 143 10/03/2016 14:05:49


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
144 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem


não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida
por sua família (art. 203, CR/88).
A Previdência Social é um segmento da Seguridade organizado
sob a forma de regime geral de caráter contributivo e obrigatório,
observados os critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e
tem por escopo assegurar: (i) cobertura dos eventos de doença, invalidez,
morte e idade avançada; (ii) proteção à maternidade, especialmente
à gestante; (iii) proteção ao trabalhador em situação de desemprego
involuntário; (iv) salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes
dos segurados de baixa renda; (v) pensão por morte do segurado (art.
201, caput, I a V, CR/88).
A Seguridade Social é financiada por toda a sociedade, de forma
direta e indireta, por meio de recursos oriundos dos orçamentos dos
entes federados e de contribuições sociais pagas pelos empregadores,
trabalhadores, segurados da Previdência Social (exceto aposentados e
pensionistas do Regime Geral de Previdência Social), pelo importador
de bens ou serviços do exterior, além de contribuições incidentes sobre
a receita de concurso de prognósticos (art. 195, caput, I a IV, CR/88).
A competência para instituição de contribuições sociais é
exclusiva da União (art. 149, caput, CR/88), ao passo que os Estados,
Distrito Federal e Municípios devem instituir contribuição para custeio
do regime previdenciário de seus próprios servidores (art. 149, §1º,
CR/88).258

7.2 Assistência à saúde


A assistência à saúde dos servidores públicos pode ser instituída
pelos entes federados com o objetivo de lhes garantir a prestação dos
serviços de saúde suplementar (plano de saúde ou seguro-saúde),
mediante pagamento de contraprestação pecuniária ou reembolso das
despesas cobertas pelo seguro.
Tratando-se de prestação de serviços de saúde suplementar, a
adesão do servidor ao plano apresenta-se necessária para a cobrança
da contraprestação pecuniária, que não pode ser instituída em caráter
compulsório, notadamente porque, como exposto no item anterior, os

258
Norma com redação dada pela Emenda Constitucional nº 41/03. Antes da promulgação
da referida emenda, a norma do parágrafo único do art. 149 previa a possibilidade de os
Estados, Distrito Federal e Municípios instituírem contribuição para custeio do regime de
previdência e assistência social de seus servidores.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 144 10/03/2016 14:05:49


CAPÍTULO 7
SEGURIDADE SOCIAL E REGIME PREVIDENCIÁRIO
145

Estados, Distrito Federal e Municípios somente detêm competência


para instituição de contribuição para custeio do regime de previdência
de seus servidores.
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI nº 3.106/
MG, declarou a inconstitucionalidade da norma inserta no art. 85, da
Lei Complementar nº 64/02, do Estado de Minas Gerais, que instituiu
a cobrança de contribuição, de caráter compulsório, a ser descontada
diretamente da remuneração de contribuição dos servidores estaduais,
para custeio da assistência à saúde aos servidores e seus dependentes.259

7.3 Previdência
A Previdência é o pilar da Seguridade Social que visa à proteção
dos trabalhadores em geral e seus dependentes, assegurando-lhes fonte

259
Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade. Artigos 79 e 85 da Lei Complementar n.
64, de 25 de março de 2002, do Estado de Minas Gerais. Impugnação da redação original e
da redação conferida pela Lei Complementar n. 70, de 30 de julho de 2003, aos preceitos.
IPSEMG. Regime próprio de Previdência e Assistência Social dos Servidores do Estado de
Minas Gerais. Benefícios previdenciários e aposentadoria assegurados a servidores não-
titulares de cargo efetivo. Alegação de violação do disposto no §13 do artigo 40 e no §1º do
artigo 149 da Constituição do Brasil. Ação Direta julgada parcialmente procedente. 1. Artigo
85, caput, da LC n. 64 estabelece que “o IPSEMG prestará assistência médica, hospitalar e
odontológica, bem como social, farmacêutica e complementar aos segurados referidos no
art. 3º e aos servidores não titulares de cargo efetivo definidos no art. 79, extensiva a seus
dependentes”. A Constituição de 1988 – art. 149, §1º – define que “os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios poderão instituir contribuição, cobrada de seus servidores, para o
custeio, em benefícios destes, de sistemas de previdência e assistência social”. O preceito
viola o texto da Constituição de 1988 ao instituir contribuição compulsória. Apenas os
servidores públicos titulares de cargos efetivos podem estar compulsoriamente filiados aos
regimes próprios de previdência. Inconstitucionalidade da expressão “definidos no art. 79”
contida no artigo 85, caput, da LC 64/02. 2. Os Estados-membros não podem contemplar
de modo obrigatório em relação aos seus servidores, sob pena de mácula à Constituição do
Brasil, como benefícios, serviços de assistência médica, hospitalar, odontológica, social, e
farmacêutica. O benefício será custeado mediante o pagamento de contribuição facultativa
aos que se dispuserem a dele fruir. 3. O artigo 85 da lei impugnada institui modalidade
complementar do sistema único de saúde – “plano de saúde complementar”. Contribuição
voluntária. Inconstitucionalidade do vocábulo “compulsoriamente” contido no §4º e no
§5º do artigo 85 da LC 64/02, referente à contribuição para o custeio da assistência médica,
hospitalar, odontológica e farmacêutica. 4. Reconhecida a perda de objeto superveniente
em relação ao artigo 79 da LC 64/02, na redação conferida LC 70/03, ambas do Estado de
Minas Gerais. A Lei Complementar 100, de 5 de novembro de 2007, do Estado de Minas
Gerais – “Art. 14. Fica revogado o art. 79 da Lei Complementar nº 64, de 2002”. 5. Pedido
julgado parcialmente procedente para declarar a inconstitucionalidade: [i] da expressão
“definidos no art. 79” – artigo 85, caput, da LC 64/02 [tanto na redação original quanto
na redação conferida pela LC 70/03], ambas do Estado de Minas Gerais. [ii] do vocábulo
“compulsoriamente” – §§4º e 5º do artigo 85 [tanto na redação original quanto na redação
conferida pela LC 70/03], ambas do Estado de Minas Gerais (STF. ADI nº 3.106, Rel. Min.
Eros Grau, Tribunal Pleno, j. em 14.04.2010, DJe, 24 set. 2010).

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 145 10/03/2016 14:05:49


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
146 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

de renda necessária à sua subsistência em casos de doença, invalidez,


idade avançada, morte, desemprego involuntário, maternidade e
reclusão.
No Brasil, a Previdência possui três regimes ou sistemas: o Regime
Geral de Previdência Social (RGPS); o Regime Próprio de Previdência
Social (RPPS); e o Regime de Previdência Complementar.
O Regime Geral de Previdência Social possui natureza pública e
caráter solidário, contributivo e compulsório (art. 201, da Constituição
da República), sendo organizado essencialmente sob o regime financeiro
de repartição simples (sistema de caixa), que se caracteriza como um
modelo de financiamento em que o custeio dos atuais benefícios pagos
pela Previdência é feito por meio das contribuições dos ativos, que,
por sua vez, receberão benefícios financiados pelas contribuições da
futura geração e assim sucessivamente, denotando a existência de um
verdadeiro “pacto de gerações”. É administrado pelo INSS (Instituto
Nacional do Seguro Social) e se aplica aos trabalhadores da iniciativa
privada, aos empregados públicos regidos pelas leis trabalhistas, aos
servidores públicos detentores de cargos em comissão (recrutamento
amplo – art. 37, V, da CR/88) e funções temporárias (art. 37, IX, CR/88).
O Regime de Previdência Complementar possui natureza privada
e caráter facultativo (art. 202, da Constituição da República), sendo or-
ganizado de forma autônoma – mas sujeito à fiscalização do Ministério
da Previdência Social –, e sob o regime financeiro de capitalização, em
que o benefício previdenciário é garantido por meio da formação de
reservas de capital oriundas das contribuições do próprio segurado e
também dos rendimentos obtidos pelos investimentos realizados pelos
administradores do plano de previdência, que podem ser entidades
abertas com fins lucrativos (bancos, seguradoras), ou entidades fechadas
sem fins lucrativos (Fundos de Pensão).
Por sua vez, o Regime Próprio de Previdência Social (RPPS)
possui natureza pública, caráter solidário, compulsório e contributivo,
sendo aplicável exclusivamente aos servidores públicos detentores de
cargo público efetivo e aos militares (arts. 40 e 42, da Constituição da
República), podendo ser organizado sob regime de financiamento de
repartição simples, capitalização, ou regime de repartição de capitais
de cobertura.260

260
Anexo I, da Portaria MPS nº 4.992/99, com a redação dada pelas Portarias MPS nºs 3.385/01
e 87/2005.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 146 10/03/2016 14:05:49


CAPÍTULO 7
SEGURIDADE SOCIAL E REGIME PREVIDENCIÁRIO
147

7.3.1 Regime próprio dos servidores públicos


A Previdência dos Servidores Públicos sofreu profundas
alterações desde a promulgação da Constituição da República de 1988,
notadamente em razão da promulgação das Emendas Constitucionais
nº 20, de 15 de dezembro de 1998, e nº 41, de 31 de dezembro de 2003,
que implementaram a denominada “reforma previdenciária”.
A norma inserta no art. 40, da Constituição da República de 1988,
em sua redação original, previa o direito à aposentadoria dos servidores
públicos, independentemente de contribuição, e não exigia a existência
de vínculo efetivo com a Administração para a aposentação, que era
custeada pelo Tesouro. Além disso, os proventos e as respectivas pen-
sões eram pagos em valor equivalente aos vencimentos que o servidor
percebia na atividade (integralidade), e eram reajustados, na mesma
data e proporção da remuneração dos servidores da ativa (paridade).
Com a promulgação da EC nº 03/93, que acrescentou o §6º ao
art. 40, da Constituição da República, foi instituída a cobrança de con-
tribuição previdenciária para custeio da aposentadoria e pensões dos
servidores públicos federais.261
Em relação aos servidores dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios, não havia obrigatoriedade do regime contributivo, tendo
o legislador constituinte lhes conferido a faculdade da instituição de
contribuição, a ser cobrada de seus servidores para o custeio dos res-
pectivos sistemas de previdência e assistência social, conforme redação
original do parágrafo único, do art. 149, da Constituição da República.
Posteriormente, com a promulgação da Emenda Constitucional nº 41/03,
a instituição de Regime de Previdência com caráter contributivo passou
a ser obrigatória para os demais entes federados.
A EC nº 20/98 introduziu significativas alterações no sistema
previdenciário dos servidores públicos, notadamente pela instituição
do regime de previdência de caráter contributivo e com observância de
critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial (art. 40, caput),
bem como pela submissão dos servidores ocupantes de cargo efetivo
ao Regime Próprio, estabelecendo, de forma expressa, a sujeição dos
servidores temporários (art. 37, IX, CR/88), dos ocupantes de cargos
comissionados (recrutamento amplo – art. 37, V, da CR/88) e dos
empregados públicos ao Regime Geral de Previdência Social (art. 40,
§13).262

261
Art. 40. [...] §6.º As aposentadorias e pensões dos servidores públicos federais serão custeadas
com recursos provenientes da União e das contribuições dos servidores, na forma da lei.
262
A tal respeito, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar as ADIs nº 4.939/GO e nº 4.641/
SC, decidiu pela inconstitucionalidade de leis editadas pelos Estados de Goiás e Santa

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 147 10/03/2016 14:05:49


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
148 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

Ademais, a reforma constitucional trouxe as seguintes alterações


no regime próprio: limitação do valor dos proventos e pensões à
remuneração do cargo efetivo em que se deu a aposentadoria ou que
serviu de paradigma para concessão da pensão (art. 40, §2º); fixação
de novos requisitos para aposentadoria voluntária (art. 40, §1º, III);
vedação da concessão de percepção de mais de uma aposentadoria
pelo regime próprio, salvo nas hipóteses de cargos acumuláveis (art.
40, §6º); proibição da contagem ficta de tempo de contribuição (art. 40,
§10), assegurado o cômputo, para efeito de aposentadoria, do tempo de
serviço como tempo de contribuição, até a edição de lei que discipline a
matéria (art. 4º, da EC nº 20/98); possibilidade de instituição de Regime
de Previdência complementar para os servidores públicos, na hipótese
de fixação do limite máximo estabelecido pelo RGPS para o valor das
aposentadorias e pensões pagas pelo Regime Próprio (art. 40, §14).
A EC nº 20/98, como não poderia deixar de ser, assegurou a
concessão dos benefícios previdenciários de acordo com a legislação
vigente à época em que foram atendidos os requisitos nela previstos,
em observância à garantia constitucional do direito adquirido (art. 3º,
caput, §§1º a 3º, da EC nº 20/98).
Ademais, estabeleceu, em seu art. 8º (posteriormente revogado
pela EC nº 41/03), norma de transição, aplicável aos servidores que
ingressaram no serviço público até a data de sua promulgação, mas que
ainda não haviam adquirido direito à aposentação, para lhes assegurar
a concessão da aposentadoria com requisitos diferenciados.263

Catarina, que incluíam agentes públicos não titulares de cargos efetivos (oficiais de
serventias notariais e de registro público e serventuários da justiça – os últimos apenas na
lei goiana) no regime próprio de Previdência daqueles entes. Na oportunidade, o relator de
ambos os casos, Ministro Teori Zavascki, pontuou que, no caso da representação ajuizada
em face da lei catarinense, a indicação de tais categorias de agentes públicos no rol dos
beneficiários do regime próprio ofenderia a norma inserta no art. 40, da Constituição da
República, que já estabelece um regime diferenciado. Já no caso da lei goiana, asseverou ser
inolvidável que aquele Estado criou um “modelo de previdência extravagante, destinado
a beneficiar agentes remunerados pelos cofres públicos, cujo formato não é compatível
com os fundamentos do regime próprio (artigo 40) e do regime geral (artigo 201), e nem
mesmo da previdência complementar (artigo 202)”, de forma que “o Poder Legislativo
local desviou-se do desenho institucional que deveria observar”.
263
Art. 8º. Observado o disposto no art. 4º desta Emenda e ressalvado o direito de opção a
aposentadoria pelas normas por ela estabelecidas, é assegurado o direito à aposentadoria
voluntária com proventos calculados de acordo com o art. 40, §3º, da Constituição Federal,
àquele que tenha ingressado regularmente em cargo efetivo na Administração Pública,
direta, autárquica e fundacional, até a data de publicação desta Emenda, quando o servidor,
cumulativamente: I - tiver cinquenta e três anos de idade, se homem, e quarenta e oito anos
de idade, se mulher; II - tiver cinco anos de efetivo exercício no cargo em que se dará a
aposentadoria; III - contar tempo de contribuição igual, no mínimo, à soma de: a) trinta e
cinco anos, se homem, e trinta anos, se mulher; e b) um período adicional de contribuição

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 148 10/03/2016 14:05:49


CAPÍTULO 7
SEGURIDADE SOCIAL E REGIME PREVIDENCIÁRIO
149

As normas insertas no art. 40 ss., da Constituição da República,


são de observância obrigatória pelos entes federados. 264 Em se
tratando de matéria previdenciária, a União, os Estados e o Distrito
Federal possuem competência legislativa concorrente (art. 24, XII, da
Constituição da República), ao passo que aos Municípios cabe o exercício
da competência legislativa suplementar (art. 30, II, da Constituição da
República), incumbindo à União editar normas de caráter geral.
Desse modo, fora promulgada a Lei Federal nº 9.717, de 27 de
novembro de 1998, que dispõe sobre regras gerais para a organização
e o funcionamento dos regimes próprios de previdência social dos
servidores públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios, e dos militares dos Estados e do Distrito Federal.
Referido diploma normativo explicitou os novos paradigmas
do Regime Próprio – natureza contributiva e observância ao equilíbrio
financeiro e atuarial – e estabeleceu outras normas gerais, entre elas:
financiamento do regime mediante recursos provenientes dos entes

equivalente a vinte por cento do tempo que, na data da publicação desta Emenda, faltaria
para atingir o limite de tempo constante da alínea anterior. §1º. O servidor de que trata
este artigo, desde que atendido o disposto em seus incisos I e II, e observado o disposto
no art. 4º desta Emenda, pode aposentar-se com proventos proporcionais ao tempo de
contribuição, quando atendidas as seguintes condições: I - contar tempo de contribuição
igual, no mínimo, à soma de: a) trinta anos, se homem, e vinte e cinco anos, se mulher; e
b) um período adicional de contribuição equivalente a quarenta por cento do tempo que,
na data da publicação desta Emenda, faltaria para atingir o limite de tempo constante
da alínea anterior; II - os proventos da aposentadoria proporcional serão equivalentes a
setenta por cento do valor máximo que o servidor poderia obter de acordo com o “caput”,
acrescido de cinco por cento por ano de contribuição que supere a soma a que se refere o
inciso anterior, até o limite de cem por cento. §2º. Aplica-se ao magistrado e ao membro
do Ministério Público e de Tribunal de Contas o disposto neste artigo. §3º. Na aplicação
do disposto no parágrafo anterior, o magistrado ou o membro do Ministério Público ou
de Tribunal de Contas, se homem, terá o tempo de serviço exercido até a publicação desta
Emenda contado com o acréscimo de dezessete por cento. §4º. O professor, servidor da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e
fundações, que, até a data da publicação desta Emenda, tenha ingressado, regularmente,
em cargo efetivo de magistério e que opte por aposentar-se na forma do disposto no
“caput”, terá o tempo de serviço exercido até a publicação desta Emenda contado com o
acréscimo de dezessete por cento, se homem, e de vinte por cento, se mulher, desde que se
aposente, exclusivamente, com tempo de efetivo exercício das funções de magistério. §5º.
(Revogado pela Emenda Constitucional nº 41, de 19.12.2003).
264
Constitucional. Servidor público do Estado de Minas Gerais. Aposentadoria. Tempo de
serviço: Contagem. Art. 42 do ADCT da Constituição do Estado de Minas Gerais. I - Incons-
titucionalidade do artigo 42 do ADCT da Constituição do Estado de Minas Gerais, que es-
tabelece que, para efeito de aposentadoria ou transferência para a inatividade, prevalecerão
para o servidor público cível as normas relativas a contagem de tempo de serviço em vigor
na data de sua admissão, ou durante a sua atividade no serviço público, desde que mais
benéficas. II. - As normas constitucionais federais que dispõem a respeito da aposentadoria
dos servidores públicos (CF, artigo 40) são de absorção obrigatória pelas Constituições
estaduais. III. - Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada procedente (STF. ADI nº 101/
MG, Rel. Min. Célio Borja, Tribunal Pleno, j. em 17.09.1992, DJ, 07 maio 1993).

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 149 10/03/2016 14:05:49


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
150 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

federados, dos servidores ativos, inativos e pensionistas;265 vedação


de celebração de convênios e consórcios entre os entes federados
para pagamento de benefícios previdenciários; utilização exclusiva
dos recursos vertidos ao regime para pagamento dos benefícios
previdenciários, que não podem ser distintos daqueles pagos pelo
Regime Geral de Previdência Social, salvo disposição constitucional
em contrário; limite para contribuição dos entes federados aos regimes
de previdência (a contribuição não pode ser superior ao dobro do valor
pago pelo segurado – art. 2º).266
Por sua vez, a Lei nº 9.783/99 (atualmente revogada pela Lei nº
10.887/04), que dispunha sobre a contribuição para o custeio do regime
próprio de previdência social nos três Poderes da União, fixou em 11%
(onze por cento) a alíquota de contribuição dos servidores públicos civis,
ativos e inativos e dos pensionistas. Ademais, estabeleceu o conceito
de remuneração de contribuição para fins de incidência do tributo:
vencimento do cargo efetivo acrescido das vantagens pecuniárias
permanentes, adicionais de caráter individual e quaisquer outras
vantagens pecuniárias, inclusive as relativas à natureza ou local de
trabalho, com exceção das diárias para viagens – desde que não excedam
a 50% (cinquenta por cento) do valor da remuneração mensal –, demais
diárias, ajuda de custo em razão da mudança de sede, indenização de
transporte e salário-família (art. 1º, caput, parágrafo único, I a IV).
A norma inserta no art. 2º, da Lei nº 9.783/99, estabeleceu a
incidência de alíquotas progressivas para a cobrança da contribuição
previdenciária incidente sobre as remunerações, proventos e pensões
pagos pelo Regime Próprio no âmbito da União: acréscimo de nove
pontos percentuais sobre a parcela superior a R$1.200,00 (mil e duzentos
reais) até o limite de R$2.500,00 (dois mil e quinhentos reais), e quatorze
pontos percentuais sobre a parcela superior a R$2.500,00 (dois mil e
quinhentos reais).
Por sua vez, a norma do art. 3º previu a não incidência da con-
tribuição previdenciária sobre proventos e pensões em valor inferior
a R$600,00 (seiscentos reais) e em valor inferior a R$3.000,00 (três mil

265
O Supremo Tribunal Federal, em sede de controle concentrado (ADI nº 2.010-2/DF),
entendeu pela inconstitucionalidade da cobrança de contribuição previdenciária sobre
proventos e pensões sob a égide do regime previdenciário instituído com a promulgação
da EC nº 20/98, conforme será tratado a seguir.
266
A Lei nº 10.887/04, em observância às modificações trazidas pela EC nº 41/03, alterou a
redação do art. 2º, da Lei nº 9.717/98, para inserir limite mínimo do valor da contribuição
dos entes federados, que não pode ser inferior à contribuição do segurado.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 150 10/03/2016 14:05:49


CAPÍTULO 7
SEGURIDADE SOCIAL E REGIME PREVIDENCIÁRIO
151

reais), para os proventos ou pensões percebidos por pessoas com mais


70 anos, ou por servidor aposentado por invalidez.
A Lei nº 9.783/99 teve sua constitucionalidade questionada em
sede de ação direta de inconstitucionalidade (ADI nº 2.010-2/DF), no
âmbito da qual o Plenário do Supremo Tribunal Federal deferiu a
medida cautelar para suspender a eficácia das expressões “e inativo,
e dos pensionistas” e “do provento ou da pensão”, inseridas no caput
do art. 1º, bem como suspender a eficácia das normas insertas nos arts.
2º e 3º. Posteriormente, a ação fora julgada parcialmente prejudicada,
em razão da parcial revogação da lei em comento pela Lei nº 9.988/00
e, após a promulgação da EC nº 41/03, a ação fora julgada extinta, por
perda do objeto.267
De acordo com o entendimento sufragado pela Suprema Corte
naquele julgamento, a EC nº 20/98, ao instituir o regime previdenciário
de caráter contributivo, fez menção expressa apenas aos servidores ocu-
pantes de cargo efetivo, razão pela qual inexistia matriz constitucional
para a cobrança da exação tributária em face dos aposentados e pensio-
nistas, até porque a norma inserta no art. 195, II, da CR/88 – aplicável
ao Regime Próprio por força do disposto no §12, do art. 40 –, estabelece
a não incidência da contribuição previdenciária sobre aposentadorias e
pensões pagas pelo Regime Geral de Previdência Social.
Com efeito, sob a égide do sistema previdenciário instituído pela
EC nº 20/98, a ausência de norma constitucional prevendo, de forma
expressa, a incidência da contribuição previdenciária sobre proventos e
pensões somente poderia ser interpretada no sentido da impossibilidade
da instituição da cobrança sobre tais benefícios, à semelhança do que
ocorre no Regime Geral de Previdência Social, cujas normas se aplicam
subsidiariamente ao Regime Próprio de Previdência dos servidores
públicos.
Ademais, como ressaltou o Ministro Celso de Mello – relator do
acórdão na ADI nº 2.010-2/DF –, no processo de elaboração da EC nº
20/98, a regra que previa a incidência de contribuição previdenciária
sobre aposentadorias e pensões fora objeto de emenda supressiva
apresentada pela Câmara dos Deputados, o que denota a intenção do
legislador constituinte em afastar a possibilidade de cobrança do tributo
em face dos inativos e pensionistas.
Na oportunidade, o Ministro Relator pontuou que, no âmbito do
processo de interpretação constitucional, o argumento histórico, embora

267
STF. ADI nº 2.010 QO, Rel. Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, j. em 13.06.2002, DJ, 28
mar. 2003.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 151 10/03/2016 14:05:50


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
152 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

não possua caráter absoluto, pode e deve ser utilizado como meio de
averiguação das razões que ensejaram a elaboração de determinada
norma, conforme já decidido pelo Supremo Tribunal Federal em outras
ocasiões (vide item 6.3).
Salientou que a instituição da contribuição previdenciária sobre
aposentadorias e pensões ofenderia não somente a norma constitucional
da não incidência (art. 40, §12, c/c art. 195, II, da CR/88), como também
o princípio constitucional do equilíbrio atuarial (art. 195, §5º, CR/88),
em virtude da inexistência de causa suficiente para legitimar a cobrança
do tributo sobre tais benefícios. Isso porque, no regime de caráter
contributivo, deve haver correspondência entre a cobrança da exação
e o oferecimento da retribuição, o que não se verifica em relação aos
inativos e pensionistas, que não figuram como segurados do regime,
mas sim como beneficiários.
Por fim, consignou que a instituição de alíquotas progressivas da
contribuição previdenciária, na forma estabelecida pela norma do art.
2º, da Lei nº 9.783/99, representava ofensa à norma inserta no art. 150,
IV, da CR/88, que veda a instituição de tributo com efeito de confisco.
Posteriormente, fora promulgada a Emenda Constitucional nº 41,
de 31 de dezembro de 2001, que deu continuidade à reforma previdenci-
ária e introduziu as seguintes alterações no Regime Próprio: explicitação
do caráter solidário do regime (art. 40, caput); previsão da incidência de
contribuição previdenciária sobre aposentadorias e pensões pagas em
valor superior ao limite máximo estabelecido para os benefícios do RGPS
(art. 40, caput, e §18); alteração do sistema de cálculo da aposentadoria
e pensão, bem como dos critérios de reajustamento desses benefícios,
com a extinção do direito à integralidade e paridade dos proventos e
pensões com a remuneração do cargo paradigma (art. 40, §§3º, 7º e 17);
previsão do pagamento do abono de permanência (art. 40, §19); vedação
da existência de mais de um regime próprio e mais de uma unidade
gestora do regime por ente federado, salvo em relação aos militares, que
devem possuir regime de previdência específico (art. 40, §20).
A EC nº 41/03 estabeleceu a base constitucional para legitimar a
cobrança da contribuição previdenciária sobre aposentadorias e pensões,
pois, além de mencionar expressamente a incidência do tributo sobre
tais benefícios (art. 40, caput e §18), explicitou o caráter solidário do
Regime Próprio,268 tendo o Supremo Tribunal Federal reconhecido a

268
A solidariedade caracteriza-se pelo financiamento do regime previdenciário por todos
aqueles que dele se beneficiam. Significa dizer que as contribuições vertidas ao regime pe-
los segurados destinam-se não somente a lhes assegurar o pagamento dos benefícios pre-
videnciários, mas também a financiar todo o sistema. Assim, o aposentado e pensionista,

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 152 10/03/2016 14:05:50


CAPÍTULO 7
SEGURIDADE SOCIAL E REGIME PREVIDENCIÁRIO
153

constitucionalidade da instituição do tributo sobre aposentadorias e


pensões à luz das alterações trazidas pela EC nº 41/03.269
Ademais, suprimiu o direito à integralidade e paridade entre
a remuneração dos servidores da ativa e o valor da aposentadoria e
pensão, introduzindo o sistema de cálculo dos proventos com base na
remuneração de contribuição (art. 40, §3º), bem como o reajustamento
dos benefícios para lhes preservar o valor real, de acordo com critérios
estabelecidos em lei (art. 40, §8º), além de fixar redutor de 30% (trinta
por cento) no valor das pensões que excedam o limite estabelecido para
os benefícios pagos pelo RGPS (art. 40, §7º).270
Quanto ao valor da contribuição previdenciária, a norma inserta
no §1º, do art. 149, da CR/88, com a redação dada pela EC nº 41/03,
estabelece que a alíquota a ser instituída pelos Estados, Distrito Federal
e Municípios não pode ser inferior à da contribuição dos servidores
públicos efetivos da União.271
A Lei nº 10.887, de 18 de junho de 2004, regulamentou as alte­
rações trazidas pela EC nº 41/03, e estabeleceu, em seu art. 1º, a forma
de cálculo dos proventos da aposentadoria dos servidores efetivos da
União, Estados, Distrito Federal e Municípios: média aritmética simples
das maiores remunerações utilizadas como base para as contribuições
do servidor para os regimes de previdência a que esteve vinculado,
correspondentes a 80% (oitenta por cento) de todo o período contributivo
desde a competência de julho de 1994 ou desde a data do início da
contribuição, se posterior àquela competência.

embora não possuam mais a perspectiva de receber benefício futuro, têm a obrigação de
efetuar o pagamento das respectivas contribuições, dado o caráter social do Regime Pre-
videnciário.
269
STF. ADIs nº 3.105/DF e nº 3.128/DF, Rel. p/ ac. Min. Cezar Peluso, DJ, 18 fev. 2005.
270
Vide item 7.3.3, que trata do benefício da pensão por morte.
271
A norma inserta no §1º, do art. 149, da CR/88, com a redação dada pela EC nº 41/03, fora
objeto de controle de constitucionalidade no âmbito da ADI nº 3.138/DF, ajuizada pela
Associação dos Magistrados Brasileiros, ao fundamento de que a fixação, pelo legislador
constituinte derivado, de alíquota mínima a ser observada pelos Estados, Distrito Federal
e Municípios na instituição da contribuição previdenciária a ser cobrada de seus próprios
servidores representaria ofensa ao pacto federativo e autonomia dos entes federados. Con-
tudo, o Supremo Tribunal Federal entendeu pela constitucionalidade da norma, nos ter-
mos do voto proferido pela Ministra Cármen Lúcia, ao fundamento de que ao constituinte
derivado é dado estabelecer diretrizes gerais de observância obrigatória pelos entes fede-
rados relativamente ao poder de tributar, à semelhança do que ocorre com outros tributos
(ICMS e ISSQN), sem que isso configure violação ao pacto federativo. Na oportunidade, a
I. Ministra Relatora consignou, em seu voto, que a fixação da alíquota mínima da contri-
buição previdenciária visa assegurar a observância dos princípios da contributividade e
solidariedade, ínsitos ao Regime de Previdência instituído pelas EC nº 20/98 e EC nº 41/03,
notadamente diante da adoção do sistema de compensação recíproca (art. 40, §9º, e art.
201, §9º, CR/88).

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 153 10/03/2016 14:05:50


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
154 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

Em relação aos servidores públicos federais sujeitos ao RPPS, a lei


fixou a contribuição previdenciária em 11% (onze por cento), incidente
sobre: (i) a totalidade da base de contribuição, para os servidores que
ingressaram no serviço público anteriormente à instituição do regime
de previdência complementar e não optaram por esse regime; (ii) a
parcela da base de contribuição que não exceder o limite estabelecido
para os benefícios do RGPS, para os servidores que ingressaram após a
instituição do regime complementar ou que por ele optaram (art. 4º, da
Lei nº 10.887/04, com a redação dada pela Lei nº 12.618/12).
Por sua vez, a base da contribuição previdenciária para os
servidores federais corresponde ao vencimento do cargo efetivo,
acrescido das vantagens pecuniárias permanentes e os adicionais de
caráter individual ou quaisquer outras vantagens, com exceção das
verbas indenizatórias e outras gratificações elencadas na norma do
art. 4º, §1º, I a XIX, da Lei nº 10.887/04, com a redação dada pela Lei nº
12.618/12.
No que tange aos inativos e pensionistas que, na data da
promulgação da EC nº 41/03, se encontravam em gozo dos respectivos
benefícios, ou já cumpriam os requisitos necessários para aquisição
desses direitos (alcançados pela norma de transição inserta no art. 3º, da
EC nº 41/03), a norma do art. 4º, da referida emenda, previu a incidência
de contribuição em percentual equivalente ao fixado para os servidores
da ativa, no entanto, estabeleceu distinção em relação à base de cálculo:
50% (cinquenta por cento) da parcela superior ao limite fixado para os
benefícios do RGPS para os inativos e pensionistas dos Estados, Distrito
Federal e Municípios; 60% (sessenta por cento) dessa parcela para os
inativos e pensionistas da União.
Por sua vez, a norma do art. 5º, da Lei nº 10.887/04, estabeleceu,
para os aposentados e pensionistas da União, alíquota de 11% (onze por
cento) incidente sobre a parcela dos proventos e pensões que supere o
teto dos benefícios do RGPS, ao passo que a norma do art. 6º previu base
de cálculo diferenciada (60% do teto do RGPS) para os aposentados e
pensionistas em gozo dos respectivos benefícios na data da promulgação
da EC nº 41/03.
O Supremo Tribunal Federal entendeu pela inconstitucionalidade
da fixação de base de cálculo diferenciada para incidência da contribuição
previdenciária em face dos aposentados e pensionistas abrangidos pela
norma do art. 4º, da EC nº 41/03, ao fundamento de que tal distinção
representava ofensa ao princípio constitucional da isonomia.272

272
STF. ADIs nº 3.105/DF e nº 3.128/DF. Rel. p/ ac. Min. Cezar Peluso, DJ, 18 fev. 2005.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 154 10/03/2016 14:05:50


CAPÍTULO 7
SEGURIDADE SOCIAL E REGIME PREVIDENCIÁRIO
155

Quanto à situação dos servidores e pensionistas que, até a data


da promulgação da EC nº 41/03, já haviam cumprido os requisitos para
percepção dos respectivos benefícios, fora assegurado o direito a sua
concessão com base na legislação revogada, em observância à garantia
do direito adquirido (art. 3º, EC nº 41/03).
Em relação aos servidores que ingressaram no serviço público
até a data da promulgação da EC nº 41/03, mas que ainda não haviam
adquirido direito à aposentação com fundamento da legislação
anterior, foram estabelecidas duas regras de transição, com requisitos
diferenciados para aquisição do direito à aposentadoria: a norma do art.
2º prevê o direito à aposentadoria voluntária, com proventos calculados
de acordo com o art. 40, §§3º e 17, da Constituição da República e
reajustados na forma do §8º, do referido artigo, ao passo que a norma
do art. 6º estabelece o direito à aposentação com proventos equivalentes
à remuneração do cargo paradigma e reajustados de forma idêntica à
remuneração dos servidores da ativa.273

273
Art. 2º Observado o disposto no art. 4º da Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro
de 1998, é assegurado o direito de opção pela aposentadoria voluntária com proventos
calculados de acordo com o art. 40, §§3º e 17, da Constituição Federal, àquele que tenha
ingressado regularmente em cargo efetivo na Administração Pública direta, autárquica e
fundacional, até a data de publicação daquela Emenda, quando o servidor, cumulativa-
mente: I - tiver cinquenta e três anos de idade, se homem, e quarenta e oito anos de idade,
se mulher; II - tiver cinco anos de efetivo exercício no cargo em que se der a aposentadoria;
III - contar tempo de contribuição igual, no mínimo, à soma de: a) trinta e cinco anos, se
homem, e trinta anos, se mulher; e b) um período adicional de contribuição equivalente a
vinte por cento do tempo que, na data de publicação daquela Emenda, faltaria para atingir
o limite de tempo constante da alínea a deste inciso. §1º O servidor de que trata este artigo
que cumprir as exigências para aposentadoria na forma do caput terá os seus proventos
de inatividade reduzidos para cada ano antecipado em relação aos limites de idade es-
tabelecidos pelo art. 40, §1º, III, a, e §5º da Constituição Federal, na seguinte proporção:
I - três inteiros e cinco décimos por cento, para aquele que completar as exigências para
aposentadoria na forma do caput até 31 de dezembro de 2005; II - cinco por cento, para
aquele que completar as exigências para aposentadoria na forma do caput a partir de 1º de
janeiro de 2006.

Art. 6º. Ressalvado o direito de opção à aposentadoria pelas normas estabelecidas pelo
art. 40 da Constituição Federal ou pelas regras estabelecidas pelo art. 2º desta Emenda, o
servidor da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autar-
quias e fundações, que tenha ingressado no serviço público até a data de publicação desta
Emenda poderá aposentar-se com proventos integrais, que corresponderão à totalidade da
remuneração do servidor no cargo efetivo em que se der a aposentadoria, na forma da lei,
quando, observadas as reduções de idade e tempo de contribuição contidas no §5º do art.
40 da Constituição Federal, vier a preencher, cumulativamente, as seguintes condições: I -
sessenta anos de idade, se homem, e cinquenta e cinco anos de idade, se mulher; II - trinta
e cinco anos de contribuição, se homem, e trinta anos de contribuição, se mulher; III - vinte
anos de efetivo exercício no serviço público; e IV - dez anos de carreira e cinco anos de
efetivo exercício no cargo em que se der a aposentadoria. Parágrafo único. Os proventos
das aposentadorias concedidas conforme este artigo serão revistos na mesma proporção e
na mesma data, sempre que se modificar a remuneração dos servidores em atividade, na
forma da lei, observado o disposto no art. 37, XI, da Constituição Federal.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 155 10/03/2016 14:05:50


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
156 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

A norma inserta no art. 7º, da EC nº 41/03, assegurou aos


aposentados e pensionistas em gozo dos benefícios à data da promul­
gação da emenda, bem como àqueles que já haviam adquirido direito à
percepção da aposentadoria e pensão com base na legislação até então
vigente, a paridade entre os respectivos benefícios e a remuneração dos
servidores da ativa.
O art. 10, da EC nº 41/03 revogou expressamente o art. 8º, da EC
nº 20/98, que, como já observado, estabelecia regra de transição sob a
égide da referida emenda.
O Supremo Tribunal Federal, em sede de controle concentrado
(ADI nº 3.104/DF), declarou a constitucionalidade dos arts. 2º e 10, da
EC nº 41/03, refutando o argumento utilizado pela Associação Nacional
dos Membros do Ministério Público, autor da demanda, no sentido de
que tais normais implicariam ofensa a direito subjetivo já incorporado
ao patrimônio jurídico de determinada classe de servidores.
De acordo com o entendimento esposado pela Suprema Corte,
inexiste direito adquirido a regime previdenciário, pois, enquanto não
satisfeitos os requisitos estabelecidos pela legislação vigente para a
aposentação, existe apenas expectativa de direito. Assim, se o servidor
não cumpriu as exigências estabelecidas pela norma de transição
revogada (art. 8º, da EC nº 20/98) para aquisição do direito à aposentação,
não possui direito adquirido, sendo-lhe aplicáveis as regras de transição
estabelecidas pela novel legislação.274
Posteriormente, para atenuar os efeitos decorrentes das alterações
trazidas pela EC nº 41/03 sobre a aposentadoria dos servidores públicos
e pensões devidas aos seus dependentes, fora promulgada a Emenda
Constitucional nº 47, de 05 de julho de 2005, que, em seu art. 3º,
estabeleceu nova regra de transição, com requisitos diferenciados para
a aposentação dos servidores que ingressaram no serviço público até
16.12.1998 (data da promulgação da EC nº 20/98), mas que não haviam
adquirido o direito à aposentação quando do advento da EC nº 41/03.
Referida norma assegurou-lhes a percepção dos proventos de forma
equivalente à remuneração do cargo efetivo e reajustados na mesma
proporção e data da remuneração dos servidores da ativa, tendo esse
último direito (paridade) sido estendido às pensões derivadas dos
proventos dos servidores falecidos que tenham se aposentado com base
nessa norma de transição.275

274
STF. ADI nº 3.104/DF, Rela. Mina. Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, j. em 26.09.2007, DJ, 09
nov. 2007.
275
Art. 3º. Ressalvado o direito de opção à aposentadoria pelas normas estabelecidas pelo
art. 40 da Constituição Federal ou pelas regras estabelecidas pelos arts. 2º e 6º da Emenda

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 156 10/03/2016 14:05:50


CAPÍTULO 7
SEGURIDADE SOCIAL E REGIME PREVIDENCIÁRIO
157

A norma do art. 6º, da EC nº 47/05, por sua vez, estabeleceu a


retroação de seus efeitos à data da promulgação da EC nº 41/03.
Ademais, a EC nº 47/05 acrescentou o §21, ao art. 40, da CR/88,
para estabelecer a não incidência da contribuição previdenciária sobre
os proventos de aposentadoria e pensões que superem o dobro do limite
dos benefícios pagos pelo RGPS, nas hipóteses em que o beneficiário
for portador de doença incapacitante, na forma da lei.
Por fim, a Emenda Constitucional nº 70, de 29 de março de 2012,
acrescentou o art. 6º-A à EC nº 41/03, assegurando a aposentadoria com
direito à integralidade (da base de cálculo dos proventos)276 e paridade
aos servidores que, tendo ingressado no serviço público até a data da
promulgação dessa última emenda, se aposentaram ou vierem a se
aposentar por invalidez permanente, com fundamento no art. 40, §1º,
I, da CR/88.
Ademais, a norma do art. 2º, da EC nº 70/12, determinou que os
entes federados, assim como suas respectivas autarquias e fundações,
procedessem, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias a contar de sua
promulgação, à revisão das aposentadorias e pensões delas decorrentes,
concedidas a partir de 1º de janeiro de 2004 com fundamento no art. 40,
§1º, I, da CR/88 (redação dada pela EC nº 20/98), com efeitos financeiros
a partir do advento da EC nº 70/12.
O legislador constituinte derivado afastou a aplicação das regras
insertas nos §§3º, 8º e 17, do art. 40, da Constituição da República, que

Constitucional nº 41, de 2003, o servidor da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, que tenha ingressado no serviço pú-
blico até 16 de dezembro de 1998 poderá aposentar-se com proventos integrais, desde que
preencha, cumulativamente, as seguintes condições: I - trinta e cinco anos de contribuição,
se homem, e trinta anos de contribuição, se mulher; II - vinte e cinco anos de efetivo exer-
cício no serviço público, quinze anos de carreira e cinco anos no cargo em que se der a
aposentadoria; III - idade mínima resultante da redução, relativamente aos limites do art.
40, §1º, inciso III, alínea “a”, da Constituição Federal, de um ano de idade para cada ano
de contribuição que exceder a condição prevista no inciso I do caput deste artigo. Parágra-
fo único. Aplica-se ao valor dos proventos de aposentadorias concedidas com base neste
artigo o disposto no art. 7º da Emenda Constitucional nº 41, de 2003, observando-se igual
critério de revisão às pensões derivadas dos proventos de servidores falecidos que tenham
se aposentado em conformidade com este artigo.
276
Não se podem confundir as expressões “proventos integrais” com “integralidade dos pro-
ventos”. A primeira diz respeito ao percentual resultante do tempo de contribuição (ou
tempo de serviço) que incidirá sobre a base de cálculo dos proventos. A segunda refere-se
à própria base de cálculo, que poderá ser integral, isto é, equivalente à totalidade da re-
muneração do cargo efetivo, ou resultante da média aritmética das maiores remunerações
utilizadas como base para as contribuições do servidor. Desse modo, pode-se dizer que a
EC nº 70/12 não alterou a norma do art. 40, §1º, I, da CR/88, relativamente aos proventos
de aposentadoria no caso de invalidez permanente genérica (não decorrente de acidente
de serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável), que são calcu-
lados de forma proporcional ao tempo de contribuição.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 157 10/03/2016 14:05:50


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
158 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

estabelecem o cálculo dos proventos da aposentadoria com base na


remuneração de contribuição, bem como seu reajustamento conforme
critérios que lhes preservem o valor real, na forma da lei, em relação aos
servidores que ingressaram no serviço público antes da promulgação da
EC nº 41/03 e se aposentaram ou venham a se aposentar por invalidez
permanente. Ademais, estendeu o direito à paridade às pensões pagas
aos dependentes desses servidores.
Em relação à aposentadoria por invalidez genérica, a EC nº 70/12
alterou a base de cálculo dos proventos (benefício equivalente à última
remuneração do cargo efetivo), bem como a forma de reajuste (paridade
com os servidores da ativa), no entanto, não houve mudança quanto à
proporcionalidade incidente no valor inicial do benefício, decorrente da
aplicação do percentual relativo ao tempo de contribuição do servidor
ao regime de previdência.
O Supremo Tribunal Federal, mesmo antes do advento da EC
nº 70/12, já havia firmado entendimento no sentido de que a invalidez
permanente decorrente de acidente de serviço, moléstia profissional
ou doença grave, contagiosa ou incurável gera direito à aposentadoria
com proventos calculados de forma equivalente à remuneração do cargo
efetivo, afastando, desse modo, a incidência da norma do §3º, do art. 40,
da CR/88, que prevê o cálculo dos proventos com base na remuneração
de contribuição, bem como do art. 1º, da Lei nº 10.887/04, que estabelece
a forma de cálculo dos proventos com base na média aritmética das
maiores remunerações de contribuição do servidor.
Assim, de acordo com a jurisprudência consagrada na Suprema
Corte, o servidor aposentado por invalidez permanente oriunda de
acidente de serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa
ou incurável faz jus à integralidade dos proventos, mesmo que tenha
ingressado no serviço público após o advento da EC nº 41/03. Contudo,
nessa hipótese, não terá direito à paridade, mas sim ao reajustamento
do benefício na forma prevista no §8º, do art. 40, CR/88, pois, como
observado, tais servidores não foram alcançados pela norma do art.
6º-A, da EC nº 41/03, acrescentada pela EC nº 70/12.277

277
STF. ARE nº 787.514 AgR/MG, Rel. Min. Teori Zavascki, Segunda Turma, j. em 07.10.2014,
DJe, 17 out. 2014; RE nº 731.203 AgR/MG, Rel. Min. Marco Aurélio, Primeira Turma, j. em
03.09.2013, DJe, 18 set. 2013; ARE nº 682.728 AgR/GO, Rela. Mina. Cármen Lúcia, Segunda
Turma, j. em 13.11.2012, DJe, 10 dez. 2012.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 158 10/03/2016 14:05:50


CAPÍTULO 7
SEGURIDADE SOCIAL E REGIME PREVIDENCIÁRIO
159

7.3.2 Aposentadoria
A aposentadoria é o direito subjetivo à inatividade remunerada e,
em relação aos servidores públicos, tornou-se um benefício de natureza
previdenciária após a instituição da contribuição para financiamento
do regime de previdência (vide item 7.3.1).
Trata-se de ato administrativo formal praticado pela Adminis-
tração e sujeito à apreciação de legalidade pelo Tribunal de Contas,
para fins de registro, a teor do disposto no art. 71, III, da Constituição
da República.
Quanto à sua formação, a aposentadoria se caracteriza como
ato complexo, que, nos dizeres de Hely Lopes Meirelles, é aquele
que se forma pela conjugação de vontades de mais de um órgão
administrativo e somente se aperfeiçoa com a integração da vontade final
da Administração, tornando-se, a partir de então, perfeito e impugnável
na via administrativa ou judicial.278
Assim, o prazo decadencial para a revisão do ato de aposentadoria
pela Administração somente começa a fluir após seu registro pelo
Tribunal de Contas, conforme jurisprudência pacífica do Supremo
Tribunal Federal.279
Em relação ao regime jurídico, aplicam-se as normas vigentes
no momento em que o servidor cumpre os requisitos necessários à
aposentação (tempus regit actum).280
As normas que regulam a aposentadoria dos servidores públicos
ocupantes de cargos efetivos, sujeitos ao Regime Próprio de Previdência
Social encontram-se inseridas no art. 40, caput, e §§1º a 21, da Constituição
da República. Tais normas são de observância obrigatória pelos entes
federados, que, no entanto, podem dispor, em seus respectivos estatutos,
acerca do direito de aposentadoria de seus servidores, observando os
comandos insertos da CR/88.281

278
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 39. ed. São Paulo: Malheiros,
2013. p. 182.
279
STF. MS nº 30537 ED/DF, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, j. em 10.02.2015, DJe, 03 mar.
2015; MS nº 28.576/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, j. em 27.05.2014,
DJe, 10 jun. 2014.
280
Ementa: Agravo Regimental no Recurso Extraordinário com Agravo. Previdenciário.
Aposentadoria. Aplicação da lei vigente ao tempo em que o segurado reuniu condições
para obtenção da aposentadoria. Tempus regit actum. Precedentes. Agravo Regimental ao
qual se nega provimento (STF. ARE nº 814207 AgR/RJ, Rela. Mina. Cármen Lúcia, Segunda
Turma, j. em 05.08.2014, DJe, 19 ago. 2014).
281
Sobre cassação da aposentadoria, vide item 11.5.1.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 159 10/03/2016 14:05:50


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
160 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

7.3.2.1 Modalidades de aposentadoria


A Constituição da República prevê três modalidades de aposen-
tadoria: por invalidez (permanente), voluntária e compulsória.
A aposentadoria por invalidez permanente enseja o recebimento
de proventos integrais, quando decorrente de acidente em serviço,
moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável, na forma
da lei. Nos demais casos, o servidor fará jus a proventos proporcionais
ao tempo de contribuição (art. 40, §1º, I, da CR/88).
Na hipótese de invalidez oriunda de acidente em serviço, moléstia
profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável, o servidor fará
jus à percepção de proventos integrais (sem a incidência do percentual
relativo ao tempo de contribuição) e, na esteira da jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal, em valor equivalente à remuneração do
cargo efetivo, não sendo aplicáveis as normas insertas nos §§3º e 17, do
art. 40, da CR/88 (vide item anterior).
Noutro giro, no caso de invalidez genérica, os proventos são
proporcionais ao tempo de contribuição, isto é, calculados com apli-
cação, sobre a base de cálculo dos proventos, de percentual resultante
da divisão entre o tempo efetivo de contribuição do servidor e aquele
necessário para a aposentação (35 anos, se homem; 30, se mulher, salvo
nos casos de aposentadoria especial).
Para os servidores que ingressaram no serviço público antes da EC
nº 41/03, foi assegurado o direito à aposentadoria por invalidez (genérica
ou decorrente de acidente de trabalho, moléstia profissional ou doença
grave, contagiosa ou incurável) com proventos calculados com base na
remuneração do cargo efetivo e com reajustamento na mesma forma e
data da remuneração dos servidores da ativa, aplicando-se igual critério
de revisão às pensões oriundas da aposentadoria desses servidores (art.
6º-A, da EC nº 41/03, incluído pela EC nº 70/12 – vide item anterior).
Quanto à aposentadoria por invalidez decorrente de doença,
vislumbra-se que a norma inserta no art. 40, §1º, I, da CR/88, é de eficácia
limitada, pois depende de lei infraconstitucional para ter exequibilidade.
Nessa seara, havia celeuma na jurisprudência acerca da neces-
sidade ou não de previsão expressa em lei do rol de doenças graves,
incuráveis ou contagiosas que ensejam a aposentação com proventos
integrais.
Inicialmente, o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento
no sentido de que apenas nos casos em que a doença causadora da
invalidez estivesse elencada em lei é que o servidor faria jus à percepção
de proventos integrais, do contrário, isto é, na hipótese de inexistência
de previsão expressa na legislação de regência, a aposentação se daria

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 160 10/03/2016 14:05:50


CAPÍTULO 7
SEGURIDADE SOCIAL E REGIME PREVIDENCIÁRIO
161

com proventos proporcionais ao tempo de contribuição, ainda que a


doença seja considerada grave, incurável ou contagiosa.282
Posteriormente, no julgamento do Recurso Especial nº 942.530/
RS, a Quinta Turma daquele Sodalício entendeu pela impossibilidade de
se negar o direito à aposentadoria com proventos integrais ao servidor
acometido por moléstia grave, incurável ou contagiosa apenas em razão
da ausência de previsão legal.283
O Relator do voto condutor do acórdão, Ministro Jorge Mussi,
asseverou não ser possível considerar como taxativo o rol de doenças
previsto no art. 186, §1º, da Lei nº 8.112/90 (Estatuto dos Servidores
Públicos Federais), primeiro por implicar ofensa ao princípio da
isonomia, em razão de impedir a extensão do benefício previdenciário
(proventos integrais) ao servidor cuja incapacidade tenha sido causada
por doença de igual gravidade àquelas mencionadas na norma legal;
segundo porque a qualificação de determinada moléstia como grave,
incurável ou contagiosa incumbe à ciência médica e não à jurídica,
cabendo ao julgador, no caso de litígio, solucionar o caso em observância
à finalidade da norma constitucional e amparado em prova técnica.
No julgamento do Agravo Regimental nos Embargos de
Divergência no Recurso Especial nº 828.292/RS, a Terceira Seção do
Superior Tribunal de Justiça firmou a orientação no sentido de se
considerar como meramente exemplificativo o rol de doenças previsto
na legislação federal, a ensejar o direito à aposentadoria com proventos
integrais, podendo tal direito ser estendido aos casos em que a doença
seja considerada pela Medicina como grave, incurável ou contagiosa.284
Ao apreciar a questão, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento
do Recurso Extraordinário nº 656.860/MT, reconhecido como de
repercussão geral, consagrou o entendimento de que somente o servidor
acometido por doença grave, incurável ou contagiosa expressamente
prevista em lei faz jus à aposentação com proventos integrais.

282
Ementa: Administrativo. Servidor. Aposentadoria por invalidez. Incapacitação. Art. 186,
§1º, da Lei nº 8.112/90. Art. 40, I, da CF. I - Nos termos do art. 186 da Lei nº 8.112/90, a apo-
sentadoria por invalidez com proventos integrais, ainda que grave, incapacitante e incurá-
vel seja a doença sofrida pelo servidor - Epidermólise Bolhosa Distrófica - não será, in casu,
devida, pois essa moléstia não se encontra elencada no §1º do referido artigo. II - Se não
houver especificação, os proventos serão proporcionais (RE nº 175.980-1, Rel. Min. Carlos
Velloso, DJ 20/02/98). Ordem denegada. (STJ. MS nº 8.334/DF, Rel. Min. José Arnaldo da
Fonseca, Corte Especial, j. em 05.03.2003, DJ, 19 maio 2003).
283
STJ. REsp nº 942.530/RS, Rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, j. em 02.03.2010, DJe, 29
mar. 2010.
284
STJ. AgRg em ED em REsp nº 828.292/RS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Seção,
j. em 27.06.2012, DJe, 15 ago. 2012.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 161 10/03/2016 14:05:50


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
162 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

O Ministro Teori Zavascki, que atuou como Relator, consignou,


em seu voto, que o legislador constituinte reservou ao domínio
normativo do direito ordinário a definição das doenças que ensejam a
aposentadoria com proventos integrais; assim, inexistente a especificação
da doença em lei, não há falar-se no direito à percepção do benefício
de forma integral, ainda que a moléstia seja considerada, pela ciência
médica, como grave, incurável ou contagiosa.285
Diante disso, o Superior Tribunal de Justiça, por sua Segunda
Turma, ao reapreciar o Recurso Especial nº 1.324.671/SP com fulcro no
art. 543-B, do Código de Processo Civil, exerceu o juízo de retratação
para modificar seu entendimento e amoldá-lo ao do Supremo Tribunal
Federal, no sentido da necessidade de previsão expressa em lei da
doença causadora da invalidez permanente para ensejar o direito à
percepção de proventos integrais.286
A aposentadoria compulsória encontra previsão no art. 40, §1º,
II, da CR/88 (redação dada pela Emenda Constitucional nº 88/15).287
Referida norma, em sua redação original, previa a aposentadoria
compulsória apenas aos 70 (setenta) anos. Com a promulgação da
Emenda Constitucional nº 88, de 07 de maio de 2015, fora prevista a
possibilidade de ampliação da aposentadoria compulsória para 75
(setenta e cinco) anos, conforme previsto em lei complementar.
Entretanto, em relação aos Ministros do Supremo Tribunal
Federal, dos Tribunais Superiores e do Tribunal de Contas da União,
referida emenda estabeleceu regra de transição (art. 100, do ADCT, da
CR/88),288 possibilitando a permanência no cargo até os 75 anos, mesmo
antes da edição de lei complementar regulamentando a questão.
A norma prevê a faculdade de tais agentes se aposentarem aos 75
(setenta e cinco) anos, nos termos do disposto no art. 52289 da Constituição

285
STF. RE nº 656.860/MT, Rel. Min. Teori Zavascki, Tribunal Pleno, j. em 21.08.2014, DJe, 18
set. 2014.
286
STJ. REsp nº 1.324.671/SP, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, j. em 03.03.2015,
DJe, 09 mar. 2015.
287
Art. 40 - [...] II - compulsoriamente, com proventos proporcionais ao tempo de contribuição,
aos 70 (setenta) anos de idade, ou aos 75 (setenta e cinco) anos de idade, na forma de lei
complementar; [...].
288
Art. 100. Até que entre em vigor a lei complementar de que trata o inciso II do §1º do
art. 40 da Constituição Federal, os Ministros do Supremo Tribunal Federal, dos Tribunais
Superiores e do Tribunal de Contas da União aposentar-se-ão, compulsoriamente, aos 75
(setenta e cinco) anos de idade, nas condições do art. 52 da Constituição Federal.
289
Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal: [...] III - aprovar previamente, por
voto secreto, após arguição pública, a escolha de: a) Magistrados, nos casos estabelecidos
nesta Constituição; b) Ministros do Tribunal de Contas da União indicados pelo Presidente
da República; [...].

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 162 10/03/2016 14:05:51


CAPÍTULO 7
SEGURIDADE SOCIAL E REGIME PREVIDENCIÁRIO
163

da República, que, por sua vez, estabelece a competência do Senado


Federal para aprovar a escolha de Magistrados e Ministros do Tribunal
de Contas da União indicados pelo Presidente da República.
A aposentadoria compulsória aos 75 (setenta e cinco) anos
de idade para referidos agentes públicos estaria, portanto, sujeita à
nova aprovação da indicação pelo Senado, mediante arguição pública
(“sabatina”).
A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), a Associação
Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) e a
Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) ajuizaram ação direta
de inconstitucionalidade em face da norma do art. 100, do ADCT,
questionando a parte final do dispositivo, ao argumento de que a
submissão da permanência dos magistrados à nova “sabatina” perante
o Senado representa ofensa à garantia da vitaliciedade outorgada aos
magistrados pela norma do art. 95, I, da Constituição da República, bem
como ao princípio da separação dos Poderes (art. 2º, CR/88).
O Supremo Tribunal Federal, por seu Tribunal Pleno, deferiu a
liminar pleiteada no âmbito da referida ação direta de inconstitucio-
nalidade, para: (i) suspender a aplicação da expressão nas condições do
art. 52 da Constituição Federal contida no art. 100 do ADCT, introduzido
pela EC nº 88/15, por vulnerar as condições materiais necessárias ao
exercício imparcial e independente da função jurisdicional, ultrajando
a separação dos Poderes, cláusula pétrea inscrita no art. 60, §4º, III, da
CR/88; (ii) fixar a interpretação, quanto à parte remanescente da EC nº
88/2015, de que o art. 100 do ADCT não pode ser estendido a outros
agentes públicos até que seja editada a lei complementar a que alude
o art. 40, §1º, II, da CRFB, a qual, quanto à magistratura, é a lei com-
plementar de iniciativa do Supremo Tribunal Federal nos termos do
art. 93 da CRFB; (iii) suspender a tramitação de todos os processos que
envolvam a aplicação a magistrados do art. 40, §1º, II, da CRFB, e do
art. 100 do ADCT, até o julgamento definitivo da presente demanda;
e (iv) declarar sem efeito todo e qualquer pronunciamento judicial ou
administrativo que afaste, amplie ou reduza a literalidade do comando
previsto no art. 100 do ADCT e, com base neste fundamento, assegure a
qualquer outro agente público o exercício das funções relativas a cargo
efetivo após ter completado setenta anos de idade.290
Para os demais agentes não elencados na norma de transição,
a ampliação da aposentadoria requer a edição de lei complementar, o

290
STF. ADI nº 5.316/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Luiz Fux, j. em 21.05.2015.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 163 10/03/2016 14:05:51


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
164 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

que ocorreu com a promulgação da Lei Complementar nº 152, de 03


de dezembro de 2015, que previu a aposentadoria compulsória, aos 75
(setenta e cinco) anos, para os servidores titulares de cargos efetivos,
membros do Poder Judiciário, do Ministério Público, da Defensoria
Pública e dos Tribunais e Conselhos de Contas.
Assim, a aposentadoria compulsória ocorre no momento em
que o servidor completa 75 (setenta e cinco) anos, ensejando o direito
à percepção dos proventos proporcionais ao tempo de contribuição.
Em relação aos servidores ocupantes exclusivamente de cargos
em comissão, entendemos não ser aplicável a norma constitucional
que prevê a aposentadoria compulsória, que se destina somente aos
servidores ocupantes de cargos efetivos.
Com efeito, os servidores detentores exclusivamente de cargos
em comissão de recrutamento amplo sujeitam-se ao Regime Geral de
Previdência Social (art. 40, §13, CR/88), que não contempla a aposenta-
dora compulsória de forma automática aos 75 (setenta e cinco) anos.291
O raciocínio se aplica, a nosso ver, aos servidores aposentados
pelo Regime Próprio que ingressam novamente ao serviço público para
exercício de cargos comissionados de recrutamento amplo. Nesses
casos, também não há limite de idade, podendo o servidor aposentado
compulsoriamente ser nomeado para exercer cargo em comissão
declarado em lei de livre nomeação e exoneração.
O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Ordi-
nário em Mandado de Segurança nº 36.950/RO, realizado pela Segunda
Turma, deu provimento ao recurso para, com fulcro na teoria dos atos
determinantes, declarar a nulidade do ato administrativo praticado pelo
Presidente do Tribunal de Contas do Estado de Rondônia que exonerou
servidor do cargo em comissão que ocupava por ter implementado a
idade prevista na norma constitucional para aposentadoria compulsória,
à época, 70 (setenta) anos.292

291
A norma do art. 51 da Lei nº 8.213/91 prevê a possibilidade de o empregador requerer a
aposentadoria do empregado que tenha cumprido o período de carência e completado 70
(setenta) anos de idade, se homem, e 65 (sessenta e cinco) anos, se mulher, sendo a aposen-
tadoria compulsória, assegurado o direito à indenização prevista na lei trabalhista. Dessa
forma, nessa hipótese, a aposentadoria não é automática, sendo faculdade do empregador,
ao contrário do que ocorre no Regime Próprio, em que a aposentadoria compulsória é
decorrência imediata do implemento da idade limite pelo servidor.
292
Ementa: Mandado de Segurança. Recurso Ordinário. Servidor público estadual ocupante
de cargo em comissão. Idade superior a setenta anos. Aposentadoria compulsória. Art.
40, §1º, II, e §13 da CF/88. Inaplicabilidade. Exoneração baseada exclusivamente no fato
de ser o impetrante septuagenário. Teoria dos motivos determinantes. Possibilidade de
a autoridade impetrada exonerar o impetrante por outro fundamento ou mesmo sem

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 164 10/03/2016 14:05:51


CAPÍTULO 7
SEGURIDADE SOCIAL E REGIME PREVIDENCIÁRIO
165

O Ministro Castro Meira, Relator do acórdão, asseverou que


a norma constitucional que determina a aposentação compulsória
do servidor encontra-se inserida no art. 40, da CR/88, que se destina
expressamente a disciplinar o regime jurídico dos servidores efetivos,
não se aplicando ao servidor ocupante exclusivamente de cargo em
comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração, que se
submete ao Regime Geral de Previdência Social (art. 40, §13, CR/88).
O Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o Recurso Extraordinário
interposto pelo Estado de Rondônia em face do referido acórdão do
Superior Tribunal de Justiça, reconheceu, quanto à matéria, a existência
de repercussão geral, encontrando-se o recurso ainda pendente de
julgamento.293
A aposentadoria voluntária pressupõe a manifestação de vontade
do servidor e posterior deferimento por ato formal praticado pela
Administração (ente público que mantém vínculo com o servidor), ato
esse sujeito, a posteriori, à apreciação de legalidade pelo Tribunal de
Contas, para fins de registro.
A norma inserta no art. 40, §1º, III, da CR/88, com a redação dada
pela EC nº 41/03, prevê o direito à aposentadoria voluntária em duas
situações, desde que cumprido tempo mínimo de 10 (dez) anos de efetivo
exercício no serviço público e 05 (cinco) anos no cargo efetivo em que
se dará a aposentadoria:

motivação expressa. Recurso ordinário provido. 1. A discussão trazida no apelo resume-


se em definir se a aposentadoria compulsória, prevista no art. 40, §1º, II, da Constituição
Federal de 1988, aplica-se ao servidor ocupante exclusivamente de cargo em comissão. 2. A
regra constitucional que manda aposentar o servidor septuagenário (§1º, II) está encartada
no artigo 40 da CF/88, que expressamente se destina a disciplinar o regime jurídico dos
servidores efetivos, providos em seus cargos por concurso público. Apenas eles fazem jus
à aposentadoria no regime estatutário. 3. Os preceitos do artigo 40 da CF/88, portanto, não
se aplicam aos servidores em geral, mas apenas aos titulares de cargos efetivos. O §13,
reconhecendo essa circunstância, é claro quando determina que, “ao servidor ocupante,
exclusivamente, de cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração
bem como de outro cargo temporário ou de emprego público, aplica-se o regime geral
de previdência social” (excluído, obviamente, o regime de previdência disciplinado
no art. 40 da CF/88). 4. Os servidores comissionados, mesmo no período anterior à EC
20/98, não se submetem à regra da aposentadoria compulsória aos setenta anos de idade.
O §2º do art. 40 da CF/88, em sua redação original, remetia à lei “a aposentadoria em
cargos ou empregos temporários”. Portanto, cabia à lei disciplinar a aposentadoria dos
servidores comissionados, incluindo, logicamente, estabelecer, ou não, o limite etário para
a aposentação. 5. Precedentes do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional De
Justiça. 6. No caso, como a exoneração do impetrante deveu-se, exclusivamente, ao fato
de ter mais de 70 anos, por força da teoria dos motivos determinantes, deve ser anulado
o ato impugnado no mandamus, nada impedindo, todavia, que a autoridade impetrada
promova nova exoneração ad nutum. 7. Recurso ordinário provido (STJ. RMS nº 36.950/
RO, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, j. em 16.04.2013, DJe, 26 abr. 2013).
293
STF. RE nº 786.540 RG/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, j. em 18.09.2014, DJe, 17 nov. 2014.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 165 10/03/2016 14:05:51


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
166 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

a) por idade e tempo de contribuição – 60 (sessenta) anos de


idade e 35 (trinta e cinco) anos de contribuição, se homem,
e 55 (cinquenta e cinco) anos de idade e 30 (trinta) anos de
contribuição, se mulher;
b) por idade – 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e
60 (sessenta) anos de idade, se mulher, com proventos propor-
cionais ao tempo de contribuição.
A norma do §4º, do art. 40 (redação dada pela EC nº 47/05),
estabelece a vedação da adoção de requisitos diferenciados para a
concessão da aposentadoria pelo Regime Próprio, salvo nos casos de
servidores que sejam portadores de deficiência, exerçam atividades de
risco, ou cujas atividades sejam exercidas sob condições especiais que
prejudiquem a saúde ou a integridade física, nos termos definidos em
leis complementares.294
Malgrado a competência para legislar sobre matéria previdenciária
seja concorrente entre a União, Estados e Distrito Federal, e suplementar
em relação aos Municípios, e a despeito da autonomia política dos entes
federados para editar normas acerca do regime jurídico de seus próprios
servidores, cabe à União a edição de lei complementar para regulamentar
o §4º, do art. 40, da CR/88, conforme jurisprudência consolidada do
Supremo Tribunal Federal.
No julgamento do Mandado de Injunção nº 1.832/DF, a Ministra
Cármen Lúcia, que atuou como Relatora, consignou, em seu voto,
que a competência legislativa concorrente não afasta a necessidade
de tratamento uniforme da matéria, notadamente por se tratar de
normas que excepcionam as regras gerais de aposentadoria – que se
aplicam aos servidores públicos nas três esferas de governo –, a exigir
a promulgação de lei de caráter nacional, cuja competência legislativa
incumbe à União.295

294
A Constituição da República, em sua redação original, estabelecia, na norma inserta
no art. 40, §1º, a possibilidade de fixação de requisitos diferenciados para aposentação,
mediante lei complementar, nos casos de atividades consideradas penosas, insalubres ou
perigosas. Com a promulgação da EC nº 20/98, a questão passou a ser tratada na norma do
§4º, do art. 40, que previu a aposentadoria especial para os casos de atividades exercidas
exclusivamente sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou integridade física do
servidor, conforme definido em lei complementar.
295
Ementa: Agravo Regimental no Mandado de Injunção. Aposentadoria especial de servidor
público distrital. Art. 40, §4º, inc. III, da Constituição da República. Competência concorrente
da União, Estados e do Distrito Federal para legislar sobre Previdência Social. Necessidade
de tratamento uniforme da matéria. 1. A competência concorrente para legislar sobre
previdência social não afasta a necessidade de tratamento uniforme das exceções às regras
de aposentadoria dos servidores públicos. Necessidade de atuação normativa da União
para a edição de norma regulamentadora de caráter nacional. 2. O Presidente da República
é parte legítima para figurar no polo passivo de mandado de injunção em que se discute

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 166 10/03/2016 14:05:51


CAPÍTULO 7
SEGURIDADE SOCIAL E REGIME PREVIDENCIÁRIO
167

Ademais, não se pode olvidar, a iniciativa para deflagração do


processo legislativo, nesse caso, é privativa do Presidente da República,
nos termos do art. 61, §1º, II, “c”, da CR/88.
Entretanto, inexiste, atualmente, lei complementar que regulamen-
te o direito à aposentadoria especial dos servidores públicos. Em razão
disso, o Supremo Tribunal Federal, em diversos precedentes, reconheceu
a mora legislativa e aplicou a norma constitucional no caso concreto,
para conceder ao servidor o direito à aposentadoria especial, mediante
a aplicação das normas do Regime Geral de Previdência Social.296
Em relação aos professores, a Constituição da República de 1988
estabelecia, originalmente, o direito à aposentação voluntária com
proventos integrais mediante cumprimento de requisitos diferenciados,
nos termos do disposto no art. 40, III, “b”: 30 (trinta) anos de efetivo
exercício das funções de magistério, se homem, e 25 (vinte e cinco)
anos, se mulher.
Com a promulgação da EC nº 20/98, a questão passou a ser tratada
na norma do art. 40, §5º, que estabeleceu a redução de cinco anos em
relação aos requisitos de idade e tempo de contribuição previstos para
a aposentadoria voluntária dos servidores em geral (art. 40, §1º, III, “a”),
além de restringir o direito à aposentadoria especial aos professores que
comprovem o exercício exclusivo das funções de magistério na educação
infantil e nos ensinos fundamental e médio.297 Afastou, dessa forma, o
direito à aposentadoria especial dos servidores ocupantes de cargo de
professor no ensino superior.
No que concerne à comprovação do efetivo exercício das funções
de magistério, o Supremo Tribunal Federal entendeu, inicialmente,
que somente o tempo de serviço prestado em sala de aula ensejaria o

a aposentadoria especial de servidor público. Precedente. 3. Agravo regimental ao qual se


nega provimento (STF. MI nº 1.832 AgR/DF, Rela. Mina. Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, j. em
24.03.2011, DJe, 18 maio 2011).
296
STF. MI nº 1.832/DF, Decisão Monocrática, Rela. Mina. Cármen Lúcia, DJe, 02 fev. 2010; MI
nº 1.328/DF, Decisão Monocrática, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe, 1 fev. 2010.
297
A norma do art. 8º, §4º, da EC nº 20/98 (posteriormente revogado pela EC nº 41/03) permitiu
aos professores que tivessem ingressado no serviço público até a data da promulgação
daquela emenda a contagem de tempo de serviço prestado até então com o acréscimo de
17%, se homem, e 20%, se mulher, na hipótese de opção pela aposentadoria de acordo com
os critérios fixados no art. 8º, desde que se aposentassem com tempo exclusivo de serviço
nas funções de magistério. A EC nº 41/03, por sua vez, assegurou tal direito (contagem
do tempo de serviço prestado até o advento da EC nº 20/98, com acréscimo de 17% e
20%) apenas para os professores que optassem pela aposentadoria com base nas regras de
transição do art. 2º, da EC nº 41/03 (sem direito à integralidade e paridade), desde que se
aposentassem, exclusivamente, com tempo de serviço prestado nas funções de magistério.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 167 10/03/2016 14:05:51


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
168 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

direito à aposentadoria especial, conforme se depreende, a contrario


sensu, pelo enunciado da Súmula nº 726: “Para efeito de aposentadoria
especial de professores, não se computa o tempo de serviço prestado
fora da sala de aula”.
Posteriormente à edição da referida súmula, fora promulgada a
Lei Federal nº 11.301/06, que alterou a Lei nº 9.394/96 (Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional), acrescentando a norma inserta no art.
67, §2º, que, a seu turno, considera como funções de magistério, para os
fins previstos nas normas constitucionais que tratam da aposentadoria
especial dos professores (§5º do art. 40 e §8º do art. 201 da CR/88), as
exercidas por professores e especialistas em educação no desempenho
de atividades educativas, quando exercidas em estabelecimento de
educação básica em seus diversos níveis e modalidades, incluídas,
além do exercício da docência, as de direção de unidade escolar e as de
coordenação e assessoramento pedagógico.
Referida norma ampliou a concepção da expressão funções de
magistério com a finalidade de estender aos professores e especialistas
em educação que desempenhem atividades educativas dentro de
sala de aula (exercício da docência) ou fora dela (funções de direção,
coordenação e assessoramento pedagógico), o direito à aposentadoria
especial.
O Supremo Tribunal Federal, ao apreciar, em sede de controle
concentrado, a constitucionalidade da norma em cotejo, entendeu que,
para fins de aposentadoria especial regida pelo art. 40, §1º, III, “a”, e §5º,
da Constituição da República, pode ser computado o tempo de serviço
laborado não somente pelos professores em sala de aula, mas também
aquele referente às funções de direção de unidade escolar, coordenação
e assessoramento pedagógico, desde que exercidas em estabelecimentos
de ensino básico, excluídos apenas os especialistas em educação.298

Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade manejada contra o art. 1º da Lei Federal


298

11.301/2006, que acrescentou o §2º ao art. 67 da Lei 9.394/1996. Carreira de magistério.


Aposentadoria especial para os exercentes de funções de direção, coordenação e assesso-
ramento pedagógico. Alegada ofensa aos arts. 40, §5º, e 201, §8º, da Constituição Federal.
Inocorrência. Ação julgada parcialmente procedente, com interpretação conforme. I - A
função de magistério não se circunscreve apenas ao trabalho em sala de aula, abrangendo
também a preparação de aulas, a correção de provas, o atendimento aos pais e alunos, a
coordenação e o assessoramento pedagógico e, ainda, a direção de unidade escolar. II -
As funções de direção, coordenação e assessoramento pedagógico integram a carreira do
magistério, desde que exercidos, em estabelecimentos de ensino básico, por professores
de carreira, excluídos os especialistas em educação, fazendo jus aqueles que as desem-
penham ao regime especial de aposentadoria estabelecido nos arts. 40, §5º, e 201, §8º, da
Constituição Federal. III - Ação direta julgada parcialmente procedente, com interpretação
conforme, nos termos supra (STF. ADI nº 3.772, Rel. Min. Carlos Britto, Rel. p/ ac. Min.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 168 10/03/2016 14:05:51


CAPÍTULO 7
SEGURIDADE SOCIAL E REGIME PREVIDENCIÁRIO
169

No que tange aos membros da Magistratura, do Ministério


Público e dos Tribunais de Contas, as normas insertas nos arts. 73, §3º,
93, VI, e 129, §4º, da CR/88, em sua redação original, estabeleciam o
direito à aposentadoria voluntária com proventos integrais aos 30 anos
de serviço, após o exercício de, no mínimo, cinco anos no respectivo
cargo, bem como à aposentadoria compulsória por invalidez ou aos 70
(setenta) anos de idade, também com proventos integrais.
A EC nº 20/98 extinguiu o direito à aposentadoria com requisitos
diferenciados para essas categorias de agentes públicos, sujeitando-os
às normas gerais fixadas no art. 40 e seguintes, da CR/88.299

7.3.2.2 Forma de cálculo e reajuste dos proventos


Os proventos de aposentadoria pagos pelo Regime Próprio são
calculados nos moldes fixados nos §§3º e 17, do art. 40, da CR/88 (redação
da EC nº 41/03), isto é, com base nas remunerações de contribuição
vertidas pelo servidor aos regimes de previdência, devidamente
atualizadas, na forma da lei.
A Lei nº 10.887/04, que regulamenta tais dispositivos
constitucionais, estabelece, em seu art. 1º, caput, que o valor inicial dos
proventos será calculado pela média aritmética simples das maiores
remunerações de contribuição do servidor, correspondentes a 80%
(oitenta por cento) de todo o período contributivo, desde julho 1994, ou
desde a data do início da contribuição, se posterior àquela competência.
Por sua vez, a norma do §1º, do referido artigo, prevê que as re-
munerações de contribuição consideradas no cálculo do valor inicial dos
proventos serão reajustadas, mês a mês, de acordo com a variação integral
do índice fixado para a atualização dos salários de contribuição conside-
rados no cálculo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.
Quanto à revisão dos proventos de aposentadoria, a norma do
§8º, do art. 40, CR/88 (redação EC nº 41/03), estabelece que tais benefícios

Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, j. em 29.10.2008, DJe, 27 mar. 2009, republ. DJe, 29
out. 2009).
299
A norma inserta no art. 8º, §§2º e 3º, da EC nº 20/98 (posteriormente revogado pela EC nº
41/03) estabeleceu regra de transição específica para os membros da Magistratura, Mi-
nistério Público e dos Tribunais de Contas, ao permitir a contagem do tempo de serviço
exercido até a data da publicação da EC nº 20/98 com o acréscimo de 17%, para o agente
público, do sexo masculino, que viesse a se aposentar pelas normas de transição do art. 8º,
da referida emenda. Posteriormente, a EC nº 41/03, previu tal direito (contagem do tempo
de serviço prestado até o advento da EC nº 20/98, com referido acréscimo de 17%) apenas
para os agentes (homens) que viessem a se aposentar pelas normas de transição insertas
no art. 2º e ss., da EC nº 41/03 (sem direito à integralidade e paridade).

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 169 10/03/2016 14:05:51


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
170 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

serão reajustados por critérios que lhes preservem o valor real, na forma
da lei.
A norma do art. 15, da Lei nº 10.887/04, em sua redação original,
estabelecia que os proventos seriam reajustados na mesma data em que
se desse o reajuste dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.
Posteriormente, foi editada a Medida Provisória nº 431/08, convertida na
Lei nº 11.784/08, que alterou a redação do dispositivo legal em apreço,
prevendo a incidência, sobre os proventos de aposentadoria pagos pelo
Regime Próprio, dos mesmos índices de reajuste aplicáveis aos benefícios
do Regime Geral de Previdência Social.
O Supremo Tribunal Federal, no âmbito da Ação Direta de
Inconstitucionalidade nº 4.582, ajuizada pelo Governador do Estado do
Rio Grande do Sul, deferiu a liminar para suspender a eficácia dessa
norma, com efeitos ex nunc, em relação aos proventos pagos pelos
Estados, Distrito Federal e Municípios, mantendo sua aplicabilidade
apenas no âmbito da União.
De acordo com o entendimento esposado pelo Pretório Excelso
no julgamento da medida cautelar pleiteada da referida demanda, a
norma do art. 15, da Lei nº 10.887/04, com a redação dada pela Lei nº
11.784/08, padece de vício formal de inconstitucionalidade, pois, ao
estabelecer o critério de reajuste dos proventos no âmbito de todos os
entes federados, extrapolou a competência legislativa da União para
editar normas gerais sobre previdência social (art. 24, XII, CR/88).300
A EC nº 41/03, portanto, alterou a forma de cálculo dos proventos
de aposentadoria dos servidores públicos, bem como de seu reajuste,
extinguindo os direitos à integralidade (correspondência entre o valor
inicial dos proventos e a última remuneração do cargo efetivo) e
paridade (reajuste na mesma proporção e mesma data da remuneração
dos servidores em atividade).

7.3.2.3 Regras de transição


A EC nº 41/03 e, posteriormente, a EC nº 47/05 estabeleceram
regras de transição, de modo que, atualmente, é possível apontar a
existência de três categorias de servidores públicos com situações

300
Ementa: Proventos – Servidores estaduais – Revisão. Surge relevante pedido de concessão
de medida acauteladora no que ato emanado da União veio a disciplinar a forma de
manutenção do poder aquisitivo de proventos e pensões alusivos a servidor do Estado
(STF. ADI nº 4.582 MC/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, j. em 28.09.2011, DJe,
09 fev. 2012).

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 170 10/03/2016 14:05:51


CAPÍTULO 7
SEGURIDADE SOCIAL E REGIME PREVIDENCIÁRIO
171

distintas relativamente ao direito à aposentadoria: (i) servidores que


ingressaram no serviço público antes da EC nº 20/98; (ii) servidores que
ingressaram no serviço público antes da EC nº 41/03; (iii) servidores que
ingressaram no serviço público após a EC nº 41/03.
Para a primeira categoria, admitida no serviço público antes de
16 de dezembro de 1998, data da promulgação da EC nº 20/98, aplica-se
a norma de transição do art. 3º da EC nº 47/05.
Referida norma assegurou a esses servidores – ressalvado o
direito de opção à aposentadoria pelas normas do art. 40, da CR/88
ou pelas regras de transição dos arts. 2º e 6º, da EC nº 41/03 – o direito
à aposentação com proventos calculados de forma equivalente à
remuneração do cargo efetivo, e reajustados na mesma proporção e na
mesma data das remunerações dos servidores em atividade.
Contudo, para fazer jus à aposentação com tais direitos, o servidor
deve preencher os seguintes requisitos, cumulativamente:
a) 35 (trinta e cinco) anos de contribuição, se homem, e 30 (trinta)
anos de contribuição, se mulher;
b) 25 (vinte e cinco) anos de efetivo exercício no serviço público,
15 (quinze) anos na carreira e 05 (cinco) anos no cargo efetivo
em que se der a aposentadoria;
c) Idade mínima resultante da redução, relativamente aos limites
do art. 40, §1º, III, “a”, da CR/88, de um ano de idade para cada
ano de contribuição que exceder a condição prevista no item
“a” (35 anos de contribuição, se homem, e 30 anos de contri-
buição, se mulher).
Para os servidores que ingressaram no serviço público após a
edição da EC nº 20/98, mas antes da promulgação da EC nº 41/03, exis-
tem duas normas de transição (ressalvado, é claro, o direito de opção
pelas normas do art. 40, CR/88): a norma do art. 2º, e a do art. 6º, ambas
da EC nº 41/03.
Pela norma do art. 2º, os servidores podem se aposentar
voluntariamente, com proventos calculados de acordo com os critérios
estabelecidos pelos §§3º e 17, do art. 40 (sem direito à integralidade na
base de cálculo do valor inicial dos proventos), desde que cumpram os
seguintes requisitos:
a) 53 (cinquenta e três) anos de idade, se homem, e 48 (quarenta
e oito) anos de idade, se mulher;
b) 05 (cinco) anos de efetivo exercício no cargo em que se der a
aposentadoria;
c) tempo de contribuição igual, no mínimo, à soma de: 35 (trinta
e cinco) anos, se homem, e 30 (trinta), se mulher, e um período

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 171 10/03/2016 14:05:51


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
172 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

adicional de contribuição equivalente a 25% (vinte e cinco por


cento) do tempo que, na data de publicação da EC nº 20/98,
faltaria para atingir o limite de tempo de contribuição acima
mencionado.
A norma do §1º, do art. 2º, da EC nº 41/03, estabelece a aplicação
de redutor sobre os proventos de aposentadoria dos servidores que se
aposentarem pelas regras desse artigo, para cada ano antecipado em
relação aos limites de idade previstos no art. 40, §1º, III, “a”, da CR/88:
3,5% (três e meio por cento), para o servidor que completar as exigências
para aposentadoria na forma estabelecida pela norma de transição até 31
de dezembro de 2005; 5% (cinco por cento) para o servidor que cumprir
esses requisitos a partir de 1º de janeiro de 2006.
Por sua vez, a norma do §6º, do art. 2º, da EC nº 41/03, previu a
incidência do §8º, do art. 40, da CR/88, para as aposentadorias concedidas
com base nesse artigo.
Assim, para os servidores que optaram pela aposentadoria com
fundamento nas regras de transição do art. 2º, da EC nº 41/03, ou vierem
a fazê-lo, não foram assegurados os direitos à integralidade e paridade.
A norma do art. 6º, da EC nº 41/03, estabeleceu o direito à
aposentação com direito à integralidade e paridade (art. 6º, parágrafo
único, da EC nº 41/03, e, atualmente, art. 2º, da EC nº 47/05) para os
servidores que ingressaram no serviço público até a data de promulgação
da referida emenda, desde que preenchidos os seguintes requisitos:
a) 60 (sessenta) anos de idade, se homem, e 55 (cinquenta e cinco)
anos de idade, se mulher;
b) 35 (trinta e cinco) anos de contribuição, se homem, e 30 (trinta)
de contribuição, se mulher;
c) 20 (vinte) anos de efetivo exercício no serviço público;
d) 10 (dez) anos de carreira e 5 (cinco) anos de efetivo exercício
no cargo em que se der a aposentadoria.
Finalmente, para os servidores que ingressaram no serviço
público após a edição da EC nº 41/03, aplicam-se as normas do art. 40
e seguintes da Constituição da República.

7.3.3 Previdência Complementar


A norma inserta no art. 40, §14, da Constituição da República,
acrescentada pela Emenda Constitucional nº 20/98, possibilitou aos
entes federados a fixação do limite estabelecido para os benefícios pagos
pelo Regime Geral de Previdência Social, para fins de pagamento de

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 172 10/03/2016 14:05:51


CAPÍTULO 7
SEGURIDADE SOCIAL E REGIME PREVIDENCIÁRIO
173

aposentadorias e pensões, desde que instituam regime de previdência


complementar para seus servidores.
O Regime de Previdência Complementar dos servidores públicos
deve ser criado por lei de iniciativa do Chefe do Poder Executivo (art. 40,
§15, com a redação determinada pela EC nº 41/03) e administrado por
entidades fechadas de previdência complementar, de natureza pública,
que devem ofertar aos respectivos participantes planos de benefícios
somente na modalidade de contribuição definida.301
Sujeitam-se a esse regime de previdência os servidores que
ingressarem no serviço público após a publicação do ato de instituição
da previdência complementar e, também, os que ingressaram
anteriormente, nesse caso, desde que optem de forma expressa e prévia
(art. 40, §16, CR/88).
Isso não significa que a adesão ao plano de previdência comple-
mentar seja obrigatória para os servidores que ingressam posteriormente
à sua implementação, já que a filiação facultativa é característica intrín-
seca a esse regime de previdência. Na verdade, para essa categoria de
servidores, aplica-se o Regime Próprio de Previdência com a incidência
do limite fixado para os benefícios do Regime Geral, e, caso optem pela
adesão ao plano de previdência complementar, é-lhes assegurada a
complementação do benefício previdenciário, nos termos estabelecidos
no referido plano.
Noutro giro, para os servidores que ingressaram anteriormente
à publicação do ato de instituição do Regime de Previdência
Complementar, é garantido o direito de opção pela adesão ao plano,
ou, caso contrário, a aposentação se dará pelo Regime Próprio com
direito à integralidade e paridade (servidores abrangidos pelas regras
de transição – EC nº 41/03 e EC nº 47/05 – vide item 7.3.2.3), ou pelo
Regime Próprio com proventos calculados nos termos do art. 40, §§3º
e 17, CR/88 (média das contribuições previdenciárias) e reajustados
na forma estabelecida pelo art. 40, §8º, CR/88 (adoção de índices que
preservem o valor real dos benefícios).
O regramento constitucional do Regime de Previdência
Complementar está inserido nas normas do art. 202 e ss. da Constituição
da República de 1988.

301
A LC nº 109/01, em seu art. 7º, parágrafo único, prevê três modalidades de planos de previ-
dência complementar: (i) benefício definido (BD), em que o valor do benefício previdenciá-
rio é fixado no momento da adesão ao plano, ao passo que o valor das contribuições podem
variar para assegurar o pagamento do respectivo benefício; (ii) contribuição definida (CD),
em que as contribuições são acertadas quando da adesão, mas o valor do benefício somen-
te é estabelecido no momento de sua concessão; (iii) contribuição variável (CV), também
denominada de plano misto, pois reúne características de ambos os planos (BD e CD).

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 173 10/03/2016 14:05:52


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
174 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

As normas do caput e do §4º, do art. 202 (redação dada pela EC


nº 20/98), exigem a edição de lei complementar para regulamentação do
Regime de Previdência Complementar (Lei Complementar nº 109/01)
e, também, para disciplinar a relação entre a União, os Estados, o
Distrito Federal e os Municípios, suas autarquias, fundações, empresas
públicas, sociedades de economia mista, empresas controladas direta
ou indiretamente – enquanto patrocinadores de planos de previdência
complementar – e as entidades fechadas de previdência privada (Lei
Complementar nº 108/01).
Já a norma do §3º, do referido artigo, veda o aporte de recursos
a entidade de previdência privada pela Administração Pública (Direta
e Indireta) e empresas controladas direta ou indiretamente pelo Poder
Público, salvo na condição de patrocinadores de planos de previdência
complementar, hipótese em que sua contribuição normal não poderá
exceder a do segurado.
Por sua vez, a norma do §5º, do art. 202, da CR/88, prevê a apli-
cação subsidiária da Lei Complementar nº 108/01 às concessionárias e
permissionárias de serviço público, na condição de patrocinadoras de
planos de previdência privada.
Referida lei complementar contém regramento específico para
disciplinar a relação entre a Administração e suas respectivas entidades
de previdência complementar.
A Lei Complementar nº 109/01 – cujas regras e princípios gerais se
aplicam subsidiariamente aos planos patrocinados pela Administração
e entidades fechadas, conforme prevê expressamente o art. 2º, da LC
nº 108/01 – estabelece normas gerais sobre previdência complementar.
A Lei Federal nº 12.618, de 30 de abril de 2012, instituiu o Regime
de Previdência Complementar para os servidores públicos federais
titulares de cargos efetivos dos três poderes da União.
A norma do art. 3º, da referida lei, previu a incidência do limite
máximo estabelecido para os benefícios do Regime Geral de Previdência
Social às aposentadorias e pensões a serem concedidas pelo regime
de previdência da União (art. 40, CR/88), aos servidores públicos que
ingressarem no serviço público a partir do início da vigência do regime
de previdência complementar, independentemente de sua adesão ao
plano de benefícios (art. 3º, I), e, também, aos servidores que ingressaram
anteriormente a essa data e que exerçam a opção em aderir ao regime de
previdência complementar (art. 3º, II), no prazo de 24 (vinte e quatro)
meses, contados do início da vigência do regime (art. 3º, §7º), sendo tal
escolha irrevogável e irretratável (art. 3º, §8º).

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 174 10/03/2016 14:05:52


CAPÍTULO 7
SEGURIDADE SOCIAL E REGIME PREVIDENCIÁRIO
175

Para essa segunda categoria de servidores, foi assegurada


a percepção de benefício especial (art. 3º, §1º, da Lei nº 12.618/12),
calculado com base nas contribuições vertidas ao regime de previdência
da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além do
direito à compensação financeira entre os regimes de previdência, na
forma prevista pelo art. 201, §9º, da Constituição da República.
A norma do art. 4º, caput, da Lei nº 12.618/12, autorizou à União
a criação de entidades fechadas de previdência complementar para
a administração e execução dos planos de benefícios, nos seguintes
termos: (i) a Fundação de Previdência Complementar do Servidor
Público Federal do Poder Executivo (Funpresp-Exe), para os servidores
públicos titulares de cargo efetivo do Poder Executivo, por meio
de ato do Presidente da República; (ii) a Fundação de Previdência
Complementar do Servidor Público Federal do Poder Legislativo
(Funpresp-Leg), para os servidores públicos titulares de cargo efetivo do
Poder Legislativo e do Tribunal de Contas da União e para os membros
deste Tribunal, por meio de ato conjunto dos Presidentes da Câmara
dos Deputados e do Senado Federal; (iii) a Fundação de Previdência
Complementar do Servidor Público Federal do Poder Judiciário
(Funpresp-Jud), para os servidores públicos titulares de cargo efetivo
e para os membros do Poder Judiciário, por meio de ato do Presidente
do Supremo Tribunal Federal.
A norma inserta no §1º, do art. 4º, da referida lei, prevê que tais
entidades devem ser estruturadas sob a forma de fundação, de natureza
pública, com personalidade jurídica de direito privado, dotadas de
autonomia administrativa, financeira e gerencial.
De acordo com a norma do art. 8º, da Lei nº 12.618/12, a natureza
pública das entidades de previdência complementar consiste, além
da submissão às normas de direito público que decorram de sua
instituição pela União como fundações de direito privado, à sujeição
à legislação federal sobre licitação e contratos administrativos, à
realização de concurso público para admissão de pessoal para ocupar
empregos permanentes (regime jurídico celetista – art. 7º, da Lei nº
12.618/12), ou de processo seletivo, nos casos de contratação temporária,
e, ainda, a publicação anual de seus demonstrativos contábeis,
atuariais, financeiros e de benefícios, sem prejuízo do fornecimento de
informações ao órgão fiscalizador, aos participantes e assistidos dos
planos de benefícios.
As contribuições pagas pelos patrocinadores e participantes
incidem sobre a parcela da base de contribuição que exceder o limite
fixado para os benefícios pagos pelo Regime Geral de Previdência Social

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 175 10/03/2016 14:05:52


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
176 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

(art. 16, Lei nº 12.618/12), ao passo que a base de contribuição é aquela


definida pela norma do art. 4º, §1º, da Lei nº 10.887/04 (vencimento
do cargo efetivo, acrescido das vantagens pecuniárias, adicionais de
caráter individual e quaisquer outras vantagens, com exceção das
diárias, verbas indenizatórias, auxílios e parcelas remuneratórias pagas
em decorrência do local de trabalho), podendo o participante optar
pela inclusão das parcelas recebidas a título de local de trabalho e pelo
exercício de cargo comissionado ou função de confiança (art. 16, §1º,
da Lei nº 12.618/12).
Os servidores cedidos a outros órgãos ou entidades da
Administração Pública Direta ou Indireta de qualquer ente federado,
afastados, licenciados temporariamente (com ou sem remuneração),
ou, ainda, que optarem pelo benefício proporcional diferido ou
autopatrocínio,302 podem permanecer filiados aos planos de benefício
(art. 14, I a III, da Lei nº 12.618/12).
Nas hipóteses de afastamento, licença e cessão de servidor
com ônus para o patrocinador, este deve arcar com o pagamento
da respectiva contribuição. Caso a cessão ocorra com o ônus para o
cessionário, este recolherá as contribuições às entidades fechadas de
previdência complementar.
Os servidores que percebam remuneração inferior ao limite
estabelecido para os benefícios pagos pelo Regime Geral de Previdência
Social também podem aderir aos planos de benefícios de previdência
complementar, sem pagamento de contribuição pelo patrocinador,
sendo a base de cálculo das contribuições definida nos regulamentos
próprios (art. 13, parágrafo único, da Lei nº 12.618/12).
Por fim, os planos de custeio e de benefícios devem constar nos
respectivos regulamentos, observado o disposto no art. 40, §§15 e 16,
art. 202 e ss. da Constituição da República, e nas Leis Complementares
nº 108/01 e 109/01.

O benefício proporcional diferido é o instituto que faculta ao participante, em razão da ces-


302

sação do vínculo com o patrocinador antes da aquisição do direito ao benefício pleno, optar
por receber, em tempo futuro, quando cumpridos os requisitos de elegibilidade, benefício
previdenciário proporcional (art. 14, inciso I, da LC nº 109/01 c/c art. 1º, da Resolução MPS
nº 06/03). Por sua vez, o autopatrocínio é a faculdade de o participante manter o valor de
sua contribuição e a do patrocinador, no caso de perda parcial ou total da remuneração
recebida (como, por exemplo, no caso de cessação do vínculo com o patrocinador), para
assegurar a percepção dos benefícios nos níveis correspondentes àquela remuneração ou
em outros definidos em normas regulamentares (art. 27, da Resolução MPS nº 06/03).

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 176 10/03/2016 14:05:52


CAPÍTULO 7
SEGURIDADE SOCIAL E REGIME PREVIDENCIÁRIO
177

7.3.4 Pensão
A pensão caracteriza-se como benefício previdenciário devido aos
dependentes do servidor em virtude de seu falecimento. Sujeita-se ao
princípio da contributividade, pois seu custeio depende de contribuição
vertida ao regime de previdência, e, também, ao princípio da solidarie-
dade, o que legitima a incidência da contribuição previdenciária sobre
o valor que exceder o limite dos benefícios pagos pelo RGPS (art. 40,
§18), ou que superar o dobro desse limite, nos casos em que o benefici-
ário for portador de doença incapacitante, na forma da lei (art. 40, §21).
Além disso, rege-se pelas normas vigentes no momento da ocorrência
do fato gerador (morte do segurado), em decorrência do princípio do
tempus regit actum.
Até a promulgação da EC nº 41/03, que, como observado, extinguiu
os direitos à integralidade e paridade dos benefícios previdenciários
pagos pelo Regime Próprio de Previdência Social, o valor da pensão
por morte correspondia à última remuneração percebida pelo servidor
(limitada ao valor da remuneração do cargo efetivo) e era reajustada
na mesma forma e data do que a remuneração dos servidores da ativa.
A norma inserta no §5º, do art. 40, da Constituição da República
de 1988, em sua redação original, estabelecia que a pensão por morte
deveria ser paga em valor equivalente à totalidade dos vencimentos
ou proventos do servidor falecido, além de determinar a incidência, na
forma de reajustamento desse benefício, da norma do §4º, do art. 40,
que, por sua vez, previa o direito à paridade com a remuneração dos
servidores da ativa.
À época, muito se discutiu acerca da necessidade ou não de lei
infraconstitucional para dar exequibilidade à norma do art. 40, §5º,
da CR/88, mormente em razão da expressão contida na parte final
do dispositivo (até o limite estabelecido em lei), bem como da proibição
inserta no art. 195, §5º, da CR/88, que veda a criação, majoração ou
extensão de quaisquer benefícios ou serviços da Seguridade Social sem
a correspondente fonte de custeio.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no
sentido da autoaplicabilidade da referida norma constitucional, ao
fundamento de que o mandamento nela contido – o benefício da pensão
por morte corresponderá à totalidade dos vencimentos ou proventos do servidor
falecido – possuía eficácia imediata, não dependendo da elaboração de lei
que lhe completasse o alcance, sentido ou lhe fixasse conteúdo, porque
já se apresentava suficientemente explícita na definição do direito nela
regulado.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 177 10/03/2016 14:05:52


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
178 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

Quanto à parte final da norma – até o limite estabelecido em lei –,


a Suprema Corte firmou entendimento de que tal expressão não
representava óbice à fruição do benefício previdenciário de forma
integral, pois dizia respeito ao limite de remuneração dos servidores
públicos, nos termos do art. 37, XI, da CR/88.303
Em relação à alegação de ofensa à norma inserta no art. 195,
§5º, da CR/88, a jurisprudência pátria, consagrando o entendimento
do Supremo Tribunal Federal, firmou-se no sentido da inexistência de
incompatibilidade entre referida norma e a inserta no art. 40, §5º, da
CR/88, ao fundamento de que aquele dispositivo tem como destinatário
o legislador infraconstitucional, a quem é vedado criar, majorar benefício
ou serviço de seguridade social, sem a correspondente fonte de custeio.304
A EC nº 20/98 não alterou a forma de cálculo do valor inicial
da pensão, tampouco os critérios de reajuste, nos termos das normas
insertas nos §§7º e 8º, do art. 40, da CR/88.
Posteriormente, com o advento da EC nº 41/03, o valor inicial
das pensões passou a sofrer redutor de 30% (trinta por cento) sobre a
parcela superior ao limite dos benefícios pagos pelo Regime Geral de
Previdência Social, nos termos do disposto no art. 40, §7º, da CR/88.
Referida norma estabeleceu a forma de cálculo do benefício em
valor equivalente aos proventos do servidor (caso aposentado à data
do óbito) ou à remuneração (caso em atividade à data do óbito) até o

303
Pensão - Proventos - Vencimentos - Valor. A teor do par.5. do artigo 40 da Carta Politica da
Republica, a pensão corresponde a “totalidade dos vencimentos ou proventos do servidor
falecido”. Eis o mandamento constitucional a sofrer temperamento próprio a legitimida-
de quantitativa da parcela. O que se contem na parte final do preceito outro sentido não
possui senão o de enquadrar o valor da pensão nos limites próprios aos proventos e venci-
mentos, sob pena de submissão da regra asseguradora da totalidade referida ao legislador
ordinário. MANDADO DE INJUNÇÃO - IMPROPRIEDADE. Se o preceito constitucional
e de eficácia imediata, exsurge a carência da impetração. [...] (STF. MI nº 211/DF, Rel. Min.
Octavio Gallotti, Rel. p/ ac. Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, j. em 10.11.1993, DJ, 18
ago. 1995).
304
Ementa: Administrativo - Servidor do Município de Belo Horizonte - Pensão integral -
Cabimento - Auto-aplicabilidade do artigo 40, §7º, da Constituição Federal - BEPREM
- Ilegitimidade passiva - Custas - Isenção.- [...] É pacífico perante o colendo Supremo
Tribunal Federal o entendimento no sentido de que é auto-aplicável o preceito do §7º
do art. 40, da Constituição Federal (§5º, do art. 40, na redação original), de forma que,
independentemente de qualquer regulamentação infraconstitucional, a pensão por morte
deve corresponder à totalidade dos vencimentos ou proventos que o servidor receberia se
vivo estivesse.- Prevendo a Constituição Federal (parágrafo 7º, do artigo 40) que a pensão
corresponderá à totalidade dos vencimentos ou proventos do servidor falecido, não pode
lei estadual ou a ausência de estabelecimento de fonte de custeio justificar o pagamento
de quantia inferior ao ‘quantum’ estabelecido.- [...] (TJMG. AC nº 1.0024.06.229500-1/001,
Quarta Câmara Cível, Rel. Des. Heloisa Combat, j. em 17.02.2011, DJ, 10 mar. 2011).

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 178 10/03/2016 14:05:52


CAPÍTULO 7
SEGURIDADE SOCIAL E REGIME PREVIDENCIÁRIO
179

teto fixado para os benefícios pagos pelo RGPS, acrescido de 70% da


parcela excedente a esse limite (art. 40, §7º, I e II).
Quanto ao reajustamento do benefício, a norma do §8º, do art. 40,
prevê a incidência de critério de revisão que lhe assegure o valor real, ao
passo que a norma do art. 15, da Lei nº 10.887/04, estabelece a aplicação
dos mesmos índices de reajuste dos benefícios pagos pelo RGPS.305
Entretanto, como não poderia deixar de ser, existem situações
que são reguladas por normas de transição.
Inicialmente, a norma do art. 3º, da EC nº 41/03, assegurou a
concessão de pensão, a qualquer tempo, àqueles, que, até a data de
publicação da referida emenda, tenham cumprido todos os requisitos
para obtenção desse benefício com base nos critérios da legislação
revogada.
Assim, ocorrido o fato gerador do benefício – morte do segurado
– antes das alterações trazidas pela EC nº 41/03, o dependente faz jus à
percepção da pensão de forma integral e com direito à paridade.
Em relação aos benefícios cujo fato gerador tenha ocorrido após
a promulgação da EC nº 41/03, não foram, inicialmente, estabelecidas
normas de transição, mesmo que fossem decorrentes de proventos
calculados com base nas regras do art. 6º, da EC nº 41/03, que assegurou
os direitos à integralidade e paridade para os servidores que cumprissem
os requisitos nela previstos.
Posteriormente, a EC nº 47/05 estabeleceu, na norma inserta no
parágrafo único, do art. 3º, o direito à paridade das pensões oriundas
dos proventos de servidores falecidos que tenham se aposentado (ou
preenchido os requisitos para tanto) em conformidade às normas de
transição previstas no referido artigo, tendo essa norma de transição
efeitos retroativos à data da promulgação da EC nº 41/03 (art. 6º, EC
nº 47/05).
O legislador constituinte derivado nada dispôs quanto ao direito
à integralidade das pensões decorrentes dos proventos de servidores
aposentados com base no art. 3º, da EC nº 47/05, o que gerou discussão
acerca da incidência ou não do redutor de 30% (trinta por cento) fixado
no §7º, do art. 40, para o cálculo do valor inicial desses benefícios.
Quanto ao tema, parte da jurisprudência firmou entendimento
acerca da inexistência do direito à percepção da pensão em valor
equivalente à remuneração do servidor (salvo se inferior ao limite dos

305
Referida norma teve sua constitucionalidade questionada no âmbito da ADI nº 4.582/DF,
em que fora deferida a liminar, com efeitos ex nunc, para suspender sua eficácia em relação
aos benefícios pagos pelos Estados, Distrito Federal e Municípios (vide item 7.3.2.2).

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 179 10/03/2016 14:05:52


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
180 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

benefícios pagos pelo RGPS), nas hipóteses em que o fato gerador do


benefício tivesse ocorrido após a promulgação da EC nº 41/03, ainda
que o servidor instituidor da pensão satisfaça os requisitos elencados
no art. 3º, da EC nº 47/05.306
Por outro lado, o posicionamento diverso é no sentido de
afastar o redutor de 30% (trinta por cento) para o cálculo da pensão
por morte nesses casos, em observância ao princípio da isonomia e
da contributividade, sendo esse entendimento, a nosso ver, o mais
acertado.307
O Supremo Tribunal Federal, ao tratar da questão no âmbito do
Recurso Extraordinário nº 603.580/RJ, reconheceu a existência de reper-
cussão geral,308 e, posteriormente, deu parcial provimento ao recurso,
para fixar interpretação no sentido de que pensionista de servidor
falecido posteriormente à EC nº 41/03 tem direito à paridade com ser-
vidores em atividade (EC nº 41/03, art. 7º), caso se enquadrem na regra
de transição prevista no art. 3º da EC nº 47/05, mas, no entanto, não
faz jus à integralidade, devendo ser aplicada a norma do art. 40, §7º, I,

306
Ementa: Apelação Cível. Previdência pública. Integralidade de pensão. Art. 40, §7º, da
Constituição Federal. Óbito posterior à EC 41/03. Remuneração excedente ao limite máximo
estabelecido para os benefícios do RGPS. Incidência do redutor de 30%. 1. Sobrevindo o
óbito do instituidor da pensão em agosto/2005, o cálculo do benefício de pensão dá-se
na forma do art. 40, §7º, inciso II, da CF, com a redação que lhe conferiu a EC n. 41/2003,
devendo corresponder à totalidade da remuneração do servidor no cargo efetivo em que
se deu o falecimento, até o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral
de previdência social de que trata o art. 201, acrescido de setenta por cento da parcela
excedente a este limite. 2. Caso em que o valor da remuneração do falecido ultrapassava
o limite máximo estabelecido para os benefícios do RGPS, impondo-se a aplicação do
redutor de 30% sobre o excedente àquele montante, não havendo falar em pagamento
integral do benefício. A renda inicial da pensão, na hipótese, é igual à remuneração do
falecido até o teto do RGPS, acrescido de 70% do que exceder. Inteligência do art. 40, §7º,
inciso II, da CF, com a redação determinada pela EC n. 41/2003, regulamentada pela MP
n. 167, de 19 de fevereiro de 2004, esta convertida na Lei n. 10.887, de 18 de junho de 2004.
APELO IMPROVIDO. (TJRS. Apelação Cível nº 70035768589. Rel. Des. Eduardo Uhlein,
Terceira Câmara Especial Cível, j. em 22.02.2011).
307
Ementa: Agravo de Instrumento - Pensão por morte - Artigo 40, §7º, com a redação dada
pela Emenda Constitucional nº 41/03 - Paridade de revisão assegurada - Art. 7º da EC nº
41/03 - Arts. 3º e 6º da EC nº 47/05 - Integralidade - Provimento do recurso. 1) Ainda que
se considere aplicável o artigo 40, §7º, com a redação dada pela Emenda Constitucional
nº 41/03, na hipótese do falecimento do servidor, fato gerador da pensão, ocorrer após
a vigência dessa emenda, como ocorre no caso em análise, é assegurada a integralidade
e paridade de revisão da pensão, consoante o estabelecido no artigo 7º da EC nº 41/03 e
artigos 3º e 6º da EC nº 47/05. [...]. (TJMG. AI nº 1.0024.13.250527-2/001. Rel. Des. Teresa
Cristina da Cunha Peixoto, Oitava Câmara Cível, j. em 27.03.2014, DJ, 07 abr. 2014).
308
Ementa: Constitucional. Administrativo. Servidor público. Pensão por morte. Direito a
paridade e integralidade. Aposentadoria anterior ao advento da EC 41/2003 e falecimento
após a sua promulgação. Existência de repercussão geral (STF. RE nº 603.580 RG/RJ, Rel.
Min. Ricardo Lewandowski, j. em 05.05.2011, DJe, 28 jun. 2011).

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 180 10/03/2016 14:05:52


CAPÍTULO 7
SEGURIDADE SOCIAL E REGIME PREVIDENCIÁRIO
181

que limita a pensão a 70% (setenta por cento) do valor que exceder o
teto do Regime Geral de Previdência Social.309
Por fim, necessário consignar, a Medida Provisória nº 664, de 30
de dezembro de 2014, alterou dispositivos da Lei nº 8.112/90 (Estatuto
dos Servidores Públicos Federais) que tratam das pensões devidas aos
dependentes dos servidores públicos federais, trazendo as seguintes
modificações, aplicáveis aos benefícios concedidos após 1º.03.2015 (art.
5º, III, da MP nº 664/14):
a) período de carência de vinte e quatro contribuições mensais,
salvo no caso de morte por acidente de trabalho, doença
profissional ou do trabalho (art. 215, parágrafo único, da Lei
nº 8.112/90);
b) inexistência do direito à pensão ao cônjuge ou companheiro,
caso a data do óbito tenha ocorrido há menos de dois anos do
início do casamento ou união estável, salvo na hipótese de
morte decorrente de acidente do segurado, ou se o beneficiário
for considerado permanentemente incapaz, em virtude de
doença ou acidente ocorrido após o casamento ou união estável
e antes do óbito (art. 217, §3º, II, “a” e “b”, da Lei nº 8.112/90);
c) fixação de tempo de duração para percepção da pensão pelo
cônjuge, cônjuge divorciado ou companheiro, de acordo
com a expectativa de sobrevida do beneficiário na data do
óbito do servidor, regra essa que não se aplica ao cônjuge
ou companheiro considerado permanentemente incapaz por
doença ou acidente ocorrido entre o casamento ou início da
união estável e a cessação do pagamento do benefício (art. 217,
§3º, I e III, da Lei nº 8.112/90);
d) extinção do direito à pensão da pessoa designada pelo
segurado, na hipótese de dependência econômica, com
restrição desse direito apenas aos genitores, irmão (até 21
anos ou inválido), enteado e menor tutelado (até 21 anos ou
inválido) (art. 217, V, VI e §5º, da Lei nº 8.112/90);
e) vedação à percepção cumulativa de pensão deixada por mais
de um cônjuge ou companheiro, ressalvado o direito de opção
(fora mantida a proibição de acumulação de mais de duas
pensões – art. 225 da Lei nº 8.112/90).

309
STF. RE nº 603.580 RG/RJ, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. em 20.05.2015, DJ, 05 jun.
2015.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 181 10/03/2016 14:05:52


CAPÍTULO 8

ASSOCIAÇÃO SINDICAL E DIREITO DE


GREVE

8.1 Associação sindical


O servidor público possui direito à livre associação sindical,
conforme norma inserta no art. 37, VI, da Constituição de 1988. Também
a Lei nº 8.112/90 o prevê, em seu art. 240, acrescido, ainda, do direito
à substituição processual, inamovibilidade do dirigente sindical e
desconto em folha do valor das mensalidades e contribuições, conforme
definições da assembleia da categoria.310
Alguns aspectos merecem realce, a começar do alcance da atuação
de sindicato representativo de servidores públicos. Historicamente, os
sindicatos têm ocupado importante papel na reivindicação de melhorias
salariais (em sua grande maioria) para os trabalhadores da iniciativa
privada, o que não ocorre, todavia, quando se trata da remuneração dos
agentes públicos. Isso porque, como já afirmado em tópico anterior, a ma-
téria relativa a vencimentos e subsídios dos agentes públicos se submete ao
princípio da legalidade, ou seja, somente podem ser fixados e aumentados

310
Lei nº 8.112/90, art. 240. Ao servidor público civil é assegurado, nos termos da Constituição
Federal, o direito à livre associação sindical e os seguintes direitos, entre outros, dela
decorrentes: a) de ser representado pelo sindicato, inclusive como substituto processual;
b) de inamovibilidade do dirigente sindical, até um ano após o final do mandato, exceto se
a pedido; c) de descontar em folha, sem ônus para a entidade sindical a que for filiado, o
valor das mensalidades e contribuições definidas em assembléia geral da categoria.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 183 10/03/2016 14:05:52


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
184 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

em virtude de lei. A negociação coletiva torna-se, diante disso, impossível


para este fim, conforme consignado pelo Supremo Tribunal Federal no
enunciado da Súmula nº 679: “A fixação de vencimentos dos servidores
públicos não pode ser objeto de convenção coletiva”.
Destarte, as reivindicações dos servidores públicos devem cingir-
se a melhorias de cunho social, relativas a matérias que não afrontem o
regime constitucional aplicável.311
Questão interessante diz respeito à licença concedida ao servidor
para exercício de mandato classista. Com efeito, a licença, remunerada
ou não, para membros de diretoria de sindicatos, não se confunde com
o direito de livre associação profissional ou sindical, tampouco com a
garantia da vedação de dispensa ou de qualquer punição de empregado
ou servidor sindical a partir do registro da candidatura.312
A licença é ato administrativo que depende de previsão legal, cuja
iniciativa, por se tratar de matéria afeta a regime jurídico, é privativa do
Chefe do Executivo de cada ente federativo, conforme dispõe a norma
inserta no art. 61, II, “a”, da Constituição da República, cuja observância
é obrigatória pelo princípio da simetria.
O Estatuto dos Servidores Federais assegura ao servidor a
concessão de licença para desempenho de representação classista, sem
remuneração,313 sendo o tempo de afastamento contado como efetivo
exercício.314

311
Di Pietro ressalva que “o exercício do direito de greve poderá, quando muito, atuar como
pressão sobre o Poder Público, mas não poderá levar os servidores a negociações coletivas,
com o sem participação de sindicatos, com o fito de obter aumento da remuneração” (DI
PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 28. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 696).
312
Esta garantia está prevista no artigo 8º, VIII, da Constituição da República, aplicável aos
servidores públicos: Art. 8º. É livre a associação profissional ou sindical, observado o
seguinte: [...] VIII - é vedada a dispensa do empregado sindicalizado a partir do registro da
candidatura a cargo de direção ou representação sindical e, se eleito, ainda que suplente,
até um ano após o final do mandato, salvo se cometer falta grave nos termos da lei.
313
Lei nº 8.112/90, art. 92. É assegurado ao servidor o direito à licença sem remuneração para
o desempenho de mandato em confederação, federação, associação de classe de âmbito
nacional, sindicato representativo da categoria ou entidade fiscalizadora da profissão ou,
ainda, para participar de gerência ou administração em sociedade cooperativa constituída
por servidores públicos para prestar serviços a seus membros, observado o disposto na
alínea c do inciso VIII do art. 102 desta Lei, conforme disposto em regulamento e observados
os seguintes limites: I - para entidades com até 5.000 (cinco mil) associados, 2 (dois)
servidores; II - para entidades com 5.001 (cinco mil e um) a 30.000 (trinta mil) associados,
4 (quatro) servidores; III - para entidades com mais de 30.000 (trinta mil) associados, 8
(oito) servidores. §1º. Somente poderão ser licenciados os servidores eleitos para cargos
de direção ou de representação nas referidas entidades, desde que cadastradas no órgão
competente. §2º. A licença terá duração igual à do mandato, podendo ser renovada, no
caso de reeleição.
314
Vide art. 102, VIII, “c”, da Lei nº 8.112/90.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 184 10/03/2016 14:05:52


CAPÍTULO 8
ASSOCIAÇÃO SINDICAL E DIREITO DE GREVE
185

A Constituição do Estado de Minas Gerais, todavia, garante, no


art. 34,315 a liberação do servidor para exercício de mandato eletivo em
diretoria de entidade sindical representativa de servidores públicos sem
prejuízo da remuneração e dos demais direitos e vantagens do seu cargo.
A nosso aviso, porém, a norma em comento padece de vício
formal de inconstitucionalidade, na medida em que, como já afirmado
alhures, por se tratar de regime jurídico, insere-se no rol de competências
privativas do Chefe do Executivo, não podendo ser tratado, portanto,
na Constituição Estadual.316 317

315
Art. 34. É garantida a liberação do servidor público para exercício de mandato eletivo
em diretoria de entidade sindical representativa de servidores públicos, de âmbito
estadual, sem prejuízo da remuneração e dos demais direitos e vantagens do seu cargo.
§1º. Os servidores eleitos para cargos de direção ou de representação serão liberados, na
seguinte proporção, para cada sindicato: I - de 1.000 (mil) a 3.000 (três mil) filiados, 1 (um)
representante; II - de 3.001 (três mil e um) a 6.000 (seis mil) filiados, 2 (dois) representantes;
III - de 6.001 (seis mil e um) a 10.000 (dez mil) filiados, 3 (três) representantes; IV - acima de
10.000 (dez mil) filiados, 4 (quatro) representantes. §2º. O Estado procederá ao desconto,
em folha ou ordem de pagamento, de consignações autorizadas pelos servidores públicos
civis das administrações direta e indireta em favor dos sindicatos e associações de
classe, efetuando o repasse às entidades até o quinto dia do mês subseqüente ao mês de
competência do pagamento dos servidores, observada a data do efetivo desconto.
316
O Supremo Tribunal Federal, na ADI nº 895-1/RS, em matéria idêntica, decidiu pela
inconstitucionalidade, por vício formal, da norma estadual, de iniciativa da Assembleia
Legislativa, que dispensava servidores para o exercício de mandato eletivo em entidade de
classe ou sindical. O relator, Ministro Ilmar Galvão, assim decidiu, no que foi acompanhado
à unanimidade de votos: “A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é pacífica ao
considerar as normas básicas de processo legislativo constantes da Constituição Federal
como de observância compulsória pelos Estados-membros, estando aí incluídas as regras
relativas à iniciativa reservada prevista no §1º. Do art. 61 do texto constitucional. Nesse
sentido, entre outros precedentes, ADI 766, Rel. Min. Sepúlveda pertence, D.J. de 11.12.98;
ADIMC 872, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, D.J. de 06.08.93; e ADIMC 1.060, Rel. Min. Celso
de Mello, D.J. de 23.09.94. A alínea c do inc. II do §1º. do art. 61 da Constituição Federal
é precisa ao determinar a iniciativa privativa dos chefes do Poder Executivo em relação
às leis que disponham sobre servidores públicos e seu regime jurídico. A Lei nº. 9.536/92,
do Estado do Rio Grande do Sul, como relatado, dispõe sobre a dispensa de servidores
públicos eleitos para mandatos em entidades de classe ou sindical, tendo resultado da
aprovação de projeto de iniciativa parlamentar, circunstância reconhecida pela Assembléia
Legislativa gaúcha. Dessa forma, evidente a violação ao disposto no art. 61, §1º., inc. II, c,
da Carta da República, meu voto julga procedente a presente ação direta, declarando a
inconstitucionalidade da Lei nº. 9.536, de 10.03.1992, do Estado do Rio Grande do Sul”.
317
No mesmo sentido já decidiu o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais: Ementa:
Apelação Cível. Administrativo. Servidor público municipal. Licença sindical. Município
de Belo Horizonte. Inconstitucionalidade da Lei Municipal. Sentença reformada, em
reexame necessário. Recurso de apelação conhecido e provido. 1. A licença remunerada
para membros da diretoria de sindicato não se confunde com o direito de livre associação
profissional ou sindical, com a garantia da vedação de dispensa ou de qualquer punição
de empregado ou servidor sindical a partir do registro da candidatura, previsto no art.
8º, VIII, da Constituição da República. 2. A licença mencionada constitui vantagem
decorrente do regime jurídico dos servidores que depende de lei, cuja iniciativa é privativa
do Chefe do Executivo, conforme dispõe a norma inserta no art. 61, II, a, da Constituição
da República, cuja observância é obrigatória pelo princípio da simetria. 3. O Supremo

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 185 10/03/2016 14:05:52


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
186 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

Àqueles que defendem a possibilidade de as Constituições


Estaduais e Leis Orgânicas Municipais poderem tratar da matéria, fato
é que a Constituição Estadual, ao prever a licença com vencimento,
restringe-se ao âmbito da Administração Estadual, pois, tratando-se de
matéria afeta a regime jurídico, cada ente federado possui autonomia
para dispor sobre o tema.

8.2 Direito de greve


O inciso VII, do art. 37, da Constituição da República disciplina o
direito de greve dos servidores públicos.318 A norma não possui aplica-
bilidade imediata, dependendo da edição de lei regulamentadora para
a produção da totalidade de seus efeitos.319
O tema foi, por diversas vezes, objeto de análise pelo Supremo
Tribunal Federal, que, inicialmente, consignou que o alcance da decisão
judicial se limita à declaração de existência ou inexistência da mora
legislativa alegada.320 Contudo, após diversas declarações da omissão
inconstitucional, a Suprema Corte acabou por determinar a aplicação,
no que couber, da Lei nº 7.783/89, que regula o direito de greve dos
trabalhadores em geral, até a promulgação da lei específica de que
cuida o dispositivo constitucional em tela, consagrando, dessa forma,
a chamada “teoria concretista geral”.321
Na oportunidade, afirmou-se a necessidade de o Poder Judiciário
complementar, casuisticamente, a regulamentação do direito de greve
em análise, já que a Lei nº 7.783/89 seria insuficiente para discipliná-lo
no âmbito dos serviços públicos, cuja paralisação afeta, antes de tudo,

Tribunal Federal tem jurisprudência consolidada no sentido de ser vedado ao Poder


Constituinte Decorrente dos entes federados, sob pena de ofensa ao princípio da iniciativa
exclusiva do Chefe do Poder Executivo, estabelecer normas que desconsiderem referida
reserva administrativa. 4. Inconstitucional é a norma da Lei Orgânica do Município de Belo
Horizonte que garante o direito à licença remunerada de dirigente de sindicato, por ofensa
ao art. 61, 61, II, a, da Constituição da República (TJMG. AC nº 1.0024.10.039777-7/003, Rel.
Des. Bitencourt Marcondes, Oitava Câmara Cível, j. em 09.02.2012, DJe, 16 fev. 2012).
318
Art. 37, VII, CR/88: O direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em
lei específica.
319
Di Pietro ressalta que, como a matéria de servidor público não é privativa da União, cada
esfera de governo deve regulamentar o dispositivo por lei própria (DI PIETRO, Maria
Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 28. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 694-695).
320
Vide decisões proferidas nos seguintes julgamentos: MI nº 20/DF, Rel. Min. Celso de Mello,
j. em 19.05.1994, DJ, 22 nov. 1996; MI nº 585/TO, Rel. Min. Ilmar Galvão, j. em 15.05.2002, DJ,
02 ago. 2002; e MI nº 485/MT, Rel. Min. Maurício Correa, j. em 25.04.2002, DJ, 23 ago. 2002.
321
Os acórdãos proferidos no julgamento dos Mandados de Injunção nºs 670, 708 e 712 tratam
com clareza a questão.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 186 10/03/2016 14:05:53


CAPÍTULO 8
ASSOCIAÇÃO SINDICAL E DIREITO DE GREVE
187

a própria coletividade, mormente levando-se em consideração a


essencialidade do serviço e o risco que sua interrupção pode representar
para a sociedade.
Com efeito, a omissão do Poder Constituído não pode prevalecer
sobre a própria previsão constitucional, porque o princípio da força
normativa determina a cogência das normas constitucionais. Em razão
disso, a inércia legislativa não pode servir de fundamento para que a
norma constitucional não seja efetivamente aplicada.
Portanto, até que seja editada a lei específica regulamentadora do
direito de greve dos servidores públicos, não se pode dizer que qualquer
movimento grevista seja eivado de ilegalidade. Ao contrário, não se
pode negar o direito constitucionalmente previsto, e deve ser aplicada,
analogicamente, a Lei que regula o direito de greve para trabalhadores
da iniciativa privada, Lei nº 7.783/89, devendo o Poder Judiciário pro-
ceder à análise de cada caso concreto.
Por tal razão é que o Supremo Tribunal Federal não admite a
aplicação da penalidade de demissão ou exoneração de servidor em
estágio probatório que tenha aderido ao movimento paredista. Com
efeito, a Suprema Corte já declarou inconstitucional Decreto expedido
pelo Governador do Estado de Alagoas que previa imediata exoneração
de servidor não estável que paralisasse suas atividades a título de greve.
A hipótese é ilustrativa, pois seu julgamento teve início anteriormente
às paradigmáticas decisões proferidas nos mandados de injunção su-
pracitados, e, posteriormente, houve clara mudança no entendimento
aplicado. Considerou-se, no caso, que a previsão normativa de ime-
diata exoneração de servidor em estágio probatório que participe de
movimento grevista viola a garantia constitucional assegurada a todos
os servidores, “na medida em que inclui, entre os fatores de avaliação
do estágio probatório, o exercício não abusivo do direito de greve”.322
Consigne-se, contudo, a possibilidade de a Administração
Pública, independentemente da legitimidade do movimento paredista,
descontar os dias não trabalhados. Isso porque, de acordo com a
legislação trabalhista aplicável (art. 7º, da Lei nº 7.783/89),323 a falta
em virtude de greve (ainda que não abusiva) é, a princípio, hipótese

322
Registre-se, conforme destacado no voto proferido pelo Ministro Gilmar Mendes, que a de-
cisão proferida não implica que não se possa analisar, em cada caso, na avaliação do estágio
probatório, o exercício abusivo do direito de greve, desde que devidamente caracterizado em
processo administrativo específico. Vide ADI nº 3.235/AL, Rel. Min. Carlos Velloso, Rel. p/ ac.
Min. Gilmar Mendes (art. 38, II, RISTF), Tribunal Pleno, j. em 04.02.2010, Dje, 12 mar. 2010.
323
Lei nº 7.783/89, art. 7º. Observadas as condições previstas nesta Lei, a participação em greve
suspende o contrato de trabalho, devendo as relações obrigacionais, durante o período, ser
regidas pelo acordo, convenção, laudo arbitral ou decisão da Justiça do Trabalho.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 187 10/03/2016 14:05:53


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
188 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

de suspensão do contrato de trabalho, não ensejando o pagamento da


contraprestação. Ademais, a contagem dos dias de paralisação como de
efetivo exercício sem a contraprestação laboral do servidor implicaria
verdadeiro locupletamento ilícito deste à custa do erário.324
Por expressa vedação constitucional, o direito de greve e a
associação sindical são vedados aos militares.325
Além disso, importante ressaltar, conforme consignado no
julgamento da Reclamação nº 6.568/SP, que os servidores públicos que
desempenham atividades relacionadas à manutenção da ordem pública
(como policiais civis, por exemplo) também não são titulares do direito
de greve. Igualmente não o são aqueles que desempenham atividades
indelegáveis, as chamadas carreiras de Estado (membros de Poder e do
Ministério Público) e atividades relacionadas à saúde pública.326

324
Nesse sentido decidiu a 8ª Câmara Cível, em processo de minha relatoria: Ementa: Ape-
lação Cível - Reexame necessário - Direito de greve - Servidor público do Município de
Contagem/MG - Desconto do período não trabalhado por parte da Administração - Possi-
bilidade - Reposição - Ônus da prova que incumbe à autora - Direito de contagem dos dias
repostos como de efetivo exercício para todos os fins de direito - Recurso parcialmente pro-
vido - Sentença reformada. 1. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento dos Mandados
de Injunção nº 670, 708 e 712, por unanimidade, reconheceu a omissão legislativa no que
tange a regulamentação do direito de greve dos servidores públicos, previsto no art. 37, VII,
da CF, e, por maioria, consagrando a teoria concretista geral, determinou a aplicação, no
que couber, da Lei nº 7.783/89, que regula o direito de greve dos trabalhadores em geral, até
a promulgação da lei específica de que cuida o dispositivo constitucional em tela. 2. A prin-
cípio, a Administração Pública, independentemente da legitimidade do movimento pare-
dista, pode descontar os dias não trabalhados, se não forem devidamente repostos. É que a
contagem dos dias de paralisação como de efetivo exercício sem a contraprestação laboral
do servidor implicaria verdadeiro locupletamento ilícito deste à custa do erário. 3. Compro-
vado pela autora que alguns dias relativos aos períodos em que sua categoria esteve parali-
sada por motivo de greve foram objeto de reposição, eles devem ser contados como tempo
de efetivo exercício para todos os fins de direito (TJMG. AC nº 1.0079.12.004700-0/001. Rel.
Des. Bitencourt Marcondes. Oitava Câmara Cível, j. em 08.08.2013, DJe, 19 ago. 2013).
325
Art. 142, §3º, IV, CR/88.
326
Cito trecho do voto proferido pelo Ministro Eros Grau, relator da Reclamação nº 6.568/
SP: “[...] Os servidores públicos são, seguramente, titulares do direito de greve. Essa é a
regra. Ocorre, contudo – disse-o então e não tenho pejo em ser repetitivo – que entre os
serviços públicos há alguns que a coesão social impõe sejam prestados plenamente, em sua
totalidade. Referia-me especialmente aos desenvolvidos por grupos armados. As atividades
desenvolvidas pela polícia civil são análogas, para esse efeito, às dos militares, em relação
aos quais a Constituição expressamente proíbe a greve (art. 142, §3º, IV). É certo, além disso,
que a relativização do direito de greve não se limita aos policiais civis. A exceção estende-
se a outras categorias. Servidores públicos que exercem atividades das quais dependam a
manutenção da ordem pública e a segurança pública, a administração da justiça – onde as
carreiras de Estado, cujos membros exercem atividades indelegáveis, inclusive as de exação
tributária – e a saúde pública não estão inseridos no elenco dos servidores alcançados por
aquele direito. [...]” (STF. Rcl nº 6.568, Rel. Min. Eros Grau, Tribunal Pleno, j. em 21.05.2009,
DJe, 25 set. 2009).

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 188 10/03/2016 14:05:53


CAPÍTULO 9

ESTATUTO DOS SERVIDORES DA UNIÃO


FEDERAL – PONTOS RELEVANTES

9.1 Introdução
Conforme ressaltado em tópico anterior, a redação original do
caput do art. 39 da Constituição da República determinou que os entes
federativos instituam, cada um no âmbito de sua competência, regime
jurídico único e planos de carreira para os servidores da Administração
direta, autárquica e fundacional.327 Desta forma, a União Federal editou
a Lei nº 8.112/90, instituindo o “Regime Jurídico dos Servidores Civis da
União, das autarquias e das fundações públicas federais”.328 No presente
Capítulo, serão apresentados, de forma sistematizada, os principais
temas constantes do Estatuto Federal.

327
Conforme destacado, o dispositivo foi posteriormente alterado pela Emenda Constitucional
nº 19/98, que acabou com a exigência inicial. Contudo, o Supremo Tribunal Federal, em
razão de vícios formais na aprovação do dispositivo alterador do artigo, deferiu medida
cautelar na ADI nº 2.135, determinando o restabelecimento da redação original, ou seja, do
regime jurídico único, com efeitos não retroativos.
328
O Estado de Minas Gerais, por exemplo, permaneceu com seu regime jurídico único do
servidor civil instituído por meio da Lei nº 869/52, nos pontos em que foi recepcionada
pela ordem constitucional, e pela Lei nº 10.254/90.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 189 10/03/2016 14:05:53


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
190 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

9.2 Vacância, remoção e redistribuição


a) Vacância
A vacância é o fato administrativo que acarreta a desocupação do
cargo público, ou seja, que o torna vago, sem titular. Trata-se de uma
“situação fática funcional”,329 da qual pode decorrer, simultaneamente,
o provimento de outro cargo.
Marçal Justen Filho, ao tratar do tema, observa que a vacância
poderá decorrer de ato administrativo unilateral ou em razão de fato
jurídico (falecimento).330
Nessa seara, o Estatuto Federal dispõe que a vacância do cargo
público será decorrente de: exoneração, demissão, promoção, readaptação,
aposentadoria, posse em outro cargo inacumulável e falecimento.331 332
Tanto a exoneração quanto a demissão são atos administrativos que
extinguem o vínculo do servidor com a Administração, mas, enquanto
esta se consubstancia na dispensa com caráter punitivo em razão da
prática de alguma infração administrativa,333 aquela não possui tal
característica, porque se baseia em ato praticado no interesse do próprio
servidor ou da Administração.
A promoção, como já afirmado, consiste na elevação do servidor
dentro da própria carreira, escalonada em classes, acarretando
desocupação do cargo inicialmente ocupado pelo servidor promovido.
A readaptação, também já tratada em tópico específico, tem como
consequência a vacância do cargo inicial, porque o servidor é investido
em cargo diverso em virtude de limitações físicas ou mentais que tenha
sofrido.
A aposentadoria leva ao desfazimento do vínculo funcional do
agente com o serviço público, da qual decorre, logicamente, a vacância
do cargo e o surgimento de nova relação jurídica, agora de natureza
previdenciária.
A Lei prevê, ainda, no art. 33, VIII, que a vacância se dará
quando houver posse em cargo inacumulável. Nesse caso, deve-se atentar

329
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 27. ed. São Paulo:
Atlas, 2014. p. 628.
330
JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 16. ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 1.001.
331
Lei nº 8.112/90, art. 33.
332
Na mesma linha, dispõe a Lei Mineira em seu art. 103.
333
O instituto da demissão, em se tratando de penalidade, somente pode ser aplicado nas
hipóteses legalmente previstas em rol taxativo. O tema será tratado detalhadamente no
capítulo referente ao Processo Administrativo.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 190 10/03/2016 14:05:53


CAPÍTULO 9
ESTATUTO DOS SERVIDORES DA UNIÃO FEDERAL – PONTOS RELEVANTES
191

para a norma inserta no art. 133 daquele mesmo diploma, segundo a


qual, constatada a acumulação ilícita, constitui dever da autoridade
competente notificar o servidor para apresentar opção, que, uma vez
feita, enseja a exoneração no outro cargo.334
Questão interessante é a designação de servidor detentor de
cargo efetivo que toma posse em cargo em comissão, que, a toda
evidência, não é acumulável. A vacância ocorre no cargo que ocupava,
podendo ser preenchido por outro. Em caso de exoneração do cargo
comissionado, o servidor retornará a ocupar seu respectivo cargo, mas
não necessariamente no mesmo setor, até porque não possui direito
à inamovibilidade. Dito de outro modo, se o cargo vago houver sido
provido, o servidor exonerado do cargo comissionado deverá ocupar
outro, com as mesmas atribuições, cuja lotação ficará a critério da
Administração.

a.1) Exoneração
Entre as hipóteses de vacância do cargo, importante tecer algumas
considerações a respeito da exoneração, que, conforme ressaltado, não
possui caráter punitivo.
O Estatuto da União estabelece que, em se tratando de cargo
efetivo, a exoneração poderá ocorrer a pedido do servidor ou no interesse
da Administração.
Quando a exoneração se der a pedido do servidor, necessária a
manifestação voluntária de interesse no desligamento do cargo, não
cabendo à Administração questionar os motivos pessoais que levaram
à desvinculação do serviço público, na medida em que o exercício do
cargo público é renunciável a qualquer tempo.
Contudo, a própria Lei nº 8.112/90 estabelece restrição a esse
pedido, quando, no art. 172, caput, prevê a impossibilidade de concessão
de exoneração ou aposentadoria voluntárias ao servidor que responde a
processo disciplinar até a conclusão do feito e o cumprimento da pena,
quando aplicada.335 Referido processo, todavia, deve ser concluído em

334
O tema foi tratado com detalhes no item referente à inacumulabilidade dos cargos
públicos.
335
Mandado de Segurança. Administrativo. Processo Administrativo Disciplinar. Pretensão
de anulação do PAD, por ilegalidade do ato instaurador. Perda do objeto. 1. Segundo
o art. 172, caput, da Lei n. 8.112/90, o servidor que responder a processo disciplinar só
poderá aposentado voluntariamente, após a conclusão do processo e o cumprimento da
penalidade, acaso aplicada. 2. Na hipótese, ao impetrante foi concedida aposentadoria
voluntária, com proventos integrais e paridade, correspondentes ao subsídio do cargo
efetivo (Portaria de Pessoal AGU n. 753, de 03 de junho de 2009, publicada em 05/06/2009).
3. Assim, tendo o impetrante sido aposentado voluntariamente, com proventos integrais e

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 191 10/03/2016 14:05:53


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
192 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

tempo razoável, haja vista a existência de prazos a serem respeitados


pela Administração Pública na apuração dos fatos e posterior prolação
da decisão (arts. 152, caput,336 e 167),337 sob pena de ilegalidade do
ato indeferitório, tal como reiteradamente vem decidindo o Superior
Tribunal de Justiça.338

paridade - correspondentes ao subsídio do cargo efetivo, o presente mandamus resultou


prejudicado por perda de objeto. 4. Mandado de segurança prejudicado (STJ. MS nº 8.853/
DF, Rel. Minª. Alderita Ramos de Oliveira – Desembargadora Convocada do TJ/PE –,
Terceira Seção, j. em 12.06.2013, DJe, 24 jun. 2013).
336
Art. 152. O prazo para a conclusão do processo disciplinar não excederá 60 (sessenta)
dias, contados da data de publicação do ato que constituir a comissão, admitida a sua
prorrogação por igual prazo, quando as circunstâncias o exigirem.
337
Art. 167. No prazo de 20 (vinte) dias, contados do recebimento do processo, a autoridade
julgadora proferirá a sua decisão. §1º. Se a penalidade a ser aplicada exceder a alçada da
autoridade instauradora do processo, este será encaminhado à autoridade competente,
que decidirá em igual prazo. §2º. Havendo mais de um indiciado e diversidade de sanções,
o julgamento caberá à autoridade competente para a imposição da pena mais grave; §3º. Se
a penalidade prevista for a demissão ou cassação de aposentadoria ou disponibilidade, o
julgamento caberá às autoridades de que trata o inciso I do art. 141. §4º. Reconhecida pela
comissão a inocência do servidor, a autoridade instauradora do processo determinará o
seu arquivamento, salvo se flagrantemente contrária à prova dos autos.
338
Administrativo. Agravo Regimental no Recurso Especial. Pedido de aposentadoria
voluntária. Processo Administrativo Disciplinar. Extrapolação de prazo para julgamento.
Art. 172 da Lei n. 8.112/90. Inaplicabilidade. 1. O acórdão recorrido encontra-se em
consonância com o entendimento jurisprudencial firmado por esta Corte de Justiça,
no sentido de que, em caso de inobservância de prazo razoável para a conclusão do
processo administrativo disciplinar, inexiste ilegalidade na concessão do pedido de
aposentadoria do servidor. 2. Agravo regimental improvido. (STJ. AgRg no REsp 1177994/
DF, Rel. Min. Nefi Cordeiro, Sexta Turma, j. em 22.09.2015, DJe, 19.outubro.2015);
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. AUSÊNCIA DE
PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211/STJ. SERVIDOR PÚBLICO. PENDÊNCIA DE
PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. DEFERIMENTO DE APOSENTADORIA
AO SERVIDOR. POSSIBILIDADE. CASSAÇÃO DE APOSENTADORIA. CABIMENTO.
1. Este Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento, cristalizado no enunciado
da Súmula 211/STJ, segundo o qual a mera oposição de embargos declaratórios não é
suficiente para suprir o requisito do prequestionamento, sendo indispensável o efetivo
exame da questão pelo acórdão objurgado. Precedentes. 2. Não sendo observado prazo
razoável para a conclusão do processo administrativo disciplinar, não há falar em
ilegalidade, à luz de uma interpretação sistêmica da Lei nº 8.112/90, do deferimento de
aposentadoria ao servidor. Com efeito, reconhecida ao final do processo disciplinar a
prática pelo servidor de infração passível de demissão, poderá a Administração cassar
sua aposentadoria, nos termos do artigo 134 da Lei nº 8.112/90. 3. Agravo regimental
improvido. (STJ. AgRg no REsp 916.290/SC, Relª. Minª. Maria Thereza de Assis Moura,
Sexta Turma, j. em 26.10.2010, DJe, 22 nov.2010); ADMINISTRATIVO. SERVIDOR
PÚBLICO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. APOSENTADORIA.
POSSIBILIDADE. INTELIGÊNCIA DO ART. 172, DA LEI 8.112/90. - A interpretação
sistemática dos dispositivos da Lei 8.112/90 remete à conclusão de que o processo
administrativo disciplinar deve ser concluído no prazo máximo de 140 dias, ou seja, 120
dias para a apuração e 20 dias para o julgamento. - Resulta ilegal o ato que indeferiu
pedido de aposentadoria, por aplicação equivocada da disposição contida no art. 172 do
Estatuto dos Servidores Civis, na hipótese em que o processo disciplinar perdura por cerca

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 192 10/03/2016 14:05:53


CAPÍTULO 9
ESTATUTO DOS SERVIDORES DA UNIÃO FEDERAL – PONTOS RELEVANTES
193

De outro lado, a lei confere à Administração a possibilidade de


exoneração do servidor quando for de seu interesse, mas somente em
02 (duas) situações, quais sejam: (i) quando não satisfeitas as condições
do estágio probatório, ou (ii) quando, tendo tomado posse, o servidor
não entrar em exercício no prazo estabelecido.339
Também ensejará exoneração a anulação do ato de investidura,
por vício de legalidade, cuja ocorrência pode se dar, por exemplo, com
a constatação de vícios no concurso público.
Nesse ponto, cumpre consignar que o Supremo Tribunal Federal já
decidiu pela desnecessidade de instauração de processo administrativo
prévio para a exoneração de aprovados em certame anulado em sede de
ação direta de inconstitucionalidade. No caso, o Plenário da Suprema
Corte havia decidido pela inconstitucionalidade da Lei nº 157/90 e do
Decreto nº 1.520/90, ambos do Estado do Tocantins, que estabeleciam
que o título de “pioneiro do Tocantins” deveria obrigatoriamente ser
considerado para fins de pontuação em concursos públicos. Como a
anulação dos diplomas já fora discutida pelo Tribunal, e a invalidação
do certame decorria exclusivamente daquela decisão, a exoneração dos
servidores aprovados nessa condição prescindiria da prévia instauração
de processo administrativo, em virtude da aplicação do princípio da
autotutela administrativa e do enunciado da Súmula nº 473.340
Por fim, importante frisar que, como já ressaltado em Capítulo
anterior, a Emenda Constitucional nº 19/98 criou nova hipótese de
exoneração de servidor, com intuito de cumprimento dos limites
estabelecidos para despesa com pessoal. A norma contida no art. 169,
§3º, determina que a Administração deva proceder à exoneração de
servidores não estáveis, após a redução em pelo menos 20% (vinte por
cento) das despesas com cargos em comissão e funções de confiança.

de 11 anos, ainda pendente de conclusão. - Recurso especial não conhecido (STJ. REsp nº
371.138/PR, Rel. Min. Vicente Leal, Sexta Turma, j. em 04.06.2002, DJ, 1º jul. 2002).
339
O art. 15 da Lei nº 8.112/90 concede ao servidor o prazo de 15 dias, contados da data da
posse, para entrar em exercício, prevendo, no §2º, a consequente exoneração do cargo ou a
não efetivação da designação para função de confiança.
340
Confira-se: Ementa: Reclamação. Descumprimento da Ação Direta de Inconstitucionalidade
n. 518/TO. Concessão de pontos aos detentores do título de “Pioneiros do Tocantins”.
Anulação do concurso público por decisão judicial. Desnecessidade de instauração de
processo administrativo prévio para exoneração dos aprovados. 1. A decisão proferida
pelo Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade 598/TO acarretou
a nulidade de todo o certame e, conseqüentemente, dos atos administrativos que dele
decorreram. 2. O estrito cumprimento da decisão proferida por este Supremo Tribunal
Federal torna desnecessária a instauração de processo administrativo prévio à exoneração
dos candidatos aprovados. 3. Reclamação julgada procedente (STF. Rcl nº 5.819, Relª. Minª.
Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, j. em 20.05.2009, DJe, 19 jun. 2009).

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 193 10/03/2016 14:05:53


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
194 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

Ainda, se tais medidas não se mostrarem suficientes, o §4º autoriza que


o servidor estável perca seu cargo, “desde que o ato normativo motivado
de cada um dos Poderes especifique a atividade funcional, o órgão ou
unidade administrativa objeto da redução de pessoal”. Nesse caso, o
servidor fará jus à indenização, cujo valor corresponderá a 01 (um) mês
de remuneração por ano de serviço.341
A Lei Federal nº 9.801, de 14 de junho de 1999, regulamenta a
matéria como norma geral.
Quando se tratar de cargo em comissão, a exoneração dar-se-á a
pedido do servidor ou a juízo da autoridade competente.342

b) Remoção e redistribuição
A remoção consiste no ato administrativo que acarreta o desloca-
mento do servidor, dentro do mesmo quadro, podendo ou não haver
mudança de localidade (sede). Consigne-se não se tratar de forma de
provimento, porque não ocasiona mudança de cargo, distinguindo-se,
assim, da transferência, modalidade de provimento derivado declarada
inconstitucional pela Suprema Corte, como já ressaltado.
O art. 36 do Estatuto, com a redação dada pela Lei nº 9.527/97,
estabelece 03 (três) modalidades de remoção,343 quais sejam: (i) de ofício,
no interesse da Administração; (ii) a pedido, a critério da Administração;
ou (iii) a pedido, para outra localidade, independentemente do interesse
da Administração.344
A primeira hipótese insere-se na discricionariedade do Poder
Público por dizer respeito à organização do serviço, o que implica afirmar
que o administrador possui liberdade para, de acordo com o interesse da
Administração, auferir a conveniência na prática de tal ato, bem como
o momento oportuno de fazê-lo.

341
A Constituição Mineira, na mesma linha, determina, para o cumprimento dos referidos
limites, as seguintes providências: redução de pelo menos 20% (vinte por cento) das despesas
com cargos em comissão e funções de confiança; a exoneração de servidor não estável, que
conte menos de três anos de efetivo exercício no Estado; e a dispensa ou exoneração de
servidor não estável, observando-se, nesta última hipótese, os critérios de menor tempo de
efetivo exercício e de avaliação de desempenho, na forma da lei (art. 27, §3º).
342
Lei nº 8.112/90, art. 35.
343
A remoção do servidor para trabalhar em localidade diversa, desde que no interesse da
Administração, enseja pagamento de ajuda de custo a título indenizatório (art. 53 da Lei nº
8.112/90), que será tratada em tópico adiante.
344
No âmbito do Estatuto Mineiro, a remoção é permitida a pedido do servidor ou decorrente
de ato de ofício da Administração, “de uma para outra repartição ou serviço ou de um para
outro órgão de repartição ou serviço”, respeitada a lotação de cada repartição ou serviço
(art. 80).

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 194 10/03/2016 14:05:53


CAPÍTULO 9
ESTATUTO DOS SERVIDORES DA UNIÃO FEDERAL – PONTOS RELEVANTES
195

Assim, o servidor, salvo raras exceções, não detém a prerrogativa


de, enquanto permanecer no serviço público, exercer a mesma função,
no mesmo lugar e nas mesmas condições, e, a contrario sensu, não pode
invocar direito subjetivo para compelir a Administração a proceder a
alterações na forma de organização do serviço, na medida em que é o
servidor quem deve se adaptar às necessidades administrativas.
Em regra, portanto, a remoção de servidor público sujeita-se ao
juízo de conveniência e oportunidade da Administração, tornando-se,
nesse ponto, infenso ao crivo jurisdicional. Tal afirmativa, contudo,
não implica dizer que o ato esteja totalmente imune à análise de sua
validade, seja no aspecto da legalidade formal, seja no aspecto da sua
razoabilidade. Para tal, importante frisar que a exposição de motivos
do ato é necessária, pois consiste em ferramenta de combate à ocultação
de eventuais abusos, favorecimento e arbitrariedades no seio do Poder
Público.
Com base nesses fundamentos, a jurisprudência do Superior
Tribunal de Justiça admite a convalidação do ato de remoção ex officio,
mediante apresentação ulterior de sua justificativa, desde que a auto-
ridade competente aponte em juízo os motivos idôneos e preexistentes
que constituíram a razão determinante para a mudança de lotação do
servidor.345
De outro lado, há determinadas situações em que a remoção
constitui direito do servidor, conforme previsão legal.

345
Nesse sentido já me manifestei como relator em diversos julgados perante a 8ª Câmara
Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Confira-se, a título de exemplo: TJMG.
Ementa: Apelação Cível. Reexame necessário. Mandado de Segurança. Administrativo.
Polícia Civil. Remoção de servidor. Ausência de motivação prévia ou contemporânea.
Convalidação posterior. Possibilidade. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça.
Sentença reformada em reexame necessário. Recurso provido. 1. A remoção de servidor
público, por dizer respeito à organização do serviço, é ato discricionário, o que implica
afirmar que o administrador possui liberdade para, de acordo com seu juízo subjetivo,
auferir a conveniência na prática de tal ato, bem como o momento oportuno de fazê-lo. 2. A
exposição de motivos do ato, ainda que discricionário, consiste em importante ferramenta
de combate à ocultação de eventuais abusos, favorecimento e arbitrariedades no seio
do Poder Público, práticas intoleráveis no Estado Democrático de Direito. Daí dizer-se
que a motivação, além de suficiente, há de ser prévia ou contemporânea à expedição do
ato. 3. Não obstante, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, com arrimo na
doutrina de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, tem esposado a possibilidade
de convalidação do ato de remoção ex officio, mediante apresentação ulterior de sua
justificativa, desde que a autoridade coatora, por meio de suas informações, aponte em
juízo os motivos idôneos e preexistentes que constituíram a razão determinante para a
mudança de lotação do servidor. Precedentes: AgRg no RMS 40427/DF, Rel. Ministro
ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA TURMA, DJe 10/09/2013; REsp 1331224/MG, Rel.
Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, DJe 26/02/2013 (TJMG.
AC/RN nº 1.0024.13.254779-5/001, Rel. Des. Bitencourt Marcondes, Oitava Câmara Cível, j.
em 18.07.2014, DJ, 28 jul. 2014).

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 195 10/03/2016 14:05:53


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
196 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

Assim, com claro intuito de proteção à unidade familiar, o servidor


possui direito de remoção para acompanhar cônjuge ou companheiro
que seja também servidor público, de qualquer dos entes federados,
cujo deslocamento tenha ocorrido no interesse da Administração. Dois,
portanto, são os requisitos a serem observados: (i) o cônjuge deve ser
necessariamente servidor público e (ii) deve ter sido anteriormente
removido no interesse do Poder Público.
Ressalte-se que, diante do telos da norma, a remoção somente deve
ser concedida quando houver trauma à unidade familiar, configurado
pelo afastamento do convívio familiar entre os cônjuges, de maneira
que, se inexistia prévia coabitação entre eles, não há que se deferir o
deslocamento do servidor.346
Consigne-se ainda que o direito pode ser estendido para
empregado de entidade da Administração Indireta,347 não sendo

346
Processual Civil e Administrativo. Princípio da fungibilidade recursal. Servidor público.
Remoção para acompanhar cônjuge. Inviabilidade. Ausência de coabitação antes da remo-
ção do cônjuge. Inexistência de convivência diária e direta. Impossibilidade de trauma na
união familiar. 1. [...]. 2. Cuida-se, na origem, de Mandado de Segurança impetrado contra
a Diretora-Geral do TRE em que a impetrante requer que se acate seu pedido de remoção
para acompanhar cônjuge removido para a cidade de Curitiba/PR. 3. A impetrante, em
virtude de posse em concurso público, foi lotada no município de Ortigueira/PR. Posterior-
mente, seu cônjuge foi removido a pedido do município de Fazenda Rio Grande/PR para o
município de Curitiba/PR. 4. É certo que, antes da posse da impetrante, ambos os cônjuges
possuíam residência fixa em Curitiba/PR. Contudo, após tal fato, foi lotada no município
de Ortigueira/PR, sendo que seu cônjuge, nesse momento, exercia suas atividades no mu-
nicípio de Fazenda Rio Grande/PR, aproximadamente 31 km do município de Curitiba/
PR, onde já residia. 5. Assim, a quebra da unidade familiar resultou da posse e exercício
da servidora no cargo que atualmente ocupa, na cidade de Ortigueira, pois, anteriormente
a tal fato, tanto ela como seu cônjuge residiam no município de Curitiba/PR, sendo certo
que a lotação inicial da servidora consistiu no fato preponderante de cessação do convívio
diário do casal, e não no deslocamento posterior de seu cônjuge. 6. O STJ já decidiu que “o
trauma à unidade familiar configura-se quando ocorre o afastamento do convívio familiar
direto e diário entre os cônjuges” (AgRg no REsp 1.209.391/PB, Rel. Ministro Humberto
Martins, Segunda Turma, DJe 13.9.2011, noticiado no Informativo 482), caso em que, ine-
xistindo prévia habitação entre os cônjuges, caracterizada está a impossibilidade de remo-
ção. Precedente do STJ. 7. Inconteste que a impetrante teve que alterar seu domicílio em
virtude de aprovação em concurso público, estando ciente de que iria assumir o cargo em
local diverso da residência do marido, não possui direito subjetivo a acompanhar cônjuge
que foi removido para cidade em que já resida. 8. “A tutela à família não pode ser vista
de forma absoluta, devendo os interessados observarem o enquadramento legal para que
não se cometa injustiças ou preterição em favor de uma pequena parcela social” (AgRg
no AREsp 201.588/CE, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 8/8/2014).
9. Agravo Regimental não provido (STJ. EDcl no REsp nº 1506600/PR, Rel. Min. Herman
Benjamin, Segunda Turma, j. em 07.04.2015, DJe, 21 maio 2015).
347
STJ. Administrativo. Remoção de cônjuge servidor público federal para acompanhar
cônjuge empregado público federal. Possibilidade. Interpretação do conceito de servidor
público ampliada. [...] 1. A jurisprudência desta Corte vem ampliando o conceito de
servidor público a fim de alcançar, não apenas os vinculados à Administração direta,
como também os que exercem suas atividades em entidades da Administração Pública

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 196 10/03/2016 14:05:54


CAPÍTULO 9
ESTATUTO DOS SERVIDORES DA UNIÃO FEDERAL – PONTOS RELEVANTES
197

aplicável, entretanto, quando se tratar de empregado de empresa


privada.348
Também possui direito a ser removido o servidor por motivo de
saúde, própria ou de cônjuge, companheiro ou dependente que viva
às suas expensas, cujo objetivo consiste em garantir seu direito funda-
mental à saúde.349
A terceira hipótese em que a remoção constitui direito do servidor
ocorre quando o deslocamento se dá em razão de processo seletivo,
quando o número de interessados for superior ao número de vagas
ofertadas.350
Já a redistribuição constitui o deslocamento do cargo de provi-
mento efetivo para outro órgão ou entidade do mesmo Poder, com
objetivo de ajuste de lotação e força de trabalho às necessidades dos
serviços. O deslocamento, portanto, é do próprio cargo, e o servidor,
por conseguinte, deve acompanhá-lo, se estiver ocupando a unidade.
A norma contida no art. 37 da Lei nº 8.112/90 determina a
observação obrigatória dos seguintes requisitos: (i) interesse da
Administração; (ii) equivalência de vencimentos; (iii) manutenção da
essência das atribuições do cargo; (iv) vinculação entre os graus de
responsabilidade e complexidade das atividades; (v) mesmo nível de
qualificação profissional; e (vi) compatibilidade entre as atribuições do
cargo e as finalidades institucionais do órgão ou entidade.351

indireta. [...] (STJ. REsp nº 1511736/CE, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, j. em
24.03.2015, DJe, 30 mar. 2015).
348
Administrativo. Agravo Regimental no Recurso Especial. Servidora pública. Remoção
para acompanhar cônjuge empregado de empresa privada. Ausência de interesse da Ad-
ministração. Requisito do art. 36, inciso III, alínea “a” da Lei 8.112/1990 descumprido. Di-
reito não configurado. 1. A remoção a pedido de servidor para acompanhamento de côn-
juge ou companheiro, independentemente da existência de vaga, exige obrigatoriamente o
cumprimento de requisito específico, qual seja, que o cônjuge, servidor público, tenha sido
removido no interesse da Administração. Precedentes: REsp 1.438.400/PA, Rel. Min. Bene-
dito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 06/05/2014; AgRg no REsp 1.453..357/RN, Rel. Min.
Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 09/10/2014; AgRg no REsp 1.404.339/SE, Rel. Min.
Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 24/10/2013; AgRg no REsp 1.290.031/PE,
Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe 9/9/2013; AgRg no Ag 1.318.796/RS,
Rel. Min. Humberto Martins, DJe 9/11/2010. 2. No caso em análise, o pedido de remoção da
servidora lotada na Receita Federal na cidade do Cabo-PE para a Receita Federal do Rio de
Janeiro-RJ, foi motivado pela transferência de seu cônjuge, empregado da Embratel, para
aquela cidade, não configurando, assim, o requisito essencial previsto em lei. 3. Agravo
regimental não provido (STJ. AgRg no REsp nº 1311160/PE, Rel. Min. Benedito Gonçalves,
Primeira Turma, j. em 20.11.2014, DJe, 28 nov. 2014).
349
Conforme previsão contida no art. 36, III, “b”, da Lei nº 8.112/90.
350
Art. 36, III, “c”, da Lei nº 8.112/90.
351
Vide art. 37 da Lei nº 8.112/90.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 197 10/03/2016 14:05:54


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
198 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

A observância dos requisitos é indispensável para a legalidade da


redistribuição, pois não poderá haver ofensa ao princípio da exigência de
concurso público. Nessa seara, o Superior Tribunal de Justiça, em sede
de Recurso Especial, decidiu que a redistribuição, com deslocamento
do servidor, não pode acarretar mudança de cargo, mas somente de
quadro, constatando a inexistência de compatibilidade de atribuições
entre o cargo de assessor técnico com especialidade em ciências exatas
(cargo de origem, na Fundação Roquete Pinto) e o cargo de advogado
(Procurador Federal na UFRJ).352
A Lei estabelece que a redistribuição pode se dar independentemente
de o cargo estar ocupado ou não. Assim, se o cargo estiver ocupado,
pode a Administração decidir pelo deslocamento ou não do servidor.
Caso o servidor não seja deslocado, permanecerá em disponibilidade,
até seu adequado aproveitamento em outro cargo.

9.3 Vantagens
9.3.1 Introdução
A norma inserta no art. 39, §3º, da Constituição da República,
estendeu aos servidores civis detentores de cargo público alguns dos
direitos conferidos aos trabalhadores em geral (art. 7º da CR), quais
sejam: garantia do salário, nunca inferior ao mínimo, para os que
percebem remuneração variável; décimo terceiro salário com base na
remuneração integral ou no valor da aposentadoria; remuneração do
trabalho noturno superior à do diurno; salário-família pago em razão

Confira-se: Processual Civil e Administrativo. Ofensa ao art. 535 do CPC não configurada.
352

Ação Civil Pública. Servidor. Redistribuição. Ilegalidade. Compatibilidade de cargos não


configurada. Súmula 7/STJ. Ingresso no serviço público sem concurso. Impossibilidade.
Ressarcimento do salário percebido de boa-fé. Impossibilidade. [...] 4. Diante das provas
colhidas nos autos, constatou-se que a referida redistribuição do servidor para a UFRJ não
observou a manutenção da essência das atribuições destes cargos, a especialidade ou a
habilitação profissional do servidor, bem como a inexistência de compatibilidade entre as
atribuições dos cargos. 5. Não há como o STJ afastar as premissas estabelecidas pelo acórdão
a quo, a fim de verificar a tese defendida no Recurso Especial, nos termos da Súmula 7/STJ.
6. A redistribuição é forma de provimento que não enseja investidura em nenhum cargo,
somente deslocamento do servidor para quadro diverso, continuando este na titularidade
de seu cargo. In casu, não ocorreu deslocamento de cargo; ao contrário, o servidor deixou
o cargo de Assessor Técnico para assumir o de Advogado, sem observar a necessidade do
concurso público. 7. O ingresso em outra carreira sem concurso público fere os princípios
da igualdade, moralidade, impessoalidade e competição, que norteiam tal instituto
administrativo, constitucionalmente previsto no art. 37 da Carta Magna. [...] (STJ. REsp nº
1191888/RJ, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, j. em 07.06.2011, DJe, 15 jun. 2011).

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 198 10/03/2016 14:05:54


CAPÍTULO 9
ESTATUTO DOS SERVIDORES DA UNIÃO FEDERAL – PONTOS RELEVANTES
199

do dependente do trabalhador de baixa renda; duração do trabalho


normal não superior a 08 (oito) horas diárias e 44 (quarenta e quatro)
semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada,
mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho; repouso semanal
remunerado, preferencialmente aos domingos; remuneração do serviço
extraordinário superior, no mínimo, em 50% (cinquenta por cento) à do
normal; gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, 1/3 (um
terço) a mais do que o salário normal; licença à gestante, sem prejuízo
do emprego e do salário; licença-paternidade; proteção do mercado de
trabalho da mulher, mediante incentivos específicos; redução dos riscos
inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança;
e proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério
de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil.353
Por sua vez, o Estatuto Federal, bem como outras leis esparsas,
elencam e disciplinam uma série de outras vantagens a que os servidores
públicos fazem jus, consoante se verá adiante.

9.3.2 Conceito
Vantagens pecuniárias constituem acréscimos ao vencimento do
servidor, podendo se revestir de caráter transitório ou definitivo, e pagas,
segundo a doutrina,354 em razão do tempo de serviço (ex facto temporis),
desempenho de funções especiais (ex facto officii), exercício das funções
em condições anormais de trabalho (propter laborem), ou por conta de
condições pessoais do servidor (propter personam). As duas primeiras
são denominadas adicionais, e as últimas, gratificações.355

353
O art. 31, caput, da Carta Mineira, ainda acrescenta outros, que, “nos termos da lei, visem
melhoria de sua condição social e da produtividade e da eficiência no serviço público, em
especial o prêmio por produtividade e o adicional de desempenho”.
354
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 39. ed. São Paulo: Malheiros,
2013. p. 552.
355
A tal respeito, adverte Hely Lopes Meirelles que “a legislação, estadual e municipal, apre-
senta-se com lamentável falta de técnica e sistematização na denominação das vantagens
pecuniárias de seus servidores, confundindo e baralhando adicionais com gratificações, o
que vem dificultando ao Executivo e ao Judiciário o reconhecimento dos direitos de seus
beneficiários. Essa imprecisão conceitual é que responde pela hesitação da jurisprudência,
pois que em cada estatuto, em cada lei, em cada decreto, a nomenclatura é diversa e, não
raro, errônea, designando uma vantagem com nomen juris da outra. Urge, portanto, a ado-
ção da terminologia certa e própria do Direito Administrativo, para unidade de doutrina
e exata compreensão da natureza, extensão e efeitos das diferentes vantagens pecuniárias
que a Administração concede aos seus servidores” (In: Direito administrativo brasileiro. 39.
ed. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 554).

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 199 10/03/2016 14:05:54


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
200 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

9.3.3 Vantagens em espécie


a) Ajuda de custo
A ajuda de custo – vantagem de caráter indenizatório – é prevista
na Lei nº 8.112/90 em seu art. 53 e seguintes, e visa a “compensar as
despesas de instalação do servidor que, no interesse do serviço, passa
a ter exercício em nova sede, com mudança de domicílio em caráter
permanente” (caput), sendo devida, ainda, àquele que, não sendo
servidor da União, for nomeado para cargo em comissão, com mudança
de domicílio (art. 56).356
O benefício em questão possui por base de cálculo a remuneração
do servidor, consoante regulamento próprio, não podendo exceder a
importância correspondente a 03 (três) meses (art. 54), e compreende,
também, o pagamento das despesas com transporte do servidor e de
sua família, incluindo passagem, bagagem e bens pessoais (art. 53, §1º).
Garante, ainda, a lei, a percepção da vantagem aos dependentes
do servidor que falecer na nova sede, inclusive a de transporte, pelo
prazo de 01 (um) ano, contado do óbito (art. 53, §2º).
Veda, contudo, o pagamento da benesse: (i) nos casos de remoção
prevista nos incisos II e III, do parágrafo único, do art. 36357 (art. 53,
§3º); (ii) ao servidor que vier a se afastar do cargo ou reassumi-lo face
ao exercício de mandato eletivo (art. 55);358 e (iii) caso o cônjuge ou

356
Administrativo. Servidor público. Remoção a pedido. Ajuda de custo. Descabimento.
Decisão em consonância com a jurisprudência do STJ. Aplicação da Súmula 83/STJ. Recurso
conhecido e não provido. Ofensa ao art. 535 do CPC não configurada. [...] 2. A ajuda de
custo será devida somente ao servidor que, no interesse da administração, for trabalhar
em nova sede, com mudança de domicílio, em caráter permanente. 3. Na hipótese, o
Tribunal de origem consignou que a remoção da servidora se deu a pedido. Ajuda de
custo descabida. Precedentes do STJ. 4. Agravo Regimental não provido (STJ. AgRg no
REsp nº 1408942/AL, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, j. em 11.03.2014, DJe,
19 mar. 2014).
357
O Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar a Petição nº 8.345/SC, deu provimento ao
incidente, para uniformizar a jurisprudência da Corte no sentido de ser igualmente
indevido o pagamento do beneficio na hipótese de remoção prevista no art. 36, parágrafo
único, III, da Lei nº 8.112/90, qual seja, a pedido do servidor, independentemente do
interesse da Administração (Rel. Min. Humberto Martins, Primeira Seção, j. em 08.10.2014,
DJe, 12 nov. 2014).
358
“Não há de se conceber, por conseguinte, se o servidor, motu proprio, se afasta do serviço
que lhe compete para imprimir à própria atividade outra direção que, a seu alvedrio, mais
lhe convenha. A ajuda de custo – parece supérfluo insistir – não consiste em liberdade,
que se outorgue por motivo estranho ao rendimento do trabalho de seu beneficiário.
Nem é mesmo prêmio a serviços prestados por meritórios que seja. De tal sorte, se ao
funcionário aprouver o exercício de mandato eletivo, dispensado a ele, pelo serviço que
prestar à Administração, e não ao distinguido pela votação popular para mister que nada
tem de administrativo. Assim, quer se desloque para a ocupação de seu posto eletivo,

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 200 10/03/2016 14:05:54


CAPÍTULO 9
ESTATUTO DOS SERVIDORES DA UNIÃO FEDERAL – PONTOS RELEVANTES
201

companheiro, também na condição de servidor, resida na mesma sede


(duplo pagamento) (art. 53, caput).359
Estabelece, por fim, que “o servidor ficará obrigado a restituir a
ajuda de custo quando, injustificadamente, não se apresentar na nova
sede no prazo de 30 (trinta) dias” (art. 57).360 361
A título ilustrativo, o Estatuto do Estado de Minas Gerais,
além das hipóteses igualmente previstas no Estatuto da União acima
mencionadas, garante ao servidor o recebimento do auxílio nos casos de
designação seja para exercício de função gratificada, serviço ou estudo
fora dos limites do Estado (art. 132, caput).

b) Diárias
Dispõe o art. 58362 e seguintes da Lei nº 8.112/90, que serão devidas
diárias ao servidor que, em virtude do serviço, vier a se afastar, em

quer regresse dele para o cargo na repartição publica, tem o funcionário de arcar com
aas despesas de sua mobilização e nova instalação, a que a Administração é indiferente”
(MENEGALE, J. Guimarães. O Estatuto dos Funcionários. Rio de Janeiro: Forense, 1962. v. I,
p. 376, apud MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. Lei nº 8.112/90 interpretada e comentada. 4.
ed. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2008. p. 352).
359
“Essa ressalva, feita na parte final do presente artigo, objetiva evitar o recebimento em
duplicidade da respectiva indenização, pois se o cônjuge ou companheiro também ostenta
a condição de servidor público e vier a ter exercício na mesma sede, certamente já é
detentor da titularidade da ajuda de custo, visando custear a aludida remoção. Por já ser
titular da citada indenização, o cônjuge ou companheiro não poderá receber a indenização
de ajuda de custo concomitantemente como dependente também, visto que caracterizaria
uma indevida duplicidade de recebimento de verba” (MATTOS, Mauro Roberto Gomes de.
Lei nº 8.112/90 interpretada e comentada. 4. ed. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2008. p. 342).
360
Direito Administrativo. Servidor público federal. Ajuda de custo. Remoção para outro
município. Possibilidade. 1. O Superior Tribunal de Justiça tem entendido que “a ajuda
de custo, de que trata o art. 53 da Lei 8.112/90, será devida ao servidor que, no interesse
da administração, for servir em nova sede, com mudança de domicílio, em caráter
permanente. 2. Caso em que o acórdão assentou que a mudança de domicílio do servidor
se deu por único e exclusivo interesse da administração. Agravo regimental improvido
(STJ. AgRg no AgRg no REsp nº 1338014/RS, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda
Turma, j. em 27.03.2014, DJe, 02 abr. 2014).
361
“Comprovado, através de documentos hábeis, que houve motivo justificado para a não
apresentação à nova sede, o servidor não será obrigado a restituir a ajuda de custo.
Todavia, o agente público responsável legal pelo ato administrativo da remoção ou pelo
deslocamento do servidor para a nova sede poderá revogá-lo. Se tal providência ocorrer,
mesmo estando justificada a força maior ou o caso fortuito, o servidor público terá que
devolver, caso ele receba antecipadamente, parte da ajuda de custo, o valor que lhe foi
adiantado, pois a mudança de sede não mais se realizará. Isso ocorre vez que se trata de
ato discricionário da Administração Pública” (MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. Lei nº
8.112/90 interpretada e comentada. 4. ed. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2008. p. 360).
362
Art. 58. O servidor que, a serviço, afastar-se da sede em caráter eventual ou transitório
para outro ponto do território nacional ou para o exterior, fará jus a passagens e diárias
destinadas a indenizar as parcelas de despesas extraordinária com pousada, alimentação
e locomoção urbana, conforme dispuser em regulamento.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 201 10/03/2016 14:05:54


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
202 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

caráter eventual ou transitório, da sede da repartição, seja no território


nacional ou no estrangeiro.363

Por ocasião do julgamento do Recurso de Apelação nº 1.0620.11.001707-1/001, perante


363

a Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, consignei, na


esteira do entendimento consolidado do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais
(TCE/MG), a existência de 03 (três) possibilidades de formalização de despesas de viagem,
a saber: (i) mediante diárias de viagem, o que exige previsão em lei e regulamentação em
ato normativo próprio do respectivo Poder, com a realização de empenho prévio ordinário;
(ii) mediante regime de adiantamento, desde que tal hipótese esteja prevista expressamente
em lei do ente, conforme exigência do art. 68 da Lei Federal nº 4.320/64, com a realização
de empenho prévio por estimativa; (iii) mediante reembolso, quando não houver
regulamentação de diárias de viagem ou de regime de adiantamento, hipótese em que deve
ser realizado empenho prévio por estimativa. Na hipótese de existir a previsão normativa
de diárias de viagem, a prestação de contas poderá ser feita de forma simplificada, através
de relatório ou da apresentação de alguns comprovantes específicos relativos às atividades
exercidas na viagem, conforme exigências estabelecidas na regulamentação respectiva. Já
na segunda e terceira hipóteses, em que não há a previsão normativa de diárias de viagem,
referidas despesas feitas a serviço de órgão ou entidade pública só se consideram regulares
se houver a apresentação de todos os documentos legais comprobatórios dos gastos
realizados, e se estes estiverem de acordo com os princípios constitucionais da moralidade,
da economicidade e da razoabilidade. Nesse sentido, vale transcrever excerto do seguinte
trecho do Acórdão nº 748.370, do TCE/MG, datado de 20.03.2009, in verbis: “O mandamento
constitucional da realização da prestação de contas deve ser efetivado em cada situação
jurídica de maneira distinta, adequada à realidade do agente público e do ente respectivo.
Os valores recebidos pelo servidor público em virtude da realização de viagem a serviço
têm caráter indenizatório, sendo destinados a compensá-lo por gastos realizados com
hospedagem, alimentação e locomoção. Tais valores devem obedecer às etapas previstas em
lei para o processamento da despesa pública, entre as quais se destaca o prévio empenho
em dotação orçamentária específica. Ademais, seu pagamento deve se dar em decorrência
do exercício da função pública em município distinto daquele em que o servidor trabalha,
mediante necessidade do serviço. A concessão de diárias necessita, portanto, de motivação
para o deslocamento do agente público, demonstrando-se a existência de nexo entre suas
atribuições regulamentares e as atividades realizadas na viagem. Há três possibilidades de
formalização de despesas de viagem: 1-mediante diárias de viagem, cujo regime deve estar
previsto em lei e regulamentado em ato normativo próprio do respectivo Poder, com a
realização de empenho prévio ordinário; 2-mediante regime de adiantamento, desde que tal
hipótese esteja prevista expressamente em lei do ente, conforme exigência do art. 68 da Lei
Federal 4.320/64, com a realização de empenho prévio por estimativa; 3-mediante reembolso,
quando não houver regulamentação de diárias de viagem e nem de regime de adiantamento,
hipótese em que deve ser realizado empenho prévio por estimativa. Na hipótese de existir
a previsão normativa de diárias de viagem, a prestação de contas poderá ser feita de forma
simplificada, através de relatório ou da apresentação de alguns comprovantes específicos
relativos às atividades exercidas na viagem, conforme exigências estabelecidas na
regulamentação respectiva. Nesse sentido, ficou assentado na Consulta nº 658053: ‘[...] a não-
obrigatoriedade de se juntar documentos comprobatórios de gastos está na natureza desse
tipo de diárias, qual seja, o custeio presumível de despesas de viagem. Observe-se que,
nesse tipo de verba indenizatória, o risco é de mão dupla, pois caso o servidor ou agente
político consiga gastar menos que esperado – comendo sanduíches, dormindo em pousadas
ou andando a pé – exempli gratia, a sobra lhe pertencerá, sem que isso seja classificado como
vencimento. Mas, se o contrário se verificar, ou seja, gastos superiores aos valores das diárias,

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 202 10/03/2016 14:05:54


CAPÍTULO 9
ESTATUTO DOS SERVIDORES DA UNIÃO FEDERAL – PONTOS RELEVANTES
203

Trata-se de vantagem indenizatória que visa compensar as


despesas do servidor tidas com hospedagem, alimentação e locomoção.
Será devida pela metade quando o deslocamento do servidor
não exigir pernoite fora da sede, ou quando a União custear, por meio
diverso, as despesas extraordinárias cobertas por diárias (§1º).
Não fará o servidor jus ao benefício, nas seguintes hipóteses:
(i) quando o deslocamento da sede constituir exigência permanente
do cargo (§2º); e (ii) quando deslocar dentro da mesma região
metropolitana, aglomeração urbana ou microrregião, constituídas
por municípios limítrofes e regularmente instituídas, ou em áreas de
controle integrado mantidas com países limítrofes, cuja jurisdição e
competência dos órgãos, entidades e servidores brasileiros considera-se
estendida, salvo se houver pernoite fora da sede, hipóteses em que as
diárias pagas serão sempre as fixadas para os afastamentos dentro do
território nacional (§3º).
Se por qualquer motivo o servidor não se afastar da sede, terá
de restituir integralmente a diária recebida no prazo de 05 (cinco) dias
(art. 59).364

a Administração Pública nada complementará, daí o equilíbrio do risco.’ Já na segunda e


terceira hipótese, em que não há a previsão normativa de diárias de viagem, as despesas de
viagens feitas a serviço de órgão ou entidade pública só se consideram regulares se houver a
apresentação de todos os documentos legais comprobatórios dos gastos realizados, e se estes
estiverem de acordo com os princípios constitucionais da moralidade, da economicidade e
da razoabilidade. O exame da observância de tais princípios constitucionais será realizado
pelo ordenador de despesas, responsável pela legalidade e pela legitimidade dos gastos,
demonstradas em despacho fundamentado quando do processamento da expensa. A
necessidade de um processo complexo e completo de prestação de contas nessas hipóteses
em que não há previsão de diárias de viagem está expressa no enunciado de Súmula nº 79,
desta Casa: ‘É irregular a despesa de viagem realizada por servidor municipal que não se
fizer acompanhar dos respectivos comprovantes.’ Nesse sentido, repita-se, a exigência de
comprovantes exarada no citado entendimento jurisprudencial só se aplica às situações em
que não há a previsão normativa de diárias de viagem. Tais situações exigem prestação
de contas rigorosa, com documentos que demonstrem cada um dos gastos realizados, não
sendo suficiente a apresentação de relatório de viagem ou de apenas alguns comprovantes. É
essa a interpretação adequada quanto à aplicabilidade do enunciado de Súmula nº 79, a qual
restou assentada na Consulta nº 656186, de relatoria do Conselheiro EDUARDO CARONE,
nos seguintes termos: ‘[...] não existindo previsão do pagamento de diárias em lei e a fixação
de seu correspondente valor em ato normativo próprio, as despesas de viagens feitas a
serviço de órgão ou entidade pública, poderão ser ressarcidas mediante a apresentação
dos documentos legais comprobatórios dos gastos feitos, conforme entendimento desta eg.
Corte consubstanciado na Súmula TC n. 79” (Cf. TJMG. AC nº 1.0620.11.001707-1/001, Rel.
Des. Bitencourt Marcondes, Oitava Câmara Cível, j. em 24.04.2014, DJe, 06 maio 2014).
364
O Estatuto de Minas Gerais, no que tange às vedações, acrescenta que não será devido o
benefício: (i) caso o deslocamento do servidor seja inferior a 6h (seis horas); (ii) quando
este se der para a localidade onde aquele resida; ou, ainda, (iii) quando se tratar de sábado,

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 203 10/03/2016 14:05:54


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
204 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

c) Indenização de transporte
A indenização de transporte, prevista no art. 60 do Estatuto,365
será devida ao servidor que realizar despesas mediante utilização de
meio próprio de locomoção para a execução de serviços externos, por
força das atribuições próprias do cargo.366
O Superior Tribunal de Justiça, ao julgar Agravo Regimental no
REsp nº 830.926/SC, decidiu ser indevido o pagamento da indenização
nos casos em que o deslocamento ocorra dentro da mesma unidade da
federação, porquanto não se trataria, no caso, de execução de serviços
externos.367
Tal interpretação, a nosso aviso, extrapola os limites da norma
ao entender que a indenização em comento somente seria devida caso
o serviço fosse prestado fora da unidade da federação a que pertence o
servidor. Restringe, portanto, o direito sem que a norma o faça, invia-
bilizando, muitas vezes, a própria execução do serviço diante do custo
do deslocamento do servidor.
Não há que se confundir, todavia, o beneficio com o auxílio-
transporte, porquanto sua finalidade é compensar o servidor que se
utiliza de meios próprios de locomoção para o exercício de suas funções.
A vantagem em questão é regulamentada pelo Decreto nº 3.184/99.

d) Auxílio moradia
O auxílio moradia, contemplado no art. 60-A e seguintes do
Estatuto da União, incluídos pela Lei nº 11.355, de 19 de outubro de

domingo ou feriado, salvo se a permanência fora da sede nesses dias for conveniente ou
necessária ao serviço (art. 139, §1º, itens 2, 3 e 4) Frisa, ainda, a proibição ao pagamento
de diária cumulativamente com qualquer outra retribuição de caráter indenizatório de
despesa com alimentação e hospedagem (art. 141), assim como considera infração grave, a
ser punida na forma da lei, o recebimento indevido da vantagem em comento (art. 142).
365
Art. 60. Conceder-se-á indenização de transporte ao servidor que realizar despesas com a
utilização de meio próprio de locomoção para a execução de serviços externos, por força
das atribuições próprias do cargo, conforme se dispuser em regulamento.
366
Segundo entendimento do Superior Tribunal de Justiça, trata-se de norma de eficácia
limitada, necessitando de regulamentação para produção de seus efeitos (STJ. REsp nº
415.435/SC, Relª. Minª. Alderita Ramos de Oliveira (Desembargadora Convocada do TJ/
PE), Sexta Turma, j. em 04.04.2013, DJe, 18 abr. 2013).
367
Agravo Regimental em Recurso Especial. Servidor público. Indenização de transporte. 1.
O servidor público designado temporariamente para exercer suas funções em unidade
diversa daquela em que foi originalmente lotado, dentro da mesma unidade de federação,
não faz jus à indenização de transporte, porque não caracterizada a execução de serviços
externos. 2. Agravo regimental improvido (STJ. AgRg no REsp nº 830.926/SC, Rel. Min.
Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, j. em 17.08.2006, DJ, 05 fev. 2007).

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 204 10/03/2016 14:05:54


CAPÍTULO 9
ESTATUTO DOS SERVIDORES DA UNIÃO FEDERAL – PONTOS RELEVANTES
205

2006,368 será devido ao servidor como forma de indenizar as despesas


comprovadamente realizadas com aluguel ou hospedagem, nos
seguintes casos: (i) quando não exista imóvel funcional disponível para
uso pelo servidor; (ii) quando o cônjuge ou companheiro do servidor não
ocupe imóvel funcional; (iii) o servidor ou seu cônjuge ou companheiro
não seja ou tenha sido proprietário, promitente comprador, cessionário
ou promitente cessionário de imóvel no Município onde for exercer
o cargo, incluída a hipótese de lote edificado sem averbação de
construção, nos 12 (doze) meses que antecederem a sua nomeação;
(iv) quando nenhuma outra pessoa que resida com o servidor receba
auxílio-moradia; (v) quando o servidor tenha se mudado do local de
residência para ocupar cargo em comissão ou função de confiança do
Grupo-Direção e Assessoramento Superiores – DAS, níveis “4”, “5” e
“6”, de Natureza Especial, de Ministro de Estado ou equivalentes; (vi)
quando o Município no qual assuma o cargo em comissão ou função
de confiança não se enquadre nas hipóteses do art. 58, §3º, em relação
ao local de residência ou domicílio do servidor; (vii) quando o servidor
não tenha sido domiciliado ou tenha residido no Município, nos últimos
12 (doze) meses, aonde for exercer o cargo em comissão ou função de
confiança, desconsiderando-se prazo inferior a 60 (sessenta) dias dentro
desse período; (viii) quando o deslocamento não tenha sido por força
de alteração de lotação ou nomeação para cargo efetivo; e (ix) quando
o deslocamento tenha ocorrido após 30 de junho de 2006 (art. 60-B).
Quanto ao limite temporal da concessão da vantagem, estabelece
o art. 60-C que será deferido pelo prazo máximo de 05 (cinco) anos dentro
de um período de 08 (oito) anos, “ainda que o servidor mude de cargo
ou de Município de exercício do cargo”.
O valor do benefício é limitado a 25% (vinte e cinco por cento) do
valor do vencimento do cargo em comissão, função comissionada ou
cargo de Ministro de Estado ocupado, sendo que, independentemente
do valor do cargo em comissão ou função comissionada, garante-se a
todos os que preencherem os requisitos o ressarcimento até o valor de
R$1.800,00 (mil e oitocentos reais) (art. 60-D).
Será devido, ainda, pelo período de 01 (um) mês, o auxílio
moradia nas hipóteses de óbito, exoneração, colocação de imóvel
funcional à disposição do servidor ou aquisição de imóvel (art. 60-E).

368
Cumpre anotar que, desde a edição da Lei Federal nº 9.986/00, já havia previsão para o
pagamento da vantagem em questão aos servidores das Agências Reguladoras (art. 22).

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 205 10/03/2016 14:05:54


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
206 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

e) Retribuição pelo exercício de função de direção, chefia e


assessoramento369
A Lei nº 8.112/90 prevê, no art. 62,370 o pagamento de retribuição
ao servidor efetivo designado para o exercício de função comissionada,
cuja natureza jurídica é de gratificação.
A norma em comento transformou, no que denominou VPNI
(Vantagem Pessoal Nominalmente Identificada), a incorporação da
retribuição pelo exercício de função comissionada, cargo de provimento
em comissão ou de natureza especial aludidos nos arts. 3º e 10 da Lei nº
8.911/94, e art. 3º da Lei nº 9.624/98, ressalvando que referida vantagem
ficaria sujeita às revisões gerais de remuneração dos servidores públicos
federais (art. 62-A).
Na prática, tal dispositivo, acrescentado ao Estatuto pela Medida
Provisória nº 2.225-45, de 04 de setembro de 2001, implicou a extinção do
direito à incorporação progressiva da gratificação em comento. Assim,
os servidores que possuíam vantagens incorporadas em definitivo aos
vencimentos quando da entrada em vigor da norma em questão, tiveram
tais parcelas transformadas em VPNI, sendo, a partir de então, vedada
qualquer incorporação.

369
Administrativo. Servidor público. Art. 38, §2º, da Lei 8.112/90. Função comissionada.
Substituição. Período superior a 30 dias consecutivos. Retribuição restrita aos dias que
excederam o período de 30 dias. A Corte de origem dirimiu a controvérsia de forma clara e
fundamentada, embora de maneira desfavorável à pretensão do recorrente. Não é possível
se falar, assim, em maltrato ao art. 535, II, do Código de Processo Civil. 2. Com a edição da
MP 1.522/96, que alterou a redação do art. 38, §2º, da Lei 8.112/90, o servidor somente tem
direito à gratificação pelo exercício de função em substituição, se essa se der por mais de
trinta dias consecutivos, restringindo-se ao período que exceder os trinta dias. Precedentes. 3.
Recurso especial parcialmente provido (STJ. REsp nº 1377095/PB, Relª. Minª. Eliana Calmon,
Segunda Turma, j. em 17.09.2013, DJe, 11 out. 2013); Administrativo. Servidor público.
Designação para o desempenho de função comissionada. Encargo efetivamente exercido,
sem o pagamento da correspondente retribuição. Ação de cobrança. Prescrição da pretensão
referente ao fundo de direito. Não ocorrência. Prestação de trato sucessivo. Inexigibilidade
apenas das parcelas vencidas mais de cinco anos antes da propositura da ação. 1. Caso em
que a lesão ao direito do servidor, formalmente designado para exercer função comissionada,
ficou caracterizada no momento em que a administração deixou de pagar a retribuição
correspondente a esse encargo. Idênticas lesões foram sendo perpetradas, mês a mês, até a
data em que o pagamento correspondente à função passou a ser realizado. 2. Tratando-se,
pois, de prestação de trato sucessivo, e diante do efetivo desempenho das atribuições da
função comissionada, a prescrição somente atinge a pretensão referente às parcelas vencidas
mais de cinco anos antes da propositura da ação de cobrança. 3. Agravo regimental a que
se nega provimento (STJ. AgRg no AgRg no REsp nº 1126452/RS, Rel. Min. Marco Aurélio
Bellizze, Quinta Turma, j. em 18.04.2013, DJe, 25 abr. 2013).
370
Art. 62. Ao servidor ocupante de cargo efetivo investido em função de direção, chefia ou
assessoramento, cargo de provimento em comissão ou de Natureza Especial é devida
retribuição pelo seu exercício.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 206 10/03/2016 14:05:55


CAPÍTULO 9
ESTATUTO DOS SERVIDORES DA UNIÃO FEDERAL – PONTOS RELEVANTES
207

f) Gratificação natalina (13º salário)


A gratificação natalina, vantagem equivalente ao 13º (décimo
terceiro) salário para os empregados regidos pela Consolidação das
Leis do Trabalho, decorre diretamente da Constituição da República
(art. 7º, VIII, c/c art. 39, §3º).
O regramento está contido no Estatuto a partir do art. 63,371 e
consiste no pagamento anual do valor equivalente a 1/12 (um doze avos)
por mês da remuneração devida no mês de dezembro por mês de exer-
cício no respectivo ano, a ser quitada até o dia 20 (vinte) de dezembro
de cada ano (arts. 63 e 64).
Segundo referido diploma, a fração igual ou superior a 15 (quinze)
dias será considerada como mês integral, bem como, em caso de exone-
ração, a gratificação será proporcional aos meses de efetivo exercício,
calculada sobre o mês da dispensa (art. 63, parágrafo único, e art. 65).
Ressalva, ainda, que a benesse em comento não será considerada para
cálculo de qualquer vantagem pecuniária (art. 66).

g) Adicional pelo exercício de atividades insalubres, perigosas ou


penosas372
A Constituição da República, no art. 7º, XXIII, assegura a todo
trabalhador (aí incluídos os servidores públicos, por força do art. 39, §3º),
o direito ao recebimento de adicional de remuneração para as atividades
penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei.
Atividades insalubres são definidas como “aquelas que, por sua
natureza, condições e métodos de trabalho expõem os empregados a
agentes nocivos à saúde, acima dos limites de tolerância e da intensi-
dade do agente e do tempo de exposição a seus efeitos” (CLT, art. 189).
Periculosas são as atividades que, “por sua natureza ou métodos de tra-
balho, impliquem o contato permanente com inflamáveis ou explosivos
em condições de risco acentuado” (CLT, art. 193). Por fim, segundo a
doutrina, “penoso é o trabalho acerbo, árduo, amargo, difícil, molesto,
trabalhoso, incômodo, laborioso, doloroso, rude”.373

371
Art. 63. A gratificação natalina corresponde a 1/12 (um doze avos) da remuneração a que o
servidor fizer jus no mês de dezembro, por mês de exercício no respectivo ano. Parágrafo
único. A fração igual ou superior a 15 (quinze) dias será considerada como mês integral.
372
A Constituição do Estado de Minas Gerais, em seu art. 31, III (redação dada pela EC
nº 57/03), bem como o Estatuto Mineiro, no art. 144, preveem o pagamento do referido
adicional, nos termos, condições e limites fixados em regulamento, qual seja, o art. 13 da
Lei Estadual nº 10.745/92.
373
CRETELLA JÚNIOR, José apud OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Proteção Jurídica à Saúde
do Trabalhador. São Paulo: LTr, 1998. p. 136.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 207 10/03/2016 14:05:55


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
208 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

Referidos adicionais, na realidade, são uma gratificação de serviço,


porque constituem vantagem pecuniária atribuída ao servidor que presta
serviços comuns da função em condições anormais de segurança.374
Sem embargo do art. 39, §3º, da Constituição da República, com
alteração pela EC nº 20/98, a norma constitucional inserta no art. 7º, XXIII,
é de eficácia contida, pois a sua aplicabilidade, depende de norma infra-
constitucional. Assim, tais gratificações somente podem ser instituídas
por lei, cabendo ao Executivo especificar, por regulamento, quais os
serviços e os servidores que irão auferi-la, porque, consoante ensina Hely
Lopes Meirelles, o conceito de risco, para fim de vantagem pecuniária,
não é técnico ou jurídico, é meramente administrativo; ou seja, “o risco
só existe, para efeito de gratificação, onde a Administração o admitir, e
cessará quando ela o considerar inexistente. Por esse motivo, a gratificação
por risco de vida ou saúde pode ser suprimida, ampliada ou restringida
a todo tempo, sem ofensa a direito dos que a estavam percebendo”.375
Desse modo, tais adicionais somente são pagos enquanto
persistirem as condições que deram causa à sua concessão, não se
incorporando aos vencimentos do servidor em ativa e, muito menos,
aos proventos devidos em função de aposentadoria.
Verifica-se, portanto, inexistir direito adquirido à gratificação,
devido a sua natureza jurídica, a não ser que exista lei no sentido de
determinar sua incorporação após certo tempo.376

374
Ao tratar do tema, leciona Helly Lopes Meirelles: “A gratificação por risco de vida ou saúde
é uma vantagem pecuniária vinculada diretamente às condições especiais de execução do
serviço. Não é uma retribuição genérica pela função desempenhada pelo servidor; é uma
compensação específica pelo trabalho realizado em condições potencialmente nocivas para
o funcionário. O que se compensa com essa gratificação é o risco, ou seja, a possibilidade
de dano à vida ou à saúde daqueles que executam determinados trabalhos classificados
pela Administração como perigosos. Daí por que tal gratificação só é auferível enquanto
o servidor estiver executando o trabalho beneficiado com essa vantagem” (MEIRELLES,
Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 39. ed. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 561).
375
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 39. ed. São Paulo: Malheiros,
2013. p. 561.
376
Nesse sentido já decidiu o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais: Ementa: Ação
Trabalhista - Adicional de insalubridade - Direito ao recebimento em razão da natureza do
trabalho. A existência da situação de insalubridade, apresentada no exercício da atividade
laboral, origina o recebimento da verba adicional durante todo o período trabalhado nestas
condições, por ser direito fundamental que se liga a própria condição de dignidade da
pessoa humana. Improvimento do recurso que se impõe (TJMG. AC nº 1.0000.00.344434-
6/000, Sétima Câmara Cível, Rel. Des. Antônio Carlos Cruvinel, j. em 02.09.2003); Ementa:
Administrativo. Adicional de insalubridade. Figurino estabelecido pela lei do ente político.
Parcela remuneratória transitória, que só é paga enquanto persistirem as condições que
determinaram o seu deferimento, nunca incorporando à remuneração. Impossibilidade
de invocação de direito adquirido. Deferimento sujeito à prova de ocorrência dos
pressupostos estipulados pela legislação. Ausência de prova no caso concreto (TJMG. AC
nº 1.0000.00.338463-3/000, Sétima Câmara Cível, Rel. Des. Pinheiro Lago, j. em 26.08.2003).

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 208 10/03/2016 14:05:55


CAPÍTULO 9
ESTATUTO DOS SERVIDORES DA UNIÃO FEDERAL – PONTOS RELEVANTES
209

O benefício em comento está contido no art. 68 e seguintes da


Lei nº 8.112/90, merecendo destaque a previsão de impossibilidade
de cumulação de adicionais, bem como a cessação de seu pagamento
quando desaparecida a causa que originou sua concessão (sublata causa
cessitur effectus).

h) Adicional pela prestação de serviço extraordinário (horas extras)


Visando regulamentar o disposto no art. 7º, XVI, da Constituição
da República (estendido aos servidores públicos por força do art.
39, §3º), os arts. 73 e 74 da Lei nº 8.112/90377 determinam que, pela
prestação de serviço extraordinário, faz jus o servidor ao recebimento
de acréscimo de 50% (cinquenta por cento) da remuneração devida pela
hora normal, respeitados a excepcionalidade e o limite de 02 (duas)
horas por jornada.381 382378

377
Art. 73. O serviço extraordinário será remunerado com acréscimo de 50% (cinqüenta por
cento) em relação à hora normal de trabalho.
Art. 74. Somente será permitido serviço extraordinário para atender a situações excep­
cionais e temporárias, respeitado o limite máximo de 2 (duas) horas por jornada.
381
Processual Civil. Recurso Especial. Art. 105, III, a e c, da CF/1988. Administrativo. Servidor
público. Plantão. Adicional de serviço extraordinário (hora-extra). Inclusão na base de
cálculo da gratificação natalina (art. 63, da Lei n.º 8.112/90). Impossibilidade. Art. 1.º, inc.
III, alínea l, da Lei n.º 8.852/94. Excepcionalidade e temporariedade. Aferição. Súmula 7/STJ.
Violação a dispositivo constitucional. Competência do Excelso Supremo Tribunal Federal.
Violação do art. 551, do CPC, e do art. 4.º, da Lei n.º 9.788/99. Ausência de prequestionamento.
Divergência jurisprudencial não demonstrada. 1. O adicional pela prestação de serviço
extraordinário (hora-extra) não integra a base de cálculo da gratificação natalina dos
servidores públicos federais, estabelecida no artigo 63, da Lei n.º 8.112, de 11 de dezembro
de 1990. 2. É que o referido adicional não se enquadra no conceito de remuneração, à luz
do disposto no artigo 1.º, inciso III, alínea l, da Lei n.º 8.852, de 4 de fevereiro de 1994, verbis:
Art. 1º Para os efeitos desta Lei, a retribuição pecuniária devida na administração pública
direta, indireta e fundacional de qualquer dos Poderes da União compreende: III - como
remuneração, a soma dos vencimentos com os adicionais de caráter individual e demais
vantagens, nestas compreendidas as relativas à natureza ou ao local de trabalho e a prevista
no art. 62 da Lei nº 8.112, de 1990, ou outra paga sob o mesmo fundamento, sendo excluídas:
[...] l) adicional pela prestação de serviço extraordinário, para atender situações excepcionais
e temporárias, obedecidos os limites de duração previstos em lei, contratos, regulamentos,
convenções, acordos ou dissídios coletivos e desde que o valor pago não exceda em mais de
50% (cinqüenta por cento) o estipulado para a hora de trabalho na jornada normal; [...] 3. O
artigo 41, caput, da Lei n.º 8.112/90, traz a definição de que “remuneração é o vencimento
do cargo efetivo, acrescido das vantagens pecuniárias permanentes estabelecidas em lei”,
sendo certa a transitoriedade e excepcionalidade do serviço extraordinário. 4. Aferir se a
verba ostentava natureza excepcional e temporária demanda a reapreciação das provas
carreadas aos autos, providência vedada pelo óbice do Enunciado n.º 7, da Súmula
do STJ. 5. O Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso especial, deve velar pela
uniformização da aplicação da legislação federal infraconstitucional, pelo que não se
conhece de apelo extremo quando se aponta violação de dispositivo constitucional, haja
vista que se inclui na competência do Supremo Tribunal Federal, conforme art. 102, inciso
III, da Carta Magna. 6. A interposição do recurso especial impõe que o dispositivo de Lei
Federal tido por violado, como meio de se aferir a admissão da impugnação, tenha sido
ventilado no acórdão recorrido, sob pena de padecer o recurso da imposição jurisprudencial
do prequestionamento, requisito essencial à admissão do mesmo, o que atrai a incidência

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 209 10/03/2016 14:05:55


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
210 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

Impende destacar, por oportuno, que os servidores detentores


379

de cargos em comissão ou função de confiança, sujeitos, portanto, ao


regime de dedicação integral, consoante disposto no art. 19, §1º, do
Estatuto,380 não fazem jus ao recebimento de horas extras.

i) Adicional noturno
O adicional noturno é assegurado aos trabalhadores urbanos e
rurais, nos termos da norma inserta do art. 7º, IX, da Constituição da
República, igualmente estendido aos servidores públicos por força do
disposto no art. 39, §3º.
Da mesma forma que diversos direitos sociais, a norma consti-
tucional não é autoaplicável, ao contrário, é de eficácia contida.
O Estatuto, em regulamentação à cláusula constitucional, dispõe
que pelo trabalho realizado entre as 22h (vinte e duas horas) de um
dia e 5h (cinco horas) do seguinte, será conferido acréscimo da ordem
de 25% (vinte e cinco por cento) sobre o valor da hora normal do
servidor, considerando-se, ainda, cada hora como 52’30’’ (cinquenta e
dois minutos e trinta segundos).381

dos Enunciados n.ºs 282 e 356 da Súmula do STF. 7. Dessa sorte, em caso de omissão, é
imperioso que o recorrente oponha embargos de declaração, a fim de que o Tribunal a
quo se pronuncie sobre o dispositivo infraconstitucional tido por afrontado; e, acaso não
suprida a omissão, mister apontar, na irresignação especial, a violação do art. 535 do CPC.
Ausência de prequestionamento do artigo 551, do Código de Processo Civil - CPC, e do
artigo 4.º, da Lei n.º 9.788, de 19 de fevereiro de 1999. (Precedentes: Resp 326.165 - RJ, Relator
Ministro Jorge Scartezzini, Quarta Turma. DJ de 17 de dezembro de 2002; AgRg no Resp
529501 - SP, Relator Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, DJ de 16 de junho de 2004) 8. A
divergência jurisprudencial, ensejadora de conhecimento do recurso especial pela alínea c,
deve ser devidamente demonstrada, conforme as exigências do parágrafo único do art. 541
do CPC, c/c o art. 255, e seus parágrafos, do RISTJ, impondo-se ao recorrente demonstrar
que as soluções encontradas pelo decisum recorrido e paradigma tiveram por base as
mesmas premissas fáticas e jurídicas, havendo entre elas similitude de circunstâncias, sendo
insuficiente para esse fim a mera transcrição de ementas.(Precedentes: REsp n.º 425.467 - MT,
Relator Ministro Fernando Gonçalves, Quarta Turma, DJ de 05/09/2005; REsp n.º 703.081
- CE, Relator Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJ de 22/08/2005; AgRg no REsp
n.º 463.305 - PR, Relatora Ministra Denise Arruda, Primeira Turma, DJ de 08/06/2005.) 9.
Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, desprovido (STJ. REsp nº 1.195.325
MS, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, j. em 28.09.2010, DJe, 08 out. 2010
379
A Lei Mineira, por sua vez, estabelece, no art. 148 e seguintes, que o abono não poderá ser
superior ao vencimento do servidor, bem como será previamente arbitrado pelo Secretário
de Estado ou Diretor de Departamento diretamente subordinado ao Governador do Estado.
380
Art. 19. Os servidores cumprirão jornada de trabalho fixada em razão das atribuições
pertinentes aos respectivos cargos, respeitada a duração máxima do trabalho semanal de
quarenta horas e observados os limites mínimo e máximo de seis horas e oito horas diárias,
respectivamente. §1º. O ocupante de cargo em comissão ou função de confiança submete-
se a regime de integral dedicação ao serviço, observado o disposto no art. 120, podendo ser
convocado sempre que houver interesse da Administração.
381
A Carta Mineira, por sua vez, reproduz a norma constitucional em seu art. 31, caput, não
havendo, contudo, disciplina de tal direito no Estatuto próprio, sendo a matéria tratada no
art. 12 da Lei Estadual nº 10.745/92.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 210 10/03/2016 14:05:55


CAPÍTULO 9
ESTATUTO DOS SERVIDORES DA UNIÃO FEDERAL – PONTOS RELEVANTES
211

j) Adicional de férias (terço constitucional)


O adicional de férias consiste no acréscimo, em, pelo menos,
1/3 (um terço), do valor da remuneração quando do gozo de férias
regulares.
A previsão igualmente decorre de sede constitucional (art. 7º,
XVII c/c art. 39, §3º, CR) e encontra regramento no Estatuto no art. 76,
que, em seu parágrafo único, ressalva que, no caso de servidor ocupante
de cargo em comissão ou função de confiança, a respectiva vantagem
será considerada na base de cálculo do adicional.
Vale ressaltar que a norma constitucional não veda a possibilidade
de o legislador infraconstitucional ampliar a vantagem, concedendo,
v.g, 2/3 (dois terços), ou, ainda, o valor de uma remuneração; o que a
norma garante é o recebimento do adicional de, no mínimo, 1/3 (um
terço) sobre a remuneração.

k) Gratificação por encargo de curso ou concurso


Consoante disposto no art. 76-A da Lei nº 8.112/90, incluído pela
Lei nº 11.314, de 03 de julho de 2006, confere-se gratificação ao servidor
que, excepcionalmente: (i) atuar como instrutor em curso de formação,
desenvolvimento, treinamento; (ii) participar de banca examinadora
ou comissão para exames orais, análise curricular, correção de provas
discursivas, elaboração de questões, julgamento de recursos interpostos
pelos candidatos; (iii) aplicar, supervisionar ou avaliar provas de
concursos ou vestibulares; ou, ainda, (iv) participar na logística de
preparação e de realização de concurso público envolvendo atividades
de planejamento, coordenação, supervisão, execução e avaliação de
resultado, quando tais atividades não estiverem incluídas entre as suas
atribuições permanentes.
Os critérios para concessão e limites para pagamento do benefício
são regulados em norma infralegal, observados os parâmetros do §1º
do dispositivo legal em referência.382

382
Art. 76-A. [...] §1º. Os critérios de concessão e os limites da gratificação de que trata este
artigo serão fixados em regulamento, observados os seguintes parâmetros: I - o valor
da gratificação será calculado em horas, observadas a natureza e a complexidade da
atividade exercida; II - a retribuição não poderá ser superior ao equivalente a 120 (cento
e vinte) horas de trabalho anuais, ressalvada situação de excepcionalidade, devidamente
justificada e previamente aprovada pela autoridade máxima do órgão ou entidade, que
poderá autorizar o acréscimo de até 120 (cento e vinte) horas de trabalho anuais; III - o
valor máximo da hora trabalhada corresponderá aos seguintes percentuais, incidentes
sobre o maior vencimento básico da administração pública federal: a) 2,2% (dois inteiros e
dois décimos por cento), em se tratando de atividades previstas nos incisos I e II do caput
deste artigo; b) 1,2% (um inteiro e dois décimos por cento), em se tratando de atividade
prevista nos incisos III e IV do caput deste artigo.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 211 10/03/2016 14:05:55


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
212 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

Dispõe, ainda, que a gratificação somente será paga se as ativi-


dades forem exercidas sem prejuízo das atribuições do cargo de que
o servidor for titular, devendo ser objeto de compensação de carga
horária quando desempenhadas durante a jornada de trabalho (§2º).
Referido benefício, dada sua transitoriedade, não se incorpora
também ao vencimento do servidor para qualquer efeito, não podendo,
ainda, ser utilizado como base de cálculo para quaisquer outras van-
tagens, inclusive para fins de cálculo dos proventos da aposentadoria
e de pensões (§3º).

9.4 Férias
Conforme já explicitado no tópico anterior, a Constituição da
República assegurou aos servidores públicos, da mesma forma que
aos trabalhadores em geral, diversos direitos sociais, entre eles as férias
(art. 39, §3º, c/c art. 7º, XVII), que consistem nos dias de descanso do
exercício de suas funções, adquirido após o transcurso de 12 (doze)
meses de trabalho.
O instituto encontra-se disciplinado no Estatuto a partir do art.
77,383 que dispõe que o servidor fará jus ao gozo de férias regulamentares
de 30 (trinta) dias corridos, acumuláveis por até 02 (dois) períodos caso
haja necessidade do serviço, assim como poderá haver fracionamento
em até três etapas, desde que requerido pelo servidor e haja interesse
por parte da Administração.
O pagamento da remuneração relativa às férias será efetuado em
até 02 (dois) dias antes do início do respectivo período e, em caso de
fruição em mais de um período, o valor do adicional de 1/3 (um terço)
será pago quando do gozo do primeiro (art. 78).
Em nenhuma hipótese será admitido o cômputo de faltas no
período de férias (art. 77, §2º).
Em caso de exoneração do servidor do cargo efetivo ou em
comissão, a indenização relativa às férias não gozadas será calculada
proporcionalmente, com base na remuneração do mês em que publicado
o ato de exoneração (art. 78, §§3º e 4º).
Poderão, todavia, serem as férias interrompidas “por motivo de
calamidade pública, comoção interna, convocação para júri, serviço
militar ou eleitoral, ou por necessidade do serviço declarada pela

383
Art. 77. O servidor fará jus a trinta dias de férias, que podem ser acumuladas, até o máximo
de dois períodos, no caso de necessidade do serviço, ressalvadas as hipóteses em que haja
legislação específica.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 212 10/03/2016 14:05:55


CAPÍTULO 9
ESTATUTO DOS SERVIDORES DA UNIÃO FEDERAL – PONTOS RELEVANTES
213

autoridade máxima do órgão ou entidade”, sendo que “o restante do


período interrompido será gozado de uma só vez” (art. 80).
Previsão específica disciplinada na lei federal é a do servidor que
opera, direta e permanentemente, aparelhos com “raio-X” ou mantém
contato com substâncias radioativas, caso em que gozará 20 (vinte) dias
consecutivos de férias por semestre trabalhado, vedada, entretanto,
qualquer acumulação (art. 79).

9.5 Licenças
No Estatuto da União, a licença por motivo de doença do cônjuge
ou companheiro, pais, filhos, padrasto, madrasta ou enteado, ou dependente
econômico do servidor, prevista no art. 83,384 poderá ser deferida,
desde que comprovada por perícia médica oficial e se a assistência
do servidor se mostrar indispensável e impossível de ser realizada
concomitantemente ao exercício do cargo (§1º).385 A licença poderá ser
concedida, sem prejuízo da remuneração, por até 60 (sessenta) dias, ou,
ainda, por, no máximo, 90 (noventa) dias (consecutivos ou não) (§2º),386
sem direito à remuneração.
Referida modalidade de licença poderá ser requerida a cada
período de 12 (doze) meses, cujo início será contado a partir do deferi-
mento da primeira licença concedida (§3º).387 Frise-se que, somente nesta
hipótese, entre todas aquelas que trataremos a seguir, não é permitido o
exercício de outra atividade remunerada durante o período do benefício.
É prevista, ainda, a licença por motivo de afastamento do cônjuge ou
companheiro que tenha sido deslocado para outro ponto do território
nacional, para o exterior ou para exercício de mandato eletivo em
qualquer das esferas federativas, a teor do art. 84.388 A licença é

384
Art. 83. Poderá ser concedida licença ao servidor por motivo de doença do cônjuge ou
companheiro, dos pais, dos filhos, do padrasto ou madrasta e enteado, ou dependente que
viva a suas expensas e conste do seu assentamento funcional, mediante comprovação por
perícia médica oficial.
385
§1º. A licença somente será deferida se a assistência direta do servidor for indispensável
e não puder ser prestada simultaneamente com o exercício do cargo ou mediante
compensação de horário, na forma do disposto no inciso II do art. 44.
386
§2º. A licença de que trata o caput, incluídas as prorrogações, poderá ser concedida a cada
período de doze meses nas seguintes condições: I - por até 60 (sessenta) dias, consecutivos
ou não, mantida a remuneração do servidor; e II - por até 90 (noventa) dias, consecutivos
ou não, sem remuneração.
387
§3º. O início do interstício de 12 (doze) meses será contado a partir da data do deferimento
da primeira licença concedida.
388
Art. 84. Poderá ser concedida licença ao servidor para acompanhar cônjuge ou compa-
nheiro que foi deslocado para outro ponto do território nacional, para o exterior ou para

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 213 10/03/2016 14:05:55


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
214 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

concedida sem a respectiva remuneração e com prazo indeterminado. Se


o cônjuge ou companheiro for também servidor público, a norma inserta
no §2º do citado artigo traz a possibilidade de exercício provisório do
servidor em órgão ou entidade da Administração direta, autárquica ou
fundacional, desde que haja compatibilidade na atividade.
A tal respeito, o Superior Tribunal de Justiça possui entendimento
consolidado de que a concessão dessa licença não se sujeita ao mero
juízo de conveniência e oportunidade da Administração. Ao revés,
configura direito subjetivo do servidor público, desde que preenchidas
as exigências legais. Assim, já considerou preenchidos esses requisitos
quando o cônjuge (também servidor público) fora deslocado em virtude
de ter participado de concurso de remoção. Na hipótese, o Tribunal não
considerou que a transferência do cônjuge decorreu de interesse pessoal
(já que originária de concurso de remoção), mas sim com objetivo de
atender a interesse da própria Administração, que procedeu à abertura
da vaga em localidade diversa.389
A licença para o serviço militar (art. 85) é concedida na forma
da legislação específica. Trata-se de hipótese de convocação para o
exercício da atividade militar, porque o cumprimento do serviço militar
obrigatório é requisito para investidura no cargo, conforme preconiza a
norma contida no art. 5º, III, do Estatuto. Após a conclusão, o servidor
terá prazo de até 30 (trinta) dias (sem remuneração) para reassumir o
exercício do cargo.390
A licença para exercício de atividade política, disposta no art. 86,391
será concedida sem remuneração, durante o período compreendido
entre a escolha do servidor como candidato a cargo eletivo na convenção
partidária até a véspera do registro da candidatura perante a Justiça
Eleitoral (caput).

o exercício de mandato eletivo dos Poderes Executivo e Legislativo. §1º A licença será por
prazo indeterminado e sem remuneração. §2º. No deslocamento de servidor cujo cônjuge
ou companheiro também seja servidor público, civil ou militar, de qualquer dos Poderes
da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, poderá haver exercício pro-
visório em órgão ou entidade da Administração Federal direta, autárquica ou fundacional,
desde que para o exercício de atividade compatível com o seu cargo.
389
Confira-se: STJ. AgRg no REsp nº 1283748/RS, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, Primeira
Turma, j. em 19.02.2013, DJe, 25 fev. 2013; e REsp nº 1382425/RN, Relª. Minª. Assusete
Magalhães, Segunda Turma, j. em 22.04.2014, DJe, 02 maio 2014.
390
Lei nº 8.112/90, art. 85.
391
Art. 86. O servidor terá direito a licença, sem remuneração, durante o período que mediar
entre a sua escolha em convenção partidária, como candidato a cargo eletivo, e a véspera
do registro de sua candidatura perante a Justiça Eleitoral.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 214 10/03/2016 14:05:55


CAPÍTULO 9
ESTATUTO DOS SERVIDORES DA UNIÃO FEDERAL – PONTOS RELEVANTES
215

Entre o registro da candidatura e o décimo dia subsequente ao


da eleição, o servidor fará jus à licença remunerada, limitada, contudo,
ao lapso de 03 (três) meses (§2º).
O servidor que exerce funções de direção, chefia, assessoramento,
arrecadação ou fiscalização, no mesmo domicílio em que se candidatar
para concorrer a cargo eletivo, deve ser afastado do desempenho de
suas atividades a partir do dia seguinte ao registro de sua candidatura
até o décimo dia subsequente ao pleito (§1º). Contrario sensu, referida
desincompatibilização não é exigível do servidor quando lotado em
localidade diversa da que exerce suas funções.392
O diploma federal não mais permite a licença prêmio por assiduidade,
que foi substituída pela licença para capacitação, nos termos da redação
conferida ao art. 87393 pela Lei nº 9.527/97. O benefício é concedido
discricionariamente pela Administração, após cada quinquênio de
efetivo exercício, sem prejuízo da remuneração, por até 03 (três) meses,
para participar de curso de capacitação profissional.
Também prevê a Lei nº 8.112/90, no art. 91,394 licença para
tratar de interesses particulares, desde que o servidor não esteja em
estágio probatório, pelo prazo de até 03 (três) anos consecutivos,
sem remuneração. Trata-se de discricionariedade do Poder Público,
podendo o benefício ser interrompido a qualquer tempo, a pedido do
servidor ou no interesse da Administração.
Consigne-se que o Superior Tribunal de Justiça possui enten­
dimento consolidado no sentido de que o indeferimento do pedido

392
STJ. Recurso Especial. Administrativo e Eleitoral. Policial Civil. Distrito Federal. Licença
para atividade política. Vereador. Domicílios eleitoral e civil diversos. Possibilidade.
Desincompatibilização. Desnecessidade. Remuneração integral. Inteligência do art. 86,
§§1º e §2º da Lei nº 8.112/90. I- O servidor público integrante do quadro funcional da
Polícia Civil do Distrito Federal faz jus à licença para atividade política, com vencimentos
integrais, desde que tenha sido deferido pela justiça eleitoral o registro de sua candidatura,
independentemente de concorrer ao pleito em domicílio eleitoral diverso daquele onde
exerce suas atribuições. II- A desincompatibilização do servidor só se exige na hipótese
de concorrer a cargo eletivo na localidade onde exerce suas atribuições e desde que exerça
cargo de direção, chefia, assessoramento, arrecadação ou fiscalização. Inteligência do §1º do
art. 86 da Lei nº 8.112/90. Recurso especial parcialmente conhecido e desprovido (STJ. REsp
nº 599.751/DF, Rel. Min. Felix Fischer, Quinta Turma, j. em 12.09.2006, DJ, 09 out. 2006).
393
Art. 87. Após cada qüinqüênio de efetivo exercício, o servidor poderá, no interesse da
Administração, afastar-se do exercício do cargo efetivo, com a respectiva remuneração,
por até três meses, para participar de curso de capacitação profissional. Parágrafo único.
Os períodos de licença de que trata o caput não são acumuláveis.
394
Art. 91. A critério da Administração, poderão ser concedidas ao servidor ocupante de
cargo efetivo, desde que não esteja em estágio probatório, licenças para o trato de assuntos
particulares pelo prazo de até três anos consecutivos, sem remuneração. Parágrafo único.
A licença poderá ser interrompida, a qualquer tempo, a pedido do servidor ou no interesse
do serviço.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 215 10/03/2016 14:05:55


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
216 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

dessa licença deve ser devidamente motivado. A motivação é exigida


como requisito de validade, ainda que de forma sucinta.395
Por fim, ao servidor também é assegurado, sem remuneração, o
direito à licença para desempenho de mandato em confederação, federação,
associação de classe de âmbito nacional, sindicato representativo
da categoria ou entidade fiscalizadora da profissão, ou ainda para
participar de entidades cooperativas constituídas por servidores
públicos para prestar serviços a seus membros, conforme norma contida
no art. 92 do Estatuto.396 Deve ser observado o limite de um servidor
para entidades com até 5.000 (cinco mil) associados, dois servidores
para entidades com até 30.000 (trinta mil) associados e três servidores
para aquelas que contarem com mais de 30.000 (trinta mil) membros. A
duração da licença será a mesma que do mandato, com possibilidade
de apenas uma prorrogação, em caso de reeleição.

9.6 Afastamentos
A Lei nº 8.112/90 prevê, em capítulo distinto das licenças, o que
denomina “afastamentos”, nas seguintes hipóteses: (i) para servir a
outro órgão ou entidade (art. 93); (ii) para exercício de mandato eletivo
(art. 94); (iii) para estudo ou missão no exterior (arts. 95 e 96); e (iv)
para participação em programa de pós-graduação stricto sensu no país
(art. 96-A).
A primeira configura hipótese de cessão do servidor para que
exerça, em outro órgão ou entidade dos Poderes da União, Estados,
Distrito Federal ou Municípios, cargo em comissão ou função de confiança
ou em outros casos a serem estabelecidos em legislação específica. Se a cessão
se der para órgãos ou entidades dos Estados, Distrito Federal ou

395
Confira-se: RMS nº 40769/PR, Relª. Minª. Eliana Calmon, Segunda Turma, j. em 17.12.2013,
DJe, 07 fev. 2014.
396
Art. 92. É assegurado ao servidor o direito à licença sem remuneração para o desempenho
de mandato em confederação, federação, associação de classe de âmbito nacional, sindica-
to representativo da categoria ou entidade fiscalizadora da profissão ou, ainda, para par-
ticipar de gerência ou administração em sociedade cooperativa constituída por servidores
públicos para prestar serviços a seus membros, observado o disposto na alínea c do inciso
VIII do art. 102 desta Lei, conforme disposto em regulamento e observados os seguintes
limites: I - para entidades com até 5.000 (cinco mil) associados, 2 (dois) servidores; II - para
entidades com 5.001 (cinco mil e um) a 30.000 (trinta mil) associados, 4 (quatro) servido-
res; III - para entidades com mais de 30.000 (trinta mil) associados, 8 (oito) servidores.
§1º. Somente poderão ser licenciados os servidores eleitos para cargos de direção ou de
representação nas referidas entidades, desde que cadastradas no órgão competente. §2º. A
licença terá duração igual à do mandato, podendo ser renovada, no caso de reeleição.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 216 10/03/2016 14:05:56


CAPÍTULO 9
ESTATUTO DOS SERVIDORES DA UNIÃO FEDERAL – PONTOS RELEVANTES
217

Municípios, o ônus da remuneração recairá sobre o órgão ou entidade


cessionários. De outro lado, se ocorrer no âmbito da Administração
direta, autárquica ou fundacional da própria União, o ônus recairá
sobre a entidade cedente. O servidor pode ainda, caso cedido à empresa
pública ou sociedade de economia mista, optar pela remuneração
do cargo efetivo ou pela remuneração do cargo efetivo acrescida do
percentual de retribuição do cargo em comissão. Nesse caso, a entidade
cessionária deverá efetuar o reembolso das despesas realizadas pelo
órgão/entidade de origem.397
Outra hipótese de afastamento refere-se ao exercício de mandato
eletivo, e nesse ponto o Estatuto reproduz as disposições contidas no
art. 38 da Constituição da República.398 Assim, é aplicável o seguinte
regramento:
a) se o servidor for investido em mandato eletivo federal,
estadual ou distrital, deverá afastar-se do cargo, sem direito
à remuneração;
b) se investido no mandato de Prefeito, será afastado do cargo,
e pode optar pela sua remuneração;
c) se investido do mandato de Vereador, deve-se verificar, a
priori, se há compatibilidade de horários: se houver, pode o
servidor acumular as remunerações; caso contrário, o servidor
será afastado do cargo e poderá optar por sua remuneração.
A norma inserta no §2º do referido artigo proíbe a remoção ou
redistribuição de ofício do servidor para localidade diversa de onde
exerce o mandato.
É permitido, ainda, ao servidor ausentar-se do país para estudo
ou missão oficial, por período não superior a 04 (quatro) anos, desde
que com autorização do Presidente da República, Presidente dos Órgãos
do Poder Legislativo e Presidente do Supremo Tribunal Federal. Nesta

397
Vide art. 93 da Lei nº 8.112/90.
398
Art. 38. Ao servidor público da administração direta, autárquica e fundacional, no exercício
de mandato eletivo, aplicam-se as seguintes disposições: I - tratando-se de mandato
eletivo federal, estadual ou distrital, ficará afastado de seu cargo, emprego ou função; II -
investido no mandato de Prefeito, será afastado do cargo, emprego ou função, sendo-lhe
facultado optar pela sua remuneração; III - investido no mandato de Vereador, havendo
compatibilidade de horários, perceberá as vantagens de seu cargo, emprego ou função,
sem prejuízo da remuneração do cargo eletivo, e, não havendo compatibilidade, será
aplicada a norma do inciso anterior; IV - em qualquer caso que exija o afastamento para
o exercício de mandato eletivo, seu tempo de serviço será contado para todos os efeitos
legais, exceto para promoção por merecimento; V - para efeito de benefício previdenciário,
no caso de afastamento, os valores serão determinados como se no exercício estivesse.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 217 10/03/2016 14:05:56


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
218 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

hipótese, prevista no art. 95, §2º, do Estatuto,399 não há prejuízo da


remuneração. Entretanto, se, após o período de afastamento, o servidor
requerer exoneração, deverá ressarcir o erário das despesas havidas com
seu afastamento. Não lhe será concedida, pela mesma razão, licença
para tratar de interesses particulares.400
O art. 96 do Estatuto prevê, na verdade, novo tipo de afastamento,
quando permite ao servidor servir em organismo internacional de que o
Brasil participe ou com o qual coopere, mas sem direito à remuneração.
Nesta hipótese, o serviço não precisa necessariamente ser prestado do
exterior, pois é possível tratar-se de organização internacional com
sede em território nacional.

399
Art. 95. [...] §2º. Ao servidor beneficiado pelo disposto neste artigo não será concedida
exoneração ou licença para tratar de interesse particular antes de decorrido período igual
ao do afastamento, ressalvada a hipótese de ressarcimento da despesa havida com seu
afastamento.
400
Direito Administrativo. Recurso Especial. Servidor público. Afastamento remunerado para
participação em curso de aperfeiçoamento. Doutorado. Exoneração a pedido antes de cum-
prido o prazo legal mínimo. Indenização ao erário. Ressarcimento dos valores recebidos.
Possibilidade. “Termo de Responsabilidade”. Ausência. Irrelevância. Contrapartida da
Administração. Previsão legal. Inexistência. Descumprimento. Matéria fático-probatória.
Exame. Impossibilidade. Súmula 7/STJ. Princípios da proporcionalidade e da razoabili-
dade. Aplicação. Recurso Especial conhecido e parcialmente provido. 1. Nos termos dos
arts. 95, § 2º, da Lei 8.112/90 e 47, caput, e inciso I, do Decreto 94.664/87, pode o servidor
de Instituição Federal de Ensino afastar-se de suas funções para a realização de curso de
aperfeiçoamento, sendo-lhe assegurados todos os direitos e vantagens a que fizer jus em
razão da atividade docente. 2. Impõe-se ao servidor, findo o período de seu afastamento, o
retorno às suas atividades, devendo ali permanecer por tempo igual ao do afastamento sob
pena de indenização de todas as despesas, inclusive os vencimentos recebidos. Inteligência
dos arts. 95, § 2º, da Lei 8.112/90 c.c 47, caput, e inciso I, do Decreto 94.664/87 e 12 e 13 da
Lei 4.320/64. 3. A auto-aplicabilidade de uma norma jurídica definidora de um direito ou
de uma obrigação está diretamente relacionada à densidade normativa que lhe foi dada
pelo legislador. As normas de elevada densidade normativa são aquelas que possuem em
si elementos suficientes para gerar os efeitos nelas previstos, independentemente de nova
intervenção legislativa. 4. A obrigação de ressarcir os vencimentos recebidos durante o pe-
ríodo de afastamento para estudos no exterior decorre de previsão legal expressa, razão
pela qual se torna irrelevante a inexistência de prévia assinatura de “termo de compromis-
so e responsabilidade”. 5. A legislação de regência não impõe à Administração, por ocasião
do retorno do servidor, obrigação de proporcionar-lhe vantagens materiais e profissionais
diferenciadas das dos demais professores. Além disso, para se aferir a existência de algum
compromisso nesse sentido seria necessário o reexame de matéria fático-probatória, o que
atrai o óbice da Súmula 7/STJ. 6. O dever de indenizar imposto ao servidor não possui cará-
ter de sanção, e sim de ressarcimento ao erário daquilo que foi gasto em sua formação sem
que tenha havido integral contraprestação por parte dele, em razão de seu desligamento
do serviço público. 7. Hipótese em que, considerando-se que o servidor tinha por obrigação
continuar a exercer suas funções na Instituição de Ensino Federal pelo período igual àquele
em que esteve afastado, em respeito aos princípios da proporcionalidade e da razoabilida-
de, deve a indenização devida ser calculada de forma proporcional ao tempo restante para
que se completasse o período a partir do qual estaria ele desobrigado de ressarcir os cofres
públicos. 8. Recurso especial conhecido e parcialmente provido (STJ. REsp nº 939.439/PR,
Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, j. em 11.11.2008, DJe, 1º dez. 2008).

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 218 10/03/2016 14:05:56


CAPÍTULO 9
ESTATUTO DOS SERVIDORES DA UNIÃO FEDERAL – PONTOS RELEVANTES
219

Por fim, a Lei nº 11.907/09 criou nova modalidade de afastamento,


acrescendo o art. 96-A ao Estatuto.401 Cuida-se de liberação do servidor
para cursar programas de pós-graduação stricto sensu (mestrado, doutorado
e pós-doutorado), dentro de instituição de ensino situada no país. O
benefício será concedido apenas ao titular de cargo efetivo, e desde
que a participação no programa não seja incompatível com o exercício
do cargo mediante compensação de horários, sendo mantida a
remuneração. A Lei exige que o servidor ocupe o cargo efetivo por pelo
menos três anos (se o afastamento se der para curso de mestrado) ou
quatro anos (se doutorado ou pós-doutorado), incluído o período de
estágio probatório. O servidor deverá comprovar o título decorrente do
estudo realizado ao término do período, salvo por hipótese comprovada
de força maior ou caso fortuito. Findo o afastamento, é exigido que o
servidor permaneça no exercício de suas funções por período igual ao
concedido. Surge o dever de ressarcimento quando o servidor requerer,
antes desse período, sua exoneração ou aposentadoria, ou ainda se não
comprovar o título ou grau que justificou o afastamento.
Ressalte-se que o Superior Tribunal de Justiça firmou entendi-
mento no sentido de que ao servidor afastado para realização de curso
de pós-graduação stricto sensu no país ou em licença para capacitação
é garantido o recebimento de férias com as consequentes vantagens
pecuniárias.402

9.7 Concessões
O termo concessões corresponde a uma série de benefícios
garantidos aos servidores públicos.
Prevê o Estatuto Federal ausências justificadas para o servidor,
sem que haja prejuízo em sua remuneração, por até 08 (oito) dias
consecutivos em virtude de casamento e de falecimento de cônjuge,
pais, filhos e irmãos.403

401
Art. 96-A. O servidor poderá, no interesse da Administração, e desde que a participação
não possa ocorrer simultaneamente com o exercício do cargo ou mediante compensação
de horário, afastar-se do exercício do cargo efetivo, com a respectiva remuneração, para
participar em programa de pós-graduação stricto sensu em instituição de ensino superior
no País.
402
Confira-se: STJ. REsp nº 1399952/AL, Relª. Minª. Eliana Calmon, Segunda Turma, j. em
15.10.2013, DJe, 24 out. 2013, e AgRg no REsp nº 1377925/AL, Rel. Min. Humberto Martins,
Segunda Turma, j. em 20.06.2013, DJe, 28 jun. 2013.
403
Cf. art. 97, III, da Lei nº 8.112/90.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 219 10/03/2016 14:05:56


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
220 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

Também concede benefícios especiais aos estudantes. A legislação


garante horário especial de trabalho, se comprovada incompatibilidade
entre o horário escolar e o da repartição, desde que mediante compen-
sação de horários. O Superior Tribunal de Justiça possui jurisprudência
no sentido de que, ainda que o servidor possua anterior diploma em
curso superior, o benefício deve ser concedido para novo curso, desde
que cumpridos os requisitos.404
Ao acadêmico será também assegurada matrícula em instituição
de ensino semelhante, independentemente de vaga, caso mude de
sede no interesse da Administração.405 Importante frisar, nesse ponto,
que a Suprema Corte firmou entendimento no qual a transferência de
alunos deve ser viabilizada somente se observada identidade na na-
tureza jurídica dos estabelecimentos, ou seja, de universidade pública
para pública ou de privada para privada, resultando a mesclagem em
inconstitucionalidade.406 Todavia, o Superior Tribunal de Justiça relati-
viza tal entendimento, admitindo que a regra poderá ser excepcionada
para permitir que o servidor seja transferido de instituição de ensino
particular para pública, desde que não haja instituição congênere que
ofereça o curso no qual estava matriculado quando se operou a remo-
ção ex officio.407 411

404
STJ. Administrativo. Servidor público. Estudante servidor. Horário especial. Art. 98
da Lei 8.112/90. Reexame de incompatibilidade entre horário escolar e da repartição.
Inviabilidade. Reexame de provas. Súmula 07/STJ. 1. O art. 98 da Lei nº 8.112/90 não faz
distinção quanto ao fato de o servidor já possuir outro curso superior para que lhe possa
ser assegurado o direito de desempenhar suas atribuições em horário especial. Atendidos
os requisitos exigidos no dispositivo da lei, o horário especial a que tem direito o servidor
estudante deve ser concedido. Precedentes. 2. [...] (STJ. AgRg no Ag nº 1424167/DF, Rel.
Min. Castro Meira, Segunda Turma, j. em 1º.12.2011, DJe, 19 dez. 2011).
405
O benefício é estendido ao cônjuge, companheiro, filhos, enteados que vivam em
companhia do servidor e aos menores sob sua guarda, conforme art. 99, parágrafo único,
da Lei nº 8.112/90.
406
STF. Ação Direta de Inconstitucionalidade - Interpretação conforme a Constituição - Pos-
sibilidade jurídica. É possível, juridicamente, formular-se, em inicial de ação direta de
inconstitucionalidade, pedido de interpretação conforme, ante enfoque diverso que se
mostre conflitante com a Carta Federal. Envolvimento, no caso, de reconhecimento de in-
constitucionalidade. UNIVERSIDADE - TRANSFERÊNCIA OBRIGATÓRIA DE ALUNO -
LEI Nº 9.536/97. A constitucionalidade do artigo 1º da Lei nº 9.536/97, viabilizador da
transferência de alunos, pressupõe a observância da natureza jurídica do estabelecimento educa-
cional de origem, a congeneridade das instituições envolvidas - de privada para privada, de pública
para pública -, mostrando-se inconstitucional interpretação que resulte na mesclagem - de privada
para pública (STF. ADI nº 3.324, Rel. Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, j. em 16.12.2004,
DJ, 05 ago. 2005, g.n.).
407
STJ. Recurso Especial. Dispositivo constitucional. Violação. Análise. Impossibilidade.
Transferência. Curso superior. Servidor público estadual. Ausência de instituição congênere
no novo domicílio do servidor público ou nas cidades vizinhas. Excepcionalidade.
Possibilidade. 1. Apresenta-se inviável o exame de afronta a dispositivo constitucional em

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 220 10/03/2016 14:05:56


CAPÍTULO 9
ESTATUTO DOS SERVIDORES DA UNIÃO FEDERAL – PONTOS RELEVANTES
221
408

9.8 Tempo de serviço


Inicialmente, cumpre consignar que, após o advento da Emenda
Constitucional nº 20/98, a aposentadoria passou a ser concedida não
mais em decorrência da contagem do tempo de serviço, mas sim do
tempo de contribuição, conforme já tratado em tópico anterior. Essa
ressalva se faz importante para delimitar o objeto de nossa análise
neste ponto, porque trataremos das normas pertinentes ao tempo de
serviço insertas no Estatuto Federal no que se refere à concessão de
vantagens e promoção.
O tempo de serviço, segundo a Lei nº 8.212/90,409 será contabi-
lizado em dias, convertidos em anos, sempre considerados de 365
(trezentos e sessenta e cinco) dias.
sede de recurso especial, uma vez que a matéria é de competência exclusiva do Supremo
Tribunal Federal, via recurso extraordinário, nos termos do artigo 102, inciso III, da
Constituição. 2. Não se divisa a infringência ao inciso II do artigo 535 do CPC, uma vez que
a Corte de origem tratou de todas as questões necessárias ao deslinde da controvérsia. 3.
A regra da congeneridade entre instituições de ensino, para fins de transferência de servidor público
removido ex officio pela Administração Pública, só é excepcionada caso não exista instituição de
ensino congênere no seu novo domicílio ou nas cidades vizinhas. Posição adotada por ambas as
Turmas que compõem a Primeira Seção, mesmo após o julgamento da ADI 3.324/DF pelo Supremo
Tribunal Federal. Precedentes. 4. Hipótese excepcional na qual se faz necessário a aplicação
do princípio da razoabilidade, bem como da garantia ao acesso pleno à cidadania e à
qualificação para o trabalho (artigo 205 da Constituição). 5. Recurso especial parcialmente
conhecido e, nessa extensão, desprovido (STJ. REsp nº 1000677/GO, Rel. Min. Carlos
Fernando Mathias (Juiz Convocado do TRF- 1ª Região), Segunda Turma, j. em 25.03.2008,
DJe, 15 abr. 2008, g.n.).
408
A Lei mineira, por sua vez, também garante horário especial ao servidor estudante (art.
102), que lhe permita frequentar regularmente as aulas, sendo-lhe facultado, ainda, faltar
ao serviço (sem prejuízo da remuneração) em dias de provas ou exames. O estudante
também somente será transferido ou removido em último caso, porque a Administração
deve preferir o funcionário não estudante.

O horário especial é ainda garantido ao servidor portador de deficiência, ou ao que possua
cônjuge, filho ou dependente nessa condição. Também àquele que desempenhe função de
instrutor em curso de formação, desenvolvimento ou treinamento regularmente constitu-
ído no âmbito da Administração federal ou que participe de banca ou comissão examina-
dora para elaboração de provas ou julgamento de recursos intentados por candidatos. É
exigida, em regra, a compensação de horários, até o mês subsequente ao da ocorrência, a
ser estabelecida pela chefia imediata, cuja dispensa somente ocorrerá na primeira hipótese.
O Estatuto de Minas Gerais permite, ainda, sem correspondência na legislação federal, que
lhe seja concedido transporte custeado pelo Poder Público, para fora da sede do serviço,
mediante exigência de laudo médico oficial. A concessão se estende para a hipótese de
falecimento do servidor em serviço fora de sua sede (arts. 202 e 203).
409
A Lei nº 8.112/90 considera como de efetivo exercício, além das ausências justificadas, os
afastamentos decorrentes de: I - férias; II - exercício de cargo em comissão ou equivalente,
em órgão ou entidade dos Poderes da União, dos Estados, Municípios e Distrito Federal;
III - exercício de cargo ou função de governo ou administração, em qualquer parte do
território nacional, por nomeação do Presidente da República; IV - participação em
programa de treinamento regularmente instituído ou em programa de pós-graduação
stricto sensu no País, conforme dispuser o regulamento; V - desempenho de mandato
eletivo federal, estadual, municipal ou do Distrito Federal, exceto para promoção por
merecimento; VI - júri e outros serviços obrigatórios por lei; VII - missão ou estudo
no exterior, quando autorizado o afastamento, conforme dispuser o regulamento;

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 221 10/03/2016 14:05:56


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
222 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

Não serão contadas, contudo, para qualquer fim, as licenças


previstas nos arts. 83, 84, 86, caput, e 91, quais sejam: (i) licença para
tratamento de saúde da pessoa da família sem remuneração; (ii) licença
por motivo de afastamento do cônjuge ou companheiro; (iii) licença
não remunerada para atividade política (compreendida entre a escolha
do servidor em convenção partidária e a véspera do registro de sua
candidatura); e (iv) licença para tratar de interesses particulares, todas
já tratadas em tópico anterior.

VIII - licença: a) à gestante, à adotante e à paternidade; b) para tratamento da própria


saúde, até o limite de vinte e quatro meses, cumulativo ao longo do tempo de serviço
público prestado à União, em cargo de provimento efetivo; c) para o desempenho de
mandato classista ou participação de gerência ou administração em sociedade cooperativa
constituída por servidores para prestar serviços a seus membros, exceto para efeito de
promoção por merecimento; d) por motivo de acidente em serviço ou doença profissional;
e) para capacitação, conforme dispuser o regulamento; f) por convocação para o serviço
militar; IX - deslocamento para a nova sede de que trata o art. 18; X - participação em
competição desportiva nacional ou convocação para integrar representação desportiva
nacional, no País ou no exterior, conforme disposto em lei específica; XI - afastamento
para servir em organismo internacional de que o Brasil participe ou com o qual coopere.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 222 10/03/2016 14:05:56


CAPÍTULO 10

RESPONSABILIDADES

O servidor público responde civil, penal e administrativamente


pelo exercício irregular de suas atribuições.410 Enquanto a responsabi-
lidade civil é essencialmente reparatória, ou seja, visa à restauração do
patrimônio lesado, as responsabilidades administrativa e penal “apre-
sentam em comum a natureza punitiva, tendo como objetivo direcionar
ou alterar os comportamentos das pessoas, em prol dos valores sociais,
por meio de sanções”.411
Os estatutos dos servidores públicos federais (Lei nº 8.112/90) e
estaduais do Estado de Minas Gerais (Lei nº 869/52) preveem expres-
samente a independência entre as três formas de responsabilidades,412
bem como a cumulatividade das sanções, ressalvando que, na hipótese
de absolvição criminal negando a existência do fato ou sua autoria,
afastada está a responsabilidade administrativa.413

410
Art. 121, da Lei nº 8.112/90: O servidor responde civil, penal e administrativamente pelo
exercício irregular de suas atribuições.

Art. 208, da Lei nº 869/52: Pelo exercício irregular de suas atribuições, o funcionário
responde civil, penal e administrativamente.
411
ARAÚJO, Florivaldo Dutra de. Reflexos da decisão judicial penal na esfera administrativo-
disciplinar. Revista da Procuradoria Geral do Município de Belo Horizonte – RPGMBH, ano 4, n.
8, p. 6981, jul./dez. 2011.
412
Art. 125, da Lei nº 8.112/90: As sanções civis, penais e administrativas poderão cumular-se,
sendo independentes entre si.

Art. 212, da Lei nº 869/52: As cominações civis, penais e disciplinares poderão cumular-
se, sendo umas e outras independentes entre si, bem assim as instâncias civil, penal e
administrativa.
413
Vide artigos 126, da Lei nº 8.112/90: A responsabilidade administrativa do servidor será
afastada no caso de absolvição criminal que negue a existência do fato ou sua autoria; e 935,

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 223 10/03/2016 14:05:56


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
224 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

Em razão dessa independência entre as instâncias, a Sexta


Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do AgRg
no Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 29.595/MS,414
seguindo orientação já firmada naquele augusto sodalício,415 decidiu
pela desnecessidade de sobrestamento do procedimento administrativo
até o trânsito em julgado na esfera penal, ainda que haja previsão
legal de suspensão do feito disciplinar que apura falta administrativa
decorrente de crime. Entendeu a Relatora, Ministra Maria Thereza de
Assis Moura, que cabe à Administração, ao examinar o caso concreto,
averiguar se há falta administrativa residual e se há real necessidade
de suspensão até decisão judicial, pois é fato que a absolvição criminal
só afasta a responsabilidade administrativa se negar a existência do
fato ou da autoria.

10.1 Responsabilidade civil e administrativa


A responsabilidade civil e administrativa decorre dos danos
causados a terceiros ou ao erário quando no exercício de suas atividades
funcionais,416 desde que comprovada culpa ou dolo, conforme previsão

do Código Civil: A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo


questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas
questões se acharem decididas no juízo criminal.
414
Agravo Regimental. Recurso Ordinário em Mandado de Segurança. Servidor público es-
tadual. Processo administrativo disciplinar. Ato inaugural. Regularidade. Cerceamento
de defesa. Inexistência. Independência das esferas administrativa e penal. Sobrestamento.
Desnecessidade. 1. No ato que inaugura o processo disciplinar é desnecessária a minuciosa
descrição dos fatos a serem apurados, que deve ocorrer apenas quando do indiciamen-
to do servidor, posteriormente à fase instrutória. Precedentes. 2. O fato de não constar
a denominação “portaria”, e sim “resolução”, no ato de instauração do feito disciplinar
consubstancia mero erro material que não é apto a causar prejuízo ao servidor notificado e,
portanto, não importa em nulidade. 3. Ainda que haja previsão legal de suspensão do feito
disciplinar que apura falta administrativa decorrente de crime até o trânsito em julgado
na esfera penal, cabe à Administração, ao examinar o caso concreto, averiguar se há falta
administrativa residual e se há necessidade ou não de seu sobrestamento, considerado-se a
independência entre as instâncias e o fato de que a absolvição criminal só afasta a respon-
sabilidade administrativa se negar a existência do fato ou da autoria. 4. Agravo regimental
improvido (j. em 16.08.2012, DJe, 27 ago. 2012).
415
Vide RMS nº 28.966/RJ, Rel. Min. Felix Fischer, Quinta Turma, j. em 27.07.2009, DJe, 25 maio
2009; RMS nº 32.461/MS, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, Segunda Turma, j. em 12.06.2012,
DJe, 19 jun. 2012; RMS nº 25.433/GO, Relª. Minª. Maria Thereza de Assis Moura, Sexta
Turma, j. em 28.04.2011, DJe, 1º jun. 2011.
416
Vide art. 209 da Lei nº 869/52: A responsabilidade civil decorre de procedimento doloso ou
culposo, que importe em prejuízo da Fazenda Estadual, ou de terceiro. §1º. A indenização
de prejuízo causado à Fazenda Estadual no que exceder as forças da fiança, poderá ser
liquidada mediante o desconto em prestações mensais não excedentes da décima parte do
vencimento ou remuneração, à míngua de outros bens que respondam pela indenização.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 224 10/03/2016 14:05:56


CAPÍTULO 10
RESPONSABILIDADES
225

geral inserta no art. 186,417 do Código Civil, no sentido de que todo


aquele que causa dano a outrem é obrigado a repará-lo.
Quando o dano é causado ao erário, a responsabilidade do
servidor perante a Administração é apurada por meio de processo
administrativo disciplinar, hipótese analisada no próximo capítulo.
Se o dano atinge terceiro, aplica-se a norma inserta no art. 37,
§6º,418 da Constituição Federal de 1988, que consagrou a teoria da
responsabilidade objetiva da Administração perante o lesado, também
denominada de teoria do risco administrativo, em que a obrigação de
indenizar prescinde da comprovação dos elementos subjetivos dolo
ou culpa. Por outro lado, assegurou o direito de regresso da Fazenda
Pública em face do agente419 que, nessa qualidade, por dolo ou culpa,
causar danos a terceiros.
Neste contexto, para que a pessoa jurídica de direito público ou
de direito privado que preste serviço público possa exercer o direito de
regresso contra o agente causador do dano, deverá ter sido condenada
a indenizar terceiro por ato lesivo do agente e desde que esse tenha
agido com dolo ou culpa.
De outro lado, é do particular a opção de ingressar com ação de
indenização em face do Estado, diretamente contra o agente público420
ou, ainda, contra ambos, hipótese essa em que se estabelece litiscon-
sórcio facultativo, motivo pelo qual eventual e posterior exclusão do
servidor da lide não gera qualquer prejuízo ao Estado, uma vez que

§2º. Tratando-se de dano causado a terceiro, responderá o funcionário perante a Fazenda


Estadual, em ação regressiva, proposta depois de transitar em julgado a decisão de última
instância que houver condenado a Fazenda a indenizar o terceiro prejudicado.
417
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar
direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
418
Art. 37 [...] §6º. As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras
de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem
a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou
culpa.
419
O art. 122 da Lei nº 8.112/90, em seu §2º, prevê a hipótese, in verbis: Art. 122. A responsabi-
lidade civil decorre de ato omissivo ou comissivo, doloso ou culposo, que resulte em pre-
juízo ao erário ou a terceiros: [...] §2º. Tratando-se de dano causado a terceiros, responderá
o servidor perante a Fazenda Pública, em ação regressiva.
420
Como ressalta Celso Antônio Bandeira de Mello, no seu Curso de Direito Administrativo,
“para que haja responsabilidade pública importa que o comportamento derive de um agen-
te público. O título jurídico da investidura não é relevante. Basta que seja qualificado como
agente público, é dizer, apto para comportamentos imputáveis ao Estado (ou outras pesso-
as, de Direito Público ou de Direito Privado, prestadoras de serviços públicos, quando atu-
arem nessa qualidade). Importa, outrossim, que o dano tenha sido produzido por alguém
graças a esta qualidade de agente público, e não em situação alheia ao qualificativo em causa”
(In: Curso de Direito Administrativo. 31. ed. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 1.048-1.049).

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 225 10/03/2016 14:05:56


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
226 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

continua tendo assegurado seu direito de regresso em face do agente


público causador do dano.421
A hipótese que gera polêmica na doutrina e jurisprudência diz
respeito à possibilidade de o particular ajuizar ação diretamente e
exclusivamente contra o servidor, suposto causador do dano. Celso
Antônio Bandeira de Mello defende posição no sentido de que não
há restrição, na citada norma constitucional, quanto à opção de o
particular proceder contra quem lhe causou o dano, pois se trata de “um
dispositivo protetor do administrado”, não sendo plausível imaginar
que seria norma benéfica apenas ao presumido autor do dano. Ressalta
que ‘o princípio geral da responsabilidade do Estado’ somente passou a
existir para que os administrados desfrutassem de posição mais ampla
quanto as garantias de indenização.422 Na mesma linha de pensamento
doutrinário, encontra-se Rui Stoco, em seu Tratado de Responsabilidade
Civil,423 quando afirma que somente ao legitimado ativo da ação (diga-
se, administrado lesado) cabe a escolha quanto ao legitimado passivo:
Estado, Estado e seu servidor ou somente contra o servidor.
Já o Ministro Ayres Britto enfrentou a questão no julgamento do
Recurso Extraordinário nº 327.904-1,424 quando ponderou, em sentido
oposto, ou seja, se o eventual prejuízo ocorreu por força de um atuar
tipicamente administrativo, não há como extrair do §6º do art. 37, da
Constituição Federal, a “responsabilidade per saltum da pessoa natural
do agente”,425 ou seja, não é dado ao particular processar diretamente

421
Nesse sentido, vide o REsp nº 1.215.569/AL, Rel. Min. Sérgio Kukina, Primeira Turma, j. em
16.12.2014, DJ, 19 dez. 2014.
422
Vide comentário do autor, na obra Curso de Direito Administrativo, quando da respon­
sabilidade patrimonial do agente público por danos a terceiros, no capítulo XX
(Responsabilidade Patrimonial Extracontratual do Estado).
423
STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil – Doutrina e Jurisprudência. 10. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 1809-1810.
424
STF, RE nº 327.904-1/SP, Rel. Min. Carlos Britto, Primeira Turma, j. em 15.08.2006.
425
Relatou o Ministro Ayres Britto em seu voto: “[...] Quanto à questão da ação regressiva,
uma coisa é assegurar ao ente público (ou quem lhe faça as vezes) o direito de se ressarcir
perante o servidor praticamente de ato lesivo a outrem, nos casos de dolo ou de culpa;
coisa bem diferente é querer imputar à pessoa física do próprio agente estatal, de forma
direta e imediata, a responsabilidade civil pelo suposto dano a terceiros. Com efeito, se o
eventual prejuízo ocorreu por força de um atuar tipicamente administrativo, como no caso
presente, não vejo como extrair do §6º do art. 37 da Lei das Leis a responsabilidade ‘per
saltum’ da pessoa natural do agente. Tal responsabilidade, se cabível, dar-se-á apenas em
caráter de ressarcimento ao Erário (ação regressiva, portanto), depois de provada a culpa
ou dolo do servidor público, ou de quem lhe faça as vezes. Vale dizer: ação regressiva é ação
de ‘volta’ ou de ‘retorno’ contra aquele agente que praticou ato juridicamente imputável
ao Estado, mas causador de dano a terceiro. Logo, trata-se de ação de ressarcimento, a
pressupor, lógico, a recuperação de um desembolso. Donde a clara ilação de que não pode

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 226 10/03/2016 14:05:57


CAPÍTULO 10
RESPONSABILIDADES
227

o servidor quando a ação é decorrente de sua atuação como agente


público. Cabe a ressalva, sempre prudente, de que, no caso concreto,
pretendia-se a responsabilização civil do Prefeito (agente político) por
decreto de intervenção em hospital local, hipótese bastante peculiar e
diversa da aqui tratada.
Por isso, o direito de regresso é considerado uma das mais
importantes formas de responsabilização do agente, mormente quando
se constata que, na maioria dos casos, a vítima do evento danoso
prefere ingressar em juízo diretamente contra a Fazenda Pública que,
em princípio, é mais solvente que o agente.426

10.2 Responsabilidade penal


O agente público427 responde penalmente pela prática de crimes
ou contravenções penais, desde que comprovado: (i) dolo ou culpa;
(ii) tipicidade e antijuricidade da conduta; (iii) relação de causalidade

fazer uso de uma ação de regresso aquele que não fez a “viagem financeira de ida”; ou seja,
em prol de quem não pagou a ninguém, mas, ao contrário, quer receber de alguém e pela
vez primeira. [...]”.
426
Nesse sentido o voto do Ministro Luis Felipe Salomão, Relator do Recurso Especial nº
1.325.862-PR: “Com o devido respeito ao entendimento diverso, penso que a melhor so-
lução está mesmo com os antigos, em franquear ao particular a possibilidade de ajuizar a
ação diretamente contra o servidor, suposto causador do dano, contra o Estado ou contra
ambos, se assim desejar. O art. 37, §6º, da CF/1988 prevê uma garantia para o administrado
de buscar a recomposição dos danos sofridos diretamente da pessoal jurídica que, em
princípio, é mais solvente que o servidor, independentemente de demonstração de culpa
do agente público. Vale dizer, a Constituição, nesse particular, simplesmente impõe ônus
maior ao Estado decorrente do risco administrativo; não prevê, porém, uma demanda de
curso forçado em face da Administração Pública quando o particular livremente dispõe do
bônus contraposto. Tampouco confere ao agente público imunidade de não ser demanda-
do diretamente por seus atos, o qual, aliás, se ficar comprovado dolo ou culpa, responderá
de outra forma, em regresso, perante a Administração. [...] Assim, a avaliação quanto ao
ajuizamento da ação contra o servidor público ou contra o Estado deve ser decisão do
suposto lesado. Se, por um lado, o particular abre mão do sistema de responsabilidade ob-
jetiva do Estado, por outro também não se sujeita ao regime de precatórios, os quais, como
é de cursivo conhecimento, não são rigorosamente adimplidos em algumas unidades da
Federação” (STJ, REsp nº 1.325.862/PR, Quarta Turma, j. em 05.09.2013, DJ, 10 dez. 2013).
427
Art. 327 do Código Penal: Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem,
embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.
§1º. Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entida-
de paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou con-
veniada para a execução de atividade típica da Administração Pública. §2º. A pena será
aumentada da terça parte quando os autores dos crimes previstos neste Capítulo forem
ocupantes de cargos em comissão ou de função de direção ou assessoramento de órgão da
administração direta, sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação institu-
ída pelo poder público.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 227 10/03/2016 14:05:57


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
228 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

entre o ato praticado e o dano ou ‘perigo de dano’428 cometido.


A responsabilidade criminal do servidor é apurada sempre por
meio de ação penal, pelo Poder Judiciário sendo que, como já dito
alhures, se o juízo criminal absolver o réu por negativa da ocorrência
de fato que constitua crime ou, ainda, por entender não ser ele o
autor do crime, não pode a Administração Pública entender de outra
forma, exceto se existente falta disciplinar residual que não tenha sido
abrangida pela sentença penal absolutória, conforme enunciado da
Súmula nº 18 do Supremo Tribunal Federal: “Pela falta residual, não
compreendida na absolvição pelo juízo criminal, é admissível a punição
administrativa do servidor público”. Nesse sentido já foram proferidas
várias decisões no Supremo Tribunal.429

428
Como ressalta Maria Sylvia Zanella Di Pietro, “nem sempre é necessário que o dano se
concretize; basta haver o risco de dano, como ocorre na tentativa e em determinados tipos
de crime que põem em risco a incolumidade pública” (In: Direito Administrativo. 28. ed. São
Paulo: Atlas, 2015. p. 756).
429
Recurso Especial. Administrativo. Divergência jurisprudencial. Cotejo analítico. Inexis-
tência. Similitude fática. Demissão. Sentença penal absolutória. Falta residual. Ausência
de repercussão. Súmula 18/STF. Prescrição. Termo a quo. Súmula 07/STJ. Publicação. Ato
demissório. [...] 2. O Tribunal de origem constatou a existência de falta residual não englobada
inteiramente pela absolvição penal superveniente, razão pela qual considerou a data em que foi pu-
blicado o ato demissório como o termo a quo para a contagem do lapso prescricional, e não a data em
que publicada a sentença absolutória, para fins de reintegração do militar. 3. Prevalece no direito
brasileiro a regra da independência das instâncias penal, civil e disciplinar, ressalvadas
algumas exceções, v.g, em que a decisão proferida no juízo penal fará coisa julgada na
seara cível e administrativa. 4. Neste sentido, a responsabilidade administrativa do servidor será
afastada no caso de absolvição criminal que negue a existência do fato ou sua autoria, nos termos
do art. 126 da Lei n.º 8.112/90, exceto se verificada falta disciplinar residual, não englobada pela
sentença penal absolutória. Inteligência da Súmula 18/STF. [...] 6. Neste sentido, tendo em vista
que ficou apurada falta residual desde o procedimento disciplinar em que se determinou
a demissão do militar e que tal conduta remanescente não foi englobada pela ação penal
superveniente, segundo registrado pelo Tribunal de origem, de maneira insindicável nes-
ta via recursal (Súmula 07/STJ), há de se concluir que a pretensão reintegratória deveria
ter sido exercida no prazo de 05 (cinco) anos, a contar da publicação do ato demissório.
Precedentes. 7. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, não provido (STJ.
REsp nº 1199083/SP, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, j. em 24.08.2010, DJe, 08 set.
2010, g.n.); Administrativo. Processo disciplinar sequenciado por regular processo crimi-
nal. Superveniência de sentença penal condenatória. Efeitos que se projetam na seara ad-
ministrativa. Pedido de segurança denegado. [...] 2. O Processo Administrativo Disciplinar
não é dependente da instância penal, não se exigindo, dest’arte, para a aplicação da sanção
administrativa de demissão, a prévia condenação, com trânsito em julgado, do Servidor no
juízo criminal, em Ação Penal relativa aos mesmos fatos; porém, quando o Juízo Penal já se
pronunciou definitivamente sobre esses fatos, que constituem, ao mesmo tempo, o objeto
do PAD, exarando sentença condenatória, não há como negar a sua inevitável repercussão
no âmbito administrativo sancionador. 3. É nula a aplicação de sanção demissória a Servi-
dor Público, quando a Comissão do PAD não logra reunir elementos probatórios densos,
sérios e coerentes da prática do ato infracional punível com a demissão e da sua autoria, mas
se esses elementos já foram devidamente apurados na instância criminal, com a emissão
de sentença condenatória, tem-se os fatos do PAD como igualmente comprovados, eis que
são os mesmos que serviram de supedâneo ao Juízo Penal. 3. O exercício do poder adminis-

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 228 10/03/2016 14:05:57


CAPÍTULO 10
RESPONSABILIDADES
229

Desse modo, sendo a sentença pela absolvição, deve ser observa-


do qual ou quais foram os fundamentos adotados dentre os elencados
no artigo 386430 do Código de Processo Penal. As hipóteses previstas
nos incisos I (prova da inexistência do fato), IV (prova de que o réu
não concorreu para a infração penal) e VI (existência de circunstâncias
que excluam o crime ou isentem o réu de pena, ou mesmo se houver
fundada dúvida sobre sua existência)431 influenciam as decisões das
esferas civis e administrativas.
Já a hipótese de absolvição fundamentada no inciso III do art.
386 do Código de Processo Penal não tem o condão de repercutir nas
demais esferas de responsabilidade, pois o fato que não constitui crime
pode corresponder a uma infração disciplinar ou a um ilícito civil.
Por fim, cabe a ressalva existente em alguns Estatutos quanto à
previsão de auxílio-reclusão à família do servidor público ativo que
estiver cumprindo pena, como ocorre na Lei nº 8.112/90, em seu art.
229,432 que varia de metade a dois terços da remuneração, pelo fato de
existir ou não condenação por sentença definitiva.

trativo disciplinar não está subordinado ao trânsito em julgado da sentença penal condenatória
exarada contra Servidor Público, embora a sua eventual absolvição criminal futura possa justificar
a revisão da sanção administrativa, se não houver falta residual sancionável (Súmula 18 do STF).
4. Ordem de segurança que se denega, de acordo com o parecer do douto MPF (STJ. MS
nº 13.599/DF, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Terceira Seção, j. em 12.05.2010, DJe,
28 maio 2010, g.n.).
430
Art. 386. O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que
reconheça:
I - estar provada a inexistência do fato;
II - não haver prova da existência do fato;
III - não constituir o fato infração penal;
IV - estar provado que o réu não concorreu para a infração penal;
V - não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal;
VI - existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena (arts. 20, 21, 22,
23, 26 e §1º do art. 28, todos do Código Penal), ou mesmo se houver fundada dúvida sobre
sua existência;
VII - não existir prova suficiente para a condenação.
431
Vide art. 65 do Código de Processo Penal: Faz coisa julgada no cível a sentença penal que
reconhece ter sido o ato praticado em estado de necessidade, em legítima defesa, em
estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.
432
Art. 229. À família do servidor ativo é devido o auxílio-reclusão, nos seguintes valores:
I - dois terços da remuneração, quando afastado por motivo de prisão, em flagrante ou
preventiva, determinada pela autoridade competente, enquanto perdurar a prisão; II -
metade da remuneração, durante o afastamento, em virtude de condenação, por sentença
definitiva, a pena que não determine a perda de cargo. §1º. Nos casos previstos no inciso I
deste artigo, o servidor terá direito à integralização da remuneração, desde que absolvido.
§2º. O pagamento do auxílio-reclusão cessará a partir do dia imediato àquele em que o
servidor for posto em liberdade, ainda que condicional.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 229 10/03/2016 14:05:57


CAPÍTULO 11

PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR


DO SERVIDOR PÚBLICO

11.1 Princípios: poderes e limitações


Os servidores públicos, em razão do regime jurídico a que
estão submetidos, respondem, administrativamente, pela infração aos
deveres inerentes à função pública que exercem. Cabe à Administração
Pública promover, de ofício ou a requerimento, apuração de toda
irregularidade que venha a ocorrer no âmbito de sua abrangência, desde
que haja indicação mínima da autoria e do fato reprovável.
A responsabilidade administrativa encontra-se na “impossibili-
dade de o sujeito negar a posição de supremacia axiológica e jurídica
do Estado e da sociedade”,433 pois decorre do próprio ‘contrato’ firmado
pelo servidor quando da investidura no exercício de função pública,
“do dever de responder pela conduta adotada no desempenho das ati-
vidades administrativas, e isso significa a impossibilidade de eximir-se
dos efeitos das ações e omissões”.434
O instrumento legal utilizado para averiguação das infrações
funcionais do servidor público e aplicação das sanções é o processo

433
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 9. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2013. p. 1.044.
434
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 9. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2013. p. 1.044.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 231 10/03/2016 14:05:57


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
232 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

administrativo disciplinar, cuja previsão constitucional (art. 5º, LV)435


traz requisito essencial para sua existência válida, qual seja, observância
obrigatória ao princípio do contraditório e da ampla defesa.
Desse modo, enquanto é dever da Administração a instauração
de procedimento administrativo para averiguação da infração, sua
atuação deve pautar-se nos princípios constitucionais que lhe servem
de fundamento e também de limite.

11.1.1 Princípio da legalidade


As constituições brasileiras, desde sua origem, com a Carta Im-
perial de 1824, colocam entre seus pressupostos essenciais a noção de
que a lei é a medida necessária de deveres, direitos e obrigações, tanto
nas relações privadas como no plano de atuação pública.
Ao contrário da pessoa de direito privado que, como regra, tem a
liberdade de fazer aquilo que a lei não proíbe, prevalecendo a vontade
individual, o administrador público somente pode fazer aquilo que a
lei autoriza expressa ou implicitamente. Eros Roberto Grau, em artigo
datado de 1999, com propriedade salientou ser o princípio da legalidade
um bem humano incondicional,436 acrescentando ser a legalidade forma
de proteção da sociedade contra o Estado autoritário.
No direito positivo brasileiro, o princípio da legalidade está
positivado no art. 37 e no art. 5º, II, da Constituição Federal, que
estabelece que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer
alguma coisa senão em virtude de lei”.
Assim, na aplicação de sanção, punição ou na concessão de
qualquer tipo de direito ou criação de obrigação, o princípio da
legalidade atua como limitador da Administração Pública, sendo a
observância deste preceito constitucional garantida por meio de outro
direito assegurado pelo mesmo dispositivo, em decorrência do qual “a
lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de
lesão”, mesmo que ela decorra de ato da administração”.

435
Art. 5º. [...] LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados
em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela
inerentes.
436
GRAU, Eros Roberto. Etiquetagem dos preços praticados pelo supermercado – Legislação
sobre Consumo – Livre Iniciativa e Princípio da Legalidade. Revista de Direito Administrativo,
v. 216, abr./jun. 1999.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 232 10/03/2016 14:05:57


CAPÍTULO 11
PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR DO SERVIDOR PÚBLICO
233

11.1.2 Princípio da oficialidade


O princípio da oficialidade refere-se à competência da própria
Administração em instaurar e promover o desenvolvimento do processo
administrativo, ao contrário do que ocorre no processo judicial, que
depende da iniciativa da parte.
Assiste à Administração o direito de requerer diligência,
investigar fatos, requisitar pareceres, informações, bem como rever os
próprios atos e praticar aqueles necessários à observância do interesse
público, ou seja, a oficialidade permite à Administração agir ex officio,
quer na instauração do processo, quer na instrução ou na revisão de
suas decisões.
A Terceira Sessão do Superior Tribunal de Justiça já decidiu pelo
anulação de demissão de servidor com a consequente reintegração,
ao fundamento de que cabia à Administração proceder às diligências
necessárias para a descoberta da verdade no caso concreto, e não sim-
plesmente colocar o ônus da prova sobre o servidor. Concluiu o Mi-
nistro Relator, Nilson Naves, que a Administração esquivou-se de suas
funções, lançando ao servidor a incumbência de comprovar ausência
de circunstância irregular. Com propriedade, ressaltou o Ministro Félix
Fischer que a Comissão Disciplinar laborou em equívoco ao deixar de
diligenciar no sentido da completa elucidação dos fatos, com a aplica-
ção efetiva ao processo administrativo do princípio da oficialidade.437

11.1.3 Princípio da segurança jurídica


O princípio da segurança jurídica foi inserido entre os princípios
da Administração Pública pelo art. 2º, caput, da Lei nº 9.784/99, “pelo
fato de ser comum, na esfera administrativa, haver mudança de
interpretação de determinadas normas legais, com a conseqüente
mudança de orientação, em caráter normativo, afetando situações já
reconhecidas e consolidadas na vigência de orientação anterior”, como
asseverou Maria Sylvia Zanella Di Pietro.438
Tal princípio provém, como os demais, da noção de Estado de
Direito, significando que a Administração Pública deve zelar pela es-
tabilidade e pela ordem nas relações jurídicas como condição para que

437
STJ. MS nº 10.906/DF, Rel. Min. Nilson Naves, Terceira Seção, j. em 10.09.2008, DJ, 1º out.
2008.
438
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 28. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p.
119.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 233 10/03/2016 14:05:57


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
234 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

se cumpram as finalidades superiores do ordenamento, notadamente


por ser essa uma das maiores aspirações do ser humano: segurança em
si mesmo e certeza possível em relação ao que o cerca.439
Daí a importância da estabilidade nas relações jurídicas, pois sua
ausência inviabiliza a justiça, a paz e, consequentemente, o respeito às
decisões superiores do ordenamento. Como afirma Juarez Freitas, sem
estabilidade não há justiça que se afirme, uma vez que carece da ação
estatal que deve representar a coesão, permanência e respeitabilidade
mútua.440
Atualmente, por vivermos um momento de maior insegurança,
tanto no campo pessoal, como no da segurança pública, no econômico
e, principalmente, no campo jurídico, é que esse princípio demonstra
sua importância, passando a exprimir, diante das peculiaridades da
situação concreta, a própria justiça e o próprio direito.441
Não se olvida que, embora exista a possibilidade de os atos
administrativos sofrerem invalidação – requerida por terceiros
ou promovida pela própria Administração –, a tendência natural,
previsível, de seu destino, é a permanência no ordenamento jurídico.
A retirada posterior do ato, mesmo que promovida por motivo de
legalidade, desaponta essa previsibilidade e, com isso, a segurança que
se deposita em tais atos.
O Ministro Luiz Fux, no julgamento do Recurso Especial nº
658130, em 05.09.2006 já salientou ser referido princípio “basilar na

439
Celso Antônio Bandeira de Mello, na obra Grandes Temas de Direito Administrativo, capítu-
lo 10, afirma ser a “segurança jurídica” uma das mais profundas aspirações do homem,
acrescendo ser “a insopitável necessidade de poder assentar-se sobre algo, reconhecido
como estável ou relativamente estável, o que permite vislumbrar com alguma previsibili-
dade o futuro; é ela, pois, que enseja projetar e iniciar, consequentemente – e não aleato-
riamente, ao mero sabor do acaso –, comportamentos cujos frutos são esperáveis a médio
e longos prazos. Dita previsibilidade é, portanto, o que condiciona ação humana. Essa é a
normalidade das coisas” (p. 169).
440
FREITAS, Juarez. Controle dos Atos Administrativos e os Princípios Fundamentais. 5. ed. São
Paulo: Malheiros, 2013. p. 84-85.
441
O administrativista Almiro Couto E Silva, na obra Princípios da Legalidade da Administração
Pública e da Segurança Jurídica no Estado Contemporâneo, ressaltou, com propriedade, que
contingências sociais, culturais, econômicas, políticas, o tempo e o espaço, tudo isso impõe
adequações, temperamentos e adaptações na imperfeita aplicação daquela ideia abstrata à
realidade em que vivemos, sob pena de, se assim não se proceder, correr-se o risco de agir
injustamente ao cuidar de fazer justiça. Na verdade, quando se diz que em determinadas
circunstâncias a segurança jurídica deve preponderar sobre o justo e o legal, o que se está
afirmando a rigor é que o princípio da segurança jurídica passou a exprimir, naquele caso,
diante das peculiaridades da situação concreta, a justiça material; segurança jurídica não é,
aí, algo que se contraponha à justiça e ao direito, ela é a própria justiça e o próprio direito
(RDP, 84/46 e ss, São Paulo, Revista dos Tribunais).

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 234 10/03/2016 14:05:57


CAPÍTULO 11
PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR DO SERVIDOR PÚBLICO
235

salvaguarda da pacificidade e estabilidade das relações jurídicas”,442


e, por isso, a base fundamental do Estado de Direito.
A Ministra do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia, em
artigo publicado na Revista de Informação Legislativa,443 destacou ser
sinônimo de processo administrativo democrático o encontro da
segurança jurídica justa, por ser ela uma das formas de concretização
do princípio da legitimidade do poder, “à medida em que se esclarecem
e se afirmam os motivos das decisões administrativas”, ou seja, quanto
mais democrático for o processo administrativo, mais demonstrativo ele
é da essência e prática do exercício do poder em determinado Estado.
Acresce a jurista mineira: “É, pois, para a realização dos princípios
democráticos legitimadores do exercício do poder que se põe o processo
administrativo como instrumento de ação do agente público, gerando-se
em sua base jurídica o conjunto elementar dos subprincípios que dão
ao cidadão a segurança de aplicação eficiente do Direito justo”.

11.1.4 Princípio da boa-fé


O princípio da boa-fé ou da confiança do administrado na
Administração Pública deriva do princípio da moralidade. A boa-fé
dos administrados passou a ter importância imperativa no Estado
Intervencionista, constituindo, juntamente com a segurança jurídica,
indispensável à distribuição da justiça material.

442
Processual Civil. Administrativo. Recurso Especial. Divergência jurisprudencial não
comprovada. Anulação de licitação pela Administração Pública após a conclusão das
obras pelo particular. Ausência do devido processo legal. Ampla defesa e contraditório.
Impossibilidade. Decadência administrativa. Cinco anos. Precedentes jurisprudenciais.
[...] 4. Consoante cediço, a segurança jurídica é princípio basilar na salvaguarda da
pacificidade e estabilidade das relações jurídicas, por isso que não é despiciendo que a
segurança jurídica seja a base fundamental do Estado de Direito, elevada ao altiplano
axiológico. Sob esse enfoque e na mesma trilha de pensamento, J.J. Gomes Canotilho: “Na
actual sociedade de risco cresce a necessidade de actos provisórios e actos precários a fim
de a administração poder reagir à alteração das situações fáticas e reorientar a prossecução
do interesse público segundo os novos conhecimentos técnicos e científicos. Isto tem de
articular-se com salvaguarda de outros princípios constitucionais, entre os quais se conta
a proteção da confiança, a segurança jurídica, a boa-fé dos administrados e os direitos
fundamentais”. (José Joaquim Gomes, Direito constitucional e Teoria da Constituição. Ed.
Almedina: Coimbra, 4ª edição) [...] 10. O Superior Tribunal de Justiça, versando a mesma
questão, tem assentado que à Administração é lícito utilizar de seu poder de autotutela,
o que lhe possibilita anular ou revogar seus próprios atos, quando eivados de nulidades.
Entretanto, deve-se preservar a estabilidade das relações jurídicas firmadas, respeitando-
se o direito adquirido e incorporado ao patrimônio material e moral do particular. [...] (STJ.
REsp nº 658130/SP, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, j. em 05.09.2006, DJ, 28 set. 2006).
443
V. 34, n. 136, p. 5-28, out./dez. 1997.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 235 10/03/2016 14:05:57


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
236 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

Este princípio, juntamente com o princípio da segurança jurídica,


forma binômio protetor dos efeitos produzidos por atos administrativos
viciados.
Além da presença do princípio da segurança jurídica, o problema
da anulação do ato administrativo, especialmente o gerador de direitos,
apresenta-se sopesado, também, por dois princípios aparentemente
antagônicos: de um lado, o princípio da legalidade, reclamando a
anulação dos atos viciados; de outro, o princípio da confiança, que
exige a consideração da boa-fé do destinatário do ato concessivo de
direitos e advoga a estabilidade do ato, decretado pela autoridade,
determinando, então, a sua convalidação.
Assim, o princípio da boa-fé estatui o poder-dever, em casos de
longo curso temporal, de não anular, ou melhor, de sanar ou convalidar
determinados atos inquinados de vícios formais, no próprio resguardo
da estabilidade das relações jurídicas.

11.1.5 Princípio da autotutela


O princípio da autotutela confere à Administração o controle
sobre os próprios atos, com a possibilidade de anular os ilegais e revogar
os inconvenientes ou inoportunos, independentemente de recurso ao
Poder Judiciário.
Em decorrência desse princípio, cabe à Administração zelar pela
legalidade de seus atos e condutas e, como obtempera Odete Medauar,
por sua adequação ao interesse público.444
Na realidade, é uma decorrência do princípio da legalidade,
pois, se a Administração está sujeita à lei, cabe-lhe, evidentemente, o
controle da legalidade. Significa que o reconhecimento da ilegalidade
ou da conveniência de sua revogação permite à Administração, fundada
na autotutela, rever o próprio ato. É inquestionável esse poder que a
Administração possui, haja vista os enunciados das Súmulas nº 346445
e nº 473446 do Supremo Tribunal Federal.
Todavia, é importante registrar que a autotutela administrativa
encontra limites de ordem formal, material e temporal no ordenamento

444
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 18. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2014. p. 151.
445
Súmula nº 346. A Administração Pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos.
446
Súmula nº 473. A administração pode anular seus próprios atos quando eivados de vícios
que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de
conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos e ressalvada, em todos
os casos, a apreciação judicial.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 236 10/03/2016 14:05:57


CAPÍTULO 11
PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR DO SERVIDOR PÚBLICO
237

jurídico. Em relação aos limites formais, o exercício da autotutela há de


respeitar o devido processo legal (art. 5º, LIV e LV, da Constituição da
República). No que tange aos limites materiais, doutrina, jurisprudência
e a Lei Federal nº 9.784/99 e a Estadual Mineira nº 14.184/02 elencam
critérios nos quais a Administração deve se pautar, entre os quais o
exaurimento de competência, ausência de lesão, segurança jurídica,
certeza do direito e a boa-fé. Já no que concerne aos limites temporais,
tem-se o prazo para a Administração anular atos ilegais, não passíveis
de convalidação. De acordo com as leis supracitadas, é de 05 (cinco)
anos a decadência do direito da Administração Pública de anular, ex
oficio, atos administrativos.
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE nº 594.296/
MG,447 representativo da controvérsia (art. 543-B, do CPC), confirmou
a tese quanto à imprescindibilidade da instauração de prévio
procedimento administrativo quando o exercício do poder de autotutela
puder repercutir no campo de interesses individuais dos administrados.

11.1.6 Princípio do devido processo legal


O princípio do devido processo legal tem origem remotíssima
na Carta Magna Inglesa de 1215, na qual surge como garantia
eminentemente formal. Desde então, o due process of law sofreu notável
evolução, tanto na Inglaterra como nos Estados Unidos, país no qual
se desenvolveu, por força da jurisprudência, o aspecto material do
princípio.
No Brasil, a Constituição de 1988 foi a primeira a fazer constar,
expressamente, o princípio do devido processo legal, conforme leitura
do inc. LIV448 do art. 5º.
Abordando o princípio do ponto de vista estritamente formal,
pode-se afirmar que está na base de todos os demais princípios

447
Recurso Extraordinário. Direito Administrativo. Exercício do poder de autotutela estatal.
Revisão de contagem de tempo de serviço e de quinquênios de servidora pública. Reper-
cussão geral reconhecida. 1. Ao Estado é facultada a revogação de atos que repute ilegal-
mente praticados; porém, se de tais atos já decorreram efeitos concretos, seu desfazimento
deve ser precedido de regular processo administrativo. 2. Ordem de revisão de contagem
de tempo de serviço, de cancelamento de quinquênios e de devolução de valores tidos
por indevidamente recebidos apenas pode ser imposta ao servidor depois de submetida a
questão ao devido processo administrativo, em que se mostra de obrigatória observância
o respeito ao princípio do contraditório e da ampla defesa. 3. Recurso extraordinário a que
se nega provimento.
448
Art. 5º. [...] LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido
processo legal.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 237 10/03/2016 14:05:57


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
238 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

processuais, impondo a utilização de um processo prévio para que


os bens de particulares sejam atingidos pelo Estado, sob pena de
invalidade do ato. Insta ressaltar que não se trata, obviamente, de
qualquer processo, mas apenas o que, previsto em lei, assegure aos
cidadãos efetiva participação, através do exercício de diversas garantias
processuais, como, por exemplo, os princípios da ampla defesa e do
contraditório, que, de outro lado, estão expressos no art. 5º, LV,449 da
Constituição da República de 1988.
Quando o texto constitucional prescreve, no art. 5º, LIV e LV, a
obrigatoriedade do devido processo legal, da ampla defesa e do con-
traditório, não o faz de forma aleatória, uma vez que, dentro de um
Estado Democrático de Direito, o devido processo legal representa,
de forma singular, um óbice ao exercício arbitrário do poder estatal.
O princípio da ampla defesa é aplicável em qualquer tipo de
processo que envolva situações de litígio ou o poder sancionatário do
Estado sobre as pessoas físicas e jurídicas.
Já o princípio do contraditório, que é inerente ao direito de defesa,
é decorrente da bilateralidade do processo: os fatos e argumentos
alegados por umas das partes ensejam no dever de dar conhecimento à
outra, propiciando o direito de responder. Supõe, assim, o conhecimento
dos atos processuais pelo acusado e o seu direito de resposta ou de
reação, exigindo:
i) notificação dos atos processuais à parte interessada;
ii) possibilidade de exame das provas constantes do processo;
iii) direito de assistir à inquirição de testemunhas;
iv) direito de apresentar defesa escrita.
Dessa forma, esses princípios, aplicáveis a toda espécie de
processo por expressa previsão constitucional, exigem a comunicação
aos interessados da existência e dos termos do processo, bem como a
concessão de oportunidade para que sejam apresentadas alegações e
produzidas provas previamente à decisão. Em suma: referidos prin-
cípios pressupõem, de um lado, a informação, para possibilitar, de
outro, a reação.450

449
Art. 5º. [...] LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em
geral, são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela
inerentes.
450
MELLO, Rafael Munhoz. Processo Administrativo, Devido Processo Legal e a Lei nº
9.784/99. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, 227, p. 83-104, jan./mar., p. 93: “Os
princípios em comento podem ser reduzidos ao binômio informação-reação: a parte deve
ser informada da existência do processo, bem como dos atos praticados em seu curso; a
informação permite à parte reagir, ao menos potencialmente, defendendo-se, apresentando
alegações e produzindo provas”.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 238 10/03/2016 14:05:58


CAPÍTULO 11
PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR DO SERVIDOR PÚBLICO
239

11.1.7 Autoexecutoriedade
O poder de autoexecutoriedade representa a faculdade de a
Administração decidir e executar diretamente a sua decisão por seus
próprios meios, sem intervenção do Judiciário, ou seja, de colocar em
prática a decisão tomada.
Não obstante, não são todos os casos em que a Administração
possui esse poder, principalmente quando tal exercício afete o patri-
mônio do particular. A utilização desses meios diretos de coerção pela
Administração é cabível quando as circunstâncias indicam a necessi-
dade premente da obtenção do fato ou coisa451 e somente se justificam
se a medida, uma vez não adotada, provocar prejuízo maior para o
interesse público.452
Significa que a coação direta somente tem cabimento nos casos
de medidas urgentes e quando não há via de igual eficácia à disposição
da Administração para atingir o fim tutelado pelo direito, sendo
impossível, pena de frustração dele, aguardar a tramitação de uma
medida judicial.
Não se pode olvidar que toda e qualquer manifestação coerciva
da Administração deve guardar relação com uma situação abstrata e
previamente descrita em lei, sendo que, na hipótese de ausência de
previsão legal e desde que configurado um caso de urgência para a to-
mada da decisão, esta deverá – além de respeitar os direitos e garantias
fundamentais – ser amplamente motivada, justamente para ensejar ade-
quada reação por parte daqueles que se sentirem por ela prejudicados.
É comum a instauração de processos judiciais em razão do
lançamento, pela Administração, unilateralmente, de ‘descontos’ na
remuneração do servidor, a qualquer título, sem sua anuência.
Como já decidi em inúmeros casos, enquanto Juiz de Direito da
2ª Vara da Fazenda Pública e Autarquias de Belo Horizonte e como
Desembargador integrante da 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça
de Minas Gerais,453 é ilegal a realização de referidos descontos pela

451
FAGUNDES, Miguel Seabra. O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciário. 8. ed.
São Paulo: Saraiva, 2010. p. 239-250.
452
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Curso de Direito Administrativo. 28. ed. São Paulo: Atlas,
2015. p. 162.
453
Ementa: Agravo. Reexame Necessário/Apelação Cível. Servidor inativo. Reenquadra-
mento. Pagamento a maior de proventos. Não observância por parte da Administração.
Processo administrativo. Ordem de restituição. Impossibilidade. Valores percebidos por
inativos de boa-fé. Limitação aos efeitos do exercício da autotutela. Tutela da confiança.
Entendimento pacífico do Supremo Tribunal Federal. Sentença parcialmente reformada
em reexame necessário. Agravo não provido. 1. Em atenção ao princípio da autotutela, a

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 239 10/03/2016 14:05:58


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
240 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

Administração se realizados sem o consentimento do servidor, uma vez


que a norma que confere poder de autoexecutoriedade à Administra-
ção para proceder ao desconto em seus vencimentos, prescindindo da
intervenção do Poder Judiciário, não se me apresenta constitucional.
O fato é que não se pode confundir o princípio da autotutela
com o poder de autoexecutoriedade que a Administração possui no
exercício do poder de polícia.
O poder de autotutela diferencia-se do poder de autoexecuto-
riedade: o primeiro diz respeito ao dever-poder da Administração de
anular ou revogar os seus atos, no caso de nulidade ou conveniência; o
segundo é a faculdade de decidir e executar diretamente a sua decisão
por seus próprios meios, sem intervenção do Judiciário. Ocorre que
não são todos os casos em que a Administração possui esse poder,
principalmente quando tal exercício afete o patrimônio do particular.
As prestações pecuniárias devidas pelos administrados à Administração
só podem ser executadas por via judicial (STF-RDA 94/61).
Advertia Seabra Fagundes que o processo executório tem cabi-
mento quando as circunstâncias indicam a necessidade premente da
obtenção do fato ou coisa.454
Somente é admissível a coação direta nos casos de medidas
urgentes se não há via de igual eficácia à disposição da Administração
para atingir o fim tutelado pelo Direito, sendo impossível, pena de
frustração dele, aguardar a tramitação de medida judicial.

Administração Pública tem o poder-dever de controlar os seus próprios atos, com a pos-
sibilidade de anular os ilegais e revogar os inconvenientes ou inoportunos, independente-
mente de recurso ao Poder Judiciário, em atenção ao princípio da autotutela. 2. O exercício
da autotutela não se afigura pleno e esbarra nos limites que lhe são impostos pelos princí-
pios da segurança jurídica, da boa-fé, bem como pela regra da vedação ao comportamento
contraditório (venire contra factum proprium), normas estas que militam em favor do admi-
nistrado e cuja finalidade consiste em evitar que a confiança legítima depositada por ele
no comportamento adotado pela Administração seja lesada pela abrupta alteração deste
comportamento, de modo a frustrar a legítima confiança despertada naquele. 3. Por óbvio,
não se defende a tese da perpetuação de atos jurídicos ilegais. Na verdade, preocupa-se
com os efeitos drásticos de se conferir efeitos ex tunc a todo e qualquer ato administrativo
de controle de legalidade, a ponto de se permitir que alcance situações já consolidadas
pelas circunstâncias fáticas. 4. Na linha do entendimento do STJ, se o inativo de boa-fé
não teve a redução do pagamento de seus proventos a tempo e modo em consonância
com a disciplina que rege a matéria, em virtude de errônea interpretação ou má aplica-
ção da lei pela Administração Pública, afigura-se ilegal o ato que lhe impôs a restituição
compulsória dos valores pretéritos indevidamente percebidos. Precedentes: MS 10740/DF,
DJ 12/03/2007; REsp nº 598.395/SC, DJ 29/11/2004; REsp nº 488.905/RS, DJ 13/9/2004. [...]
(TJMG. AI nº 1.0024.10.036097-3/002, Rel. Des. Bitencourt Marcondes, Oitava Câmara Cí-
vel, j. em 27.02.2014, DJ, 13 mar. 2014).
454
FAGUNDES, Miguel Seabra. O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciário. 8. ed.
São Paulo: Saraiva, 2010. p. 239-250.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 240 10/03/2016 14:05:58


CAPÍTULO 11
PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR DO SERVIDOR PÚBLICO
241

Melhor explicando, quando há anuência do servidor ou após


regular processo administrativo, ele concorde com os descontos,
nenhum óbice há em procedê-lo. Entretanto, não havendo tal
procedimento ou assentimento, os descontos são nulos.
A norma-garantia contida no art. 5º, XXV, da Constituição da
República estabelece o princípio da ubiquidade da jurisdição e a nor-
ma infraconstitucional inserta no art. 649455, IV, do Código de Processo
Civil proíbe a constrição pela via judicial do patrimônio do devedor
para a satisfação do direito do credor, com muito mais razão, aquela
que permite esse apossamento pela Administração, para a satisfação de
seu pretenso direito, é de todo inconstitucional, pois, de forma indireta,
obnubila o princípio da inafastabilidade do Poder Jurisdicional.

11.2 Conceito
O processo administrativo disciplinar do servidor público,
normalmente identificado pelas iniciais PAD, é instrumento formal
utilizado pela Administração para apurar o cometimento de uma ou
mais infrações imputadas ao servidor público e aplicar a sanção devida,
com observância obrigatória do princípio constitucional inserto no art.
5º, LV, da Constituição da República: ampla defesa e contraditório.
Após a vigência da Carta de 1988, o direito ao contraditório e à
ampla defesa, com os meios e recursos a eles inerentes, foram erigidos
à condição de garantia constitucional do cidadão (art. 5º, LV, da CR).456
Desde então, qualquer ato da Administração Pública que tiver o condão
de repercutir sobre a esfera de interesses do administrado deverá ser
precedido de prévio procedimento em que se lhe assegure o efetivo
direito de participar e inspirar as decisões do Poder Público, na mais
plena democratização da atividade administrativa.457
Não se pode confundir o poder de a Administração agir de ofício,
ou seja, de iniciar procedimento independentemente de provocação das
partes, com a tomada de decisões sem a prévia oitiva dos interessados.
Saliente-se, entretanto, que o diferimento do contraditório e da ampla
defesa, por exemplo, desde que previsto em lei, diante de situações

455
Art. 649. São absolutamente impenhoráveis: [...] IV - os vencimentos dos magistrados, dos
professores e dos funcionários públicos, o soldo e os salários, salvo para pagamento de
prestação alimentícia.
456
Vide julgamento recente do Agravo de Instrumento nº 1.0024.13.169712-0/001, Oitava
Câmara Cível do TJMG, j. em 30.01.2014, DJ, 10 fev. 2014.
457
Precedentes dos Tribunais Superiores: RE nº 594.296/MG, DJ, 21 set. 2011; RMS nº 27.440/AL.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 241 10/03/2016 14:05:58


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
242 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

evidenciadoras de perigo de ineficácia de medida acautelatória, não


ofende referidos princípios deontológicos.
Em razão da autonomia de cada ente da Federação, a respon-
sabilidade administrativa do servidor público está disciplinada nos
estatutos funcionais dos respectivos entes federativos.
No âmbito federal, a Lei nº 8.112/90 regula o procedimento
previsto para a apuração das infrações e a imposição das sanções,
enquanto no âmbito do Estado de Minas Gerais temos o Estatuto do
Servidor Público Estadual (Lei nº 869/52). Após indicação dos deveres
dos servidores públicos,458 entre os quais se encontram a assiduidade,
pontualidade, discrição, urbanidade, lealdade às instituições consti-
tucionais e administrativas a que servir, referidas Leis enumeram as
condutas proibitivas existentes, sendo as dezenove constantes do art.
117, da Lei nº 8.112/90, as seguintes:
- ausentar-se do serviço durante o expediente, sem prévia
autorização do chefe imediato;
- retirar, sem prévia anuência da autoridade competente,
qualquer documento ou objeto da repartição;
- recusar fé a documentos públicos;
- opor resistência injustificada ao andamento de documento e
processo ou execução de serviço;
- promover manifestação de apreço ou desapreço no recinto da
repartição;
- cometer a pessoa estranha à repartição, fora dos casos
previstos em lei, o desempenho de atribuição que seja de sua
responsabilidade ou de seu subordinado;
- coagir ou aliciar subordinados no sentido de filiarem-se a
associação profissional ou sindical, ou a partido político;

458
Art. 116. São deveres do servidor: I - exercer com zelo e dedicação as atribuições do cargo;
II - ser leal às instituições a que servir; III - observar as normas legais e regulamentares;
IV - cumprir as ordens superiores, exceto quando manifestamente ilegais; V - atender
com presteza: a) ao público em geral, prestando as informações requeridas, ressalvadas
as protegidas por sigilo; b) à expedição de certidões requeridas para defesa de direito
ou esclarecimento de situações de interesse pessoal; c) às requisições para a defesa da
Fazenda Pública. VI - levar as irregularidades de que tiver ciência em razão do cargo ao
conhecimento da autoridade superior ou, quando houver suspeita de envolvimento desta,
ao conhecimento de outra autoridade competente para apuração; VII - zelar pela economia
do material e a conservação do patrimônio público; VIII - guardar sigilo sobre assunto
da repartição; IX - manter conduta compatível com a moralidade administrativa; X - ser
assíduo e pontual ao serviço; XI - tratar com urbanidade as pessoas; XII - representar contra
ilegalidade, omissão ou abuso de poder. Parágrafo único. A representação de que trata o
inciso XII será encaminhada pela via hierárquica e apreciada pela autoridade superior
àquela contra a qual é formulada, assegurando-se ao representando ampla defesa.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 242 10/03/2016 14:05:58


CAPÍTULO 11
PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR DO SERVIDOR PÚBLICO
243

- manter sob sua chefia imediata, em cargo ou função de


confiança, cônjuge, companheiro ou parente até o segundo
grau civil;
- valer-se do cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem,
em detrimento da dignidade da função pública;
- participar de gerência ou administração de sociedade privada,
personificada ou não personificada, exercer o comércio, exceto
na qualidade de acionista, cotista ou comanditário;
- atuar, como procurador ou intermediário, junto a repartições
públicas, salvo quando se tratar de benefícios previdenciários
ou assistenciais de parentes até o segundo grau e de cônjuge
ou companheiro;
- receber propina, comissão, presente ou vantagem de qualquer
espécie, em razão de suas atribuições;
- aceitar comissão, emprego ou pensão de estado estrangeiro;
- praticar usura sob qualquer de suas formas;
- proceder de forma desidiosa;
- utilizar pessoal ou recursos materiais da repartição em serviços
ou atividades particulares;
- cometer a outro servidor atribuições estranhas ao cargo que
ocupa, exceto em situações de emergência e transitórias;
- exercer quaisquer atividades que sejam incompatíveis com o
exercício do cargo ou função e com o horário de trabalho;
- recusar-se a atualizar seus dados cadastrais quando solicitado.
As normas contidas no art. 143459 da lei federal e no art. 218460
da lei estadual afirmam o princípio da oficialidade quando obrigam
a autoridade competente a promover ex officio a apuração imediata
de conduta irregular praticada no serviço público. Entretanto, é de se
ressaltar que o legislador mineiro, ao determinar, no parágrafo único
do dispositivo citado, que processo administrativo sempre precederá
à pena de demissão do funcionário, não autoriza concluir que somente
nesse caso é que se instaurará o processo administrativo.

459
Art. 143. A autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada
a promover a sua apuração imediata, mediante sindicância ou processo administrativo
disciplinar, assegurada ao acusado ampla defesa.
460
Art. 218. A autoridade que tiver ciência ou notícia da ocorrência de irregularidades no
serviço público é obrigada a promover-lhe a apuração imediata por meio de sumários, in-
quérito ou processo administrativo. Parágrafo único. O processo administrativo precederá
sempre à demissão do funcionário.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 243 10/03/2016 14:05:58


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
244 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

O procedimento apuratório pode ter mais ou menos formalidades,


o que não pode ocorrer é o comprometimento da ampla defesa, do
contraditório, enfim do devido processo legal. Trata-se de garantia
fundamental consagrada em nossa Constituição da República.
Assim, normas infraconstitucionais anteriores que previam
aplicação de sanção de menor gravidade, pelo princípio da verdade
sabida,461 não foram recepcionadas pela nova ordem constitucional.

11.3 Sindicância/inquérito administrativo


A lei federal prevê a existência de três importantes fases no
processo administrativo disciplinar:462 (i) instauração, com a publicação
do ato que constituir a comissão; (ii) inquérito administrativo, que
compreende instrução, defesa e relatório; (iii) julgamento.
Já a Lei Mineira nº 869/52 divide o processo administrativo
disciplinar em duas fases distintas: (i) inquérito administrativo; (ii)
processo administrativo propriamente dito.
Preliminarmente, visando à apuração a respeito da existência
do ilícito do servidor, é prevista a instauração de sindicância/inquérito
administrativo: meio sumário utilizado pela Administração Pública bra-
sileira para, sigilosa ou publicamente, com indiciados ou não, proceder
à apuração de ocorrências anômalas no serviço público, as quais, sendo
confirmadas, fornecerão elementos concretos para a abertura imediata
de processo administrativo contra o funcionário público responsável.463

461
Hely Lopes Meirelles coloca: “Verdade sabida é o conhecimento pessoal da infração pela
própria autoridade competente para punir o infrator. Tal ocorre, p. ex., quando o subor-
dinado desautoriza o superior no ato do recebimento de uma ordem ou quando em sua
presença comete falta punível por ele próprio. Em tais casos, a autoridade competente,
que presenciou a infração, aplica a pena pela verdade sabida, consignando no ato punitivo
as circunstâncias em que foi cometida e presenciada a falta. Esse meio sumário só é ad-
missível para as penalidades cuja imposição não exija processo administrativo disciplinar.
Tem-se considerado, também, como verdade sabida a infração pública e notória, estampada
na imprensa ou divulgada por outros meios de comunicação de massa. O essencial para se
enquadrar a falta na verdade sabida é seu conhecimento direto pela autoridade competente
para puni-la, ou sua notoriedade irretorquível. Não obstante, embora sem rigor formal,
deve-se assegurar a possibilidade de defesa” (In: Direito Administrativo Brasileiro. 39. ed.
São Paulo: Malheiros, 2013. p. 777/778).
462
Art. 151. O processo disciplinar se desenvolve nas seguintes fases:
I - instauração, com a publicação do ato que constituir a comissão;
II - inquérito administrativo, que compreende instrução, defesa e relatório;
III - julgamento.
463
CRETELLLA JÚNIOR, José. Dicionário de direito administrativo. Rio de Janeiro: Forense,
1978. p. 494.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 244 10/03/2016 14:05:58


CAPÍTULO 11
PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR DO SERVIDOR PÚBLICO
245

No processo administrativo regido pela Lei nº 869/52, está previsto o in-


quérito administrativo, cujo telos é averiguar de forma sumária e sigilosa
fatos que, em tese, configurariam ilícito administrativo (art. 220, §2º).
Ocorre que o inquérito também é procedimento que serve para
aplicação de penalidades mais brandas na Lei nº 869/52, como repreen-
são, multa ou suspensão (art. 220, §4º),464 mas não prevê a possibilidade
de contraditório e muito menos de defesa, ao contrário da previsão
expressa contida na Lei Federal nº 8.112/90.465
Do que já foi exposto em relação à obrigatoriedade do devido
processo legal para o exercício do direito sancionatório do Estado,
referida norma da Lei Estadual não fora recepcionada pela atual Cons-
tituição da República.
O inquérito não pode ser procedimento prévio para aplicar
sanção alguma, serve apenas como peça informativa,466 para servir de
base de processo administrativo disciplinar, se a autoridade vislumbrar
que o fato configura ilícito administrativo.
A prova incriminadora sem a participação do investigado não
serve para lastrear a sanção a ser aplicada. Daí por que, a meu aviso,
esse procedimento preliminar somente tem valia quando não houver
elementos suficientes a justificar desde logo a instauração do processo
administrativo disciplinar.
Vale aqui a ressalva: se a autoridade instaurar o contraditório,
permitindo ao investigado participar da inquirição das testemunhas,
podendo elaborar perguntas, tais provas podem ser consideradas,
sem necessidade de nova oitiva quando da instauração do processo
administrativo.
O Superior Tribunal de Justiça, por suas 5ª e 6ª Turmas, nos
julgamentos recentes que tratam da questão, enfatiza a necessidade
premente de, na análise do caso concreto, verificar a natureza da
sindicância para constatação da sua legalidade: se visou somente apurar
a ocorrência de infrações, sem estar dirigida desde logo à aplicação da

464
Art. 220. O processo administrativo constará de duas fases distintas: [...] §4º - Nenhuma
penalidade, exceto repreensão, multa e suspensão, poderá decorrer das conclusões a que
chegar o inquérito, que é simples fase preliminar do processo administrativo.
465
Vide disposições dos arts. 143 e 153 da Lei nº 8.112/90, in verbis: Art. 143. A autoridade que
tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a promover a sua apuração
imediata, mediante sindicância ou processo administrativo disciplinar, assegurada ao
acusado a ampla defesa.

[...] Art. 153. O inquérito administrativo obedecerá ao princípio do contraditório, assegura-
da ao acusado ampla defesa, com a utilização dos meios e recursos admitidos em direito.
466
Assim é expressamente definido pela Lei nº 8.112/90, no art. 154: “Os autos da sindicância
integrarão o processo disciplinar, como peça informativa da instrução”.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 245 10/03/2016 14:05:58


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
246 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

sanção, prescinde da observância dos princípios do contraditório e da


ampla defesa, repise-se, por se tratar de procedimento inquisitorial,
prévio à acusação e anterior ao processo administrativo disciplinar.467
Caso tenha sido utilizado como meio único para a apuração de penali­
dades disciplinares, deve, obrigatoriamente, observar os princípios da
ampla defesa, contraditório e do devido processo legal.468

11.4 Processo administrativo propriamente dito


A autoridade que houver determinado a instauração do pro-
cedimento designará comissão processante especial469 composta de
três servidores efetivos470 e estáveis,471 um deles exercendo a função
de presidente da Comissão, com escolaridade igual ou superior ao do
sindicado.472
A comissão é dotada de independência e imparcialidade no
exercício das funções que lhe são atribuídas, sendo imperativo o sigilo
(não para o processado) nos casos de interesse da Administração ou
nas hipóteses necessárias à elucidação do caso.473
Uma vez autuado o processo, ele é encaminhado para a comissão
processante que é responsável pela instauração, por meio de portaria
na qual consta o nome do(s) servidor(es) envolvido(s), a infração em
tese cometida, a descrição dos fatos e a indicação dos dispositivos
legais infringidos.

467
STJ. AgRg no RMS nº 20254/SP, Sexta Turma, Relª. Minª. Alderita Ramos de Oliveira
(Desembargadora Convocada do TJPE), j. em 15.08.2013, DJ, 27 ago. 2013; STJ, MS nº 7.989/
DF, Terceira Seção, Relª. Minª. Alderita Ramos de Oliveira (Desembargadora Convocada
do TJPE), j. em 12.06.2013, DJ, 19 jun. 2013.
468
STJ, RMS nº 25030/MS, Rela. Mina. Laurita Vaz, Quinta Turma, j. em 06.09.2011, DJ, 22 set.
2011.
469
Maria Sylvia Zanella Di Pietro coloca que o fato de o processo administrativo ser presidido
por comissão assegura maior imparcialidade na instrução do processo, “pois a comissão é
órgão estranho ao relacionamento entre o funcionário e o superior hierárquico” (In: Direito
Administrativo. 28. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 782).
470
Cônjuge, companheiro ou parente do acusado, consanguíneo ou afim, em linha reta ou
colateral até o terceiro grau não podem participar da comissão.
471
Vide art. 221, da Lei nº 869/52.
472
Na Lei nº 8.112/90, a ressalva é feita da seguinte forma: Art. 149. O processo disciplinar será
conduzido por comissão composta de três servidores estáveis designados pela autoridade
competente, observado o disposto no §3º do art. 143, que indicará, dentre eles, o seu presi-
dente, que deverá ser ocupante de cargo efetivo superior ou de mesmo nível, ou ter nível
de escolaridade igual ou superior ao do indiciado.
473
Edimur Ferreira de Faria, na obra Curso de Direito Administrativo Positivo, salienta que
as reuniões e audiências da comissão processante são de caráter reservado (In: Curso de
Direito Administrativo Positivo. 7. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2011. p. 696).

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 246 10/03/2016 14:05:58


CAPÍTULO 11
PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR DO SERVIDOR PÚBLICO
247

A portaria bem instruída é premissa básica para o processo ad-


ministrativo disciplinar atingir seus fins com observância aos princípios
da legalidade, do devido processo, do contraditório e da ampla defesa,
pois a clareza e a objetividade na sua elaboração são essenciais para a
defesa, ao permitirem ao servidor conhecer o ilícito do qual é acusado.
Nesse ponto, constatado que a infração administrativa também
configura ilícito penal, é dever da comissão a comunicação do fato às
autoridades policiais e o fornecimento dos elementos de instrução de
que já dispõe.
Enquanto pelo princípio da oficialidade cabe à comissão realizar e
determinar todas as diligências necessárias à elucidação dos fatos, pelos
princípios do contraditório e da ampla defesa, tem o processado direito
de acompanhar toda a instrução, com ou sem defensor,474 inclusive
tendo acesso a todas as provas contra ele apresentadas.
Ao final, concedida vista do processo ao servidor indiciado,
ele é notificado para apresentação da defesa, de forma escrita,
independentemente da representação por advogado, repise-se. Na falta
dessa, “a comissão designará funcionário, de preferência bacharel em
direito, para defender o indiciado”.475
Encerrada a defesa, a comissão apresenta o relatório, opinando
pela absolvição ou aplicação de determinada penalidade, com indicação
das provas que fundamentam a opção.
Com esse parecer, após análise dos autos, a autoridade
competente apresenta a decisão:476 se no mesmo sentido da sugestão
da comissão, o relatório servirá de motivação; se em sentido contrário,
deve motivar a decisão, expondo os fundamentos nos quais se baseou
para decidir em sentido diverso, indicando os elementos do processo,
inclusive podendo optar por aplicação de penalidade mais grave,477
conforme já decidiu em inúmeros casos tanto o Superior Tribunal
de Justiça como o Supremo Tribunal Federal.478 Pelo princípio da

474
O Supremo Tribunal Federal, na Súmula Vinculante nº 5, firmou entendimento no sentido
de que “a falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não
ofende a Constituição”, ou seja, a defesa do acusado por advogado somente é exigível no
plano judicial.
475
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 28. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 783.
476
Vide artigos 167, da Lei nº 8.112/90, e 229, da Lei nº 869/52.
477
Nesse sentido é expressa a norma inserta no art. 168, parágrafo único, da Lei nº 8.112/90:
“Quando o relatório da comissão contrariar as provas dos autos, a autoridade julgadora
poderá, motivadamente, agravar a penalidade proposta, abrandá-la ou isentar o servidor
de responsabilidade.”
478
Vide MS nº 13.364/DF, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Terceira Seção, j. em
14.05.2008, DJe, 26 ago. 2008; MS nº 18.047/DF, Rel. Min. Mauro Campbell Marques,
Primeira Seção, j. em 26.03.2014, DJe, 1º abr. 2014.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 247 10/03/2016 14:05:58


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
248 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

oficialidade, cabe inclusive determinar novas diligências, declarar a


nulidade do procedimento etc.
Encerrando-se o processo com a absolvição do acusado ou deter-
minada a aplicação de penalidade, cabível o pedido de reconsideração
e os recursos hierárquicos, além da revisão.

11.5 Penalidades: Lei nº 8.112/90 e Lei nº 869/52


As penalidades disciplinares previstas na Lei nº 8.112/90 e na Lei
nº 869/52 não são coincidentes.
Enquanto na primeira temos, nessa ordem,479 advertência,
suspensão, demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade,
destituição de cargo em comissão e destituição de função comissionada
as quais requerem, sempre, a análise da natureza e gravidade da
infração cometida, bem como os danos dela provenientes, na Lei
Estadual aparecem repreensão, multa,480 suspensão, destituição de
função, demissão e demissão a bem do serviço público, todas autônomas
e independentes.481
Em razão da diversidade de tipificação e das infrações que as
ensejam, útil o quadro comparativo a seguir, para melhor visualização
das hipóteses de incidência:

479
Art. 127, da Lei nº 8.112/90.
480
Art. 247. A pena de multa será aplicada na forma e nos casos expressamente previstos em
lei ou regulamento.
481
Art. 244. São penas disciplinares: [...] Parágrafo único - A aplicação das penas disciplinares
não se sujeita à seqüência estabelecida neste artigo, mas é autônoma, segundo cada caso e
consideradas a natureza e a gravidade da infração e os danos que dela provierem para o
serviço público.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 248 10/03/2016 14:05:58


CAPÍTULO 11
PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR DO SERVIDOR PÚBLICO
249

Lei nº 8.112/90

Penalidades Infração ensejadora

Ausentar-se do serviço durante o expediente, sem


prévia autorização.
Retirar, sem prévia anuência da autoridade
Advertência competente, qualquer documento ou objeto da
(art. 129) repartição.
Recusar fé a documentos públicos.
Opor resistência injustificada ao andamento de
documento e processo ou execução de serviço.
Promover manifestação de apreço ou desapreço no
recinto de repartição.
Cometer a pessoa estranha à repartição, fora dos ca-
sos previstos em lei, o desempenho de atribuição que
seja de sua responsabilidade ou de seu subordinado.
Manter sob sua chefia imediata, em cargo ou função
de confiança, cônjuge, companheiro ou parente até
o segundo grau civil.
Recusar-se a atualizar seus dados cadastrais quando
solicitado.
Inobservância de dever funcional previsto em lei,
regulamentação ou norma interna, que não justifique
imposição de penalidade mais grave.

Reincidência das faltas punidas com advertência e de


violação das demais proibições que não tipifiquem
Suspensão infração sujeita a penalidade de demissão, não
podendo exceder de 90 (noventa) dias.
Suspensão de 15 dias ao servidor que, injustifica-
damente, recusar-se a ser submetido a inspeção
médica determinada pela autoridade competente,
cessando os efeitos da penalidade uma vez cumprida
a determinação.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 249 10/03/2016 14:05:59


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
250 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

Crime contra a administração pública.


Abandono de cargo.
Inassiduidade habitual.
Improbidade Administrativa.
Incontinência pública e conduta escandalosa, na
repartição.
Insubordinação grave em serviço.
Ofensa física, em serviço, a servidor ou a particular,
salvo em legítima defesa própria ou de outrem.
Aplicação irregular de dinheiros públicos.
Demissão Revelação de segredo do qual se apropriou em razão
do cargo.
Lesão aos cofres públicos e dilapidação do patrimônio
nacional.
Corrupção.
Acumulação ilegal de cargos, empregos ou funções
públicas.
Valer-se do cargo para lograr proveito pessoal ou
de outrem, em detrimento da dignidade da função
pública.
Participar de gerência ou administração de sociedade
privada, personificada ou não personificada, exercer
o comércio, exceto na qualidade de acionista, cotista
ou comanditário.
Atuar, como procurador ou intermediário, junto a
repartições públicas, salvo quando se tratar de be-
nefícios previdenciários ou assistenciais de parentes
até o segundo grau e de cônjuge ou companheiro.
Receber propina, comissão, presente ou vantagem
de qualquer espécie, em razão de suas atribuições.
Aceitar comissão, emprego ou pensão de estado
estrangeiro.
Praticar usura sob qualquer de suas formas.
Proceder de forma desidiosa.
Utilizar pessoal ou recursos materiais da repartição
em serviços ou atividades particulares.

Cassação de Será cassada a aposentadoria ou a disponibilidade


aposentadoria do inativo que houver praticado, na atividade, falta
ou disponibilidade punível com a demissão.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 250 10/03/2016 14:05:59


CAPÍTULO 11
PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR DO SERVIDOR PÚBLICO
251

Exercido por não ocupante de cargo efetivo: a pena


será aplicada nos casos de infração sujeita às pena-
lidades de suspensão e demissão.
Se aplicada em razão de: improbidade administrativa,
Destituição aplicação irregular de dinheiros públicos, lesão aos
de cargo em cofres públicos e dilapidação do patrimônio nacional
comissão ou corrupção, implica a indisponibilidade dos bens
e o ressarcimento ao erário, sem prejuízo da ação
penal cabível.
Se aplicada em razão de: valer-se do cargo para lograr
proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da
dignidade da função pública ou atuar, como procu-
rador ou intermediário, junto a repartições públicas,
salvo quando se tratar de benefícios previdenciários
ou assistenciais de parentes até o segundo grau ou
de cônjuge ou companheiro, incompatibiliza o ex-
-servidor para nova investidura em cargo público
federal, pelo prazo de 5 anos.
Não poderá retornar ao serviço público federal o
servidor que for demitido ou destituído do cargo em
comissão em razão de: crime contra a administração
pública, improbidade administrativa, lesão aos cofres
públicos e dilapidação do patrimônio nacional e
corrupção.

Destituição
de função
comissionada

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 251 10/03/2016 14:05:59


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
252 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

Lei nº 869/52 – MG

Penalidades Infração ensejadora

Desobediência.
Repreensão Falta de cumprimento de deveres.

Dolo ou má-fé na falta de cumprimento de deveres.


Falta grave.
Recusa em submeter-se a inspeção médica quando
necessária.
Suspensão Desrespeito às proibições consignadas no Estatuto.
Reincidência em falta já punida com repreensão.
Recebimento doloso e indevido de vencimento,
remuneração e vencimentos.
Requisição irregular de transportes.
Concessão de laudo médico gracioso.

Falta de exação no desempenho.


Destituição Quando por negligência ou benevolência, o funcio-
de função nário contribui para que se não apurasse, no devido
tempo, a falta de outro.

Acumulação, ilegal, de cargos, funções ou cargos


com funções.
Incorre em abandono de cargo ou função pública
pelo não comparecimento ao serviço sem causa
justificada por mais por mais de 30 dias consecutivos
Demissão ou mais de 90 não consecutivos em um ano.
Aplicar indevidamente dinheiro público.
Exercer a advocacia administrativa.
Receber em avaliação periódica de desempenho:
a) 02 conceitos sucessivos de desempenho insatis-
fatório.
b) 03 conceitos interpolados de desempenho insa-
tisfatório em 5 avaliações consecutivas.
c) 04 conceitos interpolados de desempenho insa-
tisfatório em 10 avaliações consecutivas.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 252 10/03/2016 14:05:59


CAPÍTULO 11
PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR DO SERVIDOR PÚBLICO
253

Incontinência pública e escandalosa, de vício de


Demissão jogos proibidos e de embriaguez habitual.
a bem do serviço Praticar crime contra a boa ordem e a Administração
Pública e a Fazenda Estadual.
Revelar segredos de que tenha conhecimento
em razão do cargo ou função, desde que o faça
dolosamente e com prejuízo para o Estado ou
particulares.
Praticar, em serviço, ofensas físicas contra
funcionários ou particulares, salvo em legítima
defesa.
Lesar os cofres públicos ou delapidar o patrimônio
do Estado.
Receber ou solicitar propinas, comissões, presentes
ou vantagens de qualquer espécie.

Pode-se notar, da análise comparativa das penalidades previstas


nos estatutos federal e estadual que: (i) as faltas de menor gravidade
são responsáveis pela advertência e repreensão, respectivamente; (ii)
a suspensão se dá, via de regra, na reincidência de faltas puníveis com
advertência/repreensão e violação das demais proibições que não
tipifiquem infração sujeita a demissão, não podendo ultrapassar noventa
dias. Enquanto, na Lei nº 8.112/90, há previsão expressa de, quando
houver conveniência para o serviço, conversão da pena de suspensão
em multa, na base de 50% (cinquenta por cento) por dia de vencimento
ou remuneração, ficando o servidor obrigado a permanecer em serviço,
a Lei nº 869/52 é enfática ao prever a perda de todas as vantagens e
direitos decorrentes do exercício do cargo pelo servidor suspenso.482
É fato incontestável, conforme jurisprudência já firme nos Tribu-
nais Superiores, que a autoridade responsável pela aplicação das penas
vincula-se aos fatos apurados e não à capitulação legal proposta pela
comissão processante e, da mesma forma, o indiciado defende-se dos
fatos contra ele imputados, “não importando a classificação legal inicial,
mas sim a garantia da ampla defesa e do contraditório”.483
Por fim, importante a ressalva quanto à reabilitação administrativa:
na Lei nº 8.112/90,484 há previsão expressa de cancelamento dos

482
Vide art. 246, §2º.
483
STJ, MS nº 13.364/DF, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Terceira Seção, j. em
14.05.2008, DJe, 26 maio 2008. No mesmo sentido, MS nº 15.810, Rel. Min. Humberto
Martins, Primeira Seção, j. em 29.02.2012, DJe, 30 mar. 2012.
484
Vide art. 131.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 253 10/03/2016 14:05:59


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
254 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

registros das penas de advertência e suspensão se, após o decurso de


três e cinco anos de efetivo exercício, respectivamente, o servidor não
houver praticado nova infração disciplinar. Já na Lei nº 869/52 aparece
como a retirada, dos registros funcionais, das anotações das penas de
repreensão, multa, suspensão e destituição de função, sempre, por uma
única vez, e pelos prazos descritos no art. 253.485

11.5.1 Cassação da aposentadoria


Hipótese que merece questionamentos quanto à constituciona-
lidade diz respeito à norma inserta no art. 134486 da Lei nº 8.112/90, ou
seja, a cassação da aposentadoria como espécie de sanção disciplinar
prevista em lei para punição de servidor inativo, quando demonstrada
a prática de infração sujeita à demissão.
Nessa seara, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal487
firmou-se no sentido da possibilidade de aplicação daquela sanção,
inclusive nas hipóteses em que a falta é cometida pelo servidor em
momento posterior à implementação dos requisitos necessários à
aquisição do direito à aposentadoria.

485
Art. 253. Deverão constar do assentamento individual todas as penas impostas ao funcio-
nário, inclusive as decorrentes da falta de comparecimento às sessões do júri para que for
sorteado. [...] §2º. O funcionário poderá requerer reabilitação administrativa, que consiste
na retirada, dos registros funcionais, das anotações das penas de repreensão, multa, sus-
pensão e destituição de função, observado o decurso de tempo assim estabelecido: 1 – três
(3) anos para as penas de suspensão compreendidas entre sessenta (60) a noventa (90) dias
ou destituição de função; 2 – dois (2) anos para as penas de suspensão compreendidas
entre trinta (30) e sessenta (60) dias; 3 – um (1) ano para as penas de suspensão de um (1)
a trinta (30) dias, repreensão ou multa. §3º - Os prazos a que se refere o parágrafo ante-
rior serão contados a partir do cumprimento integral das respectivas penalidades. §4º - A
reabilitação administrativa estende-se ao aposentado, desde que ocorram os requisitos a
ela vinculados. §5º - Em nenhum caso a reabilitação importará direito de ressarcimento,
restituição ou indenização de vencimentos ou vantagens não percebidos no período de
duração da pena. §6º - A reabilitação será concedida uma única vez. §7º - Os procedimen-
tos para o instituto da reabilitação serão definidos em decreto. §8º - É da competência do
Secretário de Administração decidir sobre a reabilitação, ouvido, previamente, o titular da
repartição de exercício do funcionário.
486
Art. 134. Será cassada a aposentadoria ou a disponibilidade do inativo que houver pratica-
do, na atividade, falta punível com a demissão.
487
Ementa: 1. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental. 2. Servidor públi-
co: legitimidade da pena de cassação de aposentadoria, por ilícito administrativo cometi-
do pelo servidor ainda na atividade, conforme reiterada jurisprudência do Supremo Tribunal
(v.g. RMS 24.557, 2ª T., 2.9.2003, Carlos Velloso, DJ 7.12.95; MS 21.948, Pleno, 29.9.1994, Néri
da Silveira, DJ 26.9.2003). 3. Recurso extraordinário: descabimento: controvérsia relativa à
imposição da pena de cassação de aposentadoria à agravante, que demanda o reexame dos
fatos e provas que permeiam a lide: incidência da Súmula 279. (STF, Primeira Turma, AI
504188 ED/RS, MS nº 20882/MA. Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. em 11.10.2005, g.n.).

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 254 10/03/2016 14:05:59


CAPÍTULO 11
PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR DO SERVIDOR PÚBLICO
255

Como membro do Órgão Especial do Tribunal de Justiça de


Minas Gerais, atuei como Relator no julgamento de Mandado de
Segurança488 que retrata bem a amplitude das normas que preveem a
cassação da aposentadoria. No caso em apreço, o impetrante, ex-policial
civil do Estado, ocupante quando na ativa do cargo de investigador de
polícia, aposentado por invalidez, foi ‘surpreendido’ com publicação
de ato do Corregedor-Geral da Polícia Civil, no sentido de acolher a
proposição da Comissão Processante e propor ao Governador do Estado
a aplicação da pena de cassação da aposentadoria.
Quando do julgamento, argumentei a inexistência de ofensa a
direito adquirido porque, consoante jurisprudência da Suprema Corte
– citada alhures –, seria possível a punição do servidor com a cassação
de sua aposentadoria, mesmo nas hipóteses em que a falta é cometida
posteriormente à implementação dos requisitos necessários à aquisição
do direito à aposentação.
Ressalto que a jurisprudência uníssona do Supremo Tribunal
Federal tem como premissa a aposentadoria premial (aposentadoria
por tempo de serviço, não contributiva), tendo em vista que esse
entendimento fora firmado anteriormente à Constituição de 1988, e

488
Ementa: Mandado de Segurança. Governador do Estado. Ilegitimidade passiva. Inade-
quação típica. Cassação da aposentadoria. Policial Civil. Sanção prevista em lei. Processo
administrativo disciplinar. Observância dos princípios do contraditório e da ampla defesa.
Aplicação da penalidade. Razoabilidade e proporcionalidade. Ausência de direito adquiri-
do. Segurança denegada. 1. O Governador do Estado é parte legítima para figurar no pólo
passivo de mandado de segurança impetrado contra ato administrativo consubstanciado
na aplicação da pena de cassação da aposentadoria de servidor público estadual. 2. Não há
falar-se em ausência de interesse processual, por inadequação típica da ação mandamen-
tal, quando a solução da lide prescinde de dilação probatória. 3. As normas insertas nos ar-
tigos 154, inciso VI, e 160, inciso I, da Lei nº 5.406/69, que contém a Lei Orgânica da Polícia
Civil, preveem a aplicação da pena de cassação da aposentadoria na hipótese em que ficar
comprovado que o servidor inativo praticou, quando em atividade, falta grave para a qual
é cominada pena de demissão. 4. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se
no sentido da possibilidade de aplicação da sanção de cassação da aposentadoria, mesmo
nas hipóteses em que a falta é cometida pelo servidor em momento posterior à implemen-
tação dos requisitos necessários à aquisição do direito à aposentadoria. 5. Vislumbra-se a
legitimidade do ato administrativo que cassou a aposentadoria concedida ao impetrante,
seja porque fora praticado após instauração e trâmite de regular procedimento adminis-
trativo, no âmbito do qual lhe foram assegurados o exercício da ampla defesa e do contra-
ditório; seja em razão da observância dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade
na aplicação da pena, tendo em vista a gravidade das condutas imputadas ao servidor. 6.
Não há falar-se em ofensa a direito adquirido à aposentadoria, quando a falta tenha sido
cometida pelo servidor ainda na atividade, notadamente no presente caso, em que as in-
frações disciplinares foram praticadas e o processo administrativo disciplinar instaurado
antes do afastamento do servidor em razão da constatação de sua incapacidade laborativa
(TJMG, MS nº 1.0000.13.071120-3/000, Órgão Especial, Rel. Des. Bitencourt Marcondes, j.
em 16.06.2014).

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 255 10/03/2016 14:05:59


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
256 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

mantido posteriormente, mas não se pode olvidar que, até o advento


da Emenda nº 3/93,489 não havia que se falar de regime contributivo
para os servidores públicos, o que justificava a razoabilidade da pena
de cassação de aposentadoria mesmo após ter o servidor completado
o requisito temporal.
Ocorre que, com a promulgação da Emenda nº 20/98, o Consti-
tuinte, em seu art. 4º, inseriu preceito transformando o tempo de serviço
em tempo de contribuição, o que nos leva a refletir sobre a recepção das
normas legais, no âmbito da União, dos Estados e dos Municípios, que
preveem a cassação da aposentadoria mesmo que o servidor, à época,
tenha preenchido os requisitos para receber proventos decorrentes da
inatividade.
Isto porque a natureza jurídica do regime contributivo não é
pre­mial, mas sinalagmática, em que o servidor durante certo lapso
de tempo contribui para o sistema de previdência para que possa se
manter quando de sua inatividade, seja por decurso de tempo ou por
incapacidade laborativa.
Desse modo, retirar sua aposentadoria, cujo direito foi incorpo-
rado ao seu patrimônio jurídico, se me apresenta ofensivo ao princípio
da segurança jurídica, notadamente o ato jurídico perfeito.
A mudança de posição decorre das reflexões que fiz após leitura
de artigo publicado por Maria Sylvia Zanella Di Pietro,490 que me
convenceram.

11.6 Revisão do processo


O processo disciplinar, ao contrário do que ocorre no processo
judicial, pode ser revisto a qualquer tempo, de ofício ou mediante
solicitação do interessado,491 mas sempre embasado em fatos novos ou
circunstâncias capazes de justificar a inocência do servidor ou o excesso
de pena imposta, sendo do requerente o ônus da prova.492

489
A previsão de regime previdenciário contributivo para os servidores federais ocorreu na
Emenda Constitucional nº 3/1993, para os servidores estaduais e municipais, em caráter
facultativo, na Emenda nº 20/1998, e para servidores de todas as esferas de governo, em
caráter obrigatório, na Emenda Constitucional nº 41/2003.
490
Cassação de aposentadoria é incompatível com regime previdenciário de servidores?.
Revista Consultor Jurídico, 16 abr. 2015.
491
No caso de morte ou desaparecimento do servidor, qualquer membro da família pode
requerer a revisão do processo; se o sindicado tornou-se incapaz, o curador pode requerer
a revisão.
492
Art. 175 da Lei nº 8.112/90. No processo revisional, o ônus da prova cabe ao requerente.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 256 10/03/2016 14:05:59


CAPÍTULO 11
PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR DO SERVIDOR PÚBLICO
257

Sob essa ótica e em consonância com os princípios do devido


processo legal, da ampla defesa e do contraditório, somente é admitida a
revisão da penalidade aplicada para beneficiar o servidor punido, nunca
para prejudicá-lo. Essa a única interpretação para a norma inserta no
art. 174,493 da Lei nº 8.112/90, e na Súmula nº 19,494 do Supremo Tribunal
Federal, sendo vedado, portanto, o bis in idem e o reformatio in pejus.
No julgamento do Mandado de Segurança nº 17.370-DF,495 pela
Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, foi determinada a
reintegração imediata do servidor cuja pena de suspensão foi anulada
após o encerramento do processo administrativo disciplinar, sendo
realizado novo julgamento, cujo resultado foi a aplicação da pena de
demissão. Argumentou, com propriedade, o Relator, Ministro Arnaldo

493
Art. 174. O processo disciplinar poderá ser revisto, a qualquer tempo, a pedido ou de ofício,
quando se aduzirem fatos novos ou circunstâncias suscetíveis de justificar a inocência do
punido ou a inadequação da penalidade aplicada.
494
Súmula nº 19. É inadmissível segunda punição de servidor pública, baseada no mesmo
processo em que se fundou a primeira.
495
Administrativo. Mandado de Segurança. Servidor público. Processo administrativo dis-
ciplinar - PAD. Anulação da pena de suspensão, já cumprida pelo servidor, e aplicação
de pena mais grave, de demissão, por orientação da Controladoria-Geral da União. Bis in
idem e reformatio in pejus. Impossibilidade. Pedido de reintegração julgado procedente.
Efeitos funcionais. Retroação à data da demissão. Efeitos financeiros. Retroação limitada à
data da impetração. Segurança concedida. 1. “A Autoridade coatora apontada, que impõe
a pena de demissão, vincula-se aos fatos apurados e não à capitulação legal proposta pela
Comissão Processante. Da mesma forma, o indiciado se defende dos fatos contra ele im-
putados, não importando a classificação legal inicial, mas sim a garantia da ampla defesa e
do contraditório. Por isso, a modificação na tipificação das condutas pela Autoridade Ad-
ministrativa não importa nem em nulidade do PAD, nem no cerceamento de defesa” (MS
13.364/DF, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Terceira Seção, DJe 26/5/08). 2.
O novo julgamento do processo administrativo disciplinar ofende o devido processo legal,
por não encontrar respaldo na Lei 8.112/90, que prevê sua revisão tão somente quando
constatado vício insanável ou houver possibilidade de abrandamento da sanção discipli-
nar aplicada ao servidor público. 3. O processo disciplinar se encerra mediante o julga-
mento do feito pela autoridade competente. A essa decisão administrativa, à semelhança
do que ocorre no âmbito jurisdicional, deve ser atribuída a nota fundamental de definitivi-
dade. O servidor público punido não pode remanescer sujeito a novo julgamento do feito
para fins de agravamento da sanção, com a finalidade de seguir orientação normativa,
quando sequer se apontam vícios no processo administrativo disciplinar. 4. “É inadmissí-
vel segunda punição de servidor público, baseada no mesmo processo em que se fundou
a primeira” (Súmula 19/STF). 5. Hipótese em que a anulação, pelo Presidente da FUNA-
SA, da pena de suspensão aplicada ao Impetrante, após seu cumprimento, não teve por
escopo corrigir eventual vício insanável e/ou beneficiá-lo, na medida em que resultou da
orientação firmada pela Corregedoria-Geral da União – CGU que, ao reexaminar o mérito
das conclusões firmadas pela Comissão processante, entendeu necessária a aplicação de
pena mais grave, de demissão. [...].6. Segurança concedida para anular a pena de demissão
aplicada ao Impetrante e determinar à Autoridade Impetrada que o reintegre ao serviço
público. Efeitos funcionais que devem retroagir à data da demissão do servidor. Os efeitos
financeiros, todavia, devem retroagir à data da impetração, conforme as Súmulas 269 e
271/STF, reservando-se a cobrança das diferenças remuneratórias anteriores à impetração
às vias ordinárias (j. em 28.08.2013, DJe, 10 set. 2013).

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 257 10/03/2016 14:06:00


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
258 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

Esteves Lima, que “a adoção de entendimento diverso importaria a


revogação tácita da Súmula nº. 19, uma vez que bastaria a simples
anulação de uma penalidade já aplicada ao servidor para permitir que
a Administração Pública, baseada em um mesmo fato, aplicasse uma
segunda pena, como se a primeira fosse”.
O precedente que serviu de base para o enunciado da Súmula nº
19, do Supremo Tribunal Federal, fora o RMS nº 8.048, de 31.01.1962,
tendo como relator o Ministro Victor Nunes.
Naquele acórdão, o que não se admitiu foi a aplicação de pena
mais severa no mesmo processo já encerrado, pois se considerou ver-
dadeiro bis in idem.496 O que foi relevante no precedente fora a aplicação
de outra pena sem a instauração de novo processo ou inquérito.
A norma do art. 65, parágrafo único,497 da Lei Federal nº 9.784/99,
explicita o princípio do non reformatio in pejus quando se tratar de
revisão de processo administrativo que resultou em sanção. Significa
dizer que, em hipótese alguma, mesmo que fato novo demonstre que a
pena aplicada fora branda, no mesmo processo não se poderá agravar
a sanção. Trata-se de positivação da Súmula nº 19.
A interpretação da norma, contudo, não pode significar a impuni-
dade ou condescendência se o fato novo puder resultar em sanção mais
grave, nesse caso deve a autoridade, ex officio, instaurar novo processo
administrativo, assegurando o contraditório e a ampla defesa, sem que
se caracterize bis in idem.
Repise-se, o que é vedado é a aplicação de sanção mais grave no
mesmo processo. A norma consagra a revisão in mellius (à semelhança
do que acontece na revisão criminal) e veda a in pejus, até porque
o pressuposto é a existência de decisão definitiva no âmbito da
Administração.
Do contrário, ter-se-ia que admitir que a autoridade não poderia,
em sede de recurso administrativo, agravar a pena aplicada, como
autoriza o art. 64,498 da mesma lei.

496
No voto do Ministro Relator, colhe-se o seguinte excerto: “Aqui está o ponto crucial da
controvérsia. A disponibilidade fora imposta mediante processo; mas a demissão foi de-
cretada sem processo algum, porque o anterior, já encerrado, não poderia servir para apli-
cação de segunda penalidade, autêntico bis in idem. É, pois, insustentável o ato demissório,
já que apoiado em processo administrativo extinto ou exausto, o que equivale a dizer que
foi praticado sem processo”.
497
Art. 65. Os processos administrativos de que resultem sanções poderão ser revistos, a
qualquer tempo, a pedido ou de ofício, quando surgirem fatos novos ou circunstâncias
relevantes suscetíveis de justificar a inadequação da sanção aplicada. Parágrafo único. Da
revisão do processo não poderá resultar agravamento da sanção. (g.n.).
498
Art. 64. O órgão competente para decidir o recurso poderá confirmar, modificar, anular ou
revogar, total ou parcialmente, a decisão recorrida, se a matéria for de sua competência.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 258 10/03/2016 14:06:00


CAPÍTULO 11
PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR DO SERVIDOR PÚBLICO
259

É importante explicitar que a alegação de injustiça da pena


aplicada não justifica a revisão do processo:499 cabe comprovar que, por
motivos alheios ao interessado, os fatos novos não foram demonstrados
no tempo próprio.
O julgamento da revisão, no âmbito federal, compete à autoridade
que aplicou a penalidade500 e, no estadual, de acordo com o art. 240 da
Lei nº 869/52, ao Governador do Estado.501
Uma vez deferido o pedido, é declarada sem efeito a sanção
sofrida pelo servidor, momento em que serão restabelecidos todos os
direitos do processado, o que não ocorre quando se tratar de destituição
de cargo em comissão.

11.7 Prazo prescricional


O Ministro Dias Toffoli sintetizou bem o telos do instituto da
prescrição quando escreveu em seu voto no MS nº 23.262/DF que “tem
força jurídica para proporcionar estabilidade social, fixando o limite
temporal para o exercício de um direito, a fim de evitar que o litígio
perdure por tempo indeterminado”.
No processo administrativo disciplinar, a previsão da prescrição
da pretensão punitiva da Administração Pública em razão do come-
timento de falta funcional por seus servidores está contida nas Leis
nº 8.112/90 (âmbito federal) e nº 869/52 (âmbito estadual), no entanto,
diferem quanto ao prazo.

Parágrafo único. Se da aplicação do disposto neste artigo puder decorrer gravame à


situação do recorrente, este deverá ser cientificado para que formule suas alegações antes
da decisão.
Art. 64-A. Se o recorrente alegar violação de enunciado da súmula vinculante, o órgão
competente para decidir o recurso explicitará as razões da aplicabilidade ou inaplicabili-
dade da súmula, conforme o caso.
Art. 64-B. Acolhida pelo Supremo Tribunal Federal a reclamação fundada em violação
de enunciado da súmula vinculante, dar-se-á ciência à autoridade prolatora e ao órgão
competente para o julgamento do recurso, que deverão adequar as futuras decisões admi-
nistrativas em casos semelhantes, sob pena de responsabilização pessoal nas esferas cível,
administrativa e penal.
499
Vide parágrafo único, do art. 236, da Lei nº 869/52: “Não constitui fundamento para revisão
a simples alegação de injustiça da penalidade”.
500
Vide art. 181, da Lei nº 8.112/90.
501
A exceção consiste na hipótese de o servidor acusado pertencer ou houver pertencido
a órgão diretamente subordinado ao Governador do Estado, quando, então, competirá
ao Secretário de Estado dos Negócios do Interior despachar o requerimento de revisão e
julgá-lo (vide art. 243, da Lei nº 869/52).

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 259 10/03/2016 14:06:00


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
260 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

Na lei federal, a referência ao prazo prescricional vem na norma


inserta no art. 142, que prevê: (i) cinco anos para as infrações puníveis
com demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade e desti-
tuição de cargo; (ii) dois anos quanto à suspensão; e (iii) cento e oitenta
dias para advertência. Já a norma inserta no art. 258 da lei mineira de-
termina que as penas de repreensão, multa e suspensão prescrevem no
prazo de dois anos, enquanto a de demissão, por abandono de cargo,
no prazo de quatro anos.
À semelhança do que ocorre no processo judicial, o prazo da
prescrição começa a correr da data em que o fato se tornou conhecido,502
sendo interrompido pela abertura da sindicância ou a instauração de
processo disciplinar,503 até a decisão final proferida por autoridade
competente, quando, então, recomeça a contagem.
A Suprema Corte, ao analisar o §3º, 504 do art. 142, da Lei
nº 8.112/90, que prevê marco interruptivo do prazo prescricional
(instauração de sindicância ou processo administrativo disciplinar),
entendeu por sua relativização, evitando que seu curso não ficasse
suspenso indefinidamente, firmando-se a jurisprudência505 no sentido
de que a interrupção prevista no §3º do referido artigo cessa uma
vez ultrapassado o período de 140 (cento e quarenta) dias alusivo à
conclusão do PAD e à imposição de pena,506 voltando a ter curso, na
integralidade, o prazo prescricional.
No estatuto do servidor público da União havia previsão de que
não obstante a extinção da punibilidade pela prescrição o registro do
fato ficaria consignado nos assentamentos individuais do servidor.507

502
Redação do §1º, do art. 142, da Lei nº 8.112/90.
503
O Superior Tribunal de Justiça, por sua Segunda Turma, em julgamento recente, AgRg
nos EDcl no Recurso em Mandado de Segurança nº 46.678-PE, datado de 03 de março de
2015, sob a relatoria do Ministro Mauro Campbell Marques, reafirmou o entendimento
no sentido de que é a publicação do ato de instauração do processo administrativo
disciplinar que interrompe o prazo prescricional, e não a lavratura do ato que formaliza a
sua instauração, nos termos do arts. 142, §3º, e 151, da Lei nº 8.112/90.
504
Art. 142. A ação disciplinar prescreverá: [...] §3º. A abertura de sindicância ou a instauração
de processo disciplinar interrompe a prescrição, até a decisão final proferida por autoridade
competente.
505
Nesse sentido, precedente do Plenário do Supremo Tribunal Federal: I. Cassação de
aposentadoria pela prática, na atividade, de falta disciplinar punível com demissão (L.
8.112/90, art. 134): constitucionalidade, sendo irrelevante que não a preveja a Constituição
e improcedente a alegação de ofensa do ato jurídico perfeito. [...]. III. Punição disciplinar:
prescrição: a instauração do processo disciplinar interrompe o fluxo da prescrição, que volta a correr
por inteiro se não decidido no prazo legal de 140 dias, a partir do termo final desse último (STF.
MS nº 23.299/SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, j. em 06.03.2002, DJ, 12 abr.
2002, g.n.).
506
Vide arts. 152 e 167 da Lei nº 8.112/90.
507
Art. 170. Extinta a punibilidade pela prescrição, a autoridade julgadora determinará o
registro do fato nos assentamentos individuais do servidor.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 260 10/03/2016 14:06:00


CAPÍTULO 11
PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR DO SERVIDOR PÚBLICO
261

Questionada a inconstitucionalidade dessa norma em face do


princípio da presunção de inocência, o Plenário do Supremo Tribunal a
declarou pela via incidental, no Mandado de Segurança nº 23.262/DF,508
no sentido de que, prescrita a pretensão punitiva do poder público,
não se pode mais falar em decisão administrativa definitiva quanto
à responsabilidade do servidor por sua prática, ou seja, incabível o
registro nos assentamentos do funcionário da prática da infração por
afronta direta ao princípio constitucional da presunção da inocência.509

508
Ementa: Constitucional e Administrativo. Poder disciplinar. Prescrição. Anotação de fatos
desabonadores nos assentamentos funcionais. Declaração incidental de inconstitucionali-
dade do art. 170 da Lei nº 8.112/90. Violação do princípio da presunção de inocência. Se-
gurança concedida. 1. A instauração do processo disciplinar interrompe o curso do prazo
prescricional da infração, que volta a correr depois de ultrapassados 140 (cento e quarenta)
dias sem que haja decisão definitiva. 2. O princípio da presunção de inocência consiste em
pressuposto negativo, o qual refuta a incidência dos efeitos próprios de ato sancionador,
administrativo ou judicial, antes do perfazimento ou da conclusão do processo respectivo,
com vistas à apuração profunda dos fatos levantados e à realização de juízo certo sobre a
ocorrência e a autoria do ilícito imputado ao acusado. 3. É inconstitucional, por afronta ao
art. 5º, LVII, da CF/88, o art. 170 da Lei nº 8.112/90, o qual é compreendido como projeção
da prática administrativa fundada, em especial, na Formulação nº 36 do antigo DASP, que
tinha como finalidade legitimar a utilização dos apontamentos para desabonar a conduta
do servidor, a título de maus antecedentes, sem a formação definitiva da culpa. 4. Reco-
nhecida a prescrição da pretensão punitiva, há impedimento absoluto de ato decisório
condenatório ou de formação de culpa definitiva por atos imputados ao investigado no pe-
ríodo abrangido pelo PAD. 5. O status de inocência deixa de ser presumido somente após
decisão definitiva na seara administrativa, ou seja, não é possível que qualquer consequên-
cia desabonadora da conduta do servidor decorra tão só da instauração de procedimento
apuratório ou de decisão que reconheça a incidência da prescrição antes de deliberação
definitiva de culpabilidade. 6. Segurança concedida, com a declaração de inconstituciona-
lidade incidental do art. 170 da Lei nº 8.112/1990 (STF. MS nº 23262, Rel. Min. Dias Toffoli,
Tribunal Pleno, j. em 23.04.2014, DJe, 30 out. 2014).
509
Art. 5º, VII, da Constituição Federal: Ninguém será considerado culpado até o trânsito em
julgado da sentença penal condenatória.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 261 10/03/2016 14:06:00


CAPÍTULO 12

IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

12.1 Introdução – A moralidade como elemento


legitimador do exercício do poder no Estado
Democrático de Direito
Não pode o ordenamento jurídico, em Estados verdadeiramente
democráticos, afastar-se de questões éticas sem perder – em virtude
desse desvio – legitimidade. A ordem jurídica, pois, há de absorver e
agasalhar valores morais, justamente porque a legitimidade do direito
precisa guardar relação mínima de congruência com a pauta axiológica
assumida pela sociedade.510 A moral, na contemporaneidade, incorpora-
se aos ordenamentos jurídicos, tendo em vista que a força vinculante do
direito contém-se nos preceitos éticos socialmente sedimentados.511 515

510
“Sendo o princípio fundamental da Democracia a liberdade, seria impossível compatibi-
lizar-se o seu exercício com o ideal de Justiça Material, concreta e efetiva para todos, se
não se incluíssem no sistema jurídico, no qual os direitos inerentes a ela são assegurados
a todo indivíduo, as normas morais, cujo conteúdo fosse absorvido pelo sistema norma-
tivo e transformado, assim, em Direito a ser respeitado. [...] Destarte, o conteúdo justo do
Direito não pode ser atendido apartado do sentido moral que deve prevalecer em todas as
relações humanas, sob pena de deixarem de ter este traço de humanidade. [...] A democra-
cia, como regime político que realiza em sua essência o princípio da liberdade e a garantia
da libertação como experiência transcendente do homem na aventura da vivência com os
outros, não pode sobreviver ou se efetivar com um conjunto de normas desapegadas da
Moral construída e respeitada pela sociedade” (ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Princí-
pios Constitucionais da Administração Pública. Belo Horizonte: Del Rey, 1994. p. 181).
511
“[...] se pode afirmar que o Direito se alimenta da moral, tem seu surgimento a partir da
moral, e convive com a moral continuamente, enviando-lhe novos conteúdos e normas,

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 263 10/03/2016 14:06:00


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
264 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

512

No que tange ao movimento de incorporação dos preceitos


éticos na ordem jurídica,513 aponta-se, como derradeiro compromisso
ético, a assunção, pelas normas jurídicas, de prescrições de moralidade
pública.514 Segundo Moreira Neto, “é sobre a legitimidade que se torna
agora possível partir para a conquista da última fronteira ética – a da
licitude do poder estatal – pela incorporação do conceito de moralidade
à ordem jurídica”.515
Tornou-se exigência democrática, pois, o diálogo entre os valores
éticos e os padrões políticos e de atuação das autoridades constituídas516

e recebendo novos conceitos e normas. A moral é, e deve sempre ser, o fim do Direito.
Com isso, pode-se chegar à conclusão de que Direito sem moral, ou Direito contrário às
aspirações morais de uma comunidade, é puro arbítrio, e não Direito” (BITTAR, Eduardo
C. B.; ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de filosofia do Direito. 11. ed. São Paulo: Atlas,
2015. p. 593).
512
A respeito da necessária intercambialidade entre direito e moral, sábias são as lições do
saudoso Arcebispo Primaz do Brasil, D. Lucas Moreira Neves: “Profundamente humana
é também a autoridade política. Fonte dessa autoridade é sua legitimidade [...] nas
democracias, o sufrágio popular (o poder dado pelo povo). E, no entanto, tal legitimidade
se dilui, se, acima dela, não houver a legitimidade oriunda da postura moral. Qualquer
que seja a natureza do seu poder [...] o homem público põe em perigo a sua autoridade
funcional se esta não é coberta por uma inquestionável autoridade moral. A mesma
multidão que, com o voto, lhe confere autoridade, costuma retirá-la se essa autoridade
legal não se converte em verdadeira autoridade moral. Só o homem penetrado nas
virtudes morais é capaz de ser homem público confiável e respeitado” (NEVES, D. Lucas
Moreira. Primado da Ética. Jornal do Brasil, 02 set. 1992, 1º Caderno, p. 11).
513
Vicente Raó confirma: “Se em todos os tempos se proclamou que o Direito, ao se concretizar
em normas obrigatórias, há de respeitar os princípios da Moral, hoje mais do que nunca
se acentua a tendência de que as normas morais revelam no sentido de sua transformação
em normas jurídicas; acentua-se, isto é, a tendência para a moralização do Direito” (RAÓ,
Vicente. O direito e a vida dos Direitos. São Paulo: Resenha Universitária, 1976. v. I, p. 41).
514
“Ao longo da história, com a transição do Absolutismo para o Estado de Direito na Idade
Moderna, o Estado fica sujeito à lei. Após a revolução inglesa, francesa e americana, o
que significou a ‘disseminação do Estado Liberal e Democrático’, o Estado fica também
sujeito à sociedade. E por fim, com a lenta incorporação das conquistas éticas à ordem
jurídica, ‘como um sistema autônomo de licitude’, o Estado sujeita-se igualmente à moral”
(BRAGA, Pedro. Ética, Direito e Administração Pública. 2. ed. Brasília: Senado Federal, 2006.
p. 197).
515
MOREIRA NETO, Diogo Figueiredo. Ética na Administração Pública. Ética no Direito e na
Economia. São Paulo: Pioneira, 1999. p. 141.
516
“O exercício de uma função política não se caracteriza rigorosamente como uma profissão,
principalmente pela sua natureza eletiva e transitória. Trata-se de um mandato conferido
pelo povo para representá-lo nos órgãos que detêm o poder de gerir os interesses de
toda a sociedade. Assim, os políticos escolhidos são mandatários e não donos do poder.
Assemelham-se aos que recebem uma procuração para o exercício de algum ato de interesse
do mandante. Devem, pois, prestar contas a este do correto exercício do mandato. É fácil,
compreender, pois, que o cumprimento da função política inclui graves exigências éticas,
na medida em que consiste num compromisso de bem servir não só aos que o elegeram,
mas a toda a sociedade” (PADIN, D. Cândido. Ética na Política: Código Internacional de
Ética. In: Ética no Novo Milênio. 3. ed. São Paulo: LTr, 2004. p. 74-75).

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 264 10/03/2016 14:06:00


CAPÍTULO 12
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
265

e, em última instância, a integração da moral ao direito, pela juridicização


de padrões comportamentais impregnados de eticidade.517 Isso porque
a democracia, além de um sistema de governo, também constitui
uma cultura que dá forma ao modo como os membros da sociedade
compreendem a sua própria identidade, adquirindo a visão do
próprio valor por meio da intervenção política que realizam nos rumos
comuns.518
Todo esse conteúdo de eticidade absorvido pelo direito, 519
quando relacionado com a questão pública, tem a finalidade de
estabelecer condutas éticas adequadas para os titulares do poder, os
quais, conquanto não se proponha a exclusão das tarefas administrativas
de uma integração política,520 têm de agir sob o signo da moralidade.521

517
“A diferenciação entre as esferas de valor (que possibilitou uma distinção entre os campos
do direito e da moral) não é absoluta, de forma que a moral e o direito não se tornaram
sistemas independentes e incomunicáveis. Se o poder público institucionalizado não
tivesse qualquer pretensão de representar os interesses do povo, então as normas jurídicas
poderiam ser absolutamente incompatíveis com as normas morais. Entretanto, enquanto
se fundamenta a legitimidade política na representação e no interesse da população, é
preciso que se construam pontes que relacionem as normas jurídicas e os valores morais”
(COSTA, Alexandre Araújo. Introdução ao Direito: uma perspectiva zetética das ciências
jurídicas. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2001. p. 100).
518
Nesse sentido, J. M. Sérvulo Corrêa pondera que: “Para além da feitura de leis justas, espe-
ra-se do Estado que, no exercício das suas funções, se comporte não apenas sob a preocu-
pação de não infringir preceitos, mas a de constituir o elemento exponencial de materiali-
zação das ideias mais nobres: as de justiça e de solidariedade. Daí que da Administração se
não exija apenas uma vivência de legalidade: à instituição mais presente no dia-a-dia dos
cidadãos pede-se, além disso, que se comporte como modelo das virtudes próprias da vida
em sociedade. Não basta a legalidade: é preciso que impere a moralidade administrativa”
(Legalidade Administrativa e Moralidade Administrativa. In: Jornadas sobre o Fenômeno da
Corrupção. Estudos Vários, v. 01, p. 84, 1990).
519
Aliás, segundo ensinamentos de Márcia Noll Barbosa, colhidos em Jürgen Habermas, a
problemática da fundamentação do direito não desaparece com a sua mera positivação, e,
por consequência, se os fundamentos morais do direito não se reduzem mais a uma ilus-
tração metafísica, com o recurso ao direito natural, faz-se necessário um substitutivo dessa
fundamentalidade, consistente na abertura dos discursos jurídicos à argumentação moral
(BARBOSA, Márcia Noll. O princípio da moralidade administrativa: uma abordagem de seu
significado e suas potencialidades à luz da noção de moral crítica. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 2002. p. 59).
520
Mesmo porque a política não é esfera de atuação alheia ou à margem de compromissos éti-
cos. Nesse sentido: “a política não é autônoma da moral e, tão pouco, se sacrifica à moral,
nem se absorve nela. A dignidade do homem como pessoa, ou seu fim próprio, o conseguir
o Bem Estar da comunidade e a realização da justiça, entre outros, não podem deixar-se de
lado. Os parâmetros básicos para promover o Bem Comum e o desenvolvimento da pes-
soa humana detêm a sua raiz, precisamente, nos princípios da ética. [...] A subordinação
da política à ética significa, fundamentalmente, que a política recebe da ética os princípios
basilares para actuar, não os podendo violar, sob pena de se estar a desenvolver uma po-
lítica de cariz imoral” (WILENSKY, Alfredo Héctor. Corrupção. O Direito, Lisboa, ano 139,
n. 05, p. 988).
521
Novamente, nas palavras do prof. Sérvulo Correia, “[...] boa parte das normas de Direito
Administrativo ou têm conteúdo ético, ou desempenham uma função instrumental

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 265 10/03/2016 14:06:00


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
266 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

A necessidade de moralidade, incorporadora de um plexo de


exigências éticas e axiológicas impositivas de determinações mais
rigorosas – se comparadas com a moral comum – às instituições públicas,
constitui fonte normativa “de um novo paradigma comportamental dos
homens públicos”,522 dos quais há de se exigir deveres que vão além
da observância da mera legalidade, perpassando deveres de lealdade
institucional, honestidade administrativa, imparcialidade, eficiência.
Nesse contexto, de uma breve análise da experiência republicana
do Brasil, é possível verificar sucessivos enaltecimentos da importância
desse princípio como vetor constitucional de atuação dos agentes
públicos.

12.2 A moralidade pública no Brasil: vetor constitucional


da atuação do Estado
A primeira menção expressa ao princípio da moralidade
administrativa em norma de equivalência constitucional dá-se, no
Brasil, com o Decreto nº 19.398/30, que instituiu o Governo Provisório
da República dos Estados Unidos do Brasil, fruto da Revolução de 1930
e que veio a desaguar na formação da Assembleia Nacional Constituinte
que elaborou a Constituição de 1934. Segundo esse Decreto, o governo
provisório exerceria discricionariamente, em toda plenitude, as funções
atribuídas ao Executivo e ao Legislativo, até que eleita a Assembleia
Constituinte, necessária para a reorganização constitucional do país.
Manteve o diploma, no entanto, vigentes as leis, obrigações e direitos
na esfera pública, salvo os que contraviessem ao interesse público e à
moralidade administrativa.523
Posteriormente outros diplomas, de status constitucional e
infraconstitucional, cuidaram de tratar – sem mencionar expressamente
a moralidade administrativa – do assunto relativo à (im)probidade
administrativa: (i) o Decreto-Lei nº 3.240/41 sujeitou a sequestro os

ou evidenciadora de observância de parâmetros éticos nas condutas administrativas”


(Legalidade Administrativa e Moralidade Administrativa. In: Jornadas sobre o Fenômeno da
Corrupção. Estudos Vários, v. 01, p. 84, 1990).
522
OSÓRIO, Fábio Medina. Teoria da Improbidade Administrativa: má gestão pública, corrupção,
ineficiência. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 76.
523
Cf. Decreto nº 19.398/30: “art. 7º Continuam em inteiro vigor, na forma das leis aplicáveis,
as obrigações e os direitos resultantes de contratas, de concessões ou outras outorgas, com
a União, os Estados, os municípios, o Distrito Federal e o Território do Acre, salvo os que,
submetidos a revisão, contravenham ao interesse público e á moralidade administrativa”.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 266 10/03/2016 14:06:00


CAPÍTULO 12
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
267

bens de pessoa indiciada por crimes que resultassem em prejuízo à


Fazenda Pública; (ii) a Constituição de 1946 determinou, em seu art.
141, §31, que caberia à lei dispor sobre o sequestro e o perdimento de
bens, no caso de enriquecimento ilícito, por influência ou abuso de
cargo ou função pública, ou de emprego em entidade autárquica; (iii) a
Lei nº 3.146/57, em cumprimento ao comando da Constituição de 1946,
sujeitou a perda e a sequestro, em favor da Fazenda Pública, os bens
adquiridos pelo servidor público, por influência ou abuso de cargo ou
função pública, ou de emprego em entidade autárquica, sem prejuízo
da responsabilidade criminal em que houvesse incorrido; (iv) a Lei nº
3.502/58, sem revogar a legislação anterior, cuidou de regulamentar o
sequestro e o perdimento de bens nos casos de enriquecimento ilícito
por influência de cargo ou função;524 (v) a Constituição de 1967 previu
no art. 153, §11, com numeração dada pela Emenda Constitucional nº
1/69, que competiria à lei dispor sobre o perdimento de bens por danos
causados ao erário ou no caso de enriquecimento ilícito no exercício
de função pública; (vi) durante a vigência da Constituição de 1967,
foi promulgado o Ato Institucional nº 5 de 1968, que, em seu art. 8º,
concedeu poderes ao Presidente da República para, após investigação,
decretar o confisco de bens de todos quantos tivessem se enriquecido
ilicitamente, no exercício de cargo ou função pública, inclusive de
autarquias, empresas públicas e sociedades de economia mista, sem
prejuízo das sanções penais cabíveis.
Não é incorreto afirmar, desse modo, a partir da constatação
acima, que a tutela da probidade administrativa vem, há muito, se

524
Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro, “as principais inovações dessa lei foram: (a) deixou
claro que o sequestro e a perda de bens são aplicáveis ao servidor público e ao dirigente
ou empregado de autarquia; (b) considerou como servidor público todas as pessoas que
exercessem, na União, nos Estados, nos Territórios, no Distrito Federal e nos Municípios,
quaisquer cargos, funções, empregos, civis ou militares, nos órgãos dos três poderes; (c)
equiparou a dirigente de autarquia o dirigente ou empregado de sociedade de economia
mista, de fundação instituída pelo Poder Público, de empresa incorporada ao patrimônio
público, ou de entidade que receba e aplique contribuições parafiscais [...]; (d) definiu, nos
artigos 2º, 3º e 4º, os casos de enriquecimento ilícito para os fins da lei; (e) deu legitimidade
ativa para pleitear o sequestro e a perda de bens, à União, Estados, Municípios, Distrito
Federal, entidades que recebam contribuições parafiscais, sociedades de economia mista,
fundações e autarquias; (f) em caso de essas entidades não promoverem a ação, qualquer
cidadão poderia fazê-lo, hipótese em que a pessoa jurídica interessada deveria ser citada
para integrar o contraditório na qualidade de litisconsorte da parte autora; (g) deixou
claro que o sequestro é medida acautelatória que deveria ser seguida da ação principal,
cujo objetivo era a perda dos bens sequestrados, em favor da pessoa jurídica autora ou
litisconsorte, além do ressarcimento integral das perdas e danos sofridos pela entidade”
(In: Direito Administrativo. 28. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 972-973).

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 267 10/03/2016 14:06:00


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
268 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

estruturando no ordenamento brasileiro.525 Por outro lado, é preciso


realçar que o texto constitucional de 1988 promoveu uma reformulação
no tratamento da matéria, uma verdadeira mudança de eixo, destacan-
do, mais de uma vez, “a importância do princípio da moralidade admi-
nistrativa entre os pressupostos máximos do sistema constitucional”.526
Na Constituição de 1988, a tutela da probidade administrativa
aparece em importantes dispositivos: (i) no art. 5º, LXXVIII, a mora-
lidade administrativa é fundamento expresso para a anulação de ato
lesivo ao patrimônio público pela via da ação popular; (ii) no art. 14,
§9º, prevê-se que lei complementar poderá estabelecer hipótese de ine-
legibilidade tendo em conta a proteção à probidade administrativa; (iii)
o art. 37, caput, dispõe constituir princípio da Administração Pública
direta e indireta a obediência à moralidade administrativa; (iv) o art.
37, §4º, declara que os atos de improbidade administrativa importarão
a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indis-
ponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação
previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível; (v) o art. 85, V,
estabelece que são crimes de responsabilidade os atos do Presidente da
República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente,
contra a probidade na administração.
A Carta de 1988 promoveu, centralizou e sistematizou a tutela
da probidade. É que, no período anterior, não havia um “modelo de
direito administrativo centralizador no tratamento da matéria, porque
era muito disforme o tratamento legal dispensado à improbidade
administrativa, centrada na figura do presidente ou em legislações
setoriais disciplinadoras, balançando, em realidade, entre o direito penal,
o direito disciplinar e o direito civil”.527 A improbidade administrativa
alcançou, pois, um novo patamar, porque, além de fenômeno de
relevância sob os prismas político-penal e disciplinador, passou a ser
encarada, também, como ilícito extrapenal, de cunho propriamente
cível-administrativo. Isso não quer dizer que o sistema tenha excluído
ou eliminado os instrumentos anteriores – responsabilidade político-
penal e disciplinar –, mas que se agregou novo e promissor mecanismo
de controle, de modo que essas três esferas de responsabilização
passaram a ser passíveis de incidência distinta sobre a mesma conduta.

525
GARCIA, Emerson. A moralidade Administrativa e sua densificação. Revista de Informação
Legislativa, Brasília, ano 39, n. 155, p. 165, jul./set. 2002.
526
TÁCITO, Caio. Moralidade Administrativa. Revista de Direito Administrativo, Rio de
Janeiro, n. 218, p. 01-10, out./dez. 1999, p. 01.
527
OSÓRIO, Fábio Medina. Teoria da Improbidade Administrativa: má gestão pública, corrupção,
ineficiência. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 98.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 268 10/03/2016 14:06:01


CAPÍTULO 12
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
269

A constitucionalização do princípio da moralidade adminis­


trativa,528 de modo expresso e autônomo, a vincular toda a atividade da
Administração, representou, é importante assinalar, o anseio popular,
com vistas à necessidade de moralização da conduta do administrador
público nacional, que há muito tempo demonstrava descompromisso
e descaso para com os fins e interesses sociais que regem a gestão da
coisa pública.529 Em verdade, passou-se a se enxergar a probidade
administrativa – desdobramento ou contraface da moralidade
administrativa – como “anseio popular e, a fortiori, difuso”.530
Entreviu-se, pois, segundo a jurisprudência do Superior Tribunal
de Justiça, o postulado constitucional da moralidade administrativa
como princípio basilar da atividade administrativa, decorrência direta
do almejado combate à corrupção e à impunidade no setor público,
exercendo, em razão disso, uma dupla função: parâmetro de conduta
do administrador e requisito de validade do ato administrativo.531
Em suma: sob a égide da Constituição da República de 1988, o
princípio da moralidade e, por consequência, o dever de probidade
administrativa ganharam realce, fortalecimento e estruturação

528
O Supremo Tribunal Federal, no Brasil, ao analisar o princípio da moralidade, manifestou-
se nos seguintes termos: “poder-se-á dizer que apenas agora a Constituição Federal
consagrou a moralidade como princípio de administração publica (art. 37 da Constituição
Federal). Isso não é verdade. Os princípios podem estar ou não explicitados em normas.
Normalmente, sequer constam do texto regrado. Defluem de todo o ordenamento jurídico.
Encontram-se ínsito, implícitos no sistema, permeando as diversas normas regedoras de
determinada matéria. O só fato de um princípio não figurar no texto constitucional não
significa que nunca teve relevância de princípio. A circunstância de, no texto constitucional
anterior, não figurar o princípio da moralidade não significa que o administrador poderia
agir de forma imoral ou mesmo amoral. Como ensina Jesus Gonzáles Perez ‘el hecho de
su consagración en una norma legal no supone que con anterioridad no existiera, ni que
por tal consagración legislativa haya perdido tal carácter’ (El princípio de buena fe en el
derecho administrativo, Madri, 1983, p. 15). Os princípios gerais de direito existem por
força própria, independentemente de figurarem em texto legislativo. E o fato de passarem
a figurar em texto constitucional ou legal não lhes retira o caráter de princípio. O agente
público não só tem que ser honesto e probo, mas tem que mostrar que possui tal qualidade.
Como a mulher de César” (STF. RE nº 160381/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, j. em 29.03.1994,
DJ, 12 ago. 1994).
529
De acordo com Maurício Ribeiro Lopes, “numa busca dos fatores mais razoáveis de inser-
ção desse princípio na Constituição, lograríamos encontrar um posicionamento assumido
pelas classes sociais constitutivas da Nação, que exigiram tal proceder do constituinte por-
que encaram a realidade das práticas administrativas existentes no momento, caracteri-
zadas, em grande maioria, por anomalias detectadas pela ausência de credibilidade” (In:
Ética e Administração Pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. p. 60).
530
STJ. REsp nº 1.085.218/RS, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, j. em 15.10.2009, DJe, 06
nov. 2009.
531
STJ. REsp nº 1.107.833/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, j. em
08.09.2009, DJe, 18 set. 2009.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 269 10/03/2016 14:06:01


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
270 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

racionalizada. Além disso, e o que é mais importante, foram dotados


de meios aptos a tornarem-se eficazes, o que se deu, precipuamente,
com o advento da Lei nº 8.429/92 – Lei Geral sobre Improbidade
Administrativa, por que mais se interessa no presente capítulo e
cuja estrutura será decomposta em sete aspectos principais, para que
a abordagem do assunto se dê de forma mais didática, a saber: (i)
competência legislativa; (ii) sujeito passivo; (iii) sujeito ativo; (iv) tipos
de improbidade; (v) sanções; (vi) procedimento administrativo; e (vii)
ação judicial.

12.3 Distinção (in)existente entre a moralidade e a


probidade administrativa
Antes de adentrar no estudo propriamente dito da Lei de Im-
probidade Administrativa, cumpre consignar que não se afigura tarefa
fácil distinguir moralidade de probidade administrativa, senão por uma
variação de amplitude ou abrangência de um termo em relação ao ou-
tro, por meio de uma alocação que oscila entre conteúdo e continente.
Prova disso é que a doutrina, em geral, posiciona-se de três
formas quanto à questão:532 a primeira corrente defende que a moral
conteria a probidade, cuidando-se esta de uma subespécie daquela;
opostamente, a segunda corrente consigna que a moralidade teria uma
moldura de significação mais restrita, de modo que a probidade se re-
velaria mais ampla; por fim, a terceira corrente posiciona-se no sentido
da equivalência principiológica entre os termos, que se afastariam, no
entanto, quanto à definição sancionatória prevista pelo ordenamento
jurídico, porque o elemento probidade abarcaria condutas não necessa-
riamente vinculadas à violação de conteúdos morais, incluindo ilícitos
meramente ilegais, sem ligação à moral em si, mas a outros princípios
e regras jurídicas.
Quanto à primeira diferenciação – moralidade mais abrangente
que probidade –, diz-se que o dever de probidade cuida-se de um sub-
princípio da moralidade, uma densificação do princípio constitucional
da moralidade.533 Assim, ainda que reelaborado o conceito de probidade,

532
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 27. ed. São Paulo:
Atlas, 2014. p. 1.088-1.089.
533
BARBOZA, Márcia Noll. O principio da moralidade administrativa: uma abordagem de seu
significado e suas potencialidades à luz da noção de moral crítica. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 2002. p. 134.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 270 10/03/2016 14:06:01


CAPÍTULO 12
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
271

para nele se incluir a violação de outros princípios e regras distintos dos de


conteúdo moral, haveria de existir um dano mensurável, “num certo ho-
rizonte histórico, à própria moralidade administrativa”.534 Ou seja: a mo-
ralidade se sobreporia, conceitualmente, à probidade,535 absorvendo-a,
por tratar-se de matriz, gênese, de um ordenamento complexo.
Para a segunda corrente, a probidade trata-se de conceito mais
amplo do que o de moralidade, porque aquela transcenderia os ele-
mentos morais, abrangendo todos os princípios regentes da atividade
estatal. Nessa linha, aduz-se que, “em que pese ser a observância ao
princípio da moralidade um elemento de vital importância para a afe-
rição da probidade, não é ele o único”.536 Isso porque a atuação estatal
deve se pautar por uma tessitura normativa includente de toda uma
ordem de princípios, não se reduzindo ao princípio da moralidade.
Desse modo, a probidade poderia absorver a moralidade, sem deixar-
se, no entanto, delimitar por ela.
Por fim, a terceira corrente sustenta que, em última instância,
as expressões se fundem, equivalendo-se como princípios, mas se
distinguem como infração. Esta corrente, especialização da anterior, é
a que tem prevalecido na doutrina, porquanto, a rigor, moralidade e
probidade administrativa são expressões que não se justapõem, mas
têm significados que guardam notas de similitude, relacionando-se
com a ideia de honestidade na Administração Pública. Segundo Di
Pietro, “quando se exige probidade ou moralidade administrativa,
isso significa que não basta a legalidade formal, restrita, da atuação
administrativa, com observância da lei; é preciso também a observância
de princípios éticos, de lealdade, de boa-fé, de regras que assegurem a
boa administração e a disciplina interna na Administração Pública”.537
Em outras palavras, onde quer que o Estado se faça atuar, deve-se
vislumbrar a incidência dos mandamentos de moralidade e probidade,
que cobram do agente condutas honestas, retas, enfim, em consonância
com os valores éticos vazados no ordenamento brasileiro.

534
FREITAS, Juarez. Do Princípio da Probidade Administrativa e de sua Máxima Efetivação.
Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n. 204, p. 65-84, abr./jun. 1996.
535
Marçal Justen Filho pontua quanto ao tema que, “ainda quando as expressões não tenham
significação precisa, a ‘moralidade’ abarcaria a ‘probidade’. A utilização cumulativa das
expressões não representa conceitos qualitativamente diversos, mesmo que se possa
reconhecer que a moralidade apresentaria âmbito de abrangência mais amplo” (In:
Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 16. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2014. p. 87).
536
ALVES, Rogério Pacheco; GARCIA, Emerson. Improbidade Administrativa. 6. ed. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 55.
537
In: Direito Administrativo. 28. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 969.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 271 10/03/2016 14:06:01


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
272 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

Dessa forma, em essência, moralidade e probidade, como princí-


pios, possuem significação de igual magnitude, ainda que determinados
ordenamentos tragam ambos os termos de modo dissociado.538 No
entanto, quando se fala em improbidade como ato ilícito, as expressões
improbidade e imoralidade deixam de identificarem-se, porque aquela
tem um sentido muito mais abrangente e preciso. A abrangência tem
a ver com o fato de que os atos de improbidade englobam não só atos
desonestos ou imorais. A precisão, por sua vez, guarda sentido com a
ideia de necessidade de haver tipificação estreita das condutas confi-
guradoras da ilicitude – princípio da segurança jurídica. Exatamente
por isso se diz que, “como princípios, os da moralidade e probidade
se confundem; como infração, a improbidade é mais ampla do que a
imoralidade, porque a lesão ao princípio da moralidade constitui [ape-
nas] uma das hipóteses de atos de improbidade definidos em lei”.539
Feitas essas considerações sobre a equivalência principiológica
e a distinção sancionatória existente, segundo a doutrina majoritária,
entre a probidade e a moralidade administrativa, passa-se à análise
pormenorizada dos aspectos principais da Lei nº 8.429/92.

12.4 Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92)


12.4.1 Competência legislativa
Nos termos do art. 37, §4º, da CR, “os atos de improbidade
administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda
da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao
erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação
penal cabível”.
Em cumprimento ao comando constitucional, no ano de 1992,
promulgou-se a Lei nº 8.429/92, que visou disciplinar a punição dos
atos de improbidade administrativa nos três níveis da Federação.

538
Como é o caso, no Brasil, por exemplo, da Lei nº 8.666/93, em seu art. 3º: “A licitação
destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da
proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional
sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos
da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade
administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos
que lhes são correlatos”.
539
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 28. ed. São Paulo: Atlas, 2015.
p. 971-972.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 272 10/03/2016 14:06:01


CAPÍTULO 12
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
273

Uma primeira controvérsia suscitada por parte da doutrina disse


respeito à competência legislativa, ao argumento de que, em razão de
os atos de improbidade possuírem cunho administrativo, a edição, pela
União, de lei de abrangência nacional para densificar os desígnios do
Constituinte constituiria inequívoca ofensa à autonomia dos outros
entes, cujo poder de auto-organização encontra-se assegurado no art.
18 da CR.540
Tendo em vista que a Lei nº 8.429/92 abordou diversos aspectos
jurídicos, o desate da questão consistiu em distinguir a natureza das
matérias constantes do diploma, de forma a constatar a quem incumbiria
a competência para sua regulação: (i) se administrativa, por força do
princípio da autonomia, cada ente federativo poderia disciplinar a
matéria; (ii) se legislativa, restaria perquirir se a competência é privativa
ou concorrente.
Em virtude de o Constituinte já haver se adiantado em relação
às sanções aplicáveis àqueles que incorrerem em atos de improbidade
administrativa, a apuração de sua natureza jurídica tornou-se o ponto
de partida para a análise da questão da competência.
Nesse desiderato, uma vez que as sanções de indisponibilidade de
bens e de ressarcimento ao erário possuem caráter nitidamente cível, e
a sanção de suspensão de direitos políticos tem cunho inequivocamente
eleitoral, a competência para legislar sobre elas, por força do art. 22, I,
da CR, revela-se privativa da União.
Maiores dúvidas surgiram quanto ao caráter da sanção de perda
da função pública, se teria natureza administrativa ou não. A considerar
a primeira hipótese, ter-se-ia que admitir a competência de cada ente
federativo para regulamentar o procedimento.
Todavia, segundo a doutrina majoritária, a perda da função
não pode ser confundida com a pena de demissão, sanção de cunho
estritamente administrativo, prevista de forma praticamente universal

540
Defendendo a tese de inconstitucionalidade da Lei nº 8.429/92, por configurar ofensa à
autonomia dos entes da Federação, Toshio Mukai sustenta que “inexiste no texto cons-
titucional, dentre as disposições que tratam da distribuição de competências dos entes
federados, mormente no art. 24 (que dispõe sobre a competência concorrente), nenhuma
autorização à União que lhe outorgue competência legislativa em termos de normas gerais
sobre o assunto (improbidade administrativa). Aliás, nem poderia mesmo existir, pois, se
se trata de impor sanções aos funcionários e agentes da Administração, a matéria cai in-
teiramente na competência legislativa em tema de Direito Administrativo, e, portanto, na
competência privativa de cada ente político. Em suma, se o funcionário é federal, somente
lei federal pode impor-lhe sanções pelo seu comportamento irregular; se o funcionário é
municipal, somente lei administrativa do Município ao qual está ligado pode impor-lhe
sanções” (A Inconstitucionalidade da Lei de Improbidade Administrativa – Lei Federal nº
8.429/92. Boletim de Direito Administrativo, p. 720, nov. 1999).

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 273 10/03/2016 14:06:01


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
274 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

nos Estatutos dos Servidores de cada esfera de governo, e comumente


atribuída às infrações funcionais mais graves. Isso porque, por buscar
repreender atos ofensivos à probidade administrativa, bem jurídico
sobre o qual especialmente se debruçou o Constituinte para exigir
proteção diferenciada, pode-se dizer que a sanção de perda da função
pública, em verdade, assume “forte conteúdo político-penal”,541 o que
reforça, nesses aspectos, a constitucionalidade da abrangência nacional
da Lei nº 8.429/92.542 543 544
Por consectário lógico, idêntica competência privativa da União
há de ser estendida para a disciplina dos sujeitos ativo e passivo
(arts. 1º, 2º e 3º), da tipologia dos atos de improbidade (arts. 9º, 10 e 11),

541
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 27. ed. São Paulo:
Atlas, 2014. p. 1.088/1.089. Na mesma linha, entendendo que a pena de perda da função
pública não seria passível de regulação por cada ente federativo, Di Pietro adverte que
“o fato de estar prevista a perda da função pública entre as sanções cabíveis em caso de
improbidade administrativa não é suficiente para concluir que se trata de sanção
administrativa para punir um ilícito puramente administrativo, apurável em processo
administrativo. Se essa conclusão fosse válida, não haveria dúvida de que se estaria frente
a matéria de competência de cada ente da federação. Isso, porém, não ocorre, da mesma
forma que não se pode afirmar que a perda do cargo prevista no art. 92, I, do Código
Penal, seja sanção de natureza administrativa. A perda da função pública, no caso, pela
gravidade do ato de improbidade, é inerente à própria suspensão dos direitos políticos. Se
uma pessoa tem os direitos políticos suspensos por determinado período, ela deve perder
concomitantemente o direito de exercer uma função de natureza pública” (In: Direito
Administrativo. 28. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 977-978).
542
Nas palavras do Ministro do Superior Tribunal de Justiça, José de Castro Meira, “A Lei
nº 8.429/92 visa a resguardar os princípios da administração pública sob o prisma do
combate à corrupção, da imoralidade qualificada e da grave desonestidade funcional, não
se coadunando com a punição de meras irregularidades administrativas ou transgressões
disciplinares, as quais possuem foro disciplinar adequado para processo e julgamento”
(STJ. REsp nº 1.089.911/PE, j. em 17.11.2009, DJe, 25 nov. 2009).
543
À guisa de registro, consigne-se que a Lei nº 8.429/92 já teve a sua constitucionalidade
formal questionada, por meio do ajuizamento da ADI nº 2.182/DF, em que se sustentou
que a tramitação do Projeto de Lei nº 01446/91, que deu origem a tal diploma legislativo,
não observou as regras do processo legislativo bicameral. É que, conforme alegou o
Partido Trabalhista Nacional (PTN), autor da demanda, encaminhado o projeto de lei pelo
Chefe do Poder Executivo à Câmara dos Deputados e aprovado por essa Casa, ele seguiu
ao Senado Federal, sendo objeto de substitutivo. Restituído à Câmara dos Deputados, teria
havido uma terceira redação, a qual, em flagrante ofensa aos ditames do art. 65, da CR,
foi enviada diretamente à sanção do Presidente da República, quando o certo seria a sua
submissão a novo crivo revisor do Senado. Na oportunidade, o Supremo Tribunal Federal,
por maioria, vencido o Ministro Marco Aurélio (Relator), entendeu que o substitutivo
aprovado no Senado da República, atuando como Casa Revisora, não caracterizou novo
projeto de lei a exigir uma segunda revisão, mas mera emenda à proposição original.
Dessa forma, após proceder à sua análise, realmente competia à Câmara de Deputados,
local em que se iniciou a tramitação do processo legislativo, encaminhá-lo à sanção do
Presidente da República, sem que se pudesse falar em qualquer ofensa ao art. 65, da CR.
544
Destaque-se que se encontra pendente de julgamento no STF a ADI nº 4.295/DF, proposta
pelo Partido da Mobilização Nacional (PMN) e distribuída por prevenção ao Ministro
Marco Aurélio, cujo objeto consiste no exame da constitucionalidade material da Lei de
Improbidade Administrativa.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 274 10/03/2016 14:06:01


CAPÍTULO 12
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
275

das penas cabíveis (art. 12), e do prazo prescricional que deve ser
observado para a propositura da demanda judicial (art. 23).
Igualmente por força do art. 22, I, da Constituição da República,
a Lei nº 8.429/92 também possui âmbito nacional quando estabelece
o rito processual peculiar da ação judicial de improbidade (arts. 16 a
18) e o tipo penal contido no art. 19, que busca repreender o autor de
denúncias sabidamente infundadas ou inverídicas.
Ressalte-se que aos Estados e ao Distrito Federal, por força do
disposto no art. 24, XI, da Constituição da República, compete legislar
suplementarmente sobre procedimentos em matéria processual,
devendo, ao assim proceder, por força do §2º desse mesmo dispositivo,
guardar obediência às normas gerais editadas pela União, notadamente
àquelas constantes do Código de Processo Civil, da Lei de Improbidade
e dos demais diplomas que integram o microssistema de tutela dos
direitos coletivos.
Alguns dispositivos da Lei nº 8.429/92, contudo, versam sobre
matéria administrativa, motivo pelo qual sua aplicação, em virtude
do princípio da autonomia, recai apenas sobre a esfera federal, tendo
os demais entes competência privativa para legislar sobre o assunto.
São os casos: (a) do art. 13, que condiciona a posse e o exercício
de agente público “à apresentação de declaração dos bens e valores
que compõem o seu patrimônio privado, a fim de ser arquivada no
serviço pessoal competente” (regulamentado pelo Decreto nº 5.438, de
30.06.2005);545 (b) do procedimento previsto no art. 14, §3º, para fins de
apuração administrativa da suposta prática de atos de improbidade;
(c) do art. 20, parágrafo único, que cuida do afastamento cautelar do
agente público, quando necessário à instrução processual.
Finalmente, no que toca ao direito de representação estabelecido
no art. 14, da Lei nº 8.429/92, segundo o qual qualquer pessoa poderá
se reportar à autoridade administrativa competente para que seja
instaurada investigação destinada a apurar a prática de ato de

545
Na mesma linha, José dos Santos Carvalho Filho (Manual de Direito Administrativo. 27. ed.
São Paulo: Atlas, 2014. p. 1.091) e Maria Sylvia Zanella Di Pietro (Direito Administrativo.
28. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 978). Em sentido contrário, Emerson Garcia e Rogério
Pacheco Alves esposam a tese de que a norma prevista no art. 13 da Lei nº 8.429/92, a
despeito de sua natureza aparentemente administrativa, compõe um sistema integrado de
combate à improbidade, buscando coibir o enriquecimento ilícito, motivo pelo qual há de
ter o seu alcance estendido a todas as esferas de governo (In: Improbidade Administrativa. 6.
ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 207). Com a devida vênia, tal argumento, apesar
de sua relevância, não tem o condão de enfraquecer a capacidade de auto-organização
constitucionalmente conferida aos entes da federação, sob pena de ofensa ao princípio da
autonomia e rompimento do equilíbrio federativo.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 275 10/03/2016 14:06:01


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
276 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

improbidade, por se tratar de norma de repetição do direito fundamental


de petição, previsto no art. 5º, XXXIV, da CR, a competência para a sua
edição é concorrente.546

12.4.2 Sujeito passivo


O sujeito passivo do ato de improbidade administrativa, no
plano material, corresponde à pessoa jurídica titular do bem jurídico
ofendido pela conduta ilícita.
Da análise da norma insculpida no art. 1º, da Lei nº 8.429/92,
mostra-se possível decompor os sujeitos passivos primariamente
protegidos pela Lei de Improbidade em três grupos: (i) pessoas da
Administração Direta, que compreendem os entes federados (União,
Estados, Distrito Federal e Municípios); (ii) pessoas da Administração
Indireta, que englobam as autarquias, fundações, empresas públicas e
sociedades de economia mista; (iii) entidade para cuja criação ou custeio
o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinquenta por cento
do patrimônio ou da receita anual.
O texto normativo em questão faz referência, ainda, à figura
da “empresa incorporada ao patrimônio público”, o que constituiu
flagrante impropriedade por parte do legislador. É que, cuidando a
incorporação de operação pela qual uma ou mais pessoas jurídicas
(incorporadas) são absorvidas por outra (incorporadora),547 “se a
empresa (rectius: a pessoa jurídica) já foi incorporada, o efeito evidente
é o seu desaparecimento do mundo jurídico”.548
Desse modo, tratando-se a incorporadora de pessoa de direito
público, apenas esta se conserva após a operação e, naturalmente,
permanecerá enquadrada no primeiro (entes federados) ou no segundo
grupo (autarquias e fundações); por outro lado, se de direito privado
a incorporadora (empresas públicas e sociedades de economia mista),
o patrimônio ativo e passivo da incorporada, cuja personalidade se
extinguirá, ingressará em sua completude na órbita jurídica daquela, a
qual já se encontra inserida no segundo grupo (Administração Indireta).

546
No mesmo sentido, José Dos Santos Carvalho Filho (Manual de Direito Administrativo. 27.
ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 1.091). Contra, Maria Sylvia Zanella Di Pietro defende que o
direito de representação previsto no art. 14 da Lei nº 8.429/92 cuida de matéria de compe-
tência privativa da União (In: Direito Administrativo. 28. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 978).
547
COELHO, Fábio Ulhôa. Curso de Direito Comercial – direito de empresa. 17. ed. São Paulo:
Saraiva, 2013. v. 2, p. 516.
548
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 27. ed. São Paulo:
Atlas, 2014. p. 1.091.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 276 10/03/2016 14:06:01


CAPÍTULO 12
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
277

Ressalte-se que, conforme adverte Carvalho Filho, na segunda hipótese,


o patrimônio incorporado às empresas estatais terá natureza privada
e somente por força de interpretação extensiva, como ocorre no art. 1º,
§1º, da Lei nº 4.717/65, é que poderia ser considerado público.549
No parágrafo único do art. 1º, encontram-se elencados, ainda, os
sujeitos passivos secundariamente tutelados pela Lei de Improbidade
Administrativa, a saber: (i) entidades que recebam subvenção, benefício
ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público; e (ii) entidades para
cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos
de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita anual.
Esses sujeitos só são alcançados pelo âmbito de proteção da Lei
de Improbidade Administrativa quando o ilícito atinge o seu patrimô-
nio.550 Além disso, o ressarcimento dessas entidades, mediante sanção
patrimonial a ser imposta ao autor do ilícito, na ação de improbidade
administrativa, há de se limitar aos valores oriundos dos cofres públicos,
devendo o que ultrapassar ser pleiteado por outra via.551
Outro equívoco cometido pelo legislador consistiu na omissão do
tratamento a ser dispensado às entidades para cuja criação ou custeio
o erário haja concorrido ou concorra com exatos cinquenta por cento
do patrimônio ou da receita anual, já que o caput e o parágrafo único
do art. 1º, da Lei nº 8.429/92, só regulam, respectivamente, as hipóteses
de auxílio público superior ou inferior a esse patamar.
Quanto ao tema, mostra-se irretocável o entendimento de
Carvalho Filho, no sentido de que, considerando a maior ou menor
gravidade das situações previstas na lei, como os gravames decorrentes
da aplicação do art. 1º são mais severos para o autor do ato de

549
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 27. ed. São Paulo:
Atlas, 2014. p. 1.092.
550
Por conseguinte, conforme bem advertem Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves, “ain-
da que a conduta se enquadre na tipologia dos arts. 9º (enriquecimento ilícito) e 11 (vio-
lação aos princípios administrativos da Lei nº 8.429/1992), o agente não estará sujeito às
penalidades previstas nesta Lei em não tendo sido o ato praticado contra o patrimônio
de tais entes [...]” (In: Improbidade Administrativa. 6. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.
p. 222). No mesmo sentido, Carvalho Filho afirma que, “se o ato não se relacionar com o
patrimônio, o agente não estará sujeito às sanções da Lei nº 8.429/92, mas sim àquelas pre-
vistas na lei reguladora adequada” (In: Manual de Direito Administrativo. 27. ed. São Paulo:
Atlas, 2014. p. 1.092).
551
Como o parágrafo único do art. 1º da Lei nº 8.429/92, quando a vítima do ilícito for uma das
entidades ali previstas, apenas restringiu a sanção patrimonial a ser aplicada, que, na ação
de improbidade, deverá se limitar ao prejuízo que recair sobre o montante proveniente do
erário, “as demais sanções do art. 12 serão aplicáveis normalmente, conforme a natureza
do autor e a extensão dos efeitos do ato” (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de
Direito Administrativo. 27. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 1.092).

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 277 10/03/2016 14:06:01


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
278 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

improbidade, impõe submeter essas entidades ao regime previsto no


parágrafo único desse dispositivo.552
Por fim, destaque-se que as entidades do terceiro setor também
poderão ser sujeitos passivos do ato de improbidade administrativa,
desde que recebam verbas públicas para o seu custeio. A depender do
volume desses repasses, irão se enquadrar no caput ou no parágrafo
único do art. 1º, da Lei nº 8.429/92.

12.4.3 Sujeito ativo


No plano material, considera-se sujeito ativo do ato de
improbidade administrativa todo aquele que, agente público ou não,
induza ou concorra para a consecução do ilícito, ainda que dele apenas
se beneficie direta ou indiretamente (arts. 1º, 2º e 3º, da Lei nº 8.429/92).553
Por razões de didática e melhor organização textual, os sujeitos
ativos serão classificados em dois grupos e analisados separadamente,
a saber: (a) agentes públicos; e (b) terceiros.

12.4.3.1 Agentes públicos


Nos termos do art. 2º, da Lei nº 8.429/92, “reputa-se agente público,
para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente
ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação
ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo,
emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior” (g.n.).
Prefacialmente, impende consignar que o conceito de agente
público selecionado pelo legislador para a incidência do espectro
normativo da Lei de Improbidade Administrativa mostra-se bastante
amplo, de modo a abranger todo aquele que, ainda que sem vínculo
profissional com a Administração Direta ou Indireta, preste-lhe serviços
a qualquer título, independentemente de remuneração ou do grau de
eventualidade da atividade.
Também se aplica a Lei de Improbidade aos agentes que possuam
vínculo com as pessoas jurídicas que contam com verbas públicas
para sua criação ou custeio, ou, ainda, recebam subvenção, benefício

In: Manual de Direito Administrativo. 27. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 1.092.
552

“[...] Os arts. 1º e 3º da Lei 8.429/1992 são expressos ao prever a responsabilização de todos,


553

agentes públicos ou não, que induzam ou concorram para a prática do ato de improbidade
ou dele se beneficiem sob qualquer forma, direta ou indireta. [...]” (STJ. AgRg no AREsp nº
264.086 MG, Relª. Minª. Eliana Calmon, Segunda Turma, j. em 06.08.2013, DJe, 28 ago. 2013).

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 278 10/03/2016 14:06:01


CAPÍTULO 12
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
279

ou incentivo fiscal ou creditício, do erário. Isso porque, nesses casos, a


percepção de auxílio público contamina essas entidades a tal ponto de
sujeitar os seus empregados e dirigentes, ordinariamente sujeitos ao
regime privado, ao rigor do diploma legislativo em questão.554
Não obstante a amplitude do conceito, para fins de incidência da
Lei nº 8.429/92, revela-se imprescindível, ainda, que o agente público
tenha praticado o ato nessa qualidade. Sobre o tema, o Superior
Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp nº 1.414.669/SP,555 assentou

554
Sobre o tema, vem a calhar a observação feita pelos autores Emerson Garcia e Rogério
Pacheco Alves: “Assim, coexistem lado a lado, estando sujeitos às sanções previstas na
Lei nº. 8.429/1992, os agentes que exerçam atividade junto à administração direta ou
indireta (perspectiva funcional), e aqueles que não possuam qualquer vínculo com o Poder
Público, exercendo atividade eminentemente privada junto a entidades, que, de qualquer
modo, recebam numerário de origem pública (perspectiva patrimonial). Como se vê, trata-
se de conceito muito mais amplo que o utilizado pelo art. 327 do Código Penal. Nesta
linha, para os fins da Lei de Improbidade, tanto será agente público o presidente de uma
autarquia, como o proprietário de uma pequena empresa do ramo de laticínios que tenha
recebido incentivos, fiscais ou creditícios, para desenvolver sua atividade. Como observou
Fábio Medina Osório, “neste campo, ocorre aquilo que se denomina de convergência entre
o direito público e privado, pois as entidades privadas são atingidas pela legislação, na
medida em que estiverem em contato com o dinheiro público, pouco importando que suas
atividades ficassem enquadradas nas normas privatísticas” (In: Improbidade Administrativa.
6. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 249).
555
Administrativo e Processual Civil. Ação Civil Pública de improbidade administrativa.
Médico ginecologista e obstetra, credenciado em hospital privado (instituição filantrópica
sem fins lucrativos) vinculado (o hospital) ao SUS. Cobrança pecuniária para a realização
de parto, quando o procedimento já estava custeado pelo convênio assistencial de saú-
de da parturiente. Serviço não financiado pelo SUS. Impossibilidade de amoldamento da
conduta no art. 11 da Lei 8.429/92, por não comprovada a condição de agente público do
recorrente e nem lesão a interesses do erário. Recurso especial provido. 1. A tipificação de
determinada conduta como ímproba, à luz da Lei 8.429/92, exige analisar se o ato inves-
tigado foi, efetivamente, praticado por Agente Público ou a ele equiparado, no exercício
do munus público, nos moldes delineados pelo art. 2º da LIA, bem como se houve lesão a
bens e interesses das entidades relacionadas no art. 1o. da Lei de Improbidade. 2. In casu,
observa-se que o recorrente - Médico Ginecologista e Obstetra, credenciado ao Hospital e
Maternidade Gota de Leite - cobrou da paciente o valor de R$ 980,00 pelo parto realizado,
apesar deste procedimento já estar sendo pago pelo Instituto de Assistência Médica ao Ser-
vidor Público Estadual (IAMSPE), com o qual a vítima possui convênio. 3. O fato de o Hos-
pital e Maternidade Gota de Leite possuir vínculo com o SUS não quer dizer que o referido
Hospital somente presta serviços na qualidade de instituição pertencente à rede pública de
saúde, pois o art. 199 da CF/88 possibilita a participação complementar da iniciativa priva-
da na prestação dos serviços em comento, mediante contrato de direito público ou convê-
nios, o que não impede a Instituição de prestar serviços particulares àqueles de demandam
seus serviços nesta qualidade. 4. Neste caso, duas hipóteses de prestação de serviços po-
dem ocorrer: (a) requerimento de atendimento médico-hospitalar com esteio no convê-
nio/contrato de direito público (função pública delegada), caso em que as despesas com
a prestação do serviço pleiteado serão arcadas pelo SUS, com o orçamento da Seguridade
Social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (art. 199 da CF); e (b)
requerimento de atendimento particular dos serviços em exame, quando a contraprestação
ao Hospital será custeada pelo próprio paciente - seja mediante seu plano de saúde/con-
vênio, ou seja mediante seus próprios rendimentos. 5. O Hospital e Maternidade Gota de
Leite atua em parceria com o Poder Público na prestação de serviços de saúde à população,
somente podendo ser qualificada no art. 1º da Lei de Improbidade quando presta

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 279 10/03/2016 14:06:02


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
280 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

a impossibilidade de qualificar como improbidade administrativa a


conduta do profissional médico que, embora no âmbito de hospital
vinculado ao SUS, exige honorários do paciente, quando a despesa
do procedimento já estava sendo paga integralmente por convênio de
saúde.
Segundo o Tribunal, na espécie, não havendo financiamento do
procedimento por parte do SUS e tendo em vista que o atendimento foi
prestado em caráter particular – sendo a contraprestação ao hospital
custeada pelo convênio do paciente –, não seria possível sustentar que
o profissional teria atuado na qualidade de agente público, o que foi
suficiente para desqualificar a imputação de improbidade.556
Quanto aos empregados e dirigentes das concessionárias e
permissionárias, em regra, não se revela possível o seu enquadramento
no conceito de agente público adotado pela Lei nº 8.429/92, salvo nos
casos em que estas tenham sido criadas ou sejam custeadas com auxílios
públicos, ou, ainda, recebam subvenções, benefícios ou incentivos
do erário. Isso porque, apesar de a delegação de serviços públicos
a essas entidades também constituir hipótese de descentralização
administrativa, ela refoge da moldura de Administração Indireta
traçada no Decreto-Lei nº 200/67, a que faz remissão o art. 1º, da Lei
de Improbidade.557

atendimento médico-hospitalar financiado pelo SUS. 6. Se o parto da vítima foi custeado


pelo IAMSPE (e a Maternidade realizou tal intervenção cirúrgica à luz das diretrizes da
iniciativa privada), não há como sustentar que o Médico recorrente prestou os serviços na
qualidade de Agente Público, pois mencionada qualificação somente restaria configurada
se o serviço tivesse sido custeado pelos cofres públicos, o que não ocorreu no caso concreto;
ademais, não há comprovação de lesão ou ameaça de lesão a res pública. 7. Ausente a com-
provação da qualidade de Agente Público do recorrente, bem como a de lesão a interesse
de qualquer das entidades elencadas no art. 1º. da LIA, inviável se mostra a manutenção
da condenação do Médico por ato de improbidade; se algo houver a punir, será o eventual
resíduo disciplinar (CRM), por hipotética ofensa a particular. 8. Recurso Especial provido
(STJ. REsp nº 1414669/SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, j. em
20.02.2014, DJe, 27 mar. 2014).
556
Nessa linha, Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves advertem que, “como derivação
lógica do sistema da Lei nº 8.429/92, não bastará a identificação da condição de agente
público e do correspondente vínculo com um dos sujeitos passivos em potencial dos
atos de improbidade para que possa ser divisada a prática de atos de improbidade. É
necessário, ainda, que o indivíduo pratique o ato em razão de sua especial condição de
agente público. Nesta linha, não praticará ato de improbidade aquele que, verbi gratia, seja
servidor de uma unidade da Federação e, estando de férias, danifique bens pertencentes a
ente de outra unidade. Obviamente, neste singelo exemplo, a condição de agente público
não apresentou qualquer relevância para a prática do ato, já que desvinculado do exercício
funcional” (In: Improbidade Administrativa. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 254-255).
557
No mesmo sentido, cf. ALVES, Rogério Pacheco; GARCIA, Emerson. Improbidade Admi-
nistrativa. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 251/252. Também seguindo a orientação
de que os dirigentes e os empregados das concessionárias e permissionárias de serviços
públicos não se submetem aos ditames da Lei de Improbidade, José Dos Santos Carvalho

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 280 10/03/2016 14:06:02


CAPÍTULO 12
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
281

Cabe, ainda, discorrer sobre a questão relativa à possibilidade


de propositura da ação de improbidade administrativa quando se
imputa a prática do ilícito aos agentes políticos que se submetem ao
regime especial de responsabilização disciplinado pela Lei nº 1.079/50.
Conforme bem adverte Carvalho Filho, é possível apontar a existência
de três posicionamentos quanto ao tema.558
A primeira corrente, partindo da análise literal do art. 37,
§4º, da CR, entende que as infrações político-administrativas (Lei
nº 1.079/50) convivem harmonicamente no sistema jurídico pátrio
com os ilícitos de improbidade administrativa (Lei nº 8.429/92),
mostrando-se perfeitamente possível que o agente político se submeta
simultaneamente a ambas as esferas de responsabilização, as quais são
autônomas entre si.559
A segunda sustenta a inaplicabilidade da Lei de Improbidade
Administrativa quando a conduta imputada ao agente político, sujeito
aos ditames da Lei nº 1.079/50, também se enquadre como crime de
responsabilidade. É que, para os adeptos desse posicionamento, punir
o agente político, com base nos mesmos fatos, tanto por improbidade
administrativa como por crime de responsabilidade, configuraria into-
lerável bis in idem, impondo-se admitir apenas a incidência isolada da
Lei nº 1.079/50, pela aplicação do critério da especialidade.
Esse foi o posicionamento adotado pelo Pleno do Supremo
Tribunal, que, ao apreciar a Reclamação nº 2.138/DF,560 em votação

Filho consigna que, “a despeito de tais pessoas prestarem serviço público por delegação,
não se enquadram no modelo da lei: as tarifas que auferem dos usuários são o preço pelo
uso do serviço e resultam de contrato administrativo firmado com o concedente ou permi-
tente. Desse modo, o Estado, como regra, não lhes destina benefícios, auxílios ou subven-
ções” (In: Manual de Direito Administrativo. 27. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 1.094).
558
In: Manual de Direito Administrativo. 27. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 1.096.
559
Nessa linha, Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves asseveram que “a insistência na equi-
paração entre atos de improbidade administrativa e crimes de responsabilidade é equivoca-
da, parecendo-nos de meridiana clareza, data venia, que o art. 85, V, da CF, ao considerar que
os atentados contra a probidade na administração também constituem crimes de responsa-
bilidade, não desejou limitar os seus efeitos a este campo político de sancionamento, o que,
inclusive, é remarcado pelo art. 37, §4º, da CF. É dizer, mesmo que se considerem verdadeira-
mente penais as condutas previstas no art. 85, com o que discordamos, o fato é que, repita-se
à exaustão, a própria Carta Política acolhe a responsabilização no campo da improbidade ‘...
sem prejuízo da ação penal cabível’. Deste modo, é possível concluir que o atuar ímprobo vai
repercutir em pelo menos três esferas distintas, a saber: a dos crimes ‘comuns’, a dos crimes
de responsabilidade (preferimos a expressão ‘infrações político-administrativas’) e, por fim,
a esfera da improbidade administrativa, de natureza extrapenal, sendo harmoniosa, a partir
da Magna Carta, a convivência dos três sistemas sancionatórios” (In: Improbidade Administra-
tiva. 6. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 811).
560
Reclamação. Usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal. Improbidade
administrativa. Crime de responsabilidade. Agentes políticos. I. Preliminares. Questões
de ordem. [...] II. Mérito. II.1. Improbidade administrativa. Crimes de responsabilidade.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 281 10/03/2016 14:06:02


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
282 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

acirrada (6x5), afirmou que a Constituição da República “não admite


concorrência entre dois regimes de responsabilidade político-
administrativa para os agentes políticos: o previsto no art. 37, §4º
(regulado pela Lei nº. 8.429/1992) e o regime fixado no art. 102, I, ‘c’,
(disciplinado pela Lei nº. 1.079/1950)”.561 562
Finalmente, a terceira corrente, que, na verdade, cuida de sofisti-
cação da primeira, apesar de também reconhecer a autonomia existente

Os atos de improbidade administrativa são tipificados como crime de responsabilidade


na Lei nº 1.079/1950, delito de caráter político-administrativo. II.2. Distinção entre os
regimes de responsabilização político-administrativa. O sistema constitucional brasileiro
distingue o regime de responsabilidade dos agentes políticos dos demais agentes públicos.
A Constituição não admite a concorrência entre dois regimes de responsabilidade político-
administrativa para os agentes políticos: o previsto no art. 37, §4º (regulado pela Lei nº
8.429/1992) e o regime fixado no art. 102, I, “c”, (disciplinado pela Lei nº 1.079/1950). Se
a competência para processar e julgar a ação de improbidade (CF, art. 37, §4º) pudesse
abranger também atos praticados pelos agentes políticos, submetidos a regime de
responsabilidade especial, ter-se-ia uma interpretação ab-rogante do disposto no art. 102,
I, “c”, da Constituição. II.3.Regime especial. Ministros de Estado. Os Ministros de Estado,
por estarem regidos por normas especiais de responsabilidade (CF, art. 102, I, “c”; Lei nº
1.079/1950), não se submetem ao modelo de competência previsto no regime comum da
Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/1992). II.4.Crimes de responsabilidade.
Competência do Supremo Tribunal Federal. Compete exclusivamente ao Supremo
Tribunal Federal processar e julgar os delitos político-administrativos, na hipótese do art.
102, I, “c”, da Constituição. Somente o STF pode processar e julgar Ministro de Estado no
caso de crime de responsabilidade e, assim, eventualmente, determinar a perda do cargo
ou a suspensão de direitos políticos. II.5.Ação de improbidade administrativa. Ministro
de Estado que teve decretada a suspensão de seus direitos políticos pelo prazo de 8
anos e a perda da função pública por sentença do Juízo da 14ª Vara da Justiça Federal
- Seção Judiciária do Distrito Federal. Incompetência dos juízos de primeira instância
para processar e julgar ação civil de improbidade administrativa ajuizada contra agente
político que possui prerrogativa de foro perante o Supremo Tribunal Federal, por crime
de responsabilidade, conforme o art. 102, I, “c”, da Constituição. III. Reclamação julgada
procedente (STF. Rcl nº 2.138, Rel. Min. Nelson Jobim, Rel. p/ ac. Min. Gilmar Mendes (art.
38, IV, b, do RISTF), j. em 13.06.2007, DJe, 18 abr. 2008).
561
Julgaram procedente a reclamação os Ministros Nelson Jobim, Ellen Gracie, Maurício
Corrêa, Ilmar Galvão, Cezar Peluso, Gilmar Mendes; vencidos os Ministros Carlos Velloso,
Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Marco Aurélio e Joaquim Barbosa. Consigne-se que
apenas os Ministros Celso de Mello, Marco Aurélio e Gilmar Mendes ainda se encontram
no STF.
562
Criticando o posicionamento adotado pelo STF no precedente em questão, Di Pietro anota
que “essa não é a melhor interpretação dos dispositivos constitucionais, até porque con-
trária ao próprio artigo 37, §4º, da Constituição que, ao indicar as sanções cabíveis por ato
de improbidade administrativa, deixa expresso que as mesmas serão previstas em lei, ‘sem
prejuízo da ação penal cabível’. A improbidade administrativa e o crime de responsabili-
dade são apurados em instâncias diversas e atendem a objetivos também diversos. Todos
os agentes públicos que praticam infrações estão sujeitos a responder nas esferas penal,
civil, administrativa e político-administrativa. Nenhuma razão existe para que os agentes
políticos escapem à regra, até porque, pela posição que ocupam, têm maior compromisso
com a probidade administrativa, sendo razoável que respondam com maior severidade
pelas infrações praticadas no exercício de seus cargos” (In: Direito Administrativo. 28. ed.
São Paulo: Atlas, 2015. p. 985).

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 282 10/03/2016 14:06:02


CAPÍTULO 12
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
283

entre as infrações político-administrativas e os ilícitos de improbidade


administrativa, passíveis de incidência concomitante em relação aos
mesmos fatos praticados pelo agente, ressalta que a aplicação das san-
ções de cunho político-penal previstas tanto na Lei nº 1.079/50 como na
Lei nº 8.429/92, quais sejam, perda do cargo e suspensão dos direitos
políticos, deve ser reservada à ação por crime de responsabilidade.563
Além disso, para essa corrente, se o fato se enquadrar apenas
como improbidade administrativa, mas o agente político gozar de foro
por prerrogativa de função, no intuito de se lhe aplicarem as sanções
de cunho político-penal inclusive, a ação deverá ser ajuizada perante
o juízo competente para o conhecimento da ação por crime comum,
pela aplicação do princípio da simetria.
Assim, estar-se-ia a bloquear situações esdrúxulas, como, por
exemplo, decisão de juiz de primeiro grau culminando com a perda de
cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal condenado por impro-
bidade, o que subverteria todo o sistema escalonado de competências
traçado na CR em relação à estrutura do Poder Judiciário.
Foi o que decidiu o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento
da Reclamação nº 2.790/SC.564 Na oportunidade, o Ministro Relator

563
Perfilhando essa corrente, Carvalho Filho salienta que, em relação à ação de improbidade
administrativa, “subsistiriam outras sanções sem tal natureza (como, v. g., multa civil,
reparação de danos, proibição de benefícios creditícios ou fiscais etc). Tais sanções não
decorreriam de crime de responsabilidade, regulado por lei especial, mas sim de conduta
de improbidade sem caracterização delituosa. De fato, examinando-se o elenco de sanções
contemplado no art. 12 da Lei nº 8.429/1992, é possível vislumbrar a existência, lado a lado,
de sanções político-administrativas e exclusivamente administrativas. Daí a distinção feita
por alguns intérpretes e que, em nosso entender, melhor se harmoniza com o sistema atu-
almente em vigor e com o princípio da moralidade administrativa” (In: Manual de Direito
Administrativo. 27. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 1.097).
564
Constitucional. Competência. Ação de improbidade contra Governador de Estado. Du-
plo regime sancionatório dos agentes políticos: Legitimidade. Foro por prerrogativa de
função: Reconhecimento. Usurpação de competência do STJ. Procedência parcial da re-
clamação. 1. Excetuada a hipótese de atos de improbidade praticados pelo Presidente da
República (art. 85, V), cujo julgamento se dá em regime especial pelo Senado Federal (art.
86), não há norma constitucional alguma que imunize os agentes políticos, sujeitos a crime
de responsabilidade, de qualquer das sanções por ato de improbidade previstas no art.
37, §4.º. Seria incompatível com a Constituição eventual preceito normativo infraconstitu-
cional que impusesse imunidade dessa natureza. 2. Por decisão de 13 de março de 2008, a
Suprema Corte, com apenas um voto contrário, declarou que “compete ao Supremo Tri-
bunal Federal julgar ação de improbidade contra seus membros” (QO na Pet. 3.211-0, Min.
Menezes Direito, DJ 27.06.2008). Considerou, para tanto, que a prerrogativa de foro, em
casos tais, decorre diretamente do sistema de competências estabelecido na Constituição,
que assegura a seus Ministros foro por prerrogativa de função, tanto em crimes comuns, na
própria Corte, quanto em crimes de responsabilidade, no Senado Federal. Por isso, “seria
absurdo ou o máximo do contra-senso conceber que ordem jurídica permita que Ministro possa ser
julgado por outro órgão em ação diversa, mas entre cujas sanções está também a perda do cargo.
Isto seria a desestruturação de todo o sistema que fundamenta a distribuição da competência” (voto

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 283 10/03/2016 14:06:02


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
284 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

Teori Zavascki, hoje membro do STF, consignou ser bastante difícil


justificar a tese de que todos os agentes políticos sujeitos a crimes de
responsabilidade estejam imunes, mesmo parcialmente, às sanções do
art. 37, §4º, da CR, inclusive à perda de cargo e à suspensão dos direitos
políticos, não sendo lícito ao legislador ordinário, sob pretexto de
normatizar a forma e a gradação dessas sanções e de tipificar os crimes
de responsabilidade, limitar o alcance do mandamento constitucional
em questão, excluindo certos agentes do âmbito de sua incidência.
Segundo o Ministro, apenas a própria Constituição poderia fazê-lo, o
que, a seu ver, ocorreu apenas em relação aos atos de improbidade do
Presidente da República, que, nos termos de seu art. 85, V, devem ser
enquadrados como crime de responsabilidade, dando ensejo a processo
e julgamento perante o Senado Federal (art. 86).
Sem perder de vista o problema relativo à impropriedade de
se submeterem agentes políticos detentores dos cargos de maior
alçada institucional do País – os quais, em matéria penal, têm foro por
prerrogativa de função, mesmo por crimes que acarretam simples pena
de multa pecuniária – à possibilidade de sofrerem sanção de perda do
cargo ou de suspensão de direitos políticos em processo de competência
de juiz de primeiro grau, o Ministro ressalvou que a solução não pode
ser pura e simplesmente imunizá-los da aplicação da Lei nº 8.429/92,
mas sim reconhecer, também para as ações de improbidade, a aplicação
do foro por prerrogativa de função assegurado nas ações penais.
Em suas próprias palavras: “Ubi eadem ratio, ibi eadem legis
dispositio. Se há prerrogativa de foro para infrações penais que acarretam
simples pena de multa pecuniária, não teria sentido retirar tal garantia
para as ações de improbidade que importam, além da multa pecuniária,
também a perda da própria função pública e a suspensão dos direitos
políticos”.565

do Min. Cezar Peluso). 3. Esses mesmos fundamentos de natureza sistemática autorizam


a concluir, por imposição lógica de coerência interpretativa, que norma infraconstitucional
não pode atribuir a juiz de primeiro grau o julgamento de ação de improbidade adminis-
trativa, com possível aplicação da pena de perda do cargo, contra Governador do Estado,
que, a exemplo dos Ministros do STF, também tem assegurado foro por prerrogativa de
função, tanto em crimes comuns (perante o STJ), quanto em crimes de responsabilidade
(perante a respectiva Assembléia Legislativa). É de se reconhecer que, por inafastável si-
metria com o que ocorre em relação aos crimes comuns (CF, art. 105, I, a), há, em casos
tais, competência implícita complementar do Superior Tribunal de Justiça. 4. Reclamação
procedente, em parte (STJ. Rcl nº 2.790/SC, Rel. Min. Teori Zavascki, Corte Especial, j. em
02.12.2009, DJe, 04 mar. 2010).
565
Rebatendo aqueles que defendem somente ser possível realizar interpretação gramatical
e literal das normas constitucionais a respeito de competência, revelando-se impróprio
estendê-las a outras situações, o Ministro Teori Zavascki, em seu voto, afirmou que “tal

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 284 10/03/2016 14:06:02


CAPÍTULO 12
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
285

Diante desse contexto, a verdade é que a matéria – que também


repercute na competência para o julgamento da ação de improbidade
administrativa, o que será visto com mais profundidade na sequência –,
por comportar diversos entendimentos, ainda demanda uniformização
pelos tribunais superiores.
Vale dizer que o próprio STF, que teve a sua composição bastante
alterada desde o julgamento da Reclamação nº 2.138/DF, vem admitindo
a coexistência dos regimes de responsabilização previstos nas Leis nº
1.079/50 e nº 8.429/92, com possibilidade de incidência concomitante
sobre os mesmos fatos praticados por agentes políticos. Aliás, na mesma
sessão em que julgou o precedente supracitado, no dia 13.06.2007, o
Pleno da Excelsa Corte, ao apreciar a Petição nº 3923-QO/SP, esposou
entendimento diverso, no sentido de que “as condutas descritas na
Lei de Improbidade Administrativa, quando imputadas a autoridades
detentoras de prerrogativa de foro, não se convertem em crimes de
responsabilidade”. Essa divergência se verificou porque o julgamento
daquele precedente iniciou-se em sessão anterior, contando com
diversos votos de ministros que já haviam deixado a Excelsa Corte.566
De todo modo, com a devida vênia dos que têm se posicionado
em sentido contrário, não se concorda, em absoluto, com a possibilidade
de excluir os agentes políticos do regime de responsabilização da Lei
de Improbidade Administrativa.
O Constituinte, em momento algum – à exceção do Presidente
da República (art. 85, V), conforme bem salientou o Ministro Teori
Zavascki, no julgamento da Reclamação nº 2.790/SC –, pôs a salvo
qualquer agente político da aplicação da Lei nº 8.429/92, a qual tratou
de densificar o comando constitucional insculpido no art. 37, §4º,

método interpretativo não é o mais adequado nesse domínio. Há situações em que a


interpretação ampliativa das regras de competência é uma imposição incontornável do
sistema. Conforme reconhecido em boa doutrina, “é admissível [...] uma complementação
de competências constitucionais através do manejo de instrumentos metódicos de
interpretação (sobretudo de interpretação sistemática ou teleológica)”, cuja adoção pode
revelar “duas hipóteses de competências implícitas complementares”: as “enquadráveis
no programa normativo-constitucional de uma competência explícita, e justificáveis
porque não se trata tanto de alargar competências mas de aprofundar competências”; e as
“necessárias para preencher lacunas constitucionais patentes através da leitura sistemática
e analógica dos preceitos constitucionais” (CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional.
5. ed. Coimbra: Almedina, 1992. p. 695).
566
Frise-se haver reconhecimento de repercussão geral sobre a matéria, ainda pendente de
julgamento: Recurso Extraordinário com Agravo. 2. Administrativo. Aplicação da Lei de
Improbidade Administrativa – Lei 8.429/1992 a prefeitos. 3. Repercussão geral reconhecida
(STF. ARE nº 683235 RG, Rel. Min. Cezar Peluso, Rel. p/ ac. Min. Gilmar Mendes, j. em
30.08.2012, DJe, 22 abr. 2013).

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 285 10/03/2016 14:06:02


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
286 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

concretizando a tutela do princípio da moralidade, sendo esse


argumento, por si só, suficiente para sustentar o ponto.
Indo além, a fim de espancar de uma vez por todas a tese de que
a incidência concomitante desses diplomas legislativos configuraria bis
in idem, como bem fez o Ministro Joaquim Barbosa, em voto vencido
proferido no julgamento da Reclamação nº 2.138/DF, é relevante
apontar a tranquila distinção existente entre o regime dos crimes de
responsabilidade e a Lei de Improbidade Administrativa, conforme os
objetivos constitucionais visados pelos institutos, ainda que ambos, em
última instância, busquem a proteção da moralidade administrativa.
É que, por um lado, a Lei de Improbidade Administrativa visa,
mediante tipificação mais cerrada e amplo leque de sanções passíveis de
aplicação, a variar conforme a conduta desviante, punir o agente público
malsão, podendo atingir inclusive terceiros, sem qualquer vínculo com
a Administração. Por outro, os crimes de responsabilidade cuidam de
mais um mecanismo de freios e contrapesos, próprios das relações entre
os poderes do Estado no regime presidencial de governo, de tipificação
vaga, cujo objetivo da punição consiste em lançar no ostracismo político
o agente faltoso, que, com suas condutas, põe em risco o Estado de
Direito e a estabilidade das instituições, aplicando-se-lhe apenas duas
sanções: a perda do cargo e a suspensão dos direitos políticos.567
Não bastassem as razões aludidas, seria desastroso, à luz dos
corolários republicanos da igualdade e da responsabilidade, admitir
que, entre os agentes públicos, justamente os agentes políticos, a quem
incumbe o exercício das funções superiores de direção do Estado e

567
Sobre a vagueza na tipificação dos crimes de responsabilidade como elemento diferen-
ciador do ilícito de improbidade administrativa, o Ministro Joaquim Barbosa anotou que,
para a caracterização daqueles, “basta a maladresse política, o mau exemplo por parte
do dirigente, basta a atitude conivente ou omissa em relação à necessária punição dos
subordinados que eventualmente incorram em deslizes funcionais graves, ou a ação ex-
plícita ou dissimulada no sentido do acobertamento desses deslizes funcionais. Em suma,
a exemplo de várias tipificações contidas na Lei nº 1.079/1950, o conteúdo material da im-
probidade administrativa prevista em alguns dos incisos do seu art. 9º, longe de apontar
para a exigência da prática de atos específicos, detalhados e diretamente caracterizáveis
como ímprobos por parte do Presidente da República e de seus ministros, guarda a fluidez
inerente aos signos descritivos das ações de comando supremo, isto é: a) omitir ou retardar
dolosamente a publicação das leis (um tipo de ato presidencial que ultrapassa em muito
as fronteiras administrativas); b) infringir as normas legais no provimento dos cargos; c)
não prestar contas ao Congresso Nacional. São pura e simplesmente delitos político-fun-
cionais, puníveis com o afastamento do agente, sem que se possa falar em ressarcimento
de dano, em indisponibilidade de bens [...]. Ou seja, longe se está, nesta tipificação da
improbidade para fins de responsabilização política, da crueza descritiva que encontra-
mos na lei de improbidade administrativa quando esta tipifica as condutas suscetíveis de
desencadear a ação por improbidade”.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 286 10/03/2016 14:06:02


CAPÍTULO 12
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
287

a missão de gerir os destinos da nação, pudessem ser blindados da


normatividade da Lei nº 8.429/92.
Nesse sentido, afigura-se irretocável a conclusão do Ministro
Joaquim Barbosa, no sentido de que, “quanto mais elevadas e relevantes
as funções assumidas pelo agente público, maior há de ser o grau de
sua responsabilidade, e não o contrário”.568

12.4.3.2 Terceiros
O terceiro, na Lei nº 8.429/92, compreende toda pessoa que, sem
ter a qualidade de agente público, induza ou concorra para a prática
do ilícito de improbidade administrativa, ainda que dele apenas se
beneficie direta ou indiretamente (art. 3º).
Observa-se que o papel do terceiro no ato de improbidade ad-
ministrativa pode ser bastante amplo. Tanto ele pode inspirar, fazer
nascer em outrem a ideia do ilícito (induzir), como prestar auxílio de
qualquer natureza para a sua prática (concorrer), ou, simplesmente,
figurar como beneficiário direto ou indireto do ato.
Interessante polêmica diz respeito à possibilidade de a pessoa
jurídica figurar como terceiro. Para Carvalho Filho, essa possibilidade
inexiste, porquanto o terceiro, beneficiário direto ou indireto do ato,
somente pode responder por improbidade administrativa uma vez
constatada a presença do dolo, elemento anímico estranho a essas
entidades de existência abstrata, as quais não têm vontade e consciência
próprias.569

568
Também apontando a perplexidade que desencadearia imunizar os agentes políticos da
normatividade da Lei de Improbidade Administrativa, Celso Antônio Bandeira de Mello
registra que “são eles, justamente, os que desfrutam das condições mais propícias à prática
de atos de improbidade administrativa e os que dispõem dos melhores meios para se eva-
direm à conseqüente responsabilidade. Donde, o máximo temor há de ser o de que a pro-
bidade administrativa seja afrontada pelos referidos agentes, pois são os que comandam
todo o aparelho administrativo do Estado. Se a lei veio para coibir atos de improbidade,
conforme seu explícito objeto, é óbvio que de seu alvo jamais poderiam estar excluídos
os agentes políticos, aos quais, de resto, se ajustaria bem o papel de centro da mira (a
mosca)”. (In Competência para julgamento de agentes políticos por ofensa à Lei de Improbidade
Administrativa (8.429, de 02.06.92) Interesse Público, v. 9, n. 42, p. 15-19, mar./abr. 2007.
569
Segundo o autor, “o terceiro, quando beneficiário direto ou indireto do ato de improbidade,
só pode ser responsabilizado por ação dolosa, ou seja, quando tiver ciência da origem
ilícita da vantagem. Comportamento culposo não se compatibiliza com a percepção de
vantagem indevida; muito menos a conduta sem culpa alguma. De qualquer forma, o
terceiro jamais poderá ser pessoa jurídica. As condutas de indução e colaboração para a
improbidade são próprias de pessoas físicas. Quanto à obtenção de benefícios indevidos,
em que pese a possibilidade de pessoa jurídica ser destinatária deles (como, por exemplo,
no caso de certo bem público móvel ser desviado para o seu patrimônio), terceiro será

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 287 10/03/2016 14:06:02


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
288 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

Todavia, nesse ponto, discorda-se do autor. A uma, porque a


lei não faz qualquer ressalva quanto à natureza da pessoa passível de
figurar como terceiro. A duas, porque desconsiderar a possibilidade de
a pessoa jurídica figurar como terceiro, tendo em vista, infelizmente,
ser trivial o uso abusivo de sua personalidade para fins fraudulentos –
como desvio de verbas e ocultação de patrimônio –, esvaziaria a eficácia
da ação de improbidade e, por conseguinte, esmoreceria a tutela da
moralidade, sendo perfeitamente cabível que se lhe apliquem as sanções
compatíveis com sua natureza.570
Nessa esteira, o Ministro Relator Herman Benjamin, no
julgamento do REsp nº 1.122.177/MS, em que foi acompanhado pela
unanimidade de seus pares da Segunda Turma, salientou que o
particular submetido à Lei nº 8.429/92 compreende tanto as pessoas
naturais ou jurídicas, de forma que, com relação a estas, apenas se revela
possível a condenação ao ressarcimento integral do dano, à perda dos
bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ao pagamento de
multa civil e à proibição de contratar com o Poder Público ou receber
benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, nos termos e limites do
art. 12, da LIA. Ou seja, mostra-se impróprio pretender impor-lhes
as sanções de perda da função pública e de suspensão dos direitos
políticos, justamente porque incompatíveis com sua natureza.
Por fim, ressalte-se que, havendo elementos de prova quanto ao
uso abusivo da pessoa jurídica, com intuito de encobrir eventual fraude
perpetrada por seus sócios e diretores, configuradora de improbidade
administrativa, nada impede que se desconsidere a personalidade
daquela, para alcance do patrimônio destes.571

o dirigente ou responsável que eventualmente coonestar com o ato dilapidatório do


agente público. Demais disso, tal conduta, como vimos, pressupõe dolo, elemento
subjetivo incompatível com a responsabilização de pessoa jurídica” (In: Manual de Direito
Administrativo. São Paulo: Atlas, 2014. p. 1.098).
570
No mesmo sentido, Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves defendem que “também as
pessoas jurídicas poderão figurar como terceiros na prática dos atos de improbidade, o
que será normalmente verificado com a incorporação ao seu patrimônio dos bens públicos
desviados pelo ímprobo. Contrariamente ao que ocorre com o agente público, sujeito
ativo dos atos de improbidade e necessariamente uma pessoa física, o art. 3º da Lei de
Improbidade não faz qualquer distinção em relação aos terceiros, tendo previsto que ‘as
disposições desta Lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente
público...’, o que permite concluir que as pessoas jurídicas também estão incluídas sob tal
epígrafe” (In: Improbidade Administrativa. 6. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 269).
571
Foi como decidiu a 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, no seguinte
julgado, sob minha relatoria: Agravo de Instrumento. Ação Civil Pública. Preliminar de
ilegitimidade passiva. Teoria da asserção. Rejeição. Indisponibilidade de bens. Medida
judicial de caráter excepcional. Tutela de urgência. Requisitos. Ausência de demonstração
do periculum in mora. Desconsideração da personalidade jurídica. Art. 50 do Código

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 288 10/03/2016 14:06:02


CAPÍTULO 12
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
289

12.4.4 Tipos de improbidade


A Lei nº 8.429/92 categorizou os atos de improbidade
administrativa em três grupos, elegendo como critério de diferenciação
ora a consequência do ilícito – (a) Dos Atos de Improbidade
Administrativa que Importam Enriquecimento Ilícito (art. 9º); (b) Dos
Atos de Improbidade Administrativa que Causam Prejuízo ao Erário
(art. 10) –, ora a natureza dos bens jurídicos lesionados – (c) Dos Atos
de Improbidade Administrativa que Atentam Contra os Princípios da
Administração Pública (art. 11).
Apesar de o legislador, nos incisos dos arts. 9º, 10 e 11, ter
elencado vasto rol de situações que se enquadram no comportamento
proibido pelos tipos de improbidade, o advérbio notadamente, presente
ao final do caput de cada um desses dispositivos, deixa transparecer que
a relação ali disposta revela-se meramente exemplificativa. Daí se poder
concluir, pela própria impossibilidade legislativa de, abstratamente,
conseguir esgotar todas as hipóteses passíveis de violação da probidade
administrativa – ante a criatividade do mundo fenomênico –, existirem
condutas que, embora não constem de quaisquer dos incisos, também
atraem a incidência da Lei nº 8.429/92.
Também não se pode perder de vista que a Lei de Improbidade
Administrativa não condena qualquer fato contrário ao ordenamento
jurídico, mas sim aquele que é resultado do exercício corroído da função

Civil. Fundados indícios de abuso da personalidade com objetivo de cometer fraude e


desviar dinheiro público. Decretação de indisponibilidade dos sócios e diretores. Recurso
provido em parte. [...] 4. Há muito já se encontra consolidado no ordenamento jurídico
pátrio o instituto da desconsideração da personalidade jurídica, pelo que o proverbial
véu da personificação jurídica, desde que preenchidos determinados requisitos, a serem
analisados casuisticamente, pode ser levantado, para atingir-se o patrimônio pessoal dos
sócios ou dos administradores, a fim de satisfazer dívidas do ente moral. 5. Esse instituto foi
elaborado pelo direito de tradição anglo-saxônica, e vinha sendo aplicado pelos tribunais
brasileiros, ainda que timidamente, antes mesmo de sua positivação, naqueles casos em
que reconhecida a confusão patrimonial entre a pessoa jurídica e a pessoa natural do
sócio ou do administrador, que, em situação fraudulenta e com evidente abuso de direito,
desviava os bens daquela, frustrando os seus credores. Exatamente nesses termos, a teoria
da desconsideração da personalidade jurídica (disregad of legal entity doctrine) encontra-se,
em linhas gerais, prevista no art. 50 do Código Civil. 6. Havendo indícios da configuração
do abuso da personalidade jurídica das empresas contratadas ilegalmente com dispensa
de licitação, a fim de serem utilizadas como cortina para encobrir arrojado esquema de
fraude e desvio de dinheiro público, que teria culminado com prejuízo aos cofres do
Município de Três Pontas/MG e com o enriquecimento de agentes privados, o alcance do
patrimônio de seus sócios e diretores pela tutela diferenciada de indisponibilidade de bens
afigura-se imprescindível para garantir eventual execução de sentença de procedência da
demanda que imponha aos réus a obrigação de ressarcir o erário municipal (TJMG. AI
nº 1.0694.12.002768-5/001, Rel. Des. Bitencourt Marcondes, Oitava Câmara Cível, j. em
27.02.2014, DJe, 13 mar. 2014).

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 289 10/03/2016 14:06:03


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
290 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

pública. Desse modo, para que seja reconhecida a tipificação da conduta


como incursa nas previsões na Lei de Improbidade Administrativa,
faz-se necessária a demonstração do elemento subjetivo, o que se verá
com maiores destaques a seguir.
É dizer: pela presença do elemento volitivo contrário a padrões
éticos de conduta, os quais se inspiram em valores como honestidade,
probidade e lhaneza, impõe-se diferenciar meras ilegalidades de atos
de improbidade administrativa. Ou seja: atos simplesmente ilegais não
configuram atos ímprobos se inexistente dolo ou culpa, porquanto a
improbidade, conforme afirmado categoricamente pela jurisprudência
do Superior Tribunal de Justiça, constitui “ilegalidade tipificada e
qualificada pelo elemento subjetivo da conduta do agente”.572 573
A grande preocupação em enfatizar a necessidade de constatação
do elemento anímico para o aperfeiçoamento do tipo ímprobo consiste
em sepultar a responsabilidade objetiva no âmbito da Lei nº 8.429/92.
Ora, além de essa forma de responsabilização somente ser admitida
mediante disposição expressa, o que não é o caso, a aplicação das
rigorosas sanções estipuladas na Lei de Improbidade Administrativa –
porquanto a sua incidência pode conduzir ao desapossamento de bens,
à privação de direitos políticos e à perda da função pública –, de nítido
caráter político-penal, somente se coaduna com a responsabilidade
subjetiva, em atenção ao princípio da culpabilidade.
Feitas essas considerações iniciais, passa-se à análise setorizada
dos tipos de improbidade e dos requisitos indispensáveis para o seu
aperfeiçoamento.
A conduta ímproba subsumível ao caput do art. 9º, da Lei nº
8.429/92, corresponde àquela em que o agente aufere qualquer tipo

572
STJ. AIA nº 30/AM, Rel. Min. Teori Zavascki, Corte Especial, j. em 21.09.2011, DJe, 28 set.
2011.
573
Sobre o tema, também a doutrina perfilha entendimento equivalente, conforme se extrai
das lições de Maria Sylvia Zanella Di Pietro: “O enquadramento na lei de improbidade exi-
ge culpa ou dolo por parte do sujeito ativo. Mesmo quando algum ato ilegal seja praticado,
é preciso verificar se houve culpa ou dolo, se houve um mínimo de má-fé que revele a pre-
sença de comportamento desonesto. A quantidade de leis, decretos, medidas provisórias,
regulamentos, portarias torna praticamente impossível a aplicação do velho princípio de
que todos conhecem a lei. Além disso, algumas normas admitem diferentes interpreta-
ções e são aplicadas por servidores públicos estranhos à área jurídica. Por isso mesmo,
a aplicação da lei de improbidade exige bom senso, pesquisa da intenção do agente, sob
pena de sobrecarregar-se inutilmente o judiciário com questões irrelevantes, que podem
ser adequadamente resolvidas na própria esfera administrativa. A própria severidade das
sanções previstas na Constituição está a denotar que o objetivo foi o de punir infrações que
tenham um mínimo de gravidade, por apresentarem conseqüências danosas para o patri-
mônio público (em sentido amplo), ou propiciarem benefícios indevidos para o agente ou
para terceiros” (In: Direito Administrativo. 28. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 990).

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 290 10/03/2016 14:06:03


CAPÍTULO 12
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
291

de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício do cargo,


mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas
no art. 1º desse mesmo diploma.
Os requisitos para o aperfeiçoamento do tipo em questão são
três, a saber: (i) a ilegalidade do comportamento do agente; (ii) o seu
consequente enriquecimento ilícito; e (iii) a presença do elemento
volitivo,574 exigindo-se “o dolo eventual ou genérico de realizar conduta
que gere o indevido enriquecimento [...], não se exigindo a presença
de intenção específica, pois a atuação deliberada em desrespeito
ao patrimônio público e às normas legais, cujo desconhecimento é
inescusável, evidencia a presença do dolo”.575
Por sua vez, enquadra-se no tipo previsto pelo caput do art. 10,
da Lei nº 8.429/92, qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que
enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou
dilapidação dos bens ou haveres das entidades referida no art. 1º desse
mesmo diploma.
Para sua configuração, há de se comprovar: (i) a ilegalidade do
comportamento do agente; (ii) o elemento subjetivo, consistente na
conduta ao menos culposa; e (iii) a demonstração do efetivo dano aos
cofres públicos.576
Apesar de o caput do art. 9º ser omisso quanto ao elemento
subjetivo necessário para o aperfeiçoamento dos respectivos tipos, a
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça se firmou no sentido
de que, uma vez que a Lei nº 8.429/92, quando pretendeu punir a
improbidade a título de dolo ou culpa, o fez expressamente (art. 10),
o silêncio da Lei teve o condão eloquente de desqualificar as condutas
culposas que possam resultar em enriquecimento ilícito ou prejuízo
aos cofres públicos. Mesmo porque, tendo em vista a gravidade das

574
STJ. REsp nº 1347223/RN, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, j. em
16.05.2013, DJe, 22 maio 2013.
575
STJ. AgRg no AREsp nº 20.747/SP, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, j. em
17.11.2011, DJe, 23 nov. 2011.
576
Administrativo. Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial. Improbidade admi-
nistrativa. Ação Civil Pública. Prejuízo ao erário. Dano efetivo não demonstrado. Compras
revertidas em proveito da coletividade. Ato de improbidade não caracterizado. Preceden-
tes STJ. Ausência de dolo. Agravo improvido. 1. É pacífico no âmbito deste Superior Tri-
bunal o entendimento de que, para a condenação por ato de improbidade administrativa
que importe prejuízo ao erário, é imprescindível a demonstração de efetivo dano ao patri-
mônio público, o que não se verificou em relação às condutas do ex-alcaide impugnadas
pelo Ministério Público. 2. Ausência de elemento subjetivo ensejador da incidência da res-
ponsabilidade por ato de improbidade, relativamente aos fatos objeto do presente recurso
especial. 3. Agravo regimental não provido (STJ. AgRg no AREsp nº 18.317/MG, Rel. Min.
Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, j. em 05.06.2014, DJe, 27 ago. 2014).

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 291 10/03/2016 14:06:03


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
292 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

sanções passíveis de imposição aos agentes ímprobos, traçando-se,


novamente, um paralelo com o direito penal, só se admite a penalização
por condutas meramente culposas mediante previsão expressa (art. 18,
parágrafo único, do CP).577 578
Já no art. 11, busca-se punir a ação ou omissão do agente
atentatória aos princípios da administração pública, que implique
violação aos deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e
lealdade às instituições.
A consumação do tipo exige a ocorrência simultânea dos seguintes
elementos: (i) conduta contrária aos princípios e deveres informadores
do regime administrativo; e (ii) presença de dolo eventual ou genérico
de realizar a conduta ilícita. Aqui valem os mesmos comentários feitos
com relação ao elemento subjetivo do art. 9º e a impossibilidade de
punição de comportamentos culposos.
Como se depreende, o aperfeiçoamento da figura típica do art.
11 prescinde de prova quanto ao enriquecimento ilícito do agente ou
mesmo de qualquer prejuízo objetivo aos cofres públicos, bastando a
simples violação do patrimônio imaterial da Administração aliada à
intenção deliberada do agente em violar os princípios administrativos
e os deveres deles decorrentes, cuja obediência revela-se obrigatória.579

577
STJ. REsp nº 940.629/DF, Rel. Min. Teori Zavascki, Primeira Turma, j. em 16.08.2008, DJe,
04 set. 2008.
578
Tendo em vista a severidade das sanções passíveis de imposição às pessoas sujeitas
à normatividade da Lei nº 8.429/92, Fernando Capez esposa, de forma basta ampla, a
necessidade de se aplicarem as normas fundamentais garantidoras inerentes ao direito
penal e ao direito processual penal em favor de todos os acusados da prática de ato de
improbidade administrativa. Nas palavras do autor, “há uma contradição entre a natureza
extrapenal da Lei de Improbidade Administrativa e o rigor de suas penalidades, as quais
acabam, apesar de sua gravidade equivalente à das sanções penais, sendo aplicadas sem os
mesmos requisitos sancionatórios. Tal contradição é inconstitucional, dado que violadora
dos princípios derivados do Estado Democrático de Direito, tais como a dignidade da
pessoa humana, a proporcionalidade, a igualdade, a ofensividade, o estado de inocência,
o in dubio pro reo e o devido processo legal. Portanto, é imperiosa a aplicação dos princípios
penais e processuais penais garantidores e derivados do Estado Democrático de Direito,
como pressuposto lógico para a punição por ato de improbidade administrativa. Não
existe a possibilidade de se punir uma pessoa pela prática de improbidade, sem que o
fato tenha conteúdo material ímprobo, seja dotado de ofensividade, relevância mínima,
inadequação social, proporcionalidade em relação à pena que será aplicada, além da
verificação do dolo ou culpa. Além disso, devem estar configuradas a sua ilicitude e a
culpabilidade do agente” (In: Limites constitucionais à Lei de Improbidade. São Paulo: Saraiva,
2010. p. 346).
579
“[...] De acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, para o enquadramento
das condutas previstas no art. 11 da Lei 8.429/92, não é necessária a demonstração de dano
ao erário ou enriquecimento ilícito do agente. [...]” (STJ. AgRg nos EREsp nº 1119657/MG,
Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, Primeira Seção, j. em 12.09.2012, DJe, 25 set. 2012).

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 292 10/03/2016 14:06:03


CAPÍTULO 12
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
293

Registre-se que, num primeiro momento, a Segunda Turma


do Superior Tribunal de Justiça entendia que a configuração do ato
de improbidade previsto no art. 11, da Lei nº 8.429/92, dispensaria a
presença de elemento subjetivo, satisfazendo-se com a mera violação
dos princípios da Administração Pública. Contudo, no julgamento do
REsp nº 765.212/AC,580 a Segunda Turma modificou o seu entendimento,
que passou a se coadunar com o da Primeira, no sentido de afastar
a possibilidade de responsabilidade objetiva no âmbito da Lei de
Improbidade, o que, do ponto de vista doutrinário, pelas razões já
aludidas, mostrou-se louvável.581

580
STJ. REsp nº 765.212/AC, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, j. em 02.03.2010,
DJe, 23 jun. 2010.
581
A mudança de posicionamento da Segunda Turma é historiada de forma bastante didática
na ementa dos Embargos de Divergência em Recurso Especial nº 875.163/RS (STJ. Rel.
Min. Mauro Campbell Marques, j. em 20.06.2010, DJe, 30 jun. 2010), como fundamento
para justificar o não conhecimento do recurso, uma vez que já não mais existia divergência
entre as Turmas de Direito Público quanto à necessidade de demonstração do elemento
subjetivo para a configuração do tipo previsto no art. 11 da Lei nº 8.429/92: Processual
Civil e Administrativo. Embargos de divergência em recurso especial. Improbidade
administrativa. Violação de princípios da administração pública (art. 11 da Lei 8.429/92).
Elemento subjetivo. Requisito indispensável para a configuração do ato de improbidade
administrativa. Pacificação do tema nas turmas de direito público desta Corte Superior.
Súmula 168/STJ. Precedentes do STJ. Embargos de divergência não conhecidos. 1.
Os embargos de divergência constituem recurso que tem por finalidade exclusiva a
uniformização da jurisprudência interna desta Corte Superior, cabível nos casos em que,
embora a situação fática dos julgados seja a mesma, há dissídio jurídico na interpretação
da legislação aplicável à espécie entre as Turmas que compõem a Seção. É um recurso
estritamente limitado à análise dessa divergência jurisprudencial, não se prestando
a revisar o julgado embargado, a fim de aferir a justiça ou injustiça do entendimento
manifestado, tampouco a examinar correção de regra técnica de conhecimento. 2. O
tema central do presente recurso está limitado à análise da necessidade da presença de
elemento subjetivo para a configuração de ato de improbidade administrativa por violação
de princípios da Administração Pública, previsto no art. 11 da Lei 8.429/92. Efetivamente,
as Turmas de Direito Público desta Corte Superior divergiam sobre o tema, pois a Primeira
Turma entendia ser indispensável a demonstração de conduta dolosa para a tipificação
do referido ato de improbidade administrativa, enquanto a Segunda Turma exigia para a
configuração a mera violação dos princípios da Administração Pública, independentemente
da existência do elemento subjetivo. 3. Entretanto, no julgamento do REsp 765.212/
AC (Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 23.6.2010), a Segunda Turma modificou o seu
entendimento, no mesmo sentido da orientação da Primeira Turma, a fim de afastar a
possibilidade de responsabilidade objetiva para a configuração de ato de improbidade
administrativa. 4. Assim, o Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento no
sentido de que, para a configuração do ato de improbidade administrativa previsto no
art. 11 da Lei 8.429/92, é necessária a presença de conduta dolosa, não sendo admitida
a atribuição de responsabilidade objetiva em sede de improbidade administrativa. [...].
7. Portanto, atualmente, não existe divergência entre as Turmas de Direito Público desta
Corte Superior sobre o tema, o que atrai a incidência da Súmula 168/STJ: “Não cabem
embargos de divergência, quando a jurisprudência do Tribunal se firmou no mesmo
sentido do acórdão embargado”. 8. Embargos de divergência não conhecidos (STJ. EREsp
nº 875.163/RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, j. em 23.06.2010, DJe,
30 jun. 2010).

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 293 10/03/2016 14:06:03


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
294 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

12.4.5 Sanções
As penas passíveis de imposição aos agentes condenados pela
prática de atos de improbidade administrativa, “independentemente
das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação
específica”,582 encontram-se elencadas nos incs. I, II, e III do art. 12, da
Lei nº 8.429/92, a depender do tipo em que se enquadrar a conduta
ilícita, a saber:
i) art. 9º (Dos Atos de Improbidade Administrativa que
Importam Enriquecimento Ilícito): perda dos bens ou valores
acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral
do dano, quando houver, perda da função pública, suspensão
dos direitos políticos de 08 (oito) a 10 (dez) anos, pagamento
de multa civil de até 03 (três) vezes o valor do acréscimo
patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público
ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios,
direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa
jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 10 (dez)
anos;
ii) art. 10 (Dos Atos de Improbidade Administrativa que Causam
Prejuízo ao Erário): ressarcimento integral do dano, perda
dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio,
se concorrer esta circunstância, perda da função pública,
suspensão dos direitos políticos de 05 (cinco) a 08 (oito) anos,

Sobre a possibilidade de incidência distinta dessas esferas de responsabilização sobre a


582

mesma conduta, questão já abordada no presente trabalho, confira-se o seguinte trecho


do voto do Ministro Franciulli Netto, proferido no julgamento da Pet nº 2588/RO: “[...] o
ordenamento jurídico brasileiro abarca inúmeras hipóteses em que a mesma conduta recebe
disciplina normativa sob diferentes enfoques - e.g. administrativo, civil, penal, tributário.
[...] ‘A própria Carta Magna ao dispor sobre as sanções aplicáveis distinguiu as sanções civis
decorrentes da prática de atos de improbidade administrativa das sanções penais. Neste
contexto, impõe-se destacar que um ato de improbidade administrativa não corresponde,
necessariamente, a um ilícito penal, podendo, entretanto, também corresponder a uma
figura típica penalmente prevista, hipótese em que a ação cível correrá concomitantemente
com a ação penal. Caso assim não fosse entendido - sendo consideradas como penais as
sanções prescritas na ação de improbidade - seria inútil a ressalva expressamente prevista
na parte final do dispositivo constitucional. Assim, os atos de improbidade definidos nos
arts. 9.º, 10 e 11 da Lei n. 8.429/92 poderão sim corresponder também a crimes. Neste
caso poderá haver a instauração simultânea de três processos distintos: a) ação penal,
onde serão apurados os crimes eventualmente cometidos segundo a legislação penal
aplicável; b) a ação civil, com a averiguação da improbidade administrativa e a aplicação
das sanções previstas na Lei n.º 8.429/92; e c) processo administrativo, nas hipótese de
servidores públicos, com a investigação dos ilícitos administrativos praticados e aplicação
das penalidade previstas no estatuto do servidor’ [...]” (STJ. Pet nº 2.588/RO, Rel. Ministro
Franciulli Netto, Rel. p/ ac. Min. Luiz Fux, Corte Especial, j. em 16.03.2005, DJ, 09 out. 2006).

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 294 10/03/2016 14:06:03


CAPÍTULO 12
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
295

pagamento de multa civil de até 02 (duas) vezes o valor do


dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber
benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou
indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica
da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 05 (cinco) anos;
iii) art. 11 (Dos Atos de Improbidade Administrativa que Atentam
Contra os Princípios da Administração Pública): ressarcimento
integral do dano, se houver, perda da função pública,
suspensão dos direitos políticos de 03 (três) a 05 (cinco) anos,
pagamento de multa civil de até 100 (cem) vezes o valor da
remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar
com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos
fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por
intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário,
pelo prazo de 03 (três) anos.
Da análise da extensão das sanções que podem ser cominadas,
verifica-se que o legislador estabeleceu escala de gravidade decrescente
entre os tipos de improbidade, buscando apenar de forma mais severa,
em primeiro lugar, os atos que importam enriquecimento ilícito (art.
9º); em segundo, os atos que causam prejuízo ao erário (art. 10); e, em
terceiro, os atos que atentam contra os princípios da Administração
Pública (art. 11).583
No que tange à aplicabilidade das sanções, o intérprete, sem sair
dos parâmetros cominados abstratamente pelo legislador, em atenção
ao postulado da proporcionalidade, deverá dosar a pena do caso
concreto de acordo com o grau de censura da conduta praticada pelo
agente. Ora, em todas as searas do Direito, é pacífico que a penalização
do infrator deve ser compatível com a gravidade e a reprovabilidade
da infração, sendo dever do aplicador dimensionar a extensão e a
intensidade da sanção aos pressupostos de antijuridicidade apurados.

583
José dos Santos Carvalho Filho critica a opção legislativa de tratar com maior rigor os
atos de improbidade que importam enriquecimento ilícito (art. 9º) em relação àqueles que
resultam em prejuízo aos cofres públicos (art. 10). Segundo sustenta, “embora seja conde-
nável o enriquecimento ilícito, mais grave é a lesão ao erário; afinal, aquele pode favorecer
apenas o interesse privado, ao passo que esta sempre afetará o interesse público, tendo
em vista as pessoas que figuram como sujeitos passivos da improbidade” (In: Manual de
Direito Administrativo. 27. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 1.107). Nesse ponto, discorda-se do
autor, uma vez que, apenas a título ilustrativo, a situação do agente que, deliberadamente,
aproveitando-se do exercício de suas funções, aufere vantagem patrimonial indevida, do
ponto de vista ético, tão caro à Lei de Improbidade Administrativa, é bem mais grave e re-
pugnante do que aquela em que o agente relapso, culposamente, acaba por causar prejuízo
aos cofres públicos.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 295 10/03/2016 14:06:03


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
296 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

Nesse contexto, o parágrafo único do art. 12, da Lei nº 8.429/92,


impõe ao intérprete que, no momento de fixação da pena, considere a
extensão do dano causado, bem como o proveito patrimonial obtido
pelo agente. Claro que outros critérios poderão ser utilizados como
baliza para orientar o dimensionamento das sanções cabíveis, podendo-
se invocar até mesmo aqueles elencados no caput do art. 59, do CP, tais
como antecedentes, personalidade do agente, motivos, circunstâncias
e consequências do ato etc.584 585

584
Relacionado à matéria de Direito Sancionador, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça
que o redimensionamento da sanção evidentemente excessiva ou desproporcional em grau
de apelação pode ser realizado pelo Tribunal mesmo sem haver pedido recursal expresso
nesse sentido: Processo Civil e Administrativo. Improbidade administrativa. Recurso
Especial do Ministério Público. Suposta violação aos arts. 128 e 460 do CPC. Princípio da
congruência. Correlação entre o pedido e provimento jurisdicional. Inaplicabilidade em
matéria de direito sancionador, na qual é possível a revisão da aplicação das penalidades,
quando evidente a sua desproporcionalidade. Nega-se provimento ao Recurso Especial
do Ministério Público. Agravo em Recurso Especial. Intempestividade do Apelo Raro.
Correta a decisão que inadmitiu o recurso na origem. Nega-se provimento ao Agravo.
Negado provimento ao Agravo. 1. Apesar de não ter havido pedido expresso para redução
da multa civil, em sede de Apelação e, a despeito da regra de correlação ou congruência
da decisão, prevista nos arts. 128 e 460 do CPC, pela qual o Juiz está restrito aos elementos
objetivos da demanda, entende-se que, em tratando-se de matéria de Direito Sancionador,
e revelando-se patente o excesso ou a desproporcionalidade da sanção aplicada, pode
o Tribunal reduzi-la, ainda que não tenha sido alvo de impugnação recursal. 2. Na
hipótese em apreço, entendeu o Tribunal de origem que a multa civil aplicada no máximo
permitido (duas vezes o valor do dano) revelou-se excessiva, reduzindo-a, de ofício, para
o valor equivalente à condenação de ressarcimento do dano. A alteração dessa conclusão
a que chegou o Tribunal a quo demandaria, invariavelmente, incursão no acervo fático-
probatório da demanda, o que encontra óbice, no presente caso concreto, na Súmula 7
deste Superior Tribunal de Justiça. 3. Nega-se provimento ao Agravo em Recurso Especial
de RICARDO LIMA ESPÍNDOLA e ao Recurso Especial do MINISTÉRIO PÚBLICO
(STJ. REsp nº 1293624/DF, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, j. em
05.12.2013, DJe, 19 dez. 2013).
585
Sendo evidente a desproporcionalidade das sanções aplicadas, o Superior Tribunal de
Justiça vem entendendo pela possibilidade de sua revisão em sede de Recurso Especial,
sem que isso configure simples reexame de prova: Administrativo. Embargos de
divergência em Recurso Especial. Improbidade administrativa. Divisão da remuneração
de assessor parlamentar. Mal uso de dinheiro público para remunerar terceiro.
Proporcionalidade na aplicação das penalidades. Acórdãos oriundos da mesma turma
julgadora. Descabimento dos embargos de divergência. Acórdão paradigma da primeira
turma. Divergência comprovada. É possível a revisão das penalidades aplicadas por
improbidade administrativa, desde que violados os princípios da proporcionalidade e
razoabilidade, o que não se verifica na hipótese. Embargos conhecidos e desprovidos.
1. Não são cabíveis embargos de divergência fundados em paradigmas oriundos da
mesma Turma julgadora, no caso a Segunda Turma do STJ. 2. No que tange ao dissídio
invocado em relação ao REsp 1.130.198/RR, comprovada a divergência jurisprudencial; é
possível, em sede de Recurso Especial, a revisão das sanções impostas por improbidade
administrativa, desde que violados os princípios da proporcionalidade e razoabilidade.
3. In casu, contudo, não restou demonstrada a suposta violação ao art. 12 da Lei 8.429/92,
uma vez que o Tribunal a quo aplicou, de forma fundamentada, tão somente a penalidade
de multa civil, considerando, para isso, as peculiaridades do caso concreto; a reprimenda

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 296 10/03/2016 14:06:03


CAPÍTULO 12
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
297

Durante muito tempo, em razão da redação genuína do caput do


art. 12,586 da Lei nº 8.429/92, houve divergência quanto à obrigatoriedade
de o juiz aplicar todas as sanções previstas nos incisos desse mesmo
dispositivo ao agente condenado por ato de improbidade administrativa,
ou se, diante das peculiaridades do caso concreto, poderia o intérprete
deixar de impor determinada pena, por considerá-la excessiva para fins
de repressão e prevenção do ilícito apurado.
A fim de extirpar a dúvida sobre a questão, a Lei nº 12.120/09
conferiu nova redação ao dispositivo em tela, que passou a dispor que
as penas cominadas nos incisos do art. 12 “podem ser aplicadas isolada
ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato”.587
Apesar de a alteração legislativa, em homenagem ao postulado da
proporcionalidade, ter consagrado a possibilidade de adequação entre
a reprovabilidade da conduta e as reprimendas a serem impostas ao
agente, colateralmente, houve também certa banalização na aplicação
da Lei de Improbidade Administrativa, tendo o Superior Tribunal
de Justiça admitido a condenação do agente unicamente à pena de
ressarcimento de danos, conforme notícia veiculada em seu sítio
eletrônico na data de 08.04.2015, relativa ao Agravo Regimental no
Agravo em Recurso Especial nº 239.300.588

imposta se mostra, portanto, adequada e suficiente, diante das especificidades analisadas


pela Corte de origem. 4. Embargos de Divergência conhecidos e desprovidos (STJ. EREsp
nº 1215121/RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Seção, j. em 14.08.2014, DJe,
1º set. 2014).
586
Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas, previstas na
legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes
cominações.
587
“[...] o magistrado não está obrigado a aplicar cumulativamente todas as penas previstas
no art. 12 da Lei 8.429/92, podendo, mediante adequada fundamentação, fixá-las e dosá-
-las segundo a natureza, a gravidade e as conseqüências da infração. [...]” (STJ. REsp nº
1291401RS, Relª. Minª. Eliana Calmon, Segunda Turma, j. em 19.09.2013, DJ, 26 set. 2013).
588
Administrativo e Processual Civil. Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial.
Ato de improbidade administrativa. Dosimetria da pena. Princípios da razoabilidade e
proporcionalidade. Súmula 7/STJ. 1. De acordo com a jurisprudência do STJ, é atribuição
do magistrado a realização da dosimetria da pena, não havendo obrigatoriedade de apli-
cação cumulativa das sanções previstas no art. 12 da Lei n. 8.429/92, que devem ser fixadas
em obediência aos princípios da razoabilidade, proporcionalidade e aos fins sociais a que a
Lei de Improbidade Administrativa se propõe. 2. O reconhecimento do ato como ímprobo,
além da reparação patrimonial, traz indesejáveis consequências ao condenado, repercutin-
do, inclusive, sobre a capacidade eleitoral passiva, o que torna inequívoca a natureza san-
cionatória do decisum. 3. Diante das circunstâncias do caso, a majoração do quantitativo
da pena aplicada pelo Tribunal a quo implica o reexame de matéria de ordem fática, o que
é vedado no âmbito do apelo especial, nos termos da Súmula 7/STJ. 4. Agravo regimental
a que se nega provimento. (STJ. AgRg no AREsp nº 239.300/BA, Rel. Min. Og Fernandes,
Segunda Turma, j. em 24.03.2015, DJe, 1º jul. 2015).

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 297 10/03/2016 14:06:03


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
298 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

Na oportunidade, a Segunda Turma, por maioria de votos,


afirmou ser possível a aplicação da pena de ressarcimento de dano de
forma isolada, sem que se cogite de ofensa às finalidades previstas na
Lei nº 8.429/92. Segundo o Relator, Ministro Og Fernandes, o cabimento
da ação de improbidade encontra-se atrelado com a tipologia insculpida
nos arts. 9º, 10 e 11, da Lei nº 8.429/92, e não propriamente com a
necessidade de aplicação em bloco das sanções do art. 12, pois isso
envolveria a ponderação de valores a ser realizada caso a caso pelo
intérprete, valendo-se da razoabilidade, proporcionalidade e finalidade
social da lei.
Em que pese, mediante interpretação gramatical do atual
enunciado normativo insculpido no art. 12, seja possível condenar o
agente ímprobo à mera obrigação de ressarcimento, essa conclusão,
do ponto de vista teleológico, não se revela adequada, já que a
reprovabilidade da conduta não se coaduna com a aplicação isolada
de tal reprimenda.
Isso porque o ressarcimento não constitui sanção propriamente
dita, mas sim consectário lógico do dano causado, independentemente
da configuração do ato de improbidade, podendo ser alcançado
mediante o ajuizamento de simples ação ordinária de reparação de
danos, ação popular ou ação civil pública.
Por outro lado, não se pode perder de vista que os efeitos sociais
da condenação por improbidade são muito graves e estigmatizantes,
capazes de arruinar a vida política e profissional da pessoa, porquanto
a opinião pública, naturalmente, costuma associar a figura do ímprobo
à do agente desonesto, faltoso, irresponsável, enfim, sem préstimo para
lidar com a coisa pública.
Diante desse panorama, perfilha-se à corrente, também presente
no Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual, uma vez configurado
o ato de improbidade administrativa, além da pena de ressarcimento,
há de se cominar pelo menos uma das demais sanções legais previstas
no art. 12 da Lei nº 8.429/92 – perda da função pública, suspensão
dos direitos políticos, multa civil e proibição de contratar com a
Administração Pública e de receber benefícios do Poder Público –,
as quais, efetivamente, visam reprimir a conduta ímproba e evitar o
cometimento de novas infrações.589

Administrativo. Ação Civil Pública. Dano ao erário. Natureza jurídica do ressarcimento e da


589

multa enquanto sanções por ato ímprobo. Condenação mista. Necessidade de estabelecer
corretamente os institutos jurídicos para fins de incidência das previsões do art. 12 da Lei
n. 8.249/92. 1. Tem-se aqui da ação civil pública por improbidade administrativa ajuizada

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 298 10/03/2016 14:06:03


CAPÍTULO 12
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
299

Ainda no campo da aplicabilidade das sanções previstas no art.


12 da Lei nº 8.429/92, há quem entenda que o enquadramento do ato
de improbidade em dispositivo diverso daquele apontado na inicial
configura ofensa ao princípio da congruência, existindo inclusive
julgado do Superior Tribunal de Justiça nesse sentido.590

contra Prefeito em razão da contratação temporária de merendeiras sem concurso público


sob a justificativa de existência de interesse público. 2. O Tribunal de Justiça do Estado de
São Paulo entendeu caracterizada a improbidade administrativa no regime do art. 11 da
Lei n. 8.429/92, aplicando, ato contínuo, a sanção de ressarcimento do dano prevista no
art. 12, inc. I, do mesmo diploma normativo. [...] 9. As Turmas que compõem a Primeira
Seção do Superior Tribunal de Justiça já se posicionaram no sentido de que, caracterizado
o prejuízo ao erário, o ressarcimento não pode ser considerado propriamente uma sanção,
senão uma consequência imediata e necessária do ato combatido, razão pela qual não se
pode excluí-lo, a pretexto de cumprimento do paradigma da proporcionalidade das penas
estampado no art. 12 da Lei n. 8.429/92. A este respeito, v., p. ex., REsp 664.440/MG, Rel.
Min. José Delgado, Primeira Turma, DJU 8.5.2006. 10. Mas a dogmática do ressarcimento
não se esgota aí. Em termos de improbidade administrativa, onde se lê “ressarcimento
integral do dano” deve compreender-se unicamente os prejuízos efetivamente causados
ao Poder Público, sem outras considerações ou parâmetros. 11. Ora, a Lei n. 8.429/92 - LIA,
em seu art. 12, arrola diversas sanções concomitantemente aplicáveis ao ressarcimento
(não sendo este, frise-se, verdadeiramente uma sanção) e são elas que têm o objetivo de
verdadeiramente reprimir a conduta ímproba e evitar o cometimento de novas infrações.
Somente elas estão sujeitas a considerações outras que não a própria extensão do dano.
12. O ressarcimento é apenas uma medida ética e economicamente defluente do ato que
macula a saúde do erário; as outras demais sanções é que podem levar em conta, e.g.,
a gravidade da conduta ou a forma como o ato ímprobo foi cometido, além da própria
extensão do dano. Vale dizer: o ressarcimento é providência de caráter rígido, i.e., sempre
se impõe e sua extensão é exatamente a mesma do prejuízo ao patrimônio público. 13.
A perda da função pública, a sanção política, a multa civil e a proibição de contratar
com a Administração Pública e de receber benefícios do Poder Público, ao contrário,
têm caráter elástico, ou seja, são providências que podem ou não ser aplicadas e, caso o
sejam, são dadas à mensuração - conforme, exemplificativamente, à magnitude do dano, à
gravidade da conduta e/ou a forma de cometimento do ato - nestes casos, tudo por conta
do p. ún. do art. 12 da Lei n. 8.429/92. A bem da verdade, existe uma única exceção a
essa elasticidade das sanções da LIA: é que pelo menos uma delas deve vir ao lado do
dever de ressarcimento. Retornar-se-á mais adiante ao ponto. [...] 25. Ocorre que, não
custa relembrar aqui, além do ressarcimento, deve-se aplicar alguma sanção prevista no
art. 12 da Lei n. 8.429/92, observando, por evidente, a proporcionalidade (REsp 1.019.555/
SP, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, DJe 29.6.2009). Impossível, pois, à luz da
jurisprudência desta Corte Superior, que o agente saia perdedor em ação civil pública
por improbidade administrativa apenas com o dever de ressarcir os cofres públicos. Não
e não. A cumulação com sanção prevista no art. 12 da Lei n. 8.429/92 é mandatória, não
só porque assim já definiu esta Corte Superior como também porque essa é a ratio da
Lei de Improbidade Administrativa (senão, não haveria sanção, apenas ressarcimento...).
[...] (STJ. REsp nº 622.234/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, j. em
1º.10.2009, DJe, 15 out. 2009).
590
Administrativo. Improbidade administrativa. Os agentes políticos submetem-se à Lei
8.429/92. Entendimento firmado pela Corte Especial do STJ (RCL 2.790/SC, Rel. Min. Teori
Albino Zavascki, DJE 4.3.2010). Enquadramento do acusado em dispositivo diverso do
indicado na inicial. Violação ao art. 460 do CPC configurada. Princípio da congruência.
Decisão extra petita. [...] 2. O enquadramento pelo Juízo singular do ato de improbidade em
dispositivo diverso do apontado na inicial, além de cercear o acusado do direito de defesa,
caracteriza violação ao princípio da congruência. 3. Dá-se provimento ao Recurso Especial

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 299 10/03/2016 14:06:04


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
300 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

Contudo, a melhor doutrina entende que o intérprete não se


encontra vinculado à capitulação da conduta realizada pelo autor da
ação de probidade, sendo possível tanto o seu enquadramento em tipo
diverso, ainda que mais gravoso, como, por consequência lógica, a
aplicação das sanções daí decorrentes, sem que com isso se possa falar
em ofensa ao princípio da adstrição aos pedidos, ou mesmo ao direito
ao contraditório.591
É que, nos autos da ação de improbidade, enquanto incumbe ao
autor bem narrar a conduta e as circunstâncias do enredo que envolve
o réu e que justificam a subsunção do caso à normatividade da Lei
nº 8.429/92, cabe a este, de forma similar ao que ocorre no processo
penal, impugnar os fatos que lhe são imputados, independentemente
do consequente normativo elocubrado por aquele.592
Finalmente, no que diz respeito à ofensa concomitante de
diversos tipos de improbidade, para evitar a ocorrência de bis in idem,
impõe-se a aplicação das sanções relativas ao tipo de maior gravidade,
seguindo-se, aqui, a lógica do princípio da consunção, segundo a
qual as infrações de menor gravidade são absorvidas pelas de maior.
Por óbvio, o ressarcimento deverá englobar a integralidade do dano
experimentado pelo sujeito passivo titular do bem jurídico ofendido
pelo ato (art. 5º).

12.4.6 Procedimento administrativo


A Lei nº 8.429/92, em seus arts. 14, 15 e 16, regula o procedimento
administrativo a ser especialmente desencadeado para apuração
da prática de ato de improbidade. Nesse desiderato, o caput do art.
14 estabelece que qualquer pessoa poderá representar à autoridade

para acolher a preliminar de nulidade por tratar-se de decisão extra petita, tornando-
se sem efeito o acórdão recorrido e determinando-se o retorno dos autos à Instância de
origem para que proceda a novo julgamento, observando os limites delineados pela inicial
acusatória (STJ. REsp nº 1147564/MG, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira
Turma, j. em 13.08.2013, DJe, 02 set. 2013).
591
Nessa linha, cf. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 27.
ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 1.108-1.109.
592
No mesmo sentido, o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça: Processo Civil e
Administrativo – Ato de improbidade – Art. 10, inciso XII da Lei 8.429/92 – Princípio da
congruência – Elemento subjetivo – Demonstração de prejuízo ao erário. 1. Não infringe
o princípio da congruência a decisão judicial que enquadra o ato de improbidade em
dispositivo diverso do indicado na inicial, eis que deve a defesa ater-se aos fatos e não à
capitulação legal [...] (STJ. REsp nº 842.428/ES, Relª. Minª. Eliana Calmon, Segunda Turma,
j. em 24.04.2007, DJ, 21 maio 2007).

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 300 10/03/2016 14:06:04


CAPÍTULO 12
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
301

administrativa competente. Trata-se, como já analisado, de norma de


repetição do direito fundamental de petição, previsto no art. 5º, XXXIV,
da CR.
Nos termos do §1º desse mesmo dispositivo, a representação
deverá ser escrita ou reduzida a termo e assinada, além de conter a
qualificação do representante, as informações sobre o fato e sua autoria,
bem como a indicação das provas de que a pessoa tenha conhecimento,
sob pena de rejeição, em despacho fundamentado. De todo modo,
eventual rejeição não impede a representação ao Ministério Público
(§2º e art. 22).
Por sua vez, o §3º dispõe que, atendidos os requisitos da represen-
tação, a autoridade determinará a imediata apuração dos fatos que, en-
volvendo servidores federais, serão processados na forma prevista nos
arts. 148 a 182 da Lei nº 8.112/90, e, cuidando de servidores estaduais,
distritais, municipais e militares, de acordo com os respectivos regula-
mentos disciplinares, observada a autonomia de cada ente federativo.
Em que pese o fato de a qualificação do representante constituir
requisito para a inauguração do pleito, o Supremo Tribunal Federal
e o Superior Tribunal de Justiça vêm admitindo a denúncia anônima
como meio hábil a deflagrar diligências preliminares, de forma que,
uma vez colhidos elementos de informação mínimos sobre o fato e seu
provável autor, permitindo a sua identificação e localização, possa ser
instaurado o competente processo administrativo para a investigação
do ato de improbidade. Nesses casos, o interesse público milita em
favor da apuração da conduta, não se podendo perder de vista também
que a exposição da figura do denunciante, a depender de sua relação
com o agente denunciado, pode-lhe causar sérios embaraços, como
perseguições e ameaças por parte deste, servindo o anonimato de
proteção àquele.593

593
Ementa: Recurso Ordinário em Mandado de Segurança. Administrativo. Ato do Ministro
de Estado da Justiça. Policial rodoviário federal. Cassação da aposentadoria. Processo
administrativo. Instauração a partir do resultado de sindicância que apurou fatos narrados
em denúncia anônima. Alegação de contrariedade ao art. 134 da Lei n. 8.112/1990; Ofensa
ao contraditório e à ampla defesa. Não ocorrência. Alegada nulidade do processo e da
pena aplicada. Inexistência. Recurso ao qual se nega provimento (STF. RMS nº 29198, Relª.
Minª. Cármen Lúcia, Segunda Turma, j. em 30.10.2012, Dje, 28 nov. 2012); Administrativo.
Mandado de Segurança. Engenheiro do DNIT. Demissão por gerência de sociedade privada
e improbidade administrativa. Denúncia anônima. Investigação preliminar. Realização.
Nulidade. Não configuração. Prescrição. Ocorrência. Segurança concedida. 1. Trata-se de
mandado de segurança que ataca ato do Ministro de Estado Chefe da Controladoria Geral
da União, publicado no DOU de 15/02/2012, consistente na demissão do impetrante do
cargo de engenheiro do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes - DNIT,
“pela prática das infrações disciplinares previstas nos artigos 117, inciso X e 132, inciso IV,

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 301 10/03/2016 14:06:04


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
302 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

Segundo a disciplina do caput do art. 15, a comissão processante


há de dar ciência ao Ministério Público e ao Tribunal ou Conselho de
Contas da existência do procedimento administrativo em questão, os
quais poderão designar representante para o acompanhamento da
tramitação (parágrafo único).
Havendo fundados indícios de responsabilidade, caberá à
comissão processante representar ao Ministério Público ou à procura-
doria do órgão para que requeira ao juízo competente a decretação do
sequestro (rectius: arresto)594 dos bens do agente ou terceiro que tenha
se enriquecido ilicitamente ou causado dano ao patrimônio público
(art. 16, caput, e §1º). Se for o caso, o pedido incluirá a investigação, o
exame e o bloqueio de bens, contas bancárias e aplicações financeiras
mantidas pelo indiciado no exterior, nos termos da lei e dos tratados
internacionais (§2º).
Conforme o art. 20, parágrafo único, a autoridade administrativa
poderá, ainda, determinar o afastamento do agente público do exercício
do cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração, desde
que a medida se faça necessária à instrução processual, requisito este
igualmente indispensável na hipótese de afastamento cautelar judicial
do agente público.595

com os efeitos decorrentes do artigo 136, todos da Lei 8.112, de 11 de dezembro de 1990”
(fl. 513-e). 2. Alega o impetrante, em síntese, que: (a) é nulo processo administrativo
disciplinar instaurado com base em denúncia anônima; (b) a pena de demissão foi aplicada
quando já prescrita a pretensão punitiva da Administração; (c) não houve demonstração
de que o exercício de gerência de sociedade privada causou danos à Administração Pública
ou ao Erário; (d) não está configurada a prática de improbidade administrativa, uma vez
que sua evolução patrimonial guarda compatibilidade com os ganhos obtidos com a
sociedade privada. 3. Não há falar em nulidade se o processo administrativo disciplinar
é instaurado somente após a realização de investigação preliminar para averiguar o
conteúdo da denúncia anônima. Nesse sentido: STJ - MS 12.385/DF, 3ª Seção, Min. Paulo
Gallotti, DJe 05/09/2008; MS 13.348/DF, 3ª Seção, Min. Laurita Vaz, DJe 16/09/2009; MS
15.517/DF, 1ª Seção, Min. Benedito Gonçalves, DJe 18/02/2011; STF - RMS 29.198/DF, 2ª T.,
Min. Cármen Lúcia, DJe 28/11/2012 [...] (STJ. MS nº 18.664/DF, Rel. Min. Mauro Campbell
Marques, Primeira Seção, j. em 23.04.2014, DJe, 30 abr. 2014).
594
Na verdade, tendo em vista que a medida recairá sobre bens indeterminados de
propriedade do indiciado, o correto é falar em arresto e não sequestro.
595
Suspensão de liminar e de sentença. Ação Civil Pública. Improbidade administrativa.
Afastamento cautelar de agente político. Art. 20, parágrafo único, da Lei n. 8.429/92.
Inexistência de lesão aos interesses tutelados pelo art. 4º da Lei n. 8.437/92. I - O afastamento
cautelar de agente político está autorizado pelo art. 20, parágrafo único, da Lei n. 8.429,
de 1992, “quando a medida se fizer necessária à instrução processual”. II - Essa norma
supõe prova suficiente de que o agente possa dificultar a instrução do processo. III - O
afastamento sub judice está fundado no risco à instrução processual, inexistindo, portanto,
lesão aos interesses tutelados pelo art. 4º da Lei n. 8.437, de 1992. Agravo regimental
desprovido (STJ. AgRg na SLS nº 1.900/MG, Rel. Min. Francisco Falcão, Corte Especial, j.
em 17.12.2014, DJe, 09 mar. 2015).

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 302 10/03/2016 14:06:04


CAPÍTULO 12
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
303

Na forma do art. 7º, também incumbe à autoridade administrativa,


quando o ato de improbidade causar lesão ao patrimônio público ou
ensejar enriquecimento ilícito, representar ao Ministério Público, para
o requerimento cautelar da indisponibilidade dos bens do indiciado
perante o juízo competente.
Quanto aos requisitos, tendo em vista a gravidade da medida,
que retira do proprietário o exercício dos atos de disposição inerentes
ao domínio de seus bens, bem como o fato de seu deferimento,
neste momento, anteceder o recebimento da ação de improbidade,
defendeu-se que, para a concessão da medida cautelar, não bastaria a
demonstração da verossimilhança da prática do ato de improbidade,
devendo o requerente indicar, ainda, a existência de atos a demonstrar
o perigo de demora em face da iminência de dilapidação do patrimônio
do requerido.
Por outro lado, se a medida cautelar fosse analisada após o re-
cebimento da inicial, em que o juiz, depois da oitiva dos requeridos,
examina a viabilidade da ação e constata a existência de indícios justi-
ficáveis da improbidade, sua concessão passaria a depender apenas da
configuração da verossimilhança das alegações aduzidas na inicial, ou
seja, da demonstração de indícios da conduta ilícita, dispensando-se,
portanto, a comprovação do perigo de dano, que, nesses casos, já seria
presumida pelo legislador.596
Não obstante, no julgamento do REsp nº 1.366.721/BA, submetido
à sistemática dos recursos repetitivos (art. 543-C, do CPC), o que
implica a força paradigmática da tese adotada, assentou que, para o
deferimento da medida de indisponibilidade de bens prevista no art.
7º da Lei nº 8.429/92, independentemente do momento de sua análise,
ou seja, se antes ou após o recebimento da inicial, revela-se suficiente a
presença da verossimilhança, consistente na presença de fortes indícios

596
Nesse sentido, já decidiu a Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais,
sob minha relatoria: Agravo de Instrumento. Ação Civil Pública. Indisponibilidade
de bens. Medida judicial de caráter excepcional. Bloqueio. Desproporcionalidade da
medida. Extensão do dano. Recurso conhecido e provido. 1. A tutela diferenciada de
indisponibilidade de bens, inserta no art. 7º da Lei 8.429/92, não necessita de demonstração
do perigo de dano irreparável ou de difícil reparação, por se tratar de tutela de evidência.
2. Não obstante, quando a medida de indisponibilidade antecede o recebimento da ação
de improbidade, em que o juiz, após a oitiva dos requeridos, examina a viabilidade
da ação, seja sobre a existência de indícios justificáveis da improbidade, bem como da
autoria, a medida cautelar se transmuda de evidência para de urgência, de modo que
seu deferimento está condicionado à existência de atos a demonstrar o perigo de demora
em face da iminência de dilapidação do patrimônio, a justificar a tutela diferenciada [...]
(TJMG. AI nº 1.0338.12.009311-1/003, Rel. Des. Bitencourt Marcondes, Oitava Câmara
Cível, j. em 08.08.2013, DJe, 19 ago. 2013).

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 303 10/03/2016 14:06:04


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
304 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

quanto à responsabilidade pela prática da conduta ímproba causadora


de dano ao erário.
Segundo a maioria dos Ministros da Primeira Seção, o sistema
de tutela da probidade permite que o perigo da demora, requisito
intrínseco a toda medida cautelar sumária (arts. 789 e 823, ambos do
CPC), seja compreendido de forma implícita na normatividade do
art. 7º, privilegiando-se, assim, o interesse coletivo na recuperação do
patrimônio público.597

Processual Civil e Administrativo. Recurso especial repetitivo. Aplicação do procedimento


597

previsto no art. 543-C do CPC. Ação Civil Pública. Improbidade administrativa. Cautelar
de indisponibilidade dos bens do promovido. Decretação. Requisitos. Exegese do art.
7º da Lei n. 8.429/1992, quanto ao periculum in mora presumido. Matéria pacificada
pela colenda Primeira Seção. 1. Tratam os autos de ação civil pública promovida pelo
Ministério Público Federal contra o ora recorrido, em virtude de imputação de atos de
improbidade administrativa (Lei n. 8.429/1992). 2. Em questão está a exegese do art. 7º da
Lei n. 8.429/1992 e a possibilidade de o juízo decretar, cautelarmente, a indisponibilidade
de bens do demandado quando presentes fortes indícios de responsabilidade pela prática
de ato ímprobo que cause dano ao Erário. 3. A respeito do tema, a Colenda Primeira
Seção deste Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso Especial 1.319.515/ES, de
relatoria do em. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Relator para acórdão Ministro
Mauro Campbell Marques (DJe 21/9/2012), reafirmou o entendimento consagrado em
diversos precedentes (Recurso Especial 1.256.232/MG, Rel. Ministra Eliana Calmon,
Segunda Turma, julgado em 19/9/2013, DJe 26/9/2013; Recurso Especial 1.343.371/AM,
Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 18/4/2013, DJe 10/5/2013;
Agravo Regimental no Agravo no Recurso Especial 197.901/DF, Rel. Ministro Teori Albino
Zavascki, Primeira Turma, julgado em 28/8/2012, DJe 6/9/2012; Agravo Regimental no
Agravo no Recurso Especial 20.853/SP, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma,
julgado em 21/6/2012, DJe 29/6/2012; e Recurso Especial 1.190.846/PI, Rel. Ministro Castro
Meira, Segunda Turma, julgado em 16/12/2010, DJe 10/2/2011) de que, “[...] no comando
do art. 7º da Lei 8.429/1992, verifica-se que a indisponibilidade dos bens é cabível quando
o julgador entender presentes fortes indícios de responsabilidade na prática de ato de
improbidade que cause dano ao Erário, estando o periculum in mora implícito no referido
dispositivo, atendendo determinação contida no art. 37, §4º, da Constituição, segundo a
qual ‘os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos,
a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na
forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível’. O periculum
in mora, em verdade, milita em favor da sociedade, representada pelo requerente da
medida de bloqueio de bens, porquanto esta Corte Superior já apontou pelo entendimento
segundo o qual, em casos de indisponibilidade patrimonial por imputação de conduta
ímproba lesiva ao erário, esse requisito é implícito ao comando normativo do art. 7º da
Lei n. 8.429/92. Assim, a Lei de Improbidade Administrativa, diante dos velozes tráfegos,
ocultamento ou dilapidação patrimoniais, possibilitados por instrumentos tecnológicos de
comunicação de dados que tornaria irreversível o ressarcimento ao erário e devolução do
produto do enriquecimento ilícito por prática de ato ímprobo, buscou dar efetividade à
norma afastando o requisito da demonstração do periculum in mora (art. 823 do CPC),
este, intrínseco a toda medida cautelar sumária (art. 789 do CPC), admitindo que tal
requisito seja presumido à preambular garantia de recuperação do patrimônio do público,
da coletividade, bem assim do acréscimo patrimonial ilegalmente auferido”. 4. Note-se
que a compreensão acima foi confirmada pela referida Seção, por ocasião do julgamento do
Agravo Regimental nos Embargos de Divergência no Recurso Especial 1.315.092/RJ, Rel.
Ministro Mauro Campbell Marques, DJe 7/6/2013. 5. Portanto, a medida cautelar em exame,
própria das ações regidas pela Lei de Improbidade Administrativa, não está condicionada

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 304 10/03/2016 14:06:04


CAPÍTULO 12
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
305

Por fim, destaque-se que o procedimento administrativo cuida de


expediente dispensável para a propositura da ação de improbidade.598
Todavia, não se pode olvidar que o recebimento da ação tem como
pressuposto a existência de indícios suficientes a ensejar a existência e
a autoria do ato acoimado de ímprobo. Este mínimo lastro probatório
há de acompanhar a inicial, como será visto a seguir.

12.4.7 Ação judicial


O procedimento da ação de improbidade administrativa
encontra-se disciplinado no art. 17 da Lei nº 8.429/92, devendo, no que
exceder às peculiaridades dispostas no diploma, seguir o rito ordinário
do Código de Processo Civil.
O caput do dispositivo inaugura o tratamento da matéria
estabelecendo que, em caso da concessão de eventual medida cautelar
em momento anterior à ação de improbidade, esta deverá ser proposta
dentro de trinta dias da efetivação daquela.
Em homenagem à indisponibilidade do interesse público,
uma vez inaugurada a demanda, veda-se a transação, o acordo ou a
conciliação entre as partes (§1º).

12.4.7.1 Legitimidade ativa


A pertinência subjetiva para figurar no polo ativo da ação de
improbidade incumbe à pessoa jurídica titular do bem jurídico ofen-
dido pela conduta ilícita imputada ao autor (sujeito passivo no plano
material), bem como ao Ministério Público, na qualidade de substituto
processual.

à comprovação de que o réu esteja dilapidando seu patrimônio, ou na iminência de fazê-lo,


tendo em vista que o periculum in mora encontra-se implícito no comando legal que rege,
de forma peculiar, o sistema de cautelaridade na ação de improbidade administrativa,
sendo possível ao juízo que preside a referida ação, fundamentadamente, decretar a
indisponibilidade de bens do demandado, quando presentes fortes indícios da prática de
atos de improbidade administrativa. 6. Recursos especiais providos, a que restabelecida a
decisão de primeiro grau, que determinou a indisponibilidade dos bens dos promovidos.
7. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do CPC e do art. 8º da Resolução n. 8/2008/
STJ (STJ. REsp nº 1366721/BA, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. p/ ac. Min. Og
Fernandes, Primeira Seção, j. em 26.02.2014, DJe, 19 set. 2014).
598
“[...] Conforme jurisprudência do STJ, o procedimento administrativo ou representação
não é requisito ao ajuizamento da ação de improbidade administrativa pelo Ministério
Público [...]” (STJ. AgRg no AREsp nº 53058/MA, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda
Turma, j. em 17.09.2013, DJe, 24 set. 2013).

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 305 10/03/2016 14:06:04


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
306 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

Na hipótese de o Parquet figurar como autor da demanda,


conforme o §3º, do art. 17, da Lei nº 8.429/92, com a redação que lhe
foi atribuída pela Lei nº 9.366/96, o papel a ser desempenhado pela
pessoa jurídica deve seguir a disciplina do disposto no §3º, do art. 6º,
da Lei nº 4.717/65, o que significa dizer que tanto poderá abster-se de
contestar o pedido, como atuar ao lado do requerente, na qualidade de
litisconsorte ativo, desde que isso se afigure útil ao interesse público, a
juízo do respectivo representante legal ou dirigente.599
Por outro lado, figurando como autor a pessoa jurídica
interessada, o Ministério Público atuará obrigatoriamente como fiscal
da lei (custos legis), sob pena de nulidade (§4º).

12.4.7.2 Legitimidade passiva


A ação de improbidade deve ser proposta contra o agente público
e eventuais particulares que tenham envolvimento com a prática do ato
de improbidade, ou simplesmente se beneficiado direta ou diretamente
dele (sujeito ativo no plano material).
Ressalve-se que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça
firmou-se no sentido da impossibilidade de o particular responder
isoladamente por supostos atos de improbidade administrativa, sendo
de rigor a formação de litisconsórcio passivo necessário com o agente
público que tenha participado dos fatos narrados na inicial.600

599
O advento da Lei nº 9.366/96 corrigiu a distorção existente na redação original do §3º, do art.
17, da Lei nº 8.429/92, que impunha à pessoa jurídica o dever de integrar a lide, suprindo
omissões e falhas da inicial elaborada pelo Ministério Público, bem como apresentando ou
indicando os meios de prova ao seu alcance. Em suma, a norma ali insculpida, ao obrigar
a pessoa jurídica a demandar, forçava-lhe a figurar como litisconsorte ativo necessário do
Parquet, de modo absolutamente avesso ao sistema processual civil pátrio.
600
Processual Civil e Administrativo. Recurso Especial. Ação Civil Pública de improbidade
administrativa. Litisconsórcio passivo. Ausência de inclusão de agente público no pólo
passivo. Impossibilidade de apenas o particular responder pelo ato ímprobo. Precedentes.
1. Os particulares que induzam, concorram, ou se beneficiem de improbidade adminis-
trativa estão sujeitos aos ditames da Lei nº 8.429/1992, não sendo, portanto, o conceito de
sujeito ativo do ato de improbidade restrito aos agentes públicos (inteligência do art. 3º da
LIA). 2. Inviável, contudo, o manejo da ação civil de improbidade exclusivamente e apenas
contra o particular, sem a concomitante presença de agente público no polo passivo da
demanda. 3. Recursos especiais improvidos (STJ. REsp nº 1171017/PA, Rel. Min. Sérgio
Kukina, Primeira Turma, j. em 25.02.2014, DJe, 06 mar. 2014). No mesmo sentido: STJ.
REsp nº 896.044/PA, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, j. em 16.09.2010, DJe,
19 abr. 2011; e STJ. REsp nº 1.181.300/PA, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, j. em
14.09.2010, DJe, 24 set. 2010.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 306 10/03/2016 14:06:04


CAPÍTULO 12
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
307

12.4.7.3 Competência
Regra geral, a competência para conhecer e julgar a ação de
improbidade, em razão de não figurar entre aquelas de incumbência
da justiça especializada, é da justiça comum, estadual ou federal.
Será da competência da justiça federal sempre que a União,
entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na
condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes (art. 109, I, da CR).
Caso contrário, a competência será da justiça estadual, que, como se
sabe, é residual.
Apesar de a sociedade de economia mista não constar do rol de
pessoas do art. 109, I, da CR, o Superior Tribunal de Justiça, em mais
de uma oportunidade, asseverou que o simples fato de a União deter o
capital majoritário daquela já evidenciaria o interesse desta na apuração
de atos ilícitos que importem prejuízo à sociedade empresarial, o que
atrairia a competência da justiça federal.601
Cumpre, ainda, advertir que o Superior Tribunal de Justiça tem
entendido que o mero ajuizamento da ação de improbidade pelo Minis-
tério Público Federal (MPF), por cuidar de órgão integrante da União,
já é suficiente para fixar a competência na justiça federal.602
Outra interessante questão decidida pelo Superior Tribunal de
Justiça diz respeito à competência para conhecimento da ação de im-
probidade e o repasse de verbas transferidas pela União ao Município
por meio de convênio. Se, pelas regras do ajuste, a verba transferida
incorpora-se ao patrimônio municipal, a competência para a ação será
da justiça estadual, nos termos da Súmula nº 209 do STJ.603 Por outro
lado, se a verba transferida não se incorpora ao patrimônio municipal,
ficando sujeita à prestação de contas perante o Órgão Federal, a com-
petência para a ação será da justiça federal, conforme o enunciado da
Súmula nº 210 do STJ.604 605

601
STJ. REsp nº 1249118/ES, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, j. em 26.08.2014,
DJe, 28 nov. 2014; REsp nº 1281945/DF, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda
Turma, j. em 22.11.2011, DJe, 1º dez. 2011.
602
STJ. AgRg no CC nº 122.629/ES, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Seção, j. em
13.11.2013, DJe, 02 dez. 2013.
603
Súmula nº 209 do STJ. Compete à Justiça Estadual processar e julgar prefeito por desvio de
verba transferida e incorporada ao patrimônio municipal.
604
Súmula nº 210 do STJ. Compete à Justiça Federal processar e julgar prefeito municipal por
desvio de verba sujeita a prestação de contas perante órgão federal.
605
Administrativo e Processual Civil. Improbidade administrativa. Constatação pelo
Tribunal de Contas da União - TCU de irregularidades na utilização de verbas que o
Governo Federal, por meio de convênio, destinou à implementação de políticas públicas

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 307 10/03/2016 14:06:04


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
308 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

Cabe, agora, discorrer sobre a competência quando se imputa


a prática do ato de improbidade aos agentes políticos que, quando
figuram como réus em ações penais, gozam de foro por prerrogativa
de função.
Num primeiro momento, tendo em vista a natureza cível
da ação de improbidade administrativa e o fato de inexistir regra
disciplinando que a competência para o seu julgamento seria originária
dos Tribunais em razão da pessoa que supostamente seria autora do
ilícito, a jurisprudência predominante do Superior Tribunal de Justiça
se firmou no sentido de que tal incumbência recairia sobre o juiz de
primeira instância.606
O tema tornou-se complexo com a entrada em vigor da Lei
nº 10.628/02, que, ao acrescentar os §§1º e 2º ao art. 84 do CPP,607 no

no Município. Prescrição da pretensão condenatória. Interrupção com o ajuizamento da


ação de improbidade no prazo de 5 anos. Art. 23 da Lei n. 8.429/1992. Controvérsia sobre
a competência jurisdicional cuja solução necessita do reexame de fatos e prova. Súmula n.
7 do STJ. 1. Recurso especial no qual se controverte a respeito da competência da Justiça
Federal para o julgamento de prefeito, em razão de utilização irregular de verbas federais
transferidas por meio de convênio firmado com o governo federal, bem como se discute
a ocorrência de prescrição da pretensão condenatória, em razão de a citação não ter sido
realizada no prazo de 5 anos depois do término do mandato. 2. Nem toda transferência de
verba que um ente federado faz para outro enseja o entendimento de que o dinheiro veio
a incluir seu patrimônio. A questão depende do exame das cláusulas dos convênios e/ou
da análise da natureza da verba transferida. Assim, a depender da situação fático-jurídica
delineada no caso, pode-se aplicar o entendimento da Súmula n. 209 do STJ (“compete a
Justiça Estadual processar e julgar prefeito por desvio de verba transferida e incorporada
ao patrimônio municipal”) ou aquele outro constante da Súmula n. 208 do STJ (“compete à
justiça federal processar e julgar prefeito municipal por desvio de verba sujeita a prestação
de contas perante órgão federal”) [...] (STJ. REsp nº 1391212/PE, Rel. Min. Humberto
Martins, Segunda Turma, j. em 02.09.2014, DJe, 09 set. 2014).
606
Improbidade administrativa (Constituição, art. 37, §4º, Cód. Civil, arts. 159 e 1.518, Leis
nºs 7.347/85 e 8.429/92). Inquérito Civil, Ação Cautelar Inominada e Ação Civil Pública.
Foro por prerrogativa de função (membro de TRT). Competência. Reclamação. 1. Segundo
disposições constitucional, legal e regimental, cabe a reclamação da parte interessada
para preservar a competência do STJ. 2. Competência não se presume (Maximiliano,
Hermenêutica, 265), é indisponível e típica (Canotilho, in REsp-28.848, DJ de 02.08.93).
Admite-se, porém, competência por força de compreensão, ou por interpretação lógico-
extensiva. 3. Conquanto caiba ao STJ processar e julgar, nos crimes comuns e nos de
responsabilidade, os membros dos Tribunais Regionais do Trabalho (Constituição,
art. 105, I, a), não lhe compete, porém, explicitamente, processá-los e julgá-los por atos
de improbidade administrativa. Implicitamente, sequer, admite-se tal competência,
porquanto, aqui, trata-se de ação civil, em virtude de investigação de natureza civil.
Competência, portanto, de juiz de primeiro grau. 4. De lege ferenda, impõe-se a urgente
revisão das competências jurisdicionais. 5. À míngua de competência explícita e expressa
do STJ, a Corte Especial, por maioria de votos, julgou improcedente a reclamação (STJ. Rcl
nº 591/SP, Rel. Min. Nilson Naves, Corte Especial, j. em 1º.12.1999, DJ, 15 maio 2000).
607
O §1º acrescido ao art. 184 do CPP estabeleceu que a prerrogativa por função, relativa
aos atos praticados pelo agente, prevaleceria ainda que a persecução penal fosse iniciada
após a cessação de seu vínculo com o Poder Público. Buscou-se, ainda, estender esse

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 308 10/03/2016 14:06:04


CAPÍTULO 12
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
309

que interessa, passou a estender a prerrogativa de foro dos agentes


políticos, antes limitada às ações penais em que figurassem como
réus, às hipóteses em que fossem acusados da prática de improbidade
administrativa, devendo a respectiva ação ser ajuizada no Tribunal
competente.
A aludida alteração legislativa, não obstante aplicada amiúde
pelos Tribunais Superiores,608 foi objeto de impugnação perante o
Supremo Tribunal Federal, que, no julgamento da ADI nº 2.797/DF,
declarou a sua inconstitucionalidade.
Na oportunidade, prevaleceu na Excelsa Corte o entendimento
de que, em razão de, no plano federal, as hipóteses de competência cível
ou criminal dos Tribunais da União serem as previstas na Constituição

entendimento às ações de improbidade administrativa, conforme a parte final do §2º


do dispositivo em questão. Registre-se que, no julgamento da ADI nº 2.797/DF, o STF
entendeu que a inteligência dos dispositivos em questão visou contrariar inequivocamente
o entendimento exarado pela Excelsa Corte no INQ nº 687-QO, que, ao cancelar a Súmula
nº 394, mediante interpretação direta e exclusiva do texto constitucional, firmou a tese da
impossibilidade de observância à regra da prerrogativa de foro uma vez cessado o vínculo
do agente com o Poder Público. Assim, ao fundamento de que o Poder Legislativo não
poderia se valer de lei ordinária para usurpar a competência do STF, a quem cabe, no
papel de guardião da CR, o monopólio da última palavra na interpretação de seu texto,
reconheceu-se a inconstitucionalidade do §1º e da parte final do §2º do art. 184 do CPP,
acrescidos pela Lei nº 10.628/02.
608
Ação de improbidade administrativa dirigida contra juízes e servidores do TRT da 14ª
REGIÃO. Art. 84, §2º do CPP. Constitucionalidade competência do STJ. 1. A Corte Especial
detém competência originária para o processamento e julgamento de ação civil de respon-
sabilidade por ato de improbidade administrativa fundada na Lei 8.429/92, mesmo após
as alterações introduzidas pela Lei 10.628, de 24.12.2002, porquanto norma ainda hígida
sob o ângulo do controle jurisdicional de constitucionalidade. 2. Pendente de definição a
natureza jurídica da ação de improbidade administrativa, a Lei 10.628/2002 submetida ao
crivo do E. STF, porquanto ainda não decidida a constitucionalidade pelo Pretório Excelso
na ADIN 2.797, inteira a disposição no sentido de que a ação de improbidade administra-
tiva “será proposta perante o tribunal competente para processar e julgar criminalmente
o funcionário ou autoridade na hipótese de prerrogativa de foro em razão do exercício de
função pública” (CPP, art. 84, §2º). 3. Forçoso assim concluir que, não declarada a incons-
titucionalidade da Lei 10.628/2002, permanece em vigor o disposto no artigo 84, §2º, do
CPP, consoante assentou o próprio Supremo Tribunal Federal: “AGRAVO REGIMENTAL
EM RECLAMAÇÃO. DECISÃO CONCESSIVA DE MEDIDA LIMINAR QUE DETER-
MINOU O SOBRESTAMENTO DE PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO, VISANDO À
APURAÇÃO DE ATOS DE IMPROBIDADE ALEGADAMENTE PRATICADOS POR EX-
GOVERNADOR DE ESTADO, HOJE SENADOR DA REPÚBLICA. Enquanto não sobre-
vier o julgamento de mérito da ADI 2.797, é desta Colenda Corte, nos termos do artigo 84,
§2º, do Código de Processo Penal (redação dada pela Lei nº 10.628/2002), a competência
para processar e julgar ação de improbidade administrativa a ser ajuizada em face de Se-
nador da República. Agravo regimental desprovido.” (AgRg na Rcl 2381 - MG, Rel. Min.
Carlos Britto, DJ 02.04.2004). 4. Precedentes da Corte: (AgRg na PET 2593, Rel. Min. Pádua
Ribeiro, DJ de 11/04/2005; HC 35.853, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima 06/12/2004 ) 5. Com-
petência do STJ para julgar ação de improbidade administrativa contra Juízes e servidores
do TRT 14ª/Região (STJ. Pet nº 2.588/RO, Rel. Min. Franciulli Netto, Rel. p/ ac. Min. Luiz
Fux, Corte Especial, j. em 16.03.2005, DJ, 09 out. 2006).

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 309 10/03/2016 14:06:04


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
310 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

da República ou dela implicitamente decorrentes, e, no plano estadual,


ter-se reservado explicitamente às Constituições dos Estados-membros
a definição da competência de seus tribunais – ressalvadas as previsões
dos arts. 29, X, e 96, III, da CR –, a legislação infraconstitucional não
poderia estabelecer foro por prerrogativa de função para as ações
de improbidade administrativa, sob pena de o Poder Legislativo
constituído arvorar-se em Poder Constituinte.
Assim, após essa decisão, voltou a lume o posicionamento no
sentido de que o julgamento das ações de improbidade administrativa,
indistintamente, seria de competência dos juízes de primeiro grau.609
Não obstante, o Pleno do Supremo Tribunal Federal, por maioria,
ao apreciar a Petição nº 3.211-QO,610 decidiu ser sua a competência para
julgar ação de improbidade administrativa movida em face de seus
membros, por duas razões principais.
Em primeiro lugar, não se poderia admitir que sua tramitação
ocorresse na primeira instância, pois submeter um Ministro do Supremo
à jurisdição de primeiro grau implicaria subverter todo o escalonamento
do Poder Judiciário projetado pelo Constituinte Originário. Em

609
Ação Civil Pública, por improbidade administrativa. Lei n.º 10.628/2002. Inconstituciona-
lidade. Competência do juízo de primeira instância. 1. Ação Civil Pública, por improbida-
de administrativa, proposta pelo Ministério Público Federal e pelo Ministério Público do
Trabalho em face de Juízes do Tribunal Regional do Trabalho da 14ª Região e servidores
daquele tribunal, sob o fundamento de eventual prejuízo ao erário. 2. A jurisprudência
desta eg. Corte Especial, antes do advento da Lei 10.628/2002, era pacífica no sentido da
incompetência originária do Superior Tribunal de Justiça processar e julgar ação de impro-
bidade administrativa, fundada na Lei n.º 8.429/92, ainda que o réu detivesse prerrogativa
de foro para as ações penais. Precedentes do STJ: AgRg na Pet 2593 / GO, Relatora Ministra
Laurita Vaz, DJ de 06.11.2006 e AgRg na Pet 2655/ES, Relator Ministro Francisco Peçanha
Martins, DJ de 01.08.2006. 3. A superveniente declaração de inconstitucionalidade da Lei
nº 10.628/2002 (ADI 2797/DF, Pleno STF, 15.9.2005) e o efeito vinculante atribuído à referi-
da decisão, conduz à cessação da competência desta Corte e, consectariamente, revela a ne-
cessidade de remessa dos autos ao Juízo competente para prosseguimento do feito. 4. Pre-
cedentes do STJ: RCL 2133/PR, 3ª Seção, Relator Ministro Felix Fischer, DJ de 02.10.2006;
AgRg na MC 7476/GO, Corte Especial, Relatora Ministra Laurita Vaz, DJ de 06.11.2006 e
AgRg na MC 7487/GO, Corte Especial, Relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito,
DJ de 17.04.2006. 5. Embargos de declaração acolhidos para determinar a remessa dos
autos ao Juízo da 1ª Vara Federal da Seção Judiciária de Rondônia, para prosseguimento
do feito, porquanto, por força da ADIn 2797/DF resta inequívoca a incompetência absoluta
desta Corte, conferindo colegialidade a essa decisão (STJ. EDcl na Pet nº 2.588/RO, Rel.
Min. Luiz Fux, Corte Especial, j. em 06.12.2006, DJ, 12 fev. 2007).
610
Questão de ordem. Ação Civil Pública. Ato de improbidade administrativa. Ministro do
Supremo Tribunal Federal. Impossibilidade. Competência da Corte para processar e julgar
seus membros apenas nas infrações penais comuns. 1. Compete ao Supremo Tribunal Fe-
deral julgar ação de improbidade contra seus membros. 2. Arquivamento da ação quanto
ao Ministro da Suprema Corte e remessa dos autos ao Juízo de 1º grau de jurisdição no
tocante aos demais (STF. Pet nº 3211 QO, Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. p/ ac. Min. Menezes
Direito, j. em 13.03.2008, DJe, 27 jun. 2008).

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 310 10/03/2016 14:06:05


CAPÍTULO 12
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
311

segundo, em razão de a pena de perda da função pública, suscetível de


aplicação no âmbito da ação de improbidade administrativa, possuir
cunho político-penal, isso, a partir de uma interpretação sistemática, já
constituiria substrato suficiente para atração da regra de competência
prevista no art. 102, I, “b”, da CR, segundo a qual compete ao STF julgar
os seus membros nas infrações penais comuns.
Seguindo essa linha, em atenção ao disposto no art. 105, I, da
CR, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento da
Reclamação nº 2.790/SC, decidiu ser sua a competência originária para
processar ação de improbidade movida contra Governador de Estado.611
Contudo, a mesma Corte Especial do Superior Tribunal de
Justiça, à unanimidade, no julgamento da Reclamação nº 12.514/MT,612
reposicionou-se, firmando sua orientação no sentido de que a ação
de improbidade deve ser julgada e processada no primeiro grau de
jurisdição, ainda que envolva agente político que tenha foro privilegiado
em relação aos crimes comuns e aos crimes de responsabilidade.
Em seu voto, o Ministro Relator, Ari Pargendler, com arrimo na
decisão proferida pelo Ministro Joaquim Barbosa na Medida Cautelar
na Reclamação nº 15.131, ocasião em que este respondia pelo expediente

611
Constitucional. Competência. Ação de improbidade contra Governador de Estado. Duplo
regime sancionatório dos agentes políticos: Legitimidade. Foro por prerrogativa de fun-
ção: Reconhecimento. Usurpação de competência do STJ. Procedência parcial da recla-
mação. [...] 2. Por decisão de 13 de março de 2008, a Suprema Corte, com apenas um voto
contrário, declarou que “compete ao Supremo Tribunal Federal julgar ação de improbi-
dade contra seus membros” (QO na Pet. 3.211-0, Min. Menezes Direito, DJ 27.06.2008).
Considerou, para tanto, que a prerrogativa de foro, em casos tais, decorre diretamente do
sistema de competências estabelecido na Constituição, que assegura a seus Ministros foro
por prerrogativa de função, tanto em crimes comuns, na própria Corte, quanto em crimes
de responsabilidade, no Senado Federal. Por isso, “seria absurdo ou o máximo do contra-senso
conceber que ordem jurídica permita que Ministro possa ser julgado por outro órgão em ação di-
versa, mas entre cujas sanções está também a perda do cargo. Isto seria a desestruturação de todo o
sistema que fundamenta a distribuição da competência” (voto do Min. Cezar Peluso). 3. Esses
mesmos fundamentos de natureza sistemática autorizam a concluir, por imposição lógica
de coerência interpretativa, que norma infraconstitucional não pode atribuir a juiz de pri-
meiro grau o julgamento de ação de improbidade administrativa, com possível aplicação
da pena de perda do cargo, contra Governador do Estado, que, a exemplo dos Ministros
do STF, também tem assegurado foro por prerrogativa de função, tanto em crimes comuns
(perante o STJ), quanto em crimes de responsabilidade (perante a respectiva Assembléia
Legislativa). É de se reconhecer que, por inafastável simetria com o que ocorre em relação
aos crimes comuns (CF, art. 105, I, a), há, em casos tais, competência implícita complemen-
tar do Superior Tribunal de Justiça. 4. Reclamação procedente, em parte (STJ. Rcl nº 2.790/
SC, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Corte Especial, j. em 02.12.2009, DJe, 04 mar. 2010).
612
Processo Civil. Competência. Ação de improbidade administrativa. A ação de impro­
bidade administrativa deve ser processada e julgada nas instâncias ordinárias, ainda que
proposta contra agente político que tenha foro privilegiado no âmbito penal e nos crimes
de responsabilidade. Reclamação improcedente (STJ. Rcl nº 12.514/MT, Rel. Min. Ari
Pargendler, Corte Especial, j. em 13.03.2014, DJe, 21 mar. 2014).

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 311 10/03/2016 14:06:05


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
312 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

forense nas férias coletivas, salientou que a decisão proferida pelo


STF na Petição nº 3.211-QO, apesar de transplantada para o STJ no
julgamento da Reclamação nº 2.790/SC, não possuía o alcance que até
então lhe havia sido atribuído.
Isso porque, naquela oportunidade, a Excelsa Corte limitou-se
a afirmar a sua competência para julgar os seus membros nos casos
de improbidade administrativa, de modo que, reinterpretar o julgado
de forma a estender a regra ali adotada a outros agentes públicos,
afigurar-se-ia ilegítimo, já que, tratando-se a prerrogativa de foro de
competência excepcional, não seria possível ampliá-la por meio de
raciocínio analógico.
Além disso, tendo em vista a mudança na composição do Su-
premo Tribunal Federal e a projeção do posicionamento dos novos
ministros, bem como dos remanescentes, em vista de suas decisões
monocráticas quanto ao tema, o Ministro Relator concluiu que o en-
tendimento vencedor na Reclamação nº 2.138/DF constituiu episódio
isolado na jurisprudência da Excelsa Corte, o que leva a crer que não
mais se repetirá.
Em suma, verifica-se que a questão sofreu sucessivas guinadas
em rumos diametralmente opostos no âmbito dos Tribunais Superiores.
De qualquer forma, parece que a jurisprudência realmente irá se firmar
no sentido da competência do juiz de primeiro grau para conhecer da
ação de improbidade, ainda que o agente político a quem se imputa
a prática do ilícito goze de prerrogativa de foro em relação às ações
penais comuns e aos crimes de responsabilidade.613 É esperar para ver.

12.4.7.3.1 Da legitimidade ad processum do MP nas ações


de improbidade
A esta altura, revela-se importante abordar o alcance de dispo-
sitivos infraconstitucionais que reservam a certos órgãos de execução
do Ministério Público a atribuição privativa para promover o inquérito
civil e propor a respectiva ação em face de determinados agentes, por
atos praticados nessa qualidade – como, por exemplo, o art. 29, VIII,
da Lei Orgânica do Ministério Público (Lei nº 8.625/93), que confere ao
Procurador-Geral de Justiça competência para tanto quando a autorida-

613
Esse entendimento foi replicado pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, no
julgamento do Agravo Regimental na Reclamação nº 10.037/MT, Rel. Ministro Luis Felipe
Salomão, julgado em 21.10.2015, DJe, 25 nov. 2015.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 312 10/03/2016 14:06:05


CAPÍTULO 12
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
313

de reclamada for o Governador do Estado, o Presidente da Assembleia


Legislativa ou os Presidentes de Tribunais.
É que, na visão de alguns, essa divisão de funções entre os órgãos
de execução do Parquet só faria sentido caso houvesse prevalecido a
intenção do legislador de estender a prerrogativa de foro às ações de
improbidade administrativa, sendo muito mais condizente deixar o
seu ajuizamento, bem como a promoção das investigações necessárias
à formação da justa causa indispensável ao recebimento da inicial, a
cargo dos Promotores de Justiça, aos quais ordinariamente incumbe a
tarefa de atuar no primeiro grau de jurisdição, não se podendo perder
de vista, também, que o Ministério Público é constituído sob os signos
da unidade e da indivisibilidade, nos termos do art. 127, §1º, da CR.
Desse modo, para essa corrente, normas como a insculpida no
art. 29, VIII, da Lei nº 8.625/93, figurariam como meros conselhos para
o arranjo administrativo das funções do Parquet.
Sucede que a unidade do Ministério Público não implica que
quaisquer de seus órgãos de execução possam exercer a plenitude das
suas atribuições, mas sim que todos os seus membros “presentam” a
instituição, ou seja, correspondem ao próprio Ministério Público. De
toda forma, em atenção ao princípio da legalidade, o seu desempenho
deve guardar obediência aos atos normativos que disciplinam o âmbito
de suas atribuições.
Por outro lado, pela indivisibilidade do Ministério Público,
apesar de um membro poder ser substituído por outro, sem que isso
resulte em descontinuidade da atividade, a instituição apresenta em sua
estrutura, como de se esperar, órgãos de administração e de execução,
funcionalmente distintos, cujas atribuições não podem ser desempe-
nhadas por quaisquer de seus membros.
Além disso, o próprio Poder Constituinte, no art. 128, §5º, da CR,
delegou ao legislador infraconstitucional ampla margem de liberdade
para estabelecer critérios a serem seguidos no que tange à organização
do Ministério Público e à disposição das atribuições de seus órgãos, não
se podendo negar a possibilidade de que determinadas autoridades
sejam contempladas com a prerrogativa de somente serem investigadas
ou acionadas por certo órgão de execução do Parquet.
Seguindo essa linha de orientação, o Superior Tribunal de Justiça,
no REsp nº 851.635/AC, DJe, 07 abr. 2009, ao analisar um caso em que o
Promotor de Justiça havia proposto ação de improbidade administrativa
em face do então governador de determinado Estado-membro,
reconheceu a ilegitimidade ad processum diante da normatividade do
art. 29, VIII, da Lei nº 8.625/93.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 313 10/03/2016 14:06:05


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
314 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

Segundo o Relator, Ministro Castro Meira, o dispositivo em


questão, ao encarregar o Procurador-Geral de Justiça para a promoção
do inquérito civil e da ação por ato de improbidade movida em desfavor
de Governador de Estado, não se revela afetado pela circunstância de
que a demanda deva ser aforada em primeira instância, sob pena de
figurar no ordenamento como comando legal desprovido de qualquer
eficácia jurídica.
Na hipótese, em que pese possua capacidade postulatória, falta
ao Promotor de Justiça capacidade de “presentar” o Parquet em juízo
(legitimidade ad processum), que, como se sabe, constitui pressuposto
processual de validade.
Dessa forma, tendo em vista que, no ajuizamento de ação de im-
probidade em desfavor de Governador do Estado, o Ministério Público,
de modo privativo, deve se fazer presente em juízo pelo Procurador-
-Geral de Justiça, a medida cabível, uma vez verificado o vício, consiste
na anulação de todos os atos decisórios com a consequente remessa dos
autos ao primeiro grau, para que, nos termos do art. 13, inciso I, do CPC,
seja facultada ao autor a regularização de sua legitimatio ad processum,
em prazo razoável, sob pena de extinção do processo, sem julgamento
de mérito, nos termos do art. 267, inciso IV, do CPC.
Ainda quanto ao ponto, indaga-se: qual seria o momento ade-
quado para análise da legitimidade ad processum do órgão de execução
do Ministério Público? A legitimidade privativa encontraria termo ao
fim do vínculo da autoridade com o Poder Público?
Aqui, de modo geral, costuma-se realizar raciocínio semelhante
ao da prerrogativa de foro, no sentido de que, com o término do vínculo
com o Poder Público, independentemente de outras variáveis, não
haveria mais que se falar na legitimidade privativa, pois tal critério
encontra-se atrelado ao cargo e não à pessoa que o ocupa.
Todavia, não se me apresenta acertado esse raciocínio. Isso
porque a legitimidade ad processum não pode ser encarada como figura
análoga à prerrogativa de foro. Ao passo que esta tem assento em
norma constitucional e, por isso, restringe-se aos casos previstos na
Carta Magna ou que dela implicitamente decorrem, aquela se alicerça
em norma infraconstitucional, que confere a determinado órgão de
execução do Ministério Público habilitação privativa para a promoção
do inquérito civil e a propositura da respectiva ação de improbidade
contra certas autoridades.
Assim, utilizar-se dos argumentos restritivos existentes na
doutrina e jurisprudência em torno do foro privilegiado, para justificar
a limitação temporal da legitimidade ad processum à cessação do vínculo

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 314 10/03/2016 14:06:05


CAPÍTULO 12
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
315

da autoridade com o Poder Público, sem considerar que a prática do


ato somente foi possível em razão do exercício da função, é equiparar
institutos completamente diferentes.
Para melhor compreensão e desenvolvimento do tema, valendo-
se, à guisa de ilustração, novamente da regra prevista no art. 29, VIII,
da Lei nº 8.625/93, é possível, a depender do momento de instauração
das investigações, vislumbrar a existência de duas situações, a serem
detalhadas na sequência.
A primeira consiste na instauração do inquérito civil por
parte do Promotor de Justiça durante o mandato do Governador do
Estado-membro para investigação de ato de improbidade praticado no
exercício das funções inerentes ao cargo. Com o término do vínculo da
autoridade com o Poder Público, poderia o Promotor de Justiça ajuizar
a respectiva ação de improbidade contra o ex-governador do Estado?
Ou seja, estaria superada a legitimidade ad processum privativa conferida
pelo legislador infraconstitucional ao Procurador-Geral de Justiça para
inaugurar a demanda?
Inicialmente, não se pode olvidar que o legislador conferiu pri-
vatividade ao Chefe do Ministério Público estadual não só em relação
ao processo, mas, também, à iniciativa da instauração do inquérito
civil, o que impede qualquer outro membro da instituição de fazê-lo
em desfavor das autoridades ali elencadas, sob pena de usurpação de
função. Dessa forma, uma vez apurado, na vigência do mandato, o
possível envolvimento do Governador em ato de improbidade, caberia
ao Promotor de Justiça, no exercício de seu dever funcional, comunicar
de imediato o fato ao órgão de execução legalmente competente para
presidir a investigação, quem seja, o Procurador-Geral de Justiça.
Referida premissa leva à conclusão de que a transgressão dessa
norma sujeita o Promotor de Justiça às sanções administrativas de na-
tureza grave e tornam imprestáveis – a não ser que sejam convalidadas
por quem de direito – os indícios que lastrearão a ação civil pública,
mormente a de improbidade que possui rito diferenciado.
Diante desse cenário em que a notícia da improbidade vem à tona
durante o exercício do mandato, mostra-se imperiosa a observância da
regra da legitimidade ad processum inclusive para o período posterior
ao término do vínculo da autoridade com o Poder Público. Com isso,
pretende-se vedar que, de forma sub-reptícia, o inquérito civil seja
instaurado para apuração de fato que aparentemente não envolva
a figura da autoridade que goze da prerrogativa de ser investigada
ou acionada por determinado órgão de execução do Ministério
Público, sequer fazendo menção à sua pessoa ou a ato que lhe possa

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 315 10/03/2016 14:06:05


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
316 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

comprometer, mas, com a cessação da investidura, seja o procedimento


utilizado para consubstanciar a justa causa de ação de improbidade
movida surpreendentemente em seu desfavor.
A manobra, em termos de Administração Pública, configuraria
verdadeiro desvio de finalidade e, a toda evidência, o fim do mandato
não pode dar ensejo à convalidação de ato praticado em flagrante ofensa
aos princípios da legalidade e moralidade.
Por sua vez, diversa será a situação quando a notícia de impro-
bidade chegar ao conhecimento do Parquet após o término do mandato
da autoridade que, por força legal, só poderia ser investigada e pro-
cessada privativamente por determinado órgão de execução. Nesse
caso, a cessação do vínculo habilita a instauração da investigação, bem
como o manejo da respectiva ação, por qualquer membro do Ministério
Público, sem que isso configure desvio de função ou falta disciplinar.
Cabe salientar que a norma constante do art. 29, IX, da Lei nº
8.625/93, faculta ao Procurador-Geral de Justiça a delegação de suas
funções de órgão de execução a outro membro do Ministério Público.
Dessa forma, caso julgue pertinente, poderá designar que outro
Procurador ou mesmo Promotor de Justiça desempenhe a incumbência
de presidir a investigação, ou mesmo promova a respectiva demanda
em face das autoridades elencadas no rol do inciso VIII desse mesmo
dispositivo.
Nesse contexto, há de se distinguir os casos em que Procurador-
Geral de Justiça, de antemão, analisando os elementos de informação
que chegaram ao seu conhecimento, designa outro membro para a
propositura da ação de improbidade, daqueles em que apenas delega
a atribuição, sem a emissão de qualquer juízo prévio.
No primeiro caso, haverá verdadeira delegação para ato especí-
fico, consistente no ajuizamento da demanda. Fazendo uma analogia
com o art. 28 do CPP, ao membro designado descabe realizar qualquer
juízo quanto à viabilidade da propositura da ação de improbidade,
porquanto a justa causa necessária a tanto já fora reconhecida pelo
Procurador-Geral de Justiça.
Por outro lado, na segunda hipótese, desvinculada de qualquer
análise do Procurador-Geral de Justiça, o membro designado exercerá
a competência delegada de forma plena, concentrando em suas mãos o
poder de presidir a investigação, bem como de analisar a existência de
justa causa para a propositura da ação de improbidade, agindo como
se delegante fosse.
Dessa forma, incumbir-lhe-á requerer diligências, ajuizar a inicial
de improbidade ou mesmo promover o arquivamento do inquérito civil,

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 316 10/03/2016 14:06:05


CAPÍTULO 12
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
317

sem que isso configure transbordamento da delegação. Por óbvio, se


entender pertinente, pode o Procurador-Geral de Justiça, a qualquer
tempo, revogar a delegação e avocar para si a investigação.
De todo modo, para que haja o controle da legitimidade ad
processum do membro do Parquet, torna-se indispensável, em qualquer
hipótese, que a inicial de improbidade seja acompanhada do ato
formalizador da delegação.
Por fim, traçando um paralelo com o processo penal (art. 18
do CPP), uma vez arquivada, a investigação só poderá ser restaurada
desde que haja a obtenção de novos elementos de informação quanto
aos fatos objeto de apuração. Ademais, transplantando o entendimento
sufragado pelo Supremo Tribunal Federal em relação ao inquérito
policial, reconhecida a inexistência do fato ou a atipicidade da conduta,
a decisão de arquivamento fará coisa julgada material.

12.4.7.4 Fase preliminar


Como visto, o procedimento judicial de improbidade adminis-
trativa inicia-se por provocação do Ministério Público ou da pessoa
jurídica interessada, por meio da petição inicial.
Estando a inicial em devida forma, procede o juiz a uma cognição
prévia destinada a “sustar ações manifestamente temerárias ou
desarrazoadas, quer por ser induvidosa a não-configuração de ato de
improbidade administrativa, quer por ausência de indícios probatórios
de sua existência”.614 Cuida-se, portanto, de fase preliminar específica
do procedimento de improbidade administrativa, pois o distingue de
qualquer outro procedimento de natureza cível, assemelhando-o, por
outro lado, ao rito traçado pelo Código de Processo Penal para os crimes
de responsabilidade dos funcionários públicos (arts. 513 a 518, do CPP).
Nessa fase preliminar, o juiz ordenará a notificação do réu para,
no prazo de 15 (quinze) dias, oferecer manifestação escrita e apresentar
documentos, se o desejar (art. 17, §7º, da Lei nº 8.429/92).
Recebida a manifestação, incumbe ao juiz, em cognição
provisória e não exauriente, examiná-la em conjunto com a petição
inicial. Persuadido da inexistência do ato de improbidade, da
improcedência do pedido ou da inadequação da via eleita, poderá, em
decisão fundamentada, extinguir o processo com ou sem resolução do

614
PAZZAGLINI FILHO, Marino. Lei de Improbidade Administrativa Comentada. São Paulo:
Atlas, 2007. p. 201-204.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 317 10/03/2016 14:06:05


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
318 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

mérito (art. 17, §8º, da Lei nº 8.429/92). Se, diversamente, convencer-


se da verossimilhança das alegações do autor e da adequação da via
processual escolhida, receberá a petição inicial e determinará a citação
do réu para apresentar contestação (art. 17, §§9º e 10, da Lei nº 8.429/92).
Como na fase preliminar decide-se apenas sobre a existência de
justa causa para o processamento da demanda, mediante o controle
de ações temerárias, a dúvida acerca da prática de improbidade – que
deve estar fundada em indícios – milita a favor do prosseguimento do
feito, vigendo, aqui, o princípio do in dubio pro societate.615
Registre-se que, segundo a jurisprudência do Superior Tribunal
de Justiça, a invocação do princípio da bagatela, com fulcro exclusiva-
mente no baixo valor monetário do dano,616 e a devolução dos valores

615
Processual Civil. Administrativo. Improbidade administrativa. Não recebimento da ação.
Inexistência de indícios de práticas de atos ímprobos. Decisão devidamente fundamentada
e baseada em consistente arcabouço probatório. Súmula 7/STJ. 1. Pelo teor do art. 17, §8º,
da Lei n. 8.429/1992, a ação de improbidade administrativa só deve ser rejeitada de plano
se o órgão julgador se convencer da inexistência do ato de improbidade, da improcedência
da ação ou da inadequação da via eleita. Assim, havendo a presença de indícios razoáveis
da prática de atos ímprobos, a ação deverá ser recebida, porquanto, nesse momento
processual, vigora o princípio in dubio pro societate [...] (STJ. AgRg no AREsp nº 621.481/
SP, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, j. em 12.02.2015, DJe, 19 fev. 2015).
616
Processual Civil. Ação Civil Pública. Princípio da moralidade administrativa. Improbidade
administrativa. Mera irregularidade administrativa. Princípio da insignificância. Distinção
entre juízo de improbidade da conduta e juízo de dosimetria da sanção. [...] 5. Nem toda
irregularidade administrativa caracteriza improbidade, nem se confunde o administrador
inábil com o administrador ímprobo. Contudo, se o juiz, mesmo que implicitamente, de-
clara ou insinua ser ímproba a conduta do agente, ou reconhece violação aos bens e valores
protegidos pela Lei da Improbidade Administrativa (= juízo de improbidade da conduta), já
não lhe é facultado – sob o influxo do princípio da insignificância, mormente se por “insig-
nificância” se entender somente o impacto monetário direto da conduta nos cofres públicos
– evitar o juízo de dosimetria da sanção, pois seria o mesmo que, por inteiro, excluir (e não
apenas dosar) as penas legalmente previstas. 6. Iniqüidade é tanto punir como improbi-
dade, quando desnecessário (por atipicidade, p. ex.) ou além do necessário (= iniqüidade
individual), como absolver comportamento social e legalmente reprovado (= iniqüidade
coletiva), incompatível com o marco constitucional e a legislação que consagram e garan-
tem os princípios estruturantes da boa administração. 7. O juiz, na medida da reprimenda
(= juízo de dosimetria da sanção), deve levar em conta a gravidade, ou não, da conduta do
agente, sob o manto dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, que têm ne-
cessária e ampla incidência no campo da Lei da Improbidade Administrativa. 8. Como o seu
próprio nomen iuris indica, a Lei 8.429/92 tem na moralidade administrativa o bem jurídico
protegido por excelência, valor abstrato e intangível, nem sempre reduzido ou reduzível à
moeda corrente. 9. A conduta ímproba não é apenas aquela que causa dano financeiro ao
Erário. Se assim fosse, a Lei da Improbidade Administrativa se resumiria ao art. 10, empa-
redados e esvaziados de sentido, por essa ótica, os arts. 9 e 11. Logo, sobretudo no campo
dos princípios administrativos, não há como aplicar a lei com calculadora na mão, tudo
expressando, ou querendo expressar, na forma de reais e centavos (STJ. REsp nº 892.818/RS,
Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, j. em 11.11.2008, DJe, 10 fev. 2010).

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 318 10/03/2016 14:06:05


CAPÍTULO 12
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
319

indevidamente auferidos pelo agente617 não têm o condão de elidir a


justa causa da ação, devendo a gravidade da conduta e o comporta-
mento do ofensor, uma vez configurada a improbidade nesses casos,
serem valorados no momento da dosimetria da pena.
Contra a decisão que recebe a inicial, em vista da sua natureza
interlocutória, cabe agravo de instrumento (art. 17, §10).
Superada a fase preliminar, o rito da ação seguirá o ordinário,
com ampla possibilidade de produção probatória, podendo a parte
interessada, uma vez atendidos os pressupostos de admissibilidade,
valer-se de todos os recursos previstos no rol do art. 496 do CPC.
Apesar de se entender pela necessidade de sujeição da sentença
de carência ou improcedência da ação de improbidade ao reexame
necessário, por força da aplicação analógica da primeira parte do art.
19 da Lei nº 4.717/65, há clara divergência quanto ao tema no Superior
Tribunal de Justiça, existindo posicionamento no sentido de que o
silêncio da Lei nº 8.429/92 transpareceria a opção do legislador pela
dispensa da remessa oficial.618

617
Administrativo. Utilização de recursos públicos para pagamento de despesas particulares.
Art. 9º, XII, Lei 8.429/1992. Ilícito incontroverso. Desnecessidade de demonstração de dolo
específico. Ressarcimento ao erário que não afasta a ocorrência da prática de improbidade.
1. Hipótese em que o Tribunal de origem aferiu a inequívoca existência de atos de impro-
bidade consistente na utilização, por policiais militares, de recursos públicos da instituição
policial para pagar despesas particulares em restaurantes, bem como para presentear es-
posas de oficiais com bolsas e sapatos. 2. A prática do ato de improbidade descrito no art.
9º, XII, da Lei 8.429/1992 prescinde da demonstração de dolo específico, pois o elemento
subjetivo é o dolo genérico de aderir à conduta, produzindo os resultados vedados pela
norma jurídica. 3. O ressarcimento, embora deva ser considerado na dosimetria da pena,
não implica anistia e/ou exclusão do ato de improbidade. 4. O reconhecimento judicial
da configuração do ato de improbidade leva à imposição de sanção, entre aquelas previs-
tas na Lei 8.429/1992, ainda que minorada no caso de ressarcimento. 5. Recurso Especial
parcialmente provido (STJ. REsp nº 1450113/RN, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda
Turma, j. em 05.03.2015, DJe, 31 mar. 2015).
618
A divergência em questão revela-se bem ilustrada na seguinte ementa: Administrativo.
Recurso Especial. Improbidade administrativa. Ação Civil Pública. Contratação de ser-
vidores sem prévio concurso público. Dano ao erário. Sentença de improcedência. Lei de
Improbidade Administrativa que não contempla a aplicação do reexame necessário. Não
há que se falar em aplicação subsidiária da Lei da Ação Popular. Parecer do MPF pelo
provimento do recurso. Recurso Especial do Ministério Público desprovido. 1. Conheço e
reverencio a orientação desta Corte de que o art. 19 da Lei 4.717/65 (Lei da Ação Popular),
embora refira-se imediatamente a outra modalidade ou espécie acional, tem seu âmbito de
aplicação estendido às ações civis públicas, diante das funções assemelhadas a que se des-
tinam - proteção do patrimônio público em sentido lato - e do microssistema processual
da tutela coletiva, de maneira que as sentenças de improcedência de tais iniciativas devem
se sujeitar indistintamente à remessa necessária (REsp. 1.108.542/SC, Rel. Min. CASTRO
MEIRA, DJe 29.05.2009). 2. Todavia, a Ação de Improbidade Administrativa segue um rito
próprio e tem objeto específico, disciplinado na Lei 8.429/92, e não contempla a aplicação
do reexame necessário de sentenças de rejeição a sua inicial ou de sua improcedência, não
cabendo, neste caso, analogia, paralelismo ou outra forma de interpretação, para importar

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 319 10/03/2016 14:06:05


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
320 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

12.4.7.5 Prescrição
Nos termos do art. 23, a pretensão para a imposição das sanções
da Lei nº 8.429/92 submete-se a duas regras de prescrição, a depender
do vínculo do agente com a Administração Pública:
i) se temporário, porquanto decorrente do exercício de mandato,
de cargo em comissão ou de função de confiança, a pretensão
prescreve em cinco anos após o término do vínculo (inc. I);
ii) se permanente, nos casos de exercício de cargo efetivo ou
emprego, a pretensão deverá ser exercida dentro do prazo
previsto em lei para faltas disciplinares puníveis com demissão
a bem do serviço público (inc. II).
Com relação ao terceiro/particular, apesar da omissão legal, o
prazo prescricional deverá ser o mesmo aplicável ao agente público
envolvido na conduta ilícita, mesmo porque, como aqueles jamais
poderão figurar autonomamente no polo passivo da ação de impro-
bidade, assumindo necessariamente a posição de litisconsorte passivo
necessário deste, seria despropositado buscar regular a situação de
forma peculiar.619

instituto criado em lei diversa. 3. A ausência de previsão da remessa de ofício, nesse caso,
não pode ser vista como uma lacuna da Lei de Improbidade que precisa ser preenchida,
razão pela qual não há que se falar em aplicação subsidiária do art. 19 da Lei 4.717/65, mor-
mente por ser o reexame necessário instrumento de exceção no sistema processual, deven-
do, portanto, ser interpretado restritivamente; deve-se assegurar ao Ministério Público,
nas Ações de Improbidade Administrativa, a prerrogativa de recorrer ou não das decisões
nelas proferidas, ajuizando ponderadamente as mutantes circunstâncias e conveniências
da ação. 4. Parecer do MPF pelo conhecimento e provimento do Recurso. 5. Recurso Espe-
cial do MINISTÉRIO PÚBLICO desprovido (STJ. REsp nº 1220667/MG, Rel. Min. Napoleão
Nunes Maia Filho, Primeira Turma, j. em 04.09.2014, DJe, 20 out. 2014).
619
Nesse sentido, Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves assinalam que, “restando
demonstrado que o terceiro jamais responderá pelo ato de improbidade de forma isolada,
sendo imperativo que para o ilícito tenha concorrido um agente público, constata-
se que a qualidade deste, por ser o elemento condicionante da própria tipologia legal,
haverá de nortear, do mesmo modo, a identificação do lapso prescricional. Em razão
disto, seria despiciendo e atécnico qualquer dispositivo que viesse a estatuir tratamento
específico para o extraneus, pois este, por mais grave que seja o ilícito praticado, não
estará sujeito ao regramento da Lei nº 8.429/1992 se agir de forma isolada, desvinculado
de um agente público” (In: Improbidade Administrativa. 6. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2011. p. 630). Esse também parece ser o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
Recurso Especial. Ação Civil de Improbidade. Contratações de serviços publicitários sem
licitação. Homologação e pagamento administrativo sem a efetiva prestação do serviço.
Terceiro que não é agente público. Prescrição. Indenização do erário. Imprescritibilidade.
Participação em todos os atos de improbidade e conluio. Súmula 7/STJ. Dolo. Ausência de
prequestionamento. [...] 3. Em relação ao terceiro que não detém a qualidade de agente
público, incide também a norma do art. 23 da Lei nº 8.429/1992 para efeito de aferição do
termo inicial do prazo prescricional (STJ. REsp nº 1156519/RO, Rel. Min. Castro Meira,
Segunda Turma, j. em 18.06.2013, DJe, 28 jun. 2013).

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 320 10/03/2016 14:06:05


CAPÍTULO 12
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
321

Questão polêmica disse respeito à interrupção da prescrição. É


que, em razão de a citação propriamente dita na ação de improbidade
só se verificar após o recebimento da petição inicial (art. 17, §9º), houve
quem, interpretando o art. 219 do CPC, sustentasse a possibilidade de a
pretensão ser fulminada por essa prejudicial durante a fase preliminar
da demanda.
Contudo, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, em
atenção ao princípio da actio nata e tendo em vista a possibilidade de
transcurso de vasto lapso temporal no rito peculiar que antecede a
citação, firmou-se no sentido de que o mero ajuizamento da ação de
improbidade já se afigura suficiente para a interrupção da prescrição.620
O Superior Tribunal de Justiça também já teve a oportunidade
de refutar, por absoluta falta de amparo legal, o argumento de que
seria aplicável o instituto da prescrição intercorrente, quando, entre a
sentença e o ajuizamento ou o ato citatório, houver transcorrido período
equivalente ao lapso prescricional.621

620
Administrativo e Processual Civil. Improbidade administrativa. Constatação pelo Tribu-
nal de Contas da União - TCU de irregularidades na utilização de verbas que o Governo
Federal, por meio de convênio, destinou à implementação de políticas públicas no Muni-
cípio. Prescrição da pretensão condenatória. Interrupção com o ajuizamento da ação de
improbidade no prazo de 5 anos. Art. 23 da Lei n. 8.429/1992. Controvérsia sobre a compe-
tência jurisdicional cuja solução necessita do reexame de fatos e prova. Súmula n. 7 do STJ.
[...] 4. A pretensão condenatória do Ministério Público foi manifestada com o ajuizamento
da ação de improbidade, no prazo de 5 anos previsto no art. 23, I, da Lei n. 8.429/1992. Não
há falar, então, que a pretensão tenha sido alcançada pela prescrição tão somente porque
a citação não ocorreu no prazo de 5 anos do término do mandato. 5. É que, na melhor
interpretação do art. 23, I, da Lei n. 8.429/1992, tem-se que a pretensão condenatória, nas
ações civis públicas por ato de improbidade, tem o curso da prescrição interrompido com
o mero ajuizamento da ação dentro do prazo de cinco anos após o término do exercício do
mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança. 6. Assim, à luz do princípio
da especialidade (art. 2º, §2º, da Lei de Introdução às normas do direito brasileiro - DL n.
4.657/1942) e em observância ao que dispõe o art. 23, I, da Lei n. 8.429/1992, o tempo trans-
corrido até a citação do réu, nas ações de improbidade, que já é amplo em razão do próprio
procedimento estabelecido para o trâmite da ação, não justifica o acolhimento da arguição
de prescrição, uma vez que o ajuizamento da ação de improbidade, à luz do princípio da
actio nata, já tem o condão de interrompê-la. Recurso especial parcialmente conhecido e,
essa parte, improvido (STJ. REsp nº 1391212/PE, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda
Turma, j. em 02.09.2014, DJe, 09 set. 2014).
621
Administrativo e Processual Civil. Ação Civil Pública. Improbidade administrativa.
Desvio de dinheiro. Art. 23, I e II, da Lei 8.429/1992. Prescrição intercorrente. Não
ocorrência. Elemento subjetivo. Ausência de prequestionamento. Súmula 282/STF.
Participação no ato ímprobo. Alteração das premissas fáticas. Súmula 7/STJ. Cominação
das sanções. Cumulação. Possibilidade. Dosimetria. Art. 12 da LIA. Princípios da
razoabilidade e proporcionalidade. Dissídio jurisprudencial. Inobservância das exigências
legais e regimentais. 1. O art. 23 da Lei 8.429/1992, que regula o prazo prescricional para
propositura da ação de improbidade administrativa, não possui comando a permitir a
aplicação da prescrição intercorrente nos casos de sentença proferidas há mais de 5
(cinco) anos do ajuizamento ou do ato citatório na demanda. Precedente [...] (STJ. REsp nº
1289993/RO, Rela. Minª. Eliana Calmon, Segunda Turma, j. em 19.09.2013, DJe, 26 set. 2013).

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 321 10/03/2016 14:06:06


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
322 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

Por fim, ressalve-se que, por imperativo constitucional, a preten-


são de ressarcimento ao erário decorrente da prática de ato de impro-
bidade administrativa revela-se imprescritível (art. 37, §5º, da CR).622

Recentemente, no julgamento do RE nº 669.069 RG/MG, foi reconhecida repercussão geral


622

da questão relativa ao alcance do artigo 37, §5º, da Constituição Federal. Segundo explici-
tou o Relator, Ministro Teori Zavascki, há, no plano doutrinário e jurisprudencial, acirrada
divergência de entendimentos fundamentados, basicamente, em três linhas interpretati-
vas, como: (a) a imprescritibilidade aludida no dispositivo constitucional alcança qualquer
tipo de ação de ressarcimento ao erário; (b) a imprescritibilidade alcança apenas as ações
por danos ao erário decorrentes de ilícito penal ou de improbidade administrativa; (c) o
dispositivo não contém norma apta a consagrar imprescritibilidade alguma. Realizado o
julgamento do mérito do tema pelo Tribunal Pleno em 03.02.2016, foi fixada a seguinte tese:
“É prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil”.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 322 10/03/2016 14:06:06


REFERÊNCIAS

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Competência para julgamento de agentes


políticos por ofensa à Lei de Improbidade Administrativa (8.429, de 02.06.92). Interesse
Público, v. 9, n. 42, p. 15-19, mar./abr. 2007.
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Grandes Temas de Direito Administrativo. São
Paulo: Malheiros, 2010.
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 31. ed. São Paulo:
Malheiros, 2014.
BARBOZA, Márcia Noll. O princípio da moralidade administrativa: uma abordagem de seu
significado e suas potencialidades à luz da noção de moral crítica. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 2002.
BITTAR, Eduardo C. B.; ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de filosofia do Direito. 11.
ed. São Paulo: Atlas, 2015.
CAETANO, Marcelo. Manual de Direito Administrativo. Lisboa: Coimbra Ed., 1973. v. II.
CAPEZ, Fernando. Limites constitucionais à Lei de Improbidade. São Paulo: Saraiva, 2010.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 27. ed. São Paulo:
Atlas, 2014.
COELHO, Fábio Ulhôa. Curso de Direito Comercial – direito de empresa. 17. ed. São
Paulo: Saraiva, 2013. v. 2.
CORRÊA, J. M. Sérvulo. Legalidade Administrativa e Moralidade Administrativa. In:
JORNADAS sobre o fenômeno da Corrupção. Estudos Vários, v. 01, 1990.
COSTA, Alexandre Araújo. Introdução ao Direito: uma perspectiva zetética das ciências
jurídicas. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2001.
COUTO E SILVA, Almiro. Princípios da Legalidade da Administração Pública e da
Segurança Jurídica no Estado Contemporâneo. RDP, 84/46, out-dez/1987. In: Doutrinas
Essenciais: Direito Administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. v. 1.
CRETELLLA JÚNIOR, José. Dicionário de direito administrativo. 3. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1978.
DALLARI, Adilson Abreu. Regime Constitucional dos Servidores Públicos. 2. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1992.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 28. ed. São Paulo: Atlas, 2015.
EMERSON, Garcia; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 6. ed. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2011.
FAGUNDES, Miguel Seabra. O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciário. 8.
Ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 323 10/03/2016 14:06:06


PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
324 SERVIDOR PÚBLICO – TEORIA E PRÁTICA

FARIA, Edimur Ferreira. Curso de Direito Administrativo Positivo. 7. ed. Belo Horizonte:
Del Rey, 2011.
FREITAS, Juarez. Do Princípio da Probidade Administrativa e de sua Máxima Efetivação.
Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n. 204, p. 65-84, abr./jun. 1996.
FREITAS, Juarez. Controle dos Atos Administrativos e os Princípios Fundamentais. 5. ed. São
Paulo: Malheiros, 2013.
GARCIA, Emerson. A moralidade Administrativa e sua densificação. Revista de Informação
Legislativa, Brasília, ano 39, n. 155, p. 165, jul./set. 2002.
GASPARINI, Diogenes. Regime Constitucional dos Servidores Públicos. 2. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1992.
GASPARINI, Diogenes. Direito Administrativo. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 9. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2013.
JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 16. ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.
LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. Ética e Administração Pública. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 1993.
MAGALHÃES, Gustavo Alexandre. Contratação temporária por excepcional interesse público.
2. ed. São Paulo: Atlas, 2012.
MARINELA, Fernanda. Direito Administrativo. 8. ed. Niterói: Impetus, 2014.
MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. Lei nº 8.112/90 interpretada e comentada. 4. ed. Rio
de Janeiro: América Jurídica, 2008.
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 18. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2014.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 39. ed. São Paulo: Malheiros,
2013.
MELLO, Rafael Munhoz. Processo Administrativo, Devido Processo Legal e a Lei nº
9.784/99. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, 227, p. 83-104, jan./mar. 2002.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 28. ed. São Paulo: Atlas, 2012.
MOREIRA NETO, Diogo Figueiredo. Ética na Administração Pública. Ética no Direito e
na Economia. São Paulo: Pioneira, 1999.
OSÓRIO, Fábio Medina. Teoria da Improbidade Administrativa: má gestão pública,
corrupção, ineficiência. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.
PADIN, D. Cândido. Ética na Política: Código Internacional de Ética. In: Ética no Novo
Milênio. 3. ed. São Paulo: LTr, 2004.
ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Princípios Constitucionais da Administração Pública. Belo
Horizonte: Del Rey, 1994.
ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Princípios constitucionais dos servidores públicos. São
Paulo: Saraiva, 1999.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 324 10/03/2016 14:06:06


REFERÊNCIAS 325

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 35. ed. São Paulo: Malheiros,
2012.
STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil – Doutrina e Jurisprudência. 10. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.
TÁCITO, Caio. Acumulação de Cargos na Constituição do Brasil. Revista de Direito Público,
São Paulo, ano II, v. 7.
TÁCITO, Caio. Moralidade Administrativa. Revista de Direito Administrativo, Rio de
Janeiro, n. 218, p. 01-10, out./dez. 1999.
WILENSKY, Alfredo Héctor. Corrupção. O Direito, Lisboa, ano 139, n. 05.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 325 10/03/2016 14:06:06


Esta obra foi composta em fonte Palatino Linotype, corpo 10
e impressa em papel Offset 75g (miolo) e Supremo 250g (capa)
na Laser Plus Gráfica, em Belo Horizonte/MG.

Miolo_Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.indd 326 10/03/2016 14:06:06

Você também pode gostar