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É comum, nas escolas públicas e também nas escolas privadas, ao receberem alunos
para os Anos Finais do Ensino Fundamental (6º ao 9º ano), algumas queixas de professores a
respeito do perfil e desempenho das turmas de 6º ano. As reclamações normalmente giram em
torno de dificuldades e defasagem de aprendizagem, imaturidade, dificuldade dos alunos se
organizarem com a nova rotina pedagógico-escolar, entre outros.
Porém, tão comum quanto a reclamação dos educadores são as evidentes dificuldades
dos estudantes em se adaptarem às transformações que a transição entre infância e adolescência
traz, haja vista a potencialização da puberdade. Também se deparam com alterações
curriculares e pedagógicas na passagem da primeira para a segunda etapa do Ensino
Fundamental, em sua maioria conhecidas de modo estanque. Como afirma CAINELLI (2010,
p. 128):
A transição da quarta para quinta série ou sexto ano no Paraná é mediada por
mudanças significativas para os alunos. O sentimento de terminalidade de uma
etapa educacional é reforçado pelo modelo que impõe uma articulação
estado/município praticamente inexistente, tanto no âmbito administrativo
como no pedagógico.
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Graduada em História e no Curso Normal Superior pela UEPG; Especialista em Gestão Escolar e Mestranda do
Mestrado Profissional em Ensino de História – ProfHistória, ambos pela UEPG.
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Conforme Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental de noves anos (BRASIL, 2010), e a partir
do que explica TELLES (2015, p.10), o termo professor unidocente “[...] é utilizado na literatura sobre a docência
nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental para designar os professores que acumulam a tarefa de lecionar, para uma
turma, várias disciplinas curriculares previstas nesta etapa da educação escolar. São os professores regentes de
turma nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental”.
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Por isso mesmo, as experiências individuais dos alunos podem ser pontos de partida
para compreenderem sobre seu grupo social, bem como outros grupos de seu tempo e também
de outros tempos e espaços. De acordo com SIMAN (2003, p. 125), “[...] na medida em que
oferecemos às crianças oportunidades de tomada de consciência da historicidade da própria
vida – e de seu grupo de vivência – é que ela estará se iniciando no desenvolvimento do
pensamento histórico”.
Ainda assim, há que se reconhecer a complexidade, tanto para professores como para
alunos, acerca da tarefa de articular os diferentes conteúdos e objetivos da disciplina de História
em espaço escolar com a historicidade da vida dos alunos. Por conseguinte, vem à tona também
a necessidade de que o debate sobre o ensino de História escolar seja uma preocupação dos
historiadores, uma vez que se trata de espaço privilegiado e institucionalizado para a formação
histórica dos sujeitos, ainda que não seja o único.
Ao se refletir sobre a criança e seu entendimento sobre o tempo, impossível não voltar
o pensamento a Norbert Elias, em sua obra Sobre o tempo, onde o autor discorre sobre
sociedades onde o tempo não é “cristalizado sob a forma de conceitos reguladores que exijam
um nível de abstração” (1998, p.44). Porém, mesmo não fazendo uso de tais medições temporais
numéricas como “mês” e “ano”, estas sociedades se organizaram dentro de um tempo... um
tempo cíclico3, pautado na maioria das vezes nos fenômenos da natureza.
Ainda de acordo com Elias (1998, p.46) ao longo do desenvolvimento das sociedades
humanas, houve a necessidade de se definir “uma cronologia unitária e ordenada” que variava
de acordo com o crescimento ou declínio político de cada sociedade, ou seja, autoridades, sejam
clericais ou leigas, sempre determinaram tais organizações temporais de acordo com seus
interesses. A criação do calendário, assim como o relógio, são exemplos desse controle sobre o
tempo... o tempo cronológico.
Sendo, portanto, o tempo cronológico instrumento de trabalho do historiador,
consequentemente este também será seu aliado no trabalho de sala de aula, enquanto professor.
Quando o tempo é levado para discussão dentro dos muros da escola, seus vários sentidos se
misturam às noções temporais trazidas pelos alunos em suas vivências, cabendo ao professor
auxiliá-los na compreensão do tempo histórico.
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De acordo com Silva (2009, p.390) “Duas são as principais percepções filosóficas sobre o tempo: o tempo cíclico
e o tempo linear. O tempo cíclico é aquele em que o fim é sempre um novo começo.”
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Partindo da premissa trazida por Scaldaferri, entende-se que, para o aluno, o pensar
historicamente faz caminho entre a subjetividade da sua história pessoal e objetividade do
tempo histórico. Por este motivo, a autora afirma que “[...] é preciso que as atividades escolares
favoreçam a compreensão da noção de tempo em suas variadas dimensões, ou seja, o tempo
natural cíclico, o tempo biológico, o tempo psicológico, o tempo cronológico, etc.”
(SCALDAFERRI, 2008, p.56).
Mesmo diante da dificuldade de estabelecer tais relações, são durante as ações propostas
pelo professor que o aluno desenvolve o pensamento histórico e passa a dar sentido ao tempo.
Cainelli (2008, p.99) considera que:
Tendo em vista as reflexões acima expostas sobre o conceito de tempo e sua relação
com a aprendizagem da criança, Siman (2015, p.209) afirma que o tempo histórico não está
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PIAGET, Jean. Seis estudos de psicologia. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1989.
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além da compreensão das crianças pequenas e, que essa compreensão pode ser potencializada
ou não pelas condições de ensino.
Faz-se necessário ao aluno, de acordo com Bergamaschi (2000, p.7), reconhecer as
várias formas de pensar e sentir o tempo (o tempo métrico, o tempo da natureza, o tempo
geológico, o tempo das diferentes culturas, o tempo e o ritmo e a ordenação temporal para
diferentes pessoas, para diferentes atividades e instituições). A autora pondera sobre a utilização
desses conceitos em sala de aula e reforça a necessidade de problematizar as várias
temporalidades com os alunos, a fim de que possam questionar o próprio tempo e construir um
entendimento sobre o tempo histórico.
E de que forma, trazer essas relações de temporalidade para dentro da sala de aula?
Estudos realizados na área de ensino de História envolvendo os Anos Iniciais do Ensino
Fundamental, bem como a transição para os Anos Finais, vêm trazendo contribuições
importantes para a atuação docente. Portanto, buscando refletir sobre a questão acima, o qual
também diz respeito às condições de propor ações de aprendizagem que incentivem a formação
do pensamento histórico nos alunos do 6º ano do Ensino Fundamental, optou-se por aplicar
questionários que envolvessem justamente características inerentes ao entendimento de tempo
histórico, em especial as noções de simultaneidade, ordenação, sucessão, duração e mudança.
A fim de alcançar dados qualitativos que pudessem também ser mensurados em sua
dimensão quantitativa, foram elaboradas questões que visaram explicitar as noções já
mencionadas, utilizando-se como referencial duas linhas do tempo. Tais linhas do tempo
disponibilizadas aos alunos abarcaram: no caso da primeira, uma possível seleção de
acontecimentos marcantes sobre o desenvolvimento e etapas da vida de uma criança; e da
segunda, algumas informações sobre a história acumulada da humanidade.
De acordo com Bergamaschi (2000, p.8) é essencial que o aluno, no Ensino
Fundamental, construa noções temporais básicas a fim de se localizarem e se organizarem no
tempo, percebendo também seus vários ritmos e épocas. Por esse motivo é também essencial
que o professor, ao trabalhar com várias temporalidades em sala, implemente as ações didáticas
no sentido de abordar o tempo nas suas noções de duração, sucessão e simultaneidade, fazendo
com que as experiências individuais dos alunos possam ser inseridas na história coletiva.
A linha do tempo 1 (anexo 1) foi pensada no sentido de tratar da vida pessoal, apontando
fatos significativos da vida de uma criança com idade suficiente para estar cursando o 6º ano,
de modo que inicia no ano de seu nascimento e chega até a atualidade. A linha do tempo 2
(anexo 2) utiliza-se da divisão quadripartite da História, dando maior ênfase à cronologia e as
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Na pesquisa realizada por Tuma, Cainelli e Oliveira (2010), as autoras propõem “uma análise da progressão do
conhecimento no sentido da complexidade do pensamento histórico, com ênfase nos deslocamentos temporais.”.
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de alunos não utilizou apenas datas (cronologia) para se orientar no tempo, mas sim a
temporalidade presente nas narrativas.
Referente à utilização da linha do tempo, Miranda (2013, p.51) também colabora,
trazendo uma reflexão acerca dos elementos envolvidos na elaboração de uma linha do tempo,
pois pressupõe que o aluno compreenda o sentido de sucessão, de sequência, bem como os
sentidos de anterioridade e posterioridade. Por sua vez, a linha do tempo “[...] normalmente
compreendida somente no singular, pressupõe muitas linhas paralelas, o que ancora a
construção da compreensão de simultaneidade [...]”. (MIRANDA 2013, p.51)
Há que se admitir, por exemplo, que a ferramenta da linha do tempo, por mais contestada
que possa ser, tende a aparecer na maioria das publicações didáticas de História para o Ensino
Fundamental. É comum encontrarmos especialmente nos volumes dos livros didáticos
selecionados para o 6º ano, o primeiro capítulo ou a introdução do livro referente a divisão da
história em: Pré-história, História Antiga, Idade Média, História Moderna e História
Contemporânea. Especialmente nos volumes dedicados ao 6º ano há propostas para o trabalho
com algumas noções importantes para o entendimento histórico, como: tempo histórico, tempo
cronológico, sujeito histórico, função do historiador, fontes históricas, entre outros.
Pode-se concluir, portanto, que a linha do tempo, ainda é uma ferramenta que o professor
utiliza na sua prática cotidiana, especialmente em turmas de 6º ano, onde questões aqui já
elencadas, como o fato do tempo ainda ser um conceito abstrato a este aluno, fazem com que o
uso da linha como recurso metodológico se justifique.
Desse modo, ao mesmo tempo em que se desenrola a vida escolar da criança, a formação
do pensamento histórico não fica restrito aos aprendizados da disciplina de História e nem
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mesmo se restringe ao espaço escolar. Por sua vez, o entendimento de toda a complexidade
sobre a temporalidade histórica não chega ao fim de modo estanque quanto os anos escolares.
De acordo com Siman (2003, p. 119):
Por meio dos questionários propostos às turmas dos 6º anos na presente pesquisa, tanto
na escola privada quanto na pública, buscou-se articular o conhecimento prévio desses alunos.
Assim, deu-se atenção a percepção dos estudantes enquanto pertencentes a um contexto
histórico, bem como se procurou identificar relações entre a história ensinada e a respectiva
formação do pensamento histórico.
Ao analisar as questões, algumas respostas chamaram a atenção tanto por ir de encontro
às hipóteses levantadas na pesquisa ou quanto ao fato de irem além do que se esperava.
Referente à questão “a” do bloco 1 do questionário, quando os alunos foram indagados sobre
“o que mostra a linha do tempo 1?” (linha pessoal), 38 dos 44 alunos responderam dentro das
categorias6: vida, crescimento e desenvolvimento. Apenas 4 fizeram referências
exclusivamente às datas ou somente a acontecimentos isolados da linha do tempo. E só 2
crianças responderam de forma incompleta ou aleatória. Do total de 38 alunos que responderam
dentro das categorias vida, crescimento e desenvolvimento, 14 são da escola X e 24 da escola
Y. As crianças que responderem de forma incompleta ou aleatória, pertencem a escola Y.\
Na maioria das respostas referente a questão 1 “a” os alunos identificaram a
representação da linha do tempo pessoal e a relacionaram com situações de sua vivência:
“Ela mostra fatos principais da vida de um garoto.”
“A vida de um menino e as coisas mais importantes da vida dele.”
“Sobre uma criança.”
“A vida de uma criança.”
“Mostra a vida de uma pessoa desde que ele nasceu até 2017 que ele está no 6 ano.”
Já na questão “b”, ainda do bloco 1, a qual perguntou sobre o que a linha do tempo 2
mostrava (períodos da história), 15 alunos fizeram referência apenas a um período isolado,
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Categorias nomeadas dentro da presente pesquisa, com o objetivo de tabular os dados levantados nos questionários.
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A categoria “generalista” foi assim definida pela autora, por considerar as respostas dos alunos abordadas de forma
ampla, não especificando por exemplo os períodos da História.
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Referências:
BARCA, Isabel; GAGO, Marília. Aprender a pensar em História: um estudo com alunos
do 6º ano de escolaridade. Revista Portuguesa de Educação, vol. 14, núm. 1, 2001, pp. 239-
261. Universidade do Minho. Braga, Portugal
_______. SCHMIDT, Maria Auxiliadora. Ensinar história. São Paulo: Scipione, 2005.
LEE, Peter. Progressão da compreensão dos alunos em história. In: BARCA, I. Perspectivas
em educação histórica. Actas das Primeiras Jornadas Internacionais de Educação Histórica.
Braga: Centro de Estudos em Educação e Psicologia, Universidade do Minho, 2001. p. 13-27.
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REIS, José Carlos. Teoria & história: tempo histórico, história do pensamento
histórico ocidental e pensamento brasileiro. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2012.
TUMA, Magda Madalena; CAINELLI, Marlene Rosa; OLIVEIRA Sandra Regina Ferreira de.
Os Deslocamentos Temporais e a Aprendizagem da História nos Anos Iniciais do Ensino
Fundamental. Cadernos CEDES, v. 30, n. 82, 2010. p. 355-367.
ZARBATO, Jaqueline A. M. Os usos dos conceitos históricos pelas professoras das séries
iniciais. Anais Eletrônicos do IX Encontro Nacional dos Pesquisadores do Ensino de História.
Florianópolis. Abril/2011.
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TELLES, Michele Rotta. Professores dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental e suas
ideias sobre história e ensino de história. Dissertação de Mestrado. Universidade Estadual de
Ponta Grossa. Ponta Grossa: 2015.
ANEXO 3: questionário