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TÓPICOS EM LIBRAS:

SURDEZ E INCLUSÃO

autoras
GABRIELA MAFFEI MOREIRA
TATIANA PALAZZO

1ª edição
SESES
rio de janeiro  2017
Conselho editorial  roberto paes e paola gil de almeida

Autoras do original  gabriela maffei moreira / tatiana palazzo

Projeto editorial  roberto paes

Coordenação de produção  paola gil de almeida, paula r. de a. machado e aline


karina rabello

Projeto gráfico  paulo vitor bastos

Diagramação  ulisses vittori

Revisão linguística  bfs media

Imagem de capa  © Percent | Dreamstime.com

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida
por quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em
qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora. Copyright seses, 2017.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)

M838t Moreira, Gabriela Maffei


Tópicos em Libras: Surdez e Inclusão. / Gabriela Maffei Moreira;
Tatiana Palazzo.
Rio de Janeiro: SESES, 2017.
120 p: il.

isbn 978-85-60923-52-6

1. Libras. 2. Educação. 3. Inclusão. I. Palazzo, Tatiana.


II. Título. III. Estácio.
cdd 419.03

Diretoria de Ensino — Fábrica de Conhecimento


Rua do Bispo, 83, bloco F, Campus João Uchôa
Rio Comprido — Rio de Janeiro — rj — cep 20261-063
Sumário
Prefácio 5

1. Caminhos Históricos da Educação de Surdos 7


Antiguidade 10

Idade Média 12

Idade Moderna Até o Século XXI 12

Início da Educação de Surdos no Brasil 19

As primeiras citações legais 20

Leis internacionais e a inclusão 21

A legislação educacional no Brasil e a surdez 24

2. Questões Clínicas da Surdez e as Nomenclaturas 31


Características Clinícas da Surdez 32

Nomenclaturas e surdez: qual a importância em diferenciar surdos e


deficientes auditivos? 39

3. Comunicação, Línguas Orais e de Sinais 45


Comunicação 46

Comunicação Oral 48

Língua de sinais 49

Diferenças entre Línguas Orais e de Sinais 52

Oralismo 53

Comunicação Total 55

Bilinguismo: L1 e L2 58
4. Atendimentos Educacionais Especializados (AEE)
para Surdos e Deficientes Auditivos 65
Os atendimentos educacionais especializados (AEE) para surdos ontem
e hoje. 66
A escola de surdos 71

O ensino de língua portuguesa para surdos 73

Os Intérpretes de Libras e a Inclusão de Surdos 76

5. Iniciando o Conhecimento e o Aprendizado da


Língua de Sinais 81
Definições importantes para o aprendizado da libras 82

O que devemos observar para iniciar o aprendizado 83

Composição da língua de sinais 90

Por onde começar a aprender libras 96

Software de dicionário de libras 104

O msn para o surdo 105

Telefone para surdos (TS) 106

Legenda em televisão (closed-caption) 107

Projeto tlibras – tradutor português x libras (língua brasileira de sinais) 108

Ouvido biônico – implante coclear 109


Prefácio

Prezados(as) alunos(as),

Aqui você estudará temas que envolvem a inclusão social e educacional, os


direitos humanos e as possibilidades de tecno-logias assistivas junto às pessoas com
necessidades especiais.
Esse livro está estruturado em cinco capítulos. O capítulo 1, intitulado
“Caminhos históricos da educação de surdos” nos levará a uma viagem na história,
para compreendermos os movimentos que marcaram a luta das pessoas com ne-
cessidades especiais. O capítulo 2, chamado de “Questões clínicas da Surdez e
as Nomenclaturas”envolve as características clínicas da surdez e a diferença entre
surdos e deficientes auditivos. O capítulo 3, “Comunicação, Línguas Orais e de
Sinais” traz o estudo da área de Comunicação, Língua de sinais e Orais, Oralismo,
Comunicação Total e Bilinguismo. O capítulo 4, “Atendimentos educacionais es-
pecializados (AEE) para surdos e deficientes auditivos” discutirá as possibilidades
de atendimentos especializados, bem como a importância dos intérpretes. Por fim,
o capítulo 5, “Iniciando o conhecimento e o aprendizado da língua de sinais” traz
as definições importantes para o aprendizado da libras, a composição da língua de
sinais e as possibilidades de acessibilidade a partir das tecnologias assistivas.

Vamos caminhar?

Bons estudos!

5
1
Caminhos
Históricos da
Educação de Surdos
Caminhos Históricos da Educação de Surdos
Prezado aluno, no módulo sobre Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), você
terá conhecimento da área da surdez. O objetivo é mostrar como ocorreu a edu-
cação das pessoas com surdez até chegarmos ao século XXI, trabalhando em busca
de um espaço bilíngue.
A Educação neste início de milênio tem como prioridade o processo ensino-
-aprendizagem dentro de um sistema que vê no respeito à diversidade o caminho
para um futuro mais democrático, a fim de refletir uma educação de qualidade
para todos. As pessoas são diferentes em vários níveis: intelectual, econômico,
cultural, entre outros. A inclusão de todas as pessoas, em todos os seus graus e
a conscientização dos alunos e professores no respeito às diferenças é a meta da
educação do século XXI. Imbernón (2001,p.79) diz que:

[...] a diversidade não pode ser entendida como uma simples ação que facilita a apren-
dizagem dos alunos com ritmos diferentes de maturidade, não é unicamente a apre-
sentação de estratégias didáticas alternativas para estimular os alunos desmotivados,
não é apenas a incorporação das ferramentas educativas adequadas para cada reali-
dade acadêmica individual, a atenção à diversidade deve ser entendida como a acei-
tação de realidades plurais, como uma ideologia, como uma fórmula de ver a realidade
social defendendo ideais democráticos e justiça social.

A inclusão deveria estar baseada no que Freire (1996,p.139) aponta:

[...] é preciso desenvolver novas formas de linguagem crítica que nos permitam, por um
lado, desvelar o currículo oculto e, por outro, descobrir outras maneiras de ver o mundo
e a Educação. Nesse sentido precisamos analisar o progresso de uma maneira não li-
near nem monolítica, mas integrando outras identidades sociais, outras manifestações
culturais da vida cotidiana e outras vozes secularmente marginalizadas.

Pensar na educação das pessoas com necessidades educacionais especiais,


como os surdos, faz com que seja necessário estudar a história, as filosofias de
comunicação (oralismo, comunicação total e bilinguismo), algumas definições
quanto às nomenclaturas “surdo” e “deficiente auditivo”, as diferenças entre as
línguas orais e de sinais, entre outros, para que se entenda como atualmente está
organizada a linguística da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), enfoque princi-
pal desta disciplina.

capítulo 1 •8
Durante muito tempo, as pessoas com surdez tiveram sua formação baseada
nas línguas orais, mas, com o passar do tempo, percebeu-se que a língua de si-
nais que este grupo utilizava era uma língua/idioma, com características próprias
(gramática, semântica, sintaxe e morfologia), sendo esta a língua materna para os
surdos e a língua oficial do país, a segunda.
Atualmente, uma das principais discussões é como alfabetizar no segundo
idioma, o português; este assunto será abordado, porém seu aprofundamento fi-
cará para um próximo estudo, pois antes precisamos conhecer, respeitar e acei-
tar a LIBRAS como língua/idioma oficial utilizado por alunos, cidadãos, pessoas
surdas. Nesta disciplina, buscaremos trazer conhecimentos específicos quanto a
educação, língua e inclusão das pessoas com surdez.
Para melhor entender as mudanças na formação oferecida às pessoas com
surdez, é necessário saber a trajetória percorrida, para que hoje, no século XXI,
tenhamos um ensino baseado na língua de sinais e a opção de a educação ser em
escolas comuns.
Vamos voltar no tempo e conhecer as principais concepções que existiam
quanto a “ser surdo” e suas possibilidades sociais, educacionais e legais, sempre
contextualizando as questões mundiais, as influências religiosas e as tendências
políticas.
Podemos citar o que Darwin dizia quanto à evolução do homem e de todos
os animais que vivem hoje: eles passaram por um processo de seleção natural
constante e severo e depois desta seleção sobreviveram os mais aptos, para viver
segundo as condições de vida do meio e da época em que existiam. Era uma guerra
pela existência, em que somente os “melhores” sobreviviam.
Com a evolução surgiram dúvidas, questionamentos e incertezas quanto a
tudo que rodeava as pessoas: questões sobre a vida, a morte, enfim, como se dava
a formação da sociedade.
No próximo capítulo, iniciaremos o nosso estudo de como foi a educação dos
surdos desde a Antiguidade até os dias atuais. Vamos fazer uma viagem no tempo!
Além disso, estudaremos as principais legislações da área, nacional e internacional.

OBJETIVOS
•  Conhecer os percursos, as barreiras e as dificuldades impostas às pessoas com surdez
da Antiguidade até o século XXI, para que hoje possamos pensar no paradigma de inclusão.

capítulo 1 •9
Antiguidade

Na Antiguidade, a deficiência era vista como incapacidade; as pessoas não


podiam produzir nem eram livres para “cuidar” de suas vidas.
Segundo Perlin (2002,p.16):

A história dos surdos é escrita pela história da educação e a história da educação


dos surdos foi sempre contada pelos ouvintes. É natural que muitos surdos tenham
se apropriado dela como se fosse verdade absoluta e a tenha absorvido exatamente
como lhes foi dito, isto é, que eles eram deficientes, menos válidos, incapazes [...].

No livro da lei dos hebreus (século XIII a.C) a Torá, podia-se ler: “[...]quem
dá a boca ao homem? Quem o torna mudo ou surdo, capaz de ver ou cego? Não
sou Eu, Javé?” (Êxodo, IV:11).
“— Ser surdo e ser mudo é a vontade do Senhor e, por isso, que pode o homem fazer?”
A deficiência era justificada pela religião, por castigo. Consequentemente, não
se prestava atendimento educacional e social. O deficiente nem mesmo participa-
va da família como um de seus membros.
Entretanto, no século V a.C, Sócrates (470-399 a.C) já afirmava que os surdos
tinham que usar o gesto e a pantomima para se comunicarem.
Sócrates, em 360 a.C, fez a seguinte reflexão: “Se não tivéssemos voz nem
língua, mas apesar disso desejássemos manifestar coisas uns para os outros, não
deveríamos, como as pessoas que hoje são mudas, empenhar-nos em indicar o
significado pelas mãos, pela cabeça e por outras partes do corpo?”
©© WIKIMIDIA

Sócrates e Platão

capítulo 1 • 10
Naquela época, nascer surdo era visto como uma punição dos deuses. Para
Aristóteles (384-322 a.C), a falta da audição fazia com que o aprendizado fos-
se comprometido ou mesmo nem ocorresse. Também, segundo ele, era inútil
o Estado investir na educação da pessoa surda, pois “o pensamento é impossí-
vel sem a palavra”. Sêneca faz uma das citações mais drásticas quanto a nascer
com deficiência:

Matam-se cães quando estão com raiva; exterminam-se touros bravios; cortam-se as
cabeças das ovelhas enfermas para que as demais não sejam contaminadas; matamos
os fetos e os recém-nascidos monstruosos; se nascerem defeituosos e monstruosos
afogamo-os, não devido ao ódio, mas à razão, para distinguirmos as coisas inúteis das
saudáveis. (SÊNECA apud SILVA, 1986, p. 129)
©© WIKIMEDIA

Aristóteles

Em Roma, aqueles que nasciam surdos eram privados de seus direitos legais,
além de não poderem participar de testamentos. Eles nem mesmo tinham au-
tonomia para desenvolver seus negócios, necessitando ter um curador, segundo
Guarinello (2007). Influenciados pelo povo grego, viam os surdos como seres
imperfeitos. Era comum lançarem as crianças surdas (especialmente as pobres) ao
rio Tibre, para que fossem cuidadas pelas ninfas.

capítulo 1 • 11
Naquela mesma época, em função de suas limitações, os deficientes eram vis-
tos pela Igreja Católica como seres com “almas imortais”, pois não conseguiam
verbalizar os sacramentos. São Paulo (Epístola aos Romanos, X:17), tendo dito
que “a fé deriva da pregação e a pregação é o anúncio da palavra”, também negou
aos surdos-mudos o direito à religião, aos sacramentos e mesmo à salvação da
alma, isso já no século I.

Idade Média
©© WIKIMIDIA

Na sociedade medieval, havia posturas contraditórias em relação às pessoas


com deficiência: a igreja cuidava delas e fazia caridade; os nobres as usavam como
“bobos da corte”.
Com o Cristianismo (400 d.C.), a Igreja Católica passou a ter o poder políti-
co. A Antiguidade foi um período de exclusão; na Idade Média, com o monarquis-
mo, houve a ascensão da Igreja Católica, que trouxe o assistencialismo.
Os surdos eram considerados inaptos à educação e ao sacerdócio. Somente
eram respeitados juridicamente se falassem e casavam-se apenas com a permissão
do papa.

Idade Moderna Até o Século XXI

No século XVI, a deficiência passou a ser concebida e a ser tratada por meio da
alquimia, da magia e da astrologia, métodos da incipiente medicina.

capítulo 1 • 12
Naquela época surgiram os asilos e os hospitais psiquiátricos, com o objetivo
não de tratar, mas de segregar as pessoas com qualquer tipo de deficiência. “Tais
instituições eram pouco mais do que prisões”, segundo Aranha (2001, p.165).
Durante os séculos XVII e XVIII, nos hospitais, houve grande desenvolvi-
mento no atendimento às pessoas com deficiência. Havia assistência especializada
em ortopedia para os mutilados das guerras e para pessoas cegas e surdas.
Percebia-se o investimento de alguns médicos e educadores para mostrar que
as pessoas com deficiência poderiam ter uma vida acadêmica e se comunicar.
De acordo com Carvalho (2007), Bartolo della Marca d’Ancona (1314-1357),
escritor italiano, foi o primeiro a expor a possibilidade de o surdo ser ensinado por
meio da língua oral ou da “língua gestual”.
©© WIKIMEDIA

Podemos citar o médico Girolano Cardano, que afirmou que os surdos po-
deriam ser ensinados – ele passou a se interessar pela surdez porque seu primo-
gênito era surdo. Nessa mesma época, Pedro Ponce de Leon, monge beneditino
espanhol, iniciou um trabalho educacional com surdos da elite, com o objetivo
de “[...] ensinar a falar, escrever, ler, fazer contas, orar e confessar pelas palavras, a
fim de ser reconhecidos como pessoas nos termos da lei e herdar seus títulos [...]”
(GUARINELLO, 2007, p.21).

capítulo 1 • 13
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Monge Pedro Ponce de Leon

Na França, Laurent Joubert escreveu sobre surdos. Para ele, a habilidade existe
em qualquer criança, surda ou com audição perfeita, ou mesmo naquelas que
possam adquirir a surdez com o tempo. Segundo ele, a criança com deficiência
auditiva aprenderia a falar mesmo sem ouvir.
Sabe-se que, na Europa, as mudanças na postura em relação aos deficientes
continuaram ocorrendo. Na Espanha, Juan Pablo Bonet publicou, em 1620, a
primeira obra impressa sobre a educação de deficientes auditivos: Reducción de las
letras y artes para enseñar a hablar a los mudos (Redução das letras e artes para en-
sinar os mudos a falar). Nessa obra levantaram-se questões sobre as causas da defi-
ciência auditiva e dos problemas da comunicação oral, foi citada a idade ideal para
as crianças surdas serem educadas (de 6 a 8 anos) e também a fala era ensinada por
meio de alfabeto digital, leitura e gramática. Mesmo usando sinais, percebe-se que
o objetivo educacional da época era a oralidade.
Em seu método, Bonet apresentava o alfabeto manual (datilologia) no ensino
da leitura e da escrita. Entretanto, apesar do uso da datilologia, ele era radicalmen-
te contra o uso da língua gestual.

capítulo 1 • 14
WIKIMIDIA

Já na Inglaterra, em 1644, o médico John Bulwer publicou Chironomia, or the


art of manuall rhetorique, em que apresenta e defende sua teoria de que a lingua-
gem das mãos é natural para todos os homens, principalmente para pessoas com
surdez. (CABRAL,2001)
Um dos maiores educadores da história de surdos foi Charles Michel de
L’Épée, conhecido como Abbé de L’Épée, que publicou Instruction de sourds et
muets par la voix des signes méthodiques (1776). Ele fundou, em Paris, a primeira
escola pública para surdos, que tinha o objetivo de que os surdos aprendessem a
ler e a escrever.
L’ Épée iniciou o seu trabalho na educação de surdos ao substituir seu pro-
fessor (falecido), que lecionava para duas crianças (gêmeas) surdas. Observou a
comunicação gestual existente entre as duas irmãs, interessou-se em aprendê-la e
buscou sistematizar o ensino desses sinais (sinais realizados na gramática do fran-
cês): sinalizava com uma das mãos enquanto escrevia na lousa com a outra mão.

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Houve algumas tentativas em mudar o conceito e tratamento das pessoas de-


ficientes como Jacob Rodrigues Pereira, em 1747, na tentativa de ensinar surdos
congênitos a se comunicar, essas “[...]tentativas foram tão bem sucedidas que es-
timulou a busca de formas para lidar com outras populações, especialmente a de
pessoas com deficiência mental.” (ARANHA, 2001, p.166)
Simultaneamente aos avanços feitos pelo Abade de L’Épée, Samuel Heinike
(1778) dirigiu, em Leipzig (Alemanha), uma escola de ensino exclusivamente oral
para surdos, rejeitando todos os outros métodos, que ele qualificava de inúteis e
fraudulentos. Segundo Cabral (2001), ambos os educadores criaram uma polêmi-
ca quanto aos métodos de ensino, que ficaram conhecidos como método francês
e método alemão.
Em 1872, no Congresso de Veneza, foi decido que: o meio humano para a
comunicação do pensamento é a língua oral; se orientados, os surdos leem os lá-
bios e falam; a língua oral tem vantagens para o desenvolvimento do intelecto, da
moral e da linguística.
No I Congresso Internacional sobre a Instrução dos Surdos-Mudos, em 1878,
em Paris, concordou-se que só a instrução oral poderia incluir o surdo na socie-
dade e que o método articulatório, que abrange a leitura labial, devia ser a base de
todo o trabalho educacional.

capítulo 1 • 16
O oralismo, ou filosofia oralista, usava a integração da criança surda à comunidade de
ouvintes, dando-lhe condições de desenvolver a língua oral (no caso do Brasil, o por-
tuguês). O oralismo percebe a surdez como uma deficiência que deve ser minimizada
através da estimulação auditiva. (GOLDFELD, 1997, p. 30 e 31)

No II Congresso Mundial, em Milão (1880), foram estabelecidas duas resolu-


ções que mudariam toda a história por 100 anos: declarou-se a superioridade in-
contestável da fala para incorporar os surdos-mudos à vida social e considerou-se
que a utilização simultânea dos gestos e da oralidade é prejudicial, pois dificulta
a fala, a leitura labial e a precisão das ideias. O Congresso declarou que o método
oral puro era ideal para a educação dos surdos. Essas recomendações foram acei-
tas por vários países, como Alemanha, Itália, França, Inglaterra, Suécia e Bélgica.
Somente o grupo americano, liderado por Edward Gallaudet, foi contrário à deci-
são. Nesse evento, dos 255 participantes, só três eram surdos.
Em 1808, Jean-Marc Itard apresentou, na Faculdade de Medicina, as me-
mórias Sur les moyens de rendre la parole aux sourds-muets e Sur les moyens de
rendre l’ouïe aux sourds-muets. O seu método se baseia no treino da detecção
e da discriminação dos sons, depois das vogais e das consoantes. Os alunos de-
viam aprender a ler e a escrever, acedendo depois às palavras e às frases simples.
Entretanto, em 1821 ele reconsiderou a sua posição anterior, afirmando que a lín-
gua gestual é a língua natural dos surdos e pode proporcionar as mesmas vantagens
da linguagem falada.
Em 1815, o americano Thomas Hopkins Gallaudet foi à Europa conhecer os
diferentes métodos de educação para surdos. No ano seguinte, voltou aos Estados
Unidos com Laurent Clerc, um dos primeiros professores surdos, para auxiliá-lo
na fundação de uma escola.
©© WIKIMÉDIA


Thomas Hopkins Gallaudet

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Gallaudet University: primeira universidade para surdos no mundo.

Também nos EUA, na cidade de Boston, em 1872, Alexander Graham Bell


abriu uma escola oralista para professores de surdos. Registrou a patente do te-
lefone em 1873. Propôs a eliminação das escolas residenciais e a proibição do
magistério aos professores surdos e do casamento entre surdos.
De acordo com Carvalho (2007), durante a Segunda Guerra Mundial, os
nazistas perseguiram todos os surdos, principalmente os judeus, defendendo seu
extermínio. Praticava-se o aborto e a eutanásia em bebês com surdez. Eram con-
denados à morte as crianças encaminhadas a centros especiais (onde os pais acredi-
tavam estar enviando seus filhos para a cura) e os adultos institucionalizados – os
quais Hitler autorizou direcionar para a câmara de gás e, depois, permitiu retirar
os órgãos deles para experiência.
Percebendo-se a necessidade de organizar a educação e os rumos a serem to-
mados mundialmente quanto à comunicação das pessoas com surdez, foi fundada
a Federação Mundial de Surdos (WFD), em Roma, em 1951.
Com os estudos feitos em 1967 por Roy Holcomb, introduziu-se a expressão
Total Communication como filosofia de comunicação, e não como um método,
associando novamente oralidade e sinais.

capítulo 1 • 18
Temos como uma das definições para essa filosofia de comunicação:

A filosofia da Comunicação Total tem como principal preocupação os processos co-


municativos entre surdos e surdos e entre surdos e ouvintes. Essa filosofia também
se preocupa com a aprendizagem da língua oral pela criança surda, mas acredita que
os aspectos cognitivos, emocionais e sociais não devem ser deixados de lado em prol
do aprendizado exclusivo da língua oral. Por esse motivo, esta filosofia defende a uti-
lização de recursos espaço-visuais como facilitadores da comunicação. (GOLDFELD,
1997, p. 35)

Um dos primeiros países a reconhecer oficialmente a língua gestual como lín-


gua nativa dos surdos foi a Suécia, em 1983.

Início da Educação de Surdos no Brasil

No Brasil, a história da educação de surdos teve início em 26 de setembro de


1857, quando se criou o Imperial Instituto dos Surdos-Mudos, pela lei nº 839,
esta tinha sua comunicação baseada no método combinado. Essa instituição foi
fundada durante o Império de D. Pedro II, com a chegada do professor francês
Hernest Huet, que era surdo. O Instituto era um asilo, onde só se aceitavam sur-
dos do sexo masculino, que vinham de todos os pontos do país, sendo que muitos
eram abandonados pelas famílias naquele local. Inicialmente, utilizava-se a língua
dos sinais, mas em 1911 adotou-se o oralismo como forma de comunicação.

CONEXÃO
Instituto Nacional de Educação de Surdos, localizado no Rio de Janeiro, com mais de
150 anos de trabalho oferecido na área da surdez. É referência nacional e tem atualmente
um curso de graduação Bilíngue de Pedagogia, oPrimeiro Curso de Graduação Bilíngue
(Português/Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS). Para conhecer melhor esse trabalho,
acesse: http://www.ines.gov.br/

O estado de São Paulo tem algumas das mais antigas escolas para surdos do
Brasil, como a fundada, em 1929, pelo Bispo Dom Francisco de Campos Barreto,
o Instituto Santa Terezinha, na cidade de Campinas/SP, com atendimento para
meninas. O Instituto foi, em 1933, transferido para São Paulo e, a partir de 1970,

capítulo 1 • 19
ele passou a atender meninos e meninas surdas. No final da década de 1970, che-
gou ao Brasil a filosofia da Comunicação Total.
Outra instituição de grande importância foi fundada em 1954, o Instituto
Educacional de São Paulo (IESP), que em 1969 passou a ser chamado de
DERDIC, vinculado à Pontifícia Universidade Católica (PUC)/SP. Atualmente, é
referência nacional nos estudos desenvolvidos na área de surdez.
Para que se organizassem melhor tanto as questões legais como as questões
educacionais brasileiras em relação às pessoas com surdez, em 1987 foi criada a
FENEIS (Federação Nacional de Educação e Integração de Surdos).
Todos os atuais documentos mundiais falam da importância e da aceita-
ção da língua de sinais como meio de comunicação dos surdos. Podemos citar a
Declaração de Salamanca, de 1994, que traz no seu conteúdo:

[...] importância da língua gestual como meio de comunicação entre os surdos [...] deve-
rá ser reconhecida e garantir-se-á que os surdos tenham acesso à educação na língua
gestual do seu país.

CONEXÃO
Agora vamos assistir ao vídeo Orquestra de sinais, que mostrará o processo de inclusão
de uma criança no Brasil em uma escola infantil e pública.
Disponível em www.dominiopublico.gov.br

Atualmente, trabalhamos com um sistema bilíngue para surdos, mas, para


que se pudesse entender como se chegou a esta definição, era necessário ter co-
nhecimento do processo educacional por que passaram as pessoas com surdez até
hoje, século XXI, quando a LIBRAS é reconhecida como um idioma e, como tal,
pode ser estudado e entendido como aquisição de uma língua, que tem estruturas
sintáticas, semânticas e morfológicas próprias.

As primeiras citações legais

Quanto a sociedade já caminhou, quantas injustiças as pessoas já sofreram e


quantas morreram pelo preconceito, pela busca da perfeição humana?

capítulo 1 • 20
Na Declaração Universal dos direitos do Homem (ONU, 1948), podemos
ler: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos.
Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito
de fraternidade”. Toda essa discussão foi iniciada com o advento do cristianismo,
que clamava pela igualdade entre os homens.
© WIKIMEDIA

A história mostra que, desde a Antiguidade, já existiam alguns indícios de


leis que proibiam a escravatura e aceitavam a liberdade religiosa. Na Roma antiga
havia o conceito de direito à cidadania a todos os romanos.

Leis internacionais e a inclusão

Na Declaração Universal de Direitos Humanos e na Declaração Mundial so-


bre Educação para Todos, tem assegurado o direito de toda criança à educação.
Em 1990, houve na Tailândia, em Jomtien, a Conferência Mundial de
Educação para Todos. Poderíamos imaginar que, na década de 1990, a realidade
mundial fosse menos crítica, porém o que se conhecia na época é:

mais de 100 milhões de crianças, das quais pelo menos 60 milhões são meninas, não
têm acesso ao ensino primário;
mais de 960 milhões de adultos – dois terços dos quais são mulheres – são analfa-
betos, e o analfabetismo funcional é um problema significativo em todos os países
industrializados ou em desenvolvimento;

capítulo 1 • 21
mais de um terço dos adultos do mundo não tem acesso ao conhecimento impresso,
às novas habilidades e tecnologias, que poderiam melhorar a qualidade de vida e aju-
dá-los a perceber e a adaptar-se às mudanças sociais e culturais; e
mais de 100 milhões de crianças e incontáveis adultos não conseguem concluir o ciclo
básico, e outros milhões, apesar de concluí-lo, não conseguem adquirir conhecimentos
e habilidades essenciais.

A Declaração de Salamanca foi uma assembleia cujo tema principal foi a


Educação Especial. Realizou-se em 1994, na Espanha. Nessa declaração, temos
como premissas que:

toda criança tem direito fundamental à educação e deve ser dada a ela a oportunidade
de atingir e manter o nível adequado de aprendizagem;
– toda criança possui características, interesses, habilidades e necessidades de apren-
dizagem que são únicas,
– sistemas educacionais deveriam ser designados e programas educacionais deveriam
ser implementados no sentido de se levar em conta a vasta diversidade de tais carac-
terísticas e necessidades;
– aqueles com necessidades educacionais especiais devem ter acesso à escola regu-
lar, que deveria acomodá-los dentro de uma Pedagogia centrada na criança, capaz de
satisfazer a tais necessidades;
– escolas regulares que possuam tal orientação inclusiva constituem os meios mais
eficazes de combater atitudes discriminatórias, criando-se comunidades acolhedoras,
construindo uma sociedade inclusiva e alcançando educação para todos; além disso,
tais escolas proveem uma educação efetiva à maioria das crianças e aprimoram a
eficiência e, em última instância, o custo da eficácia de todo o sistema educacional.
(BRASIL,2010)

CONEXÃO
Para se ter acesso a Declaração de Salamanca, basta visitar o site http://portal.mec.gov.
br/seesp/arquivos/pdf/salamanca.pdf

Os objetivos da Educação para Todos vieram para trazer mais igualdade e dig-
nidade para todos (crianças, jovens e adultos) no acesso à escola e consequentemen-
te ao ensino-aprendizagem. Podemos citar também: respeito e desenvolvimento

capítulo 1 • 22
da herança cultural, linguística e espiritual, defender a causa da justiça social, de
proteger o meio ambiente e trabalhar a diversidade de sistemas sociais, políticos e
religiosos e o enriquecimento dos valores culturais e morais comuns.
Na Declaração de Salamanca temos itens que reforçam as necessidades de
algumas deficiências, como as sensórias.

19. Políticas educacionais deveriam levar em total consideração as diferenças e situa-


ções individuais. A importância da linguagem de signos como meio de comunicação
entre os surdos, por exemplo, deveria ser reconhecida e provisão deveria ser feita no
sentido de garantir que todas as pessoas surdas tenham acesso à educação em sua
língua nacional de signos. Devido às necessidades particulares de comunicação dos
surdos e das pessoas surdas/cegas, a educação deles pode ser mais adequadamente
provida em escolas especiais ou classes especiais e unidades em escolas regulares.

Realmente essa declaração foi um marco na Educação Especial, mostrando


que mudanças deveriam ocorrer para que as pessoas com deficiência conseguissem
realmente se desenvolver, mostrando suas habilidades e competências.
Em 2001, a Convenção da Guatemala, Convenção da Organização dos
Estados Americanos, discutiu e firmou um documento sobre a Eliminação de
Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência.

CONEXÃO
Para se ter conhecimento na integra da Convenção da Guatemala acesse:
http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/guatemala.pdf

O objetivo da Convenção da Guatemala era “prevenir e eliminar todas as for-


mas de discriminação contra as pessoas portadoras de deficiência e propiciar a sua
plena integração à sociedade.” Nesse mesmo documento temos algumas definições:

O termo “deficiência” significa uma restrição física, mental ou sensorial, de natureza


permanente ou transitória, que limita a capacidade de exercer uma ou mais atividades
essenciais da vida diária, causada ou agravada pelo ambiente econômico e social.
2. Discriminação contra as pessoas portadoras de deficiência
a) o termo “discriminação contra as pessoas portadoras de deficiência” significa toda di-
ferenciação, exclusão ou restrição baseada em deficiência, antecedente de deficiência,

capítulo 1 • 23
consequência de deficiência anterior ou percepção de deficiência presente ou passa-
da, que tenha o efeito ou propósito de impedir ou anular o reconhecimento, gozo ou
exercício por parte das pessoas portadoras de deficiência de seus direitos humanos e
suas liberdades fundamentais.
b) Não constitui discriminação a diferenciação ou preferência adotada pelo Estado
Parte para promover a integração social ou o desenvolvimento pessoal dos portado-
res de deficiência, desde que a diferenciação ou preferência não limite em si mesma
o direito à igualdade dessas pessoas e que elas não sejam obrigadas a aceitar tal
diferenciação ou preferência. Nos casos em que a legislação interna preveja a declara-
ção de interdição, quando for necessária e apropriada para o seu bem-estar, esta não
constituirá discriminação.

A legislação educacional no Brasil e a surdez

Pela primeira vez temos, na LDB/61, a citação de um título referente à edu-


cação das pessoas com deficiência, que na época eram chamados de excepcionais
(Título X – Da Educação de Excepcionais).
A atual LDB (Lei 9394/96) tem agora um capítulo voltado para a educa-
ção especial (Capítulo V – Da Educação Especial). Há também a Resolução
nº 2, de 11 de setembro de 2001, que regulamenta várias ações com relação à
Educação Especial.
Agora vamos conhecer alguns artigos desta resolução para entender as mudan-
ças ocorridas nesta modalidade de atendimento:

Art. 2º Os sistemas de ensino devem matricular todos os alunos, cabendo às escolas


organizar-se para o atendimento aos educandos com necessidades educacionais es-
peciais, assegurando as condições necessárias para uma educação de qualidade para
todos.
Art. 3º Por educação especial, modalidade da educação escolar, entende-se um pro-
cesso educacional definido por uma proposta pedagógica que assegure recursos e
serviços educacionais especiais, organizados institucionalmente para apoiar, comple-
mentar, suplementar e, em alguns casos, substituir os serviços educacionais comuns,
de modo a garantir a educação escolar e promover o desenvolvimento das poten-
cialidades dos educandos que apresentam necessidades educacionais especiais, em
todas as etapas e modalidades da educação básica.

Nesses dois artigos vemos que a matrícula do aluno com necessidades especiais
deve ocorrer na escola regular e esta tem que garantir os recursos e os profissionais
necessários para que o aluno consiga se desenvolver, como solicita a educação para

capítulo 1 • 24
todos. Não se pode vincular ao direito da matrícula a existência dos profissionais,
uma vez que não se pode negar vaga em função de uma deficiência. Outra infor-
mação importante é que agora se entende a educação especial como modalidade
de atendimento; ela é vista como suporte para que o aluno avance na educação
básica, em salas regulares, como é dito na educação inclusiva.
A Resolução nº2 também define quem é a clientela de alunos com necessida-
des educacionais especiais, como cita o artigo 5º:

I – dificuldades acentuadas de aprendizagem ou limitações no processo de desenvol-


vimento que dificultem o acompanhamento das atividades curriculares, compreendidas
em dois grupos:
a) aquelas não vinculadas a uma causa orgânica específica;
b) aquelas relacionadas a condições, disfunções, limitações ou deficiências;
II – dificuldades de comunicação e sinalização diferenciadas dos demais alunos, de-
mandando a utilização de linguagens e códigos aplicáveis;
III – altas habilidades/superdotação, grande facilidade de aprendizagem que os leve a
dominar rapidamente conceitos, procedimentos e atitudes.

Conhecer a clientela não é para facilitar a exclusão; pelo contrário, é para


auxiliar a organização das políticas públicas quanto aos recursos e às adaptações
necessários para o processo de inclusão educacional e social.
Na área da surdez, temos a Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002, regulamen-
tada pelo Decreto nº 5.626/05, relacionado com a Língua de Brasileira de Sinais
(LIBRAS), língua reconhecida a partir de 2002 como materna da comunidade surda.

Art. 1º É reconhecida como meio legal de comunicação e expressão a Língua Brasilei-


ra de Sinais - Libras e outros recursos de expressão a ela associados.
Parágrafo único. Entende-se como Língua Brasileira de Sinais – Libras a forma de
comunicação e expressão, em que o sistema linguístico de natureza visual-motora,
com estrutura gramatical própria, constituem um sistema linguístico de transmissão de
ideias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil.
Art. 2º Deve ser garantido, por parte do poder público em geral e empresas conces-
sionárias de serviços públicos, formas institucionalizadas de apoiar o uso e difusão da
Língua Brasileira de Sinais – Libras como meio de comunicação objetiva e de utilização
corrente das comunidades surdas do Brasil.
Art. 3º As instituições públicas e empresas concessionárias de serviços públicos de as-
sistência à saúde devem garantir atendimento e tratamento adequado aos portadores
de deficiência auditiva, de acordo com as normas legais em vigor.

capítulo 1 • 25
Art. 4º O sistema educacional federal e os sistemas educacionais estaduais, municipais
e do Distrito Federal devem garantir a inclusão nos cursos de formação de Educação
Especial, de Fonoaudiologia e de Magistério, em seus níveis médio e superior, do en-
sino da Língua Brasileira de Sinais - Libras, como parte integrante dos Parâmetros
Curriculares Nacionais - PCNs, conforme legislação vigente.
Parágrafo único. A Língua Brasileira de Sinais - Libras não poderá substituir a modali-
dade escrita da língua portuguesa.

Analisando a lei, percebemos que ela vem ao encontro do que já estudamos,


quando aceita e reconhece a L1 dos surdos como a língua de sinais e a L2 a língua
oficial escrita, como são os parâmetros da educação bilíngue.
Em 2005 foi aprovado o decreto 5626, que regulamenta a lei de 2002 e tem
em um dos seus capítulos:

Capítulo II
Da inclusão da libras como disciplina curricular
Art. 3o A Libras deve ser inserida como disciplina curricular obrigatória nos cursos de
formação de professores para o exercício do magistério, em nível médio e superior, e
nos cursos de Fonoaudiologia, de instituições de ensino, públicas e privadas, do siste-
ma federal de ensino e dos sistemas de ensino dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
§ 1o Todos os cursos de licenciatura, nas diferentes áreas do conhecimento, o curso
normal de nível médio, o curso normal superior, o curso de Pedagogia e o curso de
Educação Especial são considerados cursos de formação de professores e profissio-
nais da educação para o exercício do magistério.
§ 2o A Libras constituir-se-á em disciplina curricular optativa nos demais cursos de
educação superior e na educação profissional, a partir de um ano da publicação deste
Decreto.

Os atendimentos educacionais especializados (AEE) também são regulamen-


tados pela legislação por meio do Decreto nº 6.571, de 17 de setembro de 2008.

§ 1º Considera-se atendimento educacional especializado o conjunto de atividades,


recursos de acessibilidade e pedagógicos organizados institucionalmente, prestado de
forma complementar ou suplementar à formação dos alunos no ensino regular.

Em 2010 foi sancionada a lei 12319, que regulamenta a profissão dos intér-
pretes de língua de sinais fazendo com que agora possam ser criados os cargos

capítulo 1 • 26
para a presença constante destes profissionais em locais públicos para auxiliarem a
comunicação dos surdos.
Enfim, podemos perceber que temos uma legislação muito rica, mas será que
é efetiva? É de conhecimento de todos? Na prática ela é viável? É importante que
cada município conheça e se adapte às leis para que possamos realmente ter uma
Educação para Todos na prática, e não somente no papel.

ATIVIDADES
01. Vamos testar os conhecimentos adquiridos. Julgue verdadeiras (V) ou falsas (F) as as-
sertivas a seguir.
( ) Aristóteles acreditava que os surdos poderiam ser educados.
( ) Em 1815, o americano Thomas Hopkins Gallaudet foi à Europa conhecer os diferen-
tes métodos de educação para surdos. No ano seguinte, voltou aos Estados Unidos
com Laurent Clerc, um dos primeiros professores surdos, para auxiliá-lo na criação de
uma escola.
( ) A primeira instituição para surdos criada no Brasil data de 1875, em São Paulo.
( ) Sócrates, já na Antiguidade, percebia que a comunicação dos surdos necessitava
dos gestos.
( ) Na Idade Média, surdos eram considerados inaptos à educação e ao sacerdócio. So-
mente eram respeitados juridicamente se falassem e casavam-se apenas com a permis-
são do papa.
( ) O II Congresso Mundial, em Milão (1880), declarou que a língua ideal para os surdos se
desenvolverem era a língua de sinais.
( ) O Abade Charles de L’Épée criou a primeira escola pública para surdos na França.
( ) Na Alemanha, foi criado o método alemão, por Samuel Heinike, que aceitava o uso
dos sinais.

02. Faça uma análise dos últimos 10 anos e da legislação com relação à área da surdez.

03. Fale resumidamente sobre a Convenção da Guatemala e a Declaração de Salamanca,


os avanços e o que está sendo feito efetivamente.

04. Para concluir nosso estudo, responda: Inclusão é legislação ou atitude?

capítulo 1 • 27
REFLEXÃO
Neste capítulo iniciamos uma contextualização dos caminhos árduos percorridos pelas
pessoas com surdez, seja na família, seja na escola ou na sociedade. A questão central sem-
pre foi a aceitação da diferença.
Em cada época, em função de crenças e de objetivos políticos e econômicos, vimos a for-
ma como eram tratados aqueles que tinham alguma deficiência. Alguns entendiam a morte
como salvação, outros se deixavam viver, mas em condições subumanas, e, por fim, eles não
tinham os seus direitos garantidos nem eram tidos como membros da sociedade.
O uso da oralidade e da língua de sinais os conflitos para aceitar qual seria a melhor
forma dos surdos se comunicarem e se desenvolverem educacionalmente e na área social,
foram os grandes embates vistos na historia, porem também foi observado que na maioria
das discussões e tomadas de decisões os surdos pouco participavam ou eram indagados
das suas opiniões.
É importante que o mundo esteja discutindo as necessidades reais da educação para
todos que compõem a nossa sociedade, uma educação que dê condições para que qualquer
pessoa receba um ensino de qualidade e que forme este aluno para buscar seu espaço no
mercado de trabalho e no ensino superior.

LEITURA
CAIADO, Katia Regina Moreno; LAPLANE, Adriana Lia Friszman de. Programa Edu-
cação inclusiva: direito à diversidade - uma análise a partir da visão de gestores de um
município-polo. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pi-
d=S1517-97022009000200006&lng=pt&nrm=iso>.
LACERDA, C.B.F. Um pouco da história das diferentes abordagens na educa-
ção dos surdos. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pi-
d=S0101-32621998000300007&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 29/05/2011.
MAZZOTTA, Marcos J. Silveira. Educação especial no Brasil: história e políticas públi-
cas. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2005.
Essa obra mostra toda a trajetória da educação especial no Brasil, indicando as principais
instituições que foram base para o atendimento educacional das pessoas com deficiência.
Com essa trajetória, também se mostra o processo de segregação até a discussão da dife-
rença entre integração e inclusão.

capítulo 1 • 28
MRECH ,Leny Magalhães. Os desafios da educação especial, o plano nacional de
educação e a universidade brasileira. Disponível em: <http://www.educacaoonline.pro.
br/index.php?option=com_content&view=article&id=98:os-desafios-da-educacao-espe-
cial-o-plano-nacional-de-educacao-e-a-universidade-brasileira&catid=6:educacao-inclusi-
va&Itemid=17>.
SACKS, O. Vendo vozes: uma viagem ao mundo dos surdos. São Paulo: Companhia das
Letras, 1998.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARANHA, M.S. Paradigmas da relação da sociedade com as pessoas com deficiência. Revista
do Ministério Público do Trabalho, Ano XI, no. 21,março, 2001, pp. 160-173.
BRASIL. Congresso Nacional. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB n.º 9.394, de
20 de dezembro de 1996. Diário Oficial da União, 23 de dezembro de 1996.
GUGEL, Maria aparecida Gugel. Pessoas com Deficiência e o Direito ao Trabalho. Florianópolis :
Obra Jurídica, 2007.
SOARES, M.A.L. A Educação do surdo no Brasil. Editora Autores Associados, 2002. 2. ed.
_______Decreto nº4176, de março de 2002. Regulamenta a Lei Federal nº10436, de 24 de abril de
2002, que dispõe sobre a língua brasileira de sinais – LIBRAS. Disponível em: <http://www.mec.gov.
br/seesp/leis>.
______. Lei nº 10845, de 5 de março de 2004. Institui o Programa de Complementação ao
Atendimento Educacional Especializado às Pessoas Portadoras de Deficiência. Brasília. Disponível em:
<http://www.mec.gov.br/seesp/leis> .
______.Declaração de Salamanca (1994).Disponível em: <http: //www.mec.gov.br/seesp/leis> .

capítulo 1 • 29
capítulo 1 • 30
2
Questões Clínicas
da Surdez e as
Nomenclaturas
Questões Clínicas da Surdez e as
Nomenclaturas

Neste capítulo, conversaremos sobre o que é a surdez e como ocorrem as le-


sões. Entenderemos como a surdez é dividida, quais são seus graus e como isso
interfere na vida diária.
Percebe-se que, no decorrer da história, muitas nomenclaturas foram sendo
alteradas, e na área da surdez não foi diferente. Será explicado se existe realmente
necessidade dessas mudanças ou se somente são sinônimos. Antes de compreender
os tipos de comunicação que são utilizados pela comunidade de surdos, é funda-
mental entender como essa deficiência ocorre e quais são as consequências para a
vida familiar, escolar e social.
Neste capítulo, conheceremos a audição humana e entenderemos como o som
é processado. Também serão discutidas as questões referentes às nomenclaturas,
bem como se existem diferenças ou são apenas sinônimos.

OBJETIVOS
•  Conhecer questões clínicas ligadas à surdez, desmistificando várias nomenclaturas
e definições.

Características Clinícas da Surdez

A audição é medida em decibéis (db), que é a unidade de medida referente à


intensidade de sons. Uma audição normal está entre 0 e 25 db e, quanto maior for
o número de decibéis, maior será a perda auditiva.
Vamos conhecer como é o caminho percorrido pelo som para que possamos
ouvir ou mesmo entender em qual parte pode ter ocorrido um problema que
poderá levar à surdez.

capítulo 2 • 32
Ouvido Ouvido
Ouvido Externo
Médio Interno

Canal
Osso
semicircular
temporal Estribo
Martelo Janela
oval Nervo
auditivo

Pavilhão
Auditivo Cóclea

Canal
Auditivo Timpano
externo Bigorna
Trompa de
Lenticular Eustáquio

(2) que vibra os A base do estribo


ossiculos ( 3 ) transmite a vibração
para dentro do líquido

( 1 ) O som chega pelo e a onda se propaga


meato, vibra o tímpano fazendo a
(4)
membrana basilar
ressonar de acordo

a propagação da
( 5 ) sai cóclea para a
trompa de Eustáquio

Agora que entendemos como é o processo para que possamos ou-


vir, fica mais fácil ter cuidado para não lesionar alguma região do ouvido.
Devemos ficar atentos a infecções no ouvido médio (otite).
Continuando o estudo da audição e do que pode causar a surdez, entendere-
mos a importância do período de aquisição da linguagem, que é fundamental para
a organização dos atendimentos às crianças surdas.

capítulo 2 • 33
A aquisição está dividida em pré-lingual, ou seja, ocorreu antes da aquisição da
linguagem, ou pós-lingual, que ocorreu depois da aquisição da linguagem. Saber
esses dados auxilia na organização das formas de comunicação, oral ou gestual.

Curiosidade
O ouvido é dividido em três partes: externo, médio e interno.Ouvido externo: é formado
pela orelha e pelo canal auditivo, com a membrana timpânica no fundo do canal. Ouvido
médio: nele estão os três ossículos (martelo, bigorna, estribo) e a abertura da tuba au-
ditiva. Ouvido interno: também chamado de labirinto, é formado pelo aparelho vestibular
(equilíbrio) e pela cóclea (audição).
A diminuição da audição (surdez) produz redução na percepção de sons e dificulta a
compreensão das palavras.
©© DAROLYN / DREAMSTIME.COM

Marchesi (1997) constatou que quase 100% de um segmento significativo


de adolescentes que haviam perdido a audição após os três anos de idade tinham
desenvolvido uma linguagem interna. Tal afirmativa deve-se ao fato de que, tendo
perdido a audição após essa idade, a criança já havia tido uma dominância cerebral
consolidada, o que lhe permitiu o registro da experiência auditiva.
De acordo com Araujo (2005, p.244):

Como, até os três primeiros anos de vida, a organização das funções neurológicas está
se fazendo, a competência linguística é demasiadamente frágil. As crianças que ficam
surdas nesse período, considerado pré-linguístico, fase em que não está estruturada
ainda a linguagem dos ouvintes, não deixam de poder desenvolver uma linguagem a
fim de se comunicar, porém isso ocorre com uma estruturação diferente.

capítulo 2 • 34
Com essas informações, fica evidente o quanto é fundamental sabermos a
época em que ocorreu a surdez.
A surdez pode ser dividida em dois grandes grupos (BRASIL, 2006):

CONGÊNITAS O indivíduo já nasceu surdo.

ADQUIRIDAS O indivíduo perde a audição no decorrer da sua vida.

As causas da surdez estão divididas em três grupos:

surdez causada por fatores genéticos e hereditários, doenças ad-


quiridas pela mãe na época da gestação (rubéola, toxoplasmose,
PRÉ-NATAIS citomegalovírus) e exposição da mãe a drogas ototóxicas (medi-
camentos que podem afetar a audição).

frequentemente causada por parto prematuro, anóxia cerebral


(falta de oxigenação no cérebro logo após o nascimento) e trauma
PERINATAIS de parto (uso inadequado de fórceps, parto excessivamente rápi-
do, parto demorado).

doenças adquiridas pelo indivíduo ao longo da vida, como meningi-


te, caxumba, sarampo. Além do uso de medicamentos ototóxicos,
PÓS-NATAIS outros fatores também têm relação com a surdez, como avanço da
idade e acidentes.

De acordo com o local onde ocorreu a lesão, têm-se características distintas:

Quando está localizada no ouvido externo e/ou no ouvido


médio; as principais causas deste tipo são as otites, rolha
de cera, acúmulo de secreção que vai da tuba auditiva
CONDUTIVA para o interior do ouvido médio, prejudicando a vibração
dos ossículos (geralmente aparece em crianças frequen-
temente resfriadas). Na maioria dos casos, essas perdas
são reversíveis após tratamento.

Quando a alteração está localizada no ouvido interno (na


cóclea ou em fibras do nervo auditivo). Esse tipo de lesão
NEUROSSENSORIAL é irreversível; as causas mais comuns são a meningite e
a rubéola materna.

capítulo 2 • 35
Quando a alteração auditiva está localizada no ouvido
externo e/ou médio e ouvido interno. Geralmente ocor-
MISTA re devido a fatores genéticos, determinantes de má
formação.

A alteração pode se localizar desde o tronco cerebral


CENTRAL até às regiões subcorticais e córtex cerebral. (BRASIL,
2006, p.16)

As características da surdez dependem do tipo e da gravidade do problema que


a causou. De acordo com o grau da surdez, podem-se observar as características
que esta perda traz para o indivíduo.
Uma criança com perda leve pode apresentar dificuldade em entender men-
sagens, sobretudo com palavras de uso pouco frequente, não identifica total-
mente os sons produzidos com voz ciciada, tem melhor percepção quando utili-
za uma prótese auditiva e pode apresentar pequenas dificuldades articulatórias.
Normalmente, essas crianças são consideradas muito distraídas.
©© GAVRIL BERNAD / DREAMSTIME.COM

Perda leve

Já a criança com uma perda auditiva moderada só identifica palavras produzi-


das com elevação de voz; é necessária a colocação de uma prótese auditiva para que
ela consiga perceber os sons; pode não conseguir acompanhar uma discussão em
grupo; a articulação é bastante imprecisa e a linguagem expressiva oral apresenta-
-se limitada. Existe a necessidade de estas crianças usarem próteses auditivas – elas
necessitam de treino auditivo e de grande estimulação da linguagem.

capítulo 2 • 36
©© OTNAYDUR / DREAMSTIME.COM

Perda auditiva moderada

Quando a criança apresenta perda severa, ela consegue ouvir apenas os sons
próximos; só consegue perceber algumas palavras se estas forem amplificadas, e o
processo de aquisição da linguagem oral não é feito de forma espontânea. Elas não
podem dispensar do uso das próteses e, na maioria das vezes, utilizam a língua de
sinais para se expressar, bem como para compreender os outros.
©© MICU MIRCEA / DREAMSTIME.COM

Perda auditiva severa

A deficiência auditiva profunda faz com que a criança não consiga perceber
a fala através da audição, mas ela pode perceber sons altos e vibrações e apresenta
muitas limitações para a aquisição da linguagem oral. Deve ser ensinada à criança
a língua de sinais.
©© PHARTISAN / DREAMSTIME.COM

Perda auditiva profunda

capítulo 2 • 37
O quadro a seguir é um resumo dos graus da surdez. É importante lembrar
que podem existir diferenças na abordagem feita por alguns autores, mas adotare-
mos em nossos estudos os dados que se seguem.

26 a 40 db
©© VLADIMIR VORONIN / DREAMSTIME.COM

Dificuldade para ouvir o som do ti-


LEVE que-taque do relógio ou uma conver-
sação sussurrada (cochicho).

41 a 70 db
Dificuldade para ouvir uma voz fra-
©© ANDRAS CSONTOS / DREAMSTIME.COM

ca ou o canto de um pássaro e para


MODERADA participar de discussões em sala.
Usa AASI (aparelho de amplificação
sonora individual).

71 a 90 db
©© WIKIMEDIA

Dificuldades para ouvir o telefone to-


SEVERA cando ou os ruídos das máquinas de
escrever num escritório.

Acima de 91 db

Dificuldades para ouvir o caminhão,


©© WIKIMEDIA

PROFUNDA o som na discoteca, o ruído de um


avião decolando.

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), 1,5% da população dos


países em desenvolvimento têm problemas relativos à audição, e a surdez, em seus
diversos graus, atinge 10% da população mundial.

capítulo 2 • 38
Nomenclaturas e surdez: qual a importância em diferenciar surdos e
deficientes auditivos?

Podemos pensar “o surdo” partindo de duas definições distintas: uma clínica


e outra sócio-antropológica.
Na visão clínica, enfatiza-se a perda da audição. Skliar (1997, p.45) cita:

[...] o surdo é considerado uma pessoa que não ouve e, portanto, não fala. É definido
por suas características negativas; a educação se converte em terapêutica, o objetivo
do currículo escolar é dar ao sujeito o que lhe falta: a audição, e seu derivado: a fala.

O autor citado também define:

Medicalizar a surdez significa orientar toda a atenção à cura do problema auditivo, à


correção de defeitos da fala, ao treinamento de certas habilidades menores, mais que
a interiorização de instrumentos culturais significativos, como a língua de sinais. E sig-
nifica também opor e dar prioridade ao poderoso discurso da medicina frente à débil
mensagem da pedagogia.

Entretanto, podemos pensar um indivíduo surdo capaz e uma surdez não


como fim. Assim define Sánchez (1998, p.51):

A surdez não é uma doença que necessita de cura, mas é uma condição que deve ser
aceita. Os surdos não são inválidos que precisam de reabilitação. Eles são membros de
uma comunidade linguística minoritária que deve ser respeitada e possuem o direito
inalienável de receber sua educação nesta língua.

Capovilla (1998, p.1543) também relata o antagonismo da terminologia sur-


do, baseado nestes dois posicionamentos, sendo que a:

[...] posição médica que considera a surdez como um problema a ser resolvido e o surdo
como portador de uma deficiência a ser curada, há posição antropológica que conside-
ra a surdez como uma peculiaridade humana e o surdo como portador de uma cultura
e uma língua própria a serem respeitadas.

Tomando o conceito de surdez enquanto construção social, e não como falta


biológica, conseguimos visualizar possibilidades educacionais, sociais, mas é de

capítulo 2 • 39
fundamental importância reconhecer que é por meio da língua de sinais que essas
pessoas conseguem realmente participar do mundo, expressando seus desejos e
suas vontades e assumindo realmente seu papel na sociedade.
As questões de nomenclatura sempre são colocadas é de fundamental impor-
tância conhecer como se define tecnicamente, segundo Sassaki (2005):

[...] deficiência auditiva é a “perda parcial ou total bilateral, de 25 (vinte e cinco) decibéis
(db) ou mais, resultante da média aritmética do audiograma, aferida nas frequências
de 500HZ, 1.000HZ, 2.000Hz e 3.000Hz” (art. 3º, Resolução nº 17, de 8/10/03, do
CONADE – Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência.Po-
rém em 2/12/04, o Decreto nº 5.296, de 2/12/04, alterou de 25 decibéis para 41
decibéis, a definição de Deficiência Auditiva.

Uma das definições que poderíamos adotar é a que coloca os surdos como pes-
soas que utilizam a comunicação espaço-visual como principal meio de conhecer
o mundo, em substituição à audição e à fala. Eles são usuários da língua de sinais;
sua audição não é funcional na vida comum. Para o hipoacústico (deficiente au-
ditivo), a audição, ainda que deficiente, é funcional com ou sem prótese auditiva.
©© VLADIMIR MUCIBABIC / DREAMSTIME.COM

Surdo

capítulo 2 • 40
Marques (1998) define que o surdo compreende o mundo pelo visual.

Este apresenta um pensamento plástico que atravessa ideias e comportamentos atra-


vés de uma linguagem que existe pelas imagens e representações mentais que infor-
mam a percepção, de acordo com características intelectivas próprias. A visualidade
é o principal canal de processamento de esquemas de pensamento que propicia a
aquisição, construção e expressão de conhecimento, valores e vivências que levam a
uma concepção de mundo muito particular. A linguagem visual para o sujeito surdo é
a sistematização e produto de seu desenvolvimento cognitivo e histórico, tornando-se
instrumento para a formulação de generalizações que facilitem a transição da reflexão
sensorial espontânea para o pensamento racional através do uso dos signos.(MAR-
QUES,1998 apud DALCIN,2005,p.13)

Para a educação, é de fundamental importância o tipo de comunicação que a


pessoa com surdez utiliza, não somente para que assim se possa garantir a presença
dos intérpretes de LIBRAS nas escolas, mas também para se organizarem os aten-
dimentos educacionais em LIBRAS e de LIBRAS.
Uma reflexão que poderia ser feita é que talvez o mais importante não seja como
é chamada a pessoa com surdez, mas como se lida com a deficiência, pois estaríamos
discutindo principalmente o preconceito que pode haver por trás das palavras.

ATIVIDADES
Para reforçar nosso estudo vamos associar:

1. Perda leve ( ) até 25db

2. Perda moderada ( ) 71 a 90db

3. Perda severa ( ) 41 a 70db

4. Perda profunda ( ) 26 a 40db

5. Audição normal ( ) acima de 91db

01. Qual a definição, de acordo com a sócio-antropologia, de surdo e deficiente auditivo?

02. O que uma criança com perda auditiva moderada consegue perceber auditivamente?

capítulo 2 • 41
REFLEXÃO
Neste capítulo, o objetivo foi mostrar um pouco da deficiência auditiva, suas causas, ca-
racterísticas e necessidades mais elementares. É importante pensarmos que qualquer pes-
soa pode vir a ser surda se cuidados não forem tomados para a sua saúde auditiva.
Durante a vida, temos a oportunidade de perceber e ter o prazer de ouvir vários sons
distintos, como sons dos pássaros, uma música, até mesmo o barulho dos carros, das bu-
zinas, enfim, podemos perceber o mundo à nossa volta por meio dos sons. Nossa atenção
é guiada, muitas vezes, pelo sentido da audição. Para muitos, o silêncio incomoda; imagine
nunca ter escutado, nem seu nome, nem a mãe chamando, como seria entender o mundo
sem esse sentido?
Talvez valha a pena citar Helen Keller, que escreveu um texto chamado “Três dias para
ver”. Depois faça uma reflexão:

Várias vezes pensei que seria uma bênção se todo ser humano, de repente, ficasse
cego e surdo por alguns dias no princípio da vida adulta. As trevas o fariam apreciar
mais a visão e o silêncio lhe ensinaria as alegrias do som.
De vez em quando testo meus amigos que enxergam para descobrir o que eles veem.
Há pouco tempo perguntei a uma amiga que voltava de um longo passeio pelo bosque
o que ela observara. “Nada de especial”, foi a resposta.
Como é possível, pensei, caminhar durante uma hora pelos bosques e não ver nada
digno de nota? Eu, que não posso ver, apenas pelo tacto encontro centenas de objetos
que me interessam. Sinto a delicada simetria de uma folha. Passo as mãos pela casca
lisa de uma bétula ou pelo tronco áspero de um pinheiro. Na primavera, toco os galhos
das árvores na esperança de encontrar um botão, o primeiro sinal da natureza desper-
tando após o sono do inverno. Por vezes, quando tenho muita sorte, pouso suavemente
a mão numa arvorezinha e sinto o palpitar feliz de um pássaro cantando.
[...] Eu, que sou cega, posso dar uma sugestão àqueles que veem: usem seus olhos
como se amanhã fossem perder a visão. E o mesmo se aplica aos outros sentidos.
Ouça a música das vozes, o canto dos pássaros, os possantes acordes de uma or-
questra, como se amanhã fossem ficar surdos. Toquem cada objeto como se amanhã
perdessem o tacto. Sintam o perfume das flores, saboreiem cada bocado, como se
amanhã não mais sentissem aromas nem gostos. Usem ao máximo todos os sentidos;
gozem de todas as facetas do prazer e da beleza que o mundo lhes revela pelos vários
meios de contacto fornecidos pela natureza.

capítulo 2 • 42
LEITURA
SASSAKI,R.K. Terminologia sobre deficiência na era da inclusão. Disponível em
<http://www.educacaoonline.pro.br/index.php?option=com_content&view=article&i-
d=69:terminologia-sobre-deficiencia-na-era-da-inclusao&catid=6:educacao-inclusiva&Ite-
mid=17>.
___________. Nomenclatura na área da surdez. Disponível em <http://www.educa-
caoonline.pro.br/index.php?option=com_content&view=article&id=69:terminologia-sobre-
-deficiencia-na-era-da-inclusao&catid=6:educacao-inclusiva&Itemid=17>.

No primeiro texto, o autor discute que pensar na perspectiva da educação inclusiva nos
remete também a pensar na mudança de alguns vocabulários para que melhor se encaixem
quando se referem a determinados grupos de pessoas. No segundo material, ele pontua a
área da surdez e desmistifica vários nomes. Também devemos tomar cuidado para não rotu-
lar as pessoas, pois elas têm a deficiência, não são a deficiência.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Saberes e práticas da inclusão: desenvolvendo competências para o atendimento às
necessidades educacionais especiais de alunos surdos. 2. ed. SEESP/MEC. Brasília: MEC, 2006.
BUENO, J.G.S. Surdez, linguagem e cultura. Cad. CEDES, vol.19, nº46, Campinas, set/1998.
SACKS, O. Vendo vozes. São Paulo: Cia. das Letras, 1998.

capítulo 2 • 43
capítulo 2 • 44
3
Comunicação,
Línguas Orais
e de Sinais
Comunicação, Línguas Orais e de Sinais
Neste capítulo, discutiremos as diferenças entre as duas línguas: oral e gestual.
Também será mostrado como os sinais passaram, com o tempo, a terem carac-
terísticas de língua/idioma.
Muitas pessoas acreditam que a língua de sinais é universal, o que é um gran-
de equívoco. Cada país tem a sua língua e tem marcas fortes de sua cultura e na
maneira como percebem o mundo.
As línguas orais têm diferenças de um município para o outro; as línguas de
sinais também.
Vale lembrar a citação do psiquiatra surdo norueguês Terje Basilier:

Quando eu aceito a língua de outra pessoa, eu aceito a pessoa...Quando eu rejeito a


língua, eu rejeito a pessoa porque a língua é parte de nós mesmos... Quando eu aceito
a Língua de Sinais, eu aceito o surdo, e é importante ter sempre em mente que o sur-
do tem o direito de ser surdo. Nós não devemos mudá-los, devemos ensiná-los, mas
temos que lhes permitir ser surdo.

No capítulo 3, estamos falando sobre o foco principal, que é a comunicação. É


por meio da comunicação que as pessoas se relacionam, expressam seus sentimen-
tos, enfim, mantêm contato com o mundo que as rodeia.

OBJETIVOS
•  Compreender a importância da comunicação tanto oral como gestual.

Comunicação

Antes de iniciarmos o estudo das línguas orais e gestuais, vamos pensar a res-
peito da comunicação, que é a base do nosso estudo.
Comunicação vem do latim communicatio, que quer dizer “atividade realiza-
da conjuntamente”, pois a palavra tem este significado religioso:

No mosteiro aparecera uma prática que recebeu o nome de communicatio, que é o ato
de “tomar a refeição da noite em comum”, cuja peculiaridade era evidentemente não

capítulo 3 • 46
recair sobre a banalidade do ato de “comer”, mas de fazê-lo “juntamente com os ou-
tros”, reunindo então aqueles que se encontravam isolados. A originalidade dessa práti-
ca fica por conta dessa ideia de “romper o isolamento”, e nisto reside a diferença entre
a communicatio eclesiástica e o simples jantar da comunidade primitiva. Não se trata,
pois, de relações sociais que naturalmente os homens desenvolvem, mas de uma certa
prática, cuja novidade é dada pelo plano de fundo do isolamento. Daí a necessidade
de se forjar uma nova palavra, para exprimir novidade dessa prática. (HOHLFELDT,
MARTINO, FRANÇA, 2007, p.13)

Ou seja, como diz Vanoye (2003, p.1), “[...] toda comunicação tem por obje-
tivo a transmissão de uma mensagem”, que traz a ideia mais simples de conversa,
do diálogo entre duas ou mais pessoas (emissor é quem produz a mensagem –
receptor é quem recebe a mensagem), e isso pode ocorrer de várias maneiras por
gestos, fala, escrita, meios de comunicação etc.
A comunicação estabelece uma relação com alguém ou com alguma coisa e
através desta relação ocorrem as modificações, pois vivemos em sociedade.
Sabe-se que a comunicação nasceu na pré-história, como forma de expressão
que ocorria por meio de desenhos nas paredes das cavernas, depois retorna na in-
venção da escrita pelos sumérios, em 3.500 a.C. e assim por diante a comunicação
vai se desenvolvendo com as sociedades, pois tem varias funções que são lhe atri-
buídas através de mensagens como informar, persuadir, convencer, prevenir e etc.
Durante este capítulo, estudaremos alguns tipos de comunicação, porque toda
comunicação envolve um comportamento social, principalmente a linguagem,
que vai nos ajudar a entender melhor como ocorrem as interações entre alunos
com e sem deficiência nesse processo de inclusão, pois a linguagem é tida como
um processo fundamental para os homens.
A comunicação humana é um processo que envolve a troca de informações;
ela tem os sistemas simbólicos como suporte para este fim. Existe uma infinidade
de maneiras de se comunicar: oralmente ou por meio de gestos e de mensagens
enviadas utilizando-se as redes sociais, bem como a escrita, que permite interagir
com as outras pessoas e efetuar algum tipo de troca informacional.
Para a semiótica, o ato de comunicar é a materialização do pensamento/sen-
timento em signos conhecidos pelas partes envolvidas. Estes símbolos são trans-
mitidos e reinterpretados pelo receptor. Hoje, é interessante pensar também em
novos processos de comunicação, que englobam as redes colaborativas e os sis-
temas híbridos, que combinam comunicação de massa, comunicação pessoal e
comunicação horizontal.

capítulo 3 • 47
Para entendermos o que é língua, devemos começar conhecendo a palavra-
-chave da linguística bakhtiniana, que é diálogo. Só existe língua onde há possibi-
lidade de interação social, dialogal. A língua é um trabalho empreendido conjun-
tamente pelos usuários, é uma atividade social, é enunciação.
©© SVITLANA10 / DREAMSTIME.COM

A língua, para Bakhtin, remete-nos a um sistema de referências produzido


histórica e socialmente nas relações interativas.
E é no sentido bakhtiniano que se pode entender a pessoa com surdez como
sujeito produtor de sistemas simbólicos, constituída de consciência, linguagem e
pensamento, cuja(s) língua(s) em uso é (são) sistema(s) de referência, social e his-
toricamente produzido(s) nas relações interativas/ nas relações dialógicas. Isso nos
leva a sustentar que os sujeitos surdos se constituem nesse processo, interagindo
com os outros, com seus interlocutores; seu conhecimento de mundo resulta desse
processo.

Comunicação Oral

A comunicação, como já foi visto, pode ser oral, gestual, corporal ou escrita.
Inicialmente, é importante definir que comunicação oral é:

[...] uma modalidade de divulgação científica realizada através da exposição verbal de


tempo variável, com ou sem auxílio de recursos audiovisuais e amplificadores de voz.
O recurso predominantemente utilizado é, portanto, o próprio corpo do expositor, par-
ticularmente a sua fala, seus gestos, expressões faciais, direcionamento do olhar e
postura. (CARMO, PRADO, 2005, p.2)

capítulo 3 • 48
As pessoas geralmente utilizam da oralidade para se comunicar e para isso
utilizam a língua para expressar o que sentem e pensam. A fala é forma dominan-
te de comunicação e expressão social, sendo o vínculo de compreensão entre os
seres humanos.
Segundo Vanoye (2000, p. 209), existem três aspectos que compreendem a
comunicação oral: fisiológico, que é a variação de frequência (de altura), de inten-
sidade e de periodicidade das ondas sonoras; psicolinguístico, que é o estudo da
língua enquanto conjunto de segmentos conhecidos e reconhecidos; psicológico,
que é vinculado aos problemas de atenção e personalidade.
©© TORSTEN SCHON / DREAMSTIME.COM

Esses aspectos acontecem quando a comunicação oral passa do aparelho fona-


dor ao ouvido humano.
Para que a comunicação oral ocorra bem, ela precisa ser adaptada à necessida-
de do interlocutor, para que a mensagem seja transmitida sem interrupções, a fim
de que o receptor possa entendê-la.
E existem dois tipos de comunicação oral:

Quando emissor e receptor podem variar seus papéis.


COM INTERCÂMBIO Exemplo: diálogo conversa.

Quando só o receptor fala. Exemplo: aula expositiva,


SEM INTERCÂMBIO discurso.

Para terminar, destaca-se a importância da comunicação oral na sociedade e


“[...] enfatizar a importância do emissor e do receptor, visto que são os sujeitos da
comunicação.” (KREUZ, 2003, p.3)

Língua de sinais

As línguas surgem pela comunicação e pela interação de determinado grupo


de pessoas, podendo ser oral ou por meio dos sinais. Ambas possuem estruturas
que possibilitam, segundo Brito (2008):

capítulo 3 • 49
[...] a expressão de qualquer conceito – descritivo, emotivo, racional, literal, metafórico,
concreto, abstrato, enfim – permite a expressão de qualquer significado decorrente da
necessidade comunicativa e expressiva do ser humano.

O linguista William Stokoe, em 1950, comprovou o status linguístico da lín-


gua de sinais, afirmando que ela satisfazia todos os critérios linguísticos de uma
língua genuína, no léxico, na sintaxe e na capacidade de gerar infinitas combina-
ções a partir de três partes independentes (localização, configuração de mãos de
movimento executado) análogas aos fonemas da fala (SACKS, 1998).
No Brasil, as pesquisas sobre a Língua Brasileira de Sinais tiveram início em
1981, quando a linguista Lucinda Ferreira-Brito apresentou o bilinguismo na área
da surdez.
É de 1873 a publicação do mais importante documento encontrado até hoje
sobre a Língua Brasileira de Sinais, o Iconographia dos signaes dos surdos-mudos,
de autoria do aluno surdo Flausino José da Gama, com ilustrações de sinais sepa-
rados por categorias (animais, objetos, etc), que estudava no Instituto de Surdos e
Mudos do Rio de Janeiro.
Em 1969, houve a primeira tentativa de registrar a língua de sinais falada
no Brasil. Foi publicado por Eugênio Oates o dicionário Linguagem das mãos.
Segundo Ferreira Brito (1993), apresentava um índice de aceitação por parte dos
surdos de 50% dos sinais listados.
Pessoas que ouvem falam diferentes línguas em países diferentes. Os surdos
também possuem línguas de sinais distintas, pois estas sofrem influência cultural
e também sofrem reflexos do meio onde se desenvolvem, portanto existem muitas
línguas de sinais, como: língua de sinais francesa, chilena, japonesa, americana,
espanhola, venezuelana, portuguesa, inglesa, russa, urubus-kaapor (indígena), en-
tre outras.
As línguas de sinais são utilizadas pela maioria das pessoas surdas e, como
toda língua, “[...] aumentam seus vocabulários com novos sinais introduzidos
pelas comunidades surdas em resposta a mudanças culturais e tecnológicas”
(BRITO,2010). No Brasil, existem duas línguas de sinais: Língua Brasileira de
Sinais (LIBRAS) e Língua Brasileira de Sinais Kaapor (LSKB). A primeira é utili-
zada nos centros urbanos e é reconhecida como primeira língua pelas comunida-
des surdas; já a língua brasileira de sinais Kaapor (LSKB) é utilizada pelos índios
da tribo Urubu-Kaapor – situada ao sul do estado do Maranhão –, que possui alto
índice de surdez, é intratribal e há um surdo para cada 75 não surdos indígenas.

capítulo 3 • 50
CONEXÃO
O Ministério da Educação (MEC) não informa quantos dos 163 693 indígenas matricula-
dos na rede pública têm deficiência auditiva - entre os não-índios são 15 mil. Em 2001, com
a aprovação do Plano Nacional de Educação, as escolas indígenas conseguiram garantir a
identidade cultural e linguística de suas populações por meio de um currículo diferenciado.
Das 2 323 escolas indígenas existentes no Brasil, 1 818 já oferecem Educação bilíngue.
Assista ao vídeo Educação Inclusiva de Índios Surdos - Dourados/MS Dsponível em
http://www.youtube.com/watch?v=Gus1iTA_Eac

Dados do Censo (2000) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística


(IBGE) apontaram que a surdez é a segunda maior deficiência no Brasil. Os defi-
cientes auditivos (DA) somam, aproximadamente, 5,7 milhões. Destes, quase um
milhão apresentam surdez severa.
Para melhor perceber as diferenças entre as línguas, observe os alfabetos de
alguns países apresentados a seguir e compare:

A B C D E F

G H I J K L

M N O P Q R

S T U V W X

Y Z 1 2 3 4

5 6 7 8 9 0

Alfabeto e números em LIBRAS-Brasil

capítulo 3 • 51
©© BASHEERADESIGNS | DREAMSTIME.COM

Alfabeto em LIBRAS-Estados Unidos

Diferenças entre Línguas Orais e de Sinais

Façamos um quadro para facilitar o entendimento da diferença entre as lín-


guas orais e visuais:

Línguas orais: português, Línguas de sinais: brasileira,


Diferenças
inglês, espanhol etc. americana,francesa etc.

Orais e auditivas Visual e espacial

BRITO (2008) aponta que as línguas de sinais são diferentes das línguas
orais porque têm como meio ou canal de comunicação o sistema visual-espacial,
e não oral-auditivo. São expressas em determinado espaço e percebidas pela vi-
são, ou seja, a comunicação ocorre através de fontes distintas, mas com os mes-
mos significados.
Para se chegar à definição de que as línguas de sinais eram idiomas demorou
muito tempo: somente no século XX isso aconteceu.

capítulo 3 • 52
Nos capítulos anteriores, vimos como ocorreu o desenvolvimento histórico e
educacional das pessoas com surdez e já era percebida a influência da oralidade em
determinadas épocas da história.
As línguas trazem conceitos de determinada cultura, de uma comunidade que
muitas vezes não faz parte de outras realidades, como afirma Faria (2006, p.179).

Os vocábulos das línguas, ao serem concatenados, produzem uma infinidade de tro-


cadilhos cujos significados flutuam dos mais transparentes aos mais opacos; dos mais
simples aos mais inusitados; dos mais grotescos aos mais poéticos. Essa recursividade
encontra-se carregada da cultura vivenciada pelos indivíduos, na comunidade a que
pertence. Por isso, muitas vezes, o que se diz é somente entendido por falantes nativos
de dada língua ou por quem se encontra imerso nessa comunidade, por anos trocando,
tropeçando e descortinando construções e interpretações das mais variadas, origina-
das no arcabouço linguístico e criativo das trocas comunicativas. Exemplo disso está
o fato de que questões culturais incorporadas à LP não têm sido transmitidas natural-
mente aos surdos brasileiros, como acontece com os ouvintes que, quando crianças,
ouvem expressões ‘estranhas’, mas, aos poucos, vão descobrindo o que realmente elas
significam e as naturalizam.

CONEXÃO
Para poder observar as diferenças entre as línguas de sinais assista aos filmes: “Quatro
casamentos e um funeral”, nele vocês terão a oportunidade de assistir um surdo se comuni-
cando em língua de sinais da Inglaterra e para comparar assista “Velocidade Máxima 2” onde
é mostrada a língua de sinais Americana.

Oralismo

Essa corrente metodológica foi precursora na educação dos surdos no mundo.


A crítica central a esse método é que ele enfatiza que somente depois da aquisi-
ção da língua oral os surdos seriam capazes de se desenvolver, tanto social quan-
to academicamente.
Com o Congresso de Milão, houve grande avanço e predomínio, por mais
de 110 anos, da língua oral para os surdos. Silva & Favorito (2009) relatam que
foram anos que somente trouxeram atrasos no desenvolvimento da comunidade
surda. Os fracassos das crianças no desenvolvimento da fala eram atribuídos à

capítulo 3 • 53
pouca estimulação ou à falha nas técnicas utilizadas, e tais fracassos comprome-
tiam a escolarização e a profissionalização, que eram quase nulas. (SKLIAR, 1997;
PACCINI, 2007; SILVA & FAVORITO, 2009).
O oralismo tem a fala como objetivo. Para que ela se desenvolva, utiliza três
procedimentos para esse aprendizado: treinamento auditivo, leitura labial e apare-
lho de amplificação sonora individual (AASI).
Góes (1996, p.40) faz um breve resumo sobre o oralismo ao afirmar que “[...]
a visão oralista se impôs, com as teses de que só a fala permite integração do surdo
à vida social e de que os sinais prejudicam o desenvolvimento da linguagem, bem
como a precisão das ideias”.
Behares (1990) entende a educação oralista como sendo uma forma de aten-
dimento que busca minimizar a deficiência auditiva por meio da fala com a leitura
oro-facial.
Capovilla (2001, p.102) define:

O método oralista objetiva levar o surdo a falar e a desenvolver competência linguís-


tica oral, o que lhe permitiria desenvolver-se emocional, social e cognitivamente do
modo mais normal possível, integrando-se como um membro produtivo ao mundo dos
ouvintes.

Para Quadros (1997, p.21), “[...] a proposta oralista fundamenta-se na “re-


cuperação” da pessoa surda, chamada de deficiente auditiva. O oralismo enfatiza
a língua oral em termos terapêuticos”. Os autores citados entendem o oralismo
como cura, buscam a fala como única maneira de inserir o surdo na sociedade e
na escola.
Dorziat (1999) define oralismo como um método que utiliza a reeducação
auditiva para surdos, por meio da amplificação sonora e de técnicas específicas
de oralidade.
Vários foram os avanços tecnológicos e metodológicos ocorridos a partir
da década de 1960 até chegarmos aos anos 1990. Podemos citar: Aparelho de
Amplificação Sonora Individual (AASI), intervenção precoce, computadores para
auxiliar a percepção da fala (Phonator e o Visible Speech) e os implantes cocleares,
porém estes beneficiaram os ganhos com relação ao deficit auditivo, mas não em
relação à aquisição e ao desenvolvimento normais da linguagem pelo surdo, como
relata Capovilla (2000).

capítulo 3 • 54
Segundo Poker (2008), com o objetivo de normalizar o surdo, a abordagem
oralista requer: esforço e dedicação de tempo por parte da criança e da família; a
reabilitação deve começar precocemente; os defensores do oralismo afirmam que o
uso de sinais tornará a criança “preguiçosa” para falar; a comunicação deverá ser na
modalidade oral, sem o auxílio de sinais, gesticulações ou mesmo do alfabeto da-
tilológico; a participação da mãe e de profissionais especializados (fonoaudiólogos
e pedagogos especializados em surdez) é fundamental e o uso de AASI (aparelho
de amplificação sonora individual) ou do implante coclear são importantes ou
mesmo indispensáveis.

CONEXÃO
Para melhor entender como são as técnicas para o estimulo da língua oral, assista ao
filme “Seu nome é Jonas”, nele são mostrados as terapias e a busca das famílias pela melhor
abordagem a ser escolhida para educar os surdos. Mesmo sendo um filme antigo mostra
com precisão o Oralismo.

Comunicação Total

Esta “filosofia” teve sua expansão no século XX, com o declínio do oralismo,
que teve muitas dificuldades no processo de integração dos surdos, pois havia
grandes dificuldades para essas pessoas nas esferas linguística e cognitiva, além de
elas não poderem usar sua língua natural, os sinais. Talvez, a contribuição mais
importante da Comunicação Total tenha sido a mudança na concepção do surdo,
pois, antes, o cerne da questão eram a deficiência e o deficiente; agora, estudamos
a pessoa. De acordo com Ciccone (1996 apud MUNTANER, 2003, p.58), esta
“[...] filosofia educacional entende o surdo com uma pessoa, e a surdez como uma
marca, cujos efeitos adquirem, inclusive, as características de um fenômeno com
significações sociais”.
De acordo com a Comunicação Total, é possível utilizar todos os meios dis-
poníveis para se contemplar uma comunicação com o surdo. Ao focalizar a comu-
nicação, independentemente do recurso utilizado, a aprendizagem da língua oral
é privilegiada, mas também é aceita a utilização de qualquer recurso visuoespa-
cial, inclusive o uso de sinais e gestos para favorecer o desenvolvimento cognitivo,

capítulo 3 • 55
emocional, social e comunicativo da pessoa surda. Dentro dessa perspectiva é per-
mitido, na comunicação com o surdo, o uso de desenho, escrita, pantomima,
sinais, fala oral, alfabeto manual, gestos, entre outros (SILVA & FAVORITO,
2009).
Um dos defensores da Comunicação Total, Oliveira (2004, p.12) lembra que
o maior mérito dessa filosofia foi:

[...] deslocar a língua oral como o grande objetivo na educação de sujeitos com surdez,
priorizando a comunicação dos mesmos. O sujeito com surdez deixa de ser visto como
portador de uma “patologia”, e passa a ser considerado como uma pessoa capaz.
©© VLADIMIR MUCIBABIC / DREAMSTIME.COM

Ciccone (1990) observa que essa filosofia de comunicação não pode transfor-
mar o uso de sinais em um mero suporte para aprender o português. Isso porque
a utilização simultânea da língua oral e a de sinais produziria o que chamamos de
“português sinalizado”. A fusão das duas línguas é inviável, pois possuem estru-
turas gramaticais distintas, o que dificulta o aprendizado do surdo. Porém, para
alguns defensores dessa filosofia, a fusão é positiva porque:

[...] afirmam que o bimodalismo deve ser praticado porque noventa por cento dos sur-
dos são filhos de ouvintes. Assim, o uso de uma língua oral normalmente é a escolhida
para que os membros da família comuniquem-se entre si. Por esta razão, o uso da
língua oral e de uma forma manual dessa língua pode constituir-se em uma eficiente
prática comunicativa. (CICCONE, 1996, p.71)

capítulo 3 • 56
Para Quadros (1997), esse tipo de sistema é inadequado, pois desconsidera a
estrutura linguística da língua de sinais e desestrutura o português.
Um dos recursos utilizados pela filosofia em questão é a soletração digital, que
existe há mais de 300 anos e representa as letras do alfabeto e os números. Para
Freeman, Carbin e Boese (1999,p.171):
A Comunicação Total implica em que a criança com surdez congênita seja
introduzida precocemente em um sistema de símbolos expressivos e receptivos, os
quais ela aprenderá a manipular livremente e por meio dos quais poderá abstrair
significados ao interagir irrestritamente com outras pessoas. A Comunicação Total
inclui todo o espectro dos modos linguísticos: gestos criados pelas crianças, língua
de sinais, fala, leitura oro-facial, alfabeto manual, leitura e escrita [...]incorpora o
desenvolvimento de quaisquer restos de audição para a melhoria das habilidades
de fala ou de leitura oro- facial, através [...] de aparelhos auditivos individuais e/
ou sistemas de alta fidelidade para amplificação em grupo.
©© BILLYFOTO / DREAMSTIME.COM

Pantomina

Quanto às críticas ao bimodalismo, elas devem ser feitas, desde que se consi-
derem a evolução e a história da educação dessas pessoas surdas e dos profissionais
que atuam com elas.
A comunicação total talvez não tenha atingido seus objetivos, porque a crian-
ça/pessoa com deficiência auditiva exposta a essa filosofia educacional não conse-
gue adquirir uma ampla compreensão ou da língua falada ou da língua dos sinais,
o que dificulta seu desenvolvimento acadêmico. Para Behares (1993) e Marchesi

capítulo 3 • 57
(1987), a comunicação total beneficia mais os familiares e os professores ouvintes,
e não o surdo.
No Brasil, a repercussão da Comunicação Total teve início nos anos de 1970 e
auxiliou o resgate da língua de sinais, proibida nos espaços escolares desde o final
do século XIX. Ainda que, conforme Silva & Favorito (2009), nos “bastidores” a
língua de sinais nunca tenha deixado de circular, principalmente nos recreios e nos
locais onde os surdos se encontravam.

CONEXÃO
O bimodalismo consiste no uso dos sinais na estrutura gramatical da língua oral, sem res-
peitar as especificidades linguísticas da língua de sinais. Compreendemos que uma tradução
termo a termo de uma língua para outra resulta em conflitos na compreensão da mensagem
e, por esse motivo, houve críticas à Comunicação Total referentes a uma comunicação mais
comprometida com a comunidade ouvinte do que com os surdos. No entanto, os defensores
dessa “filosofia” acreditam que essa é a melhor forma para atenuar os obstáculos presentes
na comunicação entre surdos e ouvintes (POKER, 2008).

Bilinguismo: L1 e L2

O bilinguismo foi evidenciado na década de 1960, com os estudos e as pesqui-


sas de Stokoe quanto à complexidade linguística da língua de sinais. Essa corrente
destaca que a língua primeira, materna, para o surdo, é a língua de sinais. Assim,
o idioma do país passa a ser o segundo código de comunicação desse indivíduo.
Nessa proposta, a criança surda é exposta, no contexto escolar, às duas línguas.
O objetivo central é perceber essa pessoa enquanto cidadão que faz parte de uma
comunidade surda com uma cultura própria.
Ao admitir o surdo como indivíduo bilíngue e bicultural, visibilizamos sua
cultura, sua identidade e sua língua. A valorização e legitimação da LIBRAS pro-
picia ao bilinguismo distanciar o surdo da visão patologizante na qual o oralismo
o situou e integrá-lo à posição de minoria linguística, juntamente com índios e
imigrantes, entre outros contextos minoritários/minoritarizados.

capítulo 3 • 58
Capovilla (2000, p.1096) define bilinguismo:

[...] filosofia do bilinguismo, em que as línguas faladas e de sinais poderiam conviver


lado a lado, mas não simultaneamente. No bilinguismo, o objetivo é levar o surdo a
desenvolver habilidades em sua língua primária de sinais e secundária a escrita. Tais
habilidades incluem compreender e sinalizar fluentemente sua língua de sinais, e ler e
escrever fluentemente no idioma do país ou cultura em que ele vive.

Para Góes (1996, p.43):

[...] A corrente do bilinguismo assume a língua de sinais como primeira língua da crian-
ça surda, que deve ser aprendida o mais cedo possível; como segunda língua está
aquela utilizada pelo grupo social majoritário.

A maioria dos defensores dessa corrente educacional para surdos acredita que
eles devam frequentar escolas bilíngues desde a Educação Infantil até o Ensino
Médio, pois, assim, por meio da LIBRAS, poderão ter acesso às atividades curri-
culares específicas na sua língua primária e vivenciá-las.
A educação bilíngue pressupõe que o desenvolvimento cognitivo, afetivo,
sociocultural e acadêmico das crianças surdas não depende, necessariamente, da
audição, mas do desenvolvimento espontâneo da sua língua. A língua de sinais
propicia o desenvolvimento linguístico e cognitivo da criança surda, facilita o pro-
cesso de aprendizagem de língua oral, serve de apoio para leitura e compreensão
de textos e favorece a produção escrita.
Afeneis (2004) define:

O Bilinguismo, tal como entendimento, é mais do que o uso de duas línguas. É uma
filosofia educacional que implica em profundas mudanças em todo o Sistema Educa-
cional para Surdos. Enquanto estas mudanças não se efetuarem, estaremos em plena
fase de transição.

A preocupação central do bilinguismo é respeitar a autonomia das línguas de


sinais e estruturar um plano educacional que não afete a experiência psicossocial e
linguística da criança surda.

capítulo 3 • 59
O respeito à aquisição da língua natural já era citado na declaração da
UNESCO (1954):

[...] é um axioma afirmar que a língua materna – língua natural, constitui a forma ideal
para ensinar a uma criança [...] Obrigar a um grupo utilizar uma língua diferente da sua,
mas do que assegurar a unidade nacional contribui para que esse grupo, vítima de uma
proibição, segregue-se cada vez mais da vida nacional [...]

O bilinguismo tem-se fortalecido nos contextos educacionais nacional e inter-


nacional. Em países como Suécia, Uruguai, Venezuela, França e, inicialmente, a
Inglaterra, vislumbram-se as contribuições da escolarização que considera a língua
de sinais como primeira língua da comunidade surda. No Brasil, o bilinguismo
surgiu por volta dos anos de 1980 e tem sido amplamente difundido, especial-
mente por linguistas que estudam a língua de sinais e pedagogos especializados na
área da surdez (SÁ, 1999; POKER, 2008).
O objetivo da educação bilíngue é que a criança surda possa ter um desenvol-
vimento cognitivo-linguístico equivalente ao verificado na criança ouvinte e que
possa desenvolver uma relação harmoniosa também com ouvintes, tendo acesso às
duas línguas: a língua de sinais e a língua majoritária.
Para melhor entendimento do bilinguismo, é necessário conhecer o que é
L1(língua materna – língua primeira). Por exemplo, para os surdos brasileiros, L1
é a LIBRAS e L2 seria a língua portuguesa escrita.
No Brasil, a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) foi reconhecida como meio
legal de comunicação e expressão das comunidades surdas pela Lei nº 10.436, de
2002 (BRASIL, 2002), regulamentada pelo Decreto nº 5.626, em 2005 (BRASIL,
2005).
Lodi e Moura (2006, p.6) citam que:

[...] a LIBRAS pode vir a se constituir como a L1 dos sujeitos se lhes for dada a opor-
tunidade de conviver com pares fluentes nesta língua, de desenvolvê-la para uso nas
diversas esferas de atividade humana e de esta língua ser valorizada e aceita como
tendo o mesmo status da língua portuguesa, pois nesta relação entre pares e ao tor-
narem-se fluentes na língua, os surdos podem redefinir as bases ideológicas deles
constitutivas pela linguagem. Melhor dizendo, pelo conhecimento da e pela LIBRAS
pode haver uma transformação do eu de cada um pelo olhar do(s) outro(s) e pelo
reconhecimento de ser “falante” da LIBRAS.

capítulo 3 • 60
CONEXÃO
Para entender o bilinguismo, assista ao vídeo Orquestra de sinais e observe como o
processo de inclusão e a construção de uma escola bilíngue são possíveis e já acontecem no
Brasil, em várias escolas públicas.
Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?se-
lect_action=&co_obra=124138

Os bilinguistas defendem a surdez não como doença ou deficiência, mas sim


como diferença (linguística). É importante ressaltar que apenas 5 a 10% das crian-
ças surdas nascem em lares surdos, enquanto 90 a 95% das crianças surdas são
oriundas de lares ouvintes, o que prejudica o desenvolvimento da língua de sinais
pela criança surda por ela não possuir uma comunicação efetiva com sua família.
No Brasil, existe a preocupação com o aprendizado da LIBRAS por parte dos
familiares (LOPES, 2000; SILVA; GESUELI; KAUCHAKJE, 2003; GIROTO et
al., 2006; GOLDFELD, 2006).
A compreensão que se tem é que a educação bilíngue não pode ser vista apenas
como um ponto de chegada, mas sim como um ponto de partida, cuja perspectiva
política reflita as condições sócio-econômicas, linguísticas e culturais dos próprios
surdos. É uma proposta que precisa ser construída com a comunidade surda, para
que os projetos político-pedagógicos de educação bilíngue não se restrinjam ape-
nas à implantação de escolas, mas que possam aprofundar e criar de forma massiva
as condições “de acesso à língua de sinais e à segunda língua, à identidade pessoal
e social, à informação significativa, ao mundo do trabalho e à cultura dos surdos”
(SKLIAR, 1997, p.7, tradução nossa).

ATIVIDADES
01. O que difere as línguas orais das línguas de sinais?

02. No Brasil, quantas línguas de sinais existem? Quais são elas?

03. Quando e por quem foi descoberto o status linguístico da língua de sinais?

capítulo 3 • 61
04. O que fez com que a Comunicação Total não conseguisse atingir o desenvolvimento dos
surdos por completo?

05. No oralismo, por que os sinais não são aceitos?

06. Explique quais são a L1 e a L2, de acordo com o bilinguismo, para o surdo brasileiro.

07. Qual é o objetivo da educação bilíngue para a comunidade surda?

08. Qual seria a principal diferença entre a comunicação total e o bilinguismo?

REFLEXÃO
Depois dos estudos realizados, é importante pensar que, sendo a comunicação a base
dos relacionamentos entre as pessoas, a língua de sinais ter adquirido caráter de língua
auxiliou muito no desenvolvimento das pessoas surdas, pois existe uma formalização na co-
municação. Veremos, nos próximos capítulos, como a legislação auxiliou no processo para as
línguas orais e de sinais conviverem harmonicamente no mesmo espaço.
Agora que conhecemos as três filosofias de comunicação existentes na área da surdez,
vamos refletir sobre a importância de construirmos uma escola, ou melhor, uma educação
bilíngue no Brasil.
Séculos se passaram e as atitudes tomadas comprometeram o desenvolvimento das
pessoas com surdez. Agora é necessário dar voz aos surdos para que eles possam expressar
seus desejos e opinar sobre a melhor maneira de se comunicarem.

LEITURA
BRITO,F. Por uma gramática das línguas de sinais. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,
1995. Disponível em: <http://www.ines.org.br/ines_livros/FASC7_INTRO.HTM>.
CAVALCANTI, M. 1999. Estudos sobre educação bilíngue e escolarização em contextos
de minorias linguísticas no Brasil. DELTA,15 Especial: 385-417.
CICCONE, M. Comunicação total. Rio de Janeiro: Cultura Médica, 1990.

capítulo 3 • 62
LODI,A.C. Plurilingüismo e surdez: uma leitura bakhtiniana da história da educa-
ção dos surdos. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pi-
d=S1517-97022005000300006&lng=pt&nrm=iso>.
SÁ, N. L. Educação de surdos: a caminho do bilinguismo. Niterói: EDUFF, 1999.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CAVALCANTI, M. C.; SILVA, I. R. Já que ele não fala, podia ao menos escrever... O grafocentrismo
naturalizado que insiste em normalizar o surdo. In: Linguística aplicada, suas faces e interfaces,
Campinas: Mercado de Letras, 2007, p. 219-242.
FARIA, S.P. Metáfora na LSB: debaixo dos panos ou a um palmo do nosso nariz? Educação Temática
Digital, Campinas, v.7, n.2, p178-198, jun. 2006.
FELIPE, T. LIBRAS em contexto. MEC, SEESP: Brasília, 2006.
SACKS, O. Vendo vozes. São Paulo: Cia. das Letras, 1998.
SILVA, I.R. & FAVORITO, W. Surdos na escola: letramento e bilinguismo. Série Linguagem em Foco,
2009. MEC/Cefiel/IEL/Unicamp. ISBN 978-85-62334-03-0.

capítulo 3 • 63
capítulo 3 • 64
4
Atendimentos
Educacionais
Especializados
(AEE) para Surdos
e Deficientes
Auditivos
Atendimentos Educacionais Especializados
(AEE) para Surdos e Deficientes Auditivos

Os contextos educacionais para surdos nos dias atuais podem seguir uma
orientação monolíngue ou bilíngue, ou seja, é possível encontrar situações de en-
sino em que a língua de sinais desse grupo de pessoas seja utilizada como língua de
instrução, mas isso é bem mais raro. Apesar desse alento, o contexto predominante
ainda é aquele em que há apenas uso da linguagem na modalidade oral ou escrita,
ou seja, em sua maioria os alunos surdos estão imersos em classes regulares de ensi-
no – ou mesmo em escolas de surdos – nas quais a língua de instrução corresponde
à língua materna da maioria, ou seja, o português escrito e oral.
Agora iniciaremos os estudos dos recursos que foram e são ofertados aos sur-
dos para se desenvolverem nas escolas brasileiras.
Para que a inclusão realmente possa acontecer nas escolas brasileiras, são ne-
cessários os atendimentos educacionais especializados que vêm para dar suporte ao
aluno surdo, ao professor e à escola.

OBJETIVOS
•  Saber quais são os atendimentos educacionais disponíveis na área da surdez e quais são
os profissionais envolvidos nesse processo.

Os atendimentos educacionais especializados (AEE) para surdos


ontem e hoje.

Com o passar do tempo, os atendimentos oferecidos às pessoas surdas ou aos


deficientes auditivos foram sofrendo mudanças em função das propostas educa-
cionais vigentes.
Os educadores e as próprias pessoas com deficiência ressaltam a importância
dos auxílios ou dos recursos educacionais especiais oferecidos aos alunos incluídos
no ensino regular. Mazzotta (1982, p.44) reforça essa teoria ao enfatizar que:

capítulo 4 • 66
Quanto maior for a variedade de recursos educacionais especializados em uma comu-
nidade, maior será a possibilidade de colocar o aluno excepcional na situação escolar
que lhe é mais apropriada.

Na Convenção da Guatemala, pudemos observar que oferecer atendimentos


educacionais diferenciados não é discriminação, mas sim respeito às necessidades
individuais da cada aluno, é permitir que a pessoa com deficiência possa ter aces-
so ao que lhe é de direito. Assim, a deficiência é pensada não para a exclusão do
sistema escolar regular, mas para garantir a permanência e a qualidade do ensino
oferecido a todos.
Baseado na Resolução CNE/CEB nº2 (11/09/01), definem-se serviços de
apoio pedagógico especializados como sendo “[...] serviços educacionais diversifi-
cados oferecidos pela escola comum para responder às necessidades educacionais
especiais dos educandos”.
Serão citadas definições de vários tipos de atendimentos especializados que
podem ser oferecidos aos alunos incluídos, a todo o sistema educacional e aos
profissionais envolvidos nesse processo.
Mazzotta (1982, p.46) define ensino itinerante como:

[...] modalidade de recurso considerado como auxílio especial, que se caracteriza pela
prestação de serviços, por um professor especializado, a alunos excepcionais que se
encontram matriculados, de acordo com sua idade, série e grau, em escolas públicas co-
muns de sua comunidade. Os professores itinerantes especialistas visitam diversas esco-
las onde prestam atendimento aos professores comuns e aos seus alunos excepcionais.

Esse tipo de auxílio não tem, no atendimento sistemático educacional, para o


aluno, sua função primeira, mas, principalmente, dar suporte para o professor e
para a escola, além de ser um elo entre a classe regular e a sala de recurso, a fim de
levar informações necessárias para o melhor desenvolvimento do aluno. Esse pro-
fissional orientará sobre as adaptações/adequações quanto a currículo, avaliações e
questões metodológicas.
A Política Nacional de Educação Especial (1994) define o trabalho do profes-
sor itinerante como:

Trabalho educativo desenvolvido em várias escolas por docente especializado, que pe-
riodicamente trabalha com o educando portador de necessidades educativas especiais
e com o professor de classe comum, proporcionando-lhes orientações, ensinamentos
e supervisão adequados.

capítulo 4 • 67
Tanto o ensino itinerante como a sala de recursos são atendimentos educa-
cionais importantes para o aluno com deficiência auditiva ou surdez, ou qualquer
outra deficiência, inserido na classe comum, já que auxilia e respeita a diferença.
Quando esses dois serviços de apoio trabalham em parceria, todos ganham, pois
ocorre uma complementação do trabalho a ser desenvolvido para que o processo
de inclusão ocorra, com os direitos garantidos ao aluno com necessidades educa-
cionais especiais. Segundo Mazzotta (1982, p.48), sala de recurso é:

[...] uma sala de escola, provida com materiais e equipamentos especiais, na qual um
professor especializado, sediado na escola, auxilia os alunos excepcionais naqueles
aspectos específicos em que precisam de ajuda para se manter na classe comum.

A sala de recurso é definida pela Política Nacional de Educação Especial


(1994), como:

Local com equipamentos, materiais e recursos pedagógicos específicos à natureza


das necessidades especiais do alunado, onde se oferece a complementação do aten-
dimento educacional realizado em classes do ensino comum. O aluno deve ser atendi-
do individualmente ou em pequenos grupos, por professor especializado, e em horário
diferente do que frequenta no ensino regular.

O professor especializado atua com o aluno surdo ou DA, com a família do


aluno e com o professor da classe comum. Com relação ao atendimento dos sur-
dos em sala de recursos, é solicitado que, além de ser especializado nessa área da
deficiência, o professor seja bilíngue.
Para o atendimento de alunos com surdez, temos alguns apoios diferenciados
em função da comunicação.
A LDB (Lei de Diretrizes e Bases) descreve auxílios especializados para sur-
dos: a LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais), intérprete de LIBRAS, instrutor de
LIBRAS e ensino da língua portuguesa para surdos. Destaca também a importân-
cia do instrutor de LIBRAS, de preferência surdo e com escolaridade concluída,
para ensinar aos alunos com surdez a língua de sinais quando estes não a domi-
narem – importante para as fases iniciais da escolarização, a partir da Educação
Infantil, ou mesmo nas creches.
A criança com deficiência auditiva deve ser exposta e orientada quanto à sua
comunicação, desde a mais tenra idade, além de sua família ser esclarecida quanto
aos tipos de comunicação: oral ou gestual. É de fundamental importância que,

capítulo 4 • 68
antes de esta criança chegar à escola, ela já tenha uma comunicação padronizada
adquirida, pois interpretará o mundo ao seu redor e realizará trocas (conversação)
com todas as pessoas, o que é primordial para o desenvolvimento intelectual, emo-
cional e social.
Outro tipo de recurso utilizado para auxiliar na inserção do surdo na classe
comum é a presença do professor intérprete, que, segundo a Res. CNE/CEB nº 2
(11/09/01), “são profissionais especializados para apoiar alunos surdos, surdos-ce-
gos e outros que apresentem sérios comprometimentos de comunicação e sinaliza-
ção”. Ainda podemos citar uma definição mais completa para professor intérprete,
encontrada nas publicações da SEESP/MEC (2005):

[...] profissional bilíngue (língua de sinais e língua portuguesa) que atua na interpre-
tação/ tradução dos conteúdos curriculares e atividades acadêmicas, envolvidas na
escola. Sua função principal é a de permitir o acesso às informações veiculadas, princi-
palmente, em sala de aula, no mesmo nível e complexidade que as recebem os demais
alunos.

O intérprete de língua de sinais (LIBRAS) proporciona acesso aos conheci-


mentos acadêmicos. Lacerda (2001, p.4) comenta:

Quando se insere um intérprete de Língua de Sinais na sala de aula, abre-se a possibi-


lidade de o aluno surdo poder receber a informação escolar em sinais, através de uma
pessoa com competência nesta língua [...] Com a presença do intérprete de Línguas de
Sinais em sala de aula, o professor ouvinte pode ministrar suas aulas sem se preocupar
em como passar esta ou aquela informação em sinais, atuando normalmente na língua
de que tem domínio.

A profissão de intérprete está regulamentada pelos órgãos competentes através


da Lei nº 12.319, de 1º de setembro de 2010. Não podemos deixar de citar sua
importância, não só no âmbito escolar, mas também em universidades, progra-
mas de televisão, congressos, debates, hospitais, delegacias, igrejas, entre outros.
Sempre se deve buscar a qualidade da inclusão da pessoa com surdez e dar opor-
tunidade da sua participação em todos os meios sociais, culturais e legais, como
qualquer outro cidadão.
A lei n.º 10.436, de 24 de abril de 2002, reconhece a Língua Brasileira de
Sinais (LIBRAS) e foi sancionada pelo então presidente Fernando H. Cardoso.
Sacks (1998, p.78) lembra o quanto é importante o aprendizado da língua. A
família também deve participar desse processo de aprendizagem, principalmente
se os pais forem ouvintes.

capítulo 4 • 69
Não é só a língua que deve ser introduzida, mas também o pensamento. Caso contrário,
a criança permanecerá inapelavelmente presa a um mundo concreto e perceptivo [...].
Esse perigo é muito maior quando a criança é surda – porque os pais (ouvintes) talvez
não saibam como se dirigir à criança e, se chegarem a se comunicar, podem usar for-
mas rudimentares de diálogos e linguagens que não favorecem o progresso da mente
da criança e, de fato, impedem seu avanço.

Os atendimentos educacionais especializados seriam mais bem estruturados se


no processo de inclusão houvesse uma reforma profunda no sistema educacional,
com vistas ao aprimoramento dos recursos tanto pedagógicos quanto humanos ou
físicos que viessem a auxiliar na diminuição das desigualdades sociais. Para refor-
çar esse pensamento, Carvalho (2003, p.151) afirma:

[...] para que o sistema educativo se reformule, há necessidade de mudar a atitude dos
educadores frente à diferença, bem como todo um conhecimento de como facilitar
a experiência de aprendizagem a alguns alunos, como os deficientes sensoriais, por
exemplo, e que necessitam de recursos educativos especiais e específicos. [...] a pró-
pria Declaração de Salamanca em seu art. 29 determina que crianças com necessida-
des educativas devem receber apoio adicional no programa regular em vez de seguir
um programa de estudos diferente. O princípio diretor será o de dar a todas as crianças
a mesma educação [...].

Em 2007, o MEC elaborou os Atendimentos educacionais especializados para


os alunos com surdez: uma proposta inclusiva. Neste material faz-se menção a três
tipos diferentes de atendimentos oferecidos no horário inverso ao que o aluno
surdo ou DA está incluído. Os atendimentos são, segundo Damázio (2007, p.25):

Momento do atendimento educacional em LIBRAS na escola comum: conteúdos


curriculares são explicados nessa língua por um professor preferencialmente surdo.
Momento do atendimento educacional especializado para o ensino da LIBRAS
na escola comum: favorecendo o conhecimento e a aquisição, principalmente de
termos científicos. Este trabalho é realizado pelo professor e/ou instrutor de LIBRAS
(preferencialmente surdo) [...]
Momento do atendimento educacional especializado para o ensino da língua
portuguesa, no qual serão trabalhadas as especificidades dessa língua para pessoas
com surdez.

É muito importante a presença do intérprete de LIBRAS nas salas de aula


e em eventos, para que seja garantida a acessibilidade das pessoas com surdez.

capítulo 4 • 70
Esse profissional é o mediador entre o surdo e as informações sobre a cultura e o
universo ouvinte. Além disso, dado o desconhecimento da maioria da população,
torna-se necessário que existam intérpretes nos diversos setores da sociedade –
públicos e privados –, a fim de permitir que os surdos tenham seus direitos de
cidadania respeitados, da mesma forma que possam estar livres e conscientes para
exercer seus deveres.
Para que esses atendimentos possam ocorrer de forma a atingir realmente os
objetivos propostos, é necessário que os profissionais envolvidos, tantos os ou-
vintes como os surdos, tenham total domínio e fluência em LIBRAS, além de
dominarem a língua portuguesa.
Muitas são as mudanças na área da surdez, porém o estudo linguístico e as
práticas metodológicas são as ferramentas primordiais.

A escola de surdos

Segundo Silva & Favorito (2009), as salas de aula das chamadas Escolas de
Surdos podem ter uma orientação monolíngue ou bilíngue. No primeiro caso,
apesar de todos os alunos serem surdos, é privilegiado na sala de aula o uso do
português oral ou do português sinalizado e, assim, podemos observar, como
nos outros casos anteriormente analisados, a reprodução de práticas pedagógi-
cas conservadoras que deslegitimam os saberes dos alunos, ignorando, sobretudo,
seu próprio saber linguístico, a língua de sinais. Em decorrência disso, a cena
que se observa é a de um professor que não conhece ou não se compromete em
aprender a língua que circula vivamente na comunidade discente (no nosso caso,
a LIBRAS), impedindo que a interação em sala de aula ocorra de maneira na-
tural e, consequentemente, tirando do aluno toda e qualquer chance de acesso
ao conhecimento.
As escolas especiais são, em geral, instituições de ensino que recebem alunos
surdos, geralmente, para um trabalho de 1ª a 4ª série do Ensino Fundamental
com o intuito de, mais tarde, incluí-los na rede regular de ensino. Tais escolas são
mantidas, de forma geral, por instituições religiosas ou por grupos de voluntários.
Porque muitas delas ainda comungam a visão de surdez enquanto patologia e de-
senvolvem o currículo da escola regular multiplicando cada ano de escolarização
em dois ou mais anos, elas são contrapostas ao que se veio denominar, mais recen-
temente, de “Escolas para Surdos” ou “Escolas Bilíngues para Surdos”.

capítulo 4 • 71
Para Cavalcanti & Silva (2008), salas de aulas só para surdos existem em nú-
mero ainda reduzido no país, pertencem à rede regular (pública ou privada de
ensino) e atendem, conforme o próprio nome sugere, somente sujeitos surdos. Tal
contexto apresenta diferenças em relação à escola especial que se tem. O modelo
de educação bilíngue reivindicado pela comunidade surda atual é aquele que dê
espaço para que a LIBRAS possa ser a língua de instrução da escola e o portu-
guês (de preferência o escrito) passe a ser ensinado como L2. O conteúdo escolar,
além disso, pode ser ensinado por professores (surdos ou ouvintes) proficientes
em LIBRAS.
Escolas como essas representam, na verdade, uma tentativa de solução para o
problema discutido anteriormente. Falamos agora de contextos em que professo-
res ouvintes, não suficientemente proficientes em língua de sinais, atuam em par-
ceria com educadores surdos bilíngues. A presença desses surdos adultos permite
uma organização discursiva em sala de aula que leve os alunos a uma participação
ativa na construção do significado. É essencial que fique bem claro que o papel
do educador surdo não se confunde com o do intérprete. Ele participa do pla-
nejamento das aulas, atua em sala de aula orientado pelo professor e em diálogo
com ele. Nesse esquema de trabalho, em que o professor ouvinte e o educador
surdo atuam como parceiros, importantes pistas sobre o processo de ensino-apren-
dizagem dos surdos podem ser identificadas, tornando-se objeto de estudo. O
educador surdo – por ser proficiente na língua natural dos alunos e estar inserido
na comunidade surda compartilhando suas vivências e seus modos específicos de
significar o mundo – tem mais condições de observar aspectos da aprendizagem
que passam despercebidos aos olhos do professor ouvinte.
Pelo que acaba de ser exposto, entre a escola real e aquela que os surdos dese-
jam ainda há um desafiante caminho a percorrer e muito o que pesquisar e apren-
der nesse universo educacional.
Instala-se, assim, um verdadeiro paradoxo: os discursos favoráveis à inclusão
de surdos em salas de aula junto aos ouvintes defendem a remoção de barreiras e
ambientes o menos restritos possível, mas acabam por legitimar espaços em que o
aluno, no caso o surdo, sente-se limitado: nem pode compreender por si próprio o
que dizem seus colegas e professores nem tem a chance de desenvolver sua língua
e cultura em um ambiente que possibilite contato com seus pares.
Fernandes (1999, p.79) faz uma séria declaração sobre as necessidades dos
surdos quando diz:

capítulo 4 • 72
Há inúmeras ações a serem praticadas que envolvem um projeto de educação que
considere em sua proposta curricular o legado histórico e cultural das comunidades
surdas, novas tecnologias educacionais pautadas essencialmente em recursos visuais,
formação de professores edificadas em concepções sócio-antropológicas, maior parti-
cipação da comunidade surda na gestão dessa educação, entre outros aspectos. Não
é apenas a mudança na língua em que são transmitidos os conteúdos ou critérios de
avaliação mais justos em relação às diferenças linguísticas que apresentam, o que vai
garantir ou orientar uma nova abordagem curricular, mas a compreensão do sujeito
surdo em sua totalidade sócio-histórico-cultural.

O ensino de língua portuguesa para surdos

Quando pensamos o surdo como ser bilingue é importante entender o


que explica

Salles, Faulstich, Carvalho e Ramos (2004, p.114)

Ao aprender o português do Brasil como uma nova língua, o aprendiz poderá fazê-lo
em duas circunstâncias distintas: português como língua estrangeira ou como segun-
da língua. Na primeira, trata-se de aprender o português num país em que ele não
seja língua nacional ou oficial. Assim, um alemão que aprenda português na Alemanha
estará diante de uma língua estrangeira. Se o aprendiz for um dos cidadãos brasileiros
que não têm o português como primeira língua, como os índios, alguns imigrantes e os
surdos (falantes de LIBRAS), ele aprenderá o português como segunda língua.

O aluno surdo apresenta características especiais:

[...] o português é para eles uma segunda língua, pois a língua de sinais é a sua pri-
meira língua, só que o processo não é o de aquisição natural por meio da constru-
ção de diálogos espontâneos, mas o de aprendizagem formal na escola. O modo de
ensino/aprendizagem da língua portuguesa será, então, o português por escrito, ou
seja, a compreensão e a produção escritas, considerando-se os efeitos das modalida-
des e o acesso a elas pelos surdos. (SALLES, FAULSTICH, CARVALHO E RAMOS,
2004,p.115)

Trabalhar com textos para alunos surdos pede, sempre que possível, que estes
contenham temas relacionados à experiência dos aprendizes, levando a um maior
envolvimento pessoal e provocando reações e manifestações. Além disso, é inte-
ressante o uso de imagens, que podem ser retiradas de artigos de revistas e jornais,
bem como propagandas.

capítulo 4 • 73
Os textos a serem usados para o ensino/aprendizagem de português escrito
estão relacionados à concepção interacionista.
É garantido pela legislação brasileira que a comunidade surda utilize a LIBRAS
para se comunicar e ter acesso às informações, mas a alfabetização deve ocorrer em
língua portuguesa.
Guarinello (2007, p.53) comenta uma triste realidade dos surdos brasileiros:

No Brasil, a grande maioria dos surdos adultos não domina a língua portuguesa. Além
disso, há uma considerável parcela de surdos brasileiros que não têm acesso à língua
de sinais, ou por motivo de isolamento social ou, principalmente, pela opção da família
por uma escola que não utilize língua de sinais, o que causa, além das defasagens
escolares, dificuldades e impedimento quanto à inserção dessas pessoas no mercado
de trabalho.

Toda dificuldade na aquisição da LP, por parte dos surdos, está centrada na
forma como ela é ensinada, muitas vezes da mesma maneira como se ensina para
pessoas ouvintes, desconsiderando a ausência da audição. Muitas repetições de
palavras e falta de contexto. Porém o aprendizado da LIBRAS anteriormente é
fundamental para que o surdo já tenha um canal de comunicação adquirido.
Podemos reforçar essa ideia, citando Guarinello (2007, p.55):

[...] a escola tem dificuldade para entender as diferenças no processo educacional do


surdo e o surdo, de inserir-se nesse processo.
A falta de atividades significativas com a escrita impede que os surdos percebam sua
função social e as diferenças entre a língua majoritária e a língua de sinais.

O MEC produziu o material Saberes e práticas da inclusão (2006, p.77 e 78),


no qual cita o que os professores deveriam levar em consideração na hora da alfa-
betização, com a presença do aluno surdo na sala da aula comum, e quais recursos
poderiam ser utilizados:

[...] alfabeto manual – [...]Vale lembrar que de nada adiantará a soletração pelo profes-
sor se o significado da palavra for desconhecido para o aluno.
– mímica/dramatização –[...]poderá acompanhar ou enriquecer os conteúdos discuti-
dos em sala de aula e que, embora não exerçam a função simbólica de uma língua, dão
conta de constituir significados.

capítulo 4 • 74
– desenhos/ilustrações/fotografias – poderão ser aliados importantes, pois trazem,
concretamente, a referência ao tema que se apresenta.
– recursos tecnológicos (vídeo/TV, retroprojetor, computador, slides, entre outros) –
constituem instrumentos ricos e atuais para se trabalhar com novos códigos e lingua-
gens em sala de aula.
– língua portuguesa escrita – apresenta-se como uma possibilidade visual de estar re-
presentando as informações veiculadas em sala de aula. O professor poderá organizar
um roteiro do conteúdo a ser abordado, com palavras-chave. Mais uma vez, é bom lem-
brar que palavras desconhecidas devem ter seu conteúdo clarificado para os alunos,
sob o risco de tornarem-se um indicador sem efeito.
– língua portuguesa oral / leitura labial – a língua oral desenvolvida com os surdos até
hoje é baseada, fundamentalmente, no treino fonoarticulatório/estimulação auditiva.
Como consequência, apenas uma pequena parcela de alunos surdos (não mais que
20%, segundo as pesquisas) puderam apresentar realmente a possibilidade de co-
municação oral. [...]Entretanto, mesmo entre os surdos treinados para o domínio desta
técnica, há estudos demonstrando ser a leitura labial um meio ineficaz para a com-
preensão plena, entre os interlocutores, uma vez que, na melhor das hipóteses, 50%
da mensagem estará comprometida pela dificuldade de leitura de fonemas não visíveis
para os surdos e pela rapidez do fluxo da fala.

Para complementar, a presença do intérprete de LIBRAS será importantíssima.


O MEC (2006), no mesmo material, faz algumas observações importantes
referentes ao ensino regular, no qual a LP é a base de todas as disciplinas e faz-se
necessário que o professor elabore suas aulas levando em consideração que: deve
utilizar a escrita na interação com o aluno, escolher previamente os textos, de
acordo com a competência linguística dos surdos, apresentar referências relevan-
tes (contexto histórico, enredo, personagens, localização geográfica, biografia do
autor etc.) sobre o texto por meio da língua de sinais (intérprete) ou utilizando
outros recursos, antes da leitura explorar o vocabulário, estimular a formação de
opinião e o pensamento crítico, solicitar a interpretação de textos por meio de
material plástico (desenho, pintura e murais) ou cênico (dramatização e mímica),
e a avaliação deve ser diferenciada, considerando-se a interferência dos aspectos
estruturais da língua de sinais.
Nada do que foi solicitado ou observado é benéfico somente para o surdo, mas
para todas as crianças, pois sabemos que cada aluno tem seu tempo e forma que
mais facilita o aprendizado.
Como as pessoas surdas não adquirem os conhecimentos por meio da fonte
auditivo-oral, e sim pelo canal visual-espacial, deve-se pensar que muitas das regras
e organização da LP não serão de fácil assimilação pelos surdos, como: acentuação

capítulo 4 • 75
tônica, pontuação, estudos comparativos entre as letras e os fonemas – x com som
de z, s, ks... Podemos também ressaltar que a língua de sinais, por ser uma língua
com características próprias, irá interferir no texto produzido em LP pelo surdo.
Existe boa incorporação das regras ortográficas por parte dos alunos surdos,
porque sua atenção é visual e não há associação dos sons com a escrita, porém a
acentuação é vinculada à oralidade (sílaba átona ou tônica), portanto os alunos
com surdez têm maior dificuldade. Ritmo e entonação são a base para a pontua-
ção, o que é dificultado sem a presença dos sinais.
O uso de artigos, elementos de ligação (preposição, conjunção, pronomes...),
gênero (masculino/feminino) e número (singular/plural) é inadequado, pois não
existem em língua de sinais ou não há correspondência exata.
O aprendizado da LP pelos alunos surdos necessita que estes, antes da produ-
ção textual, tenham compreensão e que antes da escrita haja muitas leituras que
ampliem seus horizontes e vocabulários, como analisa Quadros (2006).
Vamos observar as frases produzidas por surdos contidas no material do AEE
(2006, p.44), todas baseadas nas imagens de situações cotidianas, porém a estru-
tura sempre é simples e usam-se nomes do dia a dia:
Perceber a necessidade e a importância da língua portuguesa pode ser o pri-
meiro passo para o surdo iniciar sua aprendizagem neste idioma. Inserir-se no
mercado de trabalho e ler revistas, jornais, receitas de bolo, cartas, e-mails e bula
de remédio, por exemplo, depende da forma escrita da língua do país, no caso do
Brasil, a LP. “A escrita deve ser incorporada a uma tarefa necessária e relevante para
a vida” (VYGOTSKY, 1984, p.133).

Os Intérpretes de Libras e a Inclusão de Surdos

Os surdos estão expostos a processos de instrução centrados na língua por-


tuguesa, como qualquer criança ouvinte. Assim, as crianças surdas enfrentam
complexas demandas adicionais por apresentarem domínio restrito da língua por-
tuguesa e por não terem acesso ao conhecimento do currículo escolar por meio
da língua que lhes é mais acessível, a língua de sinais. Assim, não preparando a
criança surda para o ensino que se baseia em uma língua que não é a dela, a escola
regular não tem proporcionado condições reais de atuação ao professor que deverá
ensinar aquela criança.
Diante dessa dificuldade do professor de atingir o aluno surdo, cria-se um
“jogo de faz de conta”. É fundamental que o surdo tenha precocemente acesso à

capítulo 4 • 76
língua de sinais para que possa realmente usufruir da presença dos intérpretes de
LIBRAS.

CONEXÃO
Mesmo que o intérprete escolar seja “atento, ativo e participante, não transforma o pro-
jeto educacional ouvinte em um projeto educacional que pensa também as questões dos
sujeitos surdos. O aluno surdo continua à deriva, apreendendo aquilo que lhe é possível, em
meio às adversidades”. (LACERDA, 2000, p. 82)
– Você concorda com isso? Pense, analise!

A presença de intérpretes nas salas de aula das escolas regulares tem sido apon-
tada como solução para a inclusão dos surdos. Há várias questões em relação a esse
contexto sendo debatidas e estudadas (LACERDA, 2000). Tais questões apontam
que, no caso de os alunos já serem proficientes em língua de sinais, a presença
do intérprete não garante ao aluno surdo o direito de negociar significados com
o professor, o que em tese é possível aos estudantes ouvintes. A construção do
conhecimento demanda um processo de trocas discursivas entre os participantes
(professores e alunos) e, nesse esquema interacional (professor/intérprete/aluno),
a participação do aluno surdo está impedida ou sofre muita restrição.

ATIVIDADES
01. Descreva com suas palavras os AEEs da área da surdez.

02. O processo de avaliação de um texto em português de um aluno surdo deve ocorrer


respeitando-se quais características?

03. Observe a datilologia abaixo e escreva quais são as palavras:

a) c)

b)

capítulo 4 • 77
04. Observe os sinais e escreva seu significado:
a)

b)

c)

REFLEXÃO
Sabemos que o processo de inclusão é necessário, e não somente para as pessoas com
deficiência, mas acima de tudo para tornarmos nossas escolas mais democráticas e huma-
nas. Porém, faz-se necessário que atitudes sejam tomadas; necessita-se de investimento
econômico e político para que realmente tenhamos uma educação que comungue dos ideais
de uma educação que atenda bem a todos.

capítulo 4 • 78
LEITURA
DAMAZIO,M.F.M.; LIMA,C.V.P. SILVA,A. Atendimento Educacional Especializado
pessoas com surdez. São Paulo: MEC/SEESP,2007.
FREIRE, A.M.F; FAVORITO, W. Relações de poder e saber na sala de aula: contextos
de interação com alunos surdos. In: CAVALCANTI, M.C; BORTONI-RICARDO, S.M. (Org.)s
Transculturalidade, linguagem e educação. Campinas: Mercado da Letras, 2007.
LACERDA, C.B.F de. O intérprete de língua de sinais no contexto de uma sala de
aula de alunos ouvintes: problematizando a questão. In.: LACERDA, C.B.F.; GÓES, M.C.R.
de (Orgs.). Surdez: processos educativos e subjetividade. São Paulo: Editora Lovise, 2000.
LACERDA, C.B.F de. A inserção da criança surda em classe de crianças ouvin-
tes: focalizando a organização do trabalho pedagógico. Disponível em: <http://www.
anped.org.br/1518t.htm>

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
______.Decreto nº4176, de março de 2002.Regulamenta a Lei Federal nº10436, de 24 de abril de
2002, que dispõe sobre a língua brasileira de sinais LIBRAS. Disponível em: <http://www.mec.gov.br/
seesp/leis>.
______. Lei nº 10845, de 5 de março de 2004. Institui o Programa de Complementação ao
Atendimento Educacional Especializado às Pessoas Portadoras de Deficiência. Brasília. Disponível em:
<http://www.mec.gov.br/seesp/leis>.
______.Declaração de Salamanca (1994).Disponível em: <http: //www.mec.gov.br/seesp/leis>
BRASIL. Congresso Nacional. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB n.º 9.394, de 20
de dezembro de 1996. Diário Oficial da União, 23 de dezembro de 1996.

capítulo 4 • 79
capítulo 4 • 80
5
Iniciando o
Conhecimento e
o Aprendizado da
Língua de Sinais
Iniciando o Conhecimento e o Aprendizado
da Língua de Sinais

Para iniciarmos o aprendizado da LIBRAS, é fundamental sabermos qual ca-


minho devemos percorrer. Estudaremos uma língua que necessita observar os mo-
vimentos, as expressões faciais e corporais e os sinais.
Depois de anos de estudos sobre as línguas, passamos a entender um pouco
melhor o funcionamento das línguas de sinais, sua estrutura linguística, seu prin-
cípio de organização e suas propriedades formais.
A língua de sinais não é constituída apenas de movimentos aleatórios das
mãos. É uma língua com estrutura própria, que é composta de expressões faciais e
corporais e de sinais que expressam frases ou mesmo expressões.

OBJETIVOS
•  Entender a estrutura da língua brasileira de sinais bem como algumas das tecnologias
assistivas que podem contribuir para as pessoas que apresentam essa necessidade especial.

Definições importantes para o aprendizado da libras

A atuação de educadores bilíngues (surdos e ouvintes) como interlocutores no


processo de aquisição da linguagem é de fundamental importância na execução
de um projeto que visa à educação dos surdos nas mesmas condições dos outros
alunos ouvintes. As crianças com surdez devem ser expostas desde a infância, ou
melhor, desde o nascimento, à língua de sinais (L1) para que tenham melhores
desempenhos acadêmicos, linguísticos e sociais.
A surdez é uma experiência visual que traz ao sujeito a possibilidade de cons-
tituir sua subjetividade através de experiências cognitivo-linguísticas diversas,
mediadas por formas alternativas de comunicação simbólica que encontram na
língua de sinais seu principal meio de concretização.
As experiências às quais esse grupo de pessoas é exposto na vida diferen-
ciam sua percepção e inserção no mundo. Há surdos que têm consciência de
sua diferença e necessitam de recursos essencialmente visuais nas suas interações.

capítulo 5 • 82
Outros nasceram ouvintes e, portanto, a audição tinha funcionalidade e o portu-
guês era L1; outros surdos somente tiveram experiências educacionais oralistas;
há ainda os surdos que viveram isolados de toda e qualquer forma padronizada
de comunicação.
O grande desafio para o sistema educacional é lidar com as diferenças e buscar
alternativas de como atingir a todos os alunos surdos com histórias linguísticas tão
distintas. Não se nega que a pessoa surda apresente uma limitação auditiva, porém
busca-se uma concepção de sujeito com potencialidades, traduzidas por constru-
ções artísticas, linguísticas e culturais visuais, e não orais-auditivas.
Algumas definições e diferenciações são necessárias para o estudo da língua
de sinais:

Conjunto do vocabulário de um idioma e de suas regras grama-


LÍNGUA ticais; idioma. Por exemplo: inglês, português, LIBRAS.

É a capacidade que o homem e alguns animais possuem de se


comunicar, expressar seus pensamentos. A linguagem é tudo
o que envolve significação; pode ser humana (pintura, música,
LINGUAGEM cinema), animal (abelhas, golfinhos, formigas) ou artificial (lin-
guagens de computador, código Morse, código internacional de
bandeiras).

LÍNGUA DE Refere-se ao uso de gestos e sinais em vez de sons na comu-


nicação. É a língua dos surdos e possui a sua própria estrutura
SINAIS OU gramatical através do canal comunicação visual. A língua de si-
LÍNGUA nais dos surdos urbanos brasileiros é a LIBRAS; em Portugal é
GESTUAL a LGP.

Língua Brasileira de Sinais. É um sistema linguístico de trans-


missão de ideias e fatos dos surdos brasileiros. Existem diferen-
LIBRAS ças regionais, variações praticadas em cada unidade da Federa-
ção, como ocorre com qualquer língua.

O que devemos observar para iniciar o aprendizado

Iniciamos assinalando a importância das expressões faciais e corporais itens


importantes das línguas de sinais uma vez que expressam categorias gramaticais.
Stokoe, em 1960, já apontava a importância das expressões faciais que de-
vem ser analisadas como fazendo parte da estrutura gramatical das línguas
de sinais. Expressões faciais são formas de comunicar algo; um sinal pode

capítulo 5 • 83
mudar completamente seu significado em função da expressão facial utilizada pelo
sinalizador.
Quadros e Pimenta (2006), por exemplo, explicam que existem dois tipos
diferentes de expressões faciais: as afetivas e as gramaticais (lexicais e sentenciais).
Segundo esses autores, as afetivas referem-se a sentimentos e/ou emoções – por
exemplo, raiva, medo, alegria, desconfiança, entre outras. Já as expressões faciais
gramaticais lexicais estão ligadas ao grau dos adjetivos – por exemplo, nos sinais
bonito, bonitinho e lindo.
Segundo Ferreira Brito (1993; 1995), a língua brasileira de sinais é uma língua
natural, com estrutura própria e regida pelos princípios universais. Ainda para
esta autora, as expressões faciais e corporais têm funções importantes na Língua
Brasileira de Sinais, uma vez que elas preenchem a função de entonação, com o
intuito de diferenciar as sentenças afirmativas das negativas, das que têm como
objetivo a solicitação, e mesmo das sentenças imperativas.
Quadros e Karnopp (2000) trazem um quadro (mostrado abaixo) de expres-
sões não manuais da língua brasileira de sinais e confirmam as informações de
outros autores sobre esse fenômeno. Veja:

EXPRESSÕES NÃO-MANUAIS DA LÍNGUA DE SINAIS BRASILEIRA


Sobrancelhas franzidas
ROSTO - PARTE Olhos arregalados
SUPERIOR Lance dos olhos
Sobrancelhas levantadas

Bochechas infladas
Bochechas contraídas
Lábios contraídos e projetados e sobrance-
lhas franzidas
ROSTO - PARTE INTERIOR Correr a língua contra a parte interna da bochecha
Apenas bochecha direita inflada
Contração do lábio superior
Franzir do nariz

Balanceamento para frente e para trás (sim)


Balanceamento para os lados (não)
CABEÇA Inclinação para frente
Inclinação para o lado
Inclinação para trás

capítulo 5 • 84
EXPRESSÕES NÃO-MANUAIS DA LÍNGUA DE SINAIS BRASILEIRA
Cabeça projetada para frente, olhos levemente
ROSTO E CABEÇA cerrados, sobrancelhas franzidas
Cabeça projetada para trás e olhos arregalados

para frente
Para trás
TRONCO Balanceamento alternado dos ombros
Balanceamento simultâneo dos ombros
Balanceamento de um único ombro

(FERREIRA BRITO e LANGEVIN, 1995 apud QUADROS e KARNOPP, 2004, p.61)

As expressões não manuais, ou seja, decorrentes de movimentos da face, dos


olhos, da cabeça ou do tronco, têm diferentes papéis nas línguas de sinais, sendo
eles:
a) marcação de construções sintáticas;
b) diferenciação de itens lexicais.

Para essas autoras, as expressões não manuais são aquelas que marcam senten-
ças interrogativas de resposta tipo “sim” e “não”, sentenças interrogativas, orações
relativas, topicalizações, concordância e foco. Em relação às expressões não ma-
nuais que marcam diferenciação de itens lexicais.
Os estudos iniciais da Libras buscaram comprovar e descrever a composição
dessa língua:

UNIDADES MÍNIMAS DA LIBRAS


Configuração de mão (CM)
Ponto de articulação (PA)
Movimento (Mov.)
Orientação da mão (Or.)
Expressões faciais (Exp.)

Para realizarmos a comunicação em língua de sinais, a execução correta dos


movimentos, a posição das mãos e dos dedos, o local do corpo, as expressões cor-
porais e faciais são importantíssimos. Observe os dedos e a posição da mão, do al-
fabeto e dos números, pois, se houver uma inversão, muda-se a palavra ou o sinal.

capítulo 5 • 85
Ex: faca/ taca, foca/toca, (F e T somente invertem a posição do dedo indica-
dor quando se faz a datilologia dessas palavras.)

A B C D E F

G H I J K L

M N O P Q R

S T U V W X

Y Z 1 2 3 4

5 6 7 8 9 0

A Configuração das Mãos pode ser da datilologia (alfabeto manual) ou pos-


síveis movimentos feitos com a mão predominante (mão direita para os destros
e esquerda para os canhotos) ou com as duas mãos. Para melhor entendimento,
observe:

Mão em L Ontem

capítulo 5 • 86
Alemanha

Água

Todos os sinais acima têm como configuração manual a letra L, porém em


pontos diferentes do corpo
Ponto de articulação é o local onde se faz o sinal, podendo tocar alguma parte
do corpo ou estar em um espaço neutro.
Exemplo:

Pai (toca o rosto)

João

Nome (espaço neutro)

Os sinais podem possuir movimento ou não. A palavra número tem movimento


quando é executada, mas telefone já não apresenta movimento.

1,2,3...
Número (tem movimento)

capítulo 5 • 87
Telefone (estático)

Além disso, os sinais possuem orientação e direção – por exemplo, os verbos


“ir” e “vir” se opõem em relação ao direcionamento.

Ir Vir Subir Descer

Acender Apagar Abrir Fecha

Fonte: LIBRAS em Contexto(2007,p.23)

Como já mencionado, a língua de sinais trabalha o corpo e as expressões fa-


ciais para elucidar, clarear e dar as reais dimensões dos assuntos tratados. É neces-
sário que o sinal venha acompanhado de expressões que o identifiquem.
Ex:

Por que?

capítulo 5 • 88
Triste

Observe que nas figuras anteriores o sinal está associado a uma expressão facial
correspondente.

a. b. c.

d. e. f.

g. h. i.

j. k. l.

As expressões faciais na figura conseguem exprimir: Desconfiança (b),


medo (l), alegria (f )....

capítulo 5 • 89
CONEXÃO
Para iniciar o aprendizado de alguns vocábulos da LIBRAS, acesse o site
www.acessobrasil.org.br ou
www.ines.gov.br
Neles você poderá observar as expressões e as configurações das mãos.

Composição da língua de sinais

Segundo Britto (1995), as sentenças da LIBRAS são mais flexíveis no que diz
respeito à ordem das palavras ou constituintes do que as sentenças do português,
de modo que a topicalização, muito mais frequente do que no português, pode ser
considerada regra geral na LIBRAS.
Para muitas pessoas, a comunicação por meio dos sinais ocorre pela soletração
das vogais e consoantes, mas o uso do alfabeto datilológico é apenas um dos recur-
sos das línguas de sinais, cuja função é a soletração de palavras tais como nomes
próprios, siglas, empréstimos, que ainda não possuem sinais próprios ou que, para
determinado grupo ou pesssoa, seja desconhecido.
Os pronomes são indicados por apontamento.
Segundo Brito (2008), os pronomes pessoais em LIBRAS:

[...] possuem um sistema pronominal para representar as pessoas do discurso:


primeira pessoa (singular, dual, trial, quatrial e plural): EU; NÓS-2, NÓS-3, NÓS-4,
NÓS-GRUPO, NÓS-TOD@;
segunda pessoa (singular, dual, trial, quatrial e plural): VOCÊ, VOCÊ-2, VOCÊ-3, VOCÊ-
4, VOCÊ-GRUPO, VOCÊ-TOD@;
terceira pessoa (singular, dual, trial, quatrial e plural): EL@, EL@-2, EL@-3, EL@-4,
EL@-GRUPO, EL@-TOD@ .

capítulo 5 • 90
Eu

El@

Nós

Você

Fonte: LIBRAS em Contexto(2007,p.23)

Os pronomes possessivos também não possuem diferenciação no gênero.


Exemplo: Me@ CADERNO
TE@ IRMÃ
SE@ TRABALHO

ME@

SE@

capítulo 5 • 91
As frases interrogativas – quem, como, quando, onde e por que são repre-
sentados por meio da expressão facial e, na maioria das vezes, no final das frases.

Onde?

Porquê?

?
2008/2009
maio

Quando?

Quantos?

Os sinais de pontuação – vírgulas, ponto final e ponto de interrogação –, às


vezes, são desenhados no ar.

!
capítulo 5 • 92
Os verbos são usados no infinitivo. Segundo Brito (2008):

[...] quando o verbo refere-se a um tempo passado, futuro ou presente, o que vai marcar
o tempo da ação ou do evento serão itens lexicais ou sinais adverbiais como ONTEM,
AMANHÃ, HOJE, SEMANA PASSADA, SEMANA QUE VEM. Com isso, não há risco
de ambiguidade porque sabe-se que, se o que está sendo narrado iniciou-se com uma
marca no passado, enquanto não aparecer outro item ou sinal para marcar outro tem-
po, tudo será interpretado como tendo ocorrido no passado.

Exemplo: LOJA, EU IR.


CHOCOLATE, ELA COMER .

O tempo é marcado sintaticamente por meio de advérbios de tempo e estes


geralmente vêm no começo da frase, mas podem ser usados também no final. Para
um tempo verbal indefinido, usam-se os sinais:
• HOJE, que traz a ideia de “presente”;

2008/2009
maio

• PASSADO, que traz a ideia de “passado”;

2008/2009
maio

• FUTURO, que traz a ideia de futuro.

?
2008/2009
maio

capítulo 5 • 93
Exemplo: ONTEM PASSEAR CASA MARIA.
PINTAR CABELO AMANHÃ.

Os adjetivos são sinais que formam uma classe específica na LIBRAS e sempre
estão na forma neutra, não havendo, portanto, marca para gênero (masculino e
feminino) nem para número (singular e plural).
Exemplo: CACHORR@ BONITO,PRET@ ENGRAÇAD@
Usa-se muito os classificadores, que são um:

[...] tipo de morfema gramatical que é afixado a um morfema lexical ou sinal para men-
cionar a classe a que pertence o referente desse sinal, para descrevê-lo quanto a
forma e tamanho, ou para descrever a maneira como esse referente é segurado ou se
comporta na ação verbal.[...] classificadores são afixos incorporados ao radical verbal
ou nominal (BRITO,2008)

CL Classificador

O verbo andar apresenta diferença quando se refere a pessoa e animal.

Andar (animal)

Andar (pessoa)
Em LIBRAS, os classificadores são configurações de mãos que, relacionadas a
coisa, pessoa e animal, funcionam como marcadores de concordância, substituin-
do o nome que as precede, podendo vir junto ao verbo para classificar o sujeito

capítulo 5 • 94
ou o objeto que está ligado à ação do verbo. Exemplo: o verbo “cair” para pessoa é
diferente do verbo “cair” para papel.
Existem diferenças entre os numerais cardinais e ordinais. Os números tam-
bém apresentam variações.
Números cardinais para: número do ônibus, da casa, do apartamento, do te-
lefone etc.
©© FONTE: LIBRAS EM CONTEXTO(2007)
©© FONTE: LIBRAS EM CONTEXTO(2007)

171

69
2 3
1

4 5
7 8
6

#
*
9
0

Nº do telefone Nº da casa Nº do ônibus

Números ordinais para quantidades: pessoas, coisas...


FONTE: LIBRAS EM CONTEXTO(2007)

Quantidade

capítulo 5 • 95
Por onde começar a aprender libras

Falamos até agora em respeito à língua e às pessoas surdas, então o melhor


seria iniciar o aprendizado pelo que é a base de qualquer relacionamento: a educa-
ção. Esses conceitos aproximam as pessoas e trazem o respeito.
Aprender a sinalizar: oi, obrigado, por favor, desculpa, bom dia, boa tarde e
boa noite faz toda diferença e aproxima nossa teoria da prática, faz com que tenha-
mos uma concepção com uma atitude condizente

Bom dia

Boa tarde

Boa noite
Qual aluno não gostaria que seu professor chegasse e o cumprimentasse res-
peitosamente na sua língua, a LIBRAS? Com certeza ele sentiria que faz parte da
sala, do grupo.

Desculpa

capítulo 5 • 96
Obrigado

LEITURA

Por favor!

Oi!
Palavras simples mas que são de fundamental importância quando pedimos
aos nossos alunos:
“Por favor, feche a porta!” ou “Por favor, abra o livro na página 32.”
“Obrigado por me ajudar.”
“Oi, bom dia!”
Na educação, o aprendizado ocorre com maior fluidez quando ele é funcio-
nal, quando os alunos percebem sua utilidade no dia a dia. Como diria Freinet
(ano), temos que aproximar a escola e o ensino da vida dos alunos. Agora que
temos um vínculo criado através das atitudes de boas maneiras, podemos iniciar
o aprendizado deste idioma, a LIBRAS, mas nunca esquecendo que ele precisa
ser contextualizado.
Vamos elaborar algo seguindo os caminhos deste material, mas antes é impor-
tante que se reflita sobre o texto abaixo que foi escrito por dois surdos americanos.

capítulo 5 • 97
LEITURA
“Você precisa ser surdo para entender”

Como é “ouvir” uma mão?


O que é ser uma pequena criança na escola, numa sala sem som com um professor
que fala, fala e fala e então quando ele vem perto de você ele espera que você saiba o que
ele disse?
Ou o professor que pensa que para torná-lo inteligente você deve, primeiro aprender
como falar com sua voz assim colocando as mãos no seu rosto por horas e horas sem pa-
ciência ou fim até sair algo indistinto assemelhado ao som?
Como é ser curioso na ânsia por conhecimento próprio como um desejo interno que está
em chamas e você pede a um irmão, irmã e amigo que respondendo lhe diz: “Não Importa”?
Como é estar de castigo num canto embora não tenha feito realmente nada de errado
a não ser tentar fazer uso das mãos para comunicar a um colega silencioso um pensamento
que vem, de repente, a sua mente?
Como é ter alguém a gritar pensando que irá ajudá-lo a ouvir ou não entender as palavras
de um amigo que está tentando tornar a piada mais clara e você não pega o fio da meada
porque ele falhou?
Como é quando riem na sua face quando você tenta repetir o que foi dito somente para
estar seguro que você entendeu você descobre que as palavras foram mal entendidas?
E você quer gritar alto: “Por favor, me ajude, amigo!”
Como é ter que depender de alguém que pode ouvir para telefonar a um amigo ou marcar
um encontro de negócios e ser forçado a repetir o que é pessoal e, então, descobrir que seu
recado não foi bem transmitido?
Como é ser surdo e sozinho em companhia dos que podem ouvir e você somente tentar
adivinhar, pois não há ninguém lá com uma mão para ajudar enquanto você tenta acompa-
nhar as palavras e a música?
Você precisa ser surdo para entender!
Autor: Willerd e Madsen

Esse texto chama a atenção para a importância de pessoas de diferentes locais,


profissões, familiares ou não, terem conhecimento da língua de sinais e mostra
como alguns mitos ainda persistem na sociedade, como falar alto com o surdo.

capítulo 5 • 98
Cada pessoa tem sua parcela de responsabilidade quando buscamos uma so-
ciedade mais humana e democrática. Respeitar as diferenças entre todas as pessoas
é o começo.

©© THOMAS PERKINS | DREAMSTIME.COM

Como professor é de suma importância saber aonde se quer chegar e como se


deve proceder para atingir o objetivo. Aqui a busca é aprender a pensar e enten-
der como é se comunicar em LIBRAS ou pelo menos mostrar como organizar o
aprendizado, como pensar as atividades e sua relevância.
a) Alfabeto e os números

A B C D E F
FONTE: LIBRAS EM CONTEXTO (2007)

G H I J K L

M N O P Q R

S T U V W X

Y Z 1 2 3 4

5 6 7 8 9 0

capítulo 5 • 99
O aprendizado das letras auxiliará na escrita dos nomes, dos endereços ou
de qualquer informação que não tenha sinal padronizado. Os números ajudam a
identificar RG, CPF, telefone, celular ou qualquer coisa que use numeral.
Qualquer sinal deve ser criado por pessoas surdas, e nunca por ouvintes. Este
sinal será como uma identificação pessoal, será algo com características próprias
para determinada pessoa, lugar, comida, bebida etc.
Por exemplo: um homem pode ter um bigode que para a pessoa surda que está
elaborando o sinal o caracterize ou uma pessoa pode ter algo na testa, uma man-
cha ou uma pinta que chame a atenção ou que seja algo que somente esta pessoa
possui ficando estes o sinal para identificá-las.

Bigode Testa . Fonte: LIBRAS em


Contexto (2007, p.34 e 35)

Paulo Freire, em seu método de alfabetização, acreditava que temos que traba-
lhar a partir do mundo que cerca o aluno, de tudo o que for real, vivo, que tenha
significado, vocabulários e contexto em que a pessoa está inserida. Partindo dessas
mesmas ideias, após sabermos as letras e os números, podemos pensar:
Onde seriam usados esses conhecimentos? Em entrevista de emprego, matrí-
cula em escola, cadastro em geral etc.

b) Identificação
Este item seria o complemento do que já foi citado anteriormente, mas agora
com o sinal para as palavras. Todos os itens são úteis em vários contextos e tam-
bém para buscar informações.
Os componentes de uma ficha de identificação seriam: nome, idade, endere-
ço, telefone, bairro, cidade, estado, país, e-mail, celular, RG etc.

capítulo 5 • 100
Nome

Idade

Endereço

1, 2, 3...
Número

Apartamento

Bairro

capítulo 5 • 101
Cidade

CEP

Estado

País

Telefone

capítulo 5 • 102
Celular

RG

Email

A experiência mostra que a aprendizagem de uma língua, oral ou gestual,


ocorre com maior rapidez quando as aulas têm constantemente o uso da língua
que esta sendo ensinada para que o aluno possa pensar e interagir somente nesta
língua, sem buscar na sua L1 recursos para L2, uma que vez cada idioma tem sua
estrutura gramatical, sintática, semântica e morfológica própria.
Aprender língua de sinais requer atenção visual, discriminação visual, memó-
ria visual, expressão corporal e facial, além de agilidade manual, pois é uma língua
percebida pela visão.

c) Ensinar LIBRAS por categorias de palavras (família, cores, animais,


frutas) não garante que as pessoas aprendam, pois isoladas ficam sem signifi-
cado e contexto, necessitando trazê-las para a conversação e assim conseguir
fazer uso das regras e das estruturas da língua.

capítulo 5 • 103
d) Pensar em temas geradores para adquirir vocabulário em contexto é a
ideia central.
Exemplo: “Ir ao supermercado” envolve verbos (comprar, vender, pagar, pro-
curar, comer, beber, gostar), alimentos (carne, frutas, bolacha, pão, arroz), bebidas
(água, cerveja), uso de dinheiro, entre outras coisas.
Com esse tema podemos enfocar vários assuntos, os diálogos serão úteis para
o dia a dia, pensando que as pessoas podem auxiliar os surdos em vários locais não
somente em ambientes escolares, mas em bancos, hospitais, delegacias etc.
Passeio no shopping center, um dia na escola, uma viagem pelo mundo são
sugestões que fazem a diferença no ensino da LIBRAS. Sempre que possível, usar
o teatro como recurso didático indispensável.

e) Agora que já se sabe o que é importante aprender e como aprender, os


professores devem estar pensando:
O que eu faço se chegar um aluno surdo na minha sala?
Professor, o primeiro passo já foi dado, que é o aprendizado básico da LIBRAS:
o conhecimento da história da educação de surdos, o que é LIBRAS e suas dife-
renças com a língua portuguesa – enfim, seu alicerce está feito. Agora vamos falar
da aprendizagem.
Se na sua escola ou no seu município não houver atendimentos educacionais
especializados necessários, leve as informações às pessoas responsáveis para que a
legislação seja cumprida e para que os alunos com surdez ou deficientes auditivos
tenham seus direitos garantidos. Solicitar intérprete em sala de aula é importante
e bem como a capacitação constante do corpo docente.

Software de dicionário de libras

O dicionário de LIBRAS versão 2.0 – web – 2006 é um software de auxílio


à tradução de palavras e textos de português para LIBRAS (Língua Brasileira de
Sinais). Seu endereço de acesso na internet é: <http://www.acessobrasil.org.br/
libras/>. Nele encontra-se o software bem estruturado, e a ordem de pesquisa está
organizada por: ordem alfabética, assunto, por busca e por sinal da mão (letras
do alfabeto em Libras, usando-se a mão como sinal). Possui também o recurso
de busca por palavra, por exemplo: acepção e assunto. A resposta da pesquisa é
visualizada pelo vídeo, que mostra a animação e a letra da palavra em libras. Como

capítulo 5 • 104
ele é um software interativo, o usuário poderá digitar a palavra ou a frase e ele
demonstrará o resultado.

O msn para o surdo

Essas ferramentas são importantes para a promoção da justiça social e de opor-


tunidades para o surdo. Estimula o desenvolvimento cognitivo, aprimora e poten-
cializa a apropriação de ideias, de conhecimentos, de habilidades e de informações
que influenciam a formação de identidade, de concepção da realidade e do mundo
em que vivemos.
Amplia as possibilidades de comunicação e de autonomia pessoal, promoven-
do o desempenho intelectual e deixando de lado as limitações.
Modifica o seu estilo de vida, promove interações e condutas sociais ao inovar
hábitos e atitudes em relação à educação, ao lazer e ao trabalho, à vida familiar
e comunitária.
©© TODOS OS DIREITOS RESERVADOS HOTMAIL MESSENGER

O MSN Messenger7 é um programa de bate-papo em tempo real, utilizando


texto, voz, telefone celular ou até conversas com vídeo em tempo real, com ami-
gos, família e assuntos profissionais também. Outra possibilidade é a utilização
de Webcam9, o que possibilita que as interações ocorram em Língua de Sinais, já
que o Messenger possui este recurso. O MSN é um instrumento para a construção
do surdo, principalmente na escrita, tem importância na sistemática dos estudos
a distância e na troca de informações e sugestões, pois o surdo consegue interagir
com professor, alunos e comunidades virtuais num nível de igual entendimento.

capítulo 5 • 105
Telefone para surdos (TS)

TS é um aparelho muito importante para a comunidade surda. Nos Estados


Unidos, é conhecido como TDD. Aqui no Brasil, é chamado de TS (Telefone
para Surdo) 13 e TTS (Terminal Telefônico para Surdo). Esses aparelhos possuem
teclado alfanumérico e visor de legenda para enviar e receber mensagens digitais
de outra pessoa que também tenha este tipo de aparelho ligado à linha telefônica.
©© WIKIMEDIA

Telefone celular para surdos

Entre as novas tecnologias da comunicação, a que mais conseguiu se adaptar


às necessidades do surdo é o telefone celular, por possuir o recurso de envio de
mensagens escritas, recurso de vibrar o aparelho, iluminação do visor quando rece-
be mensagem. Entretanto, essa tecnologia é usada ainda por uma pequena parcela
dos surdos, pois estes têm que ser alfabetizados para poder digitar e ler em Língua
Portuguesa. O surdo com o celular consegue certa independência de comunica-
ção, expressão e mobilidade na sociedade.
A empresa japonesa Hitachi está desenvolvendo um celular que exibe anima-
ções 3D na linguagem de sinais, utilizada por deficientes auditivos, de acordo com
o pesquisador Hirohiko Sagawa, que mostrou o protótipo do aparelho em Tóquio.
A Cellcom, considerada a maior empresa de telefonia celular de Israel, e a
Speech Wiew lançaram,em 2002 o LipCcell, novo programa de conversão de voz
em imagem. No formato de um rosto tridimensional cuja boca se movimenta, o

capítulo 5 • 106
programa sincroniza-se com a voz do interlocutor, possibilitando ao surdo ler os
lábios da imagem transmitida por seu emissor.
É necessário estar conectado a um computador.
Pretende-se difundir e implantar o produto em vários países. O LipCcell não
impõe limitação idiomática: todos os idiomas podem ser traduzidos pelo programa.

Legenda em televisão (closed-caption)

Closed-caption é uma legenda oculta que foi criada para permitir aos surdos
e às pessoas com dificuldades auditivas o acesso a programas, comerciais e filmes
veiculados na televisão e em vídeo. Esta legenda oculta funciona como o áudio do
programa e são passadas as informações literais e não literais.
Há duas formas de legendas ocultas: a on-line, que é feita em tempo real pela
estenotipia ou software de reconhecimento de voz, e a off-line, pós-produzida em
programas gravados, utilizando computadores com softwares específicos.
©© YOUTUBE / TODOS OS DIREITOS RESERVADOS

A diferença entre on-line e off-line é que na primeira apenas as informações


literais são descritas na legenda, e na off-line, o aproveitamento do tempo, o po-
sicionamento das legendas e as informações não literais (ruídos, trilha sonora,
indicação do falante etc.) também são descritos na legenda.
Para os surdos, são muito importantes as legendas em todos os canais da TV,
para que esses indivíduos se mantenham em dia com os noticiários nacionais e
internacionais. Desta forma, as pessoas surdas se mantêm bem informadas e têm
acesso à cultura, como é direito de todo cidadão.

capítulo 5 • 107
A obrigatoriedade do uso de legenda oculta nas emissoras de TV está em-
basada em duas leis: a primeira – Decreto de lei 5.296, Lei da Acessibilidade no
Capítulo VI – Do Acesso à Informação e Comunicação; a segunda no Art. 52
lei 10.098, de 19 de Dezembro de 2000, publicada no D.O.U. de 20.12.2000,
no Capítulo VII – Da acessibilidade nos sistemas de comunicação e sinalização,
Art.17,18 e 19.

Projeto tlibras – tradutor português x libras (língua brasileira de sinais)


©© PROJETO TLIBRAS/ACESSIBILIDADE BRASIL

Esse projeto, iniciado em 2001, atualmente é apoiado pelo MEC/Secretaria de


Educação Especial com recursos do FNDE, através de convênio com a FENEIS
– Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos. Coordenado pela
Acessibilidade Brasil, está sendo desenvolvido por três equipes: Equipe de LIBRAS
(FENEIS), Equipe de Linguagem Natural (linguistas especializados em tradu-
tores linguísticos e analistas de linguagem natural do Núcleo Interinstitucional
de Linguística Computacional – NILC – da USP-São Carlos) e Equipe de
Computação Gráfica (analistas de sistemas e engenheiros de computação gráfi-
ca especializados em jogos e programação de animações gráficas, da organização
Acessibilidade Brasil).
O objetivo desse projeto é a integração linguística entre surdos e ouvintes,
gerando pleno acesso aos meios de comunicação e entretenimento.

capítulo 5 • 108
Ouvido biônico – implante coclear

Quem tem acima de 35 anos talvez se lembre do seriado o Homem ou a


Mulher Biônica, que tinham poderes adquiridos por meio de implantes tecnoló-
gicos que trouxeram aumento da visão, da audição, entre outros.
Atualmente, temos uma medicina totalmente próxima e cheia de pesquisas
aliando saúde e tecnologia. Na área da surdez, temos o implante coclear, que,
segundo o Dr. Bento (2010), da USP:

O Implante Coclear (ou popular “ouvido biônico”) é um equipamento eletrônico com-


putadorizado que substitui totalmente o ouvido de pessoas que têm surdez total ou
quase total. Assim, o implante é que estimula diretamente o nervo auditivo através de
pequenos eletrodos que são colocados dentro da cóclea, e o nervo leva estes sinais
para o cérebro. É um aparelho muito sofisticado que foi uma das maiores conquistas
da engenharia ligada à medicina. Já existe há alguns anos e hoje mais de 100.000
pessoas no mundo já estão usando.

O funcionamento do implante coclear difere do Aparelho de Amplificação


Sonora Individual (AASI). O AASI amplifica o som e o implante coclear fornece
impulsos elétricos para estimulação das fibras neurais remanescentes em diferentes
regiões da cóclea, possibilitando ao usuário a capacidade de perceber o som.
Atualmente existem, no mundo, mais de 60.000 usuários de implante coclear.
O implante coclear consiste em dois tipos de componentes: interno e externo.
Para melhor compreensão, esses tipos serão descritos separadamente.
O componente interno é inserido no ouvido interno por meio de cirurgia e
é composto de uma antena interna com um ímã, um receptor estimulador e um
cabo com filamento de múltiplos eletrodos envolvido por um tubo de silicone
fino e flexível.

CONEXÃO
Vamos assistir ao vídeo My smart hands – Bebês e a língua de sinais, que mostra o con-
tato de uma mãe e seu filho implantado.
Disponível em http://www.libras.info/2010/08/my-smart-hands-bebes-e-lingua-de-sinais.html

capítulo 5 • 109
©© WIKIMEDIA

O componente externo é constituído por um microfone direcional, um pro-


cessador de fala, uma antena transmissora e dois cabos.

A sensação auditiva ocorre em frações de segundos. Todo o processo inicia-se no


momento em que o microfone presente no componente externo capta o sinal acústico
e o transmite para o processador de fala, por meio de um cabo. O processador de fala
seleciona e codifica os elementos da fala, que serão reenviados pelos cabos para a
antena transmissora (um anel recoberto de plástico, com cerca de 3mm de diâmetro)
onde será analisado e codificado em impulsos elétricos. Por meio de radiofrequência,
as informações são transmitidas através da pele (transcutaneamente), as quais serão
captadas pelo receptor estimulador interno, que está sob a pele. O receptor estimulador
contém um “chip” que converte os códigos em sinais eletrônicos e libera os impulsos
elétricos para os eletrodos intracocleares específicos, programados separadamente
para transmitir sinais elétricos, que variam em intensidade e frequência, para fibras ner-
vosas específicas nas várias regiões da cóclea. Após a interpretação da informação no
cérebro, o usuário de Implante Coclear é capaz de experimentar sensação de audição.

capítulo 5 • 110
Quanto maior o número de eletrodos implantados, melhores serão as possibi-
lidades de percepção dos sons.

WIKIMEDIA

Acessibilidade na inclusão

Atualmente, um assunto fundamental para a educação inclusiva é acessibilidade.


A acessibilidade deve ser discutida por todos os profissionais envolvidos com
a qualidade de vida e a autonomia das pessoas com deficiência.

A acessibilidade arquitetônica se faz mediante uma análise das condições do ambien-


te, numa parceria constante entre profissionais da educação e profissionais da arquite-
tura e engenharia dentro de uma perspectiva ampla de inclusão. É preciso verificar as
necessidades específicas oriundas de cada tipo de dificuldade: motora, sensorial, de
comunicação, cognitiva ou múltipla (MACHADO,2008,p.105)

Em documentos brasileiros temos garantida a acessibilidade nas escolas.

Com base nos princípios do Desenho Universal e da Lei nª 10.098/00, toda escola
deve promover ambiente acessível, eliminando as barreiras arquitetônicas e adequando
os espaços que atendam à diversidade humana. Recentemente também foi promulgado
o Decreto no 5.296:2004 que “estabelece normas gerais e critérios básicos para a pro-
moção da acessibilidade das pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida e dá
outras providências”. Esse Decreto estipula um prazo de 30 meses, para que os lugares
públicos organizem seus espaços de forma a torná-los acessíveis. (BRASIL, 2008)

capítulo 5 • 111
Pensar em incluir é importante, mas também temos que dar condições para
que as pessoas com deficiência possam realmente ter seus direitos garantidos.

ATIVIDADES
01. Que número são estes?

a) __________________________

b) __________________________

02. Que sinais são estes?

a) __________________________

b) __________________________

c) __________________________

03. Aprender LIBRAS é importante por quê?

04. Cite alguns recursos da tecnologia que auxiliam as pessoas com surdez.

capítulo 5 • 112
05. Cite alguns recursos da tecnologia que auxiliam as pessoas com surdez.

06. 
Pense nos locais que você frequenta. Quais têm acessibilidade para as pessoas
com surdez

REFLEXÃO
Agora vamos pensar por ser uma língua com todas as características das demais a LI-
BRAS deve ser estudada e aprofundada por muito tempo. Além da convivência com surdos
fazer com que haja maior fluência e aprendizado.
Os avanços na área das tecnologias só tem a contribuir para as pessoas com deficiência,
porém ainda temos que discutir o custo das mesmas. Pois vale salientar que nem todos tem
acesso a bons empregos que possam custear estes recursos.
Os avanços na área das tecnologias só têm a contribuir para as pessoas com deficiência,
porém ainda temos que discutir o custo dessas tecnologias, pois vale salientar que nem to-
dos têm acesso a bons empregos que possam custear estes recursos.

LEITURA
BRASIL. Saberes e práticas da inclusão: desenvolvendo competências para o aten-
dimento às necessidades educacionais especiais de alunos surdos. 2 ed. SEESP/MEC. Bra-
sília: MEC, 2006.
FELIPE, T.A. Introdução à Gramática de LIBRAS. In: BRASIL, Ministério da Educação
e do Desporto. Secretaria de Educação Especial. Educação especial: Deficiência Auditiva.
Brasília, 1997.
FERREIRA-BRITO, L. Por uma gramática de Línguas de Sinais. Rio de Janeiro: Tem-
po Brasileiro, 1995
QUADROS, R. M. de. Educação de Surdos: A Aquisição da Linguagem. Porto Alegre:
Artes Médicas, 1997.
______; KARNOPP, L.B. Língua de Sinais Brasileira: estudos linguísticos. Porto Ale-
gre: Artes Médicas, 2004.
RAIÇA, Darcy (org.). Tecnologias para a Educação Inclusiva. São Paulo, AVERCAMP.
Este livro retrata o despreparo dos professores e o excesso de alunos por sala, assim
como a falta de apoio no processo de inclusão, costumam ser foco de queixas e resistência

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dos professores do movimento inclusivo. O livro aborda também a resistência ao uso da
tecnologia por parte dos professores nas escolas e à velocidade da tecnologia, que torna
necessárias constantes atualizações por parte dos docentes. Ainda aponta a importância da
inclusão, afirmando ser uma necessidade humana fazer parte da sociedade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRITO, F. Por uma gramática das línguas de sinais. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1995.
Disponível em: <http://www.ines.org.br/ines_livros/FASC7_INTRO.HTM>
CAPOVILLA,F.C.&RAFHAEL,W.D. Dicionário enciclopédico ilustrado trilíngue da língua brasileira
de sinais. São Paulo,SP:EDUSP,2001.
MRECH, Leny Magalhães. A informática e a construção do conhecimento na educação especial.
Disponível em: <www.educacaoonline.pro.br>.
SANCHO, Juana María; HERNÁNDEZ, Fernando. Tecnologias para transformar a educação. Porto
Alegre,Artmed, 2006.

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