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FOLHA DE S.

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Toni Morrison foi farol em mares


turbulentos, diz Djamila Ribeiro
AUGUST ,

“Se queres voar, tens que desistir da porcaria que te puxa para baixo.”

Toni Morrison, um grande farol para embarcações em mares turbulentos,


deixou um legado de luz. Primeira mulher negra a ganhar o Nobel, marcou
suas palavras em pessoas ao redor do mundo, sobretudo àquelas pertencentes
a grupos oprimidos.

No Brasil, a leitura de Toni Morrison tem sido muito intensa e crescido a


cada dia. “O Olho Mais Azul”, seu livro de estreia, marcou minha vida.

Quando li a obra pela primeira vez, tinha  anos, havia acabado de sair da
Casa de Cultura da Mulher Negra, uma organização de Santos, e estava
como professora de cursinhos para a juventude negra. Tinha perdido meu
pai e minha mãe, e meus ideais se confundiam com minha tristeza, com a
falta de rumo.

Ler Toni me guiou para transcendências fundamentais à época e a ela


agradeço com reverência. Não tinha dúvidas de que sua leitura marcaria a
vida de muitas pessoas e até hoje, todos os dias, recebo retornos de pessoas
encantadas com a obra. Ler Toni é um oásis num mundo em que as pessoas
fingem intensidade em vez de sentir.

Veja imagens
Veja imagens da
da escritora
escritora Toni
Toni Morrison
Morrison
A forma com a qual descreveu pessoas, sobretudo as mulheres negras,
humanizando-as, me tocou profundamente. No “Olho Mais Azul”, são
diversas passagens que me tocam. Uma costumo destacar em palestras: “O
amor nunca é melhor do que o amante. Quem é mau, ama com maldade, o
violento ama com violência, o fraco ama com fraqueza, gente estúpida ama
com estupidez, e o amor de um homem livre nunca é seguro”.

O que Toni quis dizer com isso? Penso que o sentimento nunca vai ser
melhor do que a pessoa, por isso é preciso sempre se cultivar, aprender e
crescer como ser humano. O amor, a empatia e a fraternidade dependem da
construção política e afetiva para serem livres e emancipadores.

Recentemente li “Voltar para Casa”, um de seus livros mais recentes. Mal


sabia que semanas depois nos despediríamos dessa brilhante autora, que
tantos ensinamentos deixou.

Nesse livro, a personagem odiada pela avó, enganada pelo marido e ansiosa
para sair da pequena cidade em que nasceu recebe um conselho inspirador
que vale para todas as pessoas de grupos sociais oprimidos que buscam pela
liberdade num mundo cujos sistemas impõem barreiras quase
intransponíveis:

“Olhe para você. Você é livre”, escreveu a autora. “Nada nem ninguém é
obrigado a te salvar, só você mesma. Plante a sua própria terra. Você é moça
e mulher, e as duas coisas têm sérias limitações, mas você é uma pessoa
também. Em algum lugar aí dentro de você está essa pessoa livre de que eu
estou falando. Encontre-a e deixe que ela faça algum bem nesse mundo.”

Aos poucos, vou lendo as obras de Toni Morrison. Encontro a paz, cuido de
mim e reflito sobre os ensinamentos de quem tinha o dom das palavras e de
trazer personagens tão algozes quanto humanos, tão oprimidos quanto
desbravadores pela transcendência rumo à liberdade.

Tenho “Amada”, livro pelo qual foi muito premiada, para ler em breve. Vou
passar boas tardes de domingo lendo “Sula”, outras noites lendo “Jazz”.
Provavelmente conversarei com amigas que amam ler Toni tanto quanto eu
e munidas de nossos livros gastos.

Os encontros com a profundidade oceânica de Toni Morrison ainda têm


muitos outros capítulos diante do vasto campo de ensinamentos deixados.
Que esse belo “voltar para casa” da autora aos seus ancestrais nos inspire a
melhorarmos como humanos. Obrigada, Toni Morrison.

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