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Miolo Lukacs PDF
Miolo Lukacs PDF
1ª Edição - 2010
Editora Praxis
Copyright do Autor, 2010
ISBN 978-85-7917-156-3
Produção Gráfica:
Canal6 Projetos Editoriais
www.canal6.com.br
A474l Alves, Giovanni.
Lukács e o Século XXI: Trabalho, Estranhamento e Capitalis-
mo Manipulatório / Giovanni Alves – Londrina: Praxis; Bauru:
Canal 6, 2010.
120 p. : il.
ISBN 978-85-7917-156-7
CDD 330
Georg Lukács
Sumário
09 Apresentação
13 À título de introdução
19 Capítulo 1
A Trajetória intelectual de Georg Lukács
Da Geistwissenchaften à Ontologie des gessellschaftlichen Seins
27 Capítulo 2
O “Método” de Lukács
Cotidianidade e método histórico-genético
39 Capítulo 3
“Por uma Ontologia do Ser Social”
Elementos critico-categoriais básicos
57 Capítulo 4
Lukács e o Capitalismo Manipulatório
Desafios da atividade e do pensamento do homem no século XXI
85 Referências bibliografias
89 Anexo
Apresentação
O Retorno de Lukács
Ricardo Antunes
9
Classe é das mais férteis no interior do marxismo do século XX em vá-
rias partes do mundo ocidental - bastaria lembrar sua contribuição sobre
o tema da totalidade e a riqueza da sua reflexão sobre o fenômeno social
da reificação/alienação, antes mesmo da publicação dos Manuscritos
de 1844 de Marx – agora parece ser a vez da sua Ontologia, na contra-
tendência ao marxismo de viés epistemologizante e/ou permeado pela
neopositivização à moda staliniana (e stalinista) que tantos malefícios
trouxeram para tantos marxismos do século que se foi.
A obra madura de Lukács certamente tem continuidade com vários
elementos analíticos presentes na sua juventude, de que são exemplos a
reificação, a alienação, os estranhamentos, as conexões entre mundo da
objetividade e da subjetividade, as questões metodológicas, a remissão
decisiva à vida cotidiana, a busca incessante da autenticidade humana e
de sua emancipação, etc, são temas que estiveram presentes na longa vida
do mais importante filósofo marxista do século XX e que ganham mais
força através da recuperação e da ênfase ontológica do velho Lukács.
Este pequeno livro de Giovanni Alves é um exemplo de como
a obra lukacsiana vem influenciando, no Brasil, uma gama de novos
estudiosos da teoria social que avançam nos estudos do mundo atual
através das pistas seminais da Ontologia de Lukács. Ele oferece ele-
mentos para a compreensão da trajetória intelectual de Lukács, seu
método, sua Ontologia do Ser Social, oferecendo, em particular,
uma leitura sugestiva acerca da tese lukacsiana do capitalismo manipu-
latório, atualizando-a e tornando-a contemporânea ao século XXI, que
começou estranho e ninguém sabe como transcorrerá.
Nas palavras de Giovanni Alves: “Segundo Lukács, objetivamente
o proletariado possui hoje condições materiais para uma vida plena de
sentido que entretanto, não se realiza, por conta da manipulação
social que impregna a vida burguesa. O capitalismo da grande indús-
tria de produção em massa tende (...) a erguer no interior desses indivi-
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duos, ‘uma barreira entre a sua existência e uma vida rica de sentido’. A
fruição da vida é reduzida ao gozo do consumo alienado. A ânsia fugaz
pelo consumo de mercadoria é incapaz de dar um sentido à vida. Eis o
sentido do estranhamento na ótica lukacsiana: o descompasso entre a
existência dos indivíduos e uma vida plena de sentido”.
E acrescenta: “Um mundo pleno de mercadorias é, segundo
Lukács, um mundo pleno de manipulação, que penetra não apenas os
poros da produção, mas também do consumo e da reprodução social”.
Emerge, então, o problema do estranhamento propriamente dito, que,
para Lukács, segundo o autor, “é o problema da vida plena de sentido
(o psicanalista austriaco Viktor Frankl salienta que o problema crucial
do nosso tempo é o problema da busca de sentido da vida).” O que, por
si só, nos convida à leitura deste livro de Giovanni Alves.
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À título de introdução
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A obra tardia de Lukács, como “O Capital” de Karl Marx, é uma
obra incompleta. O velho Lukács faleceu antes de concluir o projeto
de sua Ética marxista. Podemos considerar a última década de vida de
Lukács – a década de 1960, dedicada aos trabalhos preparatórios da
Ética (o volumoso manuscrito, a Ontologia do Ser Social), como sendo
a década de renascimento do pensamento lukácsiano a partir de uma
nova perspectiva mais adequada para tratar dos problemas fundamen-
tais do capitalismo tardio. Nesse momento, Lukács resgata, de modo
explícito, o caráter ontológico do pensamento de Marx.
É em maio de 1960, quando tem inicio a elaboração da sua Ética
marxista, que o velho marxista húngaro, aos 75 anos de idade, promove
uma importante inflexão epistemológica na história do marxismo do
século XX e na sua própria trajetória intelectual. Na verdade, é a partir
do resgate explicito da ontologia na obra de Marx que tem inicio a fase
de maturidade plena (e inconclusa) de Georg Lukács. O contato com
os escritos ontológicos de Nicolai Hartmann, no decorrer da década de
1950, exerceu um papel crucial na trajetória do filósofo húngaro. Como
observou Nicola Tertulian, “os escritos ontológicos de Nicolai Hart-
mann jogaram o papel de catalizador na reflexão de Lukács, provavel-
mente inculcando-lhe a idéia de buscar na ontologia e suas categorias
as bases de seu pensamento.” (Tertulian, 2007). A abordagem da “Es-
tética” de Lukács, escrita na década de 1950, muda de configuração, ao
elaborar um nexo entre a análise da obra de arte e questões de ordem
ontológica, embora a palavra “ontologia” não tenha sido utilizada por
Lukács, o que só iria ocorrer no começo da década de 1960 com uma
mudança de postura do autor em relação à palavra (Vaisman, 2007).
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Neste pequeno livro não temos a mínima pretensão de aprofun-
dar temáticas que têm sido, nas últimas décadas, objeto de debates en-
tre os especialistas da obra lukácsiana. Nosso objetivo é tão-somente
salientar a importância do pensamento do último Lukács, em contraste
com as outras etapas de sua trajetória intelectual, tendo em vista que, é
a partir da obra tardia de Lukács que podemos efetivamente promover
a atualidade radical do seu pensamento no contexto histórico da mun-
dialização do capital. Apesar de incompleta, é a obra tardia de Lukács
que o projeta como um autor do século XXI.
Nas últimas décadas de desenvolvimento do capitalismo global, o
sistema mundial do capital exacerbou como traço essencial de seu so-
ciometabolismo, a manipulação. Por isso, mais do que qualquer outro
adjetivo que possamos atribuir ao capitalismo do nosso tempo (“glo-
bal”, “financeiro”, “cognitivo” ou “flexível”) o atributo “manipulatório”
visa salientar um traço essencial e ineliminável do novo capitalismo
nas condições da crise estrutural do capital.
A manipulação perpassa a produção e a reprodução social do ca-
pital, constituindo obstáculo decisivo ao desenvolvimento do ser hu-
mano-genérico. A manipulação devassa a vida cotidiana. Da produção
ao consumo, do trabalho ao lazer, da cultura à política, a manipulação
aparece como elemento essencial do modo de controle sociometabóli-
co do capital em sua etapa tardia. Ela inverte e perverte a práxis huma-
na corroendo as tênues possibilidades da “negação a negação” no inte-
rior de um sistema mundial produtor de mercadorias que exacerbou à
exaustão suas contradições sistêmicas.
Em plena década de 1960, ao utilizar o conceito de “capitalismo
manipulatório”, Lukács salientou uma característica fundamental do
novo capitalismo que iria emergir a partir da crise estrutural do capital
na década seguinte. Ora, Lukács não viveu para ver as transformações
candentes do capitalismo global. A mundialização do capital impulsio-
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nada pela grande crise de meados da década de 1970 nos países capita-
listas centrais, exacerbaria as tendências críticas do capitalismo tardio. A
reestruturação capitalista assumiria uma dimensão totalizante e totalitá-
ria no plano mundial. Os “trinta anos gloriosos” de expansão capitalista
do pós-guerra (1945-1975) seriam seguidos por “trinta anos perversos”
(1975-2005) de reestruturação produtiva do capital, desemprego em
massa, políticas neoliberais e intensificação da manipulação capitalista
nas várias instâncias do ser social. A crise estrutural do “Welfare State” e
a vigência perversa do mercado com a ideologia neoliberal, que impreg-
na não apenas a economia e a política, mas a cultura e a psicologia de
massa, colocam obstáculos candentes à práxis humana emancipatória.
Sob o capitalismo manipulatório, mais do que nunca, a disputa
pela subjetividade do homem que trabalha, tornou-se essencial para a
reprodução social do sistema mundial do capital (Alves, 2007). No plano
da produção, o toyotismo impôs-se como ideologia orgânica da produ-
ção de mercadorias. A ideologia do consumismo e os valores-fetiches do
mercado colocaram imensos desafios à práxis coletiva num contexto de
ofensiva do capital nas várias instâncias da vida social. Intensifica-se o
fetichismo da mercadoria e suas derivações sociometabólicas.
Na verdade, sob o capitalismo manipulatório, o metabolismo social
é tencionado à exaustão pela nova dinâmica capitalista. Coloca-se com
vigor, o problema da práxis humana capaz de “negação da negação”. Para
que possa renascer, a crítica marxista é obrigada a enfrentar no plano
do pensamento, a problemática da reprodução social e da vida cotidiana
(o que Antonio Gramsci constatou, de modo pioneiro, na virada para o
“capitalismo organizado” da década de 1930, como sendo o problema da
hegemonia). A “ruptura copernicana” ou “virada ontológica” de Lukács -
da estética para a ética - significa colocar na agenda da reflexão marxista,
o desvelamento crítico (e histórico-ontológico) da vida cotidiana.
É interessante que, sob a temporalidade histórica do capitalismo tar-
dio, Henri Lefebvre, Karel Kosik, , Jean-Paul Sartre, Kostas Axelos, André
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Gorz, Agnes Heller (inspirada no seu mestre, Georg Lukács), entre outros,
abriram, cada um a seu modo, um campo de discussão sobre a cotidiani-
dade. Na verdade, o tema da vida cotidiana remete ao tema da alienação
capitalista que se impõe como problema fundamental do nosso tempo (o
último capítulo da “Ontologia do Ser Social”, de Lukács, que, segundo Wer-
ner Jung poderia ser denominada Ontologia da Vida Cotidiana, é dedicado
à discussão do estranhamento [Entfremdung]) (Jung, 2007).
O marxismo dialético do pós-guerra, crítico voraz da vulgata
marxista-leninista, renasce elaborando a crítica da vida cotidiana. Sob
o neocapitalismo tornam-se imprescindíveis inovações ontológico-
categoriais capazes de dar uma resposta à necessidade histórica de “re-
nascimento do marxismo” (como diria Lukács). Não é a toa que um
dos mais prolíficos discípulos de Lukács - István Mészáros, inaugurou
a seminal critica do capital, dissecando a teoria da alienação em Marx
no seu livro clássico “A teoria da alienação em Marx”, publicado origi-
nalmente em 1972 (Mészáros, 2006).
O problema da alienação ou estranhamento é o problema da vida
cotidiana. Eis a verdadeira inflexão ontológica lukácsiana que emerge
no período histórico do capitalismo tardio. A critica da manipulação
capitalista é a crítica da vida cotidiana como critica do ser social bur-
guês, não mais a partir de uma perspectiva da “consciência de classe
atribuída”, mas fizera Lukács em “História e Consciência de Classe”,
mas a partir da “consciência de classe contingente e necessária”, como
exposto por István Meszáros (Meszáros, 2008).
Deste modo, o que buscamos salientar neste pequeno livro é que a con-
tribuição seminal de Georg Lukács para o século XXI é abrir uma agenda
de investigação social numa perspectiva histórico-ontológica capaz de dar
conta dos problemas da reprodução social, isto é, investigar na perspectiva
histórico-genética, a ontologia da vida cotidiana e o complexo de ideologias
que constituem o novo metabolismo social do capitalismo manipulatório.
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A “virada ontológica” de Lukács repõe a “critica da economia po-
lítica” ou critica da visão de mundo burguesa, não apenas como “critica
da economia” ou “critica da política” (como o marxismo do século XX
cultivou em demasia), mas, sim, a critica da vida cotidiana, no sentido
de decifrar de forma concreta, o sociometabolismo do capitalismo ma-
nipulatório. A nova crítica da economia política, que Lukács apontava
como necessária, é a crítica do sociometabolismo do capital em sua
fase de crise estrutural. Não deixa de ser curioso que, nas últimas dé-
cadas, a maior parte dos lukácsianos no Brasil, apesar de terem dado
atenção a “virada ontológica” do velho Lukács, não conseguiram pôr,
como tema crucial de suas agendas investigativas, o problema da vida
cotidiana e o problema da alienação no seu sentido radical. Na verdade,
são pouquíssimos os estudos inovadores que tratam hoje, do tema can-
dente do estranhamento sob o capitalismo global. Em geral, o lukácsia-
nismo brasileiro padece de reiteradas exegeses filosóficas, necessárias,
mas insuficientes, da obra do velho mestre húngaro.
Ora, a “virada ontológica” de Lukács implicou ir além da pauta epis-
temológica do “marxismo ocidental”. O último Lukács abriu uma agenda
de investigação capaz de ir além do universo marxista que predominou
no século XX. Ela exige uma intervenção sociológica propriamente dita.
Enfim, o que queremos salientar é que o último Lukács é, in potentia,
um homem do século XXI, o século da capitalismo manipulatório.
O que Lukács aponta é a necessidade de pesquisas sociais concre-
tas capazes de desvelar os meandros do novo metabolismo social do ca-
pital nas condições de sua crise estrutural. O último Lukács acena não
para uma filosofia da vida cotidiana, mas sim para uma sociologia da
vida cotidiana (como pontuou Agnes Heller) capaz de discutir a práxis
social no sentido da formação humano-genérica (Heller, 1987).
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Capítulo 1
A Trajetória intelectual de
Georg Lukács
Da Geistwissenchaften à
Ontologie des gessellschaftlichen Seins
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Lukács e o século xxi
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A Trajetória intelectual de Georg Lukács
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Lukács e o século xxi
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A Trajetória intelectual de Georg Lukács
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Lukács e o século xxi
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A Trajetória intelectual de Georg Lukács
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Lukács e o século xxi
1 A expressão “Hic Rhodus, hic saltus!” aparece numa fábula de Esopo onde um
atleta fanfarrão que era muito criticado pelo seu desempenho físico viaja para
Rodes e, no retorno, diz que fez o maior salto já visto e que tinha testemunhas
lá para provar. Então, um de seus interlocutores responde-lhe para ele imaginar
que estava em Rodes e fazer o salto, dizendo para o atleta: “Hic Rhodus, hic sal-
tus!” (Aqui está Rodes, agora salta!).
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Capítulo 2
O “Método” de Lukács
Cotidianidade e método
histórico-genético
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Lukács e o século xxi
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O “Método” de Lukács
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Lukács e o século xxi
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O “Método” de Lukács
Lukács critica a ciência social que acredita que o melhor tipo de aná-
lise é aquela em que se compreende cada aspecto e cada maneira de ma-
nifestar-se da vida, nas mais altas formas de sua objetivação. Ele observa
que não se pode descer de uma forma mais alta a uma forma mais baixa.
Para Lukács o caminho ou metodologia que se deve adotar é o da pesquisa
genética. Diz ele: “Devemos tentar pesquisar as relações nas suas formas
fenomênicas iniciais e ver em que condições estas formas fenomênicas
podem tornar-se cada vez mais complexas e mediatizadas”. Deste modo,
para o filósofo húngaro, o melhor tipo de análise é o da pesquisa genéti-
ca que apreende, no plano do pensamento, o movimento das formas mais
baixas do ser como complexo originário (no sentido de questões colocadas
no âmbito da vida cotidiana), para as mais altas formas de objetivações.
Pesquisa genética implica em apreender a gênese, as relações nas suas for-
mas fenomênicas iniciais, e o desenvolvimento do ser, o tornar-se cada vez
mais complexas e mediatizadas destas formas fenomênicas iniciais.
Vejamos, por exemplo, a origem da ciência. Para Lukács, ela
origina-se no momento em que, o homem que trabalha, em cada posi-
ção teleológica, mesmo que se trate de um homem da idade da pedra,
pergunta-se se o instrumento com que lida, é apropriado ou não ao
fim a que se propõe (eis uma questão sempre colocada em nossa vida
cotidiana). Mesmo se nos reportarmos a uma época anterior, na qual o
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O “Método” de Lukács
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O “Método” de Lukács
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O “Método” de Lukács
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Política”, de Karl Marx, como exemplo. Em sua obra magna, Marx co-
meça pela troca mais elementar de mercadorias. E a partir daí, nos
fornece a determinação ontológica da gênese do dinheiro. Diz Lukács:
“Da ontologia da troca de mercadorias decorre, finalmente, a determi-
nação genética do dinheiro como mercadoria geral. Marx demonstra,
depois, como o fato de que o ouro e a prata se tornem formas per-
manentes de dinheiro está em conexão ontológica comas qualidades
físicas do ouro e da prata. Estes metais prestavam-se às condições de
uma troca generalizada, de modo que foi principalmente com base nes-
ta propriedade que surgiu a preponderância do ouro e da prata como
meios gerais de troca, isto é, como dinheiro.” (os grifos são nossos) E
observa: “O dinheiro nasceu ontologicamente, de maneira simples, a
partir dos atos de troca. Mas os antigos não tinham chegado ao ponto
de poder formular esta explicação ontológica.”
Portanto, a concepção de “método” em Lukács rompe com o viés
gnosiológico implícito na própria idéia de método, como concebe o
positivismo. Método em Lukács (e Marx) não significa arcabouço de
procedimentos a serem aplicados no processo de pesquisa social. Ora,
como a perspectiva ontológica significa o primado do objeto, o verda-
deiro método significa apreender o movimento do objeto em sua lega-
lidade específica, evitando aplicar categorias formalmente construídas
pela mente do pesquisador (procedimento gnoseológico).
Enfim, a dialética não está na cabeça do pesquisador, mas sim no
próprio movimento do real. Por isso, o método dialético não é apenas
um método capaz de orientar a mente do pesquisador a construir tipos
ideais, mas sim, um modo de ser do real, onde a função do pesquisador
é exercer o controle ontológico, apreendendo as formas de ser catego-
rial do real e as condições de sua existência. A dialética não constrói
tipos ideais, mas visa apreender tipos categoriais.
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Capítulo 3
1 Todas as citações de Lukács neste capítulo são do texto “As bases ontológicas
do pensamento e da atividade do homem” publicado no livro “O jovem Marx e
outros escritos de filosofia”. Editora UFRJ, 2007.
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Lukács e o século xxi
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O “Método” de Lukács
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Lukács e o século xxi
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O “Método” de Lukács
Categorias básicas
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Trabalho
(produto da evolução orgânica)
Posições teleológicas que movimenta séries causais
Dar respostas aos carecimentos que o meio natural provoca
no animal tornado homem.
Abre a possibilidade do desenvolvimento superior
dos homens que trabalham
Ser social
(adaptação ativa com a modificação consciente do ambiente)
Ser orgânico
(Reprodução da vida
(adaptação meramente passiva)
Ser inorgânico
Tornar-se meramente outra coisa
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O “Método” de Lukács
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Lukács e o século xxi
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O “Método” de Lukács
Dialética do Trabalho
Aperfeiçoamento constante do trabalho
(o “recuo das barreiras naturais” M
arx),
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Autodefíníção
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O “Método” de Lukács
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O “Método” de Lukács
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Ideologia
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O “Método” de Lukács
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Capítulo 4
Lukács e o Capitalismo
Manipulatório
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A nova alienação/estranhamento
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mais-valia relativa
(produção em massa de mercadorias)
manipulação
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trabalho. Mas, observa Lukács, que, não há dúvida de que, para uma
grande massa de trabalhadores assalariados, criaram-se condições ob-
jetivas capazes de tornar possível uma vida livre e adequada às exi-
gências humanas. Por isso, segundo Lukacs, “é necessário empreender
uma ampla discussão sobre as formas atuais da alienação”.
Na verdade, o que Lukács indica é o acirramento da contradição
histórica objetiva e subjetiva que é intrínseca ao proceso civilizatório
do capital, a contradição entre condições sociais materiais capazes, em
si e para si, de tornar possível uma vida livre e adequada às exigências
humanas; e o modo de controle estranhado do metabolismo social do
capital, baseado na divisão hierarquica do trabalho e propriedade pri-
vada dos meios de produção, hoje, cada vez mais concentrada do que
nunca nos oligopólios mundiais.
O estranhamento
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Referências Bibliográficas
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Referências Bibliográficas
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Anexo 1
Georg Lukács
1 O texto aqui traduzido, redigido no início de 1968 como base para uma conferência
que deveria ser apresentada no Congresso Filosófico Mundial realizado em Viena
(mas ao qual Lukács não pôde comparecer), foi publicado em 1969, em húngaro,
sendo depois editado em alemão (1970) e em italiano (1972). O texto se baseia na
chamada “grande” Ontologia, cujo manuscrito estava, na época, em fase de acaba-
mento. Sabe-se, contudo, que - após a conclusão desse primeiro manuscrito e insa-
tisfeito com seus resultados - Lukács empreendeu a redação de uma nova versão,
conhecida como “pequena” Ontologia (ou também como Prolegômenos), na qual
trabalhou até sua morte, ocorrida em junho de 1971 (Cf. István Eórsi, “The story of
a posthumous work (Lukács Ontology)” in The New Hungarian Quarterly, XVI,
n ° 58, Summer 1975, pp. 106-108). Apesar do seu caráter necessariamente sumá-
rio e esquemático, a presente conferência tem o mérito de fornecer uma síntese do
trabalho ontológico de Lukács, além de ser um dos poucos textos relativos a este
trabalho que o próprio autor revisou para publicação.
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Anexos
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sua vez o trabalho; quanto mais elas crescem, se intensificam etc., tanto
maior se torna a influência dos conhecimentos assim obtidos sobre as
finalidades e os meios de efetivação do trabalho.
Uma tal diferenciação é já uma forma relativamente aperfeiçoada
de divisão do trabalho. Essa divisão, todavia, é a conseqüência mais
elementar do desenvolvimento do próprio trabalho. Mesmo antes que
o trabalho houvesse atingido sua explicitação plena e intensivas - diga-
mos, mesmo no período da apropriação dos produtos naturais -, esse
fenômeno da divisão do trabalho já se manifesta na caça. Digna de
nota, para nós, é aqui a manifestação de uma nova forma de posição te-
leológica; ou seja, aqui não se trata de elaborar um fragmento da natu-
reza de acordo com finalidades humanas, mas ao contrário um homem
(ou vários homens) é induzido a realizar algumas posições teleológicas
segundo um modo pré-determinado. Já que um determinado traba-
lho (por mais que ,possa ser diferenciada a divisão do trabalho que o
caracteriza) pode ter apenas uma única finalidade principal unitária,
torna-se necessário encontrar meios que garantam essa unitariedade
finalística na preparação e na execução do trabalho. Por isso, essas no-
vas posições teleológicas devem entrar em ação no mesmo momento
em que surge a divisão do trabalho; e continuam a ser, mesmo poste-
riormente, um meio indispensável em todo trabalho que se funda so-
bre a divisão do trabalho. Com a diferenciação social de nível superior,
com o nascimento das classes sociais com interesses antagônicos, esse
tipo de posição teleológica torna-se a base espiritual-estruturante do
que o marxismo chama de ideologia. Ou seja: nos conflitos suscitados
pelas contradições das modalidades de produção mais desenvolvidas,
a ideologia produz as formas através das quais os homens tornam-se
conscientes desses conflitos e neles se inserem mediante a luta.
Esses conflitos envolvem de modo cada vez mais profundo a to-
talidade da vida social. Partindo dos contrastes privados e resolvidos
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Anexos
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Lukács e o século xxi
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Anexos
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Anexos
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Lukács e o século xxi
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Anexos
Como teórico desse ser e desse devir, Marx extrai todas as con-
seqüências do desenvolvimento histórico. Descobre que os homens se
autocriaram como homens através do trabalho, mas que a sua história
até hoje foi apenas a pré-história da humanidade. A história autêntica
poderá começar apenas com o comunismo, com o estágio superior do
socialismo. Portanto, o comunismo não é para Marx uma antecipação
utópico-ideal de um estado de perfeição imaginada à qual se deve che-
gar; ao contrário, é o início real da explicitação das energias autenti-
camente humanas que o desenvolvimento ocorrido até hoje suscitou,
reproduziu, elevou contraditoriamente a níveis superiores, enquanto
importantes realizações da humanização. Tudo isso é resultado dos
próprios homens, resultado da atividade deles.
“Os homens fazem sua história”, diz Marx, “mas não em cir
cunstâncias por eles escolhidas”. Isso quer dizer o mesmo que antes
formulamos do seguinte modo: o homem .é um ser que dá respostas.
Expressa-se aqui a unidade - contida de modo contraditoriamente in-
dissolúvel no ser social - entre liberdade e necessidade; ela já opera no
trabalho como unidade indissoluvelmente contraditória das decisões
teleológicas entre alternativas com as premissas e conseqüências ineli-
minavelmente vinculadas por uma relação causal necessária. Uma uni-
dade que se reproduz continuamente sob formas sempre novas, cada
vez mais complexas e mediatizadas, em todos os níveis sócio-pessoais
da atividade humana.
Por isso, Marx fala do período inicial da autêntica história da hu-
manidade como de um “reino da liberdade”, o qual porém “só pode
florescer sobre a base do reino da necessidade” (isto é, da reprodução
econômico-social da humanidade, das tendências objetivas de desen-
volvimento à qual nos referimos anteriormente).
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Lukács e o século xxi
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Anexos
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Lukács e o século xxi
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Anexos
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Lukács e o século xxi
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Anexo 2
SEGUNDA CONVERSA
Sociedade e Indivíduo
bui à classe operária uma consciência de classe correta quando ela não
é independente, enquanto, ao mesmo tempo, se define a consciência
correta como consciência independente. Esta contraditoriedade é ne-
cessária ou casual para a ideologia burguesa?
Lukács -— Permita que retorne a uma simplificação da questão.
Creio que Gramsci tinha toda razão quando observava a este respei-
to que nós, em geral, usamos a palavra ideologia em dois significados
inteiramente diferentes. De um lado, trata-se do dado real, elementar
para um marxista, de que na sociedade cada homem existe numa de-
terminada situação de classe à qual naturalmente pertence a inteira
cultura de seu tempo; não pode assim haver nenhum conteúdo de cons-
ciência que não seja determinado pelo “hic et nunc” da situação atual.
Por outro lado, originam-se desta posição certas deformações, razão
pela qual nos habituamos a entender a ideologia também como reação
deformada em face da realidade. Creio que devemos manter separadas
estas duas coisas quando usamos o termo ideologia; por isso — volto
agora à questão ontológica — devemos deduzir disso que o homem
é, antes de mais nada, como todo organismo, um ser que responde a
seu ambiente. Isto significa que o homem constrói os problemas a se-
rem resolvidos e lhes dá resposta com base na sua realidade. Mas uma
consciência pretensamente livre de liames sociais, que trabalha por si
mesma, puramente a partir do interior, não existe e ninguém jamais
conseguiu demonstrar sua existência. Creio que os chamados intelec
tuais desprovidos de vinculações sociais, como também o slogan, hoje
em moda, do fim da ideologia, sejam uma pura ficção, que não tem
propriamente nada a ver com a efetiva situação dos homens reais na
sociedade real.
Kofler — A este propósito, coloca-se o problema: não existem
fenómenos ideológicos sem conotações de classe, isto ê, fenómenos
superestruturais que não são determinados a partir da situação de clas-
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através da droga. Penso no hoje famoso LSD. Devemos tomar essas coisas
mais a sério, quando sabemos que foi escrito pelo filósofo Aldous Huxley
um livro que exalta a droga.
Lukács: Eu o conheço. . .
Kofler: Conhece-o? O que é que o senhor não conhece, senhor
Lukács? Pensei dar-lhe uma informação que o senhor desconhecesse. Neste
livro, “As Portas da Percepção”, Huxley cria a ideologia mítica de um “novo
caminho”, uma mítica redenção do tipo puramente subjetivo, mas intensifi-
cada e facilitada pela droga. Algumas pessoas, como o conhecido psicólogo
da Universidade de Harward, Leary, fundam colónias para educar para
uma “vida transcendental”; existem efetivamente teólogos, como o profes-
sor de religião Clark, que realizam experiências assim com estudantes de
teologia (sublinho: estudantes de teologia). O resultado é que estudantes e
teólogos afirmam estar mais perto de Deus com o LSD, e o próprio Clark
confirma esse juízo. Todos estes fatos são bastante inquietantes.
Lukács: É verdade.
Kofler: Se prosseguimos nesta linha de considerações, descobri-
mos um processo singular, do qual poderemos talvez definir a dialética
como dialética de utilização das formas mágicas, dos êxtases orgiásticos,
para a solução dos problemas modernos do homem. Recordemo-nos, por
exemplo, dos fenómenos extático-convulsivos dos espetáculos dos Beatles.
Quando esta problemática se retira para a privaticidade do eu, cria-se um
novo Deus, uma nova consciência semi-religiosa, como resultado do fato
de que o eu, sendo oprimido, não encontra uma satisfação vital no traba-
lho, na vida pública e social. Por fim, chocamo-nos com uma nova e mode-
roíssima forma do irracionalismo e do ateísmo religioso que será um objeto
de estudo e de análise muito importante para o marxismo moderno, que
hoje me parece mais do que nunca em desenvolvimento.
Lukács: Acredito que o senhor tenha toda a razão. Mas deve me
desculpar se divido a questão que o senhor tratou de maneira unitária
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xo, mas creio que, no fundo, haja mesmo algo de semelhante. Devemos
convencer-nos de que hoje, não podemos, em relação ao despertar do
fator subjetivo, renovar e continuar os anos vinte, mas devemos reco-
meçar de um novo ponto de partida, utilizando todas as experiências
que são património do movimento operário, tal como se desenvolveu
até hoje, e do marxismo. Devemos dar-nos conta, com clareza, que es-
tamos em face de um novo início ou, para usar uma analogia, que nós
agora não estamos na década dos vinte, mas em certo sentido no início
do século XIX quando, depois da Revolução Francesa, começava-se a
formar lentamemnte o movimento operário. Creio que esta idéia é mui-
to importante para o teórico, porque as pessoas se desesperam muito
cedo quando a enunciação de certas verdades produz apenas um eco
muito limitado. Não esqueça que as coisas importantes ditas naquele
tempo por Saint-Simon e Fourier encontraram uma ressonância limi-
tadíssima, enquanto o avanço real do movimento operário iniciou-se
apenas no terceiro ou quarto decénio do século XIX. Naturalmente não
se deve exagerar com analogias, e analogias não são paralelismos, mas
o senhor compreenderá o que quero dizer quando sustento a neces-
sidade de convencermo-nos de que estamos no início de um período
novo e que a nossa tarefa de teóricos é a de esclarecer as possibilidades
do homem neste período, sendo conscientes de que a ressonância des-
tes conhecimentos na massa será por ora ilimitada. Naturalmente, este
fato depende da evolução do stalinismo na União Soviética, da hesita-
ção em superá-lo, bem como do atraso no desenvolvimento do socia-
lismo que dele decorreu. Grandes acontecimentos podem ter influên
cia muito negativa sobre o fator subjetivo. Para dar ainda um exemplo
histórico, só a heróica derrota dos jacobinos de esquerda na Revolução
Francesa produziu, com o utopismo, a idéia de que o socialismo não
tinha nada a ver com o movimento revolucionário. Penso que, em sua
essência, esta idéia se reduzia à desilusão em face da evolução francesa
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têm mais nenhuma influência e não podem ter influência sôbrc a vida
dos homens. O homem deve então resignar-se: o único que pode dar-
lhe uma existência sensata é êle mesmo; nessa luta por uma vida mais
sensata, como diz a Internacional, nenhum Deus o pode ajudar. Dando
maior ênfase a este ponto, devemos procurar transformar o ateísmo
religioso num verdadeiro ateísmo. Daqui surge uma série de problemas
filosóficos e eu gostaria de chamar a atenção para o fato de que, nesla
como em muitas outras questões, é grande o mérito de Nicolai Hart-
mann, que, em seu pequeno volume sobre teleologia, chamou a aten-
ção para o fato de que os homens vivem os acontecimentos de sua vida
cotidiana como se fossem dirigidos por uma teleologia independente
deles. Se, digamos, morre o amigo de uma pessoa, a referida pessoa se
colocará o problema de porque isto aconteceu, como se a morte de X
fosse um fato teleológico tal que mudasse a vida moral de Z; isto, na mí-
nha opinião, é o ponto decisivo, dialético-epicurista, na construção do
marxismo, aquele através do qual poderemos ajudar, com um trabalho
de esclarecimento, tais ateus religiosos.
Sem dúvida, todas as Igrejas atravessam uma crise ideológica que
poderia ser comparada à grande crise ideológica que se sucedeu à Re-
forma. Direi que a crise reformadora no campo católico surge do fato
de que a Igreja católica estava apenas
empenhada cm sustentar o feudalismo: depois da crise, afirmou-
se a grande ação de Loyola, cujo mérito está em ter compreendido
que a Igreja Católica podia conservar-se e desenvolver-se tão-somente
aliando-se ao capitalismo que surgia. Ora, encontramo-nos numa crise
na qual n Igreja Católica e as outras Igrejas começam a compreender
que a aliança de vida e morte com o capitalismo é uma coisa perigo-
sa. Hoje, isto acontece com maior diplomacia; o Papa João XXIII viu
com muita clareza que esta orientação unilateral na direção de uma
sustentação religiosa do capitalismo pode ser abandonada e pode ser
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para nós uma forma ideal sem perda de seu caráter realista. Isto acon-
tece de modo verdadeiramente singular, mas não é o caso de discuti-
lo aqui; entretanto, o senhor sublinha expressamente: “sem perder o
caráter realista”. Trata-se então de verdadeiros modelos, sobre os quais
eu gostaria particularmente de insistir. “Sem perda de seu caráter re-
alista”, isto é, sem cair numa utopia abstrusa! Mas isso significa tam-
bém que devamos encontrar modelos exemplares de uma democracia
verdadeiramente humana mesmo na vida de hoje? Mais precisamente:
é possível encontrar essas figuras na vida totalmente deformada e fe-
tichizada que caracteriza o nosso tempo? E se, em certa medida — o
senhor me permita — ...
Lukács: Sim. . .
Kofler: . .. permanece dominante o método traiçoeiro da inte-
gração repressiva, nós então não discutimos a doutrina de uma ide-
ologia utópica que, para dizer a verdade, também pode realizar suas
tarefas, mas que talvez se situe acima do processo global e acabe por
lhe ser infiel? Gostaria de sublinhar expressamente que este não é meu
pensamento. São apenas perguntas que gostaria de lhe fazer.
Lukács: Direi que a formação de uma minoria consciente é o pressu-
posto de um movimento de massa. Isto, na minha opinião, vem muito bem
expresso no “Que Fazer” de Lênin. Volto ao exemplo de Keller e não escolho
um motivo central, mas um pequeno episódio no qual este fato está clara-
mente caracterizado. Tomo a novela Frau Regei Amrein para exemplificar
o problema da educação. O que há de notável é que Frau Amrein mostra, ao
analisar seu filho, a maior indulgência diante de todas as depravações e mal-
dades deste último, e só intervém energicamente quando se manifesta nele
alguma baixeza de caráter. Esta novela aborda então o problema da exem-
plaridade e pouco importa se Frau Regei Amrein pertence a uma sociedade
suíça hoje superada. O realismo é sempre representação, e aqui está descrita
aquela sociedade superada; não obstante isso, este problema moral da luta
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dizer ser caçado e levado para as câmaras de gás sem esboçar a menor
tentativa de resistência, como centenas de milhares e mesmo milhões
de indivíduos. A revolta do gueto de Varsóvia foi algo semelhante. Mas
penso que, se o senhor compara a realidade com a literatura, mesmo
a propósito do judaísmo, perceberá como este guerrilheiro judeu e co-
munista que morre na França, é o primeiro que, no plano literário, está
à altura daquilo que foi a revolta de Varsóvia no plano da vida. Nao sei
se ficou claro o que quis dizer, e de como isto constituí uma grande
tarefa para a literatura. Eu, por exemplo, num âmbito inteiramente
diverso, chamei a atenção para o fato de que, se se comparar o romance
“Um Dia na Vida de Ivan Denissovitch”, de Solzhenitzin, com os outros
romances sobre campos de concentração, pode-se ver a diferença que
existe nele. De um lado, temos a descrição naturalista das atrocidades;
de outro, o problema das formas — a astúcia e tudo o mais — me-
diante as quais um homem pode conservar em um Lager sua própria
integridade humana. Por isso, o romance de Solzhenitzin é alguma
coisa nova e revolucionária. Este é o terreno sobre o qual a literatura
poderia contribuir muitíssimo na luta contra a manipulação, se não ca
pitulasse literariamente diante dela, considerando-a como um destino.
Dei estes exemplos para mostrar que é possível, no plano literário, dar
forma àquela revolta real que o senhor encontra nas últimas cartas dos
antifascistas condenados à morte, de um modo exemplar para a ação
dos homens de hoje na luta contra a manipulação. Ê isto pode ser feito
quer usando os métodos modernos e tratando de acontecimentos atu-
ais, quer retornando aos acontecimentos de um tempo passado. Não há
dúvida de que tal literatura exista. Há, por exemplo, o romance muito
interessante do americano William Styron —- “Set this house on fire”
— que, à maneira de Dostoiévskii, liga a manipulação a uma grande e
explosiva tragédia humana. Em primeiro lugar, o autor mostra como o
rico transforma-se inevitavelmente em tirano manipulador e o pobre
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todas como tais) podem ter hoje um valor positivo. Eu ainda não li
este ensaio, mas é muito interessante o fato de que no último núme-
ro de Temps Modernes seja colocado em discussão um texto no qual
Teilhard de Chardin é criticado enquanto ideólogo da manipulação.
Efetivamente, entre a concepção de Teilhard de Chardin e, digamos,
a Weltanschauung neopositivista da manipulação, existe uma relação
muito estreita. Direi novamente, como Hegel, que a verdade é concreta,
e que podem existir sectários que, em certo sentido, indicam positiva-
mene o futuro, ao lado de outros sectários que exercem uma influência
negativa mesmo hoje.
Kofler: Senhor Lukács, não gostaria de cansá-lo muito, mas tal-
vez possa fazer-lhe uma pergunta, ligada também a uma questão sobre
a qual muito se discutiu, em um seminário dirigido por mim. Na pri-
meira parte do primeiro volume de sua “Estética”, a respeito do proble-
ma do reflexo, o senhor fala da unidade do real.
Lukács: Sim. . .
Kofler: A questão já foi discutida ontem. Hoje se coloca o seguin-
te problema: no seu livro “História e Consciência de Classe”, de 1923,
vem demonstrado como a filosofia clássica fazia depender a cognosci-
bilidade do real da “produção” deste mesmo real. Na sua crítica a esta
filosofia, o senhor sustenta com razão que o problema da cognoscibi-
lidade do real só pode ser resolvido no terreno do conceito de praxis
histórica. Sem levar em conta o conceito de “praxis”, este problema
permanece insolúvel. Então a pergunta é esta: não serão talvez os dois
conceitos de “produção”, isto é, um relativo à teoria do conhecimento
e outro relativo à sociedade, dois conceitos que se referem a dois cam-
pos diferentes da realidade, isto é, um ao âmbito da assim chamada
produção material, o outro relativo ao objeto da ciência da natureza e
da matemática? A sua demonstração leva a interpretação de que não
exista nenhuma ruptura, mas na realidade pode-se talvez observar
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nos seres vivos. Posso chamar a isso de antropologia ? Acho que talvez
seja uma ampliação um tanto abusiva. Creio que a acentuação da antro-
pologia derive de uma orientação que acho justa e progressista; ou seja,
os homens chegam a pôr em dúvida a chamada ciência psicológica.
A psicologia isolou certos modos de expressão do homem e por isso
não percebeu que todo modo de expressão do homem é o resultado de
uma dupla causalidade: por um lado, é condicionado pela constituição
fisiológica do homem e pela ação das forças fisiológicas; por outro lado,
é condicionado pela reaçao aos acontecimentos sociais. Na psicologia,
prevalece uma expressão unitária. Se eu, por exemplo, digo que um
perfume não me agrada, isso já não é mais um fato meramente fisioló-
gico, porque o senhor sabe o quanto os perfumes dependem da moda,
e sabe que o modo pelo qual os homens reagem aos perfumes é um
fato .social. Este talvez não seja um bom exemplo. Mas com êle desejo
mostrar que não há uma só das chamadas reações psicológicas que não
seja simultaneamente e inseparavelmente fisiológica e social. Não que-
ro, com isso, negar que se tenha formado, com o tempo, uma ciência
antropológica concentrada sobre ações recíprocas destas duas compo-
nentes. Mas é uma ilusão pensar que, com isto, se resolvam problemas
essenciais do desenvolvimento social, porque o desenvolvimento social
se realiza (se bem que esteja ligado aos homens) sobre a base de uma
específica normatividade económica. Tenho muita curiosidade em ver
de que modo, para voltar a um exemplo anterior, poder-se-ia deduzir
antropològicamente o aumento da taxa de lucro.
Kofler — Penso que sobre isto poderemos discutir infinitamente.
Agradeço-lhe muito, senhor Lukács, por sua paciência.
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TERCEIRA CONVERSA
Elementos para uma Política Científica
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geral da moeda, em parte por causa do papel cada vez mais importante
dos intelectuais no capitalismo manipulado, largas camadas renunciam
à capitalização de uma renda e empregam este dinheiro na instrução de
seus filhos: assim, esta camada de rentiers está em vias de extinção.
Não digo que não mais, mas um homem que tinha anteriormente con-
dições de economizar, digamos, quinhentos mil marcos, acha agora
importante empregar o conjunto de suas economias, em parte para o
consumo pessoal, em parte para os estudos universitários dos filhos.
Creio que um efeito colateral muito importante dessa situação seja o
fato de que, com esta mudança, tornou-se moda na França o sistema de
limitar os nascimentos a um só filho. Naquele país existe hoje um in-
cremento do população muito mais forte do que o que havia, antes, e
talvez isto tenha tido como consequência a extinção, já agora no práti-
ca, do típico rentier de Maupassant. Isto significa que, mesmo se hoje
este fenómeno não tem ainda manifestações muito claramente visíveis
no ser social, existe um certo parentesco entre trabalhadores assalaria-
dos e empregados que vivem do próprio trabalho. No plano económico,
a distinção, que era importante no capitalismo anterior, está desapare-
cendo cada vez mais, e minha firme convicção é a de que o desapareci-
mento de uma distinção no ser social deve conduzir cedo ou tarde a
uma transformação da consciência. Quero apenas lembrar com isto
que na estrutura global estão presentes diferenças bastante grandes. Há
muito tempo Marx já havia constatado que é necessário um certo valor
mínimo para que o capital financeiro possa ter origem. Estes limites do
capital, porém, estão em constante aumento. Por isso, a questão de se
tal ou qual pessoa vive do capital ou do trabalho assalariado, tomando
estes termos no sentido mais amplo possível, assume agora uma forma
diferente daquela que tinha no passado. Este estado de coisas é também
constatado por alguns economistas e sociólogos burgueses, mas está
ligado à ideia — que serve, em minha opinião, a um sonho capitalista
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por assim dizer, periférico, mas este exemplo mostra que, mesmo onde
o desenvolvimento alemão apresenta pontos altos e progressistas, está
sempre mesclado a um conservadorismo que idolatra o Estado, com a
aprovação do fracasso da revolução de 1848. Isto hoje deve ser compre-
endido, e na minha opinião os intelectuais alemães radicais, em face
da evolução alemã, têm se limitado a uma crítica na realidade muito
ténue, muito benévola. Se o senhor compara o livro tão útil de Jaspers
com meu pequeno ensaio, pode ver em muitos casos estas pequenas
diferenças: Jaspers arrasta consigo, cm toda a sua crítica, alguns mo-
mentos fatalmente trágicos, conservadores.
Abendroth — E no entanto o livro de Jaspers é...
Lukács — ... muito útil, muito útil. Antecipo que a crítica que
devemos fazer aqui deve ser aplicada também onde encontramos coi-
sas úteis. Direi mesmo que, com este ensaio, devemos considerar Jas-
pers um aliado.
Abendroth — Sem dúvida. . .
Lukács — Entretanto, é justa a tática leninista da qual me parece
que já falamos. Desde 1905, Lênin considerava os socialistas revolucio-
nários como aliados; entretanto, criticou ininterruptamente suas con-
cepções da sociedade, precisamente na perspectiva dialética que um
movimento do tipo que agora desejamos deve ter, ou seja, não devemos
estar nem cem por cento de acordo, nem cem por cento em desacordo.
Isto vale igualmente para a tendência à tragédia, porque penso que é
disso que se trata quando digo que fenómenos sociais são apresentados
como condição humana. Um movimento contra a manipulação deve
empreender uma luta intransigente contra esta tendência, que compre-
ende um arco que vai desde a ideologia da inelutabilidade da técnica c
por isso da ineviíahiíidade da guerra atómica, até os nossos sutilísimos
problemas éticos. Deve ser elaborada uma linha preliminar ainda pu-
ramente teórica que, de um lado, esteja em condições de considerar
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crise que, por um lado, tem suas raízes na crise da manipulação, mas
que possui, por outro lado, a sua forma especificamente americana. No
momento, não quero aprofundar-me no exame dos pormenores. As
formas inglesas atuais têm suas causas específicas, como também as
formas francesas e todas as outras.
Abendroth — Sim, participo plenamente da opinião de que se
deva ver a diferença mas também a unidade da conexão. Uma palavra,
ainda, sobre o problema geral. O senhor disse, com razão, que o movi-
mento operário internacional teve a sorte de ter primeiro, um Marx, c
depois um Lênin. Acentuou, assim, a função da personalidade na histó-
ria, função que não deve ser evidentemente subvalorizada. Parece-me,
porém, por outro lado, que não se deva tampouco ignorar o fato de que
o processo histórico, em ambos os casos, valorizou estas personalida-
des, se assim quisermos chamá-las, quase post-festum. O Lênin dos
anos situados entre o “Que Fazer” e a revolução de 1917 — do ponto de
vista do movimento operário internacional de então e de seu nível de
consciência — era um entre muitos, era um dirigente discutido...
Lukács — É verdade, só que naquele tempo, certas coisas sobre
Lênin não foram compreendidas, mas se tivessem sido teriam sido bas-
tante úteis. Isto é, penso que a tática leninista, que consiste em “aliança
+ crítica”, teria sido extraordinariamente útil para o partido socialista
francês no tempo do caso Dreyfus, época era que ocorreu uma falsa po-
larização que causou bastante dano à força de penetração do partido.
Abendroth — Sobre os anos que se seguiram, existe agora, além
do mais, uma nova pesquisa, um ensaio de Czempliel que acredito que
seja muito interesante, mesmo para o senhor. Mas sua observação tam-
bém é válida para o movimento operário alemão e na realidade para todo
o movimento operário. Entretanto, não subsiste o mínimo fundamento
para cultivar o pessimismo só porque, como disse o senhor, não vemos o
Lênin de hoje. Devemos, porém, levar em conta um problema estratégico
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sim como não o era a distribuição da terra. Mas Lênin era uni teórico
extraordinariamente arguto para encontrar estes elementos adequados
entre os fatôres de uma crítica da sociedade capitalista semifeudal. A
teoria é muito necessária também nesse sentido, pois sobre o seu ter-
reno acontecem mais fatos e a história demonstra continuamente que
qualquer setor do trabalho teórico chega a um ponto que provoca uma
ruptura. É muito interessante notar como teorias puramente científicas
como a de Galileu ou, alguns séculos depois, a de Darwin conduziram
— por assim dizer — a uma explosão “semipolítica”. Por isso, penso
que um trabalho teórico excepcionalmente amplo e profundo .seja o
pressuposto indispensável da praxis. Nenhum de nós, refletindo sobre
este problema, pode saber qual será a palavra de ordem que levará a
posição antimanipulação a um ponto explosivo. Podemos apenas fazer
tentativas e devemos procurar levar às massas os resultados da nossa
pesquisa. É impossível determinar, sobretudo a priori, que palavra de
ordem virá depois a prevalecer.
Abendroth — Estou inteiramente de acordo com sua opinião,
mas a esta problemática está ligada uma grande dificuldade. Apesar
da fase de degenerescência stalinista, existe nos países socialistas uma
base social para um grande trabalho intelectual, se bem que ainda de-
formado. Os dotes intelectuais podem ser postos a disposição de um
trabalho crítico, teórico. Mas precisamente nos países socialistas, por
causa dos resíduos stalinistas e de sua tendência a interessar-se somen-
te pelos seus próprios problemas, falta a base intelectual para a solução
das questões. O contrário acontece nos países capitalistas e de novo
o fato é particularmente agudo na República Federal da Alemanha.
A base social para um comportamento intelectual crítico, enquanto
comportamento puramente teórico, é extraordinariamente restrita e só
casualmente pode ser adquirida. Na República Federal esta situação é
ainda pior do que nos Estados Unidos.
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Giovanni Alves
É professor livre-docente de sociologia da UNESP - Campus de Marilia.
Coordenador-geral da Rede de Estudos do Trabalho (www.estudosdotra
balho.org) e do Projeto de Extensão Tela Crítica (www.telacritica.org).
É autor de vários livros, dentre outros, Trabalho e Cinema 1, 2 e 3 (Ed.
Praxis) e A Condição de Proletariedade (Ed.Praxis).
Sitio pessoal: www.giovannialves.org
E-mail: giovanni.alves@uol.com.br
Outros títulos da Editora Praxis
Outros títulos da Editora Praxis
Sobre o livro
Formato 14x21 cm
Tipologia Minion (texto)
Poppl-Laudatio (títulos)
Papel Pólen 80g/m2 (miolo)
Cartão triplex 250g/m2 (capa)
Projeto Gráfico Canal 6 Projetos Editoriais
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Diagramação Marcelo Canal Woelke