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UM PASSEIO PELA

HISTÓRIA DO BRASIL

I DIÇÃO O ,\ "ORGA 'li ZAÇÃ O SIMÕES"


RIO 1951
Colec,:ão do ''Centro de Estudos
de LinJ.run Purt uguê.o,;a "

1 Doi'l nulo .. dl' Gil Ví-


Ct"'tl t> lo dn :'\l orina
) I Nldl''> e O dH Alm a )
expliC:\tlos por Sou;,;a.
da Silvdra Rio. 1949
es~otado

2 - ~ínta''' du pn•po.,lçito
«dl' - por Sousa da
Silveira Cr$ 20.00
3 O jui.t. dl' paz d :l R oça
e O judn'> no s íthndo
da All'lu in - De }lar-
Uns P ena Estahc- •
Jecimcnto de te"to,
prefácio t' notas fllo-
ló~icas p e 1 a pror.
A mália Costa, da Fa-
cu ldatlc N acional de
Ul\1 PASSEIO PELA
Filosofia . . . . . . . . . . . C1'$ 30,00
HISTóRIA DO BRASIL
4 - lnil'inçiio à fil ol n,~:"la.
)Jortu g'uê'!a Pelo
prof. Gladsto ne Cha-
ves de Melo.
5 FonHica ~in tútlea
Sousa da Síl\•eh·a

*
PEDIDOS A

ORGA~IZA(.'AO S f:\I OK
rtun ,, ~ ,r.-o u. ~· - s,il ... l,ftUflO SOl
1111) UI. •• \ ;\ 1, 11111

1
CoJet:ão do "Ccntru de El'ludos
de Língua Portuguêsa"

1 - Dnis uuto~ dl' Cil Vi-


centE> lo da Mofina
)lendes c o da Almn)
explicados por Sousa
da Sih·ei•·a. Rio, 1949
- esgotado

2 - !'int~«· da J>re pos içiio


«d e ~ pot· Sousa da
Silveira Ct·$ 20,00
3 - O juiz 111' Jl3 Z da Roça
e O judu• no sibndo
tla Ale luia - DI' Mar-

tins Pena Eslahc-
leclmenlo de to'(lo,
pr·efáclo e notas filo-
lógicas p «' I a prof.
UM PASSEIO PELA
A má lia Cosla, da Fa-
cu ldade Nuciomll de
HISTóRIA DO BRASIL
Filosofia. Cr $ 30,00
4 - Tniciu~·ão i1 fi l ol o~:la
portu,~:'uêsu Pel o
prof. Gladstone Cha-
ves de Melo.
5 F oné tica <~int:H icn
Sousa da Silveira

*
ORGANlZA(.' AO ~TMOES

Rua ::"lt' 'lt'o n , 11 !i 1 • :-t.u • crrus•u :JOt


11111 IW ,1\ 'I ICI IlO
1
AMÉRICO JACOBINA LACOMBE

UM PASSEIO
,
PELA
HISTORIA DO BRASIL
Quatro conf erências ]Jroje1·idas na

SOCIEDADE BRASILEIRA DE CULTURA


INGL~SA

Em 1942

*
~.a EDIÇÃO

EDIÇÃO DA '" ORGANIZAÇÃO SIMõES "


RIO 1951
1! ,OKFERf;NCIA

A COLONIZAÇÃO
Meus senhores
e ?ninhas senho'ras

Todos os autores inglêses que têm tratado


do Brasil, - e são muitos, - começam por
exortar os patrícios a estudarem o novo país.
Todos afirmam que acharam surpreendente in-
terêsse na sua história e nos seus costumes.
E' uma afiTmação tão constante nos viajantes
e escritores britânicos, que me animo a compa-
recer perante vós, afim de percorrermos j un-
tos, talvez depressa demais, alguns pontos
essenciais de nossa história. Se o guia não
for um empecilho em vez de um auxiliar, en-
contrareis nesta exposição o encanto que vossos
patrícios afirmam ter sentido.

* * *
Logo ao primeiro contato com a história
brasileira, os estrangeiros se espantam com
um traço realmente estranho: é um certo tom
[ bizarro que lhe impuseram os escritores ro-
mânticos. A história do Brasil, marcada, des-
de o seu ponto de partida, pelo signo do acaso,
teria sido uma série de coincidências interes-
8 AMÉRICO JACOBINA LACOMBE UM PASSEIO PELA HISTÓRIA DO BRASIL 9

santes. de circunstâncias fortuitas, de aventu- para a espécie humana. um povo .. em plena


ras desconexas e empolgantes, tudo terminando forma", para empregar a terminologia esporti-
por um príncipe meio desequilibrado que se va insubstituivel no caso, leva um século em
revolta contra o pai, por simples teimosia, estudos, ensaios, pesquisas, esforços, certo de
funda um império de brinquedo, desgosta-se, que só os descendentes remotos vão colher os
passa tudo a um filho sizudo e r·espeitado, frutos desta tenacidade. Tenacidade aliás em
que, pot· s ua vez, é despedido por militares sô - que vos cabe grande parte, porque o maior pro-
fregos que estabelecem uma república, cansa- pulsor desta grave emprêsa é um misterioso e
dos de monotonia, e a cata de sensações. lendário príncipe, o Infante Dom Hemique,
Sejam, pois, as minhas primeiras palanas filho de D. Filipa de Lancaster, filha do vosso
de solene protesto contra esta interpretação, príncipe João de Gaunt.
digamos, pitoresca da história, que pode ser Poucas vêzes a humanidade contou com
muito divertida, mas que é uma ofensa clamo- exemplares desta espécie, reunindo a cultura
rosa à verdade. de um sábio, a vontade de um herói e a crença
Dentro do entrosamento em que se en- de um santo. Crença não só na sua fé, que
contram fatalmente todos os homens, como queria ampliar, como no seu povo para o qual
homens, - a história do Brasil é, antes de preparou um tesouro de cartas, dados e do-
mais nada, uma eloqüente demonstração da ca- cumentos, manipulados pelo mais lusido e res-
pacidade da vontade humana na realização de peitá,-el conjunto de cientistas do tempo. E'
uma nação. Nada de acasos, nada que se as- preciso ter a fé que move monhmhas ou a que
semelhe a loterias e felicidades de jogadores remove oceanos para dedicar uma existência,
ditosos, mas o esfôrço e a tenacidade de um e existência de principe, a um empreendimento
povo querendo tenazmente vencer obstáculos cujos resultados só a posteridade vai tlsufruir.
espantosos e dominando imprevistos desanima- Os navios avançam lentamente até descobri-
dores. rem a passagem pelo Sul da África, que o rei
Comecemos pelo princípio. A descoberta batiza de Cabo de Boa-Esperança.
do Brasil é um episódio da epopéia das nave- O dinheiro não faltou. A ordem interna-
gações portuguêsas. Estas constituíram um cional dos Templários, que se espalhava por
dos acontecimentos históricos mais honrosos tôda cristandade, fôra extinta e seus bens in-
10 AMÉRI CO JACOBINA LACOMBE U~f PASSEIO PELA HISTÓRIA DO BRASIL 11

c01·porados às coroas, em quase todos os reinos nhol - Alexandre VI, Bórgia. Divide sin-
europeus. Em Portugal, a província dos Tem- gelamente o mundo em dois hemisférios por
plários passou a formar uma nova ordem de um meridiano passando a 100 léguas de Cabo
cavalaria - nacional este'\ - a Ordem de Verde. Portugal estaria satisfeito se as suas
Cristo. Como mestre dessa Ordem, D. Hen- aspiraçõe~ se limitassem a assegurar o cami-
rique dispôs de vastos cabedais para suas ex- nho para as índias, pela África, totalmente
pei·iências. Tudo era feito no mais absoluto dentro de seu hemisfério. E as fndia:s eram
sigilo. A nação era pequena, os vizinhos am- o objeti\'O de todo aquêle esfôrço.
biciosos e a espionagem ativa. E sta política Colombo, de volta, passou triunfador em
do seg1·êdo, vai causar mais tarde um ambien- Portugal, falando eufõricamente em "meu
te de mistério e gerar muitas dúvidas para a Japão e minha China". 1\las apresentava
história do tempo. O Papa - árbitro indis- aborígenes e produtos tão diversos daqui!o que
cutido entre os príncipes - garantia a Por- afirmavam da índia os emissários do Rei, que
tugal o domínio de tôdas as descobertas. os p01·tuguêses compreenderam que a índia
Quando surgiu Colombo, genro e discípulo era coisa mui diferente do que fôra alcançado
de português, aliás, manifestando ruidosamen- pelo genovês. Entretc'l.nto, não se conforma-
te o seu plano re"Volucionário de navegar para ram com a simples pas~agern dentro de um
ocidente afim de chegar ao oriente, os sábios "mare clausum ·•. Forçaram o recuo da linh:t
portuguêses sorriram. As demonstrações do de partilha, que ficou afinal a 370 leguas a
genovês eram falhas, mesmo perante a ciência Oeste de Cabo-Verde, pe!o acôrdo de 1"ordesi-
da época, segundo está hoje abundantemente lhas de 11~4 . De modo que, antes de desco-
provado. :)Ias, errando no caminho das ín- berta, tôda a região brasileira, de Belém do
dias, Colombo revela ao mundo o que êle pró- Pará, a Laguna. em Sta. Catarina, já era por-
prio não esperava, nem veio a r econhecer se- tuguêsa. A armada comandada por Pedro
não muito mais tarde : um novo continente. Álvares Cabral, que parte em 1500, toca no
Portugal considerou-se roubado. Kão se con- Brasil. Nenhum contemporâneo fala em sur-
formava em ver passar ao rival, e inimigo, presa, nem em sensação. Uma carta escrita
o f ruto de um esfôrço tão respeitável. Inter- da nova terra no próprio dia da posse solene
vém, mais urna vez o Papa, agora um espa- também não fala em nenhum acontecimento
12 AMÉlUCO JACOB INA LACOMBE UM PASSEIO PELA HISTÓRIA DO BRASIL 13

espantoso, que justificasse tão grande aban- - onde os habitantes - passada a impressão
dono da r ota. Mas um cosmógrafo, que es- de um primeiro contato amável - demonstra-
creYe na mesma data, diz ao Rei que a nova ram ser brabos e antropófagos. Seria pre-
teJTa já figura num mapa que possui um de- ciso dedicar-se à morosa e pouco lucrativa
terminado navegador. Após tudo isso, é pos- agricu ltura, o que seria irritante para o aven-
siYel falar em acaso? tureiro que assistia o companheiro enriquecer-
Fique, pois, como ponto de partida de se numa só viagem. Além disso, o território,
nosso estudo, assentado êsse ponto fundamen- extenso e inóspito, não convidava à conquis-
tal. O Brasil não foi um presente da roleta ta. As serras ásperas e cobertas de mata er-
a um povo feliz; foi um fruto maduramente guiam-se próximo à região costeira.
colhido, após laboriosa e tenaz preparação. A geografia não era favorável a uma fá-
Devemos agora percorrer a evolução desta cil expansão. Além do mais, quando Portu-
nova terra desde aí, até a sua constituição gal começou a se expandir pela Ásia, África
como nação independente. E' longa a cami- c América, não dispunha de população muito
nhada para tão breve tempo. Veremos por maior que um milhão de habitantes. Com um
partes. Por hoje nos limitaremos a uma vista punhado de homens que não podia ir além de
sumária da época colonial. algumas dezenas de milhares, é que se ergue
Primeiro, a conquista do território. Na o império até então mais extenso do mundo.
índia os portuguêses encontraram países den- Os mesmos guerreiros brilham. enchem de
samente povoados, ricos e civilizados, com os glória o pequeno país, na índia, na China, em
quais passaram a comerciar imediatamente Angola, na Guiné, em Marrocos e na Amf·
com fabulosas e incríveis vantagens. Isto os rica. Até que a nação se esgota e passa o
absorveu, por completo, e era natural. Nin- t ridente simbólico do domínio dos mares a
guém, tendo à vista as pedrarias, as especia- outras que surgiam em melhor forma.
rias, os tesouros da índia, enfim, tudo envol- Esta terra, desprezada de início, e~tava
vido numa atmosfera de mistério e de fasci- destinada, porém, a ser a grande demonstra-
nação - a realização de um sonho secular, ção de capacidade daque ~e povo heróico, pre-
de muitas gerações - ia se vo'tar para uma cisamente aquela de que êle mais se haveria
terra onde as riquezas minerais não surgiam de orgulhar.
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Foi a princípio arrendada a um consór- Inglatena era a fiel aliada de Portugal. E


cio de comerciante:::, que e:>..'ploraram o pau- não tinha interêsse algum em perturbar uma
brasil, pagando uma quota vultosa ao tesouro alianç.:'l. proveitosa.
reg10. O lucro foi grande. Cerca de 500 a Somente alguns piratas, atraídos pelas
600 por cento. Mas os negócios da índia ain- notícias e lendas de grandes riquezas, ataca-
da eram maiore~. ram alguns portos, com rara infelicidade. As-
Os franceses, porém, forçaram o govêrno sim Edward Fenton em 1583 foi mal sucedido
a iniciar a colonização em regra. Os pu·atas ao atacar Santos. Curioso é saber que tinha
de pau-brasil, conquistavam a amizade dos sido atraído por cartas de um patrício -
índios e chegavam a fundar feitorias para o John Whitehatl - que se passara a S. Vi-
estabelecimento de comércio permanente. O cente - onde se casara com a filha de um
rei Francisco I nunca se conformara com a italiano - Adorno - grande proprietário -
exclusão de seu reino do novo mundo. Ao e assumÜ'a o nome de J oão Leitão. Outro
tomar conhecimento da partilha de TOl·desi- inglês se assinala no início de S. Vicente: é
lhas, dissera não conhecer o testamento de Henrique Ba1·ewe1J.
Adão legando o mundo somente a espanhóis Também anos mais tarde Cavendish é in-
e portuguêscs. Por isso a via diplomática feliz nos ataques a Santos e a Vitória . E
falhou sempre nas negociações com a França. morre acabrunhado na volta para a terra, ra-
O rei prometia a todos providências, e os pi- lado de desgostos - e quiçá de remorsos.
ratas continuavam mercadejando em terras Um de seus homens, caído prisioneiro, e que
portuguêsas. Hou,·e grandes fortunas fran- aqui no Rio morou muitos anos, deixou um
cesas construídas com o lucrativo pau-brasil. dos mais pitorescos painéis da vida da cidade.
Foi preciso recorrer à fôrça. Vieram expedi- no tempo: são as Admirable Adventures and
ções policiais que afundaram ou apresaram Sttallge F'ortzmes of ll1aste1· Antonie Knil•et.
barcos france~es e destruíram suas feitorias. which went with master Cavendish in his
Melhor, porém, seria colonizar sistemàtica- second voyage to the south sea. (1591).
mente a terra. Foi para acabar com os piratas e apos-
Os inglêses nunca tentaram um ataque sar-se definitivamente da terra que o rei D.
sistemático, em grande escala, ao Brasil. A João III dividiu tôda a costa em capitanias,
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limitadas por paralelos. O limite ocidental traram os grandes patriarcas, Caramuru na


seria o próprio meridiano de Tordesilhas. Não Baía, e João Ramalho em S. Paulo, que ha-
foram muitos os candidatos a êsses domínios, viam iniciado a miscegenação. Seus descen-
que tiveram caráter feudal. Enfim doze do- dentes, de sangue luso e americano - os
natários ousaram emprêsa tão ameaçadora. mamelucos - vão ser os grandes defensores
As dific\Ldades locais, o isolamento, as revol-
da expansão portuguêsa na América. Com a
tas do índio, incapaz do tr abalho regular, tudo
subseqüente continuação da imigração branca
concorreu para a falência do sistema.
Só duas capitanias progrediram: S. Vi- e a preocupação gener alizada de limpeza de
cente, que passaria mais tarde a se chamar saugue, o tipo racial vai voltar pouco a pouco
S. Paulo, e Pernambuco. Ambas constituí- aos ancestrais peninsulares. Quando St. Hi-
ram dois fortes núcleos de colonização e de leire visita o Brasil, no início do século XIX,
população. Os homens de boa categoria que pasma diante do tipo racial dos paulistas. Ali
afluü·am a êstes dois centros, c mais tarde à estava porém uma porcentagem respeitável de
Baía, vão ser os troncos da população nobre sangue indígena, dos descendentes de Bartira.
da colônia, celeorados pelos futuros linbagis- filha de Tibiriçá. Em outras regiões brasi-
tas de norte e sul, como os grandes patriarcas leiras o tipo é predominantemente o aboríge-
das famílias brasileiras. E' verdade que ha- ne. Mas, em tôda a parte Yenceu a cultura,
via também degregados. Mas dêsies, uma boa a língua, a fé e o espírito do lusitano. Esta
parte o eram por crimes hoje considerados assimilação é realmente espantosa. Deve-se
ridículos. Havia também escravos da África, a múltiplos fatores.
necessários, já que o índio se mostrara mau Sem dúvida uma das causas do predomí-
trabalhador. nio da classe branca sôbre uma maioria esma-
Com as dezenas de milhares de brancos gadora colorida. deve-se à agricultura, a que
imigrados não se teriam ocupado de fato os os colonos tiveram que se entregar a contra-
oito milhões e quinhentos mil quilômetros qua- gosto, desalentados p~~ a inexistência das fa-
rlrados do Brasil atual. Os portug uêses, po- bulosas riquezas minerais. Estas surgiram,
rém, não tiveram que deliberar a respeito da e o sonho dourado dos descobridores se reali-
solução. Ao se iniciar a colonização já encon- !t zou, mas um século após o inicio da coloniza-
18 AMÉRIOO JACOBINA LACOMBE UM PASSEIO PELA llJSTÓRIA DO BRASIL 19

ção, quando a sociedade já estava constituída XVII, só a expor tação alcançou duzentos mi-
em suas bases fundamentais. lhões de libras outro. O açúcar é o grande
A agricultura, tal como foi instituída no elemento que liga os núcleos espar sos pela
Brasil, - e nínica maneira pela qual era viável, costa. Faz-nos importantes, mas também,
foi um sistema altamente aristocratizante, por isso, desejados. O Império holandês, que
reunindo a população em oocleos de natureza então se construía à custa do português e do
semi-feudal - os engenhos - em que a po- espanhol, empreendeu conquistar o maior cen-
pulação se dispunha em camadas nltidamente tro de produção do açúcar - o nosso nordeste.
hierarquizadas e isoladas, desde o Senhor de Os holandeses ganhavam bastante com a re-
Engenho, branco, habitante da Casa Gmnde. venda e redistribuição do produto pelo norte
senhor quase absoluto do núcleo - até o es- da Europa, adquh·indo-o nos portos portuguê-
crayo africano - habitante das extensas sen- ses. Mas a extinção da dinastia portuguêsa
zalas, e ,único capaz de suportar o trabalho - (o rei D. Sebastião morrera na Ãfrica,
esgotante pelo esfôrço e pelas condições cli- em combate com os mouros) - fizera o reino
máticas. cair nas mãos de Filipe li, de Espanha. Por-
Hierarquia de classes e enorme e}..rtensão tugal não foi incorporado à E spanha. Con-
de terras. servou completa autonomia administrativa. O
Tôda a colonização do Brasil se proces- rei não alegava os seus inumeráveis títulos
sou assim, num sentido altamente aristocra- espanhóis nos decretos portuguêses, mas sim-
tizante, no sentido da formação das camadas plesmente a qualidade de rei de Portugal.
sociais - que aliás nunca foram casta-s. A Mas está claro que os interêsses políticos e
mobilidade entre elas sempre foi muito inten- comerciais portuguêses, quando em conflito
sa e a tolerância um traço marcantemente bra- com os espanhóis, tinham que ceder deante
sileiro. dêstes. Assim aconteceu em relação à Holan-
A agricultura era quase tôda de cana de da. Em vez de fregueses, os holandeses se
agúcar, segundo grande produto produzido transf01·maram em inimigos. Duas vêzes inva-
pelo Brasil. O açúcar do Brasil foi então o diram o Brasil. Primeiro a Baía, onde fracas-
maior artigo do comércio internacional. Pro· Raram; depois Pernambuco onde se mantive-
duzíamos milhões de arrobas por ano. No séc. ram vinte c quatro anos. A ci-vilização portu-
UM PASSEIO PELA HISTÓRIA DO BRASIL 21
20 AMÉRIOO JACOBINA LACOMBE

de uma nova nacionalidade em formação. De-


guêsa, po1·ém, já t inha raízes muito fundas. Os vemos isso à Holanda.
holandeses não conseguiram se impor. Ape- Já nesse mesmo século se processava um
nas durante algum tempo a habilidade excep- outro fenômeno - o mais característico da
cional do Príncipe MauTício de Nassau deu história do Brasil: o bandeirismo.
grande brilho à dominação flamenga. Logo O bandeirismo, a conquista do território
após, os próprios brasileh·os iniciaram a rea- e sua ocupação, muito além dos limites mar-
ção, a princípio contrariando o próprio rei de cados na partilha feita entre as coroas, foi um
Portugal. :Este, já então o fundador da nova fenômeno generalizado no Brasil. Mas em
dinastia nacional portuguêsa - os Bragan- nenhum Jogar teve as características e a in-
ças - preferiria a paz - com um acordo - tensidade do movimento paulista. Note-se
desejoso de garantit·-se o trono, ainda pericli- que, em S. Paulo, reuniam-se condições espe-
tante. Homens do valor do Padre Vieira con- cialmente favoráveis quer sob o ponto de vista
sideravam loucura a resistência. O melhor humano, quer geográfico. Colocada na serra I

seria entregar Pernambuco à Holanda e sal- longe da costa, ao contrário das demais
var o resto : o Sul e a índia. Mas os brasilei- povoações que viviam da comunicação marí-
xos declararam que arrostariam o perigo de tima, S. Paulo domina um imenso planalto que
desobedecer ao Rei. Pximeiro expulsariam o se incHna suavemente para o interior. Os rios
conduzem ao sertão. Os paulistas conquist:l-
estrangeiro; depois se apresentariam ao So-
ram uma extensão territorial maior que todo
berano para que êste os punisse pelo crime de
o Brasil teoricamente pertencente a P ortugal.
teimar em serem portugueses. A maior ma-
Um mapa com a linha de T'ordesilhas traçada,
rinha do mundo e os mais experimentados ·ge-
é uma demonstração eloqüente desse fenôme-
nerais contratados pela Companhia das índias no espantoso. As nossas moedas de quatro-
Ocidentais da Holanda, não puderam vencer centos réis trazem, algumas, este mapa.
os brancos, os negros e os índios que juntos, ~ste movimento teve duas fases distin-
e, afinal, auxiliados pelo Rei de Portugal, ex- tas. Na primeira, os bandeirantes se deixa-
p ulsaram o inimigo em 15'54. Foi uma grande ram levar pela necessidade premente de obter
demonstração de unidade tanto das raças quan- braços para suas lavouras de cana de açúcar.
to das regiões do Brasil. A grande revelação
22 AMÉRIOO JACOBINA LACOMBE
UM PASSEIO PELA HISTÓRIA DO BRASIL 23
À falta de negros, voltaram-se inexorável e
cruelmente para os índiOí>. Daí as grandes para sempre, os espanhois de se expandirem
expedições para descer os selvagens dos ser- de mar a mar acima do Prata.
tões e trazê-los à força para o trabalho dos Em compensação, as missões jesuíticas
engenhos. Em breve enconharam uma fôrça no \'ale amazônico, desta vez portuguêsas, ti-
expansionista igual e contrária que com êles ' eram da coroa lusitana e dos exploradores
nativos o apoio que a Espanha não poude,
se chocou. Eram as missões jesuíticas espa-
ou não quis dar aos seus missionáxios. Da
nholas que caminha,·am em sentido im·erso,
conjugação destas fôrças, no caso paralelas,
partindo do Prata em direção à costa. As
resultou a conquista pacífica e indiscutida de
reduções dos missionários não representavam
todo o vale amazônico para Portugal, todo êle
para os paulistas somente uma fôrça em di- fóra da partilha tantas vêzes citada. E o
reção oposta, representavam também algo de Brasil é mais largo do que comprido.
favorável aos seus propósitos: as aldeias de O resultado de todo êsse esfôrço é que,
índios mansos eram, afinal, verdadeiras re- no início do í>éculo XVIII, quando em quase
servas dos escravos que os paulistas procura- tôdas as colônias americanas, a civilização se
vam; milhares de índios, fixados ao solo, clis- concentra \'él em tôrno de núcleos costeiros.
ciplinados, e, ainda por cima : desarmados. (mesmo as colônias que vão ser mais tarde o.:s
Deu-se então o choque entre as duas fôrças. Estados Unidos alinhavam-se nas bordas do
Os paulistas, ai'\imados, não se limitaram a Atlântico) os pontos extxemos da penetração
destruir as aldeias missionárias: povoações brasileira - digo brasileira porque foi feita
espanholas governamentais foram também in- por brasileiros - já estavam fixados.
vadidas e destruídas. Quando em 1750 - as duas coroas, por-
A violência dos bandeirantes e o martírio tuguêsa e espanhola, firmam um novo tratado
dos catecúmenos nos fazem tremer diante des- de limites de suas colônias - e tomam como
sa tragédia passada dentro da selva america- base da nova partilha o princípio do uti-possi-
na. Mas, sob o ponto de vista da formação dctis, a configuração do mapa do Brasil é, em
nacional brasileira, foi êsse avanço que nos linhas gerais, a mesma do mapa moderno.
assegurou o domínio da costa sul, impedindo, Será curioso notar que a alma das nego-
ciações diplomáticas de que resultou o tratado
Z4 AMÉRlCO JACOBINA LACOMBE
UM PASSEIO PELA HISTÓRIA DO BRASIL 25

de Madri _ em cujo preâmbulo se estabel_e- - e que vragem - erguem-se cidades, tem-


ceu êste princípio, doravante incorporado as plos, pa!á~os, JoJas arqtutctonicas, uma ch i-
tradições americanas: "cada um ficará com lizaçào requmtada, com o brilho de artistas e
aquilo de que está de posse.,, foi ainda um poetas - tudo de mistura com a rudeza e a
brasileiro - um paulista - da raça dos ban- rusticidade do meio e dos habitantes.
deü·antes - Alexandre de Gusmão - secre- A produção do om·o no .Brastl - sem
tário d'El-Rei. falar na dos diamantes e outras pedras -
Era irmão do Padre Bartolomeu Lo~re~­ foi iabu .osa. Basta d1zer que a riqueza total
ço de Gusmão - o pad1'e voador - o pn~eJ­ européia em om·o, nao ia, no irucio do século
ro homem que eleYou do solo uma máquma XVl, além de cinqüenta milhões de libras. Em
aerostática. , 1800 atingia cerca de 350 .rrulhóel:i de hbra~;;.
A História das bandeiras tem, por~m, Desses trezentos milhões de libras-ouro der-
uma segunda fase, e fase mais curiosa do ~ue ramados pela América na Europa, cabe ao
a primeira de que .falei. Foi a fase da mme- bra~:;JJ, na opuuão de \'ános especialistas, cet·-
•· o . Deu-se, afinal, no fim do século XVII,
. ça
ta . , . ca de dOis terços: quer mzcr du .e ntos milhões .
aq~ti 'o que o português desejara desde o l~lClO É de se ver a perturbação que êste fato
da colônia : a descoberta do ouro. O fenom:- ü·ia provocat nos quad!·os das futanças do
no que se passou foi o mesmo que se rep:~tu mundo. Portugal, porém, não pôde conser-
depois na África, na Califórnia, na Australia. ,.ar tamanha uque.la. Para ;:.ah ar a sua agri-
Em pouco tempo uma população estranha e cultura, quer dizer a sua produção de vinho,
movediça afluiu às Minas-Gerais - nome que que era a •única produção l'egularmente orga-
ficou até hoje num E stado do Brasil. Os na- nizada, o Reino concluíra com Lord Methuen,
tivos entraram em conflito com os adventí- embaixador da Inglaterra, o !amoso tratado
cios. Êstcs tinham o apôio do govêrno. O pe~o qual a indústt ia britânica se impôs, para
sangue correu em abundância . Foi a ch~ma­ sempre, ao mercado português. Como a pro-
da guerra dos emboabas. Afinal os pauh~tas dução dos vinhos foi sempre inferior à impor-
se internam pelo sertão e abrem novas mmas tação da Inglaterra, os deficiLs da balança co-
- até :\lato Grosso. Em pleno sertão - iso- mercial foram sempre cobertos com a remessa
lados do r esto do mundo por meses de viagem das r eservas de ouro. Eis, pois, como as mi-

2
26 AM:ÉRICO JACOBINA LACOMBE UM PASSEIO PELA H ISTÓRIA DO BRASIL 27

nas brasileiras, se converte1·amt sem nenhum tém e desenvolve milhares e milhares de ca-
exagêro, num elemento dos mais evidentes da beças de gado. A maior parte do interior
riqueza da Inglaterra. ~ brasileiro foi ocupado definitivamente por
A exploração do ourot de um saltot pos meio do gado. Foi por meio dos animais
no coração do Brasil a maior população da ·ntroduzidos no Brasil no início do século XVI
colônia ~ criou em menos de um séculot cen- que se ligaram e se fundiram as regiões afas-
tenas de cidades e povoações. M:as essa tadas do norte e do sul
ocupação passou com o desaparecimento ~o Examinada a construção econômica da
ouro dos rios ou da superfície. A exploraçao colôniat passemos agora uma rápida vista
da rocha aurífera é já do século XIX e a d'olhos sôbre o seu aspecto político. O edifi·
ela estão Ugados grandes capitais inglêses. cio, se não era llll.'lloso, era sólido e sóbrio.
A atividade que permitiu a Ugação dês- As antigas capitanias, feudos entregues a
tes núcleos esparsos por uma superfície maior donatários, haviam malogrado. O rei vira-se
que a da Europat estabelecendo a ocupação forçado a criar um govêrno geral, que centra-
efetiva dessa imensa extensão, com o mínimo lizou a administração : a justiça, a fôrça mi-
de gasto e o máximo de rendimentot e que deu litar e a fazenda. Esta confiança no govêrno
ao interior do Brasil esta rede tênuet mas efe- instalado na Baía vai dar imediatamente ao
tiva de exploração, foi uma outra indústriat país uma noção concreta de unidadet logo de
muito anterior à mineraçãot que a precedeu início, que ficará fundamente marcada em
de muito e, que fixout em grande parte, a tôda sua história. Desaparecera, logo de co-
}lopulação interna: a pecuária. mêço, no Brasilt o período da justiça privada.
A pecuária 1·epresentou para a conq~is­ A justiça e o govêrno foram noções imediata-
ta do interior do Brasil a solução pa1·a a vitó- mente fundidas. A noção de Estado - de
ria sôbre seu principal obstáculo: a distância. Estado centralizado e organizado, será um
De fato era a riqueza que se movimentava com dado essencial e fundamental da mentalidade
os seus próprios pés. Além disso a enOl·me brasileira. O governador preside a um me-
extensão deserta Ugando os pontos extremos canismo administrativo realmente notável,
de colonização se preencheu com esta indús- dadas as dificuldades do meio e a l'Udeza das
tia que com algumas dezenas de homens man- condições.
28 AMÉRICO JACOBINA LACOMBE UM PASSEIO PELA HISTÓRIA DO BRASIL 29

As antigas capitanias vão tôdas desapa- Hoje, em dia, a dissipação de qualquer


recendo, adquiridas pela coroa que as havia dúvida sobre os destinos de autonomia, ani-
doado. Em meiados do século X VIII perten- ma-nos a maior objetividade no exame desta
cem tôdas ao Rei. Cada uma é administrada matéria. Daí tem resultado uma singular
por um governador. 1\lesmo ne::.tes attos pos- mudança de julgamento sôbre o regim~ co-
tos, varias brasileiros foram aprove1tados. ~o lonial. Dêle resultaram para nós os tL·açc•s
Brasil e na A1nca, nouve brasileiros repre- mais característicos de que nos orgulhamos em
nos~a formação: - A unidade religiosa, lin-
sentando o Hei. Isto será sempre um dos
guística c cultural. Um largo e forte espírito
ma101es padroes de gloria da coJOmzação por-
de tolerc...ncia e compreensão de outros povos.
tuguesa. .r-..a administração, na justiça, no
Um grande e forte respeito pelo Estado -
exercroo e na 1greJa, os nauvos nào se mstm-
desde cedo controlador de nossa formação -
guem dos rem01s. A província ou o Estado
e recurso de todos - e - aquilo que mais
do bras11, não diminui a ninguém por ser nele no:; espanta c que é o maior padrão de glória
nasCldo. l\ em o termo cowma pertcl1Co;:! ao
de Portugal - uma extraordinária capacidade
voca.uutario portugues de entao. de encarar objetivamente os problemas de
A maquina administ1·ativa era com- cada região a governar - um alto senso rea-
p:etada por um orgão do maior interesse: o lístico que permitiu uma rápida e perfeita
Conselho Uttramanno. Composto de antigos plnsmação de um sistema feito de acôrdo com
governadol'es ou funcionários da admini.-5lra- cada problema que a realidade suscitava. As-
ção colOnial - técmcos, como hoJe dll'1amos: sim, o goYêrno das capitanias centrais da Baía
- a ele competia a chreçao suprema dos ne- e do Rio, era bem diverso do da fronteira do
góclOs extra-continentais. Sul, dominantemente militar, de\ido à próxi-
Os primeiros historiadores nacionais fo- ma yjzinhança espanhola; êste diferia do do
ram de uma grande e natural má vontade re- extremo norte, onde as condições do meio eram
lativamente à administração portuguê;:;<!. A totalmente novas; - era ainda diverso o de
proximidade da lula pela independência incli- )linas - e dentro dêste, reYestiu-se dn pe-
nava-os, forçosamente, a esta atitude nacio- culiaridades especiais o da região diama,J:U!....,
nalista. quase autônoma.
30 AMÉRICO JACOBINA LACOMBE Ul\! PASSEIO PELA lliSTÓRIA DO BRASIL 31
E tôda esta máquina administrativa se o índio manso, como também os famosos colé-
mantinha com uma fôrça relativamen~ pe- gios das cidades, onde se formaram numerosos
quena. Muito pouca tropa de primeira linha. homens de instrução na era colonial. O co-
A maior fôrça, era a milícia, composta àos légio da Baía chegou a conferir os primeiros
paisanos, que constituíam um exército de re- graus universitários. Por isso, quando o mar-
serva, que não poucas vêzes provou sua efi- quês de Pombal, homem de seu século e im-
ciência. Havia ainda as o1·denanças, espécie buído dos preconceitos de seu tempo, promo-
de fôrça local, de terceira linha. As patentl'S veu a campanha sistemática contra a Compa-
destas fôrças de reserva, dando direito a vis- nhia de Jesus, a instrução no Brasil sofreu
tosos uniformes, constituíam grandes incen- um colapso de que até hoje se ressente, segun-
tivos à dedicação dos súditos reais. do certos autores.
A cultura era representada quase total- A Inquisição aquí funciono u algumas
mente pelo clero. Havia na Baía um arce- vêzes, seja por meio de visiiadores, seja po.r
bispo primaz, primeira autoridade 1·eligiosa meio dos próprios bispos, para isso comissio-
da terra, e mais um bispo nas principais ca- nados. Mas os condenados foram remetidos
pitanias. Foram homens ilustres e íntegros, ao reino, e lá sacrificados. De modo que
mas lutaram incessantemente com a dificul- nunca assistimos ao espetáculo tão apetecido
dade de um clero escasso e pouco virtuoso, pelos peninsulares, o auto-da-fé.
composto muitas vêzes de padres expulsos de Nunca tivemos instrução superior. Neste
Portugal. O grande elemento disciplinador ponto a colonização portuguêsa diverge da
e disseminador da culhu·a não somente eele- dos espanhóis que fundaram as primeiras uni-
siástica como clássica, foram as ordens religio- \'ersidades da América. Mas não foi a econo-
sas : franciscanos, os primeiros que aqui vie- mia que ditou essa deficiência. Quando os
ram, na própria esquadra da descoberta, di- colonos mineiros quiseram formar, à sua custa,
zendo a primeira missa no Brasil, beneditinos uma escola médica, o Conselho Ultramarino
e carmelitas, mas principalmente os jesuíta3. respondeu que era conveniente que todos os
A êstes devemos não somente o principal tra- bacharéis de todo o império português passas-
balho rnissionál•io, pelo qual arrostaram a sem pela mesma Universidade de Coimbra,
violência dos colonos, desejosos de escravizar aliás famosa, e uma das mais antigas do mun-
32 A!IIÉRlCO JACOBmA LACOMBE UM PASSEIO PELA HISTÓRIA DO BRASIL 33

do. Era um ponto do programa de sua polí- Ao fim do século XVIII a colônia se sen~
tica de centralização e unificação do Império. tia madura. At é então alguns movimentos e
Foi um bem e foi um mal. Nas mãos de lutas locais haviam demonstrado a ansiedad·~
um ~overno sectário. a UniYersidade se tran.<l- do nath·o pa>·a se libertar da obediência da
formaria ràpidamente num elemento de difu. metrópole. 1\Ias em 1789, surge um moYi-
são incontrastáYel das doutrinas que lhe fôssem mento de significação muito séria nas Mina">
impostas. Eis porque Pombal fez da r ef or- Gerais. O aparato com que a metrópole o
ma da Univer!;idnclc um ponto fundamental de abafou, exigindo o sacrifício do Tiradentes
sua político de propagação da douh·ina que que foi enforcado, reve1a o grau de importân-
adaptara a Portugal com elementos dispersos cia que o movimento lhe met·eceu. Poucos
do galícanismo. do jansenismo e do raciona- anos depois, n o\a conspiração na Baía.
lismo do tempo. Não seria possível manter por muito
Não é possível terminar esta. resenha da tempo isolado do resto do mundo, sob o r e-
vida colonial sem mencionar uma instituição gime do monopólio, um pais tão vasto, cuja
que representou crrande papel em certas r e- riqueza já começava a ser conhecida do resto
giões do Brasil: o municipio. A câmara mu- do mundo. No princípio do século XVIII a in-
nirinal funcionou em certas 1 e~iõe!'l com uma da, um livr o que r evela,·a a importância eco-
1·egularidade realmente notáYel. Os homens- nômica do Brasil f ôr a, após obter tôdas as
bons, que era fórmula pela qual aqui se de- licenças necessárias, confiscado e destl-nído.
s ignavam os bunmeses, constituíam-na com E ra assim intitulado: C1rltura e Opulência elo
uma eficiência e independência que espantam. Bmsil, 7JO?' suas Drogas e Minas, com vá'rias
Esta intensidade <ia Yida municipal, iniciada notícias Claiosas do modo de fazer o açúcaT.
em 15R2, com a fundação da~ primeir as nlas, planta?· e beneficia?· o tabaco, tirar ow·o das
~erá a ·única escola ele política dos bt·asileiros minas, e descobrir as de prata, e dos m·andes
- a única forma pela qual o novo participa emolumentos que esta COJIQ?'ista da 11 mérica
de algum modo do govêrno. O atrevimento 1nericlional dá ao Rei de Portugal, com êstes
de alguns procnrr~dores de câmaraR chegou a e onti'OI~ gêneros e cont'ratos ?'eais. Era de-
preocupar a metrópole. mais. Não se deveriam revelar verdades tão
indiscretas. Passa o sécu1o e ainda no início
* * *
34 AMÉRICO JACOBINA LACOMBE UM PASSEIO PELA IIISTÓRIA DO BRASIL 35

do XIX ainda teima o reino em manter iso- barão de Humboldt, natural de Berlim, havia
lada a colônia que crescia cada vez mais em viajado pelo interior da América, tendo man-
importância. Aos estl·angeiros nada de dei- dado algumas observações dos países por onde
xar verem coisas tão graves. Os brasileiros tem decorrido, as quais serviram para corri-
conquistavam postos já no próprio reino. Se- gir alguns defeitos dos mapas e ca1-tas geográ-
cretário do Rei e valido de importância havia ficas e topográficas, tendo feito uma coleção
sido um paulista. Outro, baiano, o marquês de 1. 500 plantas novas, determinando-se a di-
de Santo Amaro, o seria do Príncipe D. J oão. rigir sua viagem pelas partes superiores da
Brasileil·o. fluminense, havia sido o reitor da capitania do Maranhão afim de examinar re-
Universidade de Coimbra, o Bispo Pereira giões desertas e desconhecidas até agora a
Coutinho. Brasileiros eram : o grande profes- todos os naturalistas, e porque em tão críticas
sor e economista baiano visconde Cairu; .1 circunstâncias, e estado atual das coisas se
maior cabeça científica do reino - o paulista faz suspeita a viagem de um tal estrangeiro
José Bonifácio de Andrada. Brasileiro e mi- que debaixo de especiosos pretextos, talvez
neiro era o magistrado da maior confiança do procure, em conjunturas tão melindrosas e
govêrno - o Conselheiro lVf0squeira. arriscadas, surpreender e tentar com novas
Mas o reino temia, cada vez mais, ab1·il· idéias de falsos e capciosos princípios os âni-
as portas da colônia aos demais PO\'OS. Quan- mos dos povos, seus fiéis vassalos, existentes
to mais importante o intruso, tanto maior o nesses vastos domínios, além de que, pelas
perigo. leis existentes de S. A. R. é proibida a entra-
Quando Ilumboldt passa pelas raias do da nos seus domínios a todo e qualquer estran-
Brasi l, na sua célebr e excursão científica pela geiro não autorizado com especiais ordens de
Amél'ica, o conde de Linhares, aliás g1·ande S .lVI. : ordena muito expressamente o mesmo
espí1·ito e admirador da Inglaterra, de quem Augusto Senhor que V. s.a faça examinar com a
na próxima palestra falaremos, não se peja maior exação e escrúpulo, se com efeito, o dito
em assinar a seguinte ordem: " O Príncipe barão de Humboldt, ou outro qualquer viajante
Regente Nosso Senhor manda participar a V. estrangeiro tem viajado ou atualmente viaja pe-
s.a que na Gazeta ele Colônia do primeü·o de los territórios dessa capitania pois que seria su-
abril do presente ano se publicou que um tal mamente prejudicial aos interêsses políticos
AM:ÉRICO JACOBINA LACOMBE UM PASSEIO PELA HISTÓRIA DO BRASIL 37

da coroa de Portugal se se \'erificassem seme- terceptando-lhe os meios de transporte, fazer


lhantes fatos; e confia S. A. R. que V. S. a indagações políticas ou filosóficas.
pelo seu zêlo e eficaz desvêlo empregará em Deus guarde V. Mercê - S. Luís - 12-
um negócio ele tanta importância tôda aquela X-1800 - D. Diogo de Sousa.
de~treza c sagacidade que é de esperai' das
luzes e circunspecção de v. S. 11 pelo bem de A hora da independência de tôda a Amé-
f.eU real Serviço, preca\·endo V. S.a, sendo as- rica latina se aproXImava. As colônias espa-
rim, e atalhando a continuação de tais inda- nholas, divididas em quatro vice-reinos e vá-
gações que pelas leis ~ão vcdndas, 11ão só a rias capitaniás seguiriam no seu processo de
eRtrangeiros, mas até aquêles portuguêses que fragmentação. O Brasil, nominalmente uni-
se fazem suspeitos, quando não são autoriza- do, mas exh·emamente diversificado, com re-
dos por ordens régias, ou com as devidas li- giões autonomizadas, conservar-se-ia íntegro,
cenças", etc. salvaria essa unidade que constitui a mal·avi-
lha, o mistério e a originalidade de sua histó-
Ao que o govêrno do l\Iaranhão deu pron- ria'! P rovàve!mente não. Seguiria a lei fatal
tamente cumprimento com a seguinte circular da dispersão. das guerras, das rivalidades, do
aos comandantes das regiões fronteiriças: caudL.hismo, males que assolaram nossos vizi-
nhos por tanto tempo.
"Havendo notícias de que um tal barão de Mas, como "a única lei segu1·a da história
Humboldt tenta seguir as suas excursões pelos é o imprevisto", como se tem dito tantas vê-
sertões deste Estado, se faz pt·eciso que V.M:. zes, de um imb1·óglio terrível da política euro-
fique prevenido e expeça ordens a tôdas as péia, enquanto as colônias espanholas sofriam
vilas dêsse govêrno para no caso de se veri- o eclipse de seu chefe comum, resultou-nos a
ficarem as-,·eferidas notícias, ou sucedendo vinda do Rei - quer dizer - do símbolo da
aparecer outro algum estrangeiro viajante no unidade, da tradição e da autoridade.
distrito dê:e, o fazerem conduzir a esta capital
com tôda a sua comitiva, sem contudo se lhe Veio-nos em 1808, num momento preciso,
faltar a decência, nem ao bom tratamento e sob a proteção de uma poderosa esquadra in -
comodidades; mas só acompanhando-o, e in- glêsa. Nós nunca poderemos esquecer êste
38 A:\IÉRICO JACOBINA LACO:MBE

fato tão auspicioso para a segurança do nosso


destino que então se afigurava duvidoso:
o penhor de nossa grandeza chegou-nos am-
parado pelo prestígio e pelo apoio do pais
com o qual constituja a mais antiga aliança da
história - a Inglaterra.

2.• CONFER:fJN IA

A ERA DA INDEPEND~NCIA
111eu.s senhores
e minhas senhoras

A situação do reino de Portugal no prin-


cípio do século XIX era das mais trágicas. A
rainha D. Maria I, que sucedera ao Pai D.
José I, e que começara brilhantemente o rei-
nado, en~ouquecera. O rei D. Pedro III dis-
cretamente havia morrido após haver dado à
real esposa dois herdeiros. O mais velho, D.
José, Príncipe do Brasil, grande esperança
dos intt!lect uais e dos novos, também se fôra
antes de tempo. O filho mais moço, que não
se havia preparado para o trono, vê-se assim
constrangido a assumir as rédeas do govêrno,
a princípio em nome de sua mãe, e, a.nna1, a
contra-gosto, como Príncipe Regente. Alguém
falou em com ocar as Côrtes para sancionar
essa transformação. Não ioi ouvido. O paYOl"
da convocação dos Estados Gerais Franceses,
impedia que se tomasse essa providência. E
assim, sob a égide de um príncipe liberal e
manso, e por temor, consumou-se paradoxal-
mente esta 1última etapa da evolução do regi-
me para o absolutismo.

3
UM PASSEIO PELA HISTÓRIA DO BRASIL 43
42 AMÉRIOO JACOBINA LACOMBE

Não pôde, contudo o príncipe revelar pa- D. João procurou mais vez ganhar tem-
cificamente as suas qualidades de bom-senso po. Declarou ceder, menos quanto à última
e dedicação à causa pública. A época era condição que achou contrária à honra. De-
tormentosa. A aliança inglêsa era nm dado clarou guerra à aliada tradicional, convocou os
essencial à polilica portuguêsa. lias o Impé- 1ortuguêses à defesa dos portos para impedi-
rem um desemba1·que inglês, entregou os pas-
rio Napoleônico decretara o Bloqueio Conti-
saportes a Lord Strangford e despachou para
nental e a situação de Portugal passou a ser
Paris um plenipotenciário para ceder a tôdas
um espinho atravessado na garganta de Na-
as vontades do Imperador. Napoleão, porém,
poleão. A Espanha, após abandonar Portu-
já sabia quanto valia estn. adesão. Quando
gal na campanha contra a França, passara-se
D. João adotou estas medidas, já estava assi-
para esta sua antiga inimiga com armas e
nado, entre a França e a Espanha, o tratado
bagagens. Não haveria, pois, meios de re- de Fontainebleau, declarando deposta a casa
sistir eficazmente a uma invasão francesa de Bragança e partilhando o território por-
através da Espanha. Como a todos parecia tuguês entre p1incipes espanhóis e o Império
que o domínio napoleônico seria efêmero (e o Francês. Além disso já partra através dos
foi) o Príncipe Regente adotou uma política Pirineus a expedição de Junot, com a ordem
que, condizendo coro seu temperamento, pode- de não tratar com o Príncipe Regente de Por-
da ter sido a salvadora: a contemporização. tugal, mesmo que êle cedesse tudo! Ao cabo
"Uma vela a Deus e outra ao Diabo" para de tantos anos de tergiversação, via-se a::;sim
ganhar tempo. A audácia de Napoleão, po- o velho reino sem apoio algum, abandonado
rém, ia crescendo, à medida que os reis cediam de ambos os lados, malogrados os seus esfor-
esperando sua queda. Chegou o momento em ços na tentativa, impossível quase sempre,
que as exigências foram tais que implica1·iam de não torna·r pa1'tido.
necessàriamente na perda da aliança inglêsa : Já que os franceses iniciavam as hostili-
1 ) fechamento dos portos aos inglêses; 2) dades contra Portugal, a questão mudaYa de
declaração de guerra à Inglaterra e 3) prisão aspecto. Agora o dilema era : ou corn}:later
·.e con.fisco dos bens dos inglêses residentes para ser fatalmente \encido e aprisionado,
em Portugal. salvando-se o renome, ou, considerando que
Portugal não era mais a êsse tempo a ourela
44 A~ÉRICO JACOBI~A LACOMBE UM PASSEIO PELA IIISTÓRIA DO BRASIL 45

de um continente, mas um grande império de estilo uma parte da armada inglêsa acom-
colonial, salvar o Brasil. Realmente optar panhou o primeiro príncipe de sangue que
pela luta seria fatalmente perder o Brasil. cruzou o Atl2ntico. Eram m~is de 15 .000
~ste, ou seria ocupado, em represália, pela pessoas, na maioria abastadas, em cêrca de
antiga a!iada, já então agravada, c como tal (o n.t\io~·. uma \'erdadeira migração at·isto-
desembaraçada de qualquer responsabilidade, crática.
ou se libertaria desordenadamente. );ão c.s- O \cnto dispersou a esquadra e exatamen-
tamos fazendo divagação. A hipótese verifi- te a '1!'ll em CIUe vinh" o Príncipe aproou à
cou-se, por a~sim dizer, experimentalmente : Baía a 22 de janeiro de 1808. Já aí chocou-
é a história das colônias espanholas desde que se o e~pítito europeu com a alma americana.
sumiu o rei de Espanha - afinal e lõgica- Foi o caso que mandou o Príncipe que se ati-
mente - devorado pelo !=;CU aliado. rassem moedas de cobre ao povo, como júbilo
A vinda para o Brasil pode não ter sido pela sllil. chegada. Logo no mesmo dia em qu1!
muito elegante - mas, deliberadamente ou ocorreu esf.:a chuva de dinheiro, replicou o povo
não - os resultados foram os mais conve- brasileiro a êsse gesto de generosidade com
nientes aos interêsses tanto bnsileiros quanto ouh·o de grandeza, adquirindo, mesmo os mais
da dinastia. Ninguém mais habilitado para humildes, archotes e lanternas com que impro-
julgar o acontecimento que o p1·6prio Napo- \ ism·r.:n uma manifestação popu 'ar ao Prín-
leão. 1!:ste, em Sta. Helena, há-de dizer mais cipe. A 1únguém ocorreu guardar o dinheiro
tarde que D. João foi o único soberano de que distribuído na manhã. Foi todo gasto, no
êle não se pôde rir. megmo dia e em retribuição de gentileza ao
De fato, a sensação ao se saber que Junot doador. Aí esta\'a um cartão de visita do povo
ao entrar em Lisboa, ainda avistara as úl- brasileiro: ~omos por natureza amigos da
timas Yelas brancas sumindo-se no horizonte, grandiosidade. Nunca perdemos oportunidade
foi antes de decepção e nl.i va. de nos re\·el::lrmos inimigos da mesquinhez P.
O ministro Lord Strangford, que se re- da a ,·areza.
colhera prudentemente à esquadra inglêsa, que PeLl. correspondência diplomática do tem-
cruzava em frente ao Tejo, foi chamado a po, em f"rande parte inédita, vem-se a. saber
tôda pressa. E após as sahas e ceremonial que uma grande preocupação angustiava o
46 MIÉRICO JACOBINA LACOl\IBE UM PASSEIO PELA H ISTÓRIA DO BRASIL 47

espírito do Príncipe Regente: "qual a posição junto ao reino. A ocupação de Portugal, mo-
da Inglaterra a seu re~peito'!.. Teria per- nopolizador do comércio brasileiro, pelas tro-
doado c compreendido os lt'tltimos deci-etos ar- pas francesas, trouxera brusca interrupção ao
rancados por Napoleão? E1 a m·gente ter o comércio anglo-português. Para compensá-lo
apoio inglês - isso não somente para se t.>l'a preciso permitir à Inglaterra a continua-
poder organizar o reino em su3s novas bases ção das relações comerciais com o Reino -
americanas, como também para se contar com em sua nova sede. Daí a rapidez e a satisfa-
um forte apoio na próxima pa geral - acon- ção com que, ainda da Baía, e sem esperar a
tecimento que se julgava sempre muito pró2d- chegada de seus conselheiros, por Carta-Régia
mo. Era preciso, pois, agradar aos inglêses. de 28 de janeiro de 1808, D. João abre os
Não só nas grandes coisas, como nas pequenas. portos do Brasil ao comércio das nações ami-
Por isso, Jogo ao chegar à Baia, D. João preo- gas - vale dizer - à Inglaterra, única que,
cupou-se em dar aos oficiais b1·iti'micos uma naquela oportunidade, poder-se-ia utilizar do
boa r ecepção. Como a cidade fôsse escuTa, favor.
determinou a Câmara que os moradores pu- A Inglaterra teria preferido uma solução
sessem luminárias e se incumbissem de me- mais positiva - a concessão de um pôrto co-
lhorar o aspeto das respectivas ruas. Aquilo mo o de Sta. Catarina, - conforme declarou
era para o inglês ver . .. o seu representante no Rio. Mas, no momento,
Logo ao chegar ao Rio, c ainda desejoso a concessão satisfez, em grande parte, às s uas
de agradar aos seus amigos, D. João restau- necessidades e ao empenho dos comerciantes
rou uma antiga Ordem de Cava':1ria - A inglêses.
Tôrl'e e Espada-, já que as ordens de Cristo, Ainda na ânsia de obter o apoio presente
S. Bento de Avis e San-Tiago da Espada, eram e futur o da Inglaterra - por ocasião ela li-
de caráte1· religioso, e exigiam profissão em quidação da aventura napoleônica - D. J oão,
mãos de um sacerdote. que continuava a indagar dos ministros in-
1\Ias está claro que o apoio e solidarieda- glêses qual o juízo que faziam a seu respeito
de inglêsa não se iriam f irmar simplesmente os estadistas de S. 1\f. Britânica - julga de
com luminárias e condecorações. A Ingla- bom aviso fortalecer cada vez mais os inte-
terra se julgava, e com razão, com crédito I'êsses da Inglaten-a no Brasil. Daí o tão
48 AMÉRICO JACOBINA LACOMBE UM PASSEIO PELA IIISTÓRIA DO BRASIL 49

discutido Tratado de Comércio de 1810 - em mereceu o título que depois teve - de bnpe-
que fo1·am tais os favores concedidos à indús- ?'adO?' Honorário do Brasil.
tria inglêsa que c~a ficou em circunstâncias Deu-se então um fenômeno essencial para
superiores a tôdas as outras- inclusive a por- a formação da unidade nacional. Já vimos
tuguêsa. Com isto julgou-se D. J oão garan- na última palestra como a administração co-
tido quanto a êsse apoio. lonial fôra diversificada conforme as condi-
A tendência para essa política era faci- ções peculiares do meio. Disso resultara que
litada enormemente pela presença, no Minis- a administração de certas capitanias se a uto-
tério, do conde de Linhares, Dom Rodrigo de nomizara a tal ponto que a autoridade do
Sousa Coutinho, que chefiava o chamado "par- Vice-Rei sôbre elas era meramente nominal.
tido inglês" - grupo dos que desejavam a Seus governadores se correspondiam direta-
aliança inglêsa - em oposição ao "partido mente com a côrte. De seus juízes apelava-
francês" - então no ostracismo - chefiado se diretamente para os tribunais de Lisboa.
pelo conde da Barca, Antônio de Araújo e Aze- É quase impossível conceber como estas re-
vedo que, apesar de ter sido p rêso no T emplo giões !!C iriam agregar ao todo brasileiro sem
- não obstante suas imunidades diplomáticas a presença do centro visível da unidade do
- continuava a sustentar a aproximação com império no Rio de Janeiro.
a França. Napoleão, sem o querer, não somente nos
dava a autonomia, mandando-nos o rei, como
Fixado no Rio de Janeiro, Dom J oão en-
ainda salvava a nossa unidade no momento
tt·egou-se com afinco à obra que anunciara
decisivo. Os primeiros atos do Príncipe no
num retumbante manifesto dirigido ao mLm-
Rio são, pois, todos, no sentido de organizar
do em solene protesto contra a violência napo-
o Brasil sob a forma de um Reino digno de
leônica: "A Côrte de Portugal le\'antará a
ser a sede do Império Lusitano. De uma pe-
sua voz do seio do novo império que vai criar".
nada surgiam repartições centrais, tribunais,
A criação do novo império : essa é a obra conselhos, ministérios, novas capitanias, es-
n que se dedica o Príncipe. co1as superio1·es (até então recusadas, como
Manda a justiça que se diga que êle foi vimos), Imprenl'\a, indústrias, bibliotecas, es-
realmente o criador do novo império e que taleiros, estradas, bancos, museus, palácios . . .
50 AMÉRICO JACOBINA LACOMBE UM PASSEIO PELA HISTÓRIA DO BRASIL 51

Tah·ez em nenhum momento um pais tenha fato - a elevação do Brasil à categoria de


dado passos tão largos no caminho do pro- reino.
gresso. Não eram somente os comerciantes Daí deriva a Carta de Lei de 16 de de-
que se aproveitavam da abertura dos pol'tos. zembro de 181õ. Em vez de ser o título do
Eram também os cientistas. Estamos muito Príncipe herdeiro, o Brasil passava a figurar
longe da época em que se mandava prender no próprio nome da monarquia. O país pas-
"um tal barão de Humboldt·· por fazer inda- sou a ser "Reino Unido de Portugal, Brasil e
gações filosóficas sôbre a terra. Agora os Algarves·•. A bandeira, escudo d'armas, tudo
viajantes estrangeiros são, pelo contrário, es- passou a demonstrar a elevação do Brasil à
tipendiados, para revelar ao mundo o novo condição de potência internacional, integran-
país. O inglês John Mawe abre a série de do todos os elementos constitutivos de uma
seus compatriotas que seria tão numerosa e nação.
ilusb·e. As condições estávam agora inteiramente
Quando Napoleão cai, afinal muito mais invertidas. O Brasil era um reino próspero,
tarde do que o príncipe previra, Portugal em plena ascenção, sede da Monarquia, onde
comparece ao Congresso de Viena como nação se fixavam as grandes repa1·tições, os princi-
vencedora. Como represália pela invasão do pais comandos, e o centro de grande interêsse
reino, D. João conquistara a Guiana Francesa. do estrangeiro que o honrava não só com um
Também, aproveitando-se da desordem nas co- numeroso e importante corpo diplomático como
com valiosas missões científicas.
lônias espanho 1as, incorporara ao Brasil o ter-
Portugal era um reino devastado por três
ritório da atual república do Uruguai - com
terríveis invasões francesas, com uma popu-
o nome de Província Cisplatina. O Brasil
lação faminta e que afluía continuamente à
atingira então a sua maior expansão - ia do
América. Acresce que a necessidade de or-
Mar das Antilhas ao Rio da Prata. Foi nas ganizar a defesa contra o invasor fizera com
negociações diplomáticas do Congresso de Vie- que o govêr no fôsse entregue, de fato, ao exér-
na que surgiu, por sugestão do ministro fran- cito. Ora a fôrça militar era, então, parte
cês Talleyrand, a idéia de sancionar de uma nacional, e parte inglêsa - pois que a campa-
vez, legalmente, a situação que já existia de n ha se fizera sob a direção do duque de We1-
52 AMÉRICO JACOBINA LACOMBE U)f PASSEIO PELA HISTÓRIA DO BRASIL 53

lington. Quem go,·ernava realmente o Reino botânico Auguste de Saint-Hilaire que nos
era o marechal inglês Re1·esford. deixou oito famosos YO 'umes. O casamento
:f:ste estado de espírito não era, pois, mui- da Arquiduquesa provocou também uma ex-
to favorável a um entendimento assaz cordial pedição científica de austríacos e bávaros.
entre os rei nós e os b1 asHeiros. Daí um Quando em 1816 faleceu a Rainha D.
atl·ito la~ente entre os dois povos que explode, Maria I, D. João assumiu o título de Rei de
no Brasil, em 1817, numa re\'olução em Per- Portugal e do Brasil. Em 1818 foi solene-
nambuco, e, em Portugnl, numa revolução no mente aclamado no Rio de Janeiro, cerimônia
Pôrto, três anos depois. que pela primeira vez se realizava na Amé-
~o entanto a situação internacional se rica.
firma,·a. Desde que a França, restaurada, O Brasil era então um grande centro de
aderira à 1'0Va 01'dem criada em Viena, o par- interêsse comercial e científico do mundo ci-
tido !'rancês saiu do oetraci!lrno. Al':sim é que vilizado.
s ubiu ao poder, em 1814, o conde da Barca. O alto comércio, a navegação, a importa-
O restabelecimento das relações com a Fran- ção eram rnglêses em sua maioria ; o comér-
ça, realizado por meio de uma imponente em- cio de modas, de jóias, de arte e de quinqui-
baixada do duque de Luxemburgo, foi seg-uido lharia era francês - o comércio a retalho e
de uma aliança com a _.\.ustria, por meio do as mercearias e1 arn em geral portuguêsas. A
casamento do Príncipe Herdeiro D. Pedro, grande fõrça ewnômica nacional estava na
com a At·~uiduQtle"a D. Leopo1dina, irmã d[l agricultura. As grandes propriedades terri-
Imperatriz l\1aria Luísa. Estava assim o rei- toriais estavam quase tôdas nas mãos da aris-
no com boas amarras em tôdas as côrtes eu- tocracia l'Ural b1 asi eira, de nobreza muitas
ropéias. A paz com a França e o govêrno de vêzes recente, mas não pouco ciosa de suas
Barca. tiveram como conseqüência a vinda de prel'rogativas.
grande número de artistas e viajantes fran- O rei D. João adaptou-se esplêndidamente
ceses. Entre êles, os artistas conh·atados pelo ao meio brasileiro. Houve uma corrente em
marquês de l\Iarialva e que iam ser os pri- Portugal que pensou em aclamar um rei por-
meiros professores de nossa Academia de tuguês, porque êste já era mais brasileir o.
Belas-Artes. Enhe os viajantes, o grande Foram os anos mais calmos que êle passou em
54 AMÉRICO JACOBINA LACOMBE UM PASSEIO PELA lliSTÓRIA DO BRASIL 55

sua vida, êstes desfrutados na serenidade da das "idéias modernas", convencionou-se que
Quinta da Boa Vista, 1onge da mulher que êle ficaria em vigor a Constituição espanhola de
temia e que o detestava cordialmente. Mas 1812.
"não há bem que sempre dure" diz o provér- E logo se procederam às eleições, em
bio, e pensavam os brasileiros, "nem mal que todo o Brasil, dos deputados que deviam re-
nunca se acabe", disseram os porluguêses. presentar as províncias em Lisboa, na Assem-
Eis senão quando, a revolução, contra a bléia cujas sessões já se haviam iniciado.
qual se haviam armado tantas alianças e com- Mas a Revolução tinha um outro aspecto,
promissos, rebentou em Portugal. O movi- e êste não foi apreendido pelos brasileiros no
mento estom·ou no Pôrto, em 1820, e logo se primeiro momento : era a revanche dos por-
alastrou po1· todo o reino. tuguêses contra os brasileiros. A primeira
Tinha dois aspetos distintos. O primei- exigência do movimento foi a presença, no
ro era o constitucionalista. í:ste era o aspecto reino do soberano. 'ftste teria preferido man-
doutrinário, político e universal. Logo após dar o filho. e ficar. Mas não teve senão um
a organização do governo reYolucionário foi voto neste sentido no Conselho convocado paTa
convocada uma Assembléia que devia dar ao disto tratar. Por isso partiu, triste, e preven-
reino a panacéia universal que curaria todos do claramente o fu turo do Brasil. Daí a célebre
os seus males e o encaminharia definitivamen- recomendação ao filho : "Pedro, se o Brasil se
te na senda do progresso contínuo : a consti- separar, antes seja para ti, que me hás de
tuição. Êste ponto do programa era o que xespeitar, do que para algum dêsses aventu-
figurava em primeira plana na repercussão reiros." E assim, deixando o Príncipe Real
internacional. A êle ninguém resistiria. Mui- como seu lugax-tenente, partiu tristemente pa-
to menos o Brasil onde a s idéias liberais já ra Portugal, onde não fôra e nem seria feHz.
haviam ganho largos adeptos. Todo o mundo Dizem testemunhas de vista que o estado do
foi aderindo. Aderiu a tropa, aderiu o Prin- Rei era desolador. Banhado em lágrimas, era
cipe e acabou por aderir o próprio Rei. E a imagem da tristeza. Caía subitamente em
como a Constituição que ia ser elaborada pe- silêncio para despertar, como de um sonho,
las côrtes iria demorar, e não era mais pos- pronunciando desconexamente palavras em que
sível viver sem esta exigência f undamental Brasil aparecia várias vêzes. Despediu-se emo-
56 AMÉRICO JACOBINA J..ACOMBE UM PASSEIO PELA IIISTÓRIA DO BRASIL 57

cionantemente do filho, da nora e da netinha, superiores, inclusive os tribunais seriam lo-


por certo compreendendo que nunca mais os gicamente extintos.
veria. Tais são os espinhos da carreil·a de Assim, num delírio demagógico, esta as-
soberano ! sembléia provocou um espetáculo inaudito é '
A situação em que ficava o Príncipe, na único na história do mundo: a independência
estréia de sua vida como chefe de Estado, era de parte de um império feita pelo herdeiro de
das mais embaraçosas. todo êle. É que o herdeil·o percebeu que para
Aquela incrível má vontade das Côrtes ser fiel à obra realizada em tôda a coloni-
Constituintes da Nação Portuguêsa para com zação e completada pelo Pl'Ópl·io pai - isto é
o Brasil, e seus deputados em minoria, con- - a integridade do Brasil - era seu dever re-
-'~uziu-as à mais \'iolenta das injustiças. O sistir às ordens que eram a negação do espírito
Brasil era um reino - reino completo e autô- português. Para ser bom filho de D. João
nomo. Era êste o resultado de sua evolução VI era preciso desobedecer aos decretos que
e o orgulho do próprio Rei Dom João VI. Não as Côrtes haviam impôsto a D. João VI.
havia como destruir êste dado. Na ânsia de Assim é que o mesmo príncipe que ju-
reconquistar a sua preeminência, porém, os rava nas cartas ao Pai, assinando com o pró-
portuguêses negam esta e\idência e pretendem prio sangue, que nunca serviria de instrumen-
contrariar esta realidade, desfazer o sistema to da separação do B1·asil, haveria de ser con-
dual, em que repousava o único equilíbrio pos- duzido logicamente à proclamação da Inde-
sível entl'e os dois domínios da Casa de Bra- pendência. Não fôra perjuro, porém.
gança. As Côrtes, que se haviam iniciado com
Os deputados, - únicos a mandar, diante os aplausos unânimes da nação portuguêsa
do rei coacto - insurgem-se contra a existên- "daquém e dalém mar'', haviam-se transfor-
cia do govêrno do Rio de Janeiro que lhes mado em inimigas da parte do reino que até
parece uma anomalia. O Príncipe devia vol- há pouco havia servido de sede da monarquia.
tar à Europa para viajar e completar a sua Todo o mundo de bom senso compreendeu que
educação. E cada província se deveria or- os decretos que destruíam as prerrogativas já
ganizar em junta autônoma, subordinada di- obtidas com D. João VI não eram só injustos,
retamente a Lisboa. Tôdas as repartições eram impolíticos. Os brasileiros receberam-

4
~
58 AMÉRICO JACOBINA LACOMBE 59
UM PASSEIO PELA IIISTÓRIA DO BRASIL

nos como um desafio. O momento não per-


mitia vacilações. Todos os que eram pelo na causa dos patriotas, convencidos de que
Brasil, teriam que ser pela permanência do estavam assim embaraçando a atuação das
Príncipe. Era êste o instrumento da Provi- côrtes democráticas e evitando a futura insta-
dência para sah•ar a existência do Brasil, lação de um goYêrno republicano no Brasil".
"dádiva celeste", no dizer do Senador Ver- Nas cartas a D. João VI o príncipe vai
gueiro. reYelando, pouco a pouco, a sua própria b·ans-
Por isso a questão da forma de govêrno forroação, até que rompe ostensivamente e,
passou a segundo plano, e velhos republica- numa ceremônia espetacular, proclama oficial-
nos, calejados de conspirações maçônicas, in- mente sua recusa à partida ficando no Brasil
corporaram-se ao movimento. Os manifestos para "bem de todos e felicidade geral da na-
e as cartas especificam muito claramente que ção··. Daí para o 7 de Setembro é um passo.
os pontos visados eram a integridade e a au- o grande ministro do Príncipe nesse momento
tonomia do reino brasileiro - unido ao de foi um velho cientista que viera para a pá-
Portugal. O Revérbero, jornal nacionalista., tria fruir tranquilamente a sua aposentadoria :
referia-se expressamente ao "eterno vinculo José Bonifacio de Andrada e Silva. Subita-
que nos ligará eternamente a Portugal". Mas mente vira-se à testa dos acontecimentos e
um delírio declamatório de insultos ao Brasil elevado a expoente de sua terra junto ao Prín-
e de legiferação abstrusa se apossou dos lí- cipe.
deres das côrtes e, numa incompreensão pas- Foi exatamente em S. Paulo, numa via-
mosa, precipitaram a independência total, a gem destinada a firmar a obediência desta
que se opunham, de ilúcio, alguns dos mais província ao govêrno de sua regência (como
importantes vultos brasileiros. já havia obtido a adesão de ~inas), às mar-
Os mais convictos legitimistas foram lo- gens de um riacho - o Ipiranga - que <l
gicamente arrastados pela corrente brasileira, Príncipe recebeu os últim,os despachos das
à vista da inabilidade com que as côrtes con- côrtes.
duziram a questão. Ou como nota Armitage: Num gesto teatral manda arrancar os
"os escrupulosos e supersticiosos defensores
laços com as cores portuguêsas que figuravam
do legitimismo alistaram-se inconscientemente nos fardamentos de sua guarda, adota as no-
58 AMÉRIOO JACOBINA LACOA-1 BE
UM PASSEIO PELA HISTÓRIA DO BRASI L ' 59
nos como um desafio. O momento não per-
mitia vaci1ações. Todos os que eram pelo na causa dos patriotas, convencidos de que
Brasil, teriam que ser pela permanência do estavam assim embaraçando a atuação das
Príncipe. Era êste o instrumento da Provi- côrtes democráticas e evitando a futm·a insta-
dência para salvar a existência do Brasil, lação de um govêrno republicano no Brasil··.
"dádiva celeste", no dizer do Senador Ver- Nas cartas a D. João VI o príncipe vai
gueiTo. r evelando, pouco a pouco, a sua própria trans-
Por isso a questão da forma de govêrno formação, até que rompe ostensivamente e,
passou a segundo plano, e velhos republica- numa ceremônia espetacular, p1·oclama oficial-
nos, calejados de conspii·ações maçônicas, in- mente sua recusa à partida ficando no Brasil
corporal·am-se ao movimento. Os manifestos para "bem de todos e felicidade geral da na-
e as cartas especificam muito claramente que ção". Daí para o 7 de Setembro é um passo.
os pontos visados eram a integridade e a au- o grande ministro do Príncipe nesse momento
tonomia do reino brasileiro - unido ao de foi um velho cientista que viera para a pá-
Portugal. O Revé'rbero, j ornal nacionalista, tda Iruir tranquilamente a sua aposentadoria :
referia-se expressamente ao "eterno vínculo José Bonifacio de Andrada e Silva. Subita-
que nos ligará eternamente a Portugal". Mas mente vira-se à testa dos acontecimentos e
um delírio declamatório de insultos ao Brasil elevado a expoente de sua terra junto ao P rín-
e de legiferação abstrusa se apossou dos li- cipe.
deres das côrtes e, numa incompreensão pas- Foi exatamente em S. Paulo, numa via-
mosa, precipita1·am a independência total, a gem destinada a firmar a obediência desta
que se opunham, de início, alguns dos mais província ao govêrno de sua regência (como
importantes vultos brasileiros. já havia obtido a adesão de Minas), às mar-
Os mais convictos legitimistas foram lo- gens de um riacho - o Ipii·anga - que <l
gicamente anastados pela corrente brasileira, Príncipe recebeu os últimos despachos das
à vista da inabilidade com que as côrtes con- côrtes.
duziram a questão. Ou como nota Armitage: Num gesto teatral manda arrancar os
"os esc1·upulosos e supersticiosos defensores laços com as cores portuguêsas que figuravam
do legitimismo alistaram-se inconscientemente nos fardamentos de s ua guarda, adota as no-
60 AM~RICO JACOBINA LACOMBE UM PASSEIO PELA IIISTÓRIA DO BRASIL 61

vas cores nacionais, \ erde e amarelo, e lança deamento de idéias opostas que no próprio
o grito de Independência ou morte. reino proYocariam rios de sangue e que aqui
E' então aclamado pelo povo como "Rei se reuniam no meio de festas.
do Brasil". Reino já era o Brasil desde 1815. A 1.0 de dezembro de 1822, com uma so-
.Rei seria, pois, o título natural que lhe com- lenidade inédita no país, deu-se a sagração
petiria, e com o qual seria fàci Imente reconhe- do novo Imperador. Um diplomata fran cê~
l!ido pelas outras côrtes, sob o prete ...to da que assistia a cerimônia comunicou a seu paí~
coação em que se encontrava D. João VI em que o Imperador apareceu em parte corno so-
Jacc da Assembléia Portuguêsa. berano europeu, em parte como oficial de ca-
Mas o espírito nacionalbta já ganhara Yalaria e em parte como cacique.
corpo e não mais se satisfaria com uma sim- Os ah·ibutos de soberano europeu eram a
pies formulação dinástica. Daí a necessidado corôa e o ceptro que se assemelhavam aos do
ue dar um tom mais violento à separação. costume. O oficial de cavalaria aparecia no
Dizem que alguém perguntou a José Bonifácio fardamento militar, inclusive as enormes bO··
qual o título que devia caber a D. Pedro como tas "à russiana" que D. Pedro preferiu OS·
chefe do Brasil, e êle respondeu sorrindo: ca- tentar. O cacique surgia na rnurça que era
cique. Na verdade a simples declaração do feita de papos de tucano em vez do arminho
destaque do reino não mais seria bastante. das côrtes antigas.
Daí a aclamação popular, no dia 12 de ou- Sob a aparência de uma blague. o diplo-
tubro, dia dos anos do Imperador, e também mata francês afirmava uma grande verdade.
da América em que êle se integrava, como Na organização do novo império três elemen-
l'mperador constitudonal do Brasil. "D. Pe- tos se fundiam: o tradicional, o liberal r evo·
dl·o, po1· G1·aça de Deus e Unânime Aclama- lucionário c o nativista. E' isto que dá ao
ção dos povos" diziam os protocolos dos atos Império brasileiro um tom car acterístico.
oficiais. Era a conciliação das duas correntes Ma:::, passado o período de festas, dois
que o haviam conduzido paradoxalmente ao graves problemas se apresentavam, desafiando
poder: o legitimismo e a vonlade popular, ú a argúcia dos novos estadistas : o primeiro, a
direito divino e a reYolução. Coisas que a integração da unidade do novo império
Santa Aliança. custaria a compreender. Cal- condição e razão de ser da r evolução; o se-
62 Al\lÉRICO JACOBINA LACOMBE UM PASSEIO PELA HISTÓRIA DO BRASIL 63

gundo, o reconhecimento. E' em ambas estas Foi nessa luta que se formaram os pri-
campanhas que vamos topar com dois grandes meh·os oficiais brasileiros. F oi na corveta
vultos de inglêses. Na primeira Cochrane; Niterói. comandada por John Taylor (que por
na segunda, Canning. por sinal - ficou brasileiro - casando-se e
A Baía achava-se a ésse tempo sob o do- fixando-se no Brasil) que iniciou a sua car-
mínio de um general português que de modo reira o maior vulto da futura marinha brasi-
algum se ~:~ubmetia ao govêrno do Imperador. leira - o marquês de Tamandaré. Não pode
Foi preciso lutar. A<S fôrças de pah·iotas cer- haver maior orgulho para os discípulos do que
cavam a cidade por terra e ha\ iam conseguido dizer que não envergonharam os mestres.
vantagens espantosas. Não tínhamos mari- Questão mais complicada do que esta foi
nha . Algumas poucas embarcações abando- a do reconh(.c:imento da Independência por
nadas, por imprestú,·eis, por D. João VI e al- Portugal. O reino mandara duas missões es-
gumas outras adquirida!', e uma oficialidade peciais para tratar do assunto, missões estas
em grande parte estrangeira, constituiram ~ que não foram recebidas por não trazerem au-
início da nossa armada, que teve atuação de- torização para reconhecer a independência
cisiva no de~fecho da luta. Nosso pt·imeiro imediata. Essa atitude irritou naturalmente
almü·ante foi, poü'~, um inglês, Lord Cochrane, o reino, já a êsse tempo de novo sob regime
Conde de Dundonald na Inglaterra, :\Iarquês absoluto. Ouvidos os países da Sta. Aliança,
do Maranhão no Brasil, já herói da Indepen- manifestaram-se pela guerra. O reconheci-
dência do Chíle onde por suas proezas fora mento do Império importava num grave des-
cognominado "El Diablo" e futuro herói da prestigio dos princípios do legitimismo. Foi
Independência da Grécia. Sôbre êle haveria a Inglaterra, pela voz de Canning, que impediu
a dizer mais que uma conferência, tão mal êste espetáculo ridículo e inútil.
julgado tem sido ! Aconselhou, amigàvelmente, que se reco-
Numa simples homenagem de gratidão, nhecesse a independência sob a condição de
enumeremos, ao meno~. os nomes dos oficiais se conservarem as duas corôas na Casa de
inglêses que com êle colaboraram nesse mo- Bragança. Declaração mais séria foi a de que
mento decisivo de nossa história: Grenfell, não consentiria a intervenção européia em ne-
Taylor, Crosbie, N orton, Shepperd. gócios da América. Era uma política realis-
64 AMÉRICO JACOBINA LACOMBE U:\1 PASSEIO PELA H ISTÓRIA DO BRASIL 65

ta e objetiva. Mas Portugal não a aceitou. que se apresentou a D. Pedro o diplomata in-
Lançou a tôdas as côrtes violentos protestos glês. A 29 de agôsto se assinava, afinal, o
contra a entrada nos portos de na vi os com a tratado de reconhecimento. Ainda não esta-
bandeira brasileira. Como o protesto não va finda, porém, a luia. Provocou o tratado
te\·e repercussão, o reino desanimou. Mandou em Portugal tão grande oposição que não se-
então propostas que foram, em parte, aceitas ria ratificado, se Canning não voltasse a
por Canning. A êsse tempo chegavam à In- ameaçar Portugal de lhe 1·etirar todo o apoio
glaterra os agentes brasi!eiTos que foram bem e proteção.
acolhidos. Iniciaram-se então em Londres as Há, pois, nessas duas conquistas comple-
conferências a que compareceram, além dos mentares da independência - a militar e a
agentes brasileil'OS e do português, Canning, diplomática - uma parte fundamental e ines-
como representante da Inglaterra, e Neumann, quecível que se deve à Inglaterra. Isto nunca
da Áustria. A irredutibilidade do represen- foi nem será esquecido pelos historiadores
tante português obstou, por ém, a que as confe- brasileiros.
rências t ivessem qualquer bom êxito. Irritou- Mas (há sempre um ma.s nestas compli-
se Canning com algumas atitudes do represen- cações diplomáticas) o reconhecimento inglês
tante português e informou a D. João VI que não se fizera sem uma. condição, condição que
iria reconhecer as repúblicas hispano-ameri- o Brasil não podia deixar de aceitar naquele
canas e não poderia excet uar o Brasil, já re- momento, mas que não poderia honrar sem
conhecido pelos Estados-Unidos. Aconselhou, enormes esforços e sem uma grande revolu-
contudo, a P ortugal que incumbisse de tratar ção econômica.
com D. Pedro a Sir Charles Stuart que deve- A condição que a Inglaterra impusera
l'ia partir para o Brasil investido de caráter para êsc;e apoio decisivo era aparentemente
diplomático pelo govêrno britânico. Se Por- simples, mas para o Brasil implicava na so-
tugal não aceitasse êste conselho, a I nglat er ra lução do seu maior problema: a cessação do
o abandonar ia de iodo na sua carreira desas- tráfico de escravos da África. Ninguém no
t rosa e reconheceria, sem mais, a independên- momento acreditava que fôsse possível cumprí-
cia e o Império do Brasil. Cedeu o Rei - la. Alguns espíritos desequilibrados chega-
e foi, pois, como plenipotenciário português ram a falar em guerra à Inglaterra. Mas a
66 AM:ÉRICO JACOBINA LACOMBE UM: PASSEIO PELA HISTÓRIA DO BRASIL 67
grande maioria confiou no tempo. Êste, porém, da intimidade da vida interna do palácio, em
só agravou o problema e o conflito vem a ex- que viveu na qualidade de professora das prin-
plodix muito mais tarde- já em pleno segun- cesas.
do reinado. Mas isto constitui assunto àe Eis um juízo sôbre o Imperador, que
uma próxima palestra, sôbre o Império Bra- homa o espírito objetivo e equilibrado dos
sileiro. inglêses. A objetividade é tanto mais para
Temos, assim, de modo um tanto super- ser louvada quanto a autora abandonou o
ficial, dado uma vista d'olhos a essa fase tu- cargo após grave e ÍlTitante incidente com o
multuosa da nossa história em que se pro- próprio Imperador. Mas, na hora de depor
cessou o nascimento do Império. Saltei mui- perante a posteridade, tendo deante de si a
tos detalhes, calei muitos episódios. Mas fôlha em que se dispôs a consignar para os
queria somente focalizar as figuras dos dois seus o juízo definitivo sôbre a figul'a histórica
soberanos, principais protagonistas, mostran- do chefe que a despediu, e do mau marido de
do como foram coerentes em suas atitudes. sua grande amiga, a Imperatriz Leopoldina,
E também destacar o papel dos inglêses nes- eis como se soube expressar:
ses passos tão graves de nossa história. Res- "A natureza dotou D. Pedro de fortes
ta-me referir ao fato de ser ainda um inglês paixões e grandes qualidades. As últimas
o autor mais lido e citado sôbre esta fase foram r eveladas pelas circunstâncias, mas
histórica - John An-nitag.e. nem a educação, nem a experiência, haviam
Ainda uma última homenagem a uma fi- domado as primeiras, quando sua conduta,
gura inglêsa que nos deixou valiosíssima do- como príncipe soberano, se tornou importan-
cumentação sôbre D. Pedro e seu tempo. É te aos olhos do velho e do novo mundo. Daí
Maria Graham. "née" Maria Dundas, e pos- os depoimentos contraditórios que obtemos,
t eriormente Lady Calcott, autora de um jornal partidos de várias pessoas, que poderiam su-
de viagem muito divulgado, e de umas memó- por terem estado em excelentes condições
rias sôbre o Primeiro Imperador que só no para julgá-lo".
ano passado vie1·am à luz nos Anais de nossa E encerrando seu depoimento :
Biblioteca Nacional. Ninguém melhor que ela "Foi para mim doloroso ser obrigada a
nos poderia deixar as verdadeiras fotografias relatar algumas circunstâncias tão despresti-
68 AMÉRICO JACOBINA LACOMBE UM PASSEIO PELA IliSTÓRIA DO BRASIL 69
giosas sôbre o falecido Imperador do Brasil ; me quisesse junto dela durante o seu almoço.
contudo, quis lisamente fazer justiça às suas Aconteceu que a menina (a Hainha de Por-
gr andes qualidades. Quando considero as tugal, D. Maria II) foi gravemente mordida
extl'aordinárias desvantagem• com que teve de no pé por um mosquito, e, tendo coçado a
lutar para se formar, devido aos maus exem- mordidcla até se tornar uma ferida, quis o
plos, - uma educação viciosa - condição médico que de nenhum modo, andasse. .Logo
políticas aflitivas e difíceis, c uma côrte igno- que o Imperador soube d1sso adotou o costu-
rante, gr osseira e mais que corrompida - me de vir tôdas as manhãs ver sua filhinha.
sou antes inclinada a pensar na sagacidade 1' iquei surpreendida ao ver as Damas, Amas
inata e nos dons naturais que ê!e revelou nas <' toda a multidão em volta dêle, tomando-lhe
mais perigosas ocasiões de ~ua vida e que o as mãos e quase devorando-as de beijos. Não
distinguiram tanto - e com tanta razão - me pareceu que essa ceremônia c01·respondes-
no govêrno do Brasil e o levaram a um com- se a qualquer parte de meu dever e, assim,
portamento em Portugal, de que essa nação contentei-me simplesmente em levantar-me e
deve sempre se orgulhar, porque as cenas ficar de pé junto à cama da criança até que
finais de sua vida se tornaram mais importan- o próprio Imperadox· me notasse, o que em
tes do que costumam ser as doR monarcas, breve aconteceu, estando êle de muito bom
para o bem estar de seus sucessores, seja no humor. Logo que deixou o quarto, contudo,
velho trono ela Europa, seia nes~e imenso sussurros suficientemente altos para que eu
Império do Novo Mundo, que êle fundou". pudesse ouvir levantaram-se de todos os lados.
Um pequeno instantâneo da vida palacia- Pensava-se ser uma monstruosidade que uma
na de Maria Graham nos dará um traço, fi- estrangeira- herege, danada- era tudo o que
nal, simpático, de D. Pedro J. Vejamos: todos êles sabiam - não demonstrasse o de-
"Era costume irem as Reais Crianças, j vido respeito à Casa de Bragança e não bei-
acompanhadas de s uas aias do dia, beijar a jasse aquela querida mão quando havia opor-
mão do Imperador após o Reu re~resso do tunidade.
passeio matinal. Com essa cerimônia eu nada Realmente, tanta coisa se disse sôbre o
tinha que ver, ficando assim no quarto da assunto que achei bom consultar a Imperatriz
princesa, ou no meu, a menos que a Imperatri?. sôbre o que deveria fazer.
70 Al\IÉRIOO JACOBINA LACOMBE

"Bem, disse ela, é bom viver em Roma


como os romanos". Em conseqüencü:., quan-
do o meu Imperial Amo apareceu na manhã
seguinte, fiz-me mais grave que possível e
avancei. Segurei uma das maiores mãos que
vi na minha vida com a intenção de beijá-la.
O Imperador, contudo, arrebentou de rir e
sacudiu-me cordialmente a mão, dizendo:
"Esta é que é a maneira inglêsa de dizer
bom dia". 3.• CONFER]}NCIA
Esta será, pois, também, a maneira sim-
bólica - pela qual me despeço até minha pró-
xima palestra sôbre o Império. À maneira
inglêsa - simples e cordial.

O IMPÉRIO BRASILEIRO
Scnho1·es
e $1('11/wras

Ka minha última palestra tent ei esboçar


a fase difícil da nossa história : da transfor-
mação do Brasil em reino - e depois em
Império independente.
Vamos hoje iniciar um estudo s umário
do nosso Império, longo período de 67 anos
(coisa que no nosso hemisfério é espantosa
c merece êste adjetivo longo). Foi durante
êsse período que o Brasil adquiriu ou fixou
alguns traços característicos de s ua fi siono-
mia política e social. Não será desinteressan-
te, se conseguirmos apreender a origem de
algumas destas virtudes ou defeitos.
Devemos começar pelo estudo dos dois
imperadores. O regime, por mais que se quei-
ra complicar, é sempre - mais ou menos -
o seu chefe. Numa monarquia - em que a
pessoa desse chefe "era inviolável e sagrada ..,
na fórmula constitucional, - e num povo na-
turalmente dócil e entusiasta, como o brasi-
leiro - o prestígio e a influência do chefe
eram incontrastáveis.
74 AMÉRIOO JACOBINA LACOMBE UM PASSEIO PELA H ISTÓRIA DO BRASIL 75

O p1·imeiro imperador, já vimos por um quia em que se despenhava na regência. Não


retrato moral fidelíssimo, de autoria de Mr s. poderá haver mais eloqüente testemunho de
Graham, era dotado das mais altas e nobres sua superioridade.
qualidades, mas sem estarem polidas, quer O filho era, em tudo, a antítese do pai.
pela experiência quer pela eaucação. Em Era, exatamente o homem das virtudes da
todos os grandes momentos de seu reinado continuidade e da perseverança, das qualida-
p01·tou-se com uma nobreza e um desprendi- des discretas e que acabam por surgir e brilhar
mento excepcionais. Mas, no quotidiano do iniludlvelmente através do tempo. Menino
govêrno, seu temperamento fundamentalmente triste, criado sem nenhum contato com qual-
autoritário e vulcânico não se afez às funções quer membro das numerosas casas reais a
restritas do 1·eina1· do regime constitucional. que pertencia - e eram as maiores e mais
De sua queda, após um longo declínio na po- importantes - guardou sempre, por tôda a
pularidade, ficou, no espírito público, uma in- vjda, um tom meio desconfiado de sua situa-
compreensão que só recentemente se está des- ção de superioridade perante a sociedade. Na-
fazendo. Quando em 1862 se inaugurou a turalmente belo e distinto, com uma majes-
estátua que se ergue na Praça Tiradentes, tade natural que impressionou a todos que
muitos brasileiros julgaram incompatível com com êlc ti\'eram contat o, nunca se preocupou
o brio nacionalista, homenagear o que tão in- com a propaganda do regime que encarnava
justamente qualificaram: "a mentira de sozinho entre nós. Nem sequer em resguar-
bronze". dá-lo. Timbrou em não ter cortesãos, nem
José Bonifácio de Andrada e Silva, um panegiristas oficiais. Chegou ao extremo de
dos homens mais sábios do tempo, e que o se declarar admirador da forma republicana.
conhecera tão intimamente, sofrera-lhe as as- Foi mais popular na república dos Estados-
perezas do temperamento e curtira, por ordem -Unidos do que nas monarquias européias, em
sua, longo e aborrecido exilio, após haver dêle que desagradava os crentes da etiqueta e do
dito coisas nem pouco amáveis, com êle se re- extremismo monarquico. Chegou a ter votos
conciliou de maneira completa, tão completa para presidente dos Estados-Unidos. Numa
que não hesitou em pregar a sua volta ao fé de oficio, por êle escrita, curioso documen-
trono brasileiro, para salvar a nação da anar- to publicado após sua morte, há referências,
76 AMÉRIOO JACOBI NA LACOMBE UM PASSElO PELA HISTÓRIA DO BRASIL 77

aliás exatíssimas, a todos os problemas admi- não era nada exemplar. Politicamente, errou
nistrativos e políticos do Brasil ; não há uma muito, ma~. social e nacionalmente, foi um
palavra sequer sôbre a forma de govêrno ou alto padrão de moralidade, um fanal pene-
sôbre a dinastia. Essa atitude terá sido fa- trante que brilhava dos cimos do poder, exer-
vorável à conservação da singularidade da cendo, com a vigilância da sua luz, quer sôbre
forma na América, ou terá sido fatal .à sua a administração,: quer sôbre o estado geral
manutenção? Parece-nos cedo para um jul- dos costumes, uma ação incalculàvelmente sa-
gamento definitivo. A verdade é que sob êsse neadora. Sem algumas virtudes notáveis não
regime evitamos a instabilidade e as revolu- seria possível exercitar função tão útil" (Rui
ções. Não foram elas um mal privativo das Barbosa) .
repúblicas americanas, que realmente tanto Vejamos se é possível, agora, pass~r U~ia
sofreram com a crise da aut01·idade. Foi um rápida vista d'olhos por essa época tao nca
mal do tempo. A França, no espaço de um de fatos. Em vez de seguirmos a ordem cro-
século, mudou dez vêzes de govêrno. nológica, que nos levaria a uma tumultuária
Mesmo a grande república do norte não recapitulação de acontecimentos, sig.amos em
conseguiu resolver o problema abolicionista nosso exame outro sistema, exammando a
sem a maior das guerras civis do mundo. época imperial através de seus variados as-
Nós gozamos quase meio século de ordem, pectos. . .
de paz. Resolvemos os mesmos problemas Vejamos preliminarmente esta Constitui-
sem lutas. Permitam-nos que nos orgulhe- ção que não mudou, e que recebeu, assim, essa
mos de nossa solução e de nossos homens. suprema consagração de seu valor - a du.ra-
Durante o r egime imperial, \eio a dizer muitos bilidade, porque, para nós americanos, rep1to,
anos após um grande estadista da República sessenta e sete anos representam, de fato, um
"o país cresceu enormemente··. E comenta: imenso período.
"Pela ação do Imperador? Não. Pelo desen- Diz um ,·elho prové1·bio português que
volvimento espontâneo da nossa nacionalida- pau que nasce torto, cedo ou nunca se end~reita.
de, mas, sem dúvida nenhuma, debaixo da Aqui está uma exceção a êsse provérbio. A
influência e com a colaboração ativa do Impe- nossa Constituição Imperial nasceu torta e,
rador. Constitucionalmente, essa colaboração contudo, não somente endireitou - e logo -
76 AMÉRIOO J AC0BINA LACOMBE UM PA~SE10 PELA HISTÓRIA DO BRASIL
77

aliás exatíssimas, a todos os problemas admi- não era nnda exemplar. Politicamente, errou
nistrativos e políticos do Brasil; não há uma muito, ma~. social e nacionalmente, foi um
palavra sequer sôbre a forma de govêrno ou alto padrão de moralidade, um fanal pene-
sôbre a dinastia. Essa atitude terá sido fa- trante que brilhava dos cimos do poder, exer-
vorável à conservação da singularidade da cendo, com a vigilância da sua luz, quer sôbre
forma na América, ou terá sido fatal à. sua a administração,: quer sôbre o estado geral
manutenção? Parece-nos cedo para um jul- dos costumes, uma ação incalculàvelmente sa-
gamento definitivo. A verdade é que sob êsse neadora. Sem algumas virtudes notáveis não
regime evitamos a instabilidade e as revolu- seria possível exer citar função tão útil" (Rui
ções. Não foram elas um mal privativo das Barbosa).
repúblicas americanas, que realmente tanto Vejamos se é possível, agora, pa ss~r u~ia
sofreram com a crise da autoridade. Foi um rápida vista d'olhos por essa época tao nca
mal do tempo. A França, no esp!lço de um de fatos. Em vez de seguirmos a ordem cro-
século, mudou dez vêzes de govêrno. nológica, que nos levari~ a uma t~multuária
Mesmo a grande república do norte não r ecapitulação de acontecimentos, s1~amos em
conseguiu resolver o problema abolicionista nosso exame outro sistema, exammando a
sem a maior das guerras civis do mundo. época imperial através de seus variados as-
Nós gozamos quase meio século de ordem, pectos. . .
de paz. Resolvemos os mesmos problemas Vejamos preliminarmente esta Constltlu-
sem lutas. Permitam-nos que nos orgulhe- ção que não mudou, e que recebeu, assim, essa
mos de nossa solução e de nossos homens. suprema consagração de seu valor - a du.ra-
Durante o regime imperial, \eio a dizer muitos bilidade, porque, para nós americanos, repito,
anos após um grande estadista da República sessenta e sete anos representam, de fato, um
"o país cresceu enormemente··. E comenta: imenso período.
"Pela ação do Imperad01·? Não. Pelo desen- Diz um velho provérbio português que
volvimento espontâneo da nossa nacionalida- pau que nasce torto, cedo ou nunca se :nd~l'eita.
de, mas, sem dúvida nenhuma, debaixo da Aqui está uma exceção a êsse proverb10. A
influência e com a colaboração ativa do Impe- nossa Constituição Imperial nasceu torta e,
rador. Constitucionalmente, essa colaboração contudo, não somente endireitou - e logo -
78 AMÉRIOO JACOBINA LACOMBE U)[ PASSElO PELA HISTÓRIA DO BRASIL 79

como floresceu e produziu aquêles belos frutos cidente policial vulgar - uma surra violenta
a que atrás nos referimos. ministrada por alguns oficiais num boticário
Chefe de uma revolução constitucionalis- (e panfletário nas horas vagas) - terminou
ta. e liberal, o primeiro Imperado!·, logo após por criar dentro da assembléia um caso de tal
a mstalação do regime, promoveu a abertura magnitude que o exército julgou atingida a
~~ Assembléia Constituinte Brasileira, aliás honra da classe e exigiu um desagravo à al-
~a convo:ada antes da declaração solene de tura. O Imperador -que dependia indispen-
mdependencia. sàvelmente do Exército e que encontrava as-
A princípio, tudo correu bem. Em bre\'e sim uma excelente oportunidade de, por sua
, '
porem, uma grave crise política toldou o hori- \'eZ, desagrayar-se da atitude pouco respeitosa
zonte.. Os irmãos Andradas, que no princípio dos deputados em relação à sua pessoa - fez
do remado haviam sido os sustentáculos do causa comum com a tropa. E na noite de 11
trono e do regime, indispuseram-se com o Im- para 12 de novembro de 182S - chamada,
perador e passaram, não somente a atacá-lo por isso, noite da agonia - o edifício foi cer-
no seio da assembléia, como também a chefiar cado pelas tropas. A antiga câmara fica va
a oposição tanto a parlamentar como a da no mesmo local em que fica o atual palácio
imprensa - em flll'ibundos jornais políticos. Tiradentes e, como por ironia, era o edifício
A Imprenf;a gozava então de uma liberdade ela antiga cadeia. De modo que se deu até o
inacreditável e os ânimos em breve atingiram caso de um antigo prisioneiro, por ter sido
enorme exaltação de parte a parte. Como a inconfidente em Minas Gerais, vir a ser de-
Assembléia não era somen te constituinte, mas putado pelo Brasil independente no mesmo
ao mesmo tempo legislativa - e nisto residiu, local em que fora prêso por sonhar com a
talvez, um grande inconveniente, nota um ar- independência.
guto historiador da época - a oposição pôde Pois êsse edifício histórico amanheceu
apresentar aspecto multiforme e realmente obs- cercado pelas tropas, como iamos dizendo, e
trutivo à atividade do govêrno. deante dos constituintes, que não se haviam
A crise explodiu quando a assembléia separado, surgiu o Ministro do Império com
tocou um ponto sensível em todos os paises um curioso decreto que os deixou estupefactos.
em situação equivalente: o Exército. Um in- O decreto rezava o seguinte: "Havendo Eu
80 Al\lÉRICO JACOBINA LACOMBE UM PASSEIO PELA HISTÓRIA DO BUASIL 81
convocado, como tinha direito de comTocar, a unânime aclamação dos povos, Imperador
assembléia ger al do ano próximo passado, Constitucional, Defensor Perpétuo do Brasil:
afim de salvar o Brasil dos perigos que lhe fazemos saber a todos os nossos súditos, que
estavam iminentes, e havendo esta assembléia tendo-nos requerido os povos dêste Império
perjurado ao tão solene jur amento que pres- juntos em câmaras, que nós quanto antes ju-
tou à nação de defender a integridade do im- rássemos e fizéssemos jurar o projeto de Cons-
pério, a sua independência e a minha dinastia: tituição, que havíamos oferecido às suas ob-
Hei por bem, como Imperador e Defensor servações para serem depois presentes à nova
Perpétuo do Brasil, dissolver a mesma assem- assembléia constituinte; mostrando o grande
bléia e convocar já uma outra, na forma das desejo, que tinham, de que êle se observasse
instruções feita s para a convocação desta que já como Constituição do Império, por lhes me-
agora acaba, a qual deverá trabalhar sôbre o recer a mais plena aprovação e dêle esper a-
projeto de constituição que eu hei de em breve rem a sua individual c geral felicidade polí-
apresentar, que será duplicadamente mais li- t ica: nós juramos o sobredito projeto para o
beral do que a que a extinta aRscmbléia acaba observarmos e fazermos observar, como Cons-
de fazer". tituição que dora em diante fica sendo dêste
D. P edro, porém, bem que evitou a con- Império"'.
,·ocação de uma nova assembléia. Nomeou Foi, pois, assim, desta maneira original
uma comissão de dez brasileiros ilustres, que - na verdade outorgada - que a Constituição
vieram a constituir o Conselho de Estado, para entrou em vigor.
r ed igir o famoso projeto a que se referira no Vejamos, em linhas muito gerais, quais
decreto de dissolução. Em vez de s ubmetê-lo, as principais características dêsse documento.
porém, a uma no\Ta assembléia, remeteu-o para Não hâ nêle nenhuma coisa de extravagante
sondagem da opinião pública, a tôclas as Câ- ou excepcional. Era um documento baseado
maras Municipais do país. E foi baseado na no projeto apresentado à malfadada C'onsti-
opinião, muito justamente satisfatól'ia dessas tuinte por Antônio Carlos de Andrada.
câmaras, que fez publicar a 25 de março de 11:ste, por s ua vez, baseara-se na consti-
1824 a seguinte, e não menos curiosa "carta tuição portuguêsa, a qual, por seu turno, so-
de lei": "D. P edro!, por graça de Deus e frera influência da Espanhola e esta da Fran-
82 AMÉRICO JACOBINA LACOMBE UM PASSEIO PELA H ISTÓRIA DO BRASIL 83

cesa de 1791. Donde se conclui q ue ela re- dades L'equeridas, pelas legislaturas ordiná-
presentava as idéias clássicas e f undamentais rias". Esta sábia disposição, que deu à cart a
da política liberal democr ática do início do uma grande flexibilidade, permitiu uma lenta
século. evolução do espírito da legislação, sem violên-
Uma nota original - er a o nome do pode1· <'ias e sem arranhões na lei fundamental.
moderador, quebrando a sacrossanta t rindade Assim, a representação política que era
de poderes, com que se designou o poder de- privilégio dos que professavam a religião do
legado "pri\'ativamente ao Imperador " como E stado pôde ser aberta a todos, sem violência
chefe supremo da nação e seu primeü·o re- e sem atritos demasiados.
presentante, "para que incessantemente vele As relações entre os poderes eram regu-
sobre a manutenção da independência, equilí- ladas de maneira suficientemente ampla, um
brio e harmonia dos mais poder es políticos". tanto im pr ecisa. Isto 1·esultou numa apreciá-
Era em virtude dêsse poder especial, adotado vel vantagem : permitiu a organização gra-
por influência do p ublicista .francês Benjamin dual do regime parlamentar que se veio a con-
Constant, que o Imperador intervinha na sua solidar nos primeü·os tempos do segundo rei-
f unção de resolver os teóricos conf lit os entre na do. Dois g randes partidos vieram a se ar-
o gabinete e o parlamento em face da opiniã o r egimenlar no fim da 1·egência - o liberal e
pública. 0 conserva dor. Doub'inàriamente em quase
A Constituição estabelecia, como de es- nada diferiam. Ambos se prendiam às gmn-
per a r , a forma monárquica her editária, o r e- des idéias dominantes universalmente. Diver-
gim e represen~'l.tivo-democrático e a reU- giam em questões práticas de oportunidade e
gião católica romana, como religião de Estado. exeqüibilidade. No goYêrno, seria düícil dis-
Descia às vêzes a minúcias estr anhá\'eis e a tinguir um de outro. Leis, que os liber ais
definições e exemplificações curiosas. Mas o consideravam t irânicas quando feitas pelos
a r t . 178 estabelecia : "E' só constitucional o conser vidores, for am por êles próprios mant i-
que diz respeito aos limites e atribuições r es- das quando vieram a ocupa1· o poder. As leis
pectivas dos poderes públicos, e aos direitos ma is graves e avançadas sôbre a questão ser-
políticos dos cidadãos. Tudo que não é cons- vil f oram feitas e apr ovadas pelos conser vado-
titucional pode ser a lter a do, sem as formali- res. Isto é, aliás, um fenômeno univer sal na
8'4 AMÉRICO JACOBINA LACOMBE UM PASSEIO PELA HISTÓRIA DO BRASIL 85

política parlamentar. E por isso é também resultasse um perigo, dada a superioridade


universal a célebre blagu~e de que não há nada que nêle conseguiam os valores oratórios, de
tão parecido com um conservador como um brilho antes exterior, sôbre os caracteres mais
liberal no podez·. práticos, mais objetivos e menos hábeis. Mas
O ponto realmente fraco em nosso siste- um respeitável e imp1·essionante progresso
ma parlamentar estava em que o domínio do realizado na época demonstra materialmente
poder sôbre a opinião pública e, conseguinte- que os males decorrentes dêste defeito não
mente o eleitorado, era incontrastável, dada foram assim tão visíveis.
a pequenez e a falta de independência da má- No exercício e no aprimoramento dêste
quina política. Se o Imperador, usando da- sistema, ganhamos, como ia dizendo, hábitos
quele famoso direito de intervir no manejo ue ordem e de elegância política e chegamos
dos partidos, não invertesse, de tempos a tem- a nos considerar vaidosamente no nível das
pos, a situação, um partido dominante jamais grandes nações. Aliás, sob o ponto de vista
seria apeado do poder. :f:sse artificialismo do valor intelectual e cultural do pequeno escol
expunha sempre a coroa às invectivas dos que que se fazia representar no parlamento, não
caíam, apesar de, tempos após, virem a ser temos, l'ealmente, senão de que nos orgulhar-
chamados ao poder de maneira idêntka à que mos. Principalmente na América não conhe-
tinham subido os adversários. Salvo êste cemos paralelo em matéria de ordem. Ainda
vício fundamental, o regime pode-se conside- não assistimos a nenhum assassinato de chefe
rar um grande benefício para a nação. Deu- de govêrno e temos liquidado as grandes ques-
nos ordem, um ambiente de dignidade e de tões com elegância. Quando se terminou, no
superioridade de maneiras, e permitiu o sur- Senado, a votação da lei que libertou o ventre
gimento e a constante renovação das idéias das escravas, lei que atingia fundo a institui-
e do pessoal político. Principalmente nesse ção da escravidão - o ministro dos Estados
último ponto foi-nos um grande benefício: foi Unidos apanhou algumas rosas que das ga-
um. excelente revelador de valores políticos, lerias caíam sôbre os senadores e disse que
ans10samente selecionados pelos grandes che- ia enviá-las Washington, para que seus pa-
fes que necessitavam de bons elementos para trícios vissem como fazíamos aqui com flores,
os embates oratórios. Talvez também daqui o que lá custara tanto sangue ...
86 AMÉRICO JACOBINA LACOMBE UM PASSEIO PELA HISTÓRIA DO BRASIL 87

Para atingir êsse grau de cultura, os biografias dos estadistas do império vão tôdas,
nossos pariamenta1·es viviam naturalmente revelando o atrativo que exerciam sôbre nos-
atentos aos costumes políticos das n~ções eu- sos homens os costumes das casas legislati-
ropéias. Na literatura, nas ciências j urídi- vas de Londres, a começar pelo próprio Im-
cas, o domínio intelectual francês era incon- perador, que tem os olhos no modêlo dos so-
testável. A Revue des Deux Mondes tinha beranos parlamentares que é a Rainha Vi-
sua maior lista de assinantes estrangeiros no tória. De uma feita chamou para organizar
Brasil. Uma simples cidade do interior da o ministério, com grande surpresa, o presiden-
prodncia do Rio, recebia dezenas de seus n ú- te da Câmara, que ninguém supunha papável
meros. Alguns políticos eram mesmo acusa- para Chefe de Gabinete. Mas alegou o pre-
dos de fazer dela a única leitura. Mas, no cedente na história política inglêsa e todos
que tange aos hábitos parlamentares, a influ- acharam a explicação muito aceitável.
ência inglêsa era soberana. O visconde de Sinimbu pel'corre a Ingla-
Desde a origem das casas legislativas, ao terra e o seu biógrafo salienta como observou
se discutirem os primeiros regimentos das câ- meticulosamente a prática do sistema político
maras, começam as propostas de medidas imi- parlamental'. Dessa cuidadosa observação e
tadas dos hábitos parlamentares inglêses, in- do convívio que entreteYe com políticos fa-
clusive a particularidade de cobrir-se o presi- mosos, deriva o mesmo autor, aquela linha
dente para indicar que a sessão está s uspensa. impecável de parlamentar que o tornou no
A influência inglêsa começa pelo vestuário. Brasil um verdadeiro paradigma do regímen.
O figurino dos parlamentares é o britânico . Aliás, o grande elogio que se poderia fazer a
a casaca ou sobre-casaca preta e a cartola alta, um político era dizer que pertencia uà clássi-
incompatíveis com o nosso clima e que manti- ca escola britânica ''.
vemos heroicamente durante o império. Os O marquês de Olinda que, além de regen-
vultos mais destacados da política conhecem te do Império, foi por três vêzes presidente
mesmo pessoalmente o ambiente parlamentar do Conselho, também fez a sua viagem, pode-
britânico. Falta-nos, no momento, uma mo- riamos dizer: ad limina apostolorum, antes de
nografia sôbre essa influência, que seria uma iniciar sua Yida pública no Brasil. E dêle
tese reveladora de fenômenos inesperados. As t ambém diz o biógrafo que gravou para sem-

88 AMÉRIOO JACOBINA LACOMBE UM PASSEIO PELA HISTÓRIA DO BRASIL 89
pre aquêle quadro que lhe foi dado assistir : debate ou campanha política no parlamento
saindo das cortes tumultuosas portuguêsas imperial em que não se trouxesse a baila os
acompanhar o funcionamento, não sereno mas grandes modêlos britânicos e do parlamento in-
severo do parlamento da era dos Canning e glês, tirados dos grandes divulgadores do siste-
dos Wellington. ma político vigente na pátria mãe do parlamen-
De quase todos os estadistas brasileiros tarismo. Estamos nos limitando ao estudo da
poderíamos fazer observações semelhantes. influência inglêsa dentro do ambiente parla-
Os que não visitaram pessoalmente a meca do mentar. Quando passarmos a outros setores
parlamentarismo eram homens nutridos dos em que pretendemos estudar a vida do Império,
hábitos inglêses, dos políticos inglêses, dos veremos como foi profunda em outros campos
jornalistas inglêses, do Times, tantas vêzes de nossa atividade. Note-se, porém, que essa
<:itado. influência não se limitou ao aspecto exterior do
Nada hã, pois, de estranho, que o parla- figu1·ino e das atitudes. Influiu também nas
mentarismo brasileiro se moldasse pelo bri- doutrinas e nos princípios legislativos, quando
tânico. Dêlc tiramos uma série de hábitos não em contradição com a nossa formação t radi-
e costumes que conservamos durante todo o cional portuguêsa. O fato da Inglaterra ser
segundo reinado. Às Yêzes não ti vemos se- contniria à doutrina da navegação livre em
quer o cuidado de uma adaptação. Havia, águas nacionais, nota Calógeras, pesou no es-
observa um historiador brasileiro, uma noção pírito de nossos legisladores que, durante al-
simplista e vaga de que aquilo que dera re- gum tempo, na orientação da nossa política
também. . . Jâ se notou que os brasileiros le- externa agiram com dois pesos : exigindo a
varam a ânsia de imitação da Inglaterra ao livre navegação da bacia do Prata e r ecusan-
ponto de trasladar para o Brasil até as atitudes do-se a proceder do mesmo modo em relação
pessoais dos representantes britânicos entre os ao Amazonas.
comuns ou os lordes. Houve até a mania da E' bem ,·erdade que, uma vez ou outra, o
citação britânica, como se pode comprovar com gôsto do conhecimento da Inglaterra apresen-
uma leitura sumária de nossos anais parlamen- tou aspectos mais pitorescos de que graves.
tares. Abundam os precedentes de Peel, de Como por exemplo, numa discussão, em pleno
Palmerston, de Gladstone. Não houve grande

6
90 AMÉRIGO JACOBINA LACOMBE UM PASSEIO PELA HISTÓRIA DO BRASIL 91

parlamento, da prol'l!Úncia do título de um mêle, conservava a pronúncia de origem. Za-


jornal britânico. carias não teve remédio senão abater bandei-
Assim nos conta o visconde de Taunay ras e reconhecer, lá consigo mesmo, pelo me-
o curioso episódio que, diz êle, não consta nos, que levava formidável quinau. Só lhe
dos Anais, mas é rigorosamente autêntico. restou uma saída, retirou-se do recinto; o que
Trata-se de um debate entre José de Alen- fez, atirando todo colérico êste aparte : -
car, o famoso autor do Guarani - e Zacarias Também o nobre ministro tem mestra de in-
de Góis e Vasconcelos - uma das maiores glês em casa. Aludia à senhora de José de
capacidades do Partido Liberal. Alencar, distintissima filha do ilustre Dr.
"Citando José de Alencar, no correr do Thomas Cochrane, um dos primeiros propa-
debate, o jornal londrino Pall Mall Gazetie, gandistas da homeopatia no Brasil •·.
pronunciara peU-mel, ao que acudiu logo Za- Não continuaremos a desfiar as influên-
carias, com pedagógica dicaddade: cias inglêsas, diretas ou indiretas, em todos
- O nobre ministro ignora que, em in- os nossos estadistas. Seria uma longa enu-
glês, a antes de doi s ll, tem o som de o? meração. Em alguns era a própria convivên-
- Então V. Ex., quer que eu diga Poii- cia com o meio britânico que criara essa mar-
Moll? ca. É o caso dos diplomatas como o barão
- Boa dúvida; mande buscar o dicioná- de Penedo e Sérgio Teixeira de Macedo. Em
rio de Walker para aprender um pouco. outros a influência é puramente intelectual.
Na casa não havia tal dicionário. Quando, em 1884, um grupo de abolicio-
- Pois bem, declarou Alencar, amanhã nistas, em tôrno do conselheiro Sousa Dan-
h·arei na minha pasta a autoridade invocada, tas, iniciou um grande movimento de impren-
e V. Ex. sentirá fundo vexame da cinca a que sa a favor da libertação dos escravos, foi com
quer arrastar-me. pseudônimos de estadistas inglêses que se
No dia seguinte, com efeito, apesar dos apresentou nas colunas dos jornais. Eram os
já sei, já 'Vi, não vale a pena, tem razão, famosos "inglêses do Sr. Dantas ··, tão falados
de Zacarias, o outro leu, com todo o vagar no jornalismo e no parlamento. G?'ey, Cla?·k-
e acentuação, o que ensinava Walker, isto é, son, W ilbe?'/ot·ce, Chatam e Buxton, foram os
sendo esta palavra corruptela do francês pêle- nomes sob os quais se esconderam personali-
92 AMÉRICO JACOBINA LACOMBE UM PASSEIO PELA HISTÓRIA DO BRASIL 93

dades como Rui Barbosa, Joaquim Nabuco, leitura de um livro de Bagehot - A Consti-
Rodolfo Dantas, Barros Pimentel e Gusmão tuição I nglêsa - convence-o, porém, da per-
Lobo. feição do sistema britânico. ~le desfaz, no
Não podemos, porem, deixar de assina- espírito do joven estudante, os preconceitos
lar dois nomes, como prova de que essa ascen- contra o princípio dinástico, a influência aris-
dência britânica perdm·ou até o f im do re- tocrática, a pompa, o aparato da realeza e
gímen. O primeiro é Joaquim Nabuco, por todos os artifícios necessários para satisfazer
tantos considerado como o expoente máximo a imaginação das massas.
de nossa inteligência. Pois bem, nesse livro "Nada mais pueril, na aparência, do que
básico, que é no juízo de muitos brasileiros, o entusiasmo dos inglêses pelo casamento do
a melhor obra de nossa literatura, A Minha Príncipe de Gales, mas nenhum sentimento
F01mação - há os mais interessantes depoi- está mais em harmonia com a natureza hu-
mentos sôbre a influência inglêsa na forma- mana. As mulheres que compõem ao menos
ção do seu espírito, influência que se pode metade da raça humana, preocupam-se cem
considerar viva até o fim de sua gloriosa exis- vêzes mais com um casamento do que com um
tência. ministério".
Logo na sua formação acadêmica - um "A idéia principal que recebi de Bagehot
livro o convence definitivamente da superio- foi essa da superioridade prática do govêrno
ridade da forma parlamentar inglêsa sôbre a de gabinete inglês sôbre o sistema presiden-
presidência! americana. cial americano: por outra, que uma monar·-
"Dos dois govêrnos", diz Nabuco, "o inglês quia secular, de origens feudais, cercada de
e o norte-americano, o último parecia-me mais tradições e formas aristocráticas, como é a
livre, mais popular. Por motivos diferentes inglêsa, podia ser ttm govêrno mais direto e
a monarquia constitucional, democratizada imediatamente do povo do que a república".
por instituições radicais, seria ainda para o Esta idéia que o nosso grande tribuno in-
Brasil, um govêrno preferível à república, corpora às suas profundas convicções, vai
, mesmo pelo fato de já existir; mas, em tese. alimentai" a sua fé monarquista até o novo
entre essa monarquia e a república, a superio- Tegimen, com o qual se incompatibiliza ini-
ridade, se havia, estava do lado desta". A cialmente.
94 A.MÉRICO JACOBINA LACOMBE UM PASSEIO PELA HISTÓRIA DO BRASIL 95

Êste exemplo ,b ritânico, sem dúvida, há Foi Rui Barbosa. ~ste, herdou do pai, tam-
de ter impressionado profundamente a nossa bém político baiano, uma grande admiração
elite intelectual. Foi êle, sem dúvida, um dos pela cultura e política inglêsa. É êle pró-
elementos que permitiram a duração excep- prio quem assim depõe sôbre a influência da
cional do regímen entre nós, com os frutos cultura inglêsa em sua formação:
que estamos examinando. "Meu pai, que era um liberal de educa-
E sta influência inglêsa só faz aumentar ção política inglêsa, imprimiu as suas simpa-
em Nabuco com uma estadia na Inglaterra: tias na trama do meu tecido moral. Graças
"A minha passagem pela Inglaterra deixou- r aos seus esforços, bem cedo me familiarizei
me a convicÇão. . . de que só há, inabalável e com o idioma ainda hoje tão mal cultivado
permanente um g1·ande país livre no mundo··. entre nós. Os livros franceses, que em geral
A maior impressão é, e não poderia deixar constituem quase o pão do espírito da nossa
de ser, a Câmara dos Comuns: "a suscepti- mocidade, não tiveram tal superioridade na
bilidade daquele aparelho, ainda perante as formação da minha inteligência. Os meus
mais ligeiras oscilações do sentimento públi- amigos, os que me frequentavam, bem sabem
co, a rapidez dos seus movimentos e a fôrça, a parte absorvente, reservada sempre à cultu-
em repouso, de reserva que êle concentra··. ra inglêsa na minha cara biblioteca".
"A tl·ansformação, ou melho1·, a modificação E falando, na Câmara dos Deputados, em
de ideal político que sofri na Inglaterra era, 1879, eis como aquêle anglófilo se refere ao
todavia. a preliminar, o preparo para a im- g1·ande símbolo da monarquia, a rainha da
penetrabilidade que ofereci depois à aspira- Inglaterra, entre os aplausos de seus compa-
ção republicana". nheiros de assembléia e de convicções:
Como se vê, é com os olhos na Inglaterra "O nome dessa soberana", disse êle, seria
que o seu espírito se defende da sedução re- "eternamente caro à causa da monarquia cons-
publicana. titucional - da mais benfaseja, da mais pura
A influência inglêsa não impediu, porém, entre tôdas as testas coroadas, o nome que,
que um outro grande espírito que surgiu no~ entre os verdadeiros amigos da liberdade, em
fins do segundo reinado, se não pregasse. ao todo o mundo, nunca se pronunciou senão
menos aceitasse a fatalidade da república. quase religiosamente, como o símbolo1 real.
96 AMÉRICO JACOBINA LACOMBE UM PASSEIO PELA IIISTÓRIA DO BRASIL 97

mente augusto, de uma expressão da rea!eza ção americana, essas instituições", "eram an-
compatível com a democracia, com o século tigas, todavia, pelo seu largo passado, pelo
XIX, com a dignidade humana, o nome quase multissecular, que deixavam atraz de si, na his-
santo da rainha Vitória". tória da Inglaterra, na história das grandes
l\Iais tarde, levado pelo ideal federalista liberdades inglêsas, na história dessas liber-
que se lhe afigurou a ú nica solução possível dades que, começando desde o século XIII,
para o problema da unidade brasileira, Rui com uma tradição ininterrupta, progressiva,
Barbosa inclinou-se preferencialmente para o crescente, acabaram no século XVIII, com
sistema presidencialista americano, que jul- essa f lorescência prodigi osa, da carta dos Es-
gou o único compatível com o regimen auto- tados Unidos da América do Norte".
nômico das unidades. ~a s, ainda aí, só \ia As suas convicções finais presidencialis-
urna variante do espírito fundamentalmente tas não o impediam de se orgulhar sempr~
liberal anglo-saxônico numa forma adaptável da sua formação politica no regimen parla-
às condições americanas. mentar antigo. Porque, dizia êle, "só no go-
Assim, em 1895, já êle afirmava no Se- vêrno parlamentar, existe o terreno capaz de
nado: "A Constituição americana vem a ser dar teatro a essas cruzadas mot·ais, a essas
apenas uma variante da constituição inglêsa. lutas pelas idéias nas regiões mais alias da
palavra onde elas se fecun dam··.
Tudo o que é substancial na primeira, tudo,
até a suprema função do seu poder judiciário, "As noções da moral política •·, dizia de
q ue ainda há pouco se tinha como novidade outra vez, recordando o ambiente em que se
formara seu espírito político e as s utilesas
yankee, hoje começa a ver-se que pertence ao
patrimônio de tradições, velhas como a velha do regímen do tipo inglês, "as noções da moral
polftica não as bebi na escola dêste regímen.
Grã-Bretanha, que ela reparte inte1·-vivos com
Bebi-as na do outro. Naquele não havia mi-
a sua numerosa família nos três continentes''.
nistros de r osca e porca. Naquele, o mem-
E. em 1915, no Senado : "As instituições bro do govêrno, sôbre cuja lealdade corresse
que nós introd uzimos no país, essas grandes a mais leve sombra de dúvida, não esperava
instituições, novas pela feição atual, pela fei- que o pusessem na rua. Naquele, as relações
ção que adquiriram ao vasar-se na constitui- dos ministros, uns com os outros, ou dêles com
98 AMÉRIOO JACOBINA LAOOMBE UM PASSEIO PELA HISTÓRIA DO BRASIL 99

o chefe da nação, não toleravam uma arra~ mocracias contemporâneas, a mais sincera, a
nhadura, nem uma risca na epiderme". menos impura, a mais soberana. Sob a mais
Eis porque, meu senhores, êste brasileiro estável das coroas é a mais real das repúblicas.
autêntico, que formara sua cultura e seu ca~ Sob o mais eficaz dos govêrnos é o mais obe-
ráter nesta terra, em sua biblioteca e no calor decido dos povos. Sendo a mais complicada,
do parlamento brasileiro, quando pelos azares talvez, de tôdas as sociedades atuais, é, ao
da política se vê exilado na Inglaterra, se mesmo tempo, aquela onde o indi\1duo. o ente
sente em casa. Eis porque êsse exílio havia humano, se desenvolve na mais completa das
de ser para êle uma espécie de refrigério para suas fô rças".
os sofrimentos de sua alma de idealista po~ E procurando uma síntese da psicologia
lítico. do povo britânico escreve: "Esta expansão
E ao prefaciar um JivTo famoso fez suas é o maior portento da história univerRal ". E
as palavras de Thiers: "se, à maneira do es~ após estudar a reprodução da cultura inglêsn.
cultor, que modela entre as mãos o barro conclui: "Por tôda a parte ve-la-eis repro-
plástico, eu pudesse afeiçoar a meu gôsto o duzir-se com a mesma estrutura e a mesma
meu país faria dêle, uma Inglaterra". índole, com o mesmo tipo e a mesma forma
E, ao comentar um livro de Balfour, des- de ação, com o mesmo ideal e a mesma disci-
creve os seus próprios sentimentos ao inte- plina : E' o inglês - com o seu senso reli-
grar-se na vida inglêsa : gioso, o seu senso comercial e o seu senso
"A primeira impressão do liberal ao político.
tocar êste solo, é que se acha no seio mesmo Dir-se-ia que dêsses três elementos se e~ a­
da 1iberdade. "Freedom, hey-day ! hey-day! bora êste organismo moral, que êsses são o
freedom ! freedom! hey-day-freedom! '' Essa nervo, o sangue e o músculo dêste povo. Pelo
impressão é reverencial, quase sagrada. Eu senso religioso êle fez o seu caráter. E' a
aspirei-a como um eflúvio, sentia-a invadir- condição fundamental, por onde se habituou a
me como uma realidade envolvente. possuir o mundo. . . Pelo senso comercial
Êste país das formas é o enleio e a con- aspirou à aquisição do orbe; e, instintivamente
fusão dos formalistas. Sob os traços da mais esclarecido sôbre a natureza precária dos re-
opulenb\s das aristocracias é, de todas as d~- sultados da guerra, encarnou as suas ambi-
100 AMÉRICO JACOBINA LACOMBE UM PASSEIO PELA HISTÓRIA DO BRASIL 101

ções no trabalho, na paz, na invenção e na tá-la sequer. É necessário, para senti-la um


perseverança. Pelo senso polltico, resultante pouco, estar no campo inglês, percorrê-lo, ha-
do complexo do senso religioso e do senso bitar as vilas, ou as cidades de segunda, ter-
comercial, criou a arte sem precedentes de ceira ou quarta ordem. Coube-me essa for-
organizar e conso!idar as conquistas da sua tuna, vindo morar os primeiros meses em
fortaleza e do seu tino··. Teddington, em pleno distrito rural, pôsto que
E não se trata de um entusiasmo literá- a uma meia hora de Londres, conforme o trem,
rio, de uma retribuição da gentileza do emi- e com comboios para ali e para tôda a parte
grado político à terra que o acolheu no infor- incessantemente. Em tôrno de mim. mais ou
túnio. menos próximo em distância e importância a
Eis contudo, um documento tirado de sua êste, tenho um estenda! de pequenas cidades,
correspondência particular, em parte inédita, ou logarejos encantadores: Hampton Wick,
c que revela um pedaço de sua alma aberta Strawberry Hill, Kingston, Richmond, os
inteiramente a um de seus mais íntimos ami- imensos jardins de Kew Garden, onde se en-
gos. Com ela terminaremos esta demonstra- contra em magníficos exempla1·es a flora do
ção da ascendência - ou da fascinação - da mundo inteiro, o parque florido de Hampton
Inglaterra sôbre o espírito de nossos velhos Court. superior, como jardinagem, tirante os
políticos - e, como termina por uma profe- bronzes e os mármores, às Tulherias. Em
cia - com ela encerramos a nossa palestra vinte minutos, no máximo, posso encontrar-
ele hoje. Eis a ca1·ta: me em qualquer dêsses pontos. E depois,
É datada de Teddington, ZO de agôsto banhando Teddington e todos êles, o Tamisa,
de 1894. rio maravilhoso, cujas margens desdobram aos
Narrando suas impressões da Inglaterra olhos do espectador um quadro contínuo de
assim se manifestou Rui Barbosa: cottages de castelos, de primores rústicos, de
"Em geral, os que vêm à Inglaterra, com amostras. variadas ao infinito, da mais riso-
especialidade os nossos compatriotas, se limi- nha cultura, e cujas águas em tôda a parte
tam a frequentar-lhe as grandes capitais: coalham-se de botes, de faluas, de canoas ele-
Londres, Liverpool, Manchester, etc. E saem gantes, de pequenos vapores de recreio, de
daqui, sem conhecer a Inglaterra, sem supei- lanchas elétricas, de casas flutuantes (house-
102 AMÉRICO JACOBINA LACOlfBE UM PASSEIO PELA HISTÓRIA DO BRASIL 103
boats), literalmente cobertas de flores como maior glorüicação, pot·que é aquêle onde a
verdadeiros alegretes, ornadas e mobiliadas liberdade é mais perfeita, onde o direito é mais
com todos os caprichos do confôrto britânico, seguro, onde o individuo é mais independente,
onde tôda uma população se diverte ao ar e onde, por isso mesmo, o homem é mais feliz.
livre, conser vando, entre a multidão, os há- Verdade é que no esplendor r adiante de seu
bitos individualistas do home, os círculos da disco se destaca a miséria, imensa mácula
família, doçm·as do tête-à-t ête. Atravessei solar. Mas, por êsse contraste, não são res-
vários países neste continente e no outro, mais ponsáveis as suas instituições. Êle desen-
ou menos belos, mais ou menos adiantados. volve-se a despeito delas, não sei se blasfemo
Só na Inglaterra encontrei esta continuidade dizendo como um mal necessário, como um
inintenupta na cultura e no movimento; esta derivativo incurável da enfermidade humana,
fisionomia geral de satisfação e de progresso. da nossa eterna insuficiência, do nosso "pe-
Nem um só povoado em abandono, nem uma cado original", para me servir da fórmula
casa em ruínas, nem uma choupana esboroada. religiosa, que tem o mérito de ser a mais ex-
A,qui não se sente a decadência em parte ne- pressiva, senão a melhor, na designação dêsse
nhuma : tudo se renova, medra e floresce. mistério perenemente contraposto às conquis-
Deus deu, de mais a mais, a êste povo, entre tas do nosso orgulho e às maravilhas do nosso
as suas qualidades fortes, um instinto incom- progresso.
parável da natureza : o privilégio de amá-la E, afinal, os que tanto reclamam contra
inteligentemente, associando, em um grau ad- os horrores da indigência inglêsa - que in-
mirável, a delicada sensibilidade às s uas ca- ventaram até hoje para remédio contra o for-
rícias com o gôsto mais sutil de aproveitar-lhe midável sofrimento? O socialismo, que siste-
e realçar-lhe as belezas. Todo êste país é matiza o mal, repartindo a pobreza, como se
uma alfombra de relvados, hortas, searas e repartiria o pão ou a fortuna, e o anarquismo,
jardins, sôbre cujo xadrez se destaca um ar- o niilismo, que barbarizam o mundo contem-
voredo poderoso e frondescente, como o gênio porâneo. armando os déspotas, e aparelhando
da raça que o habita ... " êsse eclipse geral da liberdade que ameaça a
".E:ste é, ao meu ver, com efeito, o país, tarde do nosso século e a manhã do vindouro.
dentre todos, onde a humanidade tem a sua Quando êsse melancólico fenômeno anoitecer
104 AMtRICO JACOBINA LACOMBE

o mundo, os países inglêses serão, (talvez),


a única zona da civilização moderna, onde os
princípios liberais não se terão apagado. E
por aí é que hade al\'orecer o dia futuTo.
Na obra da civilização ocidental não há mais
que três papeis supremos: o da J udéia, berço
do monoteísmo e do Cristo; o da Grécia, cria-
dora das artes e da filosofia; o da Inglaterra,
pátria do go\'êrno representativo e mãe das
nações livres. O solo onde ela pisa, teproduz- 4.n CONFERÊNCIA
lhe espontâneamente as instituições. Os povos
que saem de suas mãos, livres todos como ela,
na América, na Autrália, na África são ou-
tros tantos renovadoiros da humanidade.
Bendita esta raça providencial!··
O BRASIL REPUBLICANO

7
Metts Senho'l"et~
e Minhas Senho1·as

A minha palestra de hoje poderia parecer


à primeira vista uma paradoxal destruição de
tudo quanto afirmei da última vez. Porque
ela começará pela afirma((ão de que aquêle
regímen, que estudamos com tanta simpatia,
e que tinha produzido tantos resultados para
a nação, caiu como um castelo de cartas, na
madrugada do dia quinze de novembro de
1889.
Isto poderia pal'ecer um fenômeno incom-
preensível ou misterioso. Examinando-o mais
profundamente, porém, verificaremos que teve
causas muito naturais e compreensíveis. Um
l'egímen não se defende dos germens revolu-
cionários, permanentes nas sociedades, com
idéias de bom senso e de sobriedade. As novas
gerações só admitem e só concebem a idéia da
politica, ligada a um grande ideal, um grande
plano, uma grande solução ou uma grande vi-
tória, quer sôbre um inimigo quer sôbre um
problema. Um regímen que não tem d1ante
<1e si uma realizayão heróica não pode contar
com a mocidade. Um plano imperialista, ex-
108 AMÉRIOO JACOBINA LACOMBE Ul\1 PASSEIO PELA HISTÓRiA DO BRASIL 109

pansionista ou missionário exige e obtém o no fim do século. O ideal monárquico se es-


sacrifício e o martírio, se for preciso, da nata friara. J á vimos que o próprio monarca não
das gerações. :Mas a idéia pura e simples do se preocupara em erigí-lo em ponto indepen-
conservantismo, da tradição, despida ele pro- dente e essencial do edifício político - consi-
jeção no Juturo - da ordem sem realizações derava-o sempre uma manifestação da vonta-
imediatas - o ideal bw·guês - para empre- de popular - sujeito, pois, a uma revogação
gar, o têrmo mais usado em nosso tempo, da dessa vontade.
paz que permita a prosperidade individual Feita e consolidada a. unidade nacional,
- êste não conseguirá obter cxpontâneamen- estabelecida e estabilizada a ordem civil, lan-
te uma gota de sangue de nenhum cidadão. cados os fundamentos do progresso material,
A libertação de um país do domínio es- ; esolvida a grande crise da questão servil -
trangeiro, a unificação de um reino, a cons- que apaLxonara a nação até o delírio - inicia-
trução de um grande império mundial, a ex- do um amplo movimento mercantil, que ban-
pansão da fé, pacífica, ou pela guerra santa. deira se estenderia sôbre a cabeça dos moços?
a conquista de um continente, ou a reconstru- - O federalismo, foi o que se apresentou a
ção de um mundo abalado por um tufão de ~abuco e Rui Barbosa. :\las êsse, era um
vandalismo, são tarefas de urna geração, de ideal político - doutrinário - de homens de
um povo, de urna raça, que podem exigir o Estado, diflcilmenie capaz de criar correntes,
martírio ou o sacrifício épico da mocidade. despertar entusiasmos: não se tornou sequer
Mas um regímen não pode vi ver sem um pro- um programa de um pa1·tido monarquista,
grama viYo - dinâmico - sem um idealismo nada tinha de premente e não havia nenhuma
congênito. Quando um regímen atinge êsse c01Tente organizada neste sentido.
ponto morto - de esgotamento de suas fina- O Imperador nada linha contra êsse sis-
lidades - de extinção de suas ju stificaçõe~ tema - a ponto de Rui Barbosa afirmar que
- entra num momento de crise a que só re- os que fize1·arn a república não tinham reivindi-
siste se lem a seu favor tôdas as fôrças con- cações contra as cinzas do velho Imperador.
servadoras e se nenhum obstáculo sério se :ttste não se oporia a tão importante reforma,
apresenta em seu caminho. Ora, foi precisa- segundo declarou ao Cons.0 Saraiva, quando
mente êste o ponto a que chegou o império em 1889 foi chamado a organizar o gabinete.
110 AMÉRICO JACOBINA LACOMBE UM PASSEIO PELA H ISTÓRIA DO BRASIL 111

Mas os partidos da monarquia acharam que o contrário do que se deu. Nos últimos anos
o problema não estava maduro para ser re- da monarquia, o regimen perdeu, sucessiva-
solvido. Com essa postergação, a campanha mente, o apoio das três grandes fôrças que de-
mudou de aspecto. A bandeh·a do federalis- veriam sustentá-lo: a Igreja, a Agricultura e
mo - disse-o Joaquim Nabuco, na Câmara o Exército.
dos Deputados- passara das suas mãos para Estas três fôrças tiveram, cada uma, sua
as de Rui Barbosa. Mas enquanto êle, J oa- questão r om o govêrno, cada qual mais forte.
quim Nabuco, era, no fundo, monarquista - a última - decisiva. Vejamos, uma por
R ui era, no fundo, republicano. Republicano uma.
sistemático certamente não o era, mas, colo- A constituição do Império ao declarar
cando o ideal federativo acima do da conser- que a religião do Estado continua,rá a ser a
vação do governo monárquico, certamente se Católica, Apostólica, Romana, passou ao Bra-
encaminharia para a república, vendo fecha- sil todo o regímen vigorante em Portugal, con-
das as portas dos partidos tradicionais. cernente às relações entre a Igreja e o Estado
Esta falta de sentimento essencialmente - quer dizer aquela série de disposições e
monárquico era tão evidente que fazia dizer preconceitos regalistas que haviam conduzi-
o próprio Nabuco que causava menos espanto do a um sem número de conflitos entre o poder
declarar-se um moço republicano do que mo- civil e religioso - principalmente no govêrno
narquista. As novas gerações, se não eram do famoso marquês de P ombal.
republicanas no sentido de se sentirem atraí- O estado da Igreja não era próspero. O
das a uma luta pela revolução, também não culto ficaYa quase inteiramente a cargo do
viam porque se haveriam de comprometer 'na Estado, o qual recebera, desde a colônia, os
defesa de uma ordem política que não apre- impostos eclesiásticos. De tempos a tempos,
seta,·a nenhum atrativo, nenhum ímpeto de t falava-se numa concordata, que nunca vinha.
renovação. Desde 1854, estava suspensa provisoria-
Seria preciso, aguardando que se criasse mente a enb·ada de noviços nas ordens r eli-
uma atmosfera de maior idealismo, que se giosas. Com isso a situação se agravara e
cultivasse cuidadosamente o apoio das gran- os conventos se tornaram imensas solidões ha-
des fôrças, conservadoras. Foi precisamente bitadas por rnacróbios. O episcopado, porém,
112 AMÉR1CO JACOBINA LACOMBE UM PASSEIO PELA HISTÓRIA DO BRASIL 113

era excelente - escolhido com o maior crité- e bulas. Ao Brasil chegou o eco de tudo isso,
rio, pelos dois Imperadores. e na imprensa do Rio e das províncias tam-
O segundo imperador, era, porém, um bém se estabeleceu uma ruidosa ofensiva con-
liberal convicto, por temperamento e por for- tra as instituições eclesiásticas. Os antigos,
mação, educado que havia sido por homens prelados, habituados à complacência com o
todos do seu século e imbuídos das clássicas ambiente, não reagiram. :Mas as duas figuras
doutrinas regalistas galicanas e pombalistas. exponenciais da intelectualidade do clero, os
Nada tinha de ateu nem de hereje. Era mes- bispos do Recife e elo Pará, D. Vital e D. An-
mo respeitoso e devoto. Tudo se cingia a uma tônio de Macedo Costa, aceitaram a luta e ini-
atitude intelectual profundamente sincera. ciaram o expurgo dos maçons das irmandades
Desde a época da Independência que a e confrarias religiosas. Êstes reagiram e os
maçonaria se espalhara no Brasil, arma exce- prelados interditaram-lhes as igrejas. Os so-
lente para estabelecer a ligação entre os vá- dalícios, em vez de recorrerem às autoridades
rios núcleos do movimento separatista - de- religiosas, ao arcebispo primaz da Baía ou a
fendendo-o da perseguição da tropa portuguê- Roma, recorreram à Coroa. O Conselho de
sa. Era uma organização patriótica, de modo Estado entendeu que os bispos se haviam ex-
algum interessada no grande debate filosófico- cedido, como funcionários, porque os documen-
religioso que se processava na Eu ropa. Por tos pontifícios em que se haviam baseado para
isso dela faziam parte muitos padres e f rades, suas decisões não haviam sido placitados, isto
inclusive o que foi mestre do Imperador, mais é. aprovados pelo poder civil. Os bispos 1·e-
tarde ·bispo de Crisópolis - in pcwtibus infi- plicaram que estavam agindo exclusivamente
deliu'l'n. dentro da esfera espiritual, onde não admi-
Com o correr dos tempos, porém, a ques- tiam interferência das autoridades temporais.
tão se transformara por completo. A maço- I Esta,·a surgido o conflito. Intimados a I·e-
naria francesa e a italiana, esta principalmente, vogar seus interditos, os prelados t•ecusaram-
excitada pelos sucessos da unidade nacional se e foram considerados rebeldes. O Ministé-
e da conseqüente questão romana, haviam ini- rio, que era então chefiado pelo visconde do
ciado uma campanha violenta, a que respon- Rio Branco, grão-mestre da Maçonaria brasi-
dera Pio IX, com as suas famosas encíclicas leira, processou-os como funcionários indisci-
114 AMÉRICO JACOBINA LACOMBE UM PASSEIO PELA HISTÓRIA DO BRASIL 115

plinados, ao mesmo tempo que enviava uma os bispos se dirigiram à nação no inicio do
missão a Roma para tratar com a Santa Sé. noYo regime, numa famosa pastoral coletiva.
rontradição evidente: pm·que, se o caso era Êste foi o primeiro dos abalos que sofreu
de processo criminal, a ação diplomática seria a instituição da monarquia.
uma fraq ueza; e se era um conflito diplomá- Vejamos o segundo. Foi a abolição. Po-
tico, o processo seria uma enormidade. Os de-se dizer que tôda a riqueza brasileira ee
católicos e os republicanos souberam tirar baseava na produção agrícola. Esta riqueza
partido dessa atitude contraditória. Os bis- agrícola, por sua vez, baseava-se no trabalho
pos foram condenados. Mais tarde veiu a escravo. Era, pois, um problema da maior
anistia e tudo cessou. A Santa Sé, que a prin- delicadeza tocar nesta instituição. Os fazen-
cípio fôra benevolente, quando esperava re- deiros e os interes~ados no tráfico,' constituíam
sol\'er o conflito por acôrdo, após a condena- as grandes fortunas nacionais, mas eram tam-
ção, ficara veementemente com os bispos. De bém as famílias dos senhores tel'l'itoriais que
tudo isso, resultou um mal estar sensível. A constituíam a nossa aristocracia. Delas ou
questão apaixonou a opinião pública como das suas relações e alianças saíam os repre-
nenhuma outra no império, a não ser a abo- sentantes da nação no Parlamento. Daí as
lição. Se dela não resultou a republicaniza- dificuldades para movimentar a ques tão.
ção do clero- como querem alguns com exa- Note-se que a cultura difundida pela nossa
gêro - é incontestável que abalou a aliança elite e o nosso temperamento essencialmente
tão vantajosa entre o trono e o altar. Não liberal não permitil·am que a questão se colo-
terá sido mera coincidência o fato de ser um casse, no Brasil, senão no terreno prático;
padre o primeiro a dar o grito de - Viva a nunca no teórico. Jamais tivemos doutrinado-
República - no Parlamento Imperial. res da inferioridade étnica absoluta do negro
O próprio bispo do Rio de J aneiro - ca- nem teoristas da escravização. Isto é o ponto
pelão-mór da Casa Imperial - não teve o mais importante para se compreender a questão
menor movimento de simpatia pela família no Brasil. A rigor, todos sabiam que a institui-
imperial no momento da sua queda. Mas ção ia cessar. E não somente isso, mas que
nada é mais significativo do estado de esp írito deveria cessar quanto antes. Tudo girava em
do clero católíco do que as palavras com que tôrno das dúvidas sôbre o modo de resolver
o problema. Prefiro fazer falar um inglês.
116 AMÉRICO JACOBINA LACO}fBE UM PASSEIO PELA HISTÓRIA DO BRASIL 117

e um grande erudito - um dos maiores via- tornar um homem livre: a libertação é tida
jantes do mundo - a respeito de nossos es- como dever católico, as comunidades de pa-
cravos, a fazer afirmações que podel'iam pa- dres se envergonham de manter escravos, e
recer uma apologia. sempre que há uma g uerra o africano é res-
Richard Burton - um dos homens mais gatado e mandado para se bater lado a lado
livre~ e. independentes - num livro em que {·om os recrutas brancos. Um antigo costume
segmu ngorosamente o lema que adotou _ permite-lhe comprar sua liberdade pelo seu
Dizei em tu;do a ve?'dade trabalho e empregar sua liberdade na liberta-
A quem, em tudo a deveis ção de sua mulher e seus filhos" . - "No te-se"
continua Burton "que é difícil que haja um
assim se exprime em relação aos escravos do brasileiro bem educado que não deseje de
Brasil, que estudou atentamente em 1868: boa \·ontade a abolição, se poder encontrar
para ela um substitutivo. Todos olham para
"O escravo no Brasil tem pela lei não es- o futuro, para o grande dia da imigração e do
crita, muitos dos dú.'eitos de um livre. Pode- trabalho livre. Todos também estão conven-
se educar, e é mesmo impelido a isso. E' re- cidos de que a imigração e a escravidão difi-
gulal·mente catequizado e em tôdas as gran- cilmente podem co-existir".
des plantações há um serviço religioso diário. E Burton enumera as medidas em estudo
Se atacado em sua vida on em algum membro, pelo govêrno brasileiro para solução do gran-
pode defender-se contra seu senhor ou qual- díssimo problema. Baseando-se em Perdigão
quer branco, e um proprietário demasiado ás- Malhciro - a quem faz os mais amplos e
pero ou o feitor, sempre correm considerável merecidos elogios - calcula em cêrca de
risco de não morrer na cama. E' casado le- 2.000.000 o número de escra,·os em i864-
galmente e a castidade de sua mulher é defen- quando eram 4.000.000 em 1850. "tstes nú-
dida contra o seu proprietário. Tem pouco meros devem acalmar eficazmente o ânimo
mêdo de ser separado de sua familia: os ins- inflamado dos emancipadores .. - diz êle. Mas
tintos humanos e os princípios religiosos do infelizmente nem todos os viajantes eram do-
povo são fortemente opostos a êste ato de tados da capacidade de observação excepcional
barbaridade. Tem tôda possibilidade de se de um Burton, nem todos nos encaravam com
118 AMÉRICO JACOBINA LACOM:BE UM PASSEIO PELA HISTÓRIA DO BRASIL 119

a mesma simpatia. Em regra - seja pelo tada - conseguiram, porém, os políticos bra-
choque terrível com uma instituição que des- sileiros, após uma luta ingente com os famo-
conheciam, como Darwin - na sua viagem em sos neg,·ei'ros - na maioria portuguêses -
volta do mundo - ou pela exacerbação do extinguir completamente o tráfico em 1854.
sentimentalismo, resultado do ambiente cria- O último desembarque de afi·icanos se veri-
do pela propaganda européia, o quadro apre- ficou em 1855.
sentado à opinião pública civilizada e, espe- ~ste esfôrço foi plenamente coroado de
cialmente a inglêsa, nada tinha do otimismo êxito e o Ministro inglês pôde comunicar ao
do simpático e curioso tradutor das Mil e seu govêrno que o tráfico realmente havia
Uma Noites. cessado no BTasil.
A público via no Brasil uma terra con- A campanha pela abolição porém não po-
denada à desgraça e que precisava ser salYa deria se contentar com a cessação de uma das
- a todo o custo. A Inglaterra, no intuito fontes da escravidão, quando permanecia a
de atender aos clamores de sua opinião pú- outra - o nascimento dos escravos no Brasil.
blica - empregou então medidas coercitivas Mas os exemplos estnngeiros não eram
para impedir o t ráfico no Brasil. Somos um de molde a nos animar a uma rapidez muito
povo jovem - e por isso um tanto descon- grande nesse caminho. O espetãculo da tre-
fiado e suscetível - uma ameaça ou uma vio- menda guerra do Norte contra Sul nus
lência poderiam, pois, ter efeitos inesperados. Estados Unidos compeliu os brasileiros a tra-
O resultado foi que a opinião pública tarem seriamente do problema, mas com um
brasileira inflamou-se, e produziu-se uma re- cuidado cada vez mais justificado. O pri-
viravolta contraproducente, identüicando u meiro projeto elaborado neste sentido - de-
causa do crime com a do brio nacional. vido a pedidos e incitamentos de Dom Pedxo
O bill Abe1·deen é de 1845. Pois bem, o IT, teve o seu andamento prejudicado pela
barão do Rio Branco demonstrou que o núme- guerra do Paraguai. Finda esta, o assunto
ro de africanos introduzidos anualmente no voltou a figurar no primeiro plano das cogi-
Brasil, triplicou de 1846 a 1850. tações governamentais. Já então o tema dei-
Lutando com estas graves dificuldades xara de ser meramente administrativo. Não
- agravadas por uma opinião pública exal- era mais assunto de políticos e começara a
120 AMÉRICO JACOBINA LACOMBE
UM PASSEIO PELA HISTÓRIA DO BRASIL 121
ser objeto de grande campanha que foi pouêo
a pouco incendiando o Brasil. Incêndio - é Duas províncias já haviam libertado os seus
o têrmo. Até aquêle momento - diz·em os escravos: Amazonas e Ceará. O Ministério
sociólogos - nenhum problema interessou tão Dantas, apoiado e prestigiado vivamente pelo
fundamente e tão violentamente a alma po- Imperador, tenta nova lei para apressar a
pular de Norte a Sul do país. O maior poeta solução final do problema: a libertação dos
nacional, Castro Alves, começara a produzir sexagenários.
os seus poemas abolicionistas que iam apaixo- Mas a resistência se organiza por parte
nar como nenhum outro a mentalidade senti- dos agricultores e o gabinete é derrotado, após
mental e lírica do brasileiro. intensa luta parlament.,'l.r. Um novo gabinete
O visconde do Rio Branco - o grande liberal não consegue aprovação de projeto se-
chefe conservador - depois de uma luta par- melhante. Sobem os conservadores com o
lamentar intensíssima, que durou cinco meses, barão de Cotegipe e, somando os seus esfor-
conseguiu ver assinada por D. Isabel, Princesa ços aos dos liberais numa causa que não
Imperial Regente, (o Imperador achava-se en- era de partido, mas da cultura e da civiliza-
tão na Europa) a lei chamada L ei do Vent1·e ção, conseguem uma nova conquista no cami-
Liv,re, que libertou o ventre da mulher escrava, nho do abolicionismo.
então a única fonte de escravidão em nosso Dava-se com êsse movimento, porém, um
país, alforriou os negros pertencentes à co1·oa fenômeno, tantas vêzes observado na vida dos
c facilitou as manumissões.
povos: cada concessão feita à causa, longe de
A escravidão estava, pois, liquidada no aplacar o ardor dos propagandistas - pelo
Brasil. Era questão de tempo - estancadas
contrário - animava-os a prosseguir. Os
como estavam as duas fontes de sua existên-
maiores espíritos do Brasil estavam entregues
cia. Variam os cálculos sôbre o tempo em
exclusivamente a essa campanha. Joaquim
que ela poderia ainda durar em liquidação.
Nabuco era então o grande tribuno da causa.
Mas. a opinião, uma vez empenhada na cam-
Em São Paulo, porém, a campanha não era
panha, e convencida da incompatibilidade da-
quela mancha com os nossos foros de pais somente doutrinária - algumas g~ndes figu-
civiHzado, longe de arrefecer, incrementou-se. l'as se empenharam, com ardores místicos, na
libertação e começaram a organizar e proteger
122 AMÉR100 JACOBINA LACOMBE UM PASSEIO PELA HISTÓRIA DO BRASIL 123

a fuga dos escravos das grandes propriedades Mais de um milhão de contos de réiS foram,
agrícolas. pois, de uma penada, subtraídos à fortuna
A questão deixara o ambiente sereno dos agrícola.
gabinetes de estudo e as arenas animadas, mas A emancipação não somente marcou uma
regulares, das assembléias e se transformara completa desorganização da atividade econô-
numa questão popular- que exigia o emprêgo mica, como ainda produziu séria crise política.
da fôrça - para solucionar as questões po- Porque os fazendeiros, senhores de engenho
liciais que surgiam diàriamente. Não seria ou estancieiros, que formavam, afinal, a nossa
possível pensar numa reação- legal, mas cho- aristocracia rural, muito afeiçoada à pessoa
cante com o espírito público - em favor dos do Imperador, não vacilaram, alguns em aban-
proprietários prejudicados. Deante disso - donar os partidos monárquicos e se declarar
e precipitados os acontecimentos pelo ânimo francamente republicanos. Outros guardaram,
da Princesa, novamente regente, numa brusca no íntimo, um rancor insopitável contra o
reviravolt.:'l, o próprio partido conservador regime - suficiente para conter-lhes o ânim.o
resolve ceder. E numa lei - que se chamou no momento preciso e esfriar qualquer ardor
por isso L ei Á w ·ea - votada com rapidez em defesa do trono.
inaudita pelas duas casas do Parlamento -
lei lacônica e fulminante - foi declarada • • *
extinta a escravidão no Brasil, sem qualquer
indenização aos proprietários. Uma terceira coluna foi abalada funda-
Pode-se conceber o efeito que êsse des- mente no fim do segundo reinado, e o abalo
fecho teve em tôda a nação. Havia, segundo desta fez ruir logicamente todo o edifício.
os dados oficiais, em 1887. cerca de 723.500 Instituiç!_o nova, num país novo, com um
escravos no Brasil. Cada escravo valia na pO\'O moço, isolada, num continente totalmente
média 2:000$000. Todo êsse prejuízo correu, republicano, se a monarquia devia ter em vista
pois, por conta dos proprietários agrícolas. manter seu prestigio perante a opinião, tam-
Só em São Paulo se havia iniciado o movi- bem é lógico que se deveria preocupar em ter
mento de colonização que devia fazer a subs- sempre o apoio das forças armadas - base
tituiç.ão do bravo escravo pelo do colono livre. da unidade nacional- e naturalmente as mais
UM PASSEIO PELA HISTÓRIA DO BRASIL 125
124 AMÉR.IOO JACOBINA LACOMBE

ção. Mas, para que se possa calcular o que


interessadas na manutenção da ordem e da significou de esfôrço essa nossa improvisaç5o
estabilidade da nação. militar, basta que se diga que as nossas forças
O primeiro Imperador preocupara-se sem- regulares não atingiam então 20. 000 homens.
pre com esta adesão. Fôra sempre atento aos O Paraguai tinha, em pé de guerra, cerca de
seus homens e solidarizara-se com êles, como
80.000.
vimos, em ocasiões graves. Tivemos que organizar tudo. Fardamen-
No segundo reinado, infelizmente, o en- tos, munições, esquadra, transportes.
tendimento longe de progredir - cada vez se A guerra custara-nos cerca de ....... .
torna,·a mais difícil. Seja por temperamento, 630. 880: 000~ e 33. 000 homens fora de com-
seja pela educação essencialmente civilista fei-
bate.
ta na época da regência - época em que o E ao cabo de tudo isso não tiTamos ao
parlamento reduziu o exército e enfraqueceu-o P araguai qualquer pedaço de seu território -
- a verdade é que nunca o Segundo Impera- e pelo contrário - passamos a defendê-lo con-
dor se apresentou como um !?npe'rato1· - co- tra outros pretendentes a seus despojos.
mandante supremo do exérc ito. E' certo que :VIas é fora de dúvida que a campanha
não tinha simpatias, não pelas individualida- teve a maior influência no sentido de incre-
des militares brasileiras, mas pela instituição mentar o duplo movimento dos ideais politico-
em geral, sendo antes um homem temeroso do sociais em favor da abolição e da república.
emprêgo da fôrça e embalado por ideais pa- Quando o exército retornava vitorioso e pode-
cifistas. r ia parecer que a glória e o contacto da moci-
O Brasil empreendera em pleno segundo dade com a oficialidade concorreriam para des-
1·einado uma guerra exaustiva. fazer os mal entendidos, foi exatamente quan-
O Império fora colhido de surpresa pelo do as questões começaram pouco a pouco a
ditador do Paraguai que se armara prodigio- azedar-se.
samente para desfechar-nos um ataque, feliz- Nenhuma das questões chamadas 7nilita-
mente frustrado. Está claro que, fracassado 'tes estudada isoladamente, ~'í:plica o que se
o golpe inicial que poderia ser decisivo, tôdas pa;sou. O esfencial foi um ambiente de mal
possibilidades estavam a nosso favor - dad~s estar que só fez se agravar com o passar do
a nossa maior riqueza, resistência e popula-
126 AMÉRICO JACOBINA LACOMBE UM PASSEIO PELA H ISTÓRIA DO BRASIL 127

tempo. Os partidos, longe de compreenderem blicanos, São Paulo 48 e Rio Grande do Sul,
a gravidade da ameaça e a delicadeza dos sen- 30, todo o norte não contava mais de 17 clubes.
timentos em jôgo, em vez de se darem as mãos A propaganda republicana caminhava
para uma solução nacional, deixaram-se levar lentamente. Mas são unânimes os sociólogos
pelo ardor das lutas partidáxias, sopraram im- e historiadores em afirmar que ela não produ-
prudentemente uma fog·ueira que terminaria ziria seus frutos tão rApidamente se não hou-
por queimá-los a si próprios. vessem concorrido as questões que vimos es-
A propaganda republicana encontraria, tudando: o abalo provocado na consciência
pois, terreno admirà velmente preparado. r religiosa pela questão com os bispos, a crise
Esta propaganda começara após a guerra provocada pela abolição dos escravos e o de-
do Paraguai - com um manifesto, dat:1.do de sentendimento resultante das questões mili-
dezembro de 1870 c um jornal A República, tares.
aparecido no mesmo ano. Alguns nomes ilus- A ligação que provocou a explosão foi
tres subscreveram aquêle manifesto. Uns exatamente a aproximação entre a propaganda
abandonaram a atitude extremada e aderiram republicana e os lideres do exército. A pro-
aos quadros partidários da monarquia. Outros paganda da república no exército se fizera
permaneceram fiéis ao programa até a sua principalmente por intermédio de um profes-
realização. No mesmo ano de 1870, fundava- sor da Escola Militar propugnador das dou-
se um Partido Republicano Palilista e em 1873 trinas políticas e filosóficas de Augusto Comte.
realizava-se, em Itu, uma Convenção Republi- Benjamin Constant Botelho de Magalhães, e
cana. O ideal republicano veiu logo aliado a quem a primeira constituição republicana
ao ideal federativo. conferiu o título de funda.do1" da 1·epública.
São Paulo era a principal província da Quando subiu ao poder, a 7 de junho de
propaganda republicana e a cidade de Cam- 1889, o último gabinete da monarquia, che-
pinas, por ser o esteio dessa propaganda, foi fiado pelo visconde de Ouro-Prêto, apresentou
chamada Meca da República. Em Minas tam- êle às câmaras uma série de medidas que, se
bém o novo ideal progredira. O norte não realizadas, retardariam por alguns anos o ad-
acompanhava o sul no mesmo ritmo. Em vento do novo regime. Basta dizer que êle
1888, enquanto Minas possuía 56 clubes repu- queria o sufrágio universal, a liberdade de
128 AMÉRIOO JACOBINA LACOMBE UM PASSEIO PELA H ISTÓRIA DO BRASIL 129

cultos, a temporariedade do Senado e a auto- O Imperador deixou o Brasil cercado de


nomia das provincias. respeito e com tôdas as garantias. Respon-
Mas, contra êsse gabinete formou-se em deu, por sua vez, à mensagem que o intimava
pouco tempo uma frente única de oposições - a abandonar o país, às vésperas de seu jubileu
na câmara, que acabou sendo naturalmente dis- de ow·o, com um documento em que não b.·ans-
solvida - e na imprensa, onde Rui Barbosa luz o menor laivo de amargor.
- sem se pronunciar pela república - defen- O novo govêrno, reconhecendo que o an-
dia a tese perigosa- federalismo- "com ou t igo chefe de estado saía sem meios de subsis-
sem a coroa". t ência - confere-lhe um auxilio de 5. 000 con-
tos de réis. O Imperador replica recusando
O novo chefe do gabinete, homem inteli-
o auxíl io. 1\Iais tarde havia de legar ao Brasil
gente, culto e, principalmente, enérgico - quis
a maior riqueza que entesoirara com avidez em
enfrentar, porém, de frente a questão militar .
tôda a sua existência - a sua biblioteca.
Longe de resolver os conflitos - êles se mul-
tiplicapm nos poucos meses de seu Minist ério. * f,; *
Em pouco tempo a conspil'ac:ão estava for- O novo governo prov1sorio teve de orga-
mada. A 20 de novembro, devet·-se-ia reunil' nizar o país em novas bases. Não houve re-
a nova câmara. Em 11, porém, na casa de sistências e em breYe a administração prosse-
Deodoro da Fonseca, ma1·echal considerado guiu sem solução de continuidade.
então o líder máximo da classe, já se haviam O modêlo a seguir para a organização do
entendido os chefes militares e os lideres civis pais fo i o americano - presidencial e federa-
da propaganda republicana. tivo - mas tais coisas eram novidades para
A 15 de novembro, num pronunciamento o Brasil habituado ao figurino parlamentar .
militar que não provocou a menor reação - Foi preciso uma grande campanha doutriná-
e já vimos porque- a República era pacifica- ria para insuflar no país o espírito das novas
mente implantada no Brasil. instituições. A alma da nova consti·ução jurí-
Ainda aí demos mostra de nosso espirito dica do país, refundidor do projeto constit u-
de ordem e de moderação. Não houve exces- cional que saiu aprovado em 1891, foi Rui
sos nem violências. Bar bosa,
130 AMÉRJCO J ACOBINA LACOMBE UM PASSEIO PELA HISTÓRI A DO BRASI L 131

Iniciamos então uma era de grande pro- Mais do que o carinho e os louvores de
gresso material e de intensa atividade econô- inglêses temos recebido de muitos dêles algo
mica. de mais precioso: a colaboração e a dedicação
Que não perdemos os característicos de - de muitos a própria existência dedicada ao
calma e de horror anarquia, prova-o o ambi- Brasil.
ente de cordialidade com que enfrentamos as Antes de terminarmos êste passeio faça-
duas crises recentes que provocaram a explo- mos uma pequena homenagem aos nosos cola-
são liberal de 1930 e a Teação centralizadora boradores em tortos os terr enos.
e nacionalista de 1937. Entre os militares : Cochrane - Norton
Até o presente momento não desmentiiiiõs - Taylor - Mariath - Grenfell - Parker
as tradições de po,·o amigo do direito e da or- - Craig - Shepherd - Inglis - Brov.r1úng
dem que nos foram legadas. E, principal- - Lollet - Chapeter - mortos em combate
mente, não falhamos, até hoje, na chamada sob a bandeira brasileira.
quando apelaram para o nosso concurso. Os historiadores e viajantes : Southey -
Koster - Ouseley - Chamberlain - Armi-
- Em tôdas as gr andes causas mundiais não
tage - Mawe - Luccock - Caldcleugh -
estivemos ausentes.
Wallace - Hinchcliff- Sidney- Spruce -
Em tôdas as desgraças que se possam
Chandless - Burton - Bates - Gibbon -
apresentar teremos sempre o grande consôlo
Gardner - Maria Graham e Walsh.
de não têrmos que desejar senão ser sempre
- Os médicos e naturalistas - Mans-
como temos sido até o presente.
field - Dunlop - Abbot - Gumbleton Daunt
" Os brasileiros como a maior parte dos - Patterson - Thomas Cochrane.
povos jovens, são ten1vel e feminilmente se- A êstes devemos o constante contacto que
quiosos de carinhosas demonstrações de ad- temos tiao em tôda a nossa evolução com a
miração", diz Burton. Mas acima de qual- alma e a cultura inglêsa.
quer elogio de palavras estão os fatos - os A ela devemos, julgamos ter provado em
homens que a nós se incorporaram e passaram nossas palestras anteriores, alguns dos mais
ao Brasil onde colaboraram na construção de belos aspectos da nossa civilização cultur al e
nosso edifício social e político, politi c~,
"
132 AMÉRICO JACOBINA LACOMBE

Foi sob a bandeira inglêsa, disse eu na


minha primeira palestra, que o Brasil viu che-
gar ao seu solo - num momento em que tudo
prenunciava horríveis convulsões - o sím-
bolo de sua unidade e de seu progresso na
pessoa de um rei.
- foi sob o prestígio da mesma bandeira íNDICE
que conseguimos - disse-o na minha segunda
palestra - entrar, pela mão de Canning, no
concêrto das nações. I - A COLONIZAÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
- foi voltado para a Inglaterra que o li - A ERA DA INDEPENDÊNCIA . . . . . . 39
Brasil - pelos seus maiores estadistas - con-
lll - O IMPÉRIO BRASILEIRO . . . . . . . . . . . 71
seguiu um ambiente de paz e de ordem que
lhe assegurou um período {mico de prosperi- IV - O BRASIL REPUBLICANO . . . . . . . . . . 105
dade e de dignidade.
- que seja voltados para os ideais eter-
nos dessa grande nação - mirando a mesma
bandeira - que possamos vencer êste novo
temporal, tal qual o anunciou há quarenta e
sete anos Rui Barbosa - fitando o ponto de
onde há de alvorecer o dia futuro.
A~sim Deus nos ajude.
*
ltsle lit•ro fo• ct>mPosto e impresso """ oi•·
ri1uu da Em/>Tt'.fa Gr6/ica dG "RI'trista dos
TribJtnais" Ltdn., cl Rua Conde de Sar,edGs,
38, Sao Por<lo, para a "ORGANIZAÇ.-!0
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