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HISTÓRIA DA ÁFRICA

E DOS AFRICANOS:
DA DIVISÃO COLONIAL
AOS DIAS ATUAIS

Autoria: Edilson Pereira Brito


Edison Lucas Fabricio

UNIASSELVI-PÓS
Programa de Pós-Graduação EAD
CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI
Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito
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Reitor: Prof. Ozinil Martins de Souza

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Coordenador da Pós-Graduação EAD: Prof. Norberto Siegel

Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD:


Profa. Hiandra B. Götzinger Montibeller
Profa. Izilene Conceição Amaro Ewald
Profa. Jociane Stolf

Revisão de Conteúdo: Profa. Bruna Scheifer


Revisão Gramatical: Profa. Camila Thaisa Alves Bona
Diagramação e Capa:
Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Copyright © Editora UNIASSELVI 2012


Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri
UNIASSELVI – Indaial

960
B862h Brito, Edilson Pereira
História da África e dos africanos: da divisão colonial aos
dias atuais / Edilson Pereira Brito; Edison Lucas Fabricio.
Indaial : Uniasselvi, 2012.
146 p. : il

Inclui bibliografia.
ISBN 978-85-7830-612-0

1. África – História Geral.


I. Centro Universitário Leonardo da Vinci.
Edilson Pereira Brito

Licenciado em História pela Universidade


Estadual de Maringá (2006); Mestre em História
Cultural pela Universidade Federal de Santa Catarina
(2011). Foi professor de educação básica na rede
pública de ensino do Estado do Paraná por quatro
anos e desde 2012 é aluno do curso de doutorado
em História da Universidade Estadual de Campinas.
Realiza pesquisas nas áreas de ensino de História,
História Social e história dos africanos e seus
descendentes no Brasil Meridional.

Edison Lucas Fabricio

Graduado em História pela Universidade


Regional de Blumenau (2008); Mestre em História
pela Universidade Federal de Santa Catarina (2011).
Professor nos cursos de História da UNIASSELVI,
FURB e UNIDAVI.
Sumário

APRESENTAÇÃO...........................................................................01

CAPÍTULO 1
Negociação e Conflito: Portugueses em África.....................09

CAPÍTULO 2
Uma Viagem Sombria: Escravização e Tráfico,
Séculos XVII ao XIX......................................................................35

CAPÍTULO 3
Neocolonialismo na África em Fins do Século XIX
e Início do XX.................................................................................67

CAPÍTULO 4
“A África é Nossa”: Os Movimentos de Independência
na África........................................................................................99

CAPÍTULO 5
Epílogo: Apartheid e Racismo no Sul da África.....................130
APRESENTAÇÃO
Caro(a) pós-graduando(a):

Neste caderno de estudos iremos continuar os nossos estudos sobre a


História da África e dos Africanos, mas desta vez estudaremos o que ocorreu do
período colonial até os dias atuais. Dessa forma, esse caderno de estudos foi
divido em cinco capítulos:

No primeiro capítulo estudaremos os principais motivos que levaram o


reino de Portugal a ocupar a vanguardas na expansão ultramarina. Além disso,
identificaremos como aconteceu o processo de ocupação dos portugueses na
África Central, entre os séculos XV e XVII, e os principais mecanismos utilizados
pelos portugueses para assimilar e controlar a população africana e os recursos
utilizados por tais africanos para negociar com os europeus.

No capítulo seguinte, abordaremos a escravidão e tráfico de negros, pois


iremos compreender o modo como o tráfico de escravos evoluiu ao longo dos
séculos. Apresentaremos as regiões de embarque, as formas de captura de
homens e mulheres transformados em escravos e as interpretações divergentes
ao longo da historiografia acerca do número de escravizados embarcados.

No terceiro capítulo analisaremos o neocolonialismo na África no final do


século XIX e início do século XX, dessa forma falaremos sobre como aconteceu
o fim do tráfico de africanos e quais foram os impactos disso para a África e as
demais potências europeias.

No penúltimo capítulo, o foco de estudo será os movimentos de


independência da África, assim como compreender o papel da Primeira Guerra
Mundial para o continente africano, assim como a formação do nacionalismo
africano, e apresentaremos os desafios contemporâneos da África independente.

E por fim, o último capítulo será uma grande conclusão do que estudamos
nessa disciplina, visto que abordará o Apartheid e racismo no sul da África,
e com isso temos como objetivo, levar você pós graduando, a entender a
importância e os motivos da revalorização da África e da cultura negra na
sociedade brasileira atual.

Bons estudos!

Os autores.
C APÍTULO 1
Negociação e Conflito:
Portugueses em África

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

� Analisar os principais motivos que levaram o reino de Portugal a ocupar a


vanguardas na expansão ultramarina.

� Identificar como aconteceu o processo de ocupação dos portugueses na África


Central, entre os séculos XV e XVII.

� Analisar os principais mecanismos utilizados pelos portugueses para assimilar


e controlar a população africana e os recursos utilizados por tais africanos para
negociar com os europeus.
HISTÓRIA DA ÁFRICA E DOS AFRICANOS: DA DIVISÃO COLONIAL AOS DIAS ATUAIS

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Capítulo 1 Negociação e Conflito: Portugueses em África

Contextualização
Os ibéricos (portugueses e espanhóis) foram os primeiros a lançarem-se ao
mar rumo ao desconhecido. Tal estratégia acabou levando com que tais povos
conseguissem o que nenhuma outra nação alcançou nos mesmos níveis, um
vasto e amplo território.

Se compararmos, ainda, os países ibéricos, Portugal conquistou um território


maior e mais diversificado do que os seus vizinhos espanhóis. Em meados do
século XVII, o pequeno reino português ocupava diversas regiões em todos
os continentes do planeta (lembrando que a Oceania ainda não havia sido
descoberta), desde o novo mundo americano, passando pela Ásia e terminando
na África. Não obstante, foram eles que fizeram a cristandade europeia ocidental
tomar conhecimento de que havia povos e civilizações em terras desconhecida e
inimagináveis.

Cabe lembrar que, durante a Baixa Idade Média, boa parte do território
português era composta – como ainda é atualmente – por terrenos rochosos, a
terra era imprópria para o cultivo, a produtividade no reino era baixa. Os rios
navegáveis eram poucos e insuficientes, as aldeias eram longe umas das outras
e sua população totalizava, no máximo, um milhão de habitantes. A epidemia
conhecida como “Peste Negra” provocou milhares de mortes, assim como a
guerra com Castela (1381-1411). Em 1450, ano de início do chamado século dos
descobrimentos (1450-1550), as únicas cidades com alguma importância eram
Porto, Braga, Guimarães, Coimbra e Lisboa. A economia fundamentava-se nas
trocas e na exploração dos camponeses, maioria esmagadora da população.
Diante desse quadro desolador, uma pergunta instigante, porém de difícil
resposta, é a seguinte: como Portugal obteve sucesso nas aventuras marítimas?

Sem dúvida três mecanismos foram responsáveis pelo sucesso dos


portugueses em sua jornada por mares nunca dantes navegados, como escreveu
o poeta Luís de Camões, autor do romance “Os Lusíadas”. Mesmo sendo
amalgamados, é possível discernirmos, para fins didáticos, aquilo que levou ao
sucesso das aventuras marítimas. Em primeiro lugar, a monarquia, em seguida,
a religião, e por último, mas definitivamente não menos importante, o aparato
tecnológico naval e militar.

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HISTÓRIA DA ÁFRICA E DOS AFRICANOS: DA DIVISÃO COLONIAL AOS DIAS ATUAIS

Monarquia
Ao contrário das outras monarquias européias, o Estado moderno português
definiu-se bem mais rápido. Em 1249, seu território localizado mais ao sul , o Algarve,
fora tomado de volta dos muçulmanos que haviam ocupado a península desde o
século anterior, a partir daí as fronteiras portuguesas estavam praticamente definidas.
O reino permaneceu unido durante todo o século XV, livre das guerras que assolavam
seus vizinhos. A título de comparação, apenas em 1492 os soberanos Fernando e
Isabel conseguiram expulsar os muçulmanos de Granada (BOXER, 2002).

Mesmo não fazendo parte de um processo social planejado,


Mesmo não contínuo e uniforme, Portugal contou com governantes interessados
fazendo parte na prática de navegação e na exploração de novos destinos. O mais
de um processo famoso, e considerado por boa parte da historiografia portuguesa como
social planejado, uma importante figura das grandes navegações, foi o Infante Henrique
contínuo e uniforme, de Sagres, conhecido também como Henrique, o navegador. Membro da
Portugal contou
dinastia de Avis, nascido em 1396, o Infante estimulou seu pai a reconquistar
com governantes
Ceuta em 1415 e alguns anos depois passou a ser o administrador da
interessados
na prática de cidade. Em 1427, juntamente com seus navegadores, descobriram a Ilha
navegação e na dos Açores, que depois veio a ser ocupada por portugueses. O infante
exploração de novos também conseguiu licença de Roma para “converter os pagãos africanos”
destinos. em 1485, por meio da bula Romanus Pontifex. Essa bula endossou a
prática de escravização de homens e mulheres da Guiné, que depois eram
levados para Lisboa como escravos. Segundo um importante estudioso do Império
ultramarino português, o historiador inglês Charles Boxer:

Até sua morte, em 1460, o infante dom Henrique foi o


concessionário de todo o comércio ao longo da costa
ocidental africana, porém isso não significa que ele próprio se
encarregasse de todos os negócios. Ao contrário, ele podia (e
muitas vezes assim procedeu) autorizar comerciantes privados
e aventureiros a fazer viagens, contanto que lhe pagassem um
quinto de lucros, ou outra porcentagem combinada (BOXER,
2002, p. 45).

Portanto, todo o comércio marítimo esteve dominado pelo Infante e


consequentemente atrelado aos interesses da monarquia. Após a morte de D.
Henrique, a Coroa resolveu “terceirizar” os negócios ultramarinos, a partir daí um rico
mercador de Lisboa, chamado Fernão Gomes, passou a cuidar destes assuntos.

Sobre esse tema, vale a pena consultar o belíssimo livro de


Valentim Alexandre: “Velho Brasil, Novas Áfricas”. Portugal: Editora
Afrontamento, 2004.

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Capítulo 1 Negociação e Conflito: Portugueses em África

Em 1475, a monarquia retomou novamente o controle. O infante e herdeiro


do trono, D. João, começou a exercer as atividades dos negócios marítimos. Com
a morte de seu pai, ele herdou o trono, adotando o nome de D. João II. Obcecado
por aumentar o comércio, principalmente com a África, durante seu governo
houve avanços importantes na política ultramarina. Com o objetivo de garantir o
monopólio português, ele criou um posto em terras africanas: o castelo de São
Jorge da Mina.

Durante seu reinado, o navegador português Dio Cão chegou ao Congo em


1484, estabelecendo contato com a população daquela localidade, o Cabo da Boa
Esperança foi finalmente contornado em 1488. Outro avanço foi a colonização
da Ilha de São Tomé e Príncipe, que tornou-se uma espécie de laboratório da
colonização portuguesa (ALENCASTRO, 2002, p. 75-78). Também no governo de
D. João II uma disputa com a coroa espanhola foi resolvida, com a promulgação
do Tratado de Tordesilhas, dividindo o novo mundo entre Espanha e Portugal.

Esses dois primeiros governos realizaram o processo de Vários países


“conquista” dos territórios ultramarinos lusitanos. A partir deles, ou seja, ameaçavam
a partir do final do século XV, os sucessores tiveram que administrar os domínios
e, sobretudo, negociar os territórios sob jurisdição de Portugal. Vários ultramarinos dos
lusitanos, tais
países ameaçavam os domínios ultramarinos dos lusitanos, tais como
como França,
França, Holanda, Inglaterra e a sempre perigosa vizinha Espanha. Holanda, Inglaterra
Essa última unificou o reino de Portugal por mais de meio século, e a sempre perigosa
período denominado União Ibérica (1580-1640). Para visualizarmos vizinha Espanha.
melhor os reis desse primeiro momento da conquista ultramarina, todos
da Dinastia de Avis, devemos observar a lista abaixo:

Dinastia de Avis
Dom João I (1385-1433)
Dom Duarte (1433-1438)
Dom Afonso V (1438-1481)
D. João II (1481-1495)
Dom Manuel I (1495-1521)
D. João III (1521-1557)
Dom Sebastião (1557-1578)
Dom Henrique (1578-1580)

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HISTÓRIA DA ÁFRICA E DOS AFRICANOS: DA DIVISÃO COLONIAL AOS DIAS ATUAIS

Percebemos que, depois de 1557, os dois governos foram curtos. Depois


do desaparecimento do rei D. Sebastião na Batalha de Alcácer – Quibir contra os
muçulmanos, desencadeou-se uma crise dinástica no reino. O sucessor natural de
D. Sebastião, dada a falta de filhos do monarca, era seu tio, o cardeal Henrique,
que assumiu o reino quando contava com 70 anos de idade. Com a morte de D.
Henrique, em 1580, o rei Felipe II da Espanha teceu acordos com a nobreza de
Portugal e sem maiores confrontos foi coroado rei. Com isso chegava ao fim o
reinado dos membros da Dinastia de Avis em Portugal.

Para saber mais sobre a construção da memória envolvendo o


desaparecimento de D. Sebastião, recomendo o livro de Jaqueline
Hermann: “No reino do desejado: a construção do sebastianismo em
Portugal, séculos XVI e XVII”. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.

Em 1640, uma nova dinastia venceu sucessivas batalhas contra os


espanhóis e passou a controlar o reino de Portugal, era a dinastia de Bragança.
Seus descendentes dominaram o reino lusitano até o primeiro quartel do século
XIX, como podemos observar na lista abaixo:

Dinastia de Bragança
D. João V (1640-1656)
D. Afonso VI (1656 – 1667)
D. Pedro II (1667- 1706)
D. João V (1706-1750)
D. José (1750-1777)
D. Maria I (1777 – 1792)
D. João VI (1792-1816)

Esses foram os governantes que, em menor ou maior grau, administraram


o território que os portugueses haviam conquistado, com desdobramentos
significativos a partir do século XIX. Veremos agora como se deu o processo de
outro fator que ajudou a expansão portuguesa: a religião católica.

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Capítulo 1 Negociação e Conflito: Portugueses em África

Catolicismo e Expansão Ultramarina


Na conversão de povos que os portugueses tiveram, homens, Na conversão
de povos que
mulheres e crianças foram tuteladas por missionários enviados por
os portugueses
Lisboa e Roma para encontrarem a “verdadeira fé”. Isso fazia com tiveram, homens,
que a expansão ultramarina tivesse um lado religioso. Vários textos mulheres e crianças
religiosos tornaram-se conhecidos pela população das colônias, por foram tuteladas
meio de mensagens e traduções, tendo em vista que vários dos padres por missionários
missionários aprenderam a língua de africanos e indígenas. enviados por
Lisboa e Roma
para encontrarem a
No reino de Portugal, uma ordem em especial agiu diretamente no “verdadeira fé”.
trabalho espiritual das colônias, era a Companhia de Jesus, com seus
padres chamados de jesuítas. Fundada por Inácio de Loyola em 1515,
essa ordem obteve o reconhecimento e aprovação de Roma em 1540, quando
seu estatuto foi aprovado pelo Papa Paulo III. Seu lema era “defender e proteger
a fé”, tal lema estava associado principalmente ao contexto de sua criação, que
era o da Contrarreforma católica, levada a cabo por Roma após a ruptura dentro
da Igreja Católica provocada pelo monge alemão Martinho Lutero.

Se você quiser saber mais sobre a atuação dos padres


jesuítas, recomendo o livro de Jean Lacouture: “Os jesuítas: os
conquistadores”. São Paulo: L&PM, 1994.

Desde o início, o trabalho missionário dos jesuítas destacou-se, e com ele o


crescimento da Companhia em Portugal. Nesse reino ergueu-se a primeira sede
dos Inacianos e Lisboa tornou-se sua Escola para os assuntos de evangelização.
As missões saíram para os quatro cantos do planeta, levando a dita fé aos
indígenas, chamados de gentios, de acordo com os contemporâneos do período
e justificando por vezes o “comércio do resgate de escravos”, que trocando
em miúdos era a justificativa para o tráfico de africanos escravizados. Para os
missionários, o povo indígena, e em parte o africano, era um “povo sem fé, sem
lei e sem rei”, como descreveu o cronista Perô de Magalhães Gândavo, em seu
Tratado de 1576.

Dentre os jesuítas que mais se destacaram na atividade missionária,


podemos citar os padres Manoel da Nóbrega, Francisco Xavier, José de Anchieta
e o Padre Antônio Vieira. Vieira atuou em missões evangelizadoras no Brasil e
escreveu vários textos sobre a religiosidade e expansão. Para Vieira, Portugal
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HISTÓRIA DA ÁFRICA E DOS AFRICANOS: DA DIVISÃO COLONIAL AOS DIAS ATUAIS

representava o Quinto Império e seus escritos buscavam inserir o reino português


como representante da cristandade na Europa. De acordo com Menezes:

Ao profetizar o estabelecimento do Quinto Império por D. João


IV, Antonio Vieira coroou uma longa tradição que atribuía a
Portugal, desde suas origens, o cumprimento de desígnios
divinos. Contudo, as vésperas do iluminismo, muito mais do que
sonhar com a expansão, importava mesmo aos portugueses
manter o que restava de seu combalido império ultramarino
(MENEZES, 2011, p. 179).
Para os jesuítas
a atuação Nesse sentido, percebemos que para os jesuítas a atuação
missionária estava missionária estava umbilicalmente ligada à conquista e subjugação dos
umbilicalmente povos sob o domínio português.
ligada à conquista
e subjugação dos
Outra ordem que ajudou na colonização dos povos subjugados
povos sob o domínio
português. foram os capuchinhos. No entanto, a hierarquia desses religiosos
estava concentrada em Roma e seus interesses estavam bem mais
ligados aos espanhóis, franceses e membros dos reinos italianos. Isso fez com
que os capuchinhos fossem rivais dos jesuítas em vários empreendimentos,
principalmente após o fim da União Ibérica, em 1640, quando os portugueses
tiveram dificuldades para obter o reconhecimento de sua independência frente à
Espanha pelo Papado.

Para uma análise da presença da Igreja nos negócios


ultramarinos, veja o filme “1492: a Conquista da América”. Ano: 1992.
País: Estados Unidos. Diretor: Ridley Scott. Duração: 150 minutos.

Navegação e Força Militar


Portugal conseguiu dominar vários povos principalmente pelas armas e pela
tecnologia que desenvolveu. Os barcos portugueses eram os mais poderosos,
capazes de cruzar o atlântico sem maiores dificuldades, guardar diversos
mantimentos e travar combate no litoral das regiões a serem ocupadas.

Os navios utilizados pelos portugueses eram as caravelas e as naus. As


caravelas eram navios pequenos e de fácil navegação. O navegador Pedro
Álvares Cabral, ao chegar ao território que viria a ser a América portuguesa,
estava pilotando uma delas. Bartolomeu Dias, primeiro navegador que contornou

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Capítulo 1 Negociação e Conflito: Portugueses em África

o Cabo da Boa Esperança, também estava pilotando uma caravela. Os navios utilizados
Uma das limitações desse tipo de embarcação era que, pela sua pelos portugueses
leveza, ela não podia abrigar muitos tripulantes, coisa que para eram as caravelas e
as naus.
uma viagem longa atrapalhava. Por isso, desenvolveu-se um outro
navio bem mais poderoso, com uma capacidade maior de navegação, grande
poder de aparelhamento militar e com mais espaço para transportar tripulantes
e especiarias. Durante todo o século XVI, a embarcação que chegou ao litoral
africano e na Índia, responsável por patrulhar os mares americanos, era a nau,
utilizada até o século XVIII nas viagens lusitanas pelo mar. Conforme assevera
Boxer, “as embarcações que durante trezentos anos participaram da Carreira da
Índia eram basicamente, e sobretudo, as naus, mas essa palavra abrangia ampla
variedade de significados”. Vejamos um exemplo dos dois barcos, primeiro uma
Caravela, e depois uma Nau.

Figura 01 - Caravela portuguesa

Fonte: Disponível em: <http://www.dightonrock.com/


osnordicosnuncativeramnadaaverco.htm>. Acesso em: 10 set. 2012.

Figura 02 - Nau portuguesa

Fonte: Disponível em: <http://www.prof2000.pt/users/hjco/


descoweb/pg000400.htm>. Acesso em: 10 set. 2012.

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HISTÓRIA DA ÁFRICA E DOS AFRICANOS: DA DIVISÃO COLONIAL AOS DIAS ATUAIS

Outro grande aliado do reino português em sua conquista pelo ultramar


era seu poder militar. Desde o fim da Restauração, o governo lusitano contava
com forças regulares em seu quadro, ou seja, oficiais pagos, vivendo do
trabalho militar. Foram estes homens que entraram em confronto com indígenas,
africanos e muçulmanos. Aliada a essa força composta por soldados pagos,
havia outra não paga, formada por membros não remunerados da sociedade
civil, chamada de milícias. Também se contava com uma cavalaria bem-
formada, como veremos mais adiante. A estratégia de importar cavalos via
oceano Atlântico tornou-se um mecanismo importante para vencer aqueles
que resistiam aos avanços portugueses. Geralmente, homens que cometiam
crimes em Portugal e escapavam da morte eram banidos do reino, estes eram
denominados degredados. Seu banimento era primordialmente para as colônias,
na África, Ásia e América. Ao chegarem nessas localidades, os degredados
eram automaticamente incorporados ao Exército, essa era uma forma rápida,
fácil e barata de a Coroa recrutar soldados. Nas colônias, além de todas essas
forças, os portugueses também cooptavam lideranças locais para formar forças
com pessoas que conheciam bem a região. As forças locais recrutadas eram
chamadas de terços, organizados da seguinte forma:

O terço deveria ser formado por 2.500 soldados, repartidos


em dez companhias, compostas, cada uma, de 250 homens,
todos subordinados ao capitão-mor (ou mestre-de-campo).
Estas companhias, sob o comando de um capitão, por sua vez,
deviam se dividir em dez esquadras de 25 homens. O capitão
de companhia tinha a seu serviço um alferes, um sargento, um
meirinho, um escrivão, dez cabos de esquadra e um tambor. O
capitão-mor possuía ele mesmo uma das companhias, que era
servida também por um sargento-mor, seu substituto natural,
e por quatro ajudantes. No caso das ordenanças, os senhores
ou os donos das terras de um termo deveriam, a princípio,
ser automaticamente providos no comando das tropas como
capitães (PUNTONI, 1999, p. 190).

Esses terços atuavam com uma estratégia bem diferente nas


Na África, Índia colônias, readaptando-se à realidade local. Se na Europa os prisioneiros
ou em Estados recebiam lugar para descanso e recuperação, com uma guerra pautada
africanos no movimento das tropas e ataques pelos flancos, na colônia era
organizados no
diferente, a guerra era marcada por confrontos violentos e a aniquilação
novo Mundo,
como o Quilombo total do inimigo. Muitos indígenas foram combatidos com a justificativa da
de Palmares, Guerra Justa (MONTEIRO, 1994). A utilização de armas de fogo difundiu-
por exemplo, as se e na África os principais confrontos tiveram uso deste equipamento.
técnicas foram
estas: confrontos Na África, Índia ou em Estados africanos organizados no novo
violentos, uso da
Mundo, como o Quilombo de Palmares, por exemplo, as técnicas foram
população local e
utilização de armas estas: confrontos violentos, uso da população local e utilização de armas
de fogo e fortalezas. de fogo e fortalezas. Sem dúvida a estratégia militar dos portugueses
favoreceu a conquista em suas colônias.
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Capítulo 1 Negociação e Conflito: Portugueses em África

Conversando com a Historiografia


Brasileira
Autores brasileiros, principalmente os clássicos, questionaram o sucesso dos
portugueses e sua herança na formação do povo brasileiro e o ser brasileiro. No
contexto da década de 1930, aqueles que vieram a passar pela posteridade como
sendo a tríade de interpretação do Brasil deixaram suas impressões sobre os
sucessos dos lusitanos. Vamos ver agora rapidamente a opinião desses autores
sobre as motivações do sucesso dos portugueses.
Gilberto Freyre e
Gilberto Freyre e seu famoso livro “Casa Grande & Senzala”, seu famoso livro
publicado em 1933, buscou compreender a origem do povo brasileiro, “Casa Grande &
identificando o etrê nacional como mestiço. Seu trabalho esmiúça o Senzala”, publicado
contato entre europeus, indígenas e negros. Dotado de uma grande em 1933, buscou
compreender
capacidade narrativa, Freyre conduz o leitor ao universo privado dos
a origem do
domínios senhoriais. Nesse universo predominavam relações lascivas povo brasileiro,
e sexuais, envolvendo portugueses, indígenas e africanos. Tais identificando o
contatos teriam forjado o povo brasileiro. Para maiores detalhes sobre etrê nacional como
o texto e sua argumentação, sugiro a leitura do livro, disponível em mestiço.
livrarias e várias bibliotecas públicas.

No que tange ao nosso objetivo, o autor busca, antes de adentrar o


universo senhorial, traçar um perfil dos conquistadores portugueses. Esses, ao
lançarem-se ao mar, possuíam um determinismo para a miscigenação, devido ao
domínio muçulmano na península ibérica. Para demonstrar a potencialidade de
mestiçagem que os portugueses, em sua gênese, possuíam, ele trabalha com a
lenda da mora encantada:

O longo contato com os sarracenos deixara idealizada entre


os portugueses a figura da “moura encantada”, tipo delicioso
de mulher morena e de olhos pretos, envolta em misticismo
sexual – sempre de encarnado, sempre penteando os
cabelos ou banhando-se nos rios ou nas águas das fontes
mal-assombradas – que os colonizadores vieram encontrar
parecido, quase igual, entre as índias nuas e de cabelos soltos
do Brasil. Que estas tinham também os olhos e os cabelos
pretos, o corpo pardo pintado de vermelho, e, tanto quanto
as nereidas mouriscas, eram doidas por um banho de rio
onde se refrescasse sua ardente nudez e por um pente
para pentear o cabelo. Além do que, eram gordas como as
mouras. Apenas menos ariscas: por qualquer bugiganga ou
caco de espelho estavam se entregando, de pernas abertas,
aos “caraíbas” gulosos de mulher (FREYRE, 2006, pp. 12-16).

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HISTÓRIA DA ÁFRICA E DOS AFRICANOS: DA DIVISÃO COLONIAL AOS DIAS ATUAIS

Percebemos nessa descrição as características principais do autor, quanto


ao seu modelo e sua argumentação. Segundo ele, o sucesso do reino em suas
aventuras estava associado à capacidade de miscigenação e adaptação. Evidente
que o autor adotou o critério antropológico e sexual para descrever as motivações.
E outros autores, como fizeram? Veremos agora.

Sérgio Buarque de Hollanda, em seu livro “Raízes do Brasil”, publicado


originalmente em 1936, também se debruçou sobre a colonização portuguesa.
Pensando na realidade do Brasil, o autor questionou-se sobre os motivos que
fizeram com que Portugal tivesse sucesso e não outros reinos mais organizados,
como Holanda e Espanha. Segundo ele, os portugueses, ao contrário dos ingleses
que colonizaram as treze colônias, os castelhanos das América espanhola
não demonstravam um orgulho de raça exacerbado, tampouco uma vontade
expressiva de impor ao outro sua cultura. Essa falta de orgulho fez com que a
colonização portuguesa alcançasse êxito. Entre trazer as parafernálias industriais
europeias para adaptar no novo mundo, ou praticar uma agricultura seminômade,
em conformidade com as adotadas pelos indígenas, eles, sem dúvida, preferiram
a segunda. Entre dormir em camas, como praticado na Europa ocidental, ou dormir
em redes como os habitantes do novo mundo naquele período, eles também
escolheram deliberadamente a segunda alternativa. O espírito aventureiro, e não
altaneiro dos lusitanos, fizeram toda a diferença, para o sucesso de conquista do
novo mundo. Como Sérgio Buarque definiu brilhantemente:

A colonização portuguesa na América aconteceu de modo


desleixado. Fizeram-no com uma facilidade que ainda não
encontrou, talvez, segundo exemplo na história. Onde lhes
faltasse o pão de trigo, aprendiam a comer o da terra, e com tal
requinte, que afirmava Gabriel Soares – a gente de tratamento
só consumia farinha e mandioca fresca feita no dia. Habituaram-
se também a dormir em redes a maneira dos índios. Aos índios
tomaram ainda os instrumentos de caça e pesca, embarcações
de casca ou tronco escavado que singravam os rios e águas do
litoral, modo de cultivar a terra ateando primeiramente fogo ao
mato (BUARQUE DE HOLLANDA, 1997, p. 46).

Dessa forma, mesmo trilhando caminhos opostos ao de Freyre para


compreender a formação brasileira, observam-se semelhanças quanto aos
resultados obtidos pelos dois autores. Ambos atribuem à capacidade de adaptação
e miscigenação dos portugueses o sucesso em seus projetos de colonização.

Para completar a análise de importantes intérpretes brasileiros que


analisaram a colonização portuguesa, finalizamos com o livro “Formação do
Brasil contemporâneo”, escrito por Caio Prado Jr no ano de 1942. Para o autor,
a aventura marítima lusitana aconteceu principalmente por motivações sociais
e econômicas. Afinal, seria difícil para um reino paupérrimo, carente de solo
adequado para o cultivo de alimentos, obter recursos sustentáveis internos. Isso

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Capítulo 1 Negociação e Conflito: Portugueses em África

levou os portugueses, acostumados com o trabalho marítimo, a buscar


Depois de
recursos externos. A pilhagem e a exploração para fins econômicos dos apresentar como
portugueses, que criaram aqui uma colônia montada com o objetivo de Portugal alcançou
explorar ao máximo o recurso de suas colônias, caracterizava-se como seu sucesso e como
uma colonização de exploração, diferente do tipo de colonização que a historiografia
a Inglaterra empregou em suas colônias no Novo Mundo. Essa seria clássica sobre o
Brasil interpretou
empreendida como colônias de povoamento. Logo, para Caio Prado
a passagem dos
Jr, o “sentido da colonização” portuguesa estaria nos seus mais de três portugueses
séculos de exploração da população da colônia (PRADO JR, 1994). por aqui, vamos
observar como
Depois de apresentar como Portugal alcançou seu sucesso e todos esses
como a historiografia clássica sobre o Brasil interpretou a passagem mecanismos de
expansão foram
dos portugueses por aqui, vamos observar como todos esses
aplicados na África
mecanismos de expansão foram aplicados na África Central. Central.

O Reino do Congo e os Portugueses


Quando Diogo Cão desembarcou novamente – era a segunda vez que ele
aportava – na nascente do rio Zaire, seu objetivo era iniciar contatos amistosos
com a população daquele reino até então desconhecido. Desde os primeiros
contatos, vários fatores determinaram seu sucesso e a religião acabou sendo
o primeiro e mais importante deles. Como vimos anteriormente, o catolicismo
representava uma importante arma para o domínio português no ultramar, e na
África Central não era diferente. Claro que essa relação era mais dialógica do
que pensamos, pois havia também no reino do Congo uma religiosidade própria
da cultura daquele povo. Para o africanólogo Alberto da Costa e Silva, uma das
hipóteses que fez com que os súditos do rei do congo aceitassem os portugueses
caminhava exatamente ao encontro desses pressupostos existentes:

Dizem também que os homens que baixaram das embarcações


tinham a pele desbotada, falavam uma língua que não se
entendia e foram tidos como espíritos. Talvez tenha sido
assim. E talvez os congos da foz do rio Zaire também tenham
tomado os recém-vindos por seus antigos mortos ou por entes
sobrenaturais das águas ou da terra. Haviam surgido do oceano
– o oceano que bem podia ser o calunga, ou as grandes águas
que ninguém jamais atravessara em vida e que separavam o
mundo dos vivos do mundo dos mortos (SILVA, 2002, p. 359).

Assim, talvez para os congoleses a chegada daqueles homens brancos


vindos do mar significasse algo metafísico. Daí a certa facilidade de aceitação
que Diogo Cão conseguiu no reino do manicongo. Quando de sua volta, o
navegador trouxe consigo dois africanos e deixou dois portugueses, como mostra
de confiança mútua. Após dois anos, quando retornou, ele trouxe de volta os

21
HISTÓRIA DA ÁFRICA E DOS AFRICANOS: DA DIVISÃO COLONIAL AOS DIAS ATUAIS

dois africanos, agora vestidos à moda europeia e falando o idioma português.


Neste momento, os contatos entre os dois reinos estreitaram-se ainda mais. O
manicongo ouviu atentamente os relatos dos dois homens e ficou encantado com
a riqueza e o poder do soberano português. Animado por tais relatos, o rei do
Congo enviou uma embaixada ao rei português D. João II. A embaixada levou
muitos presentes ao soberano lusitano, como dentes de elefante, objetos de
marfim e panos de ráfia. Entre os pedidos do manicongo estava a instrução de
dois rapazes enviados para estudar, e o envio de padres católicos para instruí-los
na religião. O rei português acolheu todos os pedidos, era a oportunidade que
o monarca queria para começar um estreito diálogo com o manicongo (SILVA,
2002, p.401).

Quando os portugueses atracaram no reino do Congo ele era composto pela


capital Banza Congo e algumas províncias: Soyo, Sundi, Pemba, Bata, Pambo.
Cada província possuía um governador que possuía o título de Ngola ou Mani.
Todos os governadores pagavam tributo ao rei e também lhe deviam obediência,
o rei era chamado de manicongo e morava na capital. Havia rivalidades entre
os chefes locais e o manicongo, todos os representantes das elites tencionavam
conseguir em algum momento o poder, e para isso era importante aliar-se ao
poderoso homem branco, vindo do mar.

O primeiro chefe local que se batizou e converteu-se ao


O primeiro chefe cristianismo morava na província do Soyo. Em 1489, antes mesmo do
local que se batizou
manicongo, ele deixou de chamar-se Nzinga a Nkuwa para ser batizado
e converteu-se ao
cristianismo morava com o nome cristão de D. Manuel. A justificava apresentada pelo agora
na província do Soyo. D. Manuel para se batizar antes do manicongo era por ser mais velho
(SOUZA, 2002, cap. 02). No mesmo dia de seu batismo, após uma
grande festa, tudo o que os padres portugueses compreendiam como objetos de
idolatria, como imagens e rituais de sacerdócio, tornou-se cinzas.

Depois de algum tempo, o manicongo demonstrou desejo de ser batizado.


Em 1491, Nzinga Kuwu mandou construir uma igreja de pedra e cal para esse
fim. Oficialmente, o reino do Congo tornou-se o primeiro reino africano e católico,
isso não significa que o catolicismo adotado no reino fosse puro, ele significou,
sobretudo, uma aliança poderosa com um reino superior militarmente, dono de
uma tecnologia desconhecida, além de tornar possível às elites locais ampliar
negociações fora do continente africano. O manicongo talvez tenha percebido
uma oportunidade maior de aceitar a religião dos europeus no momento em que
entrou em guerra com os angicos, habitantes do norte do reino. O soberano e
seus soldados venceram a guerra, levando para o campo de batalha água benta,
enviada pelo Papa Inocêncio VIII, uma bandeira de cruzado, barcos e arqueiros
que o seu irmão de fé, o rei de Portugal, lhe mandara.

22
Capítulo 1 Negociação e Conflito: Portugueses em África

Em 1509, o manicongo morreu e seu herdeiro natural seria seu filho Mpanzu
a Kitima, mas em luta financiada pelos portugueses, D. Afonso, batizado junto com
seu pai, assumiu o trono. Seu irmão derrotado contou com o apoio dos antigos
sacerdotes do reino e de lideranças contrárias à aliança com os portugueses.

D. Afonso buscou tornar o reino do Congo irmão do reino português. Vários


acordos foram estabelecidos. D. Manuel, rei de Portugal, mandou para o reino do
Congo vários profissionais, como professores, pedreiros, técnicos em assuntos
militares, e recebia em Lisboa filhos da elite congolesa para estudar em seu reino.

O interesse em aproveitar as inovações que o reino europeu trazia era


imenso, uma escola elementar foi criada na capital Mbanza Congo, cujo professor
era africano, mas havia estudado em Lisboa. Ademais, o monarca congolês
também ficou conhecido por ser um cristão fervoroso. Católico devoto, aprendeu
rapidamente a ler e a escrever em língua portuguesa. Relatos de contemporâneos
dizem que D. Afonso passava noites em claro lendo biografias de santos. Dono
de uma capacidade de expressão notável, o rei converteu pessoalmente boa
parte da nobreza contrária à adoção do catolicismo. Se pensarmos nos relatos de
contemporâneos e na historiografia sobre o Congo, dificilmente vamos duvidar da
sinceridade de conversão do rei (GONÇALVES, 2011).

A instrução tornou-se uma poderosa arma de distinção no reino do Congo. No


início havia um intérprete português responsável pelo envio de cartas a Portugal,
depois os filhos da aristocracia fizeram o esforço e conseguiram dominar a fala e
a escrita em português, isso tornou-se um ponto de legitimação dessa linhagem.
Felizmente para os historiadores o número de cartas escritas por africanos e pelo
próprio rei Afonso I ao rei de Portugal, e por outros monarcas do reino no século
XVII, é grande. Infelizmente para os interessados e pesquisadores brasileiros,
esse material não existe publicado no país.
Elaborou-se uma
Talvez pela grande quantidade de documentos sobre o reinado de D. legislação entre
Afonso I, variadas são as lendas que pairam sobre sua vida, uma das mais os dois reinos,
os regimentos.
citadas pela historiografia é a de que o monarca enterrou viva sua mãe
Elaborado por
Leonor. Tais lendas, vale a pena dizer, foram escritas cem anos depois de Portugal, essa
seu reinado por missionários capuchinhos (THORNTON, 2004). legislação dava
conselhos e
Outro ponto também importante de seu reinado foi além das normatizava
trocas, elaborou-se uma legislação entre os dois reinos, os regimentos. procedimentos
que os africanos
Elaborado por Portugal, essa legislação dava conselhos e normatizava
deveriam adotar.
procedimentos que os africanos deveriam adotar. O lusitano que levou
às mãos do rei do Congo esse documento, Simão da Silva, tornou-se conselheiro
do manicongo em todo seu governo. A influência portuguesa no reino do Congo
era enorme, tanto que a nobreza congolesa adotou títulos nobiliárquicos europeus:

23
HISTÓRIA DA ÁFRICA E DOS AFRICANOS: DA DIVISÃO COLONIAL AOS DIAS ATUAIS

viscondes, duques, condes e marqueses. O rei enviou seu filho, D. Henrique, para
estudar em Portugal, depois de sua volta ele tornou-se o primeiro bispo nascido
no Congo e assumiu a representação religiosa de Roma junto à população. Após
a morte de D. Afonso I houve uma ferrenha disputa pelo controle do trono, e os
portugueses apoiaram quem não merecia, de acordo com as normas locais,
ocupá-lo. Tentarei resumir brevemente essa disputa.

Os portugueses apoiaram e conseguiram colocar no trono o filho primogênito


de D. Afonso I, chamado D. Pedro I. Seu reinado, porém, seria muito curto, pois
segundo os costumes locais ele não poderia assumir o trono por conta de sua mãe,
que não era a primeira mulher do rei. Quatro anos depois que assumiu o poder,
ele perdeu o trono, as elites locais conseguiram emplacar o neto de D. Afonso I,
chamado D. Henrique, no cargo. A partir do reinado de D. Henrique iniciou-se um
processo dramático de luta pelo poder no reino. Este último foi assassinado por
seu irmão, D. Bernardo I, que o sucedeu entre os anos de 1561 e 1567. Morto
numa batalha, seu filho, D. Henrique I, entrou em seu lugar, este também morto
em confronto cedeu lugar a seu filho, D. Álvaro I, em 1568, que teve um reinado
muito difícil, pois enfrentou represálias armadas do jovem soberano português
D. Sebastião pela morte de alguns europeus no reino, e uma dramática batalha
contra os Jagas, povos guerreiros que habitavam as regiões fronteiriças do reino.
Quem substituiu D. Álvaro I foi seu filho, D. Álvaro II, em 1596. Ele conseguiu
restabelecer uma relação amistosa com Portugal e em seu governo foi criada
a diocese do Congo e Angola. Após sua morte, quem o substituiu foi seu tio,
alegando a pouca idade do filho do antigo soberano, e com a ajuda de pessoas
influentes, D. Bernardo conseguiu o reino em 1614. Após a morte desse soberano,
uma nova disputa estabeleceu-se e vários soberanos tiveram curtos reinados no
Congo. Entre 1614 e 1650, o reino teve nada mais, nada menos, que 10 reis. O
que fica caracterizado nesse período pode ser, grosso modo, definido como o
início da centralização do poder, inaugurada por D. Afonso I. Ademais, o reino,
mesmo com a presença dos portugueses, conseguiu manter sua autonomia.

Tal autonomia esteve ligada principalmente ao catolicismo, trazido pelos


próprios portugueses. Desde o reinado de Afonso I, reis congoleses obtiveram
uma instituição de apelo, por conta de suas relações privilegiadas com Roma. No
começo da catolização do reino do Congo, as elites locais tentaram controlar o
processo missionário. Exemplo disso foi a escolha do filho do rei para ocupar o
bispado da capital Mbanza Congo, que posteriormente teve outro nome e passou
a chamar-se São Salvador. Essa religiosidade, porém, não passou incólume ao
seu contato com os reinos africanos. Para Reginaldo:

Alguns indivíduos eram capacitados e socialmente reconhecidos


como intermediários entre eles, como os nganga. Com o auxílio
de minkisi (plural de nkinsi), “objetos mágicos indispensáveis
à execução dos ritos religiosos”, prestavam serviços privados

24
Capítulo 1 Negociação e Conflito: Portugueses em África

ou, em determinadas situações, sociais comunitários. Nos


primeiros catecismos e dicionários de kikongo, elaborados
nos séculos XVI e XVII, os sacerdotes católicos também eram
denominados ngangas e os objetos de culto cristão minkisi. É
possível que, por um lado, os sacerdotes quisessem assumir
o lugar dos ngangas, de outra perspectiva, também é preciso
reconhecer que a informação primária, que permitia a tradução
para os idiomas europeus, provinha dos próprios congueses
(REGINALDO, 2011, p. 20).

Observamos que, para a autora, a prática religiosa congolesa esteve sempre


ligada à sua ancestralidade. Mesmo convertidos, tais homens, mulheres e crianças
jamais deixaram de esquecer a calunga e a representatividade que os Deuses que
eram louvados antes da chegada dos europeus tinham. Assim, fica difícil pensarmos
em um catolicismo próprio, europeu, o que realmente acontecia era um catolicismo
africano, uma miscelânea religiosa em que portugueses e africanos reinventaram
uma nova religião, baseada largamente no catolicismo europeu.

Os congoleses souberam explorar as rivalidades envolvendo as ordens.


Em 1645, chegaram ao Reino missões capuchinhas, compostas principalmente
por italianos, estes eram naturalmente rivais dos jesuítas e dos portugueses. Ao
contrário dos Inacianos, essa ordem estava subordinada diretamente a Roma,
e sua chegada esteve concentrada principalmente no momento em que Lisboa
estava em atrito com Roma, pois o Papa não havia reconhecido a independência
do reino de Portugal frente a Espanha no período. Por vezes, os opositores dos
capuchinhos, diziam que eram eles inimigos do reino de Portugal e infiltrados
de Castela. Sofrendo uma situação hostil os padres, por outro lado, levaram as
reivindicações do reino do Congo para Roma, fazendo com que os portugueses
não levassem a cabo uma política de domínio como aquela efetuada em Luanda.
Dessa forma, a religiosidade serviu bem ao propósito dos africanos do reino do
Congo, ao menos até a Batalha de Ambuíla, de 1665.

Angola Portuguesa
Para
compreendermos
Para compreendermos a presença portuguesa em Angola, é
a presença
necessário remontarmos até 1575, ano em que Paulo Dias de Novais, portuguesa em
neto de Bartolomeu Dias, estabeleceu-se em Luanda como governador. Angola, é necessário
Num primeiro momento, a tentativa dos portugueses era de estabelecer remontarmos até
na região uma colonização parecida com a do Brasil, por meio de 1575, ano em que
concessão de territórios e a fundação de algumas fortalezas no interior: Paulo Dias de
Novais, neto de
Massanango, Cassange, Ambaca, Muxima. Novais recebeu a carta e
Bartolomeu Dias,
assumiu os compromissos para com a Coroa de colonizar e explorar estabeleceu-se
aquela terra, que não lhe pertencia. em Luanda como
governador.

25
HISTÓRIA DA ÁFRICA E DOS AFRICANOS: DA DIVISÃO COLONIAL AOS DIAS ATUAIS

Os povos que habitavam a região eram principalmente os Ibamgalas,


Jagas e Andongos. O nome Angola foi dado em primeiro lugar pelos europeus
que habitavam a região, pois os reis eram chamados de Ngola, alguns de mani,
dada a proximidade com o Congo. O nome que os habitantes naturais do lugar
chamavam Angola era Dongo. O regime de governo era descentralizado, não
havia uma um único soberano, os reinos eram em parte independentes, cada
cidade possuía um governador que recebia as honras de um rei, seu Ngola. Os
reinos mais poderosos eram o Dongo, Matamba e Cassange.

No começo de sua estadia, Novais estabeleceu uma relação amistosa


com o mais importante governante local, responsável pela Ilha de Luanda, este
identificou o perigo de ter um estrangeiro em suas fronteiras apenas em 1580,
quando entrou em confronto armado com os portugueses. A guerra entre Novais
e o Ngola durou nove anos, recheada de vitórias e derrotas para ambos os lados,
com uma vantagem inquestionável para os lusitanos. Tal vantagem decorria
principalmente das armas dos portugueses. Além da capacidade de recrutar
degredados de outras colônias, os portugueses valiam-se do uso de armas de
fogo, e utilizavam em suas campanhas cavalos importados do Brasil. Esses
animais, além de concederam vantagens no campo de batalha, causavam medo
na maioria dos africanos.

Na visão das autoridades, a principal vantagem do uso de


cavalos viria do suposto terror que estes animais produziam
nos africanos. Tal visão é atestada por numerosos relatos do
século XVI e XVII. Segundo o governador Fernão de Souza,
o terror dos africanos em relação aos cavalos era tamanho
que tornaria desnecessário o uso de arcabuzes pelas tropas
governamentais. Mais tarde o ex-governador Francisco
Vasconcellos da Cunha afirmou que os africanos têm mais
medo de 20 cavaleiros do que de duas companhias da
infantaria (FERREIRA, p. 12).

Essa visão africana sobre os cavalos, evidentemente não durou todo


o processo de colonização, mas acabou sendo substancial para as vitórias
lusitanas. Se durante o período de Guerra com o primeiro governador não
podemos proclamar um vencedor, ao menos se pode dizer que as ocupações e
a iniciativa da guerra era toda dos europeus. Enquanto o rei estava defendendo
seu povo e seus privilégios de comércio, os portugueses acreditavam que Angola
era um novo Peru, e que tinha vários campos de Prata e demais metais preciosos
(GLASGOW, 1982).

Em 1591, o rei Felipe II da Espanha e Portugal rescindiu as capitanias


hereditárias e nomeou um governador-geral para Angola. Essa mudança
institucional fez com que os andongos sitiassem os portugueses, que ficaram
restritos em seus fortes. Em 1602 houve uma reviravolta e o Ngola foi derrotado.

26
Capítulo 1 Negociação e Conflito: Portugueses em África

Finalmente os portugueses chegaram às suas cobiçadas minas, que no final


compunham-se apenas de chumbo. A coroa espanhola controlava então o reino,
sempre, claro, tendo que encarar revoltas de alguns Ngolas do interior (idem).

Em 1617, chegou a Luanda o novo governador-geral, Luís Mendes de


Vasconcelos, com grandes propósitos: manter a paz no território, conter o comércio
ilegal de escravos, estancar a corrupção e desvencilhar-se dos imbangalas
“comedores de carne humana”. No mesmo ano de sua chegada, depois de
sangrentas disputas sucessórias, subiu ao trono Ngola Mbandi, marcado por sua
crueldade.

Podemos perceber até aqui o quanto a força militar e a luta armada estiveram
presentes na ocupação portuguesa em Angola. Ao contrário do reino do Congo,
onde houve uma negociação e uma tentativa de assimilação por meio da religião,
na vizinha Angola o modus operandi era diferente.

O que os portugueses não contavam, no caso angolano, era com O que os


o contexto atlântico europeu. A Holanda criou uma companhia para portugueses não
contavam, no caso
rivalizar com os portugueses e conquistar territórios no ultramar. Em
angolano, era com
1630, os holandeses invadiram Pernambuco, permanecendo por lá o contexto atlântico
14 anos, não satisfeitos, avançaram também sobre as possessões europeu.
africanas dos lusitanos.

Para saber mais sobre a ocupação holandesa em Pernambuco,


ver: Evaldo Cabral de Mello. Olinda restaurada: guerra e açúcar no
nordeste (1630-1654). São Paulo: Editora 34, 2007.

Os holandeses estavam presentes na região desde, ao menos, 1622, quando


comerciavam com o Nsoyo. Nesse período, uma rainha guerreira de Matamba
havia entrado em guerra com seu irmão pela disputa do poder. O irmão, Ngola
Aire, apoiado por portugueses, impôs em vários momentos derrota para sua irmã,
inimiga dos portugueses.

Como inimiga dos lusitanos, Nzinga se viu em uma posição difícil, pois
não possuía armas à altura, e não tinha o poder de recrutar gente de outras
regiões, como ocorria com os portugueses. Uma importante estratégia da rainha
foi negociar com os inimigos de Portugal. Assim, a rainha teceu alianças com a
comunidade dos ambundos e com os holandeses. Para Roy Glasgow, “somente

27
HISTÓRIA DA ÁFRICA E DOS AFRICANOS: DA DIVISÃO COLONIAL AOS DIAS ATUAIS

em 1647 que se firmou uma tríplice aliança entre holandeses, congoleses e


ambundos com o compromisso de empreender uma investida conjunta para
exterminar os exércitos lusos” (GLASGOW, 1982, p. 128). A rainha conseguiu
em determinado momento juntar forças para combater seus inimigos. Conhecida
por sua alta educação e capacidade de diálogo, a rainha conhecia bem o idioma
português e os costumes católicos.

Nzinga havia sido batizada em 1622 e seu nome cristão era Ana de Souza,
sua desenvoltura e capacidade de oratória eram conhecidas há muito tempo
pelos portugueses. Quando esteve em Luanda, negociando com o governador
português, após o governador deixá-la de pé e sentar-se em sua cadeira, ela não
titubeou e pediu para que um dos seus servos se postasse de cócoras para ela
sentar sobre suas costas e negociar em pé de igualdade com o representante
da coroa europeia. A aliança com os holandeses não surtiu muito efeito, pois os
flamengos estavam sem força no período em que Nzinga os procurou, faltando
pouco para a reconquista de Angola por Portugal.

A expulsão dos holandeses de Angola não teve quase nenhum tipo de


envolvimento da nobreza de Lisboa, ela foi patrocinada por membros da elite
baiana e pernambucana. Uma tropa patrocinada pelo nobre Salvador de Sá
Benevides, composta por negros do terço dos Henriques de Pernambuco,
degredados indianos e portugueses, além de soldados pagos brasileiros,
conseguiu reconquistar Luanda. Esse patrocínio vai ao encontro das afirmações
do historiador Luiz Felipe de Alencastro, que em seu livro “O trato dos viventes”
levanta a hipótese plausível e interessante de que as autoridades portuguesas
entendiam a região de Angola como parte do novo mundo da América.

Nzinga, no entanto, continuou sua batalha. Dez anos depois ela ainda
estava em guerra, utilizando os mais variados recursos, talvez tenha pensando
também em utilizar-se da religião, como os membros da dinastia congolesa. Em
1657, missionários capuchinhos conseguiram fazer com que a rainha aceitasse
novamente a fé católica. Lembrando que os capuchinhos eram rivais dos
portugueses, ou ao menos encarados como tal no reino de Angola e Luanda.

A rainha combateu de forma heroica os portugueses, enfrentando todos seus


recursos bélicos, utilizando todos os artifícios que havia ao seu alcance. Para seu
biógrafo:

A rainha Nzinga simbolizou o primeiro movimento de


resistência sistemático africano à dominação portuguesa.
Tendo um compromisso total e absoluto para com a libertação
e o nacionalismo angolanos, ela foi de 1620 até sua morte
em 1663, a personalidade mais importante de Angola. Nzinga
fracassou na missão de expulsar os portugueses e de se tornar

28
Capítulo 1 Negociação e Conflito: Portugueses em África

rainha da “Etiópia Oriental”, incluindo Matamba e o Dongo.


Entretanto, sua importância histórica transcende esse fracasso,
pois despertou e encorajou o primeiro movimento nacionalista
de que se tem conhecimento na África Central, organizando
uma aliança nacional e internacional em sua oposição total à
dominação europeia (GLASGOW, 1982, p.177).

Sua morte aconteceu 1663, seu legado continou. Hoje ainda


Sua morte
temos grupos de capoeira, maracatu, com o nome da soberana. Dentre aconteceu 1663,
os nomes africanos que batizam várias crianças brasileiras, esse seu legado continou.
é o mais recorrente. O seu nome abrasileirado tornou-se sinônimo Hoje ainda temos
da dança utilizada por capoeiras, a Jinga. Talvez, esse legado tenha grupos de capoeira,
atravessado séculos por conta dos guerreiros dessa soberana. Depois maracatu, com o
nome da soberana.
de sua morte, cerca de 7000 deles foram escravizados e enviados para
o Brasil. Tal escravização aconteceu depois de uma importante batalha,
que mudou a história da África Central.

A Batalha de Ambuíla
O governador-geral André de Vidal Negreiros, depois de fazer uma aliança
com os Imbangala, derrotar os Jagas e as forças da rainha Nzinga, estava
convencido de que era chegada a hora de derrotar o reino do Congo, que havia
aproveitado sua religiosidade para segurar a invasões portuguesas.

O ataque estava sendo organizado há alguns meses. Negreiros conseguiu


autorização de Lisboa para ocupar as minas do Congo. Reuniu várias tropas,
desde soldados remanescentes da expulsão dos holandeses, militares
profissionais enviados de Lisboa, degredados, munidos de armas de fogo e dos
temidos cavalos. Ao todo foram reunidos cerca de seis a sete mil soldados. Sob a
chefia do experimentado comandante Luís Lopes de Serqueira, marcharam para
Ambuíla em 1665.

Do outro lado, o soberano congolês D. Antônio I não deixou por A princípio, a


menos. Convocou às armas qualquer pessoa capaz de manusear um batalha aparentava
instrumento letal para defender seu reino e a vida de seus súditos. Os certo equilíbrio. Os
governadores locais (manis) fizeram o mesmo em suas províncias, portugueses, em
havia ainda nas tropas africanas o reforço de 190 mestiços e 29 menor número,
organizaram suas
portugueses que moravam na capital Banza Congo. Ao todo, as fontes
formas em forma
relatam que suas tropas somavam aproximadamente cem mil homens. de quadrado,
buscando atingir
A princípio, a batalha aparentava certo equilíbrio. Os portugueses, preferencialmente
em menor número, organizaram suas formas em forma de quadrado, as chefias
buscando atingir preferencialmente as chefias congolesas. Eles congolesas.

29
HISTÓRIA DA ÁFRICA E DOS AFRICANOS: DA DIVISÃO COLONIAL AOS DIAS ATUAIS

contavam com a chuva para tornar ineficazes as armas de fogo dos portugueses,
e a chuva veio. O quadrado português estava sendo demolido pelas forças
africanas, quando tudo parecia próximo do fim, uma pequena bala acertou em
cheio o manicongo D. Antônio I, que caiu morto, logo um soldado negro, aliado
dos portugueses, rapidamente degolou a cabeça do rei e ergueu-a o mais alto que
pôde com sua lança. Houve um arrefecimento das forças africanas, e os africanos
acabaram derrotados e saqueados. Para uma melhor descrição desse episódio,
permita-me, prezado cursista, a longa transcrição do trecho de um contemporâneo
deste evento:

Teve o governador notícia certa que, quando foi o sucesso


da batalha do rei do Congo, da nossa gente que de lá fugiu
com temor de tão numeroso poder, alguns soldados brancos e
muita gente preta passando pelas terras e senhoria do Dembo
Manimotemo Aquingengo, toda a nossa gente do arraial
era degolada, que esta foi a primeira nova que até a cidade
chegou de ser todo o nosso exército roto e desbaratado. Este
dito Soba por que ter também ser participante com o nosso
inimigo naquele gosto e contento, degolou tudo o que lhe veio
dar as suas terras que não estavam bem distantes onde foi a
batalha, depois disso vendo e sabendo o nosso bom sucesso,
verificando a cabeça do próprio rei que lhe passou por sua
banza e senhorio, ficou muito atônito do que havido obrado
contra a nação portuguesa, o que verificou-se e sabendo
com certeza se resolveu o governador em mandar castigar
semelhante excesso, para o que chamou de conselho e
propôs esta matéria com pessoas doutas se era justo castigar
semelhante crime e desaforo; e pelas pessoas que podiam
ter voto sobre semelhante malefício foi resolvido que sem
embargo que aquele Soba Dembo reconhecia em outro tempo
ao rei do Congo, e estava em nosso poder e reféns e penhor
do comprimento das capitulações, não podia bulir consigo em
favorecer o partido daquele rei ainda que fosse de seu senhorio
se não mostrasse neutral e não fazer nada de si nem por uma
parte nem outra com o que havia delinquido, e era digno de
todo castigo pelo que havia obrado (CADORNEGA, p. 218).

Apesar do português um tanto quanto arcaico, podemos perceber o grande


impacto causado pela batalha de Ambuíla em 1665. No imaginário português, a
Guerra seria a vitória do verdadeiro cristão sobre os infiéis africanos, e em última
análise ela representou a unificação dos reinos da África central e um controle
maior sobre o grande pulmão que passou a impulsionar a atuação dos europeus
na África Central: o tráfico de escravos, tema de nosso próximo capítulo.

30
Capítulo 1 Negociação e Conflito: Portugueses em África

Atividades de Estudos:

1) Com base nos temas estudados nesse capítulo, pesquise e


crie um texto comparando o processo de ocupação portuguesa
efetuado no Brasil e na África Central.
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2) Com base no material desse capítulo, crie uma aula e apresente


aos seus colegas em forma de seminário, contendo os seguintes
itens: a) tempo de duração; b) material utilizado; c) atividades que
irá desenvolver; d) resposta esperada dos alunos.
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31
HISTÓRIA DA ÁFRICA E DOS AFRICANOS: DA DIVISÃO COLONIAL AOS DIAS ATUAIS

Algumas Considerações
Caro pós graduando, neste capítulo estudamos os principais motivos que
levaram o reino de Portugal a ocupar a vanguardas na expansão ultramarina. Além
disso, identificamos como aconteceu o processo de ocupação dos portugueses na
África Central, entre os séculos XV e XVII, e os principais mecanismos utilizados
pelos portugueses para assimilar e controlar a população africana e os recursos
utilizados por tais africanos para negociar com os europeus.

No capítulo seguinte, abordaremos a escravidão e tráfico de negros, pois


iremos compreender o modo como o tráfico de escravos evoluiu ao longo dos
séculos. Apresentaremos as regiões de embarque, as formas de captura de
homens e mulheres transformados em escravos e as interpretações divergentes
ao longo da historiografia acerca do número de escravizados embarcados.

Referências
ALENCASTRO, Luís Felipe de. O trato dos viventes: a formação do Brasil no
Atlântico Sul. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

BOXER, Charles. O império marítimo português, 1415-1825. São Paulo:


Companhia das Letras, 2002.

BUARQUE DE HOLLANDA, Sérgio. Raízes do Brasil. Companhia das Letras,


1997.

CARDONEGA. Francisco de Oliveira. História Geral das Guerras Angolanas.


Lisboa: Agência Geral do Ultramar, 1972.

FERREIRA, Roquinaldo. Brasil e a Arte da Guerra em Angola (sécs. XVII e XVIII).


Rio de Janeiro, Revista Estudos Históricos, v. 39, 2007.

FREYRE, Gilberto. Casa Grande & Senzala: formação da família brasileira sobre
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GLASGOW, Roy. Nzinga: resistência africana à investida do colonialismo


português em Angola. 1582-1663. São Paulo: Editora Perspectiva, 1982.

GONÇALVES, Rosana Andréa. África indômita: missionários capuchinhos no


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MENEZES, Sezinando. “O jesuíta e o sapateiro: de regno de cristhi in terris


consumato”. Revista Brasileira de História das Religiões, São Paulo, v. 11,
2011.

32
Capítulo 1 Negociação e Conflito: Portugueses em África

PRADO JR. Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo:


Brasiliense, 1994.

PUNTONI, Pedro. “A Arte da Guerra no Brasil: Tecnologia e estratégia militar na


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REGINALDO, Lucilene. O rosário dos angolas: irmandades de africanos e


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SILVA, Alberto da Costa e. A Manilha e o Libambo: a áfrica e a escravidão de


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SOUZA, Marina de Mello e. Reis negros no Brasil escravista. Belo Horizonte:


Editora da UFMG, 2002.

33
HISTÓRIA DA ÁFRICA E DOS AFRICANOS: DA DIVISÃO COLONIAL AOS DIAS ATUAIS

34
C APÍTULO 2
Uma Viagem Sombria: Escravização e
Tráfico, Séculos XVII ao XIX

A partir da concepção do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

� Examinar o modo como o tráfico de escravos evoluiu ao longo dos séculos.

� Apresentar as regiões de embarque e as formas de captura de homens e


mulheres transformados em escravos.

� Apresentar as interpretações divergentes ao longo da historiografia acerca do


número de escravizados embarcados.
HISTÓRIA DA ÁFRICA E DOS AFRICANOS: DA DIVISÃO COLONIAL AOS DIAS ATUAIS

36
Capítulo 2 Uma Viagem Sombria: Escravização e Tráfico,
Séculos XVII ao XIX

Contextualização
Prezados pós-graduando, neste capítulo vamos estudar um processo de
suma importância para compreendermos todo o continente africano e a formação
do Brasil: o tráfico de escravos.

Entre a segunda metade do século XVII e a primeira metade do século XIX,


cerca de 10 milhões de pessoas, homens, mulheres e crianças, foram arrancadas
violentamente de sua terra natal para realizar uma longa travessia, deixando para
trás familiares, bens materiais, amigos, redes de sociabilidades, enfim, tudo o que
amavam, com destino ao Brasil.

Essa viagem, sem dúvida, configurou-se na maior imigração forçada do


planeta, conhecida também como diáspora africana. O conceito de diáspora nos
remete à mudança de um povo.

Podemos definir como tal a imigração forçada ou não. O Brasil formou-se por
meio de várias diásporas étnicas, principalmente de imigrantes europeus no final
do século XIX.

No entanto, sem dúvida, a africana foi a maior e a mais brutal. Ela representou
uma mudança na estrutura social da África e a completa mudança da sociedade
brasileira.

Veremos, neste capítulo, um pouco mais sobre esse tema. Quantos


escravos foram trazidos? O que a bibliografia diz acerca deste tema? Quais as
interpretações clássicas? Como é possível quantificar o número de africanos vindo
para as Américas? Espero que você, cursista, possa compreender um pouco mais
esta dinâmica e intricada rede.

O Tráfico
O tráfico de seres humanos escravizados existiu em várias Essa prática era
sociedades ao longo do processo social não planejado chamado pelos comum em várias
culturas europeias,
historiadores de história. Essa prática era comum em várias culturas
incluindo eslavos e
europeias, incluindo eslavos e nórdicos, passando por orientais, nórdicos, passando
como chineses e japoneses. Todas elas em algum momento tiveram por orientais,
a organização do trabalho de maneira compulsória, chamada de como chineses e
escravidão, e também de corveia na Idade Média europeia. japoneses.

37
HISTÓRIA DA ÁFRICA E DOS AFRICANOS: DA DIVISÃO COLONIAL AOS DIAS ATUAIS

A escravidão na Grécia: na antiguidade também houve o


processo de escravização de pessoas. Na Grécia os escravos eram
usados principalmente na agricultura, o principal pilar econômico
da Grécia. Alguns pequenos donos de terras podiam possuir um
ou dois escravos. Um grande acervo de manuais para donos de
terras confirma a presença de dezenas de escravos nas maiores
propriedades; eles podiam ser trabalhadores comuns ou capatazes.
A extensão do emprego de escravos na agricultura é motivo de
debate; sabe-se, contudo, que escravidão rural era muito comum em
Atenas. Mão-de-obra escrava também prevalecia em minas e em
pedreiras, onde grandes populações escravas eram frequentemente
contratadas por cidadãos ricos. General Nicias contratou mil escravos
que trabalhavam nas minas de prata de Laurium; na Ática Hiponicos,
contratou 600; e Filomides, 300. Xenofonte indica que cada escravo
recebia um óbolo por dia, somando, assim, 60 dracmas por ano.
Esse era um dos investimentos mais valorizados pelos atenienses.
O número de escravos trabalhando nas minas de Laurium, ou então
nos moinhos que trabalhavam os minérios, era estimado em 30000.
Xenofonte sugeriu que a cidade comprasse mais escravos, de modo
que cada cidadão tivesse três escravos, pois a contratação deles
asseguraria uma boa renda para todos os cidadãos.

Para que tal forma de trabalho obtivesse resultado, era necessário “reduzir”
(termo utilizado no século XIX) a pessoa à escravidão. Quando tal redução atingia
o status de negócio, era preciso montar uma estrutura mais ampla envolvendo
diversas redes de negociantes e fornecedores. Os cálculos e o detalhamento dos
custos de cada ação deveriam ser feitos minuciosamente, para cada ação deveria
existir uma pessoa habilitada para sua execução, e várias eram as atribuições
específicas do comércio de seres humanos.

No continente africano, esta formação de um mercado específico para tal


fim começou a partir de 1650, mas o tráfico já existia desde as chegadas dos
portugueses no século XV, na África Central, mas tomou proporções alarmantes
em fins do século XVIII até meados do século XIX.

Ela passou a crescer A escravidão, praticada até então de forma menos intensa e
e a tomar conta da mais ligada à política, transformou-se. Ela passou a crescer e a
sociedade em várias tomar conta da sociedade em várias partes do continente. Ninguém
partes do continente. conseguiu conter suas redes. A África e os portugueses transformaram
a escravidão numa Hidra de Lerna.
38
Capítulo 2 Uma Viagem Sombria: Escravização e Tráfico,
Séculos XVII ao XIX

A Hidra de Lerna era um animal da mitologia grega. Um dragão


com sete cabeças e para cada uma das cabeças cortadas nasciam
duas. Em seu segundo trabalho, Hércules, personagem da mitologia
grega, derrotou a Hidra, utilizando a técnica de cicatrizar rapidamente
a cabeça cortada com fogo.

O diplomata e historiador Alberto da Costa e Silva escreveu dois importantes


livros sobre a África. O primeiro, um tomo de aproximadamente seiscentas
páginas, é dedicado à África pré-colonial, já o segundo, igual em tamanho,
analisa o impacto da presença dos europeus, principalmente os portugueses,
no continente. Tal divisão não se deu de forma aleatória, representa o impacto
e o choque de civilizações que tivemos depois dos primeiros contatos entre as
duas culturas. Logo, o próprio título do material demonstra claramente o quanto
o continente africano foi influenciado pelos europeus. Para compreender e se
aprofundar mais neste tema, recomendo estes dois tomos como os melhores
guias sobre África em língua portuguesa.

Alberto da Costa e Silva. A enxada e a lança: a África antes dos


portugueses. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1992.

_____. A manilha e o libambo: a África e a escravidão de


1500-1700. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2005.

Voltando aos nossos temas iniciais, a escravidão e o tráfico, cabe responder


algumas indagações sobre a parte mais importante envolvida nessa imbricada
rede: os africanos.

Quais as ligações com a América? Quais os Estados envolvidos?


O que recebiam?

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HISTÓRIA DA ÁFRICA E DOS AFRICANOS: DA DIVISÃO COLONIAL AOS DIAS ATUAIS

Em que parte lhes cabia a agência (termo emprestado do inglês agency, sem
tradução específica para nossa língua)? Essas são questões complexas sobre as
quais iremos nos debruçar doravante.

Tráfico Africano e Conexões


Brasileiras
O destino da
O destino da quase totalidade dos africanos escravizados era a
quase totalidade
América, dentre os países da América, o que mais recebia escravos,
dos africanos
escravizados era a o líder absoluto, era o Brasil. No continente africano, os lugares que
América, dentre os frequentemente forneciam homens e mulheres para a travessia atlântica
países da América, era a África central, representada por vários Estados, denominados
o que mais recebia genericamente de região de Angola e região do Congo, o Golfo do
escravos, o líder Benim e a Costa do Ouro.
absoluto, era o Brasil.
Na África Central, os portugueses detinham um controle
privilegiado, como estudamos capítulo anterior. E desta parte saíram a maioria
dos escravos desembarcados nas Américas. Dessa forma, constatamos que
boa parte dos escravizados no Brasil nasceram em Angola, certo? Não, errado.
As etnias dos africanos eram múltiplas e o fato de Angola ter fornecido o maior
número de pessoas não quer dizer que os escravos fossem em sua maioria
angolanos. Até porque a mobilidade de homens e mulheres escravizados era
enorme, principalmente depois de 1650 até o terceiro quarto do século XIX. Além
disso, no Brasil, a reprodução dos escravos, por meio de casamentos, criou uma
segunda geração de cativos, denominados pelos contemporâneos de crioulos.

O número de cativos diminuiu também com o fim do tráfico de escravos para


o Brasil, aprovado pelo congresso em 1850.

Para uma análise dos debates e embates envolvendo essa lei,


ver o livro: RODRIGUES, Jaime. O infame comércio: propostas e
experiência do final do tráfico de africanos para o Brasil. Campinas:
Editora da Unicamp, 2000.

O termo crioulo guarda uma particularidade. Até hoje é comum


ouvirmos pessoas referindo-se de forma pejorativa a pessoas negras
pelo nome de crioulo, para homens, e crioula, para mulheres.

40
Capítulo 2 Uma Viagem Sombria: Escravização e Tráfico,
Séculos XVII ao XIX

A maioria dos escravizados da África Central passavam pelo mesmo


caminho: o mercado do Valongo, localizado na cidade do Rio de Janeiro, neste
período já capital do Brasil.

Figura 3 - Mercado de Valongo

Fonte: Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/


sinapse/ult1063u156.shtml>. Acesso em: 10 nov. 2012.

A pintura do famoso pintor francês Jean Baptiste Debret retrata o


Mercado de Valongo, que ficava localizado hoje no centro da cidade
do Rio de Janeiro, onde, no século XIX, os escravos africanos recém
chegados eram vendidos.

O comércio entre o Rio de Janeiro e Luanda estava estabelecido desde


o começo do século XVIII e se enraizou no século seguinte. Tal comércio
transformou a cidade brasileira, na primeira metade do século XIX, numa espécie
de pequena África, devido ao grande número de escravizados que fizeram com
que o índice de africanos entre a população fosse altíssimo.

Essa maciça presença de africanos não passou despercebida por pintores


que representaram a cidade por meio de seus pincéis, como os europeus Debret
e Rugendas. Carlos Eugênio Líbano Soares, em seu importante estudo sobre

41
HISTÓRIA DA ÁFRICA E DOS AFRICANOS: DA DIVISÃO COLONIAL AOS DIAS ATUAIS

a capoeira escrava na capital fluminense da primeira metade do século XIX,


comentou alguns aspectos da pintura do último pintor citado:

Como transparece nas gravuras de Debret, os africanos do Rio


de Janeiro joanino gostavam de se apresentar vistosamente,
misturando estilos africanos e enfeites europeus. As formas
de identificação étnica variavam. Tudo indica que o barrete
vermelho e as fitas eram símbolos exclusivos de algumas
etnias, enquanto outros africanos, como os da África Ocidental,
partilhavam diferentes formas de identificação (SOARES,
2004, p. 81).

Figura 4 - Fazenda de café no Rio de Janeiro

Fonte: Disponível em: <http://historiacepae.blogspot.com.br/2012/04/


memorias-analise-da-imagem-batuque.html>. Acesso em: 10 nov. 2012.

Atividade de Estudos:

1) O que é possível analisar a partir da obra do pintor Rugendas


(Figura 2), na qual os escravos foram retratados em uma fazendo
de café no Rio de Janeiro?
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Capítulo 2 Uma Viagem Sombria: Escravização e Tráfico,
Séculos XVII ao XIX

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Os grupos no começo do século estavam formados, isso quer dizer que


existiam formas de solidariedades étnicas na cidade desse período, tendo em
vista que os grupos de africanos da parte central do continente andavam juntos,
e este tipo de identificação era diferente dos oriundos da África Ocidental. A partir
deste pequeno trecho, é possível perceber o grande número e a diversidade de
pessoas que a cidade recebia.

Para saber mais sobre africanos no Rio de Janeiro do século


XIX, ver o livro: KARASH, Mary. A vida dos escravos no Rio de
Janeiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

Outra rota secular que envolvia o tráfico de escravos no Brasil era Salvador
e o Golfo do Benim. A capital baiana possui um dos índices mais altos de pessoas
declaradamente negros e negras atualmente. Segundo o recenseamento realizado
pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 82,4% da população da
cidade é formada por negros ou pardos.

A maioria dos escravos importados para o norte do Império (não existia o


termo nordeste) desembarcava na Baía de todos os Santos. Os falantes de língua
ioruba e os Haussás muçulmanos entraram maciçamente na região, ocupando,
além de Salvador, o Recôncavo baiano, que contava com várias cidades como
Cachoeira, Amargosa, Santo Amaro da Purificação, entre outras.

43
HISTÓRIA DA ÁFRICA E DOS AFRICANOS: DA DIVISÃO COLONIAL AOS DIAS ATUAIS

Sobre as revoltas de africanos na Bahia, veja o livro : REIS, João


José. Rebelião Escrava no Brasil: a História do Levante dos Malês
em 1835 (Edição revista e ampliada). 2ed. São Paulo: Companhia
das Letras, 2003.

Os traficantes Os traficantes baianos mantinham relações de amizade com


baianos mantinham grandes traficantes africanos e até mesmo com soberanos locais. Era
relações de amizade
comum o envio de filhos de reis africanos para estudar na Bahia, e
com grandes
traficantes africanos alguns deles viajavam para a África duas ou três vezes por ano, para
e até mesmo com administrar seus negócios naquele continente e conhecer a região que
soberanos locais. os tornava ricos e poderosos.

Francisco Félix de Souza, conhecido como Xaxá, foi um dos mais conhecidos
destes comerciantes. Nascido na cidade de Salvador em 1754, ele morreu no ano
de 1849 em Uidá, no Benim. Com uma identidade cultural difícil de ser decifrada, o
“brasileiro” teceu relações comerciais com a África muito além do mero escambo.
Casado com várias mulheres africanas, filho de um traficante baiano, assumiu o
cargo de governante da fortaleza portuguesa de São Batista de Ajudá no começo
do século XIX e depois passou a investir pesadamente no mercado de escravos,
enriquecendo muito.

Em sua trajetória africana, ele desafiou alguns soberanos locais, se tornou


conselheiro de outros, sempre vivendo na sua dupla fronteira cultural. Terminou
seus dias no reino de Daomé, não desfrutando da riqueza de antes, mas com
prestígio perante a monarquia. Sua biografia pode ser lida no belíssimo livro de
Costa e Silva, publicado no Brasil no ano de 2004. Para ele, o Xaxá tinha as
seguintes características: “Francisco Félix era, ao que tudo indica, um homem de
notável inteligência, incomum habilidade e grande encanto pessoal, no trato com
os brancos e com os grandes do Daomé” (COSTA E SILVA, 2004, p. 147).

Ele escolheu deixar o Brasil e fixar-se em África, onde chegou a construir,


em dado momento, um verdadeiro império, a partir de suas redes dos dois lados
do extenso oceano atlântico. Seu caso, apesar de extraordinário, representa bem
os laços seculares que envolviam baianos e habitantes do Golfo do Benim.

Segundo Costa e Silva, essa proximidade teve como facilitadora a qualidade


de um produto que era trocado por escravos no Golfo do Benim e também na
Costa do Ouro, o tabaco baiano, muito apreciado pelos africanos. Os comerciantes
levaram o navio carregado deste material e retornavam cheio de pessoas:

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Capítulo 2 Uma Viagem Sombria: Escravização e Tráfico,
Séculos XVII ao XIX

Os brasileiros contavam com uma vantagem: o Os brasileiros


tabaco. Mercadoria indispensável ao comércio contavam com
na região, os próprios holandeses e ingleses uma vantagem: o
procuravam adquiri-lo dos barcos baianos, a fim tabaco. Mercadoria
de compor os conjuntos de produtos que ofereciam
indispensável
pelos escravos. Nessas relações, era raro faltar o
tabaco. Não qualquer tabaco: o tabaco em rolo da
ao comércio na
Bahia. Nem tampouco qualquer tabaco em rolo região, os próprios
da Bahia, mas aquele feito com folhas partidas holandeses e
e banhado em melaço, que, na Europa, se tinha ingleses procuravam
como de qualidade inferior. Na África era, porém adquiri-lo dos barcos
apreciadíssimo: os mais exigentes consumidores baianos, a fim de
não dispensavam o seu sabor adocicado (SILVA, compor os conjuntos
p. 542). de produtos que
ofereciam pelos
escravos.
Figura 5 - O navio Negreiro representado por Rugendas

Fonte: Disponível em: <http://www.revistamuseu.com.br/artigos/


art_.asp?id=26542>. Acesso em: 10 nov. 2012.

Essas relações comerciais e interpessoais tornaram a Bahia uma referência


para os falantes da língua ioruba. Deriva desse momento a formação dos cultos
de candomblé de Nação Ketu, conhecidos mundialmente.

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HISTÓRIA DA ÁFRICA E DOS AFRICANOS: DA DIVISÃO COLONIAL AOS DIAS ATUAIS

Candomblé: os praticantes dessa religião cultuam Deuses


dessas regiões, principalmente da Nigéria. Chamados de Orixás,
essas divindades representam a natureza e são tidas como as
fundadoras das várias e importantes cidades-estado do Golgo de
Benim, como Oió, por exemplo. Até hoje a celebração desse culto é
realizada na língua iorubá, conhecida entre os seus praticantes como
nagô. Segundo a tradição oral desses templos, as fundadoras foram
mulheres nascidas na África Ocidental. A partir dessas permanências
é possível visualizar parte significativa da influência africana em
nosso território.

Para saber mais sobre o candomblé e a experiência e o papel


das mulheres em sua formação, bem como as heranças africanas,
existem dois documentários. Cidade das Mulheres, ano 2005, país:
Brasil, direção: Lázaro Faria, duração: 72 minutos. Pierre Verger:
mensageiro entre dois mundos, ano 1998, país: Brasil, direção: Lula
Buarque de Hollanda, duração: 84 minutos.

Os contatos e as conexões entre Brasil e África, como vimos, eram constantes e


existiam desde muito tempo. Agora vamos fazer o caminho de volta. Não vamos falar
de africanos no Brasil. Falaremos de africanos em África. Iremos analisar os países
e as regiões que faziam parte deste grande comércio de escravos, como se dava a
escravidão e as formas de “recrutamento” da mão de obra para esse trabalho com
base no ganho econômico, a participação política dos soberanos e as experiências
individuais de alguns “filhos da diáspora”, sempre a partir uma ótica africana.

As primeiras pessoas
escravizadas no
Estados Africanos
litoral angolano No século XVII, o continente africano estava fragmentado em
habitavam uma vários pequenos. As primeiras pessoas escravizadas no litoral angolano
região distante cerca habitavam uma região distante cerca de 80 km do litoral, o tráfico ainda
de 80 km do litoral, o
estava se estruturando. Menos de um século depois, com o aumento
tráfico ainda estava
se estruturando. desse infame comércio, as pessoas que habitavam o interior do continente,
chamado de sertões pelos traficantes, não estavam a salvo.
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Capítulo 2 Uma Viagem Sombria: Escravização e Tráfico,
Séculos XVII ao XIX

Caro pós-graduando, de alguma forma o tráfico de escravos precisava


legitimar sua prática e ser rentável. Portando, o escravo deveria ser mão de obra
barata, nesse caso mais especificamente mão de obra gratuita. Tendo em vista
que quem adquiria um escravo tinha que desembolsar uma boa quantia, o retorno
teria que ser garantido, e nada melhor, para isso, que o escravo trabalhasse de
forma gratuita o resto de vida para o seu “senhor”.

As redes de
Cabe lembrar que na África Central o comércio, segundo a
sociabilidades e
historiografia aponta, era menos violento do que outras regiões. comércio já estavam
Isso acontecia por conta da presença portuguesa enraizada desde consolidadas
a chegada de Diogo Cão. As redes de sociabilidades e comércio e as alianças
já estavam consolidadas e as alianças entre europeus e africanos, entre europeus e
mesmo que fluidas, aconteciam. Os portugueses eram detentores do africanos, mesmo
que fluidas,
monopólio de exportação e do poderio militar do reino. Eles eram os
aconteciam.
responsáveis pela organização do tráfico e o recrutamento de homens
para trabalhar nessa empreitada. Atuavam também fomentando guerras entre
os sobas locais, com o intuito de recolher o fruto desses confrontos: prisioneiros
que posteriormente seriam “reduzidos” à escravidão. Havia também os fortes que
serviam de base para os ataques. Manolo Florentino assim definiu o tráfico na
África Central:

Bem estabelecidos em seu forte de Arguim, ao norte do rio


Senegal, os lusos fizeram da Alta Guiné o mais importante
núcleo de obtenção de escravos antes do século XVII. Os
sequestros executados por pequenos grupos de europeus
armados, que de surpresa atacavam as comunidades costeiras,
eram então mais comuns do que nos tempos seguintes. Apesar
disso, já estava completamente estabelecido o modelo de
intercâmbio entre euroamericanos e africanos que predominou
por toda época do tráfico para a América: constituíam-se
verdadeiros enclaves litorâneos, onde, a partir de alianças
políticas, comerciais e militares com as autoridades nativas,
trocavam-se manufaturados europeus ou tabaco e aguardente
americanos por cativos (FLORENTINO, 1996, p.85).

Ao contrário do que acontecia na África Ocidental, a região do Congo e


Angola contou com o envolvimento direto dos lusitanos. Evidente que não
podemos apenas atribuir aos portugueses a escravização de africanos, várias
demandas locais faziam parte desse jogo. Os africanos não devem ser vistos
como joguetes na mão dos colonizadores europeus, certamente havia motivações
para tais acordos, e naquele momento havia vantagens observadas pelas
lideranças locais. Por meio do tráfico, os grupos dominantes poderiam fortalecer
seu poder, conseguir material bélico, aumentando ainda mais a capacidade de
produzir escravos e receber as mercadorias do escambo. Essa era uma forma de
fechar o tráfico em um ciclo, tal como acontece com o sistema capitalista, havia
um movimento circular nesse processo.

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HISTÓRIA DA ÁFRICA E DOS AFRICANOS: DA DIVISÃO COLONIAL AOS DIAS ATUAIS

Depois do século XVIII, o controle europeu esmoreceu, e os africanos


obtiveram mais autonomia nesse processo, como narra Florentino:

Com a passagem para o século XVIII teve início a fase áurea do


tráfico pela África Central Atlântica, especialmente no período
1760-1830, quando, legitimando uma situação de fato, a Coroa
abriu mão de seu monopólio e permitiu o livre acesso de todos
os nacionais a tal comércio. Entre 1701 e 1800 se exportaram
mais de 2 milhões de cativos para as Américas. Trata-se de
uma cifra bem inferior aos cerca de 3,5 milhões de escravos
exportados pela África Ocidental no mesmo período, mas que
representa um volume de três a quatro vezes maior do que as
exportações da própria África Central Atlântica nos cem anos
anteriores (idem, p. 97)

Em Angola, Durante esse esmorecimento, os europeus passaram a adotar


os conflitos de uma nova postura. Agora, fomentavam guerras locais, utilizando seus
sucessão do Dongo
mensageiros. Essas guerras estavam ligadas às demandas locais e
encerraram-se
apenas em 1672, ajudavam ainda mais no processo de escravização de pessoas. Em
Angola, os conflitos de sucessão do Dongo encerraram-se apenas em
1672, enquanto as guerras civis do Congo, que comentamos no primeiro capítulo,
terminariam somente em 1718. Tais querelas provocaram um número grande de
prisioneiros. Os confrontos bélicos não se relacionavam de forma direta com as
expectativas europeias de obtenção de escravos. O motivo que provocou a guerra
envolvia os dois reinos, e perpassava o interesse dos portugueses em conseguir
a mão de obra escrava.

De maneira perspicaz, os lusitanos souberam perceber tais disputas na


região. Na localidade de Angola, composta por vários Estados (Kassange,
Matamba e Dongo, entre outros) independentes, as principais guerras tinham um
inimigo, o vizinho reino do Congo. Este, por sua vez, transformara-se no período
de conflito numa “mina” de escravos, devido à expansão levada a cabo pelos seus
soberanos. O historiador John Thornton, especialista em diáspora africana nas
Américas, salientou tal aspecto:

A África Central foi uma fonte rica de escravos talvez porque


houvesse diversos estados como o Congo, para os quais os
escravos eram tanto um subproduto de guerras expansionistas
como úteis para a crescente centralização e lealdade.
Aproximadamente em 1520, o Congo iniciou uma guerra com o
crescente poderio do Dongo que, tal como o Congo, expandia-
se e utilizava a mão de obra escrava para apoiar seu processo
de centralização. Essas guerras desenrolaram-se em meados
dos anos de 1520, como sugerem as diversas cartas de
reclamação de Afonso em 1526 (THORNTON, 2004, p. 166).

As reclamações do monarca davam-se principalmente contra a ajuda dos


portugueses ao reino do Dongo, região de Angola. Observamos que nesta

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Capítulo 2 Uma Viagem Sombria: Escravização e Tráfico,
Séculos XVII ao XIX

região da África Central o tráfico no século XVI estava ligado principalmente


à guerra e à expansão. Durante as batalhas, os guerreiros derrotados eram
capturados e vendidos para os comerciantes portugueses que ficavam no
litoral, aguardando estrategicamente para embarcar os cativos com destino ao
desconhecido.

Muitas destas guerras eram financiadas pelos portugueses, que possuíam os


terríveis mosquetes, espécie de espingarda, muito letal no confronto direto.

Figura 6 – Espingarda

Fonte: Disponível em: <http://aconteceemsergipe.blogspot.com.br/2012/05/


radiopatrulha-apreende-espingarda-com.html>. Acesso em: 10 nov. 2012.

Ademais, também contribuía para a superioridade dos aliados lusitanos a


utilização de cavalos, arma importante, tanto pelo fator logístico quanto psicológico.
Claro que a ajuda europeia não significava total isenção dos africanos, afinal seria
quase impossível para os colonizadores vencer um exército africano sem a ajuda
dos próprios africanos, a arte da guerra na África era diferente daquela praticada
no velho mundo.

Seguindo a argumentação de Thorton, notamos que a política expansionista


dos Estados da África Central sofreu uma significativa desaceleração desde a
segunda metade do século XVII.

Neste período, o preço dos cativos no mercado internacional aumentou


em demasia. Esse aumento aconteceu por conta do crescimento da economia
dos países do norte europeu. Com a aceleração da produção nestas outras
localidades, vários navios aportaram na costa africana com comerciantes
sedentos por mão de obra barata, leia-se escrava. Tais comerciantes passaram
a pagar bem mais do que os europeus ocidentais. O tráfico tornou-se um dos
comércios mais rentáveis.

De acordo com os dados de Paul Lovejoy, nos últimos cinquenta anos do


século XVII mais africanos foram vendidos como escravos do que nos duzentos
anos anteriores. O destino dessas pessoas eram as colônias dos países europeus,
como a Jamaica, Antilhas e São Domingos, onde a produção de açúcar aumentou
consideravelmente.

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HISTÓRIA DA ÁFRICA E DOS AFRICANOS: DA DIVISÃO COLONIAL AOS DIAS ATUAIS

A partir daí, os Estados tanto da África Central quanto Ocidental optaram por
frear o expansionismo e acumular riquezas com o comércio de escravos. Vários
são os motivos que levaram à tomada de uma decisão tão delicada, e existe uma
complexidade em sua definição. No entanto, é possível esboçar algumas razões:
na verdade três. De acordo com Thorton, eram elas: a) a captura de escravos
era localizada, bastava um pequeno conflito ou um pequeno grupo armado para
prender homens de outras aldeias; b) era menos oneroso para o Estado, devido
à falta de investimento em armas, treinamento e o desgaste com a população
causado pelo recrutamento militar; c) as guerras expansionistas incluíam
negociações com a elite derrotada, que por vezes exigia a manutenção de parte
dos seus antigos privilégios.

É possível vislumbrar, a partir da África Central, principalmente Congo e Angola,


como a escravidão passou por uma transformação e o tráfico esteve ancorado
em dois pontos. O primeiro econômico, com o aumento significativo do preço dos
cativos. O segundo político, tendo em vista o fortalecimento do Estado, sem a
necessidade antes premente de promover guerras desgastantes. Tudo indica que
a escravidão passou a crescer sobre os efeitos do tráfico e assumir formas cada vez
mais comerciais, diferente da escravidão doméstica e tradicional que havia antes.
Mesmo assim, a diferença na região da África Central, apesar de ter sido grande,
não teve as mesmas proporções que na parte ocidental do continente.

Na África Ocidental, o tráfico esteve mais influenciado pelos


Os Estados novos compradores da Europa do norte. Os Estados dessa região
dessa região comercializavam principalmente com o Império Britânico, mas também
comercializavam
com franceses, ingleses e até dinamarqueses. Interessante notar que
principalmente com
o Império Britânico, o comércio não estava completamente ligado às monarquias, mas
mas também com concentrado nas mãos de capitalistas e intermediários preocupados
franceses, ingleses e em enviar o maior número possível de escravos para as plantações de
até dinamarqueses. algodão nas treze colônias da América e as plantações de açúcar e
Interessante notar café da América Central e Caribe.
que o comércio
não estava
completamente Os Estados africanos, porém, também não controlavam o tráfico
ligado às monarquias, de forma plena. Apesar do esforço de membros da nobreza, não era
mas concentrado nas sempre que o monopólio de venda de escravos era exercido. Ao lado da
mãos de capitalistas região do Congo-Angola, esta parte do continente provia os mercados
e intermediários de mão de obra escrava. As regiões responsáveis por distribuir escravos
preocupados em
eram a Costa do Ouro o Golfo de Benim e a Baía de Biafra. Como
enviar o maior
número possível já mencionado, o fato dessas regiões exportarem um número grande
de escravos para de escravos não significava que eles eram originários da localidade.
as plantações de Os escravos aumentavam seu valor na medida em que eram levados
algodão nas treze para territórios mais distantes de sua terra natal. Isso acontecia pelo
colônias da América. fato de, uma vez distantes de seu lugar de origem, a possibilidade de

50
Capítulo 2 Uma Viagem Sombria: Escravização e Tráfico,
Séculos XVII ao XIX

fuga tornava-se menor. O mais comum era vender um escravo para longe, e na
compra para a revenda também comprar algum de origem longínqua.

A quantidade de reinos independentes na África Ocidental era grande e


diversos deles estavam organizados politicamente para atender as demandas do
tráfico. O controle do tráfico envolvia membros do Estado e comerciantes locais,
para a efetiva conquista do negócio do tráfico, era vital a dominação dos principais
portos, que oscilou muito devido às guerras. Para além destas discussões sobre
quem controlava o tráfico, comerciantes ou membros do Estado, uma coisa é fato.
Os Estados africanos ganhavam muito com a prática desse comércio em seu
território, pois além da venda direta, controlada ou não por eles, havia várias taxas
e embargos que poderiam ser aplicados:

Os governos costeiros regulavam a venda de escravos para os


europeus sempre que podiam. Com isso eles tiravam proveito
do desejo dos capitães dos navios de levantar âncora o mais
rapidamente possível. Fatores costeiros determinavam os
preços e os sortimentos negociados de mercadorias a serem
trocadas por escravos. Pelo fato de o comércio ao longo da
costa ser altamente dependente do crédito, muitas vezes
estendido na forma de mercadorias, que eram levadas para
o interior do continente a fim de adquirir escravos, numerosos
pagamentos, que iam de direitos alfandegários a taxas de
ancoragem, serviços de transporte e subornos inequívocos,
eram requeridos e tinham que ser adicionados ao preço de
venda dos escravos nos cálculos dos comerciantes europeus
(LOVEJOY, pp.158-173).

A economia e a política conectavam-se de forma intrínseca. Isso fazia com


que as fronteiras fossem extremamente mutáveis. As guerras entre os vários
reinos eram constantes, e ao longo dos séculos eles trocavam seus respectivos
nomes, fazendo com que a representação geográfica não fosse condizente com
os povos que os habitavam. Diante desta dificuldade e com o objetivo de tentar
visualizar, mesmo de forma precária, essa divisão política, observaremos um
mapa da região no século XVIII, quando as fronteiras estavam mais delineadas.

51
HISTÓRIA DA ÁFRICA E DOS AFRICANOS: DA DIVISÃO COLONIAL AOS DIAS ATUAIS

Figura 7 – Mapa da África

Fonte: Disponível em: <http://africanhistory.about.com/od/slavery/


tp/TransAtlantic001.htm>. Acesso em: 23 abr. 2012.

Observamos as principais regiões do tráfico, e a África Ocidental contava com a


maioria delas, mesmo não enviando o maior número de habitantes para as Américas.

Dica para a sala de aula: um trabalho criativo e interessante


para realizar em sala de aula seria a comparação deste mapa
com o mapa atual do continente africano. Os alunos poderiam
realizar um levantamento dos países e comparar o seu índice de
desenvolvimento com outras nações do continente.

52
Capítulo 2 Uma Viagem Sombria: Escravização e Tráfico,
Séculos XVII ao XIX

A Costa do Ouro, durante o período do tráfico, oscilou muito em importância.


Tal oscilação aconteceu principalmente pelos constantes conflitos, entre os
diversos Estados. A luta pelo controle do território fazia por vezes o tráfico
concentrar-se nas mãos de comerciantes de outras localidades. Os principais
invasores da Costa do Ouro foram os povos Haussás, que disputavam o domínio
do interior, principal fonte de abastecimento de escravos para o litoral. Na região
central da localidade, quem mais consegui o poder foi Axante, que permaneceu
por longos anos na Costa e tentou estatizar o comércio de escravos no século
XVIII. O nome Costa do Ouro não era dado por acaso, existia uma grande reserva
de ouro, motivo de avanços constantes de inimigos em busca do precioso metal.
Os povos que dominaram esta parte da África Ocidental chegavam a exportar a
mesma quantia de ouro e de escravos.
A Baía de Biafra
A Baía de Biafra expandiu sua participação nos negócios do tráfico expandiu sua
no século XVIII, contudo o volume de pessoas transportadas jamais participação nos
alcançou os volumes praticados pela África Central, ou o Golfo de negócios do
tráfico no século
Benim. O seu comércio era praticado principalmente por atacadistas,
XVIII, contudo o
não havia controle específico do Estado, os maiores traficantes que volume de pessoas
comercializavam naquela região eram de origem inglesa. transportadas
jamais alcançou os
O Golfo do Benim, ao lado da África Central, forneceu o maior volumes praticados
número de escravos para as Américas. Chamamos atenção em outra pela África Central,
ou o Golfo de
oportunidade sobre as ligações dessa região com a província da Bahia.
Benim.
Desde o século XVIII até 1850, os traficantes brasileiros, radicados ou
naturais da Bahia, trouxeram várias pessoas desta localidade de forma violenta
para viver em terras brasileiras. Os principais grupos capturados e envolvidos
nessa tarefa eram os jejes, haussás, bornus, tapas, nagôs, entre vários outros. Os
portos originários eram os de Aiudá, Popó, Onim e Apá. De acordo com um grande
especialista no tema, o historiador Paul Lovejoy, a região exportou mais escravos
na virada do século XVIII para o XIX.

Três novos fatores foram responsáveis pela expansão


astronômica nas exportações na área. Em primeiro lugar, a
perspectiva de lucro comercial parece ter sido um forte motivo
na luta pelo poder ao longo das lagunas que ficavam atrás do
golfo do Benim. Vários portos da laguna tentaram dominar
o mercado, desde Popo Grande e Pequeno, no oeste, até
Uidá, Offra, Jakin, Epe, Apa, Porto Novo, Badary e Lagos a
Leste. Aladá, situada no continente, impôs com sucesso algum
domínio sobre as lagunas. Seus portos em Offra e Jakine
e posteriormente seu controle sobre Uidá asseguravam o
domínio do comércio exportador no final do século XVII, quando
as exportações tornaram-se importantes. Em segundo lugar, o
reino ioruba de Oió iniciou uma série de guerras no interior
que resultou na escravização de muitas pessoas. Oió era um
estado da savana; a sua capital estava localizada apenas 50

53
HISTÓRIA DA ÁFRICA E DOS AFRICANOS: DA DIVISÃO COLONIAL AOS DIAS ATUAIS

km do rio Níger e a 300 km da Costa. Sua força estava na


cavalaria, baseada em cavalos importados do norte distante,
que permitia ao estado dominar o comércio até a costa. Em
terceiro lugar Daomé, situado a 100 km do litoral, intervinha na
política costeira e atacava os seus vizinhos do norte, desde a
década de 1720, aumentando assim o volume da exportação.
Daomé utilizava Uidá como seu principal porto, e por ele
saíram quase um milhão de escravos do final do século XVII
até o início do século XIX (LOVEJOY, 2004, p.102).

Observamos, nessa citação, os vários conflitos internos da região. Ademais,


a historiografia internacional credita a esse momento a formação de uma rede de
escravos no Golfo de Benim. Vários cativos apreendidos na África Setentrional
eram arrastados com correntes no pescoço por vários meses, antes de chegar às
feiras, onde eram vendidos para os mercadores, principalmente ingleses. Havia
rotas de escravos, ligando o interior do continente ao litoral, as pessoas reduzidas
à escravidão eram submetidas a longas caminhadas, dormiam em barracões
pouco iluminados e muitos, conforme é de se imaginar, não resistiam a esta
terrível travessia. Depois de passar por essa penosa viagem os sobreviventes
fariam outra, com um único destino: o incerto e o não sabido.

Vimos até aqui os principais Estados africanos envolvidos no negócio do


tráfico, e a organização e estrutura desse comércio. Cabe agora falar da viagem,
difícil e inóspita, a bordo dos famosos navios negreiros, flagelo dos escravizados.

A Viagem
A travessia atlântica era um dos momentos mais difíceis do processo de
escravização. Pessoas que estavam acostumadas com o convívio em seus
Estados e aldeias, que contavam com o apoio de vizinhos e familiares, que
possuíam animais domésticos pelos quais eram afeiçoados, de uma hora para
outra eram reduzidos à escravidão, e quando se davam conta estavam num navio,
cruzando um grande oceano.

Depois da captura, o que vinha era a espera. Geralmente aguardavam em


balcões improvisados, na própria Costa, fazendo suas necessidades com dezenas
de outras pessoas na mesma situação. Por vezes os capturados passavam
meses sem saber do futuro, trabalhando nas plantações de traficantes. Quando
embarcados, era da forma mais desconfortável possível, com centenas de outros
prisioneiros, a maioria portando as mais variadas moléstias. Passando por todas
essas etapas de sofrimento, aí sim se tornariam escravos, permanecendo a vida
toda (como acontecia na maioria dos casos) a serviço de um senhor e sua prole
no novo mundo.

54
Capítulo 2 Uma Viagem Sombria: Escravização e Tráfico,
Séculos XVII ao XIX

O grande problema de escrever uma história da travessia O grande problema


transatlântica está relacionado às fontes. Poucos dados sobre os de escrever uma
história da travessia
navios foram conservados até nossos dias e os marujos e pilotos não
transatlântica está
eram afeitos a escrever diários. O historiador que busca trabalhar com relacionado às
esse tipo de documentação sofre muito com a escassez de material. fontes.

Contudo, existem belíssimas fontes já compulsadas e um interesse crescente


pelo tema. Peter Linebauh e Marcus Heidiker, dois historiadores especialistas no
Império britânico do século XVIII, publicaram um livro muito bem escrito e cheio
de casos extraordinários, ocorridos no “atlântico inglês”. Um deles narra sobre um
navio que fora tomado por parte da tripulação, que em seguida libertou os escravos
que nele estavam depositados. De acordo com eles, existia uma linguagem
própria falada nos navios ingleses, ou seja, as pessoas ainda desconhecidas
compartilhavam uma forma própria de comunicação, e com o aumento das viagens
houve a formação de uma classe operária atlântica, unida e em alguns casos com
interesses revolucionários comuns (LINEBAUH; REIDKER, 2008).

Alguns africanos escravizados que depois aprenderam os códigos Um desses


de comunicação ocidentais, no caso a escrita, também deixaram relatos foi escrito
seus relatos. Por sorte dos historiadores de hoje. Um desses relatos por Mahommah
foi escrito por Mahommah Guardo Baquaqua, escravizado na África Guardo Baquaqua,
escravizado na
Ocidental em 1840, veio para o Brasil em 1845 e conseguiu sua alforria
África Ocidental
em Nova Iorque no ano de 1847. Nascido em uma família muçulmana, em 1840, veio para
provavelmente em 1827, ele frequentou uma escola muçulmana no o Brasil em 1845
Estado de Djougu, sua família era formada por comerciantes, e ele e conseguiu sua
logo cedo começou a trabalhar nessa profissão. Depois de participar de alforria em Nova
vários confrontos, acabou escravizado, e seguiu uma rota para Daomé, Iorque no ano de
1847.
sendo vendido no porto de Uidá. Sobre o embarque de escravos, o
relato de Babaqua diz:

Pode ser interessante, para aqueles pouco familiarizados com


o embarque de escravos, saber alguma coisa sobre a maneira
como isto é feito. Quando um embarque de escravos está
prestes a acontecer, os escravos são trazidos para fora, como
na sua saída costumeira para tomar ar, talvez de dez a vinte
numa corrente, que é presa ao pescoço de cada indivíduo,
a uma distância de cerca de uma jarda um do outro. Desta
maneira, eles são postos em marcha numa fila única, em direção
à praia, sem fazer ideia do seu destino, sobre o qual eles, de
resto, parecem um tanto indiferentes, mesmo quando vêm a
sabê-lo. Todas as canoas são requisitadas. A pequena peça de
tecido de algodão, atada às ilhargas do escravo, é retirada, e o
grupo em cada corrente é conduzido, um após o outro, até uma
fogueira previamente acesa na praia. Aqui, ferros de marcar são
aquecidos, e, quando um ferro está suficientemente quente, ele
é mergulhado rapidamente em azeite de dendê, para impedir
que fique grudado [sic] à carne. Ele, então, é aplicado às costelas

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HISTÓRIA DA ÁFRICA E DOS AFRICANOS: DA DIVISÃO COLONIAL AOS DIAS ATUAIS

ou às ancas, e às vezes até mesmo ao peito. Cada traficante


de escravos usa a sua própria marca, de modo que, quando o
navio chega ao seu destino, pode-se facilmente verificar a quem
pertenciam aqueles que morreram. Eles, então, são empurrados
para dentro de uma canoa, e obrigados a sentar-se no fundo,
onde são arrumados da forma mais compacta possível, até que
a canoa chegue ao navio. Então, eles são levados a bordo, e
novamente postos na corrente, até alcançarem seu destino,
onde são entregues aos seus futuros senhores ou aos agentes
destes(Biografia de Mahommah G. Babaqua, Apresentação de
Silvia Lara. In Revista Brasileira de História, 16 (1988), 269-284;
LOVEJOY, 2002).
A história desse
homem se passou Esse caso fantástico mostra bem as agruras que havia descrito
na região do Benim, anteriormente. Sair de um lugar conhecido para passar por tal situação
que de acordo com certamente não constituía uma coisa assaz agradável. A história desse
o que foi mostrado homem se passou na região do Benim, que de acordo com o que foi
possuía fortes laços mostrado possuía fortes laços comerciais com a Província da Bahia.
comerciais com a O Golfo do Benim exportou menos escravos somente que a África
Província da Bahia. Central, no período de legalidade do tráfico.

Fascinante também é o caso de Oluadah Equiano. Sua história preenche


um capítulo do mais recente livro do historiador Marcus Rediker, dedicado ao
estudo do navio negreiro. Diferente da bibliografia tradicional sobre o tema, seu
estudo visa analisar, sob o prisma da história dos grupos subalternos, como se
dava a formação de laços de solidariedade, amizade e também as dificuldades da
travessia atlântica. Seu texto, traduzido recentemente, já está na lista de materiais
obrigatórios para o estudo do tráfico.

O relato de Equiano, contando sua experiência de vida, e de como tornou-


se escravo, transformou-se um panfleto para o movimento abolicionista britânico,
nascido no começo do século XIX. Ele colocou no papel a sua verdade sobre
o tráfico e a abolição. Essa autobiografia contém seu depoimento de espanto
e terror sobre o navio negreiro, grande fantasma para a maioria dos homens e
mulheres de toda a África no século XVIII. Equiano nasceu na tribo Ibo e acabou
capturado por volta de 1745. Reidker assim descreve sua situação:

Levado a bordo da embarcação por traficantes africanos,


o menino de onze anos foi logo agarrado por membros da
tripulação, homens brancos de olhares horríveis, rostos
vermelhos e cabelos compridos, que o sacolejaram para ver
se ele tinha corpo sadio. Equiano pensou que eles eram maus
espíritos, e não seres humanos. Quando o largaram, o menino
olhou em volta do convés superior e viu primeiro um enorme
e fervente caldeirão de cobre, em seguida ali próximo, uma
multidão de negros de todos os tipos amarrados juntos, e em
cada um dos semblantes se via abatimento e pesar. Temendo
ter caído nas mãos de famintos canibais, ele foi tomado de
horror e angústia e desmaiou. Quando Equiano voltou a si,
ficou apavorado, mas logo haveria de descobrir que o desfile
de horrores mal começara (RIDKER, 2011, p. 118-119).

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Capítulo 2 Uma Viagem Sombria: Escravização e Tráfico,
Séculos XVII ao XIX

As condições no navio e a viagem, como pudemos notar a partir dessa


análise, eram terríveis. Os historiadores de língua inglesa chamam essa terrível
experiência de middle passage, que em uma tradução literal e particular seria
passagem do meio. E esse momento, seguindo os relatos de Equiano por meio
da magistral descrição de Ridker, tornou-se ainda pior. Dentro do convés, os
escravos estavam tão apertados que era impossível girar o corpo, “os cativos
ficavam apinhados em espaços fechados mais ou menos igual ao de um cadáver
num caixão”. As correntes castigavam a carne do pescoço e dos pulsos, partes
notoriamente mais sensíveis do corpo. O calor era terrível e a suor contínuo, isso
provocava um forte e horrível odor, misturado com outros, tais como: vômitos,
sangues e excrementos. Esta era a terrível realidade dos navios negreiros, onde
a taxa de mortalidade era, segundo os especialistas, variável entre 15 e 30% da
“carga humana” (RIDKER, 2011, p. 130-131).

Equiano sobreviveu e pôde registar todas essas bizarrices, enquanto vários


outros morreram, tornando-se apenas números deste infame comércio. Essas
duas histórias buscam trazer à tona a experiência de homens africanos que
foram submetidos à escravidão. Tal experiência, registrada e analisada por vários
historiadores, relata casos individuais, contudo provavelmente não difere dos
sentimentos da maioria dessas pessoas. Falta ainda um recorte de gênero, pois
inexistem fontes iguais escritas por mulheres. Quem sabe alguns arquivos não
guardem a história dessas mulheres? Cabe torcer para que algum historiador
encontre esses relatos.

Algumas
Algumas interpretações históricas seguem outro caminho. As
interpretações
experiências individuais são deixadas de lado, e a grande discussão históricas seguem
refere-se ao grupo e à cultura dos africanos nesta “passagem do meio”. outro caminho.
As experiências
Richard Price e Sidney Mintz são dois antropólogos norte-americanos individuais são
que possuem trabalhos sobre o Caribe e o Suriname. No ano de 2002, um deixadas de lado, e
a grande discussão
livro dos autores foi lançado no Brasil. O título original, em inglês e lançado
refere-se ao grupo
nos Estados Unidos, é de 1992, mas já estava sendo esboçado desde o e à cultura dos
final da década de 1980. Esse estudo busca contribuir na discussão sobre africanos nesta
heranças africanas na cultura negra das Américas. “passagem do meio”.

Com um tom claramente provocativo, o livro busca demonstrar que a


cultura afro-americana, estendida por nós à afro-brasileira, não era em nada
pura, muito menos sobreviveu no novo mundo. Os autores justificam sua tese
basicamente por meio da bibliografia produzida sobre o tema e uma poderosa
capacidade argumentativa. Para Mintz e Price, a dificuldade de sobrevivência
da cultura africana teve como agravante vários elementos, como, por exemplo:
a) os africanos vieram de grupos que falavam muitas línguas diferentes; b) com
a vivência no novo mundo, a língua materna seria esquecida; c) sacerdotes e

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HISTÓRIA DA ÁFRICA E DOS AFRICANOS: DA DIVISÃO COLONIAL AOS DIAS ATUAIS

sacerdotisas africanos fizeram a “passagem do meio”, o templo e os objetos não,


assim como reis e rainhas também foram escravizados, mas a monarquia não.
Essa proposta afirma que houve uma espécie de mistura cultural já nos navios,
e a cultura afro-americana começou a formar-se na passagem, mas por meio da
mistura entre as várias etnias africanas. Para eles:

As formas sociais e culturais afro-americanas foram forjadas


nas fogueiras da escravidão, mas não podiam nem podem
ser definidas as restringindo aos povos ou sociedades cujas
origens físicas eram africanas, do mesmo modo que as formas
sociais e culturais euro-americanas não podem ser limitadas
àqueles cujas origens físicas eram europeias (MINTZ & PRICE,
2002, p.112).

A hipótese dos autores, segundo suas próprias observações, carecem de


base empírica, no entanto traz elementos interessantes para análise. Realmente,
existia uma dificuldade em manter a cultura, principalmente na travessia
transatlântica. No entanto, tais homens e mulheres certamente conseguiram,
mesmo que posteriormente, adaptar em terras antes desconhecidas seus modos
de vida.

John Thorton, historiador especializado em africanos no Novo Mundo, entrou


em franco debate/diálogo com os dois autores. No seu livro ele tenta responder
empiricamente a Mintz e Price, apresentando dados que mostram sim uma
continuidade de traços africanos nas Américas. Diante da grande quantidade de
fontes apresentadas pelo autor, escolhemos esta citação como uma forma de
representar seu pensamento:

O tema da homogeneidade cultural da África foi sempre


debatido, mas hoje muitos especialistas seguem a corrente
de pensamento de Mintz e Price, argumentando que, qualquer
que fosse a situação na África, o processo de obter escravos e
de distribuí-los em vários empreendimentos econômicos teve
o efeito de dispersá-los. O resultado dessa seleção aleatória
pode ser mais sério, mesmo se reduzirmos o número de
culturas africanas envolvidas em três ou no máximo sete. A
dispersão não ocorreu na travessia transatlântica. Os navios
negreiros embarcavam toda a sua carga de um ou talvez
dois portos em seus novos lares no atlântico. Os capitães
dos navios tinham interesse em reunir a maior quantidade de
escravos o mais rápido possível, para reduzir as despesas e
diminuir a mortalidade. Quando os escravos embarcavam em
algum lugar, o capitão tinha de mantê-los a bordo, mesmo se
ele se dirigisse a outros pontos da costa. Mas se os escravos
estivessem reunidos em um local do porto, ele os manteria
lá até o momento de partir. Essa prática era benéfica para
a saúde dos escravos, bem como permitia aos capitães
atribuir algumas perdas em razão de mortes aos vendedores
(THORNTON, 2004, p.263).

58
Capítulo 2 Uma Viagem Sombria: Escravização e Tráfico,
Séculos XVII ao XIX

Para refutar a análise dos autores, o historiador ataca um ponto central


na análise dos antropólogos, ao afirmar que os navios não eram causadores de
nenhum tipo de dispersão cultural. Para Thorton, a dispersão não acontecia desta
maneira, já que os comerciantes capitalistas preocupavam-se principalmente em
conseguir pessoas da forma mais rápida possível, por meio dos raptos de pessoas
do mesmo grupo cultural, e mesmo com a taxa de mortalidade sendo altíssima na
travessia, é forçoso lembrar que o mínimo de cuidado com as pessoas transportadas
era necessário, tendo em vista que, com a morte de um homem, mulher ou criança,
o capitalista envolvido nos negócios negreiros tinha prejuízos. Outro dado que
merece destaque em sua análise nos faz indagar acerca de duas questões.

Atividade de Estudos:

1) A primeira é como explicar a sobrevivência de rituais que ainda


guardam forte matriz africana, como o candomblé no Brasil? Será
que Mintz e Price analisaram somente o modelo estadunidense,
deixando de lado esta particularidade brasileira? O que você,
prezado cursista, acha disso?
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Um dos dados empíricos pode ser adicionado a essa discussão. Na última


edição da revista eletrônica “Mundos do Trabalho”, editada na Universidade
Federal de Santa Catarina, o historiador Walter Hawthorne publicou um artigo
sobre laços de solidariedade entre pessoas escravizadas. No ano de 1821, mês
de fevereiro, cerca de 391 pessoas embarcaram no navio Emília, saindo do porto
de Lagos (Onim). O navio acabou preso pela marinha inglesa, que combatia
com veemência o tráfico neste momento, e eles foram enviados para trabalhar
no Brasil, prestando serviços como africanos livres. O interessante é que, depois

59
HISTÓRIA DA ÁFRICA E DOS AFRICANOS: DA DIVISÃO COLONIAL AOS DIAS ATUAIS

que o tempo de serviço ao qual foram submetidos acabou, eles retornaram para
a África juntos, demonstrando o quanto essa viagem no navio havia aproximado
essas pessoas (HAWTHORNE, 2012).

Nesse sentido, além da localidade, todos foram escravizados na mesma


região, o que corrobora a tese de Thornton. Eles também mantiveram sua
africanidade, e esse sentimento fez com que decidissem, em grupo, retornar para
sua terra de origem.

Na década de 1960 Atualmente o debate envolvendo a sobrevivência ou não da cultura


até aproximadamente africana nas Américas ainda é vivo. No entanto, esse não foi sempre o
o final dos anos
grande motivo de discordância envolvendo os pesquisadores dedicados
1980, os africanistas
digladiavam-se em à travessia e ao tráfico.
torno de números,
sim, números. Na década de 1960 até aproximadamente o final dos anos 1980,
os africanistas digladiavam-se em torno de números, sim, números.
A quantidade de homens, mulheres e crianças trazidas pela diáspora provocou
intensas disputas.

Afinal, Quantos Vieram?


A historiografia sobre o tráfico durante muito tempo especulou sobre o número
de pessoas arrastadas para a América. Não apenas por conta da predominância da
história econômica na década de 1960, mas também por uma questão ideológica.
Pesquisadores europeus e estadunidenses buscaram apontar os países que mais
trouxeram pessoas coercitivamente escravizadas. Alguns autores subestimaram
os números, enquanto outros apresentaram dados inverossímeis.

Utilizando métodos diferentes e técnicas diferenciadas, esses profissionais,


filiados aos mais diversos modelos de abordagens e com modelos teóricos
distintos, contribuíram para que os números se transformassem em uma querela
até hoje não resolvida.

O historiador congolês Elikia M’okolo, professor da Escola de Altos


Pesquisadores
operavam numa Estudos e Ciências Sociais de Paris, recentemente teve seu livro sobre
lógica revisionista, da as civilizações africanas traduzido para o português. Nele, o eminente
mesma forma que professor dedica algumas páginas à análise das ideologias e dos
alguns estudiosos números levantados acerca do tráfico pela historiografia especializada
negam o massacre no tema. Para ele, os pesquisadores operavam numa lógica revisionista,
em massa dos
da mesma forma que alguns estudiosos negam o massacre em massa
judeus, conhecido
como holocausto, dos judeus, conhecido como holocausto, por exemplo. Porém, dada a
impossibilidade de tornar invisível a deportação em massa de africanos,

60
Capítulo 2 Uma Viagem Sombria: Escravização e Tráfico,
Séculos XVII ao XIX

acontecimento que gerou uma crise demográfica na África, eles utilizaram os


números para minimizar os efeitos nefastos que o tráfico teve na demografia e
no posterior desenvolvimento do continente africano. Para ele, esses autores são
os negacionistas. Grosso modo, essa escola resume seus argumentos em três
grandes eixos: a) na ideia de que, no fim de contas, mesmo realizado sob coação,
o tráfico dos negros não teria sido mais do que uma migração entre tantas outras
que marcam a história da humanidade; b) no que se refere aos números, a
revisão, para baixo, minimiza seus efeitos para a África; c) o tráfico de escravos,
independente do número de pessoas, também trouxe por meio dos africanos
várias doenças que foram extremamente prejudiciais para o desenvolvimento da
vida nas Américas (BOOKOLO, 2009, p. 332).

A tarefa de contabilizar essas pessoas esbarra numa dificuldade enorme.


No entanto, podemos ter uma base aproximada, que para o autor congolês oscila
entre 18 a 19 milhões de pessoas. Analisando a tabela abaixo é possível observar
a disparidade entre os principais estudiosos e as estimativas feitas de perda de
passageiros no oceano. Alguns contabilizaram perdas de até 20%, enquanto outros
estimam que o teto de mortos era de apenas 10% do total embarcado.

Tabela 1- Estimativas da perda de passageiros nos oceanos


Perdas na
Chegados à Perdas na Perdas na
Autores travessia:
América travessia: 15% travessia: 20%
10%
Dunbar (1861) 13.887.500 15.431.000 16.338.000 17.359.000

Owen (1864) 15.520.000 17.244.000 18.259.000 19.400.000

Dubois (1911) 15.000.000 16.7000 ___________ __________

Kuczynski (1911) 14.650.000 16.278.000 17.235.000 18.313.000

Deer (1950) 11.970.000 13.300.000 14.082.000 14.963.000

Curtin (1969) 9.566.000 10.629.000 11.259.000 11.957.000

Inikori (1978) 13.392.000 15.400.000 __________ __________

Rawley (1981) 11.345.000 12.606.000 13.348.000 14.181.000

Lovejoy (1982) 9.778.500 11.642.000 ___________ __________

Fonte: Elilia M’OKOLO. África negra: história e civilizações.


São Paulo: EDUFBA/Casa das Áfricas, 2009, p.334.

61
HISTÓRIA DA ÁFRICA E DOS AFRICANOS: DA DIVISÃO COLONIAL AOS DIAS ATUAIS

Em momentos diferentes, esses números variavam, e não foram poucas as


pessoas que se debruçaram em censos e registros sobre essas viagens. Hoje,
existe outra maneira de contabilizar esses dados, e ela está completamente ligada
ao avanço da tecnologia em nosso século.

David Eltis, professor da Universidade de Emory, nos Estados Unidos,


dedicou várias décadas no levantamento do número de africanos vindos para
a América para trabalhar como escravos. Historiador e especialista na diáspora
africana, na publicação de um influente livro sobre o tráfico, ainda sem tradução
para o português, intitulado “Economic Growth and the Ending of the
No começo do século
Transatlantic Slave Trade” (Crescimento Econômico e o fim do Tráfico
XXI, contando com
dados coligidos de Transatlântico de Escravos), de 1987, já esboçava sua contagem.
fontes de vários Depois, com mais dois colegas, publicou um livro e também um CD-
lugares do mundo, Rom com dezenas de dados e tabelas sobre as estimativas do tráfico.
Eltis e sua equipe Era só uma prévia do que estava por vir.
lançaram um
site, cujo objetivo,
No começo do século XXI, contando com dados coligidos de
sem dúvida, é
extremamente fontes de vários lugares do mundo, Eltis e sua equipe lançaram um
ambicioso. Catalogar site, cujo objetivo, sem dúvida, é extremamente ambicioso. Catalogar
todos os dados das todos os dados das travessias atlânticas.
travessias atlânticas.

O endereço do sítio é www.slaveryvoyages.org. Ele conta com


nada mais, nada menos, que 35.000 viagens catalogadas nos mais
diversos arquivos, entre 1514 e 1866. Esse recurso oferece várias
informações, como navios, rotas comerciais, povos escravizados e o
destino dessas pessoas.

Na página de apresentação, que além de funcional possui um design bonito,


somos apresentados aos recursos que podemos acessar. O primeiro é a pesquisa
no banco de dados, onde podemos acompanhar os números do tráfico por ano,
tendo várias delimitações na busca: nação do proprietário, itinerário da viagem,
ano de chegada, resultado da viagem para os escravos, nome do capitão e da
tripulação, total de escravos e características dessas pessoas, como a estimativa
de homens, mulheres e crianças. O segundo subitem refere-se às estimativas do
tráfico, já que apenas 40% dos embarcados foram escravizados, enquanto os
outros 60% ou fugiram ou morreram antes do embarque. O terceiro e último é
muito útil para aqueles interessados no século XIX, pois apresenta vários nomes
de africanos que foram libertados nesse período.

62
Capítulo 2 Uma Viagem Sombria: Escravização e Tráfico,
Séculos XVII ao XIX

Como podemos perceber, se trata de um material de grande utilidade para


estudiosos e demais interessados no assunto. A limitação existe e está relacionada
ao idioma, já que todo o material está em inglês. Cabe a você aprender essa
língua, caso não a domine, e acessar o material.

Atividades de Estudos:

1) Escreva uma resenha crítica contendo sua interpretação sobre o


impacto do tráfico para os africanos e a sobrevivência ou não da
cultura nas Américas nos dias de hoje.
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2) Em grupo ou individualmente, navegue pelo site “slavevoyage”


e elabore um roteiro sobre como utilizar o material, escrito em
tópicos e de fácil acesso.
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63
HISTÓRIA DA ÁFRICA E DOS AFRICANOS: DA DIVISÃO COLONIAL AOS DIAS ATUAIS

Algumas Considerações
Observamos até aqui um pouco dessa longa história do tráfico de escravos
para as Américas. Conseguimos apresentar as conexões brasileiras, que eram
na verdade seculares, principalmente com o Rio de Janeiro e Salvador. Foi
possível também compreendermos um pouco mais acerca dos Estados africanos
envolvidos, como se dava o comércio interno e os intermediários que estavam
participando dessas negociações. Um fator de destaque e de suma importância
refere-se à viagem. Vimos também o quanto era difícil a vida dentro de um navio.
Por meio de duas histórias de vida, chegamos ao menos perto da reconstituição
da experiência do tráfico para homens e mulheres de outrora. Os números e as
disputas também tiveram um papel muito importante nesse material, e mesmo não
chegando a números específicos, o que é impossível, apresentamos os autores e
suas respectivas interpretações, bem como analisamos uma importante ferramenta
de pesquisa que congrega várias viagens e mapeia a rota desses navios negreiros.

Outro tema importante é a chegada desses africanos ao Novo Mundo, tema


de outras discussões mais específicas no campo de história social do Brasil.

Referências
FLORENTINO, Manolo Garcia. Em costas negras: uma história do tráfico
atlântico entre o Rio de Janeiro e a África. São Paulo: Companhia das Letras,
1998.

HOWTORNE, Walter. “Sendo agora como se fossemos uma família”: laços entre
companheiros de viagem do navio negreiro Emília, no Rio de Janeiro através do
mundo atlântico. In. Revista Mundos do Trabalho, vol. 03, número 06, 2011.

KARASCH, Mary. A vida dos escravos no Rio de Janeiro (1808-1850). São


Paulo: Companhia das Letras, 2000.

LINEBAUGH, Peter; REIDKER, Marcus. A hidra de muitas cabeças:


marinheiros, escravos e plebeus e a história oculta do atlântico revolucionário.
São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

LOVEJOY, Paul. A escravidão na África: uma história de suas transformações.


Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.

M’OKOLO, Elikia. África negra: história e civilizações, tomo I. Salvador/São


Paulo: Edufba/Casa das Áfricas, 2009.

64
Capítulo 2 Uma Viagem Sombria: Escravização e Tráfico,
Séculos XVII ao XIX

MINTZ, Sidney; PRICE, Richard. O nascimento da cultura afro-americana. Rio


de Janeiro: Editora da Universidade Cândido Mendes, 2002.

REDKER. Marcus. O Navio negreiro: uma história humana. São Paulo:


Companhia das Letras, 2011.

SILVA, Alberto da Costa; SOUZA DE, Francisco Félix. Mercador de escravos.


Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2004.

_____. A enxada e a lança: a África antes dos portugueses. Rio de Janeiro:


Nova Fronteira, 1992.

_____. A manilha e o libambo: a África e a escravidão de 1500-1700. Rio de


Janeiro: Nova Fronteira, 2005.

SOARES, Carlos Eugênio Líbano. A capoeira escrava e outras tradições


rebeldes no Rio de Janeiro (1808-1850). Campinas: Editora da Unicamp, 2004.

THORNTON, John K. África e os africanos na formação do mundo atlântico.


Rio de Janeiro: Campus/Elsevier, 2004.

65
HISTÓRIA DA ÁFRICA E DOS AFRICANOS: DA DIVISÃO COLONIAL AOS DIAS ATUAIS

66
C APÍTULO 3
Neocolonialismo na África em Fins
do Século XIX e Início do XX

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

Como aconteceu o fim do tráfico de africanos e seu impacto para a África.


As justificativas do novo processo colonialista no continente.


As diferenças entre os colonialismos praticados entre as potências europeias.


Os limites e as possibilidades dos países africanos diante do novo colonialismo.



HISTÓRIA DA ÁFRICA E DOS AFRICANOS: DA DIVISÃO COLONIAL AOS DIAS ATUAIS

68
Capítulo 3 Neocolonialismo na África em Fins do Século XIX
e Início do XX

Contextualização
Atualmente no Brasil e alhures existem várias escolas de idiomas.
Algumas delas prometem até mesmo a proeza de uma fluência em apenas
doze meses, outras presenteiam os alunos matriculados com objetos que
emitem palavras na língua que o estudo pretende adquirir fluência. Com
modelos homens e mulheres, essas escolas patrocinam eventos esportivos e
programas de boa audiência na rede aberta de televisão. Além dessas escolas
existem também institutos de língua. O objetivo de tais institutos, geralmente
batizados com nomes de grandes escritores da língua dos países de origem,
também é o ensino no idioma. Mas não apenas isso. Ao aluno é ensinada
a cultura, os costumes, as datas comemorativas, enfim, a civilização destas
nações europeias.

Há cerca de 130 anos, os Europeus entraram novamente na África justamente


para obrigar os africanos a aceitarem a sua civilização. Para os homens daquela
sociedade, era preciso levar aos “selvagens” negros e africanos toda a pujança do
seu mundo.

Dentre os países europeus, veremos neste capítulo a participação deles


nessa negociação e as articulações internas que os levaram ao retorno ao
continente africano. Portanto, esse capítulo será um tanto mais europeu, devido
à impossibilidade de narrarmos a neocolonização sem esmiuçar o outro lado. Por
razão do espaço, resolvemos limitar nossa análise, não estendendo o processo
colonizador para países que ocuparam uma escala menor no processo. Deteremo-
nos em especial nos maiores: Alemanha, Inglaterra, França, Bélgica e Portugal,
que apesar de não ter uma preponderância nesse momento, é importante para
nossa análise por estar ligado ao processo de descolonização tardia.

O capítulo vai mostrar o lado europeu, mas não vamos esquecer também dos
africanos, e iremos explicar como a elite dos vários países comportou-se diante da
investida europeia. Teceremos comentário também acerca das possibilidades de
resistência que, malogradas neste primeiro momento, não foram de forma alguma
menosprezadas pelos seus algozes.

O Fim do Tráfico de Escravos


Africanos
Antes o que trazia os europeus para a África era o tráfico de escravos. Vimos,
no capítulo anterior, a estrutura e algumas formas de resistência frente a esse

69
HISTÓRIA DA ÁFRICA E DOS AFRICANOS: DA DIVISÃO COLONIAL AOS DIAS ATUAIS

tipo de comércio. Contudo, cabe agora analisar o seu fim. Afinal, no continente o
tráfico marcou o prelúdio de um novo colonialismo, que tomou força e conseguiu
seus objetivos a partir do último quartel do século XIX.

Para começar, um primeiro item deve estar no horizonte de nossa análise


sempre que se escreve sobre o fim do tráfico na África. Este argumento pode
parecer insano à primeira vista, mas devemos tentar pensar como os homens
daquele período, ou ao menos exercer uma distância salutar de nosso tema: os
africanos não queriam o fim do tráfico.

A ideia de A ideia de abolicionismo não é de inspiração africana. Ela era


abolicionismo não direcionada, sobretudo, ao tráfico entre os países europeus e africanos,
é de inspiração
e não visava extinguir o comércio interno, existente no continente desde
africana.
ao menos 1650.

Suas manifestações provinham de uma filosofia moral, cujo poder de


mobilização real era muito fraco. Entretanto, depois de meio século, as bandeiras
das forças contra o tráfico e a escravidão, forças da “civilização” da África,
serviram de pretexto oficial para as pressões ocidentais contra o tráfico dentro do
continente africano. Tais forças eram cada vez mais fortes no litoral e no Oeste do
continente africano.

Por volta de 1860, o Ocidente europeu instalou em definitivo uma presença


que até então era pontual, subordinada aos soberanos africanos e por vezes
proibida. Essa presença estava determinada pela Inglaterra, que visava proibir,
com o seu poderio naval, toda e qualquer mobilização de navios em portos
africanos. Do Norte ao Leste da África, os navios ingleses entraram para sair
apenas um século depois.

O perfil abolicionista dos ingleses não pode ser associado apenas ao


comércio e à vontade de conquistar novos territórios. Desde o século XVIII, a
definição do que seria um direito universal ao bem estar e à liberdade passou
por discussões com diversos campos de conhecimento: antropólogos, filósofos
e teólogos voltaram‑se para o exemplo africano, do escravo da escravidão e sua
posição num mundo livre.

Os ideais que nortearam a Revolução Francesa também foram os mesmos


que fizeram com que o tráfico fosse extinto, pois era necessário para tais teóricos
que esse pensamento fosse estendido para o “selvagem-africano”.

Esse tipo de movimento fez com que as noções admitidas sobre o que
era o negro africano e o escravo americano não fossem mais confundidas. A
transmutação era evidente, se antes o africano era um animal de carga, para a
maioria dos europeus, agora era um ser moral e social.
70
Capítulo 3 Neocolonialismo na África em Fins do Século XIX
e Início do XX

Essas análises humanitárias passaram a exigir o fim do tráfico e Essas análises


desse terrível comércio. A legitimidade moral da escravidão estava na humanitárias
berlinda, e a exigência abolicionista aumentou muito com o passar das passaram a exigir
o fim do tráfico
décadas.
e desse terrível
comércio. A
As associações internacionais, ao pensarem no tráfico, afirmavam legitimidade moral
que sua prática era extremamente brutal. Depois de décadas, os da escravidão
europeus passaram a perceber que não apenas a escravidão, mas estava na berlinda,
também o tráfico era uma prática cruel, ao contrário dos séculos e a exigência
abolicionista
anteriores, como vimos no capítulo anterior. Para eles, a prática deste
aumentou muito
“infame comércio” encorajava a morte de outros brancos e retirava a com o passar das
capacidade produtiva do continente africano. décadas.

Não obstante, a campanha para o fim do tráfico transformou a África, no


imaginário europeu, em uma terra de barbárie, cuja opinião que tinha como base
unicamente as observações dos ocidentais dotados de um “saber” sobre a África,
os negreiros. Nesse sentido, alguma coisa deveria ser feita, ou seja, eles deveriam
promover o desenvolvimento no continente.

Ao denunciar o flagelo, os abolicionistas não pretendiam converter


imediatamente traficantes negros ou escravagistas brancos. Propôs-se um
programa de regeneração da África através da cristianização, da civilização, do
comércio natural que fixou etapas racionais para sua execução: reverter à opinião
pública do mundo cristão; levar os governos “civilizados” a tomar posições oficiais;
abolir legalmente o tráfico no Atlântico.

Na França, por exemplo, país onde a difusão de valores burgueses e


iluministas foi grande, existe um exemplo claro desse tipo de mentalidade contra
o tráfico e a escravidão. Um importante livro que é estudado como sendo parte
da obra de alguns filósofos iluministas, denominada Enciclopédia, produzida por
Denis Diderot, difundiu entre os revolucionários a aversão à escravidão. Houve
a criação de uma sociedade de amigos dos Negros, formada por intelectuais do
país e que teria supostamente recebido ajuda financeira da Inglaterra.

Os ventos contra o tráfico também refletiram na própria escravidão no novo


mundo. A francesa sociedade dos amigos dos negros atuou no Império. Eles
enviaram uma carta ao então imperador D. Pedro II.

A missiva continha um apelo ao soberano para que pusesse Era o ano de 1864
fim ao regime escravista no país. Era o ano de 1864 e o imperador e o imperador
prometeu encaminhar a questão, e assim o fez. Contudo, com a Guerra prometeu encaminhar
a questão, e assim
do Paraguai o projeto foi momentaneamente esquecido, e uma lei que
o fez.
previa a extinção da escravidão aos filhos de escravas tornou-se lei em
1871 (SCWARCZ, 1998).
71
HISTÓRIA DA ÁFRICA E DOS AFRICANOS: DA DIVISÃO COLONIAL AOS DIAS ATUAIS

Os revolucionários não sentiam nem a realidade negreira nem a necessidade


de levar a opinião pública a apoiar sua nova ideologia. Pelo contrário, na Inglaterra
a sensibilização do povo para a filantropia se fazia pela explicação religiosa, por
meio de uma grande cruzada contra os católicos, que segundo eles praticavam
esse tipo de repugnante atitude.

Nas treze colônias, não foi diferente da Inglaterra. Os evangélicos das treze
colônias convenceram os evangélicos ingleses a juntarem-se ao movimento
abolicionista inglês. Na Inglaterra, os políticos também clamavam pelo fim do
tráfico, levando tal reivindicação à Câmara dos Comuns, por intermédio do grande
líder parlamentar contra o tráfico e a abolição: William Wiberforce.

O combate contra os numerosos obstáculos levados a cabo pelos


escravagistas e pelos traficantes durou aproximadamente vinte anos. Essa
defesa dos interesses humanitários pelos poderes políticos tinha tido apenas
uma campeã, a Grã‑Bretanha, nação cujos negreiros haviam importado cerca de
1.600.000 africanos em suas colônias americanas ao longo do século anterior.

A historiografia não deixou de citar, por exemplo, o magistral trabalho de Eric


Williams, “a abolição servia poderosamente aos interesses econômicos da Inglaterra
industrial nascente”. Claro que, em sua análise, o historiador não deixou de analisar
o papel humanitário e religioso em todo esse processo, contudo ele levantou alguns
pontos que ainda carecem de melhores investigações. Um deles apresentava
uma questão de ordem muito prática e simples: entre os principais dirigentes do
movimento abolicionista, figuravam numerosos banqueiros (esse exemplo vale
também para a Sociedade Francesa dos Amigos dos Negros), ou seja, a abolição
do tráfico servia aos interesses do capital. Mais tarde, as ideias teóricas iriam se
revelar importantes para dominar e frear o comércio entre Brasil e Cuba.

Para concluir, é possível estabelecer um acompanhamento cronológico acerca


do tráfico de africanos para a África. O tráfico terminou em 1824 no Senegal e
continuavam esporadicamente nos rios Pongo e Nunes, até 1866. Na Costa
do Marfim e do Ouro o tráfico interno acabou subsistindo, e alguns raros que se
destinavam aos navios da Costa, seu destino era, contudo, o mercado regional.

A leste na região de Uidá e Lagos, a situação era difícil de explicar devido à


sua complexidade, pois definir o que era tráfico de escravos e o que era tráfico
de homens “livres” era extremamente difícil. Entretanto, a pressão diplomática e
as artimanhas políticas da França e da Inglaterra levaram a uma forte contenção
do tráfico de escravos. Do Benim até o Gabão, o que prevalecia era uma política
de tratados e de ocupação do solo, cuja consequência era minar o lugar onde os
escravos eram levados. Por meio de pressões e tratados, o tráfico na África foi se
amainando e os europeus atingiram seu objetivo por volta de 1870.

72
Capítulo 3 Neocolonialismo na África em Fins do Século XIX
e Início do XX

Os africanos, como demonstrei acima, tiveram uma posição difícil


nesse contexto, eles assumiram duas posições distintas e ao mesmo tempo
complementares de resistência a desintegração da economia, e de integração
rápida ao processo de inovação.

Agora a posição dos europeus seria outra. Eles não conseguiram vislumbrar
capacidades de existência de outros valores fora os seus. O interesse dos ex-
traficantes pela civilização africana era comercial e “científico”. E um novo
colonialismo começou, agora travado nos majestosos escritórios dos governantes
europeus do período.

Atividade de Estudos:

1) Destaque os principais motivos do fim do tráfico de escravos em


África.
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A Europa e as Motivações do
Colonialismo
Os países denominados potências na Europa adentraram no continente
africano com as mais variadas afirmações, mas com um único objetivo. Tal objetivo
era sem dúvida dominar os povos africanos e conquistar e usurpar seus territórios.

73
HISTÓRIA DA ÁFRICA E DOS AFRICANOS: DA DIVISÃO COLONIAL AOS DIAS ATUAIS

Durante esse período, a rivalidade entre os países europeus era enorme,


principalmente entre França e a Alemanha. Os dois países nutriam uma questão
ainda mal resolvida, associada à Guerra Franco-Prussiana.

Guerra Franco-Prussiana: foi um conflito ocorrido


entre  França e o Reino da Prússia  no final do  século XIX.
Durante o conflito, a Prússia recebeu apoio da Confederação
da Alemanha do Norte, da qual fazia parte, e dos estados do
Baden, Württemberg e Baviera. A vitória incontestável dos alemães
marcou o último capítulo da unificação alemã sob o comando
de Guilherme I da Prússia.Também marcou a queda de Napoleão III e
do sistema monárquico na França, com o fim do Segundo Império e
sua substituição pela Terceira República Francesa. 

A França também se interessava pela guerra por motivos de apoio popular.


A Guerra nesse período, mais do que em outros, não pode ser dissociada de
assuntos políticos. Nesse período, o ditado difundido atualmente de que a Guerra
é uma forma de diplomacia era mais válido do que foi em qualquer outro momento
da história da humanidade.

Guerra começou A Guerra começou em 1870, as tropas francesas acreditavam


em 1870, as
veementemente em sua capacidade militar, essa confiança estava
tropas francesas
acreditavam afiançada pelo que o país foi capaz de fazer no fim do século XVIII sob
veementemente os auspícios do General Bonaparte. Se há cem anos o exército francês
em sua capacidade era provavelmente o mais forte e poderoso do continente, capaz de
militar, essa confiança conquistar vários países, expulsar famílias reais para o Novo Mundo,
estava afiançada pelo agora a realidade era um tanto quanto diferente.
que o país foi capaz
de fazer no fim do
século XVIII sob os Dotada de poder bélico superior, os membros do Reich venceram
auspícios do General o confronto e, não obstante, capitularam o símbolo da França: a cidade
Bonaparte. de Paris, no dia 20 de setembro de 1870.

No ano seguinte eles firmaram um acordo com os germânicos, no qual se


rendiam, e o pior, entregaram a eles parte de seu território, a Alsácia Lorena.

Esse episódio malogrou os cidadãos franceses, ferindo o orgulho nacional


do país. O entrevero com os germânicos teve muita influência no imaginário
colonialista e também foi responsável pelo início da I Guerra Mundial.

74
Capítulo 3 Neocolonialismo na África em Fins do Século XIX
e Início do XX

Segundo Arno Mayer, estudioso da Europa, a região estava ainda impregnada


por elementos políticos do Antigo Regime, e as disputas entre as potências
representavam uma espécie de disputa por dinastias, tal como aconteceu no
período anterior. Eles ainda viviam ou tinham suas matrizes de pensamento
guiadas pelo Antigo Regime:

As mentalidades das elites europeias provavelmente se


arrastavam ainda mais atrás de desenvolvimentos econômicos
que sua vida social e cultural. De qualquer forma, seu arcabouço
mental se transformou muito lentamente e foi talvez mais
revelador de seu enraizamento contínuo e aliança com o antigo
regime. As classes governantes, em que o elemento feudal se
manteve particularmente evidente, estavam de todo imbuídas
de valores e atitudes nobiliárquicas. Suas concepções de mundo
era consoante com uma sociedade autoritária e hierárquica em
vez de liberal e democrática (MAYER, 1984, p. 21).

Foram imbuídos desta mentalidade que as nações, ou melhor, as elites


dominantes da Europa se aventuraram novamente em um novo processo de
ocupação da África. Se antes a justificativa era principalmente levar a religião aos
“bárbaros” africanos, como ocorreu nos séculos XVI e XVII, agora o motivo não
era menos nobre. As principais potências operaram a invasão no sentido de levar
o desenvolvimento econômico e a civilização aos africanos atrasados, adentrando
novamente num território que não lhes pertencia.

Os principais países europeus envolvidos nessa seara localizavam-se na Europa


ocidental: Grã-Bretanha, Império Alemão e prussiano, sob a liderança de Bismarck
– doravante chamada de Alemanha, França e um combalido Portugal, lutando
para manter ao menos parte do imenso império ultramarino de outrora e a Bélgica.
Veremos agora, de forma mais detida, a participação desses países no colonialismo.

Atividade de Estudos:

1) Hoje vivemos em um mundo globalizado, com bolsas de valores


conectadas em todo o mundo e a internet diminuindo as fronteiras
nacionais. Seria possível pensarmos em globalização nesse
período nos Estados europeus? Justifique sua resposta.
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HISTÓRIA DA ÁFRICA E DOS AFRICANOS: DA DIVISÃO COLONIAL AOS DIAS ATUAIS

As Primeiras Investidas Contra o


Continente
No ano de 1872, A entrada inicial de europeus no continente africano esteve
após a tentativa associada à sedenta vontade dos europeus que saquear os metais
de uma ponte nos preciosos dos países africanos. Com esta ambição, vários aventureiros
Estados Unidos
entraram no continente em busca de riqueza. Acreditava-se ainda em
capaz de unir
uma suposta hospitalidade do continente africano, se comparada com a
Nova York a São
Francisco, os hostilidade dos asiáticos, onde alguns países também tinham colônias.
dirigentes europeus
pensaram em criar Outra forma de tentar obter o controle desse continente esteve
uma parecida no ligada a uma possível importação de tecnologia. No ano de 1872,
continente africano, após a tentativa de uma ponte nos Estados Unidos capaz de unir
para ligar o litoral ao Nova York a São Francisco, os dirigentes europeus pensaram em criar
interior. uma parecida no continente africano, para ligar o litoral ao interior. A
partir daí, novos mercados estariam abertos, assim como haveria a
presença de engenheiros, operários e prestadores de serviço. Para realizar essas
atividades, havia um obstáculo:

Para explorar minas, construir vias férreas ou barragens, criar


plantações em países novos e em sua maioria inexplorados,
tornava-se necessário chegar até eles e neles permanecer.
Entre os capitais, simples fundos de giro das firmas comerciais, e
os investimentos exigidos por esses trabalhos de infraestrutura,
havia uma diferença fundamental. A técnica moderna permitia
aos brancos penetrar na África e aí se manter. Cabia à política
assegurar-lhes o controle desses territórios e de assumir os
custos de sua aquisição (BRUNSCHWIG, 1974, p. 21).

Portanto, se eles dominavam num primeiro plano a tecnologia, cabia também


dominar a política, por vezes negociando, e em outras oportunidades tomando
o que não lhes pertencia. E eles souberam fazer isso com muita maestria. Os
europeus negociavam zonas de influência e protetorado. Independente do que era
feito contra homens e mulheres das regiões sob “tutela”, tudo isso era acertado
previamente, e a África acabou sendo dividida como fatias de pizza entre as
potências europeias, e isso aconteceu na Alemanha, especificamente em Berlim.

Desde o dia 15 de novembro até 26 de fevereiro, tempo em que


Desde o dia 15 de
novembro até 26 de os tratados foram chancelados, a África estava tendo seu caminho
fevereiro, tempo em selado. O objetivo desse encontro era definir normas para a ocupação
que os tratados foram dos territórios na África. Estavam presentes os diplomatas dos países
chancelados, a África colonialistas, e a direção coube ao líder da Alemanha, o chanceler
estava tendo seu Otto Von Bismarck. Esse encontro acabou por polarizar os interesses
caminho selado.
entre a Inglaterra e a Alemanha e, diante de várias discussões sobre
possessões dos territórios, o mais problemático era a criação do Estado Livre do
Congo. Depois de três meses ela finalmente teve um fim, e:
76
Capítulo 3 Neocolonialismo na África em Fins do Século XIX
e Início do XX

O resultado final foi um compromisso. Aprovaram-se duas


áreas de livre comércio. A primeira foi dividida como a bacia
do Congo e seus tributários e estendia-se do Atlântico até
os grandes lagos. Na costa, o limite setentrional foi fixado, e
adotou-se o estuário do Rio Loge como o limite sul. Esta faixa
costeira era, portanto , bastante estreita, mas logo depois dela
a região desdobrava-se amplamente ao Norte assim como ao
Sul em forma de leque. Na direção Leste, esta a outra área de
Livre comércio, chamada de “zona marítima ocidental”, que se
estendia dos grandes lagos ao Oceano Índico. Fixou-se seu
limite costeiro norte e no sul na embocadura do Rio Zambezi
(HESSELING, 1998, p. 132).

Essas informações são importantes para que você, pós-graduando, perceba


a complexidade da divisão que os europeus fizeram. Os acordos de partilha foram
vários e variados, envolvendo por vezes apenas dois ou mais países. Contudo, o
começo e o que manteve as bases gerais foi esse realizado em Berlim e que definiu
os contornos gerais da colonização no continente africano, conforme mapa abaixo.

Figura 8- A partilha da África

Fonte: Disponível em: <www.worldmapfinder.com>. Acesso em: 14 jul. 2012.

77
HISTÓRIA DA ÁFRICA E DOS AFRICANOS: DA DIVISÃO COLONIAL AOS DIAS ATUAIS

Pode-se notar o tamanho do Império europeu sobre a África. A França tinha


uma população que somava cerca de duas vezes o seu território. A Bélgica, por
sua vez, dominava uma área de aproximadamente quinze vezes o seu tamanho.
Agora, cabe analisar de forma pormenorizada as estratégias individuais de
cada uma dessas nações para adentrar em terras africanas, depois de tratar da
colonização de forma continental.

A Grã-Bretanha na África
A Grã-Bretanha era A Grã-Bretanha era na época, ao lado da Alemanha, o país mais
na época, ao lado poderoso da Europa. Seu poderio devia-se à grande capacidade de sua
da Alemanha, o país
Marinha de Guerra. Durante boa parte do século XIX eles patrulharam
mais poderoso da
Europa. sozinhos o atlântico sul e norte. Eles foram responsáveis por patrulhar
e combater o tráfico de africanos, levados por certa doutrina humanitária
vinda de sua religiosidade, e de questões também econômicas, como vimos
anteriormente.

No século XIX, o poder desse país era tamanho que eles dominavam o
Canadá, a Malásia, Cingapura e mantinham sob seu controle aquela que era
considerada a jóia da Coroa britânica: a Índia. Com tantos territórios, faltava ainda
um continente cujos ingleses não dominavam, e esse continente era a África.

Com uma velocidade imensa, eles anexaram vários territórios, principalmente


àqueles que antigamente dedicavam-se aos negócios do tráfico: Costa do Ouro,
Gana, Serra Leoa, Transvaal (África do Sul), Basulândia (África do Sul). Quanto
a Grã-Bretanha passou a controlar estas regiões houve um apogeu da coroa.
A Rainha Vitória foi coroada imperatriz da Índia. De 1812 a 1883, a economia
aumentou cinco vezes. De 1883 a 1912, ela duplicou.

A empreitada britânica teve no Egito seu grande triunfo. Naturalmente ligado


à França, o país era cobiçado por eles, mas a Grã-Bretanha acabou dominando
esse país, considerado o mais europeu da África e a partir dele dominando uma
rica rota comercial que ia para o Mediterrâneo e para o interior da África. O Egito
fora um prêmio na loteria do colonialismo para os ingleses. A conquista se deu
não de forma militar, mas aconteceu como um acordo tácito entre a elite egípcia e
Muhhamad Ali, o líder do povo, juntamente com os militares. A partir daí houve um
protetorado e uma exploração da mão de obra e das rotas comerciais que, como
já disse, eram privilegiadas nesse país (WESSELING, 1998).

78
Capítulo 3 Neocolonialismo na África em Fins do Século XIX
e Início do XX

Atividade de Estudos:

Figura 9 – Charge da África

Fonte: Disponível em: <http://www.revistadehistoria.com.br/secao/charge-do-


mes/o-africano-socorro-socorro-os-antropofagos>. Acesso em: 10 nov. 2012.

1) Observe a charge anterior, retratando a entrada dos ingleses


na África. O que ela representa? O continente africano, como é
retratado nessa imagem?
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HISTÓRIA DA ÁFRICA E DOS AFRICANOS: DA DIVISÃO COLONIAL AOS DIAS ATUAIS

A Alemanha e o Imperialismo
A entrada da A entrada da Alemanha na corrida colonial trouxe muitas surpresas
Alemanha na corrida entre os países colonialistas. Desde o início da campanha, o chanceler
colonial trouxe muitas
e responsável pela unificação das federações, o chanceler Otto Von
surpresas entre os
países colonialistas. Bismarck, mostrou desinteresse pelo negócio.

Inicialmente, o chanceler se demonstrou contrário ao expansionismo


alemão para outros continentes, simplesmente por um único motivo: a Alemanha
já dominava a Europa. Ao lado da Grã-Bretanha, era o país mais poderoso do
continente e buscava exercer sua influência dentro da própria Europa, e não em
terras distantes, como as africanas. Contudo, o colonialismo não era uma questão
simples. Em finais do século XIX, ser uma potência estrangeira e não ter colônias
era considerado um desagravo e uma falta de visão política.

Para saber mais sobre a atuação de Bismarck, ver: ROSE,


Jhonatan. Bismarck: o chanceler de ferro. São Paulo: Nova
Cultural, 1987.

Alguns historiadores acreditam que a mudança de planos de Bismarck de


deixar de lado sua política europeia de expansão e investir na entrada da África
tenha se dado por conta das eleições, e para os cidadãos da recém-unificada
Alemanha era muito atrativo ter colônias, já que os grandes rivais ingleses e
franceses estavam bem interessados nessa empreitada. Outros creditam o
interesse por uma questão econômica, já que era possível obter muitos lucros
com elas. O certo é que o colonialismo na Europa era um jogo, e como bom
jogador, Bismarck, o comandante da Alemanha, não poderia ficar de fora.

O expansionismo Ao contrário da França, por exemplo, o início do processo


alemão esteve ligado colonialista alemão não esteve necessariamente ligado ao Estado,
a três pessoas, tampouco a diplomatas. Claro que a chancela do governo era
dois homens e uma
importante, porém a iniciativa era particular. O expansionismo alemão
mulher.
esteve ligado a três pessoas, dois homens e uma mulher.

O primeiro era um advogado, o segundo biólogo e a terceira uma missionária


religiosa. Essas pessoas buscavam em suas justificativas levar a civilização por
meio da germanidade aos povos africanos, além, é claro, de conseguir algum

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Capítulo 3 Neocolonialismo na África em Fins do Século XIX
e Início do XX

lucro com isso. Nesse sentido, foram criadas duas companhias para explorar o
território africano. A primeira delas foi denominada Associação Colonial Alemã,
fundada em junho de 1882 na cidade de Frankfurt. Inicialmente a empresa teve
apenas membros civis, mas com a grande aceitação recebeu verbas de empresas
e conseguiu cerca de 10 mil membros no ano de 1895.

Pouco antes do fim do século XIX, outra sociedade alemã para exploração foi
criada. Em 1885, fundou-se a Sociedade Alemã Oeste-Africana, sob a liderança
do agente colonial Carl Peters, que comprou grandes propriedades de um sultão
na região do Zanzibar (Tanzânia). Ao longo de seu período imperial, outras partes
da África partiram para as mãos germânicas: Togolândia (Togo), Camarões,
Ruanda, Burundi, Uganda e a ilha de Heligoland. No Camarões, por exemplo,
quando o governo alemão lá chegou, as explorações aumentaram de maneira
muito significativa. Em 1882, o valor das importações anuais era de 8,6 milhões
de marcos, apenas dois anos depois elas somavam 14,3 milhões.

A historiadora Marion Magalhães argumenta que, antes da ascensão do


nacional-socialismo (nazismo) na Alemanha, algumas práticas de genocídio,
tais como as sofridas pelos Judeus na segunda guerra mundial, ocorreram no
continente africano. Diferentemente dos outros países colonizadores, a Alemanha,
em determinado momento de sua colonização, levou a cabo um argumento
racialista para a entrada de europeus na África.

Para uma explicação detalhada do termo racialização e


a diferença entre racismo na história do Brasil, leia o livro de
ALBUQUERQUE, Wlamyra Ribeiro de. O jogo da dissimulação:
abolição e cidadania negra no Brasil. São Paulo: Companhia das
Letras, 2009.

O fato de serem negros e/ou miscigenados passou a significar que eles eram
uma raça inferior, predestinada a fazer trabalhos braçais. Carls Peters escreveu o
seguinte em um panfleto:

Devido à agradável condição de vida nos trópicos, as pessoas


não têm ali um impulso interno para o trabalho braçal como
nenhum outro povo no mundo. Mas, devido à agradável
condição de vida nos trópicos, as pessoas não têm ali um
impulso interno para o trabalho. Por essas razões, torna-se

81
HISTÓRIA DA ÁFRICA E DOS AFRICANOS: DA DIVISÃO COLONIAL AOS DIAS ATUAIS

necessário importar-se mão de obra para preencher essa falta.


Para que este mal seja remediado, recomenda um regime de
trabalho que, em troca da proteção militar que os estados dão
aos territórios, os negros trabalhem para o estado. Não seria
prejudicial aos negros, que por alguns anos, tivessem de servir
ao Estado, assim como os cidadãos da Alemanha, França
e Rússia, que pagam impostos e prestam serviço militar
(PETERS apud MAGALHÃES, 2010, p. 161).

Observamos aqui o quanto o grande teórico da colonização acreditava na


inferioridade intelectual da raça negra, e comungava ainda de uma questão que
até os dias de hoje é muito recorrente, a de que os negros possuem aptidões
físicas maiores para determinantes atividades físicas ou esportistas.

A Sociedade Colonial da África, num panfleto de autor desconhecido, veio


a endossar as afirmações de Peters, dizendo que era benéfica a aplicação de
castigos físicos aos colonos negros.

No começo do século
No começo do século XX, a situação dos negros e negras sob
XX, a situação dos
negros e negras o jugo alemão foi terrível. Eles eram extremamente explorados pelos
sob o jugo alemão empregadores alemães. A Alemanha criou indústrias em suas colônias,
foi terrível. Eles onde o regime era praticamente de semisservidão. Nessas, o salário
eram extremamente de um homem negro era de 3 libras mensais, enquanto de um branco
explorados pelos variava de 6 a 10 libras por semana (idem, p. 172).
empregadores
alemães.
De todos os exemplos das sevícias envolvendo germânios e
negros, o mais chocante aconteceu em Herrera (localidade que hoje faz parte
do território da Namíbia), onde 80% da população foi morta. Lá habitavam 12 mil
alemães e o massacre deixou cerca de 80 mil pessoas mortas.

Tal genocídio aconteceu em 1904, quando a população não aguentou mais


tanta exploração e se rebelou. Estava dado o motivo para a reação violenta e
descabida dos alemães. Outro dado que merece destaque nessa questão refere-
se aos gastos, já que “esta guerra custou 585 milhões de marcos ao governo
alemão, bem como a morte de 1500 soldados” (idem, p. 164).

O comandante do ataque, o General Lothar Von Trotha, publicou num jornal


a seguinte declaração:

Eu, o grande general dos soldados alemães, envio esta carta ao


povo herrero; vocês não são mais súditos da Alemanha; vocês
mataram e roubaram, mutilaram orelhas e narizes de soldados
e cortaram outras partes do corpo, e querem agora por covardia
desistir de lutar. Eu digo ao povo: aquele que entregar no meu
posto um dos capitães como prisioneiro receberá mil marcos,
e quem trouxer Samuel Maharero receberá 5 mil marcos. O

82
Capítulo 3 Neocolonialismo na África em Fins do Século XIX
e Início do XX

povo herrero deve agora abandonar esta terra. Quem não


o fizer, meto-lhe a cacetada para fora. Dentro das fronteiras
alemãs, todos os herreros, quer tenham espingardas ou não,
quer tenham criatórios ou não, serão abatidos com arma de
fogo, não recebo mais crianças ou mulheres, fujam elas com
seu povo ou perecerão (ARRIFES, 2004, p. 233).

Observem como o comandante aplicou o conceito de “guerra total” -


destruição total do inimigo - neste confronto. O conflito conhecido como “O
Massacre em Okheme” ficou para a história, não somente por sua brutalidade,
mas sim pelo destino dos corpos. Eles foram estudados por médicos alemães
e alguns poucos prisioneiros homens tiveram suas genitálias arrancadas para
experimentos “científicos”.

O líder dos pesquisadores era o médico Eugen Fischer, que atuava também
como professor de outros médicos. Dos alunos de Fischer, um deles ganharia
notoriedade, seu nome: Joseph Mengale, futuro médico do nacional socialismo e
que fez vários experimentos com judeus posteriormente.

Para saber mais sobre como os alemães foram convencidos


pela doutrina nazista, recomento o documentário: “O Triunfo da
Vontade”. Direção de Leni Riefenstahl. Duração: 102 minutos
(Alemanha, 1935).

A miscigenação, de acordo com estes cientistas, era um problema de


reprodução humana, tanto que mulheres alemãs estavam proibidas de se casarem
com africanos, se isso acontecesse, elas eram consideradas prostitutas e banidas
da comunidade alemã.

Para Magalhães, essas experiências se deram desta forma:

Além dos crânios, Eugen Fischer pesquisou também a


genitália masculina dos herreros, concluindo que aqueles que
eram miscigenados não tinham uma completa ereção; por
isso, eram incapazes de aprender técnicas de agricultura e do
criatório. Tanto ele como outros cientistas realizaram diversas
comparações entre as características físicas dos herreros e dos
judeus – ambos vistos como possuidores de uma sexualidade
exacerbada, donde também, como os ciganos, sua tendência
ao nomadismo, sinônimo de vagabundagem. Concluem ainda
que ambos os grupos étnicos procedem da “raça camita”, um

83
HISTÓRIA DA ÁFRICA E DOS AFRICANOS: DA DIVISÃO COLONIAL AOS DIAS ATUAIS

ramo dos semitas, e que todos, ao fim e ao cabo, são produto


da miscigenação. Daí a necessidade de isolá-los, exterminá-
los ou, pelo menos, impedir-lhes a procriação (MAGALHÃES,
2010, p. 165).

O genocídio dos judeus e as técnicas de tortura dos nazistas passou por uma
escola, e essa escola era na África.

Atividade de Estudos:

1) Prezados professores, a partir da atuação alemã na África, é


possível ensinar de uma forma diferenciada a história do nazismo.
Elabora um resumo em formato acadêmico, com no máximo 7
linhas, justificando sua resposta.
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A França e o Colonialismo
A França manteve A França manteve um império colonial considerável. Durante a
um império colonial
revolução francesa, no entanto, parte desse império ruiu, principalmente
considerável. Durante
a revolução francesa, com a independência do Haiti, que se transformou no primeiro reino
no entanto, parte negro das Américas.
desse império ruiu,
principalmente com Contudo, no século XIX eles voltaram com força total no continente
a independência africano. Os governos sob a tutela francesa multiplicavam-se. Contudo,
do Haiti, que se
a mais importante era sem dúvida a Argélia.
transformou no
primeiro reino negro
das Américas. A invasão francesa nesse país aconteceu ainda em 1830. O
episódio que culminou com a invasão até os dias de hoje causa
controvérsia na historiografia sobre o tema. Para uma parcela dos estudiosos,

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Capítulo 3 Neocolonialismo na África em Fins do Século XIX
e Início do XX

essa colonização teve como estopim o tapa que o soberano da Argélia deu no
Ministro das Relações Exteriores da França. Para outros, esteve ligado a uma
antiga dívida que o governo argelino deveria pagar para aos franceses e que não
foi liquidada. O que sabemos, porém, é que, com o domínio desse país, a França
começou a sua aventura neocolonial.

O colonialismo francês teve grande sucesso, e eles conseguiram O colonialismo


aproximadamente vinte colônias. Essa iniciativa francesa teve como francês teve
grande pano de fundo o revanchismo, causado principalmente pela grande sucesso, e
eles conseguiram
derrota da Alsácia Lorena, o que deixou muitas pessoas com uma
aproximadamente
sensação de inferioridade. Para isso, era preciso conquistar novos vinte colônias.
povos e impor a cultura francesa a eles.

O movimento começou no congresso e contou com o apoio de importantes


políticos, que na verdade escreveram livros sobre a teoria do colonialismo.
Para Henri Brunschwig, a própria doutrina colonialista fora desenvolvida na
França. Esses principais estariam presentes no livro “De le colonisation chez
les peuples modernes” (Para a colonização entre os povos modernos). O autor
era economista, chamava-se Paul Leroy Bealieu e tinha 31 anos quando da
publicação. Para ele, a colonização deveria ter um caráter modernizador e seu
livro teve uma repercussão muito grande em outros países europeus.

Seus argumentos fizeram tanto sucesso porque propunham algo até então
novo, como destaca um especialista:

Para explorar minas, construir vias férreas ou barragens, criar


plantações em países novos e em sua maioria inexplorados,
tornava-se necessário chegar até eles e neles permanecer.
Entre os capitais, simples fundos de giro das firmas comerciais, e
os investimentos exigidos por esses trabalhos de infraestrutura,
havia uma diferença fundamental. A técnica moderna permitia
aos brancos penetrar na África e aí se manter. Cabia à política
assegurar-lhes o controle desses territórios e de assumir os
custos de sua aquisição (BRUNSCHWIG, 1974, p, 21).

Talvez o sucesso dos franceses em manter tantas colônias, desde Argélia,


Marrocos até Chade, Benim e Senegal, deva-se principal à execução minuciosa
dessa teoria.

A Bélgica e o Colonialismo
A entrada da Bélgica na corrida colonial esteve intimamente ligada à
cobiça de seu soberano. Isso fez com que um dos menores países da Europa
conseguisse uma das maiores regiões. Não que o tamanho significasse pobreza,

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HISTÓRIA DA ÁFRICA E DOS AFRICANOS: DA DIVISÃO COLONIAL AOS DIAS ATUAIS

muito pelo contrário, em meados do século XIX a Bélgica contava com uma
população de aproximadamente 5 milhões de pessoas, das quais 30% trabalhava
na indústria. O país, desde a sua separação dos países baixos, procurou sempre
adotar uma postura de neutralidade frente às diversas guerras europeias, fato
esse corroborado quando percebemos que o Exército era pequeno e a Marinha
simplesmente inexistente.

O país vivia sob o sistema monárquico, e o soberano chamava-se Leopoldo


II. O rei era um homem excêntrico para a época. Alto e forte, mantinha várias
amantes, e fazia pouca questão de esconder isso. Tinha um verdadeiro fascínio
pelo seu país, era um nacionalista belga, que sonhava em tornar o pequeno país
uma grande potência. Para isso, fez contato com vários exploradores de diversos
continentes em busca de lugares para ocupar. Tirando dinheiro de sua fortuna
pessoal, estimada em 50 milhões de euros, o rei Leopoldo II recrutou seus agentes
coloniais. O mais importante, e o que melhor correspondeu às expectativas do rei, era
explorador e se chamava Stanley.

O rei lia as notícias que o desbravador publicava para um jornal narrando


suas viagens, e acompanhava a repercussão que tais matérias provocavam em
outros noticiários. Seus feitos na África, principalmente no coração do continente,
acabaram saudados como a maior aventura no continente. O rei Leopoldo, ao ver
tudo aquilo, percebeu que a região inexplorada poderia servir muito bem para o
seu sonho, e Stanley seria o grande arquiteto em seu objetivo.

Munido de apoio internacional, subornando boa parte da opinião pública,


enfim, se cercando de todos os lados, principalmente pela via diplomática:

Quanto aos governos, Leopoldo II elaborou argumentos


simultaneamente jurídicos e econômicos para os convencer.
Proclamando a sua aversão por toda e qualquer conquista
territorial, começou por afirmar (1878) que a sua ambição
se limitaria a criar uma grande Sociedade de Comércio e de
Navegação, encarregada de fortalecer as estações que Stanley
erigia na bacia do Congo, e depois que a melhor fórmula seria
estabelecer uma cadeia de “Estados indígenas do Congo”
(M’BKOLO, 2007, p. 318).

O rei Leopoldo conseguiu formar um Estado independente na África sob o


seu controle. Mesmo estando em suas mãos somente em 1908, toda a arquitetura
administrativa do Estado Livre do Congo estava delineada.

O que se sucedeu no governo foi um verdadeiro genocídio da população do


novo país. Os detalhes são os mais macabros possíveis. Num território 75 vezes
maior que a Bélgica, o rei conseguiu retirar o equivalente de 1 bilhão de dólares do
Estado recém-fundado. Metade da população foi morta em massacres, homens

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Capítulo 3 Neocolonialismo na África em Fins do Século XIX
e Início do XX

de aldeias foram sequestrados, mulheres violentadas, e as atrocidades foram


tamanhas que no período fizeram com que autores internacionalmente conhecidos
criassem um movimento em busca de melhoria para o povo do Congo, composto
por nomes influentes da literatura e da política internacional: Joseph Conrad, Mark
Twain, Arthur Conan Doyle e Anatole France (HOCHSCHILD, 1998).

Portugal e o Colonialismo
O objetivo dos portugueses durante a corrida colonial foi manter O objetivo dos
um pouco de seu antigo império ultramarino, tarefa difícil por conta portugueses durante
do crescimento de potências como a Grã-Bretanha e a Alemanha no a corrida colonial foi
manter um pouco de
período.
seu antigo império
ultramarino, tarefa
Depois de 1870, Portugal conseguiu manter suas colônias na difícil por conta do
África e participar da partilha graças à tolerância de outras potências crescimento de
estrangeiras, pois o seu poderio militar era irrisório para esse objetivo. potências como
As indústrias portuguesas não tinham interesses no ultramar, e a sua a Grã-Bretanha
e a Alemanha no
classe média tampouco tinha grandes interesses em enviar agentes
período.
coloniais para “desbravar” o continente.

A participação portuguesa na partilha, ou seja, a manutenção dos lusitanos no


ultramar aconteceu por uma combinação de vários fatores de ordem diplomática
e ideológica.

No campo diplomático, Portugal soube apoiar os países certos nos seus


anseios nacionalistas, como o reconhecimento do protetorado de Leopoldo II em
seu reino e o também reconhecimento da posse inglesa de parte da África Central.
Esses fatores ajudaram os portugueses em sua custosa tentativa de montar um
império colonial. Da parte ideológica, percebemos que, para alguns membros da
alta burocracia, era necessário inserir o país neste conjunto de potências mundiais
devido ao histórico de conquistas de Portugal em tempos remotos. Desde a perda
do Brasil no começo do século, havia a necessidade de manter suas posses
ao menos na África. O problema era sustentar suas posses africanas, objetivo
alcançado após grandes dificuldades.

Formou-se, então, uma rede de associações com a África. Entre 1840-1880,


a participação da África parecia dar corpo a esses sonhos e a participação do
continente no comércio português passou de 3% para 10%, beneficiando industriais
têxteis de algodão e exportadores de vinho, banqueiros e negociantes de Lisboa.
Isso fez com que os escassos defensores de uma política ultramarina crescessem
em número, principalmente com a criação de associações de negociantes. O
principal local de destino das colônias portuguesas era Angola, que recebia 61%
das mercadorias; São Tomé ,12%; Cabo Verde, 3%; Guiné e Moçambique, 1%.
87
HISTÓRIA DA ÁFRICA E DOS AFRICANOS: DA DIVISÃO COLONIAL AOS DIAS ATUAIS

Vimos até aqui como os países europeus estiveram umbilicalmente


envolvidos no processo de conquista da África, pudemos observar também as
motivações de cada um deles dentro do concerto das nações e da herança do
antigo regime. Agora, porém, cabe outro tipo de análise, é preciso compreender
também os países africanos que sofreram as agruras da aculturação.

Como esses países estiveram organizados no momento do colonialismo do


processo de resistência? Africanos colaboraram frequentemente com europeus?
Vamos tentar responder essas questões na próxima seção.

A África e o Colonialismo
Um primeiro ponto deve ser esclarecido sobre o colonialismo europeu na
África, e refere-se à forma como os invasores foram recebidos. Em sua maioria,
eles foram recebidos de forma hostil. E esta hostilidade pode ser percebida pela
reação dos dirigentes africanos do período. Os reis de Gana, em 1891, foram
completamente contra a investida britânica sobre os britânicos. No ano de 1895,
um soberano da República do Alto da Volta declarou que jamais iria entregar
seu território ao soberano francês. No Senegal e na Namíbia, no ano de 1893,
os dirigentes dessas sociedades tiveram também a mesma atitude diante dos
colonizadores. E as tentativas de manutenção do território não foram apenas pela
via dos protestos, e sim também atuaram pela via diplomática europeia.

Em 1883, o soberano de uma região que atualmente faz parte do Senegal,


chamada à época de Cayor, ao lado de um dos soberanos do que hoje constitui
a Namíbia entraram em contato com a mais poderosa rainha na época: a rainha
inglesa Victória. O objetivo desses homens era fazer com que seus países não
fossem divididos pelos europeus. Tal atitude demonstra o quanto as autoridades
estiveram atentas a tudo o que acontecia em seus respectivos reinos.

Outro caso interessante refere-se ao caso fascinante do Imperador da


Etiópia, Melenick. Com suas ambições expansionistas, ele tentou negociar um
possível apoio dado aos europeus para que ele pudesse manter o seu reino. A
mensagem felizmente foi preservada e parte das pesquisas sobre o colonialismo
a considera paradigmática para compreendermos os referenciais africanos nesse
sistema. Assim ele escreveu:

Não tenha a menor intenção de ser um mero expectador


indiferente, caso ocorra a potências distantes dividir a África,
pois a Etiópia há quatorze séculos tem sido uma ilha cristã
num mar de pagãos. Dado que o Todo-poderoso até agora tem
protegido a Etiópia, tenho a esperança de que continuará a
protegê-la e a engradecê-la e não penso sequer um instante

88
Capítulo 3 Neocolonialismo na África em Fins do Século XIX
e Início do XX

que ele permita que a Etiópia seja dividida entre outros Estados.
Antigamente, as fronteiras da Etiópia eram o mar. Não tendo
recorrido à força nem recebido ajuda dos cristãos, nossas fronteiras
marítimas caíram em mãos dos muçulmanos. Não abrigamos
hoje a pretensão de recuperá-las pela força, mas esperamos que
as potências cristãs, inspiradas por nosso Salvador Jesus Cristo,
as devolvam a nós, ou nos concedam pelo menos alguns pontos
de acesso ao mar (apud MARCUS, 1975).

Note-se que o soberano aproveitou para resolver os problemas com seus


desafetos num momento de definições. Coloca-se como “irmão” dos católicos, por
conta da religiosidade, e propõe uma aliança contra os muçulmanos, que nesse
contexto, não apenas por conta da religião, mas por questões de guerra e disputa
do poder, eram formados por inimigos dos etíopes. A entrada dos europeus neste
caso foi uma grande vantagem para o soberano, ou seja, ele não era nada bobo e
estava procurando o que era melhor para seu povo.

Ademais, aos olhos dos soberanos africanos algumas melhorias trazidas


pelos homens brancos eram evidentes. E essas melhorias, num primeiro
momento, não vinham junto com a perda de soberania. No ano de 1826, em Serra
Leoa, alguns missionários fundaram uma Escola chamada Fourah Bay College,
assim como escolas de ensino primário e secundário na Nigéria, alguns anos
depois, em 1870. Alguns intelectuais negros não africanos do período chegaram
a lançar manifestos com o objetivo de sensibilizar as nações europeias para
investir na criação de uma Universidade na África. Alguns africanos ricos também
aproveitaram para fazer o que em outros contextos seria impossível: enviar os
filhos para estudos na África (APIAH, 1997).

Portanto, diante dessas benesses antes das partilhas, os dirigentes africanos


estavam em uma situação de conforto, pois acreditavam poder barrar uma possível
investida. O problema é que um fato passou despercebido pelos africanos. Depois
de 1880, com o advento da revolução industrial, alguns itens tecnológicos foram
inventados, e eles tiveram papel fundamental na partilha do continente africano,
entre eles vale a pena destacar: navio a vapor, metralhadoras, estradas de ferro,
telégrafos. Tudo isso, variando em importância, fizeram muita diferença. E os
europeus que eles enfrentaram possuíam, além de novas tecnologias, novas
metodologias e demandas contra esses africanos.

Os tempos eram outros e os europeus estavam interessados não apenas


no comércio. Os europeus não queriam apenas trocar bens, mas sim exercer o
controle político sobre a África.

Além disso, os dirigentes africanos não sabiam que o armamento que eles
utilizavam era obsoleto, se comparados com os europeus.

89
HISTÓRIA DA ÁFRICA E DOS AFRICANOS: DA DIVISÃO COLONIAL AOS DIAS ATUAIS

No campo militar, alguns soberanos acreditavam realmente poder enfrentar


os europeus em caso de uma guerra – cabe lembrar que no século XVII a África
Central não capitulou diante dos portugueses – afinal, eles tinham fé em sua
religião. Antes das guerras, os africanos mantinham vínculos muito próximos com
a religião e ela era extremamente importante para eles.

Inclusive a religião teve um papel importante nesta fase de colonização. Ela


serviu para enfraquecer os Estados em determinadas situações. Nas regiões em
que as religiões não eram as tradicionais africanas, houve um antagonismo entre
cristãos e muçulmanos, ou entre católicos e protestantes, ou ainda entre religiões
estrangeiras e crenças locais.

Religiões na África. A maioria dos africanos são adeptos


do cristianismo e do islamismo. Muitos também praticam as religiões
tradicionais africanas. Essas religiões são frequentemente adaptadas
aos contextos culturais e sistemas de crença ou fazem sincretismo
entre cristianismo e islamismo.

Isso aconteceu em Madagascar no século XIX, e também em Buganda a


partir das décadas de 1850-1860. O primeiro país se islamizou na década de
1840, contudo, esse processo acabou tornando-se contraditório. Mesmo sendo
pacífico, ele esteve ligado a riquezas, e somente as pessoas mais ricas eram
convertidas, pois eram as únicas que adquiriram tecidos e sedas caras, dessa
forma ele entrou também como um negócio, já que trouxe mais mercadores do
Estado vizinho Egito, que também tornou-se o grande fornecedor de armas do
Zanzibar. Percebemos então que ela passou a ser uma forma de distinção das
elites do país.

De uma forma geral, o cristianismo entrou de forma tardia na África. De um


lado, os anglicados da Church Missionary Society, que chegaram ao continente
em 1877, porta-vozes dos interesses do governo inglês.

Ainda dentro do cristianismo, como falamos dos protestantes, chamados


no Brasil de evangélicos, existia na África os Padres Católicos brancos. Eles
chegaram em 1879 e diziam estar a serviço de Roma, mas na verdade atuavam
em parceria com o colonialismo francês. No entanto, para além dessa religiosidade
européia, a religião tradicional estava enraizada na maioria dos corações da elite
política africana.

90
Capítulo 3 Neocolonialismo na África em Fins do Século XIX
e Início do XX

Não obstante, elas também sofreram mutações ao longo de sua história, elas
têm em si sua historicidade. A partir de 1860, aproximadamente, a crise do poder
tradicional trouxe a criação de um novo culto entre os Luba e os Kasai, chamado
lubuku. Tal culto anunciava o regresso da paz, da fecundidade e da prosperidade,
depois da reunificação do reino Luba, que antes era fragmentado em várias
chefias. Para ver os antepassados, a cerimônia era conduzida e o anhâmo, um
tipo de fumo africano, era utilizado. Dentro dessas antigas chefaturas existiam
antigos sacerdotes e eles declaravam sua própria versão do acontecido.

Em especial um deles, Mukenge Kalamba, declarou que havia A cultura, desse


encontrado antepassados que queriam que o país tivesse a proteção modo, iria renascer.
Em 1875, este líder
de brancos. Ele entrou em relação comercial com mercadores
entrou em contato
de tchokwe, e recebeu deles panos de algodão e armas de fogo, com comerciantes
elementos de prestígio e de poder, que apresentou como ferramentas luso-africanos de
do próximo renascimento. Angola e a partir
de 1880, ao lado
A cultura, desse modo, iria renascer. Em 1875, este líder entrou em dos europeus que
favoreceram a sua
contato com comerciantes luso-africanos de Angola e a partir de 1880,
ascensão até 1890.
ao lado dos europeus que favoreceram a sua ascensão até 1890.

Depois disso, a autoridade de Kalamba começou a cair e os europeus


simplesmente o dispensaram. Fica evidente, a partir desse exemplo, que a religião
tradicional africana nem sempre atuou como fator de resistência, e pôde, como
neste caso pinçado entre vários outros, servir de porta de entrada para os europeus.

Figura 10 - Adepta do candomblé na Bahia registrada pelo fotógrafo Pierre Verger

Fonte: Disponível em: <www.pierreverger.org.>. Acesso em: 10 nov. 2012.

91
HISTÓRIA DA ÁFRICA E DOS AFRICANOS: DA DIVISÃO COLONIAL AOS DIAS ATUAIS

Guerras Africanas: Vantagens


Europeias
A Guerra sempre foi uma constante entre os Estados africanos, assim
como entre os europeus e sul-americanos. No entanto, na África ela tomou um
significado diferente. A continuidade de conflitos envolvendo os diversos Estados
é apontada como um dos motivos que fez com que os africanos não pudessem
organizar, disciplinar e até mesmo manter um exército permanente e capaz de
combater, mesmo que apenas com um número superior, os conquistadores
europeus. Afinal, entre anexações e resistências, cada região passava por várias
identidades sociais diferentes ao longo da história, e para manter um exército
permanente é preciso ao menos uma tradição nacionalista, ou a invenção delas,
como definiu Hobsbawm e Ranger.

É difícil calcular o impacto dessas guerras sobre o potencial de resistência


das sociedades africanas face ao avanço colonial, mas é possível apresentar
algumas hipóteses possíveis. Alguns estados realmente ficaram esgotados com
elas e incapazes de rechaçar a investida dos colonizadores britânicos. Entre
1886 e 1893, os ingleses instalados em Lagos impuseram a paz entre os Estados
iorubas. Em outros casos, o prolongamento dos confrontos fazia com que os
europeus se fortalecessem à medida que os dois estados em guerra enfraqueciam
(M’BOKOLO, 2007, p. 371).

A forma de A forma de organização dos exércitos africanos não era


organização dos padronizada. Existiam várias formas dentro de um continente tão
exércitos africanos vasto. De maneira sistemática é possível, grosso modo, dividi-las em
não era padronizada.
três tipos: exército de mercenários, exército de súditos e exército de
Existiam várias
formas dentro de cidadãos.
um continente tão
vasto. De maneira O mais temido sem dúvida era o exército de mercenários, pois
sistemática é eram conhecidos e temidos pela violência. Na África Oriental, os Askari,
possível, grosso grupo formado por povos guerreiros, cobravam caro para isso. Além
modo, dividi-las em
de serem bem pagos para entrar na guerra, tinham também a promessa
três tipos: exército de
mercenários, exército de um saque valioso no espólio do inimigo vencido.
de súditos e exército
de cidadãos. O exército dos cidadãos funcionava de uma forma simples. O
objetivo era mobilizar todos os homens do país para pegar em armas
e assim engrossar as fileiras do Exército contra os inimigos. A vantagem nesse
tipo de exército era o baixo custo com remuneração, já que, ao contrário dos
mercenários, esses homens não recebiam para atuar em prol de seu próprio
reino. O que eventualmente esses guerreiros recebiam eram benefícios materiais
e simbólicos, isso em caso de uma vitória.

92
Capítulo 3 Neocolonialismo na África em Fins do Século XIX
e Início do XX

Também falamos de um exército de súditos, esse tipo de exército era um tipo


intermediário e hierarquizado. Todos os homens abastados eram reunidos nele,
e quanto mais prestígio do cidadão, maior sua patente. Em geral esse tipo de
mobilização era utilizado quando havia necessidade de aumentar o contingente
de soldados (MILLER, 1988).

As Armas Africanas
O século XIX foi em toda a África o século das armas de fogo. Se a sua
introdução na África através do Saara e das feitorias costeiras dos europeus
remontava ao século XVI, a sua difusão maciça só teve lugar a partir de 1815-
1820, em associação com a evolução político-militar, diplomática e individual da
Europa: o seu comércio manteve-se ativo até o ato de Bruxelas, no dia 02 de julho
de 1890, que proibiu o comércio de espingardas de tiro rápido na África. A maioria
dos Estados apressou-se a adquiri-las, mas os Estados Bantus da África Austral,
em especial os Zulus e nos Ndebeles, que sob o impulso de Chaka acabavam
de viver uma dupla revolução, política e militar, tinham relutância em recorrer às
armas de fogo.

A vitória dos Zulus em Isandlwana no dia 22 de janeiro de 1879, com seus


1600 mortos de 15000 soldados mobilizados, foi também o mais grave revés
sofrido pelos britânicos desde a Guerra da Crimeia. Este exército, por sua vez,
não dominava perfeitamente o terreno como o africano. Suas armas nesse
combate eram formadas especialmente por espingardas, zagaias e machados, ou
seja, eles não tinham o mesmo armamento que os europeus (idem, p. 102-110).

Todavia, algumas sociedades africanas entenderam a possibilidade de


acúmulo de armamentos. Isso aconteceu com os tchokwes, cujos artesãos, tal
como os de Samori ou ainda como os iorubas de Ibadan, se tornaram mestres na
arte de reparar e imitar as espingardas de pederneira. No terreno, a associação
da espingarda e dos armamentos de origem africana foi quase sempre a regra,
porque o custo das armas de fogo impossibilitava o equipamento de soldados e
porque alguns chefes – como, por exemplo, Msiri e Rabah – reservaram o seu
uso para a oligarquia, formado por políticos e militares em que tinham confiança.
Samori foi o primeiro soberano da África Ocidental a fornecer armas de fogo a
todos os seus homens. Mas, nas savanas sudanesas, isentas da presença da
mosca tsé-tsé, o cavalo continuava a custar mais caro do que a espingarda em
finais do século XIX.

No entanto, o recurso cada vez mais frequente às armas de fogo, das quais
os europeus só forneciam aos africanos modelos ultrapassados, reservando
ciosamente para si próprios os últimos aperfeiçoamentos, tornou a África

93
HISTÓRIA DA ÁFRICA E DOS AFRICANOS: DA DIVISÃO COLONIAL AOS DIAS ATUAIS

perigosamente dependente das potências que a cobiçavam, remetendo-a para


uma posição de perpétua inferioridade.

Essa dependência adentrou século XX. Contudo, foi nesse período que
começou um processo de questionamento sistemático dos colonizadores, que
culminaria com as lutas de independências, temas de nosso próximo capítulo.

Sobre o comércio de armas na África, ver a película “O


Senhor das Armas”. Duração: 122 minutos, diretor: Andrew Niccol,
nacionalidade: França/Estados Unidos.

Atividade de Estudos:

1) Leia o trecho do documento abaixo:

Carta do Imperador Alemão à Sociedade na África Oriental

“Nós, Guilherme, pela graça de Deus Imperador da Alemanha e


Rei da Prússia, fazemos saber e mandamos pelas presentes:

Tendo os atuais presidentes da Sociedade de Colonização


Alemã, o Dr. Carl Peters e o nosso camareiro-mor Félix, conde
Berh-Bandelin, solicitando o nosso protetorado para as aquisições
de territórios feitas pela Sociedade na África Oriental, a oeste dos
Estados do Sultão de Zanzibar, e situados fora da soberania de
outras potências, e tendo-nos eles submetido, juntamente com
o pedido de colocar esses territórios sob nossa autoridade, os
tratados celebrados primeiro pelo referido Dr. Carl Peters com os
chefes Usagara, dos quais esses territórios lhe foram concedidos,
com direitos soberanos, para a Sociedade de Colonização alemã:
confirmamos pelos presentes que aceitamos essa soberania e
colocamos sob o nosso protetorado imperial os referidos territórios,
reservando a nossa decisão quanto às aquisições que a Sociedade
ou os titulares dos seus direitos venham a fazer nessas paragens por
força de tratados que venham a ser-nos submetidos

94
Capítulo 3 Neocolonialismo na África em Fins do Século XIX
e Início do XX

Na condição de que a citada Sociedade continue a ser uma


sociedade alemã e de que os membros de sua direção, ou as
pessoas a quem possa vir a ser confiada a sua direção, sejam
súditos do império alemão, concedemos-lhe, bem como aos
titulares dos seus direitos, mediante a mesma condição, o poder
de exercerem todos os direitos decorrentes dos tratados que
nos foram submetidos, incluindo a jurisdição sobre os indígenas
(africanos), bem como sobre os súditos do império ou de outras
nações que venham a estabelecer-se nesses territórios ou neles
permanecer para fins comerciais ou outros. O exercício desses
direitos terá lugar sob a vigilância do nosso governo sob a reserva
das disposições posteriores que venhamos a tomar ou dos
complementos que venhamos a acrescentar à presente carta de
protetorado.

Em fé do que, assinamos com o próprio punho a presente carta


de proteção, mandando apor-lhe o nosso selo imperial.

Feito em Berlim, aos doze de fevereiro de 1885.

a) Com base nesse documento, responda como a mentalidade


colonial está expressa nesse trecho.
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b) A partir da leitura dessa carta, é possível perceber uma


preocupação com os africanos? Explique.
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95
HISTÓRIA DA ÁFRICA E DOS AFRICANOS: DA DIVISÃO COLONIAL AOS DIAS ATUAIS

Cronologia da ocupação europeia na África

França

1880: Brazza funda Franceville e conclui o Tratado de Makoko.


1882: Ratificação do Tratado de Makoko.
1883: Brazza torna-se comissário da República na África
Ocidental.
1885: Reconhecimento do pavilhão da A. I. A. pela França.
1890: Tomada de Segu, capital do Estado tucolor.
1891: Fundação do Comitê da África Francesa.
1896-1905: Gallieni em Madagascar.
1900: Kusseri: derrota e morte de Rabah.
1911: Acordo Franco-alemão (Marrocos- Congo).

Inglaterra

1882: Os ingleses em Alexandria, no Cairo.


1886: Tratado de divisão com a Alemanha. Zonas de influência
na África Oriental. Carta da Companhia Real do Níger.
1887: Primeira Conferência Internacional Britânica.
1888: Emin Pacha Relief Committee.
1890: Ultimato inglês a Portugal, obrigado a evacuar a região da
Guiné.
Maio de 1890: Acordo Mackinnon-Leopoldo II.
Julho de 1890: Tratado anglo-alemão..
1898: Tratado anglo-alemão sobre as colônias portuguesas.
1899-1902: Guerra dos Boêres.
1910: Formação da União Sul-Africana.

Bélgica

1879: Stanley na embocadura do Congo.


1884: Reconhecimento do pavilhão da A.I.A. pelos Estados
Unidos. Alemanha, Inglaterra e França.
26 de fevereiro de 1885: Advento do Estado Independente
do Congo.
1890: Acordo Leopolgo- Mackinnon
Fevereiro de 1908: Cessão do Estado independente à Bélgica.

96
Capítulo 3 Neocolonialismo na África em Fins do Século XIX
e Início do XX

Alemanha

1884:17 de abril: Missão Nachtigal às costas da África Ocidental.


22 de abril: Convocação da Conferência de Berlim,
aceita por Jules Ferry.
24 de abril: Telegrama de Bismarck firmando proteção
do Reich sobre a criação de Luderitz.
12 de novembro: Expedição de Carl Peters ao Usagara.
1885: Protetorado alemão sobre o Usagara.
27 de fevereiro de 1885: Ultimato a Zanzibar.
1886: Tratado de divisão com a Inglaterra.
1888: Revolta de Buschiri.
1891: Liga pan-germânica.
1898: Tratado anglo-germânico com as colônias portuguesas.
1911: Acordo franco alemão (Marrocos-Congo).
1914-1918: A Alemanha perde as suas colônias.

Algumas Consideraçôes
Caro pós graduando, neste capítulo analisamos o neocolonialismo na África
no final do século XIX e início do século XX, dessa forma falaremos sobre como
aconteceu o fim do tráfico de africanos e quais foram os impactos disso para a
África e as demais potências europeias.

No próximo capítulo, o foco de estudo será os movimentos de independência


da África, assim como compreender o papel da Primeira Guerra Mundial para
o continente africano, assim como a formação do nacionalismo africano, e
apresentaremos os desafios contemporâneos da África independente.

Referências
APPIAH, Kwame Anthony. Na casa de meu pai: a África na filosofia da cultura.
Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.

BREPOHL, Marion. “Homens e mulheres falando em genocídio”. História.


Questões e Debates, v. 52, p. 149-171, 2010.

97
HISTÓRIA DA ÁFRICA E DOS AFRICANOS: DA DIVISÃO COLONIAL AOS DIAS ATUAIS

BRUNSCHWIG, Henri. A partilha da África negra. São Paulo: Perspectiva,


1974.

M’BOKOLO, Elikia. África negra: história e civilizações, tomo II ( do século XIX


aos nossos dias). Edufba/Casa das Áfricas, 2011.

MILLER, Joseph. Way of death: Merchant capitalism and the Angola slave trade.
Madison: Wisconsin Press, 1988.

WESSELING, H. L. Dividir para dominar: a partilha da África negra. Rio de


Janeiro: Editora Revan/Editora da UFRJ, 1998.

98
C APÍTULO 4

“A África é Nossa”:
Os Movimentos de
Independência na África

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

� Analisar o papel da Primeira Guerra Mundial do continente africano.

� Compreender a formação do nacionalismo africano.

� Apresentar os desafios contemporâneos da África independente.

� Demonstrar como os brancos desenvolveram o sistema racista na África do Sul.

� Realizar um balanço sobre os estudos africanos e a África no Brasil.


HISTÓRIA DA ÁFRICA E DOS AFRICANOS: DA DIVISÃO COLONIAL AOS DIAS ATUAIS

100
Capítulo 4 “A África é Nossa”: Os Movimentos de
Independência na África

Contextualização
Depois da primeira guerra mundial, um nascente sentimento de nacionalismo
cresceu no continente africano. O poder dos colonizadores europeus diminuiu
durante o processo beligerante, e movimentos que ansiavam pela independência
foram criados, criaram estatutos, formaram-se líderes. Trabalhadores aproveitaram
a oportunidade para instalar sindicatos, houve um processo de reinvindicação
constante.

Tal processo tornou-se mais frequente um pouco antes da Segunda Guerra


Mundial (1939-1945). Nesse momento entreguerras, os líderes de forças africanas
preparavam silenciosamente uma luta que selou o destino de milhares de pessoas.

Veremos neste capítulo o nascimento de tudo isso. Primeiro, com uma


explicação ampla sobre a representatividade da primeira guerra mundial para
o nacionalismo africano, conflito que marcou o começo do fim da colonização
europeia, responsável por tocar o coração do muçulmano argelino até o católico
moçambicano.

Em seguida, vamos compreender o engendramento das luta contra os


europeus. Analisaremos às várias formas de resistência, quem financiava, como
eram rechaçadas, e como o contexto internacional influenciou esse momento
único na história africana.

Cumprida esta etapa, cabe elencar os desafios da África independente. Como


estamos ainda vivendo esse momento, tecer caminhos soaria como futurismo.
Esse tipo de aventura definitivamente não combina com o papel do historiador,
principalmente o do século XXI. No entanto, apontaremos as dificuldades sofridas
pela elite política para organizar seus respectivos países, com uma economia
esfacelada, sofrendo um boicote silencioso dos brancos europeus e com um
mapa étnico completamente destoante da realidade local.

Por fim, segue um pequeno epílogo sobre o racismo na África e uma análise
sobre o sistema de segregação racial na África do Sul, denominado apartheid, bem
como um breve comentário sobre a África no Brasil desde o final do século passado.

Aproveitem para ler as indicações de bibliografia, que estão no corpo do texto.

Boa leitura!

101
HISTÓRIA DA ÁFRICA E DOS AFRICANOS: DA DIVISÃO COLONIAL AOS DIAS ATUAIS

A África na Primeira Guerra Mundial


Quando eclodiu Quando eclodiu na Europa a primeira guerra em proporções
na Europa a mundiais, o continente africano já estava praticamente retalhado
primeira guerra em pelas potências que entraram em litígio. Para a África, isso marcou
proporções mundiais,
uma virada nas questões nacionalistas e serviu para o processo de
o continente
africano já estava independência que viria mais tarde.
praticamente
retalhado pelas Compreender as independências africanas é uma tarefa difícil,
potências que quiçá impossível, sem analisarmos o papel que a primeira guerra
entraram em litígio. mundial teve no continente.

Para saber mais: a primeira Guerra mundial dividiu as principais potências do


planeta em lados opostos, como percebe-se no quadro abaixo

Aliados Entente

Alemanha Inglaterra

Império austro-húngaro França

Itália Rússia

Estados Unidos

A imediata consequência de guerra foi a invasão do território africano


pertencente à Alemanha pela entente. Nesse período, os governos africanos
que ainda possuíam em seus quadros políticos naturais do país (autóctones)
aproveitaram-se da situação para tentar costurar uma possível aliança. Nesse
sentido, o governador do Togo propôs ao responsável pela tutela da Costa do
Ouro que ambos os países ficassem neutros, apenas apreciando a guerra dos
brancos. Alternativa esta malograda rapidamente.

O objetivo dessa feita A Inglaterra, que combatia ao lado da entente e governava os


era isolar eventuais mares, bloqueou os portos africanos das colônias pertencentes à
soldados que Alemanha. O objetivo dessa feita era isolar eventuais soldados que
porventura fossem porventura fossem ajudar os germânicos em solo europeu, ou até
ajudar os germânicos mesmo no Oriente Médio.
em solo europeu,
ou até mesmo no A Guerra na África, segundo especialistas, divide-se em dois
Oriente Médio. momentos, que guardam certa distinção entre si. No primeiro deles
os países da entente procuraram destruir a capacidade ofensiva da
Alemanha e neutralizar seus portos coloniais. Dessa forma, Lome, no Togo, Duala,
região localizada no que hoje corresponde ao território dos Camarões, e Luderitz
Bay, no sudoeste africano, foram ocupados rapidamente, ainda em 1914, poucos
meses depois da abertura das hostilidades (HESSELING, 1998).
102
Capítulo 4 “A África é Nossa”: Os Movimentos de
Independência na África

Na parte oriental africana, onde também existia número significativo de


colônias alemãs, os cruzadores ingleses bombardearam duas regiões hoje
inexistentes: Dar es Salaam e Tanga, em agosto de 1914. Com isso, os navios de
guerra alemães não puderam mais ocupar seus respectivos portos.

No Egito, após a entrada da Turquia na Guerra ao lado dos alemães, algumas


preocupações foram tomadas pela entente.

Os ingleses, com sua poderosa frota, reforçaram a defesa do Canal de Suez,


e conseguiram vencer com grande dificuldade os turcos em fevereiro de 1915.
Após conseguir controlar essa área, o Egito – colônia da Inglaterra – transformou-
se na principal base para as operações beligerantes contra a Turquia e os países
orientais que atuavam na base inimiga.

Note-se o quanto de importância a África representou nesse primeiro momento


da Guerra. Os confrontos em solo africano foram pensados milimetricamente
e executados com maestria. Tal estratégia tornou-se fundamental para o
planejamento global, que levou os membros da entente à vitória.

A segunda fase do confronto contou com a saída da Rússia e a entrada dos


Estados Unidos no certame. Tratava-se agora de confirmar aquilo que já havia
sido feito. A entente manteve seus postos, e foram intensificados os ataques com
vistas a dominar a África pertencente aos alemães, o que acabaram conseguindo,
até a vitória final em 1918 (CROWDER, 2010).

Esses momentos
Esses momentos de guerra em solo africano significaram, de
de guerra em solo
certo modo, um abrandamento para a população do jugo colonizador africano significaram,
branco europeu. Como nas colônias os cargos de administradores, de certo modo, um
presidentes de banco, inspetores de alfândega, enfim, todo o abrandamento para
aparato governamental e institucional, principalmente aqueles de a população do jugo
mais alto escalão eram exercidos por forasteiros, com a Guerra colonizador branco
europeu.
houve mudanças (HOCHSCHILD, 1999).

Tais funcionários e autoridades – incluindo os dois grupos em confronto


– foram mobilizados para a Guerra no continente. Vários membros foram
convocados para servir em outras partes da África, ou até mesmo retornar com
urgência para a Europa, com o objetivo de servir em seu continente de origem.

Em meio aos burburinhos e notícias nada boas dos palcos de batalha, o


êxodo europeu tornou-se constante. “Na Nigéria do norte, numerosos funcionários
políticos dispensados do exército foram de novo convocados, enquanto outros
se apresentavam como voluntários, de tal forma que a região viu‑se privada de

103
HISTÓRIA DA ÁFRICA E DOS AFRICANOS: DA DIVISÃO COLONIAL AOS DIAS ATUAIS

administradores” (CROWDER, 2010, p. 323). Apenas no Egito, que ocupava um


lugar-chave para os conflitos no Oriente Médio, o exército de homens brancos se
reforçou.

Outros países também “sofreram” com a falta de brancos em suas terras. Na


Rodésia, o alistamento de europeus atingiu cerca de 40% dos homens adultos.

Os países da entente, seja nos países ocupados pelos franceses, ou seja,


nos países ocupados pelos ingleses, a realidade não era diferente. Todos os
europeus foram mobilizados. Dizia-se por meio de boatos que os brancos iriam
embora para sempre.

Havia ainda um fator psicológico no confronto, pois os africanos, de acordo


com o pensamento dos colonialistas europeus, em caso de percepção de derrota
por parte de seus algozes, poderiam sublevar-se.

O medo na primeira Guerra fez surgir um caso interessante no


Marrocos. Um francês chamado Louis Lyautey, responsável pela
administração do país, ao ser obrigado a deslocar uma boa parcela
de seu efetivo para a frente de batalha, obrigou os prisioneiros
alemães a trabalhar no campo, para que os colonos não pensassem
que os franceses estavam perdendo o disputado conflito. Tal atitude
demonstra a preocupação da elite branca em relação à opinião dos
colonizados acerca da guerra.

Esse tipo de
Mas ela também significou momentos de lealdade por parte dos
treinamento, e
a ocupação de africanos. Afinal, alguns colonizados colaboravam com os invasores.
cargos-chave num Seria leviano de nossa parte imaginar que todo africano era um rebelde
momento em que em potencial: não, não era!
os colonizadores
apelaram para tais Havia vários africanos, membros da elite, que estavam sendo
pessoas, evidencia
instruídos pelos europeus. Nesse momento bélico eles ocuparam
em certo ponto a
lealdade de algumas vários trabalhos essenciais. Esse tipo de treinamento, e a ocupação de
dinastias da África cargos-chave num momento em que os colonizadores apelaram para
aos europeus. tais pessoas, evidencia em certo ponto a lealdade de algumas dinastias
da África aos europeus. Esse tipo de atitude aconteceu, por exemplo,
entre os senegaleses. Isso era motivado pela ótica africana. Para os membros
dessa elite, era interessante estar ao lado dos europeus nesse momento para
manter-se no poder.
104
Capítulo 4 “A África é Nossa”: Os Movimentos de
Independência na África

Provavelmente não foram às armas, tampouco o deslocamento e Os africanos


os conflitos entre si assustaram os africanos durante a primeira guerra desempenharam um
mundial. O que até então nunca havia sido pensado por nenhum colono papel decisivo na
Guerra, atuando em
africano negro, em Angola ou alhures, que seria a cena de brancos
diversos segmentos,
lutando entre si e negros instados a agredir. Com a eclosão da Guerra, na linha de frente
esta prática passou a acontecer, coisa que anteriormente era reprimida ou na guarnição das
com muita brutalidade pelas autoridades. tropas estacionadas
nas diversas partes
Os africanos desempenharam um papel decisivo na Guerra, do continente.
atuando em diversos segmentos, na linha de frente ou na guarnição
das tropas estacionadas nas diversas partes do continente.

Soldados mobilizados pelos aliados tiveram um papel importante nas lutas


no Oriente Médio, já que entravam via Egito na Ásia. A participação desses
homens criou um sentimento que iria configurar a primeira fase de independência:
o nacionalismo.

Para saber mais sobre a formação desse nacionalismo africano,


recomendo o belíssimo livro de Kwame Anthony Appiah: “A África na
filosofia da cultura”. Rio de Janeiro, Contraponto, 1997.

Os africanos foram obrigados a fornecer, para a participação na Guerra,


números nada desprezíveis, cerca de 1% da população do continente. Cabe
ressaltar que essa atuação não esteve necessariamente ligada aos conflitos
diretos, afinal os carregadores, mercadores, prostitutas, enfim, várias atividades
relacionavam-se indiretamente ao confronto.

As formas de recrutamento de africanos para a Guerra foram diversificadas,


e podem ser dividida em três modalidades. Na primeira, o recrutamento era
voluntário. Alguns homens, percebendo a miséria e as dificuldades em viver em
um território controlado por estrangeiros, alistaram-se em busca de melhor sorte
no Exército, alguns inclusive chegavam a fugir (desertar) durante as marcas para
os mórbidos campos de batalha.

Outra forma de recrutamento era a conscrição, que obrigava os homens


com idade militar ao serviço das armas. Na África, a conscrição fazia com que
os africanos fossem lutar numa guerra que não era sua, defendendo uma pátria

105
HISTÓRIA DA ÁFRICA E DOS AFRICANOS: DA DIVISÃO COLONIAL AOS DIAS ATUAIS

que não lhes pertencia naquele momento. A França, por exemplo, alistou por
meio de decreto, em 1912, soldados negros em suas colônias subsaarianas, com
o objetivo de formar batalhões de soldados negros para lutar na Argélia. Essa
demanda por homens causou uma verdadeira caçada humana no continente
africano e isso causou várias rebeliões (M’BOKOLO, 2007, p. 380).

Vimos até agora duas formas por meio das quais os europeus arregimentavam
africanos para a guerra: voluntariado e conscrição. A última artimanha para
angariar pessoas era o serviço obrigatório, coagindo homens, mulheres e crianças
a lutar na guerra dos brancos.

Os historiadores especialistas em guerras africanas calculam que cerca de


483 de homens serviram obrigatoriamente na África francesa. Os membros de
aldeias rivais em algumas localidades aproveitaram esse momento para entregar
seus inimigos para a luta na guerra (idem, p.391).

A Resistência Africana na Primeira


Guerra Mundial
Rebeldes não se
Desde o período de partilha e de conquista dos europeus no
davam por vencidos.
E, especificamente continente africano havia rebeldes e pessoas lutando de forma
nesse contexto de veemente contra os europeus e o colonialismo. A manutenção de
enfraquecimento da soldados, administradores e pessoas brancas ocupando altos postos
autoridade colonial, a na administração destas localidades significava evidentemente uma
hora de atuar nunca maneira de solapar qualquer tentativa de emancipação.
havia parecido tão
apropriada. Contudo, grupos rebeldes não se davam por vencidos. E,
especificamente nesse contexto de enfraquecimento da autoridade
colonial, a hora de atuar nunca havia parecido tão apropriada.

Na Costa do Marfim, Líbia, Uganda e Caramoja eclodiram vários conflitos


significativos, além de outros rapidamente sufocados. A região do Senegal-Níger,
que fazia parte da África francesa, permaneceu fora do controle das autoridades
metropolitanas por aproximadamente um ano. Depois que a derrota alemã estava
anunciada, autoridades francesas retornaram e reprimiram os rebeldes brutalmente.

Em Moçambique e em Angola, territórios que pertenciam a Portugal, diversos


conflitos ocorreram. A entente temia ainda uma revolta pautada pela religião
muçulmana, depois da entrada da Turquia na guerra (HERNANDEZ, 1999).

106
Capítulo 4 “A África é Nossa”: Os Movimentos de
Independência na África

Em países notadamente muçulmanos os aliados perderam Em países


importantes batalhas para os rebeldes, como no caso da Tunísia e na notadamente
Líbia, em 1915. Também aconteceram confrontos religiosos cristãos. muçulmanos os
aliados perderam
importantes batalhas
Duas revoltas significativas, nesse sentido, aconteceram
para os rebeldes,
também em 1915. A primeira, chamada de revolta de John Chilembwe, como no caso da
que ocorreu na Niassalandia (atual Malawi), era cristã. Já a segunda, Tunísia e na Líbia,
denominada movimento da Igreja Torre do Atalaia, na Rodésia (atual em 1915. Também
Zimbábue), pregava a desobediência civil. De acordo com um aconteceram
estudioso da época: confrontos religiosos
cristãos.
Este movimento aproveitou‑se da confusão
reinante na Rodésia do Norte depois da invasão de von
Lettow‑Vorbeck, no final da guerra. Igualmente apocalíptico
foi o grande movimento conduzido no delta do Níger (na
região da Nigéria) por Garrick Braide, também conhecido pelo
nome de Elijah II, que pregava o fim próximo da administração
britânica (CROWDER, 2010, p. 240).

Evidente que a repressão que recaía sobre líderes religiosos era bastante
significativa. Na Costa do Marfim, em fins de 1914, um profeta de nome Harris
foi deportado, pois “os acontecimentos da Europa exigiam mais do que nunca a
manutenção da ordem entre as populações da colônia” (idem). Geralmente figuras
religiosas de destaque não eram assassinadas, pois as autoridades temiam que
isso os transformasse em mártires.

Numa província isolada no Quênia, um culto denominado Mumbo cresceu


rapidamente nos momentos de guerra. Tal culto era crítico da religião cristã e
afirmava que todos os europeus eram inimigos e que estava próximo o dia de seu
desaparecimento do país.

Observamos dessa forma que a religião e a luta armada, mesmo que de


forma ainda muito tímida, foram os principais meios utilizados na luta pelo acesso
ao território pelos africanos neste momento belicoso.

Atividade de Estudos:

1) Observamos os vários movimentos de resistência africana ao


longo das primeiras décadas do século XX. Em sua opinião, qual
delas foi a mais importante? Justifique sua resposta.
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HISTÓRIA DA ÁFRICA E DOS AFRICANOS: DA DIVISÃO COLONIAL AOS DIAS ATUAIS

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O Continente e as Consequências
da Guerra: Economia, Sociedade e
Política
Com a declaração de guerra e o envolvimento dos países europeus que
possuíam territórios na África, algumas alterações aconteceram no campo
econômico, e outras se adensaram no campo social e político após o término da
Primeira Guerra Mundial.

Imediatamente depois dos primeiros tiros disparados na Europa, os


preços dos produtos importados subiram muito na África. Em lugares onde os
administradores buscavam manter uma vida europeia, a quantidade de produtos
vindos pelo mar não era pequena.

E, como anteriormente, em determinado momento o oceano estava muito bem


patrulhado pelos ingleses, e empresas, mesmo dos países aliados aos ingleses,
não estavam dispostas a correr riscos. Com todas essas variantes em questão, a
inflação chegou a atingir 50% de um dia para o outro em Uganda, por exemplo.

No período, algumas potências, como a Inglaterra, eram adeptas do livre-


cambismo, uma política econômica que fazia com que as empresas que tivessem
o produto de menor preço saíssem vitoriosas. Com o Estado de guerra isso
mudou e o Estado interviu fortemente na economia, taxando empresas de outras
nacionalidades, protegendo assim seus empresários.

108
Capítulo 4 “A África é Nossa”: Os Movimentos de
Independência na África

No entanto, não foram apenas os preços que subiram e situações benéficas


ocorreram no campo econômico durante a primeira guerra mundial. Várias
estradas de rodagem foram construídas no período. Essas estradas foram
usufruídas pelos africanos somente depois da independência. Afinal, somente
os brancos em países subsaarianos utilizavam automóvel, e estas construções
naquele momento foram feitas para agilizar a comunicação e a mobilidade das
tropas aliadas. Em algumas regiões da África Oriental, essas estradas diminuíram
o tempo de travessia de uma província para outra de uma semana para três dias.
A necessidade de produtos manufaturados para a guerra criou indústrias
substitutivas. Nessas indústrias, alguns produtos importados passaram a ser
produzidos em território africano. O Congo belga, ao final do confronto, era quase
autossustentável e não dependia mais de produtos importados. Portanto, a guerra
não foi de todo ruim para a economia africana (HOSCHILD, 1999).

Ao final da guerra, a política africana definitivamente não era mais a mesma.


Com a ocupação de postos-chave de membros da elite africana, até então fiéis
aos colonizadores, com o término do conflito seria difícil alijar estes membros da
administração colonial.
Os argelinos,
Os argelinos, por exemplo, ao adotarem uma postura de ajuda aos por exemplo, ao
franceses, foram beneficiados com várias melhorias para a população. adotarem uma
postura de ajuda
aos franceses, foram
A opinião pública internacional passou a olhar para as longínquas
beneficiados com
colônias africanas, chamando atenção para as condições de sofrimento várias melhorias para
físicas e morais a que os habitantes desses lugares eram submetidos. a população.
As torturas e a forma brutal que alemães infligiam aos moradores de
seu território estiveram presentes na base do Tratado, e isso também fez com que
os países aliados refletissem acerca de sua política colonial:

Embora essencialmente europeia, a Primeira Guerra Mundial


teve profundas repercussões na África. Assinalou ao mesmo
tempo o fim da partilha do continente e das tentativas africanas
para reconquistar uma independência fundada na situação
política anterior a essa partilha. Foi causa de profundas
transformações econômicas e sociais para numerosos países
africanos, mas inaugurou um período de vinte anos de calma
para as administrações europeias (CROWDER, 2010, p. 351).

A independência africana começou com uma guerra entre os brancos


europeus.

109
HISTÓRIA DA ÁFRICA E DOS AFRICANOS: DA DIVISÃO COLONIAL AOS DIAS ATUAIS

O Começo das Lutas Anticoloniais


Com o fim da primeira guerra mundial, o continente africano começou a viver
nova fase em relação aos colonizadores europeus. Tal momento esteve ligado
principalmente ao surgimento do nacionalismo africano.

Ao final da primeira guerra, as elites coloniais passaram a protestar, pedindo


papéis mais relevantes na administração colonial. Essa demanda, aliada à luta
contra regimes totalitários como o nazismo e o fascismo, fez surgir em várias
partes o nacionalismo africano.

Para saber mais sobre o conceito e o nascimento do


totalitarismo na Europa durante esse período, consulte o importante
livro de Hanna Arendt: “As origens do totalitarismo”. Rio de Janeiro:
Documentário, 1979.

Após estes dois momentos belicosos, a África entrou em uma sangrenta luta
pela independência, que em alguns casos demorou bastante para se lograr vitoriosa.

Este ressurgimento do nacionalismo teve diversas fases e


Este ressurgimento
do nacionalismo alcançou os diversos segmentos da sociedade: religioso, econômico,
teve diversas fases e militar e social.
alcançou os diversos
segmentos da No entre guerras surgiram diversas associações que buscavam
sociedade: religioso, reafirmar a africanidade da população sob o jugo do colonialismo.
econômico, militar e
Os africanos buscavam mostrar o que os faziam africanos, em que
social.
diferenciavam-se dos europeus.

Associações, neste sentido, foram criadas por classe ou etnia. Na parte


norte do continente tivemos a associação central dos Kykuy baseada em etnia.
Já na África oriental, a associação baseava-se na religião muçulmana, como a
argelina Ulumã, criada em 1935.

110
Capítulo 4 “A África é Nossa”: Os Movimentos de
Independência na África

No Brasil dos séculos XVIII e XIX foi comum a associação


de homens e mulheres negras, escravos e livres em associações,
denominadas irmandades. Que tal ler o texto on-line de Anderson José
M. de Oliveira: “A santa dos pretos: apropriação de Santa Efigênia no
Brasil Colonial” (Revista Afro-Ásia, 35 (2007), 237-262) e comparar
essa realidade com as associações africanas no século seguinte?

Os trabalhadores, sempre explorados em qualquer sociedade, não ficaram


imunes a essa onda de nacionalismo, e organizaram-se em sindicatos para
representar seus pedidos junto aos empregadores branco-europeus.

Havia um clima de intensa agitação, como mostra o historiador Marzui:

Em maio de 1935, por exemplo, greves e motins de mineiros


africanos eclodiram na Copper Belt da Rodésia do Norte. Na
Nigéria, diversos grupos de interesse começaram a se organizar;
somente na cidade de Lagos, esta febre de organização levou
à criação das seguintes associações: Sindicato dos Leiloeiros
de Lagos, em 1932; Associação dos Pescadores de Lagos, em
1937; Associação dos Motoristas de Taxi, em 1938; Sindicato
dos Abatedores de Lagos, em 1938; Sindicato dos Jangadeiros
de Lagos, em 1939; Sindicato das Mercadoras de Farinhas, em
1940; Associação dos Mercadores de Vinho de Palma, em 1942;
Sindicato dos Fosseiros de Lagos, em 1942 (MARZUI, p. 127).

A ideia de independência entusiasmava milhares de homens, mulheres e


crianças, desde o Marrocos até a África do Sul. Do rio Nilo ao deserto Saara, a
população começava a clamar por liberdade e, ansiosa, aguardava governar o
país que lhes pertencia.

No campo internacional, houve uma aliança entre negros africanos e negros


de outros países. Nesse período formou-se um movimento pan-africano. Formado
principalmente na França com negros originários das colônias, tal movimento produziu
poetas, literatos e importantes estudiosos que lutaram pela África na Europa.

Os pan-africanistas demonstraram em seus textos que os negros em países


colonialistas ocupavam um não pertencimento, e deveriam procurar suas raízes.

111
HISTÓRIA DA ÁFRICA E DOS AFRICANOS: DA DIVISÃO COLONIAL AOS DIAS ATUAIS

Pan-Africanismo: ideologia que propõe união de todos os


povos da África como forma de potenciar a voz do continente
no contexto internacional. Relativamente popular entre as elites
africanas ao longo das lutas pela independência da segunda metade
do século XIX, o pan-africanismo tem sido mais defendido fora de
África, entre os descendentes dos escravizados africanos que foram
levados para América, no período da diáspora. Eles propunham a
unidade política de toda a África e o reagrupamento das diferentes
etnias, divididas pelas imposições dos colonizadores. Valorizavam a
realização de cultos ancestrais e defendiam a ampliação do uso de
línguas africanas, proibidas ou limitadas pelos europeus.

Entre os nomes de destaque desse movimento, podemos destacar o de Aime


Césaire e Leopold Senghnor, na França e de W.B. Dubois, nos Estados Unidos.

Aimé David Césaire (1913-2008) foi um poeta, escritor e político,


nasceu na Martinica, morou durante muito tempo em Paris onde fundou
uma revista chamada “Presença africana”. Toda sua obra gira em torno
da defesa da negritude e das raízes africanas dos negros da diáspora.

Léopold Sédar Senghor ( 1906-2001) nasceu no Senegal, e


morou em Paris, capital francesa, tornando-se o primeiro africano a
completar um curso superior na Universidade de Sorbornne, em 1939.
Desenvolveu em sua literatura o conceito de negritude, atribuindo
um valor positivo à cultura negra. Na segunda guerra mundial, foi
preso em um campo de concentração nazista e após a vitória dos
aliados atuou como deputado senegalês junto a Assembleia Nacional
Francesa, também sendo o primeiro africano a ocupar esse cargo,
e quando o Senegal conquistou a independência, foi o primeiro
presidente do país.

W.E.B. Dubois (1868-1963) era um intelectual, sociólogo,


historiador, ativista do pan-africanismo. Nasceu em Massachussets,
numa sociedade tolerante ao racismo, estudou na prestigiada
Universidade de Harvard, onde foi o primeiro negro a conseguir o
título de Doutor. Fundou uma associação de pessoas de cor em
1909, e era contrário ao avanço europeu na África.

112
Capítulo 4 “A África é Nossa”: Os Movimentos de
Independência na África

Nesse primeiro momento, os protestos contra o colonialismo eram essencialmente


não violentos. Quando eclodiu a segunda guerra mundial, em 1939, os africanos
tiveram que escolher de que lado iriam ficar. Apoiar os alemães seria enfrentar seus
colonizadores, conseguir armas e manter uma guerra sem precedentes.

Do lado dos aliados, por sua vez, seria referendar o poder já estabelecido.
Nenhuma das alternativas era boa, mas era necessário escolher, e eles optaram
pelo lado do colonialismo, contra a opressão alemã – que, como vimos no capítulo
anterior, era terrível.

A segunda guerra mundial foi um  conflito militar global que


durou de 1939 a 1945, envolvendo a maioria das nações do mundo –
incluindo todas as grandes potências – organizadas em duas alianças
militares opostas: os Aliados e o Eixo. Foi a guerra mais abrangente
da história, com mais de 100 milhões de militares mobilizados. Em
estado de “guerra total”, os principais envolvidos dedicaram toda
sua capacidade econômica, industrial e científica a serviço dos
esforços de guerra, deixando de lado a distinção entre recursos civis
e militares. Marcado por um número significante de ataques contra
civis, incluindo o Holocausto e a única vez em que armas nucleares
foram utilizadas em combate, foi o conflito mais letal da história da
humanidade, com mais de setenta milhões de mortos. As principais
forças dividiram-se desta forma:

Aliados Eixo

Inglaterra Alemanha

França Japão

União Soviética Itália

Estados Unidos Romênia

China Hungria

Bulgária

113
HISTÓRIA DA ÁFRICA E DOS AFRICANOS: DA DIVISÃO COLONIAL AOS DIAS ATUAIS

Diferente do que aconteceu na primeira guerra, todo o continente participou


dessa segunda guerra. A maioria dos países ficou do lado dos aliados, mas isso
não significa que estavam imbuídos do mesmo ideal. A entrada dos africanos na
guerra significava uma busca e uma luta por dignidade e independência.

Com o término, e a vitória dos aliados, novas diretrizes internacionais


indicavam que a África havia adquirido um novo status. A criação da ONU, em
1945, sinalizou muito bem essa mudança. A instituição que representava uma das
novas potências dominantes, os Estados Unidos da América, definitivamente não
combinava com o colonialismo.

Com o alvorecer de um novo mundo no pós-guerra, que definiu como vilão


Adolf Hitler, ao menos para os estadunidenses, dominar os povos africanos era
incompatível, afinal a luta contra o nazismo aconteceu por alegação da liberdade
do povo europeu.

Para saber mais sobre esse mundo ocidental no pós-guerra,


consulte o excelente livro de Eric Hobsbawm: “A era dos extremos: o
breve século XX.1914-1991”. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.

Todavia, esses movimentos internacionais não foram suficientes para que


a população africana melhorasse sua qualidade de vida, tampouco provocou a
independência de algum país. A libertação africana seria uma agenda política dos
africanos que de várias maneiras contestaram o poder vigente.

Atividade de Estudos:

1) Observamos o impacto da participação africana na segunda


guerra mundial. Que tal elaborar uma comparação sobre a
segunda guerra no Brasil e na África? A resposta pode ser breve
e dividida em tópicos.
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Capítulo 4 “A África é Nossa”: Os Movimentos de
Independência na África

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Africanos, vamos à luta!


No final da década de 40 do século passado, os africanos de todos os
cantos do vasto continente se rebelaram contra a dominação colonial. Os tipos de
manifestações em prol da libertação seguiram lógicas diferentes de acordo com a
região e o contexto. Para o historiador M’Okolo:

A emancipação política da África, que se concentrou


num curto espaço de tempo, foi tão espetacular como
o fora a sua conquista pelos colonizadores, em fins do
século XIX. Por isso, o acontecimento cuidadosamente
orquestrado pelos intervenientes (políticos, militares e
testemunhas) concentrou a atenção dos investigares
que estudavam a quente as sociedades e o movimento
social assim como a dos observadores, nomeadamente
dos jornalistas (M’OKOLO, 2011, p. 499).

Como vários pesquisadores debruçaram-se sobre o tema e dada a dificuldade


de espaço, é possível resumir o movimento de independência africana em quatro
grandes blocos: a) lutas de acordo com lógicas tradicionais; b) lutas religiosas; c)
lutas não violentas; d) lutas armadas.

A primeira delas baseava-se num resgate das tradições de antigos guerreiros,


numa crença exacerbada na religiosidade africana e tradicional. Nesse momento,
alguns membros de grupos armados acreditavam que a terra africana iria ser
reconquistada por meio do conhecimento do território e acreditavam em certo

115
HISTÓRIA DA ÁFRICA E DOS AFRICANOS: DA DIVISÃO COLONIAL AOS DIAS ATUAIS

messianismo para obter a vitória. Tal luta baseava-se na crença da África como
reino único e os africanos levavam essa questão às últimas consequências.

As religiões As religiões seculares, como o islamismo e o cristianismo,


seculares, como ocuparam um papel decisivo no ato de resistência dos africanos. No
o islamismo e
caso da muçulmana, o momento da independência significou um
o cristianismo,
ocuparam um papel momento de luta contra os invasores, que nesse contexto adquiriram o
decisivo no ato caráter de inimigos da fé.
de resistência dos
africanos. Para as pessoas que professavam essa religião, havia a
necessidade de lançar uma jihad contra os europeus brancos invasores.
Jihad significa luta pela via de Deus.

Num artigo interessante sobre os movimentos de resistência africana, raro em


língua portuguesa, a historiadora e professora da USP (Universidade de São Paulo)
Leila Hernandéz afirma que “a religião em graus diferenciados, cristalizou a tomada
de consciência, organizou o protesto e se converteu em instrumento de oposição.
A violência sofrida, por um lado, e a impotência material, de outro, favoreceram o
recurso ao sagrado como afirmação cultural” (HERNANDÉZ, 1999, p. 144).

Na África do norte, a religião, nesse caso a muçulmana, criou um sentimento


de nacionalismo entre a população. Na Argélia, os franceses pensavam que todo
árabe era muçulmano e, como sabemos, uma coisa é bem diferente da outra.

Você sabia? Quando dizemos que uma pessoa é muçulmana,


nos referimos à sua religião. Ser muçulmano é um sinônimo de
islâmico, aquele que segue o Islã. Já quando alguém é chamado de
árabe, estamos nos referindo a sua localização geográfica. Assim,
todos os povos que falam a língua árabe podem ser chamados de
árabes, mesmo se não seguem a religião islâmica.

Para uma explicação completa sobre o Islã, leia o livro de Karen


Armstrong: “Islã”. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2001.

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Capítulo 4 “A África é Nossa”: Os Movimentos de
Independência na África

Temendo futuros levantes e buscando conter os protestos atuais nesse


país, criou-se, a partir de 1942, uma separação entre os colonos e os europeus.
Essa atitude fez com que até mesmo os não muçulmanos residentes no país
simpatizassem com a independência, engrossando a vila rumo à guinada em prol
da independência.

Percebe-se que a religião, mesmo não praticada por todas as pessoas,


causou um sentimento nacionalista nessa localidade. Afinal, mesmo com os
membros da elite ocupando cargos mais relevantes na administração, a repressão
se fazia presente. Ademais, alguns guerreiros muçulmanos tiveram sua memória
revisitada para animar os combatentes:

A repressão exercida pelo exército e pela polícia francesa


provocou cerca de 10.000 mortos na população argelina. Um
martírio de tamanha envergadura somente poderia reacender
a chama da tradição da jihad; em 1954 a Frente de Libertação
Nacional reencontrou‑ se com o glorioso combate travado no
século XIX pelo herói argelino ‘Abd al‑Kadiral‑Jazairi. Era o
começo da revolução argelina (idem p.137).
A Argélia ancorada na
religião muçulmana
A Argélia ancorada na religião muçulmana e no apoio de fortes
e no apoio de
segmentos da intelectualidade francesa começou assim seu processo fortes segmentos
revolucionário, por meio da jihad islâmica. da intelectualidade
francesa começou
assim seu processo
revolucionário,
por meio da jihad
islâmica.
Para saber mais sobre a posição de parte da intelectualidade
francesa em relação à Argélia, leia o artigo de Rodrigo David
Almeida: “Algumas posições políticas de Jean Paul-Sartre sobre a
guerra da Argélia (1954-1962)” (Territórios e Fronteiras, v. 3, p. 127-
155, 2010).

A Inglaterra também sentiu o peso da força dos muçulmanos na sua principal


colônia africana. O líder egípcio Gamal Abdel Nasser conduziu uma luta contra a
monarquia egípcia, que por sua vez era favorável aos britânicos. Depois de várias
batalhas, o rei acabou deposto. De acordo com Nasser, os pilares da vitória dos
rebeldes baseavam-se em três fatores: muçulmano, africano e nacionalismo árabe.

Ainda dentro do campo religioso, o cristianismo também exerceu influência


no processo de independência africana. Ressaltamos que não era somente um
cristianismo, mas o que imperou na África era o radicalismo cristão.

117
HISTÓRIA DA ÁFRICA E DOS AFRICANOS: DA DIVISÃO COLONIAL AOS DIAS ATUAIS

Como dissemos em capítulo anterior, a igreja cristã serviu de base para a


entrada dos países colonialistas no continente. No entanto, no decorrer dos
anos de dominação, cada vez mais africanos converteram-se ao cristianismo e
adaptaram essa religiosidade às suas demandas de independência. Geralmente
os cristãos eram imbuídos da tarefa de educar e formar os africanos e, por incrível
e contraditório que pareça, importantes líderes do movimento de independência
estudaram em escolas cristãs – nesse caso católicas. Apenas para exemplificar
esse ponto, Eduardo Mondlane e Leopold Seghor fizeram toda sua formação
nesses colégios.

Eduardo Chivambo Mondlane (1920-1969): foi um dos


fundadores e primeiro presidente da Frente de Libertação de
Moçambique (FRELIMO). Estudou na África do Sul e na Suíça,
além de ter realizado o doutorado em Sociologia nos Estados
Unidos, onde trabalhou como professor e sociólogo da ONU. Ao
visitar Moçambique, percebeu a necessidade da independência pela
luta armada, após várias tentativas diplomáticas junto a Portugal.
Em 1968, quando de sua morte, era um dos principais líderes dos
rebeldes. Sua morte aconteceu por meio de um atentado, quando
recebeu uma encomenda-bomba.

Essa formação de importantes líderes, provavelmente, aconteceu em


uma igreja cristã diferenciada. A entrada do cristianismo na África provocou um
hibridismo religioso e a africanização desses cultos

A principal pergunta que africanos católicos se faziam era a seguinte: Deus


manda uma mensagem para todos os africanos, mas por que o mensageiro era
branco? Esta pergunta simples provocou uma verdadeira revolução para os
adeptos do cristianismo em África.

Igrejas independentes foram fundadas e amplamente aceitas pela população.


Autoridades religiosas assumiram a luta pela defesa da liberdade e dos direitos
humanos, como, por exemplo, Desmond Tutu, mais conhecido entre nós por sua
atuação contra o apartheid e o recebimento do prêmio Nobel da paz em 1998.

118
Capítulo 4 “A África é Nossa”: Os Movimentos de
Independência na África

Desmond Mpilo Tutu nasceu em 1931 na África do Sul, estudou


Teologia em Londres, em 1975 foi o primeiro negro a ser nomeado
deão em Johanesburgo, capital de seu país de origem. Sua firme
posição contra o apartheid lhe rendeu o prêmio Nobel da paz em
1984. Despois do fim do regime de segregação, presidiu à comissão
da verdade sul-africana para promover a integração racial no país.
Em 1996 foi divulgado o resultado dessa investigação.

A Igreja de Kimbangu chegou a reunir 4 milhões de súditos africanos, e no


ano de 1980 recebeu uma importante aceitação por parte do clero anglicano ao
ser inclusa no conselho ecumênico das igrejas.

Seria infantil imaginar que membros de igrejas, sejam ela quais forem, iriam
ficar prostrados em suas cadeiras enquanto a população sofria com a invasão
de brancos europeus. Tanto a religião muçulmana quanto da religião cristã
constituíram-se focos de resistência e de luta diante do colonialismo e da crença
em um futuro livre.

Quando pensamos em mobilização política, a primeira imagem que nos vem


à mente é a figura de Mahatma Ghandi. Em seus protestos, ele chamou a atenção
do mundo para a situação da Índia – então ocupada pelos ingleses. O que é
pouco contado pela historiografia e não é registrado na memória que se construiu
sobre o indiano é que ele começou sua prática de manifestações pacifistas na
África do Sul. Essa luta estava focada, assim como na Índia, na libertação do país
(JONGE, 1991).

Se você ficou interessado sobre o processo de formação das


memórias, recomendo o artigo de Michael Pollack. “Memória,
esquecimento e silêncio” (Estudos Históricos, vol. 02, N. 03, 1989).

119
HISTÓRIA DA ÁFRICA E DOS AFRICANOS: DA DIVISÃO COLONIAL AOS DIAS ATUAIS

Entre 1906 e 1908, uma campanha bastante ativa de mobilização pacífica


começou a irromper na África do Sul, o interessante nesse ponto é que a liderança
de tais movimentos era de Ghandi. Infelizmente esses movimentos não tiveram
um sucesso imediato, mas abalaram as estruturas no país, seria mais efetiva
apenas com a utilização de armas.

Para saber mais sobre a vida de Gandhi, a melhor biografia


pode ser consultada no recente livro de Joseph Lelyved:
“Mahatma Ghandi e sua luta com a Índia” São Paulo: Companhia
das Letras, 2012.

Essa prática de movimentos pacifistas seduziu algumas pessoas na parte


meridional do continente, e acabou servindo de precursora de outras revoltas.
Infelizmente a via pacífica não surtiu muito efeito e a luta armada não poderia
mais ser evitada.

A compra de armamento por parte dos africanos aumentou. O filme “O


Senhor das Armas” – indicado no capítulo anterior – resume bem esse momento
na África. Os grupos de resistência conseguiram acessar pequenas vilas e até
províncias em alguns países. Com isso, era possível acessar recursos para a
compra de armamentos.

O contexto internacional pós-segunda guerra mundial também era muito


favorável. O mundo estava polarizado entre capitalistas e socialistas, e esse
segundo modelo de governo prosperava. Logo, a influência socialista da URSS
estendeu-se à África.

Como os países da Europa ocidental, enfraquecidos depois das duas


guerras mundiais, controlavam o continente africano e alinhavam-se à política
liberal estadunidense, automaticamente estavam contra os socialistas do leste.
Para enfraquecer seus adversários, os socialistas financiaram parte dos rebeldes
que mantinham lutas de independência no continente africano. Tal apoio dava-se
na forma de distribuição de armas. Países como o Zimbábue (antiga Rodésia) e
Angola, nas décadas de 1960-1970, receberam armamentos da União Soviética e
da socialista ilha de Cuba, respectivamente.

120
Capítulo 4 “A África é Nossa”: Os Movimentos de
Independência na África

Tal alinhamento ideológico configurou-se de suma importância, pois:

Sem a intervenção da União Soviética e dos seus


aliados nas lutas da África Austral, a libertação desta
região seria provavelmente ainda mais retardada, em ao
menos uma geração. As armas aperfeiçoadas utilizadas
pelos africanos na África Austral – especialmente os
mísseis sol‑ar empregados nas guerras do Zimbábue
– provieram em geral de países socialistas. Quanto à
intervenção das tropas cubanas na luta em defesa da
soberania de Angola, tratou‑ se aqui do maior apoio
externo já prestado em uma guerra de libertação
africana (FERKISS, 1967,p. 143).

Com esse exemplo é possível observar o grau de internacionalização do


continente africano. As disputas que se delineavam em nível mundial, polarizando
EUA versus URSS respingou nas lutas de independência.

Evidente que do outro lado a resposta não tardaria. E veio com a criação de
um órgão, que por sinal existe até hoje, chamado OTAN (Organização do Tratado
do Atlântico Norte).

OTAN: criada em 1949, no contexto da Guerra Fria, com o


objetivo de constituir uma frente oposta ao bloco socialista, que, aliás,
poucos anos depois haveria de contrapor o Pacto de Varsóvia, aliança
militar  do leste europeu. Desta forma, a OTAN tinha, na sua origem,
um significado e um objetivo paralelos, no domínio político-militar, aos
do  Marshall no domínio político-econômico. Os estados signatários
do tratado de 1949 estabeleceram um compromisso de cooperação
estratégica em tempo de paz e contraíram uma obrigação de auxílio
mútuo em caso de ataque a qualquer dos países-membros.

Os grupos em
questão, ancorados
no socialismo não
Quando algumas colônias de Portugal estiveram prestes a necessariamente
tornarem-se independentes, essa instituição forneceu armamentos para marxista, foram
os lusitanos. A ajuda prestada por este órgão manteve os países sob o conquistando
domínio português até meados da década de 1970 (BENOT, 1981, 222). suas respectivas
independências. Tais
partidos constituíram
Os grupos em questão, ancorados no socialismo não
após a libertação os
necessariamente marxista, foram conquistando suas respectivas
únicos detentores do
independências. Tais partidos constituíram após a libertação os únicos poder.
detentores do poder.
121
HISTÓRIA DA ÁFRICA E DOS AFRICANOS: DA DIVISÃO COLONIAL AOS DIAS ATUAIS

No caso dos países de língua portuguesa, mais próximos de nossa


realidade, hoje existe democracia. E a população ainda acredita nos promotores
da independência. Em Angola, os herdeiros do MPLA (Movimento Popular de
Libertação Angolana) governam o país desde sua independência. Nesse ano,
após novo pleito, o candidato à presidência José Eduardo (Zédu) conseguiu mais
uma vitória. Em Moçambique, localizada no norte, a realidade é a mesma. Os
herdeiros da FRELIMO também governam no país. Contudo, nesses dois países
o sistema de votação é democrático.

Talvez a manutenção de um poder dominante tenha uma ligação umbilical


com o processo colonial, lembrando que os países ocupados por Portugal foram
os últimos a libertarem-se. O antropólogo Omar Ribeiro Thomaz, da UNICAMP
(Universidade Estadual de Campinas), lançou um livro sobre o que ele denomina
de “tardo” colonialismo português. Segundo ele, os portugueses criaram uma
geração rígida contra os africanos:

A incorporação gradual das populações coloniais ao corpo


político e espiritual da nação imprime um caráter messiânico e
temporal ao projeto colonial português. Cria-se ainda o estatuto
de assimilado, indivíduo que logra um alvará de cidadania com
a assunção dos hábitos, da cultura e da língua portugueses
(THOMAZ, 2002, p. 75).

Depois da independência, dessa forma um novo mundo africano estava por


se formar, e este, por sua vez, intimamente ligado aos líderes da revolução que
conduziram a liberdade no continente. Em 1975, depois de várias lutas envolvendo
religiosidade, formas tradicionais de resistência, manifestações pacíficas e muitas
lutas armadas e de guerrilhas, praticamente todo o continente estava livre. Os
brancos europeus haviam saído. Uma nova identidade deveria formar-se, agora
totalmente africana, principalmente entre as elites que aprendiam na Escola a
história europeia e não de seus vizinhos continentais.

Para você entender melhor a formação da identidade cultural


em nossa sociedade, recomendo o pequeno, mas brilhante livro do
intelectual negro jamaicano Stuart Hall: “A identidade cultural na pós-
modernidade” Rio de Janeiro: DP&A, 2006.

122
Capítulo 4 “A África é Nossa”: Os Movimentos de
Independência na África

Não temos espaço para esquadrinhar todo o processo de independência do


continente africano.

Apresentamos as principais formas de luta, o contexto social e Não temos espaço


para esquadrinhar
internacional em que esse processo se fomentou. Agora, para uma
todo o processo de
melhor visualização continental, observe o quadro cronológico com independência do
o nome do país, a data de sua independência e qual o país europeu continente africano.
expulso da região.

Tabela 3 - Principais marcos cronológicos de independência africana


Nome do país Data da independência País colonizador
Egito 28/02/1922 Grã-Bretanha
Líbia 24/12/1951 Itália
Etiópia 11/09/1952 Grã-Bretanha
Marrocos 02/03/1956 França
Tunísia 20/03/1956 França
Gana 06/03/1957 Grã-Bretanha
Guiné 01/01/1960 Portugal
Camarões 01/01/1960 França
Togo 27/04/1960 França
Senegal 20/06/1960 França
Mali 20/06/1960 França
Madagascar 26/06/1960 França
Zaire 30/06/1960 Bélgica
Somália 01/07/1960 França
Benim 30/06/1960 França
Níger 03/08/1960 França
Costa do Marfim 07/08/1960 França
Chade 11/08/1960 França
Congo 15/08/1960 França
Nigéria 01/10/1960 Grã-Bretanha
Mauritânia 28/11/1960 França
Serra Leoa 27/04/1961 Grã-Bretanha
Nigéria 01/10/1960 Grã-Bretanha
Camarões 01/06/1961 Grã-Bretanha

123
HISTÓRIA DA ÁFRICA E DOS AFRICANOS: DA DIVISÃO COLONIAL AOS DIAS ATUAIS

Tanzânia 10/12/1963 Grã-Bretanha


Argélia 03/07/1962 França
Ruanda 01/07/1962 Bélgica
Tanzânia (Zanzibar) 10/12/1963 Grã-Bretanha
Quênia 12/12/1963 Grã-Bretanha
Malawi 06/04/1964 Grã-Bretanha
Zâmbia 24/10/1964 Grã-Bretanha
Gâmbia 18/02/1964 Grã-Bretanha
Botsuana 30/09/1966 Grã-Bretanha
Guiné Equatorial 12/10/1968 Espanha
Marrocos 30/06/1969 Espanha
Guiné-Bissau 10/09/1974 Portugal
Moçambique 25/06/1975 Portugal
Cabo Verde 05/07/1975 Portugal
Angola 11/11/1975 Portugal
Zimbábue 18/04/1980 Grã-Bretanha
Namíbia 21/03/1990 África do Sul

Fonte: História Geral da África, volume VIII.

Finalmente os africanos poderiam bradar em alto e bom som: a África é


nossa! Ao lado desse grito, havia uma dificuldade, organizar os novos países e
limpar os resquícios colonialistas, tarefa nada fácil.

Atividade de Estudos:

1) Em 1994, um conflito étnico provocou a morte de milhares de


pessoas em Ruanda, na África. Para realizar essa atividade,
você deverá assistir ao filme “Hotel Ruanda” (que está completo
no You Tube) e observar como os europeus e estadunidenses
se comportaram, e se tal comportamento guarda alguma
semelhança com outros momentos da história africana.
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124
Capítulo 4 “A África é Nossa”: Os Movimentos de
Independência na África

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Desafios Africanos: Economia e


Política
Após a independência, um clima de esperança e excitação tomou Os países africanos
conta do continente africano. Os mais nacionalistas aspiravam imitar haviam passado por
os estados modernos europeus. Os governos baseavam-se num forte um desenvolvimento
exército, claramente um resquício das lutas pela independência. econômico na
década de 1950,
quando os elevados
Em sua maioria, os países africanos haviam passado por um
ganhos com matéria
desenvolvimento econômico na década de 1950, quando os elevados prima permitiram
ganhos com matéria prima permitiram que algumas regiões dominadas que algumas regiões
por rebeldes levassem a cabo seus planos de desenvolvimento. dominadas por
rebeldes levassem a
Na Costa do Ouro, quando Nkurumah alcançou o poder em cabo seus planos de
desenvolvimento.
1951, ele adotou um plano de desenvolvimento econômico baseado
nas rendas da venda de Cacau. Tal medida ia ao encontro das matérias primas
africanas daquele momento. Em geral, a dívida dos estados era pequena, mas
não existia uma grande industrialização. No período de 1965-1980, o PIB (Produto
Interno Bruto) da África abaixo do deserto do Saara cresceu 1,5%, índice maior
do que o brasileiro e indiano, por exemplo. Havia no continente uma boa oferta de
mão de obra. Em algumas regiões, como Serra Leoa, por exemplo, o comércio
baseava-se na importação de diamantes.

125
HISTÓRIA DA ÁFRICA E DOS AFRICANOS: DA DIVISÃO COLONIAL AOS DIAS ATUAIS

Sobre o comércio de pedras preciosas no continente, africano


recomendo o filme “Diamantes de Sangue”. Diretor: Edward Zwic.
Ano: 2006.

Contudo, esses ganhos econômicos acabaram culminando em uma crise ao


final da década de 1970. As razões dessa crise são difíceis de descrever. A mais
importante foi o aumento acelerado da população. Atrelado a esse aumento, houve
uma crise em escala internacional na década de 1980, que causou o aumento
do preço de petróleo na África, e como não havia ainda muitas ferrovias, esse
aumento acabou travando o desenvolvimento da indústria por um longo período.

Contribuía também para essa crise o boicote silencioso que os antigos


colonizadores faziam. Sempre que possível, tais países negavam-
O estado adotou
se a comprar produtos de suas antigas colônias, onde eles haviam
uma política de
incentivo, tais como promovido um verdadeiro saque, durante séculos de ocupação. São
os socialistas. ironias da história.
Contudo, agora sem
o apoio financeiro O estado adotou uma política de incentivo, tais como os socialistas.
significativo da Contudo, agora sem o apoio financeiro significativo da URSS, esse
URSS, esse projeto
projeto não se concretizou. Vários países então adotaram estratégias
não se concretizou.
Vários países então de livre-mercado, mas também entraram em crise durante a década de
adotaram estratégias 1980, como o Quênia, por exemplo.
de livre-mercado,
mas também Depois da independência, é forçoso admitir que a maioria dos
entraram em crise governos africanos não estava preparada ainda para utilizar de modo
durante a década
eficaz a capacidade produtiva do país. Somente essa questão explica
de 1980, como o
Quênia, por exemplo. de alguma forma a inserção do continente, inclusive em manuais
didáticos, como símbolo do Terceiro Mundo.

126
Capítulo 4 “A África é Nossa”: Os Movimentos de
Independência na África

Sugestão de atividade em sala de aula. Que tal organizar


junto aos seus alunos um trabalho comparando como a África era
representada pelos manuais didáticos brasileiros nos anos de 1970-
1990 e como é hoje? Seria bacana, não? Pense nisso!

O modelo político guardava de forma geral resquícios dos modelos Para um especialista,
europeus, enquanto a força militar era ampla e não condizia com a a raiz do
capacidade de produção do país. Como a compra de armas era imensa, subdesenvolvimento
não se investiu em indústrias e tudo era importado, exceto no Egito, cujo do continente
africano esteve
índice de desenvolvimento industrial foi notável.
associada a um
casamento infeliz e
Para um especialista, a raiz do subdesenvolvimento do continente ao aspecto militar
africano esteve associada a um casamento infeliz e ao aspecto militar e civil no pós-
e civil no pós-independência. independência.

A militarização sem industrialização desestabilizou,


simultaneamente, os sistemas econômicos e politico. O
casamento do político e do militar estabeleceu um problema;
o divórcio entre a defesa e o desenvolvimento gerou outra
contradição. O déficit de competências técnicas é enorme em
todos os domínios onde reina o subdesenvolvimento político,
econômico e técnico. Esta situação representa particular
prejuízo aos direitos humanos. A falência, na quase totalidade
do continente africano, das instituições liberais importadas do
Ocidente, explica‑se não somente pela origem estrangeira
destas últimas, mas, igualmente, em razão da insuficiente
incapacidade dos africanos em organizarem partidos políticos
disciplinados, empresas produtivas ou sindicatos eficazes
(FERKISS, 1967, p. 1117).

Por fim, outro aspecto que merece destaque nesse cenário pós-independência
nos remete à divisão étnica no país. Com o objetivo de melhor fatiar o continente
os colonizadores europeus, não obedeceram à divisão secular entre povos que
acontecia na África, e isso causou grandes massacres, pois grupos rivais jamais
aceitariam viver em territórios junto aos seus inimigos.

127
HISTÓRIA DA ÁFRICA E DOS AFRICANOS: DA DIVISÃO COLONIAL AOS DIAS ATUAIS

A independência trouxe grandes desafios ao povo africano, difíceis de


superar, mas que estão sendo enfrentados de forma honrada pelos governantes e
habitantes desse continente com uma história espetacular.

Algumas Considerações
Neste capítulo conversamos sobre os movimentos de independência da
África, assim como compreender o papel da Primeira Guerra Mundial para
o continente africano, assim como a formação do nacionalismo africano, e
apresentaremos os desafios contemporâneos da África independente.

O capítulo seguinte abordará o Apartheid e racismo no sul da África, e com


isso temos como objetivo, levar você pós graduando, a entender a importância e os
motivos da revalorização da África e da cultura negra na sociedade brasileira atual.

Referências
BENOT, Yves. Ideologias das independências africanas, vol. II. Lisboa:
Livraria Sá da Costa, 1969.

CROWDER, Michael. “A primeira guerra mundial e suas consequências”. In.


História Geral da África VII: A África diante do desafio colonial, 1880-1935.
Brasília: Unesco, 2010.

FERKISS, Victor. África: um continente à procura de seu destino. Rio de Janeiro:


GRB, 1967.

HERNANDÉZ, Leila. “Movimentos de Resistência na África”. Revista de História


da USP, v. 141, 1999, pp. 141-150.

JONGE, Klaas de. África do sul: apartheid e resistência. São Paulo: Cortez
Editora, 1991.

M’BOKOLO, Elikia. África negra: história e civilizações: do século XIX aos


nossos dias, tomo II. Lisboa: Edição Colibri, 2007.

128
Capítulo 4 “A África é Nossa”: Os Movimentos de
Independência na África

MARZURI, Ali. “Procurai primeiramente o reino político”. In: História Geral da


África VIII. Brasília: Unesco: 2010.

THOMAS, Omar Ribeiro. Ecos do atlântico sul: representações sobre o terceiro


império português. Editora da UFRJ/FAPESP, 2002.

129
HISTÓRIA DA ÁFRICA E DOS AFRICANOS: DA DIVISÃO COLONIAL AOS DIAS ATUAIS

130
C APÍTULO 5
Epílogo: Apartheid e Racismo
no Sul da África

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

� Discutir a importância e os motivos da revalorização da África e da cultura


negra na sociedade brasileira atual.
HISTÓRIA DA ÁFRICA E DOS AFRICANOS: DA DIVISÃO COLONIAL AOS DIAS ATUAIS

132
Capítulo 5 Epílogo: Apartheid e Racismo no Sul da África

Contextualização
Em 2010, a seleção brasileira de futebol foi eliminada da Copa do Mundo. O
futebol canarinho consolidou sua derrocada após a derrota para os holandeses.
A vencedora Espanha conseguiu entrar no seleto grupo de campeões mundiais.
Mas houve uma inovação ainda maior nesse campeonato.

Pela primeira vez na história do futebol o torneiro realizou-se no continente


africano. A Copa da África, como ficou conhecida, teve como país sede a África do
Sul. Com a alegria típica dos africanos, o evento ganhou grande repercussão na
mídia internacional, maior do que acontece cotidianamente num evento mundial
como esse. Vários foram os comentários sobre as Vuvuzelas – espécie de
cornetas – e sobre a bola do mundial, a Jabulani.

Ao acompanharmos a Copa da África pela televisão, dificilmente poderíamos


imaginar que há pouco mais de vinte anos o racismo e a exclusão dos negros era
a realidade daquele país, altamente marcado por disputas entre brancos e negros.
Essa exclusão era ocasionada por uma terrível legislação, denominada apartheid.

Por meio dele forjaram-se líderes que hoje são conhecidos mundialmente,
tais como Desmond Tutu e Nelson Mandela. Contudo, o que poucas pessoas
sabem é como surgiu esse regime. Também é de desconhecimento público a
complexa história da África do Sul, dividida por várias disputas étnicas envolvendo
brancos europeus, brancos naturais da terra e negros africanos.

Como a história é feita por meio de contextos, vamos entender agora o que
ocasionou a separação total entre brancos e negros naquela região, hoje uma das
mais prósperas da África.

Primeiros Europeus
África do Sul,
A África do Sul, durante boa parte do período considerado durante boa parte do
moderno, esteve sob o domínio dos holandeses. Eles chegaram período considerado
moderno, esteve
quando disputavam os mares com portugueses e espanhóis, criando
sob o domínio dos
um entreposto comercial na Cidade do Cabo. holandeses. Eles
chegaram quando
Depois de sua chegada, os holandeses tiveram vários conflitos disputavam os mares
com os africanos, e alguns grupos étnicos naturais foram praticamente com portugueses e
dizimados. Dentre eles, os que mais sofreram foram os Khoikhois. Ante espanhóis, criando
um entreposto
a chacina desse grupo, os sobreviventes prestaram serviços análogos
comercial na Cidade
à escravidão para os europeus. do Cabo.

133
HISTÓRIA DA ÁFRICA E DOS AFRICANOS: DA DIVISÃO COLONIAL AOS DIAS ATUAIS

O domínio dos holandeses perdurou de 1653 a 1800, quando novas forças


internacionais passaram a cobiçá-lo.

O cientista político holandês e estudioso da África do Sul, Klass de Jonge,


escreveu um livro que se constituiu no material mais confiável em língua
portuguesa sobre o país e sobre o apartheid.

Segundo o autor, o domínio holandês aconteceu da seguinte maneira:

Os holandeses da Companhia Holandesa das Índias Orientais


(VOC), sob a liderança de Jan Van Riebeeck, chegaram à
península do Cabo em 1652, para implantar uma estação de
reabastecimento de seus navios em trânsito para as Índias. A
VOC era uma companhia mercantilista, criada para, através do
comércio de longa distância, explorar aquela região asiática.
Mas suas funções não eram apenas comerciais, visto que
também tinha o direito de recolher impostos e de dirigir e
obter privilégios monopolistas nos negócios. Rigorosamente
controlada pelos grandes comerciantes de Amsterdã, a
Companhia não tinha, inicialmente, um projeto de colonização.
Porém, cinco anos depois de seu estabelecimento, alguns
dos seus empregados brancos se fixaram, em busca de
uma nova vida, como colonos livres na terra dos khoikhois.
A companhia apoiou-se, na expectativa de que prestassem
um serviço vantajoso, como a produção de alimentos para os
navios e a guarnição da Cidade do Cabo. Mas os colonos, que
negociavam gado, com os khoikhois, tornaram-se cada vez
mais criadores, dedicando-se menos à agricultura. Também
roubavam gado, o que era mais fácil do que fazer sua própria
criação. Posteriormente, novos colonos, provenientes não só
da Holanda, mas também da Alemanha e da França, somaram-
Cinquenta anos se aos ex-empregados da VOC (JONGE, 2001, p. 17).
depois da chegada
dos boêres – como Observamos que, nesse caso, a colonização aconteceu de forma
ficaram conhecidos diferenciada daquela realizada pelos portugueses no mesmo período.
os holandeses –,
Eles foram ocupando os territórios aos poucos e, ademais, não
a maioria do povo
Khoikhoi trabalhava negociaram com os africanos. A conquista ocorreu toda com violências
prestando serviços físicas.
domésticos e braçais.
Cinquenta anos depois da chegada dos boêres – como ficaram
conhecidos os holandeses –, a maioria do povo Khoikhoi trabalhava prestando
serviços domésticos e braçais. Três grupos sociais viviam na Colônia da Vcidade
do Cabo durante o século XVIII. O primeiro era formado pelos altos funcionários
da empresa holandesa, a VOIC (Companhia das Índias Orientais). O outro grupo
compunha-se de brancos europeus e na maioria dos casos pobres. Eles eram
responsáveis pela prestação de serviços aos altos funcionários da empresa
holandesa. O terceiro e último grupo constituía-se dos verdadeiros proprietários
das terras: os khoikhois e demais grupos de negros africanos. A sobrevivência

134
Capítulo 5 Epílogo: Apartheid e Racismo no Sul da África

desses homens era precária. Todavia, as relações amorosas envolvendo homens


africanos e mulheres negras eram comuns, devido à resistência de mulheres
europeias em viver no continente. A união transformou a Cidade do Cabo. Surgiu
um grupo de mestiços, chamados de coloureds. O grupo ganhou relevância
na Colônia do Cabo, e ocupou durante o século XX vários cargos
importantes na administração (SALVE, 2012). Havia também os
descendentes dos
boêres, pessoas
Havia também os descendentes dos boêres, pessoas brancas. No
brancas. No século
século XIX, eles dirigiam a cidade e sentiram o mesmo gosto que os XIX, eles dirigiam a
africanos quando a poderosa frota naval inglesa conquistou a região. cidade e sentiram o
mesmo gosto que os
As motivações foram diversas e estavam atreladas ao contexto africanos quando a
europeu: poderosa frota naval
inglesa conquistou a
Como consequência das guerras napoleônicas na região.
Europa e da bancarrota da Companhia Holandesa
das Índias Orientais em 1796, o império colonial da Holanda
perdeu força e, entre 1795 e 1806, os ingleses passaram a
dominar o Cabo. Rapidamente controlaram os bons negócios,
como a exportação de vinho e, depois de 1830, a da lã. Pela
primeira vez a Colônia passou a ser economicamente viável.
Os ingleses fixaram novos colonos e transformaram de tal
modo o caráter da administração que acabaram por gerar um
crescente descontentamento entre os boêres, várias rebeliões
dos africaners fronteiriços e migrações para regiões situadas
além do controle colonial (p. 21).

Os ingleses, após a conquista aboliram os sistemas de trabalho análogos à


escravidão. Os boêres fugiram para o interior do país. Infelizmente essa fuga fez com
que eles travassem novamente guerras sangrentas com os africanos do interior.

A guerra entre holandeses e africanos durou muitos anos. Alguns povos,


depois de perder seu território no interior, entraram em choque com outros
africanos. Como exemplo temos a expansão do povo banto, sob a liderança de
um importante militar chamado Shaka. Os zulus criaram um território vasto e
dominaram a parte do interior que não estava nas mãos dos brancos. Esta região
se chamava Zuzulândia.

Em 1887, os confrontos se amenizaram. O século XIX, na África do Sul, como


estamos acompanhando, foi completamente tumultuado. A divisão, depois dos
confrontos, contudo, estava definida. Os ingleses estavam estabelecidos na Cidade
do Cabo, os boêres, descendentes dos primeiros invasores holandeses no interior,
e os bantus em território próprio, também no interior.

Os brancos boêres aproveitaram a pausa no confronto e criaram um


Estado independente, chamado Transvaal. Depois de diversas negociações

135
HISTÓRIA DA ÁFRICA E DOS AFRICANOS: DA DIVISÃO COLONIAL AOS DIAS ATUAIS

com os ingleses, os britânicos acabaram reconhecendo o novo território. Esse


reconhecimento também foi possível pelo enfraquecimento internacional que o
país europeu sofria. Daí o começo de um processo de segregação.

No Transvaal, Os africanos negros nesse novo território independente, eram


sempre que a mão de
considerados estrangeiros. De acordo com Jonge (p.27) “seriam
obra escasseava, os
fazendeiros raptavam tolerados somente na qualidade de força de trabalho subordinada. Foi
e escravizavam assim que os povos autóctones acabaram privados das próprias terras
crianças, que e escravizados”.
segundo a legislação
daquele lugar No Transvaal, sempre que a mão de obra escasseava, os
deveriam trabalhar
fazendeiros raptavam e escravizavam crianças, que segundo a legislação
para os brancos até
os 25 anos. daquele lugar deveriam trabalhar para os brancos até os 25 anos.

Atividade de Estudos:

1) A legislação sobre o apartheid e até pouco tempo sobre a


escravidão eram temas pouco explorados em sala de aula. Nessa
atividade faremos uma análise comparativa. Pesquise em livros
e na internet acerca do regime de assassinato e segregação
dos judeus e o regime de segregação sul-africano. Depois disso,
diga quantas referências encontrou sobre o primeiro e quantas
referências encontrou sobre o segundo. Em seguida, elabore
uma questão dissertativa acerca dos resultados, dizendo porque
um tema é mais divulgado que outro.
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136
Capítulo 5 Epílogo: Apartheid e Racismo no Sul da África

A Segregação (1868-1948)
O novo território logo se tornaria um lugar de confrontos. Com a descoberta
de minérios e riquezas na região, os ingleses revogaram sua independência. Isso
gerou uma guerra, envolvendo apenas os brancos.

Concomitante a essas guerras, criou-se um regime de segregação no qual os


negros foram impedidos de transitar no mesmo local que os brancos. O objetivo
dessa separação foi conseguir mão de obra barata.

Esse período marcou a concretude da divisão do território sul-africano. Havia


duas colônias inglesas: Cabo e Natal; duas repúblicas boêres independentes e
diversos Estados negros e africanos. Após a segunda guerra mundial, o território
do Transvaal começou a praticar um nacionalismo parecido com aquele levado a
cabo na Alemanha nazista.

O início do período segregacionista se deu por volta do fim do século XIX.


Em 1886, com a descoberta de ouro no território dos boêres, uma verdadeira
corrida internacional para a região aconteceu. Milhares de imigrantes brancos
chegaram da Europa. O destino: a cidade de Johanesburgo. A segregação era
tamanha que mesmo os brancos europeus não obtiveram a cidadania. Porém, o
maior sofrimento recaía sobre os negros. A estratégia era tratar os trabalhadores,
como vagabundos, e ameaçá-los com a prisão, caso os homens não aceitassem
os baixos salários, além de isolá-los da população branca.

Os empregadores brancos africanos tentaram substituir o trabalho dos


operários negros. Entre os anos de 1904 até 1907, cerca de 60 mil trabalhadores
chineses chegaram na região. Contudo, esse projeto não se logrou, e estabeleceu-
se um novo contrato entre os negros. Tal contrato, chamado de compounds,
baseava-se num controle rigoroso, através do estabelecimento de conjuntos
habitacionais fechados, parecidos com um campo de concentração, dentro da
propriedade de trabalho (idem, p. 38) .

No ano de 1906-1907 aconteceu uma grande guerra entre boêres e ingleses.


Os britânicos foram derrotas e como cláusula da derrota estava o reconhecimento
da independência do Transvaal. O nacionalismo entre os boêres, que já era
grande, cresceu muito mais:

A tentativa de anexação do Transvaal alimentou o nacionalismo


dos africâneres. Um reverendo africâner, Sthepanus Johannes
du Toit, foi o construtor dessa doutrina que, à maneira do
nacionalismo europeu, baseou-se no culto à língua enquanto
expressão de um povo particular. Fundou uma associação,
a sociedade dos africâneres verdadeiros, que pretendia a

137
HISTÓRIA DA ÁFRICA E DOS AFRICANOS: DA DIVISÃO COLONIAL AOS DIAS ATUAIS

preservação de nossa nação, nossa língua e nossa terra. Foi


ele quem publicou, em afrikaans, o primeiro jornal em 1877, o
primeiro livro de história (JONES, p. 99).

A primeira lei altamente segregacionista aconteceu em 1923. Alguns mineiros


brancos recusaram-se a trabalhar com os negros em 1919. Diante dessa forte
repressão, os trabalhadores negros organizaram-se. Foi criado o CNA (Congresso
Nacional Africano) em 1912 e várias outras entidades negras.

Com a organização dos trabalhadores negros tornando-se visível na


sociedade, alguns membros de partidos radicais de direita na África do Sul
formaram o PSA (Partido Sul-Africano), em 1914. Dentro da plataforma desses
políticos estava a derrota no campo eleitoral do atual dirigente, o primeiro ministro
Jan Smuts, considerado moderado demais.

Depois de 10 anos pregando abertamente o racismo, tal partido venceu as


eleições:
Durante esse governo, levou-se a efeito uma tentativa
sistemática de melhorar o nível de vida dos africâneres.
Assim, todas as indústrias deviam assegurar o emprego
de uma quantidade suficiente de mão de obra branca, com
salários mínimos legais. Também, os sindicatos brancos foram
reconhecidos e, mais uma vez, os negros excluídos. Após
1924, todos os departamentos do governo aumentaram as
suas tentativas de substituir os funcionários negros, em torno
de 1.361 pessoas, por brancos (ibidem, p.41).

Em 1934, o PSD se fundiu com o outro partido branco formando o Partido


Unido. Depois de discussões sobre o lado que o país apoiaria na Guerra, o Partido
Unido mudou novamente de nome, passando a se chamar Nacional Purificado.
Essa nova sigla prestou apoio aos nazistas. A situação dos negros sul-africanos,
nesse sentido, piorava paulatinamente.

Claro que alguns líderes do CNA e outras instituições não ficaram


Isso só foi observando tamanhas sevícias. Com o franco declínio da classe
possível quando
operária africana, enquanto as indústrias cresciam substancialmente
emergiu dentro da
organização de nas décadas de 1930-1940, várias greves foram organizadas.
protesto formada por
negros (CNA) líderes Isso só foi possível quando emergiu dentro da organização de
jovens mais radicais. protesto formada por negros (CNA) líderes jovens mais radicais.
Liderados por Nelson Liderados por Nelson Mandela, tais jovens pautaram mudanças no
Mandela, tais jovens
congresso anual de 1943.
pautaram mudanças
no congresso anual
de 1943. O que esses jovens não contavam era com a aprovação de uma
dura legislação denominada apartheid em 1949. Após várias derrotas e
constantes protestos, Nelson Mandela organiza, em 1952, a campanha

138
Capítulo 5 Epílogo: Apartheid e Racismo no Sul da África

do desafio. Nesse dia, todos os negros foram conclamados a utilizar o espaço


destinado aos brancos.

Mandela tornou-se o porta-voz da luta contra a separação de brancos e


negros. Preso em 1953, ele consegue a liberdade, para novamente ser preso no
ano de 1962. Depois de julgado, o líder foi preso em 1968 até 1990, só solto,
coincidentemente (ou não), com o fim do apartheid.

Durante esse período não deixou de lutar a favor dos negros de seu país.
Depois de sua liberdade, após longos anos de prisão, ele conseguiu, em 1994,
ser eleito o primeiro presidente negro da África do Sul, e tentou promover a união
entre brancos e negros. Sua história é inspiradora para vários movimentos sociais
negros no Brasil e em outros países.

Atividade de Estudos:

1) Leia essa notícia publicada no portal de notícias G1 no dia


17/08/2012 e responda as perguntas abaixo.

Confronto de polícia e mineiros na África do Sul mata 36, diz


sindicato

Polícia fala em mais de 34 mortos em mina de platina no noroeste.


Comissário afirma que policiais atiraram para se defender.

Do G1, com agências internacionais

Pelo menos 36 pessoas morreram na quinta-feira depois que a


polícia da África do Sul abriu fogo contra mineiros em greve na mina
de platina Marikana, no noroeste da África do Sul, afirmou nesta sexta-
feira (17) o secretário-geral do influente sindicato de mineiros NUM.
139
HISTÓRIA DA ÁFRICA E DOS AFRICANOS: DA DIVISÃO COLONIAL AOS DIAS ATUAIS

“O número que temos de ontem (quinta-feira) é de 36 mortos”,


disse o líder sindical Frans Baleni a uma rádio local.

O comissário de polícia Riah Phiyega disse que a polícia atirou para


se defender. Ele afirmou que há 34 mortos, 78 feridos e 259 presos.

Pouco antes, o ministro da Polícia, Nathi Mthethwa, havia


admitido que havia “mais de 30 mortos” e muitos feridos.

Mthethwa disse à “Talk Radio 702” que também há muitos feridos


na mina, a 100 quilômetros de Johanesburgo, onde os agentes abriram
fogo contra mineiros armados com machetes e paus.

O número de mortos não é definitivo e pode aumentar, segundo


a imprensa local.

“A polícia fez tudo o que pôde, mas os mineiros disseram que


não deixariam o local e que estavam dispostos a lutar”, comentou o
ministro sobre um incidente que causou comoção na África do Sul e
evocou a violência do “apartheid”.

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Capítulo 5 Epílogo: Apartheid e Racismo no Sul da África

Policiais abriram fogo contra mineiros na África do Sul.


(Foto: AP Photo)

Em comunicado oficial, o presidente sul-africano, Jacob Zuma,


se disse “comovido e consternado por esta violência sem sentido”.

“Acreditamos que há espaço suficiente em nossa ordem


democrática para resolver qualquer disputa mediante o diálogo, sem
violência e sem descumprir a lei”, acrescentou Zuma.

Os distúrbios na mina começaram na sexta passada e, antes da


tragédia desta quinta, já haviam morrido dez pessoas em incidentes
violentos entre os próprios manifestantes e em confrontos dos
mineiros com as forças de segurança.

O conflito começou pela disputa entre dois sindicatos rivais, a


majoritária Associação de Trabalhadores da Mineração e Construção
(AMCU) e a União Nacional de Mineiros (NUM), iniciada há uma
semana, logo após a declaração de uma greve.

A polícia providenciou desde então um amplo dispositivo para


conter os manifestantes, que a imprensa sul-africana calculou em
cerca de três mil pessoas.

Fonte: Disponível em: <http://g1.globo.com/mundo/noticia/2012/08/confronto-de-policia-


e-mineiros-na-africa-do-sul-mata-36-diz-sindicato.html>. Acesso em: 10 nov. 2012.

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HISTÓRIA DA ÁFRICA E DOS AFRICANOS: DA DIVISÃO COLONIAL AOS DIAS ATUAIS

a) É possível observar alguma ligação desse confronto com o


regime do apartheid?
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b) O que essa notícia demonstra sobre as condições de trabalho


nas minas sul-africanas?
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Capítulo 5 Epílogo: Apartheid e Racismo no Sul da África

Algumas Considerações
A África sempre esteve presente no Brasil. Homens, mulheres, crianças
saíram do continente africano de forma coercitiva para construir a nação brasileira.
Nenhum outro país além da Nigéria possui tantas pessoas declaradamente negras
como aqui. Nenhum outro país do mundo recebeu tantos escravizados como aqui,
vimos os números no segundo capítulo.

Mesmo com essa predominância nos números, a população negra sempre


sofreu, e muito. Primeiro, com o regime aviltante da escravidão. Nele, apesar da
luta pela liberdade em várias esferas e não apenas por meio de fugas e violências
físicas, os negros saíram derrotados.

Piadas e insultos raciais pululam aos montes. É comum ouvirmos: “trabalhei


como um negro”, “preto quando não faz na entrada, faz na saída”, “esse trabalho
foi feito nas coxas”. Tudo isso se constitui em formas de diferenciação.

Nos índices de educação e renda, a população negra está sempre abaixo em


todos os quesitos. Ela só lidera quando falamos nos pontos ruins: criminalidade e
mortalidade. Tudo isso é negativo. Você sabia que negativo possui uma etimologia
também racista? Pesquise e verá.

Um estudo exaustivo sobre os números relativos à escolarização,


saúde e renda da população negra pode ser visto no seguinte site:
www.ipea.gov.br/igualdaderacial.

As religiões de matriz africana são vistas como satânicas por boa parte da
população, com elas existe uma pequena tolerância.

A sociedade brasileira não nasceu racista. Tornou-se com a escravidão, e


a escravidão só foi possível por meio do processo de usurpação do continente
africano que acabamos de acompanhar ao longo do curso.

Depois da abolição houve medidas de isolamento da população negra. A


memória sobre a escravidão acabou reinventada. A nossa história até bem pouco
tempo era escrita sem a necessária articulação com o processo da diáspora africana.

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HISTÓRIA DA ÁFRICA E DOS AFRICANOS: DA DIVISÃO COLONIAL AOS DIAS ATUAIS

Você sabia, por exemplo, que o primeiro país a reconhecer oficialmente a


independência do Brasil foi um reino africano? Se sabia, meus parabéns, se não,
isso é normal. Quem conta isso é o africanólogo Alberto da Costa e Silva no seu
belíssimo livro “Um rio chamado atlântico”.

A partir do ano de 2003, com a criação de uma lei que obrigou o ensino de história
africana e cultura afro-brasileira em sala de aula, a realidade começou a melhorar.

Agora nossos alunos terão a inclusão de questões antes esquecidas.


Poderão ter outros referenciais, além dos eurocentristas. Poderão compreender
que a religião africana e sua adaptação no Brasil não está ligada a um suposto
culto demoníaco. Enfim, cabe ao professor do século XXI reescrever e ensinar
essa história com os pingos nos is, isento de racismo e preconceito.

Com essa lei, a quantidade de material publicado sobre o tema cresceu


assustadoramente. Contíguo a esse crescimento, o mercado editorial viu também
a proliferação de obras ruins. Cuidado, professores, leiam criticamente o material
que é disponibilizado – inclusive esse. Por vezes, sem perceber, reforçamos
estereótipos.

Não se trata de fazer apologia à cultura negra. Trata-se de trabalhar pela


convivência e pelo respeito. Centenas de milhares de pessoas são contrárias
à adoção de cotas raciais em Universidades públicas. Ora, é um direito de
opinião, ótimo!

O que não pode acontecer, contudo, são argumentações racistas para


justificar essa atitude. Nesse sentido, o material que publicamos também conta
com esse objetivo. Você, professor, professora, poderá, agora, em uma discussão
sobre o tema, avaliar tal demanda com subsídios da história africana.

Outro ponto importante diz respeito à capacitação. Espero que as indicações de


filmes e a história da África ajudem-nos em trabalhos, no sentido de apresentarmos
aos nossos alunos temas menos usuais do que a capoeira e a feijoada.

Estudar África é, sobretudo, estudar o Brasil e sua formação.

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Capítulo 5 Epílogo: Apartheid e Racismo no Sul da África

Atividades de Estudos:

1) Nessa atividade final vamos compartilhar ideias ou experiências.


Escreva um pequeno texto narrativo, descrevendo atividades
desenvolvidas com a temática de história e cultura africana e
afro-brasileira em sala de aula. Mas não se preocupe se ainda
não for professor. Nesse caso, com base no material do módulo,
escreva um projeto que pode ser desenvolvido futuramente. Não
economize linhas.
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HISTÓRIA DA ÁFRICA E DOS AFRICANOS: DA DIVISÃO COLONIAL AOS DIAS ATUAIS

2) Leia atentamente o artigo de Lívio Sansone “Da África ao Afro:


uso e abuso da África entre os intelectuais e na cultura popular
brasileira durante o século XX”. Afro-Asia, Salvador (BA), v. 27.
Disponível em: <http://www.afroasia.ufba.br/pdf/27_5_daafrica.pdf>.
Em seguida, escreva uma síntese desse artigo, articulando com o
tema que vimos nesse capítulo.
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Referências
JONGE, Klaas de. África do Sul: apartheid e resistência. São Paulo: Editora
Cortez, 1991.

SALVE, Giovani G. Uma história de traição: um projeto assimilacionista


coloured na Cidade do Cabo, 1906-1910. Campinas (Dissertação de Mestrado
em História), 2012.

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