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J,f. Scrt•am Pt'ntou em .17.91.


COLLECÇÃO DE 1\1:EMORIAS,
RELATIVAS

A 's VIDAS DOS PIXTORES? E ESCULTORES,

ARCHITETOS ? E GRAVADORES PORTUGUEZES,

E dos Eslran_qeiros , que estiverão em Portugal,


recolhidas , e ordenadas
POR

CYRILLO VOLKJJtlAR MACHA.DO,


Pintor ao Servi.ço de S. Magestade.

O SENHOR D. JOÃO VI.

LISBOA,
NA lMP. DE VrcTORINO RODRIGUES DA SrLvA.
ANNO DE 18\33.

Calçada do C'...oliegio N .º G.
..
AVISO DO EDITOR.

Publicão-se as Memorias, que á cerca dos


Pintores, Escultores , A!"chitectos, e Grava­
�-
dores Portuguezes ' e dos Estrangeires que cs-
tiverão em Portugal; for:lo escritas por Cyrillo
Volkmar l\Iachado, a quem a na�urcza dotou
de hum tal0nlo raro parn exercitar a nobre Arte
da Pintura., e por onde veio a conseguir aquel­
lcs fins, a que hyma irrcsistivel inclinaçào
chama muitas vezes os talentos extraordinarius
a seguirem as applicações para que forfto des­
tinados. Julgamos fazer á Patria. , e á Gloria
Nacional algum serviço publicando estas Me­
morias, qnc seu Author rccolheo com summo
trabalho, e que a sua modestia, e natural en­
colhimento não ousou publicaL· em sua vida.
Ningucm poderá duvidar, que são entre nós
mui escassas, e até cneditas as noticias de to­
dos aquelles Artistas, que enn�bL·ecêrào a Na­
ção por meio de suas ObrJs, e quando os Va­
saris, Rafaeis SopL·c:mes , Rossis , Leonal'<los
A�
d'Vinci , e Palominos se occupéírao em deixa­
rem á posteridade hum monumento prc�ioso, e
duravel de iodos aquelles homens, que hõnrá­
rão as Artes; icm havido entre nós o mais
ingrato silencio, não perpetuando a memoria
de muitos Portuguezes nellas insigncs. Não
alteramos em nada a substancia , e a ordem
destas Memorias, á excepção de algumas pe­
quenas observações á vida do Author, escrita
por elle mesmo. Os Sabios Artistas , os bo...
mens de gosto, e amadores das bellas Artes
não poderão deixar de ter em grande conta
huma obra que pelo seu objecto, e novidade se
faz merecedora da acceiiação publica.

/
[l]

PREFACIO.

Á estimação que as gentes polidas, e _de gos­


to delicado tem feito sempre das boas prnllli:as,
e d'outros o�jectos da Artç, con<l-uz. natural­
m ente ao desejo de conhecer os seus auihorcs,
e para os fazer conhecidos, e celebrados, tem.;
se posto em uso todos os meios possíveis, sem
exceptuar as apothecses. Ellcs tem sido 10uva­
dos cm verso, e em prosa, o incensados c0m
os epí.tetos de divinos; tem-se-lhes levantado
esiatun,s, e multiplicado retratos em estampas,
medalhas, pinturas , e esculturas_; tem-se-lhes
prodigalisado haoitos , comme!ldas , títulos,
magistraLurns , e cargos os mais honoríficos;
1·icas prebcndas, rendas :tVultadissimas, e to­
da a sorte de pt·cmios. Os homens mais don­
tos, e ás vezes os uiais eminentes em dignida­
des, tem composto cm seu louvor dísticos, cpi­
tafios, elogios, e orações fonebrcs : os funeraes
de alguns tivcrão singular pompa e rnagnificen­
cia, e os mausoléos de muitos excedem em
ftJ
riquez�, e primor de desenho os dos das maio­
res personagens.
Mas JH.lt·snadidos os seus admiradores de
que tantas honras não compensariao bem a que
ddlcs recebiào; e <]Ucrrndo talvez evitar para
o futuro ccntenda�, cerno as que liverão os Gre­
gos sobre a verdadeira palria de Homero, ccs­
tumá rào-se a trocar seus proprios appeliclc.,s pe­
los das suas patrias , chamand• -lhes Rafael
d'Urbino, Ticiano de Caclor, Paulo Vcronez,
o C-o1Tegio, Pedro de Cortona , Vasco ele Vi­
s cu; Vieira Lusitano, &.e. &c.
Não conl•·11tcs ainda com estes, que a
muitc·s parccêrào <·xcessc s, quizerào tambun
pt'iml'iro reconhecer, e depois indicar cs ca­
minhus per , nele Piles hav:no si:bido ao templo
d·l Jmmortaliclacle; a fim de que os ,indouros
rud<'ss<'m chegar com mais facilidade ao cume
da,.1nell<' monte, ou ao menos aproximarem-se
muito a cllc; e para esse fim cscrevêrào as
suas vidas, e descrc,êr,1o as suas obras.
Muitos forão os antigos que nialo se cccu­
p,íri'ío: Pa·-rhasio, Antigano, Senocratcs, Pun­
ponio Attico, Varrão, Juba 2. 0 Plínio, Plu­
tarco, Laercio, Philostralo, Aristo<lemo de
Caria, C'allicrates, e outros.
Paulo Jovio foi hum elos primeiros entre
os mo lernos que intentou mcttel' mão ao mes­
1

mo tra.halho, e para o fozpr com acerto tinha


dois grnndes requesitos; muita elec1uencia, e
(3]
muita sabedoria ; mas como lhe faltava o mais
indispensavel, isto hc, a prática da Arte, ele
que era perciso fallar com critica, magísterio,
e lingungem particular, dcsistio da ernpreza,
e rcconhcceo 1p1e Jorge Vasari, ccmo bom ar­
tista, ainda que menos littcrato, era mais ca­
paz de que elle para aquclle desempenho. •.
Com clfeito Vasal'i cscrcveo as vidas dos
mais nota"eis pintores, escultores, e archiLe­
tos que florecêri'ío desde o meado do 13.º sé­
culo até o anno 15G7, e public0u as suas me­
morias em Florença cm 3 volumes de 1,.º com
/
retratos. Esta obrn, apezar de alguns defcitus,
teve logo, e (cm tido senipre grande acctila­
ção; e foi continuada por João Pedro Bellori,
Octavio Lconi, Leão Pascoli, e alguns mais.
Filippe Baldiuncci, Florentino, iambcm
escrevco as vielas dos pintores, e gra\adores até
l<i70. Carlos Cesar Malvasia, Ant0nio Lam­
bcrtini, José Guiduloti, João Pedro Zanoti, e
outros, cscrcvêrão dos pintores Bol0nhezcs, e
fizerão estampar os seus retratos. Rafael So­
prnni , e Carlos José Ratti trntárào dos artis­
tas Gcnovezes; Bernardo Dorninice dos Nap�
litan0s; Santngostini dos l\lilancscs. Redolti
dos Vcneziancs.
Nem sómenle cada nação, mas cada cida­
de da I talia quiz prcza.r-se de ter visto nascer
no sou seio alguns artistas famcsos; e Luiz
Vcdriani escrcveo dos l\'IodenLzcs, José M1..n-
[ -1, J
tani dos de Pesaro, e Urbino; Leão Pascoli dos
Perug·incs; Mafiei , e Bariholomco del Pozzo
dos de Vcrona ; Agostinho Superbi dos Ferra­
rezes ; sem foliar d'outros m 1J.itos por não abu­
sar da pacicncia dos Leitores.
He muiLo para notar que só a Halia, ain­
da que circunscripta. poL· limites bastantes es­
treitos , tem creado mais, e melhores artistas
que Lodo o resto do mundo; e os authores. que
tem <lado o nome de escolas aos m odos de pin­
tai.· das diversas nações , rcconh�ccm fóra da
Ilalia só quatro escoJbs , que são a Alemã , a
Flamenga , a Hollandeza, e a Franccza; e
dentro <lella seis : a Romana, a Florentina, a
Veneziana, a Lombarda , a Genoveza, e a
Napolitana. Elles unem a Hcspanhola com a
de Napolcs , e a Ing-leza com a de Flandes.
Cada huma destas cscollas tem certos si­
gnaes caracteristicos : a Romana, que reco­
nhece por chefe a Rafael , e cm cujo territorio
se conserv,'i o ainda os sobCL·bos , e bcllissimos
restos da grandeza Romana, e da sciencia dos
G l'egos , destingue-se pela elevação , e nobre­
za das idéas , magnificas composições, gran­
dioso, elegante , e correto desenho. Florença ,
gue foi o berço da arte na sua segunda infan­
cia, e gue deo o ser a tantos homens famo­
sos, e ao Bonarota ; quo vale por mui tos, Lam­
bem se distingue na magestade das suas in­
venções , e na regularidade, e sciencia do de-
[ó]
senho. A escola Veneziana , que reconhece
por seu mestre o Ticiano , tem-se como elle,
singularisado pela bclleza do colorido ; enge­
nhcsas invE.'nções, e toque espirituoso. A Lom­
barda , bafejada sempre pela graça do Corre­
gio, he estimada pelos contornos correntes , e
ell'gantcs ; pela sciencia do claro-escuro ; bello
colorido ; nobre exprcss,io; e tem sido a mais
fecunda em grandes homens. Os Pintores Ge­
novczes , e Napdilaoos, variavão muito os
seus estilos , seguindo cada hum aquella esco­
la que melhor lhe 1 ,arccia.
Lucas Cambiaso , e o Baccici fazem mui­
ta honra :\ GcnoYa. , assim como Salvador Ro­
sa , Lucas Jordão , Sulemcna , e C,onca dão
muito credito a Napolcs.
Em quanto ás escolas d'aquem dos mon­
tes , o sign.1l caractcristico da Alemã , funda­
da por Alberto Durcr, he a imitação da natu­
reza , tal como ella se apprcsenta á nossa vis­
ta , sem fazer escolha <lo que hc mais digno
de ser pintado. A Escola Flamenga , que se
jacla de ter visto floreccr hum Rubens, e hum
Vandyk , he forte n o colorido , na scicncia do
claro-escuro , n'hum pincel pastoso, e suave ;
rnns copiando lambem o natural do seu paiz
sem a melhor escolha. A Hollamlcza destingue­
sc mais pelo asseio, e excessirn paciencia, que
pela nobrcz:l, e dignidade dos assumptos ; mas
0 coHorido de Rembrandt acre<lita muito esta es-
B
[6]
cola. A Jnglcza he tão pequena, principalmen­
te em Pi'tllores do grande g·ern:ro, que á maior
J>arte elos Biog-rafos csqucceo de a nomear : o
seu forte sào os retratos; e Reynolds, e Owest.
são os seus Pintores mais acreditados. A Es­
cola Franceza J ,ódc-sc vangloriar ele haver crca­
do hum Poussin , e hmn LcBrun; assim como
a Hesp1nha hum Vabsqucs , e hum l\forillo.
Sandrnrl , Van<ler-iVIculcn, Desc:unps , Huu­
hrakcn , ,v�uwcrmans , S. Palmer, l\falonc-, e
ou lros , escrc, êrão as , i<las dos Pintc., rcs <lo
Korte : Fclibien d' ArgcnYille, De Pilles , etc.
as dos Fr:incezcs; Palomino , Ponz , lk.rmu­
<lcz , as dcs Hcspanhoes.
Temes ela.do huma breve noticia das di­
versas Escolas , e dos Authc,res , que escrcvê­
rifo as vidas dos seus allunmos ; mas nenhum
cscriptor tem falbdo atégora ela Escola Portu­
gucza. Este vúcuo que se ncha na historia ge­
ral da Arte, p11r<'cco mal ao Arcchispo d'Evo­
ra D. Fr. I\ifanocl do Cenacnlo, e parece se­
gundo o seu modo de se exprimir cm algumas
das suas obra s , que de boa vontade o enche­
ria seniio se achasse cmba.raçn<lo nas rnc:smas
diflicul<lades, que servírão <le obstaculo a Pau­
lo Jovio.
Outro sabio, o Desembargador Antonio
Ribeiro <los Santos, Bibliothecario Regio na Li­
naria Pública, animado 1wlo mesmo espirito ,
rccolheo as memorias que pôde encontrar dos

'
[7 ]
nossos Artistas; e no íim do ultimo eecu1o, sa­
bendo que nós faziarnos as mesmas diligencias,
nos manduu gcncrcsamc-ntc offerecer a sua col­
lccdfo

He tambem muito digno dos nossos elog·ios
outro Varão Uio conhecido dos sabias, con10
prnsado dos Artistas : O Thesoureiro Mór da
lnsigne e Real Co!Jeg-iada de Santarern , Luiz
Duarle Villcla da Silva, tem feito resurgir dos
Cartorios do Reino muilas memorias sobre es­
ta IPatr>ria ? c•ue alli J· aziào como sepultadas.
Hum Artista bem conhacido, Jose, da eu-
l

nha Taborda, Pintor ao Real St:rviço de Sua


Mage�tade , tambem fez grancle sacrificio de
tempo precioso, penosos trabalhos , e conside­
raveis despczas para. dar ao prelo as lVlcmorias
que imhlicou cm 1 8 1 5 .
H a 3 0 ou ma.is annos que , desejando nós
satisfazer a propria curiosi dade, e tambcm a
dos estimadores da Arte , que nos consulta.vão
sobre csfa ma.teria, começamos a entrar nes­
tas indagações; e já cm 17!>4, tinham<.s hum
Calhalogo sufficiente para que hum sabio , e
grande d a CôL· te , nos persuadisse a que o
mandasscmos imprimir : Fazendo depois nové).s
acquisições, e tendo amontuado hum certo vo­
lume de m a{ eriaes, que dispersos, e perdidos .,
não se torna,·iào facilmente a rcunfr, tomámos
a resoluçiío, ( pelo amor qw professn mos á Ar.,
te , e á Patd a ) de os publicar na melhor or-
B !2
[8]
ordem possivel , para que no tempo futuro pos­
são servil- de guia a algum
. Artista mais abal­
lisadÓ , que intente aperfeiçoar este trabalho.
Parece-nos justo indicar as fontes d'onde
derivárão estas notici as : Alem de Pa.lomino ,
Bermudes , Abecedario pictorico , e outros li­
vros que todos conhecem , consultamos alguns
M. S. menos conhecidos ; e vem a ser : Anti­
g·uidade e nobreza da Pintura por Felix da Cos­
ta 1696. O Tratado da Pintura de F1·ancisco
d'Hollanda. Relaçlio dos Pintores e Escultores
que florecêrão n o seculo de 1700 , de q11e ha
obras publicas, escdpia por Pedro Alexandri­
n o de Carvalho. Este cathalogo foi solicitado
por D. José Cornide, da Real Academia da
Historia de Madri d ; e pelos DD. Narciso He­
redea , e D. Manoel Car6Jho, que nos fins d0-
seculo viajárão em Portugal por ordem da Cor­
te de Hespanha, para recolher memorias de­
Artistas , e de obras notaveis das boas artes.
Sylva Jaudatoria da Pintura, em que Francis­
co Xavier Lobo elogia os bons Pintores , Escul­
tores , e Architctos do seculo 1 8 . Noticia de
todos os Pintores etc. , que com Portccyio Re­
gia forão estudar em Roma, por 1nterveny�O­
do Intendente Geral da Policia, Diogo Ignaci<>
de Pina Manique nos fins do século 18, escti­
ta por José da Cunha Taborda. Outra noticia
sobre a mesma materia , dada pelo Cavalheü·o
Arcangelo Fosquini. Memorias de muitos pin-
[9]
tores , cujos nomes se acbão nos livros da Ir­
mandade de S. Lucas, com as datas do tem­
po em que assentárão por Irmãos, cm que ser­
vírão cm meza, e ás vezes do cm que fallecê­
rifo; começando em 1607, e acabando em 1794.
Por estes livros verificámos os verdadeiros no­
mes de algnns que andavão errados na tradi­
ção, e os tempos em que quasi todos florecê­
rão.
Além das noticias escripias tivemos ou­
tras, que nos <lerão de "iva voz os Pintores
antigos, como José Carvalho Rosa, Jcronyrno
de Andrade, Simão Caetano, Pe<lro Alexan­
drino, Jos6 Antonio Narciso , Francisco Go­
mes, e outros. Joaquim Carneiro deo-110s todas
as noqões relativas á instituição das aulas do
desenho, e gravura que clle dirigia. João Pau­
lo fez-nos scien lcs do que toca, a á anla dos
estuques. Antonio Joaquim ele Figueiredo, elo
que pertencia á aula do desenho, e gravma do
Arsenal Real do Excl'cito. Antonio Fernandes
Rodrigues da aula do desenho do Castcllo ; J0a­
quim l\farques, e Luiz Anlonio da escola da fá­
brica das caixas. Alexandre Giusti, A lexandre
Gomes , o cavalleiro Barros, Braz Toscano, e
Joaquim Antonio de Macedo <lerão-nos noticias
das aulas de desenho e cscul(ur:i, estabeleci­
das em Mafra , e cm Lisbca; nem ha Artista
que não tenha alguma p:trtu nesta peqncna
obra, porque todos nos <lerão de muito bom

.,
[1 0' ]
grado as informações que estavão ao seu al..
cance , sobre esta materia de que se trata.
Esta obra será dividida em 3 partes. N a
1 .ª trataremos dos Pintores propl'iamente di­
tos. Na '2.ª faremos menção dos Architectos ,
e Pintores de arquite.tura, e ornatos, de paiza­
gcns etc. N a 3.ª .fallaremos dos Escultores , e
Gravadores etc.
[ 11]

PARTE PRIMEIRA.

Das Vidas do_s Pintores.

Esta divbi'.io parecco-nos commoda, e natural,


e por isso a seguimos ; e nem se entenda que
damos preferencia aos que vão na 1.ª parte so­
bre os da. <:.2.ª ou 3 .ª A Al'te he similhantc a
huma frondosa arvore· , tem tronco , e tem ra­
mos mais, e menos elevados, e vemos :is vezes
dos menos altos sahirem dos ramos mais ras­
teiros f ructos preciosos. Hum Bacarelii , hum
Lourenço da Cunha, hum Pillemcnt que collo­
camos na Q. ª parte. Manoel Pereira. , José de
Almei da, Joaquim Carneiro, e Bartolozzi que
vão na 3 ."-, sito mui supc1·iores em merecimen­
to a Francisco Pinto, José Caetano , Francis­
co de Setubal, e muilos outros que acharão lu­
gar na 1. ª parte.
[ H? ]

Brevissúnas ohser·vaçóes sobre a origem


e progressos da Pintura.

Os Historiadores não concordão sobre o


tempo cm que a pintura fora inventada ; mas
podemos suppôi.- que no estado de g·ran<le im­
perf..!iç,1o nunca deixou de existir. Bem sabem
todos qne os viajantes modernos a tem acha­
do cntw os mesmos povos brutos, e salvageus.
Os Egypcios, desde os tempos mais rc­
motes fizerào uso da Arte ; e ainda se cncon­
tl'fío naquellcs paizes , columnas, paredes , e
murnias ornadas com pinturas, e doiraduras ,
conservando-se as tintas frescas, e brilhantes.
Elles conhcciào seis côres ; branca , azul ,
�mnrella, preta, encarnada , e verde, perfila.­
vão com preto sobre apparelho branco , e usa­
vão as tintas inteiras.
No Palacio d'Osimandias estava pintada
a sua. expediçào contra os Bactrianos, e outros
combates , e triunfos.
T::unbem fallão os Authorcs em paineis es­
m altados, que Simiramis mandára pintar nos
muros de Babilonia.
Nas ruin:is de Ispahan ainda se via, ha
poucos tempos, hum moisaico com 1 8 ou 19 fi­
�mas , de que temos o desenho , representan­
do a marcha para hum sacrificio.
Cleantho, e Aristides <le Corintho, e The-
[13]
lefano de Sicyonia, que vivião antes da guerra
de Troya, forão talvez os primeiros Pintores
G regos de que as historias fazem mcnç.'í o; mas
Pintores taes, que sem hum letreiro nimgucm
adevinharia se a figura pintada por cllcs era
de homem ou de mulher. De tão baixos prin­
cipias foi a Arte subindo pouco a pouco alé a
94.ll Olimpíada ; tempo cm que Apolodoro abrio
a porta aos belos dias da Pintura, excedendo
mui lo os seus antecessores ; e o que mais he ,
louvando sem inveja , e sem ciume Zcuis,
S<'U rivai, <JUe o c:xceclia. Depois dcllc florecê­
r:fo os mais raros Pintores que vi o o Universo ;
Thimantcs estabeleceo a pcrf<-ila Symmetria,
e deu mais vida e acc/10 ás figuras ; Parrhasio
animou as expressões; Zeuis cxcedeo a todos
no colorido; Pamphilio na composiçã o ; Eufra­
nor no caracter competente a cada persona­
gem; Aristides nas paixões d'alma ; Nccopha­
ncs na sábia destribuição da scena do quadro ;
e Apelles na reunião de todas as bellezas com­
binadas CCH:Q a graça. Este homem unico con­
fessava ingenuamente , que muitos dos seus
ccmpetidorcs o exceclião em alguma parto es­
sencial da Attc ; mas nenhum possuio tantas
em grão tão superior como elle.
Os prog- ressos das sciencias fazem-se por
de�r:1os dcspo�tos em linha circular : quando
se chegn ao ma.is alto todos os outros passos
tendem para a decadencia; e assim aconteceo
e
. [ 14]
aos successores de ApeJJos, que querendo pas­
sar adiante introduzírào briHianles falsos , e
novidades inutcis; e quanto <lerão ao supor.fluo
tirárão ao essencial.
Na Grecia poL'êm , apezar da declinação,
conservou-se a Arte bastante tempo com muito
esplendor, e communicou as suas luzes ao Im­
perio Romano , á Asia , e ao Egypto.
Seguio-se depois o domínio das Nações
Barbaras , que sendo feridas de cegueira pela
mai s crassa ignorancia ; parece que lhes faltou
a visão intencional , como falta aos brutos ; de
sorte que a pericia na Arte chegou a perder­
se de tod o : bem se entende que esta perda
não procedeo tanto da inercia dos arlifices, co­
mo da estupidez do vulgo a quem ellcs pcrci­
savão ag-radar para subsistir. Quando o publi-
co he iJlustrado , cada hum trabalha para ser .,,,
o mais sál:>io ; mas quando o não he , estuda
cada qual o modo de ser o melho1· impos­
tor.
A restauração da Arte começou pelo 1nes­
m o tempo em que principiou a Monarchia Por­
tugueza ; e os nossos Historiadores fazem men­
ção não só de algumas illuminações, e retl'alos
do tempo de D. Affonso I. , mas tambem de
hwn painel da tomada de Lisboa , que se- con­
servou na Igreja dos Martyres até o tempo do
terremoto.
A Pintura, mesmo na Italia aonde renas-

'
[ 1 :, ]
ceo, hia fazendo vagarosos progressos. João
Cimabue pelo meado do século 13.0 excedeo
alguma cousa os seus ignorantíssimos Mestres,
que de Constantinopla tinhão sido chamados
hum
a Florenca .. ·' e teve a fortuna de achar .
eficaz protcclor na pessoa de Carlos d' AnJOU
Rei de Napolcs, 0 qual se dignou de ir a sua
casa. Yêr o quaclro de Nosstt Senhora , que ello
esfnva pintando para a Igreja de Santa Maria a
Nova ; par:i. onde o fez conduzir em pompa
trium fal que acompanhou , com todo o povo ,
ao som de bellicos instrumentos: e a esta hon­
ra , dizem os Escriptores, devco a Pintura boa
parte da cs{i111aç..'í.o que depois teve; e por con�
ser1t1C'n<·ia dos progressos que fez.
Giotto , seu discipulo, pintou bem os re­
t ··afos , e dPi(ando as roupas nas figuras com
lllPlhor :rosto , lhe doo tal , ou qual movimento
prop ·io das acç0es que deviào representar.
Estevão de Florença, e Pedro Làurati fize,.
rão mcnçào d:ls fórmas <lo nú debaixo dos ves­
ti<los : Th:dJeo Gadi colorio melhor, e expri­
mio as paixões d'alma.
l\fassolino dco {1s sn:is figmM mais graça,
vida , e expressão ; o l\1assaccio , seu escolar ,
no s{·culo 15. 0 fez sahir a arte da infancia cm
que tinha csf nclo, e inventou hum estilo novo ;
tanto pela escolha das a.Uiludes , verdade, e
poncas dobras nos pannos, como pela sciencia,
e elcgancia: do desenho, e éonccção dos escor...
c1
[ 16 ]
ços : senclo o primeiro que plantou bem as fi­
guras , escorçando os pés , para que assentas­
sem n o chão. Fez pouco apreço de si em qua n­
to viveo; mas depois de morto, Anniba l Caro,
e Fabjo Segui lhe compuzerão lisongciros epi­
tafios ; dizendo o primeiro - a Bonarota que
ensinasse embora a todos os mais, mas que
nprendêsse delle � e o segundo reprehendendo
a Parca , porque cortando a vida daquelle Pin­
tor tirava o ser a muitos Apelles, e apagando
a quella luminaria e�tinguia a luz de todos os
outros.
Entretanto tinhão os Florentinos eregido
huma Confraria, que era juntamente Acade­
mia; novidade que foi mal imitada pelos arti­
fices Fra ncezes em 1391 ( dizemos artifices
porque não havia alli naquelle tempo professor
algum de desenho, que merecesse ser chama­
do Artista. ) Elles se encorporárão debaixo de
huma bandeira ., e depois obtivcrão grandes
privileg·ios de Carlos 7. 0 , e Henrique 3 .0
João de Bruges, Pintor Flamengo, e Con­
selheiro do Duque de Borg·onha , pelos fins do
Século XIV. achou o modo de pintar a oleo ; e
esta invenção foi huma das mais vantajosas pa-
1·a a Arte.
Em quanto a Pintura se divulgava pela
Europa, tambem hia fazendo algum progresso
em Portug a l ; e Fr. Luiz de Souza falia de hu­
ma adora�ão dos Reis mandada fazer por El-
[ 17 ]
Rei D. Diniz para o Convento de S. Dom ing·os
de Lisboa. Ao retrato de D. Aff0 nso ,1, º
disse
Faria e Sousa, que se devia dar credito, por­
que elle mesmo se havi a mandado retratar ao
natural ' com os seus Antecessores. Estes e
outros retratos dos nossos l\fonarcas passar ,lo
' r:

para a Hespanha no tempo elos Filippes.


A Bandeira do Lisboa n o lleinado de D.
João 1.0 tinha huma. pintura de 8. Vicente,
Proteclor da nossa Capital ; e consta que esta
Bandeira fora al·vora<la por João Vasques ele
Almada no Castello ele Ceuta , quando o mes­
mo Rei tomou aque1la Ci<l�tde. O Infante D.
Henrique mandou retratar D. Fernando o San­
to , seu Irmão, no rctabulo' da sua Capella na
Batalha. No Convento de S. Eloy cm Ljsboa
esteve muitos annos hum retrato pintado <'In
taboa, da Infanta D. Ca.1 harin�l !ilha <lc J:IH.ei
D. Duarte, que fallccêra cm 1 1,:r n , manclado
pôr afü sobre o seu tumulo, pelo Cardeal d' .\l­
pcdrinha de que fora Diiscipula , e Confes­
sada.
Nuno Gonçal ves , a.inda qne em tPmpo
mui barbaro, diz Francisco d'Ilollanda, pintou
com louvavêl diligencia o altar de S. Vicente
na Sé de Lisboa, e hum Senhor atado á co­
lumna na Trindade. Hum cerlo João Annes,
teve Carta de Pintor do Hei D. Affonso f>. 0 em
l•t-á-1. Gonçallo Gomes , Braz d'A\dar X.
Danzilha t André Gonçalves , e outros servírào
(18)
D. l\1anoel , e D. João 3 .º Antonio l\facicl Pin­
tor de Vi anna, rct.ratou cm 1 590. D. Fr. Bar­
tbolumeo elos l\farlyrcs; mas se hc seu , como
se diz, o retrato daqucllc Prelado , que está
na Port..1.ria de S. Domingos, era muito máo
Pintor.
Tambcm fazem mençlio os Historiadores
de dous Portug-nezcs illusircs que por curiosi­
dade S<.' cledicárào com feliz exilo á nossa Ar­
te , naquellas eras : for;1 o estes Garcia de Rc­
scn<lo moço da C:.imara de D. João Q.º , que
foi h0m desenhador; e Rraz Pereira filho de
Fernaudo Brandi'ío, G uar<laroupa do Infante D.
Fernando.
Por aquclles mesmos tempos se illuminá­
. rão na It.lli::\. Huos livros, qn� EIRei D. l\ifanocl
deo aC>S Padres ele Bellcm.
Na Halia continuavão os rapidos progres­
sos. Domingos Ghirlan<laro , Florentino achou
os princípios da. boa disposi ç:.1o , e do desenho
mais.c<1J•ruct.o. O coloriclo hia melhorando muito
na Lombardia, e cm Vcnezn, por meio dos Brl­
Jini, e do l\/Iantcnha, o Pcrugino tinha graça,
e facilidade : só faltava passar da natureza vul­
gar á sublime , e IVIiguel Ang-clo estudando
algumas obras <los antigos , ousou arvorar o
estandarte para conduzir os Artistas por aqucl­
Je magesfoso caminho. Quiz a boa sorte , que
os talentos m:iis raros cnconfrassem os Princi­
pes mais mag11ificos , e iUusLrados para 01

( 19 ]
empregarem em obras de grande sciencia, e
,·astid:\o.
Rafael, na Escola de Athenas reunio qua­
si todas as pcrfcições , que ainda se potlião
ajuntar á Arte ; e se algumas lho faltúrão fo­
rão postas em uso pdo Ticiano , e pelo Corre­
gio : ele sorte que desde o melhor século dos
Gregos , que foi o de Alexandre , nunca a
sciencia do Pintor tinha subido a. hum grúo tão
eminente ; mas conservou-se pouco lt'mpo na­
nuclla
·1 cllcvacão
• '· e teria cahido de tudo, so os
Caraches lhe não dessem a m:lo para a sus-
icnt.ar. Corno a imitação daquellcs grandes ho­
rn�ns , era 3. mais bclla, e mais nobre que a
realidade, comcc.,.{riio os seus discípulos a cs­
tudallos tanto, q�e se apartárã:o muito da i mi­
tação <la Natureza, e vierão a cahir em ma­
neiras affcctadns : <is sequazes de Miguel An­
gclo imil:irào apenas a nrrogancia do seu esti­
lo; e cada hum dos disci pulos d,· Rafael , se o
igualou em algnma parle, ficou-lhe inferior cm
muitas outras.
Naquclla <>poca introduúrão tambem o es­
tilo grandioso Affonso BerrughPto n a Ucspa­
nha, e Antonio Campêlo cm Portugal ; porque
• o Vasco, ainda que grano.e no saber , scn1pre
usou o estilo sêco , e mesquinho dos G oticos.
Começa.vamos a florcccr muito quando aconte­
cco a per<la desgra�ada de ElRei D. Sebasl ii1o,
ª que se seguio o capti\eiro de íiO annoa, e as
[ {?O l
. g-nert·as obstinadas da Restauração que nos re­
duúrão a maior inrligcncia. Os Francczcs en­
tr<'ianto fundárão a sua famosa Academia de
Pintul'a, para evitar a perscguiçtio dos portcn­
diclos arti�tas , · successorcs daquelles que se
havião. embandeirado em 1391; os quacs , em
virtude dos seus privilcgios , pcrtendião que
LeBrun , e os out:·os grandes homens, ou não
usassem, ou se encorporassem com ellcs.
Na mesma era deitava Murilho os fon'da­
mcntos da Academia de Sevilha , bastante fer­
ti l cm genios feiices ; mas os tristes Portugue­
zes tinhão de -ir buscar fortuna n a Corte de
Hc�panha, e tah•ez não tcriamos noticia clclles
se Palomino , e outros Riog·rafos Castelhanos
niio no-los dessem a conhecer. Os que cá ficá­
riio eregírão a Irmaiúladt• de S. Lucas na An­
nnncia<la aonde vivia Soror Margarida de S.
P:rnlo, famosa cm virtudes, letras, e bollas
Arles. Si1rn10 Rcdrigucs, Luiz Alvares dcAn­
<lrn<le, Fernão Gomes , Domingos Vieira, e
outros, que crão Juiz, l\Jordomos, e Irmãos do
dilo Santo, ( de que se collig·c que havia já hu­
m a especie de Confraria), comprár.1o ás Reli­
g·iosas claq uelle Convento huma Capclla por
400 $ réis, de que ha cscriplUl'a feita pelo Ta­
bellião Marcos de Olivcit·a. Fez-se o Compro­
misso em 126 Capítulos, que foi assignado por
Greg·orio Antunes , Luiz Alves ele .Andrade,
Antonio Soares 7 e Antonio Simões de Solis ;
(U
: ]
e approvado pelo Arcebispo de Lisboa D. l\fi.:.
guel de Castro, em 6 de Outubro de 160\).
No Capitnlo 1.º mandava-se acceitar por.
irm�os Pintores, Escultores, Architetos, e De­
senhadores, sendo pessoas de bom comporta.,
menl.o. O \2.º e os quatro seguintes tralavã?
de devoções e regimen. O 7 .º mandava. apazi­
guar contendas , e evitar demandas entre os /
irmãos, condcmnando os obslinnclos em alguns
arraleis de cêra. O 9.º e o 10.º indicnvào os
meios para. haver dinheiro, e o modo <le o bem
guardar. O 1 1 .º mandava que se visitassem os
enfermos parn os exorlar a que se confessas­
sem, e soccorrêlos se fossem pobres. Pelo 12.º
se mandava pagar at{, rn cruzados, se alg·um
irmfio , pelos dever, estivesse prezo. O 13.º
ordenava que se soccoressem as viuvas , e ca­
sassem as orffis , dando-lhes a l\'leza 10 cruza­
dos, e cada irmão hum cruzado. O 1'1,.0 e se­
guintes tratavão de suffragios : Os 17-�Q ei·ão
relativos ao regimen <la Irmandade. O � 3.0 or­
dena a festa. da Senhora do Populo. O !4.0 e
25.0 tratavão de cova.os ; e o ultimo conc.lem­
nava o prncurador a p:.igar a melade das divi­
das, que por sua omissão senão cobrassem . Nào
trataviio de A cademia nem ele melhoramento
da Art e ; e esta he a maior pr·ova do abatimen­
to cm que f>l!a se ach:lva.
a
. A guerra da succcssão seguio de perto
da mdcpe nclcncia, e só elepois da paz de Ut11eck
D
r��1
em 1 7 1 f> he que s e pôde cuidar em sciencias,
f
e bellas artes; e com ef eito cstabclecêrão-se
no R eino algum:l.s Academias de Historia ,
Poesia, e Geometria. A pintura não esqneceo,
e E!Rei mandou a Roma alguns estudantes ;
outros forão á sua custa, ou encostados a gran­
des personagens.
Faltava porêm hum!l. Academia da Arte
em Lisboa , e ouvimos dizer que Francisco
Vieir a , e Andt·t'., Gol<:alvcs quizerão <lar pri 11-
cipio a ella; mas o pm o rustico sabendo que
i-e havia de expôr alli hum homem nú para ser
copiado , apedrejou as ja.nellas da casa , e foi
preciso ceder.
Pelos annos 1780 , tendo nós dcsqjado ter
em Lisboa hum estudo do nú como tínhamos
,•isto em Sevilha , e Roma , pedimos, e obti­
vemos algumas súlas do Palacio de Gregorio de
Barros e Vasconcellos , junto á Igrej a de S.
José , e as mohiliamos com quanto era neccs­
sario para o intento; e convidámos os mais
Sabias Artistas para. dirigirem os éstu<los, e a
todos os outros mais para se aproveitarem del­
les. Achar hum homem que se quizcsse despir
para estar a modMo foi empreza <lifficuHorn :
fallámos nisso a muitos , mas como o convite
lhes Jl:trecia huma affronta , as respostas erão
não só negativas , mas tamhem insolentes.
Com maneiras estudadas , e offertas Jibcracs
se ajustou hum homem de ganhar, o qual cum-
r çz a J
prio fres ou quatro noites ; mas quando os seus
cam,l.L'adas o souberão , derão-lhe tacs vaias , e
trnlárão-no tão mal , que o pobre homem dcs­
appa.recco ; mas achou-se outro , e o estudo
prosegnio sem inlet'rupção. O novo eslabcleci­
rnento foi muilo applaudido de huns , e perse­
guido por outros, como tem acontecido em t°:'
da a parte. O Duque de Lafões mandou alh
o Abbade Corr�a , e seu irmão Joaquim José
Corrêa [1l , a olforccer a sua ali a protecçào , �
tudo quanlo estivesse em seu poder , a fim de
_
cimentar , e conservar aquclla Acadenua.
Iguaes offcrtas fez tambem Joaquim Leonardo
da Rocha, da parle dolVfarquez d' Alorn a : em
geral , lo<la a C'.JÔrle se mostrou prop-icia ao
melhoramento da Arte.
A abertura da dila fez-se no dia 16 de
l\'laio ele 1780, e nússa occasião rcpetio o EL·e�
clor hum breve discurso cxhortatorio , em que
dizia em substancia aos seus C.Ollegas " Se nós,
que professamos e amamos estas bcllns Arles,
não as socorrermos , e exaltarmos quem deve­
mos esperar que o faça? os que a.s iguorào, ou
as <leseslim ão? - Somos poucos, e debcis, mas
.
se comecarmos a vencer os obstaculos o J)ar-
tido que vence sempre acha sequazes , e pro�
'
(l) Era De�enhador· , Arquitecto Civil e Militar, pelos
annos 1700 foi para o Brazil com patrnte de Major de En­
genharia , e lá morreo sendo ainda moço.
D�
[�4]
tectores, e em pouco tempo as veremos trium­
far. - Se formos tão felices que o consigamos,
a Patria nos reconhecerá por seus filhos bene­
rneritos; a honra , e o interesse Nacional .nos
ficará em grande obrigação; e a Historia ce­
lebrará com applauso, e com justiça os nossos
nomes; os vindouros nos serão dévedores dos
progressos que bem lhes podemos prognosticar,
supposto o grande talento natural que ha nos
portuguezes.
Tudo se nos facilita , e nos enche das
mais bem fundadas esperanças : hum Fidalgo
generos o , e sabio lhes abre as porias para as
:receber em sua casa; os Grandes lhes oífere­
cem protec<;ão, e subsidios ; a Nossa Sobera­
n a , e suas Augustas Irmãs , se entretem tan­
to com elJas como se as professassem : e pode­
riamos nós desejar roais folices auspicios , mais
ditosos presagios ? - Se fizermos progressos ,
se nos conduzirmos com zêlo, e patrlotismo ,
havemos de achar muito favor em Sua l\'lages­
tade. &e. &c.
Achárão-se na Academia Joaquim Manoel
da Rocha, Joaquim Carneiro da Silva, Joaquim
Machado de Castro , e muitos outros Professo­
res e Alumnos das tres Artes , e tambem al­
guns Amadores , entre os quaes Thimotheo
Verdier , Sábio em Arquitectura , G uilherme
Hudson , e outros Ing-lezes , e Francczes : o
número total foi de õ 1 pessoas.
[iõ]
Joaquim Carneiro, por insinuação d o Pa­
dre Meslre li'r. José da Rocha, Domiuico, que
tinha t oda a influencia na :Mcza Ccnsoxia, tra­
çava enlão , como <le1)ois soubemos, hum pla- .
n o para a Aula <lo Desenho, que veio a a brll'-
se no anno seguinte : contava clle já com Joa­
quim l\fanoel da Rocha, para occupar a cadci-
1·a da Figura, e por esse motivo rccc.beo mal
o convite que lhe fizemos para entrar cm a no­
va Academia , e até parece que não fora a cl­
la senão a fim de a derrubar; porque pouco
tempo depois da aberlura , aleganclo pretextos
mui frívolos, declarou aos seus amigos, e dis­
cipulos , que não tomn.l'ia mais áquella casa,
e todos elles o imitárào; e como as despezas
das luzes , e salario elo moclêlo , erào foitas á
custa dos que frequentavào, contribuindo cada.
hum com 300 rs. mensaes ; falla.n<lo as contri­
buições acabava-se a Academia.
Tinha-se determinado que os mezcs c.le Ju-
1ho, e Agosto fossem de ferias; e ainda que
o Erector n a sua tentativà não tivesse e1n vis­
ta mais que o estahdecimenlo de hum estudo
bom , e necessario, agora achavn. tnrnbem a
sua honra compromett.ida nn.quella desordem :
Ruma Academia falleci<la cm tão tenra idade,
deveria parecer hum aborto; e para conservar­
lhe a vida resolvco-so n. acceitur os t.lonativos
que os Fidalgos, e ns pessoas ricas, e gene­
rosas tinhào offerccido, e abrio a subscrip�ào ;
[t6 J
declarando porêm que senão acceitaria a cada
assig-nante mais dos 3GOO rs. annuaes, que pa­
gavão os Artistas. Assignárão Manoel de Lo­
rena , o Conde de Villa Nova , o Ma.rquez
d'Alorna, o Conde de A ssumar, o Marquez
de Gouvêa, o C.,onde d' A talaya , o Prinópal
Miranda, o Concle, e a Condeça de Virnieiro ,
A gosl.inho Francisco de Larre, :Anselmo José
da Cruz, Guilherme Hudson, e assignarião
todos , porque todos querião concorrer para
aquelle público bem , mas Pedro Alexandrino
fallou com energia contra esta medida, dizen­
do ser cousa vergonhosa para os A rtistas não
se atreverem elles a fazei· hurna despcza tão
limitada , e sei· pára isso necessario incommo­
<lar os Grandes da Côrte; que se escolhessem
tantos Professores quantos fossem os mezcs de
estudo annual , e cada hum delJes governasse,
e fizesse a dcspeza no seu mez.
Este parecer foi desapprovado pelo maior
número , e tivemcs de proseguir nas assigna­
turas ; p01·êrn espalhou-se o boato ele que os
administradores da Academia poderiào utili­
zar-se de algum dinheiro, foi então 11 ue o Ere­
ctor fez proposito de não acceital' nada a nin­
g-nem, e de sustentar a A cademia á sua cus­
ta em quanto pudesse : com effeito for. a nova
abertura no dia 13 de Setembro, e a ella as­
sistírão Francisco Vieira Lusitano, e Jgnacio
de Oliveira Bernardes , como Directol'es do

1 !.!7 ]
desenho, e estudos do n ú , e Simão Caetano
Nunes comoDfrector da Perspcctiva , Gcome­
ttia, e Arquiteciura : perparou-se tambem hu­
ma sála para nella se desenharem gêços, e es­
tampas de figura , e ornato.
Os estudos sendo então mais amplos , e
mais variados concorriiio a. clles não só Pinto­
res , Escultores , Arquitectos , e Abriclores ;
mas tamhem Entalhadores , Ourives, l\fostres
d'obras. &e. &e..
O Padre João Chrisosiomo dcsa.pprovou
hum procedimento que tornava particular , e
de hum só, huma Academia. que devia ser , e
'
chamar-se de todos · e offereceo-se ao l�rec:tor
para associar com elle : o mesmo fizerão Simão
Caetano Nunes , e o Fidalgo dono da casa.
Como se hia seguir , pouco mais ou menos , o
systcma proposto por Pedro Alexandrino , pa­
receo justo convidallo de novo para a socieda­
de , porêm elle receando ficar mal com o par­
ti do da opposiçito , não quiz acceitar.
O Ereclor, com approvação dos seus So­
cios , convidou tambem Francisco Jos6 de Se­
tubal , e Jeronimo de Barros : ambos acceitá­
rão; mas não forão utcis á sociedade , o pri­
meiro contribuio com a sua quota parte ; mas
sendo amigo de intria:as usou dcllas com am­
bos os partidos, e t('iirou-se intPrnpesti\a.mcn­
tc , o segundo tratou a cousa com muito pouca
seriP-dadc>. Esta associaC<f o começou cm �3 de
Outubro, e durnu hum ·anno.
r.�s ]
A Academia era. cada vez mais frequen­
tada , e mais applaudida, porêm no melhor
tempo, moncn<lo Grcgorio de Barros , faltou
a casa , e foi prcciso suspender os estudos.
Antes <lu nosso <'Stabelecimento parecia
aquella cmprcza a huns impossivel, e a outros
<lifficultos a ; mas depois facilitou-se tanto, que
se fez o estudo do nú lambem em l\fafra , na
Fabrica das caixas , cm casa do. Intcmlente
aos Anjos , e ultimamente na rua dos Camil­
lcs.
Diogo Ignacio de Pina Munique tinha fun­
dado , com Bcneplacito Regio, a Casa Pia do
Casicllo, aonde entre outros estudos teve lu­
gar o Desenho , e escolhco para Professor del­
le Anionio Fernandes Rodrigues , o qual n o
dia. :23 d e ·Abril d e 1 7 8 1 , dia ela abertura da
sua Aula , recitou huma Oraç.i o Academica.
Nella frlicitava a Nação Portugueza , e os
Alumnos da Aula; aquclla , porque entre os
tumultos da guerra C'll1 que se achavão envol­
vidas outras Nações , gosava as vantagens de
huma tranquilla paz; e estes porque felizmen­
te vivifio á sombra de Uio boa protecção. Da­
va-lhes depois huma idé•a da Arte, e trazia á
memoria alguns dos muitos que por eJla havi:fo
subido a grnn<les honras e felicicladcs. ,, A' vis­
ta. pois destes exe!nplos concluia clle, enchei­
vos d<' esperanças. TPtHles Mecenas , tendes
:Mãe Protectorn , compassiva e liberal , <le
( � !> ]
quem deveis esperar todo o favor , s e fizerdes
1m Arte aquclles progressos que anciosamcnte
,os des�jo. ,,
Tentou depois o mesmo Magistrado, o res-
1 abclecimento <la Aca<lcmÜL do nú; e para &
1lirecção della. foi elle mesmo pessoalmente con­
"ida.r os Lentes do Desenho <lns Aulas Regias,
<�ue erãu Joaquim Manuel <la Rocha, Joaquim
l\Jachado de Castro e Joaquim Carneiro da
Silva. Tamoem convidou o da A ula <lo Castcl­
lo; e recebendo algum tempo de visita a Pe­
dro Alexandrino , lhe fez o mesmo comitc.
Ah1·io-sc pois a Academia pela terceira
vez cm casa do mesmo Intendente , aos An­
jos, cm a noutc da Segunda Feira 17 de Ou-
1.ubrn 1lc 1785 , e aJli se fez hurna espccie do
<'nsaio por <luas semanas , em quanto se prc-
1 ,arava na Rua dos Camillos o sallào que ti­
nha servido de livraria aos dilos Padres.
No espolio de Joaquim Camcit·o , achou­
se hum manuscrito feito por ellc, com duas da­
tas <li fl'crcntes, que paL'l'CClTI Suppostas. () SCll
titulo l1e )) Estat utos da Regia Academia Ulys­
siponense de Pintura , Fsculptura , e Archi-
1.cC'l ma , dchaixo do Patrocinio tlo Evangelista
S. T ,ucns ,, Julgamos tcL·em si<l.o feitos para es­
ta Escola , tanto mais, quanto haviamos ou­
"iclo dizer a. Antonio Fernandes alguma cousa
a esse respeito.
Por aquellc tempo chegou de Roma Eleu-\
E
[ 30]
teria l\fanoel elo Barros , conduzindo o grande
painel de Battoni, e entrou tambem no cor­
po da Direcção. Em tanto falleceo Joaquim
J\fanoel da Rocha em Dezembro de 1786 , e
juntando-se os Directorcs, por convite do In­
tendente para lhe darem hum successur , vo•
tarão no Author destas memorias. Na mesma
conferencia propoz Pedro Alexandrino, que se
repartisse o trabalho da Direcção po1· m ais ai.
guns, e lembrou o Padre João Chrysostomo
para Director cm Escullura, e Joaquim José
de Barros, então principiante, mas já bom Es•
cullor , para substituto. Joaquim Machado do
Castro tambem propoz Francisco de Setubal
para J?ireclor , e Faustino José seu Discipulo
para Substituto.
Estas eleições forão noticiadas aos eleitos
por huma circular dataqa de 19 de Dezembro
de 1787 , pela qual ,:fosé Rodrigues Lisboa ,
A dministrador da Casa Pia os convidava em
nome de Intendente , no caso d.e acceitarem,
para assistirem á Secção Aca<lemica , qu,c no
dia !il4, se havia de celebrar na mesma Casa
diante da Nobreza, e Corte. Todos acceitárào,
á excepção do Padre João Chrysostomo, o qual
para se escuzar allcgou razões que <lerão mo­
tivos ao Discurso Apologetico, escripto, o es­
palhado por hum Anonimo, em que affirmava
que sendo o Padre prudente , e discreto não
po<lia ser author daquella escusa , que algum

r
[31 ]
· genio maligno cn.lumniosamcnte lhe queria im­
putar. O Padre deo a esta salyra huma respos­
ta lambem satvrica. Fez-so a Scc(;ào Acadc­
mic:l. no Casf.�llo aonde Joaquim Machado
Jlronunc iou de tarde O Discur.;;o scbre as utili­
dade� do Desenho, que corre impresso, e á
noute poz o grupo, que foi desenhado lambem
por alguns Fid algos.
Como o I n(c ndcnte qnizessc crear na Ca­
sa Pia não só l\fanufactm·es mais tambem Sa­
bias, e A rtistas, mandou a Roma cm. l 78á
José Alves de Oli, eira, .Joaquim Fortunato de
Novacs, e Jof10 José <le Aguiar, para :\lli s_e
instrnirem, o 1.º na Pintm·a, o §2 .0 na A rqu1-
tectura. Entretanto chegou á noticia de Joa­
quim Carneiro , que Francisco de Selubal in­
trigava com Antonio Fernandes, e Nicoláo Pre­
to lll pn.ra refutarem o novo Regulamento da
Acallemia. , que (talvez por isso) ficou sem ef­
feito : por esse inativo compoz hum discurso
' all�gol'ico inlutulado. ,, O dia, o crcpuscul o ,
e a . noule , ao mesmo t•'mpo , phenomc110 ra­
ríssimo visto cm Lisboa por Joaquim Carneiro
da Silva " Jazião, dizio. -elle em substancia 0
em confuso cháos as Artes libcracs em Portu­
gal , quando hum Zeloso 1\/lagistraclo as quiz
tirar daquclla escuri<lão, e convidou para isso
Professores benemeritos ; entre estes aparece.

(l) E� foi Porteir.o da Aula pouco ten1p1>.


E�
[3� r
rão o dia, o crepusculo , e a noulc ; oh que
1 riste aspecto! que infousto ag·ouro ! Mordidos
pela in veja , movidos pela ignorancia , e fusti­
gados pela furia da discordia conspirárão con-.
tra o novo estabelecimento " seguia-se aqui hu­
ma interlocuçã'o cujo resultado foi formarem
elles hum triunvirato etn que cada hum pro­
metia de sacriiicar o seu, amigo ao o<lio do
companheiro. " Conseguirão em fim estes ma­
levolos , prosseguia elle , cortar cm flor a nrYo­
re que se cultivava para dai· fructos Pl'Oveito-­
sos ; varios Professores , e Exercitantes deixá­
rão . de frequentar huma Aula aonde mais se
detrahe que se desenha. Hum digno Professor
( falia aqui do Padre João Chrysostomo ) sendo
nomeado para ser hum dos Dircctores <lella,
em huma carta, que dirigio aos mais Dircclo­
res , entre outras razões com que se escusou ,
disse" que sabia ser tal a desunifio, e murrnu­
rio , que ain<la os mesmos Directores , princi­
palmente aquelles a quem a mocidade Portu­
gueza deve as maiores luzes , não escapavtlo
não só de huma continua critica, mas tambem
de rigorosas e crueis satyras - A' carta do
Professor , que se escusou se respon1lco com
outra picante , e teve igual resposta - sahio
certo o funesto presagio - " Não sabemos se
Joaquim Carneiro estava bem informado ; mas
he certo que pouco tempo depois via -se a Au­
la do nú abandonada aos rapazes que hião, em
'[ 3 3 ]
vez de desenhar, atirar com ballas de papel
huns aos outros.
l\Iuilos estudantes d'outras escolas se re­
cornrnendavão á protecção do Inten dent e, 0
Senhores da Corte para irem lambem a Roma;
forào em·iados em 87 88 , e uos an ncs se­
guintes até o de 95 hu;1 s 18 ou 20; e alli es­
tiverão quasi todos até O tempo cm que os Fran­
cezes i nvadírão os Estados da Igreja.
A antiga Irmandade de S. Lu�ns con,�i­
nuou n festeja r este Santo Evangelista ale. o
anno 17 � á •, mas sobrevindo o terremoto, e ca-
hindo parte da Igreja , ficou seu cu1lo i. nter-
rompido. Salvarão-se porêm algumas cousas.
A Estatua do Santo esteve depositada em ca­
sa de Gregorio Madeira· : a alampada, e o pai­
nel da Capella ficárão em poder das Religio­
sas, que os transporlúrão depois para Santa
Joanna; o resto da prata, e as joias ficárão na
mão de Bento de Sousa, d'onde passarão pa­
ra a. de Jeronymo Gomes, e depois para as do
Manoel Gonytlves Vital , e de Pedro Alexan­
drino.
Em 1777 juntá.rão-se alguns Irmãos, nze­
rão nova meza, e elegerão por Juiz Simão Cae­
tano Nunes : collocou-sc a Esta(.ua do Santo
em Santa Justa , a tempo, que o Jnspector da.
nova Igr�ja dos Martyres offcrecia aos Pinto­
res huma das suas Capcllas. Pedro Alexanchi­
no queria , que se acceitasse a oíferta., outros
[34]
impugnárão, alicnárão-se os espfritos, a Irman­
da.Jc ficou outra vez desorganisada, e Manoel
Gonçalves Vital, que tinha em seu poder as
joias avaliadas em 79 $ 780 morreo entre tanto
sem as poder entregar.
A Irmandade tinha dado ajuro certa quan­
tia de dinheiro sobre a hypotheca de humas
casas , e os bens de hum abonado fiador : as
casas tinhão cahi<lo pelo tenemoto; e Jerony­
no Gomes, que era o Procurador da Confraria
solocitou muito o seu restabelecimento para
obrig·ar o fiador a pagar a divida; mas só con­
scg·uio , que o Santo passasse ele Santa Justa
para Santa Joanna aonde foi festejado cm 1789,
e no anno seguinte. Em 9 1 dicidio-se a votos
que se restabelecesse alli outra vez a Irmanda­
de , e as Religiosas reconhecerão os Pintores
pot· Senhores da Capclla, alarnpada, e painel
de S. Lucas , e dct·ào-lhe faculdade para que
aos lados da dita Capella podessem collocar bus­
tos , retratos , e epitafios dos seus Artistas
mais iJlusLres , e isto por escripiura de 23 de
Julho de 1793 lançada nas notas do Tabellião
Francisco Xavier de Sousa Henriques ; cuja
copia está no Compromisso. Festejou a nova
Confraria o Santo com muita solemnida<le nos
annos 179 1 , �:2 , e 9:3 , sendo Juiz Pcdrn Ale­
xandrino, Cyrillo, e Manoel Caetano de Sou­
sa.
Como o antil:fº Compromisso parecesse pou-
[3�]
co adaptado ao tempü presente, tratou-se <le
fazer outro melhor, e nós requeremos , que
_
. nelle , depois dos objectos de devoção, e �ari­
dade se tratasse lambem de estudos, e rnto­
resses da Arte, dispondo as cousas de modo ,
que para o futuro podessemos ter huma � a,
e verdadeira Academia, cujo corpo de DHe­
ctores tivesse voto juntamente com o dos �e­
sarios no governo da Confraria ; sendo preciso
desde logo nomear hum Director Geral. Estepa­
recer foi admittido em l(i de Outubro de 1791,
e todos votárão em Pedro Alexandrino para Di­
rector Geral. Em outra Assembléa do anno se­
guinte se elegerão a votos os Deputados para.
a eomposi�ão do Compromisso, e forão eleitos,
Pedro .Alexandrino, Domingos da Costa Ba1·­
reto , Gaspar, Jeronymo d' Andrade, Jerony­
mo Gomes , Felisbort.o , Man�cl da Costa, Jo­
sé Autonio Narciso, José Francisco clel Cuvco,
e Cyrillo. Este ultimo foi fambem Secretario
desta Deputação, e do futuro Corpo de dircc�ão,
e em sua casa , na Rua da }i'é se fazi,1o as
conferencias. De1·ão os seus pareceres por es...
criplo Pedro Alexandrino, José Antonio Nar�
ciso, e Manoel da Costa; os outros disscdio
d e viva voz o que melhor lhes pm·ccia, e reco­
lhendo-se de huns , e outros o que mais con­
'tentava a todos , se foi proseguindo vagarosa-
mente a obra.
A principal recommenda(iãO do maior nu- 1
[ 36 ]
mero era hum remedio contra o abuso de se in­
cumbirem das obras <lc Pintura. aquelles que
nunca professarão a Arte; visto que as outras
profissões nobres , como a Advocacia, Medi­
cin a , e Musica , tem privilcg-ios que excluem
os intrnsos. Acabou-se em fim a nossa tarefa
em 16 ele Fevereiro de 1794, e a. primeira lei­
tura della. foi feita cm 9 de .Março diante de
� 6 pessoas , que todas applaudi.rtt'.o, e assigna­
rão.
Este novo Compromisso examinava primei­
ramente quaes e1·,'io os abusos , e demonstrava
pela cxpcriencia de todas as Nações civilisadas
que só a Ac:idcmia seria capaz de os comba­
ter , e affasta1·. Dizia depois, que qualquer in­
divicluo podel'ia pintar o que quizcsse, bem ou
mal , de g-raça ou por dinheiro, inda que nun­
ca aprendesse; mas as grandes obras, feitas
por muitos, os que as houvessem de dirigir, e.
a:juda.r a fazer , devefr1o se1· habeis naquelles
gcneros , e agregados Íl Academia ; porque
ella seria obrigada a reconhecer como Directo­
res ou Ajudantes, todos aquelles, que não sen­
clo incorpora<los em alhêas profissões, vivessem
actualmente do producto da pintura.
Todos os que pertendessem a direcçfio de
obras , que lhes não competissem , serião ad­
moestados pela Academia; se desprezassem a
admoestação , o dono da obra seria advertido
daquella fraude; se o dono insistisse, o intruso
37 ]
poderia fazer a obra;[ ma
s sería pro hib ido a to­
dos os Artistas, o pod
erem-no ajudar , sobpe­
na de serem cxcl,ui dos
das obras dirigidas pe­
los legítimos Profes
sores , e de darem alg·uma
cên,. para a Cape!Ja
do Santo. O resto do Com..:
promisso tratava _
d a Academia.
do reJY� im en da Irm an dade , e
Entretanto hu
se encarregavão m bo m número de intrusos
das decorações das casas , e
convi davão para
lhas fazerem , Pintores menos
acrP.dila dos , paga
ndo-lhes com bastante libe­
ralida de. Estes a
quem o abuso vin ha a ser
uti l , começâ'rào a
espalh
que falsos , e absurdo ar boatos, que ainda
s , forão cri dos , nã o só
pelos que não tinhã
o ain<la ouvido lêr o Com­
prom isso; mas tatube
m por alguns dos que já
o havião assignado,
sanuic s que fizerão, chega ndo a parecer pelas
q ue tinhào perdido o us
'.:
da razao. ?
Assim as <lebeis tentat
em Lisboa para melho ivas que se fazià'.o
rar a Arte , ficárã o todai
setn effeito.
Jel'Onymo Gomes havia
za no dia Q6 de entreg·ado em Me;.
Dezembro cie 179� , a prata.
que tinha em seu
a qual se metteo potl�r ,- pezan<lo i:2 marcos,
· no -cofi·o -que ficóu em
de Pedro Alcxân casa.
dt·ino até o ·<lb'·cz s de Janeiro
de 1 808. Nesta
épo
de quasi exti nc(a ca, achando-se a Irmanda­
os Fraucezes i , e receando os Irmãos que
ntrusos então no Reino , tendo
F
[ 38 J
noticia deIJa , a pedissem , como pcdírão a da
alampada que eslava cm Santa Joanna, rcque..
rêrão a P�dro Alexandrino que deixasse abdr
o cofre, e repartisse pelos Irmãos que existiào
a quantia que se achasse dentro; o que elle
fe'?, sem a menor repug·nancia. Erão ainda bas­
tantes os Confrades , e tocou a, cada hum Q
que havia dado pela su.\ patente , e desde en­
t..io ficou a frmandade totalmente anni4uila­
Ãa .,

Antes que passemos a fallar das pessoas


que fizerão profissão p11blica da Arte, e se
houverão• com clla, parece justo elogiar aqucl­
Jas que a tem honrado muito com o seu exer­
dcio , e proteoção.
ElRei o Senhor D. Joiío VI. tem-se digna­
do de conceder ás be1las Artes , o que ellas
exigem, e requerem dos Monarcl1as , que he
Real Munificencia, e Protecção. Nenhum Mo­
narcha dispende talvez com eJJas tanto como
o nosso.
He bem sabido -d� todos o rarissimo talen­
�o que tem � Rainha él Senhora D. Carlota Joa­
quina, para a:s $PicnQias, e bella_s Artes. Com
poucas lições fez grandes progressos n-0 dese­
nho, e pintura de o)�, e de pastel , e senão
executou muitas obras d,esta natureza, foi por­
que empr�·ava o tempo ainda. melhor na ex-
( 39 )
cellonte educação que soube dar · ás suas Au­
gustas Filhas, que tambem aiorendêrão a de­
senhar ; e a Senhora. Princcza D. l\'Ial'ia The­
reza recortava optimamcnte á thesoura sem
aprnnder.
'rambcm nos consta que a Senhora A!'chi­
duqucza, e Princeza R eal conta esta cutre
as muitas prendas de que he dotad.'.l-. A Se­
nhora Princeza do Brazil fez da pintura o seu
mais delicioso recreio, e cntreíinimcnto , em
quanto nào sentio o golpe da Viuvc-✓• • Nas
mesmas jornadas sempre a açompanhavão as
côres, e os pinccis. Empregou em quadros es­
colhidos soma8 muitoavultadas. Pintou para a
R cal Basilica do Cora.cão de Jes us, o devotís­
simo painel do Corac"'�º de Maria. I nventou
ontras composições, todas mysíicas, que forão
grava.das pelos melhores Abridores. Tem feito
gloria . d e proteg�r , e honrar os sábios , e os
Artistas.
Da Senhora D. Marianna , Infanta , te­
mos os paineis das Capelias no seu Convento do
Desagravo , e alguns objectos de devoç,-1.0 gra­
vados por Carmona , e por Carneiro da Silva.
A Senhora Rainha D. Maria I. tambcm
foi muilo affciçoada á Arte da Pintura , prote­
geo-a , e l'ecreava-sc com o seu exercicio.
A Senhora Rainha D. Marianna de Aus�
tria bordav:.i., dizem, com tanta perfeir/io que
:.ts suas obras parecião pintadas; e bordou as
F�
[ 40 ]
cortinas do Sacrario para Igreja do seu Hospí­
cio de S. João Nepomuceno. A Infanta D. Fi­
lippa filha elo Infante D. Pedro Duque de Coim-
. bra, e Regente <lo Reino, traduzia do latim
hum livro de Homilias , e Evang·elhos para to­
do o anno ornado com as imagens dos Santos ,
e figuras dos Mysterios <le que fallaYa o texto,
tudo debuxado á penna com grande primôr da.,
Arte, segundo o sbculo em que foi feito. Con­
servou-s� com muita veneração no Mosteiro de
Odivelas aonde a sua Authora vi-veo 17 aunos
como ReUgiosa obsm·vante , ainda que não fos..
se lig-ada a algum voto.
Nas Côrtes. de Lisboa, e do Rio de Janei­
ro existe actualmente grande número de Se­
nhora s , e Fidalgos com genio �ão vulgar pm·a
as bellas Artes.
A Senhora Marqueza de Bellas, D. Maria
Rita de Castello-branco, ainda que exercesse
praticamente a pintura tinha hum goslo tão
delicado para as composições , enfoit.cs , e de­
corações, que as Seuhoras d a Côrte a tomárão
JJOr m odêlo , e os Artistas acha vão-se muito
bem com os seus conselhos. Alguns dos m:üs
folices pensamentos, nttribuidos ao Author des­
tas memorias , forão-lhe sugeridos por aquella
Senhora , nem he a unica pessoa da sua lllus­
tre Familia , <JUe seja dotada de hum genio
feliz para as Artes de imitação.
A Senhora Duqueza de Latões, e o Duque
( 41 ]
quizerão honrar a nossa Irmandade, escreven­
do os seus Nomes no livro dvs Irmão s , cm lá
de Maio de 179 12.
Tambem se achão no antigo livro os no­
mes de D. Marianna Isabel das Montanhas ,
Soares , e d e D . Luiza Joaquina, Lucas d e
Men ezes , que assig·nárão em Ql d e Outubro
de 1753.
D. Maria de Guadalupe Alcncastre e Car­
àenas , Duqueza de Aveiro
&c., ornou muilas
Igrejas com paineis que
pintou ; e os nossos
Pintores a elegêrão par
a Jui z da Meza de S.
·Lucas em 1669.
D. Margarida · de Noronh a,
garida de S. Paulo ou Soror Mar­
, Filha dos Condes de Li­
nhares , deo o risco
para a Igreja da Annun­
ciada , fundada ,
ou restaurada por seu Av ô,
Fernã'.o Alves de
An
tora, e ti.trahio pa drn dc . Tambem era Pin­
ra aq
foi muitas vezes Pre uelle Convento em qu e
lada , a Irmand�<le de S.
Lucas. f'.JOnfirm�da
em 1609.
D. Leon ot· de
e <l' Atougu1a , p Men ezes Condessa de Oi:êm
do apena s 1 4 elo meado do século 17 , ten­
annos , desenhava e escrevia
perfe i ta mente. '
1?· M�ri a Mag
Corre10 lWor da.lena de Castro füha. do
de Reino :florec
cu!
_ , 0 , e he conta
' eo no mesmo sé--
numero das · da pe los Au thores , entre o
, :1s 1.1lustre s.
p1 n�or
D· Isabel
de Castro, Condessa d' Assumar,

'-
[ 4,4? ]
filha de D. Joiio Mascarenhas Marquez de Fron­
teira, foi hnma das Damas mais celebradas na.
Corte , teve �·1·ande talento para a Pintura, e
faleceo em 1724 .
D. M:iria l\'Jag·dalcna .Eufemia da Gloria,
filha de D. Elena de Tavora, professou no Con­
vento da Esperança em 16\lo, e alli pintou va­
rios pa.ineis para huma capella sua, publicou
tambem algumas obras liW�ratas, debaixo <lo
nome supposto do Leonarda Gil da Gama.,
D. Anna de Lorena Camareira. Mór das
Rainhas D. Mariauna de Austria, e D. l\fa­
rianna Vict0t·ia , retratava bem , e pintou com
perfciçJo varios paineis para a sua Ermida de
S. Jonquim M Calva.rio. Tambem dizem ser
seu hum bom painel de S. Vicente de Paulo
que está na Igreja dos Padres de Rilhafoles.
Vieira, no scn Pintor Ins(gne a compara á Se-
- rani, e a Rosalba, famosas Pintoras Italianas ;
e Jos6 Gomes da Cruz, n111. Carta Apologetica
chama-lhe " Sábia. Professora desta grande
sciencin..
Ao Senhor Jos6 Viale somos devedores da
nota, e conhecimentos , que a ExceJlentissi­
ma Senhora Condessa d' Alva possue nns bellas
Artes , e esta noticia a publicamos da mesma
sorte rine sa.hio da lrn.bil penna <lo mesmo Se­
nhor. Viale. "
,rns niio podemos de sorte nenhuma dei­
xat •em silencio a ExcelJeutú,sim,'l f.S�n.hol'ai Con-
[ 43 ]
dessa d' Alva, a qual, tomando o exemplo que
por alguns seculos lhe hão dado seus nobilissi­
mos Progenitores , proteje da mal1l irn a mais
distincta as belrns Artes. Hum Pintor , hum
Escultor , hum Arquilccto , diante dest,i. He­
roina , imagina estar no Templo da Gloria.
Esta Senhora pinlou , e pinta a oleo , e em
mini atura , de figura , de paizcs , e de flores,
com muita intelligencia , e magisterio : a sua
conversação sobre as bdlas Artes he intercs.;
santissima, e alêm de mostrar o seu innato ta­
lento, dá tambem a conhecer que este he ácom­
panhado de profunda li�o litteL·aria. Devo di­
zer que esta Senhora pensa como pensárão e
escrevêrão em s.uas obras immortaes, os bem
conhecidos Escriptores , Bellori , e o Abbade
1:anzi ; e vem a ser , que para sahir hum me­
d1ano Pintor requer-se maim· talento, que para
sahir hum famoso Escri ptor : e basto esta por
�ui tas Ili. mas Senhoras que por brevidade omit­
t1mos. ,,
Se podessemos estender os limites desta
pequena obra, faríamos tambcm menção de al.
guns Fidalgo s , que como os Senhores Marque-
2� de Marialva , de Borba , e de Bellas &e. ,
87 applicárão com proveito ao desenho , ou á
pintura.
Muitas pessoas Religiosas de ambos os se-
xos , se d 1s' trng-u1rao
' , .. .
. pelos preciosos
. üunbem
1 •:ros que illumi nárão
, ou pelas· ag-radaveis
pintu ras que fizerão.
[ 44]
ú. Hc-liodoro de Pai,·a, C.Onego Regrante
em Sanla Cruz de Coimbra, foi famo·so em
Sciencias : e belJas A rtes , e muito acrC'ditado
n a <la Pinturn. Rcgcitou l\Iitras , e faleceo cm
1552.
O Padre ::.\fanoel Alves, Jesuita , pintou
alguns quadros para o Collegio ele Coimbra, aon-
de entrou cm J f>J!).
Fr. Bento C.On trciras Religioso Carmelita,
illnminou os livros do Coro para o Carmo de
Lisboa pelos annos 1 5 17.
Fr. Carlos, de �aç,i o Flamengo, foi l\fon­
g-c de S. Jeronymo no C'....onvento do Espinheiro,
aondr> (lrofcssou cm 1517 , sendo primeiramen­
te leigo , e depois Sacerdote. Naquclle üm­
vcnto junto a E,·ora, existem , e estimão-se
ainda muito , quatro paineis s<>us representan­
do passag·ens da Yida do seu Santo Doutor Ma­
ximo.
· Fr. Henrique Religioso Dominico cm Evo­
ra pintou· o quadrn da 'I'rnnsfigurac-,ão, que cs­
t:i sobre a· porta da Igreja do seu Convento : o
Senhor com a canna verde na casa do Capitu­
lo, e outros.
Fi·. Domingos Rodrigues , Religioso calça­
do de Santo Agostinho, ainda que Purtuguez,
foi com cntual cm Salama.nca pelos annos rnso,
aonde pintou alguns paineis que ornão ·o Claus­
tro cio seu Cnnvento.
1 ., Fr. Simão de S. Jus(, Religioso Paulista ,
[ 45 ]
illuminou o livro da Armaria para a Torre do
'rombo.
Fr. Luiz de Bastos, se dermos crédito ao
que nos diz a chronica dos Carmelitas Calca­
dos, foi o Pintor mais insigne do Reino no s·cu
tempo ; mas hum bom Chronista não he sem­
pre hum bom conhecedor desta sorte de curio­
sidades. Este Padre entrou na Irmandade de
S. Lucas em \-29 de Janeiro de l 718 ..
Fr. Filippe <las Chaga·s sendo Já avançado
em idade professou no Convento de S. Domin­
gos de Lisboa em 1591. Era sábio, e muito
curioso de Pinturas, e illuminaçõcs, de que
€SCt·cvco hum livrinho, que corre impresso com
0 titulo de-
Arte de Pintura - Por Filippe Nu­
nes , natural de Villa Real.
Fr. Eusebio de Mattos Jcsuita, natural
da Bahia , passou em 1677 para a Religião do
Ca�·ino Calçado : f<_.i i grande littcrato , optimo
Ar1thmetico , --e bom Desenhador ; morreo em
169 � do 63 annos.
Fr. José de Santa Maria, Padre Thoma­
ris ta, chamado no século .Jos6 de Oliveira, foi
Irm ão de Ignacio de Oliveira, e discipulo de
sen Pac Antonio de Oliveira Bernardes = ainda
era secular em Q 1 ele Outubro de 1 7 3 1 , quan­
do entrou na hmandade de S. Lucas. Vimos
ha poucos annos ern casa de seu sobrinho João
P edro ) dous quadros seus Nossa Senhora elo
,
G
[ 46. J
Carmo , e d a So]edade , mo1·reo em i� de Fe­
vereiro de 173 1 , com 8 1 annos.
Os Conegos secu]ares de S. João Evange­
Jista tive1·ão dous Artistas muito bons. O Pa­
cfre Manoel da Purificação , que illuminou , e
escreveo perfeitamente livros de Côro , e de
Armaria , no principio do sccuJo 17 , o o Pa­
dre Ignacio da Piedade e Vasconcellos, q1:1e
escu1pio �m barro cstatuas de grandeza natu­
ral, cujos pannos erão excellentes , principal­
mente os bureis. Compoz o Jivro intitulado
" A rtefactos Symetl'iacos , e Geometl'icos que
publicou em 173!'J.
Estevão Gonçalves Neto, Concgo na Sé
de Viseu , rnuminou hum precioso l\rl issal que
se guarda na Jivraria do Convento de Jesus :
ftorecco por 1 6\2\2.
O P adre Francisco Lino de Mattos Gas­
tão, naturnl de Porto de Mós aonde vio a luz
em :M ele Outubro de I 7 39 , oonta entre os
seus parentes muitos homens Doutorados. Seu
tio Padre Theatino, de quem clle dependia,
e de cuj o Brcviario tirou hum registo de S.
Caetano p ara o copiar a furto , vio com admi­
ração o grande genio que tinha para a Arte..
Proseguindo os seus estudos litterarios , hia
tambem fazendo progressos no desenho. Vindo
para Lisboa teve lições do Josepino ; applicou­
se á miniatur a , e_ tinha vista ag-udissim a , e
paciencia para acab a r as cousas mais miudas
[ 47 J
e delicadas : quasi toda a Côríe íem obras suas.
Fez o reíraío elo Príncipe D. Antonio que foi
remetticlo, e cercado de brilhantes, á Rainha
de Jiespanha. l\Iiniou tambem o d a Marqueza
de Pombal , retra tando-a em muitas Cortes , e
teve bum premia de 68 peças : a mesrna Sc-
11ho ra , Lambem lhe oO"creceo a Parochia das
Mcrcês, que clle não acceitou. He C a pellão
'das Religiosas ele Santa Joanna.
O Beneficiado José Pereira Soares LaRo­
cha , natural de Lisbo a , applicou-se ao estudo
d a s linguas s,í.bias , e vulgares, t: tambem ao
Desenho e Pintura. Em Roma fez boas cópias de
Rafael &c. Havia pinturas su a s nas Collecçõcs
de S<'abr a , Ang·eja , e Borba . Falcceo em Lis­
boa a Hi de Nobembro de 181$ , contando de
id.i.dc 6:2 annos 9 mezes e .J. <lias. Existe o
seu retrato grandemente pintado por Pellc­
g rini.
Soror Maria da Crnz , Religiosa •no Con­
'7ento das Cha g a s em Lamego , pintou dous
qua dros de Nossa Senhora e S. José para huma.
Capella sua. Era tida por Santa quando fale­
ceo cm HiJ !) .
Soror Maria dos Anjos ,· Religiosa. Domi­
nican:i em Evol'a 1 pintou muitas im agen s de­
Volas , que forã.o applaudidas.
Os Hisl.oriadorns , e a fama pública t.am­
hein celehrão algum a s damas seculares, que
Usárifo felizmente <la Pintura.
G�
[48 ]
Umhelina Joanna Mendes de Tavora , foi
gábia om letras humanas e sagradas, em Ma�
them:i.tioa , e Arquiiecturn � :tnorreo de hum
acoidc.o,tc na idade de 30. annos. em 1677.
Rita Joanna .de Souza , na curta idade d e
�3 annos que teve ele vida, fez tão grandes
progressos na Pintura como na FHosotia : foi
natural d'Olind:i., e falleceo em 1719.
Thomazia Nunes natural da Cidade dai
Guarda , soube escrever com acerto , e pintar­
com perfeição. Florecia no principio do s_écu­
lo 1 7 .
Joaquina Volkmar nasceo em Lisboa, com
genio decidido para o Desenho , e Pintura, a
que se applicou por intervallos ; ha muitas
obras suas. em vat"ios Gabinetes·,. e Collecções ,
e hum painel público n a Igreja do Cor:ty1o de
Maria n o Campo grande , collocado em 1787 �
representa elle Nossa Senhora com o Menino
Jesus, e Santa Isabel , e S. Francisco que os.
aclodto. As tiguras são de grandeza natural..
Cinco annos depois tambem fez cm grandes
quadros a historia de Isaac , para o Oratorio
de José Francisco Prené , Capitão de IVIar e
Guerra.
( 49 ]

P I N T O R E S.

O GnÃo VAsco J)E Vrsi;:u.

As memorias que nos restão deste antig·o, e


famoso Pintor , são ás vezes incertas , étS ve­
zes contraditarias, e só concordão em que exis­
tia em U.80, pois que naquella época comprá­
ra huns moinhos em hum lug·ar visinho á Ci­
dade de Viseu que se cliamou o lugar do Pin­
tor , por eUe ter a!Ji nascido , ( dizem alguns),
sendo filho d e hum Lavrador abastado.
Alguns pertendem que fosse discípulo de
P edro Perugino , ou de Rafael , o que no 1. 0
caso he pouco verosímil , e no 2. 0 impossivel ;
pois que Rafael nasceo em 1483. Pódc ser que
fosse condiscipulo do seu Coevo Pedro Pe1•ug-i.
no na escóla d' André Vcl'rochio , Florentino,
l{Ue tambem foi Mestre de Leonardo de Vinci,
e era muito habil na Pintura A rchitectura,
.
e p erspecttva, ,
coueas todas em que o nosso
V-asco foi excellente.

\
[bO]
Lê-se mais nas ditas tradições, qt1e El­
Rei D. Mauoel o mandára estudar a Roma; e
aqui ha duas incohercncias : a 1.ª, que a Es­
cóla Romana he mais moderna que o nosso
Pintor, porque foi fundada pelo grande Ra­
fael : � - ª que se o Vasco fosse mandado á Ita­
Jia por algum dos nossos Reis, deveria ser por
D. Aífonso fJ.º, visto que já clle era bom Pin­
tot· em J 481 , quando D. João Q . 0 começou a
reinar.
H e certo porêm , que se Vasco estudou
nn. Italia como parece pelas suas cabeças das
Virgens, que não cedem ás do Perugino, e
mesmo ás dos pl'imeiros tempos de Rafael ; he
Ycrdade lambem que nas roupas, e nos Curpos
nú&, principalmente de mininos , seg-uio co­
mo bem notou Bermudes , a maneira assás go­
thica dos Alemães.
Este estilo misto, entre Itafiano, e Tu­
desco parece que sessou naquelle tempo cm
grande parte da Hcspanha , pois sabemos que
Fernão Galheg·os de Salamanca, pintava mui­
tas cousas no gosto d'Alberto Durer, e que
João Nunes cm Sevilha fazia paincis, com bel­
los pannos , e colorido vivíssimo ; bordaduras
delicadas , e carnes, ainda que gothicas , tão
estimaveis pelo bem acabado , como as de A 1-
berto. Pareceo-nos quando lemos estas particu­
laridades, que estavamas vendo as pinturas do­
Grão Vasco.
[51]
Siro tambem incertas as noticias que te­
mos sobre o lugar da sua sepultura. " Em Tlw­
rnar , dizem algumas Pessoas, passado o 1. 0
Claustro , junto á Sacristia, está a sepultura do
Grão Vasco , que foi feito Commendador da Or­
dem de Christo por ElRei D. Manocl. " Está
enterrado no Convento de Thomar; dizem ou­
tras , com letreiro já muito _gasto ; mas ainda se
devisq, a Cruz da Ordem de Chrislo , em que foi
professo , gravada na mesma pedra. " Porêm
mandando n6s alli saber se se verificava algu­
n:a destas tradições , tivemos em resposta :
" Neste Convento de Tlwmar não /ia noticia de
que nelle este.ia enterrado o grande P1'ntor Vas­
co. "
Em quanto ás suas pint.m·as , con:st.a que
0rná ra com ellas muitas Igi- ejas, lVIosteirns , e
Palacios Reaes, e que entre os seus quadros
mais famosos ent.ravào os da Sé de Viseu, e
os de Thomar : os primefros não sabemos se
existem : os segundos , como estiverão expos­
tos na invasão de 1 8 1 1 .. íbrutalidade dos Sul­
dados de Masscna, he de crêr que pelo me­
nos ficassem mui deteriorados. He fama, que
lgnacio de Oliveira , tendo-os listo confessa-
va ser a cousa melhor daquelle '
_ genero, em que
havia posto os olhos.

t Eis-aqui a informacão que delles nos rnan­


hum Padre Thoma;ista. " l\·a J.r;reja deste
vento se acháo muit as pinturas de Vasco :
[ 5� ]
prirneiramente iroze paineis que terão !Opalmos
de alto , e dez de lar_r;o , e representáo o Baptis­
mo de Jesu Christo ; a Sinago_ga ; a Ressurrea·­
çáo de Lazaro ; o Triunfo de Jerusalem ; a Pri'­
záo ; a Ressurreição ; a Descida aos Infernos ;
a Ascencáo ; a Soledade de Nossa Senhora ; os
Apostol;s no Cenaculo ; o Juizo final ; e a SS.
Trindade. Ha outros rn,ais pequenos que ornáo
os altares collateraes , e vem a ser : S. Gregorio
ltfagno celebrando Pontifical; Santa Maria M"a­
gdalena, (pintura insigne); S. Sebastião ; S.Ber­
nardo , e a Conquista de Santarem ; o Senhor
morto. Na Cape/la da Senhora da Graça estão
os do Baptista , e Evangelista , o de Santo An­
tão , e o de S. Jeronymo.
Na Igrrja de S. João Baptista , ha quatro
pinturas suas , e na da Misericordúi a de Santo
Antonio pré_gando aos peixes , e a iro Descimen­
to da Cruz. " Alguns destes paineis forão re­
tocados em 180� , por João Jorge Estucador ,
o qual nos disse que eri'i.o pintados em taboas,
e a oleo ; mas aperalhados a tempera, e dou­
rados.
No Beato Antonio ti vemos o gosto de vêr
1 1 . ou l si taboas , na celia do Geral , superior­
inente pintadas com o seu estilo, e conlinhão:
a Fugida para o Egyplo , os Reis Magos , a
Annunciação , o Nascimento , a Circumcisão,
e outros nssnm ptos , to<los sacros.
Na Igreja de S. Bento estão outras quatro
[ á3 )
pinturas, que dizem ser deste mesm·o Author ,
representão ellas a Annunc)açào , os Reis , a
Apresentação , e o Menino entre os Doutores.
Em E,,ora ha g-r:inde número de Pinturas
da escófo. do Grão Vasco , e mui tas do seu pu-
11ho. No Convento de S. Francisco, he muito
venerada huma Senhora da Conceição , com
belissimos grupos de Anjos tocando , e can­
tando. No Dormitorio está o Juizo de Salomão ;
cuja cabeça se conhece ser o retrato de ElRei
p. Manoel.
Na Sacristia o 'frnnsito de Nosso. Senho­
ra , e nas Capellas colateraes S. Jeronymo ,
Santo Antonio , S. Francisco , e 0utro Santo
Eremita .
No Convento do Espinheiro he famosa a
taboa da Assumpçlío de Nossa Senhora. Ha
1n ais hum Presepio , hum Galvarlo , e huma
R essurreição de Jesus Christo. Tambem se crê
serein de Vasco o Senhor Ressusci(ádo,• e a
Invenção da Santa C1'uz , que estão na: Sé na
casa aonde se revestem os Conégos ; como
tainbem o Baptista penitente na Sacristia das
Bcrnarda s. Tá.n1hem fazem menção de alg·uns
paineis dclle , que se achão nas Collecções de
Valença , Borba 2 e Penalva. - •
Pelo grande número de quadros que se
espa1hárão com maneira dirivada da sua, pot
?e ?1os conjeclurar que teve muitos discípulos
lllllladores. Indicaremos alguns dos que se
H
{1>41
achão pelas lgreja9, e Palacios de Lisboa. Na
Ig·reja do Paraisa estão 8 da vida de Nossa Se­
nhora, que poderião ser do seu punho; mas
como estão repintados, não o podemos affirmar.
No interior do Convento da SS. Trindade_,
tambem ha oito ta.boas grandes dos mesmos
assumptos. Na Sacristia da Madre de Deos
sobre os caixões , estão duas taboinhas precio­
sas feitas naquclles tempos. Na Ermida dos
Remedias debaixo do Côro temos outras duas
taboas muito boas, com meios Corpos de San­
tas, etc. Na Capella Mór de Odivellas estão
quatro taboas com corpos inteiros de Santas.
Ha f;tmbem huma Ad01;aE;ão dos l\liagos no an.­
tigo C',,Ôro da Luz, que ora serve de �aeristia.
Na do -Beato Antonio esl.avão quatro da vida
ide S. João 'Evangelista, e S. Francisco 1·ece.­
.hendo as Ch<1,g·as.
;No melhor estilo daquelle século são pin­
itadas -ns fomosas taJ:mas da casa dos ConJes
JdaFrgueira aos Paulistas , e a da Sacristia da
Bemposta. Esta representa Nossa Senhora com
lO Menino Jesus , e muitas Virgens. Ouvimos
dizer que .as cabeças erão ratratos d a famiHa
ide ThomazMQrQ, pirrtfl,dos por Holbein : obser­
vamos porêm na dita obra huma p:irticularida­
•de , -que se encontra nas do Pinturrichio ; isto
.he,. os .ofnatos dos vestidos de relevo; mas se­
ja de quem fdr, .he .optimo quadro na .sua m�
:nefra.

'
'

[ :)õ ]
Acabaremos o elogio do Grão Vasco, di­
zendo com hum bom Arti:sta. dvs nossos dias ,
que elle pintou com verdade, e sciencia, prin­
cipalmenf.c cabeças , pannos , arquitcctura , o
paizagens , e acabou tudo com huma delicade­
za incomparavcl.

Du.AR'I!E D'_\m,u s.

Foi Creado debuxador de ElRei D. l\Ia­


nocl, e por ellc mandou ,,ste l\Ional'cha des�
nha.r a es�tua equestre de marmorc , que foi
:ichada. na I lha do Cot·rn, ou do Marco, quan­
do a descobrimos : estava qlla no cume <la ser­
ra que scr,·c de. marco, ou baliza. aos navegan­
tes ; e era hum homem acavallo, e moço , co­
berto com huma sorte de capa, com a cabeça
dcscober(a, tendo huma das rnüos na coma do
cavallo , e com a outrn, que era a direi la,
apontava para o poente : hum braço do cavallo
estava dobrado , e outro levantado. Pat·ece
por esta descripção, que a estatua 1.oria nota­
da alguma similhança com a de l\Iarco Aure­
lio; ainda. que devemos suppôr que cm perfei­
ção lhe seria muito inferior. Vendo ElRei o
debuxo , mandou hum Engenhelro do POl't.o
:0 � apparelhos, e tudo o mais qu� era J1ec.es�
ano para a apear , e trazer ; porêm elle que•
H�
(ó6]
brou-a , e s6 trouxe alguns pedaços , que se
perdêrão. Damião de Goes falia deste Pintor
na Chronica de ElRei D, Manoel , e na do
Principe D, João,

ANTONIO CAMPELO.

Temos visto qual fosse a superioridade de


genio do nosso Grão Vasco ; mas se Campêlo
não o excedeo nessa parte , teve ao menos a
fortuna de alcançar hum século muito mais il­
lustrado. O estilo do I . 0 , que era o de todos
daquelle tempo, ainda tinha muito do gothico ;
quero dizer, sêco, magro, mesquinho , chato,
carregado de ornamentos, e de trabalho super­
fluo, tanto nos Corpos avançados como nos re­
motos ; mas a maneira do � .0 era nobt·e , e
grandiosa : ex-aqui como se explica Fclix da
Costa : " Entre os Pintores que merecéráo 9ran­
des premias , ( não fallando nos que seguirão a
manefra gothica ) , foráo notaveis os seguintes :
I .º Antonio Campelo - se_quia elle o estilo de
1111:quel An_qelo naforça do desenho, e com mais
intelligencia de colorido. - /Ia obras suas no
Claustro de Belem , e hum precioso painel do
Senhor com a Cruz ás Costas , que merecia ou­
tro trato, e outro lugar. Ha varias outras pin­
turas suas pelas Igrejas - Floreceo no tempo
de D. Jnáo 3.
0
[ 57 )

Reflexões sobre esta )Jfemoria,

No Reinado de D. João 3 . 0 leve Porlug·al


muito bons Pintores; mas parece que entre
todos se dava a este a primazia. D. Francisco
l\Ianoel de Mello, fallando dos mais iilustres
Portuguezes em diversas prerogativas , dá a
palma a Camões entre os Poetas, a Vieira en­
tre os Pl'égadores, ao nosso Thaumaturgo en­
tre os Santos, e a Campêlo enlre os Pintores ;
de que se infere, que essa era a opinião geral.
Sobre esta bem fundada conjecturn temes as
sua s obras, que plenamente nos c0nvencem.
A Rua da Amargura, que está na escada de
Belêm, não obstante ter sido muitas vezes re­
tocada , e mal, depõe ainda a favor d a sua
primazia, principalmente na opiniào daquelles,
que como nós, chegárào a vêr aquelle painel
em muito melhor estado.
Em quanto aos do Claustro, o nosso Au­
thor não diz quaes sejão os seus; mas diz(.;n­
do que seguia a maneira de Miguel Angclo
com melhor colorido , quem não vê que hào ele
ser os � a Coroação de espinhos , a du Senhor
Resusc1tado ? Lcmbramo-nos de ter visto este
ultimo painel muito bem conservado , á cxce­
Pçào da taboa, que comec:ava em parte a apo­
drecer. O Corpo elo Senhor era bcllissimo com
a cintu
.
'
ra 1 argumha
. segundo o costum e <le Bo...
[58 ]
narota ; e senão parecia obra do seu punho, era
J)()r ser mais delicada flo que elle a teria feito.
Luiz Caraché chamava ao Tibaldi o seu
Miguel Angelo reformado, porque soubera mo­
derar a: fereza do desenho deste grande Mes­
tre, e tornallo mais agradavel , sem prejudi­
car a sublimidade da sua maneira. Parece que
este mesmo elogio se deve applicar ao nosso
Campôlo : ambos o melhorárão cm parte, fi­
cando com tudo inferiores no todo ao seu in­
comparavcl modôlo.

GASPAR DIAS.

,, Floreceo este famoso Pintor (diz Felix da


Costa) pelo mesmo tempo de Campelo. Foi ge­
nio admirauel , imitava muito a Rafael , e a
Parmezáo. Aprendco tia Italia , e foi nas pro­
Pº''fÓes mais delicado que Campelo. Tinha es­
pirito superior , as suas figuras pareciáo t·espi­
rar , e muitas se assemelháo ás de Rafael. En­
tre outros , pintou o painel da Capclla de S.
Roque na Casa professa da Companhia de Je­
sus , ( hoje .Miscricordia ) , em Lt"sboa. " Pedro
Gnarcnti faz menção de outro painel seu da
vinda do Espírito Santo pintado em ló-34, que
estava na boca da tribuna da Antiga Miseri-
cordia. .,
[ 59 ]

Reflexões sobre as pinturas de Gaspar Dias.

Sendo deste Artista o painel de S. Roque,


que felizmente existe, por elle se vê , que era
hum Pintor de muito talento ; inda que , apc­
zar de toda a delicadeza, que lhe attribue o
nosso Autho r , não mostra igualar o mencio­
nado Campêlo. Se n o Claustro de Belém ha. -
pintura delle, como he fama, parece que de­
ve ser a do Senhor no Horto, cuj o A njo tem
rnuHa analogia em desenho, caracter, e colo-
,
rido com o Anjo do painel de S. Roque.

GREGORIO LOPES..

Teve carta de Pintor d'E!Rei D. João 3.0


passada em Iõi:t!2, o seu epitafio na Igreja anti­
ga de S. Domingos estava na nave esquerda
defronte da pia, e dizia " .LJ.qui jaz G_regorio
Lopes Cavalleiro do Habito de S. Tüz_qo : Pintor
d' ElRei Nosso Senhor, e de seus herdeiros. " AI­
varo Pi..es, e Gaspar Cam servirão tnmbem os
Reis de Port\lgn.1 , _como Pin tores. Ao primei­
ro , que fallecco em 1539 , succedeo o segnn­
do que era seu filho. Serião talvez Pintores da
�sa das Obras ; emprego , que se poderia
lercer sem grande perícia , e comprova esta
[60]
conjectura o uso de ser como hereditario, pas­
sando de paes a filhos:

VANEGAS.

- " Foi P.intor espirituoso , diz Feliz da Cos­


ta , elevada nas suas ideás , e mui c:orrecto no
desenho. Era Castelhano , mas viveo sempre em
Lisboa : foi primeiramente Ourives , porem co­
mo era hom debuxante poude passar facilmente
á Pintura. Dadmelo clebuxador , ( dizia elle )
que yo telo dart P'intor. Imitava o Parmezáo :
fie seu o painel do retahulo na Capella Mor de
Nossa Senhora da Luz. " Este painel exis(.e ,
ou copia delle , e he muito gran<le. Tem em
sima Nossa Senhora e o Menino Jesus, que
abençoa os Santos Padres do Limbo; os quaes
estão em baixo, corno metidos n'huma masmor­
ra , apparecendo só a metade dos seus corpos•.
A Senhora , e o Menino tem muita força de
claro escuro , e bom colorido , e toda a g·loria
inda que mui clara tem bastante armonia. Os
corpos nús· são menos vigorosos ; mas não dei­
xão cJe ter sciencia de anatomia , e consonan­
cia de tons.
1 1
[ (il ]

ANTONIO ' E FRANCISCO DE IIOLLANDA,

Antonio ele Hollanda foi cxcellente Illu­


ininador do Seculo de 500 principalmente na
miniatura de branco , e prelo com toque de
ouro , a que chamã'.o camafco o u de claro-es­
curo. Dizem que Carlos i>.º não presava me­
nos o seu pequeno rcü-ato foi to por elle em
Toledo , que o grande , executado em Bol�
nba pelo Ticiano ! Se nesta paridade não ha
enca recimento , he o maior elogio que se lhe
pôde fazer.
Francisco de Hollanda , seu filho , apren­
cleo com elle a miniar , e a modclat· em barro ;
e sem aprender gravou ao buril de chapa , e
de cncavo , csculpio cm pedra , e madeira ,
pintou em esmalte, e a olco; escrnveo em pro­
sa , e verso sobre a Pintura , Architcctura , e
outras l\Iaterias. Costumava desenhar á pen­
na sem apontar primeiro com o lapis , ou car­
vão, coll�a. que até alli , diz ellc , ningu(•m ti­
nha cá foito: inventou cm Portugal a miniatura
de pontinhos , ao mesmo tempo, que D. Julio
Clovio a inventava em Homa. Sendo ainda mo­
ço <'nsinou a desenhar os Infantes filhos de El­
llei D. Manocl.
Foi duas vezes a Roma , a primeil'a na
I
[ 6� ]
sua junventudc, sendo criado dos I n fantes D.
Fernando , e D. Affo nso Cardeal ; e a segun­
da vez por mandado de El-Rei D. Joáo• H .0 foi
não só :i. Roma , mas a quasi toda a Italia ,
Hespanha , e França , a fim de observar , o
copiar as boas cousas da Architctura e Pintu­
ra , e conversar com os Artistas, e Sabios.
Elle commuoicou familiarmente em Vcneza com
Serlio que lhe fez presente do seu livro das:
ó Ordens ; e em Roma com o Bonarote , Cio...
vio , Laciancio, sobrinho do Cardeal de Sena.
mui versado nas Letras, Gregas e Hebraicas ,
e com Victoria Colona, viuva doMarqucz Fer­
nando d' A vala s , Dona mui celebrada n a H.c..
publica das Letras , e boas Artes.
Viajava com dccencia como pessoa de es­
pirilo elevado, e protegida por hum grande
Rei. Neste giro gastou 9 ou 10 annos: achan­
do-se em Roma n o de 15 3 9. » Na J.9rqá de S.
Pedro , diz clle mesmo no seu livro da Pintu­
ra , e no altar onde o Santo está sepultado , re.,
cebi o Ccrpo de 1V. S. J. C. pelas rnáos do Papa
Pm.do 3. 0 dia de Pascoa , no armo de H > 3 9 an­
te todos os Cardeaes, e a Corte , corn os En,ba­
xadores dos Reis Christáos , e alguns Senhores
Romanos somente. »
Restituído á Patria em lõ48 escreveo o
seu tratado de Pintura antiga , que offerccco
a El-Rei. Faltava-lhe ainda a romaria de S,
Tiag·o de Galiza , e aproveH.ou a occasião que
. [6 3' ] '
teve de a fazer n o mesmo anno , em _compa-
nhia <lo Infante D. Luiz. ··
Braz Pereira, filho de Fernando Brandão1
gual' da-roupa do Infante O. Fernando , tinha
com elle muito grande amizade , por se have­
rem criado ambos em casa daquelle Princi pe.
Era hum Fi dalg·o mui prendado , tendo gran­
de g-cnio para Pintura , e Architetura ; vivia
no ·Porto , e tendo-o por hospede huns poucos
,,
de dias, gastavão parte das noutes cm conver­
sa!' sobre estas Artes, daquelle entretenimento
resultou o Trntado de bem re1rat.ar , ou de ti-
. rar pelo natural. Este opusculo he cheio de re­
flexões , e preceitos admiraveis " A�quns cloi
qua.es, diz elle, nascerão comi:qo ; outros aprendi­
os de M(1uel Angelo, e de outros qrandes_ De­
scnlwdores, e do anlZ:fJO.
Tambcm foi Author de hum Tratado da.
Fabd ca, que falece á Cidade de Lisboa, pelos
annos 1568.
<Jomo a sua vida foi mais de Cortezão via­
jante, que de Artist�, as obràs que fez da Ar­
fe não podiào ser muito numerosas : ellas se
r�duzem a a:lgumas miniaturas para: ó · Brevia­
r10 de D. João 3 .0 aos livros do Côro para Tho­
mar, a outro livro de Desenhos, e Architetu­
l'as, feito nas suas viagens, que está no Es­
curial ; a hum retrato d'_ElR.ei para manda1· á
sua filha D. Maria, mulher de Filippe 93.0 &e.
e poucas ,outras cousas. ·
i�
[64]
Em quanto á pintura de Oieo , ingenua-·
mente confessa elle mesmo não a ter aprendi­
do; e de Obra sua neste genero, só faz men­
ção da copia do Salvador do Mundo feita em
Roma, para a Rainha D. Catharina. Não he
com tudo impossivcl que nos deixasse tnais al­
gumas , e que hu•na dellas seja a que possue
a Familia <le Saldanha ao Passadiço represen­
tando o Baptistno de Santo Agostinho.
Manoel Diniz, Pintor nascido cm Portu­
gal , e estabelecido na Hespanha traduzio em
HespanhoJ o tratado da Pintura antig·a de Fran­
cisco de Hollan<l a em 1563 , segundo dizem ;
mas poderi a haver erro nesta data , porque
aquelle M. S. que se conservava na Livraria
Real , ouvimos dizer , passou a Hespanha no.
1·einado dos Filippes, pelos annos 1580 , ou
cleJ!ois.

ANTON10 MoRo.

Nasceo em Utreclt ou Ut.reque, foi disci­


pulo de João Schoorel, e depoi s estudou na Ita­
Jia as obras de Rafael , e Mig-ucl Angclo. O
Cardeal Granvela admirando a raridade dos.
seus talentos o apresentou a Carlos V. que lhe
deo o titulo de seu Pintor , e o enviou a Por­
tugal para retratar D. João 3.º, a Rainha D.
Catbarina, e sua filha D. Maria 1.ª, mulher
['6ó ]
0
de Filippe Q. , por cujos retratos teve huma
gratificação de 600 escudos, e outros ricos pre­
sentes , entre os quaes h1:1 rn annel do valw de '
1 $ florins dado pelos Estados destes Reinos ;
e tendo aqui retratado muitos .Fidalgos cada
hum lhe deo 100 ducados , e hum annel mais ,
ou m enos rico; era som ma muito avultada na­
quellas eras.
Servio depois Filippe II. e foi tão valido,
que , dando-se então muito cre.dito a encanta­
mentos , e suspeitando os da Inquisição que
elle lhe havia dado feitiços , o teriào encarce­
rado, se o Cardeal , que o soube a tempo, não
0 tivesse posto logo em seguro fóra. do Reino.
O Rei jnda que nunca soubesse o motivo, (cou­
sa incrível mas dada por certa), porque se ha­
"ia retirado, não deixava de lhe escrever mui­
tas cartas, protestando a estima, que fazia da
sua pessoa , e dos seus talentos; e <le fazer
grandes rnercês a seus filhos , e filhas.
Christovão d'Utreqne seu Discípulo veio
á Corte de Portugal pelo meado do século J6.0,
ou com elle, como dizem huns , ou com hum
Ernbaxador Portuguez , como ouirns que­
rem. Servio D. João 3 .0 pintando não só cx­
cellentes retratos, mas üimbem alguns qua­
dros de historia. Os bellissimos painelinhos ,
que cst.ã'.o sobre os Caixões da SacrisLia da l\fa­
dre de Deos se:rão talvez da sua escola. Os
seus talentos forão remunerados liberalmente
[66 ]
com boas sommas de dinheiro , e cqm o Habi­
to de Christo. Acabou os seus dias em H>57,
na idade de J:) annos.
Onze annos depois morreo Antonio Moro
em Anvct·s, tendo 56 annos. N. Se estas datas,
que são de hum Autbor respeitavel fossem exa­
ctas teria o Discipulo 14 annos mais que o
Mestre , cousa impossivel não , mas pouco ve­
rosi mil.

AFFONso SANCHES CoEi.ao.

Foi hum dos mais illustres Pintores Por­


tug-upzes, e assim o confessárão os mesmos
Biog·rafos da Hespanha at6 ao fim do ultimo sé­
culo ; mas Bcrmudes o reclamou , dizendo ter
achado documentos por onde constava ser Va­
lenciano. Podemos suppôr que haja alguma
equivocaç:io nas provas. Affonso Sanches estu­
dou Antonio Moro na Hospanha, e Rafael ein
Roma : servio o Principc D. João; e depois da.
sua morte passou ao serviço de Filippe 2 . º ,
Grande estima<lor da Arte, com quem privou
tanto como havia feito Antonio Moro , com a
felicidade porêm de o não suspeitarem de bru­
xaria.
A' imitação do Rei , todos os Grandes ,
Seculares , e Ecclesiasticos, com D. João de
Austria , e o mesmo Principe D. Cados o vi-
[ 67 ]
sitavã o , e honravão muito. S. M:1gestade nns
Cartas que lhe escrevia o exaltava com os ti­
tules de Ticiano Portuguez , e de seu amado
filho.
Fez muitos quadros <lehistoria, e retratos
de Pessoas Reaes, para o Retiro , e Escurial,
imitando lambem a maneira do Ticiano que se
equivocavão com os <lelle.
Isabel Sanches, sua filha, nascida na Hcs­
panha em 1564 , aprendeo com elle a retratnr,
e a desenhar perfeitamente, e. casou com hum
dos primeiros 1\1:agistrados de l\fadrid : morreo
dous ann os depois do falecimento de seu pae,
que foi em 1600 tendo 75 annos , outros que­
rem , que elle morresse 10 annos antes ; isto
he em 1590 , deixou rendas para a manuten­
ção de humà Casa Pia de 1neninas orfüs em
Valladolid.

CHRISTOVÃO LOPES.

Filho de Gregorio Lopes, e Discipulo de


� ffonso Sanche s , � se ha verdade o ql1e nos
diz Palomino) foi Pintor <la Camera d'ElRei D1
João 3 .0 , de qnem re-cebeo entre mu.i tas mer. ,
cês a do Habito de Aviz. Retratou muitns ve-
zes a Familia Real. Tambem pintou quadros ..
de historía com maneira boa, e larga; e dí-
2em que na. Capelln Mór de )3e1ém ha alg un�
f 68]
scn,s. Por seu falccim0nto em 1 :'> 9 4 succedeo­
lhe Fernão Gomes no Jugar de Pintor do Rei.

DIOGO TEIXEIRA.

Este Artista, diz Felix da Costa, fez cou­


sas exccllontes no tempo de D. SebasW'io, e
crê-se que foi Discipulo dos já mencionados ,
D. Antonio filho do Infante D. Luiz, e neto
d'EIRci D. Manoel, o fez Fidalgo da Sua Casa.
Na Luz, ao pé elas de Vanegas estão pinturas
suas.

FERNÃO Gol\rns.

Foi Discípulo de Blockland, Flamengo ,


pintava , diz Fclix da Costa, com muita des­
treza , e vn.lentia , e era cxcellcnte debuxante.
Pintou o teclo da Capella l\Jór do Hospital Real,
e o quadro da Transfiguração <lo Jesus Chris­
to na lgr�ja de S. Juli:1o, e muitos em varias
Igr�jas. Servia na Irmandade de S. Lucas 160!2,
e foi hum dos nove, de c1 uc se compunha a l\ie­
sn daqucllc anno, que cm 17 de Outubro com­
prou ás Relígiosns da Annunciada. huma Capei­
la por tOO ,$ réis para nclla collocarem as Ima­
g·eus de S. Lucas em pintura , e em oscultu-
[69]
ra; e isto por Escriptura lavrada pelo Tabelliâ'.o
Mal'cos de Oliveira , de que ha copia no Li­
vro do ('_;0mpromisso da mesma Irmandade. Em
1 594 sucecdeo a Chl'istovão Lopes no lugar de
Pintor d'ElRei.
Vasco Pereira , inda que Portuguez , es­
tabeleceo-se em Sevilha, e em lf>94 concertou
o famoso painel da Rua da Amargura, de Luiz
de Vargas. Fez outras obras no principio do
século seguinte.

Sni:Ão RODRIGUES.

Na serie dos Pintores Portuguezes , que


florecêrão nos seculos 1 6 e 17 , não podemos
achar outra guia, que melhor nos conduzisset
e encaminhasse , que o tantas , ezes mencio­
nado Felix da Costa , delle- sabemos que Si­
mão Rodrigues, entre os muitos, e bons qua­
dros que fez , pintára tambem o do Nasci­
mento para o Refeitorio de Belêm , o qual era
rPputaclo o melhor de todos elles. Foi hum dos
que em 1602 comprárão a Capella de S. Lu­
cas na Igrej a da Annunciada.
(70]

Bti.RTiiO LOMJ!O DE -C.ARDENAS.

Foi para Madrid com Aíl'onso Sanches


Coelho, de quem era discipulo. Entendia bem
o n ú , e era po1· consequencia ass;.1s co1·recto
no desenho : nas roupas era grandioso. Com­
punha com muito espfrito, e coloría com per­
feição. Foi bem acceil.o n a Côrl.e de Filippc 3.0
Pintou huma gloria de 50 e mais palmos em
quadro na Igreja de S. Paulo em Valladolid;
a vida de S. Domingos no Claustro do Conven­
to d' A tocha em Madrid , e muitas ontras bel­
Jissimas -cousas. Morreo de 59 annos ele idade,
no de 1606. Palomino diz que era oriundo de
Hespanha, mas nascido em Portugal.

Ál\IARO DO V.A.LLE.

Aprendeo em Roma , aonde era celebra­


do, conservou sempre a maneira Itali ana. va­
e
ga , e doce. Imaginando que em Lisboa, sua
Patria, teria a mesma acceitação , regressou
a clla, aonde rnorreo bastante pobre. Pintou a
Capella Mór da Igreja de Santa l\faria , des­
prezada pela ig·n orancia, sendo a sua melhor
r11 J
obra : fez tambern o painel de S. Lucas para a
C'apella dos Pintores, e muilas outras cousa&.
Foi Pintor de FiJippe i.º de Portugal, e a .0
de Hcspanha, Jug:tr em que por sua morte
succedeo Domingos Vieira Scrrão no 1. 0 de
Junho de lGU). O Painel de S. Lucas escapou
aos estragos do terremoto de 1755 , e eslá na
Igreja de Sanla Joannn. na CapelJa do mesmo
Santo, que ainda pertence aos Pintores, co-­
rno consta de hum a cscri ptura la.nada em 2"-B
de Julho de 1793 , pelo Tabcllião Francisco
Xavier de Souza Henrique, cuja cópia tam­
bem está no livro do Compromisso da lrman­
<l a &e.
Ainda que este quadro est�ja assás desfi­
gurado pelo tempo, e pelos muitos, e máos
retoq ues, ainda se vê n a figur:i do Santo , e
na ele Nossa Senhora , que tinha muita correc­
<;ào de desenho com força , e agrado de colo­
rido.

DOMINGOS V JEIRA 8'ERRÃO.


l
" Fez cousas excellentes, cliz o nosso guiar­
" dor, com muita doçura, modestia, fidalguia,
,, e bom debuxo. Entendeo bem a perspectiva,
"como se vê no tecto do Hospital Real , inven­
"' <;ào sua. Receheo muitas honras de Filippe
0 0
,, 3 . e 4. por quem foi chamadô a Maw·id pa-
K Ç.?
[ 7i ]
" ra pintar no Retiro, aonde tem cousas admi­
,, raveis. " Desenhou o desembarque de Filip-­
p e �.º em Lisboa , que foi gravado por João
Schot'cquens. Em 1608 servio de Juiz na Me­
za de S. Lucas ; e crê-se que morrêra no do
16•1· 1, anno em que Jho succedeo Miguel de
Paiva, no lug-ar do Pintor do Rei. Na Porta­
ria de S. Bento está pinlada em grande pai�
nel a A1-vore Gcnealogica Religiosa de S. Ben­
to , e S. Bernardo , e 1,em em letras grandes.
o nome de- Domingos Vieira , com a era de
165'2 ; mas se a. firma não he supposta , pode­
mos inferir que será de outro Pintor do mes­
mo nome.

Lu1z ALVARES DE ANDRADE.

Foi natural desta Cidade de Lisboa , e fi­


cando muito cedo oríão de Pac, sua Mãe J,he
fez dar huma educação muito propria para .fa­
zer progressos n a Arte , e mais nas virtudes,
nestas teve por mestres Fr. Francisco de Bova­
dillas , ( que tambem o ioi das priQ-1eira.s le­
tras ) e Fr. Luiz de Granada, naqueJla igno­
ramos quem fossem; consta porêm que era
perito, e que sendo muito devoto da S�. Trin­
dade , pintava paineis deste Altíssimo Myste­
rJO , e os fazia expôr nas Igrejas á veneração
[73 ]
dos Fieis. Foi o principal Institui<lor da Pro­ •
cissão dos Passos da Graça, começada em 1587.
Os bons Artistas seus C-OHegas o estimavào,
pois vemos ser hum dos quatro que assignárào
o Compromisso da Irmandade de S. Lucas :
assignou mais hum acordiio em 1613 , entrou
tambem no número dos que comprárão a Ca­
pella do dito Santo em HiO�, e dos que seis
annps depois comprárão os covaes pelo painel
do retabulo da Capella da Cruz, que estava na
Annunciada da parte da Evangelho ; talvez, li>
que ainda se vê em Santa Joanna. Terminou
seus dias nesta mesma Cidade em 3 de Abril
de 1631.
Francisco Nunes ; natural de Evora , flo­
,rer.eo por estes tempos. Aprendeo em Roma,
teve grande maneira, e bom estilo. Na sua pa­
tria estavão as suas melhores obras , e nesta
Cidade hum Apostolado em meios corpos.

Do:mNGOs DA CuNHA.

Estudou a Arte em Madrid com Eugenio


Caxas, Castelhano, filho de hum Pintor, e Ar­
quüecto Florentino, e co]orio muüo bem, imi­
tando com perfeição, ainda que servilmente
a natureza , quero dizer , sem a melhorar
quando eJla era susceptivel de maior elcgan-
[74]
• eia. Nasceo em Lisboa em lõ8'9 , e tendb 34.
arrnos entrou na. Companhia de Jesus. Fazem
mençào dellc mui los Escriptores ; alguns dos
qunes elogiárão as suas obras ,. perdidas quasi
f:odas pelo tel'remoio de 1755. l\'.Iotreo em opi­
nião de Santidade. Na Collccçfio de Duarte do
So11Za , Coueio Mór do Reino , existião , diz
Felix <ln Costa , hum Santo Antoni•o , e hum
S. Diogo pintados por elle.

ANDRE' REINOSO.

" Foi disé;pu]o de Simão Rodrigaes , cuja


" maneira , cliz o nosso Author, não quiz se­
" guir , inclinando-se com muito acerto ao es.:.
,, 1.ílo Italiano. Sem ter a melhor escolha do
.
" natural , fez cousas admiraveis pela sua vi-·
" veza. Entre as melhores se conta a vida de
" S. Francisco Xa'1ier em S. Roque , sobre os
,, cnixões da Sacristia , da parte direita : e n a
" CapelJa do .Menino perdido, o dds Reis , e o
,, do Nascimento. " Foi eleito Juiz da Irmanda­
de de S. Lucas para a Meza de 1641 , mas
não a_cceitou. Sempre lhe ouvimos chamar Di� ·
go , e não André , mas era. tradição errada,
porque alêm da authori<lade de Felix da C'Á)sta,
que viveo no mesmo século 17 temos os livros
da lrmandad.e, que he incontestavel.
( 75 )

D1000 PEREIRA,

" Aprendeo sem Mestre, e só pela com­


" municação que teve com Pintores : i, A sua
falta de estudos bem se conhecia na dureza
com que pintava \ e na ig-norancia da pcrspe­
ctiva , architectnra , e desenho que se obscr-.
va nas suas melhoi;es obras. Pintou incendios,
diluvios , tempestade s , etc. ; e parece , diz.
hum A uthor daquelle tempo , que as desgra­
ças que representava lhe espantavão a fqrtu­
na. Deo-Jhe a �aturcza hum genio raro , e
original ,- principalmente ].�ara os fogos, cujos
paineis se estimão n a Italia, Fran..; a , e Ingla­
terra. O Patriarca D. Thomaz de Almeida,
teve hum g·abinete ornado com 60 paineis seus,
coo tendo não só .fog_-OS , e batalihq-g , mas tam­
hem frutos , flores , paiza�éns , bamboçhatét�?
&.e. Não he raro àcha,r pinturas suas; na.Col­
kcção de Borha estilo duas das melhores re-,
)3tesentando Troya, e 8odoma , firmadas por
�lle, e na de Penalva está o s-eu famoso In­
ferno , com as figuras de Vieira Lusita,no.
l\forreo Septuagenario , e pobrissimo em 164,0,
diz hum Biografo Italiano, mas he engano,
))ot·ç,u,e em 1 6 5 8 servio de Escrivão na l\tleza
de S. Lucas..
(76]

JosE' .o'AvEL4,R REBELLO.

" Foi homem de grande talento , ( diz Fe­


" lix da Costa ) e de grande discripção, e en­
" genho. Sem Mestre , e só por genio supe­
" rior , graça parti cular, e muito exercicio, foi
" capaz de pintar o l\fonino entre os Doutores,
" que está em S. R oque, e outros bons paineis
" que lhe mcrecêr:lo hum Habito de Aviz. "
No antigo Palacio Real pintou a fresco o Sa­
lão da musica, e fez muitos quadros para a
livraria Arcebispal. E!Rei D. João o 4. 0 gos­
tava 'de o vêr pintar, e de conversar com el­
le , quando ]he dco o Habito, êlizia no Alva­
/ rá que lho dava por ser o melhor Pintor do
seu tcrnpo. Desde o anno 1 639 até o Je 48 ,1
fez os 72 grandes paineis da vida de Jesus,
Christo , que apainelavão todo o tecto dos·
Màrtyres, e a tomada de Lisboa sobre o arco
da Capella lWór. Em 50 pintou outros para o
tecto debaixo do Côro ; mas em 17 46 tirárão­
se os ditos para levantar o tecto da Igreja ,
que foi feito de estuque por João Grossí , e
enrequeci<lo · com o famoso painel de Vieira
Lusitano, de que ha desenhos. He tido em
br1stante estimação o S. Jeronymo firmado po.r
elle , que está na livraria de Belêm. Na par-
[ 77 ]
taria de S. Bento ha hum grandíssimo painel
do triunfo de Nossa Senhora. pintado cm 16õ(i,
e ouvimos <lizeL' a Pedrn Alexan<ll'ino, que no
friso da architectura tinha o nome de Avelar.
Em quanto aos dos Cactanos feitos , segundo
alli se lê , em 1656 , parecem de mão muito
menos habi1 , e menos antiga. Foi Juiz na Ir­
mandade de S. Lucas em 1644.

JOSEFA DE Onmos�

He muito grande a variedade de opiniões


que seguem os Historiadores a. respeito da có­
Iebre Pintora Josefa d' Ayala, ( que este era
o seu verdadeiro nome. ) relix <la Costa .diz
ser filha do Sevilhano, famoso em paizes, prin­
cipalmente nos pertos ; e falia clelle como de
p essoa que todos conhecià'.o. O Malhão no
1ivrn que escreveo da suà vida , tambem a ce­
lebra como filha de Obidos , e filha, liue fazia
muita honra á sua patria. Alguns querem que
nascesse em Sm i lha , e fosse filha de Ballha­
zar Gomes Figueira; outros a fazem <liscipula
do dito Balthazar FigueiL-a, ou de Figueiredo,
ele quem já vimos bons paineis de objcGtos ina­
nimados com a sua füma : encostamo-nos ao
pàr-ecer de que era Portugueza filha de Hespa­
nhoes. As obras que existem dclla são de dous
L
[78]
generos, 1 . de paineis historicos; Q .0 de óbje­
0

ctos naturaes, e artificiaes como fructos, do­


ces, aves , etc. Muitos deste genero , reputa­
dos por sous , não são bons; estimão-se porêm
os cordcirinl1os, que se achão em quasi todas
as collecções de Lisboa.
Em quanto aos seus paineis de figuras,
temos ouvido celebrar os da Igreja. de Valbem­
feüo dos Padres Jeronymos , e os que cslavifo
n a Misericordia d'Obidos sobre o arco da Ca­
pella Mót· , e na Fregueúa de S. João. Aqui
temos v1sto alguns , e muito bons; hum dos
quacs representando os Desposorios de Santa
-Catharina, Cl'a J )intado n'hu.ma chapa de co-
bre do g palmos de alto , e pertencia ::í. fo.mi­
lia ele Gonçalo José da Silveira Preto, passou
depois ás mãos ele Francisco Cypriano , con­
tratador de paine1s , que em 1 8 1 0 o vendeo a..
hum ln,glez por 8 moedas ; tinha a sua firma,
e era de 1647. Outro era de huma Coroação.
de Nossa Senhora tambcm em cobre ,. p inta.-.
da com extrema delicadeza, e em certos adol-...
•nos com a paciencia dos Got.hico s , tambe1u
tem o seu nome, e a era lfió7, e pertenc-e ao
Conego de Evora M,guel Rcmigio� Retratava
bem , e fez o Tetrato ela Princcza D . .Isabel
.que foi enviado .a Victor Amadêo, l\forreo em.
{>,S2 de Julho de 1684. Os seus quadros de His..­
toria sustentavão-se ao pé dos bons daquelle
tempo.
JoÃo GaESBAl'iTE.

Era hum Pintor Ingloz estafje]eei<lo, em,


Lisboa. Tinha grande gcnio, e i<léas sub1imes ;·
mas como a execução da sua obra não corres-.
pondesse ás suas idéas , nunca era contente
com o que executava, parecendo-se nisto COIU\
· hum cel'to Artista da antiguidade. Não obstan­
te , os conhece<lores admirayffo o Concjlio de,
S. Damaso , que pintou na Capella Real , o·
painel da boca da tribuna da Magdalena com
bom. desenho, e colori-do, e outros muitos que
se queimárão no incendio de 1755. Servio mui­
tos lugares na l\'Ieza ele S. Lucas cl-esdc l G;'>l
até lG6iJ , e ainda vivia em lGSO.

MA-RCO'S D,.A ÜRU�.

Foi homem. de mais· arte que engenho,


disse hum Esc1·i ptor do seu ie:mpo, u corno
não tivesse Meslte sufifoit:nJe- s�guio- prime.iro
hum errado caminho , que tralou depois de
emendar, e adqnirio nitút:.w, �Qusas, �s�enciaes
como a inl.ellig-encia <la$. IJ:Jassas do cla.ro;-escu­
ro, a, ptwspec.ti_va ae�a., <l OJJir&s, Os seu�
LQ
(80]
paineis que estavão e m S. Pau1 o , na Capolla
Rea·J , n a boca da tribuna de S. Nicoláo, e em
outras Igr�jas, quasi todos se queimárão cm
1755. Dizem ser obra dos seus pincois a San­
ta Maria l\Iag-dalena do Pazzi no Carmo , e os
paineis do Cruzeiro de Jesus. Ouvimos <lizer
tambem a Pintores antigos que fora :Mestre de
Bento Coelho, e com cffeito cm algumas das
cabeças destes quadros acha-se muita analo­
gfa com as que fazia o seu supposto discipul9.
Servio n a lVIeza da Irmandade de S. Lucas
desde 1 6,i9 alé 1674. Em r:,7 foi Juiz, e cm 76
deo esmola avultada para a Missa quotidiana.

FELECIANO DE ALMEIDA.

He este o ultimo Pintor de que falia Fe­


Jix da Costa, e diz delle, que por huma sin­
gularicladc inconcebível quizera imitar os Pin­
tores Gothicos som dar relevo , ou força a<.,s
seus ol�jectos, enfarinhando muito os claros
c(lm. alvaiades , e usando de sombras imperce­
pliveis ; mas que, como declinaYa o gosto e ó
saber, a ignorancia appla.udia muito aquelles
defeitos.
Scrvio de Escrivão na l\Jeza do Sanlo cm
1 684,, e ele Juiz no anno seguinte. Na Ermida
de Nassa Senhom Madre de Deos do Secr�
[81]
tario de Guer.ra ha paineis pintados , pouco
mais ou menos , no seu estilo,

MANOEL DE CASTRO,

Estudou a Arte em .Y.ladrid na escola de


Claudio Coelho , Pintor célebre , oriundo de
Portug·al. Carlos �.º dé Hespanlia mui satjs-
. feito com a Gloria , e Redempçrio de captivos ,
e outras pinturas , que fez nos Conventos da
Trindade , e das Mercês , o nomeou seu Pin­
tor por morte de Bartholomeu Peres em 1G98.
D . Claudio seu Mestre era filho de Faus­
tino Coelh o , Portuguez, excellente bronzista,
o qual vivia em Madrid onde CJaud,io nasceo.
Este applicou-se á pintura , e fez nella g-ran­
des progressos. Foi Pintor <le Camara , e Ar­
chitecto do Rei. Entre as muitas , e boas cou­
sa-s que fez foi mui celebrado o painel elas Sa­
gra das Formas que está na Sacristia do Escu­
ri.l), do qual ternos hurna estampa grav<\,da em
Lishoa por Conti, e Bart0lozzi, mol'L'eo cm 169;3 .
Palomino , diz dt lle , que em perspeclivas po­
dia competir com Bihiena. Manoel de Castro
sobreviveo-lhe 1 9 annos.
[ 82 ] 1

O l\1ARQUEZ DE MoNTE BELLO,

Felix Machado da-Silva Castro e Vascon­


cellos foi mui versado nas Artes, e Sciencias,
e mullo hem accoito a Pmppe-4. 0 , que em
prcrnio de relevantes serviços lhe deo o titulo,
de l\farquez em 1630. Dez anno-s depois acon­
tecendo a revolução de Portugal , e achando­
se n a ü,rte de Hcspanha seguio o seu parti­
do, 1alvez por necessidade: mas vendo-se na­
qucllc Reino sem meios sufficientes para sub•
sislir com dcccncia , foz profissão pública da
Pintura, em que ora pe1·ito, pal'ecendo�se nis­
to com o Imperador Constantino Porphirogene­
io. Foi casado com D. Violante d'Orosco , fi­
lha do Marquez ele Morlara , e Da1"Qa da Rai­
nha D. Margarida de Austria. O Duque ele
Vicdro seu- descendente ainda conservava com
sntisfação em 1730 a sua palheta , e os.seus
pinccjs,

Fi;:ux, DA CosTA MEESEN .

Devemos a este Artista, e Escriptor hu­


m a seri,, del\'Tcmorias de 19 Pintores , sem as
quaes tcriamos de começar o espectaculo des-
[33 ]
te Theatro Pintoresco no :2. 0 ou 3.0 acto. Não
-temos n<>ticias das suas obras, mas acha-se o
seu nome nos livros da Irmandade de S. Lu­
cas , aonde consta servio nas l\1ezas de 170;'> e
1706.
Escreveo as Memorias em 169 6 , e diz no
-fim dellas " Os Homens famosos o forão , por­
" que frequentárão Academias , e obtiveriio
,, honras, e premios dos Principes , muitos dos
nossos sem estudos grandes , e sem proiec-
•ç.::r o, ainda. que não fizessem tanto, merecem
com tudo honra., veneração , e applauso.
Aonde acabão ,s noticias deste Author,
·começfio felizmente as de Pedro Alexandrino,
·escriptas por elle mesmo , e as de Lob o , as
-quaes seguiremos, sem desprezar as de outros
Escriptores que merecem aitençào, e crédito.
Felix da C,osta assentou po1· Irmão em 1 1 <le
-Novembro de 1674 , e faleceo em 171:2. Na
Demonstração Hislorica se faz mençlío de hu­
:ma antiga Imagem dos Passos de que falla,,
(diz o Anthor em hum elos seus escriptos) , -0
insigne pintor Felix da C,os.ta.

BENTO COELHO DA SILVEIRA.

A funestissima derrol a que sofi'rêrão os


G10ssos exercitos no anuo li'>78 cm Alca.cerqui-

l
[ 84 ]
vir foi a orig·em de toda a nossa desgraça ,
por c!Ja passou o Reino a hum dominio estran­
geiro; por elb. perdemos quasi todas as Pos­
seções da Asia , e muitas da America , e por
conseguencia as Armadas que nos davão o Se­
nhorio dos mares , e as g-randes riquezas que
nos vinhão das Indias, Japão, China, &e. Re­
duzido o Reino a huma Provinci a , declinarão
entre nós as Scicncias, e muito mais as bellas
Artes ; porque não tendo Monarcha proprio
que as protegesse forào ellas abandonadas á in­
dig·encia. ou á ignornncia dos póvos. Depois de
11nm captiveiro de 60 annos em que os empre­
gados , e cobiçosos tiravão o ouro do corpo do
Estado , como as sanguexugas tinlo o sangue
do corpo do enfermo onde são lançadas ; segui­
ri'io-sc as guerras da res(auração, achando-se
o Reino cm tal pobreza, que o mesmo Rei se
sustentava só com as rendas da sua antiga Ca­
-sa de Bragança. Es(as guerras, durárão até
16(i8 , e ainda se resentírão as calamidades
dcllas renov:tdas pela guerra da Successão até
á Paz de Utrecli em 1715.
Os Reis conscrvnrão sempre hum Pintor
S<'U , mas era como bum Mestre da Casa de
Obras, tendo de salario 5 ou 6 $ ooo réis an­
nuaes , hum moio de trigo , e os pr6s , e pre­
calço s , que muitos annos serião nullos; e es­
te officio passa,·a tle paes a filhos , quando os
havia, como cousa para a qual a sciencia não
[85]
era necessaria, inda que ás vezes recabia por
acaso sobre h omens habeis. Restava por tan­
to só a Religião que podessc manter algum
Pintor , mas como? Pmtan<lo muito por mui­
to pouco dinheiro, e he o que acontcceo a al­
guns Pintores jj, nomeados , e mais ainda a
Bento Coelho , de quem se diz que fizera tan­
tos quadros quantos forão os dias que vivera.
Não foliando nos mui los paineis seus, que
se queirnárão pelo terremoto, nem nos que fez
para outras terras do Reino , e Domínios Ul­
tramarinos , ainda existem bastantes cm qua­
si todas as Igrejas de Lisboa , que escapárão
do incendio de 1755. Este Pmtor occupou va..
rios lugares na l\Ieza de S. Lucas desde 1648,
até 16!l8, sendo muitas vezes Juiz. Ainda exis­
tia muito velho no principio do século 1 8 ; e
n a Sacristia de S. Pedro cm Alcantara ha hum
p ainel da Invenção da Santa Cruz , firmado
por elle em 1702, crê-se que morrêra· em 1708.
Teve discípulos que q11izcrào imitar a sua ma­
neira , mas fizerão-no tào mal, que ficárão sem
nome.

Rejlexóes sobre as Obras de Bento Coelho.

Este grande Pintor , teve como o Tinlo­


reto 3 sortes de pinccis; o de ouro , o de
prata, e o de ferro. Pintada como de ouro só
virnos huma chapa de cobre representando Ju-
M

j
[ 86 J
dith , e Holoferncs , que tinha pouca inveja ás
obras de Vandeick; com o pincel de prata são
feitos os paineis da Sacristia da Penha, os de
S. Jorge , os da l\.fadre de Deos , e das Com­
mendadcirns da Encarnação , os de S. Bento ,
Francezinhas, e outros. Estes são pintados com
grande empaste , e bellas tintas , que se con­
servão vivas, e frescas , com toques rcsolutos,
e virgens. Em geral os fundos dos seus qua­
dros são assás escuros, e as figuras campão
por mais, o u menos claras , segundo os pavi­
mentos em que estão. Tinha bellissirnas côrcs
de carnes vivas e mortas, mas como pintava
de pratica, e qnasi sempre improvisando havia
necessariamente ser muito maneirado e incor-
recto. Lourenço da Silva Paz. V. p. 39.

ANTONIO MACHADO SAPEIRO.

Quiz imitar Bento Coelho na maneira fran­


ca, e presteza de execuc�o ; mas succedeo-lhe
o que succede de ordinario a todos os imitado­
res, que foi ficar inferior ao seu rnodêlo. As
suas obras publicas são o tecto da Sacristia
do Loreto. o S. Christovão da Sé, que he mui­
to máo , e está todo repintado , alguns paineis
na T gr�ia da Saude , e n a dos Anjos, em San­
ta Martha, na Sacristia dos Capuchos , e o
[87 ]
Santo Antonio nas Trinas do Rato , que pare­
ce ser o melhor de todos. Os 8 sobre as Capel­
las ela Freguezia de Santos são pintados no seu
estilo, assim como os 4 na Capella Mór da Ermida
do Secretario de Guerra. Era tambem retratis­
ta, e teve a fortuna de retratar El-Rei D. João
o õ. ", e de ser o seu retrato o mais applaudido
de todos quantos até alli se bavião feito , pelo
qual recebeo huma gratificaç:1o proporcionada
ao grande espirüo daquelle l\fonarcba. Assen­
tou por Irmão de S. Lucas cm �3 de Setembro
de I 704. Servio na l\Ieza pela ultima yez cm
1 7 1 � , e morreo em Q4 dê Junho de 1740.
O Lobo n a sua Silva Laudatoria diz delle:

" O Machado imitou a Natureza


No Retrato , com op1.ima destreza ,
Teve a felicidade
De exprimir mais que outro a Mag·estade
Do quinto Jcão perfeito Soberano
Que deixou seu pincel mais nobre, e ufano. "

Henrique Ferreira Pintor ruediocre , tam­


bem fazia retratos, e pintou quasi todos os
que estão em Belêm na Casa dos Reis. As­
sentou por Irmão de S. Lucas em �4 de Outu­
bro de 1700.
[88]

ANDRE' GONÇALVES.

Foi Discipulo de D. Julio Cesar de Fc­


mine, bom Pintor Genovez, que vivco em
Lisboa, aonde pintou muitos quadros para o
Convento da Graça, e outros lugares Sacros ,
e profanos. Entrou na Irmandade de S. Lucas
em 1 8 de Outubro de 17Q0. Em 1736 era já
falcci<lo tendo servido na l\Icza em 17:21 , an­
no om que foi Juiz. ·o Discípulo não scguio a
sua maneira, adaptando ouírn. mais branda, e
mais ag-raclavel, que imitava no colorido a de
Conca , e 1\-Iassucci, e nas roupas a <le l\'Iara­
ta, de cujas estampas , de que tinha grande
copia, se servio muito n a composição dos seus
paineis , muitos dos quaes se qucimárão uas
Ig·rejas pelo terremoto. Os que escap�lrào, ou
forão feitos depois estão no Convento das Com­
mendadeiras de Santos, e no de Santa Anna,
N a Tgrqja do 0:>lleg·io dos Nobres está o S. Pe­
dro e S. Paulo, e o da Convcrção deste gran­
de Apostolo. Existem muitos nas Capellas elo
l\1enino Deos, e nas Capellas Móres de S.
Lourenço, Santa Joanna , Santa. Martha , S.
l\fartinho , Met·cês , Paulistas : os das Ca­
pellas da Bem posta , que passárão, pela reno­
vação da Igreja para a Sacristia : os da Ca-
[89]
peUas d e Quéluz, o da C.Onceição que s e quei­
mou na Ajuda, e era, diz Pedro Alexandrino,
admi ravelmente bem pintado, pelá esperança
do premio, o qual não correspondco á obra ve­
lo limitado animo do louvado, que o avaliou ,
{ deveria ser Mattheus Vicente). Na Portaria
de S. Doming·os tem este Santo, e S. Fran­
cisco : os das Ig·rejas das Trinas dos Cardaes,
e do Mocambo tam bem são seus ; assim como
o S. Pedro e S. Paulo n a Fregnczia da Pe­
na de optimo colorido, e os da vida de Chris­
to que estavão sobre as Capcllas, e forno gran­ '
demente retocados por Pedro Alexandrino; mas
ain da senão collocárão : os de S. Bento n a Ca­
pela de Santo Amaro, e o Santo Eremita, que
esteve na escada, e está hoje na Sacristia; he
o unico original que clle fez , e merece gran­
díssima estimação. No Hospicio da Conceição
da Carreira, e em Rilhafolcs ha obras suas ;
t ambem lhe pertencem os quadros <la vida de
�- João Baptist.a na freguczia do Lumiar, e a
Sen hora do Carmo n a Igreja desta Invocação ,
e alguns em Mafra n a Capella dos sete Alta­
res ; os da Ermida do l\farquez de Pombal em
O{'ytas , e os da Rua formosa que estão n a
Tgreg-inha chamada d o :.\farióla 1'1:ór, os quaes
ficárão mui deteriorados pela retirada dos Fran­
cezes em 1808 , e tendo sido repintados , pa­
i·ecem agora de ontra mão. NaMadre cle Deos
tem a grande gloria sobre a Cape�lu. l\:Iór , e
[ 90 )
algumas outras cous a s , como são a Santa Cla­
ra , e S. Fra ncisco, e a vida de José do Egy­
pto na Sacristia. Em S. Vicente tem o da S a ­
cristia, e o d a Capella <la Annunciação. Tam­
bem são seus os do Ü)ro de S. Domingos de
Bemfica. Fez m\iitas pinturas p a ra Santa Cruz
ele Coimbra, e para todos os Conventos dos
Cruzios , decorou varios Coros , e C a pell a s in­
teriores cm Conventos de Freiras. Na Capella
1\lúr ele S. Pedro de Alcantara ha trez quadros
seus, e outros n a de S. Bento <la Estrella ,
&e. � e.
Entrou na Irmandade de S. Lucas no I. 0
de Xornmbro de 1 7 1 1 , e servio na l\leza des
de l i l l até lif>-J. sendo duas vezes Juiz , pe­
los livros constn que morrêra cm lá de Junho
de l 7í,J , tendo de idade 70 annos 6 mezes e
15 dias. Jaz no Convento elos l\Iariannos.
O Lobo diz que o André Jevava aos mais
a palma., inspirando os pinceis n a s tintas a l­
ma.
Existem dois retratos seus , hum n a Col­
Iecç{io de Penalv a , feito por G uilhard , na sua
idade juvenil , outro na Collccção de Borba em
i dade a vanç:Hl a , feito por Pedro Alexandrino.
Teve muitos e bons discípulos ; e forão, seu
filho J\fanoel José Gonçalves, João dos Santos
Aln , Joaquim .l\fonoel da Rocha, José da Cos­
t a Xcgreiros, Francüico Xavier Lobo, o P a ­
dre M a noel José, de quem fatiaremos a diante.
[91]
Pedro Alexandrino não foi seu discjpulo , mas
aproveitou muito frequentando a sua casa, e a
sua escóla.
l\fanoel José Gonçalves fez o painel, que
está no Collegio dos Nobres d o Senhor dando
as chaves a S. Pedro, feito pela estampa de
Rafael, e muito bem colorido , e executado.
Gravou a ag-ua forte em 175'2 a estampa. que
se acha na Carta Apologetica pela ingenuida-­
de da Pintura, inventada por seu Pae. Mor­
reo desgraçadamente no dia do terremoto de
55, malogrando-se desse modo as bellas espe­
ran<tas que nos dava.
De João dos Santos Ala existe o painel
de S. Doming·os em Soriano em hurna das
Cape11as d o Claustro de S. Domingos, e os
do Rosario que sahem em prccissão : o quadro
do tecto da Igreja das Commendadeiras da
Encarnação, dous da vida de Nossa Senhora
em Jesus; varios .retratos de Vencraveis na
Cartuxa, e outros. Imitava a maneira. de seu
Mestre , mas era mais franco. Servi<? na Me­
za do Santo de 17:33-35.
Lourenço da Silva Paz, he apenas conhe­
eido por te·r succedido a Bento Coelho no lu­
g ar de Pintor da Casa dos Obras em 1 608 , e
ter sido Juiz da Meza do Santo em 1704 , e
ontras vezes ; Morrco c111 lü dc l\farço de 1718.
Ju lgam os que fosse Pintor de huma das clas­
ses mais rasteirns., tendo bastante fortuna, e
[ !) 9 ]
JJrotecçiio , como teve nos nossos dias o Caval­
Jeiro Jgnacio Meireles , e tem tido out.ros.

IGNACIO DE OLIVEIRA BERNARDES.

Na fa mília deste Pintor contão-se muitos


Artistas. Seu Avô Manocl Rodrig·ues , natural
de Ileja , mas nascido casualmente em lWourá,
era Pintor , e foi pae de Antonio de Oliveira
Bernardes. Este casou com Francisca Xavier
neta de hum l\linistro, e filha de Francisco
Ferreira, que seguia Lambem os Lugares de
Letras , porêm depois applicou-se á Pintura ,
e foriio os Paes de Ignacio de Oliveira , de
Fr. José ele Santa 1\-Iaria, Padre Thomarista ,
e de Policarpo de Oli veira, todos Pintores , e
<liscipulos de seu Pac. A nlonio de Oliveira
entrou na Irmandade de S. Lucas em 7 de Ag·os­
to ele 1 68.1,. Policarpo de Oliveira Bernardes
em 1 9 de Outubro de l 7Q8 , e José de Olivei­
ra em Q l de Outubro de 1731 , sendo ainda
secular ; os dois primeiros servfrão lugares na
Meza, e A ntonio de Oliveira foi Juiz em 1679.
Policarpo de Oliveira Bernardes foz o pai­
nel de Santo Antonio que está na Igreja da
Lapa. Nasceo em 1695 , e morreo em 1778. ·
Fr. José-, ele quC'm jà fallamos fez quadros de­
votos <le cavalete , morreo em 2� de Feverei-
[ 93 ]
ro de 17B I tendo 81 annos de idade. Ignacio
de Oliveira nasceo cm Lisboa no 1.º de Feve­
reiro de 169<>, e foi hum dos estudantes , que
D. João o 5.0 mandou a Roma aonde quiz fun­
dar huma Academia Pol'tug·ucza da Arte ; e
ainda em 177G alli vimos \estigios de huma
grande casa com padrão das Armas Reaes
Portugucza sobre a entrada , e era chamada
pelos Halianos a Academia de Portugal. Fo­
rão com clle , Tgnacio Xavier, natural de San­
tarem , o qual chegou aqui a. pintar hum me­
dalhão para a Procissão elo Corpo de Dcos , e
Inorrco Jogo. Domingos Nunes , e José de A l­
n1ei da. Ignacio foi Escolar de Benedito Lutti,
e por sua morte passou para a Escola de Paulo
1\fothei , Director do dito Colleg-io ou Acade­
mia , e fez progressos n a Pintura e na Archi­
tetura: adqnirio hum colorido por extremo va­
go , e agradayeJ , mas brnndinho, e hum mo­
rlo de desenhar elegante. Sen·ia-sc do estam­
pas , s0gundo o cosfume d o nosso paiz , mas
compunha com intelligencia sabendo bem a
Perspectiva , a Anatomia, Symetria , &e. e
outras partos fundameutacs da Arte.
EmprPgou-se em Lisboa como Archite­
cto Ch·il . e como Architecto Derorador , e
co mo Pintor. Como Architecto Civil fez dese­
nhos para parte da Igr�ja de S. Francisco de
P�nla , do Palacio de Queluz , e da Cas a , e
Quin ta de Gerar<lo Devisme. Como Decorador
N
[ !) 4 ]
teve a direcção dos Theatros de Queluz , e
dos Theatros Regios , depois da falta da Bi­
hiena até a introducção de Jacomo Azzolini.
Tambem dirigio , antes elo terremoto, o Thea-­
tro dos Congregados do Espirito Santo , e o
da Rua dos Condes. Como Pintor tem em .Ma­
fra os dous paineis dos Oratorios do Paço que
represent.1'. o S. José, e Nossa Senhora do Li­
vramento. Nas Aulas hum de Santo Antonio.
Na Sacristia o de S. Francisco recebendo as
Chagas , e na Portaria Mór o de Santo Anto.
nio diante de Nossa Senhora, que he muito
grande , e o menos bom de quantos fez.
Em S. Francisco de Paula estão nas Ca.
pellas o de S. José, e o da SS. Trindade , e
n o tecto o de S. l\Iiguel , hum dos mclho1·es ,
e mais vigorosos que conhecemos delle. Em
Santa Isabel tPm a Senhora da Arrabida , no
Refeitorio de S. Bento o Castello d'Em auz ,
e nas Necessidades o Calvario , e a SS. Trin�
dade. São tam bem seus os quadros da Cape!.
la Mór das Freiras de Carnide , o de S. Fran­
cisco recebendo as Chagas , cio Menino Deos,
o da Piedade em S. Vicente , o que esü1 n a
IgL·eja do Rato, o Neptuno em hum dos tectos
da casa do Provedor dos Armazães, e dous na.
Cartuxa &e.
Forão seus discípulos , Francisco Xavier,
natural de .Evora, que vivia em 1775 , e de
quem vimos varias copias muito bem feitas.
( 95 ]
D. Michaela Arcangela Romaneti, sua fi­
lha , boa Miniadora que nasceo cm 17 40 , e
já era falecida P-m 181/J.
João Pedro de Oliveira , seu filho que
vio a luz em Lisboa no anno de I 75�, fez hum
quadro do Senhor dos Passos para as Religio­
sas dos Cardaes : hum painel grande da Co­
roação de Nossa Senhora para huma Capella
interior das Freiras do Sacramento , e outros.
Ignacio de Oliveira entrnu na Irmandade
do Santo em 16 de Janeiro de 1718. Em 1780
foi eleito, com Francisco Vieira, Director da
Academia do nú estabelecida de novo a S.
José , e poz alli hum acto. Morreo em 1 8 de
Janeiro de 1781. Faz menção delle o nosso Lo­
bo na sua Silva, dizendo que no colorido imi­
tava a Vandeick. Não sabemos se comparou
bem .

JERONYi\10 DA SíLVA.

Temos deste Artista o S. Francisco de Sa­


Jes na Igreja das Necessidades, o painel d a
_,apclln. l\lót· das Commendadeiras da Encar­
nação que he de grande maneira; o grande
quadro, e as vi rtudes do tecto do l\Ienino Deos;
os d a CapellaMór da Igr�ja da Pena, os que
estã o debaixo do f'--0ro em S. Sebastião, os re­
tra tos n a Portaria de S. Vicente, e os· <la Ca-
N�
[96]
sa d o Capitulo n a Graça que são de Papas ,
Carueaes , Bispos, e Veneraveis da Ordem ,
sendo alguns de André Gonçalves. Entrou na
frman<ladc de 8. Lucas cm 1 8 de Outubro de
1 7 1 1 , e serv io ·varios lugares na l\Ieza desde
1 7 1 3 at6 l 73Q. O Lobo louva-o em dous Yer�
sos dizendo que entre m u itos figuristas fora
hnm dos melhores. Ouvimos dizer estudou cm
Roma.

PEDRO A NTOXIO QurLLARD.

Nasceo em París, e contava apenas 1i


annos quando fez huns desenhos ião bellos ,
que o Abbacle Fleury, depois Cardeal, os apre­
sentou a Luiz I õ seu discipulo , o qual lho
concetleo logo huma certa pensfio para o ani­
mar. Entre tanto hum tal l\Ierveílleux , IVIcdi­
co Suisso , que devia passar a Lisboa para es­
crever a Historia Natural destes Reinos, e era
seu amigo, o induzia a acompanha!lo para lhe
desenhar os o�jectos que elle havia <lo escre­
ver. Q11illard tinha talentos superiores ; retra­
tava hem; pintava com lindo estilo as fest.1'!1
galantes n o gosto de vVateau , de quem pare­
cia ser discípulo, e era lambem forte no gran­
de genero como deixou vêr nos paineis d:i. Cêa,
e Lava-pés que pintou para Mafra, e estão, o
1 .º no altar do Campo Santo e o ':l . 0 na Porta-
[97]
ria mór ; nos tcctos que pintou no antigo Pala­
cio Real; nas Fabulas qne possuía o 1\Iarquez
de Valenç.a , e em outros muitos quc se acha­
vão nas collecções de l\lr. l\Iangié, elo l\Iar­
quez de Alegrete, e do Conde da Ericeira. Na
casa de Cadaval sempre foi famoso o retrato
do Duque D. Jayme a cavallo; como Lambem
se celebravão as funcçf>es da Luz, e da ;\;a­
z_aret.h, cujas copias pintadas por Joaquim l\Iar­
ques possuio Architecto 1\-fanoel Caetano de
Sousa.
Logo que chegou a Lisboa foi acceito pa­
ra Pintor do Rei, e Desenhador da Real Aca­
demia âa Historia com GO J ooo réis mensacs ,
mas sendo atacado de colica, morrco apressa­
damente em �5 de Novembro de 17:33. Grarnu
a agua forte o S. Lucas para as antigas paten­
tes da Irmandade do Santo , huma estampa
inui laboriosa da marcha funebre do Duque de
Cadaval , e outras cousas.
João Ranc , que em l 7Q4, fora nomeado
Pintor de Filippe 5 . 0 veio por este tempo a
Lisboa a fim de refratar a Familia Real. .Al­
guns dos f';CUS retratos forào abertos a agua.
forte por Gabriel Franco Luíz Debrie , Abri�
dor da A cademia Real, em 1739. Ello morreo
ein 173 5 , de 6 1 annos
[98]

-===�>0..;><=--=-
P EDRO Gu.1RIENTE.

Tendo onze annos de idade começou a es­


tudar a Arte em Verona , tres annos depois ,
protegido pelo l\farquez Alberg-atti foi a Bolo­
nha aonde frequentou a escola de J osé Maria
Crcspi � desejando ser , não só bom Pintor ,
mas tambem bom conhecedor de pinturas, e
dos seus Authores, começou a comtemplar, a
observar, e mesmo a copiar as obras dos gran­
des Mestres, a fim de imprimir bem na memo­
ria o caracter de cada hum.
Em 17'2-J foi feito Academico Clementino
em Bolonha : viajou depois em varios Reinos
d a Europa, e esteve tambern em Portug·al ,
aonde recolheo memorias de alguns Pintores
nossos com que ampleou o Abecedario Pictorio
do Padre Orlandi , que reimprimio em Vene­
za em I n,a e offereceo-o ao Eleitor de Saxo­
nia, de cuja Regia Galaria era Inspector. El­
Jc achava-se em Lisboa pelos annos 1730, aon­
de limpou , e rotocou paineis de Igrejas, e os
das Collecções particulares; e fez a descoberta
da famosa taboa de Rafael representando a Sa­
grada Familia, que se acha na Collecção de
Penalva.
Na Casa de Tancos ha tambem huma at-
[99 ]
testação sua em que affirma a originalidade
dos célebi:es paineis do Bassano e de outros
Authores. Quando se retirou, deixou o segre­
do da sua agua de limpeza a Caetano Alberto
do qual passou a seu filho Jacinlho de Almeida,
que limpou, e retocou quasi todas as Collccções
de Lisboa , e tambem a de Sua Magestade ,
de quem obteve em premio huma pensão ,·ita­
licia.

FRANCISCO VIEIRA LUSITANO.

Eis-aqui hum Pintor Portuguez, que póde


competir com muitos dos mais egregios das Na­
ções Estrangeiras. Nasceo em Lisboa em 4 de
Outubro de 1 699, e apenas tinha passado os an­
nos da puericia quando deo sig·naes de que viria
a ser tão extremoso amante, como insigne Pin­
tor. Parece, que a Natureza infundio ncllc ao
mesmo tempo estas duas raridades para o fa­
zer duas vezes famoso. Como , e quando co­
tneçou amar a sua. D. Ignez ; como se recebeo
com ella a furto dos seus parentes ; como es­
tes cheios de furor a clausurárão Jogo no Con­
vento de Santa Anna , aonde a obrigárão a
pro fessar , inda que ella protestasse, que era
casada, e como p.1ssados annos pôde sahir pa­
ra viver com elle ; são cousas que não só por
mui sabidas, mas por exactamer1te contadas
[ 10 0 ]
'no Lino do PinLot· Insigne nos podemos dispen­
sm· de repetir. Diremos com Ludo alguma cou­
sa a rnspeito dos seus progressos na Arte.
O l\forque.: de Abrantes tendo visto o mui­
to , que o seu g-enio estava promcttendo , com
beneplacito de seus paes o conduzia a Roma
aonde foi como Embaxador Extraordinario de
D. João o õ .ºao Papa ClcmenteXI. Alli foi dis­
cipulo de Lutii, e depois de Trevisani. Esteve
7 annos, e no fim delles ganhou hum 1 . 0 prcm io
da Academia , na 1 .ª classe. Quando veio
rnandon-lho El-Hei fazer hum grande painel <lo
Santissimo Sacramento para servir na Procis­
siio do Corpo de Deos, e outeos para a Patriar­
cha�, os quaes não acab o u ; e sem se despe­
dfr 1'>mtio segunda vez paea Roma a procurar
o- l�ecm,so , que lhe não valco, para til'ar a mu­
lher do Convento. No seu primeiro estylo, me­
nos acabado , e mais pintoresco , sfio feitos os
dons paineis que estão em S. Roque de Santo
A n tonio prégando aos peixes, e prostado dian­
te de Nossa Senhora. Pedro Alexandrino lou­
vava muito a distribuição das luzes deste qua­
dro. O corpo nú de Lucifer he huma bellissi­
ma Academia pintada com grande franquez a ,
e j n tollig-cncia de .Anatomia.
Antes de fazer a segunda viagem tinha
· elle cm .N de Outubro ele 1719 entra.do na fr­
mancla<le de S. Lucas , e vê-se n o Livro dos
assentos, que o seu nome era Francisco Viei-
[ 10 1 )
ra d e l\faUos. No anno seguinte servio na l\fe­
za. Esteve mais G annos em Roma , e foi fei­
to Academico de mcrilo na Academia de S.
Lucas. Yollou, e conscguio a suspirada posse
da Esposa que sahio da Clausnra vestida de
homem; mas foi gra,·emente ferido com hum
tiro de pistola pelo Irmão della. O agressor sa­
hio do Reino solrreo os males da pobreza , e
Yeio por fim a mendigar o pão daquelle a quem
havia tão atrozmente maltratado (1). Vieira re­
ceoso de algum novo insulto retirou-se por al­
gllm tempo para o C'..on,•ento dos Paulistas ,
aonde em 1730 e 3 1 , pinton os famosos Ere­
mitas para o Cruzeiro da sua Igreja. Para ,i­
ver tranquilo resolveo a terceira viagem de Ro­
ma, e chPgou até Sevilha em 1733. Dali, sen­
do chamado, tornou a esta Corte como Pintor
do Rei com ordenado de 60 $ réis cada rnez, e
as obras pagas. :Muitos dos seus paineis queimá­
rào- se pelo terremoto; mas ainda restão o San­
to Agostinho da Porta1·ia da Graça , painel fa­
moso , pintado em 1736 ; os bellissimos qua­
dros de Povolide que represcntão Santo Anto­
nio � S. Pedro , S. Paulo , a Familia Sagrada ,
e Santa Barbara , . e furão executa.elos desde
1736 até 1 7•10. A celebre Sacra. Familia do
Conde d'Assumar. O grnnde pa.incl deS. Fran•

(1) Sabemos este facto da boca <lo mesmo Vieira.


o
[ 10� ]
cisco despojado dos habiios seculares , que es­
tá no Menino Deos; o quadro Lambem respei­
tavcl da Capella Mór da Cartuxa.
Em S. Francisco de Paula tem o quadro
do mesmo Santo na Capella Mór; e nas Capel•
Jas menores o da Senhora da Conceição , o da
Sagrada Família , e o de Santo Antoni o , que
forão feitos po1· 1765. Em Mafra , na Capella
dos seiie altares está outra Família Sagrada
em grande painel, regeil.ádo pelas intrigas dos
seus emulos. Na Casa de Cadaval havia huma
réplica desta pintura. Na Ermida de S�Joaquim
ao Cal vario ha varias pinturas suas , brilhando
muito a da Sagrada Familia que está sobre o
Altar. O Conde de Lipe por 176:2 visitou Viei­
ra, e obteve delle hum Santo Antonio que le­
vou para Alemanha. Guilherme Hudson Lam­
bem conduzio a Inglaterra o celcberrimo ori­
ginal da Adoração dos Reis. 'fambem he sua
a Conceição que esüí na Junta do Commercio..
Braz Toscano de Mell o , Escultor empregado
em Mafra possuia outro Santo Antonio de Viei­
ra ; e Pedro Alexandrino falia em hum painel
do mesmo Santo , e do mesmo Author que se
acha na Co!Jecção de Borba. - Entre os quadrns
deste Author, que devorou o incendio <le 1765
era assós famoso o do tecto dos Martires, pin­
tado cm 17 50 de que nos restilo os desenhos :
representa va a tornada de Lisboa aos Mouros
por D. Aífonso l.Q, e Guilherme de Longa es-
[ 10 3 ]
pa<la , protegidos por Nossa Senhora dos Mar-
1 i res. Custou 1 :000 $ rs. Pelos gabinetes dos
Curiosos ha varios esbocctos seus. Fez hum
n{imero prodigioso de optimos desenhos , dos
quaes a maior parte delles possuo a Inglatena,
aonde os Amadores da Arte os pagavão muito
hem, e muitos forào alli estampados : tambem
abrio ellc mesmo alguns a agua forte, contan­
do-se entre os melhores o de Neptuno e Coro­
nis, e o das Parcas cortando o fio vital de seu
Irmão. Foi igualmente sábio em Architectura
como se vê em muitas <las suas obras , e no
desenho que fez para huma fonte de Neptuno
entre duas Casas de prazer para hum jardim
de Alexandre_ de Gusmão. Vimos em Roma
paineis seus , e estampas copiadas pelas .suas
lDYenções.
Vieira professou na Ordem Militar de S.
Tia go em 17 41-. Em 7 b enviuvou , e deo en­
tão fim á sua carreira pinturesca. Deixando
Mafra , onde D. Ig·nez espirou, veio viver pa­
ra o sitio do Beato Antonio , cheio de mágoa ,
e saudades; desejando muito sahir desta vida
para ir fazer companhia á sua idolatrada espo­
sa. Publicou em 1780 o seu livro do Pintor In­
signe : e leal Amante, assisti o a hum ad.o da
Academia do nú a S. José , e tres annos de­
pois acabou os seus _dias, tendo vivido exem­
plarmente soccorrendo os pobres , e frequen­
tando com muita devoção os Santuarios.
o�
[ 1 04 ]
Vieira teve alguns discípulos, e bastantes
jmi tadorcs. Estes forão Joaquim Manoel da
Rocha, o qual em rnateria de composição pre­
feria ao mesmo Rafael , (parece g·rande exces­
so), Antonio Joaquim Padrão, Pedro lVlaUhcus,
e outros.
Entre os seus discipulos podemos contar
sua Irmã Catharina Vieira , e o Morgado <le
SetubaJ.
De Catharina Vieira existem dous paineis
n o Oratorio da Casa nobre do Moreira Dias na
rua da Fé, lrnm representando S. Lucas , ou­
tro S. João Evang·elist.a ; ambos firmados por
ella. Seu Irmão a celebra no seu livro pag. \2%.
Ouvimos dizer a Pintores antigos, que ella,
e D. Anna de Lorena havião pintado paríe
dos quadros para a Ermida de S. Joaquim ,
cujas invenções são quasi todas de Vieira.
Alguns Pintores o ajudárão por vezes a
pintar os seus painei s , e entre outros D. An­
dré Rubira que trouxe comsigo de Sevilha , o
qual o ajudou n o painel da Cartuxa , e fez o
S. José, e o transito de S. Francisco para o
Menino Deos.

JoÃo PEDRO VOLKMAR.

Nasceo em Lisboa pelos annos 171!2, com


bastante genio para as artes de imitação. Seu
[ 10:> J
Pae, que tinha o mesmo nome, era Alcmtto ,
filho de Paes Luthcranos , mas inclinava-se
muito á Religião Romana , e tendo visto ele
noite, no seu quarto, hum raio de luz, e hu­
llla Imagem que seJhe representou ser deNos­
sa Senhora , deixou a casa paterna, e foi via­
jar para se fazer C',atholico. Casou cm Lisboa
onde teve bastantes filhos, e huma filha. Como
amasse muito a Santa Rcligié'io c1uc abraçava,
desejava que os seus filhos se dedicassem á
Igreja , e fez patrimonio ao mais velho, que
morreo antes de se ordenar. O 2. 0 João Pedro
estava acceito para o Convento da Gra�a ; mas
tendo bido á Batalha assistir á cu(rada do 3. 0
filho , Fr. Francisco da Expectação , que vcs­
tio o habito de S. Domingos, tomou em tau to
a resoluç:'io de ficar no século, e de se appli­
car á Pintura. A filha l\faria Rosa casou com
Manoel Machado Ferreira , que pertencia á
famí lia dos l\1achados , l10nrndos Lavradores
do termo de Setubal , e por morte de seu tio
o P adre Affonso Machado de\·ia herdar bastan­
te fazenda; mas o Padre sobre,·ivendo-lhe mui­
tos annos , porque viveo hum século , teve
tem po para deixar cahir as casas, decepar us
'Vinhas , � arrazar os arvoredos.
João Pedro como gastasse os annos da ado­
lescE>ncia nos estudos da Filosofia., quan<lo se
deciclio a querer estudar a Arte, era j:í hum
}>ouco tarde. Foi a Roma á .custa <la. sua casa,
[ 106]
e alli frequentou a cscóla do famoso Corrado.
Tornando á Patria por 17 40 pintou , em con­
curso com Borardo Pereira alguns paineis da
vidn de João Ab.bade de Lorvão , e outros:
tambem fez varias remessas de quad1·os para
o Brazil. Depois do terremoto pi.ntou hum nú­
mero i ncrível de pequenos quadros do Santo
Boi:ja, que as gentes devotas invocárão contra
aqnelle terrivel flagello. Seguia-se a moda dos
pannos pintados a tempera para ornamento das
casas ; e nisso , e em paineis de cavalete se
occupou o resto da sua vida, que durou até o
dia 8 de Março de 178:J. As Obras publicas
que rcstão delle são " Em S. Miguel d'Alfama.
o Senhor curando os hydropicos. A SS. Trin­
dade coroando Nossa Senhora no Côro dos Pa­
dres Trinos. Hum Calvaria no Oratorio junto
ao Chafariz da Rua Formosa. Varias EremiCas
pintados a fresco em casa de D. José Lobo á
Boa vista , e poucas outras.
Teve por discipulo 1. 0 seu irmão Henri­
que Pedro de quem era tutor. �-º Simão dos
Santos que se occupou em cousas de ornamen­
tos, e morreo moço : 3.° Cyrillo Volkrnar Ma­
chado , seu sobrinho , filho de sua irmã.
Henrique Pedro Volkmar tendo desaven­
ças com seu irrni1o, e mestre , retalhou huma
<luzia de paineis que estavão prornptos a em­
barcar, e ausentou-se , viaJOU pela Hespanha ;
e tornando adiantado, mas pohre e doente pe-

/
[ 107]
los annos 1769 , foi morrer a sua casa, sendo

ainda muito moco.

PEREGRINO p ARODI.

Filho de Doming·os Parodi , excellente


Pint or G enovez , que fez os dous paineis da
Circumcisão, e Desposorios para a Capclla l\'lór
dos Barbadinhos Italianos em Lisboa. Nascco
e1n Genova; frequentou as aulas dos Jesuítas
nos seus primeiros annos , e depois os estudos
da Pintur� na Escola de seu Pae. Fez retra­
tos com muita semelhança , e concorrião Se­
nhores de ambos os sexos , tanto naturaes do
paiz, como estrangeiros , e pedir-lhe para que
elle os retratasse. Em 1741 retratou o Doge
Nicoláo Spinola, cuja pintura foi gravacla em
Florença pelo Gregori. Passou depois a Lisboa
aonde fez hum número prodigioso de retratos,
e adquirio sommas avultadissimas , que des­
pendia Jogo com jogo, boa meza, e cocheira,
sem reservar nada para o dia seguinte : de
�odo , que chegando a Ser bastante velho, -e
invalido, morreo muito r>ohre , mas bem tra­
tado na enfermaria elos Creados de ElRei , pe-·
los annos 1785.
Alêm dos retratos , féz tambem• o painel
da Cêa que está em Santa Isabel. Como ünha
[ 108 ]
muito que fazer , occupou em qualidade de
Ajudantes alguns Pintores , e forão Roque Vi­
cente , o Roch a , o Bruno , e Cyrillo muito
nos seus princípios. Era Poeta, e muito jovial.
l\ifo.ndando-lhe huma dama pedir setim azul fer­
rete para hum vest.iélo , respondoo-lhe " Meni­
u a , setim asul ferrete não ha ; veja se o quer
mais claro ?

' .
FRA NCISCO PINTO PEREIRA.

Foi hum RelratisÍ.a tão acreditado no seu


tempo , que pôde sustentar hum estado opu­
lento. O Lobo o elogia neste ramo da Arte
dizendo " O Pinto alto voou por seus disvelos :
retratos muitos fez , e muito bellos. " Os seus
paineis de Historia são poucos, e máos. O seu
forte, diz Pedro Alexandrino , era pôr grandes
massas escuras muito ao pê dos realces , sem
a suavida<le das meias tintas. Estavão alguns
dclles na Ig-r�ja do Senhor do Bom fim em Se­
tubal. Tambem se seu o de Jesus Maria José
na F:i:eguezia do Coraçlío de Jesus. O melhor
he de Santo Antonio'na Ig-reja das Necessi<la-
. des , . e tanto que não parece da mesma mão.
Enlrou na Irmandade de S. Lucas em 17�0,
e ser,·io na Meza quasi to<los os annos , até o
.. aen<lo Juiz em 33 , 34 , e Sõ , e mor--.
d.e f> 3 ,
------ ---::;;- -
- - - e- ---

[ 109 J
reo em 27 de Outubro de 175�. Forão seus dis•
cipulo s Miguel Antonio do A maral , e Domin­
gos da Rosa.
Miguel Antonio era natural de Castcllo
branco. Fez cm Lisboa quantidade de retratos,
que lhe derão para se tratar com hum certo
fausto : os mais nofaveis for;_fo os da Família
Real , encornmcndados por hum Agente da
Imperatriz da Russia, de quem foi liberalmen­
te recompensado. Fez tarnbem paineis de His­
toria : os da vida de S. Francisco, que estive­
rào sobre as Capellas da Igreja de Xabregas ,
feitos por desenhos de Vieira , apodrecêrão
co1n a humidade, e estão alli outros. No Car­
mo tem o Santo Antonio feito pela estampa de
Marata : são seus alguns meios corpos nas Sa-,
cristias da Trindade, e das Cornrnendadeiras
da Encarnação. Pedro Alexandrino falla em
outros quatro que estão no Cruzeiro de Belêm,
e vem a ser o Maná; os Triunfos de Nossa
Senhora , e o do Santissimo Sacramento, e ou­
tros . .Entl'Ou na Irmandade em �8 de Abril de
1754 : morreo em 1780 tendo quasi 70 annos.
Foi mestre de Jeronyrno de Barro s , e de Ma-
, nocl de Matos. O Lobo o compára com Apa­
rício, e não sabe " qual tem nas competencias
a Vtcloria . "

p
[ llO]

Ü ABBADE APPARICIO.

Francisco José A pparicio , era natural de


Villa-Franca. Estudou em París aonde frequen­
tou a escola de Mr. Urry, e copiou tambem
algumas obras de Jacintho Rigaud, porque se
inclinou para o g-enero de retratos. Hc st.u o
do Senhor D. José que está na Casa dos Reis
em Belêm, inda que retocado por André Gon­
çalves, e tem alg·uma cousa do estylo do seu
modêlo. O Painel d� Sagrada Familia, copia
de Rafael que está na Igr�ja das Necessidades
he tn.mbem dos seus pinceis. Costumou-se em
França a trajar a l'Abbé , trajo de que usou
sempre. Morreo de 30 ou mais annos no de
1787. Usava da Arte mais como curioso ..., �ra-
ve , que como Professor.

DoMINGos DA RosA.

Teve a honra. de ser Mestre de Desenho, e


Pintura de SS. AA. , e de retratar muitas vezes
as Pessoas Reaes para ficarem aqui os Retratos,
e para hircm para Hcspanha. Pintou tarnbem
alguns paineis de Historia , como o de S. Mi-
[I11 J
guel e Almas para Santa Isabel , e o de Nos­
sa Senhora para a Capelln do Sacramento no
Carmo.
Fr. Martinho da Costa, Monge de S. Ber­
nardo , da Familia dos Armeiros M6res , tra­
druzio do Latim , por ellc lho pedir , o Poema
de Fresnoy sobre a Pintura, e mandou-lhe a
traducçào , com huma carta , em que lhe diz ,
que olhan�o para as suas admiraveis produc­
Ç<Jes , e <'g-.i:egios quadtos, cuja poesia <lei:Kçt
nelles de ser muda , lhe paroce superflua a ef­
ficacia com que havia solicitado aquella tr.adu­
cção. Que se os Heróes da Püllura de quem
falla o Author -1·esurgissem , e viessem obser­
v aL· os seus excellentes paineis,; se ad mirarjã�
de vêr reunidos Gm hum só Artista todos os ra­
ros dotes que elles possuirão divididos· ; de
modo tal , que sem lhe ser preciso como fôra
aos mais s9ífrer a morte para ter applausos, já
em vida merece que sejn gravado, e escuJpido
seu nome em letras de brnnze &e.
Teve a Mercô do .Habito de Christo � que
não chegou a profess�r. Entrou na Irmandade
de S. Lucas em Q\2 !fe Abril de I7ó4 , e folle­
ceo em Li.sboa em 1796 com 67 annos de ida�
. ' i . - .

de.
José da Rosa, seu filho e discípulo �ucce­
d0o-lhe no� empregos que tinha no Paço; ten­
do a honra não só de preparar as palhetas pa­
l'a SS. AA. , mas tainbem de executar aquel..
pQ
[ 1H!]
las col:lsas de maior fadiga, que as mesmas Au�
gustas Senhoras Jhe determii:1avâo,

JosE' D.\. CosTA NEGREIROS.

Foi discipulo de André Gonçalves , cujo


estylo seguia com mais sisudeza, mas com me­
nos agrado. O Lobo diz dclle " qnc não era af­
fectaclo , e que entre o sisudo , e o pezado se­
guia sompre o meio termo ·" Pintou o painP-l da
Conceição para o Erario Rcgio , outro para o
Senado da Camera , hum terceiro para os Ar­
mazãcs da Fundição , e Jrnma Santa Anna pa­
ra o Oratorio da mesma Casa. O S. Roque pa­
ra a Capella da Ribeira das Náos ; e o Tran-
. sito de Santa Thercza para as Carmelitas de
Carnide. He tambem sua a Senhora da Pieda­
de que está cm huma das Capellas da Sé por
de traz do C<ko , e outra que está , diz Pedrn
Alexandrino, na Em1ida do Resgate, e a Ima­
gem do Santo Christo q ue está na Casa do
Despacho do Menino Deos. (1) Fez alguns tec­
tos em Loires na Quinta do CorreioMór, o da
Casa do Capitulo cm S. Domingos de Bemfica,

(1) O Publico tem dano ,·arios Authores a este fan10•


so painej ; mas consta-nos que he do Negrei10s.
[113]
cuja Architectura h e ele Lourenço d.,a Cunha :
os paineis em hum coche rico para os Senho­
res de Palhavã , e outros ; e faria mais senão
se distrahisse tanto com o divertimento da ca­
ça , e tivesse vivido mais tempo. Entrou na
Irmandade de S. Lucas E'm 24 de Outubro de
1745 , e sendo solteiro faleceo em 1759 , de
45 annos de idade. Forão seus discipulos Bru­
no José do Valle , Simão Baptista, que se ap­
plicou depois �aos ornatos , e refrescou o teclo
da Capella Mór dos Paulistas, obra do Pimen­
ta.
Este homem habil era descendente de hu�
rna antiga e i!Justre familia, da qual sahirão
outros Artistas beneme1·itos , de quem adiante
faremos menção.

ROQUE VICENTE,

Foi discipulo de Joaquim Manoel da Ro­


cha na escola de Domin1ros Nunes. Vimos em
casa de Paiodi alguns retratos copiados por el­
le, e entre outros os do Marquez , e Marque­
za de Pombal , que tinhão belJo estylo de cô­
res , e suavidade de pincel. Existem tres pai­
neis seus na Igreja de Santa Isabel, feitos pe­
lo s annos de 176.t , e são o de Jesus Maria. Jo-
,
se' , o de Santa Anna , e o de Santo Antonio.
[ 1 1 ,J, ]
Nos dous ultimas ha hmnas figuras de Pedro
Alexandrino , que Lambem se distinguem.

AN1'0NIO JOAQUil\I p.ADR.'.fo,

Pintou o S. José que está no Mosteiro dos


Bentos , á Estrella; Nossa Senhora do Carmo
para a Capella do A.rechispo d' ,\drianopoli ; o
painel chamado da competencia porque o fez
n 'Jwma especie <lc concurso com o Rocha : he
a Annnnoiação de Nossa Senhora feita pela es­
tampa do Barocci o, e bem se vê que poz alli
todo o seu sabt:r, c:msPguindo talrez igualar o
seu modêlo , no colorido , graça, suavidade, e
expressão. Este quadl'O está na G aleria de Bor­
ba. Tambem soube pintar com magisterio pai­
zes, e retratos, e faz-lhe muita honra o de D.
Fr. Manoel do Ccnaculo Arcebispo de Evora.,
que está em Jesus. N a Sacristia. da Ermida da
Piedade, á Iloa-1\iortc, está outra pintura sua
feita para a bandeira do Terço, e foi huma
das ultimas cousas que fez ; assim corno o
l\ienino Jesus representado na idade adolescen­
te para o P. A ntonio .Luiz , bem conhecido
pelo zelo , e caridade com que educava os or­
fãos ; o qual passou para. a collecçào do l\Inr­
quez d' Angeja. Fez os esbocclos , que forào
para Ftauça para por elles se executar o gl'an-
[115]
d e retrato do Marql}eZ de Pombal cxpulsanâo
os Jesuítas. Abrio muito bem a ag-ua forte.
l\forreo moço, e tisico pelos annos 171i0.
O Lobo o elogia muito e diz, que era me­
lancolico , e estudioso; que não poupava de­
ligencia alguma para- se apet'feiçoar, e que sa­
bia abrir os Livros com gosto raro. Foi mestre
de João Silverio Carpineti, e de José Caetano
Syriaco.
João Silverio Carpineti , que tambem es­
tudou com VieiL•a, foi bom desenhador, e gra­
vou a ag·ua forte os retratos das Pessoas Reaes,
do Marquez de Pombal , e outras cousas. De­
senhou toda a Marinha d� Belêm, e o embar­
que dos Jesuilas para sei'virnm de modêlo á
que se gravou em França, por ordem de Ge.
rardo de Visme na famosa estampa do i\Iar­
quez de Pombal , bem conheci<lit dos curiosos.
Teve amisadc com Gildemeestre Consul de Hol­
lan da, e com o sen crédito entrou em especu..
lações mercantís, em que nuo foi sempre afor­
tu nado.
. José Caetano Syriaco pintou no seu prin­
cipio ornatos , paisagens , e quadratmas nos
Theatrns Reg·ios ; tempos em que Pedro A le-�
:Xandrino pintava alli as íiguras; e como alcan­
çou a moda dos pannos pintados para adorno
das casas fez grande número dcJles com boa
��c.eitação; pintan �o tambem nos Theatros d_a.
1te figuras , e pa1zes. A oleo pintou o pal-
r 116 J
ncl da Capella Mór das Freiras dos Cardacs ;
os da Ermida ck· D. Christovfío a Arroio s , o
de Santa Gcrtrndes cm S. Bento da .Estrella ,
o do Terrcfro , e alg·uns mais. Inda que não
fosse rico , Pra assás maltratado pela gota , e
morreo da idade de 60 annos por 1800 pelos
fins do século.

JoAGUI!tl MANOEL DA Roc1IA.

Nasceo em Lisboa, e foi discípulo de An­


drt- Gonçalves , e de Domingos Nunes : era
tambcm admirador cnthusiasta , e imitador de
Vieira.
Domingos i\unes foi hum dos que El-Rci
D. João o 5 . 0 mandou a Roma, e quando veio
fez hum painel que se queimou pelo terre­
moto , e alguns lindos csbocetos para outras
obras; depois por falta de vista não pôde pin­
tar mais.
O Rocha. teve no principio colorido agra­
davel, depois usou muito de preto de marfün
a que chamava. preto santo , e da terra rossa ,
que dá na côr de tijolo. Copiou quantos de­
senhos pôde de Vieira.; e copiava-os iambc1n
que se equivocavào muito com os originacs.
Pelos annos 1760 pintou o panno da cmboca<lu�
ra para o Theatro do Bairro alto, aonde repre-
/
( 1 17]
sentou Apoli o com a s lVIusas , e hum bellissi­
ruo Tejo. Custou-lhe muito a manejar as tin­
tas , e não quiz pintar mais nada a tempera.
Como não fazia pannos para ornar casas, e não
queria ir pintar em tcctos , nem em lugar al­
gum fóra da sua casa , achava-se ás vezes
sem encommendas , e nesses intervalos pinta­
"ª fügos , buzios, conxas, e . outros objectos
da natureza morta, tu elo com a maior v erda­
de, optima composição , e toque magistral.
Tambem gravou mui pintorescamente a agua
forte. O seu costume era pintar de manhã, e
passear de tat·de, até que sendo admittido co­
mo Lente n a Aula Regia do Desenho, que en­
ti'ío se estabeleceo, dahi por diante empregou
as tardes nas licões da sua escola. Fez bastan­
tes quadros pa;a Igr�jas, e são " o da Sagra­
da Familia para o Carmo; os da Ultima Cêa
na Çonceição dos Freires, e n o Loreto, os da
Senhora da Conceição em Santa Isabel, na Sa­
cristia dos Paulistas, e nas Sete Casas. O da
Ermida do Morgado da Alagoa, o S. Paulo
Et·emita na Portaria dos Paulistas. Annuncia­
çà o do Baroccio , e hum Apostolado n a Ermi­
da de Feliciano Volho. Para os Oratorios dos
Jooens hum Jordão , e a Senhora do Rosario.
Estes commcrciantes inspeccionárão as obras
da Igreja de S. Paulo, para onde fez o Rocha
0 famoso painel de S. Pedro e S. Paulo. Os
i Arcanjos para a Capella do Senhor da Pa-
Q
[ 118]
ciencia na Convalecença. Hum S. Jol'ge para
Paulo Jorg·e , hum que está na Capella Mór ,
e dous na Sacristia de S. Pedro d' Akantara.
Sete paineis lambem de Igreja para a Ilha
Terceira. O de S. João Evangelista na Capel­
Ja. MóL· do Beato Antonio � e dous em huma
das outras Capellas ; e outros mais.
Tambem fez retratos : o seu , o de sua
Mãe, o de Francisco Vieira Lusitano , como a
cabeça de hum Mong·e , e a Senhora ele Tre­
visani , todos pintados por elle, estiío na Col­
lecçào de Borba. No ante-côro de Jesus está o
de Mayne, e outros ó seus successorcs, e Bis­
pos. Em 1780 concorreo para a Academia do
nú a S. José ; e depois tarnb<"m ajudou a diri­
gir a da rua dos Camillos. Entrou na Irmanda­
de de S, Lucas em �\2 de Outubro de 175::J. ,
e rnorreo em \28 de Setembro do 1 7 8 6 . Pedro
Alexandrino diz qne desenhava bem, mas qne
-em os seus nús usava muito das linhas reêtas,
ou quasi reclas ; cousa que conduz ao estylo
magro. O Lobo o louva muito, e diz mais, que
era sisudo na côr, e forte no claro-escuro. (1)
(1) O Rocha sendo aliás hum homem de granJe pro·
bidade, teve a fraq ueza , inJuzido pelo seu amigo João Ro•
sa<10 Villalobo$ , Professor de Rhetorica , de satiriz:ir os pai•
neis , e a conducta de Batoni que não o merecia , e de lha
enviar a sátira traduzida em Italiano. S6 porque Pompêo
Batoni foi incumbido de fazer os paineis para a Basílica Real
ao Coração de Jesus. Obra que dlc tinha requeriJo para
si.


[ 119]
Fori"i'.o seus discipulos Bernardino da ('..,osta Le­
mos , natural de Porto de Mós , o qual copiou
paineis de cousas naturaes que estão na Collec­
çào de M:iyne cm Jesus , tendo cada hum del­
les duas pequenas mós , que lhe servem corno
de firma, ou divisa. Fez iambem a Conceição
para a Igreja de Santo André, os Reis , e o
Nascimento para debaixo do Côro de Jesus.
Descontente da fortun a foi para a sua patl'ia.
servir hum officio de Escrivão.
Joaquim Leonardo da Rocha , seu primei­
ro filho nascco em Lisboa em 1756, e alêm dos
progressos que fez n a PintUl'a, e na Gravma
d'agua forte, tocava cravo, e era muito bem
acceito em casa d' Alorna. Pelos annos 1780
foi para a China com D. Fr. Alexandre de
Gouvêa Bispo de Pekin. Alli soube que se en­
trasse no Imperio não tornaria a sahir, e ufi.0
quiz entrar. Depois que veio casou, e teye
hum partido do Marquez d' Alorna , a titulo
de seu Pintor. Pelos annos 1808 passou á llhà
da Madeira , aonde dirigia huma Aula de De­
senho, e para uso dos seus Escolares. publicou
" Medidas geraes do Corpo humano parg uso áa
Real Academia de Desenho, e Pintura da Ilha
da A,Jadeira em 1 8 1 0 . " Dedicadas ao Governa­
dor Pedro Fagundes BaceUar.
João Franco Rocha seu segundo filho, nàs­
ceo em 1760. Aproveitou menos , e foi mui
pouco feliz : faleceo bastarrtc pobre pelos annos
Q2
[ 120 ]
1 8 1 ô. Teve outro discípulo José Jacintho que
foi Conego em Evora.

PEDRO ALEXANDRINO DE CARVALI-JO.

Teve, como A ndré Gonçakes o talento de


saber ag·radar ao Público , de sorte que não só
tinha as encommcndas ele quasi todos os pai­
n,.is de Igreja, que se fazião ele novo; mas
tiravão-se muitos mais antigos dos seus luga­
res para se collocarem os delle. Nascco em
Lisboa cm 1730 , e começou a estudm· a Artc
com Jofío de l\Iesquita, Pintor de ornato�. Pas­
sou depois á Escola de Borardo Perefra Pega­
d o , que sem ser bom Pintor gosava J 1 huma
certa reputação em virtude da qual fez os pai­
ncis do Santo Estcvão d' A lfama, e outros. Te­
ve alli por condiscipulo o Sobrinho de seu Mes­
tre Manocl Pereira Pegado , que desenhava
bem , e chegou a fazer boas cópias.
Pedro Alexandrino teve grandes desejos
ele ir �Roma, mas não o conseguio : scnclo
porêm visinho, e amigo de A ndré Gonçalves
pndemos dizer que deveo a elle, e ao seu natu­
ra! cng-cnho os progressos que fez. Pintou com
admiravcl facilidade a olco, a tempera, a fres­
co : em erande, e em pequeno, por estampas,
pelo natural, e de prática. Fez muitos painejs
[ HH ]
em carruagens ricas , com Genios , beoses, e
Deosas da Fabula, verdadeiramente encanta­
dores ; e huma dellas foi mandada de presen­
te ao Rei de �farrocos. Pintou com igual gra­
ça a tempera , pannos de ornar casas , e es(a­
tuas , e quadros nos Theatros. Até hum cer(o
tempo julgava-se que os seus talentos erão li-­
n1itados a objectos de galantaria ; e para os
paineis grandes lhes preferiào Ignacio de Oli­
veira , o Negreiros, o Roque, o Rocha , e
0 Bruno ; mas quando por 1778 fez o grandis­
sim o <1 uael ro do Salvador elo lVIundo, para a Sé,
tu do o mais ficou de parte.
Ainq.a que conhecesse o grande crédito
que tinha, fazia todos os esforços pai·a agrn­
dar , hi ndo a tect.os, e a toda a parte aon<le
achava que fazer , e não r�jeitava cousa algu­
ma por barata que fosse ; seguindo nesta par­
te o systema de Bento Coelho. Nós o vimos
começar hum grandíssimo quadro no tect.o de
l1 urna Igrej a , pela pequena cabecinha de hum
Ser afim, e proseguilo até o fim , sem precisar
torn ar atrás para corrccção , affinação , ou ac­
cordo; cousa verdadeiramente rara; tnas que
foi causa de que o seu colorido muitas vezes
desm aiasse com o tempo por pouco empastado.
Iríamos muito, e muito Jong-e se quizesse­
znos indicar todos os quadros que foz , e só
óbservaremos que assim como não ha Igreja
anti ga aonde senão ache alguma cousa ele Ben-
[ l!?'Z ]
to Coelho , assim niio ha Templo , ou Conven­
to moderno aonde senão encontrem muitas cou­
sas de Pcdró Alexandrino. Por divertimento ,
para adorno da sua casa, pintou alguns lindis­
simos e preciosos quadros de flores, e fructos.
Foi hum dos Dire-ctores da Academia do 1tÚ
na rua dos Camillos. Os seus discipulos sào
José Antonio Parocli , seu cunhado. Vasco Jo­
sé Yicira , e hum certo Theodoro , que se ap­
plicou ás miniaturas, e morreo moço. .Joaquim
Jo;;t' ele S. Payo , ajudou a pintar varias cou­
sas dirigidas por seu Mestre: inclinou-se para
o concerto ele paineis, e tem retocado muitos.
He l\le�tre de seu filho José Ignacio de S.
Payo, o qual se applica ao g-enero historico ,
e ao elo-. rei ratos, como se applicou seu Avô
i\1igucl A ntonio. Henrique José da Sifra nas­
ceo t.unbem em Lisboa em 1772. Estudou o
<k:senho lH\ .\ ula Regia por ;, mrnos depois com
o Rocha., e tt·es com Eleuterio ManocJ de Bar­
ros , que lhe succe<leo , cm 1790 passou para
a escola de Pedro Alexandrino, que frequen­
tou por alg·uns annos. Tem pintado muito nos
Thcn.tros , e feito teclos, e paredes a fresco
com figuras ,. e ornatos. Tem igualmente exe­
cutado não só quadros de cavalete a oleo, mas
t.amhcm alguns para Oratorios, e para Igrejas,
jmitando <-'ln todos o agTadavcl estylo de seu
l\icsl.re. Tambem tem foito retratos, &.c. Em
18 HI passou ao Rio de Janeiro. Felisberto An­
tonio Botelho.
[ H.?3 ]
Pedro Alexandrino pintou até aos uHimos
dias da sua vida, que se terminou em 27 tle
Janeiro de 1810· com 80 annos de idade. Jaz
na Igreja de S. José sem epitafio � segundo o
uso do paiz. O seu reira.to , pintado por elle
mesmo pelos annos 1775 existe na collecção de
Borba.

BRUNO JosE' no VALLE.

Teve grande genio para a Pintura , mas


p ouca vontade de se applicar a elb , e vindo
a ser socio de João Gomes Varella na Empre-
za do Theatro uo Bairro AHo, pelo que tocou
eni dote a sua mulher , pôz de parte os pin­
ceis , e não tornou a usar dellcs senão quando
a urgencia o obrigou a isso. Competia com Pe­
dro Alexandrino, e até aos annos 1762 davão-
lhe a pcrferencü, , porque no tecto da escada
da Fundição, o Pedro, e o Rerardo íizerão nos
lados as 4 partes do Mundo, e ellc fez o gran-
de quadro do meio. Continuou depois com a
casa das pistolas , aonde c0lorio outros paineis
ª!�egoricos. Para Santa Isabel pintou S. Sebas­
tia: o, copia em parte da .estampa do Dornini­
chino. A figura do Santo tirada pelo natural
Ilà'.o foi muito feliz , faltando-lhe aquella cle­
gancia, e fidalguia, que se costuma dar a es-
te Santo. He tambem seu o quadro da Capella
( rn4 ]
l\iór da Trindade , o da Sagrada Familia na.
Sacristia de Santo Antonio da Sé , e os da Pie­
dade , e S. Miguel n a Conceição dos Freires.
Ao Duque de Cadaval de quem era Compadre
pintou grandemente duas riquissimas carrua­
g·ens. Imitava seu Mestre José da Costa Ne­
greiros , mas tinha mais fogo, mais força , e
menos suavidade. Teve genio mui s uperior pa­
ra os retratos, e na Fundi�ão por divertimen­
to retratou Antonio Caetano , e José Carvalho ,
ambos Pintores bons, o 1 .º de ornatos, e o Q . 0
de flores , e fez duas cabeças de grande Mes­
tre com iodo o requisito de bem parecidas,
sem a timidez ordinaria em obras desta natu­
reza. Faleceo em Lisboa s ua patria pelos an­
nos 1780 andando por meia idade. Teve por
dis cipulos Manoel Antonio; e seus I rmãos An­
tonio José do Valle , e Anastacio José doVal­
le , e Francisco de Setubal.

FRANCISCO DE SETUBAL,

Era natural de Valença do Minho. Dese­


java muito passar por doudo, e não conhecia
que o era : o seu nome era Francisco José, a
q11e elle acrescentava ás vezes o apelido de Ro­
cha, e �is vezes de Máo gcnio. O de Setubal
foi-lhe dado pelo vulgo , porque vivêra alguns
[ Uá ]
annos naquella Villa p a ra onde foi por 1767.
A natureza lhe tinha dado bastante talento m a ­
terial, junto com hum g-enio dos mais extrava •
gantes. Não reconhecia por amig·os senão aquel­
les que o clevavão a p a r de Rafael, ou mais
aci m a , e precipitavão Lodos os outros nos abis­
mos da ignora ncia. Recebi a hoje a visita de
algum com muitos abraços , insta ndo que a
repetisse muitas vezes, e no outro dia dizia­
lhe elle mesmo que não esta v a em casa. Odia ­
va mortalmente a lição dos Livros, e aqueHes
que lhe fallavão em preceitos da Arte. Qua n­
do queria fazer hurna composição, buscava na
fantazia, ou n a s su a s estamp a s, não o que era
mais ncccssario e conveniente, mas o que lhe
parecia mais bonito , ou mais extraordinario.
Tendo visto n'huma estampa da Ca ridade Ro­
n1ana, a quelles dous Soldados que a espreitào,
e se admirão do a mor com que clla a limenta.
seu velho p a e com o proprio leite , parecerão­
lhe tão bonitos, que os foi pôr em hum painel
de J udith, admira ndo a intrepidez com que
cort..1.nt a cabeça <le Holofernes. O qua dro fi­
cou lindíssimo, e todos os que tinhão vista
agu d a , e entendimento rombo gostárão muito
del!e. Amava a s d a nça s altas, e a s mascar a ­
das, e por isso levou comsigo a Sctu b a l o Anas­
tacio , que o ajudava na Pintura, e o ensin a ­
"ª a danc a r : alli fizerão amisade com Antonio
Dias Ca1·�ilho, Boticario , e Pintor de flores ,
R
[ 126 ]
&e. Tornando a Lisboa por 77 deo-se a pinlar
pannos a tempera , huns de figuras, outros de
marinhas , cousa , que lhe produzio sommas
avultadas. Pintava tambem paineis de cavalle­
te , de flores, luares , fógos , marinhas , &e. e
ornou com muitos delles hum gabinete no pa­
lacio de João Ferreira , cujos Ledos tambem
elle dirigio, sendo os desenhos de Eleuterio
Manoel de Barros. Nesta obra o njudárão Do- ·
mingos Antonio de Sequeira que era então seu
discípulo , Jeronymo de Andrade , Francisco
Gomes , e outros. Em 1780 concorrco para a
Academia de S. José•, e cm 86 teve lugar en­
tre os Directores da. que se fazia na rua dos
Camillos. Tendo dado principio ao tecto do
Picadeiro Regio em Belém , adoeceo grave­
mente por excessos , dizem , de intemperan­
ça , e foi morrer nas Caldas em 179� tendo M>
ai.mos de i da de.
Nos Templos tem o Naufragio da náo Aju�
da na Sacristia da Penha. Em S. João da Pra­
ca repintou a tempera o painel do tecto do Jfa:.
ptismo de Jesus Christo, e dous nas paredes,
pintados primeiro a fresco pelo Figueiredo. Xa
Sacristia da Encarnação fez as'cnbeças de dous
Evangelistas , cujos corpos pintou João Tho­
maz , tambem pintou a Senhora da Conceição
em hmna Capella interior na Trindade , e ou­
tra Senhora tambem em Capella no Claustro
de S. Francisco , e alg·uns mais.
[ I Q7 ]
Francisco José, seu collega na obra do Pi-.
c:ideirn, ficou continuando-a com Joaquim José
Bugre, por tempo de oito annos. He natural da
Villa da Chamusca onde nasceo em 1750. Creou­
se porêm nesta Capital, e tem aqui pintado mui­
tos paineis grandes, e de cavallete. Ha obras
suas em S. Pedro em Alcantara, na Igreja das
Bernardas á Esperança, em- S. Caetano, em Ri­
lhafoles, &e. Foi seu Mestre o P. Manoel José,
natural da Covilhã, o qual professou em San ta
Cruz de Coimbra; e vindo para Lisboa aperfei­
çoou-se na Escola André Goni;alves, e pintou
8 paineis que estão na Capella l\1ór de S. Vi­
cent e , com passagens da Vida do mesmo San­
to , e das de S. Sebastião , S. Theotonio , e
Santo Agostinho. Tambem he seu o da Con­
ceição ( copia de Conca ) , que está na Cape]..
la do Santíssimo. Joaquim José , chamado o
Bugre, porque , tendo cabello louro , e olhos
azues, parecia estrangeiro, pintava muito bem
ornato s : morreo em 1819 contando 70 e tan­
tos annos.

JERONYMO DE BARROS FERREIRA.

Nasceo em Guimarães em 3 de Setembro


de 17 50 , mas viveo em Lisboa aonde estudou
a Arte com Miguel Antonio do Amaral. Quan­
do Pedro Alexandrino hia dejxando as pintu-
R 12
[ma]
ras de seges para fazer cousas maióre s , elle o
supprio naquclle gencro de trabalhos com boa
acceitação , e ç,olorindo bem os me.ninos , os
Deoses da fabula, e as Virtudes, &c. Tam.
bem se applicou aos ornamentos, aos retratos ,
bambochatas , e g·ravnras de agua forte; e
neste ramo foi o primeiro Mestre de Gregorio.
Franco de Queiroz. Era dado á lição dos Li•
vros, e traduzio do Italiano a Arte da Pintura
de Mr. Fuduresnoy, que se imprimio na offici•
na do Arco de Cego em 1301, Tambem des�
crcveo hum tecto pintado por elle na. casa de
Nisa. Os seus paineis publicos vem a ser, o
do teclo da CapelJa Mór das Trinas do Rato ,
o de Santa Brigida na Fregueiia do Lumiar,
algumas figuras no teclo da I,.ivraria de S. Do.
mingos &e. Morreo em Lisboa em ao de Ou•
iubro de 1803. A sua Viuva conservava o seu
retrato feito por elle 1nesmo, Concorreo á Aca.
demia de S. José , e alli conduzio hum.a nou­
te José Basilio da Gama seu <liscipulo de de­
senho , Brazileiro famoso que está em Offici<).l
da Secretaria de Estado, o qual desenhou hum
acto que deixou ficar na Salla,
[ U9 ]

JosE' 'fHRONO.

N a sceo em Turin em 1739 , e descendia


de huma familia illustre da Cidade de Cumes.
Foi discípulo de seu Pae Alexandre Throno ,
de quem conservava excellentes qua dros, pin­
t a dos alguns no estylo de Solimena , outros no
gosto de Vouet. Já a dianta do passou a Rom a ,
aonde esteve m a is de 7 a nnos pintando retra­
tos a oleo, e em minia tura . Foi i a mbem a Na­
poles , e a lli , depois de retratar a m a ior parte
da Corte em p aineis de meia , de lmm a , e de
m uit a s figuras, retr a tou por fim a Fa milia Real.
Em todo este giro g a stou iO annos.
Tornando á Pa tria em 178!2 fez. os retra­
tos d a s Pessoas Reaes , e foi acceito Pintor
de Victor Amadeo, com modica penção , e
obr a s p a g as. Neste tempo José Pereira de S.
Thiago Enc a rregado dos Negocios em Roma ,
e José Agostinho de Sousa Secreta rio de Jos!l
de Sá , tiverão em Rom a ordem da nossa Cor­
te p a r a ajustarem hum Pintor retr atista, e di­
rigirão-se a ).\,fr. M a rron, Alemão , genro de
M:engs, homem famosissimo n a queHe gcnero ,
o qual pedio o mesmo s a l a rio que o 8enhor D.
José- I. 0 h a via d a do a Gesi>ielli , e a Cafarclli
(36 mil cruzados cada anno.) P a rercndo-lhes o
[ 1 30]
preço exorbitante escreverão ao Throno; e D.
Rodrigo de Sousa Coutinho que estava então
Em baxaclor em Turin , acabou ele fazer o ajus­
te. Elle tinha alli bens seus , e herdades ; e
dispondo de tudo o melhor que pôde , passou
a Lisboa em 178[) e fez muitos retratos das
Pessoas Reaes. Pelo do Principe D. José re­
cebeo da Princeza sua Esposa, em huma caixa,
generosa gratificação.
Em 1783 , aportando casualmente nesta
Capital F. Hickey Retratista Ingfoz , que lua
para as Indias Ol'ientaes , demorou-se aqui
hum anno , e lucrou mil moedas nos retratos
que fez de Pori, Devisme, e outros commer­
ciantes , e Fi dalgos , e por fim retratou tam­
bem a Senhora Rainha D. Maria em meio cor­
po , de que ha estampas abertas por Gaspar
Fróes Ma.chado. Throno copiou a cabeça para
o retraio que fez de ce>rpo inteiro <la mesma
Senhora. Tambem retratou a Família Real no
painel da Conccic�o para a Capella Mór da
Bcmposta em 1793. Alêm dos retratos tinh•
feito, tanto cm miniaturas , como a oleo , pri­
morosas copias de Rafael , Ticiano, e outros
Authores , algumas das quaes forão fielmente
recopia.das por D. Maria Leonor Rouks. Como
esta illustre Lisbonense he tão celebrada pelos
se_u s talentos pictoricos diremos dclla que pe­
los i-urnos 1778 contando 13 <le idade, e mo­
rando -na Quinta dos Aciprestes, succedeo,
[ 131)
que Faustino José Rodrjgues seu visinho, que
frequentava a Aula da Escullura , levou alli
hum dos seus desenhos, que clla facilmente
copiou com huma penna <le Japis. Assim co­
meçou a curiosidade que foi proseguindo mais
reg·ularmente com aproveitamento prodjgioso.
Passou ao estudo <los gêços , e depois ao de
copiar pinturas , sempre dirigi da pelo mesmo
Mestre. Seus paes mudáxão de casa para o Bai l'­
ro ali.o, aonde e1la copiou seis esbocetos de
Corrado. Pelos annos 1780 chegou de Ingla­
terra Mr. Servang, que fez o seu retrato , e
lhe ensinou a pôr a palheta para retratar. Re­
tratou elle tambem alguns Fidalgcs , e Nego­
ciantes, o Author destas memorias, bum Bis­
po em S. Domingos, e finalmente a Senhora
Princeza do Brazil. Tambc>m era paisista, e
pintou hum bosque po 'f l1Catro do Salitre cm
l78tJ.
Vi,,ia com ellc Mathcus Doret natural <le
Lião, bom Canteiro, e Desenhador de figu­
ras , e ornatos , o qual esculpio em pedra cer­
tos florões no Palacio de Alpriate, frequentou
a Academia do nú, e copiou em grande o pai­
nel de S. Carlos do Lorelo , cuja copia sen­
do o!ferecida. ao Senhor Rei D. Pedro, este
a deo aos Padres de S. C'amillo que a collocá­
rã o na sua lgTeja. Dirigio depois o arco de
triunfo , e toda a decoração do Palacio do Ro­
cio pelo casamento de Sua Magest�de, cujos
[ 1 "3 � ]
desenhos erão de Thimoteo Verdier. Retirou­
se passando por C'.,oimbra, e foi tambem allí
occupa<lo pelo Bispo em objectos de Pintura ,
e Architectura. Servang- foi daqui parn Cadiz
aonde morreo. Erão amigos cle Nicoláo Rou­
lhs , grande amador das Artes tendo conheci­
mentos praiicos da Archi tectura , e Musica ,
e todos frequentavão a casa da nossa Heroína
como admiradores dos seus talentos; o que
tarnbem fazião o Author destas Memorias, Ma­
noel da Costa, o Desembargador Geraldes , e
outros Artistas, e Estimadores da Pintura.
Excederíamos a brevidade que temos se­
guido, se quizessemos dizer quantas obra� sa­
hfrão dos seus pinceis , muitas das quaes or­
nã.o a sála , e gabinetes da sua casa : na de
Geraldes havião 14 ou 15 paineis seus, alguns
dos quaes passárão por sua morte para casa de
Bandeira. Na de Franco á Annunciada está a
Santa l\fal'ia Magdalena , que he bellissima.
Fez em chapa de cobre por estampa de Rafael
a Cêa do Senhor para o Convento da Santa
Cmz na Serra de Cintra , e muitas outras cou­
sas. Em tanto hia ensinando sua irmã Marga­
rida Theotonia (1), que nasceo em 1i, de quem
tambem temos hum a linda Magdalena, hurna

(l) Nesta obra temos suprimido muitas vezes os dons.


por brevidade, e por evitar fastidiosas repetições.

,.
[ 133 ]
Sibila , Lucrecia , e outras cousas muito bem
executadas.
Em 1787 , tendo �i annos casou com o já
tnencionado Roulks Visconsul da Hollanda , e
de outras Nações do Norte , e começou a ser
doente, de sorle que poucas mais pinturas
fez ; vive felizmente. Throno quiz em 1808 re­
tirar-se para a sua Patria ; mas achando em­
baraçada a passagem da Hespanha retrocedeo,
e acabou aqui os seus dias em 1810. Nicoláo
Rculks , foi hum dos seus Testament.eiros. Ha
em Italiano alg·uns elogios impressos feitos a
elle , a. sua Mãe Thereza Grassi, e a seus Ir­
tnã'.os que ta.mbem erão Pintores.

A JoANNA no SALITRE.

Assim chamava o vulgo a huma Pintora


Lisbonense, que morava no Salitre, e foi bas­
tante applaudida no seu tempo. Era Irmã do
M3:jor José Antonio Monteiro de Carvalho, cha­
Inarlo o bota abaixo, porque inspeccionava so­
bre as barracas que se devião demolir. Foi ca­
sada duas vezes a I. ª com hum homem de cer­
ta idade, que possuia hum pequeno morga­
do , ou capella, e a !1.?.ª com hum soldado, ou
0fficial inferior. O seu verdadeiro nome era

D. Joanna Ignacia. Fez retratos, e paineis


s
[ 131, J
pequeno$ para Terços, e Capcllas de Igrejas,
principalmente para as Pro,·incias. O seu es­
tylo sem ser bom , he toleravcl attcndcndo ao
seu sexo. Existem <lella , n a G:,nc(;içáo velha
o painel da Senhora da Pureza , pintado em
1770 , alguns re1 ratos em Oeiras ( l) , e outras
cousas. Teve lições, dizem , de André Gon­
çalves.

lW.ANOEL DE l\fATTOS.

Vio a. luz no Sardoal cm 1750. Seus Paes,


que o dcstinavào para o Estado Ecclesiastico
lhe m:mcl.írão estudar o Latim , e o Francez ;
mas sentindo em si muita inclinação para as
boas Arles ,·eio a Lisboa cm I 7<i8 , e em S.
Bento estudou Elementos de Euclides com Fi­
lippe Rodrigues. Dous annos depois passou
para o laboratorio elo Escultor Joaquim Ber­
nardo Gnlinhn , aonde fez em barro , de idéa
sua , o Triunfo da Conceição , em .figuras só­
mente esboçadas. Para os estudos da Pin1 ura,
frequentou a Casa de Rocha, e a de !\liguei

(I) Fez pari\ Oevra� o, Retr:itos ele Paulo de Carvalho,


• e Francisco Xavier : e ne�.,a or<'asiiio obteYe baixa para o
Marido. Morreo de 70 annos pouco mais ou menos.
[ 135 ]
Antonio , de quem foi Discípulo. Pelos annos
1784 transportou-se á Bahia aonde fez paineis
de Ig·r�jà, frutciros com as producções do paiz,
e retratos. Retratou a l\1arquez a de Valença, e
D. Rodrigo de Menezes que succcdeo naquel­
Je Go,,erqo a D. A ffonso Marquez de Valença.
Fez 't.ambem hum quadro de família com 8 ou
9 figuras. Voltou a esta Côrte em 1791 aonde
não foi muito feliz. O seu modo de pintar era
bastante duro, e desagradavel, cheio de gran­
des escuros, e grandes claros , sem meias tin­
tas sufficientes. Vivia solitario; e no seu tra­
jo se assemelhava a hum Filosofo , ou antes a
hum Misantropo. Faleceo em 1718.

JoÃo CLAMA STREBEL ou STRABILE'.

Sabemos , pelo ter ouvido dizer a pessoas


antigas em a nossa adolescencia, que entre os
Cre ados que acompanh:frão a Lisboa a Senho­
ra R ainha D. l\iJarianna rle Austria viera hum
A lemão chamado João Armando Clama, o qual
casou aqui , e teve hum filho que se applicou
á Pintura, e foi depois a Roma pensionado
Por seu Pae; mas morrendo este , sua Mãe
conseguio dos Alemães estabelecidos nesta
C'ôrte , a continuação das mezadas para elle
Püder acabar os seus estudos.
[ 136 ]
João Clam a , que julgamos ser o mesmo
de que se traia, fez alli progressos, e ganhou
Jrnm 1 .0 premio no concurso da A ca<lemia ;
sendo o a s·sumplo a morte dos Ma cLabêos. O
seu desenho hc feito a lapis vermelho no e::.ty­
)o do Benefi a lP.
R eslituido �\ Patria recommendou-se a o
n0sso Vieira Lisbonense para o introduzir na
C'ôrte ; m a s não tendo hum prompto effeito a
sua pertcnção, partio para o Porto a onde teve
sempre grande crédito. Entre os seus discípulos
distinguia-se Francisco Vieira Portuense.

Ü 'fHRONO PEQUENO.

Assim ch a m a o vulgo a Bern ardino G a ­


glia rdini de Voucar , Italia no , Pintor de re­
tra tos , Discipulo ele José Throno. Veio p a ra
Lisboa pelos annos 178ó ten<lo de idade 2á
annos. Te-m retra tado em miniatura to,l a a F a ­
n,ili a Re:11 , e grande niímero de Senhora s da
Corte. Tamhem fez a oleo , e cm gra nde, os
retratos dos Palrin rchns para a Cam a ra Ecclc­
siastica , e o do General D. Antonio de Noro­
nha.
[ 137 ]

DOMINGOS PELLEGRINJ,

Nasceo em Veneza em 1764,. Aprendeo a


desenhar na Galeria de Farsete , homem no­
bre , e bom conhecedor, que tinha grande col­
lecção de quadros originaes , gêços do Antigo,
etc. e deixava copiar tudo. Passou dep1 is pa­
ra a Escola de hum certo Galina, gue deixou
de pressa por não ser boa. Couduzio-se a Roma
em 8 !) , e não qniz ser Discipulo de Domingus
Corvi , ainda que muito acredit.ado em dese­
nho, e composiçào , porque o seu colorido não
lhe agradou. Quatro annos depois passou a Pa­
rís donde regressou a Veneza, e de I,í. fui a
Londres aonde não fez grandes interesses. Tot·­
nou a París para cQnhecer DaviJ , e nellc lhe
pareceo achar mais sabedoria que genio. Visi­
tou a LeBrun, famoso Retratista, que no me­
rito igualava , dizia elle, Luiz Vanló o . inda
que o seu estylo fosse differente : encontrou
alli o seu Patricio A ntonio Canova. Voltou se­
tnnda vez a L<indres onde fez varias compo­
si�ões , grava<lfls pelos Schiavenf>ii , ( dous Ir­
lnÃos Venesianos ) , e por outros; nessa occa­
siào retratou n Familia <loMarquez de Be!las.
Veio a. Lisboa em 1 803 onde fez g·ran<le
núm ero da retrates, sendo o mdhor o d' E!Rei
[ 138 J
o Senhor D. João VI. que foi gravado por Bar­
tolozzi. Pelas Viagens hia pintando hum qua­
dro de V cnus , e Adonis; que possuio o Se­
crntario d'Estado Araujo , depois Conde da
Barca. Em 18 LO sahio de Lisboa por ordem
do Governo na fragata Amazona , com Urbino
Pizzete , Pintor Piemontez, e outros muitos
que se fizcrão suspeitos ao Governo , e de lá
n a Lavinia regressou pela terceira vez a In­
glaterra , com os seus cabedaes que erão avul­
tados.

FELISBERTO ÁNTONIO BoTELHO.

He natural de Lisboa aonde nascco em 1760.


Estudou a Arte na Escola do Pedro Alexan­
drino , e tem pintado a olco, a tem pera , e a
fresco , par� os Gabinetes , Theatros , e Ig-re­
jas. Fez o painel da Cêa de QO palmos para o
refcitorio dos Padres Cruzios nos Suburbios de
Lima. O da Conceição <le 14 palmos para hu­
ma Ermida nas Praias. O quadro do Jordão
para a Freguezia do Sacramento. A Senhora
de l\'.Ionserrate, e Santo Anto1íio para outra
Ermida no termo d' Almada. A Senhora da-s
Dôres para outra pequena Igreja. Em 1806 pin­
tou todas as figuras , tanto as coloridas como.
as de claro-escuro no tecto chamado do Costa
no Paço de Nossa Senhora da Ajuda. ,
[ 139 ]
N a Ermida d a s Mercês , junto a Carnide
tem o painel da mesma invocação , outros <la
vida de Nossa Senhora , e alguns com Anjos.
São lambem producçcies do seu engenho os de
Nossa Senhora , e do Santissimo Nome de Je­
sus , que se venerio na Freguezia de Odi vel­
las.
Começou a estudar a Pintura em 1776 , e
proseguio sem interrupção até 1 808 , sendo a
ultima obra que fez o Retrato de Sua M,1gcs­
tade , então Principe Reg·ente. Depois diss o ,
a ch a ndo-se falto de vista , só tem dirigido al­
g·umas cousas executadas por seu filho e Dis�
cipu lo , Antonio José Faustino Botelho.

FRANCISCO VIEIRA PORTUENSE.

Principiou a cultivar a Arte d a Pintura


na Cidade do Porlo sua Patri a , e applicou-se
á figura, e aos paizes. Neste genero teve por
Mestre seu mesmo Pac Domin,1.sos Francisco
Vieira , que era droguista , e tambem Pintor
de paizagens , e imitava o estylo de Pilement,
depois que alli esteve peles annos 8:i.!. Joiw Gla­
rna foi seu Mesfre na figura. Tendo f._i1o pro­
gress os, conseguia da Companhi a do Alio Dou­
ro em 89 huma pensão de 300 $ rs. para �e ir
aperfeiçoar em Roma , e alli elegeo por l\1es-
[ 14,0]
tre Doming0s Corvi, desenhador correcto, mas
frio no colorido; e escolheria melhor se hou­
vesse então mesmo alli em Roma, aonde es­
colher. Em 9 1 ganhou hum 1 . 0 premio em rou­
pas , sendo Director Vicente Pacceli , Escul­
tor Romano. Fez depois a viagem de Parma
para estudar o colorido do Corregio : alli foi
recebido naquella Capital ·entre os Directores
de Academia , deo lições de desenho a huma
das filhas do Duque , e copiou a famosa Ma­
g·dalena , cuja cópia possuio depois Luiz Pin­
to Balsemão. Em 94 volt.ou para Roma donde
tornon a sahir. ires annos depois com Bartholo­
mco Callist.o. Girárão parle da Alemanha , e
separárão-se em Dresda aonde Vieira ficou co­
piando muitas cousas daquella famosa Galaria.
De lá passou a Hamburgo , e a Londres. Na­
quclb. Cidade fez grande amizade com Bart.o­
lozii , retratou-o , e começou a gravar a agua
forte huma grande, e laboriosa chapa que não
acabou. Pintou o Viriato que foi estampado
pelo mesmo Bartolozzi e o!ferecido ao Principe
Regente de Portugal, EIRei o Senhor D. João VI.
Fez lambem hum quadro grande da Senhora
da Piedade , ou Descimcnto da Cruz para a
Capella do Ministro de Portugal , que era D.
João de Almeida , depois Conde das Galvêas.
Alli casou com huma joven vi uva Italiana, que
tinha avultado dote , e pertencia á familia da­
quellc célebre Gravador , e a conduzio a Lis-
[ 141 ]
boa em 180� , tempo em que se havia publi­
cado a Paz com·a França , por cujo m 0tivo o
Senado fez huma grande festi vi<lado om S. Do­
mi ng-os, aonde appareceo o painel, que lhe foi
positivamente encommenda<lo para essa func­
ção. Representava elle a l\Ionarchia Lusitana
acompanhada de Virtudes , Artes , Fam a , &e.
e tendo pendente sobre o peito o retrato do
Principe Regente.
Convidado pela Companhia dos Vjnhos do
Alto Douro, passou ao Porto para succeder a
Antonio F1·ces Jacomo na direccão da Aca­
demia ., com 600 $ de ordenado.· Em tanto ,
D. João d'Almejda, e o Visconde d'Anadia
representárão a S. A. R. quão subido era o
seu mereciment-0 ; e em virtude desta repre­
sentação foi nomeado por Decreto de 28 de Ju­
nho de l 80� primeiro Pinf.or da Camera com
Q:ooo /$ réis de ordenado , tendo obrigação de
dirigir , e executar juntamente com Dorning-os
Antonio Sequeira seu collega, as pinturas que
se havi:io de fazer no Palacio Real de Nossa
Senhora d'Ajuda. Todos virão os lindos pai­
neis que fez de D. Ignez de Castro , e de ou­
tros assumptos, cuja individuação não cabe na
brevidade destas Memorias. Adoeceo g-rave­
vcm ente 'luando estava fazendo o quadro de
Duarte Pacheco deffendendo o passo de Cam­
bal am em C'.,o chim para a Casa das Descuber­
tas no Paço de Mafra. Os l\'.fodicos o mandá-
T
[ l4Q ]
rão embarcar : foi para a Ilha da Madeira aon­
de chegou, e morreo em 1805 tendo 39 ou 4 0
annos de idade, quando começava a t.it-ar fru­
cto dos penosos frabalhos porque havia passa­
do. Na collecção de Borba ha hum S. Sebas­
tião feito por elle. Não sabemos dizer se a:1
poucas cousas que deixou nos servem de re­
creio quando as vemos, pela graça com que
são feitas, ou de mágoa pela renovação da sau­
dade , que temos do seu Author. A sua Viu­
va ficou rica; e passou a 3.ª5 nupcias com hum
Militar lnglez, e parece, que desgraçadamen­
te cooperou para a morte que desejava , em
1817.
A Cidade do Porto tem produzido cm to­
dos os tempos bons Artistas de profissão, e de
curiosidade de ambos os Sexos; e aproveitamos
com gosto esta occasião , para dizermos neste
particular o pouco de que temos noticia.
D.Rernnrda Ferreira de Lacel'<la, chamada
a Decima Mus a , era filha do Chancelle1· Mór
do Reino, e versada em Jinguas sabias, e vul­
gares. Não teve na Hespanha quem a igualas­
se , dizem , na Arte de hem escrever e debu­
xar á pennn. Tambem compoz entre outras
ohras em verso e prosa " a Hesprmha b'herta­
da ,, a qne Lopo da Vega no seu Laurel de
Apollo, diz "
[ 143 ]

Se pudiera tener la Fama aug·mento ,


Y gloria Lusitana ,
Dona Bernarda de Ferreira fuera.
Acuyo Portuguez entenclimiento
Y pluma caa<,ellanª'
La Hespanhà libertada Hespanha deve.

Acabou a sua gloriosa carreira em Lisboa


no 1.º de Outubro de 16-1,5.
Jorge da Camara filho do Commendador
1\fo.rtim Gonçalves da Camara , abraçou o es­
t ado ecclcsiastico, em bem instr'uido , e pin­
ta,,a , e <lebuxava muito bem : tambem fez
poesias , que não teve tempo de publicar, por
q ue rnorreo quando tratava de as dar ao prélo,
em Hi49.
Isabel l\faria Rita , filha de Francisco Pe­
querin , Ing·lez , baptizada na Freguezia de S.
Nicolúo, foi por simples curiosidade excellente
Pintora de miniaturas. Floreceo no ultimo século.
Isabel Broune , filha de Duarte Pequerin,
casada com o l\fodico Pedro Broune, fazia bem
os retratos a oleo : era nascida em fog·laterra,
1nas estava como naturalizada no Porto desde
o principio do século 18.
Luzia Maria Rosa, que vivia tarnbem por
nquelles tempos fez publica profissão da Pin­
tura , mas não sabemos quacs fossem os seus
talentos.
[ 141 ]
?oaquim Rafael , discípulo dos Vieiras ,
tem paineis em S. Crispim, n a L a pa .., e em
outras Igrejas , e Palacios. Tambem tem fei­
to scenarios no Theatro.
Luiz Augusto Corrêa Lea l , foi discipulo
de Francisco Vieira, Theodoro de Sousa Maldo­
na.<lo , Doutor em l\fathematicas , desenhava
á penna , e pintava de miniatura : fioreceo no
fim do passado século.
Domingos Teixeira , Pintor Theatral e
Maquinista, foi pae de José Teixeira Barreto,
de quem adiante faremos menção.

BARTHOLOMEU ANTONIO CALISTO.

Natural de Lisboa, aprendeo a desenhar


na Aula Regia, dirigida por Joaquim l\fanoel
da Rocha, e depois foi para Roma com outros
pensionados da Aula do Castello , aonde foi
discípulo de Labruzzi. Sahio dalli em 97 com
· Fr:mcisco Vieira de quem se separou em Dres-­
da, para ir a Hamburgo embarcar para Lisboa.
Neste transito foi ionrn.do pelos Fra ncezes, que
o 1iverão prezo em Nantes por tempo de trcs
mezes. Logo que o soltarfío partia por terra
para Lisboa , ·a0nde chegou no fün do mesmo
anno. Em Abril de 803 , havendo-se detruni­
nado a pintura no Palacio de Nossa Senhora
[ 14ó ]
d' Ajuda, que devia ser dirigida , e executada
na parte mais essenci al, por Domingos Anto­
nio de Sequeira , e Francisco Vieira Portoen­
se, Ordenou Sua Alteza Real que fossem ad­
mitidos mais ires Pintores de Historia como
seus Ajudantes, e que serião escolhidos d'en­
tre os que tínhão estudado cm Roma. Estes
lug ares se puzerào a concurso, deixando o mes...
lllo Senhor ao arbítrio dos dous Directores a
escolha , e o órdcnado dellcs. Calisto fui ac-•
ceito com 600 $ ooo réis annuaes, e depois da­
quella época tem pi l)tado varios paineis para
adorno deste Regio Palacio, e do de l\Iafra ,
morreo a 9 de Junho de 1821. Jaz n a Ermida
das Dores em Belêm.

A RCANGELO Foscarn1.

Seu Pai Francisco Foschini, Bolonhez ;


Pintor ele Histori a , esiabaleceo-se em Lisboa
aonde acabou a sua cxislencia na idade de 7 1
apno s na de 1805. Em 1 7 7 1 vio a luz seu fi­
l ho, e sendo destinado para os estudos da Ar­
te, começou 1 3 annos depois a estudar os pri­
ln eiro s rudimentos della na Aula de que ern
Lente Joaquim l\fancel da Rocha. Em 88 oh- .
t eve a pensão para ir a Roma onde foi disci­
pulo de Labruzzi. Alli ganhou bum premio do
[ 145 ]
nú ; mas tendo invadido os Francezes ttquelles
Estados, partio para Florença , e de lá n o an­
no seguinte , que foi o de 912 , para a Patria
aonde foi acceito para l\fostre do Senhor Infan­
te D. Pedro Carlos com 240 $ 000 réis de pen­
são , moço , e dous cavallos.
No concurso de Abril de 1803 foi recebi­
do com 1: 000 $ de réis de ordenado para se
empregar no Palacio de Nossa Senhora d' Aj u­
da, com as condições já referidas, e tem exe­
cutado varios paineis. He professo na Ordem
de Christo.

JosE' DA CuNHA TABORDA.

Este Pintor nasceo na Villa do Fundão ,


Bispado da Guarda, em �8 de Abril de 1766,
O Desembargador Geraldes , conhecido dos
seus parentes, o recebeo em sua casa em Lis­
boa , e o protegco efficazmente. Frequentou
por b annos a Aula Reg·ia do Desenho , aonde
estudou as figuras , debaixo da disciplina de
Joaquim Manoel da Rocha , e a ArchiLectura
com José da Costa e Silva. Em 88 foi para Ro­
ma como pensionado da casa q.o Castello , go­
vernada pelo Intendente Geral da Policia , e
teve por Mestre de Labruzzy, que o era por en­
tão <lc todos os Pensionados; mas logo que eh�
gou o noYO Ministro de Portugal , junto da
[ i.t7 ]
Santa Sé , D. João de Almeida, lhes deo li­
cença para escolherem Directorcs á sua vou­
tade , e elle escolheo Antonio Cavallucci. O
E1nbaxador retirou-se, e succcdcc-lbc D. Ale­
xandre de Sousa Calhariz , o qual fundou hu­
n1 a sorte de Academia com gêços , nú , li­
nos, e paineis, sendo Direclor della o Poc(a
João Geraldes de Rossi ! cousa singular.
Receando-se em Roma a enlrada dos Fran­
cezes , foi o primeiro que pedia licença para
se retirar, e chegou a Lisboa em Maio de 96
ou 97. Dous annos depois, estabeleceo o In­
tendente no Castello hurnu. nova Escola de Pin­
tura , e elegeo-o para Professor deJla, com bu­
lna gratificação de �oo $ réis annuaes. Os gê­
ços da Academia de Roma, forão conduzidos a
Lisboa por José Viale: tinhào clles feitos parte
das famosas collecções de Mengs, e de Pickler.
Mandárão-se para a escola do Castello, e por fim
encherão os Francezes com elles alguns cabou­
cos para se fortific arem. Em IS0:3 foi tambem
admittido com Calisto, e Fosquini como Pintor
lleg·io com 700 $ réis. Tem feito varias paineis
e tect os , assim como os seus collegas, para os
Pal acios Reaes, e para o Publico. Entre ós seus
Discipulos , he Discipulas , e assás celebrada
b. Leonor Pilar Perpigna, por saber dar á mi­
niatnra , se;ja no genero bistorico , ou no dos
retratos , a força , o vullo, e suavidade da pin-
. tul'a a oleo. Nesta sorte de. füntura , tem sua,
[ U8 J
Irmãa D. Susana l\'largal'ida Pilar executado
varios paineis bastante delicados. São ambas
nascidas em Lisboa , e filhas do falecido Gas­
pal' BeltL·ão Pilar , bem conhecido nesta Côr­
tc pelo seu Emprego Diplomatico , e pela. boa
collecção quo tinha de cousas raras , e curio­
sas, D. :Maria Arriaga filha, l1.mbem foi sua
discípula , assim como o Vis-Conde da Bahia ,
e o da Lapa , Thimoteo Verdié filho , Norber­
to José Ribeiro, l\Iaximo Paulino do Reis, An­
tonio José Santos, e outros.
Norberto José Ribeiro , natural da Villa
de Alhos Vcdros , teve as primeiras lições de
desenho na Aula do Castello com Antonio Fer­
nandes , e depois com José da Cunha Ta.bor­
da , de quem actualmente hc Ajudante nas
obras do Real Pala.cio <l' Ajuda. Na Casa do
Despacho da I rmandade do Bent.inho existe
hum painel de sua mão , que representa D.
Nuno Alves Pereirn en tregando o Convento
aos Religiosos.

DOMINGOS ANTONIO DE SEQUEIRA.

Em Belêm , Regio , e soberbo arrabalde


da famosa Lisboa , teve o seu nascimento Do·
ming-os \. ntonio <le pais , humildes sim , :po-­
rêm honrados ; tendo isto de commum co.Jll
( U9 )
0
:Xisto 5. , e Maximino, para ter como elles· a
gloria de vir a ser, nào hum Papa, ou Impe­
rador; mas hum Pintor muito illustre, e ter a
honra de empregar dignamente os seus talen­
tos no serviço de hum Rei tal corno o S0nhor
D. João VI.
Foi Sequeira hum dos primeiros , que fre­
qtten tárão a A ula Regia do Desenho, aberta
em 1781 , e no decurso de ::, annos ganhou al­
gun s premias. Depois esteve aprendendo a Pin­
tar com Francisco de Setubal, e ajudou-o a
fazer alguns tectos no Palacio de João Ferrei­
ra, rico çapateiro , mercador de couro, e sóla.
Protegido pelos Senhores Marialvas obteve hu­
llla pensão de 300 I rs. paga pelo bolcinho pa­
ra estudar em Roma aonde chegou em 88 , e
elegeo para seus mestres Cavalluci , e la Pico­
la. Em 9 1 obteve hum primeiro premio da Aca­
demia, sendo o assumpto, o Milagre dos pães
e peixes. Em 94 foi recebido Academico de
lllerito, e deo a Deg·olação do Baptista por
Jleça de recepção. Pintou alli dous tectos , a.
Batalha do Campo de Ourique, e o painel mui­
to grande para o Intendente. Perlustrou parte
da Italia em alguns mezes , e regressou á Pa­
tria em Abril de 96.
Chegado a Lisboa visitou Pedro Alexan­
d rino, e Cyrillo ; e lastimou-se do abatimento
da Arte, propondo que se unissem todos para
a exaltar , dando-lhe mais estimação , e maior
V
[ 150 J
,,ator ;1s obras. Tinha toda a razão ; mas· quem
pó.le fazer mudar de repente hum antigo cos-.
tumc? Elle mesmo o experimentou. O Conde
de Vai do Reis recusou dai·-lhe 1 $ m oedas que
exigia por 10 baialbas para huma das suas an­
te-aamaras. Todos pertendiào ter alguma obra
do novo Artista, mas adrniravão-se dos preços,
de sorte <]Ue cahindo em melancolia quiz ir
fazer vida eremit.ica na serra de Bussaco , e
por fim foi ser l\lionge na Cartuxa. Parecia hum.
homem já perdido para o século, quando D.
Rodrigo de Souza Coutinho , que o estimava .,
lhe acudi o: fallou nelle a o Príncipe Regente ,
e S. A . R. por Decreto deis de Junho de 1802
o nomeou seu primeiro Pintor da Camara , e
('..ô rte, com �:000 $ rs. sobre os ordenados que
já tinha, com ohrigaçlio de dirigir , e execu­
tar com o seu Collega Francisco Vieirá, a me­
lhor parte das Pinturas do novoPalacio de Nos­
sa Senhora da·'Ajuda.
Em Setembro de 1803 fd àcceito para
Mestre da Serenissima Senhora D. Maria The­
reza , e <lerão-lhe sege , e Habito de Christo.
Tem feito algumas obras para os Palacios Reaes,
e servio Sua Magestade nf\'o só como Pintor ,
mas tamhem dirigio os trahnlhos exquisitcs <la
preciosa ha-xclla que Sua Magestade mandoll
dar a Lord Welling-ton. Em premio tem rece­
bido por vezes honras , e novas pensões para
si :l e sua filha. Teve tambem o BeneJllacito
[ 151 )
Regio para a.rbitrar ordenados Ms seus Disci­
pulos , que erão Joaquim Gregorio Rat o , que
vive empregado n o Palacio Real, Antonio Faus­
tino que morreo em 1818 , e outros.

Jos,ll!' VrALE.

Teve o seu nascimento na rica , vasta , �


bellissima Cidade de Genova. Seu Irmã.o , de
quem dependia, o fez applicar ao Commercio ,
concedendo-lhe hurna parte de cacla dia, para.
estudar o Desenho nos estudos da Academia ,
e na Escola de Carlos José Ratti. Applicou-se
depois a retratar em miniatura, e a limpar, e
retocar paineis a oleo. Vindo a Lisboa pelos
tempus em que Sequeira foi admitido como pri­
meiro Pintor, a seu requerimento tornou á Ha­
lia por ordem da �rte, a fim de escolher a�
Jne]hores tintas , e oleos para a Obra do n ovo
Real Palacio, e de transportar a boa collecção
de gêços da nossa, por então já extincta·, A ca­
demia de Roma. Tendo desempenhado bem a.
sua commissão ficou pensionado da Côrte com
600 $ rs. annuaes como Comprador das tintas
para as Pinturas do novo Palacio Real n o sitio
de Nossa Senhora d' Ajuda.
C'...,omecava a retratar em miniatura a Real
.Familia e� 1807 quando entrárão os France­
v \2
[ ló!! )
zes. Antes disso tinha retratado o Secretario
de Estado Arau�o , depois Conde da Barca , e
feito o retrato do Principe para elle dar ao Em­
baxador de Inglaterra.
No anno de 18�1 aos �7 de Setembro Sua
l\fag-estade Fidelíssima mandou participar, por
via de João Lourenço de Andrade, a José Via­
Je tê-lo nomeado para .Mestre de Desenho, e Pin­
tura de Miniatura do Sereníssimo Senhor In­
•fante D. Sebastiiio, Neto do mesmo Real Se­
nhor , e no dia seguinte a Serenissima Senho­
ra Princeza D. Maria Thereza , Mãe do dito
Serenissimo Senhor Infante , quiz honrar ao
mencionado Viale , dando com elle lição de
Desenho. Aos �3 de Março do anno de 18�!1
começárão tambem a dar lição de Desenho com
o mesmo Via}e as Serenissirnas Senhoras In­
fantas D. Maria da Assumpção , e D. Anna
de Jesms Maria. E no dia 30 de Julho seguin­
te Sua M:i�esl:l.de se dig·nou rnnndar passar ao
referido Viale hnm muito honroso Alvará , no
Qu�l o declara Mestre de Desenho , e Pintura
de Miniatura das Princezas suàs muito Ama-.
das e prezacfas Filhas , como tarnbem do Se­
renissimo Senhor Infante D. Sebastião.

/
( lô3J

Jo1.o CASTAGNOLA..

Era natural de Lisboa , mas filho de Ita­


lianos. Foi para Roma em l 79f> com o Cardeal
Belishome, Nuncio em Lisboa. Aqui tinha si­
do Discipulo de Eleuterio Manoel de Barros ,
na Aula Regia do Desenho ; lá estudou com
José Cadiz , e applicou-se á miniatura.
Quando os Francezes entrárão em Roma
obrigárão a elle e aos seus Collegas, a que,
ou se naturalizassem, e fossem para París , ou
se ausentassem. Elle tomou , assim como to­
dos os mais , este ultimo partido , e chegou a
esta Capital em Novembro de 98.
Em 1806 foi para Madrid com o Emba­
xador Conde da Ega, como Mestre de Dest'nho
de suas filhas, e morrco no anno seguinte con­
tando 3 1 de sua idade.

Lu1z JosE' PEREIRA REZENDE,


.�
A Natureza , esta grande l\iestra do Ca­
l'a'Vagio , do André Escln von io , e do Grimoux ,
taml>em admitio na sua Escola o nosso Pintor
Lisbonense, e lhe ensinou o modo de bem re;
[ 154)
tratar , principalmente em miniatura. O Pú­
blico, que estima as suas obras , paga-as com
bastante liberalidade. Tem pintado ig·ualmen­
te a oleo, e feito quadros historicos. Foi ba­
ptizado na Freguezia dos Reis no Campo gran­
.
d�•

MAXIMO PAULINO ·nos RE1s.

A vida deste Artista he cheia de anecdo-;­


tas curiosas : elle nasceo em Penafiel em 1 781,
e alli viveo alguns annos sem conhecer os seus
pa'rentesJ Por causa de hum incendio o seu
Tutor o transportou para Lisboa, aonde apren­
deo -a desenhar na Aula do Castello com An�
tonio Fernandes Rodrigues , e a pintar de mi­
niatura com José da Cunha Tabor<la. Pelos an­
nos de 180:2 foi para Roma protegido por D.
Alexandre de Souza Holstein , e alli teve por
Mestre o Cavalleiro Gaspar , donde em 1 804·
obteve huma pens:'i'.o do Principe Regente, que
recebeo até o tempo da invasfio dos France­
zes em Roma : em 1 8 H2 pedio hum passapor­
te , e s6 o pôde obter para Tunes; e rcom ef­
feito sahio de Roma em 1 8 1 3 . N o seu transi-
1to teve de arrostar o furor das ondas ., o fogo
das Esquadras inimigas , e mais que tudo o
terrivel aspecto da indigencia, achando sem­
pre na Divina Providencia, por meio da sua
[ 155]
Arte , opportunos soccorros. Regressou finat..
mente a Lisboa aoncle por intercessão do Vis­
conde de Santarem obteve de Sua Magestade
huma pensão de 600 $ rs. para ser emprega­
do como Pintor no Real Palacio de Nossa 8e­
nhora d' Ajuda. Tem pintado varios quadros
grandes , e pequenos , entre os quaes o Re­
trato de Sua Magestade , que está na Casa
Pia, huma degola�o do Baptista , e outn,s.
[ 157 )

P A R T E II.

A acHITECTURA , PINTORES A ncHITECTos , &e.

Breve discu1'So sobre o principio , e pm91·essos


da &rchitectura.

·Esta dicção Architectura · não he menos equi­


-Voca que a Púitura, e os melhores Escriptores
a tem confundido muitas vezes com a arte de
edifi car. Hm:ri ·edificío pódc ter vastidão , ma­
gnificencia, solidez , riqueza de ornamentos ,
e de preciosos matoríaes, boas commodidades,
e muitas outras cousas plausiveis , e admira­
v eis ; mas sernfo ti ver aque!Ja belleza , e , ar­
lnonia , que só os Gregos <los melhores sécu.­
los , e os seus bons imitadores ,lhe souberlio
dar, nunca merecerá o nome ele ArcbH�cµ.ir4,
nem p odendo ella aperfeiçoar..:se- senão por mej,9
X
[ 15 8 ]
da boa Pintura , e Escullur:t , claro está que
havia de começar bastante tarde.
Mas se quizcrmos fazer abstraçã.o das bel­
lezas archi tectoricas diremos , que a orig·em
<lesta Arte , assim como a de suas irmãs , re­
monta até ao pr.incipio do m undo. Adio havia
de edificar hurna casa , Cain fundou a Cidade
oe Henoch. Pouco depois do dj)uvio se cons­
trüio a Torre de Babel , obra que , por di2el­
l o assim , causou assombro ao mesmo Deos.
As Piramides, e Obeliscos do Egypto ; os rni­
Jhares de columnas de grandeza desmarcada ,
qne ainda se achão nas suas ruínas, fazem pas-
1nar os viajantes. Os porticos, os muros de Ba­
bilonia · forão sempre tidos por obras maravi­
lhosas. As ruínas de Persépolis attestão qual
fosse a magnificencia , inda que barbara , dos
antigos PeL·sas : até nos que hoje são desertos
tia 'fartaria se achão restos de soberbos edifi­
cios.
Em quanto á simples, e bella Architectu­
ra podemos ter por certo, qu'c os Gregos a cria­
rifo mais pelos dictames do seu feliz genio apu­
rado com os progressos, que tinhão feito no de­
senho , que pelos monumentos que virão na
-A si a, e no Egypto: iambem não poderião ach_ar
nos exemplares do seu paiz, que erão barracas
'ele madeira, cousa alguma que parecesse digna
de se imitar em hum templo, ou outro edificio
'fia ultima magnificencia e perfeição, senão ii-
( 169 J
vesscm tido a habilidade de transformar o tron­
co de huma arvore em huma elegantíssima co­
lumna, e o madeiramento do teclo em hum
magcstoso fron tão.
Doro Rei <le Achaya , e de iodo o Pelo­
}loneso, levantou , (dizem), hum templo a Juno
na Cidade de Argos, e a ordem que nelle usou,
foi do seu nome chamada Doríca. Elle deo ás
pr�porções desta ordem a força, e robustez de
hum Hercules:
Jon , sahindo de Athcnas com huma co­
lonia foi-se estabelecer naquelJa parte da Asia,
que do seu nome se chamou Jonia , e a nova
ordem cmp1·egada no templo que dedicou a Dia­
na com ornamentos, que na columna, e capi­
tel , parecem mulheris , chamárilo Jonica.
Calimaco celebre Pintor, e Escultor de Co­
rintho inventou alguns séculos depois a ordem
Corinthia <lc incomparavel formosura, e delica­
deza, e estas tres ordens fornecem tudo quan­
t-0 hc nccessario para as decorações, e m esmo
para a soli dez dos bons edificios.
No tempo de Phidias .florecêrão Jetino , e
C'allicrates , e fizerão o famoso templo de Mi­
nerva no Castcllo de Athenas por ordem de Pe­
ric1es que ta4nbe1p era muito sabio em Arcbi­
tectura , e por desénhos seus mandou fazer o
Odeon' especie de TheaUo para divertimentos
do ouvido.
Depois das conquistas de Alexandre, a
x :eZ
( 160]
Arte se aperfeiçoou muito na .t\sia , Egypto ,
e em toda a· parte aonde se est a b a !ecerão os
G regos, como a inda se vê em Alexandria, nas
rui nas de Balbek , ou Hdeo.polis , e cm outros
muitos lugares.
Quando os Rom a nos inva dirão a Grecia
muitos Artistas Gregos se forão esta belecer em
Rom a , e erão a!Ii '> e_ em todo o Imperio em­
preg·ados cm obras de que h a vestig-ios ; l a m ­
bem em Porlugal existe em Evora huma par­
te do templo de Minerva Di a n a , edifica.do por
Sertorio, de ordem de C.,orinthia, e muito ele­
gante , he huma ruin a das mais preciosas que
nos restão.
Servia Lupus Lusitano tambem fez .hum
templo na embocadura do rio Corumno , de
de que ha memoria.
O melhor tempo para as boas a rtes em Ro­
m a foi o de Aug-usto, e os restos do P a n theon,
do Theatro de Ma rcelo, e a s tres columnas do
Templo de J upiter Stator bem o comprovão.
Elles servirão de modêlos a o Brunelleschi, Bra­
mante, Pala d io, Vinhola, e aos melhores Mes­
tres por quem todos estudárão. A sciencia, e
eli>gancia do desenho sustentou-se a lli até o
tempo dos Anoloninos, m a s já n o de Constaa­
tino eslava mui degenera da.
Qua ndo dominárào os Barbaras, a igno-
1:ancia introduzio a Architectura. Gothica, que
nào he Arcliitectura. Foi t:!Ja ele duas sortes ;
[ f6 1 ] _
a llntiga , era batxa , e pézada, · e a moderna
pelo contr�rio m�1gra, e muito alia , i�ndo as­
sás de gosto Arabe. Admira , que alguns t!�­
criptorcs d o Norte digão que ta�s obras I?ªº
superiormente dignas da nossa attençI\o, e 11c.s
convidem , e exortem para imitalos ; quando
.t\rtistas bons , e os bons conhec�doros ge­
ralmente as detest.ão , e os Romanos , cujos
olhos delicados não as podiào soffrer, mascara:­
rào-nas com fachadas da verdadeira__ Archite­
ctu ra para as poderem conservar, como se ol:.­
serva em Santa Maria Maior , S. João de La­
terano, e outt-as. Livre Deos, (diz Vasarí), t-o­
da a nação fiel da tentação de imitar similhan-
1.e estylo.
N o 1 3 .<> século :tioreceo S. G onçalo de Ama­
rante, Portuguez , que he -recebido entre os
Architectos pelos Autbores Italianos, e Fran­
cezes, porque edificou huma ponte sobre o Ta­
lllaga , e huma Igreja ao pé della.
Desde o principio da· nossa :Monarchia
lllandár�o edificar os nossos Monarchas mti cs
tem plos , Conventos, e outras obras de grande
niag nificencia, 1anto n o estylo Gothico , co­
lllo no Grego , · ( segundo o uso dos tempos em
que viverã o ) , dos qu;1es inda oxisle grande
}larte. Entre os Architectos que empreg-1frào
distin guirão-se Balthnsar Alvares, Affunso Al­
vares , e Nicoláo de Frias , que forào premia:
dos com Cruzes l\iilitares.
r rn� 1
Filippe Terzo, Italiano, servio como Pin­
tor o Cardeal Rei, e como Architedo n Fi­
Jippc Q.º, que mandou por elle edificar a par­
te do Real Palacio de Lisboa, chamada o for­
te, ou torreão da Casa da Iodia. O primeiro
o premiou com o Habito de Christo; e o se­
gundo com huma Commenda.
D. Guarini dP Modcna , P. Theatino, e
Arrhiteclo do Duque de Saboia , fez em Lis­
boa o Convento dos Caetaoos , florecia pelo
meado do século 17.
Carlos Fontnna , discipulo de Bernini te­
''e mesmo em Halia o titulo de Architecto de
D. Pedro 1 . 0, que o creou Cavalleiro de Chris­
to. O Senhor D. João o ;;.º tambem o empre,..
gou, enei\rrcgando-o da Pompa fünebre de seu
A ugusto Pa<', feita em 1707 na lgreja de San­
to Antonio dos Portugn czcs cm Roma com
grande sumptuosidade, como se vê delineada
cm 1g gran des estampas.
O Insigne Portugucz Manoel Rodrigues
dos Santos , que cm Roma , e Napoles gran­
gcou aplausos de p cl'feilo Architecto, (ixio pa­
lavras formaes do Aut,h ot· , que assim nos dá
noticia <lclle), dirigia o apparato das Exc11uias
do Senhor D. Joào o õ . 0• celebradas na mes­
ma Igreja em 11.;1 com igual, ou waior ma­
gnificencia , como se 1i1an ifesta em mais de 20
bum g·ravatlas estampas em que estão repre­
sentadas.
[ 16 3 ]
Entre os mais notaveis cdifici os de Portu­
gal , podemos pela grandeza dar a primazia ao
famoso aqueducto de Lisboa, e pelo primor da
Arte a obra de Mafra , a <le S. Vicente de
fóra , e a do Collegio de Santo Antão tam­
bêm tem muita formosura e rnagestade ; e he
pena que esta ultima senão restaure, visto es-
tar quasi inteira.
O Senhor D. João o ó. 0 quiz fazer de .Ma­
l
fra hum segundo, e talvez melhor Esclrial,
edificado lambem por voto , o Sumptuoso Pa­
laci o , Collegio , e Convento , que alli admira­
lnos. A fachada tem 1 $ e mais palmos de ex­
tenção, e he flanqueada por dous soberbos pa­
vilhões. No meio della está a Basílica, ou Ca­
pella Reai dedicada a Nossa Senhora, e a San­
to Antonio. Entre esta Igreja , e os pavilhões
estão as duas entradas do Palacio , a da parte
do Norte conduz ao pavilhão , ou quarto d'El­
·R ei , e a da parte do Sul ao da Rainha. Gada
entrada tem hum atrio magnifico decorado c.om
arcadas , e columnas da ordem Dorica, aonde
l)s coches que entrão podem dar volta , e de:­
lnorar-se alli a coberto. A cupula da Igreja ,
as elevadissimas torres , e as bellas esta.Lua.�
chamão a atténç,w do Expecta<ior admicadó. ,
O Bramante, Buonaróta , Peruzi.,'•Rafael�
Palladio, e outros quinhentistas tinhão feliz"l­
niente desteuado a maneira Gotica, e restau­
rad o o bello estilo dos Gregos. ,,Este gosto es-
[ 1G4J]
tava ainda muito em uso , bem que hum pou­
co alterado pelas li berdades do Borromini; e de
outros grandes homens, a quem todos queriào
imitar : o Architccto de l\fafra Frederico se­
·guio o gosto elo século , tomando porêm liber­
dades assás discretas , e moderadas; se nas
torres, e na cupula usou superfi.cies curvas co­
mo o Borromini, foi de hum modo tão feliz ,
que ellas contenf.ão igualmente os olhos , e a
intelligcncia dos conhecedores. Quando quiz
ser imitador , soube escolher bem os seus mo­
delos : a bellissima I greja de Santo lgnacio,
foventada pelo Domenichino , lhe forncceo a
jdéa para o interior da Basilica. No adro , e
fachada. soube dar em ponto mais pequeno hu­
ma grande i déa do Vaticano , e ao desenhar
as torres teve em vista as de Santa Ignez da
Praça Navona, e parece que as excedeo, pois
quem as avista de longe crê vêr dous eleg:an­
tissi mos ob,Hiscos · que . dominão todo aqueUe
edificio · collossal.
As ordens d' Architectura são regulares,
nobres , elegantes , e pouco alteradas. Na Jo­
nica moderna da fachada seguio o author a mo­
dinatura de Yínhola (1), á excepção das bazes,
e .dá.fiürmdos de.nticuJôs , ení-qu� imitou a do
íCollocio ��·•e: .accre��entoll aJg:u.ns ornatos ao
Capitel · ,do Sc.amozi. D�o ao entablamento a
·,
-(l) ' mtilinil v:tBranc� p, 50. '
[ lGõ]
/

õ.11 parte de toda a columna, segundo o syste-


ina de Palladic.
Na ordem superior , que be a composita ,
t a mbcm seg-:1io o Vinho]a , trocando sómente
os lug· a res <lo . oviculo, e gola. reve1·sa. Esta
ordem decora lambem as forres , e todo o cir­
cuito da Igreja; mas quando chega ao fron­
tão faz hum a discreta mudança em toda aquel­
l a m a g-eslosa peça , apt·esenia ndo em vez dos
dentellos, lisos modilhões, os quaes não sa-
' hem à frente da coro a , mas occnpào sómente
a metade do seu soffito : cousa de que ha hum
oxcmp!o antigo no Frontispic.io <lo Nero , imi­
t a do cm pa rle pelo P a lladio , e Sca mozzi.

Sería superfluo , e enfadonho fozpr h_n ma
analysc do todas as ordens , basinr{1 dizer que
a Dorica dos atrios poderia sustentar-se a o pé
da:; boas cousas a ntigas. Elia imita em toda s
as moldmas , e. na� gcr a es proporções , o que
Vinhola extrahio do Tlieatro de iVIarcello. He
muito para nol:u- a oxcessi\·a, e cs<irupulosa
aitençffo que os homens grandes tem d a do a
todas estas cousas , e o pouco caso que fazem
dellas aquelles que nem sào grandes, nem pe•
quenos.
A Basilica de Mafr a he muito rica de es­
culturas , tendo mais de 60 g-tandes esta tt�� s ,
e muitos baixos relevos de Giusti , l\Iaync,
Rusconi , e outros homens famosos. H a t.am­
hem a lli boas pintur a s de Trevi s a n.i , Vieh·a ,
y
t 1 66)
Corrado, l\fassucci , Conca , Soli 111cna , Pcilro
Bianchi, Quilbard, Jg-nacio ele Oliveira, e ou­
tros muitos.
Depois do terremoto flzerão-se obras gran­
des , sendo as mais notaveis a <le Runa , e a
do Theah-o de S. Carlos. Projectarãc-so tam­
bem tros vastos edificios , que senão executá­
rfío : o 1. 0 foi o Palacio Real em Campulide,
cujos ristos foràõ feitos por hum João Antino­
ri , subordinado a Eugenio dos Santos, e ou­
tro pôr Carlos 1\'.lardel. O �-º o Ernrio Rcgio ,
e o 3. 0 o Pallacio da Rcfaçào , e a Caclêa.
• O Conde ( dPpois Marquez ) , Reg·cclor re­
presentou á Senhora Rainha D. Ma1 ia I. , a
necossi<lade que ha,·ü1. de hu1na boa prizào pú­
blica , e Casa do Supplicaç.ão , e obtm·e para
isso à promessa de huma consignaç.lo sufficicn­
tc. l\Ianclou por tanto fazer hum desenho a
Fràncisco Antonio Cangalhas ; e depois pedio
/
'Oufro a Cyrillo Volkmar, recebeo este -de S. E!(.ª
muitas instrucçõcs, e advcrtencias , leo Leis,
tratados d'é s1:rnde, e de segurança; entrou nas
Cadêas para. �x.amiuar os <lefeitos que tinhão .;
e fizerão-se cm fim os desenhos muito a. con­
tanto do Regedor , e tambem do Marqucv. de
Pon'le de Lima fnspector das Obras publicas ,
e furão appto,·ados por Soa Mag;cslndc.
A Natureza depravada , a má ed1icaçã�
in�pirãb em algun s homeins a brut.aliclade das
.fér1-1s, e. he pro�iso privaics dp huma liberda·
y
[ 16'r]
de funesta; mas como os. olhos dos Juizes nã()
podem penetra r até o fundo do cora ção, co1·T
re-se ás vezes o ósco de opprimir a innocen­
cia qua ndo se intenta reprimir o crim e : e co­
rno se procede á segurança da pessoa antes
q·ue haj a a prova do delicto, deve h a ver nl)
C a s a de força huma parté qué sirva de segu...
ro deposito sim , m a s não de castigo áquelle$ ·
que se não s a be a inda se são delinquentes ; e
se he justo que se pratique com os homens
esta equida de, he m a is necessa rio ainda, qnc
ella. se use com a s mulheres ; por t a nto já que
h a de h a vc1· prizão, eleve eJJa ser a i'!)pla, com-.
lllodn , salubre; c a p a z não só de ter seguros ,.
tn a s tambcm occupa d.os muitos indivíduos ele
todas a s idades. Era a ssim que a Piedade se
exprimia pela · boca de Sua l\'Ingesla.de, e o
desenho foi concebido debaixo destes princí­
p ios, quasi os mesmos que tem agora a dopta­
do os Francezes. A n o ss a 8obcran a teve a
glori a de os adoptar pt·imcirQ , ellQs tiverào �
fortuna de os pôr em prálica .
A planta geral formava hum reLangulo de
270 pa lmos de frente por 607 ele fundo, devi�
dido em dua s p a rtes desiguaes, isto ho em
P a lacio, e C a dê a . O Pala cio se subdividia em
outras dua s pa rtes sep a r a das pelas escadas ,
e vinhão a ser a n teriormente a Casa da Sup­
plicação ás sálas de respeito, a rchivo, g a bine-,
tes, &e. e post�rio.riu.ento ,o g:i.:.1 11de atdo, ten-:
y �
[ 168 ]
do de hum ]ado as 7 casas, para as audien­
cias , e do outro os commodos para o G uarda
Mór , Carcereiro , Guarda-livros , e outros. O
resto do terreno era tan1bem hum quadrilongo
de 370 palmos de Jargo , e 4,04 de fundo , e
comprehendia a cadêa , tendo dentro em si
lrnm pateo quasi quadrado de �oo, e mais pal­
mos por cada lado , cercado por 4 galarias ,
ou dormi{otios de mais de 60 palmos de largo,
com corredor pelo meio , e tarimbas de hum e
outro lado n a cnxovia , e camarotes n o 1 . 0 e
�-º andar. Nos seus anguJos externos se for­
marião dous Salões quadrados em cada andar,
com escadas <lc caracol nos centros para os
Carcereiros, ou Soldados poderem subir, e des­
cer n'hum momento a todos os andares .
.A entrada para a cadêa fazia meio a hum
dos laclos , e junto a ella estaria a sMa , a ca­
sa do Gnarda-linos , a ele fazer perguntas , e
o dormitorio dos rapazes para poderem receber
ensino de t rabalho , e de boa educaçiío. Em
hum dos Salões angulares poderião de ter-se
os prezos da ronda , ou de culpas ligeiras , o
outro sería para casa ele passeio.
Dentro <lesta prizão haveria outra mais
apertada para os perturbadores do soccgo , ou
para os já convencidos de grandes cleJidos ,
como tambem enfermarias , oratorios , cozi-
11has, boticas , cadêa para mulheres , &c. &c •
.A conservaç.{to <le hum ar puro, e sempre Vt;fl-
f
[ 169]
tilado não foi negligenciada. A facilidade pa­
ra a limpeza , a altura das galarias , quantida­
de de despejos, correspondcncia de a r para to­
das as partes , e o cuidado de dar passagem
livre para o n.mbiente commum acs vapôres dcs
despeJOS , e dos corpos sãos , e doentes podc­
riã.o conseguir este importante requisito. So­
bre os salões dos angulos haveria mais hum
andar para os convalescentes.
Em quanto á decoração, a fachada do
Pal:i.cio era sustentada sobre hum pc,rtico de
11 arcadas de 26 partes de allo cm razão du­
pla : a cimalha geral do Palacio descançaya
s obre 8 pilastras, e 4 columnas Jonicas ; e ain­
da que os dentículos sejão particularmente af­
fectados a esta ordem ; como n'bum cdificio
'Vasto parecerião muito pequenos, o aulhor lhes
preferia os modilhõcs , aufhurizado com o ex­
e1n plo do Palladi o , do Scn.mozzi , do Vinholn ,
&c. Entre, as pilastrns , havia sobre cada ar­
cada huma. janela de balcão coroada com fron-
1.âo semici rcular, e sobre elle huma mascara.
leonina com garras , e mais acima o mczanino
redondo do qual pendia huma festona<la <lc lau­
tf'I , que descia até as extremidades do fron­
H'io. As ci malhas dos peclcstaes tornejavào foL·­
tnando as impostéts dos arcos. Sobre a cima-
1h a geral h,wia balausta<la com acroterios , e
esta tuas.
Apresentava-se n o meio o corpo saliente
� f 170]
formando huma varanda coberta com o front�o
sustenla<lo por 4 columnas da mesma ordem ,
e pelas suas pilastras corrnspondentos. As 3
arcadas da fl'-ente, e as <luas latcracs que sus­
tcntavão o pavimento da varanda davào entra­
da para o Palacio por huma grande loja do ta­
manho <le toda a Casa da Supplicaçao; no fim
da qual á direita, e á esquerda se apresentavão
as escadas que conduzião ao andar nobre , e
em frente o atrio, cercado de porticos por on­
d e se passava á Capclla ; ou Igreja.
A Casa da Supplicação el'a vasta, e rica ,
mas severa, tendo o tecto em cupula com lan­
ternino. Desta casa pela varanda coberta so­
bre o portico do atrio se passava para a tribu­
na da Igreja; tambem pelo corredor que cer­
cant a dita Capella , e penetrava a cadêa até
o grande patco sería a passagem para a casa
da visita, que alli fa:t o Regedor lodos os me­
zcs, a fim de inspeccionar sobre o estado dos
prezos , e das prizõcs.
A Capella ou Igr�ja que era de fórma cx­
traordinaria, formava hum retangulo rematan­
do em semicírculo, e o seu tecto á.poiava-se
sobre pilastras, havendo entre ellas paineis de
Martires , e Confessores , e tambem vidraças ,
e grades por onde podia penetrar a vista, mas
não o corpo , nmn o álito dos prezos. Tinha
hum unic0, altar insulado, e posto em tal altu­
ra , e ial sitio, que podia ser visto de todos os
[ 17 1 ]
andares da cadêa , e mesmo das casas for­
tes.
Em hum yasto e<lificio principalmente de
abobadas ha duas cousas oppostas , que se de­
vem conciliar _com muita attenção , e vem a
ser a solidez , e a economia , a solidez consis­
te nos bo�s alicerces , bons 1nateriaes , cortes
ue pedra, e pés direitos que possão bem resis­
tit· á empurração das abobadas , e aos aballos
da terra.
Se o Architecto faltar nesta parte ao ne­
-cessario , póde cahir o edificio , se exceder
con sumirá inutilmente som mas avultadas, e fa­
rá as casas , pela excessiva grossura das pare­
des , hurnidas , sombrias ., e mal sãs. O Au­
thor consultou sobre esta maieria delicada não
'!!Ó os Authores mais acreditados , mas tam­
bem os bons praticas , porque he muito atten­
divel a qualidade dos rnateriaes , que são di­
versos em todos os paizes, e muitas outras in­
teressantes observações.
Se este e<lificio , que só tentafo fez muita
"honra á Piedade da Senhora Rainha D. Maria L,
o:iào se exeoutou , nem se acabou o do Erar-ie> .,
tlão deiX'árão por isso os seus Authores de ser
premiados pelo Principc Reg·onte com muita
tenerosídade. -O do Erario teve huma _gratin­
�a�ã.o pecuniaria , e huma f>Cns,ão vitaticia ,, e
ó da cadêa 'teve vensão só, más avultada a 1.i­
Utlo !de Pmtor .do Rei , e obteve ,a lioen!;,a que

"
r 1 1� 1
peclio para fazer algumas pinturas nos tectos ,
e paredes do Real Pala.cio de Mafra.
Mal poderia mos tt·azer á memoria todos os
templos, palacios , e outros edificios magnífi­
cos de Lisboa, e só diremos que o da Capella
de S. João Baptista em S. Roque , architeclu­
ra de Vanvitelli , excede no seu genero tudo
quanto ha no mundo , e mesmo a celeberri,ma
Capclla de Santo Ignacio em Roma. A rique­
za de rnetaes , e pedras .preciosas he excessi­
va, mas excedida muitas vezes pelas bellezas
da Arte. Tem exccllente escultura, e tres pai­
neis de Massucci optimameute executados ern
1nosaico, o mesmo pavimento tambem de mo­
saico, he admiravel.
O Pala.cio Real, que actualmente se está
edificando he obra digna de hum D. João, as:-­
sim como a Real Basílica do Coração de Jesus
faz honra á memoria da Senhora Rainha D.
lVfaria I.
Em quanto ,\ architectura pintada sabe­
mos que o seu uso hc antigo. Agathat·co pin­
tava as decorações para as trag·edias de .Es'­
chylcs, compôs hum tratado de perspectiva;
e depois clelle Ana:xagoras , e Democrito se
explidl'fio com maiot· clareza, e mais precisão:
Apatecrio fez a<lmiraveis scenarios na Lybia
antes da era vulgar , e Serapion Pintor Grego
tambem entendia superiormente as deco!'ações
do Thcatro, o mesmo }lOderiamos dizei· de ou­
tros m uitos.
[ 173 ]
Depois d a restauração das Artes, Paulo
Ucello Florentino fez grandes estudos sobre a
})CL'spectiva. Bruneleschi dco-lhe mais exaccão
Usando da planta, e perfil. Pedro de la Fr�n­
cesca, e Bonoso Pintor Florentino iam bem do
sécu lo li> excedêrão-no. Depois que se come­
ç,írão :1 escrever, e representar Comedias mo­
dernas foi a Archi tecf.ura pintada , fazendo
grandes progressos até chegar á ulLima perfei­
ção. O Serlio , o Padre Pozzo , e o Bibiena.
escrevêrão sobre as scenas theatraes : o Vi­
gnola , e o Pozzo �nsinando as duas regras de
perspectiva facilitárão muito a prática desta
arte, e o Lecto da Igreja de Santo Ignacio em
Roma, obra do século 17 feita pelo mesmo Pa­
dre Pozzo, levou á ultima perfeição a perspe­
ctiva chamada de soto in sa. Fernando Galli
Bihiena no ultimo século deixou pouco a dese­
jar nas magnificas decorações theatraes , que
fez em Vienna de Austria, assim como João
Carlos Bibiena , da mesma família no Theatro
Regio de Lisboa que se incendiou com a Ci­
dade em 17f>f>.
Tambem nos Theatros públicos desta Ca•
Pi tal se exhibírào decorações marav.ill1osas
feitas algumas por Italianos, outras por Por­
tnguezes, todas dignas dos altos preços da pJa.,
téa , e camarotes.
Pelo meado do uJiimo século os Galliari ,
e os Gonzag·as introduzírão · hum estylo mais
z
[ 17 4, ]
prompf.o, mas pouco asseado , e muito imper­
feito , para ser usado nos Theatros <las feiras ,
aonde se entra por poucos baiocos. lnfelizmen4
ie este máo estylo _foi aqui introduzido no :fi m
do sécnlo , e desde então tem este genero de
Architectura declinado tanto , que o podemos
considerar como quasi perdido,
No genero dos ornatos , que fazem hum
ramo assris inte1·essante da Archi tcciura, te­
mos tido muito bons Pintores desde o século
16. Na Torre do Tombo , n o 1.º livro mystico
de EIR.ei D. Manoel, l1a hum frontispicio, pin­
tado naquelle tempo, e muito bem. O D gran­
de he cheio de ornatos , flores , e aves tocado
tudo de ouro, aonde se admira a cauda <lc hum
pavão , e os delicados insectos que sorvem o
suco das flores : só as folhas do orna to são ain­
da no g·osto gothico, defeito que Já se não acha
n o Liv10 da Beira da mesma collecção <le El­
Rei D. Manoel.
No livro da A rmaria feito n o reinado de
D. João 3 . 0 , faz cercadura ao prologo huma
Architectura caprichosa com columnas de tres
côres, n o gosto arabesco , com capiteis com­
positos , frizo de ult.ramar com arabescos de
-ouro admira veis, os do sub-basamento são ver­
des com fundo de ouro.
Do século seguinte temos o bello frontis­
picio n o ('.,omprornisso dn Irmandade <le S. Lu­
cas , pintado por Eugerúo de Frfas em 1609,
r 176 1
HP. huma especie de retabulo de ordem Joni­
ca, feito pelo mesmo estyJo, tendo no centro·
hum painel colorido de S. Lucas retratando
Nossa Senhora, tudo executado com grande
primor, e tocado de ouro na ultima perfeic/io.
A n i.es de passarmos ao Cathalogo dos Pro­
fessores d' Archi_tectura , faremos justiça ao
grande merecimento de hum Fidalgo Portu.
guez Rodrigo Annes de Sá, Marquez de Abran­
tes , he celebrado na historia da Arte , como
sábio em varips ramos clella. A lguns o tem
collocado entre os Pinlores, mas parece que o
seu talento decidido era para a Archii.ectura,
em a qual, como o Impera dor Hadriano , não
cedia aos melhores Professores. Assim o afür­
inou, ( muito depois do seu falecimento, que
foi em 1733 ) , o nosso Vieira Lusitano , que
o conheceo perfeitamente , e quando Jhe fal­
lou a pl·imeira vez , diz elle, estava no seu
gabinete delineando a planta para hum regio
edificio : e continua :

Pois todas as circunst ancias


De singular Architecto ,
Como então era notorio ,
Possuía em gráo perfeito.

z !2

/
-��--,--------- -
- -- -- - -· - -
- -

( 176 J

JoÃo FREDERICO LunovicE.

Era .A lemão, posto que a sua família fos­


\!e de orig·em Italiana. O Barão de Schomberg
em 1787 disse aos seus parentes , que era seu
patrício , nascido em Ratisbona , onde o co...
nhecêra Militar Engenheiro, e que cessando
o serviço por occasião da paz fora viajar na
Italia aonde adquiríra grande aproveitamento
tanto na Arte, como em liUeratura ; pcrque,
ou fosse então, ou que nos seus primeiros an•
nos se applicasse á Jurispmdencia , ha na li­
v_raria de seu neto alguns livros de Direito an­
uotados por ell e , e muitas vezes consultados;
pelo Doutor Garcia, e por outros letrados. A
sua erudiçfio na. historia , fisica, mathematica,
e historia natural lhe grangeou a amis a de dus
Jesuítas , a qual lhe valeo muilo, ( diz a fama
pública ) , para na direcçfio da Obra de Mafra ,
ser preferido a Filippc Juvara , e a Antonio
Caneval'i. Teve tambem amizade com os Pa•
dres do Oratorio, aonde professou hum de seus
filhos do seu mesmo nome , que fa leceo em ,
1755.
Frederico chegou a Lisboa no principio do
século 1 8 , e em 1 7 07 foi em pregado como Ar�
chitecto por p. João o õ. 0 para a factura da.

/
[ 177 ]
Obra de M a fra , cuja 1.ª pe.dra se lançou em
Novembro de 1717. Esta g-l·ande Obra. , cuja
Basilica foi sagraJa em Q(ll de Outubrn de 1730,
he digna de hum D. João , . e fvi fortuna para
tanta magnificencia , encontr a r hum Archite­
cto babil, e com espírito proporcionado ao seu.
O primeiro ordenado que teve foi de 1 : 000 $ rs.
quantia assás avulta da naqucHe século de ouro.
Foi tarnbem .gratificado com a Cruz. da Ordem
de Christo, menos vulg· a r então de que he ago­
ra. Alêm de muitos desenhos que delineou
para Obr a s Reaes, alguns dos quaes não se
executárà'.o pela morte do Rei , outros não se
-ncabárão pela pa rlezía de que elle mesmo fui
ataca do. Fez a Capella Mór de S. Domingos,
que foi a cabada pelo Padua; a Ca pe11a .Mór da
Sé de Evora, que he sumptuosa, e bella ; a sua
ermida em Bemfica , notavel , ainda que em
p onto pequeno; a port..1. da Capella Real que
está hoje na Igreja de S. Domi.ogos , e · o seu
pnlacio no cimo da Calçada da gloria . Fa leceo
em Janeiro de 17ó� tendo 80 , e mais annos
de i dade. Servio n a Meza de S. Luca� em l 7 IJ3.
Ca sou <luas vezes , a I.ª em Napole� com hu•
tna formosa e honesta Senhora , qlle morreo
fie p a rto- do seu filho João Pedro Ludovice ,
J}ae de José Joa quim Ludovice , Escrivão da
Camara no Desembargo do P a ço. A �-ª em
Lisboa em 1 no c.om D. Anna Maria Verney;
�e qtie1n teve seis filhos, 4ous_ dos q4aes (iv�

.,,
[ 1 78 ]
rã'.o grande engenho para a Arte. O I .° Cae­
tano Luclovice que morreo na idade de :t 7 ou
t8 annos ; e o !2.0 José Joaquim Ludovice,
que fez o risco para a Igreja , e Convento dos
Padres do Espirito Santo , e morreo nas Cal­
das ent H de Julho de 1803 sendo já septua­
genario.
João Frederico não só foi bem acceito ao
Senhor D. João o 5. 0• mas tambem ao Senhor
Rei D. José I.º, o qual por Decreto �e 1750
declarou que pela grande capacidade com que
servira por tempo de 4:l annos ao Senhor Rei
D. João, desenhando , e fazendo modelos com
tal acerto , que executados deixão bem vêr a
magnificencia de quem os mandára pôr em exe­
cução , e instruindo os operarios empregados
em taes obras com tanto zêlo, que á sua dou­
trina. se deve o grande adiantamento em <1ue
se achà'.o as Artes nestes Reinos , o declara
Architecto Mór do Reino com Patente, soldo ,
e graduação de Brigadeiro de lnfanlaria , na
1.ª plana da Côrte , &c.
Este Artista bencmerito modelava, esculpia
em prata, e outros metaes , e desenhava or­
natos, e figuras com grande magisterio. Quem
olhar para a sua obra de Mafra com attenç.li o,
e inferligencia verá o quanto era sábio em per­
spectiva. Na Architectura seguio o estylo dos
Seiscentistas, <JUero dizer , do Bernine , do
-Borromini , e principalmente do Padre Pozzo;

••
[ 1 79 ]

moderando-se mais nas liberdades que elles to­
tnárão. O modo de lavrar bem os ornatos de
pedra data do seu tempo, e bem se deixa vêr
nos capiteis , e ornatos da Porta da Igreja de
S. Vicente, nos do Collegio de Santo Antão,
nos do Menino Deos , de Nossa, Senhora da
Luz , e em todos os outros edificios mais an­
tigos que o de Mafra , que a pedra era mal
cortada , e toda a mão d 'obra pouco elegante.

f,

f
O Á B BADE D. F1LIPPE Juv.rnA. l

Nasceo em Messina, de hurna família des­


tine ta , mas muito pobre � e applicou-se ao de.
senho de figura., á Pintura, á Gravura , e á
A rchitectura : tomou o habito ecclesiastico , e
foi a Roma para estudar na escóla <lo Cavalhei­
ro Fontana ; mns achando-se falto . de meius ,
hum certo machinista seu patrício o i:Óduzio a
pintar algumas d.ecorações theatraes, o que el­
le não só fez, mas tambem ns gravou a agua
fol"le. O Duque de Saboia sendo Rei de Sicí­
lia , o acceitou para seu Architeto com 600
escmlos ae pensão , e deo-1.he. }Jlais �ro T-urim
a rica A bbadia da Selva. A Ili fez ll escad;:1fiem
palacio , assim chamada pelo vulgo , porque o
edificio não correspondia á grandeza, e magni�
ficencia que ella tinha. ; a bellissima rotup <.lt
[ 180 ]
st1slentada sobre oito columnas; e outras obras.
Victor A madeo para condescender com os de-­
sejas do Senhor D. João o 5. 0 , que o perten­
dia para Archifecto de lVIafra, o enviou a Por­
tugal. Aqui fez os desenhos para huma Pa­
tria�chal, e para o Palacio , Convento, e Ba­
silica Mafrense, que senão executou, apezar
da sua m;ig·nificencia e elegancia , porque os
Jesuítas fizerã'.o dar a preferencia a o Fredel'ico.
Não obstante, o Rei lhe deo Habüo de Chris­
to, e a insignia delle cravejada de ricos bri-
1hantes, com huma pensão de 6 $ cruzados.
Morreo em Madrid começando o Palacio Real
em l 73f> , tendo 50 annos.
· Antonio Canevari, Roman o , tambe1n fez
hum desen.h o para Mafra o qual teve a mes­
mll sorte que o de Juvara. Depois de fazer
construir-em Lisboa a celebrada torre do Rc­
Iogio, e algumas outras cousas , foi acabar os
seu� dias no Reino de Napoles.

MR. LARRE.

Ouvimos dizer a Fernando de Larre:, o


ultimo Provedor dos Armazens que era neto
de·ste A.tchitecto , e que elle fizera o Portico
da Fundição, e o seu Palacio a S. Sebastião
da pedreira.
[ 181)

VICENTE BACCARELLI.

Pintor de Historia , e PerspP-ctiva , Ita­


liano , veío a Lisboa nos fins do século 17, o u
n o principio do seguinte ; e para deixar vêr a
sua habilidade pintou gratuitamente o retabu�
lo d 'huma Capella que ti�1hão os Pretos na
lgr�ja da Trindade. Esta obra o acreditou de
modo , que teve logo as encommendas de ou­
tras muitas. Das que existem são as mais no­
taveis o tecto da escada de hum palacio n o
Campo pequeno, pintado a fresco, e o d a Por­
taria de 8. Vicente feito a oleo cm 1710. He
huma das melhores cousas, ou antes a mdhor
que deste gcne!'O temos em Lisboa. A com­
posição, a arinonia de côres , o eJTeito da per­
spectiva , os partidos de luz , e de sombra , o
manejo precioso do pincel , tudo concorre pa­
ra o fazer admiravel. O painel era igualmente
bell o , elle o pintou , e executou todo o tecto,
á excepção das festonadas de flores , que fo­
rão feitas pelo Serra , Mestre de José Bernar­
des , e são primorosas. Pelo terremoto de óõ
tabio só o reboco, que continha o painel. Quan­
clo foi a Patriarcal para S. Vicente, mandá1·ão
os ignorantíssimos Mestres caiár o tecto todo,
e logo a casa , que até alli parecia huma das
AA
[ 18� J
mais bellas, e regulares de toda a cidade, fi­
cou parecendo a. mais defeituosa, baixa, e ir­
regular. Quando os Conegos tornárão de Ma­
fra o mandárão resLau rar, o que foi fei t o , e
muito bem , por Manoel da Costa em 1 7 9 6 , e
se o painel, que elle tambem fez , não fo:!>se
bom teria alguma desculpa, visto não ser essa
a sua profissão.
Baccarelli servio na l\lesa de S. Lucas em
1 7 1 5 : depois de fazer muitas, e cxcellentes
obras tornou á patria, dizendo que o seu dis­
cipulo era bem capaz de supprir a sua falta.
Este discipulo era Antonio Lobo, pae de Fran­
cisco Xavier Lobo, o qual pintou de perspecti­
va o tecto da lgTeja da Pena antes do Terre­
moto. Entrou na Irmandade cm Outubro de
1 7 1 1 . Servio naMesa, e morreo em 1 7 1 9 . Foi
l\'.Ies.tre de Antonio Pimenta, de Braz de Oli­
veira, e de Antonio Simões. Antonio Pimen­
ta Rolin pintou tecLos nos palacios , e Igrejas
de Lisboa usando de industria para não dar
conta das eogras nos Corpos de Architectura ,
os quaes ornatava para adoçar a aspereza das
sombras, era pobre de invenções , e quasi se
repetia em todas as obras. He seu o tecto da
Capella Mór dos Paulistas , repintado por Sir
mão Baptista, e Jeronymo de Barros em 1770,
Entrou na Irmandade de S. Lucas em 1716 ,
servio na Mesa em i7 , e 3 6 , e inda vivja em
I7f>O. Braz de Oliveira Velho competia com
( 1831
Antonio Sjmões , e Lobo lhes chama. Gigantes
da Arte na Architectura pintada, e em ou­
tros ramos ; mas diz que o seu rival o excedia
nas figuras a tempera. Entrou n a Irmandade
em �! de Outubro de 1 7 I 3 , e servio n a Mesa
desde o mesmo anno até o de 1741, sendo va­
rias vezes Juiz.

Jo1o NuNES DE AnREU.

Chamado vulgarmente do C'astello , por­


que alli fazia a sua morada. Era Pintor quasi
universal , mas o seu forte foi a perspectiva ,
e ornatos: pintou o tecto do Menino Deos, o
da Portaria da Graça , e outros. No da Graça
fez tambem as figuras , e José Bernardes , e o
Serra fizerão as flores. Foi Mestre de Felicia-
·no Narciso. Entrou na Irmandade em �Q ele
Outubro de 1719, servio na l\lesa desde 1724,
até 34 , rnorreo em 38 , e diz o Lobo que de
muito estudar.

FRANCISCO DA SILVA.

Foi soldado de hum antigo regimento cha­


mado do .Monteiro Mór. .Pintou ruínas de Ar­
AA 2
[ 184}
chitectura , paisagens , e lindas figurinhas ,
tudo de grande mancha , com muito eífeito, e
pouco trabalho. Fez algumas cousas n o estylo
do Claudio. Esteve em Sevilha , e em 1776
,,imos· alli em casa. de D. Francisco Ximenes,
hum dos Directores da Academia, paincis seus
de architecturas, e paizes , tidos por elle em
bastante estimação , e louvava muito os seus
talentos porque o conheceo pessoalmente. Fran­
cisco Xavier Lobo tambem o elogicu tanto nos
Dialogas como na Silva Laudatoria , dizendo
que tinha grande escolha de luzes, de sitios ,
de figuras , muita franqueza, pintando com
modo liberto e generoso, colhendo muito fructo
de pouco trabalho. " Fazia , prosegue elle ,
" deliciosos arvoredos , cujas folhas parecião
" meneadas pelo Zefüo. A sua luz, ou branda,
" ou forte , sempre era luz. Cada pincelada
" exprimia exac{amente , e magistralmente o
,; que queria, e devia dizer. Sabia bem a perspe­
" ctiva , e todo o fundamento da Arte. "

Üs SERRAS MOÇO , E VELHO,

Estes dous Pintores, Pae, e Filho ti verão


grande gcnio parn. pinlar ornatos, e quadrntu­
ras, ou architecturas, porêm como não diri­
gissem obras suas , e pinlassem quasi sempre
[ 185 ]
nas alheias como ajudantes, viverão em grande
pobreza.
Antonio da Serra , chamado o Velho , en­
trou na Irmandade de S. Lucas em 1 8 de Ou­
tubro de 1688 , e servia na MP,sa desde 1699
até I7QO. Faleceo em Novembro de 17�8. Foi
tnestre de seu Filho Víctorino Manoel da Ser­
ra , que teve maior CL·édito que seu Pae. En­
trou na Irmandade do Santo Evangelista em
23 de Janeiro de 1 7 1 8 . Servio na l\Iesa desde
1719 até 46. Morreo em Abril do anno se­
guinte , de idade 5 5 aonos, e jaz na Igreja
de Nossa Senhora do Soccorro. O seu panegi­
rista Manoel Ferreira , diz ser seu o tecto elo
Menino Deos , e o do Rato ; mas José Anto­
n i o Narciso, e Pedro Alexandrino nos affirmá­
rào que o 1.º era de João Nunes; e em quan­
to ao !2. 0 sabemos que tem escripto em letras
bem grandes o nome de Bochecha , (José An­
tonio) , Pintor que chegamos a conhecer pelos
annos 1769 , quando pintou os ornatos no te­
cto da I�:reja de Xabregas. Era já velho, e
morreo alli mesmo.
O Lobo faz grandes elogios aos toque&1
admiraveis do Victorino, ás suas flores, e fru­
ctos , e ás suas perspectivas ; e os nomes dos
Serras forão sempre em muita estimação entre
os Artistas , e Conhecedores.
[ 18 6 ]

O CAvALHEmo N1coLAo SERYAND0N1.


\

-Foi hum genio dos mais extrnordinarios


que tem apparecido tanto em ta.lentos , como
em grandeza d'alrna, sem lhe faltar a vêa pin­
iorcsca : servio os Maiores Soberanos da Eu­
rop a , e cxcedeo-os ás vezes cm itléas de rna­
gnificencia. Despendia ora como Ptincipc, ora
como indigente, h�je occupava hum soberbo
palacio, ámanlüt hin. morar n'huma ag·ua fur­
tada. Este homem raro nasceo em Florença cm
1695 , e applicon-se á Pintura, á Architectu-
-ra , e n Ylechanica. A ' Pintura ( diz hum dos
escriptorcs da. sua vida) , a esta Arte tão no­
:bre , e tão difficil , he que elle deveo os cffei-
ios pinlorescos quo fazião todo o encantamen­
to das suas composições maquinosas. Elle es-
1.udou a Architectnra cm Roma , pelas ruiuas
a.ntig·as, as quacs não só desenhava , e ·media
como Architecto , mas tambem copiava em
paineis cômo Pintor.
Passando depois a París foi recebido na
Aeademia em qualidade de Pintor de paisa­
�ens , e tendo foito para os Theatros maravi­
lhosos scenarios , .o Rei o nomeou seu Archi­
iecto Decorador. A sua foma tanto se espalhou
que os Reis de Inglaterra, Polonia , e Portu-
( 187 )
gal , e o Duque de \Vmternberg· lhe <lerão o
mesmo titulo. Como ArchiJ,ecto Civil fez a fa­
chada ela Igreja de S. Sulpicio , architectura
famosa que se pôs a concurso em 17 3 1 , fez
mais 13 ou 1-t obras no{aveis em París, e mui­
tas em Bruxcllas, l\fadrid, etc. Djdgio o Theq.­
tro da opera cm París 1 8 annos ; e cxistião
desenhos de 60 decoFaçõea soberbas feitas para
elle , sem faJlar em g-rande número de outras
para Dresda , e Londres.
Mas nos espectaculos cxce<leo Servandoni,
tudo quanto se tinha visto , o u imaginado , no
do triunfo d'hum conquistador , fez appárecer
na scena mais de -100 cavallos que fizerào as
suas eYoluções com a maior facilidade. No que
deo á Cidade de Paás pelo casamento de Ma­
dama com o Infante O. Filippc , t.oda a ponte
nova , e todo o lago até poutc Real forào de­
corados , e assistínlo a esta festa o Rei , toda
a sua Côrte , e mais de 800 .$ espectadores.
Dirigia outros cspectaculos , igualmente appa,­
ratosos em Londres , Viena , e Stuigard : em
Lisboa fez huma festa para os Ing-lezes pefa.
victoria do Duque de CumberJan d em Cullo­
den na Esco�i a , e muitos des�nhos para El­
Rei.
O projecto que elle deo para decorar a
Praça. de Luiz 1 5 era tão bello, e tão granclio­
ao , que o s Francezes nào se atreve1·,lo a exc­
cutalo, assim como as festas, que propo�,1_>arn

'.
[188]
a ultima paz , pela immensidadc das sommas
que teriiio custado. Acabou os seus dias em
París no anno 1766. Simão Caetano Nunes
disse-nos que o tinha conhecido, e tinha visto
em Lisboa alguns dos seus espectaculos, e não
acabava de os encarecer.

Joj(o CARLOS BrnrnNA,

Depois da paz ele Utrechi em 1715 come­


çou este Reino a respirar, e D. João o 5.0 pô­
de deitát· as vistas sobre as sciencias, e boas
Artes : a dal\Iusica n;1o ficou esquecida : veio
para a Patriarchal, entre outros Cantôres o
Annibalinho , que era tambem grando Pintor
de pm·spectivas, e fez buma decoração magni­
fica para servir no Loreto pela Semana. Santa,
aonde se figurava o Imperador Heraclio con­
duzindo o Santo Lenho sobre os seus hombros.
Naquelle tempo havia huma especie de Thea­
tro no Paço , onde se representavão dramas
em musica, e alli se fez Madama G lanna no
Carnaval de 1 740. Pcironio Manzoni, o mes­
mo que foi depois Machinista nos Theatros
Regios , fez o da Rua dos Condes. Vierão as
P:iquctas, famosas cantarinas, que reprcsen­
túrão Alexandre na India, para cuja peça fez
o Annibalinho o Templo de Baccho com co·
[ 189 ]
1umnas de verde-antigo ao meio, e dDas es­
calinatas aos lados que conduzião a 3 galarias
cobertas de abobadas. E11e deo para a execu-.
çã'.o desta magestosa scena hum modclinho pin­
tado, e teve grandissimo applauso. Com as Pa­
quetas vierão Salvador Corneli o , e o Clericé ,
ambos Pintores : o primeiro veio em qualidade
de Architecto Decorador , e fez decorações
admiraveis. No Desertor representado por 1770
no tempo de Zamperini ainda apparece0 na
rua dos Condes o seu famoso Carcere. Os Pa­
dres do Oratorio tambem tinhão hum Theatro,
em que os seus estudantes reprcsentavã.o pelo
Carnaval , cujo A rchitecto Decorador era Igna­
cio de Oliveira, sendo os seus desenhos exe­
cutados por Victorino da Serra , José Bernar­
des , e outros.
João Carlos Bihiena, Italiano, veio tam­
hem servir no Theatro do Senhor D. José 1.0
pelos annos 1753 . Com elle víerão o l\tiarcos
muito habiJ nas figuras pintadas a tempera; e
o Paulo, famoso em batalhas, e paizes. João
Berardi que já cá estava, tambcm pintou hu­
ma gruta no Theatro Regio, e ficou depois
pintando as paisagens quando o Paulo se reti­
rou. Em quanto se preparava o grandissimo
Theatro que fez João Carlos , arranjou elle
hum Theatrinho na casa da India , aonde em
1753 se representou o Heroc Chinez. No Tbea­
tro grande fez-se co1u · magnificcncia ver<ladei-
BB
[ 19 0 ]
ramcnte Real: Tito , e Olyropiada , Alexan·
dre , e Artaxerxes. Os scenarios erão os mais
ioberbos , e os livretos que erão grandes ti­
nhão as sccnas estampadas abertas a ag-ua for­
te.por Joâ'.o Berardi. Este vasto edificio quei­
mou-se no g·eral incendio de 55. Bihiena, de-­
pois do terremoto , fez a Capella Real , e Pa...
ço d' Ajuda , tudo �barracado. O risco para a
Ig·reja dal\femoria tambem era seu, mas o fim
da obra, fejto depoj s da sua morte , não cor­
respondtio no principio. Deo o desenho para o
'Theatro d'Aj uda, e antes de vir tinha man­
dado o.de Salvaterra. l\Iorreo pelos annos 1760,
e succdeo-lhe interinamente Ignacio de Oli­
veira.

JACOME. A.zzOLINI.

Veio da Halia, sua patrja, convidado pe,


Jo Bihiena , J'>ara o aju<lar a riscar no TheairQ
Rcg·io. Sobrevindo o t.er1·emoto d-e ób foi par�
('o�mbra aonde se occupou como Arthitect.o
Civil para acabar o seminario. Em 67 ou (i�
foi c-hamado ·a Lisboa para dirigir os Scenarios
<lo Thentro Regio d' Ajuda , ei11pregÇ> em que
r,roseg·uro até o!;. annos 1786 ou 87 , tempo e.lll
que faloceo , tendo quas.i 70 annos.
Em Lisboa , alêm das decorações thea­
iraes fez as torres de S... F.rancisco d� Paula ,
[ 191]
e hum desenho para o Picadcil'O Regio. Achàn­
do-se já doent� no tempo em que se fez a Ope...
ra de Assur , pr0poz elle que cada hum dos
seus discipulos fizesse hum scenario, para Sua
lHagestadc poder julgar qual delles era ó mais
<!apaz de o substituir. José Carlos Binhe{i fez
o Templo, e l\Ianoel Piolti a Regia. Estas
obras farão igualmente_ applaudidas, � a cousa
ficou indecisa até depoii> <la morte do Mestre.

EuGEXIO Dos SANTOS DE CARY.\J,HO.

Foi ó A rchitedo da nova Lisboa, e do


Palacio Real que se de\'Ía fazer em Campoli­
dc, e arco do Cat·valhfio , cmp!·ezas ambas de
tal ponderação, que se deveriao incumbir não
só ao molhot· Architocto do Reino, 'Caso de o
lmver capaz; mas :to maior do uni verso ; o
nosso sem carecer de talentos , não era para
tanto.
Em quanto ao Palacio , vimos em Roma
em casa de João Antinori, o riscó delle, e pa­
receo-nos grande , e nóbre. Este Artista este­
"ª em Lisboa aonde casou com:Jmma Portugue­
za, e foi empregado na casa <lo risco como Aju­
dante de Eugenio dos Santos ; j aclava-se po­
rêm de que o desenho do Palacio era de sua
invenção. Aqui fallava com alguma liberdade
BB �
[19�]
_ contra o l\farquez de Pombal , e teve por isso
de fugir para escapar da prizào. Pelos annos
1776 gosava em Roma d'huma certa reputa­
ção, e tinha bastantes discj pulos.
Fez-se tambem famoso na Mechanica quan­
do dco volta its Estatuas CoHossaes de lVIonte
Cavallo juntamente com o seu pedestàl. Em
quanto á Cidade seguio Eugenio dos Santos
muito ao pé da letra a discripção da nova Sa..
lento de Fenelon , sem reflectir que hum sa­
bio, póde ser máo Architecto. Mr. Palte tam­
bcm adaptou similhante systema no seu tra­
tado d' Architectura, o qual posto em praxe
produz hum eO'eito rnonoton o , e triste. To­
dos os nossos sentidos aborrecem as repetições,
e vêr a mesma cousa nos arruamentos, nas
praças , nos palacios, e até nos templos ?
Eugenio dos Santos, Cavalheiro da Ordem
de Christo, era natural da Villa de AJjubarró­
ta, e pertencia á illustre família dos CarvaU10s,
e Negreiros , sendo descendente de D- Gil
Fernandes de Carvalho , Mestre da Ordem de
S. Tiago. Casou com D. Francisca Thereza
de Jesus, filha ele Manoel da Costa Negrei­
ros; foi Capitão Engenheiro, Ajudante de Ma­
noel da Maya : foi primeiro Architçcto das
Obras Publicas, e dirigio a escola de Architc­
ctura em Lisboa, chamada casa do risco, que
foi estabelecida depois do terremoto, e segun­
do dos Passos Reaes. Hum dos seus melllores
[ 19 3 ]
Ajudantes foi o Capitão Ant.onio Carlos An­
dreis, o qual se malquist.ou com o l\farquez
de Pombal , e esteve muitos annos prezo, por­
que pela guerra de 62 sendo mandado crn qua­
lidade de Engenheiro para defender Almeida ,
desobedeceo ao Rei, que por hum Decreto lhe
mandava entregasse a praça aos Hespanhocs ,
e depois faltando-lhe os meios de a defender
a entregou sem que lho mandassem. Eugenio,
fez o Arsenal da Marinha , a Praça do Com­
mercio, a Alfandega , e o perspec(o da Cida­
de , o Colleginho da Graça, e Convento da
Conceição da Luz; tudo tirado a limpo pelo
dito Antonio Carlos. Entrou na Irmandade de
S. Lucas em 6 de Julho de 1746 , e morreo
em 1760 , tendo de idade 60 annos.

CARLOS MARDEL.

Era natural de Hungria, veio para Portu­


gal no anno 1733 com patente de Capitão En­
genheir o , e servio depois o posto de Coronel
que conservou até o mez <le Seternbro de 1763,
tempo em que faleceo , vencendo sempre sol­
do dobrado , alêm das extraordinarias gratifi­
cações, que recebia como Archit.ect.o das aguas
livres , ( seu primeiro cargo) , da Casa das
Obras , do Almoxarifado do Sal de Setubal ,
[ 191, ]
&c. Fez o Palacio de Salvaterra , o Convento
de S. Domingos , o Collegio dos Nobres , o Pa­
la cio do l\farquez de Pombal em Oeiras , o
Chafariz da Rua formo:-:a , e o da Esperança ,
o Convento de S. João Nepumoceno, a sua
propria casa a Santa Isabel , e o risco para o
Palacio que o Senhor Rei D . José quiz fazer
n o Campo de Ourique , &c. &e.
Por aquelles tempos forão tambem estima­
dos como bons Architectos l\Ianoel d a Maya ,
que foi :\farcchal General , Engenheiro l\Iór do
Reino , e teve em 56 de dar a planta de Lis­
boa de que incumbio o Tenente C.,oronel Car­
los l\fardel , o Capitão Eugenio dos Santos , o
Capiião Elias Sebastião Poppe , Antonio Car­
los , José Carlos da Silva , &c.
A casa de Obras Publicas foi instituída
pouco depois do terremoto pelo Senhor Rei
D. José para a reedificação <la Cidade. D. l\li­
gucl A ngelo de Velasques foi o terceiro Ar­
qui tccto de Obras Publicas , e a elle se seguio
Reynaldo l\fanoel dos Santos.
Pedro Gualter foi Engenheiro , e Archi­
tecto da Casa das Obras Reaes.
Francisco Anionio Ferreira Cangalhas Aju­
danf e da Casa do Risco das Obras Publicas,
encarregado do risco da Cidade , e A rchitecto
<las aguas livres .
.Toac:iuim de Olivcirn Architecto do Con­
.selho da Fazenda , e da. Junta do Commerci o-
[ 1 9 1). J
Remigio Francisco Ajudante da Casa do
risco das Obras Publicas , e Architecto do 8l.­
nado.

FELICJÀNO NARCISO.

Discipulo ele João Nunes , foi hum dos


famosos allumnos da antiga escola de Bacca­
relli , · pintando optimamentc architecluras, e
ornatos. Antes do terremoto tinha feito o te­
clo d a casa do Despacho em S. Nicoláo; e
no Theatro Regio dirigio, subordinado a Bi­
hiena, o partido dos Pintores Portugurzes que
alli se occupavào. Depois do terremoto dese­
nhou, e dirig-io os ornamentos no grande te­
clo <la casa das pistolas na Fundição, os quaes
forão excetuados por elle mesmo , por Anto­
hio Caetano d a Silva (1) , Antonfo dos Santos
Joaquim e�) , e por úUlros. José Carv,aH10 Ro­
sa pintou as flores. O nosso Feliciano entrou
na Confr aria do Santo em Outubro de 173� ,
e servio Juga.res da Meza desde 37 até 54 s�n­
do então Juiz. 1\lorreo em idade avançada pe-
'
(1) Antonio Caetano da Silva entrou na Confraria em
SO rle Outubro de 1 7-1.-4 , e servio na 1fosa de Secretario, e
fa!lnc"o em 7 de .Maio de 1775.
(2) Antonio dos Santos .Joaquim entrou por irmão em
"- de Agosto de I 746 , e ruorreo em 1777.
[ 196]
los annos 1776 , ou 77. O Lobo o exalta mui­
to , e com razão. Quando pintou o grande te­
clo n::i. Fnndição eslava já muito convulso , o
que não obstante distiri gue-se o seu toque de
ouro de todos os mais pela limpeza, elegancia,
e perfeição com que he feito.

JosE' BERNARDES.

Foi discípulo dos Serras , e Francisco Xa­


vier Lobo louva muito a arte com que elle gru­
pav::i. as flores , e sabia diffunJir a luz sobre
ellas ; como tambem a verdade, e rnagisterio
com que pintava. os fructos, os ornatos , e Ar­
chitectura, cousas todas que elle ensinou ao
Genr9, e discípulo bem aproveitado Jeronymo
Gomes Teixeira. Tambem foi Mestre de Fran­
cisco Gomes Teixeira, e de Bento de Souza
Cainpelo que pintava flores, e ornatos, e mor­
reo velho pelos annos 1780 e tantos.

LOURENÇO DA CUNHA.

Foi o maior Pintor Portuguez que temos


tido no genero de Archil.e ctura , e perspecti­
va, ig·ualon talvez Baccarelll na pratica, e
[ 197 ]
excedendo-o na t.heoric a : ving a ndo-se com a
sua pericia em Arte tão liberal da sem razào
da sorte, que o havia condemnado ;i condiçfio
servil. Foi a Roma com huma pessoa d a famí­
lia dos seus pa tronos, e a lli a vançou muito:
<J uan<lo voltou , que sería pelos an nos 1 1.1.-1, ,
como niio era conhecido, foi pedir que fazer
a Ignacio de Oliveira , que regia o Theatro
dos C'ong· regaclos do EspiriLo �anlo começou a
pintm- com aca nliamcnlo, mas pcuco depois
deixou vt•r o gr:tnde homem que Pra.
Quando Bibic>na cançava o Era rio pnra
admirar os espc>cladorcs com os magníficos
scenario� do The:?{ro Regio, ousou eJlc ser seu
competidor na Rua <los Contles, incl:t que c>m
ponto pequeno qual he o que exige hum thc a ­
t.rinho de bonecos; e dizi;10 os bons piuton's ,
que virão as suas obras, que no !,:í'U tanto n:10 ..
ccdião ás do seu ri,·al. Fez o Tht>atro do Bair­
ro Alto, e pin1ou para clle alguns scenarios.
Tamhem pintou huma capella da Igr�j a dos
Clerie;os Pobres, outra prn,pecliva na dos In­
glezinhos, o Côro das Trinas do l\Jocamho; o
teclo da casa do Capitulo cm S. Domingus de
Bernfica , o de Nossa Senhora do C'.1bo , h u m
retabulo na barraca. deS. .Juli,1o, q11<' nào cxi5-
te , e era excellcnte. Assentou por Irmão de
S. Lucas em Q5 de Outubro de 174 ,, e sc'nio
na l\lrza desde .1,.:; até 53 sendo cluas n•z(•s
Juiz. Foi Mestre de Matbematica de seu filho
CC
[ 198 ]
José Anasfacio da Cunha, Lente de Geome­
tria na Universidade de Coimbra. Morrco em
Lisboa pelos annos 1760.
Depois da sua morte dirigio o TJ1eatro do
Bairro Alto Silverio l\Ianoel Duarte , discípulo
do Bento de Souza, que morrco dous annos
depois. Seguio-se Antoni o Stopani, Bolonhe z ,
e a elle, pelos annos 17 67 Joaquim dos San­
tos de Araujo, <lahi a pouco tempo tornou SLe­
pani.

1.VIATTHEUS VICENTR.

No tempo ela Obra de Mafra creárão- s &


alli debaixo da direcção de Frederico bom Mes­
tre d'Obras , o Officiaes de relevo. Alguns
dos mais habilidosos entrárão na Casa do ris­
co, e clcrfio-sc a delinear as f> ordens, apren­
dendo lambem �lguma Geometria pratica, e
forão finalmente empregadr;s como Architectos.
Hum dos que mais se distinguírão foi o
l\fajor l\fa.llheu:a; Vicente , natural do lugar de
Barcarcna, foi Architecto da Casa do Infan­
tado, e Senado da Camara. Fez parte do Pa­
lacio de Queluz , sendo a outra parte com as
decorações dos jardins, de João Baptista Ro­
bilhon. �amo Architecto <lo Senado teve de
reedificar a Igreja ele Santo Antunio da é ar­
ruinada pelo terremoto.
[ 19 !) ]
Não podem ás vezes os Artistas fazer o
que entendem e desejão, porqÚe os donos das
obras não querem despender , mas naquella
não poderia allegar-se essa desculpa , nem se
p ode entender a razão porque tendo Mattheu$
Vicente carregado de ornamentos superfluos a
fachada da Igreja. , e mesmo o lado della pela
parte exteri or , fez 1.5'.o pouco caso da C'upula
que mais parece o mirante de hurna quinta ,
que o Zimborio de huma Igreja, quando to­
dos s�bem que as cupulas, quando as ha , são
as peças mais i mportantes dos edificios, e aon­
de os melhores Archüectos tem posto todo o
seu saber.
Fez tambem o Convento , e Basilica do
CoraÇc:to de Jesus , obra sumptuosa , apezar de
que transluz por entre a magnificencia da So­
berana que a mandou fazer , o espirito mes­
quinho do homem que a desenhou. Morreo pe­
los annos 1786 sendo já velho.

GREGORIO DE BARROS E V.A.SCONCELLOS.

Este Fidalgo , descendente <le illustres


fami)ias , era muito estudioso , habil Mathe­
tnatic o, e estimador das bellas Artes. Em 1780
cedeo gratuitamente ao Editor destes opuscu­
los as melhores sálas d o seu palacio a S. José,
CC 2
[ QOO)
para elle estabelecer nellas huma Academia do
nú, a primeira que houve em Lisboa. Alêm
disso quiz contribuir igualmente com os outros
Dirnctores para as despezas, que se fazião com
o estudo.
A entrada d a Casa era ampla e nobre ,
havia �ála para principiantes de desenho, ou­
tra para Geometria, Perspectiva , e Archite­
ctura , huma terceira para g-êços, e para o nú
era a maior de iodas. A11i concorrêrão Fran­
cisco Vieira Lusitano, Ignacio <le Oliveira,
Joaquim 1.Vfachado de Castro, Joaquim Carnei­
ro, o Rocha , o Barros, o Padre João Chrisos­
tomo , Simão Caetano, e outros que entre os
Directores, e Alumnos ex.cedêrào o :aúmero de
f>O pessoas. Continuou elle generosamente
aquelle beneficio público até o tempo da sua
morte que fui dous annos depois , tendo · de
idade quasi 70 annos. (1}
Como, por seu falecimento faltasse a ca­
sa, cessou o estudo até o anno 1735 , em que
o Intendente Geral da Policia Diogo Ignacio
de Pina Manique com beneplacito Regio trans-

(1) Pouco antes do seu fallecimento separou da sua bi­


blioteca, que era numerosa, cousa de 100 volumes, tratan·
do de Mathematicas , que queria logo entregar ao Erector
da Academia a quem os dava, o qual não acceitou anteven•
do que ella presistiria pouco tempo.
[!JOl )
ferio sómente o estudo do nú para a rua dos
Camilos, aonde durou até 1 807, tempo em que
os Francezes invadírão esta Côrte.

REYNALDO l\llANOEL.

No tempo de Eugenio dos Santos entre


outros Ajudantes da Casa do risco havia Re•
migio Francisco, que era o mais antigo, e
Reynaldo Manoel que era o mais Cortczão.
Quando alli hia o Marquez de Pombal , Remi­
gio a quem pela sua antiguidade tocam fazer­
lhe a Côrl e , sendo de genio acanhado escon•
dia-se , e mandava o Ri>ynaldo em seu ]ugar.
Este que juntava a huma figurn vantajosa ma­
neiras agradaveis , e insinuantes , de tal mo­
do soube captar a benevolencia do Primeiro
Ministro , que quando morreo l\Iiguel Angelo
de Velasques entrou ell e , e foi provido no seu
lugar ele Architecto das Obras Publicas. N es­
ta qualidade concorreo para a factura da es­
calinata , e pedestaes da Estatua Equestre pe­
los annos 177 5 , quando Joaquim Machado de
Castro fez alli collocar a sua escultura; e am­
bos forão premiados com Habitos de Chris­
to.
O Major Reynaldo , fez tambern a Igreja
dos Martyres , e acabou a Basílica elo Coração
[ 20� ]
de Jesus , e fez o Chafariz das Janelas verdes ,
e tennfoou os seus dias em 1789 , ou 90.
Da me$nrn escola de Mafra sahírão João
Ferreira Cangalhas , Pae, e lVIesfre de Fran­
cisco A ntonio Cang-alhas , Archilecto <la Cida­
de, e da Igreja de S. Francisco, irmão de João
Pedro Cangalhas sábio em Mathematicas ; Cae­
tano Thomaz, Pae, e Mestre de Manoel Cae­
tano de Souza, Antonio Baptista Garbo , e
outros.

Srn:Ão CAETANO NuNES.

Depois de Lourenço da Cunha foi o Ar­


chitecto Decorador mais accreditado de Lis­
boa. O Lobo -diz delle :

" Despreza o que he inutil na sua Obra ,


" E com pouco trabalho ensina , e obra.

Em quanto Silverio, e Stopani se occupa­


vão no Bairro A!to , regia elle a casa da Rua
dos Condes ; mas quando as duas companhias
se ajuntárão lá em cima, foi elle alli preferi­
do � e alêm dos scenarios fez as tramoias para
o l\fagicó de Salerno. D. João de Spina, e
ontrns obras magicas. Pelos annos 178.\2 fez o
ThE>atro do Salitre para Tcrsi fazer os seus
equilibL·ios. Dirigio tambem o Theatro da Gra-
[ i03 ]
ça. Pintou muitos tectos , e outras cousas na
quinta de Devi sme em BP-mtica, e na de La­
Rocha em Cintra. Em 1 7 8 1 fez os ornanien(Ls
do tecto da Sacri stia da Encarnação. O., nc0r­
reo para a manutenção da Academ i a de S. Jo­
sé , e deo nella li ções publicas de G1.;c.,mctria ,
e Perspectiva. Os seus discipul0s forâo .Jua­
quim dos Santos de Araujo, Manoel da Cos­
ta , Gaspar José Raposo , Simão Caetano da
Cunha , e outros.
Joaquim de Araujo soube muito bem a
Perspectiva; mas os seus ornamentos erào de
pessimo gosto. No tempo em que o Ilruno foi
tambem Emµrezario , dirigio alguns mczes
o Theatro do Ilairo Ailo. Entrou como Noviço
no Convento de Jesus da 3.ª Ordem de S. Fran­
cisco ; mas sahio antes de prnfessar , tendo
pintado varias cousas na Cella do Padre May­
ne , Confessor do Rei. Casou , e a vida desor­
dênada que teve o condnzio á extrema pobre­
za, em que morreo de dolorosas enfermidades
pelos annos 1795 com 54 de sua idade.
Gaspar José Raposo , nasceo em Lisboa
com talento natural para a Pintura. Tinha juí­
zo claro, e huma pratica continuada nas obras
de seu Mestre , e nas suas. Quando Simão
Caetano adoecco , dirigia a Pintura nos Thea­
tros da Rua dos Condt!S , cujo Emprezario era
Paulino José da Silva, e do Salitre que per­
tencia a João Gomes Varclla. Para . supprfrem
[ <!Oi. l
a sua falia mandou cllc Gaspar para o 1.0 , e
Costa para o Q.º, os qua<>s ficárào, por morte
elo l\Jc•slre , regendo ca<la hum a. sua casa.
Ga.:;par pinton a arcbilectura, e ornatos do te�
cto dú..., Capella IHór da freguczia da Encarna­
ção , varils tcctos cm casa de Jacintho Fer­
nandes Bandei ra, e outras cousas. A fraque­
za quo leve de se abancknar incautamente a0s
attractirns do bcl!o sexo lhe occa�i< nou huma
Pnfermidadc, que sendo mal curada lhe fez
perder totalmente o uso das pernas por alguns
annos : assim mesmo assentado n 'hum carri­
nho tlirigio os S<'enarios uo Theatro , e pintou
no picad�iro (lo Collcgio dos .Nobres algumas
ca rruag·ens para a Casa Real. Contra toda ::1.
<>speranç:i do famoso Cornelio, e de ouiros Fi­
i;;i cos foi radicalmente curado por Manocl Lo­
pes Cirurgiào da Camara , que tinha lambem
proloug·ado os <lias de. Agostinho da Sifra,
creatlo muito estimado do Senhor Rei D. P�
dro , depois de o desampararem todos os l\le•
dicos. Em 17!)3 dirigia as soberbas lnminarias
que mandou fazer \nselmo .José da Cruz So­
hral pelo nascimento da Senhora Princeza D.
l\laria Thereza.
P.intou muitos sccnarios para o Theatro
d e S. Cados , e toclos para o Salitre, não só
110 tempo cm que Paulino foi Emprczario des­
fc Thcatro ; nrn!-1 tambem quando a Compa­
nhia tomo.u a si a cmprcza, e quando a teve
[20õ ]
A ntonio José de Paula. Em tanto engolfando•
se cada vez mais no delei le para que era tào
propenso, augmentou a molestia primitiva até
o ponto de ganhar huma putrefação nos ossos
da cabeça , de que morreo em Bellas no dia 4
de Janeiro de 1803 com 41 annos de idade.
André l\fon teiro, seu discípulo, alêm de
ornam entos , e quadraturas , tambem pinta
paizagens , gados , caças , e outros objectos
curiosos , com muita acceitação do Publico,
e presentemente está feito Mestre das Obras
P ublicas.
Simão Caetano, sem estar muito doente ,
rleo demasiado crédito a hum mesinheiro, que
promettia purificar-lhe o sangue, e tomou suc­
cessivamente 17, ou 1 8 medicamentos purgan­
tes : que lhe causárão huma inflamação inter­
na de que morreo em 1783 com 64 annos de
idade. Era melancolico , e tinha muita probi­
dade , e desinteresse. Dos Theatros nunca ti­
r ou maiores lucros , que os q uc dava aos seus
Ajudantes. Existe o seu reirato pintado por
Domingos da Rosa.

MAJOR l\1ANOEL DA COSTA NEGREIROS.

Era Irmão do Pintor José da Costa Ne­


greiros , de quem fallamos a pag. -- A m bos
DD
r206 J
ent.rárão na Irmandade de S. Lucas em 1746 .
Sabia a pcrspcctiva , e fez profissão de A rchi­
tectura. Fez a Ermida do Senhor Jesus da B0a
nova junto á Funcliç;.1o, que ho da Ordem Jo­
nica , e tem huma planta assás regular. Tam­
bern he sua a muito elegante torre do relogio
da Graça , a qual tem �columnas nichadas nos
angulos. Poi natural de Lisboa , e Architccto
da Casa do lnfantado como seu pae. l\1orreo,
sendo casado, cm l 7ó0. Fez a porta do Sa­
cramento , e o Palacio de Barbaccna.

-
�-""•,..--
Lnz BAPTISTA.

Te,·e por l\Iestre hum homem que lhe não


soube ensinar nada , mas Thomaz Gomes
achando-lhe habilidade empres tou-lhe estam­
pas, deo-llw lições , e introduzio-o primeira­
nwnte com Francisco de l\foura , a qu\!111 aju­
dou a pintar as ta1jas dos <loceis nas c;ipcllas
do Carmo , e depois com Lourenço da Cunha
no Theatro do Bairro Alto , e por fim estava
pintando , e riscando c(frctivam<'nte na Ribei­
ra das Xáos debaixo do commando de Ignacio
Meireles , porque naquclle tempo ainda se
usaYa manobrarem os Majores, e Commandarem
os cabos de esquadra. Pelos annos 1781 pin­
tou a perspectiva no tecto da freguezia da
\

[�07 ]
Pena : morreo 4 annos depois tendo quasi 60
.de idade. As reprezas forão pintadas por elle,
por José Thomaz Gomes , e por Jeronimo de
Andrade. Os baixos relevos, e as cabeças nas
reprezas por José Caetano CJriaco. João de
Rhodes pintava o corpo arnarellado , quando
adoecendo repentinamente morreo pouco tem­
po depois. As flores são de Thomaz Gomes.
Luiz Baptisl a fui Mestre de Manoel Macario,
que pintou as flores no tecto da Capella Mór
da Bemposta , e morreo muito moço , e de
seu Irmão Eusebio Lopes , que dirigia as pin­
turas dos escaleres na Ribeira das Náos , o
qual morreo de õO anoos a 6 de Setembro de
1818. Jaz n a Freguezia da Pena.

JERONIMO DE ANDRADE,

Foi hum excellente Pin tor de Ornatos , e


A rchitectura : Achou-se· sempre entre os que
e:xecutavã'o no seu tempo as melhores obras da
Côrte. Desenhou , executou , e dirigio o te­
clo da Igrc>ja de S. Paulo , que he de perspe­
ctiva, sendo aju dado por José Thomaz Gomes,
Vicente Paulo , o Gaspar José Raposo. Nasceo
em Lisboa em J 7 1 õ , entrou n a Irmandade do
Santo cm Q3 de Outubro de 17,tG, e falcceo
pelo Natal de 1801.
DD i
[Q0 8 ]
Por estes tempos florecêrão outros Pinto­
res not..weis destes mesmos generos. Thomaz
Gomes foi exccllente em ornatus, flores, pai­
zagcns, e ruinas, que pintava com bello gos- '
to de côres , e toque de pincel, nas cercadu­
ras , e nos meios das seges. Era por extremo
acanhado, e modesto, e nunca quiz dirigir
obras. Os seus discipulos forão s.eus filhos José
Thomaz Gomes que morreo em . . . e Pedro
Antunio Gomes que faleceo nos primeiros de
Setembro de 1 8 1 9 de 60 annos. O Pae morreo
de 69 , ou 70 annos por 1733.
Francisco Gomes Teixeira, Irmão de Je­
ronimo Gomes , e seu condiscípulo na Escola
de José Bernardes, tambem pintava flores,
fructos, ornatos, '& e.
Thornaz de Brilo de Souza natural da Ba­
hia , era hum dos que escurecião bem o ouro
no. Ribeira das Náos. Ajudou o Bochecha a
pintar os ornalos no teclo de Xabregas, e Ma­
noel da Costa nos de Domin!;?;os Mendes. Ti-
. nha mulher , filhos, vivia cheio de desgostos ,
e desappareceo de Lisboa pelos annos 1783 ,
tendo quasi 60 annos. Entrou na frmandade
em 53.
José Carvalho Rosa servio os Senhores In­
fantes de Pa!havà em qualidade de Porteiro da
Cana, e teve occasião, e commodo para copiar
a s preciosas 'flores que se creavão naquclle vas­
to jardi m , de sorte que no seu tempo teve a
[ 20� ]
reputação de ser o melhor naquelle genero.
Pintava-as grandemente a oleo , mas ainda
ntelhor de illuminaçào. Ignacio José ele Azeve­
do Coutinho possuia algumas, que erào impa­
g·aveis. Entrou na Irmandade em 30 de Ou­
tubro de 17,.L4. Morreo pelos annos 7 8 sen<lo
já velho.

FRANCISCO XAVIER LOBO.

Nasceo em Lisboa , e foi filho de Anlonio


Lobo, de quem fizemos menção a pag. - Es­
tudou a Arte na escola de André Gonçalves.
Pintou figuras , paizagens , ornamentos , fru­
ctos , e objectos naturaes, tudo mediócremen-
. te. Tinha espirito filosofico, e mordaz ; e sem
ser grande Poeta fez alguns epigramas que ii­
nhão sal. Collocando-se em sitio muito eleva­
<lo huma estatua de bronze , cujo metal tinha
sido de hum sino, e fazendo elle n'huma de­
cima hum elogio ao Heroe , dizia :

Abatello a Inveja fora!


Não , que por sua bondade
Ariui , e na eternidade
Alto está , e alto mora.

Huma mulher que deitára em seu marido


htnna ajuda d';:i gua forte, disse-lhe no fim de
hum Soneto :
[�10]
Vai fazer aos hereges essa esmola
Serás a estirpação das herezias.

A João Xavier de l\lattos, que se quei­


xava muito nos seus versos dos desdens da
sua Olaia , enviou bum Soneto que terminava
com os seguintes máos conselhos :
Amigo , se queres que ella caia
Põe de parte os teus mimos de Poeta
Da-lhe o lenço, a fita , o pente , a saia ;
Esta escóla de amar he mais djscreta :
E escusarás de andar atrús d'Olaia
To<la a vida a gemer feito pateta.
Passando por hum beco solitario aonde
vio á janella huma meretriz que olhava para.
clle com atteáção , perguntou-lhe : ha que li­
dar ? Traduzia Comedias Italianas ; e huma
que compoz em Portug·uez, chamada vulgar­
mente a Galegada , teve muito applauso. Fez
o papel de satirico, e gracioso da. Missa mal
ouvida das mulheres. Escreveo dialogos sobre
a pintura em que dá boas instrucções , e por­
põem tambem certas <lifficuldades, de que de­
sejaria a solução. Ms. Breve Tratado da Pin­
tura prática. , e especulativa. Sylva Laudato­
ria aos Pintores , Escultores ; e Architectos do
seu século , feita á imitação da que fez em
Hespanha a similhante assumpto Lopo Felil
[�ll]
da Veiga Carpio. Louvor á sublime Arte da
Pintura : diz 1.lella que tudo imita . . . •

Só a voz não se pinta, mas que importa ?


Quando as acções de quantos alli vemos
Pintados , mostrào o que a voz não disse.
Relinchão os cavallos com soberba ;
Os donos seus conirarios ame<ll'f�ntão;
O General as ordens determina ;
O ferido se queixa; o fraco treme . . • •

Desta mesma familia tivemos mais dous


Pintores. Joaquim José Lobo , irmão de Fran­
cisco Xavier , e José Joaquim Lobo, seu so­
brinho, ambos figuristas, o l.º m orreo pelo
terremoto, e o 2. 0 terminou os seus dias pe­
los annos 1793 de 60 anuos , ou mais.

JoÃO PILLEMENT.

Famoso Pintor Francez de paizagens, ga­


dos , e decorações de gabinetes. Costumou-se
a viajar , e esteve tres vezes em Lisboa : a l.'1
antes do terremoto de óf> , a 2.ª pelos annos
17 6 6 , e a uhi ma 14◄ annos depois. Desta ui­
tinia vez demorou-se , e fez muitos, e bellos
paizes , huns a pastel , ( genero em que se ex­
cedi a ) , outros a oleo , e todos se achâo pelos
[ 9i H ]
g:-tbinetes dos curiosos. Antcs de se retirar fez
apressadamente hum certo número delles que
dividio cm lotes , e organisou huma loteria de
mil moedas. Pintou para casa de Gerardo Dc­
visme em Bemfica dous pequenos gabinetes
por 2�0 moedas.
Tinhaem sua companhiaM. le Louvetcsua
sobrinha , que foi ao Paço fazer alguns retra­
tos de miniatura , e tambem gravava a agua
forte.
Os seus discípulos em Lisboa forão Joa­
quim da Costa, Irmão de Manoel da Costa ,
e Joaquim Mellisent , que se applicou a dese­
nhar flores : abria de agua forte, e foi empre­
gado nas estampas para o papel moeda, por
1797.
Pillement quando deixou Lisboa era mais
que septuagenario.

FRANCISCO DE FIGUEIREDO.

Se a pericia da Arte andasse sempre anne­


xa , corno alguns cuidão , a hum genio Juua­
tico , e extravagante , este Artista poderia
competir n a perspectiva com o Padre Pozzo ,
nn. figura com o Corrngio , e no ornato corn
Albertoli , porque em todos estes generos nos
deixou obras , mas muito más , como se pode
[U3]
"�r nos tectos de S. João da Praça , e das
Chagas. Po1·êm senão tinha letras , sabia im­
pôr muito bem com as suas tretas. Sempre fal­
lava na Academia de S. Fernando, e em mui­
tas outras aon de fôrn , dizia elle, Academico :
Jactava-se de improvisador, ás vezes queria
apostar qne havia de compôr alguma cousa
grande em quanto se deitasse hum foguete ,
e com effeiLo como elle riscava, e fingia com
o som · da sua voz os est.oiros do foguete aca­
bava tudo ao mesmo tempo. Não lhe esquecião
os cinco pontinhos no papel para irem tocar
neI!e s a cabeça, pés , e mãos de qualquer fi­
gura humana que se pedisse , aqui he que el­
Je se fazia admirar não só ela multidão , mas
até de alguns entendedores ?
Francisco de Fig·ueiredo era natural do
Porto , fez algumas viagens , e foi a Evora
aonde pintou varios paineis no Convento de
Santo Eloi : de lá passou a Lisboa , e fez
grande amizade .com Francisco de Setubal ,
que lhe retocou a tempera os paineis do tecto,
e paredes de S. João da Praça , que elle ha­
'Via pintado a fresco.
O muito uso que fazia de li.côres espiri­
tuosos augmentava ás vezes a sua loucura or­
dinaria. Os Padres Vicent.es o rccolhérão, e
occupárão nos fins da sua vida , que foi pelos
ultimos annos do seculo passado, sendo já ve­
lho.
CE
l\lR. RosA,

Foi hum Pintor do ultimo século muito


e
notavel no genero de gados, paizagens, es­
teve cm Roma , e em outros paizes , e crê-se
que tambem cm Lisboa aonde n a collecç.lo do
l\.larquez de Lavradio, e cm outros gabinetes,
deixou bastantes paincis seu s , pintados com
boa maneira , e grande pasta de tinta.
Francisco Paes, muito bom Pintor de fru­
ctos , flores, etc. , e protegido pela Casa de
A brantes copiou alli com grande franqueza al­
guns elos seus pn.ineis. Pintou o tccto de S.
Francisco de Paula , e outros na Patriarchal
incendiada Jogo depois do terremoto. Ainda
vivia contando bastantes annos.

D1000 MA.GINA , E OUTROS PINTORES DO


A LGARVE.

Hc muito para acreditar que no Reino do


Algarve tcnhão florecido alguns Artistas dignos
de memoria ; entre elles deve occupar Jrnm
bom lugar Diogo l\lagina natural de Tavira ,
o qual esteve em Lisboa pelos annos 1766 , e
[�H>J
pintou os paincis . da Vida de Nossa Senhora,
que estão sobre as Capellas na Penha de Fran­
ça. Tinha estado em Sevilha. , e estudado
naquella Cidade pelas pinturas de Murillo.
Quando em 1775 passamos por Aiamonte es­
tava elle alli fazendo algumas obras, e parecia.
ter 50 annos. Foi disci pulo de Diog·o de Sou­
za de Loulé, ( pae de hum Lente da Universi­
dade de Coimbra), o qual fez algumas pintu­
l'as na Freguezia de Castro Verde , e as bata­
lhas de D. Affonso Henriques n a Igreja dos
Remedios.
Pelos annos 181 1 vivia em Faro Joaquim
José Rasquinho, tendo cousa de 60 e tantos
annos , depois de ter feito varias obras de pin­
tura no Alernt�jo, e no Algarve , sendo huma
dellas o tecto de Architectnra com hum painel
da Virgem Immaculada na Conceição de Loulé.
Seu filho o Conego Rasquinho em Faro
tarnbem sabe pintar muito bem figuras , e
paizagens.
Temos noticia de outro Pintor de Tavira.,
João Rodrigues Andrinos, que foi Pae e l\fos­
tre de Theodora Mari a , a qual morreo em
1761 , tendo 24 annos de idade.
N o ultimo século viverão em Lisboa ou­
tros Pintores, e Escultores do A lgarve. Pedro
de Alcantara pintou com muita valentia as
pai zagPns, tanto a oleo em painei s , c01no a
tempera em pannos de casas, e nos Theatros.
' EE2
UH 6 ]
O Medico da Ca mara Alberto de Azevecto
possuia hum certo número de quadros seus com
lind a s figurinhas de Pedro Alexandrino. En­
trou n a Irmandade de S. L uc a s em o 1. 0 de
O utubro de I7,Ji7 , ainda vivia pelos annos
1763.
NicoJáo Monteiro pintava com gala nta ria
certas bambochaía s de anões que comião, be­
bião , e joga vão ás vezes as cartas , ás vezes
p a ncadas. Inventou depois hum novo modo de
estofar , e enc a rn a r as Imagens de Escultur a ,
com grande perfeição , e foi imitado p o r seu
filho Ma noel Fra ncisco l\fonteiro , José Antu­
nes dos Reis , Theodoro da Fonseca, e ou.­
tros.
Greg·orio M a deira não se podendo susten­
t a r no genero historico em que começára, ap·
plicou-se á Architectura , e Ornato , pinta va-o
muito bem a oleo, e a teo1pera. Entrou na Ir­
mandade de S. Lucas no 1 . 0 de Fevereiro de
17 48 , e existia a inda por -
Antonio <los Sa ntos da Cruz, Escultor, na•
tural de Faro. v. p.

JERONIMO GOMES 'fEIXEIRA,

Nasceo e m Lisboa , e foi discípulo de Jo·


sé Berna rdes , que pintou as flores no tecto da
Portaria da Graça , e de quem fallamos a
[ g t7 ]
pag. - Casou a 1.ª vez com a filha de seu
Mestre , que morreo no terremoto de 55. De­
pois de huma viuvez de 27 aunos , sendo já
velho tornou a casar como huma donzella de
poucos annos , cunhada de seu filho, que ca­
sou pelo mesmo tempo.
Pintava grandemente os objectos de Ar­
chitectura;, ornatos, e perspectiva; e tinha na
combinação das côrcs hum gosto particular.
H e seu o tecto de Santa Justa, e o da Capcl-
- la Mór dos Marlyres : fez quantidade de ou­
tras obras em que lucrava pouco, porque as
fazia muito baratas ; e mesmo ás vezes não
tirava para as despezas. Tinha grande geito
para ensinar praticamente os seus discípulos,
com modos sempre risonhos , de maneira que
nas grandes obras sempre o veríeis cercado de
rapazes principiantes, alguns dos quaes avul­
tavão mais do que elle , que era muito baixo ,
e muito magro, ainda que de agradavel pre­
sença. Teve por discípulos seu filho José Joa­
quim Gomes que lhe foi inferior em talentos ,
e morreo pelos annos . . . . Vicente Paulo da
Rocha natural da Alhandra , sugeito de gran­
de merito , porque não só executa bem qual­
quer desenho de ornato , ou quadratura , mas
tem o dom de alegrar a companhia , arreme­
dando com propriedade alguns homens, e ani­
lnaes.
Eugenio Joaquim Alves tambem tem aju-
[�18]
dado a executar desenhos alheios , e seus , e
tem feito de sua invenl;ào bons scenatios no
Theatl'O do Salitre , etc. He Mestre de seu
filho.
Felix José Fernandes nascido tambem em
Lisboa começou a estudar em 1788 , quando
seu Mestre fazia o tecto de Santa Justa. Em
IGOG, e 1807 regia os Theatros do Salitre , e
da Boa ho1·a em Belêm. So�revindo-lhe ao pes­
coço alguns tumores scrofulosos morreo delles
em 1 8 1 1 contando 38 annos de idade.

• Mo,'llSJEUR BERNARDO Fo1T.

Era natural de Pau Freguezia de S. João


da Luz , e foi Pintor de historia, e de perspe­
ctiva, e cm ambos os g·eneros tem obras pu­
blicas- .na Igreja dos Barbadinhos Francezes ,
onde fez o retabulo, e painel da Capella Mór ,
e em Santa Isabel , para onde pintou o de S.
Gonçalo. Em as Ermidas junto ao Lumiar tem
tambem Nossa Senhora d o Carm o , e Nossa
Senhora da Conceição. Tinha igualmente uso
de fazer retratos. Obteve lmma pensão , e o
titulo de Pintor do Senhor Rei D. José. Fa­
Jeceo de mais de 80 annos de idade em 179 1 ,
011 92 , deixando muitas , e boas estampas , e
paineis ao .seu discípulo Antonio ManQel Fer-
(QI9]
reira Lima, o qual alêm d a pintura , ta1nbem
he Professor de Química.
Por aquelles tempos a rogo de Mr. la Croix
veio de França para dirig·ir as pinturas na Fa­
brica das caxas , e carruagens, l\Ir. Gerard
Pintor de bello comportamento , mas de me­
diocre habilidade, o qual em 1770 pintou o
pai nel da Senhora d' Atalaia, que está na Con­
ceição dos Freires. Casou em Lisboa , e cá
terminou os seus dias.

JosE' ÁNT()NIO NARCISO,

Vio a luz em Lisboa em 173 1 . Tendo lo,


ou 11 annos comP-çou a desenhar perspectivas,
e ornatos debaixo da direcção <le Simão Go­
mes dos Reis, 1ilho do Capitão José Pinhão
deMattos, que pintou a oleo as vistas de Lis­
boa, e de Gôa , cujos paineis estiverão no Col­
l egio dos Nobres. Ambos erão naturaes de Per­
nambuco.
Passou depois a escurecer ouro na Ribei­
ra das Náos , onde sub o comrnando de Igna­
cio Meireles se pintavão os escaleres, e outras
emb arcações do Rei ornado tudo rica , e artis­
tamente com delfins, conchas , busios , espa­
danas , de ouro escurecido, sobre fundo azul
cele ste, tendo elle huma certa pl'i mazia sob,·e
� ( g�o]
os seus collegas. I sto durou até os annos de
175 6 , tempo em que entrou Luiz Baptista,
de quem não era amigo , o qual ficou supprin­
do o seu lugar.
Achando-se o tecto da Igreja do Cabo,
que era pintado por Lourenço da Cunha, mui­
to damnificado, elle por ordem , e á custa do
Rei o foi pintar, superintendendo á obra Pedro
Teixeira.
Em quanto Ignacio de Oliveira foi Ar­
chitecto Decorador do Theatro Regio , Josó
Antonio dirigia a pintura dos scenarios que el­
Jc inventav a , e ainda depois d a vinda de Az­
zolin i , foi dirigir em Salvaterra a pintura da
bnrleta determinada pelo mesmo Ignacio. No
tempo de Azzolini pintou hum bosque em com­
petencia com outro pintado por Jeronimo Go­
mes.
Ig-rni.cio de Oliveira foi sempre o Archite­
d o dos Theatrns, que pelas festas se armavão,
e desarmavão em Queluz , e dos scenarios que
alli se executa vão, de cuja pintura costumava
jncumbir o nosso N arciso. Este sendo compa­
dre, e muito amig-o de Manoel Caetano de
Souza imaginava , e desenhava a m aior parte
dos ornamenlos, e quadraturas que elle foz
executar nas suas obras, o que era feito com
grande magisterio , sim , mas n o máo gosto
A lemfio, que ainda por cá se usaYa, Pintou
os ornatos , e architecturas· de rríúitos téctos
[��1 ]
em Igrejas, e Pala.cios taes como os da Casa
de Barba cena, o do Loret o , Martyres, Con­
ceição , S. Domingos , e Bemposta ; o de S.
Julião feito elll 1800 , e incendiado 1 6 annos
depois , o do Sacramento, &e. Tambem tinha
pintado o de Santa Quiteria, para onde se re­
tirou em 1809, occupando-se alli com modico
estipendio; mas quando nos fins de Setembro
entrou o exercito de Massena teve de abando­
nar o pouco que tinha, e retirar-se precipita­
damente a pé com a sua família, achando-se
na patria como emigrado , e precisando apro­
veitar a sopa economica. Morreo em 1 8 1 1 . Foi
Mestre de seu filho Ana.cleto José Narciso,
Joaquim Romão, e de João de Deos.

O MonoADO DE SETUBAL.

José Antonio Benedicto de Barros, de hu­


ma farnilia assás distincta , e fecunda em ho­
mens sabias, creou-se em Mafra aonde teve li­
ções do grande Vieira, CUJa casa frequentava.
Poz -se depois a pintar de curiosidade toda a
sorte de 0bjectos, que lhe parecião pintures­
cos , corno aves, animaes, utencilios de cozi­
nha, fructos, labregos notaveis, ortaliças , &c. ;
e apezar da extrema secura, e dureza do seú
pincel, e da má composição dos seus paineis ,
FF

r
[ H! J ,,
h� em muitos delles cousas tão naturaes, que
agradão aos mesmos Artistas. Retratou tam·
bem alguns amigos , e entre outrns Antonio
�osé de Paula, famoso Actor Portuguez. Vivia
em Setubal aonde nutria huma paixão irregu­
lar, e como os allimentos <pie seu pae lhe da·
va não bastassem para as despezas que fazia•
usou da Arte c_omo professor até os annos 180-4,
tempo em que pela morte de seu pae herdou
a casa que rendia 10 a rn mil cruzados. Ama­
va as h\:)llas letras, e lia livros Latinos , Fran­
cezes, Italianos, &e. Depois da herança vivia
com os seus amigos tão familiarmente como
d'antes. Levou sempre huma vida mui seden�
taria , e morreo celibatario de hum insulto ap­
popletico pelos annos 1809 , não tendo ainda
60 de idade. Des�jou muito legitimar huma 1i­
lha para ser sua herdeira , mas não o consc­
guio pela ter havido em mulher casada. Assim
passou o vinculo a seu sobrinho , filho de sua
irmã, e do famosoMathematico José Joaquim
de Barros seu tio.

MANOEL C.AnTANO DE SouzA.

Filho e discípulo de Caetano Thomaz. Poi:


morte de Matheus Vicente succedeo-lhe no lu­
�ar de A rchiteAtÇ> dp lnfa.ntado, e pela de
[ t23 ]
Reynaldo foi nomeado Architecto das Obras
Publicas , e teve Patente de Coronel de Artc­
lharia. Reedificou de novo a Freguezia da En­
carnação , a Igreja de S. Domingos, a R eal
CapeJla da Bemposta , e fez a sua casa nobre,
a de Domingos Mendes , e a torre da Capella
Re a l da Ajuda , &c.
Foi Mestre de seu filho Francisco Antonió
de Souza., Cavalheiro da Ordem de Christo, que
lhe succedeo nos lugares de Architecto d o In­
fan tado, da Patriarchal, e das Tres Ordens
Militares. Pela morte d a Senhora D. Maria 1.ª
fez o seu apparato fúnebre na Basílica elo C()-i
ração de Jesus.
.Manoel Caetano teve- o Habito de Aviz,
e morreo mesmo no Paço em 180:i! com 64
annoti.
Quando os Fidalgos nzerão a s Cavalhadas
l'lo Terreiro do Paço, foi elle o Architecto do
Anfitheatro , e nessa occasião Euscbio de Oli­
l'eira , natural de Benavente, fez em perspe­
ctiva a decoração do ca marote, ou vara ndá
Real. Teve muito uso ele riscar, e pintar qua­
draturas no The a tro Regio, e nos outros, assim
como em tectos. Morreo em l..rsooa em 1814
tend o mais de 60 annos, depois de ter sida
ltluito maltratado pela gota.

FF 2
..
-r !�4]

NrcotAO Lu1z. ALBERTO DE LA R1v..t..

Descendia de antigos Hespanhoes, que se


estabelecêrão em Lilla, a.onde eJle nasceo em
1755. Alli mesmo começou a estudar a Arte
com Heinsius retratista Alemão , desenhando
o nú na Academia ; mas em 76 desejando me­
lhores estudos sahio da Patria , e esteve dous
annos em Artois com o Conde de NeuviJle,
cançou-se pouco julgando-se , dizia elle mes­
mo, bastante sábio, mas quando chegou a P,t­
rís fez de si bem diverso conceito. Tendo-se
inclinado ao genero <las batalhas , e ao das
bambochatas, frequentou a escóia de Casano­
va. , Pintor Italiano destes óbj cctos, e sahia ns
praças , e aos campos a desenhai· , e a pintar
arvores, animaes, paizanos , etc.: e Luiz Wa­
teau Director da A cademia de Lilla, ( Primo do
fam oso An tonio VVateau ), o recebeo como A c·a­
demico de merito em composições ele comba­
tes � cason, e esteve atli até á revoluçi(o de
1790 • .Em 9i>. veio a Lisboa donde 5 annos de­
pois voltou a Hesp::mha, deixando cá a mulher ;
alli retratou em cQrpos inteiros o Duque dei
Infanta.do, e a Marqueza de Santa Cruz , que
pintava com magisterio, e protegia efticazmen­
te os Artistas. Tornou a esta G3rte em 1soo.
[tQá J
Retratou o Príncipe Regente em meio, e in­
teiro corpo. Tres annos depois , por intcrven­
ç:'io de João Diogo de Barros, oblcve huma
pensão he 600 $ réis para pintar no Picadeiro
Regio todos os objectos de picaria. R etratou
EIRei em grande a cavallo, mas o seu talento
proprio era para cousas pequenas. Em 1809
comp rou na feira por quatro moedas huma ta­
boa da Annunciação de Pintor Portuguez anti­
go , imitador de Gaspar Dias. Não se sabe co­
mo este quadro passou por hum Rafael, he cer­
to porêm que hum General Inglez lhe deo por
elle o equivalente de 20 $ cruzados. l\1on-eo
ein Lisboa em Junho de 1818.

MANOEL DA CosT.A.

Natural rle Abrantes , parente de Manoel


Constancio, que foi Lente de Anatomia , nas­
eco quasi no tempo do terremoto de óõ, vindo
para Lisboa, foi estudar a Arte na escóla de
Simão Caetano Nunes, quando elle regia tam­
bem o Theatro da G raça, aonde podemos di­
zer que se creou , e teve occasião de apren­
der o mecanismo das tramoias que alli fazia.
hum bom Maquinista Hespanhol. Tendo aca..
hado os seus estudos em 76 ou 77 , agregou...,.
se a Verissimo Antonio de Souza , que dirigia
[ !l26 ]
as pinturas das carruagens pal·a a. Casa Real.
Em 1733 , por morte de seu Mestre su.ccedeo­
lhe na direcção da pintura do Salitre, como dis­
semos na viela de Simão Caetano. Pouco tem­
po depois fez- os tectos de Domingos Mendes •
aonde mudou a palheta, segundo o Systema de
Pillement, isto he usando geralmente dos es­
curos cinzentos em todas as côres , e até nas
flores, cousa que lhe tirava a. transparencia, e
o agrado. Em 87 ,foi Emprezario na Rua dos
Condes com Domiog·os de Almeida; larganclo
depois a em preza ficou como Pintor , e teva
- grandes altere.ações com Sebastião da Cruz So­
brnl que protegia o Almeida , e governava o
Thontro, de que se se-guio pôr elle de parte
os Pintores Portuguezes , e mandar vir de Ha­
Ji:i primeirn.mente o Mignola , e depois o Bai­
la. Nesta época começou em Lisboa a decaden­
cia <leste ramo da Arte , que se havia conser­
vado com bastante perfeição , sendo os Thea­
tl-os n. gra:nde escóla dos ornatos , e perspecti­
vas , e os altos preços da entrada d a vão benii
ptirn a despeza.
Os novos vindos trazião à pasta bem for­
neci-da de bons desenhos seus, oualheios, mas
a execuçàío era pessima , e t a l como a fazião
nos pobres Theatros da ltalia, aonde se entra..
' por 40 ou óO néis. Depois de Baila que pinta­
.va bem as grutas , e fez huma boa cazinha,
v.eio o Cav-alheico Vicente Manzonesch.i, Ar-
[�!7 J
chitecto Civil , e decorador, Desenhava gran­
des pedaços de perspectiva; mns não s.ibia
pintar; de sorte que a nossa escóla hinclo sem­
pre de mal a peor, veio a precipitar-se de to­
do. Manzoneschi fez o Theatro do Porto, e
ruorreo em Lisboa de 60 annos <le idade.
Manoel da Costa fez mui (as obras, e en­
tre ellas alguns tectos no Paço de Nossa Se­
nhora d' Ajuda , e de Queluz ; e retirou-se pa­
l'a o Rio de Janeiro em 1 8 1 1 , depois de per­
der a formosa mulher com quem foi casado.
Seu irmão, e discípulo Joaquim da Cos.ta,
nascido tambem em Abrantes em 1783 , estu­
dou com elle 8 ou 9 annos, (teve 1ambern lições
de Pilliment), começou a ser seu ajudante nos
tectos de Domingos Mendes. Em H7 por in­
tervenção de Manoel Conslancio conseguia ser
Pintor das carruagens da Casa Real , lugar em
que presistio pouco tempo. Em 1803 , sendo
emprezario do Salitre Manoe! elo Faria , es­
cripturou-se para Pintor daquelle Theatro : de­
pois passou para. a Rua dos Condes , donde sa­
}1fra seu irmão por desavença que teve com
Manoel Baptista de Paula , e alli se conservou
até 181� , tempo em que entrou João Chiari.
Fez depois o novo Theatrinho do Baírro Alto.
Cbiari linha entrado para Pintor do Thea­
tro de S. Carlos ainda no tempo de Manzones­
chi, mas fechando-se aquelJa casa por 1809 foi
Ha.ra Londres ; tornou em 181� , e ficou sendo
[M8 ]
Pintor não só do mesmo Theatr o , mas (arn­
bem elo da Rua dos Condes, donde furão ex­
cluidos os Portuguczes.
Pelos airnos 1787 , tempo cm que l\fanocl
da Costa contentava tanto o publico com as
lindas tramoias que fazia para os elogios na
Rua dos Conclcs , o Gaspar n:io era feliz com
as suas no Salitre, por cuj o molfro Paulino Jo­
sé ela Silva Pncarregado da emprcza , mandou
vir Thcodoro Bianchi famt.so maquinista Ita­
liano porintcrvenção de l\farafe, que era o l\Ics­
ti-c dos bailes , e muito seu amigo.
Bianchi fez as tramoias para a Artemisa ,
para a Rabicortena, e para outras peças : era
uatnral de Modcna , e começou a estudar alli
mesmo a pcr.�pectint : depois elle , e seu l\Ies­
trc ajud,(rão a pin(aL' os sccnari os, que Anlo­
nio Galli Bi biena , irmão de João Carlos , hia
alli fazer pelo tempo da feira. Os tres irmãos
Galliari em Milão , .e Gonzaga cm Veneza ti­
nhão introduzido o uso de pintar tudo no chão ;
cslJlo hum pouco mais brc,·c , mas muito im­
perfeito, e enxovalhado. Antonio Galli, Mi­
nhola, Baila, o scguiito ; e hoje infelizmente
está de todo introduzido. Bianchi fez muilas
iramoias nos Thcatros <la Hespanha : esteve 8
:nrnos cm Barcelona, alguns em Valença , 30
em Lisboa aonde depois de soffrer muito por
Jiuma rctençlo de ourinas , morreo em....
Em quanto elle estava addito á Rua dos
r Qi9 J
Condes, ( tendo mudado de Theatro )'., bunt
certo Scopeta Marcineiro fez aigmnas obras
magicas ·no Salitre, que por fim Jhe \'1erão a
custar a vida , morrendo entalado em hum ai­
çapão. Domingos Scopeta seu fillto , Pintor
Theatral de ornato , e figura , foi disci-pulo de
Manzoneschi , e .tc1Jnbem de Felisber�o.
;

...,
FRANCISCO XAVIElt F:A.l!RI.

O Bispo do Algarve D� Francisco Gomes


de Avelar, teodo hido -a Roma com o NUncio.,
trouxe em sua companhia Francisco X-aviei: F�\­
hri, ATchitecto Italiano, dando-lhe huma pen­
são de �00 $ rs. para lhe faeer , ou reedificar
a Igr�ja. da sua Sé. Chegando a Lisboa, fran­
queou-lhe a entratla em casà do-Conde de Obi­
dos aonde teve cama , e meza , dalli J1ia dar
lições de desenho a 1mm fí1ho do Marqncz de
A brantes , e reêebia por isso ou.ü� igual peu-
são de fiOO $ rs. '
Quando.. se cuidou em fazer de novo o Pa­
lacio Real de Nossa Senhora da Aju da, que .se
haV'ia -incendiado em parte, o Marquez de Pon4
te de Lima lnspector das Obras Publicas pe­
dio hum risco para elle a José da Costa e Sil­
va : Fabri altamente protegido pelo Con de de
-Obidos , · gue era gemo:do Marquez 1 apresen - l
G.G-
[fBO]
tfm outro risc6 que foi ioge preterido , é de,.
J)OÍS,preferido. Entretanto representou Manoel
Caetano que como A1·chi tecto de Qb,ras Publi..
cas e Rea..es , lhe perte,ncia a execgção da.quel­
ia Obra, e como. pratico do Paço i>abia as c�­
sas .da etiqueta que neile deviâ'.o de havel' , e
que se não acha.vão no riscQ ; mo_,tiv_? porquê
foi eHe encarregado da execução de toda a
obra , e de fazer no d·e�enho todas as mudan­
ças, que lhe parecessem necessarias. Estas mu­
danr:<1s que- erão mui-tas ,_ pareéêrâd mal a D.
Rodrigo de Souza Cioutinho (1); e disse-lhe no
Faço diante de Sua A l teza Re.a.1 couijf da que
�e apaixonou tanto� que- morreo logo em 1aose...
Os risco� forão de novo ·�atregu0$ ao�·SJélUS au­
thor_e s , para por elles dirigire1n ambo� a obra,
somo fizerão até o tempo em qtte·José daCos-.
ta foi chamado á Côrte do Brazil ,- fica.nela Fa-­
eri só incumbido de tpda a dir.egqãe ela Obra.
Eín Lisbea,havia hurp. Archit�to cie Qhras
Publicas, mas depois da _mQrte- qe l\'lanoel CM-1
tano , duplicou-se o lugar o fª'v&r d( Faori , e
de .fosé da Costa. Y-abri- �ez o f",a_lacio , e Igre�
.ia. .do Marquez de Cast-ello Mel,hor· : -era pro­
f.f;?Fiso, no Ordem de Chri_sio, .e Jllõrr.eo · em 1807.
POI" sua. morte ficir&O• illouw}lidos � execu�Q-

:. (l) D. Rodrjgo tinha suJ:pedido ,ao Marq'u-ez: de PQnte de


Lttna. ua i;nsfecçlo .d�-01:m�s �Public;as,
e �er-�s.
r�n J
do risco os seus Ajuda1'tes, AptQnio Fraaoi�
co da Rosa , Joaquim Marcos -de Abreu ,. Ma-­
noel Caetano da Silva Girão,. MartinhQ Jos�
.Pei»oto , Pedra Anlorúo de Oliveira.
Fabri imaginava , e apontava., QOm fa�ili­
dade varias desenhos de Archilectura, � �a�
tias vezes valeo-se de Felisberto > para Jlelles
lhe desenhar aa figuras..

Nasceo em Lisboa pelo .tempo ·do terra"'


1noto : qepóis cios primeil'O$ estudos nas Au­
las, applicou-se á Pintura na Fabrica das cai.,­
,Cas , mmo de que -era dii:ector José 'Francisao
�el Cnsco. Depois de passar os f> anno$ d�
-n-p1-endizagem , continuou mais dez, .até o de
1-78-4 , a empregar-se alli mesmo como aju dan.,.
te para pin.tar seges, bandejas, &e. Por aque;,
les tempos .achaiva-'se Pillernen t em Lispoa , ç
era seu visin ho; fez amfaade ,com .elle , � en­
trou uo, ·emt,enho de o imitar nas paisagens, e
naquetles agradaveis capri-chos, a que elle -cha...
-ma-va a sua bota.nica imaginaria , · porque S<t
eompunhão ele flores, e plaµtas ideaes : coµsa
que pareceo muito bonita :em qu.mto era rara,
O nosso Marques souhe imitar ião bem aqueh
Jas ga:lantarias, que todos-os curiosos.qufaeriJ,o
G.G �
[ �3! J
ter a lguma cousa da sua mão , ou fosse em
tectos, ou em pa redes , ou em p a ineis, ou em
t a rrnagens ; nem sería facil fazer menc.,ão de
toda s : seu Mestre José Francisco, se vali a
deHe qu a ndo tinha a fazer cous a s de ma ior em­
penho.
José Francisco clel Cuseo e.ra Napofüano ,.
foi Pintor de esmalte , e pintou em Madrid,
p a r a Ca rlos 3 . 0 a lgu m a loiça esma lta d a . Ca ­
sua lmente veio depois a Lisboa por 1763 hum
certo LaCroix fabric ante de pentes, tin h a acha­
do o modo de•dissolver o copal, e qneria esta­
belecer huma fabrica de caix a s , fez. socieda de­
em 6 6 ; ou 6';' , esta beleceo-se a fábrica a os
:Aciprestes, e teve varios discipulos , q:Ue f9""
rio :
Mig·nel Fra ncisco def Cusco, h1ho de José
Francisco, que sucéedeo a seu p a e na a dmi•
nistra ção da fábti-ca. Florindo, que morreo mo­
ço. João Lopes , Seba stião Clemente Schi a p a ­
pietr a , Manoel dos S a ntos Freitas , José.Pe­
reira, e Luiz Antonio.
Ma noel dos Santos Freit a s foi, bum d0s da
maior habilidade , e era. ba stante empregado ;
l'n as dando-lhe a mania para ser a<lmira-dor en­
thusia sta dos Fran.cezes que iavadirão este Rei­
no, esteve prezo , e• na cadêa com a s. sa ude�
que fez a N a poleão, escandalizau de ta) modo.
-os mesmos fa cinorosos , que hum•, deHes o ferio
gravem.ente no rosto com. a nav a lh a que lhe hia.
/ [ !33 1
deitar ao pescoço. FQi por tanto degradado pa­
ra hum presidio da Africa.
Luiz. Antonio pertence a lmma familia
oriunda. da Asia , chamada dos- Chinas, Ale­
xandre l\'.letello tendo ido como_ Embaxador á
China no tempo do Senhqr D. João o I>. 0 , fez
conhecimento em Macáo com Alexandre Ge­
raldes , Chinez de Naçtío , e o indu�io a. que
se baptizasse , e viesse com elle ;J)é,lra Lisboa.
Aqui teve nove filhos :de. ambos,0s sexo�. An­
tonio da Silva Geraldes , hum dos rnais velhos,
aprendeo a pintar com hum estrangeiro , e wi
Mestre de seu filho João, e de seu filho_ Am­
brosio José. Fez hum painel para a Ermida do
Resgate , e pintava .Ja.mfo;as de cobt'e para os
devotos , teve discipulos que pi.ntavào em vidro•.
Lniz Anioirio , · que era neto · de A lcx,m­
dre Geraldes , e ficou sem pae em 175 G , co­
llleçou a. estudar a Arte com hum certo Nico­
láo Tolentino Botetho, hom�m ele· côr, que fô­
ra discipulo de seu tio. Antonio da 8Hva. Da
escóla do Nicoláo. passou para n de J.osé Franr­
cisco dei Cusco na fábrica das caixas, e nella
permaneceo constantemeJJt� a�al\ do p�rtido
que por iotrign d o dito .L�Ctoi:X ·se, levantou·
contra José Francjscp ,. a. ·favor Q.t1,1.}:Ionsif)tJf
Gera.� , DOV9· Mes.tre de Des�.npo.. ,Poro.�tes
annos. vefo para a fábi"ica ma.js. ieutl'0 P1nta;r es­
trangeiro ,. por appelido q,Qàrob�JW , . ,q_.uç _cr.:l.
muito bom ' mas. eate'Ve J}Q\JÇO,tegipq.!;J . ., ;;..
� r 1s1J
�tânoe! Caeh•nc, desejou, e consc�uio tft
inspecç..io sobre muitos Pintores dos que se cm­
pr�gavão em Queluz , e os · pdz , me,uno os
bons, no predicamento de jornaleiros, 41ias em
rcfoompensá lhe fü�ia: grandes interes11es , con­
{anuo ás vezes , scgun�o o excesso que !P.ngia
exigir, hum dia por i, ':J, 4, e mesmo ó dias.
Joaquim :Marques que era como :Vice-lnspe-:­
clor, e âirigia tudo , utilisava frequentemcnr
te 1 -2-; l n , 130$ rs. cada dia. Nunca a Atte
da Pintora foi tà.o mecanica;:, nem a d,Arqui•
tectura tão liberal. Morreo a 1 1 de MaiQ di
UB�. Jaz na Igreja de S. José de Liiboa,

Nascoo na V.ilia -de 'Povoa em dia. de S,


·'l'hiago no a nno 1747. Estudou em Lfslloa a
ERg�nharia com Filijlpe Rodrigues ; e o de�
11110 •le ngur:\ com Ca.rJoa l\larin Ponzo11 i , ·M�
fanez, que era Mcst.re de debuxo no C'..otlegio
dos Nobres , ai nda. que tivesse vindo a Lisbo•
coln outro destino, qua,ido o Senhor D. Joi,o
o õ.;0 chamou n osfa C..--0rte os Doutõroa Angelo
JJruneH� \ e l\Ugncl Ciera , e outr.os Astron�
mos, EngenWeiros, L'lni �rchitcctt{Bolonhez,
� huin Desbnha�or que era Ponzoni,, para ireDl
todos fazer -áS • demlu".ca<;ÕUB ou, CoJonja. dô Sa.-
r�:tá 1
. em 1750 depois
Clame))io. Chegi.Ír.�? � Lit,-boa
'
da morte do R�i , e não. pãr tírito setí�ó em á 3 .
Alguns forào para o PaJ'á·; ,P:onzoní .ficou JJª
Bahia , Brunelli ·navegou �-00 leguas pelo- rio
4a.s Amazonas qua�i até o J>erú , · e demorou­
se 3 annos, quanslo yeio quiz tom ar á sua ·con­
ta a educação de José da Costa , e o fez co­
.llleçar os estudos que dissemos , de �ngenba­
J.!Ía. , e d�enho�
Desejando depois ír a Bolonha, sua pa­
tri a , para abraçar seus pães_ antes que rnor­
lle�s�m , o levou comsigo para- lá es;tu<lal,' ten­
do�].b� alcança.do huma ' pensão da Côrte de
too $ rs. Partírão em Março de 17ç9. O g-os­
to bom da Architectura tinJia-se alli corrompi­
dó conw nas. outras Cidades. Mauro Tezí , que
foi considerado como restaurador da boa ma­
lleira; teve por discipulo P.etronio FancelJi, ex­
eel!ente .Pintor de perspectiva., que José da
Costa_. elegeo pnra ser seu .Mestre, mas fre­
quer1tou a sua escóJa só anno e meio, porque
•· eHe p.asso11 .a Veneza. O seu 2. 0 Mestre foi
Carlos Bianchoni , grande Desenhador} Archi­
tecto civil, e. Pintor de hi�toria. {:omo fazia·
Jn·ogressos,: obtev,e· primeira.monte hum premj0,
d.e 2.ª classe, e no anno seguinte outro da 1 :1,
lnas proseguindo os estudos com muita effica­
cia, foi recebido 3 annos depois , isto· he , cm.
�'775 entre os Academicos de l1onra , e de me­
llta claq11eUa Uniiv.ei·sidade.
[ !! 3 6 ]
No fi m do mesmo anuo , que eia o do
grande Juhilêo , passou a Roma aonde esteve
alguns mezes, v�ndo , e desenhando as bellis­
simas cousas que alli se admirão : foi tambem
a Na.peles -vêr as antiguidades do Pozzuollo ,
Herculano , &e. ; a Vicenza, e Veneza famo­
sas pelas obras de Palladio ; a Verona , recom­
mendavel pelo amphil heatro dos Romanos ; a
Florença , Licrne , Pisa , célebres po� tantas
obras pri morüsás.
Em Setembro de 1779 achando-se vaga em
Coimbra a Cadeira de Architectura, que pelos
novos estudos <levia haver n a Universidade, re�
ce,beo hurna carta do C.Onselheiro Joaquim Jgna­
cio da Cruz Sobral, em que o convidava, da
parte do Mfoisterio , para a ir occui,ar, mer­
cê que nào acceHou.
Chegando a Lisboa foi convidado pelos
Itnlfanos para acabar a Capella 1\1ór do Lore-
1.o , que' l\fanoel Caetano tinha começado. A
Senhora Rainha D. Maria por Alvará de Q3 de
Agosto -de 1781 mandou criar pela Meza Cen­
soria huma . nova Aufa de Desenho : José da.
Costa foi pt·ovido na Cadeira d' Architectura
rom 450 .$ rs. de ordenado , tendo por Suhsti­
tlilo Joaquim Carneiro da Silva.
F.m 8!) fez os seus desenhos para o novo
.Erario , e teve em premia hum donativo de
.. oo $ rs. com huma pens:'to de 400 pela. direc­
ção da obra , e a promessa de succeder a
[237]
Reynaldo nas Obras Publicas , o qual estava
enfermo, e viveo poucos mezes mais ; em tan­
to adoeceo a Senhora Rainha, e Manoel Cae­
tano pedio , e obteve o lug·ar de Reynaldo.
Em 9 2 fez os desenhos para o Theatw de
S. Carlos, que se começou no anno seguinte
debaixo da inspecção de Sebastião A ntonio da
Cruz Sobral. No mesmo anno foi começada a
obra de Runa por ordem da Sereníssima Se­
nhora D. Maria Francisca Benedita. Em hum
plano rectangu1ar de 456 palmos de frente , e
por 280 de fundo se contêm hum Hospital pa­
ra Militares invalidos , hum Palaceto para ha­
bitação de S. A. R. , e no centro a Igrej a , cu-
ja Planta he huma Cruz latina com rem·ates
semicircu1 ares; he toda de pedras de cortes,
incrustada por dentro de finos marmores man­
chados de varias côres ; enrequecida com esta­
tuas , algumas vindas de Itali a , algumas fei­
tas pelo Leal. Ia-se acabar em 1807 quan­
do entrárão os Francezes. Os corpos de Jogis
tem 3 andares, e cousa de 70 palmos de alto.
Tendo-se incendiado pelos annos 1795 o
RPal Palacio de Nossa Senhora da Ajuda, feito á
pressa logo depois do tenemoto, cuidou-se em
n ovo plano para ser reedificado coip maior so­
lid_e z, e José da Costa foi incumbido dos de­
senhos. F.abri achava-se então em Lisbo� mui­
to protegido pelo Conde de Obi dos ' e conse•
.
guio poder tambem apr�entar riscos para a
BH
[ 238 ]
mesma obra , os quaes forã'.o primeiramen­
te desaprovados , e depois bem acceitos. Ma­
noel Caetano requereo, como sendo-lhe divi­
da , a execução do risco , e corrigio-a, poden·
elo até emendar ; mas foi-lhe tirada pouco an·
tes da sua morte em J 802 , e entregue o ris·
co a Costa, e a Fabri , cada hum dos quaes
teve então mais 600$ réis annuaes como Ar•
chitectos das Obras Púhlicas , e Reaes.
Quasi pelo tempo do estabelecimento da
Aula , isto he por 8 1 enviou elle á Academia
de S. Lucas de Roma alguus desenhos , e em
recompensa recebeo a patente de Academico
de merito datada de Roma de 23 de Novembro
ele 1·1 8 1 . Aqui, entre outros premios teve Ha•
bito de Christo, e foi em l 8 1 2 chamado á Côr­
te do Rio de Janeiro, aonde morreo em 2 1 de
Março de 1 8 19. J áz no Capitulo dOi Antoni•
cos da mesma Cidade.

MAN'OEL P10LT-I , B Josu' CARLOS BINBETI.

Carlos- Rillol6, Palomino, � muitos outros


Escritores disser!o ci.ue os Artistas cte ordinr
rio erllo pouco f't'lizes, quau<lo os Priooipea , 6
grandes Senhores os 'nã& protêgilio. Se esta
verdade ainda precisasse de nova demonstra•
ç!to , teri-amo& hu-m-a' pr<>-'Ya iaeontei;ta.vel aa
[ 239 ]
sorte destes dous Architectos Decorador es:am­
bos tiverão parentes Italianos, ainda que nasces­
sem em Lisboa, ambos com talento raro, e dis­
cipulos do mesmo Mestre, (Jacome Azzolini),
e correndo no caminho da Arte a passos agi­
ga ntados, mas tão iguaes , que para descob1·ir
qua l delles excederia o seu colJega , lhe m a n­
darão fazer para a Opera de Assur as duas fa­
IDosas scenas chama das as da competencia , e
assim mesmo ficou a cousa indicisa.
Até ali tudo era igualdade de merito, e
de fortuna, apenas Ma noel Piolti foi admitido
no Serviço, e José Carlos ficou fóra delle, que
differença ? Tal dispa ridade pa ssou já por si­
milbante motivo entre o Ticiano, e André Es­
clavonio em Veneza, e entre o Rubens, e Brou•
vver nos Paizes B a ixos. Para saber al�uma
cousa he preciso frequenta r a s Escolas , mas
p a ra ter fortuna convem muito agradar aos Se­
nhores. São dous requisitos necessarios , po­
rém sempre o 2.° será m a is ifficaz que o 1. º
José Carlos morreo pelos annos 1816 de re.. ...
pente [I].
Entre aqueJJes que no fim do Século p a s•
sa �o se a pplicáriio á Arte, distinguirão-se Joa•
qmm Fortun a to de Novaes, n a tural de Lisboa
aonde aprendeo a desenhar na Aula do Castel-

[l] José Carlos traduzio o Vinhola que se imprimio em


.
l1ab oa em 17 87 e abrio as estampas para elle.
HB 2
[ 240 ]
lo, dirigida por Antonio Fernandes Rodrigues.
Foi a Roma pela lntendencia, aonde tevt! por
MestreJoão Antinori. Veio em 1794, e foi pa­
ra Villa nova. da Rainha , povoação do lnten­
dentt-, pensionado por elle, aonde presistia, em
1907.
Manoel Lourenço nascido tambem nesta­
Capital, sobrinho do Padre Fr. Rodrigo, Fran­
ciscano famoso, que com o seu peditorio, libe•
ralidade , e boas maneiras fez o Convento de
Xabregas, e o que está feito na Igreja de S.
Francisco da Cidade. Aqui foi discípulo da Au.­
la do Rocha, em 1787 mandou-o seu Uo a-Ro­
ma aonde no sabado desenhava a Academia
tão perfeitamente como os mais em toda a se­
mana. Por morte de seu tio falta vão-lhe os sub­
sídios, e conseguio entrar para o Collegio dos
pensionados: quiz casar, e frequentava pouco
os estudos , não era hum crime , mas D. João
de Almeida mandou-o pr.eizo para Lisboa .em
92 : esteve na Torre de S. GJão aonde se ap­
plicou á Engenharia. Entretanto desenhou a
olho, com grande perfeição , todas as vistas
da Barra para o Coronel da Artelharia Nogar,
com quem foi para Evora em 1804 cotn pra-..
ça de Sargento teQdo 33 annos.
Sebastião Nogar lambem esteve em Roma
pensionado pela Intendencia , e applicou-se _ à
,Architetura na Escola de J oão Antinori , v�io
em 97 com José da Cunha T�borda. , quan do
Roma esta.ya já amea çada pelos Fraucezes.
r 241 J
Antonio Joaquim de Sousa , inda que es­
tudou em Roma , estc.ve fóra do Cúllegio com
1\Tanoel Lourenço, com quem tinha ido ; foi
discípulo de Antinori.

JoÃo THOJ\IAZ DA For-cEc.�.

Temos visto deste Artista obras publicas


em pintura, escultura, e architectura pintada.
As pinturas existem na Freguezia de Carni­
àe , em Jesus , e n'outras Igrejas , e Palacios
do Continente , e d'Ultramar. De architectu­
ra fez o Templo da Immortalidade logo depoi&
da restauração para as luminarias do Pescado,
obra grande, e magnifica , decorada cem co­
Jumnas da Ordem Corinthia, com cstatuas col­
lossaes, e com hum grande obelisco. João 'Fho­
maz nasceo cm Lisboa em 1 7 54. Estudou os
elementos da Arte na Aula de João Grossi, e
depois frcqu<'ntou a casa de Joaquim Manoel
da Rocha , e a do Abbade Apparicio. Fez de­
senhos para :ilgurnas estampas das Noites Jo­
sephinas, Fodo seus discípulos Joaquim Gre­
gorio, e Antonio Faustino que passárão depois
)lara a cscóla cle,Sequeira , e ensinou tambtm
seus filhos.
· r 2•2 1
JosE' 'M..A.NOEL DE CARVALHO E NEGREIROS •

Filho de Eugenio dos Santos , nasceo em


Lisboa , e viajou muitos annos em Reinos es­
trangeiros para se aperfeiçoar nos estudos da
architectura : tornando á Patri-a pelos annos
de 1776 foi empregado como segundo Archite­
cto da Casa das Obras; e passou a primeiro em
1 803 por morte de Pedro Gualter da Fonceca,
Tenente Coronel Engenheiro ; vencendo d'or­
denado 850$ réis, pros, percalços e privilegios;
foi casado com D. Maria Ignacia Xavier de
· Antas e Negreiros.
E m J 804 abrio a Subscrição para huma obra
periodica intitulada o Engenheiro Civil Portu­
guez, em dialogos. Foi empregado em concer­
tos <los Palacios Reaes , e no recenceamento ,
ou cadastro do Reino, e teve em premio a Pa­
tente de Major Engenheiro com o Habito de
Aviz.
Diogo Luiz Velozo de Barros; Fidalgo da
Casa attesta , que eHe era Sexto neto da Cris­
tovão Fernandes de Carvalho, Capitão Mó-"
de S. Vicente da Beira , e descendente de D.
Gil Fernandes de Carvalho, Mestre da Orde111
de S. Tiago, que se achou na batalha do Sala­
do com D. Affonço 4.º A Senhora D. Maria 1 .ª
[ 243 ]
Decretou que usasse das armas dos Carva­
lhos Ferreiras Sáas e Negreiros. Em I 684
Fré!)lcisco Luiz Ferreira Portugal , Rei d'ar­
mas , deo licença aos seus ascendentes em no­
me de D. Pedro 2. º para as usarem. Era Archi­
tecto Gera] dos Paços, e do Senado.
Morreo em Lisboa em 8 de Janeiro de
l 8 1 5 de idade 64 armos.
O Tribunal da Real Casa. das Obras he
t�o antigo comooReino, e manda que o Ârchi­
tecto ensine 4 aprendizes, e isto fei confirmado
por Alvará em 1 7 54. O Principe D. João man­
dou a José Manoel fazer para isso hum curso
de A rchitectura Givi l , o qual parou por sua
morte , indo já no prin�ipio do a: tomo.
Na mesma Casa das Obras sempre ouve
hum certo numero de Architectos debaixo rle
díversos títulos. CustodiE> Vieira, Major Enge­
nheiro foi Arehitecto. José Sanxes da Silva ,
Rodrigo Franc o , Negreiros ete. edo medido­
rPS elos empreiteiros: por morte do Capitão Jo�
sé Sanches v-a gou• o offieio d,e aprendiz de Ar•
chitectura Civil , e àeo-se a proprieda.de fleJJe
a Elras Sebastião J>ope. Qwando o .Brigadeiro
Manoe) da Maia passou a A rchitPcfo supra
numerario. Succedeo-l'he nesta praça. Francisco
Xavier Paes.
r 24:i 1

• JosE' FR.ANc1sco FEa.REIRA.

Nasceo em Belém com genio muito pro­


penso para a pintura : Seu Pae, que tinha o
mesmo nome lhe deo as primeiras lições desta
Arte. Applicou-se com muito proveito ao ge­
nero das flores , ao das paisagens, e ao dos or­
namentos , vive felismente.

ANTONI0 FRANc1sco Ros:A..

Natural da Villa de Oeiras, estudou as


regras, e preceitos da Architectura com José
Joaquim Lodovice, filho do famoso Frederico ,
foi Architecto Ajudante das Obras Publicas, e
do Paço de Nossa Senhora da Ajuda. Por mor­
te de Fabri passou a primeiro, dirigindo a mes­
ma Obra, e deo-s;e-lhe o Habito de Christo.
Em 1821 foi feito Sub-lnspector do dito Palacio.

GERMANO ÁNTONIO XAVIEB. DE MAGALHÃES•

Professor de Architectura Civil na A ula


r 245 J
Publica <lo Desenho, de que percebe de orde�
nado 450$ réis annu a es ; n a tural de Lisboa da
idade 56 annos, o qua l tem d a do diversos de.
senhos para muita s Obr a s de particulares , e
tambem p a ra reedifica i;ão da lgrej a dá t,é de
Guimarães , por cujo serviço tui remi..u<. r a Jo
com hum a ajuda de custo a uuua l de 120, réis
por Decreto de J 4 de J uuho do a ri1Jo de J i !/ 6.
Foi v a ri a s vezes consult a do , com outros Ar­
chitectos, pelo IIIustrissimo lnspector da Obra
do Rea l Pa lacio , o Conselheiro Joa quim <la
Costa e Silva nos a nnos J 8 l 9 , e 1 820 sobre
problemas de Architectura concerne1.1tes ao
dito Palacio.

THIMOTEO VERDJER FILHO.

Nasceo em l '792 em a Villa de Thomar.


A prendeo o desenho com o Pintor J osé da Cu­
n h a T a borda , e depois em París aprendeo
com o Pintor Mr. Je Gros , insigne nas b a ta­
lha s , e victoria s
Não tem feito Obras p a r a o Público porque
nâ'.o lhe resta tempo dos seus negocios ; m a s
tem em sua Casa q uadros de sua mão que bem
dão a conhecer a sua gra nde habilitla de ; tanto
a oleo em grande, como em miniatura.

II
r' 24s J

JoÃo DE DEos MOREIRA.

Nasceo nesta Cidade <le Lisboa , foi disci­


pulo de José Antonio Narcizo. Tem sido sem•
pre empregado nas Obras dos Paços Reaes ,
Fundições, Theatros , Carruagens , tanto no
salgado em Alcantra, como no Collegio dos
Nobres. Existe pintando no novo Paço de Nos�
sa Senhora da Ajuda.

HoNORATO JosE• CoRREIA DE MACEDO E SA'.

Nasceo em Lisboa a 22 de Desem bro de


J 754 , e tendo 9 annos de idade foi admitti<lo
na Casa do risco do A rcenal Rtlal do Exercito,
onde seu pae Ignacio Correia de Macedo era
empregado como entalhador, e abridor ele re­
levo. Foi alli seu Mestre Manoel Ferreira ,
q ue tambem era entalhador, e 1avrante <lo di­
to A rcenal, e depois de estudar com elle 9 an­
nos, passou a nperfoiçoar-se no desenho de His­
toria com João de Figueiredo , e com seu pae
Jgnacio Correia , até que em 1 7 72 entrou por
aprendiz , de canteito de reJevo de Joli,o Fer­
reira Cangalhas , Mestre G eral das Obras Pú-
[ 247 1
blicas, e concluindo o tempo de 6 aanos da
Lei, pas!?ou a ser discípulo de Francjsco Anto­
nio Cangalhas Architecto Geral da Cidade e
ag·uas Livt·es, de quem o fizerão Aj udaute com
o ordenado de I 50$ réis po1· anno.
Se fizessemos menção de todos os Riscos ,
Plantas, Alçados , Cortes , e Reta bulos, que
este Artista tem feito para Predios , l'alacit-s ,
e Templos, iríamos muito longe do que pede a
brevidade destas Memorias; por isso só diremos
que em 1 7 8 5 fez o risc o , e planta gt:ral desta
Cidade , cujos <lesenhos existem na Typogra­
fia R egia. Em J 8 I 2 offereceo á Regencia do
Reino huma memoria para ser colocada na
Praça do Rocio com os retratos de Sua Mages­
tade o Senhor D. João 6 ° , e Jorge 3º Rei da
Grã-Bretanha, o qual risco ficou no Gover­
no. Por I 8 1 9 deu o pensamento em dous diffe­
rf'n tes g-ostos , para o Reta bulo da CapeJla
Mór de Santa Engracia; e o anno passado pro­
ximo perterit o, fez o risco para o Chafariz da
Cordoaria, o que se está fazendo neste presen­
te anno de 1 8 2 1 .
Honorato J osé foi promovido ao lugar de
seu Mestre Francisco A n tonio Cangalbas, mas
só com 300$ réis de ordenado por anno.

II 2
- \
-- �-

[249]

P A R TE III.

EscuLTOB.ES ' E GRAVADORES.

'ANDRE' CoNTUCCI DE SANsovrno.

A Escultura floreceo
mosas Na ções
muito entre mais fa­
as
da antiguidade , e na Grecia
chegou ao maior auge a que pedia subir , des
de o tempo de Pericles até a o do grande Ale­
xandre, conservando-se tamb<.m cem muito es­
p1endor, weEmo em Re,rna , até ao Reinado
dos AntoP.inos, e de Adriano. .Na antiguidade
o numero dos Es<'uil ores era muito maior, que
e dos Pintores. Os J)rirdpes, os Sabios , os
Vencecores nos JofOS 01) rnpicc s , os Heroes.,
e os innurneraveis Dcoses maiores, e menores,
La res, e ft: nate�, t odos tinbão muitas, e mui­
tas estatuas , de sorte que na Grecia, e em '
r 2so �
Roma o numF>ro das que havia em marmorc ,
bronze, prata , marti m , etc. excedia. o nume­
ro dos homens. Nv3 :séculos gotbico.s , ou bar­
baros, mesmo no tP.mpo em que mio havia pin­
tura vemos usada a escultJra uos portaes <las
Igrejas , se ho que se póde cbaiuat· esculLul'a
áqut>fles tristes feitios de püdr:i. Depois da res­
tauração da Arte, foi-se usando mais a pin tu­
ra, e em Portugal foi eHa fazendo maiores pro­
gressos que a escultura. Francisco de Hollan­
da nomeia hum Pintor muito bom do tempo de
D. Affonço 5.°, ( era Nuno GonsaJve.i )T ao mes­
mo tempo que a escultura contcmporanea era
tão disforme como se vê na estatua do mesmo
Rei que está na Só sobre o seu tumulo ,. nada
melhor que a de D. Diniz , que se conserva
em Odivellas. A do Infante D. Henrique no
Portal de BeMm , sondo tão m ;{ , be do temPQ
do GL·ão Vasco. Dos notso.s escultores antigo!:!
bons , ou máos tE01J\os r.oaca noticia. Vasa­
ri porem Caz menção de André Contucci Sanso-­
vino Escultor , e Arcbitecto Floreoltno, que
veio a Portu gal em 148.l , tendo pouco mais
de 20 annos , servir o Senhor D. João 2.° que
o pe<fio a Lourenço de Medieis , o velbo� em.
cujo jardim , qne foi a melhor Academia de
Florença , tinha aprendido a desenhar. Foi
tambem aonde aprendeo o Buona rola , o Tor­
reg·iaoi , e outros grandes homPns, Aqui fea
hum beUissimo S�Marcos de ma,rmare, e inode-:
[ 2õ l )
lou em barro liuma batalha, <J Ue El-Rei ganhou
aos Mouros , terrivel pelc,s movimentos d<,s ca­
Aallos, estrago de mortos, e furia de sol<.lados.
(seria talvez a da tcmada d'A rzila), e voltou á
patria em .1500 reinando já El-Rei D. füanoe1.
---==-ec-:--
M.A N OEL PEREIRA.

Se A ndré Sansovfoo foi hum Artista estran­


geiro, que viveo e trabalhou em Po1 tugal, Ma­
noel Pereira pelo contrario foi ht.m Pvrluguez
que viveo, e deixou as suas obras l m hLm Re i­
no estrangeiro, honrando-se muito com elle a
Corte de Madrid. Pallornino falia dos seus ta­
lentos com o maior applauso, e faz menção das
priciosas estatuas, que f<>z, cfondo a primazia
ao S. Bruno do Portico da Cartuxa , que Fili­
pe 4. grande conhecedor, r,ão se cançava de
0

admirar : já cégo modelou a figura de S. Joiio


de Deo·s paro o Convento do mesmo E'anto.
Era· rico , e de família nobre; e c:1sou l.uu a
filha com D. José Mendieta Cavalleiro de S.
Tiago , Ajuda de Carnera de El-Rei e V<dor
elas Obras Reaes. Morreo em 1 6 67 cc.m 6 3 de
idade.
Por estf> tPmpo falJiio alguns autl.ores de
Braz de Mendor1ça Escultor l.isbonense , e
1ambem Pintor, t alvez de estofos , e encarna­
ções , a qual P�cre-vP.o , e fez imprimir alguns
tratados sobre a Geometria.
[252 l
Outro Escultor Porlug-nE>z estabelecido na
Hespauha foi Caetano da Costa, que ,,a,,,ct-o
em J 7 l o , e foz as duas estatuas de mar mure ,
muito tolernveis, que estão sobre columuas na
ala.meda <le Sevilh.:t. Quando estivemos na 'luel­
la Ci<la<le em l 775 faltamos com seu filho Lam­
bem Escultor, nascido na Hespanha.

JoÃo ANTONIO DE PADUA,

Os Escultores Portuguezes applicárão-se ao


trabalho de madeira, e barro, de sorte, que as
estatuas de marmore que ternos dos Séculos 17,
e l 8 são más, e quasi todas feitas por estrangeiros.
Hum certo Fancé fez o S. Pedro e o S. Paulo,
que estão na frontaria do Loreto. João Anto­
nio de Padua, Italiano , deixou-nos bastanLes
obras deste genero, mas pouco boas, e vem a
ser : as estatuas da Capella Mór da Sé <le Evora,
Obra Sumptuosa, feita por desenhos de Frede­
rico, .a escu I tura da Capella Mór de S. Domin­
gos, ta.mbem do mesmo author, os pulpitos na
Igrej a <lo Collegio de S. Antão: os serafins no
oratorio da Moeda : o S. João Nepomuceno da
ponte de Alcantara feito em 1743 , e varias
outras.
Pedro Antonio Luquez era seu ajudan te
desbastador , e passou em l752 para ajudante
I

[ 253 )
de Giusti em Mafra. Pelos mesmos tempos es­
tiverâ'.o em Lisboa CJaudio la Prada , e João
Bernardes Escorpio, Italianos : o I º fez a Con­
ceição da Pena, e o 2 o Santo Elias do Carmo.
°

loNACIO DA PIEDADE E VASCONCELLos.

Esculpio em barro muitas estatuas , e tam­


bem às sabia fundir em metaes. O Padre J oão
Chrisostomo affirma que víra figuras delle , de
grandeza natural, cujos paonos erão excellen­
tes, principalmente os bureis. Foi Conego se­
cular de S João Evangelista, e compôs o livro
bem conhecido , intitulado, A rtefactos Sym ­
metriacos , e Geornetricos , que dedicou á Se­
nhora D. Marianna de A ustria em 1732. Como
não conhecemos outra -Obra sua , só fazemos
menção de!le como curioso respeitavel, e como
escritor. No seu Livro encostou-se m uito a João
d' Arfe , e diz na Dedicatoria ser o primeiro
que sobre esta materia sahe á luz da estampa
em ling·ua Portugueza.

J OSE' DE ALMEIDA.

Foi sem duvida o primeiro Portuguez do


KK
[ 254 ]
Século 18 que sonhe esculpir bem em pedra ,
e não obst a nte ser a sua ma neira ás vezes hum
pouco magr a , os seus nús são la mbem dese­
nhados, que podem sustenta r-se a o pé d a s me­
lhores esta t.uas. Nos pa nnos quiz imit a r hum
certo a ma rrotado de que muito usa rão Pedro
de Corton a , e Cyro Ferro , que t a mbem se
acha em a lgumas est a tua s de Carlos Mon aldi.
Profeg·ióo, e pension a do pelo Senhor Rei D.
Jofí.o o 5.° foi estudar a Roma em compa nhia
de Jg- nacio de Oliveir a , e de outros ma is, que
alli estiverão no principio da quelle Século.
Em Lisboa a s su a s Obras em ma rmore são
o S. P a ulo, e outr a s esta t u a s n a s Necessid a des,
e a s de S a n t a Isabel , e S. João B a ptist a n a
Bcmpost a , as quaes ficando por a c a b a r forão
muito depois concluida s em 1 8 1 3 por Joa quim
José àe Barros. -Em ma deira, fez o Sa nto Onofre,
e o Christo d a Trindade , os Pa ssos d a Pa ixão,
qnf' sahtim na proci�são do C a rmo, a Senhora
M.ãe dos homons, e o S. Jcsé. em Xa bregas ; a s
d n a s ÇoncPições dos Freires, e do Collegio
<los Nobrt>s ; o S. Camillo p a ra a sua Igreja, a
de Nossa Senhora <la Victori a , e a da Se11hora ..
d a s Virtades cm S. Domingos, cuj a s c a beças
forão acahacf a s depois da sua morte por seus
discipulos Antonio M a ch a ,fo, e Fra ncisco Au­
tonio ; fez t a mb�m o Chds.to, e At1jos de a do­
ração p a ra a Ca.pell a Mór de Mafr a , que servi­
rão e1n qu�nto se não fizerão .os. de m a r more ,
[ 255 J
depois colloc a rfio-se em Santo Estcv!o d' Alfa­
ma , a onrlc existem.
Os seus discipulos for!o Fra ncisco Xavier ,
Fra ncisco Antonio, Antonio l\'.Iacha<lo,
Fra ncisco Antonio fez em m a deira a s esta­
tu a a de.Ma rte, Vulcano, e outr a s qu� se ucLão
n a s c a s a s d'armas da Fundição , executou a lli
muitas outr a s cousas cm cera, e meta es. Tinha
tambem estud a do a musica, e ca ntam 1::m con­
tr a b a ixo. Em 1 7 90 eu trou ua Irm a nd a d e de
· Sa nta Cecíli a , e em 9 1 , e 92 , dingio a festa
ele S. Lucas dos Pintores em Santa Joa nna.
Morreo a lguns annos depois , tendo 60 de ida­
. de, e succedeo-lhe como Escultor d a Fundição
-:: João José de Aguiar.
Antonio Ma cha do filho de Remig·io, ( hum
dos que estudárão a a rchitectura n a C a sa do
risco em Mafra ) , fez muitas Obras em pedra,
tanto de Escultur a , como de relevo. Ko prin­
cipio do reinado d a Senhora D. Maria 1. ª foz a
Venus p ara. o c h a fariz d a s Ja nelas verdes : fez
o S. Pedro, e o seu compa nheiro p a ra a facha d a
ela Igrej a de J. Paulo : Em 93 esculpio outras
esta t uas para J .J ui ião; Lambem executou o Téjo,
e o Nilo para corresponderem a o Ganges, e
Eufra tes fci(os por Alexandre Gomes : er-'io es•
ta tuas de I i pa lmos m a nd a das fazer pelo In­
tendente Diogo Igoa cio p a r a buma foute pu�
blica em Lisboa , que nunca se fez. Faleceo
no I. de Abril de 1 8 1 0 tendo... Os modelos
0

KK 2
[ 256 ]
das suas Obras erão feitos por Nicoláo Villela,
o qual foi sempre procurado pelos Escultores
para inventar atl.itudes, e fazer em barro os
ruodêlos dellas; e deste modo ninguem conhe­
ce Obras, suas tendo aliás deixado grande nu­
mero de producções do seu engenho , que são
attribnidas áquelles que as executarão; e co­
mo não utilisava senão o pouco que por elles
lhe davão os Escultores , viveo sempre pobre,
e ass1 m morreo por.....
José de Almeida foi aparentado com mui­
tos, e bons Artistas : era irmão de Feliz Vicen­
te , famoso Architecto , e Entalhador da Casa
Real, o qual foi genro de Ignacio de Oliveira,
e cunhado de Silvestre de Faria , tambem En­
telhador, · e Architecto, discipulo do Frederico.
Morreo por 1769 de 60 e tantos annos de idade.

ANTONlO FERREIRA:

Não parece possiv1;>l vêr modeladas em bar-


1·0 mPJhores figuras campestres que as que co­
nherPmos deste Artista raro, db ultimo Século.
Seu pae Dionizio Ferreira , tambem era prati­
co na plastica. As Obras do filho são os prese­
pios da Cartuxa, da Madre de Deos, do Cora­
ção de Jesus, e outros. N a Ermida do Senhor
da Serra em Bellas está huma gloria de sera-
( l 1>7 )
fins que circundão a imag-em de Christo, e di­
zem ser delle. Tambem fazia grandemente as
paisagens, e combates de cavalJaria ; e o Lobo
na Silva laudaioria diz-lhe,

Eu vejo , eu VE>jo , dar,do a terra abalos ,


Espumarem ferinos os cavallos ,
D'hum pedaço de barro por ti feitos....

e porsegue com grandes encomios.


Entre as Obras de barro tambem se faz,
dizem , bastante caso da que fez Fr. .Manoel
Teixeira no seu Convento da Trindade em San­
tarém : he o retabulo de huma Capella de ar- ·
cbitectura com muita escultura representando
a SS. Trindad e , Nossa Senhora , S. José, e
outros Patriarchas tudo muito bem executada :
o author morreo nos fins do ultimo Século.

O P. JoÃo CHRISOSTOMO PoLrCARPo DA S1LvA.

Este Professor curioso natural da Mercea­


na , inda que não teve mestre , pode-se dizer
que foi discípulo de José de Almeida. Fer­
quentando os estudos do Collegio de Santo An­
tão, aproveitava o tempo que podia em.modelar
figuras de barro de tal modo , que não tendo
sido Clerigo, como seus parentes querião, veio
[ 258 ]
a fazer mocfo de vida do que era simples curio­
sidade. A materia em que melhor trabalhava
era o barro ; mas fez Lambem muitas estatuas
de maddra que ento de ordinario cheias de
crE>scençAs, e suppl�mentos ; porêm, como sa­
hifl'.o de sua casa pin tadas , e estofadas sempre
agradavllo mu ito aoi:i devotos : tnmbt"m foz mui­
tas figuras em pasta para os carros <le triunfo
que apparecerã'.o na Praça do Commercio pela
inaug-u:·ação d a Estatua E,1 11estre do Senhor
Rei O. José , em 1 7 75, e para ou tros objectos.
F0z g·rnnde numero <le i mag·ens deSautos para
Lisboa , e para as pi'ovincias , e entre ellas as
do antlor de Scot.to que sa.he na procissão de
S . Francisco : as dos Passos para as Capelinhas
de Santo A n tonio dos Capuchos, principalmen­
te a do Senhor com a Cruz ,ís Costas , qu e he
m uito venerada , e applaudida das pessoas pje­
dosas.
Ajudou a. dirigir, e a sustentar a Acartemia
do nú a S. José em 1 7 8 0 , 81 , e 82 : e sendo
eleito em 87 para ser h u m dos Directores da
mesma escolla transferida pelo Intendente pa­
ra a rua dos Camillos, recusou o lega r , cousa
que deo motivo a hum tal Discurso A pologe­
tico , Ohra Satyrica de h u m anonimo , a que
eile respondeo seriamente, e tambern com mor·
dacidade , porque suppoz conh ecelo.
A mava a pintura com t anto excesso, que
sem ser. rico gastou lilommas consideraveis em
[ 259]
compras, e concertos de paineis , e sem saheir
desPnhat· teve discipulos Pintores , e piutou
hum quadro da Cêa para huma Igreja. IV1orreo
cclibatario, e jáz na Capella do Senhor Resus­
citado em SantoA ntonio cem o epitafio::.eguin-
1e " Aqui jáz o Padre João Chrisostomo, que
fez estas Santas lma,qens aqui colocadas. lllor­
reo em 20 de Janeiro de 1 7 9 8 Cúm 64 awws
de idade.
T�•mos delie , 1\-:femorias de algu us Pinto­
res , e Escultores Portuguezes. M. S. Por es­
tes tempos viverão em Lisboa alguns Esculto­
res em madeira , que tinhão lahoratorio publi­
co na Calçada de Santo A odré, e forão.
Manoel Vieira ; natural da Cidade do Por­
to : viajou na Hespanha , e antes do terremo­
to de 55 veio estabelecer-se em Lisboa aonde
fez o S. Sebastião , e o S. Vicente para o bal­
claquino , ou ma<Juineta de S. Vicente de fó.­
ra , e outras muitas cousas , sempre com boa
acceitação do Publico.
Manoel Dias , discipulo de l\1anoe1 de An­
drade : chamavão-lhe o pae dcs C}iristos , pot• •
qne fazia muitcs Crucifixos. Era seu o d� Ca­
pella Mór da Sé de Evora , o S. Miguel da
Pena , o S. Francisco da procissão de Mafra ,
e 011tros muitos. Entrou na Irtri,rndacle de S.
Lucas em 1 7 J 3, e morreo em 20 de Março de
1 7 64.
Jeronimo da Costa, •natural de Braga; · dis:.·
[ 260]
cipulo de Manoel de Andr a de , esculpio a Se­
nhora d a Conceição de S. Fra ncisco da Cida­
de, e ajudou José de Almeida a fazer o S a n­
to Chrísto, e Anjos de adoração para Mafra ,
que a gora estão em Sa nto Estevão d' Alfama.
Autonio <los Santos da Cruz , nasceo em
F a ro , e foi cliscipulo de Ma noel Viei r a , fez a
Senh ora do Rosario , e o S. Roxas n a Trinda­
de: morreo em 1805 de 60 e tantos annos.
Nicol,ío Pinto, Pórtuense fez a Senhora do
Rosario que se venera na Porta ria de S. Do­
mingos, o Sa nto Estevão para a Igreja do mes­
m o S a nto , &e.
Va lentim dos Sa ntos de C a rva lho, discípu­
lo de outro Valentim fez o S. Sebastião da Pe­
na , e outras ima gens , e morreo em 1806 de
61 ou 62 annos.
Valentim... seu mestre fez a Senhora Mãe
dos homens da Bemposta , o Senhor dos Per­
dões da Magda lena , &e. Elle p1.1nha em pra­
tica toda a sorte de industria p a r a d a r gra n­
de idéa d a s suas producções , principalmente
áquelles que lhas eucommenda vão.

ALEXANDRE GrnsT1.

Este egregio Est a tua rio nasceo em Roma


em 1715. Até os 16 ou 17 annos frequentoll
( 26 I J
a escola do Cavallciro Conca, applicando-se ao
c1esenho , e á pintura , passou depois ao estu­
do <la escultura com João Baptísta .Mayn e ,
aonde fez grandes progrt>ssos , e exLcutou hu­
ma parte da escultura dos 4 requissimos Reli­
caríos da Capella de S. João. Quando esta Ca­
pella , que foi executada com singular magni­
fict>ncia pelos desenhos de Vanvitelli , esteve
acabada, o Ministro de Portugal junto da San­
ta Sé, escripturou Giusti por dous a1111os para
a vir assentar, o que teve e.ffeito em 1747 e
48 .
Depois fez a Estatua do Senhor D. João o
6.4 para a livraria das Necessida<les , e as Es­
tatuas para a Igreja, ' que vem a ser " os San­
tos Neri, Carlos, e Sales, e o S. Pedro do Por­
tici , farão ellas acabadas em 1 753 , a tempo ,
qtH' tendo-se damnificado os paineis da Igreja
d e l\Iafra pela humidade do sitio, determinou
o Senhor Rei D. José que fossem substituídos
por outros ele marmore , em baixos-relevos; e
para os fazer admiltio Giusti, como seu Escul­
tor com 60$000 réis por mez: e huma gratifi­
cação no fim de cada quadro. O nosso Artis­
ta, quando veio tinha deixado o seu casamen­
to justo em Roina , mas como ficou cá , ajus­
tou-se com :i filha de Pecoraro, Musico da Ca­
pe!Ja Rea l , e cas0u com elb. em 1 749.
Indo pois para Mafra com a sua familia
agregou a si Jous desbastadores ; Pedro Auto­
LL
[ 262]
nio Luquez, que tinha a ndado com o P a dua
e o Fa ncé, e Fra ncisco Alves C a n a da , e com
elles fez os SS. Bispos, que collocou em 1756
a n tes <lo terremoto. C a d a dous a nnos a c a b a va
m a is hum, e farão-se seguindo, o Sa nto Chris­
to, Nossa Senhora cio Ros a rio , a s S a nta s Vir­
gens , os S a n tos l\fa rtyres, os Confessores , a
S a grada Famíli a , e a Coroa ção de Nossa. Se­
nhor a . Antes de a c a b a r este ultimo , aca bou
de perder a vista , que lhe foi falta ndo por de­
gráos, t a lvez pelo uso de t r a b a lha r de noite.
Como esta foi a 1.\ e a m a is numerosa escola
de escultura , que temos tido no Reino , cum­
pre d a r noticia do seu principio , e dos seus
progressos.
O 1. discipulo desta Aula foi Antonio Pe­
0

cora ro, cunh a do de Giusti, que estudou 9 a n­


nos , e depois , inclinando-se á :Musica foi es•
tudala em Na poles.
Roberto Luiz da Silva natur a l de Lisboa.
Salva dor Franco, de l\ílafra , o q u a l tendo
estudado I 2 ou l 3 annos foi despedido por tra­
vessura s : deo-se ao estudo da Engenh a ri a , e
morreo em Matogrosso sendo Tenente Coro-
nel.
Lourenço Lopes , de M a fra , a filha.do de
Joito Pedro Ludovice, estudou 1 6 annos , tra­
b a lhou no quadro da Sagrada F a mí li a , e já
aj udava bem qu a ndo faleceo.
Alexandre Gomes, da Picanceira , terma
de M a fra , ruorreo em 1 0 . 8 1
/
[�6 3]
.Tosé Joaquim Leitão , de Mafra , acabou
os seus <lias em J 805.
Em 17 5 6 farão admiltidos.
João José Elveni, filho de hum Alemão,
mas nascido em Lisboa.
Bi-az Toscano de l\1ello , natural de Alvi-
to.
Francisco Leal Garcia, de Santarem , que
morreo em Setembro de 1 8 1 4.
. Joaquim l\!I achado de Castro entrou não
para aprender , mas para ajudar a modelar.
Joaquim Antonio de Macedo entrou por
'65 , e estaria 1 0 ou 1 2 annos, morreo em 21
tle Janeiro de 1820 , tendo 70 annos , jáz na
Igreja de S. Mamede.
José Patrício, Mafrense , filho de Pedro
:A htonio Luqnez foi admittido em 67. Deixou
o Século em 1703, e entrou no Convento de
8. Vicente.
Silverio Martins, natural de Linha a Pas­
tora morreo em 95.
João da Silva Pevides , de Mafra, come­
çou os estudos em 6 6 , e faleceo em
Esta escola presistio unida até 1770, tem­
po em que se começou a modelar em gran­
de em Lisboa a Estatua Equestre do Senhor
Rei D. José. Nessa época dividio-se em duas ,
� vierão para Lisboa Joaquim Machado de
Castro, como Director ; José Joaquim Leitão,
João José Elveni, Alexandre Gomes, e Fran-
LL 2
[ 264]
cisco Leal como ajudantes : como a obra era
muito laboriosa , o Director admittio outros
Escultores de fóra, e forão Nicoláo Villela , e
Valentim, Antonio Machado , e Manoel Lou­
renço. Entretanto os que ficarão em Mafra fo�
rão fazendo o baixo relevo da Senhora da Con­
ceição pelo modelo de Roberto Luiz da Silva,
acabado em 8 8 , e algumas lunetas modeladas
pelo Leal.
Da escola de Lisboa sahirào muitas esta­
tuas , principalmente a Estatua Equestre com
toda a escultura adjacente : a Arethusa, e Al­
pheo para a quinta de Chvalho em Oeiras : to­
da a; escultura da Basílica do Coração de Je­
sus feita em !> annos , e acabada por 1783 : a.
Fé para a In,-,uisição , e muitas outras.
.Entretanto a cegueira de Giusti, se com­
pletou em 7 3 , consternou o coração do Senhor
Rei D. José , e este grande Monarcha man­
dou-o a França não só com decencia ,, mas até
com fausto, e grandes recommendações , a
fim de se lhe fazer a operação das cataraçtas;
mas não se atrevendo os Oculistas a curalo ,
voltou aqui tão cego como tinha ido; muito
apeza r tle Sua l\!I agestade qne lhe deo sempre
a mesmas provas de benignidade , e esti'ma­
ção , prevenindo-o n� diligencia que elle fazia
para lhe beijar a mão, e conservando-lhe intei­
ro o seu ordenado, que Sua Magestadc tambem
lhe mandou sempre pagar até que cedendo a
"
I


( 265]
hum insulto a popletico a c a bou a sua existen­
cia em Fevereiro de 1799. Depois de cego a in­
da compunha b a ixo relevos em cera , que os
seus discjpulos a c a b a vão.

JOAQUIM MACHADO DE CASTRO,

A vida deste famoso Esta tua rio, só elle


mesmo a poderia escrever exacta, e digna men­
rnente, diremos porêm o que temos onvido aos
nossos coe vos· sem -garantir a verda de de todos
os factos.
Na sceo em Coimbra pelos a nnos 1732 , e
a lli mesmo começou a a pprender n a escol a de
seu p a e Ma noel M a ch a d o , que model a v a com
perfeição : veio tlepois pàra Lisboa , e frequen­
tou o estudo de José de Almeida , entre a s
. cous a s que fez p a ra. o publico , todas com boa
a cceit a ção he notavel o S. Pedro de Alcanta­
ra que está no seu convento sobre a port a do
c a rro. Entrou em M a fr a como ajuda nte de Gius­
ti em 1 756. Quando se cuidou em fazer a Es­
t a tua Equestre, o Ma rquez Estribeiro Mór ,
qne era excellente pica dor , teve a inspecção
sobre ell a , e pedia desenhos a Fra ncisco Viei­
ra, este fez a lguns , que não contenta rão ple­
n a mente a o Ma rquez , porque os escorços no
desenho sempre p a recerão aleijões a pica dores.
[266)
Para evitar este inconveniente f)ropoz elle l\f ar­
quez a factura de hum modelinho em barro ,
e i11culcou para isso Joaquim l\Jachado , que
com e:>Oeilo o fez muito a conleuto de �- Exc.
e :{ satisfação de EI-Rci , e ela Cort�. Teve
elle por tanto , a incumbencia ele fazer a obra
em. grande , e cfeo principio a ella em 11;0.
Esta he a lradiçffo , que ouvimos aos Escul­
tores de l\lafra, mas não parece exacta porque
o A ulhor na sua Descripção A nalytica a conta
de out'ra :::.orle.
A estatna do Rei foi fundida em bronze
por Ilartholomeu da Costa , Tenente Coronel
E11genheiro , que teve cm premio a Patente
de Brigadeiro. O Escultor .Machado de Cas­
tro , e o A rchitecto Reynalclo, tiverão Habi­
tos de Christo. A escultura adjacente toda
modC'lada por lWachado , foi -posla em execu­
ção por João José J,�lveni , A lexandre Gomes,
pelo Leal , e por José Joaquim Leitão , os
q u aes executárão lambem em 73 a estatua da
Fé. Ile tambem de .l.\lachado toda a escultu­
ra da Basilica do Coração de Jesus : João Jo­
sé, e Alexandre Gomes executarão o Santo
Elias, Santa Theresa , Nossa Senhora , os Se­
rafins nas Capellas collateraes , o baixo rele vo
do Frontispicio , a A doração , a Liberalidad e,
S. João da Cruz , Santa Magdalena ele Pazzi,
S. José, e a Gratidão fotão feitas por JoséJo a­
.quim Leitão , e José Patricio. Esta obra foi
[ 267 ]
começ a d a em 77, e concluida em 83. As esta­
tuas de Alpheo, e Arethusa para Oeir a s exe­
cutadas por Leal, e João José la mbem são de
invenção de M a ch a do , assim como o modelo
do Neptuno p a r a o cha fariz do Loureto , exe­
cuta do em Carra ra por J 7 7 1 , o retrato d a Se­
nhora Rainha D. Maria para a quinta do M a r­
quez dé Ponte de Lim a em M a fra, executado
em 83 por Faustino , e Felici a no ; agora está
Na Livraria publica. M a ch a do dirigio t�mbem
a escultura do ba ldaquino de S. Vicente: M a ­
noel Vieira executou o S. Sebastião, S. Vicen­
te , e os Anjos sobre a s port a s , Antonio dos
Santos, e · Alexa ndre Gomes fizerão a s outras.
Em 1803 fez a Senhora da Encarn a ção p a ra
a sua Igreja.
Além destas obra s fez Joaquim Mach a do
outras muitas, entre a s quaes merece hum dis­
tincto lugar o Presepio do Benefici a do Olivei­
ra , que elle <lo-ou á Pa triarch a l.
Estabelecido em Lisboa o estudo da escul­
tura, entrarão nelle em diversos tempos v a rios
discipulos. Luiz José Ferreira , e José Ca eta­
no Gayã'.o em 7 I , Fa ustino José em 7 2, e Fe­
liciano José Lopes em 7 5 , o qual em 93 se
deo á pintura. Em .,.. __ Belchior.
Em 1 804 Antonio dos Sa ntos, Em 1 8 0 6
Constantino... todos naturaes de Lisboa.
Joa quim M a ch a do foi sempre dado a lição
do� Liv;os , e á conversação d a s Musai,. Pelo
r 268 J
motivo de Inauguração da Estatua Eqt.Jestre
do Senhor Rei O. José fez hurna Ode ao mes..
m o Soberano, que corre i mpressa desde 1 7 7 5. A
carta escri pta a hum Alu mno d a Escultura im­
primio-se em 8 0 : o discurso sobre as Utilida­
des do desenho vio luz da Estampa em 88. E m
l 805 foi i m pressa a A nalyse Grafico-Ortodo­
:xa ; e em cinco annos depois a Discripção Ana­
lítica da Execução da Estatua Equestre.
Em 1 780 ajudou a dirigir a Academia do
n ú a S. José , e corno tambem a que se abrio
de. pois na rua dos Camillos. O Senhor Rei D.
José o nomeou Escultor d a Casa Real, e Obras·
Publicas ; e Sua Magestade Director da Es­
cultura das Obras Reaes. Morn�o a 3 de De­
zemhro de l 822 , com 9 1 annos jaz sepultado
na Fréguezia dos Martyres de Lisboa. _ /

JoÃO GROSSI.

Como a Escultura fei�a em estuque tenha


muita analogia com a que se faz em barro, não
parecerá improprio que façamos aqui menção
deste estucador , tanto mais, quanto elle pre­
sidio em huma Aula Regia de desenho , e foi
o primeiro Mestre de alguns Pintores , e Es­
cultores.
Em Portugal tinha�se usado pouco o es·
[ 269 )
· tuque até o tempo d o terremoto. Na quinta
chamada dos bichos havia , dizem , huma ca­
sinha cfe estuque feita no Século 1 7. Do mes­
m o tempo era a pequena Capella no Convento
da -Esperança com bellissimos ornatos , e bai­
xos relevos. No iempo do Architecto Larre es­
tiverão aqui Salla , e Bill, que fizerão alguns
estuques n o seu palacio chamado vulgarmente
d o Provedor : fazião ornato, e figura. Depois
veio o Plnra que estucou huma casa na torre
da polvora, e huma Ermida ao pé da Sé. Fran­
-cisco Gommassa, mero ornatista tambem tra­
balhou em casa d o Provedor, e fez a fachada
-da &rnida dos Soldados em Alcantara.
João Grossi , nascido em Milão por 1 7 1 9
--aprendeo a modelar em cera , e barro ; -e de­
pois servio Fernando 6 . no exercito, como de"
0

senhador : alli , tendo-se desafiado com o so­


brinho do seu Coronel succedeo matallo no
duello; mas como era protegido pôde-se ausen­
tar, escapando d o quartel aonde estava prezo,
disfarçado com o traje da sua Lavadeira. Veio
para Lisboa, e foi morar para a Bica com Do­
mingos Lepori , commercian te, seu primo, o
qual lhe procurou a grande Obra do tecto da
Igreja dos Martyres , feito de novo· em J 748 ,
ou 49 que elle executou , ( inda que nunca ti­
vesse trabalhado em estuque), ajudado pelo
Plurn, e pelo Gommassa, usando de formas pa­
ra florões, e outros ornamentos. Fez tambcm ·
1111\f
f 21 0 J
huma casa no Palacio de Cintra, outra em ca­
sa <lo Provedor dos Armazens, que o introdu­
zia com o l\liarquez de Pombal. Este o occu­
pou nas suas casas da rua Formosa , e das Ja­
nelas verdes. Por 17 55 estucou as casas do Ma­
cha<linho, e�nessa occasião veio Pedro Chan­
toforo, e tambem Agostinho de Guadri, pa­
rente de Grossi , e seu patricio. Tinha elle
viajado na Alemanha , Prussia , e Hollan<la ,
e trouxe o methodo de trabalhar o estuque cm
fresco , e lustrallo , misturando-lhe cóla. Logo
depois. do terremoto fizerão a Capella dos Ter­
ceiros d� Jesus. Seguio-se o tecto dos Paulis­
tas, cujo painel , e baixos relevos forão pri­
morosamonte feitos pelo Toscanelli , primo de
Grossi, o qual era Pintor. discípulo de Corra­
do, e tinha ganhado premios em desenho na.
Academia de S. Fernando de Madrid.
N o Collegio dos Nobres adrrtittio João Gros­
si o Falcão, e dous Brasileiros, que tinhão es•
tuclado em R oma , erão Felis da Rocha , Pin­
tor de miniatul'a , e José Tenorio, seu primo,
que desenhava alli pilastras, capiteis, e outros
objectos de A rchitectura , para ganhar algu­
ma cousa. Felis trabalhou no baixo relevo de
Nossa Senhora , e nas medalhas ; e fez outras
cousas na Conceição Velh a , e na Inquisição.
Os Verdes, tamhPm Estucadores, esta­
vão trabalhando n o Palacio novo de Madr id,
e o Embaixador de Hespanba quiz aqui escri-
o

[ 27 1 1
turar. o Grossi promettendo-lhe o perdão do cri­
me, e avultada recompensa , mas o Marquez
de Pombal o reteve , e por 66 a brio-lhe huma
Aula ao Rato, e deu-Jhe 600,$ réis a nnuaes
para ensinar 1 0 discipulos, entre os quaes en­
trou João Paulo da Silva , que se fez bem co­
nhecido pelas m uitas obras que depois execu­
tou, e dirigio. Morreo a 28 de Dezembro de
l 82 1 , jaz na Freguezia de S. M a mede de Lis­
boa com 7 0 annos de idade.
Pouco depois da abertura da Aula casou
João Grossi com Rosa Berna rda, cre a d a mui­
to v a lida de Sor l\:f a ria l\fa gdalena , i rmã do
Marquez de Pombal , Prelada perpetua no
Convento de Santa J oanna. Elle foi excessiva­
mente protegido pelo l\farquez, que lhe d a va,
ou pedia lhe dessem a fazer todas as grandes
Obras que então se construião, que erão muitas,
e pagas por ai tos preços; e admira que adq ui­
rindo cabedaes tão avultados , morresse em
tanta pobreza pelos annos de 1781 , tendo ce•
gado antes de morrer.

FELIS SALLA..

O domioio de João Grossi , e os progres­


sos da sua Aula, sentirão muita diminuição
pela morte do Senhor Rei D. José , e retira da
llUU 2
[ 272,]
do Marquez para Pombal em 1 777. Já quan­
do se fp z a Obra da Sé estavão os Estucadores
divididos Prn dous pal'lidos, e erão muitos; por
<]ue aos discipulos da Aula se tinhão agregado
pedreiros , e guad ratores. Os mais bem accei­
tos ao Publico erão João Paulo de Silva, Pau­
lo Botelho , Manoel José o Escultor , José
Francisco Espaventa, Domingos Lourenço &e.
Quando Joaquim Pedro Quintela fez o seu pa­
lacio nas Larangeiras de baixo _da direcção de
seu tio o Padre Barlholomeu Qnintela da Con­
greg·ação do Oratorio , fez João Paulo a maior
parte <los teci os , por desenhos do mesmo Pa­
dre. Já <]Uasi no fim da Obra appa receo o Sal­
la ; e o seu gosto de desenho , e modo de tra­
balhar agradou por estrenio ao dito Padre.
Era elle discipulo do celebre Alhertoli , Mi-
1anez, que renovou na llalia o gosto dos bel­
Jos ornamentos usados no tempo de Augus­
to , e dos Gregos. Os que se ha-viào introduzi­
do nos nltimos tempos , e se t>sfavfio nsando ,
eri'io os chamados Francezes, e A lemães, cheios
de t�rjões , ornados com b.uzios , coaxas , &e.
e algumas ervas muito amarrotadas.
Salla fez todos os tectos do palacio - de
Quintela em Lisboa ; clt"pois foi a Cadiz com
Domingos Lourenço, e José Eloi a fazer o sa­
lão dos bailes , e de Cadiz regressou a Milão
sua patria tendo P?uco mais d e 30 annos.
( 273 J

VICENTE TACQUESI

Suisso : veio por 1 805 e dizia ser discipu­


Ió de Canova : foi aqui protegido por Vandeli,
e por N. Soares Secretario ela Junta do Com­
rnncio , em cuja escada fez alguns baixos re­
levos : tamhem fez as 4 partes do Mundo JJa
quinta dos bichos. Requereo o restabelecimen­
to da A ul a dos t->Stuques para elle dirigir, ten­
do por socio , para a <lirecção dos ornatos Jo­
sé Francisco Espaventa. Já a Junta das Fabri­
cas lhe tinha dado casas para morar, quando
entrarão os Francezes , com quem teve bas­
tante familiaridade. Para os lisongear fez hum
baixo relevo em cera, com boa composição, e
bem desenhado , representando a entrada de
Junot em Lisboa, cujo Estado Maior era pre­
cedido por hum Genio revolucionario , que ao
som d a trombeta o incitava á rapina, e expul­
sava muitas pessoas nuas para fóra cio Reino.
Depois da restauração foi prezo 1.• e 2: vez;
e por fim rlesterrado em l8 J o.
Os bons estuqpes furão usados pelos anti­
gos , perdidos muitos Eéculos , e tornacios a
achar por João de lJdine, discípulo de Rafa el,
no Século ele 5 0 0 qu ando appareccrão pt.la 1.•
vez as Camaras de Tito. EJles tem tido, e me-
[ 274)
recP-m ter estimação; mas entre nós usarão-se
com furor como huma moda , e assim acaba­
rão � de sorte que alguns estucadores moços
applicarão-se á pintura ; outros buscarão ou-
tros modos de vida. Hoje está aqui esta Arte
quasi extincta.

JOAQUIM JosE' DE BARROS LA BORÃO.

Nasceo em Lisboa em l 76� , e tinha sd 10


annos quando entrou como alumno na Aula
de João Grossi , aonde presistio 4 annos debu­
xando, e modelando. Passou depois para a es­
cola de João Paulo, Escultor em madeira. Em
qualidade de ajudante esteve com Raymundo
da Costa , com o Padre João Chrisostomo , e
ultimamente 5 annos com ManoeJ Vieira, aon­
de modelava , e acabava muitas Obras. Esta­
belecido já em sua casa fez os m odelos de San­
ta Clara, e S. Francisco, executados por F1·an­
cisco Xavier , discipulo de José de A lmeida ,
e por Antonio Machado. O numero das obras
que tem feito lie tão grande , que não o pode�
riamos aqui relatar, só faremos menção do bai­
xo relevo em marmore que está no tympano da
Igreja da Bem posta , e da Fama , coQJ os re­
tratos de Suas Magestades no obelisco de Bel­
las.
[ 275 ]
O Marquez Regedor, muito affeiçoado ás
boas A rtes, ficou tão satisfeito com a sua obra
de Bell a s , que álem da_ recompensa pecunia­
ria , lhe solicitou o H a bito de S. Tiago, fez­
lhe todas as despezas para a s habilitações , e
quiz ser seu pa drinho na profissão.
Sua Magestacle o premiou liberalmente ,
dando-lhe o lugar que Giusti occupava em Ma­
fra , com o mesmo ordenado. Estava aquelle
estudo quasi extincto , quando para alli forão
os Padres Vícentes, estes mandárâo contin u a r
lentamente a escultura das lunetas por mode­
los do Lea l , execut ados por Braz Toscano de
Mello , Rl•berto Luiz da Silva, e seu filho.
B a rros deo-Jhe mais a lgum movimento ; porêm
aconteceo a invasão dos Francezes que o pa­
ralisou. Enpregou-se depois nas estatuas para
o P a lacio de Nossa Senhora da Ajuda , e fez
a Honestida de , a Diligencia , o Desej o , e o
Decoro, em cuj a s Obras o ajudarão seus filhos,
e discipulos Manoel Joa quim, e José Pedro de
B a rros , e Gasp a r Joaquim da Fonseca, natu-
. ral de Viseu ( 1]. Morreo em 30 de .Março de
1 8 2 0 contando 58 a nnos , Jaz na Casa do Ca­
pitulo de Santo Antonio dos Ca puchos.
Carlos Amatucci, Italiano , tambem fez
em 1 8 1 8 para o mesmo Paço a estatua da Li-

[I] Veio de 7 annos para Lisboa , e estudou com o Bar•


ros 7 annos.
[ 276]
beralidade. Veio para Lisboa pelos annos 1 804,
retrata v a em cera : em 807 estando já admiti­
do no Real Serviço, com 400,1000 rs. annua es,
fez a med a lh a do Príncipe p a r a os orgãos de
l\f a fr a . Era muito moço, e bem disposto, q u a n­
do no anno 1809 morreo repentinamente de
Jium3. a neurism a no peito , que o suffocou.

JoÃo JosE' DE AGUIA·R.

Natural de Bellas, estudou o desenho em


Lisboa na Aula do Ca stello , e indo para Ro­
m a em 1 7 8 5 com Joa quim Fortunato de No­
v a es , e José Alvez de Oliveira pensionados
todos pela Intendencia , foi alh discipulo do
L a bruzzi no desenho, e de José Angelini na
escultura ; porêm este tendo en1oudecido, p as­
sou Aguiar, p a r a o estudo de Antonio Ca no­
v a . Em Agosto de 9 8 regressou á pa tria. Sen­
ào falecido Francisco Antonio , Escultor da
Fundição, entrou no seu lug a r , e fez a escul­
tura em bronze de humas banquetas que aIIi
se. fizerão para Mafra. Em 1805 foi nome ado
substituto de Joaquim Mach a d o , com prefe­
rencia .a Francisco Leal, que jd occupava aquel-
1e lugar , vencendo 400,1000 réis , elle teve
600. Fez a Esta tua de El-Rei que está no Ar­
senal n a casa das form a s , e a ctua1niente em-
[ 277 J
prega-se em esculturas para o Palacio da
Ajuda.
-::::;=�>0<2>-
JoÃo Gor.rns B.HTISTA.

A gravura em ôcco , ou de medalhas, tem


muita correlação com a escultura, ou he huma
escultura feita ás avessas , e o seu uso he an­
tiquíssimo , corno se póde vêr nos tratados de
antiguidade ; e nas collecções de medalhas.
Esta Arte chegou tarnbem á ultima perfeição
na Grecia, e em Roma, depois decahio com
as mais , mas nunca se extinguio de todo, por
que sempre se cunhou dinheiw , e se usou
della bem , ou tnal.
Em quanto á gravura de chapa a sua in­
venc!io he moderna , e foi achada casualmente
por _'hum lavrante Florentino , Thomas Fini­
guerra , em 1 430.
Desde o principio da nossa Monarchia se
cunhavão em Portugal Soldos de prata , e de
ouro, que tinhão não só quaesquer lavores, mas
lavor de figura acava!Jo com espada na mão.
Ignoramos os nomes dos que abrirão os cunhos
para a nossa moeda até o tempo do Cardeal
Rei. Depois correo a moeda Hespanhola desde
1 5 8 0 até 1640. No tempo do Senhor D. João
o 5.° esteve aqui o insigne Mangem , a quem
NN
( 278 ]
forão succedPndo os seus discípulos : hum del­
les foi J oão Gomes Baptista , de qoem temos
visto excplfentes medalhas , e abrio cunhes na
Casa da Moeda ; porêm abusando da confiden­
cia que delle se fazia, e achando-se criminoso,
se ausentou para o Rio de Janeiro , aonde vi­
veo <lebaixo elo nome supposto de Thomaz Xa­
vier de Andrade. Gomes Freire , Coude de
Bobadela, Governador no Brasil, e grande es 4

timador dos homens de talento, lhe deo o em­


prqto ele A bridor da Gasa cl1l Fundição em
Villa Rica. Morreo em Minas Geraes pelos
annos J 7 54.

JoÃo DE FIGUEIREDO.

Era nl;\tural da Cidade de Aveiro , aonde ,,,


apl'endeo a desenhar , modelar , e a traba-
balhar em prata. Pelos annos 1 7 4 9 tendo 24 de
idade veio para Lisboa , e pouco depois en­
trou para a Fundição como A hridor de armas.
Foi creando discípulos, e cujo n umero com o
tPmpo, veio a ser grande. A prendião a dese­
nha1· , a abrir ao boril, em chapa , e em ôcco,
e a lavrar metaes. Seu filho Francisco Xavier
de FiguPiredo , e Cypriano da Silva entrarão
para a f'asa da Moeda. ManoPl Tavares , Jo­
sé Joa quim Freire , Antonio José dos Santos ,
[ 279 ]
Vicente Jorge , forào para Belôm como dese­
nhadores de Historia natural , a<lditos ao l\lu­
seo.
João de Figueired o , em 1 775 , abrio hu­
m a medalha de 3 polegadas de diametro repre­
sentando a Estatua Equestre do Senhor D. Jo­
sé I º e foi impressada em varias metaes , e
em porçolana de Bartholomeu da Costa, a qual
sendo ião clara , e diafana como a da China,
resistia muito mais que ella ao ferro, e ao fu­
go. Em 82 f PZ o puução <lo Retrato da Senho­
ra D. Maria I." para os Camafeos de por<;ola­
na do mesmo Bartholomeu , que se usarão em
anneis. Para a 1.ª pedra da Basilica do Cora­
ção de Jesus, lançada em 83 , foz huma me•
dalha de duas polegadas com as efligies da
Rainha , e de EIRei , <111e se cunharão em va­
rias metaes. Para a Academia das Sciencias
em 8 5 gravou em medalha a Rainha sentada
claudo a l\Iinerva huma Coroa de louro para
premiar os Academicos benemeritos. Em 90
abrio a. Senhora da Conceiçào para as mc­
<.lalhas dos Allumnos do Collegio dos No­
bres ; e no anno seguinte S. J o,l o Baptista
para os do Seminario do Crato. Começou veu­
cendo hum salario de 1 $200 réis diarios , sem
desconto algum ; o que foi depois augmentado
com 100/000 réis annuaes. .Morreo em Li:,boa
em 10 de Janeiro de 1809 com 84 annos de
idade,
[280 )
Succedeo-lhe na direcção da Aula seu fi­
lho Antonio Joaquim de Fig·ueiredo , e Gas­
par dP Figueiredo , 3.° filho , h e Contramestre
na mesma Fundiç,'io. Francisco Xavier de Fi­
g· upiredo , Abridor da moeda , morreo em
1 8 1 8.
Cypriano da Silva Moreira , natural de
Lisboa , foi chamado da Fundição para o Era­
rio, a fi m de alli ahrir os sei los para o papel ,
d'onde passou dPpois para a moeda com o m esv
mo salario que recebia no Erario de 1$200
réis por dia , e as Obras pagas separadamente.
Francisco de Borgeii Freire foi praticante de
Xavier de Figueiredo, donde passou para aju­
dante <le seu Tio Cypriano da Silva.

StMÃO FRANCISCO DOS SANTOS'.

Na f u rai de Lisboa , e discípulo de José


Gaspa r , de Naçfí.o Flamenga , que succedeo
0
n o lug-ar do insigne Mangem 1 . A bridor da
Casa da Moeda , com o ordf>nado de 480$000
réis , e as Ohras pagas , cujo lugar inda não
não foi provido df>pois da sua morte , que foi
por l 8 1 2 tPndo 8 5 ,rnnos de idade. Simão Fran­
cisco ficou suprindo este emprego , mas sem
auem<'nto no ordenado , <JUe já tinha de 200/
réis aunuaes, casas para assistir , e as Obras
( 28 1 ]
pagas separadamPnle. Em 1 802 , por desenho
do SE-'que1ra , abrirão, José Gaspar, A n tonio
J'osé do Valle, Xavier de Figueiredo, e bimão
Francisco o punção do rPtrato do Príncipe Re­
g-Pnte para as peças, e medalhões de bronze.
Este hahil A rtista tem fei to , alêm elas Obras
d a Casa <fa Moeda, grande numero de outras,
tanto em rnetaes como em pf'dras finas para
a maior parte dos grandes do Rei no, e para os
Trib 11 naes da Corte; e mesmo até para os Rei­
nos Estrangeiros, tem aberto muitas Armas,
Escudos , e Sellos. São seus discípulos Caeta­
no A lhe-rto Nunes de Almeida, Luiz Gonzaga
Pereira , e Domingos A ntonio Candido.

JOAQUIM CARNEIRO D:A SILVA.

J;{ dissPmos em outro lugar, que o desas­


tra<lo fim da nossa gente em A frica seguido
d t=> huma especie de capti.veiro de 60 annos, e
das guerras ela Restauração, e Succesi,ào obs­
tou muito aos progressos. das- boas Artes ; a da
,;- grnv-ura de estampas. foi huma das que menos
florecf"rão; e, que só depois da Paz de Utrt:.dk
em 1 7 1 5 cuidou © Senhor D.J,ão o 5.° em ani­
mar as Artes , e &iencias. Em J 720 fundou
elle a Academia Real da Historia ; e em 22 a
Academia Problematica de Geometria em Se-
[ 282 ]
tuba!. Estas fundações requerião Gravadores
de estampas, e vierão para isso alguns Grava­
dores estrangeiros por intervenção de D. João
da Silva , Conde de Tarouca , Embaixador na
Haya. Gabriel Francisco Luiz Debrié era Fran­
cez, gravou muitas pranchas para a Historia
Geneleogica , e em 1739 a brio os retratos do
Rei e da Rainha que Ranc havia pintado. Te­
ve hum filho nascido em Lisboa tambem Gra­
vador.
Francisco Harrewyn , Abridor Regio em
Bruxellas gravou os retratos dos Senhores D.
João o 4.º , D. Affonso 6.º, D. Pedro 2. º , e D.
João o 5.º ein corpos inteiros.
Alexandre de Gusmão da Companhia ele
. Jesus , da Provincia do Brasil abrio huma es­
tampa da Nati vidade com boa maneira.
Francisco Vieira, e Quilhard tambem gra­
varão bastantes chapas, e o 2.º abrio huma uáo
qne foi ao mal' em 1 7 27· com lodo o povo den­
tro , e fóra della , o o mesmo Rei , a quem a
dedicou. Era gravada no eslilo de le Clerc. Fei
outra chapa igualmente laboriosa da marcha
funebre do Duque de Cadaval.
Rochefort, e :M ig·uel Le Boiteux tambem
forão aqui emprngados, do 1. temos o Ilaptis­
0

ta de D. João o 5.°, e do 2.° a fachada de .Ma­


fra em estampa de 4 palmos aberta em 1 7 52.
Depois disso alg·uns Portuguezes se applicarão
á gravur.a, -OS Rochas, pae, e filho ; Padrã-0; e
[ 2 83 ]
João ·silverio C a rpinchi , seu discipu1o, que
a brio os retratos do Senhor D. José J .º, e da
Senhora Rainha D. Marianna Victoria: Jero­
nimo de Barros , o Cavalleiro Faria, grande
desenhador á penna , abria a aguaforte hum
bPl!o San to A n ton io pregando aos peixes. Fran­
cisco Vieira Portuense , José Lucio , e outros
muitos.
Em 1769 se estabeleceo em Lisboa huma·
Aula de gravura , addita á Impressão Regi a ,
dirigida por Joaquim Carneiro d a Silva, na­
tural do Porto , onde vio. a luz em J 727. Era
lavrante : foi de 12 annos para o Rio de Ja­
neiro, e a.lli a prend�o a desenhar com João
Gomes, natnral de Lisboa , abridor de cunhos
da ('asa <la l\foeda : A rnava a musica, e toc a ­
va fra uta, achando-se frequentemente em con­
certos de i nstrumentos com João Henriques de
Sonsa, que depois veio a ser Thesoureiro Mór
do Erario. Tenrlo estado al/i 1 7 annos veio pa­
ra Li-sboa em 1 7 56, no anno seguintf' foi pa1a
Roma , e frequentou para o desenho a escolla
de Ludovico Sterni , que era b0m Pintor. Em -
1 7 6 0 mandon o nosso Ministro D. Francisco
.
d' A lmeicla por Ordem R f' gi a a tod 0 s os Por­
toguezes que sahissem de Roma. Elle foi en�
tão para Florença acabar os seus estudos, e
não acceitou hum lugar na Casa da Moeda ,
que o Ma rquez de Pt mhal lhe offerecia.
Entrando p a r a a Impressão Regia , como
[284]
fica dito , teve 400,tooo réis de ordenado , e
huma g rntificação de l 00/000 réis por cada
àiscipulo aproveitado que ensinasse ; ensinou
Antonio Siseoancl o , que endoudeceo em Ro­
m a ; Ventura da Silva seu sobrinho. Gaspar
Froes lifachado, Eleuterio Manoel de Barros :
Nicoláo José Baptista Cordeiro , que se appli­
cou depois á pintura, e morreo tisico em fres­
ca idade: Joaquim José Ramalho, que morreo
moço em 179 5 , sendo tambem Pintor : José
Galdino de J.Vl attos começava a florecer quan­
do por paixão de ciume se matou com hum bo­
ril. Mauoel da Silva Godinho que gravou mui­
tas estampinhas devotas ; José Pedro Xavier ,
filho de Januario Antonio Xavier , bom Gra­
vador de letra, não proseguio , e foi servir no
exercito, hoje Le Tenente Coronel da Brigada
Real.
Quando Ponzoni, que era Mestre de de­
senho no Collcgio dos Nobres, se retirou tfoou
Joaquim Carneiro em seu lagar com 60 moe­
das. Fez os Estatutos para a Aula Regia do
desenho, que se abrio em... sendo Director do
estudo de figura Joaquim .Manoel da Rocha ,
e de A rchite!ctura José da Costa : J oaquim
Carneiro foi substituto de Rocha com 200,$000
réis. Por morte de Rocha em... succedeo-lhe
Eleuterio Manoel de Barros , que leu na Au­
la até J 8 1 1 : então , impossiblitado por moles­
tia, foi substituido por Faustino José Rodri-
[285]
gues. O lugar de José da Costa he occupado
pelo seu discipulo Germano.
Joaquim Carneiro, logo que veio , ( seria
por 62 ) , abrio hum S. José em pé com o me­
nino ao cóllo. Em 67 fez a Senhora do Rosario
no estilo de IVIaratte , em 7f> gravou a Estatoa
Equestre em chapa de 3 palmos, e fez m uitas
ou tras cousas antes , e depois. Desenhou as
setenta e tan tas estampas para a Arte de Pi­
caria de Manoel Carlos de Carvalho , abrio
muitas aqui, e foi a Madrid para fazer gravar­
as outras. Acabada a Obra em 90 voltou a Lis­
boa. Fez o retrato do Principe O. José, algu­
mas f''stampas , copias de invenções da Senho­
ra Princeza do Brasil , vi u v a , e da Senhora
Infanta O. Marianna. Antes de ir para Ma­
drid demittio-se da Aula da gravura que ficou
anniquilada.
Ti·aduzio do Francez, Elementos de Geome­
tria de Mr. Clairaut. Lisboa 1772. Tratado
Theorico das Letras Typog-raficas 1802. O dia,
a noute , e o crepusculo , 1\-1. S . , e outros. Fez
moitos , e bellos desenhos a lapis , á penna ,
á tinta da China , e a bistre , a Acclamaçào
da Senhora D. Maria 1 .ª ele 5 palmos, está na
Coll..�cção de Borb a ; e a Embaixada da Polo­
nia ao Papa na de Pilar. Morreo em 28 de Ou­
tuhro d e 1 8 1 8 com 9 1 annos de idade, Jaz no
Convento do Carmo.

00
[ 286 ]

GASPAR FROIS MACHADO.

De Santarem: · era irmão 1 0 annos mais mo­


ço de Francisco Leal. Começou a estu<lar na
e&eolla. de Giusti em Mafra , e prosegu io por
tempo de 4 annos : depois esteve na Fabrica.
das caixas, e por fim hum Padre leigo de Ma­
fra, Fr. Antonio de S. Joaquim o intro<luzio
em casa de Estevão Pinto ; o qual vendo que
desenhava bem o fez entrar na Aula da Gra­
vura de Joaquim Carneiro aberta de novo. Alli
adiantou-se muito, e ganhou o 1. premio. Pe­
0

los annos 1780 , Pag-liarina que se tinha aqui


refugiado , pelo crime capital de imprimir em
Roma, sem licença , a Tentativa Theologica
obteve o perdão , tornou para Roma, e levou
comsigo o Gaspar; porêm tendo-o 1/t desampa­
rou-o. D. Diogo de Noronha o recebeo em sua
casa. Poz-se a estudar com fervor , e .,proveito
na escolla de Volpato; quando voltou condu­
zio alguns paineis de Batoni para o Real Con­
vento da Es trella , e o seu Mecenas o recom­
mendou a seu pae o Marquez d'Angeja. Sua
Magestade ; ( porque elle lhe disse que não
tinha casa em Lisboa ) , o mandou para a Ca­
sa de Pasto da Piemonteza , pagando 1,1200
r 2s, 1
réis por dia, os quaes requereo elle depois , e
obteve , como pensão.
Gravou o retrato da Rainha, pintado por
Hickey, em chapa grande. A brio em 1 7 9 3
tambem em grande .prancha huma alegoria
composta por seu irmão Francisco Leal , e re­
presentava Suas Magestades no throno, o Anjo
Tutelar ao lado do Rei, então Principe Re­
gente , apresentando a Sereníssima Senhora
D. Maria Thereza, recemnascida á Lusitania,
que a recebe com respeito , e ternura, em
quanto o Tejo a contempla com muito prazer.
Elle dístríbuio as estampas pelos Senhores da
Corte , que as receberão com applauso.
Tambem gravou a Torre de Belêm que Niel
offereceo ao Duque de Alafües em 1 78 3 ; e of­
fereceo-a ao seu Patrono D. Diogo de Noro­
nha. depois Conde de Villa Verde. D. Rodri­
go de Sousa Coutinho o persuadio a que fosse
a Inglaterra acabar de se aperfeiçoar com Bar­
tolozzi. A este tempo era elle já casado com
a filha. de Francisco lVIanoel Pires , o que es­
tampou a Estatua Equestre , e conseguia que
ficasse á m ulher a pensão dos 400$000 réis, e
obteve para si 2,$400 réis cada dia , e 1 0 0
moedas de ajuda de custo. Partio em 1796 , e
desgraçadamente naufragou , sem se saber co­
rno , nem aonde , tendo vivido só 37 a.anos ou
pouco mais.

ºº 2
[288]

ÁNTONIO FERNANDES RODRIGUES.

Nasceo na Cidade de Marianna no Bra-­


sil de hum pae Portuguez, e de huma sua
crioula, cousa muilo usada naquelles paizes.
Estudou no Rio de Janeiro a grammatica lati­
ua com seu Tio o Padre José Fernandes, Jc­
suita ; a Musica com o Mestre Antonio do
Carmo ; e o desenho com João Gomes Baptis­
ta Abri<lbr de Cunhos, que tambem o ensinou a
modelar. Em 1 7 58 veio a Lisboa, e no anno se­
guinte passou a Roma aonde teve por Mestre
Filippe de la VaJle, Escultor, até que em 3 de
Julho de 1760 mandou o Ministro de Portugal
que sahissem de Roma os Portuguezes. Publi­
cou-se no Almanach, como he costume, o nume­
ro dos estudantes da Arte de todas as Nações,
cm g-rande numero ; mas de Portugal , dizia
elle, trez , e não nJais , e pensionados de sua
casa. Os trez erão elle , Joaquim Carneiro da
Silva , e Felis José da Rocha, Pintor de mi­
niaturas, natural d::i. Bahia. Todos trez partirão
})ara Florenca, aonde eHe Fernandes se app1i­
con a desenhar figuras, e architectura. Veio
de todo para Lisboa em 6 2 aonde servio o Pu­
blico como Gravador , e Archictecto. Fez o
risco p ara u I grf'j a de S. Vicente da Cidade da

[ 289 ]
Guarda.
l Inventou , e desenhou o elogio ao
lV arquez de Pombal que foi gravado em Fran­
ça por Stefano Tassard. Diogo Ig-nacio de Pi­
na .!\f anique querendo abrir huma AuJ-a de de­
senho na Casa Pia do Castcllo o convidou pa­
ra a dirig·ir, e fez-se a abertura deJla em 23
de Abril de 1 '7 8 1 , vencendo por isso 300$000
réis. Esta Aula ficou extincta pela invasão dos
Francezes em 807, e Antonio Fernandes mor-
1eo em J 7 de Maio de 1 8 0 4 , tendo quasi 80
annos de idade.

FRANCISCO B.ARTOLOZZJ.

Franco, e bravo desenhador, como diz


João Gori Gandellini, e qualquer o póde vêr
nas suas obras. Nasceo em Florença pe]os an­
nos de 1 7 27. Foi discipulo de "\Vagner, e grn­
vou em Veneza, e em outros lugares da Ita­
lia granoe numero de chapas todas limpas, e
agrada veis, mas com differentes gráos de me­
:i:ecimento.
Em 62 foi para Londres aonde executou
muitos pensamentos da Angelica Kauflinann ,
de Vieira Portuense, e de outros ; algumas
destas obras são assás triviaes, outras de gran�
de mestre. Entrão no numero das melhores
Achi11es , a morte de Lord Chatham, e o Vi-

/
[ 290]
riato de Vieira dedicado a Sua Magestade: D.
Rodrigo de Sousa Coutinho tendo a inspecção
ela Officina Regia quiz fazer huma magnifica
edicção das Lusiadas de Camões, e para esse
fim attrabio a Lisboa o nosso Bartolozzi em
1802 com 6003000 réis de pensão , casas, e
obras pagas ; e renovou com elle a escola de
gravura que estava extincta pela demissão de
Joaquim Carneiro� Francisco Vieira fez mui­
tos esbocetos pintados a oleo para as estampas
da dita ohra, e erão bem compostos; mas ten­
do-se D. Rodrigo demittido dos seus empregos,
tudo ficou sem effeito.
Quando Napoleão quiz estampar o gran­
de Museo da França, fructo elas suas rapinas,
repartio a gravura das estampas pelos melho­
res incisores da Europa. Bartolozzi gra-v-011 a
morte dos Innocentes do Guido, obra de gran­
de mag·isterio. Abrio tambem o retrato tlelEl­
Rei Nosso Senhor pintado pelo Pellegrini. A
ultima obra que fez foi a Procissão das Sagra­
das Formas de Claudio Coelho.
Teve por discipulos , Domingos José da
Silva , natural de Lisboa , que primeiro estu­
dou o desenho na Aula de Eleuterio Manoel
de Barros , o qual lambem lhe deo lições de
pintura, depois applicou-se á gravura com Joa­
quim Carneiro, d'onde passou em 1 805 , ou 6
para d isci pulo de Bartolozzi , até ao tempo da
sua morte, ficando recebendo a pensão annual
f 29 l ]
de 170 e tantos mil réis que lhe foi concedida
para estudar, Este A1·tista viv� com seu irmão
Simão Francisco dos Santos, A bridor da Casa ,
da l\foeda , . de quem já fizemos menção, Do­
mingos José ahrio hum quadro <le Nossa Se­
nhora de Carlos Maratte dedicado a Araujo, en-
tão l\-Jinistro da Guerra- Hum Santo Antonio
de invenção de Pedro Alexandrino, o qual foi
dedicado a Sua Magestade , então Príncipe
Regente. O retrato do Bispo Inquisidor. Al­
gumas chapas para os Breviaríos , impressos
na Impressão Regia. O retrato cio Pache José
A gostinho para o seu Livro , e outras cousas
mais: pinta tambem a oleo , e em miniatura.
João Vicente Pi-iaz re�;ressou ao Piemon­
te , patria de seu pae. Theodoro Antonio de
Lima, natural de Lisboa apprendeo com o Fi­
gueiredo na Fundição, e depois com Bartoloz­
zi , he substituto da AuJa do desenho no Col­
legio dos Nobres.
Antonio Maria de Oliveira lHonteiro, na­
tural de Lisboa. estudou o desenho na A uJa de
Eleuterio, e dahi passou para discípulo de Bar­
tolozzi.
Francisco Thomaz d� A lmeida , natural
de Lisboa, passou da Aula da Fundicão onde
apprendeo o desenho, para discipulo de Barto­
lozzi, está empregado na Impres�ão Regia.
Francisco Antonio da Silva, applicou-se á
pintura,
[ 29� 1
Francisco B artolozzi terminou a sua longa,
e illustre carreira em Lisboa no anno de 1 8 1 D
com 88 de idarle,

O C o xrnno.

Assim chama o vulgo a José Lucio da. Cos­


ta , natural de Lisboa , n ascido em 1763 , o
qual aos 9 annos de sua idade foi estudar o de­
senho na Aula de Joaquim Manoel da Rocha
até aos J4 annos , a cuja idade seu pae o pas­
sou para a Aula do Calhariz, a fim de se appli­
car á Sciencia de Mathematica , Engenharia,
e Fortificação ; porêm , andando nestes estu­
dos teve a infelicidacle de huma paralesia na
perna esquerda , que apezar das grandes dili­
gencias de seu pae, e dos m u itos remedios que
se lhe applicarão os mais babeis facultativos ,
ficou coxo da dita perna. Vendo-se por e.ste
motivo inhabilitado a proseguir os seus esluclos
de Engenharia , principiou por curiosidade a
abrir algumas estampas ; e como a natureza o
tinha dotado de muita habilidade , ellas forão
recebidas com tal accei tação , que principiou
a fazer profissão de Abridor de chapa ; fazen­
do todas as Obras de gravura para a Secreta­
ria dos Negocios da Guerra ; todas as da Bí­
blia de Jorge Bertran d ; as chapas das Obr a s
r 29a J
de Joaquim Macha do , Escultor ela ch a p a de
S. Lucas para as Patentes dos Irm�os daquel­
la confraria, e muitas outras mais; não fallan­
do nos retra tos p a r a meda lhas, caixas, e an­
neís feilos por elle á miniatura ; assím como
tudo que he mechanismo, porque tudo faz , e
com t a l z>resteza como se tivesse muita pra­
tica.
Nicoláo José Correa, e Manoel Luiz Ro­
drigues Vianna , tambem são Abridores do
mesmo tempo, naturaes de Lisboa , e discipq-
1os do Figueiredo, em a Aula da Fundição·,
da qual o 1 . sahio por Aviso de D. Rodrigo,
0

p a ra a Officina do Padre Vellozo ao Arco do


Cego : dest a passou p a ra a Impressão Regi a ,
e rnorreo em H ele Dezembro de 1814. O 2.º
existe na mesma Impressão Regia.

GREGORIO FRAJ'I.CISCO QUEI RÓS.

Natural desta Corte, teve por 1 . lWestre


0

em desenho, e gravura d'agua�e Jeronimo


ele Ba rros Ferreira . Em 1796 foi pensionado
da Corte tmrà Londres com 6003000 réis an­
n11aes, e alli esteve 3 annos como discípulo de
Bartolozzi , e outros 3 , dirigindo elle mesmo
os seus estudos. A Junta Provisoria suspendeo
a s pensões aos que esl a vão fóra do Reino; m a s
PP
1 2 941
D. Rodrigo , Coude de Cavalleiros, e seu filho
D. Gregorio, que o protegião, lha conti1iuarão
generos:nnente por 3 annos , até que foi cha­
mado com Bartolozzi para ser _seu substitut o ,
com 600$000 réis de orden ado , e Obras pa•
gas.
Muitas sfio a� chapas que gravou em fo.
glaterra, e tem gravado Pm Lisboa, sPndo hu­
ma das mais laboriosas a da sôpa econo111ica ,
que se distrihuia aos emigrados das Provii;cias
po'r ordem do Governo, no tempo da invai:,ão
de lVfassena,

�-
ELEUTJ:":RIO MANOEL DE BARROS.

Nascido tambem nesta Cidade , frequen-­


tou a A ula de gravura de Joaquim Carneiro
da Silva " e ahrio muito bem alg·umas estam­
pas pa1·a os Missaes. Passou a Roma , aonde
teve por Mestre o mesmo Ludovico Esterni ,
que o fôra no dito Silva. A lli esteve em casa
do nosso Ministro Almada , para quem levou
r<-><'omenrla ção qe Soror Maria M a gdalena, Ir­
mii <lo Marquez de Pombal , e Religiosa no
Convento de Santa Joanna. Quando \'eio con•
d11zio o painf'I de Batoni oo Coração de Jesus
p2ra a Ba�ilica ,la Estrella , em cujo Conven­
to ha lrnm painel seu dé Elias deitando a ca-
r 295 J
pa a Eliseu : Obra q ue foi criticada por Ma­
noel de Mattos, e deffendida em parte por hu­
ma apúlogia de Joaquim Carnt>i ro. Fez os de­
senhos para os tectos da casa nobre de João
Ferreira , executados por 1''rancisco de 8etu­
bal , Domingos de Sequeira , Joaquim José
Bugre , e outros. Entrou como hum dos Di­
rectores n a A cademia do 01.i aos Camillos. Por
morte de Joaquim Manoel d a Roc-h a , succe­
deo-1he no lugar de Lente da Aula do Dese­
nho , até que sendo atacado de paralesia foi
substituído por Faui;tino José Rodrigues, con­
servando-lhe Sua Magestade , todo o orde­
nado.

JoÃo CAETANO RIVARA.

Sendo filho de estrangeiros nasceo em Lis­


boa, aonde frequentou a Aula do Castello. Foi
para Roma em J 788 pensionado pela lnten•
dencia , e alli por 3 annos foi escolat· de La-
. bruzzi. Passou depois para a Escola de PeJro
Vitali, Veneziano, frequentando tatnbóm o es­
tudo ele Volpato, Gravador famoso. R i vara g-ra­
vou huma Sacra Família do Ticiano de palmo
e meio, dous ovados de Teniers represt>ut.ando
hum pastor , e huma pastora , em meios cor­
pos ; o busto de Anl.enori em ovaJo pequeno
PP 2
(296]
&e. Voltou a Lisboa em 99 , e depois foi a
Londres estud a r com Bartolozzi, lendo de pen­
são 600$000 réis. Allí g r a vou os retratos da
Senhora Rainh a , e do Principe Regeote de
Portuga l. Seguia o estilo de Slr a oge , e nesse
mesmo estilo desenhou á pen na hum Fa una ,
e hum a Bacha nte , que estiverão no g a b inete
do Secretario de Est a do , Antonio de Ara ujo
e Azevedo. Em 1 8 0 3 regressou a Lisboa , e
fof ser Professor <le gravurn no Jardim Bot a ­
nico , aonde tem a berto plant a s , e outros ob­
fectos de Historia N a tural.

ANTONIO SISENANDO.

Foi em Lisboa discipulo de Joa qnim C a r•


neiro , e em 1788 indo para Roma pensionado
pela lntendencia (.ev:e por Mestre La bruzzi.
.Em 90 enviou a o Intendente em desenho o
Jeremias ào Guercino da G a laria Altieri. En-·
do.udeceo em 9 1 esta ndo p a r a entrar n a escola
de Volpato, e no a nno seguinte foi recondu­
zido a Lisboa.

O ,1.J , V
,. 'l
(297 )

M.aNOEL MARQUES o'Aou1L LAR,

Na Cidade do Porto se e.stabeleceo huma


sorte de Academia , ou Aula de desenho pe­
los fins do reinado d o Senhor D. José , susten­
tada pela Companhia dos vinhos , sendo o seu
p rimeirn Director Antonio Fernandes Jacome,
natural de entre Douro e Minho, o qual tinha
feito em Roma os seus estudos. Succedeo-lhe
Francisco Vieira na direcd'ío >
della , e n essa
occasião recitou bum breve discurso, que se
estampou na Impressã'o Regia em 1 803. Lem­
bra nelle o Author muitas d'as utilidades do
desenho ; e pintura , e o quanto importa ao
Pintor ser sabio, e erudito: attribue a fa lta
que ternos tido de grandes Artistas ao não ha­
ver escolas fornecidas d e m uitos, e bons exem­
plares; e de nenhuma sorte á dos talentos na•
turaes. A gora espera grandes resultados d esta
feliz combinacão &e.
Nesta es�ola estudou Manoel Marques de
Aguillar até o anno 1 7 9 3 , e depois pnrtio pa­
ra Londres com huma pensão de 6oojooo réis
para estndar a pratica da gravura com Tho­
maz lVJilton , parente do Poeta , o qual abria
muito bem paisagens , e figuras. Voltou em
96 ou 97 , e foi pensionado com 480,$000 réis,
[ 29 8 J
para no Jardim· Botanico fazer costumes da
Asia, e objectos de Historia Natural. Gravou
tambem os retratos de Suas Magestades. Nas­
ceo n a mesma C1da<le do Porto em 17 6 7 ou
1768.

JosE' TEIXEIRA BARRETO.

Tambem nasceo no Porto pelos annos 1 767-,


Tendo 1 5 annos tomou o habito <los Bene<licti­
nos no Convento de Tibaens, e com elle o uu­
me de Fr. José da Apresentação. Quatro �­
nos depois passou para S. Bento da Saude de
Lisboa , e os Prelados o m andarfí0 á Aula do
Rocha estudar o desenho ; e em J 7 9 0 o invia­
rão a Roma , aor:de foi discipulo de José Ca­
diz, e de Mr. Gag11eraux , Prntur de Hi::.toria,
pt"nsionado Francez , que se havia alli estabe­
lecido. Por interveuçào de O. A lexaodre de
Sousa secularisou-se em 9 l . A pplicou-se �11 tão
á gravura, e abrio, só em contornos as e::.tam�
pas para Scherzzi poettci de Ro:;si; e pur pai�
11eis df' sua i nvenç;io gravou Movscs na,. ag uas;
a mulher de Dario diaote de Ai.:xa ndre ; o re­
pouso do Egypto ; Venus com algumas N1m­
,
fas ; &c. &c. Veio em 9 7 , e 8 annus depois,
pela morte <le Vieira , succecleo-lhe no lugar
de p irector da Academia Portuense. Pelo seu
falécimento subio á Cadt:irn o seu substituto
[ 299 )
Raimundo , e foi admittido como substituto,
João Baptista h u m dos Alumnos da mesma Es­
cola.

BENJAMIN CoMTE.

Nasceo em PayPrne na Suissa pelos annos


I 760. Estudou em Londres na Escola de Jt,ão
LanclsPer, Gravador do Rei , e applicou-se aos
gPnPros da paisagem , e da architectura. Em
1 8 0 6 por i ntervenção de D. R ,drigo de Sousa
Coutinho foi chamado á Corte de Lisboa com
5 oojooo réis de ordenado. Aqui tPm gravado
clous grandPs, e bellos arvoredos, em hum dos
quaPs �stá Narciso vendo-se nas aguas , e no
outro LPda; pensamentos ambos de Vieira Por­
tuensP. A h rio tambPm o Pros-pecto do Conven­
to d a Batalha , e outras cousas.

FAUSTINO JosE' R oDRIG UEs.

HP natural <le Lisboa, e frequentou a Au­


la de Joaquim Machado de Castro , e foi de­
clarado por sPu Mesf rP, de maneira authenti­
ca, pelo mais benemerito de todos os seus dis­
cipulos: tambern i ntentou , e conseg uio que
elle fosse seu substituto na mesma Aula. O.
( ao o ]
mesmo Joaquim Machado nâ'.o se dedignou de
pôr o seu nome no busto de rnarmore do Du­
que de Alafêles, que elle esculpio para a Aca­
demia das Sciencias. Tambem fez o retrato do
Senhor Infante D. Pedro Carlos para- o seu
l\fausoléo que foi para o Rio de Janeiro. O re­
trato da Senhora Rainha D. Maria, Primeira,
que se acha em hurna piramede colocada no
Campo de Onrique em mem01·ia da grande Ba­
talha que ali se deo. Fez tambem a Pia Bap­
tismal ; e out.ras muitas obras para os Senho­
res Marquezes de Bellas , e ele Borba. Não
s6 tem feito Obras de Escultura, mas lambem
ele Pintura, e com boa acceitação. Qu�ndo
Eleuterio Manoel de Barros soffreo o insulto
da paralesia , clle foi substituir o seu lugar de
Lente da Aula d o Desenho.
Conta actualmente 60 annos de idade , e
46 de applicação á Arte.

JoÃo TEIXEIRA PniTO.

Natural desta Cidade de Lisboa, logo nos


annos <lc sua infancia deo signaes de ter ge­
n i o , e gosto para a Pintura , e Escultura ,
começando a copiar estampa s , modelando, e
applicando-se em Obras de Escultura ; de ma­
neira , que, a sua habilidade o fez Artista co-
[ 301 ]
nhecido do Publico , sendo chamado para tra­
balhar em muitas Obras de Escultura, princi­
palmente para a Casa Real , p ara a qual fez
hum S. Pedro de Alcantra, e hum S. Miguel,
ambos de prata , para os Baptisados do Prín­
cipe D. Pedro de Alcantra e do Infante D.
Miguel. Tambem trabalhou nas Banquetas
de prata para os Oratorios de Suas Magesta­
des. Entrou por Ajudante na Aula de Escultu­
ra de Joaquim Machado. Fez algumas cousas
n o Palacio de Queluz no tempo de El-Rei D.
Pedro, e presentemente está trabalhando no
novo Palacio de Nossa Senhora da Ajuda.

-
Q.Q.
[ 30 2 ]

MEMORIAS COXCERNE�TES
A ' VIDA E ALGUl\IAS OBRAS

DE

CYRILLO VOLKl\fA.R MACHADO,


. .)

:USCIUll:'fAS. POR BLLB MESMO.•

l Ü

Eu amo a Nobreza , mas não tive a vanta­


gem de nascer nobl'e. l\'Icu Pae aprendeo , e
profes�ou a Arte da Cirurgia, e os seus paren­
tes nada mais erão que honrados lavraclo!'es
do termo de Setubal ; alguns dos quaes servi­
r!io com boa reputaçifo na Camara daquella •
Vill a , alguns seguirão os postos Militares, ou­
tros em fim se dedicarã'.o ás funções Sacerdo­
taes. Elle estabeleceo-se em Lisboa aonde ca­
sou ; e eu . fui o 4.° dos seus 6 filhos , tendo
nascido em 9 de Julho de 1748. Fui baptisado
na Freguezia de S. Nicoláo. O seu intento era
fazerme entrar na Aula do Commercio, cousa
em que eu convinha , só por condescendencia,
porque o meu genio propendia para a pintu­
r a , com huma força irresistível.

[ 303 ]
Ficando ortão consegní que meu tio João
Pedro Volkmar quizesse ensinarme a Arte ,
e appljqueime a ella de ilia, e de noute , com
hum a especie de furor , que me tolhia o som-
110. Em muito pouco tempo desenhei grande
numero de estampas , parte das quaes forã'.o
tambem copiadas por Joaquina Isabel , a ulti­
ma de minhas irmãs ; porque he naturalmen­
te dotada de talento rarissimo para a imitação,
tanto cm desenho, como em pintura .
Passei a colorir ; e quando me pareceo ,
que tinha copiado b a stantes quadros , desejei
inventar, este desejo era intempestivo, mas eu
não o podia conter; fiz diversas ten t a tivas,
que só servirão para darme a entender as diffi­
culdades da empreza. Elias com tudo não me
desanimárão inteiramente, antes fizerão a ug­
mentar a vontade que já tinha de ir a Roma.
:Em ta nto com alguma habilidade natural, e
pouca sabedoria , fiz bastante forlu-na ; pintei
a tempera, a fresco , a oleo, e de agua relas
sobre panno branco ; fiz grandes , e pequenos
p a i neis em Igrejas, Palacios , e edificios pu­
blicas, não só em Lisbo a , mas nas Província s;
pintei Carruagens ric a s ; hurua das quaes foi
para o Senhor Rei D. José. Tambem em casa
de Paroni copiei, e vesti retratos , e depois ti­
rei alguns paio natural.
Como ó ocio tola( fosse incompa tível com
o meu genio, appliqueime n a s horas vagas á
QQ 2
r�o4]
leitura , á. danç a , e á musica , frequentando
os Theatros, e honestas socie<lades ; grangiei
bons amigos, mesmo entre a classe das gentes
clistintas , que nos bellos dias do anno me
con\.!idavtío, e conduzião , para ir gozar o re­
creio, e toda a sorte de bons tratamentos nas
suas quintas , e casas de prazer.
No melhor,clesta serie de agradaveis pas­
satempos , quiz o destino , que eu me fosse in­
cautamente enredar em hum daquelles encan­
tadores laços, que a juve.ntudc parece não ser
capaz de evitar senão por milagre; sendo o re-'
sultado, tomar eu huma prompia resolução de
.,,. partir para Roma. Passei por Evora aonde fui
generosamente hospedado por João de Mes­
quita : alli me demorei sempre occupado , 1 4
o u J 5 mezes, e demorarrne-ia muitos mais se
9uizesse acceitar as encommendas que s.e me
olfereciã'.o ; não só naquella Cidade , mas iam­
bem em outras povoaç(>es da mesma Provín­
cia. De Evora transportei me a Sevilha , aon-­
d e , a requerimento do Intendente da Policia.
J?rancisco Xavier Larumbe , . se havia eregido
huma Academia de Desenho dotada pelo Rei,.
t�ndo por Director G'eral D. Pedro dei Pozzo ,.
Pintor parente do dito Larumbe, que era Fis­
çal. Os Pintores D. Joã'.o de Espinal (1] D.

[Il Era o Pedro Alexan<lrino de. Sevilha : Bermudes.


f;illa ncUe. li[ 1 1
[ 305 ]
Fran cisco Ximenes e D. Francisco Cano , e
alo-uns
::,
Escultores dirigião os estudes do dese-
nho. Alli debuxei o nu pela L ª vez, e estudei
os Elementos de Euclides com D. Pedro J.\,J i­
guel , que era o Director da Geometria. De­
pois de passar o inverno naquella Cidade, que
he huma das mais considera.veis da Hespanha,
e em cujas Igrejas se ndrni1ào as Obras de
Murillo , e de outros famosos Pintores, con­
d�itme a Cadiz , aonde encontrei Fr. Antonio
Cotrin , Monge de Alcobaça , e Fr. AJe:xan­
ore , Padre de Brancancs , depois Bispo de
l\iialaca , e· em fim de A ngra. Todos tres em­
barca mo� para Genova , e clalli para Liorne ,
aonde tomamos Caleças para Roma.
O que he Roma , a respeito das bellas
Artes, pode-se vêr , e entender , mas não se
-sabe explicar. A11i me despedi de todos os ou­
tros divertimentos para me entregar inteira­
mente aos da minha profissão ; e para meus
àirectores em pintura , e arcbitectura elegi os
Mestres dos maiores Mestres ; isto he , Ra­
fael, o A nti g-o , a Natureza , e as Ruínas da
an tig·a Roma ; sem desprezar as advertencias
dos mais , e menos sabios quando eJlas me pa­
recião acertadas. A pezar da mi11ha assiduida­
de ao trabalho ; o tempo me deixou vêr, gce
para conseguir o meu desejo era preciso ( er
pensão , e protecção da Corte ; e voltei a Lis­
Boa p ara vêr se- as alcançava.
[ 306 ]
Chegado a esta Capital no Outubro de
J 777 fui convidado pelo Jlispo de Coimbra ,
Reitor da Universidade , para m e empregar
nas Obras de que elle podia dis.por,, tanto de
pintura , como de architectura , promettendo­
me tambem solicitar a meu favor a Cadeira
destas A rtes , que estava vaga. Eu não aéc�i•
tei , mas annuí a outro convite que m e erão fiz
os meus amigos de Alemtejo, e occupeime e m
Evora, e Elvas até o S. João d e 79. Logo qlie
voltei a casa fui atacado de cezões : no tempo
da convalescença tratei da erecçào da Acade­
mia do m1 a S. José ; requeri, por i n tervenção
do Marquez d' Angeja, a 2.ª viagem de Roma,
a qual não consegui pela nâ'.o saber solicitar
com eflicacia. Sem perder a esperança, fui ac­
ceitaudo as encom roendas , que se me fazião ,
e nâ'.o tive razão pai-a me queixar da fortuna ,
antes admirei ,o capricho com que ella me fez
sustentar a concorrencia com o celebre Pedro
A lexandrino. Piotei carruagens riquissimas pa­
ra a Casa Real, tectos , e paineis nas Igrejas,
Palacios , e casas nobres como a d� Domingos
Mendes, Bandeira, Devisme &c. Em hum dos
tectos de Quintela figurei, entre mui ias, e va­
rias composiçc1es , o Concilio dos Dcoses, de
Camões , s09re o Imperio dos Portuguezes n a
Asia : o instante que escolhi foi o do fim do
Concilio. Eru quanto os outros Deoses se vão
r�I irando Ven nr rle joelbqs agradece ao seu
[ 307 ]
Omnipotente Pae o favor que qner fazer aos
Lusi tanos , e receb,· dt-lle hum l eijo ti o ex­
ptessivE> co1ho o q�e o mesmo Jo,·e deo noCu­
pi<l o , pin(a<lo pelu insigne Rafael no Palacio
de Farneze. Bacho cheio de foror , apertando
a barha corh a mão faz huma despecfüla amea­
çadora•, e o travesso filho oa Deosa para mais
o· irritar rnovP.ndo órruiarmenté a mâosin11 a
àireità sobre a esquerda lhe dh que ],ade 1e­
moer.
Nos t(>ctos do PaJ acio da SC'nhora Mar­
queza de Bellas , pintei o Valor Portugnez , a
Jâade de ouro , -o triunfo das Artes , e tantos
outros objcctos , que forão elegantemente des­
criptos pelo Padre Caldas. Secretario da mes­
ma E:xcellentissima Senhora. (1 J No Paço d o
Duque de Alafões executei varios pensamen­
tos poeticos de sua invenção, rec(,benpo da­
quellc generoso Priucipe afi�u q,As mo<los , q_t!
tenções , e liberalidades , fran q nean<lo.-me. ca,
sn , cama, mesa , moços, e carruagem effecti­
va. No do l\Iarqucz ele Loulé colori entre mui­
tas cousas, o granrle Salão em cujo tccto fi­
gurei hum baile dcil:, Deoses. No lla: �cada fin•
gi huma espccie de varanda octagona pintad'a'
na concavidade , ou huma meia esfera , q1�e

(l) Confessem aqui a verdade e a g.alidão as urbanas


attençõc�, amizade, e 1,rotecção , que sempre devi ao Se­
nhor Regedor , e a toda a sua illustre Familia.
[ 30 8 ]
era era notavel pelo de3mancho da superficie.
Para o Theatro fiz scenarios, estatu� , figu­
ras coloridas, e pannos de embocadura , com­
prehendido tam bem o do novo Theatro de S.
Carlos quando se abrio em 87. O Gaspar, sen­
do Archilecto decorador no Theatro do Sali­
tre, e indq para os banhos das Caldas , supri
a rogos seus o seu lugar , e fiz o templo para
Sezostres, com a fortunfl de ser extraordina­
riamente applaudido todas as vezes que appa­
ceo , que forào muitas. No anno seguinte, pâ­
ra a dança de Marafe , compuz e executei a
derrota de Dario , que foi muito bem acceita.
Risquei tambem varias projectos de ar­
chitectura civil, sendo o mais consideravel de
todos o do Palacio da Relação , e Cadea , e
tive em recompensa , e por grande mercê hu­
ma pensão de 720$000 réis a titulo de Pintor
de S. A. R., pagos pela folha de .Mafra f 1] ;
obtive tambem a licença que pedi para ali fa­
zer algumas pinturas; por cujo motivo se me
deu hum quarto no Palacio , hum Servente, e

[l] Até áquelle tempo não se havia dado maior-ordena­


do aos Pintores do Rei. nem mesmo ao in�igue Vieira Lu­
sitano; mas era dom gratuito , e quaudo se lhes pedia qual­
quer trabalho recebião por elle huma gratificação , depois
derào-se a alguns mais avultadas pensões , sendo considera­
das como recompensa das Obras que fizessem ; cousas ambas
praticadas na França , Hespanha , e outros Paizes da Eu•,
rapa para dar alento ás boas Artes•

..
[ 309 ]
hnm Ajudante &e. Transportado áquella real
Vi lia em Maio de J 796 foi pintando alguns
tectos , cuja descripçiio uão cabe na brevida­
de destas memorias: só direi , que quando tiz
o Phaetonte , tive em vistas o precipício que
parecia estar destinado a hum mancebo menos
illustre que o filho do Sol ; mas tão audaz co­
mo elle até :{quelle tempo.
Eu vivia tão solitario em Mafra (1) como
hum anacorf'ta no seu eremitorio , e para ht>m
passar as noutes entretinhame com os meus Jj..:
'\'ros , e com os que me emprestava o Padre
Bibliothecario, tendo para isso l icença supe­
rior. Recopilei grande numero de A u thores 'de
A rchitectura , copiando o que havia mais in­
teressante em cada hnm , e comparando-os
huns cúm os outros , de sorte que , sem ser
esse o meu i ntento , vim a compor hum trata•
do , que se se publicasse poderia ser util aós
principiantes, e servir tambem como promp­
tuario aos mais avançados.

(l] Estando o Author em Mafra, foi convidado para �er


Alumno d.t Sociedade Litteraria Tubeciana, estabeh:c1da na
,Yillà de .Abrantes , composta de Varões conspicuos , da qual
foi lambem 1\Iembro o Excellenti�siruo Senhor Filippe fer.
reira ,fe .,t\r:rnjo , actual Sem tario dos Negocio� do Reino.
E.ta Sociedade tinha por objecto promo\'er o a119me11to. e
melhéria das &iencias, e das Artes. Os fütatútos se imprimi•
rão , e raerecerâo a Real Approvação em S l de J ulho de
1'802.
RR
r3101
A s encommendas continuavão, e inda que,
seg-uncló a pratica, eu as pudesse acceitar, não
o qt1iz fazer .
Em quanto eu me occupava em .1\lafra ,
foi Sua Magestade servido nomear Domingos
A ntonio de Sequeira, e Francisco Vieira pa­
ra dirigirem , e executarem a melhor parte
das pinturas no Paço da Ajuda ; 'mas tendo
Vieira falecido ficou só o seu colleg·a : este fez
para huma das sallas algumas passagens da his-­
toria de D. A tfonso Henriques, as quaes forão
com razão muito applaudidas: tambem fez al­
g·uns tectos quP. nflo tiverão a mesma fortuna,
porque desagradarão a varias pessoas da Cor­
te , e principalmente a João Diogo de Barros,
depois Visconde de Santarem , inda que elle
fosse muito amigo de Sequeira , e grande ad­
mirador dos seus raros talentos , de sorte que
Manoel da Costa foi alJi pintar hum tecto , e
teve bastante applauso. No tempo da invasão
tendo eu cahido em huma sorte de apathia fiz
grandes diligencias por hum passaporte, e não
o consegui ; cm tanto, para me distrahir, tra­
cei humas ta boas chronologicas, a fim de com­
binar, por meio dellas, a historia da Arte com
a historia universal, e entender melhor as cau•
sas dos seu� rrogressos, e decadE>ncias.
Restaµ�"f.\do felizmente o Reino, o povo
rniudo de Belém se levantou contra o Sequei•
ra, porque o suspeitava de inconfidenci a : elle
[3ll J
conseguio poder-se justificar , sem embargo
disso, o dito Joii.o Diogo, sendo Fiscal da.Obra
do Palacio com poderes muito amplos , 11ào o
quiz admitir na pintura dos novos lectos , re­
ceando, que a rapaziada daquelles sítios o tor­
nasse a insultar se alli apparecesse.
Em tanto restituido eu á Capital , depois
d'huma ausencia dP l o , ou I l ao nos • arnda
achei no Publ ico a mesma disposição para rne
favorecer , fiz muitos paineis para Igrejas , e
para os Theatros. f 1] Em Sctttmbro de 1 808
tendo l\fanoel Baptista de Paula, e toda a so-

_ (l] No �oio de suas laboriosas oçcupações , não deixava


applicar-se á !Pitura, principalmente dos livros proprios da
sua profissão. Em 18 LO publicou hum Opusculo iotitulado -
as Ho11ra.s da Pmtura , Esc,,ltura , e .1frchitcct11ra - obra, e
composição do celebre João Pedro Bellori , e que verteu do
Italiaoo para a nossa lingoagem. O TraJuctor lhe ajun­
tou eruditas annotações. ;{o anno de �1 DCCL :X.XXXIV.
fez imprimir - Com,ersaçóu sobre a Pintura , Escultura , e
.llrchitectura -. Escritas, e dedicadas aos Professores, e A ma­
aóres das Bellas Artes. E�ta Obra he mui iotere�sante
aos Artistas , e as notas aonde relu,z a erudição, o gok'
to. e httma critica judiciosa ; oada ha ruais , que desejar.
Em 1817 puJ?Jicou - Noaa Aca<kmia da Pin_tura -. .Neste
Opusculo dá o Author não só. buo1a i<léa dos progressos . e
aperfeiçoamento. que teve a Pintura d'esde o SécÚlo 1 1 até
o Século 16, mas recopilou sobre a cómposição �elativa, ( co­
mo se explica o Author J , ao gttlllcle Getwr.o tudo quantQ fl
este o�jecto ,e acha de mais intere.<tse em grossos- ,olumes.
Em oenh1,1ma destas obras accusou o ,seu norue.
RR 2
[312]
cieclade dos Actores Portuguezes festejado a
Restauração com magnificas luminarias , pin­
tei piu·a ellas em grandes quadros transparen­
tes ,. de huma parte a ine;laterra empunhando
o Tridente , da outra a Ilespanha incitando o
Leão , e no centro, em painel muito maior , a
l\1onarcnia Lusitana , que opprimia com os
pés a cabeça do Fnror Revolucionaria, já cin­
gido com pezadas cadeas. Esta pintura foi co­
piada cm desenho pelo filho de Felisberto , e
aberta ao buril por Theodoro José de Lima,
discipnlo dE> Rartolozzi. Para a festa do Desa­
gravo foi ta pela mesma sociedade na Igreja do
Sacramento , cuja a.rmaç:1o era riquissima , fiz
hum painel oval de J 2 palmos ele alto , pinta­
elo a tcmpcr:t, muitos espi ritos celestes susten-
' tavão , e adoravão a custodia , diante da qual
tambcm estava Lisia , porfunda, e amorosa­
mente prostrada, cm quanto hum A njo vibran­
do a espada de fogo fulminava os sacrilegos ,
erão estes represen lados , l. º pelo A theismo
que fazia grande , mas inutil esforço para de&­
peclaçar o Alpha, e o Omega ; letras , que en­
.trelaçadas , rcpresentão , cumo todos sabem ,
o Nome de Deos , 2. pela Insurreição regici­
0

da, e pelo sacrilegio , que disparav,1o cm vão


contra o Ceo tiros de settas, e balias, os quaes
tornav,1o a cahir sobre as cabeças dos aggres­
sores. Fiz outro grandíssimo, transparente, pa­
ra o espectaculo que deu a Companhia em ob-
[313]
sequio do Príncipe Regente de Inglaterra. Es­
tava elle em pé, sobre as margens d a sua Ilha,
recebendo das mão� de Marte a espada , en-
1 viada por J upiter , ao mesmo tempo, que os
Deoses maritimos lhe rendiã'.o vassalagem. Tri­
tão o abraça"ª pelos pés ; as Nereiuas lhe bei­
javão a mão ; e Thetis lhe ofl�recia pcrolas ,
coraes, &.c. Para outro apparato scenico, tam­
bem em grande quadro transparente figurei os
Desposorios de S. A. R. com o Senhor Infante
D. Pedro Carlos. No panno de d i visão para o
grande Theatro, executei bum pensamento de
Pato 1.Wonis , Poeta dramatico , em louvor <lo
Lord Wellinghton. A oleo pintei 5 paioeis dos
Passos para o Algarv e , hum quadro da Cca
para S. Sebastião , e outros mais.
Em 1 8 l 4 fui convidado pelo mesmo lospe­
ctor, Visconde de Santarêm, para executar, e
dirigir varias pinturas no Palacio da Ajuda, e
desde então tornei a regeitar as encommendas
do Publico, que conlinuavão com bastante fr�
quencia. Em hum dos tectos figurei a A uro­
ra, esta figura foi pPdida pelo lnspector, como
annnnciando a tornada do Sol , e com elJa a
felicidade publica seguida de abundancia. Em
outra pintura para :\ Salla do Docel represen­
tei a saudade das filhas do Tejo mitigada pe­
la presença da Real Familia , que regressava
a esta Capital em marítimo triunfo. No qua­
dro apparecia o Deos dos mares sentado em
..

[314]
em �rande carroça de madre perola , cedendo
nella o lugar de honra ao nosso Augusto Sobe­
rano, a quem conduzia, e a quem a Victoria
p u nha a Coroa de louro na cabeça. O carro era
puxado pelos Tritões, e Nereidas, e cortejado
pelas Tag-ides, que fazião pura ofierta ao Mo­
narcha , dos seus corações. O Tejo o recebe
de joelhos, e muitas das suas Nymphas, humas
o conternplão com pasmo, ou tras com acdama­
çcies. Seguia-se tambem em carro triunfal, a Ex­
celsa Prioceza vestida comoAmazona, os Deoses,
e Deosas do Mar, e do Tejo beijão-lhe a Real
J.\,Jão , e exprimem a saudade que tinhão , e o
�rden(e desejo com que esperavilo tamanha fe­
licidade. 1\lfas ao longe começavão a apparecer
diversos carros aonde vinhão outras Pessoas
Reaos. Em 2 menores paineis aos lados deste,
imaginei a America despedindo-se enterneci­
da dos Augustos Viajantes , e a Lusitania es­
tendendo alegre ambos seus braços para os re­
,, ceber. No meio do tecto está a Pa:t conseguid:a
pelo valor heroico , ao redor della dançà'.o de
li'1àos dadas, cheias de prazer as Artes do De­
senho, da Poesia , Musica , Astronomia , &e.
8 1,or todai..• Nas '1 sobl'e- portas estão a Filoso­
'fb , a Mecliciua , o Oommercio , e a A g-t·icul­
tura :· no rodapé as Artes de Palias . As figu­
ras forão executadas por Joaquim Gregori o , e
os ornatios por André Monteiro , e outros ba­
beis ornatistas. Em quanto estas obras se exe-
r31 s 1
cutavão na Ajuda pelos meus desenhos , car­
tões , e esbocetos, pintei na minha casa rm
Lisboa as 8 sobreporlas pat·a a Salla <lo Do­
cel , e acabei-as em 1 8 1 7 - _Represenlào ellas
as deprecações e votos, que fazem as filhas do
Tejo às Divindades rnaritimas para que sejão
propicias, ao desejado regresso de 8ua .Magcs­
tade, figurado, como jà disse , no triunfo ma­
ritimo.
Como as agoas das chuvas penetrassem al­
guns dos teclas, e detiriorasem as pinturas ,
que são feitas a tempera, o do di(o triunfo pa­
êleceo bastante, e foi retocada por Joaquim
Gregorio , e José da Cunha.
Tendo eu acabado as obras Reaes de que
estava encarregado , o Publico conslante sem­
pre em me fazer favor, tornou a vi1oitar-me, e en­
tre outras requisições, tive a dó Barão do Quin­
tei la que exigia 4 grandes paineis , sem preço
limitado; mas o pezo dos meus dias já se dei­
xava sobejamente sentir; e de todos os convi­
tes que se me fizerão s6 pude acceitar o do
grande painel da Natividade de Nossa Senho­
ra para a Real Collegiada de A lcaçova de San­
rem, o de S. Bernardo, para a Capella do Com­
menda<lor de Malta Bernardino Paez, em Man­
goalde; e o de Santa Margarida de Corlona,
em pequeno panno para o Thesoureiro Mór de
Santa Maria d' Alcaçova de Santarem, com el­
Jes dei fim à minha .carreira pinture,Sca, por-
[ 31 6 ]
que entrei a experimentar os tristes effeitos de
h11ma enfermid:i.de espasmodica, sobre a avan­
çada idade de 70 annos.
Dt'pois de relatar o favor , que devo ao
Publico , e a Corte , seria in_grato senão con­
fessase algumas das muitas mercês , que devo
a Sua l\fageslade e a toda a Família Real ,
apezar do meu modo pouco agradavel , e as­
s;.ís acanhado , porque em attenção a os meus
annos sempre se dignou de me conceder hum
dos primeiros lugare� entre os meus dignissi­
rnos Collegas , em Mafra.
Eu levava os meus ordenados pelas folhas
de IWafra, e por omissão do pagador estava
em grande atrazament? ao tempo �la retirada
de Suas Magcstades, e Altezas para o Brazil.
Dos Francezes nada recebi , an tes fui dimitti­
do por elles , mas por Aviso Regio de 23 de
Agosto de 1 809 tornei a entrar n a dita folha ,
e por outra Real Ordem recebi todos os alra­
zados, o que publico , porque faz homa ao
Animo recto , e generoso de Sua Magestade,
e a in tegridade do Exce!Jentissimo !VIat·q uez de
Borba.
Em virtude de outro Aviso Regio , reme­
tido pela Repartição do Particular , com data
de ! 5 de Maio de 18 19 , fui consultado sobre
objectos de Pintura, e Architectura, relativos

' ao Real Palacio , cm Conferencias de A rtis­


tas; presidindo a ellas. o lllustri�siJDP Jnspector.

'
[317 ]
Hum dos casos discutidos foi o rem a te da
Fachada , que se està acabando da parte do
levante : o meu parecer agradou , e foi execu4
tado em modelo, por ordem do Presidente.
A antiga composição formava hum con­
torno quasi quadrilatero; o da minha era pira­
midal : a Escultura que naquella estava dis­
persa, nesta formava hum grupo composto de
5 estatuas, o .Genio da boa Fama no cume de
pequena piramide tocava o Clarim da Deosa..;
dous Genios da Victoria sustent.avão o escudo
das Armas Reaes, e o ornavão com palmas. Mar­
te, e Bellooa séntadas nos acroterios o enfeita­
vão com festonadas do laurel. O espaço que fi­
cava entre as pilastras do meio , e fazia hum
r�ctan gulo de 20 pa1mos de alto por 25 de lar­
g o , era enrequecido com hum baixo-relevo,
aonde se via o pertendido Anjo da Victoria ser
expulso das margens do Téjo pelo Anjo tute�
lar da Nação Portuguaza [1]. Este corpo central
era coroado com hum pequeno frontão em pro­
porção de circulo : a escultura foi modelada pe­
lo Cavallejro Barros com aquella agraça, e ele­
gancia que lhe são peculiares; mas esta obra
não agradou a todos os censores; huns não
gostarão do pensamento deli a , ou(ros da dis-
tribuição. M. anoel Caetano disse que não era

[l] Rafael executou semiJhante pensamento no Attila,


no Eliodoro , na Batalha de Coustantino.
ss
[318]
solida : eu nego , e elle affirma qual de nós se
enganará?...
Concedido por Sua Magc:stade , tive por
meu Ajudante nas Obras Reaes , de Mafra,
e Ajuda , Bernardo Antonio d'Oliveira Goes,
:filho de Manoel Antonio <le Goes , natural do
lugar da Lobageira Freguezia de S. Domingos
da Fa11ga da Fé, termo da Villa de Torres Ve­
dras : seu pae tambem foi Pintor de figura em­
pregado pelo Marquez de Pombal na fabrica
dos azulej os , da qual se retirou para as Pro­
víncias por desgosto de i ntrigas: pintou , em
Torres Vedras na casa do Despacho da Irman­
dade dos Clerigos Pobres na Igreja de S. Pe­
dro , os 4 Evangelistas na ViIJa da Ericeira ,
e em Mortagua existem obras suas ; po1·êm_
depois que casou deu-se a o trabalho de cui­
dar nas suas fazendas , e em huma dizima­
ria que alcançou , por cujas occupações , se
deixou to�almente da Arte. Era natural de
Lisboa , baptisado na freguezia do Soccorro.
M orreo em 1 709 , de i dade de 54 ann os. Jaz
na sobredita Igreja de S. 'Domingos da Fanga
da Fé. Deixou lo filhos vivos , o meu Ajudan­
te Bernardo Antonio foi o mais novo; e quan­
do seu pae lhe faltou an dava elle nos estudos
do Latim ; mas não podendo por morte de seu
pae continuar aquelles estudos, veio para a Casa
Pia, onde se applicou a o desenho da figura na
Aula de Antonio Fernandes, em que deo mos•
[ 319]
tras do genio natural para a pintura ; pot'êm
molestia do peito o fez abandonar aqueJle es­
tudo , sahindo no cabo de 9 , ou J o mezes pa­
ra fóra da Casa Pia para hir tomar os ares pa­
trios, e não tornando para a dita , se conser­
vou 3 annos no Linhou ao pé de Cintra , e ali
teve lições de hum Joaquim José da Roxa ,
Pintor de ornatos, e escaiolas, e retirando-se
para a Villa d a Ericeira ahi pintou muitas ca­
sas a fresco, e huma Capella de Nossa Senho­
ra d o Carmo , onde o vierão convidar para a
Villa de Torres Vedras , na qual tambem fez
varias Obras, e huma dellas foi hum painel d o
SENHOR com a Cruz ás Costas , para os Pnços
da paixão claquella Villa , painel que estava
fazendo quando eu, em 1 7 9 6 , fui para l\hfra;
do que elle tendo a noticia , e conhecendo o
quanto precisava de saber, e estudar n'uma
Arte, que apenas tinha principiado , veio-me
fallar a .Mafra , e gostando eu do seu compor­
tamento, gravidade, e maneiras, o aconsdheí
que requeresse : com effeito o Superintenden�
te Rapozo, com consentimento de Sua Mages­
de, lhe concedeo o lugar de meu Ajudante ,
que até ao fazer destas Memorias, em qu�
muito -me tem ajudado nas indagações, lhe
tPm sido coF1servado , com justiça a o seu tra­
-halho , e desempenho .com ..que sempre tem
.servido.

ss 2
[ 320 ]

-Foráo meus Discipulos.

Jo5o Baptista , Portuguez , era bom De­


senhador , e Mathematico , empregou-se al­
guns annos nas pinturas dos tectos que fiz ao
Regedor, Conde de Val de Reis, e ao Duque de
Alafões : tambem se occupou muito tempo nas
Garruagens do Rei, Assentou praça de Solda­
do no Regimento da Brigada Real : o Mar­
quez de Bellas o occupou finalmente em outras
pinturas , e conseguio que lhe dessem baixa:
elle tinha entrado em huma vida muito regu­
lar sendo confessado dos Padres da Congrega­
ção do Oratorio- Falleceo ainda moço nos prin­
cipios deste Século.
Thomás Antonio de Bulhões [I] , natural
ele Lisboa empregou-se alguns annos debaixo
da minha direcção nas mesmas obras : ca­
sou depois com a filha do Cavalleiro Alberto
Magno, que tambem dirigia obras de pintu­
ra : com eUe foi a Evora para executar al­
gumas cousas deste gE1nero , o que fez muito
a contento dos curiosos , e Senhores daquelle
paiz, aonde tem fej to grande numero de Obras :
ultimamente fez o grande qnadro que appare­
,ceo na Casa da Camera daquella Cidade no dia

[I ] Morreo a 9 de Março de 1822, em Badajos, onde


jaz sepultado.
[ 321 ]
1 3 de Maio deste anno ele 1 821. A discripção
podem vê-la os curfosos em bum dos numeros
da M nemosyne.
Joaquim Manoel da Silva, natural da Vil­
la de Monte-mór, o Novo, principiotL a appren­
àer o Desenho na Aula R egia desta Cidaoe,
e alli estudou· 2 annos, e depois passou a appren­
der a Pintura na minha escolJa , e por meu
Conselho transportou-se a Roma onde �e appli­
cou no espaço de 4 annos e meio na Academia
de S. Lucas, na qual era Professor Gaspar Lan­
di. No fim do dito tempo regressou a esta Ca­
pital, onde tem feito algumas obras com boa
acceitação , e foi empregado nas obras do Pa­
Jacio d' Ajuda.
Ensinei mais alguns que se empregarão
depois em cousas diversas.

De outros rnuilos pederiamos fazer menção,


se circunstancias imperiosas não nos obrigas­
sem a dar por acabada a nossa tarefa; porêm
� ornearei sómente os nomes de algnns, aplica­
dos ao genero de ornatos, quradraturas, flores,
&c. &c. que vivem com boa reputação do pu­
blico; e são os seguintes.
Maurício de OJíveira , e seu filho João de
Deos; José Botelho , Santa Martha) Narciso,
Marcelo José , Luiz Antonio , Lcones, Luiz
r:
[ 322]
àe Aguiar, e outros mais, que não nomeio pe­
las sobreditas circunstancias.
Finalizarão as Memorias de Cyrillo Volk­
mar Machado , as quaes elle não pôde lima r ,
nem aperfeiçoar como algumas vezes nos asse­
verou. Todavia ellas dão bem a conhecer a ins­
trucção , e profnndo saber, que o Author pos­
suio na sua Arte. O cstillo , e linguagem cor­
rente em que estão concebidas dão bem a co­
nhecer, que ao Escriptor não lhe faltava a li­
ção dos nossos bons classicos : defeito ordina­
rio em muitos Litteratos, principalmente n�s
Artistas mais versados em saberem manejar
com destreza o pincel , do que a penna.
Entre as muitas virtu<les e qualidades, que
formavão o excellente caracter deste A rsista
podemos accrescentar caber-lhe em sorte hum
genio suavíssimo, pois o trato político, e corte­
zão unido a huma conversação judiciosa lhe
grangeárão a estima de muitos Sabios , e de
pessoas da mais alta Gernrchia. Com tudo a
i nveja sempre perseguidora do solido, e verda­
deiro merecimento não deixou a de assestar con­
tra elle os seus tiros. Inimigo jurado da lison­
ja e adulação nunca procurou adoptar aquellas
maneiras estudadas para insinuar-se no animo
daquelles, que acreditando artificias eslão toda­
via muito longe da verdade; pois se a fama e.les­
te grande A rlisla não se estendeu, e vulgarisou
tanto, como a. de alguns seus contemporaneos:
r 323 J
não era porque estes lhe fossem superiores ,
mas porque a Arte da impostura sempre lhe
foi desconhecidas.
Sensível aos grilos .ela i ndigcncia repartia
a terça parle de seus ordenados por famílias
pobres , nestas , e recolhidas , e se nos fosse
licito rasgar o veo do silencio mostraria mos pro­
vas inegaveis desta verdade , e só podemos
affirmar, que a sua ardente caridade era dis­
creta , e bem ordenada. Depois, que foi assal­
tado da molestia a ma is doloroza , os ultimos
quatro annos , que mediarão até à sua morte
farão hum continuado martyrio. A natural in­
clinação , que temos às_ bellas Artes nos ligou
por muitos annos á amizade deste Insigne Pro­
fessor. Muitas vezes o visité.tmos em sua longa
enfermidade, e recebíamos as mais edificantes
lições de huma resignação , e paciencia verda­
deiramente christã, e só a Religião bem grava­
da em seu coração he quem poderia vigorar o
seu soffrimento em tão longo padecer. Rendi­
do à força de huma molestia penozissima , que
os soccorros da medicina não poderão atalhar,
as A rtes o perderão em 1 2 de Abril de 182 3
contando setenta e quatro annos de idade , o
seu Cadaver jáz sepultado n a Parochial Igreja
do Coração de Jesus , possuidora ele huma das
melhores Obras do seu pincel, qual be o gran­
d e painel da Capella Mór, que pela invenção,
desenho, beleza , e graça do Collorido seria


[ 324 ) '
para a posteridade hum dos maiores monumen­
tos <lo merecimento de seu A uthor , q uando
não deixa-se outras Obras, que igualmente imor ­
talizão a sua memoria. O Editor.

F I M.
( 32 5 ]

--c:;;;=-��:<f:::.;;;z=---
Indice Aljabetico dos Pint0res , Architectos,
Esc res , e Gravadores mais inúgnes
de que se faz menção ne�tas Memo­
rias , notando-se cada hum delles
com a letra inicial da sua Arte.

' Paginas.

Affonso Sa nches Coelho , P. - - - 66


Alexa ndre Giusti , E. - - - - 260
Amaro do Va lle , P. 70
André Reinozo, P. 74
André Gonsa lves, P. - - - - - 88
André Contucci Sa nsovino, E. 249
Antonio Ca mpelo, P. - - - 56
A ntonio de Hol a nd a , P • 61
Antonio Moro, P. G4
Antonio M a ch a do Sapeiro, P. 86
Antonio Joa qnim Pa drão , P. 114
Antonio Fra ncisco Roz a , A. 244
Antonio Ferreira , E. . - - 256
A ntonio Ferna ndes Rodrigues, G. - 288
Antonio Sesin a n do, G. - - - - 296
Abba de Appa ricio, P. - - - ] 10
Archangelo Foschini, P. 145
B a rtholomeo Antonio C a füto , P. 144
TT
[ 326 ]
Bartholomeo de Ca.rdenas , P. 70
Benjamin Comte , G. - - - - - 299
Bento Coelho da Silveira , P. 83
l\lr. Bernardo Foit, P. - - - - - 218
Bruno José do Va}le , P. - - - - 124
Carlos Marde l , A . 193
Christovão Lopes , P. - - - 67
O Coxinho , G. - - - 292
Cyrillo VoJkmar, P. . -- - 302
Diogo Pereira, P. - - - - - - 75
Diogo Magina , P. - - - - ·2 4 4
Diogo Teixeira , P. 68
Domingos Vieira Serrão , P. - - -
-
71
Domingos da Cunha , P. - - - 73
Domingos da Roza, P. - - -
-
110
J?omingos Peligrioi, P. - - - - 137
-
-
Domingos Antonio de Sequeira, P. 148
Duarte d' Armas , P. - - � 55
Eleuterio Manoel de Barros, G. 294
Eugenio dos Santos de Carvalho, A. - 191
Faustino José Rodrigues, E. - - - 299
Feliciano Narciza, P. - - -
Feliciano de Almeida, P. - - - - 195
80
Ahbade D. Filipe de J uvara, A. 179
Fernão Gomez, P. - - - - - - 68
Felis Salla , E. - - - - - - 271
Felis da Costa Meesen , P. - - - 82
Felisberto Antonio Botelho , P. - - 138
Francisco de Holauda, P. - -
-
61
Francisco Vieira Lusitano , p. - 99
({ ��- /1 i:J
[ 32 7 )
Francisco Pinto Pereira , P . - - - J 08
Francisco de Setubal, P. 1 2-!
Francisco Vieira Portuense , P­ J 39
Francisco da Silva, P­ J 83
Francisco Xavier Lobo , P. 209
Francisco de Figueiredo, P. 211
Francisco Xavier Fabri , A. 229
Francisco Bartolozzi , G. 289
Gaspar Dias, P . - - - 58
Gaspar Froes Machado , G· - - - 286
Gregorio de Barros Vasconcelos Ama-
dor das Bellas Artes. J 99
Gregorio Francisco Queirós, G . 29 3
Germano Antonio Xavier de Maga-
lhães , A . - - - - - 244
Gregorio Lopes, P. - - - _ 59
Honorato José Correa de l\t1 acedo e
sn, A. - - - - - 246
J acome Anzolini , A. - - - H>O
Jeronimo da Silva, P- - - , 95
Jeronimo de Barros Ferreira, P. 1 27
Jeronimo de Andrade, P. 207
Jeronimo Gomes Teixeira , P. 2t6
Ignacio de Oliveira Bernardes, P. - 92
Ignacio d a Piedade -e Vasconcelos, E. 253
Joanna do Salitre , P. . - - 1 33
João Pedro Volkmar , P- - - - - 104
João Gresbante, P. - - - - 79
João Clama Strabile , P. - - - - 135
João Castagnola, P. - 1 53
TT 2
[ 32 8 ]
Jofi.o Frederico Luclovice , A . 176
João Nunes de Abreu , P. _ - _ 183
João Cados Bibiena, A. - - - _ 188
João Pillement , P . 2ll
João Thomaz da Fonseca P- 241
João de Deos Moreira, P . - - - 246
João Antonio de Padua, E. - - - 252
O Padre João Chrisostomo Policarpo da
Si] va , E. - - - - - - - - 257
João Grossi , E . 268
J oão José de Aguia r , E. - 276
João Gomes Baptista , G. - - - - 277
João de Figueiredo , G. 278
.João Caetano Riva.ra, G. - - - - 295
João Teixeira Pinto, E. 300
Joaquim Machado de Castro, E. 265
Joaquim José de Barros Laborão, E. 274
J oaquim Carneiro da Sil va , G. 281
Joaquim Marques , P. - - - 231
J oaquim Manoel da Rocha , P. - - J l6
José de Avelar Rebello, P. - 76
José da Costa Neg-reiros , P. 112
.José Thron e , P. - - }29
146
J osé da Cunha Taborda , p . -
.José Viale, P. - - - lII
- - - 196
José Bernardes , P- -
José Antonio Narciso , P. - 219
José da Cosia e Silva, A. - 234
José Carlos Binhet.i , A. - - - 238
José Manoel de Carvalho e Negreiros, A. 242
r 329 J
José Francisco Ferreira , P. - - - 244
José de Almeida , E . - - - 25 3
José Teixeira Barreto , G. - - 218
Josefa d e Obidos, P. - - - - - 77
Mr. Larre , A. - - - 180
Lourenço e-la Cunha, P. - - - 196
Lniz Alves ele Andrade , P . - - - 72
Luiz Baptist a , P. - - - - - - 206
Luiz José Pereira R esende , P. 153
. Manoel d e Castro , P. - 81
Manoel de Matos , P. - 1 84
M anoel Caetano de �ousa , A . 222
Manoel da Costa , P. - - 225
Manoel Pioltí , A. - - - - 238
Manoel Pereira , E . - - - 2bl
Manonel Marques de Aguila r , G. - 297
O Major Manoel da Costa Negreiros, A , 2 ..,
Marcos d a Cruz , P. - - •· 79
Marquez de Monte Bello , P. 82
Matheus Vicent e , A. � 198
Maximo Paulino dos Reis , P. 1 54
Morgado de Setubal , p . 22 l
Nicoláo Luiz Alberto de l a Riva , P. 224
O Cav. Nicoláo Servandoni , P. 186
Pedro Alexandrino d e Carvalho , P. 1 20
Pedro Antonio Quillard , P. - - - 96
Pedro Guariente , P. - - - 98
Perigrino Parodi , P. - - - 1 07
Reynaldo Manoel , A. - 201
Roqu e Vicen te , P . - - 113
[330]
Mr. Rosa , p. - - - - 214
Simão Caetano Nunes, A, - - - 202
Simão Francisco dos Santos , G, 280
Simão RodrJ�.ues , P. - - - 67
Os Serras , , P. - - - - 184
Timotheo Verdier P. - - - 245
Throno pequeno, P. - - - - 136
Vanegas , P . - - - - - - - 60
Gr. Vasco de Viseu, P. - - - 49
Vicente Baccareli , P. - - 181
Vicente Tacquesi , E. - • - - 273
Pagiiias. Erros. Emendas.

2 dois dous.
4 eorreto correcto.
8 Portec:ção ProtcM:to.
12 Salvagens Selvagens.
IS Zeuis Zeuxis.
18 despostos dispostos.
16 compuserão composerão.
�o Murilho :Murillo.
24 portuguezes Portuguezes.
64 Utrectt Utrecht.
84 Utrectt Utrec:ht.
90 Guiflard Quillard.
93 Portugueza Portuguezes.
94 Jacomo Jacome.
108 se he
'112 painei painel
115 sen seu
128 Fuduresnoy du Fresnoy.
182 Roulhs Roulks.
141 Froes Jacome Fernandes Jacome.
147 he e
147 e he
166 contanto contento.
196 excetuados executados.
198 bom Mestre bons Mestres.
�26 oualheios ou alheios.
2.56 Feliz Felis.
292 se lhe lhe
298 Nimfas Ninfas.
206 erào fiz fizerão.

, Alguns outros descuides de oirgulas , pontos, faltas, ou tro·


cas de letras supprirá o Leitor.

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