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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

KEROLYN DAIANE TEIXEIRA

A PUERICULTURA NAS PÁGINAS DO JORNAL EM CURITIBA, ENTRE A


VIRADA DO SÉCULO XX ATÉ 1930

CURITIBA
2010
KEROLYN DAIANE TEIXEIRA

A PUERICULTURA NAS PÁGINAS DO JORNAL EM CURITIBA, ENTRE A


VIRADA DO SÉCULO XX ATÉ 1930

Monografia apresentada ao curso de Licenciatura e


Bacharelado em História do setor de Ciências
Humanas Letras e Artes, da Universidade Federal do
Paraná, como requisito parcial à obtenção do título de
bacharel em História.

a a
Orientadora: Prof. Dr. . Ana Paula Vosne Martins.

CURITIBA
2010

2
AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, Assis e Silvana, pelo apoio e incentivo. Ao meu companheiro
Eduardo, pelo carinho, cumplicidade e atenção. À minha orientadora Prof.a Dr.a Ana
Paula Vosne Martins, pela paciência, compreensão e prestimosa orientação. À
minha filha Júlia, que nasceu durante a gestação dessa empreitada, e teve que
aprender a dividir a minha atenção desde muito cedo, e agora participa desta
conquista. Aos meus amigos da faculdade, especialmente Pamela Fabris, Gladisson
Costa e Camila Caldas, pelos momentos de aprendizagem, descontração e
companheirismo. Ao NEAB (Núcleo de estudos afro-brasileiros) e à Fundação
Araucária, que possibilitaram a minha permanência nos estudos através da
concessão de bolsas e propiciaram uma rica experiência na área de pesquisa em
educação.

3
“Não há título mais valioso do que fornecer à Pátria, ou antes,
reintegrar ao seu seio, futuros homens que, sem proteção
necessária e os socorros da medicina, não poderiam concorrer
para o progresso do nosso querido Brasil”.

(“Gazeta do Povo”, 15/10/1921, p. 1)

4
RESUMO

A construção da infância enquanto esperança da nação é um processo


recente nas sociedades ocidentais. Na nova concepção que se desenhou a partir de
então, um filho não pertencia apenas aos pais, mas representava o futuro da Pátria,
se tornando, portanto, centro de investimento econômico, afetivo e educativo. No
Brasil, esse foi um fenômeno que se intensificou a partir de meados do século XIX.
Da família patriarcal, que colocava o pai no epicentro, foi necessário criar uma nova
organização doméstica, a família higiênica, onde pais e filhos iriam aprender a
conservar a vida para poder colocá-la a serviço da nação. A Puericultura foi um
saber que se desenvolveu com a finalidade de formar cidadãos hígidos através de
medicina e higiene preventiva. Nessa emergente percepção, o médico procurou
firmar uma aliança com a mãe, no combate à mortalidade infantil, que causaria o
empobrecimento e mesmo a destruição do país. Desse modo, esta pesquisa tem
como objetivo apreender a evolução dos discursos referentes à infância em jornais
curitibanos, através de propagandas, notícias, anúncios, crônicas e colunas, isto é,
uma literatura de aconselhamento preventiva e que se difundiu através dos
periódicos, um dos meios utilizados para se chegar às mães, e dessa maneira
consolidar seu ideal de preservação da infância.

Palavras chave: infância, puericultura, imprensa.

5
SUMÁRIO

Introdução.................................................................................................................07
1 – A apropriação médica da infância e o nascimento da Puericultura..............12
1.1 A constituição da família higiênica.......................................................................12
1.2 Criar uma criança é uma ciência!.........................................................................18
2 - A evolução dos discursos referentes à infância nos jornais paranaenses...25
2.1 A evolução dos discursos.....................................................................................25
2.2 A prática filantrópica na capital paranaense.........................................................33
3 - O discurso puericultor nas páginas da imprensa curitibana..........................47
3.1 Mortalidade infantil: um problema de que depende o futuro do país...................47
3.2 “Filhos fortes e sadios”: a propaganda se apropria do discurso médico..............52
3.3 Puericultura prática para educar as mães ...........................................................63
Conclusão.................................................................................................................73
Fontes e referências bibliográficas .......................................................................76

6
Introdução

A valorização da infância é um processo relativamente recente nas


sociedades ocidentais. A partir do século XVIII, em consonância com os ideais
iluministas, arquiteta-se o pressuposto de que a diferença entre os homens não seria
somente orientada pela natureza, mas principalmente pela educação, e
consequentemente, muito se escreveu sobre a criação que as crianças deveriam
receber, para que as nações pudessem prosperar e as condições de vida melhorar
no porvir. A infância em si torna-se objeto de saberes que se desenvolvem,
principalmente, no último terço do século XIX, como a pediatria, a pedagogia e o
direito e entre a criança e a família paulatinamente se interpõem filantropos, médicos
e legisladores, que pretendem protegê-la e educá-la. A Puericultura – um desses
saberes – é um conhecimento fundado na prevenção, cujas principais finalidades
são evitar a mortalidade infantil e formar cidadãos hígidos. Atuava através da higiene
e da educação e tinha como preceito que “criar uma criança é uma ciência!”, e dessa
forma, procurava veementemente desautorizar práticas e saberes que não fossem
científicos. Na nova concepção de infância que se desenha a partir de então, um
filho não pertence apenas aos pais, mas é o futuro da nação e da raça, e deve estar
preparado física e psicologicamente para servir à coletividade, defender sua pátria e
progredir com ela.
No Brasil, a construção da representação da infância enquanto esperança da
nação, é um fenômeno que ganhou força a partir de meados do século XIX, e o
patriarca, enquanto epicentro da família, foi gradualmente sendo substituído pelo
infante. A nova criança reclamava um casal que ao invés de comportar-se como
proprietário, aceitasse, prioritariamente, ser tutor de filhos cujo verdadeiro
proprietário era a nação, o país. Era preciso então criar uma nova organização
doméstica: a família higiênica, onde pais e filhos vão aprender a conservar a vida
para poder colocá-la a serviço da pátria.
No processo de medicalização dos corpos, ao responsabilizar as famílias pelo
sofrimento e a morte das crianças, os médicos conquistaram o espaço doméstico,
transformando-o em espaço privilegiado para administrar as condições de vida da
população infantil. Nessa intervenção da rotina familiar, o médico procurou
estabelecer uma aliança com a mãe, pois segundo o discurso puericultor, era a

7
ignorância e o atraso que constituíam os fatores essenciais para o aumento do
obituário infantil. Assim, buscava-se uma padronização dos procedimentos
maternos, modelando a “mãe higiênica”.
Desse modo, a intenção deste trabalho está em apreender a emergência do
discurso de valorização da infância, utilizando como fontes primárias jornais diários
de Curitiba no período de 1890 a 1930. O recorte temporal justifica-se pelo intuito de
investigar a puericultura em sua fase pré-institucional, pois a partir da década de
1930 ocorre de fato a intervenção estatal que vai elaborar leis e criar instituições
específicas, consolidando os conhecimentos da puericultura na população.
Os jornais pesquisados foram “A República” e “Gazeta do Povo”. Ambos
foram escolhidos para este exame pelo fato de serem periódicos diários e de grande
circulação no período estudado.
Em 15 de março de 1886 o jornal “A Republica”, órgão do “Club Republicano”,
foi fundado por Eduardo Gonçalves com o intuito de propagar o ideal
antimonarquista1. Entre os diretores do jornal durante sua existência destacam-se os
nomes de Leôncio Correia, Vicente Machado, Emiliano Pernetta, Nestor Victor, entre
outros. O periódico somou quarenta e quatro anos de existência, pois seu último
número é de 1930. Por sua permanência, na década de 1920 este tablóide era
apelidado de “a vovó” por outros jornais da capital, como pude constatar na leitura
da “Gazeta do Povo”.
O periódico “Gazeta do Povo” foi criado em 1919 por Benjamin Lins e De
Plácido e Silva, com a epígrafe “Diário independente” colocada logo abaixo do título
do jornal. Segundo Pilotto, a folha afirmava que se destinava à “defesa dos
interesses gerais da sociedade, a chamar a atenção de todos e de cada um para os
2
assuntos que direta ou indiretamente nos interessam” . Este jornal continua
circulando atualmente.
Sabemos que as medidas de proteção à infância baseavam-se em um tripé, a
saber, o médico (produtor do conhecimento e, portanto o detentor do saber), o
Estado (responsável pela formulação de legislação protetora da criança, da mulher e
da família, e implementação de políticas públicas), e a mãe (o agente mais
importante, pelo qual as medidas protetoras obteriam eficácia). Entretanto, como

1
PILOTTO, Osvaldo. Cem anos de imprensa no Paraná (1854-1954). Curitiba: Edição do Instituto
Histórico e Geográfico e Etnográfico Paranaense, 1976. p. 16.
2
Idem, p. 46.

8
salienta Martins, na prática os médicos atuaram nas três pontas do tripé, ou seja,
como especialistas, atuando na clínica; operando juntamente às instâncias públicas,
tanto como funcionários públicos, quanto como legisladores; e por fim, na tarefa
fundamental: a educação das mães, através das consultas médicas nos consultórios
e por meio dos escritos em livros de puericultura, cartas publicadas em jornais e
revistas, palestras educativas, programas de rádio e mais tardiamente, de televisão 3.
A imprensa da época atuou como veículo propagador dos princípios
científicos, colaborando para modificar as atitudes maternas. Nos jornais buscamos
apreender discursos médicos informativos e propagandas preventivas. Como
exemplos, houve em São Paulo a coluna “Vamos criar seu filho”, mantida pelo
Doutor Carlos Prado desde 1925, e especificamente em Curitiba, uma coluna diária
cultivada pelo Doutor Aluizio França na “Gazeta do Povo”, no período de 1930 a
1935, intitulada “Centro de esclarecimento às mães”, que se baseava em cartas
respondidas através do jornal, um diálogo aberto que publicava a fala da mãe e
posteriormente da autoridade médica 4.
Devido à extensão do material, dado o recorte cronológico (1890-1930), e por
se tratar de dois jornais distintos, contendo de quatro a oito páginas impressas por
dia, para acompanhar a evolução dos discursos e anúncios referentes à infância, a
fim de perceber como o discurso puericultor está presente na imprensa local, em
que momento, e de que forma, a investigação se deu através de recorte qüinqüenal,
ou seja, a cada cinco anos. Assim, como técnica de pesquisa realizei a leitura dos
periódicos referentes aos anos selecionados, a saber, 1890, 1895, 1900, 1905,
1910, 1915, 1920, 1925 e 1930, e fichamentos dos conteúdos referentes à
investigação histórica, para posterior análise e categorização 5.
Como o jornal “Gazeta do Povo” foi lançado em 1919, a pesquisa com este
periódico se concentrou na década de 1920 6. Entretanto, consideramos importante

3
MARTINS, Ana Paula Vosne. “Vamos criar seu filho”: os médicos puericultores e a pedagogia
materna no século XX. História, Ciências, Saúde_Manguinhos, Rio de Janeiro, v.15, n.1, p. 135-154,
jan-mar de 2008. p. 140.
4
Sobre o CEM (Centro de Esclarecimento às mães) ver GANZ, Angela Lúcia. Vozes do Diálogo.
Mães e médicos em Curitiba de 1910 a 1935. 1996. Dissertação (Mestrado em História) -
Universidade Federal do Paraná.
5
Na realidade, a pesquisa iniciou-se em 1888, ano em que encontrei o primeiro exemplar
microfilmado de “A República” no setor Paranaense da Biblioteca Pública do Paraná. Dessa forma, os
anos de 1888 e 1889 integraram a exaustiva pesquisa pelos jornais utilizados como fontes, apesar
dos resultados não serem destacados na presente pesquisa.
6
Esta década, por sua abundância em resultados, teve mais anos investigados, além do recorte
qüinqüenal estabelecido pela nossa metodologia.

9
realizar a pesquisa em dois periódicos distintos para se ter uma visão mais
abrangente do período em questão, não colhendo os resultados de uma única fonte,
que poderia demonstrar saldos tendenciosos e/ou imprecisos, incompletos e não
representativos para a investigação. Dessa forma, a utilização de duas fontes
primárias busca também um contraponto, a fim de verificar até que ponto as duas se
aproximam ou se distanciam, participam do mesmo movimento de proteção
materno-infantil, ou não. Ademais, o próprio destaque dado pelo jornal a essas
questões, que se verifica através da posição dentro do tablóide, (considerando que
as manchetes constituem as informações ponderadas como mais proeminentes), e
do próprio título da notícia, que pode claramente chamar atenção para ao tema da
infância ou intitular vagamente, sem referência direta à questão que somente
aparecerá no corpo do texto, não dando evidência ao assunto.
A pesquisa com os periódicos iniciou com os exemplares microfilmados
disponíveis na Biblioteca Pública do Paraná, a princípio minha única referência para
a realização da pesquisa. Com a investigação já adiantada, através de uma visita ao
Museu Paranaense, localizado também na região central de Curitiba, descobri que a
biblioteca do museu armazenava encadernados exemplares originais dos jornais.
Sem dúvida, a facilidade de acesso às fontes encontradas no Museu Paranaense
acelerou o processo de análise dos periódicos. No entanto, nem todas as edições de
que necessitava se encontravam no Museu, publicações que complementava com a
pesquisa na Biblioteca Pública, por meio das máquinas de microfilme 7. Dessa forma,
esse exame contou com duas grandes instituições culturais paranaenses, que se
complementaram através do acervo disponível: a Biblioteca Pública do Paraná e o
Museu Paranaense.
As primeiras iniciativas no sentido de difusão do ideário puericultor entre a
população foram privadas, já que o processo de interesse do Estado pela proteção
materno-infantil, no Brasil, só ganha fôlego a partir da década de 1930, e a proteção
à maternidade passa a ser uma conseqüência da proteção à infância.

7
Entretanto, há que se salientar que mesmo a pesquisa se realizando por meio do acervo de duas
instituições, há vários exemplares de ambos os jornais que não foram observados pela própria
inexistência de arquivos, ou por exemplares encontrarem-se mutilados, ou já muito apagados,
impossibilitando a leitura. Ademais, como aponta Oliveira Filha “os jornais não possuem arquivos
plenamente organizados e suas próprias coleções apresentam falhas. A „Gazeta do Povo‟ tem todas
as edições devidamente encadernadas apenas a partir da década de 40, e mesmo assim existem
lacunas na coleção.” OLIVEIRA FILHA, Elza Aparecida. Apontamentos sobre a história de dois
jornais curitibanos: “Gazeta do Povo” e “O Estado do Paraná”. Disponível em:
www.redealcar.jornalismo.ufsc.br/.../elzaaparecidadeoliveirafilha.doc Acesso em: 15/08/2010. p. 1.

10
Assim, o primeiro capítulo realiza uma discussão mais conceitual e de
contextualização, abordando a apropriação médica da infância, a constituição da
família higiênica e o nascimento da Puericultura. O capítulo seguinte apresenta os
resultados iniciais da pesquisa, demonstrando a evolução dos discursos referentes à
infância nos jornais paranaenses, até a década de 1920, que culmina com a questão
da benemerência como aliada do discurso puericultor. Finalmente, o terceiro capítulo
demonstra os resultados mais significativos: o discurso puericultor nas páginas da
imprensa curitibana através dos diversos artigos que colocam a questão da
mortalidade infantil como um problema de que depende o futuro do país, a
apropriação médica da infância pela propaganda, que incorpora em seu discurso o
ideário puericultor, as colunas médicas do jornal Gazeta do Povo cultivadas pelo
doutor Aluízio França, e as variadas matérias relacionadas à temática da infância.

11
Capítulo 1

A apropriação médica da infância e o nascimento da Puericultura

Este capítulo tem como objetivo realizar uma contextualização histórica a


respeito da interferência médica na família e a apropriação científica da infância.
Apresenta o desenvolvimento da concepção da criança como base da nação, desde
o Iluminismo até o nascimento de uma nova especialidade médica, baseada em
medicina e higiene preventivas: a Puericultura, e sua intervenção na rotina familiar.
E, para finalizar, explora a noção da mulher como mediadora entre os filhos e o
Estado, encarregada e responsabilizada pela saúde daqueles, o que provocou a
busca por uma normatização dos procedimentos maternos.

A constituição da família higiênica


A valorização da infância é um processo relativamente recente nas
sociedades ocidentais. A partir do século XVIII, com a emergência das idéias
iluministas, concebe-se o pressuposto de que a diferença entre os homens não seria
somente orientada pela natureza, mas principalmente pela educação, e
conseqüentemente, muito se escreveu sobre a criação que as crianças deveriam
receber, para que as nações pudessem prosperar e as condições de vida da
população melhorar. No passado, se uma criança era desobediente ou desviante,
seu comportamento era explicado e aceito como desejo de Deus, trabalho do Diabo
ou um problema de hereditariedade. Mas, com a gradual secularização do
pensamento, a correta instrução passou a ser identificada como fator predominante
na formação do caráter8.
John Locke e Jean-Jaques Rousseau foram alguns dos mais destacados
autores que desenharam uma nova imagem da criança, semelhante à semente de
uma árvore, promessa de futuro, contanto que bem orientada a conduzida 9. Em I693
Locke escreveu “Alguns pensamentos sobre educação”, texto em que defende que

8
MERHEB, Daniela S. Ciência, saúde e norma: a mãe científica e sua majestade a criança. Curitiba,
1997. Monografia de conclusão de curso, UFPR.
9
MARTINS, Ana Paula Vosne. “Vamos criar seu filho”: os médicos puericultores e a pedagogia
materna do século XX. História, Ciências, Saúde_Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 15, n. 1, p. 135-154,
jan-mar. 2008.

12
as distinções entre os homens residem na educação, sugerindo o controle sobre o
amor instintivo a fim de garantir o desenvolvimento de uma personalidade idealizada
nos princípios da razão. A publicação do livro “O Emílio”, em 1762, de autoria de
Jean-Jaques Rousseau, cristalizou as novas idéias racionalistas e iluministas, dando
um verdadeiro impulso à idealização da família moderna, isto é, a família fundada na
autoridade masculina e no amor materno. Seu livro introduziu o naturalismo como
padrão de contato com os filhos, em substituição ao formalismo anterior. O filósofo já
criticava a amamentação mercenária, defendendo que as mães deveriam cumprir o
papel que a natureza teria lhes designado. Rousseau exerceu grande influência
entre os homens cultos tanto na Europa, quanto no Brasil, e segundo Santos,
“depois de „O Emílio‟, durante dois séculos, todos os pensadores que se ocuparam
da infância retornaram ao pensamento rousseauniano para levar cada vez mais
longe suas aspirações” 10.
A infância em si torna-se objeto de saberes que se desenvolvem,
principalmente, no último terço do século XIX, como a pediatria, a pedagogia e
também o direito, e entre a criança e a família lentamente se interpõem filantropos,
médicos e legisladores, que pretendem protegê-la e garantir as condições para sua
educação. Na nova concepção sobre a infância que se desenha a partir de então,
um filho não pertence apenas aos pais, mas à nação ou à pátria, pois passa a ser o
depositário do futuro da nação e da raça, um ser social, centro de investimento
econômico, afetivo e educativo.
No Brasil a pedagogia materna recebe impulso significativo com o projeto
médico higienista que passou a ser formulado no século XIX com a
institucionalização do conhecimento médico nas faculdades de medicina. Ademais,
nos últimos anos dos oitocentos, o país passou por uma série de mudanças no que
diz respeito à força de trabalho e ao regime de governo, pois em 1888 foi abolida a
escravidão, e em 1889 foi proclamada a República, por militares e representantes
das elites e das camadas médias urbanas e de tendência positivista11.
Os médicos, juntamente com os bacharéis em direito, constituíam a elite
pensante do país, e sua crença na missão civilizadora os levou a formular um
10
SANTOS, Aline Tosta dos. A construção do papel social da mulher na Primeira República.
Disponível em: www.maxwell.lambda.ele.puc-
rio.br/.../14404.PDFXXvmi=VjvOTseV3SHZaIMQmiDis6o11bDT26NZqjNkN3hQVZP7IDZ5VCnpINq
Acesso em : 30/03/2010. p. 3.
11
MOTT, Maria Lucia. Maternalismo, políticas públicas e benemerência no Brasil. (1930-1945).
IN: Cadernos Pagu, vol. 16, São Paulo: 2001. p. 203.

13
projeto de reorganização e normatização da sociedade, visando a produzir
indivíduos saudáveis no corpo e no espírito, capazes de efetuar transformações não
apenas em suas vidas, mas no destino do país. Para cumprir essa missão
elaboraram um amplo discurso reformista sobre as principais instituições que, a seu
ver, eram responsáveis pelos erros e vícios na formação do povo brasileiro, a
começar pela família, alcançando as escolas, hospitais, quartéis, prisões, mercados,
cemitérios, enfim, espaços públicos e privados que deviam seguir as normas da
reforma higienista. Entre os múltiplos problemas percebidos, a mortalidade infantil e
o „descaso‟ com a criação dos filhos foram apontados como os mais urgentes a
serem atacados pela orientação higienista, pois sendo a população uma das
principais fontes de riqueza da nação, a família foi investida de uma função política:
produzir bons e saudáveis cidadãos. Ora, “a elevada mortalidade infantil mostrava-
se inaceitável para a sensibilidade das elites urbanas reformistas, e incompatível
com os anseios republicanos de ordem e progresso, o que alçou a maternidade ao
12
centro dos debates da sociedade” . Dessa forma, para os médicos reformistas, a
transformação da família passava necessariamente, pela redefinição de papéis de
seus integrantes. Assim, atribuíram novas responsabilidades aos pais, propondo
normas para a educação das crianças e a organização do cotidiano familiar 13.
Destarte, a passagem à modernidade exigia um saneamento físico e moral e o
projeto republicano passou a depositar na conservação das crianças, entre outros
elementos, a esperança para a viabilidade da nação. Assim, a criação dos filhos
deixou de ser uma questão privada, passando a ser vista como pública, de
importância fundamental para o progresso e futuro do país. A égide da modernidade
consistia em não mais garantir filhos ao marido, mas sim cidadãos à pátria14.
Ora, de acordo com Jurandir Freire Costa, durante todo o período colonial o
filho ocupava uma posição secundária, puramente instrumental dentro da família.
Como os demais membros da parentela ele era visto e valorizado enquanto
elemento posto a serviço do poder paterno, pois a família funcionava como um
epicentro do direito do pai que monopolizava o interesse da prole e da mulher. “A
12
FREIRE, Maria Martha de Luna. Mulheres, mães e médicos. Discurso maternalista em revistas
femininas (Rio de janeiro e São Paulo, década de 20). Tese (doutorado em História das Ciências e da
Saúde), FIOCRUZ, Rio de Janeiro, 2006. p. 139.
13
MARTINS, Ana Paula Vosne. Visões do feminino: a medicina da mulher nos séculos XIX e XX.
Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2004. pp. 217-224.
14
FREIRE, Maria Marta de Luna. “Ser mãe é uma ciência”: mulheres, mães e médicos e a
construção da maternidade cientifica na década de 1920. História, Ciências, Saúde_Manguinhos, Rio
de Janeiro, v. 15, supl., p. 153-171, jun. 2008, p. 154.

14
figura do pai proprietário foi seguramente a maior fonte de sustentação do poder do
patriarca. Mulheres e filhos viam no homem a patrão e o protetor” 15.
Os bens culturais da sociedade colonial eram, segundo Costa, o valor da
propriedade, do saber tradicional e da ética religiosa. Desse modo, “na colônia,
sobreviver, expandir-se ou progredir eram sinônimos de repetir. O pai sábio e
eficiente era o que conseguia reeditar com a maior fidelidade possível, as fórmulas
de dominação de seus antecessores. A solidez material da propriedade dependia
deste conhecimento oriundo da tradição oral e da experiência própria. O velho era
mais importante que o novo. O atraso cultural do país não permitia a circulação de
inovações técnicas. A informação útil tinha sua fonte no passado. A vida em família
era um permanente exercício de escuta do que passou. E o chefe da casa, tradutor
e porta-voz das lições dos ancestrais (...). Ao pai proprietário interessava o filho
adulto, com capacidade de herdar seus bens, levar adiante o seu trabalho e
16
enriquecer a família” .
Os higienistas perceberam que todo o sistema familiar herdado da colônia
tinha sido montado para satisfazer as exigências da propriedade e as necessidades
dos adultos, e “sem alterar o direito do pai, não atenuariam a morte dos filhos, pois a
família colonial era funesta à infância”. A nova criança reclamava um casal que, ao
invés de comportar-se como proprietário, aceitasse, prioritariamente, ser tutor de
filhos cuja autoridade deveria ser reconhecida na família maior da nação. Era
preciso então criar uma nova organização doméstica: a família higiênica, onde pais e
filhos vão aprender a conservar a vida para poder colocá-la a serviço da nação17.
Vale destacar que os princípios que revisaram a educação infantil
modificaram ao mesmo tempo a natureza do casamento. Se durante o período
colonial os casamentos faziam-se sob a égide dos interesses familiares, num
processo de intercâmbio de riquezas, sendo por sua vez muito comuns os
casamentos consangüíneos e a disparidade etária entre homem e mulher, na
redefinição da família ocorreu a condenação desses hábitos. As preliminares do bom
casamento mudaram de tom, e as razões higiênicas desarticularam as razões
familiares e impuseram novas regras ao contrato conjugal 18. O compromisso

15
COSTA, Jurandir Freire. Ordem Médica e Norma Familiar. 5. ed. Rio de Janeiro: Edições Graal,
2004. p. 157.
16
Idem, p. 158.
17
Idem, pp. 169-173.
18
Idem, p. 218.

15
essencial do casal deveria ser com os filhos e não mais somente com a defesa da
propriedade. Dessa maneira, a seleção do cônjuge tornou-se uma questão capital,
pois a saúde do filho não dependia apenas do trato que lhe fosse dado após o
nascimento, mas também das características hereditárias dos pais que deviam ser
jovens e saudáveis para gerar igualmente um pequeno cidadão sadio. Assim, no
casamento idealmente concebido pela higiene o casal olhava o futuro e não o
passado, e o cuidado com a prole converteu-se no grande paradigma da união
conjugal19.
Conforme já apontado, nas principais cidades do Brasil, a exemplo do que
vinha ocorrendo na Europa desde o século XVIII, instaurava-se, a partir da
emergência do regime republicano, um movimento médico higienista que investia no
corpo familiar, gerando transformações nos comportamentos 20. Desenvolve-se, “a
crença de que a medicina e o saber médico entendem mais sobre as ações
humanas e seus fundamentos do que as próprias pessoas em questão. Os sinais da
emergente medicina tornam-se visíveis por toda parte e o médico adquiria o perfil de
21
um „herói‟ no discurso moderno” . “A medicina social colocava-se como um veículo
de modernização brasileira, propondo-se a modificar os hábitos tradicionais vistos
como inadequados a uma nação que se pretendia capitalista e civilizada, penetrando
no espaço doméstico das famílias, vacinando, medicando, prescrevendo e impondo-
22
lhes regras de higiene” . O padre, como referência para as questões familiares,
passou a ser substituído pela figura do médico de família, que se torna uma dos
agentes principais na intervenção e controle dos indivíduos.
O surgimento da figura do “médico missionário”, acirrado em sua intenção de
cura e intervenção, seguia uma “tendência mais ampla da medicina que entendia a
23
prática da higiene como forma revolucionária de atuação na coletividade” .
“Prevenir antes de curar”, erradicar o mal antes que ele se manifestasse era o lema
dos higienistas especialistas no ramo. Como aponta Schwarcz, “nesse momento,
conectada à noção de higiene, aparecia a idéia de saneamento: caberia aos
médicos sanitaristas a implementação de grandes planos de atuação nos espaços
19
Idem, pp. 219-225.
20
OLIVEIRA, Iranilson Buriti de. “Fora da higiene não há salvação”: a disciplinarização do corpo
pelo discurso médico republicano. Revista de Humanidades (publicação do Departamento de História
e Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte), v.4, n.7, fev/mar. de 2003. p. 15.
21
Idem, p. 16.
22
Idem, p. 19.
23
SCHWARCZ, Lilia Moritz. O Espetáculo das Raças – cientistas, instituições e questão racial no
Brasil 1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. p. 206.

16
públicos e privados da nação, enquanto os higienistas seriam os responsáveis pelas
pesquisas e pela atuação cotidiana no combate às epidemias e às doenças que
mais afligiam as populações. No entanto, essa divisão entre sanitaristas e
higienistas, funcionou, muitas vezes, de maneira apenas teórica. Na prática, as duas
formas de atuação apareceram de modo indiscriminado” 24.
Conforme aponta Martins, a legitimação da autoridade médica em relação aos
cuidados infantis, deu-se ao mesmo tempo em que semearam a desconfiança sobre
as práticas e os saberes maternos transmitidos pelas mães, sogras, vizinhas e
amigas, consideradas perniciosas, ignorantes e nocivas para a saúde das crianças.
A “catequese científica” se baseava na figura do médico como alguém que conhece
a verdade, não da salvação das almas, mas da vida das crianças, que por sua vez
eram encaradas como sorte e futuro da nação 25.
Nesse viés, o pai higiênico é idealizado com a missão de ser um funcionário
da raça e do Estado, a quem devia dedicar o melhor de suas forças, modelo este
que substitui o antigo pai-senhor que era, acima de tudo, um grande proprietário
rural, no qual a terra, e não os filhos, constituía o principal bem. Já a mãe foi eleita a
mediadora entre, por um lado, os filhos e o pai, e por outro lado, entre os filhos, a
sociedade e o Estado, aquela que seria de fato a responsável por cuidar e velar
pessoalmente do desenvolvimento do infante, de seus primeiros passos à vida
adulta, quando então, sadio e robusto, poderia dedicar o melhor de si à sua pátria.
Ora, de acordo com o pensamento higienista, a mortalidade infantil era a
maior responsável pelas mazelas e o empobrecimento do país, e por amor à pátria e
por ser encarregada de salvar a sociedade, a mulher-mãe tinha como primeira
obrigação manter a todo custo a saúde e a vida dos filhos 26. Entretanto, entre
higienistas e educadores havia uma censura declarada a respeito da ignorância dos
pais, sobretudo das mães, em relação à educação de seus filhos. Portanto, o saber
tomou para si o papel de conselheiro das mães, concebidas como descuidadas ou
ineficientes27. Assim sendo, “apoiados nos preceitos de higiene, compartilhando a
ansiedade quanto à regeneração da raça, instrumentalizados pelos conhecimentos
da eugenia e imbuídos do sentimento nacionalista dominante, esses médicos

24
Idem, p. 206.
25
MARTINS. “Vamos criar seu filho”. p. 146.
26
MEZZOMO, Diva da Conceição - Médicos Educadores: A disciplinarização da família curitibana:
1890-1930. Curitiba, 1990. Dissertação. (Mestrado em História). Universidade Federal do Paraná. p.
25.
27
Idem, p. 26.

17
atribuíram-se a tarefa de preparar as mulheres para o exercício da maternidade
28
segundo a racionalidade científica” , pois apesar da maternidade ter sido
concebida simultaneamente como um instinto, uma missão divina e um dever social,
era veementemente questionada a real competência das mães. Desta maneira, “em
sintonia com os demais articulistas, os médicos reconheciam a existência universal
do instinto maternal, mas consideravam-no insuficiente para o desempenho da
29
maternidade conforme os novos padrões exigidos pela modernidade” . Portanto, o
instinto deveria ser aperfeiçoado e conduzido pela educação, para então, “munidas
do arsenal científico da puericultura, com base na supremacia da razão sobre a
emoção, e rompendo com antigos dogmas religiosos ou crenças tradicionais, elas
30
estariam supostamente aptas a desenvolver sua nobre missão” .
O que se buscava, era uma uniformização das expressões e intervenções
maternas, modelando de fato a “mãe higiênica”, segundo caracterização de Lima:
“Devotada, habilidosa, determinada e obediente, a mãe ideal seria capaz de
descrever minuciosamente ao pediatra tudo o que pudera observar em seu filho e,
em seguida, com o mesmo detalhamento, trataria de cumprir suas recomendações”
31
.

Criar uma criança é uma ciência!


A Puericultura pode ser definida como “a parte das ciências médicas que visa
à manutenção da saúde física e emocional das crianças, acompanhando seu
crescimento e desenvolvimento” 32. Sua criação como sistema estruturado de regras,
significando a arte da criação das crianças, é atribuída ao médico francês Alfred
Caron, que escreve sobre o assunto a partir de 1860. Foi importada para o Brasil ao
final do século XIX pelo Dr. Moncorvo Filho, que a representaria como a higiene da
infância. Diferentemente da pediatria, que intervém diretamente sobre o corpo
doente da criança, a puericultura objetiva transformar crenças, valores, costumes e
atitudes, pressupondo transformações de ordem cultural, que inclui a redefinição do
conceito e do valor da maternidade33. Teoricamente é dividida em três partes: a

28
FREIRE, “Ser mãe é uma ciência”. op. cit. p. 160.
29
Idem, p. 161.
30
Idem, p. 162.
31
LIMA, Ana Laura Godinho. Maternidade higiênica: natureza e ciência nos manuais de
puericultura publicados no Brasil. História, Questões e Debates, v. 47, p. 95-122, 2007.p. 122.
32
FREIRE, Mulheres, mães e médicos. op. cit. p. 12.
33
Idem, pp. 12-13.

18
puericultura antes da fecundação, (orientada pelos preceitos da eugenia,
aconselhava sobre o casamento ideal, evitando grandes diferenças etárias, laços
consangüíneos e moléstias), a puericultura intra-uterina (os cuidados a serem
tomados durante a gravidez) e finalmente, a puericultura extra-uterina (a parte da
medicina que preparava a criança para a vida adulta, cuidando de seu corpo e sua
moral por meio de higiene e medicina preventiva).
A puericultura foi desenvolvida para evitar a mortalidade infantil e formar
futuros cidadãos fortes. Constitui-se em campo de conhecimento que articula
diferentes disciplinas, como a nutrição, a pedagogia e a higiene, conformando-se em
espaço de convergência de vários discursos e práticas dirigidas à criança. Era um
conhecimento fundado na prevenção e atuava através da higiene e da educação,
tendo como preceito que “criar uma criança é uma ciência”, e dessa forma procurava
desautorizar práticas e saberes que não fossem institucionalizados. Na preocupação
em distinguir o popular do científico, os médicos puericultores recorreram à própria
linguagem popular, criando personagens caricatos para descrever o que eles
chamavam de interferência negativa, associada às avós, comadres, aos
farmacêuticos de esquina, e às sabichonas. Assim, os médicos, agindo de acordo
com a ciência, marginalizavam o conhecimento prático das mães, pois não admitiam
uma pluralidade de saberes sobre o corpo e a educação das crianças.
Com o discurso puericultor, que percebia na infância uma fase especial, digna
de atenção e cuidados, decorre uma instrumentalização das mulheres. A mulher-
mãe torna-se um instrumento para se chegar à infância, mediadora entre esta e a
Ciência. É importante destacar que não existe modelo natural de ser mãe, este
padrão deve ser pensado historicamente 34, e nesse contexto, mais do que nunca, há
a necessidade da mulher ser informada e orientada, passando a depender de uma
série de conhecimentos especializados para aprender como cuidar adequadamente
das crianças, pois suas obrigações aumentaram, sendo a única responsável pela
saúde, nutrição e higiene das crianças. Destarte, ser uma boa mãe torna-se cada
vez mais uma exigência e só multiplicaram as cobranças, pois não bastava ser mãe,
mas adotar uma postura cientificamente correta diante dos filhos. Dessa maneira, a

34
Pioneiro nesta linha de pesquisa está o trabalho de ARIÈS, Philippe. História social da criança e
da família. Rio de Janeiro: Zahar, 1978. Ainda, as considerações de BADINTER, Elisabeth. Um
amor conquistado: o mito do amor materno. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985, que desmistifica a
naturalidade do amor maternal, propondo que este sentimento-comportamento é variável de acordo
com a época e os costumes e relacionando com as variações socioeconômicas da história.

19
mulher-mãe foi imbuída da exclusiva responsabilidade pela formação da saúde e da
personalidade de seus filhos, e somente através da educação as mulheres estariam
aptas a desempenhar o importante papel da maternidade. Com a missão de modelar
o cidadão de amanhã, a mulher não era valorizada por ela mesma, mas em função
de sua missão patriótica. Assim, passou a desempenhar um papel secundário em
relação aos filhos. Era o médico a autoridade e a mãe deveria ser uma boa ouvinte e
discípula para proceder da forma estabelecida. Desqualificando qualquer prática ou
experiência que não possuísse fundamento científico, o discurso puericultor
almejava uma padronização dos procedimentos maternos, pautado na
modernização, pois a mulher não poderia jamais agir como a sua mãe, que
pertencia a uma geração passada que não teve acesso aos conhecimentos médicos
desenvolvidos na atualidade. “Usar e fazer ciência: este seria o novo papel social da
mãe moderna” 35, que prepararia na criança, o homem do futuro.
O discurso puericultor visava a normatização da vida em sociedade e a
disciplina dos corpos. O corpo erigido segundo a ciência, em harmonia com o
espírito instruído e desenvolvido, deveria servir à coletividade, contribuir para o
progresso da nação brasileira e constituir o perfil do cidadão que se queria edificar
para a pátria36. Tendo como objetivo modificar as práticas das mães, os meios de
comunicação da época contribuíram para a disseminação do ideário puericultor.
Buscando alcançar um número maior de pessoas, os médicos recorreram à
imprensa como veículo de divulgação dos conhecimentos da Puericultura e também
para ampliar seu ideal pedagógico, prestando esclarecimentos e informando das
novidades da Ciência sobre a melhor forma de criar os filhos. Muitos desses
médicos-autores escreviam de forma criativa e às vezes abusavam da ironia,
objetivando inviabilizar os conhecimentos tradicionais através da crítica.
Os manuais de puericultura ganharam uma ampla produção tanto nos
Estados Unidos, pioneiro nesta literatura, quanto na Europa e mais tardiamente no
Brasil. Entretanto, segundo Lima, os manuais de puericultura precederam a própria
pediatria brasileira em mais de quatro décadas. Enquanto o primeiro manual de
puericultura nacional foi publicado em 1843 e tinha como título “A guia médica das
mães de família”, a pediatria como especialidade médica teria surgido apenas em
1882, quando foi criado o primeiro curso de “clínica das moléstias das crianças”, no

35
FREIRE. Mulheres, mães e médicos, op. cit. p. 172.
36
MERHEB, Daniela S. op. cit. p. 39.

20
serviço da Policlínica Geral do Rio de Janeiro, por iniciativa de Carlos Arthur
Moncorvo Figueiredo. Moncorvo Filho, fundador do Instituto de Proteção e
Assistência à Infância do Rio de Janeiro na passagem do século XIX para o XX,
integrou a primeira geração de pediatras formados pela Policlínica, no curso fundado
por seu pai37. Em seus manuais, os médicos “ansiavam por compartilhar com suas
leitoras tudo quanto sabiam sobre a higiene infantil, de modo a fazer delas suas
aliadas na luta pela prevenção de doenças e, sobretudo, na batalha contra a
38
mortalidade infantil” . Os manuais consistiram em uma das estratégias empregadas
pelos pediatras para levar os seus ensinamentos para além de seus consultórios. Da
massificação do discurso médico que valoriza a infância decorreria a utilização de
livros, jornais, revistas e posteriormente da televisão.
Segundo Martins, os puericultores propuseram um tripé de medidas
protetoras articuladas, centradas no Estado, nos médicos especialistas e nas
mães39. Nesse raciocínio, o Estado seria responsável pela formulação de uma
legislação protetora da criança, da mulher e da família, bem como pela
implementação de políticas públicas. Os especialistas se incumbiam da produção do
conhecimento sobre a infância e pela orientação das políticas de saúde e bem-
estar. Finalmente, as mães eram consideradas as responsáveis diretas pelo bem e
pelo mal das crianças, sofrendo um processo de culpabilização pelas doenças e
pela morte dos filhos. Entretanto, os médicos, pediatras do ponto de vista
profissional, e puericultores do ponto de vista da militância 40, atuaram nas três
pontas do tripé que reunia as medidas de proteção da infância, ou seja, como
especialistas, atuando no consultório; juntamente às instâncias públicas, tanto como
funcionários públicos dos estabelecimentos ligados ao governo, como legisladores
que aprovavam leis e projetos para a proteção materno-infantil; e por fim, da tarefa
mais vital, a educação das mães, através das consultas médicas e inúmeras
publicações que abrangeram os mais diversos meios de comunicação.
Sendo um dos elementos distintivos da Puericultura o fato de implicar uma
relação triangular, já que a atuação do médico sobre a criança é necessariamente
intermediada pela mulher em sua função de mãe, os médicos passaram a produzir

37
LIMA, Ana Laura. op. cit. p. 102.
38
Idem, p. 106.
39
MARTINS, “Vamos criar seu filho”. op. cit. p. 140.
40
PEREIRA, André Ricardo V. V. Políticas sociais e corporativismo no Brasil: o Departamento
Nacional da Criança no Estado Novo. Rio de Janeiro, 1992. Dissertação (Mestrado em História), UFF.

21
uma verdadeira obra pedagógica sobre a maternidade, pois o quadro da vida familiar
brasileira no início do século XIX parecia-lhes completamente inadequado aos
princípios higienistas. Partindo do pressuposto de que não havia um modo natural
de criar os filhos, pois por mais bem intencionadas que as mães fossem, cometiam
muitos erros e deviam ser guiadas pela racionalidade científica da medicina, os
médicos brasileiros elaboraram um discurso não qual a função materna foi
devidamente articulada às demandas da natureza e da sociedade 41. De acordo com
Santos, “ao retomar a maternidade como função principal da mulher com base no
binarismo mulher/natureza e homem/cultura, a „nobre missão feminina‟ associada ao
discurso nacionalista é investida de uma roupagem moderna. O exercício da
maternidade passa a ser compreendido em termos científicos, constituindo uma
missão patriótica e uma função pública. Trata-se de superar as práticas atrasadas
das comadres, os conselhos e crenças entendidos como arcaicos e fundamentados
no senso comum” 42.
Nessa autoritária relação entre médicos-mestres e mães-discípulas, a já
apontada culpabilização da mulher foi uma importante ferramenta no outorgado
processo de redefinição da família. E a amamentação foi sem dúvida um tema
central na ideologia da maternidade. “O discurso médico culpava as mães pela
elevada mortalidade infantil por desconhecerem os princípios da higiene relativos ao
ar, à água e à nutrição, principalmente à amamentação. Aqueles homens ilustrados
acreditavam que seu papel era orientar as mães, dissipando as trevas da ignorância
e assim, torná-las verdadeiras mães higiênicas”. A nova mulher deveria ser uma
criação do homem, pois somente ele estaria intelectualmente equipado para
conhecer suas particularidades43. A responsabilidade materna na nutrição da criança
passara a ser vista como a maior demonstração do amor materno, e em seus
argumentos, os puericultores invocavam o exemplo da natureza, lembrando como as
fêmeas de outras espécies de mamíferos não se recusavam a amamentar suas
crias. Como a amamentação se transformou em sinônimo de amor materno, a
mulher que não amasse/ amamentasse seu filho era encarada como uma aberração,
uma criatura desnaturada.

41
MARTINS, Visões do feminino: a medicina da mulher nos séculos XIX e XX. pp. 225-226.
42
SANTOS, op. cit. p. 7.
43
MARTINS. Visões do feminino: a medicina da mulher nos séculos XIX e XX. pp. 230-232.

22
O aleitamento mercenário era visto com grande repulsa pelos higienistas.
Assim, as amas de leite se tornaram um empecilho na luta pela diminuição da
mortalidade infantil, pois uma das crianças (da ama ou da patroa) sempre seria
prejudicada, comportamento este abominado pelos médicos que lutavam pela vida
das crianças. Destarte, parte da tarefa de sanear o Brasil consistia em fazer com
que as mães se convencessem da importância de cuidar elas mesmas dos filhos.
Foi nesse contexto que a amamentação foi eleita como um problema de governo:
era preciso fazer com que as mães se dispusessem a dar de mamar a seus bebês, e
no discurso apregoado não amamentar era um verdadeiro crime contra a natureza,
contra as religiões e contra a sociedade, já que, de acordo com Freire, “a condição
materna qualificada como inerente à natureza feminina evocava o conceito de
instinto maternal; como sagrada missão, lembrava um dom divino; e como ação
patriótica, incorporava os pressupostos da nacionalidade” 44.
Muitos benefícios para a saúde do bebê são associados à amamentação.
Conforme Godinho, trata-se do alimento mais adaptado ao organismo do bebê, de
modo que permite uma digestão fácil; é capaz de proteger o organismo da criança
contra uma série de doenças, funcionando como uma vacina natural; evita a
contaminação do leite, na medida em que o alimento passa diretamente do peito à
boca do bebê. “Justamente porque previne contra doenças e não sobrecarrega o
organismo da criança permite reduzir drasticamente o índice de mortalidade infantil”
45
. Daí a culpabilização das mulheres por negar o seio aos filhos, já que de certa
forma, estariam lhes negando o direito a uma vida saudável e com expectativas
positivas de longevidade. Conquanto um argumento fundamental em favor da
amamentação garantisse que se tratava de uma ação determinada pela natureza,
uma série de regras higiênicas ditadas pelos pediatras regulavam esse exercício, de
modo que a puericultura apropriou-se do aleitamento materno para disciplinarizar as
mães e os bebês. O intervalo das mamadas, o tempo da criança em cada mama, o
ambiente tranqüilo onde deveria ser realizado o aleitamento, o limite mínimo de
idade para a amamentação exclusiva: cada momento da relação mãe-bebê passou
a ser regulamentado segundo os preceitos higiênicos e salvacionistas.

44
FREIRE. Mulheres, mães e médicos, op. cit. p. 136.
45
GODINHO, Ana Laura. Os saberes especializados da pediatria e a adaptação das mães às
necessidades de seus bebês: um estudo de manuais de puericultura publicados no Brasil.
Disponível em: www.anped.org.br/reunioes/31ra/1trabalho/GT20-4017--Res.pdf Acesso em:
30/04/2010. p. 9.

23
Apesar do enfoque na amamentação, uma boa mãe apenas começava com
este gesto a sua missão, porque a sua responsabilidade era muito maior, pois além
de dar a vida e nutrir o filho, devia exercer outra função tão importante quanto a
primeira: a educação. Daí a insistência na instrução da mulher, educação que era,
por sua vez, voltada para a formação dos filhos, e que melhor discutiremos nos
capítulos a seguir, através do acompanhamento pelos jornais da progressiva
articulação do discurso puericultor, que paulatinamente alcança os meios de
comunicação objetivando atingir um número crescente de pessoas.

24
Capítulo 2

A evolução dos discursos referentes à infância nos jornais


paranaenses

Este capítulo apresenta os resultados da análise das fontes primárias


colhidos de 1890 até o início da década de 1920, e explora a articulação entre
imprensa e benemerência na capital paranaense. Paralelamente, o capítulo mostra a
formação de uma rede de assistência particular às crianças e às mães em Curitiba.

A evolução dos discursos


Em 1890, haviam muitos anúncios de venda de cabras de leite, “magníficas e
de boa raça”, apesar de não relacionarem o leite como um alimento fundamental
para as crianças. Durante todo esse ano encontramos a preocupação com a
vacinação, conforme convocação transcrita a seguir do jornal “A República”:

Vacina. É obrigatória a vacinação contra a varíola nos primeiros seis


meses de vida, como medida de proteção à infância, sendo as vacinações
de 10 em 10 anos facultativas. Multas sem recurso. Vacinação terá lugar
todos os sábados das 3 às 4 horas da tarde na Inspetoria da Higiene.
(“A República”, 03/04/1890, p. 3)

Era muito comum a publicidade de medicamentos em geral, que nesse


momento ocupava a quase totalidade do espaço destinado aos anúncios, e as
drogas específicas para as crianças, como purgativos e elixires antinervosos 46. Um
bom exemplo é o que se segue:

Purgativo Julien. Confeito vegetal, laxativo e refrigerante. Apresenta-se


sob a forma de um confeito agradável. Para moléstias da pele, usagre e
convulsões da infância. Resolve o difícil problema de purgar as crianças
que não aceitam purgativo algum, pois o pedem como se fosse uma
pastilha de chocolate saída da confeitaria.
(“A República”, 04/10/1890, p. 4)

Em 1895 permanece a preocupação com a vacinação, com a seguinte


mensagem da Inspetoria Geral da Higiene transcrita nos jornais de janeiro a abril:

46
Os elixires antinervosos eram indicados para “convulsões de crianças e senhores que sofrem de
espasmos, desmaios e ataques de nervos”. (“A República”, 16/11/90, p. 3)

25
Inspetoria Geral da Higiene – Vacina. De ordem do Sr. Inspetor Geral da
Higiene faço público as seguintes disposições do Regulamento de Higiene
do Estado:
Art. 74: A vacinação é obrigatória em todo o Estado do Paraná. A
revacinação é obrigatória de dez em dez anos.
Art. 75: Todos os habitantes não vacinados são obrigados desde já a
apresentarem-se às autoridades incumbidas de tal serviço para o serem.
Art. 76: Pai, tutor, ou quem tenha a seu cargo qualquer criança, é obrigado
a fazê-la vacinar dentro de quatro meses, a contar da data do nascimento.
Art. 77: A infração de qualquer destes artigos será punida com a multa de
10$000, dobrada nas reincidências ou prisão de dois a cinco dias sem
recurso.
Na Inspetoria Geral da Higiene, à Rua do Serrito n.16 vacina-se aos
sábados das onze horas ao meio-dia e nos outros dias das quatro às cinco
da tarde na casa n.4 da mesma rua.
Dr. Candido de Leão, ajudante do inspetor.
(“A República”, 12/01/1895, p.3)

A insistência na vacinação, demonstrada no longo período em que foi


impressa a mesma mensagem com as orientações sobre a mesma, é reforçada em
março deste ano, com a transcrição das recomendações do inspetor geral da
higiene:

Inspetoria Geral da Higiene – Ao povo. Tendo aparecido nesta capital


casos de varíola e sendo o único preservativo contra ela a vacinação e
revacinação, aconselho ao povo que concorra diariamente a vacina, a hora
marcada pelo Sr. Dr. Ajudante, a fim de evitar a propagação da peste.
Dr. Trajano Joaquim dos Reis, inspetor de Higiene.
(“A República”, 01/03/1895, p.2)

O ano de 1899 também foi analisado, apesar de não fazer parte do padrão
qüinqüenal da pesquisa, pois este método foi definido posteriormente à análise da
referida data. Este ano foi um marco para este trabalho por duas questões: por
divulgar o primeiro folhetim com conselhos preventivos às mães, e por trazer num
anúncio a primeira imagem encontrada de uma mulher com criança no colo para
divulgar seu produto:

26
“A República”, 04/03/1899, p. 4

O novo médico das crianças. Pelo Dr. Assis. Interessante opúsculo, onde
as mães de família encontrarão conselhos indispensáveis e práticos para a
conservação da saúde de seus filhos desde o nascimento até o termo da
primeira infância, compreendendo a época melindrosa do rompimento dos
dentes. Distribui-se gratuitamente e remete-se, livre de porte, para o interior
do Estado, a quem o solicitar na casa Burmester Thon e C. (...) Ponta
Grossa.
(“A República”, 09/03/1899, p. 3)

Percebe-se que ambos os anúncios apontam para “a época melindrosa do


rompimento dos dentes”, e nesse momento na imprensa fervilham publicidades de
dentifrícios, tanto para adultos quanto para crianças, especialmente no primeiro ano
de vida, momento que aparece a primeira dentição e com ela alguns incômodos
para os infantes, como a intensa coceira nas gengivas, febre, desarranjos intestinais

27
e o próprio desconforto, e as variadas pílulas para o alívio desses sintomas se
apresentam como “a salvação das crianças”.
Em 1900 aparecem muitos anúncios de “parteiras diplomadas”, amas de leite,
e inicia em nossa pesquisa uma publicidade específica que se mostrará abundante
durante muitos anos: a Emulsão de Scott. Segundo Acciolly47, esta marca começou
a sua história em 1830, em um pequeno laboratório aberto por John Smith. Mais
tarde, foi incorporado pela empresa de Mahlon Kline, em 1875, transformando-se no
maior atacadista de farmácias da Filadélfia. No Brasil, ela foi fabricada pela primeira
vez em 1908, em São Paulo, apesar de fazer parte do imaginário médico e midiático
bem antes, através da importação e potente divulgação. Em seguida, essa fábrica foi
transferida para o Rio de Janeiro, começando a produzir, também, o sal de frutas
Eno. A Emulsão de Scott era feita a partir do óleo de fígado de bacalhau e garantia
ser “um fortificante e reconstituinte físico, rico em vitaminas, cálcio e fósforo” e
continua sendo vendida principalmente nas regiões norte e nordeste do Brasil.

Legar a vossos filhos. Boa saúde e os bens dirão gerações presentes e


futuras. Infante e roliço era o homem ou a mulher que hoje vemos forte e
robusto. Donde estão seus contemporâneos que eram débeis e raquíticos?
Se existem, “vivem morrendo”, arrastando vidas de miséria, perseguidos
pela perene doença. Assegura o porvir da criança doente. A „gordura‟ e o
„alimento mineral‟, indispensável para as criaturas delicadas, encontram-se
na Emulsão de Scott. (...) Tonifica e cria nervos e ossos fortes. Para
crianças anêmicas e raquíticas.
(“A República”, 06/07/1900, p. 4)

Era muito comum na época usar depoimentos de consumidores e médicos


nas peças publicitárias. Com Emulsão de Scott não foi diferente, pois foram
encontrados vários testemunhos de médicos atestando a empregabilidade e a
eficácia da Emulsão para as diversas moléstias, especialmente das crianças.

Em benefício da humanidade sofredora. Atesto que tenho empregado


com grande vantagem em todas as moléstias do aparelho respiratório a
Emulsão de Scott sobretudo no raquitismo, escrófulas e outras moléstias
quem costumam perseguir a infância (minha especialidade) e mesmo nos
adultos. Em benefício, pois da humanidade sofredora indico o presente
preparado in fide medici. Dr. Joaquim Miguel Duque Estrada Meyer. (“A
República”, 03/11/1900 p. 3)

47
KREUTZ Apud Acciolly. KREUTZ, Elizete Azevedo. Reconstrução histórica da publicidade
veiculada no jornal “O Taquaryense” no período de 1887 a 1900.
Disponível em: www.redealcar.jornalismo.ufsc.br/.../dndaelizetedeazevedokreutz.doc Acesso em:
10/05/2010.

28
Nesse período permanecem os anúncios de pílulas para alívio dos sintomas
da primeira dentição e ocorre a emergência maciça dos remédios para vermes,
como “Chenopodium Anthelminticum”, pós preparados homeopaticamente para
expelir os vermes das crianças alegando não causar irritação intestinal, e o
“Vermidol”, indicado para expelir as lombrigas. Destarte, os vermífugos, juntamente
aos dentifrícios constituem as principais publicidades voltadas às crianças nesse
período.
Em 1905 são dados os primeiros passos em direção a uma “puericultura nas
páginas do jornal”. Primeiramente, em fevereiro deste ano o jornal “A República” traz
uma pequena matéria intitulada “O leite cru”, onde trata da alimentação das
crianças, e aponta para a contra indicação do leite fervido, sendo a favor do leite
fresco48. Mais adiante, no mês de agosto, o jornal transcreve uma iniciativa noticiada
pela gazeta inglesa “World of today“, atribuída ao Mayor de Hudersfiel “para
combater a mortalidade infantil, uma das pragas da sociedade moderna”. O Mayor
concedia o prêmio de uma libra esterlina a toda mãe que apresentasse um filho de
doze meses de idade e anexa à promissória achava-se uma lista com conselhos,
que embora não se enquadrasse com o feitio das crônicas do jornal, como o próprio
editor admite, resolveu reproduzir na sua forma textual, desejando que talvez
aquelas linhas caíssem “na vista de alguém que tirassem delas imediato partido”.
Ainda reforçando sua importância, o editor propõe que “deveriam as câmaras
municipais afixá-las em edital para serem lidas pelo povo, (pois) no Brasil, como em
todas as nações, deve ser formidável a hecatombe das crianças até um ano de
idade. Quantas não seriam salvas se fossem seguidos à risca os ótimos e práticos
conselhos do digno Mayor de Huddersfiel”. A seguir, transcreve os tais conselhos:

Regra: para a vida e a saúde da criança alimenta-se com o leite materno, o


leite materno é o alimento natural e o melhor (...)
Por uma criança alimentada a leite materno que morre antes da idade
de três meses, morrem quinze crianças alimentadas por outros sistemas
Quando a mãe não pode amamentar seu filho, deve alimentá-lo com
o leite puro e fresco misturado com água em certas proporções, segundo a
idade. (...) À medida que a criança vai crescendo, vai se diminuindo a
proporção de água
Alimentar a criança de três em três horas
Manter sempre a criança no estado de perfeita limpeza
Banhar a criança uma vez por dia
A criança deve dormir em um berço ou uma cesta

48
“A República”, 21/02/1905, p. 2

29
Atendam sempre à criança quando chora. Ela chora por uma dessas
razões: quando tem fome, quando alguma coisa a incomoda ou magoa,
quando está doente
Nunca dar às crianças xaropes calmantes, pós febrífugos, nem
quaisquer drogas desta espécie
Não dar qualquer alimento (sopas, pão, sucos de carne) até ela
completar sete meses, exceto leite
Nunca dar leite desnatado, ou que não seja fresco e puro
Nunca se deixa de chamar o médico quando a criança adoece. As
crianças sucumbem rapidamente quando se lhes não acode a tempo.
(“A República”, 25/08/1905, p. 1)

Como se nota através da leitura da compilação dos conselhos às mães, uma


série de regras dita a relação mãe-criança, relacionadas com a alimentação rígida
nos horários e em relação aos alimentos adequados a cada idade, a preocupação
com a higiene, demonstrada na norma do banho diário da criança e na indicação de
“manter sempre a criança no estado de perfeita limpeza ”, e o próprio comportamento
da mãe em relação ao infante, que devia dormir em espaço próprio, nunca tomar
calmantes ou drogas de qualquer tipo, e ter sempre seu choro atendido
prontamente, visto que os agentes de seu choro eram pré determinados e portanto
não muito difíceis de resolver. Ademais, mesmo com as orientações preventivas
aconselha-se sempre recorrer ao médico em caso de adoecimento, pois só este
profissional seria capaz de acudi-la a tempo.
Apesar destes conselhos serem característicos do discurso puericultor,
marcado por ditames de medicina e higiene preventiva, na imprensa examinada
nesse momento, este foi um fato isolado. Como veremos, continuaram expressivos
os remédios dispostos a curar e aliviar o corpo doente da criança, com poucas e
raras notas no sentido de prevenção. Permanecem nesse período a publicidade do
já citado Emulsão de Scott, e emergem os medicamentos peitorais para diversas
afecções das vias respiratórias, sobretudo da “bronquite das crianças”.
Em 1910 a publicidade de Emulsão de Scott continua bastante expressiva.

30
“A República”, 05/01/1910, p. 3

31
Nessa imagem a Emulsão de Scott se apresenta como “a protetora das
crianças”. Em outras publicidades o remédio segue o mesmo raciocínio, enfatizando
a criança, se colocando como “a providência da infância”, e um preparado “em
benefício da humanidade sofredora”. Na parte inferior do anúncio, encontra-se nome
e endereço da empresa responsável pelo produto, "Scott e Bowne, Chimicas, New
York, U.S.A”, configurando-se como assinatura dos fabricantes que encerram todas
as peças publicitárias do produto.
Em 21 de outubro de 1910 o jornal “A República“ expressa sua preocupação
com a educação através da matéria intitulada “Como se deve educar a infância”, um
artigo elogioso a um projeto educacional discutido na Bélgica, considerado “a grande
obra da educação e da regeneração da infância na Bélgica. O ensino nas estações
ao ar livre - Um magnífico projeto de lei sobre a organização desses utilíssimos
estabelecimentos – um exemplo que se deve seguir”.
No mesmo ano, a indicação do Remédio Vegetariano para “senhoras fracas
no período da gravidez e da amamentação” tinha seu discurso de convencimento do
consumidor em consonância com o pensamento puericultor, através da veemente
culpabilização da mãe, conforme observamos a seguir:

Senhoras fracas no período da gravidez e da amamentação. A maior


parte das senhoras durante o período da gravidez ficam fracas, devido a
falta de fome e repugnância pelos alimentos. É necessário não esquecer
que da saúde da mãe depende a do filho, (grifo meu) uma criança doente
por culpa da má saúde da mãe é remorso para esta. Uma mãe forte, com
boa saúde e sobretudo com sangue puro, só pode ter filhos robustos e
limpos. A mãe cuidando da gravidez de alimentar-se bem e fortificar seu
filho. (“A República”, 02/08/1910, p. 3)

Aí temos um claro exemplo da já comentada no primeiro capítulo “puericultura


intra-uterina”, ou seja, antes mesmo do nascimento do rebento, a mãe era
responsabilizada por seu bem-estar, pois “da saúde da mãe depende a do filho”.
Para endossar o discurso, a propaganda trazia ainda a declaração de uma paciente
que havia passado “muito mal quando teve os dois primeiros filhos, comendo mal e
emagrecendo”. Quando estava para ter o terceiro, a mulher alega ter usado o
remédio e sentido a diferença:

Usei o Remédio Vegetariano para fortificar-me e curar-me da tosse e dores


no peito, sentindo que desde os primeiros dias de uso deste remédio meu
estado mudou, nunca passei tão bem, desapareceram os furúnculos e
flores brancas, fiquei boa da tosse e tive uma criança forte com muita

32
felicidade. Agradecida a Deus por ter-me proporcionado com o Remédio
Vegetariano tantos benefícios, autorizo para o bem de tantas mães a
publicação desta declaração. Alayde Maria Junqueira, esposa do abastado
negociante Joaquim P. Junqueira.
(“A República”, 02/08/1910, p. 3) (grifo meu)

A prática filantrópica na capital paranaense


A busca por um Brasil futuro, inserido entre as nações desenvolvidas do
mundo, não era apenas objetivo dos médicos, como também de outras instituições
que representavam as perspectivas das elites brasileiras. Dessa forma a filantropia
foi um dos veículos de condução do Brasil à modernização 49. A filantropia pode ser
entendida, grosso modo, como a “laicização da caridade cristã, ocorrida a partir do
século XVIII, e que teve nos filósofos das luzes seus maiores propagandistas. O
„fazer o bem‟, o socorro aos necessitados, deixa de ser uma virtude cristã para ser
50
uma virtude social” . Herdeira da caridade, mas considerada então prioritariamente
como gesto de utilidade, a filantropia abdicava da necessidade de anonimato,
permitia e até mesmo estimulava a visibilidade a seus praticantes. Assim, a
51
imprensa agia como principal “agenciadora política da filantropia” . Destacaremos
aqui as instituições que a imprensa verificada mais realçou: a Maternidade do
Paraná, a Cruz Vermelha Paranaense e o Instituto de Proteção e Assistência à
Infância do Paraná.
No ano de 1915, um tom fortemente elogioso à Maternidade do Paraná
impregnava o jornal “A República”. A Maternidade era uma instituição mantida pela
Universidade do Paraná com auxílio da “Associação de Damas de Assistência à
Maternidade e à Infância”, fundada em 15 de fevereiro de 1914. De acordo com
Rodrigues, esta seria a mais remota e, provavelmente, uma das mais atuantes
entidades filantrópicas femininas estabelecidas no Paraná. Segundo a autora, o
histórico da Associação se relacionou exatamente com o momento em que
começavam a ser instaladas as primeiras maternidades no Brasil, pois a seu ver, “a
Associação foi criada precisamente com o objetivo de auxiliar a „Maternidade do

49
AMARAL, Guacimara Dantas dos Santos. Filantropia e puericultura. IV Encontro Estadual de
História – ANPUH-BA. História: sujeitos, saberes e práticas. 29 de julho a 1º de agosto de 2008.
Disponível em:
http://www.uesb.br/anpuhba/anais_eletronicos/Glaucymara%20Dantas%20dos%20Santos%20do%20
Amaral.pdf Acesso em: 01/04/2010. p. 1.
50
SANGLARD, Gisele. Filantropia e assistencialismo no Brasil. História, Ciências,
Saúde_Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 10, n. 3, p. 1095-1098, set./dez. 2003. p. 2.
51
AMARAL, op. cit. p. 8.

33
Paraná‟ que estava sendo construída por iniciativa da Faculdade de Medicina da
Universidade do Paraná e significava a primeira instituição deste tipo a ser fundada
no estado. Já em 1914, esta entidade feminina começou a promover festas
beneficentes, através das quais, procurava-se coagir a elite local a contribuir com os
gastos oriundos da fundação da Maternidade, que incluíam as instalações do prédio,
a compra de móveis, de instrumentos cirúrgicos e a construção da farmácia, bem
como o pagamento dos empregados e os gastos com o cuidado das gestantes e
52
puérperas” . A pioneira agremiação, que no momento de sua criação já contava
com cerca de duzentas associadas, em sua maioria mulheres integrantes da elite
local, em 1937 juntou-se à ”Associação de Proteção à Infância”. Agregações unidas,
passaram a utilizar o nome “Associação de Proteção à Maternidade e à Infância de
Curitiba” 53.
A parceria imprensa e Maternidade é reforçada através da notícia de primeira
página do dia 4 de janeiro de 1915, sobre o curso iniciado na Maternidade do
Paraná no dia anterior, o curso de obstetrícia para parteiras, dado em conferências
pelos doutores Nilo Cairo, Reinaldo Machado e Petit Carneiro. O curso, segundo o
periódico, era absolutamente gratuito e visava facilitar às parteiras o exame de
habilitação exigido pela Diretora Sanitária. Além da notícia da abertura do curso, a
matéria contava com a programação, que abrangia “história da arte dos partos,
anatomia, esqueleto em geral, ligamentos e articulações”, além da relação dos
nomes das parteiras que compareceram.
No dia 28 do mesmo mês o jornal apresentou o relatório geral da provedora
da Associação de Damas de Assistência à Maternidade e à Infância, assinado por
Francisca Munhoz Cavalcanti. Após alguns apontamentos, o tablóide finaliza a
matéria afirmando que:

A associação de damas e a Universidade vem cumprindo a árdua e nobre


missão que se impuseram, de assistir a maternidade desvalida. A
Maternidade é um estabelecimento que Curitiba deve se orgulhar.
(“A República”, 28/01/1915, p. 2)

O ano de 1920 trouxe a questão da benemerência mais forte e já consolidada


no cenário da capital paranaense. A Maternidade do Paraná continuava noticiada na

52
RODRIGUES, Fabiana. Educar as mães para salvar os infantes. Relatório de Iniciação Científica
apresentado à Fundação Araucária em 2004. p. 14.
53
Idem. pp. 12-15.

34
imprensa através dos avisos das reuniões da Associação de Damas de Assistência
à Maternidade e à Infância, e dos eventos por ela organizados em prol da
Maternidade. Deve-se salientar que não era apenas a Associação que promovia
festivais em benefício da Maternidade, conforme demonstra essa notícia:

Maternidade do Paraná. Domingo, nove do corrente, das 13h em diante,


haverá no pitoresco Parque Graciosa, no Juvevê, um festival esportivo,
com jogos ao ar livre, por senhoritas de nossa elite social, em benefício da
Maternidade do Paraná. A entrada será franca, havendo distribuição de
prêmios aos vencedores nos jogos. Os bondes do Juvevê trafegarão com
mais freqüência, havendo um suculento churrasco para os apreciadores da
saborosa iguaria nacional.
(“Gazeta do Povo”, 07/05/1920, p. 2)

Em outubro do mesmo ano, a Associação das Damas de Assistência à


Maternidade anuncia um novo festival a ser realizado no mês seguinte. A justificativa
é apresentada pelo jornal “Gazeta do Povo”:

Maternidade do Paraná. Esta instituição, cujos benefícios não necessitam


ser relembrados, pois ela aí está, há já alguns anos prestando os seus
socorros, atualmente é com dificuldade que se mantém, pois o número de
clientes tem aumentado, além de que a maioria das infelizes que a ela
recorrem, falhas de qualquer recurso, nem mesmo roupas leva, vendo-se a
direção da Maternidade na contingência de vestir as criancinhas e manter
um grande estoque de roupas para as parturientes.
Nestas condições, a Maternidade merece o nosso inteiro amparo.
O festival que ora se anuncia será uma atraentíssima festa, onde todos
terão ocasião de se divertir e ao mesmo tempo concorrer com um obulo
para a útil instituição. (“Gazeta do Povo”, 28/10/1920, p.2)

Paralelo às constantes notas acerca da Maternidade, a Cruz Vermelha


Paranaense também tinha sua atuação destacada pela imprensa, sendo o anúncio
de seus serviços bastante recorrente:

Cruz vermelha brasileira. Instituto de higiene infantil – Escola de


Puericultura, policlínica médica de pequenas cirurgias. Atende
gratuitamente às crianças pobres ou doentes e às mães doentes e pobres.
Vacina contra tipho e contra a varíola. Faz exame de amas de leite.
(“Gazeta do Povo”, 09/01/1920, p.4)

A iniciativa da Cruz Vermelha para a construção do primeiro Hospital de


Crianças na capital recebeu o mais franco apoio principalmente do jornal Gazeta do
Povo, que publicou uma longa declaração quando do lançamento de uma “tombola”
em prol da edificação do referido hospital. Declaração esta bem elaborada num

35
contexto de elevada taxa de mortalidade na capital, com destaque para o obituário
infantil, fato entristecedor já que “os filhos da Pátria deveriam ser sadios para assim
garantir seu futuro”. A seguir aponta as duas principais causas deste mal: a má
alimentação administrada às crianças e a ausência de um hospital infantil. Para essa
última carência aponta uma solução que todos poderiam participar: a aquisição de
uma rifa promovida pela Cruz Vermelha em prol da edificação do referido hospital. O
texto finda com um apelo que anseia tocar no coração de seus leitores, ao lembrar-
lhes das dolorosas lágrimas de uma mãe que perde seu filho.

Uma tentativa altruística – merece o mais franco apoio a iniciativa da


Cruz Vermelha para a construção do hospital das crianças. Contrista-
nos o ânimo a leitura das estatísticas da mortalidade nesta capital: mais de
70% dos óbitos são de crianças. A verificação desta porcentagem elevada
da mortalidade infantil abala-nos o ânimo de patriotas, pois nós um povo
novo, jamais deveríamos dar esta prova de fraqueza da nossa raça. Os
nossos filhos deveriam ser sadios, criarem-se sem incidentes para formar a
legião de bravos que no futuro terá a obrigação de manter erguida a nossa
bandeira; erguida e respeitada; respeitada e temida.
As causas deste fato naturalmente são várias. Duas predominam, todavia:
a má alimentação dada às crianças por mães descuidadas ou pais que,
humildes, não possuem o necessário para fornecer aos seus filhos uma
alimentação especial e sadia; a outra a falta de um hospital para crianças,
onde os pequeninos seres possam encontrar todos os recursos da
moderna medicina. É bem sabido que a Santa Casa não recebe, porque
não o pode, crianças.
Nossa capital ressente-se grandemente, pois, dessa falta, que agora
parece, será radicalmente remediada com a nobilitante iniciativa da Cruz
Vermelha enviando esforços para construir o hospital das crianças.
Sendo a Cruz Vermelha uma instituição que se mantém pela caridade
pública, (...) o primeiro apelo da Cruz Vermelha ao povo é a tombola da
Limusine Ford. São 5 mil bilhetes e cada bilhete custa 5 mil réis,
realizando-se o sorteio após a venda de todos os bilhetes.
Julgamos que ninguém, que possa, se recusará a adquirir bilhetes desta
tombola de caridade em benefício dos pequeninos seres que a insídia das
moléstias procura roubar à vida e que a falta de recursos de seus pais não
pode socorrer. Lembrai-vos das lágrimas dolorosas de uma mãe ao perder
o filhinho querido e vede se o vosso coração vos ordena amparar a bela
empreitada da Cruz Vermelha.
(“Gazeta do Povo”, 23/03/1920, p.1)

Em abril do mês ano, o jornal realiza um protesto contra a elevação do preço


do leite, um “alimento saboroso, de primeira necessidade, é tomado por crianças,
velhos e convalescentes, sendo principalmente em caso de doenças insubstituível”
54
.
Em 21 de maio, é finalmente anunciada a data da festa da Cruz Vermelha,
quando então seria realizado o sorteio da tombola da Limusine Ford. Porém, até

54
“Gazeta do Povo”, 01/04/1920, p.2.

36
aquela data nem todos os bilhetes haviam sido passados, e o jornal Gazeta do Povo
realiza seu discurso de apelo:

Não sabemos qual é a razão por que a Cruz Vermelha não tem o franco
apoio da população. Os nomes das pessoas que a dirigem são
honradíssimos e contra eles não se pode aventar a mais leve dúvida. (...)
falta de caridade? Não cremos. Talvez desconhecimento do papel
importantíssimo que exerce a Cruz Vermelha. É verdade que nem todos
assim procedem, pois almas caridosas e inteligências esclarecidas estão
sempre prontas a dar toda a sua proteção moral à nobre instituição.
Estamos mesmo informados que há poucos dias um cavalheiro filantrópico
ofereceu dez contos para a construção do Hospital das crianças. É bem de
ver que nem todos podem praticar atos como este, mas temos certeza que
dez tostões por mês todos poderiam dar se melhor compreendessem a
caridade. (“Gazeta do Povo”, 21/05/1920, p.2)

Dessa forma, além de estimular a população a adquirir a rifa, o periódico


aproveita para convidar os leitores a tornaram-se associados da Cruz Vermelha,
contribuindo assiduamente com dez tostões. Destarte, ao enfatizar a doação do
“cavalheiro filantrópico”, o tablóide estimulava a sociedade a contribuir mais, pois
como aponta Amaral, “os jornais noticiavam a caridade como um exemplo de
fidalguia, uma prática cristã de uma sociedade que preocupava-se com sua
55
população pobre, um exemplo de civilidade” .
No dia vinte e nove de maio o jornal “Gazeta do Povo” reforça o
acontecimento a ser realizado no próximo dia seis, acrescentando agora o local
escolhido, o Passeio Público, e relembrando que a extração da tombola se daria
naquela data e local. No dia anterior ao evento, este é recordado pelo mesmo jornal,
que apresenta o programa completo do festival, que é denominado “popular” por
possuir a entrada franca. Acrescenta que “as principais associações da capital, tais
como o grêmio Bouquet, Grêmio das Violetas, Club Curitibano, Sociedade Thalia e
muitas outras concorrerão com seu auxílio, apresentando no festival barraquinhas
56
onde serão vendidos cigarros, charutos, bombons, chás, etc” . Em sete de junho, o
dia subseqüente ao festival, o periódico fez se balancete do evento:

Conforme foi anunciado, realizou-se ontem o festival promovido pela Cruz


Vermelha em benefício do Hospital das Crianças. Foi uma tarde
encantadora, o belo logradouro ficou repleto, notando-se grande parte da
nossa elite social.

55
AMARAL, op. cit. p.8.
56
“Gazeta do Povo”, 05/06/1920, p.2.

37
As diversões, os jogos, os chás, a venda de cartões para a tombola tiveram
o melhor êxito. O nº premiado foi o 2560, pertencente ao Sr. João Leque,
de Prudentópolis, a quem vai ser entregue a Limusine Ford.
Assim, proporcionando-nos diversões agradabilíssimas, vão as nobres
damas da Cruz Vermelha cumprindo a sua elevada missão e concorrendo
com o seu auxílio desvelado para minorar a desdita dos que a sorte não
ampara. (“Gazeta do Povo”, 07/06/1920, p.3)

É notável o envolvimento da imprensa com os festivais beneficentes,


acompanhando cada novo detalhe. Concordamos com Sanglard quando afirma que
“para a filantropia, os periódicos tornaram-se „bons sócios‟, por divulgarem as ações
das diversas sociedades” 57.
Em quinze de junho, a Gazeta publicou sob o título “Cruz Vermelha Brasileira
– Importantes donativos para o Hospital das Crianças”, o registro de doações que a
entidade havia recebido. Ao apresentar os nomes dos doadores e quantias
ofertadas, retifica que “estes gestos de humanidade precisam ser registrados para
que sirvam de exemplo e para que os seus autores recebam as bênçãos daqueles a
58
quem o seu auxílio valioso vai minorar padecimentos cruéis” . Dessa forma, os
“jornais exerciam um importante papel ao divulgarem as ações das pessoas e
diversas instituições de caridade, pois estimulavam a sociedade a contribuir ainda
mais” 59.
Em agosto do mesmo ano, a partir de uma iniciativa de Henrique Gomm, é
criada uma lista para a inscrição de beneméritos auxiliadores da fundação do
Hospital de Crianças, que deveriam contribuir com pelo menos cinco contos de réis.
A informação foi publicada diariamente, sempre na primeira página, e trazia os
nomes dos que já haviam assinado a lista, a saber, Sr. Henrique Gomm, Sr. David
Carneiro e Dr. Raul Carneiro. A justificativa para tal empreitada era a seguinte:

Hospital das Crianças. O Hospital de Crianças, sob o patrocínio da Cruz


Vermelha, será uma das mais úteis e patrióticas fundações de caridade e a
sua missão é das mais patrióticas: diminuir a porcentagem da mortalidade
infantil. (“Gazeta do Povo”, 31/08/1920, p. 1)

Contudo, apesar do discurso estar em consonância com o pensamento da


época, no qual se elevava cada vez mais a preocupação com a mortalidade infantil,
que prejudicaria o progresso da nação e ocasionaria de fato seu declínio, tal

57
SANGLARD, Op. cit. p.3.
58
“Gazeta do Povo”, 15/06/1920, p.1.
59
AMARAL, Op. cit. p. 7.

38
empreendimento não obteve êxito, e Monsenhor Celso, então presidente da Cruz
Vermelha, utilizou-se do espaço do jornal para lembrar que o prazo para a inscrição
estava se findando, e caso não se conseguisse o número necessário de subscritores
cessaria o compromisso das pessoas que a assinaram a lista. O presidente da
entidade não esconde sua amargura com a possível dissolução do documento, e
reforça o apelo afirmando que “a esmola não é uma dádiva, é um empréstimo, que
60
Deus paga com juros” .
Em 1922, a Cruz Vermelha modifica sua direção. Ao tratar do assunto, “A
República”, que afirma considerar que a Cruz Vermelha é, depois da Santa Casa de
Misericórdia, dentre as associações beneficentes da capital “a mais afirmadora da
nossa capacidade de iniciativas humanitárias”, o jornal apresenta o seguinte relatório
da entidade, que nos fornece uma idéia da importância de seus serviços e de
instituições similares no contexto da alta mortalidade infantil não somente na capital
paranaense, como em todo o país:

A Cruz Vermelha e o seu presidente. (...) Desde a fundação de sua


Policlínica Infantil, já socorreu a Cruz Vermelha até ontem, 3.008
criancinhas doentes, tendo tido apenas registrado 50 óbitos, nos seus dois
anos de funcionamento.
O Instituto de Higiene Infantil – Escola de Puericultura examina e receita
gratuitamente e fornece medicamento, alimento e vestuário aos seus
socorridos. É como se vê, integral na sua assistência às criancinhas
doentes e às mães pobres e doentes. Honra à humanitária associação de
devotados esforços em bem da humanidade.
(“A República”, 16/02/1922, p. 1)

As contribuições às instituições filantrópicas vinham de diversas formas e


origens, não ficando restritas a contribuições em dinheiro, como podemos observar
no seguinte apelo em prol do Asilo São Luiz: ·.

As criancinhas desamparadas – Todos podem auxiliá-las e elas bem o


merecem. Nem todos talvez saibam que além do orfanato do Cajuru, onde
são acolhidas as meninas desamparadas na orfandade, nesta capital existe
asilo para meninos, onde a piedade das irmãs de caridade recolhe os
pequenitos que pais inditosos deixaram sós no mundo. É o Asilo de São
Luiz, mantido pelas bondosas irmãs de São José e situado na Praça da
República, no prédio que para tal doou D. João Braga, bispo da diocese.
(...) Todos podem auxiliar as criancinhas sem dispêndio para o seu bolso.
As irmãs recebem qualquer obulo, qualquer oferta. Uma de vestuário que
não se use mais será bem aproveitada para um corpinho, uma calcinha,
uma qualquer coisa que vá cobrir a nudez do órfãozinho e resguardá-lo do
frio. As sobras dos ricos e dos remediados são presentes custosos para os
que nada possuem no mundo, nem mesmo pai e nem mesmo mãe.

60
“Gazeta do povo”, 14/09/1920, p.1.

39
Vós outras, leitoras amigas, que tendes o coração bondoso por que sois
mulher e sabei o que é e o que vale uma mãe, por que não vos lembrais
dos pobrezinhos desamparados, aves sem ninho, no dizer do poeta? Por
que não dedicais uma hora por semana para coser alguma roupinha para
eles, tirada dos fatos velhos dos vossos irmãos, pais ou mesmo filhos?
Por que, quando em vossa casa há festa, há jantares, recepções, no dia
seguinte, da sobra dos doces, das iguarias, não tirais uma pequena parte
para os órfãozinhos de São Luiz? (...) Talvez agora, que as nossas
palavras tocaram o vosso coração e vos revelaram o quanto podeis fazer
de caridade sem vos ser dispendioso, as lágrimas vos venham aos olhos e
prometais a vós mesma sempre lembrar-vos dos pequenitos sem pai e sem
mãe. A obra que fizerdes por eles pouco vos custará e em recompensa
tereis um momento da mais pura felicidade. Lembrai-vos que a satisfação
de ter cumprido um dever e ter sido boa, é felicidade e bem estar, é êxtase
voluptuoso.
(...) em breves dias, pela iniciativa de distintas senhoras de nosso meio
social, no teatro Teuto Brasileiro realizar-se-á um festival em benefício do
Asilo São Luiz e do Dispensário de São Vicente. É de se esperar que a
caridade de nossa gente leve a completo êxito tão meritória iniciativa.
(“Gazeta do Povo”, 16/06/1920, p. 1) (grifo meu)

Como de costume, o jornal Gazeta do Povo divulga um intenso discurso


humanitário, para somente no último parágrafo, depois de expostos todos os seus
argumentos de caridade, anunciar o festival que se realizaria em prol do referido
Asilo, numa estratégia de primeiro “preparar o terreno” por meio da sensibilização,
para depois anunciar o convite de benemerência. Outra questão observada, é que o
periódico se dirige à leitora, propondo-lhe alternativas para que a contribuição com o
Asilo fosse menos dispendiosa, como doação de roupas não mais usadas e mesmo
confecção de peças de vestuário com os retalhos. Ainda, as sobras alimentícias das
recepções em casa, que nada custaria já que seria excedente do jantar da noite
anterior. Assim, o jornal apresenta que doações de roupas e alimentos também
seriam essenciais para os que nada possuíam no mundo, “nem mesmo pai e nem
mesmo mãe”, apelando particularmente para o coração da leitora que “tendes o
coração bondoso por que sois mulher e sabei o que é e o que vale uma mãe”.
Em 19 de junho, véspera do “festival de caridade”, a Gazeta enfatiza o convite
à população, e reforça sua aliança com a instituição, afirmando estar ao
incondicional serviço da causa dos pobres e dos órfãos de Asilo:

O festival que ora anunciamos merece o apoio da nossa sociedade, não só


pelos agradáveis momentos que ele nos proporcionará, como também pelo
seu fim altamente humanitário. (...) Francas tem estado as nossas colunas
em prol do belo festival que se vai realizar amanhã. Podemos afirmar
mesmo, que fizemos questão de colocar a nossa folha ao incondicional
serviço da causa dos pobres e dos órfãos do Asilo São Luiz. É um serviço
que nos honra, é um concurso que nos dignifica. (“Gazeta do Povo”,
19/06/1920, p. 1)

40
Em setembro do mesmo ano, a Gazeta transcreve um artigo de “O Paiz”,
sobre asilos e orfanatos do Rio de Janeiro. Após a transcrição, fala a respeito das
mesmas instituições, mas da capital paranaense, e enfatiza a idéia da necessidade
de uma assistência continuada e menos pontual:

A infância desamparada. (...) Há quem, todavia, entre nós cuide de


proteger as criancinhas desamparadas. Temos o orfanato do Cajuru e o
Dispensário de São Luiz Vicente, mantidos a custo pelas humanitárias
irmãs de São José. Teremos em breve o Hospital de Crianças, fundação da
Cruz Vermelha e é pensamento desta instituição fundar ainda uma creche.
Estes estabelecimentos pios, de proteção à infância, deve merecer de nós
outros o máximo amparo. Ninguém pode se furtar a auxiliar tão meritórias
obras que não só levam um conforto e um alívio aos desprotegidos da
sorte, como concorrem para a obra patriótica de proteção à geração de
amanhã.
O Hospital de Crianças se faz necessário, a Gota de Leite é indispensável,
o Dispensário de São Luiz Vicente e o Orfanato do Cajuru prestam auxílios
inestimáveis, mas é preciso mais, muito mais. É preciso uma assistência
diária, contínua, a toda infância, assistência não só em recursos financeiros
e científicos como principalmente moral.
(“Gazeta do Povo”, 06/09/1920, p. 1.)

Reforçando nossa idéia de que a imprensa agia como „sócia‟ da filantropia,


apresentamos outros indícios desta relação tão próxima. Em outubro, a “Gazeta”
publicou que o Sr. Ildefonso Rocha havia enviado à redação a importante quantia de
150$000, destinada à Maternidade do Paraná. Ora, o periódico atuou como
mediador entre “o cavalheiro filantrópico” e a Maternidade, pois Ildefonso Rocha
preferiu entregar sua doação ao tablóide e não diretamente à Maternidade. Do
mesmo modo, já em 1925 o Sr. Francisco Bleggi entregou à mesma redação a
quantia de 5$000 para ser destinada ao Asilo São Luiz 61. A redação dos jornais
também disponibilizava ingressos de alguns eventos para venda, como fez quando
do festival de caridade em prol do Dispensário São Vicente e Orfanato São Luiz
Gonzaga62. Outro papel que a imprensa desempenhava era o de prestador de
contas, como o balancete apresentado do festival realizado em 21 de novembro de
1920, em prol da Maternidade, que demonstrava a receita, a despesa e finalmente o
lucro63. Periodicamente os jornais apresentavam a avaliação monetária de alguns
festivais beneficentes realizados, que acreditamos ser para realçar a credibilidade
das tão aclamadas entidades beneficentes.

61
“Gazeta do Povo”, 04/02/1925, p.1
62
“Gazeta do Povo”, 11/12/1920, p.1
63
“A República”, 30/11/1920, p.2

41
Em 1921, a capital paranaense acompanhou o nascimento de um
Dispensário, filiado do Instituto de Proteção e Assistência à Infância do Paraná
(IPAIPr). Sobre a fundação escreve o secretário Olívio Busse ao diretor da Gazeta:

É com um suspiro gaudio que levamos ao conhecimento de v. exa. a


fundação nesta capital de uma nobre e humanitária instituição, com o fim
de proporcionar às criancinhas pobres e doentes, os carinhos e zelo de
uma assistência científica, moldada nas principais instituições congêneres
já existentes em todos os países mais civilizados do mundo.
A nova associação de caridade está sob os auspícios do Instituto de
Proteção e Assistência à Infância do Paraná, e tem a sua sede à Av. Luiz
Xavier, n.14 (sobrado). (“Gazeta do Povo”, 07/03/1921, p. 3)

A partir de então, o jornal começa a publicar quase que diariamente o reclame


do Dispensário, na seção de anúncios, informando endereço e o horário das
consultas gratuitas diárias. Ainda no mês de março a Gazeta publica a “relação dos
donativos feitos à útil instituição”, uma lista dos donativos recebidos, que incluíam
caixa de leite condensado, toucas de crochê, e vestidos de meninas, com nomes
completos de quem os doou, e separadamente a listagem das doações em dinheiro,
com nome do contribuinte e valor. Mais uma vez o periódico se coloca como
intermediador, ao encerrar aquela matéria com o lembrete de que “qualquer auxílio
ou qualquer donativo destinado ao útil Instituto, em boa hora fundado nesta cidade,
64
pode ser entregue na redação de nosso jornal” . Além do tom sempre elogioso da
Gazeta do Povo à nova entidade, o próprio Dr. Moncorvo Filho saúda o IPAIPr por
telegrama, pela fundação da filial em Curitiba 65. Em 31 de maio, as resoluções da
reunião do dia anterior foram apresentadas aos leitores, sendo a principal a
denominação de „Dispensário Dr. Leão‟, “uma proposta aceita por todos os
presentes, que viram nisto uma justa homenagem àquele que foi o primeiro nesta
66
capital a organizar um dispensário para as crianças pobres” . No mesmo ano, após
uma visita ao Instituto pelo deputado Álvaro Emílio Cerqueira Lima, este faz públicas
suas impressões elogiosas através da Gazeta, e associa claramente o trabalho ali
realizado com as criancinhas ao futuro de prosperidade do país:

Não há título mais valioso do que fornecer à Pátria, ou antes, reintegrar ao


seu seio, futuros homens que, sem proteção necessária e os socorros da

64
“Gazeta do Povo”, 23/03/1921, p.2.
65
A respeito da criação do instituto de Proteção e Assistência à infância do Rio de Janeiro, ver
capítulo 1.
66
“Gazeta do Povo”, 31/05/1921, p. 1.

42
medicina, não poderiam concorrer para o progresso do nosso querido
Brasil. (“Gazeta do Povo”, 15/10/1921, p. 1)

O Natal também se apresentava como um momento para se reforçar os atos


de caridade. Ainda no início de dezembro a “Gazeta do Povo” apresentou o
programa para as crianças pobres a ser realizado no dia 25 pela Cruz Vermelha,
uma matinê que se iniciaria às três horas da tarde, e depois da projeção do filme, iria
se distribuir entre as crianças “brinquedos e objetos de caridade”. A antecipação da
notícia se dava pelo fato de as crianças que desejavam participar terem que retirar
seu cartão de participação previamente na instituição. No dia 26 de dezembro a
“Gazeta do Povo” retorna com os resultados deste e de outros eventos organizados
em torno da data natalícia, sob o título “Natal dos pobres – A caridade curitibana
mostrou-se ontem em toda a sua dedicação”. Sobre o evento da Cruz Vermelha, o
boletim da festa apresentou que se registraram 560 crianças entre um a dez anos de
idade, e que cada uma recebeu um brinquedo e um cartucho de doces, que continha
balas, bombons, nozes e amêndoas, além da instituição ter enviado para os
quarenta órfãos do Cajuru igual número de brinquedos e doces.
A respeito do “Natal do Dispensário e do Orfanato”, um festival realizado no
Teuto Brasileiro em prol das obras de caridade do Dispensário São Vicente e do
Orfanato São Luiz Gonzaga, “A República” publica:

A caridade em ação. Se bem que a nossa sociedade tão distintamente


saiba corresponder aos esforços que as Damas de caridade
constantemente desenvolvem no sentido de tais obras de justo e oportuno
socorro aos necessitados, ainda assim lhe fazemos nesta ocasião um
especial apelo para que agora concorra com o máximo de seu prestígio
para o festival anunciado, que tem por desideratum promover o “Natal do
Dispensário e do Orfanato”, minorando dessa arte, em época tão propícia à
caridade, os sofrimentos daqueles que dependem da assistência dos seus
semelhantes. (“A República, 18/12/1920, p. 2) (grifo meu)

Dessa maneira, o Natal era considerado uma data especialmente favorável à


caridade. Nos exemplos demonstrados, a Cruz Vermelha, junto a seus associados e
apoiadores, se encarregou de montar um evento para crianças pobres em geral, que
envolvia exibição de filme (provavelmente algo bastante inovador para a época) e
distribuição de doces e brinquedos, desde que seguissem a norma do pré-cadastro.
Já as “Damas de caridade” que trabalhavam em prol do Dispensário São Vicente e
do Orfanato São Luiz Gonzaga, aproveitaram da aura solidária do período devido à

43
época natalina para realizar mais um evento em benefício das citadas instituições,
contando com a sensibilidade natalícia para atenuar “os sofrimentos daqueles que
dependem da assistência dos seus semelhantes”.
Não podemos deixar de apontar neste estudo, que a participação nos
variados eventos beneficentes constituía em uma marca de distinção para a elite.
Como ajudar desamparados deixou de ser apenas uma virtude cristã, para
transformar-se, sobretudo em um valor social, estar envolvido em causas
filantrópicas conferia prestígio e notoriedade, conforme noticiou a “Gazeta do Povo”
acerca do realizado festival da Cruz Vermelha, afirmando que havia sido uma tarde
67
encantadora, e notou-se ali “grande parte da nossa elite social” . Em outro
momento, a respeito do Vesperal da Maternidade, o mesmo jornal noticiou que “foi
uma reunião altamente elegante. A ela compareceu todo o nosso mundo chic” 68. No
balanço do já citado “Natal do Dispensário e do Orfanato”, o periódico destaca as
grandes personalidades que prestigiaram o acontecimento:

Festival de beneficência. (...) foi numerosa e seleta a concorrência que


afluiu no Teuto Brasileiro para levar o seu obulo e o conforto da sua
caridade às criancinhas desamparadas pela sorte. Destacavam-se S. Exa.
o Sr. Dr. Munhoz da Rocha, presidente do Estado; D. João Braga, bispo
diocesano; general Ferreira Neto, comandante da circunscrição militar, Dr.
Martins Camargo, secretário geral do Estado; Dr. Albuquerque Maranhão,
chefe de polícia; altas autoridades, jornalistas, pessoas de destaque social.
(“A República”, 20/12/1920, p.1) (grifo meu)

Finalmente, várias foram as maneiras de se realizar eventos beneficentes e


de se praticar a filantropia, além das já apresentadas, organizados por comissões
específicas em prol do Asilo São Luiz, da Cruz Vermelha Paranaense, do Instituto de
Proteção e Assistência à Infância, e da Maternidade do Paraná, no qual se destacou
a atuação da “Associação de Damas de Assistência à Maternidade e à Infância”. Em
outubro de 1920 o colégio Divina Providência organizou um festival em benefício dos
órfãos do Asilo São Luiz, que consistia na representação de um drama em dois atos
69
. No ano seguinte, o teatro Guaíra abrigou o concerto vocal e instrumental que os
maestros brasileiros Antônio Melilo e Santino Giannattasio promoveram em
benefício total do Hospital das Crianças da Cruz Vermelha70. Entretanto, havia

67
“Gazeta do Povo”, 07/06/1920, p. 3
68
“Gazeta do Povo”, 22/11/1920, p. 2
69
“Gazeta do Povo”, 25/10/1920, p. 1.
70
“Gazeta do Povo”, 30/04/1921, p. 1.

44
também eventos que não eram de todo filantrópicos, mas destinavam uma parte do
arrecadado para doação, como ocorreu com a pianista Maria Carreras, que entregou
à tesoureira da Maternidade, Isabel Gomm, 200$000, “parte que coube do concerto
que a grande artista realizou no dia dezenove do corrente, em benefício parcial da
71
benemérita instituição” , e teve nota publicada na imprensa. Destarte, também
ocorriam eventos beneficentes que dividiam as arrecadações entre duas ou mais
instituições, como foi o caso do festival realizado em setembro de 1920, dedicado à
Associação Esportiva do Paraná e Universidade do Paraná, sendo que uma parte da
renda seria oferecida à Maternidade72.
Os eventos eram realizados em vários pontos da cidade, mas sempre em
lugares bem localizados e pertencentes ao imaginário coletivo curitibano como locais
de distinção, como o teatro Guaíra, o Teuto Brasileiro, a Sociedade Thalia e o
Passeio Público, e sempre com o franco apoio da imprensa local, conforme
conseguimos averiguar. De acordo com Leite, “noticiando reuniões, festivais,
enfatizando a civilidade como sendo um dos elementos presentes nos ambientes do
evento, publicando ainda notas sobre doações e doadores, a imprensa contribuía
para a promoção sócio política da elite” 73.
Finalmente, em 1925, ao invés de eventos individuais para cada entidade
filantrópica, foi instituído o Dia da Caridade 74, um grande festival que dividiu os
lucros entre a Santa Casa de Misericórdia, Sociedade Socorro aos Necessitados,
Maternidade do Paraná, Orfanato São Luiz, Associação das Damas de Caridade,
Cruz Vermelha Brasileira, Asilo Cajuru, Instituto de Proteção à Infância do Paraná e
75
Albergue Noturno . Destarte, acompanhamos pela imprensa a inauguração do
edifício da Maternidade. A estréia se daria em março de 1930, mas um mês antes foi
noticiado que haveria a colocação de um quadro, em lugar de destaque, com os
“nomes das pessoas beneméritas que concorreram para a construção com a quantia
de 1:000$000 para mais, o que seria uma demonstração de reconhecimento feita
76
pela congregação da Faculdade de Medicina à benemerência popular” .

71
“Gazeta do Povo”, 23/03/1921, p. 2.
72
“Gazeta do Povo”, 15/09/1920, p. 2.
73
AMARAL apud LEITE. p. 7.
74
“A República”, 12/11/25 p. 1
75
A instituição do “Dia da Caridade” não anulou os eventos particulares, mas concentrou em um só
dia um grande evento filantrópico destinado a ajudar várias entidades simultaneamente.
76
“A República”, 15/02/30 p. 8

45
A prática filantrópica foi consolidada como grande companheira dos médicos
77
no “processo de reeducação da sociedade” , já que naquele contexto ainda não
havia nenhuma política estatal voltada para a população menos favorecida. Desse
modo, as primeiras instituições brasileiras de amparo à saúde materno-infantil
surgiram em ambiente privado, e foram organizadas por médicos, religiosos e
principalmente, pelos grupos de mulheres. E quando finalmente o Estado tomou as
rédeas desse auxílio, já se deparou com um modelo pronto de assistência à
maternidade e à infância, modelo este que já vinha sendo utilizado por instituições
particulares há pelo menos meio século78.

77
AMARAL, op. cit,. p. 3.
78
BOSCO, Ana Paula Winters. Políticas de proteção à maternidade e à infância no Paraná: o
Departamento Estadual da Criança (1947). Anais do VII Seminário Fazendo Gênero. 28, 29 e 30 de
agosto de 2006. pp. 2-3.

46
Capítulo 3

O discurso puericultor nas páginas da imprensa curitibana

Este capítulo destina-se à apresentação dos resultados principais desta


pesquisa, ou seja, a puericultura, enquanto medicina e higiene preventiva, nas
páginas do jornal, buscando atingir e educar um número crescente de pessoas por
meio da imprensa. A primeira parte aborda as questões que teriam impulsionado o
debate acerca da infância como base da construção da nacionalidade, que ganhou
renovado fôlego na década de 1920, bem como os primeiros artigos médicos e
jornalísticos alarmantes sobre a mortalidade infantil na capital paranaense e alguns
conselhos para remediá-la. Em seguida, expõe as diversas propagandas do período
que se apresentam como auxiliares no desenvolvimento da criança, bem como
complementares na alimentação da mulher, grávida ou nutriz, e como se apropriam
do discurso científico para legitimar seus produtos. Posteriormente, foca as colunas
empreendidas pelo doutor Aluizio França, importante médico curitibano, e suas
concepções acerca da alimentação infantil, cujo erro foi considerado como principal
fator de obituário das crianças. Por fim, o capítulo apresenta o destaque dado pela
imprensa à inauguração do Hospital de Crianças, considerado um grande passo
para sanar a questão da morbi-mortalidade infantil em Curitiba.

Mortalidade infantil: um problema de que depende o futuro do país


Segundo Freire, o processo de valorização da infância no Brasil, baseado na
concepção de que o infante de hoje é o homem de amanhã, devendo por isso ser
adequadamente amparado, encontraria seu apogeu na década de 1920, quando,
dentre outros elementos, ganhariam renovada força a valorização social da ciência,
bem como movimentos sociais como o nacionalismo e os movimentos feministas 79.
De fato, percebemos que publicidade e artigos voltados à criança aumentaram à
medida que se adentrava na década de vinte. Destarte, “o crescente quantitativo de
80
matérias que versavam sobre a maneira científica de cuidar das crianças”
confirma o interesse dos leitores na questão.

79
FREIRE, Maria Martha de Luna. Mulheres, mães e médicos. Discurso maternalista em revistas
femininas (Rio de janeiro e São Paulo, década de 20). Tese (doutorado em História das Ciências e da
Saúde), FIOCRUZ, Rio de Janeiro, 2006. p. 15.
80
Idem, p. 309.

47
O primeiro Congresso Brasileiro de Proteção à Infância (CBPI) foi realizado
conjuntamente com o Terceiro Congresso Americano da Criança, no Rio de Janeiro,
no segundo semestre de 1922. Idealizado pelo Departamento da Criança no Brasil e
presidido pelo médico Arthur Moncorvo Filho, o Primeiro Congresso buscou
capitanear os debates do ponto de vista social, médico, pedagógico e higiênico,
dando especial destaque as relações que envolviam os papéis a serem
desenvolvidos pela família, pelo Estado e pela sociedade. O Congresso foi dividido
em cinco seções temáticas: Sociologia e Legislação - particularmente em relação à
família e à coletividade; Assistência - em relação à mulher grávida, mãe ou nutriz,
às crianças da primeira e da segunda idade; Pedagogia – especialmente em
relação à psicologia infantil e à educação física, moral e intelectual, inclusive a
educação profissional; Medicina Infantil – pediatria em geral, cirurgia, ortopedia e
fisioterapia; Higiene – eugenia, higiene privada da primeira e da segunda infância,
estudo da química alimentar da criança da primeira idade, higiene pública,
principalmente das coletividades, sobretudo a higiene escolar 81. Segundo Camara,
ao estabelecerem a composição das seções, os intelectuais elegeram temas
norteadores das discussões, a partir dos quais, consideravam possível arquitetar um
programa capaz de diagnosticar, prescrever e curar a infância. Destarte, o
Congresso foi concebido como centro congregador de homens de ciência de várias
regiões do país e como foro privilegiado de intercâmbio institucional e propaganda
de idéias e modelos instituidores do Brasil do amanhã. Seja como sementeira de
idéias, seja como espaço de circulação e apropriações de concepções e projetos
para o país, o Congresso ratificou a representação da criança como esteio fecundo
da nacionalidade82.
A iminência do Congresso, que teve o lançamento do projeto de realização
em 1919, juntamente com os fatores já mencionados no segundo parágrafo,
impulsionam a discussão sobre a questão da infância em várias modalidades, e
entre elas a imprensa. Paralelo aos preparativos para o CBPI, recorrentemente
83
noticiado pelos periódicos , deparamo-nos com longos artigos de primeira página

81
CAMARA, Sônia. Sementeira do amanhã: o Primeiro Congresso Brasileiro de Proteção à Infância
e sua perspectiva educativa e regenerada da criança.
Disponível em: www.faced.ufu.br/colubhe06/anais/arquivos/66SoniaCamara.pdf
Acesso em: 12/06/2010.
82
Idem.
83
Nos jornais eram transcritos os telegramas de comunicações entre o presidente do Congresso,
Moncorvo Filho, e os representantes dos estados participantes.

48
sobre a mortalidade infantil. No início de janeiro de 1921, após divulgar a relação
das crianças falecidas na capital em apenas dez dias – dezesseis óbitos de bebês
numa faixa etária que varia entre 26 dias e 2 anos – a Gazeta do Povo aponta que
sete dos falecimentos, quase metade do total, ocorreram por gastroenterite. Depois
da constatação, o periódico afirma que “torna-se necessário agora que em toda a
parte haja o máximo cuidado na alimentação das crianças”, e “entre os preceitos
mais aconselháveis estão os do Dr. Mário Motta, de Porto Alegre”, do qual o jornal
realiza a transcrição:

Em primeiro lugar, é necessário banir o hábito, aliás muito corriqueiro entre


nós e extremamente funesto, de desmamar as crianças no verão. É o calor
que constitui a causa primordial da mortalidade infantil nesse tempo, e o
calor age assim, maleficamente, quebrando a resistência do organismo por
uma lado e, por outro, produzindo a fermentação dos alimentos e
notadamente do leite de vaca, o sustento habitual dos pequeninos.
Em segundo lugar, é preciso evitar a sobrecarga alimentar, isto é, não dar
comida em excesso; é mister, ainda, escolher cuidadosamente os
alimentos, evitando as substâncias de difícil digestão, as frutas verdes e
passadas, os pratos incompatíveis com uma idade muito nova; a água de
beber deve ser filtrada ou fervida e as horas da refeição regularizadas de
modo a permitirem o repouso do estômago. É necessário, ainda, trazer
num asseio irrepreensível, lavando de preferência com água fervendo, as
mamadeiras, os bicos e as chupetas e evitar também, de dar ao pequeno
restos de leite que tenham ficado algumas horas no fundo da mamadeira.
O leite deve ser sempre muito bem fervido, conservado em vasilhas de
absoluta limpeza e guardado em frigorífico ou, na falha deste, em lugar
fresco. (“Gazeta do Povo”, 11/01/1921, pp. 1 e 2)

A Gazeta finaliza seu artigo assinalando que “à Higiene Municipal cabe


grande parte do combate do mal, fiscalizando, como ela está fazendo, o leite, até em
outros alimentos”.
Como observamos neste e em artigos posteriores, a preocupação com o
desmame no verão é bastante intensa, pois o calor era considerado como grande
agente maléfico, que diminuía a resistência do organismo e ocasionava a
fermentação do leite de vaca, apontado como sustento habitual dos pequenos.
Desaconselhando o desmame, o jornal indiretamente apregoava o aleitamento
materno, pois o leite humano estava sempre pronto, bem conservado e na
temperatura ideal, e o calor ou frio intenso não prejudicaria sua composição. Em
seguida a transcrição aconselha acerca da alimentação do infante e dos cuidados
higiênicos a serem dispensados com mamadeiras, bicos e chupetas.

49
A inquietação neste período em relação à mortalidade infantil estava tão
latente, que já no dia seguinte a Gazeta do Povo publica novo artigo sobre a
temática, apresentado três principais causas para as fatalidades:

A mortalidade infantil. Confrange o coração do observador imparcial,


mesmo leigo em assuntos de medicina, o que se passa em nossa terra
com relação à mortalidade infantil. Haverá por aí um brasileiro digno desse
nome, que não se comova à simples vista das estatísticas fornecidas pela
saúde pública? Cremos bem que não. Semanalmente, lá vem o fatal
comunicado, cuja leitura não deixa dúvidas quanto ao futuro de grande
parte das criancinhas recém nascidas, nesta terra, tão generosa para
alguns de seus filhos e madrasta para aqueles que, exatamente, mais
necessitam de assistência e proteção.
Sabidamente, três causas principais concorrem para aumentar a
mortalidade infantil, como muito bem assinalaram os nossos colegas do
„jornal‟: 1) ausência de instrução geral no grosso da população, a maior
vítima do atual estado de coisas; 2) custo fabuloso dos produtos,
especialmente destinado à alimentação das crianças; 3) fiscalização,
demasiado benevolente, do leite fresco. Destas causas primordiais, a
última sobretudo é a que mais peso faz no aumento sempre crescente da
cifra mortuária infantil. (“Gazeta do Povo”, 12/01/1921, p. 1)

Após apresentar as causas consideradas principais, o editor acrescenta que


mesmo na Europa, “onde o gado leiteiro é de melhor raça que o nosso, onde
existem campos de pastagens magníficos e onde a fiscalização do leite é um fato,
pois assim mesmo, com todas essas garantias, o consumo do leite de vaca, fresco,
como base da alimentação infantil, vai sendo gradualmente substituído pelo leite
condensado, a conselho dos próprios médicos especialistas”. Para endossar a idéia
de que “o leite condensado é classificado como o melhor entre os melhores
alimentos infantis”, o jornal apresenta nomes como o professor Langstein, de Berlim,
e Variot, Lassabliére e Neiter, de Paris, todos apontados como “grandes nomes da
pediatria contemporânea e que fazem ressaltar a superioridade notável do leite
condensado „Moça‟, sobre quaisquer outros alimentos destinados a coadjuvar a
alimentação das crianças ao seio materno, ou substituí-la inteiramente, na época do
desmame normal”. Dessa forma, depois de apontar que a fiscalização do leite
animal possuía falhas que influenciavam diretamente no aumento da mortalidade
infantil, e que mesmo no “avançado” continente europeu o leite de vaca estava
sendo substituído pelo leite condensado, o jornal apresentava a utilização deste
como solução para o sistema deficitário de fiscalização do leite e também como sinal
de modernidade e progresso, já que empregado numa região considerada de
primeiro mundo.

50
A crescente preocupação com a mortalidade infantil é particularmente visível
no ano de 1921, quando inúmeros artigos de aconselhamento preventivo sobre a
questão são publicados, diferentemente do que ocorria até o ano anterior, que
focava principalmente as práticas benemerentes de assistência à infância. Desse
modo, ainda em janeiro de 1921 a Gazeta assegura que “alguns preceitos do diretor
do Serviço Sanitário nunca é demais frisar e propagar, sem intuitos de alarme
embora, necessidade de encararmos seriamente, como um problema de que
depende o futuro do país, a questão da natalidade em suas diversas fases e
conseqüências”. A seguir, publica os conselhos do Dr. Victor do Amaral, então
diretor do Serviço Sanitário:

As grasto-enterites incriminadas, entre nós, predem-se a influências


meteorológicas; são as diarréias estivais, que vêm atraído a atenção da
classe médica em climas idênticos ao nosso, como Petrópolis, São Paulo,
Porto Alegre, etc. São devidas à mais fácil deterioração dos alimentos, e
principalmente ao leite de vaca, pelo calor do estio, que atua também
diminuindo a resistência orgânica do infante.
Junte-se a isso a ignorância das mães, alimentando sem método seus
tenros filhinhos, sobrecarregando os estômagos infantis e ministrando-lhes
imprudentemente alimentos inadequados à sua capacidade digestiva.
Evitando-se esses inconvenientes, é também de boa regra zelar-se com
mais carinho pela pureza e boa conservação do leite, não se descurando
do escrupuloso cuidado de asseio das mamadeiras e outros recipientes do
leite, que necessita ser fervido, uma e mais vezes por dia, para a
esterilização dos germens de fermentações, tão fácil de proliferarem.
É de toda conveniência evitarem as mães desmamar seus filhos durante o
verão, não havendo perigo, para eles, mamarem, mesmo que nela
sobrevenha uma nova gravidez.
Convém abandonar o funesto uso dos bicos secos, ou chupetas, que só
podem ser tolerados nos seis primeiros meses da vida infantil, desde que
sejam mantidos em irrepreensível asseio, passados sempre em água
fervendo ou ao menos em água fervida.
(“Gazeta do Povo”, 28/01/1921, p.1, destaques meus)

Ora, esta declaração é pioneira dentre as verificadas ao apontar a ignorância


das mães como fator de risco à criança, ao lado da má conservação do leite e da
falta de higienização dos utensílios. Ademais, novamente é assinalada a
preocupação com o desmame no verão e suas conseqüências, e o Dr. Vitor do
Amaral assegura que não há perigo para os bebês mamarem mesmo diante de uma
nova gravidez de sua mãe.
Em novembro de 1921, com a proximidade do verão, retornam as
recomendações sobre alimentação infantil e os cuidados especiais a serem tomados
nessa época do ano. Desta vez, são publicados os conselhos da diretoria do Serviço

51
Sanitário, em oito tópicos. O leite, sua qualidade, seu estado de conservação, a
higiene das mamadeiras e vasilhames, o horário das amamentações, o não
sobrecarregamento do estômago da criança, além dos recursos para as crianças
pobres formam o conteúdo deste bem elaborado discurso.

As mães, pela saúde das crianças – A alimentação infantil no verão.


Agora vamos atravessando a estação quente. E no intuito de lembrar a
todos as mesmas medidas para evitar o aparecimento das moléstias do
aparelho digestivo, as nossas autoridades sanitárias fazem divulgá-las
novamente, convictas de que todas as mães principalmente as cumprirão à
risca, em benefício da vida de seus filhinhos.
“As medidas higiênicas”
1. As mães devem fazer todo o possível para amamentar seus filhos
que só em casos especiais devem ser nutridos por uma ama mercenária ou
por leite fresco de vaca ou mesmo por leite condensado do comércio.
2. O seio ou a mamadeira só deve ser dado de duas em duas horas ou
de três em três horas, conforme a idade da criança, a fim de haver tempo
para o estômago fazer a digestão.
3. As mães devem, quando possível, evitar de desmamar a criança
durante o verão, mesmo que uma nova gravidez sobrevenha nesse tempo.
4. O leite de vaca, que é o mais comumente usado, deve ser fervido por
aquecimento direto ou em banho-maria, e guardado em vasilhas
rigorosamente limpas, ao abrigo da poeira, em lugar fresco ou em
pequenas câmaras frigoríficas. Nos dias de maior calor deve se ferver o
leite não só de manhã, como também à tarde.
5. As mamadeiras e bicos devem ser rigorosamente lavados e passados
em água fervendo, e se evitar a contaminação e subseqüente fermentação
do leite.
6. Quem não puder esterilizar o leite em casa pode recorrer ao produto
da “Gota de Leite”, instituição mantida pela Câmara Municipal de Curitiba, à
Rua Ermelino de Leão.
7. No tempo das frutas (pêssegos, uvas, ameixas, etc.) só se deve
comê-las bem maduras e evitar de dá-las às crianças de tenra idade.
8. Os doentinhos de moléstias gastrointestinais devem ser medicados
logo em começo, havendo para os pobres o consultório do Hospital de
Misericórdia, o ambulatório infantil da Cruz Vermelha, à Rua Barão do Rio
Branco, e o consultório do Instituto de Assistência e Proteção à Infância, à
Rua Alegre. (“Gazeta do Povo”, 15/11/1921, p. 1)

“Filhos fortes e sadios”: a propaganda se apropria do discurso médico


A apresentação do leite condensado84 como coadjuvante na amamentação ou
mesmo substituto desta, logo seria uma prática recorrente com outros produtos,
sobretudo farinhas destinadas a crianças e convalescentes. A “Farinha de cereais
Maltada” expôs a primeira imagem encontrada de um bebê “reinando sozinho” na
publicidade.

84
A fabricação do leite condensado iniciou no final do século XIX, na Suíça.

52
“Gazeta do Povo”, 16/12/1920, p.2

Em outro anúncio, a “Farinha de cereais maltada” enriquece sua propaganda,


com informações e indicações mais detalhadas sobre o produto:

Para crianças, depois do quinto mês, não há melhor alimento, pois contém
um conjunto completo para o desenvolvimento do organismo; aí encontrará
o novo ser, debaixo de uma forma facilmente assimilável, tudo que é
preciso para fortalecê-lo; nenhum outro alimento pode ser comparado à
Farinha de Cereais Maltada “Medeiros”.
Não só as crianças aproveitarão com seu uso, mas todos os
convalescentes e pessoas fracas e depauperadas.
(“Gazeta do Povo”, 01/11/20, p. 3)

A seguir, a propaganda faz a transcrição do que notáveis médicos dizem a


respeito do alimento, utilizando do valor da ciência para a legitimação de seu

53
produto. Encontramos também anúncios de “Creme infantil”, com epígrafe de “a
85
salvação das crianças” , apesar de indicado também para adultos doentes,
convalescentes e debilitados, e “Farinha Colombo”, recomendada para crianças e
convalescentes da gripe 86.
A partir de dezembro de 1920 a Nestlé começa a publicar na Gazeta do Povo
um reclame intitulado “Mães Carinhosas”, no qual adverte às mães enviarem seus
dados pessoais ao endereço indicado para receberem gratuitamente “o livro de um
médico especialista sobre a higiene alimentar de vossos filhos” 87. O anúncio é
publicado diariamente até que em fevereiro é reforçado pelo jornal, que afirma ter
lido os livros e os sugere às mães:

“Para as mães” – “Da alimentação e cuidados” – Dois livros úteis e


interessantes. Recebemos da Companhia Nestlé, por intermédio do seu
representante Sr. Jorge de Faria, atualmente de passagem por esta cidade,
os dois volumes acima indicados que lemos com o prazer e a atenção de
que são merecedoras as obras verdadeiramente úteis.
Na campanha em benefício da infância no Brasil, a Nestlé não tem
poupado esforços nem sacrifícios para vulgarizar entre as mães os
conhecimentos de higiene indispensáveis à criação de homens fortes e
robustos.
Muito estimaríamos que todas as mães paranaenses pudessem ler esses
manuais de puericultura: atendendo o nosso apelo nesse sentido a Cia
Nestlé gentilmente põe à disposição de nossas leitoras alguns exemplares
das referidas obras e para obtê-las, gratuitamente, bastará enviar nome e
endereço a Companhia Nestlé, caixa de correio 760, Rio de Janeiro.
(“Gazeta do Povo”, 25/02/1921, p. 3)

Em 1925 a questão da alimentação continuava se expandindo, e a Nestlé


lança um novo produto, amplamente divulgado pela imprensa:

Mais um produto Nestlé à venda no Brasil – Farina Milo – dextrinada,


maltada, sem adição de leite nem açúcar. Alimento dextrinado e maltado
para enriquecer o leite destinado às crianças. Produto dietético para
crianças e adultos nos casos de afecções gastrointestinais.
À venda nas principais drogarias e farmácias. Os senhores médicos que
desejarem receber uma brochura a respeito queiram pedi-la a “Companhia
Nestlé”. Caixa Postal 760, Rio de Janeiro.
(“Gazeta do Povo”, 05/01/1925, p. 7)

Neste reclame da nova farinha para misturar ao leite das crianças para
fortalecê-lo, percebemos também a parceria com os médicos, que poderiam receber
um encarte sobre o novo produto. Segundo Amorim, a fábrica da Nestlé se instalou
85
“Gazeta do Povo”, 28/10/1921, p. 5
86
“Gazeta do Povo”, 25/07/1921, p. 3
87
“Gazeta do Povo”, 31/12/1920, p. 3

54
no Brasil em 1921 e foi primeira empresa multinacional de leite em pó. Com o
objetivo de influenciar a formação de profissionais de saúde, especialmente
pediatras, montou uma parceria com os profissionais de saúde, que abrangia
estímulo a produções acadêmicas, premiando os melhores trabalhos na área de
Puericultura e Pediatria; distribuição de amostras de produtos para os pediatras,
acompanhados de folhetos explicativos e orientações sobre a composição química
dos alimentos; patrocínio de eventos científicos, até financiando a participação de
profissionais. A partir da década seguinte suas propagandas incorporaram a figura
do médico como avalista do produto, associando-o à ciência88.
Nas propagandas de 1925, encontramos um novo produto com reclames
recorrentes e bem elaborados: a Aveia Quaker Oats. Cada aparição da aveia
possuía texto e imagens diferentes, que objetivava alcançar um público
diversificado. Desta forma, encontramos o produto sendo indicado para crianças
depois de um dia de estudos no colégio, para repor as energias gastas com o
esforço mental; para lutadores de boxe, o “sport viril por excelência”, que exigia vigor
muscular, resistência à dor física e ao cansaço; aos homens que ganhavam a vida
por meio do “debilitante trabalho intelectual”, que deviam cuidar de seu cérebro,
alimentando-se convenientemente; aos jogadores de futebol, esporte considerado
violento e que necessitava de músculos fortes, grande energia e absoluta resistência
à fadiga.
A maleabilidade dessa publicidade é exemplificada através do anúncio a
seguir, que contém imagem de pai, mãe, filho e avó, reunidos na sala de estar, num
momento de aparente bem estar familiar.

A todas as pessoas da família será altamente benéfico um prato da aveia


Quaker Oats todos os dias.
É ideal para a criança porque contém todos os dezesseis elementos
necessários ao desenvolvimento perfeito do organismo em formação. Ideal
é para a mãe porque conserva a sua saúde e sua beleza. Ideal para o pai
porque lhe fornece as energias cerebral e muscular, necessárias ao seu
trabalho, e ideal para a avó por ser altamente nutritivo e de facílima
digestão.
Em milhões de lares a Aveia Quaker é hoje o alimento favorito. Porque não
é o seu? (“Gazeta do Povo”, 13/02/1925, p. 6)

88
AMORIM, Suely Teresinha S. P. Alimentação Infantil e o Marketing da Indústria de Alimentos.
(Brasil, 1960-88). Tese (Doutorado em História) - Universidade Federal do Paraná, 2005.

55
Das propagandas que se dirigem diretamente às crianças pequenas, o
reclame elabora um discurso em que a aveia se torna imprescindível para o
organismo em formação, conforme o exemplo a seguir:

Quer que seus filhos cresçam fortes e sadios? Dê-lhes, todos os dias, sem
falta a nossa Aveia Quaker Oats. É para eles o alimento ideal porque
encerra todos os dezesseis elementos indispensáveis ao desenvolvimento
do organismo. Enriquece o sangue, revigora o cérebro, fortalece os
músculos e recalcifica os ossos.
Possui o dobro do valor nutritivo da carne e o triplo do arroz, com a
vantagem de ser de digestão muito fácil.
Em milhares e milhares de famílias Quaker Oats é o alimento preferido nas
refeições da manhã e à merenda, todos os dias. Adote-o também em sua
casa para toda a família. (“Gazeta do Povo”, 29/01/1925, p. 3)

Outro exemplo desta propaganda destinada à criança inicia com a imagem de


muitas crianças brincando ao ar livre. O discurso publicitário ressalta que as crianças
precisavam se desenvolver, correr, saltar e brincar livremente. “O exercício ao ar
livre e uma alimentação adequada são indispensáveis para que eles cresçam sadios
e robustos. Dê-lhes, todos os dias, às refeições um prato da deliciosa Aveia Quaker
89
Oats” . Ainda, o produto reconhecia ser natural nas crianças o desejo de comer
doces, mas alertava que em excesso estes seriam prejudiciais. Portanto,
recomendava um prato de Aveia com açúcar e leite todos os dias, que “além de
satisfazer plenamente o desejo da criança, proporciona um alimento completo que
lhe fortifica os ossos, desenvolve os músculos e fornece uma energia extraordinária
90
sem fatigar o estômago” . “Prefiro isto às gulodices”, é simultaneamente o título
desta publicidade, e a fala da garota propaganda, uma menina de aproximadamente
sete anos, ponderação que sugere que a própria criança reconhecia a superioridade
da Aveia frente a outros alimentos açucarados e com poucos nutrientes.
Mas o grande emblema do discurso puericultor encontrado nas publicidades
da Aveia Quaker Oats deste período são duas propagandas específicas, que
apresentam a Aveia como auxiliar na amamentação, intituladas “Desde Já” e “Para
ambos”. A primeira é direcionada à mulher grávida, “ansiosa” por gerar uma criança
perfeita e saudável, feito, porém, que só dependia da capacidade dela:

89
“Gazeta do Povo”, 20/02/1925, p. 4
90
“Gazeta do Povo”, 14/11/1925, p. 3.

56
(“Gazeta do Povo”, 22/08/1925, p. 2,)

Já a propaganda “Para ambos”, com uma simbólica imagem de mulher-mãe


com o bebê no colo, ambos sorridentes e robustos, se direciona às lactantes, pois
segundo o discurso, “os médicos recomendam às mães que durante o período da
57
amamentação tomem todos os dias um prato de tão magnífico alimento. Deste modo
proporcionará a seu filho um leite rico dos elementos necessários a um perfeito
91
desenvolvimento” . Ademais, para auxiliar no exercício da amamentação, alguns
preparados medicinais que afirmavam serem excitantes da secreção láctea foram
produzidos e apregoados através da imprensa, como o exemplo a seguir:

Filhos belos e robustos só conseguem quem usa o Lactífero – Tônico


estimulante da secreção láctea. 3 a 6 frascos por mês, durante o
aleitamento, proporcionam às mães a felicidade de poderem amamentar
seus filhos ao próprio seio. Muito útil também durante a gravidez, livra dos
maus sucessos, auxilia a vitalidade da criança e prepara as glândulas
mamárias. (“Gazeta do Povo”, 07/08/25, p. 2, destaque meu)

A já citada em capitulo anterior Emulsão de Scott, do mesmo modo que a


Aveia Quaker Oats, apresenta uma propaganda maleável, que se flexibilizava de
acordo com o público alvo que desejava atingir naquele momento, sempre com texto
e imagem bem articulados. Desse modo, era indicada para tosses em geral; para
idosos, que percebiam que “Boa saúde é uma benção”, pois quanto mais se avança
na idade, mais se percebe como a saúde é um bem precioso, que deve ser
fortificado; “Na primavera e no outono da vida”, para homens e mulheres após os 40
anos; e muitas vezes se utilizando de alguma autoridade para legitimar seu produto,
como a imagem de um professor, que desenha no quadro negro o logotipo da marca
(um homem carregando um grande peixe) e pergunta a seus alunos quantos a
conhecem. Dos cinco discentes, quatro levantam a mão, e o único menino que não o
faz é justamente magrelo e abatido, enquanto os demais são saudáveis e robustos,
prova da eficácia da Emulsão, que visa combater raquitismo, anemia e atraso no
crescimento. Outra publicidade explora a autoridade médica: a imagem mostra
homens e mulheres sentados e assistindo uma espécie de palestra, com o médico à
frente, de pé, e com um vidro da Emulsão de Scott na mão. Sua fala é emblemática:

91
“Gazeta do Povo”, 31/10/1925, p. 3.

58
“Gazeta do Povo”, 27/03/1925, p. 5

Em outro momento, com o título “Dá-a aos seus nenês?” a publicidade da


Emulsão dirige-se à figura da mãe, afirmando que as crianças sabem por instinto o
que lhe faz bem, e “as mães sabem que para os nenês é quase uma maravilha.
92
Nada se tem descoberto até hoje que seja tão bom para eles” . A imagem traz um
bebê sentado na cadeirinha de refeições, esticando as mãozinhas para alcançar o
vidro da Emulsão, que a mãe segura com uma mão, enquanto na outra traz uma
colher com o preparado para ministrar à criança.
A indústria farmacêutica Bayer também associou alguns de seus
medicamentos à proteção e fortalecimento da infância, discurso tão apregoado
93
nesse período. Sob título de “Grande espantalho das mães” , o discurso publicitário
situava a diarréia como causadora de grande número de mortes entre crianças, e,
portanto, considerada tormento entre as mães. Apontando a má alimentação como

92
“Gazeta do Povo”, 24/04/1925, p. 4.
93
“Gazeta do Povo”, 04/01/1930, p. 4.

59
uma das causas da doença, adverte que a regularização daquela, juntamente aos
“recursos complementares” medicinais, ajustariam a situação.

Grande espantalho das mães. As diarréias infantis constituem o grande


espantalho das mães, visto serem responsáveis por grande número de
mortes. A maioria das diarréias infantis são devidas a erros de alimentação,
alimentos muito gordurosos, ou muito doces. Muitas vezes, porém, as
diarréias são reflexos de pyelite, de simples coriza ou de inflamação da
garganta.
Hoje em dia, não se curam mais diarréias com dietas excessivas, nem com
os prejudiciais xaropes, poções gommosas, mas sim medicamentos que
combatem as fermentações, como o Eldofórmio Bayer e os Caseinatos de
cálcio.
Os primeiros cuidados médicos segundo a medicina moderna, consiste em
afastar as causas e estabelecer um regime especial com pouca gordura e
pouco açúcar, sem enfraquecer o doentinho com dieta excessiva. O
Eldofórmio Bayer e os Caseinatos são os recursos complementares de
grande valor, sobretudo para combater as fermentações.
(“Gazeta do Povo”, 04/01/30 p. 5)

Em outro reclame, é a falta de instrução das mães que é invocada, alertando


que “muitas criancinhas padecem sede no verão por ignorância das mães. Algumas
94
chegam a ter „febre de sede‟, que só desaparece com alguns goles de água” .
Afirmando que também os adultos deviam tomar pelo menos um litro de água por
dia, “para manter o sangue no seu estado normal e a urina não se tornar muito
concentrada”, indicava que algumas semanas durante o verão seriam ideais tomar
uma ou mais limonadas feitas com o Helmitol da Casa Bayer, para auxiliar a
desintoxicação geral do organismo e para a desinfecção das vias urinárias. O
produto era especialmente recomendado aos bebês, cuja urina concentrada
manchava as fraldas. Dessa maneira, o discurso publicitário apropriou-se da
crescente concepção de culpabilização das mães pela saúde dos filhos para
promover seu produto para desintoxicação do organismo, receitado tanto para
adultos quanto para crianças.
Num outro momento, a indústria Bayer oferece seu moderno e científico
produto como substituto dos antigos sais de cálcio para auxiliar na erupção dos
primeiros dentes.

A dentição das crianças e os alimentos. É hábito muito antigo dar às


crianças de peito sais de cálcio a fim de facilitar o aparecimento dos dentes
e de evitar as complicações peculiares à dentição.

94
“Gazeta do Povo”, 12/01/1930, p. 4.

60
Muitas mães não dispensam essa medicação fortificante e a dão,
sistematicamente, a todos os filhos, misturada ao leite.
Verificou-se porém, há pouco tempo, que os sais de cálcio habitualmente
empregados não correspondem à expectativa, porque não são
aproveitados senão em ínfima percentagem. Para um sal de cálcio ser útil
faz-se mister que seja orgânico e se apresente sob a forma tal que se torne
perfeitamente assimilável, como se dá com a Candiolina Bayer, encontrada
nas farmácias sob a forma de gostosos bombons de chocolate, muito
apreciados pelas crianças.
O professor Levvinski e muitos outros médicos de Berlim, após numerosas
experiências ficaram grandes apologistas deste medicamento que aumenta
o peso, o apetite, a força e a vivacidade. Os dentes ficam mais fortes, as
cáries iniciais paralisam-se graças ao cálcio e ao fósforo contido na
Candiolina. As crianças e adultos devem, pois, usá-lo como “medicamento-
alimento”, indispensável à saúde, à robustez, à beleza e a solidez dos
dentes e do esqueleto em geral. Dr. R. Ferraz. (“Gazeta do Povo”,
30/08/25 p. 6, destaque meu)

Seu discurso, apresentando antigos hábitos como atrasados frente aos novos
conhecimentos, juntamente com a legitimação de um famoso médico estrangeiro,
além da assinatura de um médico local (Dr. R. Ferraz), apresenta uma boa tática de
convencimento das mães, que eram constantemente advertidas a deixarem as
remotas tradições de suas ancestrais e inserir-se no mundo da ciência e do
progresso. Ademais, a idéia de “medicamento-alimento” está em consonância com
outras propagandas. Nesse caso específico, o produto se apresenta como tal por ser
um remédio que se apresenta sob a forma de bombom de chocolate, portanto
remedia e alimenta. Já a Maisena Duryea, que já no título trazia a referência à
infância: “As crianças devem comer o que lhes faz bem”, focou seu discurso como
auxiliar no suprimento das necessidades nutricionais dos infantes, cuja deficiência
inevitavelmente prejudicaria o desenvolvimento do organismo infantil.

Podem fazer-se facilmente pratos com linda aparência e ainda melhor


gosto, com o emprego da Maisena Duryea. Pudins deliciosos. Manjar
branco como a neve, coberto das frutas da estação.
As crianças terão vontade de comer uma boa porção. E isto é bom, porque
a Maisena Duryea contém todas as qualidades nutritivas do milho
escolhido. Auxilia as crianças no crescimento e torna-as fortes e vigorosas.
Não aceitem substitutos. Usem somente Maisena Duryea - é melhor e
rende mais. (“Gazeta do Povo”, 15/10/1925 p. 2)

Outra publicidade, que não era de alimento nem de remédio, também


empregou a referência à infância para anunciar seu produto. Refiro-me a uma
câmara filmadora com o sugestivo nome de “Pathé-Baby”, que apesar das inúmeras
utilidades que poderia representar, decidiu sensibilizar o consumidor por meio dos

61
filhos, que teriam seu desenvolvimento registrado e eternizado de um modo
dinâmico, contrapondo a imagem estática produzida pela câmera fotográfica.

O cinema no lar - Pathé-Baby – Filmai vós mesmos. Até hoje a máquina


fotográfica limitava-se a gravar e lembrar a imagem dos vossos filhos
imóveis sem expressão de vida.
Agora a câmara Pathé-Baby vos proporciona o gosto, o prazer e a emoção
de ver os vossos filhos em todas as idades com os seus gestos
significativos, desde o seu sorriso brejeiro até a forma traquina de brincar.
V. S. pode sem conhecimento especial filmar qualquer acontecimento
interessante com o auxílio da câmara. Basta virar a manivela e a cena fica
gravada para sempre. Pathé-Baby.
(“Gazeta do Povo”, 29/04/1925, p. 3)

Já percebemos que a partir da década de 1920, a mulher-mãe era utilizada


pela propaganda como intermediária entre esta e a criança. Dessa forma, diversos
anúncios traziam, antes de tudo, a palavra “Mães!”, como um alerta para chamar a
atenção para seus produtos, com a palavra em destaque, escrita em letras grandes
e muitas vezes em negrito. Assim, no outono de 1925, encontramos o seguinte
reclame:

MÃES que tendes filhos pequeninos, preservai-os contra os rigores da


estação, um resfriado poder-se-lhes-a ser fatal.
Procurai hoje mesmo as nossas roupas de lã para bebês; aqui encontrareis
tudo de necessário ao seu conforto.
Vinde ver os nossos preços razoáveis e tudo que temos de prático e útil
aos vossos filhos. Maison Blanche, Rua XV de Novembro, n. 3.
(“Gazeta do Povo”, 23/05/25, p. 6)

Da mesma forma, encontramos no jornal A República a seguinte propaganda:


“Mães! Velais pela saúde de vosso filhinho! Não esqueceis que num ano morrem no
Brasil milhares de tuberculosos e sifilíticos. Pueris é o protetor da infância! Fortalece-
95
a, depurando-lhe o sangue” . Destarte, tal produto era indicado para crianças
débeis e de sangue fraco. Outro anúncio de medicamento utiliza a imagem da mãe o
ministrando à criança, com sua fala estratégica: “Filhinho: vamos tomar a última
dose de Peitoral de Angico Pelotense. Com menos de um vidro você ficou curado da
sua tosse e está comendo com apetite” 96.

95
“A República”, 5/1/1930, p. 12.
96
“A República”, 4/1/1930, p. 11.

62
Puericultura prática para educar as mães
Em 1930, nos deparamos com duas colunas médicas mantida pelo Doutor
Aluizio França97 no jornal “Gazeta do Povo”: “Terapêutica de Bolso”, e “Puericultura
Prática”. Enquanto a primeira tratava de assuntos diversos, principalmente
respondendo a dúvidas de adultos e seus males, a segunda, como o próprio nome
sugere, esclarecia sobre questões referentes à Puericultura, ou seja, medicina e
higiene preventiva de crianças na primeira infância. Apesar de o jornal anunciar que
as seções estariam presentes às quintas e domingos, (cada dia o doutor elucidaria a
respeito de uma seção), observamos uma certa irregularidade, com as colunas
publicadas em outros dias e mesmo misturadas em seu conteúdo.
Nosso foco nessa pesquisa é a seção “Puericultura Prática”. No subtítulo, o
autor dá as instruções para o envio de correspondências: “Antes de qualquer
informação sobre seu doentinho diga-me qual é a idade, o peso e a natureza da
alimentação. Depois, diga-me do que sofre”. Tal indicação se apresenta pelo fato do
doutor Aluizio acreditar que cada consulta deve ser individualizada, não funcionando
as indicações “por tabela”. Pelo que apreendemos, as pessoas com dúvidas em
relação à criança, geralmente a mãe, enviavam cartas ao doutor, que eram
respondidas através do jornal. No periódico, era publicada apenas a fala do
especialista, muitas vezes com o receituário de algum medicamento, que já incluía a
posologia.
A árdua defesa da amamentação por parte do doutor Aluizio, é exemplificada
através da seguinte citação:

Newton – Ponta Grossa. Não há leite melhor que o leite de mãe. Isso que a
senhora leu é reclame. Infelizmente, o que aconteceu, acontece
comumente às mães inexperientes: a senhora foi engambelada. Contudo,
ainda é tempo de salvar o seu Newtonzinho de maiores sofrimentos: volte a
amamentá-lo exclusivamente ao seio, cada 3 horas, até oito meses. Não é
necessário remédio. (...) As cólicas ficam inflamadas a passar com a
supressão das sopinhas que lhe ensinaram e as obras verdes vinde a
mudar de cor.
(“Gazeta do Povo”, 04/01/1930, p. 8, destaque meu)

Algumas vezes as mães escreviam como se fossem o próprio bebê, como


aconteceu com o exemplo acima, do Newton. Pelo que percebemos da consulta, a
mãe, por interferência alheia, modificou a alimentação da criança, o que ocasionou
97
O doutor Aluizio França foi uma importante personalidade da capital paranaense. Foi um dos
fundadores da Universidade Federal do Paraná, prefeito de Curitiba, um dos criadores do Hospital de
Crianças e pertenceu ao Instituto Histórico, Geográfico e Etnográfico do Paraná.

63
cólicas e mudança na cor natural de suas fezes. A classificando como mãe
inexperiente e fácil de iludir, o médico faz a prescrição mestra de suas consultas:
amamentação exclusiva ao seio até os oito meses de idade, a cada três horas.
O desaconselhamento de desmame no verão e os horários rígidos das
mamadas são observados na transcrição a seguir, que responsabiliza à mãe pelas
dores e esgotamento que sente, decorridas da falta de normas no aleitamento de
seu filho.

Rosa – Curitiba. Não aconselho absolutamente desmame no verão. A


senhora me informa que está muito fraca, que tem tonturas e dor nas
costas, o que não me estranha visto o desregramento com que seu filhinho
mama. Amamente, à hora certa 6, 9, 12, 15, 18 e 21, até oito meses, época
em que deve começar o desmame. Seu filhinho está com um excelente
peso: 6,5 Kgs, o que prova que seu leite é muito bom. Para que cesse a
sua fraqueza, a sua tontura e dor nas costas, receito-lhe: Licor de Pearson,
vinte gramas. Xarope de latosphophato de cálcio, trezentas gramas. Tome
uma colher de sopa no almoço e outra no jantar. (“Gazeta do Povo”,
12/01/30, p. 3)

A interferência negativa no tratamento com a criança, associada às comadres,


avós, vizinhas e amigas, era veemente criticada pelo pediatra. Uma semana após a
consulta via imprensa com o especialista, uma mãe retorna com as boas novas de
que seu filho estava enfim se desenvolvendo adequadamente. Ao que o doutor
Aluizio retorna:

Lilico – Curitiba. Engordou 50 gramas em uma semana?98 Bravos! Agora


não parará mais de engordar e de crescer... Acertamos. Até três meses o
mesmo regime. Depois amamente a cada três horas, das 6 da manhã às 9
da noite. Até oito meses. Evite a sabedoria de suas visitas e não dê ao
Lilico nada, nada do que lhe aconselharem... O curandeirismo doméstico é
uma praga mais perniciosa do que as doenças em si. Há senhoras que não
tem que fazer em casa e vivem a visitar as casas de doentes, para ensinar
remédios! São senhoras muito boas, muito relacionadas, muito... práticas,
mas muito perniciosas. (“Gazeta do Povo”, 16/01/1930, p. 1)

A duração da mamada 99 era outro aspecto do aleitamento materno que


gerava dúvidas. Quanto a isso, o doutor aconselhava que a criança deveria mamar
até saciar-se. Se ingerisse muita quantidade de leite não seria problema, pois seu
estômago, ao iniciar o trabalho da digestão, expeliria o excesso e o bebê
98
Para a mãe saber com exatidão a quantidade de peso que o bebê engordara em uma semana,
sem dúvida fez uso da “balança de peso”, instrumento que gradativamente adquiriu centralidade no
controle da saúde da criança, e que permanece até os dias atuais. Sobre o tema, falaremos mais
adiante, ainda nesse capítulo.
99
“Gazeta do Povo”, 18/01/1930, p. 8.

64
regurgitaria. Uma outra recomendação era não mudar a criança de seio antes que
este estivesse esgotado, pois o leite do início da mamada seria pobre em gordura e
calorias, enquanto o do final era mais denso e nutritivo. Dessa forma, se a mãe
trocasse de seio tão logo o aleitamento iniciasse, a “criancinha” emagreceria até
adoecer. Ora, percebemos que apesar da prática da amamentação ser apregoada
como função natural da mulher enquanto fêmea da família dos mamíferos, uma série
de regras normatizavam essa ação. Era a medicina intervencionista agindo como
reguladora de todas as atitudes maternas.
A questão do aleitamento materno era tão latente que só era considerada
mãe de fato aquela que amamentasse, e nenhuma razão justificava a negação do
seio à criança.

Martha Zimmermann - Curitiba. O coração e o leite de uma mãe nunca se


substituem, diz o velho Pinard. Esta frase é, na beleza e na grandeza
moral, um tratado de puericultura. Ninguém, nunca, pôde dizer, na arte de
criar, verdade maior. A senhora não tire seu filho do peito por pretexto
nenhum e muito menos por conselho de alguém. As suas ocupações hão
de dar-lhe um momentozinho, cada três horas, para dar o seio ao seu
bebê. A mãe que não amamenta não é mãe inteira, é meia mãe, porque a
maternidade do sangue completa-se com a maternidade do seio, dizia
ainda o velho Pinard. Por conseguinte, nada tenho que lhe ensinar antes
de maio próximo, época em que seu filhinho deverá começar a ser
desmamado.
(“Gazeta do Povo”, 19/01/30, p. 3)

Como substituto para o leite humano, o doutor Aluizio afirmava que o único
que podia suprir a deficiência deste era o leite de vaca. No entanto, realizava suas
ressalvas, como numa carta de resposta a um leitor que lhe perguntou se a
prescrição de leite em pó era apenas nova “mania de especialistas”:

Pai extremoso – Castro. O „leite de lata‟ como o senhor chama com


intenção pejorativa a esses leites beneméritos, que vieram salvar
anualmente milhares de criancinhas não é uma “mania dos médicos
especialistas”. O senhor, pela sua carta, me deu a impressão de que é uma
pessoa de cultura ou uma daquelas que têm o vezo de contrariar tudo...
Posto que acertei, começo por dizer-lhe que é unânime entre os
puericultores que o leite fresco é melhor que os “leites de latas”. Leite
fresco puro, limpo e conservado em boas condições. Aí, em Castro, é
possível – se o senhor tiver, vaca, estábulo, e gelo... Vaca para dar-lhe o
leite fresco, e gelo, para conservar essa frescura... Em Curitiba, porém,
isso não é possível: o leite nos chega em casa já horrorosamente alterado
pelo calor. Não é mais leite: é veneno! Ora, dar semelhante é ignorância
ou é perversidade.
(“Gazeta do Povo”, 30/01/1930, p. 3, destaque meu)

65
Para convencer o leitor, o médico se valeu de uma simulação de uma criança
de dois meses, mas que a mãe tem pouco leite. Aponta que o racional seria uma
ama, mas sua manutenção é dispendiosa e ao utilizar de seus serviços se põe “uma
inimiga dentro de casa”, pois o pediatra assegura que nunca ouviu falar bem de
amas. Por sua vez, o leite em pó “além de puro e limpo, não tem o perigo da
alteração: é feito na hora, prescindindo, por isso, de gelo para sua conservação”.
Além de inofensivo, é econômico: conforme o doutor, o leite industrial “custará
menos da metade do que custará a ama. E infinitamente menos do que custará o
médico, se o senhor der o leite de vaca que o seu leiteiro lhe leva todas as manhãs”.
Contudo, em outra consulta a respeito da mesma dúvida, o doutor é categórico:
“acho que nós demos um pulo muito grande em dietética, com os leites em pó, mas
daí supor que podemos exonerar as mães dos encargos da amamentação, é
absurdo que todos temos o dever de desmentir” 100.
A legítima preferência do doutor pelo leite de vaca é explicitada na consulta
de uma mãe de bebê de cinco meses que mama exclusivamente no peito. O peso e
desenvolvimento da criança estão ótimos, mas a mãe se sente muito fraca e está
emagrecendo muito. Como reside em uma chácara, o doutor libera uma mamadeira
de leite de vaca por dia. Conforme já explicado anteriormente, seu medo é de leite
que vende nas ruas, “porque é leite sem condições de limpeza, e impróprio para
criancinhas” 101.
Apesar de termos mencionado anteriormente publicidades que afirmavam
auxiliar na produção do leite materno, o doutor Aluizio assegura que “tanto no
período da gestação como no período de amamentação, a mulher não deve sair de
seus hábitos – nem comer demais, nem comer o que não está acostumada”, e os
alimentos que ajudariam a tornar o leite forte eram os do trivial: sopa, pão, frutos,
leite, aveia e verduras, nada de excepcional. A respeito da pergunta sobre qual
preparado medicinal que as mães deviam tomar no período da gravidez para ter um
filho saudável, o médico responde que nenhum, já que “gravidez não é doença nem
necessita de remédios”. Apenas nos últimos meses, a mulher grávida devia limitar
seus afazeres e descansar bastante. Segundo o especialista, uma boa gestação
102
baseava-se em “alimentação sadia, higiene e vida ao ar livre” ·.

100
“Gazeta do Povo”, 15/02/1930, p. 3.
101
“Gazeta do Povo”, 21/02/1930, p. 3.
102
“Gazeta do Povo”, 13/02/1930, p. 3.

66
Em 13 de fevereiro de 1930, além de a seção do doutor Aluizio mudar o nome
de “Puericultura Prática” para “Centro de Ensinamento às mães” (Alimentação,
higiene e doenças de crianças), a Gazeta publica uma importante modificação a ser
implementada na coluna a partir do dia seguinte: “Tendo havido uma notável
afluência de consultas nesta seção, o redator dela, doutor Aluizio França, consentiu
em torná-la diária”. A justificativa é o montante de cartas recebidas, não só da
capital, mas de muitos outros municípios do estado, “o que denota o alto interesse
que despertou, o que não é de admirar dado o prestígio, como médico das crianças,
do nosso prezado colaborador” 103.
No dia seguinte a alteração, o especialista adverte uma mãe que reclama que
seu bebê vivia doente, a culpabilizando pelo fato, pois eram suas atitudes errôneas,
de excessos de cuidados e agasalhos, que ocasionavam os constantes resfriados
na criança. Na concepção da Puericultura, sol e ar fresco eram sinônimos de saúde,
ao contrário do que pensava e praticava o senso comum, que encarava o vento e o
sol em demasia como altamente prejudiciais ao organismo delicado do bebê.

Siloca – Curitiba. Quarto fechado, berço de cortinado e medo de vento é


mesmo o que quer o resfriado! Seu filhinho só sara quinze dias por mês,
porque vive na estufa! Criança é como passarinho – deve ser criada ao ar
livre. Quanto mais liberdade e quanto mais ar, mais goza saúde! Nós temos
um grande defeito. Os nossos filhos são criados tão cheios de flanelas e de
pelúcias, e com medo do vento encanado que ficam uns bibelozinhos de
fragilidade! Tudo faz mal. (...) O que a senhora deve fazer, de agora em
diante, ao seu filhinho é desagasalhá-lo – libertá-lo das pelúcias e das
flanelas, fazer dormir em quarto de janela aberta e em cama desabafada
de cortinados, e... passar longas horas por dia, fora de casa. (“Gazeta do
Povo”, 14/021/1930, p. 3, destaque meu)

Aproveitando a recomendação de que as crianças deviam ser criadas ao ar


livre, a Aveia Quaker Oats, em consonância com o discurso médico, aproveita para
promover seu produto:

Deixá-los pular e brincar, mas... Reconstitua-se a energia que as


crianças exaurem nos seus folguedos dando-lhes uma refeição nutritiva de
Quaker Oats todos os dias.
Quaker Oats possui em abundância os ingredientes que criam energia, é
rico nas substâncias que formam ossos e músculos. Um alimento natural e
delicioso, fácil de preparar, fácil de digerir e muito econômico.
(“Gazeta do Povo”, 14/02/1930, p. 6)

103
“Gazeta do Povo”, 13/02/1930, p. 3.

67
Apesar de situar as mães como responsáveis diretas pelos males que sofriam
seus filhos, de argumentar que nada justificava uma mãe não dar o seio a seu bebê,
sendo o leite materno o melhor e mais rico alimento para crianças até os oito meses,
(embora reconhecendo que alguns médicos recomendavam a amamentação
exclusiva somente até os seis meses de idade), o doutor Aluizio reconhecia e
glorificava uma atitude materna que estivesse de acordo com os preceitos
puericultores. A transcrição a seguir, é um claro exemplo que as propagandas, cada
vez mais moldadas nos discursos científicos, influenciavam sim as leitoras e muitas
vezes as desorientavam, momento em que deveriam sem falta procurar um médico,
que elucidaria suas dúvidas e imprecisões.

Lia – Curitiba. Seu filhinho tem cinco meses de idade e pesa 6,5 Kilos.
Mama no peito e uma vez no Lactogeno. Como lhe parece que ainda é
insuficiente, quer saber se pode dar Quaker. Está muito certo: assim é que
deviam proceder todas as mães – antes de dar alimentos que não sabem
se faz bem, ou se a criancinha pode tomar, consultar o médico. Quanta
desordem nutritiva não evitaria!
(“Gazeta do Povo”, 18/02/1930, p. 3)

Não foi apenas o tema da alimentação infantil que o médico abordou em sua
coluna. Outras questões como identificação e cura de sarampo, sarnas e piolhos
também permearam o universo de dúvidas de suas leitoras. Entretanto, como em
Curitiba a mortalidade infantil era sobretudo atribuída ao fator alimentar, e este
possuía conotação fundamental, sendo que qualquer desarranjo no comportamento
da criança, como excessos de manhas, bravezas, falta de apetite ou de sono era
explicado por erro de alimentação, decidimos por explorar com mais profundidade
essa temática.
O jornal “A República” não possuiu uma seção específica sobre puericultura,
mas também integrou paulatinamente a temática da medicina preventiva infantil em
suas páginas. Desse modo, em fevereiro de 1930 o tablóide publica um artigo
médico sobre a tuberculose, com o sugestivo título “A margem da higiene – O que
104
todas as mães devem saber sobre a tuberculose” . O texto, assinado pelo Doutor
Ildefonso Cysneiros, trazia uma epígrafe sem autor identificado: “Mães! Por todos os
meios possíveis, desenvolvei em vossos filhos corpos sãos”.
O artigo inicia afirmando que “todas as mães e membros da família deverão
aprender a conhecer a tuberculose, a fim de que a vida de seus filhos não corra

104
“A República”, 09/02/1930, p. 3.

68
perigo”. Assevera que a doença pode ser prevenida, e quando já instalada, é
curável. Destarte, “nesta obra de prevenção e de cura todas as mães poderão
exercer uma influência preponderante. A humanidade conta com seu auxílio”. Em
seguida, o doutor aponta as causas da tuberculose, o que o gérmen infectador
produz nos pulmões, e alerta que geralmente a moléstia se desenvolve de uma
maneira lenta e insidiosa, fazendo com que as pessoas contaminadas não sejam
vigiadas. Por isso, adverte que crianças fracas ao nascer e as enfraquecidas pelas
moléstias contagiosas devem ser observadas atentamente.
Para impedir a tuberculose, o texto indica uma importante medida de higiene,
como destruir os germens que causam a doença (como tossir apenas em lenços de
papel e imediatamente eliminá-los, para impedir a propagação), e uma medida
preventiva: “fazer com que os indivíduos tornem-se perfeitamente sãos de modo a
não ser predispostos à tuberculose”.

Nunca se deverá fazer trabalhar uma criança, quando é muito nova, nem
permitir estudos a ponto de enfraquecer sua saúde.
Os alimentos deverão ser mastigados e absorvidos lentamente e sempre
verdadeiramente nutritivos.
Os aposentos da casa deverão ser largamente ventilados e ensolarados.
Para que um corpo humano permaneça em estado de saúde, é necessário
ar puro em abundância. Os quartos de dormir não deverão ser super
lotados, e uma cama para cada criança é o que há de mais são. O que
acima dissemos, quanto às crianças, deverá também, ser aplicados aos
adultos.
O corpo são vencerá a tuberculose, enquanto que um enfraquecido estará
mais sujeito a contrair o mal. (“A República, 09/02/1930, p. 3)

Como observamos, os conselhos preventivos referem-se primeiramente às


crianças, para depois afirmar que as mesmas medidas poderiam também ser
seguidas pelos adultos. Para curar a doença, o médico recomenda as mesmas
medidas para impedir sua eclosão, ou seja, “fortificando o organismo, de modo a
torná-lo capaz de destruir os germens que penetram os tecidos”, sugerindo que ar
puro, boa alimentação, exercício e conveniente repouso, curam mais pessoas da
tuberculose, do que todos os medicamentos conhecidos.
No mesmo mês, o periódico publicou um boletim internacional sobre “A
educação na infância”. No artigo, divulgou a opinião do doutor Reaney, que segundo
o jornal, era um notável conferencista de higiene e médico de reputação firmada em
Londres. Segundo o doutor, era preciso “prestar-se a maior atenção ao problema da
educação de um homem, desde os primeiros tempos de sua infância”. Novamente,

69
os pais eram responsabilizados pela promoção dos futuros inconseqüentes, através
de suas atitudes errôneas em atender todos os desejos da criança ao invés de
combatê-los.

Um número considerável de crianças delinqüentes é produzido por pais


excessivamente carinhosos, que procuram satisfazer de todas as maneiras
possíveis as vontades infantis. Os pais não têm coragem de ralhar e de
cercear as vontades, e acabam de deixar-se levar por bebês teimosos e
voluntariosos. (“A República”, 15/02/1930, p. 1)

Além dos conselhos de como educar a infância segundo os preceitos


racionais e científicos, em substituição ao instinto emocional, o jornal expressou,
através de um artigo, a relação entre a saúde e o peso das crianças.

O peso segundo a idade é o lema atual dos que se interessam pelo estudo
da saúde da infância. Há um padrão ideal para as crianças conforme a
idade. Se a criança pesa menos do que o normal em sua idade, é sinal de
que há qualquer coisa com sua saúde ou com sua alimentação. Torna-se
necessário consultar um especialista.
Para o controle do peso, há agora umas balanças muito práticas, conforme
se vê na fotografia junta. A plataforma da balança é baixa e a criança sobe
facilmente e pode verificar o próprio peso no mostrador horizontal. É fácil
interessar a criança na fiscalização do próprio peso e da própria saúde,
dando-lhe ao mesmo tempo ambição de atingir o peso normal, revelador de
um organismo robusto e sadio.
(“A República”, 14/02/1930, p. 12)

Apesar de aparentar ser um discurso publicitário sobre balanças, não há


qualquer indicação de marcas destas ou lojas em que se realizam seu comércio.
Desta maneira, considerando também a seção em que este artigo foi publicado,
“Últimas notícias”, consideramos ser este um texto informativo. De acordo com
Freire, “a valorização do peso como indicador confiável da saúde das crianças, e
mesmo a sua prova materializada, provocou a consolidação da pesagem como
105
prática científica e da balança como novo objeto de saúde” .
Finalmente, em fevereiro de 1930 acompanhamos pela imprensa a
inauguração do Hospital de Crianças, cuja primeira pedra fundamental do edifício foi
colocada em dezembro de 1922. “A República” noticiou o fato e transcreveu o longo
discurso do doutor Luiz Medeiros, um dos integrantes do Conselho Administrativo da
instiutição.

O problema da morbi-mortalidade infantil é um daqueles problemas, que


mais de perto, fazem depender a grandeza moral e material de um povo.

105
FREIRE, op. cit. p. 298.

70
Não vos deve, por isso, surpreender o meu empenho, neste momento, em
pretender focalizá-los à luz dos modernos conhecimentos da ciência
sanitária. (...) Vereis, então, quanto nos resta fazer para que tenhamos, de
fato, um aparelhamento de defesa da criança, uma vez que a nossa
incipiente organização de saúde pública não atingiu, ainda, o grau de
perfeição a que faz jus. (“A República”, 04/02/1930, p. 2)

Ainda, alerta que todos os povos cultos se têm empenhado em reduzir tanto a
morbilidade quanto a mortalidade da infância, considerada célula mater da
nacionalidade. Aponta que com os progressos da ciência médica, “admite-se hoje,
como cifra ideal de mortalidade infantil a de quarenta por mil. Contudo, “tomando ao
acaso os dados fornecidos pela nossa estatística demográfico-sanitária de 1928”,
em Curitiba, o doutor encontrou um número desolador: tendo havido 2.868
nascimentos, registraram-se nada menos de 490 óbitos em crianças de 0 a 1 ano.
“Quer dizer, a cifra que nos cabe atinge a elevada percentagem de 178 por 1000,
que muito se distancia daquela que hoje se admite como ideal”. A respeito do
resultado, o médico observa que:

Se no momento me fosse permitido fazer um estudo completo da


mortalidade infantil em Curitiba encontraria bases seguras para concluir
que, ao lado das causas médico-sociais, que por toda parte se apontam
como responsáveis por tal estado de coisas, entre nós a ausência de
educação sanitária da imensa maioria do povo e, portanto das mães, é o
grande fator na nossa morbi-mortalidade infantil.
(“A República”, 04/02/1930, p. 2)

Mais uma vez, a questão da educação, sobretudo das mães, é colocada


como principal causa da mortalidade infantil. Assim, considerando que “prevenir é
melhor do que remediar”, e que as mulheres “precedem o homem no advento para a
vida”, o médico coloca que somente um hospital de crianças não seria suficiente
para driblar a mortalidade infantil. Por isso, como expôs a “Gazeta do Povo”, “além
do serviço clínico para infância, o hospital manterá uma Escola para Mãezinhas,
destinada a ministrar os ensinamentos necessários às mulheres que se interessem
pela saúde da infância, a qual será gratuita e poderá ser freqüentada por senhoras e
moças. Será, também, criado o Curso de Enfermeiras Especializadas nas mesmas
106
condições da Escola de Mãezinhas” . Sobre as informações técnicas, a Gazeta
noticia que o hospital seria autônomo, dirigido por um conselho administrativo
composto de seis membros, sendo três da Cruz Vermelha e três da Faculdade de
Medicina, eleitos anualmente por essas instituições. Ademais, publica os nomes dos

106
“Gazeta do Povo”, 12/02/1930, p. 1

71
integrantes do Conselho Administrativo eleito para o ano fluente: exma sra, D.
Mercedez Fontana, desembargador Vieira Cavalcanti, e Doutor Luiz Medeiros,
eleitos pela Cruz Vermelha, e doutores Victor do Amaral, Aluizio França e Octavio
Silveira, designados pela Faculdade de Medicina. Concluiu a notícia afirmando que

É este, sem dúvida, um dos grandes passos dados pelo nosso Estado para
a completa solução do problema da assistência social, sendo de esperar
que os poderes públicos amparem eficientemente o Hospital de Crianças, a
fim de colherem fartamente os frutos dessa iniciativa, que se resume no
fortalecimento da raça com a extinção da morte prematura. (“Gazeta do
Povo”, 12/02/1930, p. 1)

Finalmente, o primeiro hospital para crianças da capital paranaense foi criado,


inaugurando assim, uma nova fase para a medicina pediátrica de Curitiba, que
objetivava extinguir a morte dos neo-natos e o fortalecimento da raça através dos
cuidados puericultores.

72
Conclusão

Através da pesquisa conseguimos apreender o desenvolvimento dos


discursos referentes à infância. Nas primeiras décadas analisadas eram freqüentes
os anúncios de venda de cabra de leite, de vacinas e medicamentos em geral, como
as drogas específicas para as crianças, como os purgativos, elixires antinervosos,
medicamentos peitorais para diversas afecções das vias respiratórias, e dentifrícios
– estes particularmente recorrentes, com a concorrência de várias marcas distintas
que utilizavam apelos diversos para alcançar o consumidor, entre eles uma foto de
mulher com criança no colo, a primeira imagem encontrada nesse sentido. Contudo,
todos se apresentavam como “a salvação das crianças”, e indicados para a “época
melindrosa do rompimento dos dentes” 107.
A partir da década de 1910, lenta e gradualmente se desenvolve uma
“puericultura nas páginas do jornal”, apesar de anteriormente, em alguns momentos
bastante específicos esta se desenhar nos periódicos. Dessa maneira, o jornal “A
República“ expressa sua preocupação com a educação através da matéria intitulada
108
“Como se deve educar a infância” . No mesmo ano, a indicação do Remédio
109
Vegetariano para “senhoras fracas no período da gravidez e da amamentação”
tinha seu discurso de convencimento do consumidor em consonância com o
pensamento puericultor, através da culpabilização da mãe. Desse modo temos um
exemplo da “puericultura intra-uterina”, isto é, antes mesmo do nascimento da
criança, a mãe era responsabilizada por seu bem-estar, pois “da saúde da mãe
depende a do filho”.
A partir de 1915, nos deparamos com um fator que se tornou um importante
aliado da difusão do ideário puericultor: a prática filantrópica. A filantropia agiu como
um dos veículos de condução do Brasil à modernização 110, e a imprensa, por sua
111
vez, atuou como principal “agenciadora política da filantropia” . As instituições
que os jornais verificados mais realçaram foram a Maternidade do Paraná, a Cruz
Vermelha Paranaense e o Instituto de Proteção e Assistência à Infância do Paraná.

107
“A República”, 04/03/1899, p. 4.
108
“A República”, 21/10/1910, p.2.
109
“A República”, 02/08/1910, p. 3
110
AMARAL, Guacimara Dantas dos Santos.op. cit. . p. 1.
111
Idem, p. 8.

73
Muitos festivais beneficentes foram promovidos em benefício das instituições
citadas. Estes eventos eram constantemente apregoados pelos tablóides, que por
vários dias seguidos publicavam a data, local e a programação do grande
acontecimento. Ademais, os periódicos também publicavam os relatórios gerais do
orçamento, despesas e lucro, numa relação de transparência com o leitor
contribuinte, denotando confiabilidade aos eventos. De fato, é notável o
envolvimento da imprensa com os festivais beneficentes, acompanhando cada novo
detalhe. Concordamos com Sanglard quando afirma que “para a filantropia, os
periódicos tornaram-se „bons sócios‟, por divulgarem as ações das diversas
sociedades” 112. Vale ressaltar que a participação nos variados eventos beneficentes
constituía em uma marca de distinção para a elite local. Como ajudar desamparados
deixou de ser apenas uma virtude cristã, para transformar-se, sobretudo, em um
valor social, estar envolvido em causas filantrópicas conferia prestígio e notoriedade
e a publicação de nomes e valores doados na imprensa acabava por estimular a
sociedade a contribuir ainda mais. Em suma, a prática filantrópica foi consolidada
como grande companheira dos médicos no “processo de reeducação da sociedade”
113
, já que naquele contexto ainda não havia nenhuma política estatal voltada para a
população menos favorecida. Desse modo, as primeiras instituições brasileiras de
amparo à saúde materno-infantil surgiram em ambiente privado e foram organizadas
por médicos, religiosos e principalmente, pelos grupos de mulheres. E quando
finalmente o Estado tomou as rédeas desse auxílio, já se deparou com um modelo
pronto de assistência à maternidade e à infância, modelo este que já vinha sendo
utilizado por instituições particulares há pelo menos meio século114.
Finalmente, ao se aproximar da década de 1930, os artigos e anúncios
destinados à infância vão se solidificando. Tornam-se mais corriqueiras as diversas
propagandas do período que se apresentam como auxiliares no desenvolvimento da
criança, bem como complementares na alimentação da mulher, grávida ou nutriz, se
apropriando do discurso científico para legitimar seus produtos. Nesse viés, a Aveia
Quaker Oats se mostra uma publicidade bastante maleável, adequando seu discurso
de acordo com seu público alvo que se destina em determinado momento: crianças,
idosos, estudantes, homens e mulheres. Por sua vez, a Emulsão de Scott nos

112
SANGLARD, Op. cit. p.3.
113
AMARAL, op. cit,. p. 3.
114
BOSCO, Ana Paula Winters. Op. cit. pp. 2-3.

74
acompanha durante toda a pesquisa, inicialmente indicada para crianças, nos anos
finais de investigação adequava seu discurso conforme o público alvo da
circunstância.
Já em 1930 nos deparamos com duas colunas médicas mantida pelo Doutor
Aluizio França no jornal “Gazeta do Povo”: “Terapêutica de Bolso”, e “Puericultura
Prática”. Enquanto a primeira tratava de assuntos diversos, principalmente
respondendo a dúvidas de adultos e seus males, a segunda, como o próprio nome
indica, esclarecia sobre questões referentes à Puericultura, ou seja, medicina e
higiene preventiva de crianças na primeira infância. Apesar de o jornal anunciar que
as seções estariam presentes às quintas e domingos, (cada dia o doutor elucidaria a
respeito de uma seção), observamos uma certa irregularidade, com as colunas
publicadas em outros dias e mesmo misturadas em seu conteúdo. As colunas
produzidas pelo doutor Aluizio França, importante médico curitibano, e suas
concepções acerca da alimentação infantil, cujo erro foi considerado como principal
fator de obituário das crianças, juntamente com a apropriação do discurso médico
pelas propagandas, e os diversos artigos de primeira página acerca da alimentação
infantil e os cuidados dispensados aos bebês, constituíram a consolidação do
discurso puericultor na imprensa curitibana, que nesse mesmo ano acompanharia a
inauguração do primeiro Hospital de Crianças, iniciativa da Cruz Vermelha
Paranaense.

75
Fontes

A República. Curitiba. 1888-1930.

Gazeta do Povo. Curitiba. 1919-1930.

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