Você está na página 1de 703

ORGANIZAÇÃO

Elisabete Pereira Silva


Maria Márcia Nogueira Beltrão
Paula F. C. de Mascena Diniz Maia

MANUAL DE
CONDUTAS
EM PEDIATRIA
DA UFPE 3ª EDIÇÃO
MANUAL DE
CONDUTAS
EM PEDIATRIA
DA UFPE 3ª EDIÇÃO
ORGANIZAÇÃO
Elisabete Pereira Silva
Maria Márcia Nogueira Beltrão
Paula F. C. de Mascena Diniz Maia

MANUAL DE
CONDUTAS
EM PEDIATRIA
DA UFPE 3ª EDIÇÃO

RECIFE
2022
O Nestlé Nutrition Institute (NNI) é uma organização não
governamental sem fins lucrativos que possui sua sede em
Vevey, na Suíça. O NNI exporta educação para todo o mun-
do através de informações técnico-científicas baseadas na
ciência da nutrição com diversas formas de interação com
profissionais da área da saúde, cientistas e comunidades
de nutrição.
O Nestlé Nutrition Institute foi criado em 1981 com o
objetivo de promover a “Ciência para uma melhor Nu­tri­
ção”, contribuindo com a melhora da qualidade de vida
das pessoas em todo o mundo, e já possui mais de 200 mil
membros cadastrados.
Inscreva-se gratuitamente e fique por dentro das úl-
timas pesquisas em ciência da nutrição; desfrute da nos-
sa extensa biblioteca de publicações, vídeos exclusivos
dos principais especialistas na área e realize programas
de e-learning em parceria com conceituadas instituições.
Faça parte: www.nnibrasil.com.br.
Universidade Federal de Pernambuco
Reitor: Alfredo Macedo Gomes
Vice-Reitor: Moacyr Cunha de Araújo Filho

Editora UFPE
Diretor: Junot Cornélio Matos
Vice-Diretor: Diogo Cesar Fernandes
Editor: Artur Almeida de Ataíde

Conselho Editorial (Coned)


Alex Sandro Gomes
Carlos Newton Júnior
Eleta de Carvalho Freire
Margarida de Castro Antunes
Marília de Azambuja Machel

Editoração
Revisão de texto: Renata Dermenjian
Projeto gráfico: Adele Pereira
Imagem da capa: Jozef Karel De Meulemeester, Maria geeft het Christuskind
borstvoeding: La vierge d'Andrea Solari, [1781-1836]. Cedida gentilmente pelo
Rijksmuseum, Amsterdã

Catalogação na fonte:
Bibliotecária Kalina Ligia França da Silva, CRB4-1408

M294 Manual de condutas em pediatria da UFPE [recurso eletrônico] /


organização : Elisabete Pereira Silva, Maria Márcia Nogueira Beltrão,
Paula F. C. de Mascena Diniz Maia. – 3. ed. – Recife : Ed. UFPE, 2022.

Vários autores.
Inclui referências.
ISBN 978-65-5962-152-1 (online)

1. Pediatria – Manuais, guias, etc. 2. Pediatria – Prática. 3. Crian­ças –


Doenças – Tratamento. 4. Serviços de saúde infantil. 5. Emergências
pediátricas. I. Silva, Elisabete Pereira (Org.). II. Beltrão, Maria Márcia
Nogueira (Org.). III. Maia, Paula F. C. de Mascena Diniz (Org.).

618.92 CDD (23.ed.) UFPE (BC2022-083)

Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons


Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Agradecimentos

Aos professores e preceptores, colaboradores dedicados que, sob a lide-


rança da professora Paula Maia, compartilharam os seus saberes téc-
nicos e humanísticos, assegurando a qualidade do material publicado.
À Sociedade de Pediatria de Pernambuco (Sopepe), representada
por suas presidentes Kátia Galeão Brandt e Alexsandra Ferreira da
Costa Coelho, pelo apoio à iniciativa dos professores da área acadê-
mica de Pediatria, fazendo a intermediação da ajuda administrativa
fornecida pelo Nestlé Nutrition Institute.
Ao Nestlé Nutrition Institute, pela disponibilização da ajuda adminis-
trativa indispensável à revisão, à diagramação e à impressão deste Ma­
nual, reafirmando a parceria estabelecida nas duas edições anteriores.
À Editora UFPE, representada por Junot Cornélio Matos (Diretor),
Diogo Cesar Fernandes (Vice-Diretor) e, particularmente, Artur Almeida
de Ataíde (Editor), que apoiaram o projeto desde o início, compreen-
dendo o seu caráter institucional e a sua relevância.
A Renata Dermenjian, que com competência e dedicação fez a revi-
são dos textos escritos por autores diversos, objetivando proporcionar
aos leitores uma leitura agradável e gramaticalmente correta.
A Adele Pereira, a programadora visual, por sua atenção e pres-
teza na realização de um excelente trabalho, com eficiência e valio­-
sas contribuições.
À bibliotecária do Centro de Ciências da Saúde da UFPE, Mônica
Uchoa, pelas orientações sobre a bibliografia.
À professora Maria Clezilte Brasileiro (in memoriam), coordena-
dora das duas primeiras edições, que objetivaram, primordialmente,
“me­lhorar o funcionamento do nosso Serviço de Pediatria do HC-UFPE,
fa­cilitar o processo de ensino-aprendizagem dos nossos estudantes e
contribuir com a maior interação entre ensino e serviço”.
Para que esses objetivos fossem atingidos também por esta terceira
edição, a contribuição de cada um dos parceiros foi fundamental, e
somos eternamente gratas.

A comissão organizadora
Sumário

Prefácio à 3ª edição12

Prefácio à 2ª edição14

Colaboradores16

SEÇÃO 1 Neonatologia

1 Classificação e exame físico do recém-nascido 30

2 Reanimação neonatal 44

3 Distúrbios respiratórios do recém-nascido 50

4 Infecções congênitas 62

5 Sífilis congênita 83

6 Icterícia neonatal 94

7 Colestase neonatal: por que é importante


sempre investigar? 105

8 Infecções relacionadas à assistência à saúde 113

9 Seguimento ambulatorial do recém-nascido


de alto risco 129
SEÇÃO 2 Promoção da Saúde em Pediatria

1 Aleitamento materno 145

2 Alimentação na infância e na adolescência 171

3 Imunização na infância e na adolescência 188

4 Avaliação e acompanhamento do crescimento


da criança e do adolescente 207

5 Vigilância do desenvolvimento neuropsicomotor


na infância 214

6 Higiene do sono 220

7 O impacto das tecnologias digitais na infância


e na adolescência 225

8 Recomendações de atividade física para crianças


e adolescentes 231

9 Sinais e sintomas de câncer no paciente pediátrico:


quando suspeitar? 238

SEÇÃO 3 Desvios da Nutrição

1 Desnutrição na infância 248

2 Anemia ferropriva 259

3 Deficiência de micronutrientes na infância 271

4 Deficiência de vitamina A 281

5 Deficiências de vitaminas do complexo B 287

6 Deficiência de vitamina C 294

7 Deficiência de vitamina D 207


SEÇÃO 4 Dermatologia Pediátrica

1 Dermatite atópica 307

2 Infecções bacterianas da pele 314

3 Micoses superficiais 319

SEÇÃO 5 Endocrinologia Pediátrica

1 Abordagem da hipoglicemia persistente na emergência 327

2 Hipotireoidismo em crianças 331

3 Hipertiroidismo em crianças 335

4 Baixa estatura 338

5 Puberdade precoce e atraso puberal 343

6 Intercorrências na criança com diabetes: como


proceder?350

7 Complicações agudas nas crianças com diabetes 354

SEÇÃO 6 Gastroenterologia Pediátrica

1 Alergia à proteína do leite de vaca 362

2 Regurgitação infantil e doença do refluxo


gastroesofágico em lactentes 371

3 Dor abdominal crônica na infância e na adolescência 378

4 Doença diarreica: diarreia aguda e persistente 387

5 Diarreia crônica 397

6 Constipação intestinal 408

7 Doença celíaca: quando suspeitar e como investigar? 417


SEÇÃO 7 Alergologia e Imunologia Pediátrica

1 Rinossinusite alérgica 424

2 Lactente sibilante 434

3 Asma na infância e na adolescência 440

4 Urticária aguda e anafilaxia 456

5 Reações Adversas a Medicamentos (RAM) 466

6 Erros inatos da imunidade 473

SEÇÃO 8 Infectologia Pediátrica

1 Febre sem sinais localizatórios 487

2 Covid-19 em pediatria 494

3 Mononucleose infecciosa 503

4 Exantema súbito 508

5 Rubéola 511

6 Sarampo 514

7 Varicela 519

8 Arboviroses: dengue, chikungunya e zika 523

9 Hepatites virais 530

10 Meningite bacteriana 537

11 Parasitoses intestinais 546

SEÇÃO 9 Cardiologia Pediátrica

1 Abordagem inicial de cardiopatias congênitas 559

2 Febre reumática 565

3 Insuficiência cardíaca aguda em pediatria 572


SEÇÃO 10 Nefrologia Pediátrica

1 Infecção do trato urinário 578

2 Glomerulonefrite aguda pós-estreptocócica 585

3 Síndrome nefrótica 590

4 Lesão renal aguda/insuficiência renal aguda 597

SEÇÃO 11 Neurologia Pediátrica

1 Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade 605

2 Transtorno do Espectro Autista 610

SEÇÃO 12 Pneumologia Pediátrica

1 Bronquiolite viral aguda 616

2 Pneumonia adquirida na comunidade 623

3 Tuberculose na infância e na adolescência 640

SEÇÃO 13 Urgências/Emergências Pediátricas

1 Semiologia na urgência/emergência pediátrica 655

2 Vômitos 668

3 Distúrbios hidreletrolíticos 674

4 Abordagem da crise convulsiva e do estado


de mal epiléptico 681

5 Crise hipertensiva 688

6 Parada cardiorrespiratória 694


Prefácio à 3ª edição

Foi com prazer que recebi o convite para prefaciar a 3a edição (reno-
vada e atualizada) do Manual de Condutas em Pediatria da UFPE, ela-
borado pelo corpo docente da área de Pediatria do Centro de Ciências
Médicas, por professores substitutos atuais e passados, por médicos
pediatras que atuam no Serviço de Pediatria do Hospital das Clínicas
da Universidade Federal de Pernambuco, e que também contou com a
colaboração de renomados pediatras recifenses. A iniciativa é louvável.
Oferece aos graduandos dos cursos de Medicina, aos médicos genera-
listas e aos jovens pediatras um rico material, cobrindo temas relacio-
nados à promoção da saúde e a nosologia prevalente nas diferentes
especialidades pediátricas.
A Pediatria tem como objetivo principal a promoção e a prevenção
de agravos à saúde. Abrange a Puericultura, a Pediatria Social, a Clínica
Pe­diátrica Médica e as Especialidades Pediátricas. Tradicionalmente, o
foco da formação pediátrica é voltado para os aspectos clínicos da espe-
cialidade, tal qual acontece em relação a formação dos médicos que irão
atuar com a população adulta. O alinhamento ao paradigma patogênico
valoriza os conteúdos relacionados à clínica pediátrica, e prevenir e tra-
tar as doenças passa a ser o objetivo principal. Neste manual, de forma
objetiva e atualizada, são apresentados diversos temas relacionados à
clínica pediátrica médica. A escolha dos temas foi norteada pelos proble-
mas observados com maior frequência em nosso meio.
Avanços em relação ao atendimento da criança e do adolescente
foram observados com a introdução do paradigma biopsicossocial; a
adoção desse paradigma busca atender a complexidade associada à
13

abordagem do ser humano nos seus anos iniciais de vida. Nesta edição
do manual, temas relacionados à promoção da saúde foram adicionados,
e contribuem para ampliar o olhar em relação a novos desafios. No mun-
do atual a preocupação deve ir além da saúde física. Como exemplo, a
saúde mental precisa ser cuidada desde o início da vida.
É sabida a importância de se entender o processo de crescimento e
desenvolvimento do ser humano para melhor atendê-lo. O surgimento
da abordagem teórica intitulada Origem Desenvolvimentista da Saúde
e da Doença (DOHaD, na sigla em inglês) foi um grande avanço e permi-
tiu compreender como fatores em atuação desde os momentos iniciais
da vida intrauterina e nos primeiros anos de vida podem influenciar e
mudar o curso do processo de desenvolvimento e causar problemas à
saúde do indivíduo ao longo da vida. Um exemplo clássico é como a
restrição do crescimento intrauterino associada a uma adequada ofer-
ta de nutrientes pós-natal seria um fator de risco para doenças crô-
nicas não transmissíveis (o caso da obesidade e suas comorbidades)
no futuro (hipótese do fenótipo econômico). Atualmente, à luz dessa
abordagem teórica, diversas doenças, em diferentes sistemas orgâni-
cos, são mais bem compreendidas. Como o ambiente atuaria? Através
de mecanismos epigenéticos que modificariam a expressão dos genes,
levando a diferentes fenótipos. Estudos em modelos animais têm aju-
dado a entender esse fenômeno, e estudos epidemiológicos realizados
com humanos têm corroborado esses achados.
A genética não é destino. A saúde e a doença são explicadas, hoje,
como resultado de uma interação entre a natureza e o ambiente. Daí
ser essencial enfatizar a importância da formação de médicos e de pe-
diatras comprometidos com a promoção da saúde.
Desejo que a leitura deste manual seja prazerosa e útil. Os colabo-
radores doaram algo muito importante na sua elaboração... O tempo. E
que os ensinamentos aqui apreendidos beneficiem aqueles que são a
motivação para nos manter ativos e atualizados: as crianças e adoles-
centes brasileiros.

Giselia Alves Pontes da Silva


Professora Titular de Pediatria
do Centro de Ciências Médicas da UFPE
Prefácio à 2ª edição

Há sete anos, sentimos a necessidade de rever as pautas de funciona-


mento do Serviço de Pediatria do Hospital das Clínicas da UFPE, que
até então eram utilizadas apenas pelos profissionais do próprio Serviço,
mas pouco disponibilizadas para os alunos e outros profissionais. A par-
tir dessa constatação, surgiu um questionamento: por que não atualizar-
mos esse material, complementarmos cada tema com uma abordagem
sumária, de forma coloquial, facilmente compreensível, mas contendo
os conhecimentos básicos e essenciais sobre cada assunto? Por que não
utilizá-las como material de ensino para nossos alunos e residentes?
A ideia de elaborarmos essas pautas da rotina do serviço sob a for-
ma de um livro facilmente manuseável foi crescendo e tomando forma.
Entretanto, faltava o essencial: como conseguir o financiamento? E os
colaboradores? Não tivemos dúvida em procurar parceria que nos pro-
porcionasse apoio financeiro. Parceria efetuada, lançamos a proposta
aos nossos possíveis colaboradores: docentes, pediatras do próprio HC,
médicos residentes e colegas de outras instituições parceiras. Todos
aceitaram de imediato o convite e embarcaram no nosso sonho.
Após toda essa epopeia, o livro foi lançado em 2007, com o título:
Manual de Condutas em Pediatria da UFPE, com tiragem limitada e
distribuição gratuita para todos os colaboradores, estudantes, residen-
tes, serviços parceiros, bibliotecas, diretório acadêmico de Medicina da
UFPE, além do envio de um exemplar para cada serviço de Pediatria
das Universidades Federais. Evidentemente, a primeira edição foi rapida-
mente esgotada. A procura pelo nosso Manual de Condutas em Pediatria
15

continua, conduzindo-nos a um impasse: fazer nova edição, atualizando


os assuntos do primeiro volume, mas acrescentando novos temas tam-
bém importantes e que não foram contemplados na edição anterior.
O caminho a ser percorrido foi o mesmo, acrescido de novos cola-
boradores e da participação da Editora Universitária. A seriedade e o
empenho de nossos colaboradores nos deixaram bastante satisfeitos, e
assim a qualidade do material a ser publicado, que certamente aten-
derá aos objetivos primordiais de melhorar o funcionamento do nosso
Serviço de Pediatria do HC -UFPE, facilitar o processo de ensino-apredi-
zagem dos nossos estudantes e contribuir com a maior interação entre
ensino e serviço.
Os temas abordados neste livro foram selecionados tendo em vista
as situações mais frequentes com as quais o pediatra geral se depara
no seu dia a dia, e de acordo com o conteúdo programático abordado
nas disciplinas de Pediatria e Puericultura/Neonatologia da UFPE du-
rante o curso de graduação em Medicina. Falhas certamente poderão
ser encontradas, mas facilmente perdoadas, levando-se em conta o em-
penho e a dedicação da comissão organizadora e dos colaboradores em
oferecer um material didático que possa contribuir para um melhor
aprendizado da Pediatria.
Voltamos a insistir no fato de que esse material didático é para ser
utilizado para consultas rápidas e não substitui em momento algum o
uso dos tradicionais meios de consulta.

Maria Clezilte Brasileiro


Professora Associada de Pediatria
e Coordenadora da disciplina de Pediatria
do Centro de Ciências Médicas da UFPE
Chefe do Serviço de Pediatria HC-UFPE
Colaboradores

Adeline Silva Moura Gomes


Residência em Pediatria pelo Hospital Infantil Maria Lucinda (PE).
Resi­dên­­cia em Neonatologia pelo Instituto Materno-Infantil de Per­
nam­bu­­co (Imip-PE). Médica da Unidade Neonatal e preceptora do
Hospi­tal Ba­rão de Lucena e do Cisam (PE).

Adriana Azoubel Antunes


Doutora em Saúde da Criança e do Adolescente pela UFPE. Professora
adjunta de Pediatria do Centro de Ciências Médicas da UFPE. Pre­cep­
tora do Centro de Pes­quisas em Alergia e Imunologia (CPAI) da UFPE.
Membro do Depar­
tamento de Alergia da Sociedade Brasileira de
Pediatria (SBP). Membro do Depar­tamen­to de Imunodeficiências Pri­
má­rias da Asso­ciação Brasileira de Alergia e Imu­no­patologia (Asbai).

Alexsandra Ferreira da Costa Coelho


Mestre em Saúde da Criança e do Adolescente pela UFPE. Professora
As­sis­tente da disciplina de Saúde da Criança e do Adolescente da Uni­
versidade de Pernambuco (UPE). Professora assistente da disciplina de
Assistência Integral à Saúde do Adolescente do Centro Universitário
Maurício de Nassau. Coordenadora do Internato em Pediatria da UFPE
e da Uninassau. Coordenadora do departamento de Infectologia da
Sociedade Pernambucana de Pediatria (triênio 2019-2022). Presidente
da Sociedade Pernambucana de Pediatria (triênio 2022-2025).
17

Alba Valéria Negromonte Nogueira


Pós-graduada em Neurodesenvolvimento pelo Instituto Neurológico de
São Paulo (Inesp). Pós-graduada em Terapia Familiar pela UFPE. Pro­­fes­so­ra
substituta de Puericultura do Centro de Ciências Mé­di­cas da UFPE. Pre­
ceptora do ambulatório de Pediatria do Comportamento da Uninassau.
Pediatra do Com­portamento no Centro de Atenção Psicossocial (Caps)
Infantil de Ca­ma­ragibe.

Almerinda Maria do Rêgo Silva


Mestre em Saúde da Criança e do Adolescente pela UFPE. Professora
Adjunta de Pediatria do Centro de Ciências Médicas da UFPE. Coordena­
dora do Ambulatório de Erros Inatos da Imunidade do HC-UFPE.

Ana Carla Moura


Especialista em Alergia e Imunologia pela Asso­ciação Brasileira de Aler­
gia e Imu­no­patologia (Asbai). Médica preceptora em Alergia e Imunolo­
gia pela Ebserh, HC-UFPE. Médica preceptora em Imu­no­logia DIP Infantil
pelo Huoc-UPE. Membro do Departamento Científico de Imu­nodeficiên­
cias Primárias da Asbai (2021/2022).

Ana Caroline Cavalcanti Dela Bianca Melo


Doutora em Ciências pela Escola Paulista de Medicina da Unifesp. Pro­
fessora Adjunta de Pediatria do Centro de Ciências Médicas da UFPE.
Preceptora da Residência em Pediatria, Alergia e Imunologia do HC-UFPE.
Coordenadora do serviço de Alergia e Imunologia HC-UFPE.

Ana Catarina Accioly Gomes


Mestre em Educação para o ensino na área de saúde pela Faculdade Per­
nambucana de Saúde (FPS). Médica Pediatra da Emergência Pediátrica do
Hospital da Restauração. Médica Pediatra do setor de Queimados Infantil
do Hospital da Restauração. Preceptora da Residência Médica de Pediatria
do Hospital Maria Lucinda (PE). Preceptora do Ambulatório de ensino da
Uninassau – Hospital Geral de Areias. Infectologista Pediátrica.

Ana Hermínia de Azevedo Ferreira


Especialista em Pediatria com área de atuação em Endocrinologia Pe­
diátrica pela Associação Médica Brasileira (AMB) e pela Sociedade Bra­sileira
18

de Pediatria (SBP). Médica assistente e preceptora da Residência Médi­ca


de Endocrinologia Pediátrica do HC-UFPE e do Imip (PE).

Ana Maria Aldin de Sousa Oliveira


Mestre em Saúde da Criança e do Adolescente pela UFPE. Especialista
em Pediatria e Neonatologia pela Sociedade Brasileira de Pediatria
(SBP). Coor­denadora da Unidade Neonatal do Real Hospital Português
de Beneficência em Pernambuco (RHP).

Antônio Correia de Vasconcelos Neto


Especialista em Pediatria pela Sociedade Brasileira de Pediatria
(SBP). Médico Pedi­atra ex-preceptor do Ambulatório de Pediatria do
HC-UFPE.

Bárbara Guiomar Sales Gomes da Silva


Doutora em Neuropsiquiatria e Ciências do Comportamento pela
UFPE. Médica assistente e preceptora da Residência de Endocrinologia
Pediátrica do HC-UFPE. Coordenadora do Departamento de Endocri­
nologia Pediátrica da SOPEPE.

Bárbara Larissa Coelho de Oliveira Vasconcelos


Médica residente em Endocrinologia Pediátrica do HC-UFPE. Médica
pediatra do HU-UFMA.

Camila Tenório Calazans de Lira


Mestre em Educação Física pela UPE/UFPB. Professora Universitária da
Facottur. Coordenadora do curso de Educação Física da Facottur.

Carlos Henrique Bacelar


Preceptor da enfermaria de Pediatria do Imip (PE). Ex-médico assistente
e preceptor da Residência em Pediatria do HC-UFPE.

Caroline Cavalcanti Gonçalves


Mestre em Saúde da Criança e do Adolescente pela UFPE. Professora
do curso de Medicina do Centro Acadêmico do Agreste (CAA) da UFPE.
Coordenadora do internato.
19

Danielle Cintra Bezerra Brandão


Mestre em Ciências da Saúde pela Escola Paulista de Medicina da
Unifesp. Professora Assistente do Núcleo de Ciências da Vida da UFPE.
Coordenadora da Residência de Pediatria do Núcleo de Ciências da
Vida da UFPE. Membro do Departamento Científico de Neonatologia
da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).

Dayana da Silva Oliveira


Mestre em Educação Física pela UPE/UFPB. Professora do Ensino Básico,
Técni­co e Tecnológico do Instituto Federal da Paraíba (IFPB/MT).

Dayanne Bruscky
Mestre em Saúde da Criança e do Adolescente pela UFPE. Professora
Assistente de Pediatria do Centro de Ciências Médicas da UFPE. Coor­
denadora do Ambula­tó­rio de Dermatoses Alérgicas do HC-UFPE. Coor­
denadora do Centro de Referên­cia e Excelência em Dermatite Atópica
(Adcare) do HC-UFPE. Preceptora de Aler­gia e Imunologia Clínica e
Alergia e Imunologia Pediátrica no HC-UFPE. Membro do Depar­tamento
Científico de Dermatite Atópica da Asso­ciação Bra­sileira de Alergia e
Imu­no­patologia (Asbai). Mem­bro da Diretoria Regio­nal da Asbai (PE).

Déborah Schor
Mestre em Ciências da Saúde pela UFPE.

Décio Medeiros
Pós-doutor pela Unifesp. Pediatra e Alergologista. Pro­
fessor de Pe­
diatria do Centro de Ciências Médicas da UFPE. Supervisor da Re­si­dên­
cia Médica em Alergia Infantil. Membro do Comitê de Ética em Pes­­­
quisa do HC-UFPE.

Edjane Figueredo Burity


Doutora em Saúde Materno-infantil pelo Imip (PE). Professora adjunta
de Pe­diatria do Centro de Ciências Médicas da UFPE. Pneumologista
In­fantil do HC-UFPE. Preceptora da Residência Médica de Alergia e
Imunologia do HC-UFPE. Preceptora da Residência Médica de Pediatria
do HC-UFPE.
20

Eduardo Jorge da Fonseca Lima


Doutor em Saúde Materno-infantil pelo Imip (PE). Professor da Faculdade
Per­nam­bucana de Saúde (FPS). Coordenador da Pós-graduação lato
sensu do Imip (PE). Preceptor do Programa de Residência em Pediatria
do Imip. Membro do Departamento de Imunizações da Sociedade
Brasileira de Pediatria (SBP). Representante regional da Sociedade
Brasileira de Imunizações (SBIm-PE).

Emanuel Sávio Cavalcanti Sarinho


Doutor em Saúde da Criança e do Adolescente pela UFPE. Professor
titular de Pediatria do Centro de Ciências Médicas da UFPE. Supervisor
de Residência Médica em Alergia e Imunologia. Coordenador da Pós-
graduação em Saúde da Criança e do Adolescente.

Emília Maria Dantas Soeiro


Doutora em Ciências (Nefrologia) pela USP. Professora Adjunta de
Pediatria do Centro de Ciências Médicas da UFPE. Coordenadora de
Tutores na Faculdade Pernambucana de Saúde. Membro do Comitê
Científico de Nefrologia Pediátrica da Sociedade Brasileira de Pedia­
tria (SBP).

Fátima Maria Doherty


Mestre em Saúde da Criança e Adolescente pela UFPE. Professora As­
sistente de Pediatria do Centro de Ciências Médicas da UFPE. Espe­cialis­
ta em Pediatria e Neonatologia pela Sociedade Brasileira de Pediatria
(SBP). Preceptora da Residência em Pediatria e Neonatologia do HC-
UFPE. Preceptora do internato na enfermaria de Pediatria do HC-UFPE.

Fernando Antonio Menezes da Silva


Pós-doutor pela Maastricht University (UNIMAAS), Holanda. Doutor
em Cirurgia pela University of Dundee, Escócia. Professor adjunto de
Cirurgia e Coordenador de Pesquisa do Centro de Ciências Médicas da
Faculdade de Medicina do Recife da UFPE. Especialista em Cirurgia
Oncológica. Chefe da Unidade de Recursos Humanos para a Saúde da
Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde
(Opas/OMS), 2015-2021.
21

Fernando Souza Leão


Otorrinolaringologista. Médico pesquisador do Centro de Pesquisas em
Alergia e Imunologia Clínica do HC-UFPE.

Filipe Wanick Sarinho


Mestre em Ciências da Saúde pela UFPE. Residência Médica em Alergia
e Imunologia pelo HC-UFPE.

Flávio Melo
Especialista em Pediatria pelo Imip/SBP. Médico Pediatra do governo
do estado da Paraíba.

Gabriela Corrêa Lima Pereira


Residência Médica em Endocrinologia Pediátrica pelo HC-UFPE. Resi­
dência Médica em Pediatria pelo Hospital Universitário Oswaldo Cruz.
Plantonista de Pediatria do Hospital Otávio de Freitas.

Geórgia Lima de Paula


Residência em Pediatria pelo Imip (PE). Residência em Gastroenterologia
Pediátrica pela Unifesp. Especialista em Pediatria e Gastroenterologia
Pediátrica pela SBP/AMB. Mestrado em Saúde da Criança e do Ado­
lescente pela UFPE. Gas­troenterologista Pediátrica do Imip (PE) e Huoc-
UPE. Chefe da Enfermaria de Pediatria do HC-UFPE.

Georgia Véras de Araújo Gueiros Lira


Mestre em Ciências da Saúde (área de Alergia e Imunologia) pela UFPE.
Doutoranda em Saúde da Criança e do Adolescente (área Alergia e
Imunologia) pela UFPE. Professora de Pediatria do Centro de Ciências
Médicas da UFPE. Espe­cia­lis­ta em Pneumologia Pediátrica pela AMB/
SBP. Especialista em Alergia e Imunologia pela AMB/Asbai. Preceptora
do Ambulatório de Imunoterapia do Hos­pi­tal das Clínicas da UFPE. Mé­
dica do Ambulatório de Doenças Pulmona­res na Infân­cia pela Se­cre­
taria de Saúde de Olinda/PE. Diretora do Departamen­to de Aler­gia e
Imunologia da Sociedade Pernambucana de Pediatria (Sopepe). Coor­
denadora da Comissão Jovem Especialista da Associação Brasileira de
Alergia e Imu­no­lo­­gia (Asbai). Membro do Departamento Científico de
Imuno­te­rapia da Asbai.
22

Geyser Nery da Costa


Doutora em Saúde Pública pelo CPqAM-Fiocruz. Preceptora do Centro
Integrado de Saúde Amaury de Medeiros (Cisam-UPE).

Gladys Queiroz
Mestre em Saúde da Criança e do Adolescente pela UFPE. Especialista
em Aler­gia e Imunologia, pela Sociedade Brasileira de Alergia e Imu­
nologia e Asso­ciação Médica Brasileira (AMB). Médica Alergologista e
Imunologista do Centro de Pesquisas em Alergia e Imunologia Clínica
da UFPE. Membro do Departamento Científico de Alergia a Drogas da
Associação Brasileira de Alergia e Imunopatologia (Asbai).

Glauber Moreira Leitão


Doutor pela UFPE. Mestre em Ciências pela Universidade de São Pau­
lo. Médico e chefe da Unidade de Gestão de Cuidados do HC-UFPE/
Ebserh.

Gustavo Coelho Dantas


Especialista em Pediatria pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).
Especialista em Nefrologia Pediátrica pela Sociedade Brasileira de
Nefrologia (SBN). Especialista em Terapia Intensiva Pediátrica pela
Associação de Medicina Intensiva Brasileira (Amib). Professor substitu-
to de Puericultura da UFPE (2009-2011).

Igor Bruscky
Neurologista. Membro Titular da Academia Brasileira de Neurologia.
Doutor em Ciências da Saúde pela UPE.

Ilana Santos de Oliveira


Doutora em Saúde da Criança e do Adolescente pela UFPE. Coor­
denadora de Educação Física e Esportes do Colégio Imaculado Co­ra­ção
de Ma­ria (CICM).

Ivanise Helena Bezerra Torres


Professora Adjunta de Pediatria do Centro de Ciências Médicas da
UFPE.
23

Izabel Cavalcanti
Residência Médica em Pediatria pelo Imip (PE). Médica Pediatra pela
Ebserh. Chefe da Unidade de Atenção à Saúde da Criança e Adolescente
do HC-UFPE. Preceptora da enfermaria de Pediatria do Hospital Correia
Picanço e do Serviço de Pediatria do HC-UFPE.

Ivanil Sobreira de Araújo


Mestre em Pediatria pela UFPE. Professora adjunta de Pediatria do
Centro de Ciências médicas da UFPE.

Jacqueline Araújo
Doutora em Ciências Biológicas pela UFPE. Chefe do Serviço de En­do­
crinologia Pediátrica do HC-UFPE. Preceptora de Residência Médi­ca de
Endocrinologia Pediátrica do HC-UFPE.

José Ângelo Rizzo


Professor adjunto do Departamento de Clínica Médica da UFPE. Espe­
cialista em Alergia e Imunologia pela Associação Brasileira de Alergia
e Imunopatologia (Asbai).

José Henrique Moura


Doutor em Saúde da Criança e do Adolescente pela UFPE. Médico da
Unidade Neonatal do HC-UFPE. Preceptor da Residência de Neonatologia
e Pediatria da UFPE. Médico coordenador da Unidade Neonatal do
Hospital Memorial São José.

Juliana Asfura Pinto Ribeiro


Residente do segundo ano em Alergia e Imunologia Pediátrica pelo
HC-UFPE. Médica Pediatra formada pela UFPE.

Juliana de Albuquerque Leão


Pós-graduada em Emergência em Pediatria e Neonatologia pelo Ins­
tituto Brasileiro de Ciências Médicas. Professora substituta de Pediatria
do Centro de Ciências Médicas da UFPE. Especialista em Pediatria pela
Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).
24

Kátia Galeão Brandt


Doutora em Ciências pela USP. Professora de Pediatria do Centro de
Ciências Médicas da UFPE. Professora da Pós-graduação em Saúde da
Cri­ança e do Ado­lescente da UFPE. Preceptora do Ambulatório de Gas­
troenterologia Pe­diátrica do HC-UFPE.

Klarissa Pimentel de Souza


Residente em Endocrinologia Pediátrica pelo HC-UFPE. Pediatra do
Hospital Infantil Maria Lucinda.

Luciana Maria Delgado Romaguera


Doutora em Medicina Tropical pela UFPE. Preceptora de Residência
Mé­dica em Pediatria e Neonatologia do HC-UFPE. Membro consultor
do Serviço de Con­trole de Infecção Hospitalar do HC-UFPE.

Luiz Alberto Reis Mattos Junior


Doutor pela UFPE. Professor Adjunto da área acadêmica de Medicina
Clí­nica do Centro de Ciências Médicas da UFPE. Médico Oncologista
Clínico e Pre­ceptor de Residência Médica do HC-UFPE. Diretor do Cen­
tro de Ciências Mé­dicas/Faculdade de Medicina do Recife, da UFPE.
Mem­bro da Sociedade Bra­sileira, Americana e Europeia de Oncologia
Clínica, do Grupo Brasileiro de Tu­mo­res Gastrointestinais.

Luiz Alexandre Ribeiro da Rocha


Alergologista e Imunologista com título de especialista pela Asbai/
AMB. Mé­dico do Ambulatório de Reações Adversas a Medicamentos
do Centro de Pes­quisas em Alergia e Imunologia do HC-UFPE. Membro
do Departamento Cien­tífico de Alergia a Medicamentos da Asbai.

Luiza Lyra Cabral


Graduada em Medicina pela UFPE. Residente em Pediatria pelo Ins­
tituto Materno-Infantil de Pernambuco (Imip-PE).

Manuela Torres Câmara Lins


Mestre em Saúde da Criança e do Adolescente pela UFPE. Professora
de Pediatria do Centro de Ciências Médicas da UFPE. Preceptora do
Ambulatório de Gastroenterologia Pediátrica do HC-UFPE/Imip/HBL.
25

Mara Alves da Cruz Gouveia


Mestre em Saúde da Criança e do Adolescente pela UFPE. Professora
de Pediatria do Centro de Ciências Médicas da UFPE. Nutróloga Pediá-
trica com título de especialista pela SBP/AMB. Pediatra com título de es-
pecialista pela SBP/AMB. Preceptora do Ambulatório de Gastroenterolo­
gia Pediátrica do HC-UFPE e do Instituto de Medicina Integrada Prof.
Fernando Figueira (Imip-PE). Preceptora do Ambulatório de Nutrolo­gia
Pediátrica do Instituto de Medicina Integrada Prof. Fernando Figuei­ra
(Imip-PE). Coordenadora da Residência de Gastroenterologia Pediátri­
ca do HC-UFPE. Diretora do Departamento de Nutrologia da Socieda­de
Pernambucana de Pediatria (Sopepe).

Marcilio Lins Aroucha


Doutor em Gastroenterologia pela UFMG. Professor Associado de
Pediatria do Centro de Ciências Médicas da UFPE. Preceptor de acadê-
micos, internos e médicos residentes em Pediatria no Ambulatório de
Pediatria do HC-UFPE. Coordenador da Área Acadêmica de Pediatria do
Centro de Ciências Médicas da UFPE. Coordenador da Liga Acadêmica
de Saúde e Espiritualidade (Liase-UFPE).

Margarida Maria de Castro Antunes


Doutora em Saúde da Criança e do Adolescente pela UFPE. Professora de
Pediatria do Centro de Ciências Médicas da UFPE e da Pós-graduação em
Saúde da Criança e do Adolescente da UFPE. Preceptora do Serviço de
Gastropediatria do HC-UFPE.

Maria Carolina Pires Lins e Silva Lima


Graduada em Medicina pela Faculdade Pernambucana de Saúde (FPS).
Resi­dente em Pediatria do Hospital Universitário Oswaldo Cruz da UPE.

Maria Clezilte Brasileiro (in memoriam)


Mestre em Pediatria pela UFPE. Professora associada de Pediatria do
Centro de Ciências Médicas da UFPE. Coordenadora da disciplina de
Pediatria e chefe do Serviço de Pediatria HC-UFPE (1995-2011).
26

Maria das Graças Moura Lins


Doutora em Saúde da Criança e do Adolescente pela UFPE. Professora
de Pediatria do Centro de Ciências Médicas da UFPE. Preceptora da
Residência Médica em Gastroenterologia e Nutrologia Pediátrica do
HC-UFPE.

Maria Isabella Londres Lopes


Mestre em Saúde da Criança e do Adolescente pela UFPE. Médica espe-
cialista em Pediatria pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). Pre­
ceptora de internos e médicos residentes no Ambulatório de Pediatria
do HC-UFPE.

Maria Laura Campelo de Melo Dias


Professora Associada de Pediatria do Centro de Ciências Médicas da
UFPE.

Marta Maciel Lyra Cabral


Doutora em Saúde Pública pelo CPqAM/Fiocruz. Professora Adjunta
de Pe­diatria do Centro de Ciências Médicas da UFPE. Preceptora da
Residência Médi­ca em Pediatria do HC-UFPE.

Mateus da Costa Machado Rios


Mestre pela UFPE. Preceptor do Ambulatório de Imunologia Clínica do
HC-UFPE.

Matilde Campos Carrera


Doutora em Medicina Tropical pela UFPE. Preceptora e coordenado-
ra da Resi­dência em Dermatologia do Imip (PE). Membro do Comitê
Científico de Derma­tologia da Sociedade de Pediatria de Pernambuco
(Sopepe) e da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).

Michela Cynthia da Rocha Marmo


Doutora em Saúde da Criança e do Adolescente pela UFPE. Professora
adjunta de Pediatria do Centro de Ciências Médicas da UFPE. Gas­
tro­en­te­ro­logista Pediá­tri­ca pela SBP/AMB. Supervisora da Residência
27

Mé­dica em Gastroenterologia Pe­diá­trica do Imip (PE). Membro do co-


mitê de Gastroenterologia Pediátrica do Grupo de Estudos da Doença
Inflamatória Intestinal do Brasil (Gediib).

Odimariles Dantas
Doutora em Medicina Tropical pela UFPE. Professora adjunta de Pe­di­
atria do Centro de Ciências Médicas da UFPE.

Silvia Wanick Sarinho


Doutora em Saúde da Criança e do Adolescente pela UFPE. Professora
titular de Pediatria do Centro de Ciências Médicas da UFPE. Professora
da Pós-graduação em Saúde da Criança e do Adolescente da UFPE.

Simone de Oliveira Barbosa Villa Verde


Especialista em Cardiologia Pediátrica pelo Imip (PE). Pediatra do
Hospital das Clíni­cas da UFPE/Ebserh. Preceptora da Residência Médica
em Pediatria do HC-UFPE.

Sophie Helena Eickmann


Doutora em Saúde da Criança e do Adolescente pela UFPE. Professora
associada de Pediatria do Centro de Ciências Médicas da UFPE. Profes­
so­ra permanente do Programa de Pós-Graduação em Saúde da Criança
e do Adolescente da UFPE. Neurologista do Desenvolvimento Precep­to­
ra do Ambulatório de Puericultura do HC-UFPE

Taciana de Andrade Schuler


Médica assistente e preceptora da Residência de Endocrinologia Pe­
diátrica do HC-UFPE e do Imip (PE).

Tereza Rebecca de Melo e Lima


Doutora em Saúde Materno-infantil pelo Imip (PE). Professora adjun-
ta de Pediatria do Centro de Ciências Médicas da UFPE. Preceptora
de Pediatria do Imip (PE). Coordenadora do Internato em Saúde da
Criança do Imip/Coordenadora de Tutoriado do Curso de Medicina da
Faculdade Per­nambucana de Saúde (FPS). Membro do Comitê de De­
sen­volvimento Do­cente da FPS.
28

Thaís Aguiar Accioly Rocha


Pediatra do Desenvolvimento e do Comportamento pelo Instituto
da Criança da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
(ICR-FMUSP).

Valéria Maria Bezerra Silva


Mestre em Pediatria pela UFPE. Coordenadora Médica da Emergência
Pediá­trica e do Serviço de Intercorrência Pediátrica do Real Hospital
Por­tuguês de Pernambuco. Coordenadora e preceptora do Hospital
Por­tuguês de Pernambuco. Coordenadora do Curso Suporte Básico de
Vida (BSV) da Sociedade Brasileira de Pediatria.

Victor Mendes da Silva


Graduando em Medicina pelo Centro de Ciências Médicas da UFPE.

Virgínia Buarque Cordeiro Cabral


Mestre em Saúde da Criança e do adolescente pela UFPE. Coordenadora
da Clínica de Terapia Familiar e do Curso de Formação em Terapia Fa­
mi­liar Sistêmica do HC-UFPE.
S E Ç ÃO 1

Neonatologia

Capítulo 1
Classificação e exame físico do recém-nascido

Capítulo 2
Reanimação neonatal

Capítulo 3
Distúrbios respiratórios do recém-nascido

Capítulo 4
Infecções congênitas

Capítulo 5
Sífilis congênita

Capítulo 6
Icterícia neonatal

Capítulo 7
Colestase neonatal: por que é importante
sempre investigar?

Capítulo 8
Infecções relacionadas à assistência à saúde

Capítulo 9
Seguimento ambulatorial do recém-nascido
de alto risco
C AAPÍTULO
PÍTULO x1

Classificação e exame físico


do recém-nascido

Caroline Cavalcanti Gonçalves


Danielle Cintra Bezerra Brandão
Geyser Nery da Costa
Silvia Wanick Sarinho

INTRODUÇÃO importantes ao nascimento. Na atuali-


A classificação do recém-nascido (RN) dade, a idade gestacional é o indicador
tem como objetivo identificar os riscos mais sensível para avaliação. Os estudos
de morbidade e mortalidade, ao classifi- mostram que, quanto menor a idade
cá-lo em uma categoria de idade gesta- gestacional, maior o risco de morte e/ou
cional, de peso ao nascer ou associando morbidade. O peso ao nascer, outro da-
o peso ao nascer à idade gestacional. do relevante de indicação de complica-
O exame físico do RN tem como obje- ções neonatais, deve também ser inter-
tivo determinar sua normalidade e o seu pretado na relação entre peso e idade
estado de saúde para nortear a conduta gestacional, com a finalidade de avaliar
do pediatra. Inicia-se na sala de parto restrições do crescimento intrauterino.
de forma sumária, com observação do Somadas a isso, as informações sobre as
estado geral, sistemas cardiorrespirató- histórias pré-natal e perinatal são valio-
rio, neurológico, gastrointestinal, uro- sas para a condução do RN.
genital e osteoarticular. Posteriormente, Critérios para a classificação do RN:
será realizado de modo mais detalhado • Idade gestacional;
e complementar. • Peso ao nascer; e
• Peso ao nascer x idade gestacional.
COMO CLASSIFICAR O RN E QUAIS SÃO
OS CRITÉRIOS ADOTADOS? Idade gestacional
Existem três formas de classificar o neo- A idade gestacional (IG) é o tempo
nato, cada uma fornecerá informações transcorrido desde a concepção até o
Classificação e exame físico do recém-nascido 31

momento do nascimento. As estimati- Com o avanço do conhecimento


vas da idade gestacional podem se ba- da neonatologia, observou-se a neces-
sear em: sidade de dividir em subcategorias, as
• Data da última menstruação; classificações do pré-termo e do ter-
• Ultrassonografia (USG) fetal do primei­- mo, pois a morbidade e a mortalidade
ro trimestre; variam a cada semana de idade gesta-
• Parâmetros físicos após o nascimento. cional. Os Quadros 1 e 2 definem essas
subcategorias.
O Committee on Obstetric Practice, No exame físico do RN, utilizam-
juntamente ao American Institute of -se dois métodos: o Capurro e o New
Ultrasound in Medicine e à Society for Ballard para avaliar a idade gestacional.
Maternal-Fetal Medicine, em 2017, consi-
Quadro 1. Subcategorias do RN pré-termo
deram o exame ultrassonográfico reali-
zado precocemente, antes de completar Classificação Idade gestacional

14 semanas de gestação, como o padrão Pré-termo extremo < 28 semanas


ouro para a estimativa da IG. Na falta da Muito pré-termo 28 a < 32 semanas
USG do primeiro trimestre, a avaliação
Pré-termo moderado 32 a < 34 semanas
clínica é extremamente útil. A determi-
Pré-termo tardio 34 a < 37 semanas
nação da IG pelo exame físico tem por
finalidade avaliar o grau de maturidade Fonte: Vogel, Chawanpaiboon, Moller, Watananirun,
Bonet e Lum­biganon (2013).
do RN. Esta se baseia em dados selecio-
nados de exame físico e neurológico Quadro 2. Subcategorias do RN termo

que, usados criteriosamente, permitem


Classificação Idade gestacional
avaliar a idade gestacional, com aproxi-
Termo precoce 37-38 semanas
mação de até uma a duas semanas, em
Termo 39-40 semanas
relação às estimativas do padrão ouro.
Existem limites bem estabelecidos Termo tardio 41-42 semanas

na literatura para classificar o recém- Fonte: ACOG (2013).


-nascido: pré-termo, termo e pós-termo.
Define-se: O Método de Capurro pode ser rea-
• Pré-termo: idade gestacional infe- lizado ao nascer e/ou no momento do
rior a 37 semanas; primeiro exame físico completo do neo-
• Termo: idade gestacional compreen- nato. Se realizado até 12 horas de vida,
dida entre 37 e 41 semanas e seis dias; calcula-se o Capurro Somático; após 12
• Pós-termo: idade gestacional de 42 horas, inclui-se dois sinais de maturida-
semanas ou mais. de neurológica e, então, chama-se So­ma­­-
SEÇÃO 1 32

ticoneurológico (Quadro 3). Con­


tudo, semanas. Para avaliar com mais precisão
este método tem uma limitação na o prematuro, sugere-se a utilização do
avaliação da idade gestacional nos pre- Método de New Ballard, que é um méto-
maturos, sobretudo nos menores que 32 do de avaliação da idade gestacional de

Quadro 3. Método de Capurro na avaliação da idade gestacional (somático e somaticoneurológico)

Mamilo Mamilo nítido, Mamilo Mamilo


pouco visível, aréola lisa. puntiforme, puntiforme,
Forma do sem aréola Diâmetro aréola de borda aréola de
mamilo (A) < 0,75 cm não elevada borda elevada
> 0,75 cm > 0,75 cm
0 ponto 5 pontos 10 pontos 15 pontos

Fina, Fina, lisa Algo mais Grossa, Grossa,


gelatinosa grosso, com com sulcos aperga-
Textura da discreta superficiais, minhada,
pele (B) descamação descamação de com sulcos
superficial mãos e pés profundos
0 ponto 5 pontos 10 pontos 15 pontos 20 pontos

Chata, Pavilhão Pavilhão Pavilhão


disforme, parcialmente parcialmente totalmente
Forma da pavilhão não encurvado na encurvado em encurvado
orelha (C) encurvado borda toda borda
superior
0 ponto 8 pontos 16 pontos 24 pontos

Tamanho Ausência Diâmetro Diâmetro 5 mm Diâmetro


da glândula de tecido < 5 mm a 10 mm > 10 mm
mamária mamário
(D) 0 ponto 5 pontos 10 pontos 15 pontos

Ausentes Marcas mal Marcas bem Na metade Sulcos em


definidas definidas anterior da mais da
Sulcos na metade na metade planta metade
plantares anterior da anterior e no anterior da
(E) planta terço anterior planta
0 ponto 5 pontos 10 pontos 15 pontos 20 pontos

Na linha axilar Entre a linha Ao nível da Entre a linha


Sinal anterior, do axilar anterior, linha média média e a linha
do Xale lado oposto do lado axilar anterior,
(posição do oposto, e a do mesmo lado
cotovelo) linha média
(F)
0 ponto 6 pontos 12 pontos 18 pontos

Posição da Totalmente  entre 180 e  = 180°  < 180°


cabeça ao deflexionada 270°
levantar o  = 270°
RN (G) 0 ponto 4 pontos 8 pontos 12 pontos

Capurro Somático: Somatório dos pontos em A, B, C, D, E + 204/7.


Capurro Somaticoneurológico: Somatório dos pontos em B, C, D, E, F, G + 200/7.
Fonte: Capurro, Konichezky, Fonseca e Caldeyro-Barcia (1978).
Classificação e exame físico do recém-nascido 33

recém-nascido pela análise de seis parâ- Peso x Idade gestacional


metros neurológicos e seis parâmetros O RN pode ainda ser classificado pelo es-
físicos; a cada um dos quais se atribui tado nutricional, por meio da avaliação
uma pontuação, que na somatória de- do peso ao nascer e da idade gestacional.
terminará a estimativa da idade gesta- Utilizam-se curvas de crescimento pa-
cional. Este é um método modificado da dronizadas com o intuito de classificar
versão original, sendo agregados alguns o RN em percentis, tendo como ponto
itens, permitindo, assim, a avaliação de corte os percentis 10 e 90. Desse mo-
de RN com IG a partir de 20 semanas do, Alexander e colaboradores desenvol-
(Figura 1). veram uma curva de crescimento fetal
(Tabela 1). Esta possibilita a classificação
Peso ao nascer do RN quanto ao peso:
O peso do RN deve ser aferido dentro • RN grande para a idade gestacio-
da primeira hora após o nascimento. nal (GIG): peso acima do percen-
Há preocupação com os recém-nasci- ­­til 90;
dos classificados como baixo peso ao • RN adequado para a idade gesta-
nascer, cuja definição é o RN com pe- cional (AIG): peso entre o percentil
so menor que 2.500 g. Quanto menor 10 e o percentil 90;
o peso, maior é a morbimortalidade. • RN pequeno para a idade gesta-
Dessa maneira, o RN com baixo peso cional (PIG): peso abaixo do percen­­-
é subcategorizado como mostrado no til 10.
Quadro 4.
COMO EXAMINAR O RECÉM-NASCIDO?
Quadro 4. Subcategorias do RN com baixo peso Proceder ao exame físico do RN saudá-
Classificação Peso ao nascer vel de preferência antes de 12 horas de
Baixo peso Entre 1.500 e 2.500 g
vida (entre 4 e 12 horas), após a higieni-
zação das mãos e do instrumental que
Muito baixo peso Entre 1.000 e 1.500 g
será utilizado para sua realização. O
Extremo baixo peso < 1.000 g
exame deverá respeitar as condições de
Fonte: Adaptado de Lima, Brandão e Figuei­redo (2011). vigília e do sono do RN, que deverá estar
despido, em decúbito dorsal e na tem-
Define-se como macrossômico, o peratura ambiente adequada, de prefe-
RN com peso de nascimento superior a rência, no intervalo entre as mamadas,
4.000 g, independentemente da idade referindo o resultado geral do procedi-
gestacional. mento para a genitora.
SEÇÃO 1 34

Figura 1. Método de New Ballard

Pontos -1 0 +1 +2 +3 +4 +5

Postura

Ângulo de
flexão do
punho
> 90º > 90º > 60º > 45º > 30º 0º

Retração do
braço
180º 140º-180º 110º-140º 90º-110º < 90º

Ângulo
poplíteo
180º 160º 140º 120º 100º 90º < 90º

Sinal do xale

Calcanhar
orelha
Classificação e exame físico do recém-nascido 35

Pontos -1 0 +1 +2 +3 +4 +5

Rash e/ou Descamação Apergaminhada


Pegajosa Gelatinosa homogeneamente Coriácea
descamação grosseira Fissuras
Pele Friável Vermelha rósea Fissuras profundas
superficial Áreas de palidez profundas
Transparente Translúcida Veias visíveis enrugadas
Poucas veias Raras veias Sem vasos

Praticamente
Lanugo Nenhum Esparso Abundante Lanugo fino Áreas sem pelos Avaliação da IG
ausente

Marcas na Marcas cobrem Pontos Semanas


Superfície 40-50 mm: -1 > 50 mm Marcas nos
Marcas tênues superfície toda a superfície
plantar < 40 mm: -2 Sem marcas 2/3 anteriores -10 20
anterior plantar

-5 22
Aréola Aréola borda 0 24
Borda elevada
Glândula Pouco Aréola plana parcialmente elevada
Imperceptível Glândula
mamária perceptível Sem glândula elevada Glândula 5 26
5-10 mm
Glândula 1-2 mm 3-4 mm
10 28
15 30
Pavilhão Pavilhão 20 32
Pálpebras Pavilhão
Pálpebras completamente completamente
abertas parcialmente Cartilagem
Olhos fundidas encurvado, encurvado, 25 34
Pavilhão plano, encurvado, grossa, orelha
Orelhas frouxamente: -1 mole, com firme, com
permanece mole, com firme 30 36
fortemente: -2 recolhimento recolhimento
dobrado recolhimento lento
rápido instantâneo
35 38

Testículo na Testículo na Testículo na Bolsa escrotal 40 40


Testículo fora da
Genital Escroto plano porção superior do porção inferior bolsa escrotal em pêndulo 45 42
bolsa escrotal
masculino e liso canal, raras rugas do canal, poucas com rugas bem e com rugas
(sem rugas)
escrotais rugas escrotais visíveis profundas 50 44

Clitóris Clitóris Lábios menores Lábios maiores, Lábios maiores


Clitóris
Genital proeminente proeminente e maiores grandes e recobrem o
proeminente
feminino Lábios menores Lábios menores igualmente menores, clitóris e os
Lábios planos
pequenos evidentes proeminentes pequenos lábios menores

Fonte: Ballard, Khoury, Wedig, Wang, Eilers-Walsman e Lipp (1991).


SEÇÃO 1 36

Tabela 1. Curva de crescimento fetal com percentis de peso ao nascer (gramas) para cada idade
gestacional (semanas)

Idade Percentis
Gestacional
(semanas) P5 P10 P50 P90 P95

20 249 275 412 772 912

21 280 314 433 790 957

22 330 376 496 826 1023

23 385 440 582 882 1107

24 435 498 674 977 1223

25 480 558 779 1138 1397

26 529 625 899 1362 1640

27 591 702 1035 1635 1927

28 670 798 1196 1977 2237

29 772 925 1394 2361 2553

30 910 1085 1637 2710 2847

31 1088 1278 1918 2986 3108

32 1294 1495 2203 3200 3338

33 1513 1725 2458 3370 3536

34 1795 1950 2667 3502 3697

35 1950 2159 2831 3596 3812

36 2156 2354 2974 3668 3888

37 2357 2541 3117 3755 3956

38 2543 2714 3263 3865 4027

39 2685 2852 3400 3980 4107

40 2761 2929 3495 4060 4185

41 2777 2948 3527 4094 4217

42 2764 2935 3522 4098 4213

43 2741 2907 3505 4096 4178

44 2724 2885 3491 4096 4122

Fonte: Alexander, Himes, Kaufman, Mor e Kogan (1996).


Classificação e exame físico do recém-nascido 37

Antropometria lizada e as mãos fechadas no RN a termo.


Observar no RN a termo os seguintes pa- O tônus muscular varia com a idade ges-
râmetros antropométricos no primeiro tacional ao nascimento.
exame, antes de 12 horas de vida: peso
ao nascer (aferido na primeira hora de Pele
vida), comprimento, perímetros cefálico A textura da pele depende da idade ges-
e torácico. Os três primeiros parâmetros, tacional, sendo por esse motivo, um dos
cujo padrão varia com o sexo, também parâmetros utilizados na avaliação des-
devem ser anotados na caderneta da se critério. O RN a termo tem pele lisa,
criança, nos gráficos adequados (WHO, brilhante, úmida, fina e rosada. Pode
2006), no momento da alta hospitalar. variar a textura, sendo seca e áspera,
Se for RN pré-termo, corrigir de acordo em doenças, como o hipotireoidismo
com a idade gestacional. congênito. No RN com insuficiência pla-
O RN deve ser pesado diariamente, centária, a pele, além de seca, é aperga-
e estima-se uma perda fisiológica de minhada e tem descama­ção acentuada.
até 10% nos primeiros dias de vida, para Pode haver maior quantidade de
o RN a termo; e de até 15%, para o RN melanina em algumas regiões, como
pré-termo. periungueal e pele da borda do umbigo,
de acordo com a raça. A cor amarelada
Exame geral da pele e das mucosas (icterícia) no RN
Avaliar o estado geral do RN, postura, ati- deve ser investigada, quando seu surgi-
vidade, choro, fácies, movimentação dos mento e evolução não forem coerentes
quatro membros simetricamente, colora- com os critérios definidos para icterícia
ção da pele, presença de malfor­mações. fisiológica.
A presença de uma linha delimitan-
Choro do um hemicorpo com eritema e outro
O RN em repouso raramente chora. O com coloração normal denomina-se
choro normal é forte e sonoro, de tim- Fenômeno de Arlequim, em geral é uma
bre variável. Modificações no timbre ou condição benigna e sugere algum grau
intensidade podem sugerir alterações de instabilidade vasomotora.
no estado de saúde. É comum a presença de cianose de
extremidades (acrocianose), que se apre-
Postura sentam frias ao toque. Essa condição
Simétrica, com os membros superiores costuma regredir com o aquecimento. A
fletidos e os inferiores semifletidos, a cianose peribucal ou central é preocu-
cabeça se apresenta, geralmente, latera- pante, principalmente, se associada à
SEÇÃO 1 38

palidez e, geralmente, significa doença. que desaparecem espontaneamente.


A palidez acentuada também pode ser Não possuem importância clínica ou es-
um dado importante em um processo tética. He­mangiomas são formas vascu-
de doença grave. Pletora pode ser indi- lares mais extensas e elevadas e podem
cativo de RN policitêmico ou outras si- ter significado patológico.
tuações, como hipertermia.
Além de umidade e elasticidade, Exame físico craniocaudal
outras características da pele do RN Crânio
podem ser verificadas: lanugem (pelos De acordo com a apresentação ao nas-
finos que recobrem todo o corpo e caem cimento, pode ocorrer assimetria tran-
em alguns dias), vérnix (material gordu- sitória. Verificar a forma, o tamanho
roso e esbranquiçado com funções de (macrocefalia, microcefalia), saliências
proteção da pele e de isolamento tér- (bossa serossanguínea, céfalo-hemato-
mico), mancha mongólica (de colora- ma, meningocele e meningomielocele),
ção azul acinzentada, localizada geral- craniotabes (área de consistência seme-
mente no dorso, na região lombossacra lhante a uma bola de pingue-pongue,
e na glútea; e causada pela migração que deve ser investigada se persistir
dos melanócitos), eritema tóxico (lesões após os três meses de vida).
eritematopapulosas, que surgem nos A fontanela anterior, em forma de lo-
primeiros dias de vida e tem regres- sango, mede 2 cm nos dois sentidos (va-
são espontânea), milium sebáceo (são riação normal de 1 a 5 cm). A fontanela
pontos brancos devido à obstrução das posterior é triangular e do tamanho de
glândulas sebáceas; localizam-se na ba- uma polpa digital. Devem ser avaliados,
se do nariz e na região geniana), edema o tamanho, a tensão, os abaulamentos,
(presente, ao nascimento, nos locais da as depressões e a pulsação. As suturas
apresentação). Nos RNs prematuros, o normalmente estão um pouco afastadas
edema é duro, chamado de linfedema, (disjunções de suturas), mas também
e localiza-se nos membros inferiores e são comuns as sobreposições das bor-
na região genital. das dos ossos do crânio (cavalgamentos),
Petéquias e equimoses localizadas especialmente, após o parto vaginal, e
podem ser encontradas e, em geral, es- desaparecem em poucos dias sem qual-
tão relacionadas a traumas duran­te o quer expressão patológica. Quando
parto, mas quando generalizadas devem o­cor­re a fusão intrauterina das suturas,
ser investigadas. Máculas vas­culares são constituindo a craniossinostose, o osso
manchas de cor salmão presentes na nu- para de crescer e ocorre assimetria do
ca, nas pálpebras superiores e na fronte, crescimento do crânio.
Classificação e exame físico do recém-nascido 39

Fácies Boca, faringe e mandíbula


A observação das estruturas da face pode Observar desvio de comissura labial, pre-
sugerir síndromes genéticas ou malfor- sença de dentes rudimentares, salivação
mações congênitas, como nas trissomias escassa, presença de fenda labial e/ou
13, 18 e 21, e síndrome de Pierre-Robin. palatina, presença de aftas de Bednar e
pérolas de Epstein. Micrognatia pode ser
Olhos encontrada. Observar o frênulo lingual e
se há limitações importantes dos movi-
No RN, encontram-se, na mai­oria das
mentos da língua do RN.
vezes, fechados. Analisar simetria, ta-
manho (microftalmia, buftalmia ou
Ouvido
hidroftalmia), posição (hipertelorismo),
nível dos olhos (exoftalmia, enoftal- Observar posição, formação, implantação,
mia), e abertura da fenda palpebral. A tamanho, presença de apêndices e fístu-
esclera é branca ou levemente azulada las pré-auriculares. Fazer otoscopia. Rea­li-
nos RN pré-termo. A cor azul mais in- zar a Triagem Neonatal Auditiva (Teste
tensa está associada à osteogênese im- da Orelhi­nha), preferencialmente, nas pri-
perfeita e outras doenças do colágeno. meiras 24 a 48 horas de vida, com a finali-
Inspecionar córnea, cristalino, pálpebra dade de identificar precocemente possí-
(ptose, epicanto), pupilas (isocoria, ani- veis perdas auditivas, que deve ser rea­
socoria). Observar a conjuntiva. Po­
de lizado por fonoaudiólogo com aparelho
ocorrer estrabismo transitório. O “Tes­­te de Emissões Otoacústicas Evocadas para
do Olhinho” (triagem) deve ser realiza- observar o retorno de estímulos sonoros
do com as luzes apagadas e o médico leves, de estruturas do ouvido interno.
observa o reflexo da luz emitida por
uma lanterna no fundo do olho do RN. Pescoço
Deve ser simétrico. Se não há alteração Observar mobilidade, tônus, excesso de
aparecerá um reflexo vermelho no olho pele na nuca e na parte lateral, cistos lin-
examinado. fáticos, fístula branquial, cisto tireoglosso,
bócio congênito e torcicolo congênito.
Nariz
Observar localização, aspecto, simetria, Gânglios linfáticos
permeabilidade das narinas, malforma- Palpar as cadeias ganglionares cervi-
ções, lesões e traumas; espirros e uma cais, occipitais, submandibulares, axi-
pequena quantidade de secreção fluida lares e inguinais e observar tamanho,
e clara são frequentes. mobilidade, consistência e presença de
SEÇÃO 1 40

sinais flogísticos. O RN saudável pode Aparelho geniturinário


apresentar raros gânglios, medindo em No RN do sexo masculino, examinar o
torno de 3 mm. orifício prepucial, a implantação da
uretra, o aspecto da bolsa escrotal e a
Tórax localização dos testículos; no RN do se-
Observar forma, simetria, mamilos, glân- xo feminino, os pequenos e os grandes
dulas mamárias, apêndice xifoide, ictus lábios, o clitóris, a membrana himenal
cordis. A respiração é costoabdominal, e secreção vaginal. A diurese ocorre nas
ritmo respiratório irregular (nos prema- primeiras 24 horas de vida. Observar ge-
turos), frequência respiratória entre 40 e nitália ambígua.
60 irpm, ausculta pulmonar, logo após o
nascimento, com estertores finos, crepi- Ânus e região sacrococcígea
tantes e roncos de transmissão. Na aus- À ins­peção da região anal, pode-se de-
culta cardíaca, observar bulhas, sopros tectar a existência de patologias (pro-
e arritmias. A frequência cardíaca varia lapso, fístula anorretal). Na região sacro­
de 70 a 170 bpm (nas primeiras 24 ho- coccí­gea, pode ser encontrada espinha
ras) e estabiliza-se entre 120 e 140 bpm. bífida, meningocele, meningomie­
loce­
Palpar pulsos femorais e periféricos e le e teratomas.
aferir pressão arterial. A oximetria de
pulso (Teste do Coraçãozinho), exame Músculos, ossos e articulações
não invasivo, deverá ser realizada em Observar na coluna vertebral a presen-
RNs aparentemente saudáveis, com ida- ça de tumorações, lipomas, hemangio­
de gestacional > 35 semanas, entre 24 e mas, fossetas sacrais e disrafismos. Na
48 horas de vida. musculatura, examinar força, tônus, tro-
fismo e mobilidade do RN. Avaliar de­for­-
Abdome midades ósseas, polidactilia, sindactilia,
Observar aspecto, forma, circulação co- aracnodactilia, clinodactilia, agenesia
lateral, hérnias, tumorações, diástese óssea e pés tortos. Avaliar se existem to-
dos músculos retos abdominais, presen- cotraumatismos. Realizar as Manobras
ça de ruídos hidroaéreos, coto umbili- de Ortolani e de Barlow na articulação
cal (que deve possuir uma veia e duas coxofemural. A Manobra de Ortolani é
artérias umbilicais ao centro), presença realizada após flexão do membro infe-
de onfalocele ou gastrosquise, palpar fí- rior do recém-nascido, seguida da ab-
gado e baço. A eliminação de mecônio dução da coxa, de modo suave, e quan-
ocorre entre 24 e 36 horas de vida. do o examinador sentir com a mão o
Classificação e exame físico do recém-nascido 41

deslizamento posterior no acetábulo, ao A ausência ou redução deste reflexo


elevar suavemente o trocânter maior indica grave lesão do sistema nervoso
do fêmur, é considerado Ortolani posi- central. Quando assimétrico, pode sig-
tivo (su­ges­ti­vo de displasia do quadril). nificar paralisia braquial, sífilis congê-
Interpre­
tação semelhante ocorre na nita (pseudoparalisia de Parrot) e fratu-
Manobra de Barlow, quando o examina- ra de clavícula ou úmero. Desaparece
dor empur­rar o joelho fletido e discreta- aos 3-4 meses; sua persistência, além
mente in­clinado na direção do abdome, do sexto mês de vida, indica atraso no
e com a mão posicionada estabilizando desenvolvimento.
o quadril, perceber o deslizamento da
cabeça do fêmur para fora do acetábu- Reflexos de preensão palmar e plantar
lo. Realizar ambos os testes de modo O examinador pressiona com a polpa di-
bi­lateral. gital as bases dos dedos das mãos e dos
pés do RN; a resposta palmar é a flexão
Exame neurológico dos dedos abraçando os dedos do exa-
Inicia-se pela avaliação sensorial (alerta, minador; já a resposta plantar é a flexão
irritado, deprimido, torporoso, letárgi- dos dedos em direção à região plantar.
co). Obser­vam-se tremores finos, movi- O reflexo de preensão palmar desapare-
mentação não coordenada, posição de ce até os seis meses de vida, e o plantar
flexão e lateralidade da cabeça. Os refle- até os 9 meses.
xos arcaicos são transitórios e desapare-
cem de acordo com o desenvolvimento Reflexo da fuga à asfixia
do RN. Colocando-se o RN em decúbito ventral,
de modo que as narinas fiquem obstruí-
Reflexos próprios do RN das pelo plano em que está deitado, o
Reflexos de Moro RN faz uma rotação da cabeça para
Reflexo do abraço, movimento global melhorar.
do qual participam os membros superio-
res e inferiores; é facilmente provocado Reflexo de sucção
por um som (examinador bater palmas). Ao tocar-se os lábios do RN com um ob-
A coluna vertebral arqueia-se para trás, jeto, produzem-se vigorosos movimen-
a face mostra surpresa, os braços e mãos tos de sucção. Pode estar ausente nos
abrem-se, encurvam-se para frente em prematuros. Desaparece aos três meses,
um movimento que simula um abra- em vigília e aos seis meses, no sono. Sua
ço; as pernas estendem-se e depois se ausência no RN a termo indica lesão
elevam; pode acompanhar-se de choro. cerebral.
SEÇÃO 1 42

Reflexo tonicocervical assimétrico Marcha reflexa


(Reflexo tonicocervical de Magnus e Sustentando-se o RN sob as axilas em
De Kleijnou/Reflexo do esgrimista) posição supina, encosta-se um dos seus
Desencadeado por rotação da cabeça, en- pés sobre um plano. Este contato vai pro-
quanto a outra mão do examinador esta- vocar uma flexão do outro membro infe-
biliza o tórax do RN. Observa-se extensão rior, que vai se adiantar e tocar o plano à
do membro superior ipsilateral à rotação frente, desencadeando uma sucessão de
e flexão do membro superior contralate- movimentos que simulará a deambula-
ral. Desaparece aos três meses de idade, ção. Desaparece aos dois meses de vida.
sua persistência pode corresponder ao
atraso do desenvolvimento neurológico. Reflexo cutaneoplantar
Pesquisa-se riscando com um estilete
Reflexo de Galant (Reflexo de a sola do pé do RN na sua borda ex-
encurvamento do tronco) terna, desde o calcanhar até a ponta.
Estimulando-se a região dorsolateral, ob- Aproximadamente até um ano de idade,
serva-se o encurvamento do tronco ipsi- o reflexo cutaneoplantar pode apresen-
lateral ao estímulo. tar-se em extensão, os dedos estendem-
-se e abrem-se em leque, simulando o
Reflexo de fossadura, Sinal de Babinski.
também chamado de procura
ou dos pontos cardeais Reflexo de reptação ou propulsão
Estimulando-se uma das bochechas do Colocar o RN em decúbito ventral, as
RN com o dedo, ele vira a face para o mãos do examinador apoiam a planta
lado estimulado, abrindo a boca, procu- dos pés do RN, este reage deslocando-se
rando sugar. para frente, simulando um engatinhar.

REFERÊNCIAS
ACOG Committee Opinion nº 579: definition New Ballard Score, expanded to include ex-
of term pregnancy. Obstet. Gynecol. v. 122, n. tremely premature infants. J. Pediatr., v. 119,
5, p. 1139-40, 2013. n. 3, p. 417-423, 1991.

ALEXANDER G. R.; HIMES, J. H.; KAUFMAN, BARROS, C. F.; RABELO, NETO D. L.; VILLAR,
R. B.; MOR, J.; KOGAN, M. A. United States
J.; KENNEDY, S. H.; SILVEIRA, M. A.; DIAZ-
National. Reference for fetal growth. Obstet.
ROSSELLO, J. L. et al. Caesarean sections and
Gynecol. v. 87, n. 2, p. 163-168, 1996.
the prevalence of preterm and early-term
BALLARD, J. L.; KHOURY, J. C.; WEDIG, K.; births in Brazil: secondary analyses of na-
WANG, L.; EILERS-WALSMAN, B. L.; LIPP, R. tional birth registration. BMJ Open. v. 8, n.
Classificação e exame físico do recém-nascido 43

8. Dis­ponível em: https://bmjopen.bmj.com/ analysis. Lancet Glob Health. v. 7, n. 1, p. 37-


con­tent/bmjopen/8/8/e021538.full.pdf. Aces­so 46, 2019.
em: 09 jun. 2021.
COMMITTEE ON OBSTETRIC PRACTICE, THE
BARROS, F. C.; PAPAGEORGHIOU, A. T.; VICTO­ AME­
RICAN INSTITUTE OF ULTRASOUND IN
RA, C. G.; NOBLE, J. A.; PANG, R.; IAMS, J.; et MEDI­
CINE, THE SOCIETY FOR MATERNAL-
al. For the In­ter­national Fetal and Newborn FETAL MEDICINE. Committee opinion nº 700:
Growth Con­
sor­
tium for the 21 st
Century methods for estimating the due date. Obstet.
(INTERGROWTH 21st). The Distribution of Gynecol. v. 129, n. 5, p. 150–154, 2017.

Clin­ical Phenotypes of Pre­term Birth Syndro­ GODOY, A. J. Desenvolvimento neuromotor.


me Implications for Prevention. Jama Ped., v. In: RICOO, R. G.; DEL, CAMPO; L. A. ALMEIDA,
169., n. 3, p. 220-229, 2015. C. A. N. Puericultura: princípios e práticas;
atenção integral à saúde da criança e do
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de
adolescente. 2. ed. São Paulo: Atheneu, 2008.
Atenção à Saúde. Departamento de Ações
Progra­máticas Estratégicas. Atenção à saúde LIMA, G. M. L.; BRANDÃO, D. C. B; FIGUEI­
do re­cém-nascido: guia para os profissionais REDO, E. Classificação e exame físico do
de saúde. 2. ed. Brasília, Ministério da Saú­ Recém-nascido. In: FIGUEIRA, F.; ALVES,
de, 2014. J. G. B. Instituto de Medicina Integral Prof.
Fernando Figueira: Pediatria. 4. ed. Rio de
BRASIL. Ministério da Saúde. Nota técnica Janeiro: MedBook, 2011.
7/2018. CGSCAM/DAPES/SCS/MS. Disponível
TEIXEIRA, M. L. P. D. Exame físico do Re­cém-
em: http://www.saude.gov.br/images/pdf/20
nascido. In: SIMÕES, A. Manual de Neona­
18/junho/12/SEI-MS-2937931-Nota-Tecnica.pdf.
tologia, Rio de Janeiro: Medsi, 2020.
Acesso em: 09 jun. 2021.
VOGEL, J. P.; CHAWANPAIBOON, S.; MOLLER,
CAPURRO, H.; KONICHEZKY, S.; FONSECA, A. B.; WATANANIRUN, K. BONET, M.; LUM­
-
D.; CALDEYRO-BARCIA, R. A simplified me- BIGANON, P. The global epidemiology of
thod for diagnosis of gestational age in the preterm birth. Best Pract. Res. Clin. Obstet.
new­born infant. J. Pediatr. v. 93. n. 1, p. 120- Gynaecol., v. 52, p. 3-12, 2018.
122, 1978.
WHO. Anthro for personal computers, version
CHAWANPAIBOON, S.; VOGEL, J. P.; MOLLER, 3.2.2, 2011: Software for assessing growth and
A. B.; LUMBIGANON, P.; PETZOLD, M.; development of the world’s children. Ge­neva:
HOGAN, D.; et al. Global, regional, and na- WHO, 2010 Disponível em: http://www.who.
tional estimates of levels of preterm birth int/childgrowth/software/en/. Acesso em: 09
in 2014: a systematic review and modelling jun. 2021.
C AAPÍTULO
PÍTULO x2

Reanimação neonatal
José Henrique Moura

INTRODUÇÃO de parto para recebê-lo, evitando, assim,


As diretrizes da reanimação neonatal complicações futuras.
são publicadas de 5 em 5 anos após rea- A sala de parto deve permanecer en-
valiação de uma comissão internacio- tre 23o C e 25o C, e todo o material neces-
nal de experts do International Liaison sário deve ser sempre checado antes do
Committee on Resuscitation (ILCOR). A nascimento de cada recém-nascido (RN),
mais recente foi publicada em 2022. e, em especial, o bom funcionamento
Em aproximadamente 10% dos nas- do balão autoinflável.
cimentos há necessitade de alguma O uso do oxigênio em excesso po-
ajuda para o estabelecimento da respi- de ser lesivo ao organismo, e deve ser
ração, e em cerca de 1% há necessidade realizado com parcimônia. Recorrer à
de manobras mais agressivas, como in- oximetria de pulso na reanimação aju-
tubação e/ou massagem cardíaca. Essas da a minimizar e ajustar a utilização do
manobras de reanimação são mais exi- oxigênio.
gidas quanto menores a idade gestacio- O primeiro minuto de vida é funda-
nal e/ou o peso ao nascer. Sendo assim, mental na reanimação e é chamado de
pediatras capacitados são imprescindí- “minuto de ouro”. O ponto-chave da rea-
veis em sala de parto a cada nascimen- nimação neonatal é o estabelecimento
to. Eles devem realizar uma anamnese da ventilação efetiva. O conhecimento
materna antes do parto para avaliar as e a comunicação entre os participantes
necessidades específicas do recém-nas- no cenário são fundamentais na dinâmi-
cido (RN) e preparar o ambiente da sala ca da reanimação.
Reanimação neonatal 45

O treinamento da assistência na sala hipotônico, deve-se clampear o cordão


de parto é realizado através de progra- e iniciar a reanimação. Para isso, deve-
mas da Sociedade Brasileira de Pediatria, mos colocar o RN em berço de calor ra-
veiculados pelas Sociedades de Pediatria diante e objetivar uma boa frequência
Estaduais. cardíaca. Os RNs < 34 semanas devem
O passo a passo da reanimação neo- ser recepcionados em saco plástico pa-
natal é baseado em observação – avalia- ra a manutenção da temperatura cor-
ção – ação, e, a seguir, será descrita a poral e ser colocados sob calor radian-
sequência na assistência. te. Em caso de apneia ou respiração
irregular, devemos iniciar a ventilação
Passo a passo com pressão positiva (VPP) nos primei-
Dois pontos definem o início da assis- ros 60 segundos de vida para manter a
tência em sala de parto pela normati- frequência cardíaca (FC) > 100 bpm e
zação do ILCOR. Se o RN apresentar (1) restabelecer a respiração efetiva.
Frequência cardíaca e (2) Frequência A avaliação inicial da FC deve ser
respiratória adequadas, devemos na feita com o estetoscópio. Se na primei-
sequência prover calor, aspirar as vias ra avaliação estiver inferior a 100 bpm,
aéreas (a pressão da aspiração não deve deve ser iniciada a VPP, e, na sequên-
exceder 100 mmHg), caso necessário, e, cia, colocam-se o monitor cardíaco de
em seguida, realizar a secagem da pe- 3 pontos e o oxímetro de pulso. Se na
le avaliando o RN (Frequência cardía- próxima avaliação, com a técnica cor-
ca e Frequência respiratória) e levá-lo rigida, dentro de 30 segundos estiver
para a mãe. O cordão umbilical pode abaixo de 60 bpm, a massagem cardía-
ser clampeado entre o primeiro e o ca (MC) deve ser iniciada; porém, caso
terceiro minuto de vida. Nos RNs com esteja > 100 bpm, devemos interrom-
boa vitalidade e ≥ 34 semanas, deve-se per a VPP. A utilização da adrenalina é
clampear o cordão após 1 min de vida, reservada para FC = 0 ou FC < 60 bpm,
enquanto nos RNs < 34 semanas isso quando o RN já estiver recebendo a MC.
deve ser realizado com 30 s. Caso o RN Exemplificando: no caso de um RN, já
≥ 34 semanas não respire ou apresente- em VPP, que na avaliação apresente FC
-se hipotônico, deve-se fazer o estímulo = 30 bpm, deve ser iniciada a MC, e só na
tátil no dorso, delicadamente, por até próxima avaliação, caso esteja abaixo de
duas vezes. Se houver resposta do RN, 60 bpm, é que devemos realizar a adre-
clampear o cordão; caso contrário, ini- nalina. A MC é interrompida com a FC
ciar a reanimação. E se o RN < 34 se- > 60 bpm, e a VPP é interrompida com a
manas não respirar ou apresentar-se FC > 100 bpm e bom padrão respiratório.
SEÇÃO 1 46

Quando indicada a MC, o RN deve ser O ritmo pode ser ditado pela regra práti-
intubado. ca ao ser falado “aperta-solta-solta-aper-
A avaliação da cor deve ser feita du- ta-solta...”. A VPP está indicada quando
rante a reanimação, e, sendo a verifica- o RN apresentar apneia, respiração
ção visual imprecisa, é necessário o uso irregular ou gasping, e, também, caso
de oximetria no membro superior direi- a FC < 100 bpm. Quando o RN estiver
to (pré-ductal). Devemos usá-la quando com a saturação abaixo dos níveis reco-
for necessária a VPP, no desconforto mendados, já com o O2 sendo ofertado
respiratório ou na cianose persistente. A em concentrações elevadas, poderá ser
Sociedade Brasileira de Pediatria reco- aplicada uma pressão expiratória positi-
menda que a saturação pré-ductal este- va com o balão ventilador manual com
ja entre 70% e 80%, até o quinto minuto peça em “T”.
de vida; entre 80% e 90%, entre o quinto Em RNs ≥ 34 semanas, a VPP pode ser
e o décimo minuto; e entre 85% e 95%, iniciada com ar ambiente e ser ajustada
acima do décimo minuto de vida. de acordo com a oximetria. Naqueles
A avaliação do padrão respiratório, < 34 semanas, uma opção é iniciar na
da FC e da cor deve ser realizada dina- concentração de até 30% e ajustar com a
micamente durante o processo da rea- oximetria.
nimação neonatal. O entrosamento da Pode ser realizada com o balão au-
equipe é importante, e a comunicação toinflável ou com o ventilador mecâ-
entre os membros deve ser clara. nico manual em “T”, que será descrito
As técnicas, assim como as medica- posteriormente.
ções utilizadas na ressuscitação, serão
descritas a seguir. Ventilador Mecânico Manual em “T”
O dispositivo pode ser usado em substi-
Técnica da Ventilação com Pressão tuição ao balão autoinflável. É um apa-
Positiva relho portátil, que gera uma pressão
A técnica da VPP com balão e máscara para insuflar o tórax e outra pressão no
deve ser feita na frequência entre 40 e final da respiração para que o pulmão
60 movimentos por minuto, e a pres- permaneça com uma boa capacidade
são aplicada deve ser individualizada a residual funcional. A frequência dos ci-
cada RN para que se observe uma leve clos é gerada pela oclusão da peça em
expansão do tórax. O ajuste entre face e “T” com o dedo do operador, tentando
máscara é crítico para o sucesso da VPP. manter entre 40 e 60 incursões por mi-
Geralmente, aplicam-se 20 cmH2O, po- nuto. A aplicação da pressão final posi-
dendo chegar, raramente, a 30-40 cmH2O. tiva sem gerar pressão inspiratória de
Reanimação neonatal 47

insuflação pode ser aplicada em RNs diferentes. Para RNs pesando abaixo de
mesmo com respiração espontânea e 1.000 g, entre 1.000-2.000 g, 2.000-3.000 g
FC > 100 bpm, porém com desconforto e acima de 3.000 g, temos, respectiva-
respiratório. A opção dessa prática deve mente, cânulas com diâmetros de 2,5;
ser decidida de acordo com o protocolo 3,0; 3,5; e de 3,5 a 4 cm. A confirmação da
dos serviços. intubação deve ser feita com detectores
de CO2, quando disponíveis, e o correto
Pressão positiva contínua de vias posicionamento, principalmente, pela
aéreas (CPAP) ausculta pulmonar. A verificação deve
Embora não seja recomendado para RNs ser feita também pela numeração mar-
≥ 34 semanas, indica-se o seu uso em cada em centímetros na cânula com o
RNs < 34 semanas com FC >100 bpm e ponto no lábio superior. A regra prática
respiração espontânea que apresentam é que o peso estimado do RN em quilos
desconforto respiratório e/ou SatO2 abai- acrescido da constante 6 seja a distância
xo da esperada para o tempo de vida, para a fixação no lábio superior. Caso o
após terem recebido os cuidados iniciais. RN tenha o peso de 2 kg, acrescentamos
No Brasil, a CPAP é realizada com VMM a constante 6, e então o ponto de refe-
em “T”, usando a máscara facial. rência a ser fixado no lábio superior será
na marca de 8 cm da cânula.
Máscara laríngea A intubação é feita com o laringos-
Recentemente, o uso da máscara larín- cópio conectado com a lâmina “0” para
gea foi iniciado no Brasil. O menor ta- RN pré-termo e “1” para os nascidos a
manho neonatal é o indicado para RNs termo. A lâmina “00” pode ser utilizada
≥ 34 semanas e/ou com peso ≥ 2.000 g. para menores de 1 kg. O laringoscópio é
Considerando seu uso, recomenda-se segurado com a mão esquerda. O tem-
iniciar a VPP com máscara facial em RNs po para a realização do procedimento é
≥ 34 semanas, sendo a máscara laríngea limitado em 30 segundos por tentativa.
utilizada antes da intubação traqueal, a A intubação deve ser considerada
depender da disponibilidade do mate- (1) quando a VPP estiver eficaz, mas se
rial no serviço e da capacitação do pe- prolongando muito; (2) quando a VPP
diatra nos seu manuseio. estiver ineficaz com o paciente deterio-
rando; (3) quando for necessária a MC
Técnica da Intubação Endotraqueal para facilitar a sincronização entre a MC
Existem vários tamanhos de cânula. e VPP; e (4) na suspeita de hérnia dia-
Dependendo do tamanho e da idade fragmática. Para a aspiração de mecô-
gestacional, temos diâmetros internos nio, a intubação pode ser realizada caso
SEÇÃO 1 48

o RN não responda à reanimação inicial umbilical, a via endotraqueal apenas


com VPP e haja a suspeita de obstrução pode ser utilizada para a adrenalina.
traqueal pelo mecônio. A adrenalina na diluição 1:10.000
O uso da máscara laríngea é uma al- e na dose 0.01-0.03 mg∕kg deve ser ad-
ternativa para casos em que exista mui- ministrada caso a FC esteja < 60 bpm,
ta dificuldade para intubação. apesar de ventilação efetiva por cânula
traqueal com O2 a 100% e de massagem
Técnica da Massagem Cardíaca cardíaca adequada e sincronizada à VPP
É indicada quando o RN está com a FC por no mínimo 1 min. Pode ser repetida
< 60 bpm, apesar de VPP efetiva pelo me- em 3-5 min, e, caso não ocorra melhora,
nos há 30 s. A MC deve ser feita de forma deve ser considerado o uso de expan-
sincrônica com a VPP na frequência de sor de volume com solução cristaloide
3:1 (três massagens para uma ventila- ou sangue total no volume de 10 ml/kg.
ção), em ritmo de “um-dois-três-ventila- Como regra prática, a adrenalina pode
-um-dois-três-ventila...” (90 movimentos ser feita uma vez na traqueia na dose de
da massagem para 30 incursões da ven- 1 ml/kg e, quando for realizada endove-
tilação em 1 min). nosa, na dose de 0.2 ml/kg.
A MC pode ser realizada com a téc-
nica dos dois dedos e com a técnica dos CONSIDERAÇÕES ÉTICAS
polegares, sendo esta última a preferi- As questões para não iniciar ou para
da. Na técnica dos dois dedos, os dedos interromper a ressuscitação são comple-
indicador e médio exercem pressão per- xas e dependem de variáveis sociais, cul-
pendicular no terço médio do esterno, e turais, religiosas e éticas, entre outras.
a outra mão apoia a coluna. Na técnica A interrupção do procedimento pare-
dos polegares, as duas mãos circundam ce estar bem estabelecida para os casos
o tórax e os polegares pressionam o ter- de não detecção de batimentos cardía-
ço inferior do esterno. A força necessá- cos por mais de 20 min, apesar de a rea-
ria é aquela que comprime em um ter- nimação ter sido feita adequadamente.
ço o diâmetro anteroposterior do tórax. A decisão de não iniciar a ressusci-
Realizar a massagem cardíaca com VPP tação é um ponto controverso. O peso e
por 1 min, antes de reavaliar a FC. a idade gestacional (IG) são as variáveis
mais importantes. Malformações incom-
Medicação patíveis, recursos disponíveis no serviço
A via preferencial para administração é para a assistência e algumas doenças ge-
a via endovenosa (veia umbilical). Quan­ néticas são outras variáveis envolvidas.
do necessário, e ainda sem o acesso As recomendações atuais concordam
Reanimação neonatal 49

que a IG de 22 semanas não apresenta esclarecidos das prováveis complicações


viabilidade para a vida extrauterina. A graves nos raros casos de sobreviventes
zona cinzenta encontra-se entre 23 e 24 descritos nesses limites. Muitos desses
semanas de gestação. Apesar de relatos RNs nascem com movimentos respira-
de RNs sobrevivendo com peso inferior tórios e batimentos cardíacos. O tipo de
a 400 g, este marco, quando associado à conforto a ser oferecido deve ser bem
IG de 22-23 semanas, associa-se à invia- estabelecido com a equipe. A Sociedade
bilidade na grande maioria dos serviços. Brasileira de Pediatria faz um esforço
Cuidados devem ser tomados para a cor- para buscar um melhor entendimento
reta determinação da IG. Os pais devem sobre o assunto e tentar educar os pro-
ser ouvidos e concordar com a conduta fissionais que lidam com o problema no
antes do nascimento. Eles devem ser dia a dia.

REFERÊNCIAS
ALMEIDA, M.F.B.; GUINSBURG, R.; Coorde­ Resuscitation and Emergency Cardiovascu­
nadores Estaduais e Grupo Executivo PRN- lar Care. Pediatrics, [s. l.], v. 147, n. 21, Suppl.
SBP; Conselho Científico Departamento Neo­ 1.Oct. 2020.
na­tologia SBP. Reanimação do recém-nascido
GUINSBURG, R.; ALMEIDA, M.F.B.; Coor­de­na­
≥ 34 semanas em sala de parto: diretrizes
dores Estaduais e Grupo Executivo PRN-SBP;
2022 da Sociedade Brasileira de Pediatria.
Conselho Científico Departamento Neona­to­
Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Pe­
logia SBP. Reanimação do recém-nascido < 34
diatria; 2022.
semanas em sala de parto: diretrizes 2022
AZIZ, K.; LEE, H. C.; ESCOBEDO, M.B. et al. Part 5: da Sociedade Brasileira de Pediatria. Rio de
Neonatal Resuscitation 2020 American Heart Janeiro: Sociedade Brasileira de Pedia­
tria;
Association Guidelines for Cardiopulmonary 2022.
C AAPÍTULO
PÍTULO x3

Distúrbios respiratórios
do recém-nascido

Elisabete Pereira Silva


Fátima Maria Doherty

O que são? diagnóstico correto e na intervenção te-


No período neonatal, os distúrbios res- rapêutica adequada.
piratórios, representam uma impor- O grau do desconforto respiratório
tante causa de morbimortalidade e pode ser estimado pelo Boletim de Silver­
manifestam-se, geralmente, logo após man-Andersen, que confere notas de 0 a 2
o nascimento, de maneira inespecífica para cada parâmetro (Figura 1). Os es­co­res
e, muitas vezes, com sinais e sintomas ≥ 5 apresentam uma maior neces­sidade
clínicos sobrepostos. No entanto, junta- de suporte respiratório. Pelos escores, a
mente a uma análise criteriosa da his- dificuldade respiratória pode ser classifi-
tória clínica materna e do parto, esses cada em: 0 (sem desconforto respiratório),
sinais e sintomas (Quadro 1) auxiliam no 1-3 (leve), 4-6 (moderado) e ≥ 7 (grave).

Quadro 1. Sinais e sintomas respiratórios, observados no período neonatal

Acima de 60 movimentos respiratórios por


Frequência respiratória Taquipneia
minuto

Pausa respiratória superior a 20 segundos, ou


entre 10 e 15 segundos se acompanhada de
Apneia
bradicardia, cianose ou queda de saturação
Padrão de oxigênio
respiratório
Ritmo e periodicidade
Padrão respiratório particular do RN pré-
da respiração
termo, caracterizado por períodos de 10 a
Respiração 15 segundos de movimentos respiratórios,
periódica intercalados por pausas com duração de
5 a 10 segundos cada, sem repercussões
cardiovasculares
Distúrbios respiratórios do recém-nascido 51

É a dilatação das narinas durante a inspiração.


Batimentos de asas do
Pode diminuir a resistência da via aérea superior, reduzindo o
nariz
trabalho respiratório

Resulta do fechamento parcial da glote (manobra de Valsalva


incompleta) durante a expiração para manter a Capacidade
Gemido expiratório
Residual Funcional (CRF) e prevenir o colapso alveolar nas
situações de perda de volume pulmonar
Trabalho
Pela contração da musculatura acessória do pescoço, ocorre
respiratório
Head bobbing o movimento para cima e para baixo da cabeça, a cada
respiração

Ocorrem quando a cada respiração, ocorre


Intercostal o deslocamento para dentro da caixa
Subcostal torácica, entre as costelas (intercostal), nas
Retrações torácicas
Supraesternal últimas costelas inferiores (subcostal), na
Esternal margem superior (supraesternal) e na parte
inferior do esterno (xifoide)

Localizada Localiza-se nas regiões plantares e


ou periférica palmares. Não representa doença sistêmica
(acrocianose) grave

Cor Cianose Envolve a mucosa oral, é comum durante


a hipoxemia grave. Pode estar presente
Generalizada
em cardiopatias congênitas, hipertensão
ou central
pulmonar e afecções graves do parênquima
pulmonar

Fonte: Adaptado de Brasil (2014).

Figura 1. Boletim de Silverman-Andersen

Movimento Retração Batimento de Gemido


Tiragem
Torax/Abdomem xifoide asa de nariz respiratório

Sincronizado Sem tiragem Ausente Ausente Ausente

Audível com
Declínio inspiratório Pouco visível Pouco visível Discreta estetoscópio

Audível sem
Balancim Marcada Marcada Intensa estetoscópio

Fonte: SBP (2017).


SEÇÃO 1 52

Para embasar o diagnóstico diferen- boratoriais são fundamentais. O Quadro


cial (Figura 2) é importante destacar que 2 mostra as principais doenças respirató-
a história obstétrica e perinatal, o qua- rias do período neonatal, mas abordare-
dro clínico, os exames radiológicos e la- mos neste capítulo apenas as principais.

Quadro 2. Principais doenças respiratórias do período neonatal, segundo a etiologia

Imaturidade pulmonar • Síndrome do desconforto respiratório (SDR)

• Síndrome de aspiração do mecônio (SAM)


• Taquipneia transitória do RN (TTRN)
Intercorrências no
• Síndrome de escape de ar (SEAr)
processo de nascimento
• Síndrome da hipertensão pulmonar persistente neonatal (HPPN)
• Pneumonias

• Malformações pulmonares:
Alteração no - Malformação adenomatoide cística
desenvolvimento e no - Hipoplasia pulmonar
crescimento pulmonar - Hérnia diafragmática congênita
antenatal - Derrame pleural congênito
- Enfisema lobar congênito

Fonte: Adaptado de Brasil (2014).

Figura 2. Diagnóstico diferencial dos distúrbios respiratórios no período neonatal, segundo a


etiologia

Caixa torácica Fraturas

Obstrução nasal, Atresia de


Vias aéreas coanas, Traqueomalácia,
Broncomalácia, Anel vascular

Edema cerebral, Hemorragia


cerebral, Drogas, Transtornos
Neuromuscular
musculares, Lesão do nervo
frênico, Lesões da medula
Etiologia dos distúrbios
respiratórios no período
neonatal
Hipovolemia, Anemia,
Policitemia, Cardiopatias,
Cardiovascular
Hipertensão Pulmonar
Persistente Neonatal

Acidose, Hipoglicemia,
Metabólica
Hipotermia, Infecção

TTRN, SDR, SAM, Pneumonia,


Respiratória
Escape de ar, Malformações

Fonte: Adaptado de BRASIL (2014).


Distúrbios respiratórios do recém-nascido 53

SÍNDROME DO DESCONFORTO Como tratar?


RESPIRATÓRIO • Corticoide pré-natal na idade gesta-
O que é? cional entre 26 e 34 semanas:
Também denominada de Doença da Betametasona (12 mg – intramuscu-
Mem­brana Hialina e síndrome da an­gús­ lar, com 2 doses e intervalos de 24/24
tia respiratória, é um distúrbio respirató- horas) ou
rio que acomete principalmente prema- Dexametaso­na (6 mg – intramuscu-
turos, com menos de 28 semanas de idade lar, de 12/12 horas);
gestacional, atingindo cerca de 80% dos • Ventilação assistida: ventilação não
menores de 25 semanas. É também mais invasiva, CPAP (continuous positive
frequente no sexo masculino, nos filhos airway pressure) ou ventilação mecâ-
de mães diabéticas (pelo hiperinsulinis- nica;
mo fetal, que retarda a maturação pulmo- • Controle térmico;
nar) e nos que sofrem asfixia perinatal. É • Controle do metabolismo hídrico; e
resultado da imaturidade pulmonar, pela • Suporte nutricional.
deficiência e inatividade do surfactante,
desenvolvimento pulmonar incompleto Como prevenir?
e complacência pulmonar aumentada. • Adequada assistência pré-natal;
• Diminuir parto prematuro;
Como diagnosticar? • Incentivo ao parto normal;
1. Manifestações clínicas • Não indicar cesariana sem maturi-
• Sinais de esforço respiratório logo dade fetal;
após o nascimento, com piora pro- • Reanimação neonatal apropriada;
gressiva nas primeiras 24 horas de vi- • Corticoterapia intrauterina.
da, com pico nas 48 horas e melhora
gradativa após as 72 horas de vida;
TAQUIPNEIA TRANSITÓRIA
DO RECÉM-NASCIDO
• Casos que não têm melhora clínica
satisfatória podem evoluir com cri- O que é?
ses de apneia e alterações hemodi- Distúrbio respiratório benigno, autoli-
nâmicas e metabólicas. mitado, frequente em recém-nascidos a
2. Diagnóstico radiológico (Raio-X de termo e prematuros tardios, decorrente
tórax) do retardo na absorção do líquido pul-
• Infiltrado reticulogranular difuso (as- monar após o nascimento. Pode também
pecto de vidro moído ou vidro fosco); estar associado a uma leve diminuição
• Broncograma aéreo periférico; e do surfactante, pequeno grau de ima-
• Aumento do líquido pulmonar. turidade pulmonar, cesariana eletiva
SEÇÃO 1 54

sem trabalho de parto, asfixia perinatal, de mecônio intrauterino pode ser devido
policitemia, diabetes mellitus e asma à hipoxemia, que desencadeia gasping
materna. intrauterino ou, na maioria das vezes,
durante os primeiros movimentos respi-
Como diagnosticar? ratórios. É mais frequente em recém-nas-
1. Manifestações clínicas cidos a termo e pós-termo. O sofrimento
• O desconforto respiratório inicia-se fetal e a compressão abdominal durante
nas primeiras horas após o nasci- o trabalho de parto são fatores predispo-
mento, com melhora a partir de 24 nentes. Apresenta-se com formas leves
a 48 horas. O sinal predominante é ou graves, como insuficiência respirató-
a taquipneia, que pode atingir de ria e hipertensão pulmonar persistente.
100-120 incursões respiratórias por A aspiração de mecônio desencadeia
minuto. fenômenos obstrutivos e inflamatórios,
2. Diagnóstico radiológico (Raio-X de descritos na Figura 3.
tórax)
• Hiperinsuflação pulmonar; Como diagnosticar?
• Infiltrado difuso do hilo para a peri- 1. Manifestações clínicas
feria (estrias peri-hilares); • Os sinais do desconforto respiratório
• Aumento leve a moderado da área surgem precocemente e podem ser
cardíaca; progressivos, evoluindo com ciano-
• Líquido nas fissuras interlobares se grave e depressão respiratória e
(“cisurite”); neurológica, devido ao insulto hipo-
• Inversão da cúpula diafragmáti- xicoisquêmico. Se não houver com-
ca; e plicações graves, o mecônio vai sen-
• Derrame pleural. do absorvido, há melhora do quadro
inflamatório em 5 a 7 dias;
Como tratar? • É frequente o aumento do diâmetro
• Suporte geral; e anteroposterior do tórax pela hipe-
• Oxigenoterapia (Halo ou CPAP na- rinsuflação pulmonar, gemência e
sal), quando necessário. retrações intercostais e estertores na
ausculta pulmonar;
SÍNDROME DE ASPIRAÇÃO • Os critérios diagnósticos para confir-
DO MECÔNIO mar o caso são: história de líquido
O que é? amniótico meconial, presença de
É um distúrbio respiratório, decorrente mecônio na traqueia do RN e altera-
da aspiração do mecônio. A eliminação ções radiológicas compatíveis.
Distúrbios respiratórios do recém-nascido 55

Figura 3. Fisiopatologia da aspiração de mecônio

Compressão
Sofrimento RN a termo e
abdominal no
fetal e Hipóxia RN pós-termo
trabalho de parto

Líquido amniótico meconizado

Aspiração de Aspiração de mecônio nos


mecônio in utero primeiros movimentos respiratórios

Fenômenos Fenômenos
inflamatórios obstrutivos

Microtrombos nos Inativação


Pneumonite vasos pulmonares, da função Obstrução Obstrução
química por agregação do completa parcial
plaquetária surfactante

Infecção Vasoconstricção Mecanismo


Atelectasia
bacteriana e hipertensão valvar
secundária pulmonar

Alteração na Hiperinsuflação
ventilação/ e escape de ar
perfusão (pneumotórax)

Hipóxia
Hipercapnia
Acidose

Fonte: Adaptado de BRASIL (2014); BURRIS (2016).

2. Diagnóstico radiológico (Raio-X de Como tratar?


tórax) • O tratamento deve iniciar na sala
• Áreas de atelectasia com granulação de parto, com avaliação da vitali-
grosseira, alternando com áreas de dade do RN, colocar o RN em calor
hiperinsuflação; radiante, aspirar boca e hipofaringe
• Áreas de consolidação lobares ou e aspirar traqueia;
multilobares; • Na unidade neonatal, deve-se man-
• Retificação do diafragma; ­ter a temperatura corporal, manter
• Enfisema intersticial; a pressão arterial adequada, corrigir
• Pneumotórax e/ou pneumomedi­
as­ anemia, fazer hidratação venosa e
tino e/ou cardiomegalia. controle glicêmico;
SEÇÃO 1 56

• Oxigenioterapia: halo/capacete ou a mais recente, proposta pelo National


CPAP nasal, ou ventilação mecânica Institute of Child Health and Human De­
(se apresentar insuficiência respira- vel­opment Neonatal (NICHD), está apre-
tória grave, hipóxia acentuada ou sentada no Quadro 3. A fisiopatologia
acidose respiratória); também tem mudado ao longo dos anos
• Antibioticoterapia (controverso); e vários fatores podem estar envolvidos
• Surfactante. na patogênese, incluindo suscetibilidade
genética, fatores intrauterinos, ventila-
DISPLASIA BRONCOPULMONAR
ção mecânica, intoxicação por oxigênio,
O que é? edema pulmonar, infecção etc. (Figura 4).
Também denominada de doença pulmo-
nar crônica da prematuridade, a displa- Como diagnosticar?
sia broncopulmonar (DBP) é uma com- 1. Manifestações Clínicas
plicação frequente em recém-nas­
cidos • RN de extremo baixo peso ao nascer;
prematuros, com muito baixo peso ou • Doença respiratória inicial: leve ou
extremo baixo peso. As definições têm ausente;
mudado devido à evolução dos equi- • Piora da função respiratória com dias
pamentos e dos cuidados neonatais e ou semanas;

Quadro 3. Graus de DBP dos critérios modificados pelo NICHD em 2018

RNPT < 32 semanas, com doença pulmonar parenquimatosa persistente, com confirmação radiológica,
que nas 36 semanas necessitou de suplementação de oxigênio por ≥ 3 dias consecutivos para manter
SatO2 entre 90-95%

N-CPAP, NIPPV, Fluxo da cânula Fluxo da cânula


IPPV
Graus ou cânula nasal nasal de 1 a Halo O2 nasal de
invasivo*
≥ 3 l/min < 3 l/min < 1 l/min

I 21% 22-29% 22-29% 22-70%

II 21% 22-29% ≥ 30% ≥ 30% > 70%

III ≥ 21% ≥ 30%

III (A) Morte precoce (entre 14 dias de idade pós-natal e 36 semanas) por causa de doença
pulmonar parenquimatosa persistente e insuficiência respiratória que não pode ser
atribuída a outras morbidades neonatais (por exemplo, enterocolite necrosante, hemorragia
intraventricular, redirecionamento de cuidados, episódios de sepse etc.)

* Excluindo bebês ventilados por doenças primárias das vias aéreas ou condições de controle respiratório central.
CPAP = pressão positiva contínua nas vias aéreas; IPPV = ventilação com pressão positiva intermitente; N-CPAP =
pressão positiva contínua nasal nas vias aéreas; NIPPV = ventilação não invasiva com pressão positiva

Fonte: Higgins et al. (2018).


Distúrbios respiratórios do recém-nascido 57

• Maioria dos bebês evoluem com me- • Atelectasia;


lhora respiratória e desmame do O2 • Enfisema intersticial;
antes da alta; • Travas opacas de fibrose;
• Alguns evoluem com piora progres- • Grandes cistos (+ graves).
siva da insuficiência respiratória:
hipertensão pulmonar e sinais de Como tratar?
insuficiência cardíaca direita; A DBP é uma doença tão complexa que
• Hipertensão arterial sistêmica; nem sempre é possível caracterizar uma
• Insuficiência do crescimento e com­ determinada medida como sendo ex-
prometimento do estado nutri­cional. clusivamente preventiva ou terapêutica.
2. Diagnóstico radiológico (Raio-X de Algumas medidas têm se mostrado pro-
tórax) missoras e são descritas a seguir:
• Discreta hipotransparência difusa; • Corticosteroide pós-natal: o seu uso
• Edema alveolar; para prevenir ou tratar a DBP tem

Figura 4. Patogenia da Displasia Broncopulmonar

Prematuridade extrema

Fatores pré-natais:

• RCIU e disfunção Fatores pós-natais:


Desenvolvimento
placentária
pulmonar não
• Corioamnionite • Lesão pulmonar
harmônico
• Colonização pela VM*
bacteriana • Oxigênio
Lesão vascular e de vias
• Hipertensão e • Infecção/Sepse
aéreas
pré-eclâmpsia • PCA**
• Tabagismo e uso • Deficiência
Diminuição de alvéolos
drogas nutricional
e capilar
• Predisposição
genética

Insuficiência respiratória
Hipertensão pulmonar
Óbito precoce de
causa respiratória
Reparo/Regeneração
pulmonar

Resolução da doença

Displasia
*VM: Ventilação mecânica Broncopulmonar
**PCA: Persistência do Canal Arterial

Fonte: Higgins et al. (2018).


SEÇÃO 1 58

sido usado há décadas, mas seus • Diuréticos: podem ser necessários


efeitos colaterais têm provocado para controlar o acúmulo hídrico no
controvérsias nas recomendações pulmão, como no edema pulmonar;
para seu uso; • Broncodilatadores: não existe evi-
- Dexametasona: os benefícios do dência da eficácia do uso prolon­
seu uso após o sétimo dia de vi- gado de broncodilatadores na DBP.
da, em doses relativamente baixas No entanto, seu uso pode ser ne­
e por curto período, superam o cessário na presença de hiper-reati­-
risco dos efeitos colaterais, princi- vidade brônquica e deve ser restri-
palmente nos RNs predispostos a to a curtos períodos quando ocor-
desenvolverem a doença; rer exacerbação de episódios de
- Hidrocortisona: tem sido usada broncoconstrição;
em doses baixas, por 10 a 15 dias, • Imunizações;
para prevenção/tratamento da DBP. • Aconselhamento dos pais;
No entanto, apesar dos resultados • Acompanhamento da função pul­
-
mostrarem melhora nos índices monar.
de sobrevivência, há aumento de
complicações, como perfuração di­­­ Como prevenir?
ges­tiva e maior risco de sepse; • Prevenção do retardo de crescimen-
- Budesonida: vem sendo testada to intrauterino (a desnutrição intrau-
por via inalatória para preven- terina está associada ao bloqueio do
ção/tratamento da DBP. Os me- desenvolvimento pulmonar) e da co-
lhores resultados ocorreram com rioamnionite (desencadeia o proces-
o uso intratraqueal associado ao so inflamatório que está associado
surfactante; ao desenvolvimento da DBP);
• Ventilação mecânica: os parâmetros • Assistência ventilatória na sala de
utilizados para a ventilação da DBP parto;
dependem da gravidade e se a doen- • Assistência ventilatória na UTI Ne­o-
ça está na fase aguda ou crônica; ­natal;
• Nutrição: é fundamental uma nutri- • Prevenção farmacológica com ca-
ção adequada, inclusive com suple­- feína (antes de três dias de vida),
mentação de micronutrientes (oli- surfactante pelos métodos INSURE
goelementos e vitaminas) para que (Intubação – Surfac­tan­te – Extubação)
o desenvolvimento pulmonar, que e MIST (Min­i­mal­ly Invasive Surfac­
continua após o nascimento, ocorra tant Ther­­apy), vitamina A (em altas
de forma satisfatória; doses) e uso adequado de corticoides.
Distúrbios respiratórios do recém-nascido 59

PNEUMONIA NEONATAL amniótico infectado (corioamnionite). A


pneumonia adquirida durante o nasci-
O que é? mento ocorre por contaminação do feto
Processo inflamatório dos pulmões, que ou do RN por micro-organismos que co-
pode ser de origem bacteriana, viral, lonizam o canal do parto.
fúngica, ou química. No período neona-
tal, está associada a quadros como sepse Como diagnosticar?
e meningite neonatal e 1/3 dos neona­- Ver Quadro 4.
tos podem evoluir para óbito nas primei-
ras 48 horas de vida. Pode ser classificada Como tratar?
em precoce (se ocorre em período ≤ 48 • Antibioticoterapia: nos casos de iní-
horas de vida) e tardia (> 48 horas de vi- cio precoce, fazer Ampicilina asso­
da). A pneumonia precoce pode ser classi- ciada a um Aminoglicosídeo. Nos ca-
ficada em adquirida antes do nascimento sos de início tardio, fazer esquema
(congênita) ou durante o nascimento. adequado à microbiota específica da
A pneumonia congênita ocorre in unidade neonatal;
utero por via transplacentária, secun- • Suporte hídrico e nutricional;
dária à infecção materna (por exemplo, • Suporte ventilatório; e
TORCHS) ou por aspiração de líquido • Drenagens de efusões, se necessário.

Quadro 4. Critérios Diagnósticos de Pneumonia Clínica em Neonatologia

Critério radiológico
1 (uma)* ou mais radiografias de tórax seriadas com um dos seguintes achados:
• Infiltrado novo, persistente ou progressivo
• Consolidação
• Cavitação
• Pneumatocele

Pneumonia Sinais e sintomas


neonatal E piora da troca gasosa (por exemplo: piora da relação PaO2/FiO2, aumento da necessidade
(≤ 28 dias de oferta de oxigênio, aumento dos parâmetros ventilatórios)
de vida) E pelo menos 03 (três) dos sinais e sintomas:
• Instabilidade térmica (temp. axilar > de 37,5º C ou < que 36º C) sem outra causa conhecida
• Leucopenia ou leucocitose com desvio à esquerda (leucocitose ≥ 25.000 ao nascimento
ou ≥ 30.000 entre 12 e 24 horas ou acima de 21.000 ≥ 48 horas e leucopenia ≤ 5.000)
• Hemograma com ≥ 3 parâmetros alterados
• Mudança do aspecto da secreção traqueal, aumento da secreção respiratória ou
aumento da necessidade de aspiração e surgimento de secreção purulenta
• Sibilância, roncos. bradicardia (< 100 batimentos/min) ou taquicardia (> 160 batimen-
tos/min)

* Nos RNs, com as seguintes doenças de base: síndrome de desconforto respiratório, displasia
broncopulmonar, edema pulmonar e aspiração de mecônio, deverão ser realizadas 2 (duas) radiografias
de tórax para verificar a presença de, ao menos, um dos achados citados
SEÇÃO 1 60

ATENÇÃO
1. Raio-X seriado: sugere-se como avaliação seriada do Raio-X a comparação de exames radiológicos
realizados até 03 dias antes do diagnóstico e até 03 dias após o diagnóstico
2. Mudança de aspecto da secreção traqueal em uma amostra isolada não deve ser considerada como
definitiva. Valorizar a persistência da observação por mais de 24 horas. Alguns autores consideram
como secreção purulenta quando no exame citológico há ≥ 25 leucócitos por campo e ≤ 10 células
epiteliais escamosas por campo
3. Taquipneia: frequência respiratória (FR) > 75 incursões por minuto em RN < 37 semanas de idade
gestacional (IG), e FR > 60 irpm em RN entre 37 e 40 semanas de IG corrigida.
4. RN com síndrome do desconforto respiratório: RN que recebeu surfactante terapêutico, com melhora
clínica/radiológica, deve-se rever o diagnóstico de pneumonia clínica. Assim como outras situações
com resolução rápida das alterações radiológicas (persistência do canal arterial, atelectasia)
5. A cultura de aspirado traqueal não é um elemento para definir critério diagnóstico epidemiológico
de pneumonia. Contudo, para fins de identificação de agente etiológico, considerar método
quantitativo com ponto de corte maior ou igual à Unidade Formadora de Colônia (UFC)
6. Para pneumonia associada à ventilação mecânica (VM), o RN deve estar em VM por um período > 2
dias de calendário (sendo D1 o dia de instalação da VM) e que na data da infecção, o RN estava em
uso do dispositivo ou este tenha sido removido no dia anterior

Fonte: Anvisa (2017).

REFERÊNCIAS
AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANI­ HEDSTRON, A. B. et al. Performance of the Sil-
TÁRIA (BRASIL). Critérios Diagnósticos de ­ver­man Andersen Respiratory Severity Sco­re
Infecção Associada à Assistência à Saúde: in predicting PCO2 and respiratory support in
Neonatologia. Brasília: ANVISA, 2017. 65 p. newborns: a prospective cohort study. Jour­

BANCALARI, E.; JAIN, D. Bronchopulmonary nal of Perinatology, v. 38, p. 505–511, 2018.

Dysplasia: 50 Years after the Original De­ Disponível em: https://doi.org/10.1038/s4137


scription. Neonatology, v. 115, p. 384-391, 2-018-0049-32018. Acesso em: 24 out. 2021.
2019.
HIGGINS, R. D. et al. Bronchopulmonary
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de dysplasia: executive summary of a work-
Atenção à Saúde. Departamento de Ações shop. The Journal of Pediatrics. v. 197, p.
Programáticas Estratégicas. Atenção à saúde 300-308, 2018. Disponível em: http://dx.doi.
do recém-nascido: guia para os profissionais org/10.1016/j. Jpeds.2018.01.043. Acesso em:
de saúde. – v. 3, cap. 21, p. 11-35. 2. ed. atual. – 24 out. 2021.
Brasília: Ministério da Saúde, 2014.
JIAN, M. et al. The high-risk factors of differ-
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de ent severities of bronchopulmonary dysplasia
Atenção à Saúde. Departamento de Ações (BPD) based on the national institute of child
Pro­
gramáticas e Estratégicas, Organização health and human development (NICHD) di-
Pan-Americana da Saúde. Manual AIDPI agnosis criteria in 2018. Jornal Brasileiro de
Neo­natal. Coordenação de Rejane Silva Pneumologia. 2021;47(5):e20210125. Disponí­
Cavalcante et al. – 5. ed. – Brasília: Ministério vel em: https://dx.doi.org/10.36416/1806-3756/
da Saúde, 2014. e20210125. Acesso em: 24 out. 2021.
Distúrbios respiratórios do recém-nascido 61

MELO, A. C. A.; RAMOS, J. R. M. Distúrbios SOPERJ. v. 20, n. 4, p. 124-129. 2020. Disponível


respiratórios do recém-nascido. In: BURNS, em: http://dx.doi.org/10.31365/issn.2595-1769.
D. A. R. et al. (Orgs.). Tratado de Pediatria. v20i4p124-129. Acesso em: 31 out. 2021.
Sociedade Brasileira de Pediatria. v. 2, sec. 16,
SOCIEDADE DE PEDIATRIA DE SÃO PAULO.
cap. 10, p. 1276-1285, 4. ed. Barueri, SP: Ma­
Atualização em Displasia Broncopulmonar.
nole, 2017.
Pe­dia­tra Atualize-se, ano 6, n. 2, 2021. Dis­po­ní­
SANTOS, L. P. B. et al. Conhecimentos e práti- vel em: https://www.spsp.org.br/wp-content/
cas de médicos intensivistas neonatais sobre uploads/2021/04/AtualizeA6N2_final.pdf.
pneumonia neonatal. Revista de Pedia­tria da Acesso em: 24 out. 2021.
C APÍTULO
A PÍTULO 4x

Infecções congênitas

Elisabete Pereira Silva


Juliana de Albuquerque Leão

O que são? Neste capítulo abordaremos To­


xo­
As infecções congênitas são transmiti- plas­
mose, Rubéola, Citomegalovirose,
das verticalmente da mãe para o feto He­pa­tite B e Hepatite C, Varicela e Her­
in utero. Podem ter manifestações clí- pes Simples.
nicas evidentes em ultrassonografia
TOXOPLASMOSE
antes do nascimento ou por ocasião do
nascimento. No RN podem ser assin- O que é?
tomáticas, com surgimento tardio de É uma zoonose, frequente no ser huma­
manifestações clínicas ou até mesmo no, causada pelo Toxoplasma gondii,
de suas sequelas. As infecções perina- protozoário que tem o gato como hos-
tais são contraídas durante o parto ou pedeiro definitivo e os outros animais,
no período pós-parto. Só se evidenciam incluindo o homem, como hospedeiros
clinicamente depois de alguns dias ou intermediários.
semanas de vida. É um parasita intracelular obrigató-
As infecções congênitas mais preva- rio, que existe em 3 formas:
lentes são agrupadas sob o acrônimo de • Oocistos: nas fezes dos gatos;
TORCHS (T = toxoplasmose; O = outras, • Taquizoítas: na corrente sanguínea
que inclui parvovirose, HIV, hepatite b e durante a fase aguda; e
hepatite C, varicela, enterovirose, vírus • Bradizoítas: nos cistos teciduais.
sincicial respiratório, zika vírus; R = ru-
béola; C = citomegalovirose; H = her­pes As formas de transmissão são: a) In­-
simples; S = sífilis). ­ges­tão de alimentos e água, contamina­-
Infecções congênitas 63

dos com fezes de gatos infectados; b) após a reativação da toxoplasmose laten-


Ingestão de carnes cruas ou mal cozidas, te durante a gestação ou reinfecção.
contaminadas com cistos; c) Solo conta-
minado com fezes de gatos infectados; d) Qual é a importância do tema?
Transfusões de sangue e transplantes de O risco da infecção aumenta com a ida-
órgãos contaminados, embora raro; e) Via de gestacional, no entanto, a gravidade
hematogênica transplacentária quando da doença fetal é inversamente propor-
a infecção aguda pelo Toxoplasma gon- cional à idade gestacional (Quadro 1).
dii ocorre em gestantes. Essa via, mesmo
que raramente, pode também ser a res- Como diagnosticar?
ponsável pela transmissão, em mulheres 1. Manifestações clínicas
portadoras de deficiência imunológica, Ver Quadro 2.

Quadro 1. Repercussões e risco, por trimestre gestacional

Trimestre da gestação % de risco Repercussões

Óbito fetal ou neonatal, grave doença oftalmológica e no


1º 17%
Sistema Nervoso Central (SNC)

2º 25% Subclínicas

3º 65% Subclínicas ou quadro de parasitemia

Fonte: Autoras.

Quadro 2. Manifestações clínicas da Toxoplasmose Congênita

Padrões clínicos

Em 80-90% dos recém-nascidos não há lesões evidentes, mas podem


1. Infecção subclínica
apresentar lesões na retina e SNC

Os sinais e sintomas geralmente são graves. Podem ser generalizados, e os


sinais neurológicos estão invariavelmente presentes
2. Doença neonatal Sintomas generalizados: febre, hepatoesplenomegalia e icterícia
sintomática Anormalidades do SNC: hidrocefalia, calcificações cerebrais e coriorretinite
(tríade clássica), microcefalia, convulsões e alterações no líquido
cefalorraquidiano (LCR)

Acomete mais frequentemente os recém-nascidos prematuros. Ocorre nos


3. Doença de início
primeiros 3 meses de idade e pode comportar-se como uma doença neonatal
tardio
sintomática

Podem ocorrer em 24% a 85% dos pacientes infectados


4. Sequelas ou
O achado ocular mais frequente é a coriorretinite
recaídas da infância
Os achados neurológicos são: convulsões e obstrução tardia do LCR
até a adolescência
(abaulamento da fontanela e aumento do perímetro cefálico)
de uma infecção
Os adultos infectados congenitamente terão danos na retina em cerca de 30%
não diagnosticada
dos casos. O pico de manifestação da coriorretinite por infecção congênita
previamente
ocorre entre 15 e 20 anos de idade
SEÇÃO 1 64

Sinais e sintomas específicos

Sinais de obstrução do LCR (abaulamento da fontanela, aumento do perímetro


Neurológicos cefálico), convulsões, déficit motor, surdez, encefalite, calcificações cerebrais,
dificuldades com a regulação da temperatura

As lesões geralmente são bilaterais


O achado mais comum é a coriorretinite e pode levar à deficiência visual
Os achados externos incluem: estrabismo, nistagmo, catarata e microcórnea
Oftalmológicos Os achados fundoscópicos incluem: retinite focal necrosante; placas amarelo-
esbranquiçadas, semelhantes ao algodão; e edema. Outras manifestações
incluem: destruição do bulbo do olho, descolamento de retina, atrofia óptica,
irite, esclerite, uveíte e vitreíte

Hepatoesplenomegalia, hiperbilirrubinemia conjugada persistente (por danos


Outros sintomas no fígado ou hemólise) e trombocitopenia
comuns Achado dermatológico: erupção cutânea maculopapular. Alguns pacientes têm
linfadenopatia, anemia e hipogamaglobulinemia

Manifestações raras Eritroblastose e hidropisia fetais, miocardite, pneumonite e síndrome nefrótica

A prematuridade ocorre em 25% a 50% das crianças infectadas. Recém-nascidos


Casos especiais de mães infectadas pelo HIV podem ser assintomáticos, mas desenvolverem
infecção grave durante as primeiras semanas ou meses de idade

Fonte: Autoras.

2. Diagnóstico laboratorial
a) Exames específicos: ratorial uti­lizado, indica que a infec-
• Isolamento direto do parasito (não ção aguda ocor­reu há mais de três
realizado de rotina); ou quatro meses;
• Teste de Aglutinação ISAGA (Im­ • Anticorpos IgM: são detectados com
munosor­bent Agglutination As­say), duas semanas, têm pico com cerca
considerado exame padrão ouro; de um mês após a infec­ção e tornam-
• Anticorpos IgG: são detectados em -se indetectáveis em seis a nove me-
uma a duas semanas após a infecção, ses. O ELISA IgM por captura é mais
seu pico ocorre em um a dois meses e sensível que o IgM simples;
persistem por toda vida. A definição • Anticorpos IgA: detectados no iní-
se a presença de IgG se deve à trans- cio da infecção, caem rapidamente,
ferência transplacentária ou à pro- até em torno de sete meses. Podem
dução pelo feto, consequente à infec- ter maior sensibilidade para o RN
ção, é dada pela dosagem pareada, que o IgM;
mãe e RN, ao nascimento, e novas • Anticorpos IgE: se elevam e decres-
dosagens seriadas, juntamente aos cem rapidamente em menos de qua-
outros exames clí­nico-laboratoriais; tro meses.
• Teste de avidez IgG: índice de avi- • Imunofluorescência indireta (IFI);
dez elevado, em geral superior a • PCR (Reação em Cadeia de Polime­-
60%, mas a depender do teste labo- rase);
Infecções congênitas 65

• Reação de Sabin-Feldman. • Estudo do líquor (citologia, bioquí-


b) Bioimagem: mica e imunologia);
• Raio-X de crânio; • Oftalmoscopia;
• Ultrassonografia de crânio; • Audiometria com emissões otoacús-
• Tomografia Computadorizada de ticas (EOA) e potencial evocado au-
ditivo de tronco encefálico (PEATE);
crâ­nio (avaliar riscos e benefícios);
• Hemograma, perfil hepático, perfil
• Ressonância Magnética de crânio;
renal;
• Raio-X de tórax;
• Eletroencefalograma (quando há si-
• Ecocardiograma. nais ou suspeita de convulsão).
c) Outros:
• Estudo anatomopatológico da pla­
- Como tratar?
centa; Ver Quadro 3.

Quadro 3. Tratamento da infecção materna/fetal e neonatal

Suspeita de infecção com < 18 semanas


de idade gestacional
Espiramicina (profilaxia)
Fazer até o parto, se o feto não estiver
infectado
Infecção
materna/fetal
Infecção com ≥ 18 semanas de idade
Pirimetamina gestacional
Sulfadiazina Infecção fetal confirmada por PCR no
Ácido folínico líquido amniótico ou se a amniocentese
não for realizada

Sulfadiazina: 100 mg/kg/dia, via oral (VO),


de 12/12 horas, durante 6 meses. Nos
últimos 6 meses, fazer uma vez ao dia
Pirimetamina: 2 mg/kg/dia, VO, por dois RNS sintomáticos e/ou assintomáticos
dias, a cada 12 horas e, posteriormente, 1 com confirmação laboratorial de
mg/kg/dia, dose única diária, durante 2-6 infecção pelo Toxoplasma gondii devem
meses. Nos últimos 6 meses, fazer 3 vezes ser tratados, preferencialmente, a partir
por semana da primeira semana de vida
Infecção Ácido folínico: 5 mg a 10 mg, VO, três
neonatal vezes por semana. Manter por uma
semana após a retirada da Pirimetamina

Quando há doença ativa do SNC e


doença ocular (coriorretinite)
Prednisona: 0,5 mg/kg/dose, VO, a cada
Usa-se até a redução do processo
12 horas
inflamatório, geralmente por quatro
semanas

Fonte: Adaptado de SBP (2020).


SEÇÃO 1 66

Como prevenir? intrauterino. Pode se apresentar de duas


1. Avaliação sorológica da gestante: formas:
• Sorologia no primeiro trimestre; e • Infecção congênita da rubéola:
• Sorologia mensal nas gestantes apresentação de eventos associados
de risco. à infecção intrauterina (aborto, na-
2. Orientação higienodietética à ges- timorto e infecção assintomá­tica); e
­tante: • Síndrome da rubéola congênita
• Lavar as mãos após manipular ali­- (SRC): apresentação de várias ano­
-
mentos; malias congênitas em recém-nas­
­
• Lavar frutas e verduras antes do con- cido (RN), filho de mãe que teve ru-
sumo; béola na gestação.
• Não ingerir carnes cruas ou mal co-
zidas; Qual é a importância do tema?
• Lavar faca e utensílios de cozinha A SRC é rara em países de alta renda.
após o uso; Nos países de baixa e média rendas,
• Evitar beber água não filtrada ou os programas de imunização podem
não fervida; reduzir a incidência. O Brasil tem rea-
• Evitar contato com fezes de gato; e lizado campanhas de vacinação para a
• Evitar mexer em areia ou jardim ou eliminação da rubéola. Vale ressaltar
fazê-lo com luvas. que, apesar de ser um evento raro, tem
3. Triagem neonatal: impacto elevado pelo custo com trata-
• Investigar recém-nascidos de mães mento e sequelas.
HIV reagentes pelo risco de comor­- O risco da transmissão maternofe-
bidades; tal é maior quando ocorre no primeiro
• Programas de Triagem Neonatal: no trimestre da gestação. No entanto, a in-
Brasil, em 26 de maio de 2021 foi san- fecção fetal pode ocorrer em qualquer
cionada a Lei nº 14.154, que amplia o momento da gestação, mas quando
Teste do Pezinho, incluindo a detec- acontece no início pode acarretar ano-
ção da Toxoplasmose. malias em vários órgãos. As anomalias
congênitas são raras quando a infecção
RUBÉOLA CONGÊNITA
ocorre após a 20ª semana de gestação.
O que é?
É uma infecção causada pelo vírus da Como diagnosticar?
rubéola (vírus RNA, do gênero Rubivírus 1. Manifestações clínicas
e família Togaviridae), durante o período Ver Quadro 4.
Infecções congênitas 67

Quadro 4. Manifestações clínicas da Rubéola Congênita

Alterações Sinais e sintomas

Catarata, surdez neurossensorial e cardiopatia congênita (persistência do canal arterial


Tríade clássica
e estenose da artéria pulmonar)

Oculares Catarata, glaucoma, microftalmia e retinopatia

Cardíacas Persistência do canal arterial, estenose da artéria pulmonar e estenose da aórtica

Neurológicas Surdez neurossensorial, microcefalia e retardo mental

Hepatoesplenomegalia, hepatite, icterícia, anemia hemolítica, púrpura,


Transitórias trombocitopênica, adenopatia, meningoencefalite, miocardite, osteopatia dos ossos
longos (rarefações lineares nas metáfises) e exantema crônico

Neonatais Prematuridade e baixo peso ao nascer

Fonte: Autoras.

2. Diagnóstico epidemiológico e labora­- • RN ou criança até 12 meses com:


torial prematuridade e/ou baixo peso + ca-
a) Caso suspeito: tarata/glaucoma ou cardiopatia con­
• RN de mãe com caso suspeito ou gênita ou surdez;
confirmado de rubéola; • Aborto ou perda fetal, devido à infec-
• RN de mãe que teve contato com ca- ção pelo vírus da rubéola; e
so confirmado durante a gestação; e • Infecção congênita.
• Criança de até 12 meses de idade, c) Caso descartado:
com sinais clínicos sugestivos de • IgM e IgG em < 12 meses de idade;
infecção congênita pelo vírus da ru- • IgG diminuindo em velocidade com-
béola, independentemente da histó- patível com transferência ma­terna;
ria materna. • Sem exames sorológicos do RN e da-
b) Caso confirmado: dos clínicos insuficientes; e
• Malformações congênitas, compa- • IgG materna negativa.
tíveis com a síndrome da rubéola
congênita; Como tratar?
• IgM positivo; Não há tratamento antiviral efetivo. Os
• IgG persistente elevada, em amostra cuidados devem ser direcionados às mal­
pareada, com intervalo de 6 meses; formações congênitas e, quanto mais pre-
coce, melhor é o prognóstico.
SEÇÃO 1 68

Como prevenir? dinâmica da replicação viral e o estado


• Imunização de rotina; imunológico do hospedeiro.
• Bloqueio vacinal no hospital, domi- A transmissão vertical pode ocorrer
cílio ou creche/escola, em casos de por três vias: congênita (período pré-na-
identificação da SRC, pois o vírus é tal), intraparto (pelas secreções genitais
eliminado em até 1 ano pelas secre- durante o trabalho de parto) e pós-na-
ções nasofaríngeas e urina; tal (pelo leite materno). A virolactia tem
• Isolamento do RN; e sido responsabilizada pela exposição
• Evitar o contato de gestantes com ao vírus até o final do primeiro ano
casos suspeitos. de vida.
As crianças com infecção congênita
CITOMEGALOVIROSE ou perinatal podem excretar o vírus pe-
la saliva e urina durante anos, o que é
O que é? importante para o ciclo natural de trans-
A citomegalovirose (CMV) é uma infec- missão do CMV.
ção causada pelo citomegalovírus, vírus Em países de baixa e média rendas,
de DNA, membro da família dos vírus estima-se que a prevalência de cito-
herpes, encontrado apenas na saliva, na megalovirose seja de 80% em escolares
urina, nas secreções genitais, no leite e adolescentes precoces. No final da
materno e no sangue ou hemoderiva- adolescência, essa taxa pode ser de 90%.
dos de seres humanos infectados. A in- Grande parte das mulheres em idade
fecção pode ser primária ou secundária fértil já teve infecção primária. Quanto
(por reativação de fase de latência ou in- maior a soroprevalência materna, maior
fecção por novas cepas). É assintomática é a prevalência da infecção congênita
em lactentes maiores, crianças e adul- pelo CMV.
tos e no período de latência, exceto em
imunocomprometidos. Como diagnosticar?
1. Manifestações clínicas
Qual é a importância do tema? a) Doença sintomática precoce congê-
É a infecção congênita mais comum nita: pode apresentar-se como uma
porque a mãe, previamente imune, po- infecção fulminante, acometendo
de transmitir a infecção ao feto, tanto vários órgãos e tem alta taxa de mor-
pela reinfecção com novas cepas como talidade. Os si­nais são:
pela reativação do vírus endógeno. • Petéquias ou púrpura;
Os fatores que contribuem para o • Hepatoesplenomegalia;
surgimento da CMV são: carga viral, • Icterícia colestática;
Infecções congênitas 69

• Prematuridade e Retardo do Cresci­ A maioria dos RNs a termo é


mento Intrauterino (RCIU); assin­
tomática. Os RNs prematuros
• Erupção cutânea violácea (pela he- e de extremo baixo peso têm maior
matopoese extramedular); risco de:
• Microcefalia com ou sem calcifica- • Alterações no desenvolvimento neu-
ções; e ro­psicomotor,
• Alterações do Sistema Nervoso Cen­ • Septicemia, pneumonia e infecção
tral (SNC): dilatação ventricular; atro- entérica;
fia cortical; lisencefalia; paquigiria; • Neutropenia, trombocitopenia e
desmielinização; coriorretinite; difi- lin­focitose;
culdades no aprendizado, na lingua- • Hepatoesplenomegalia; e
gem e déficit de QI; surdez neuros- • Perda da audição.
sensorial (rastrear CMV em todo RN 2. Diagnóstico epidemiológico e labora-
com triagem auditiva insatisfatória). torial
b) Infecção congênita assintomáti­
ca: a) Caso suspeito:
ocorre em 5% a 10% dos RNs, mas ma­- • Todo RN com sinais e sintomas tí-
nifesta-se durante o primeiro ano de pi­cos;
vida, com os seguintes sinais: • História materna de soroconver-
• Alterações do desenvolvimento; são; e
• Perda auditiva; • História materna de doença seme-
• Retardo mental; lhante à mononucleose.
• Espasticidade motora; b) Caso confirmado:
• Microcefalia adquirida; • Isolamento do CMV na urina, sa-
• Hérnia inguinal; e liva, sangue ou secreções respira­
-
• Defeitos dentários. tórias;
c) Infecção perinatal: o período da in- • Se CMV detectado nas duas primei-
fecção até as manifestações clínicas é ras semanas de vida (infecção con-
de 4 a 12 semanas. Pode ocorrer por: gênita); e
• Exposição intraparto ao vírus no sis- • Se CMV não for identificado nas
tema genital feminino; duas primeiras semanas de vida e
• Exposição pós-natal ao leite mater- for detectado após quatro semanas
no infectado; de vida (infecção perinatal).
• Exposição a sangue e hemoderiva- c) Caso descartado:
dos; e Teste na urina negativo em lacten-
• Ambiente hospitalar por contato te não tratado, sintomático durante
com saliva e urina. quatro semanas ou mais.
SEÇÃO 1 70

d) Técnicas de diagnóstico rápido: • Solicitar hemo­


grama, transamina-
• Reação em cadeia da polimerase ses (TGP e TGO) e exame do líquor
(PCR): pode detectar o CMV na uri- cefalor­raquidiano.
na e no sangue. A sensibilidade na
urina é alta, mas um teste negati- Como tratar?
vo no sangue não descarta a infec- Em RNs assintomáticos, não há indica-
ção. ção de tratamento antiviral. Os antivi-
• Cultura com centrifugação: os ví- rais Ganciclovir e Valganciclovir podem
rus são isolados na saliva e na urina ser efetivos no tratamento e na profila-
com amostra coletada por swab. xia da disseminação em pacientes adul-
• Antígeno do CMV: resultados posi- tos imunocomprometidos. O Gan­ciclovir
tivos confirmam a infecção e a vire- pode estabilizar ou melhorar a perda au-
mia pelo CMV, mas os negativos não ditiva em RNs e lactentes com infecção
excluem. congênita.
• IgM e IgG anti-CMV: a IgG materna
e do RN negativa, descarta a infec- Como prevenir?
ção congênita; a IgG positiva no RN, a) Triagem: na gravidez não é reco-
que diminui no 1º mês e negativa mendada a triagem de rotina, devi-
entre 4 e 12 meses de vida, indica do à possibilidade de 90% a 95% das
IgG materna transplacentária; e, a mulheres em idade reprodutiva se-
IgG positiva em lactentes, que conti- rem positivas e o risco de infecção
nua a se elevar entre 4 e 12 meses de fetal ser baixo. Além disso, não há
vida, confirma a infecção congênita tratamento para mulheres grávidas
ou perinatal. infectadas.
3. Como proceder se o diagnóstico de b) Imunização: a imunização com Imu­
citomegalovirose congênita for con­- noglobulina Anti-CMV Hiper­imu­ne
firmado? é uma terapia promissora, mas ain-
• Realizar exame físico e neurológico da não difundida.
minucioso; c) Aleitamento materno: atualmen­te
• Solicitar ressonância magnética e não existe um consenso, nem mé-
tomografia de crânio (cerca de 30% todo recomendado, para minimizar
das crianças com exames normais o risco de exposição ao CMV pelo
poderão apresentar sequelas no leite materno infectado. Em RN a
futuro); termo, embora o leite materno se-
• Fazer acompanhamento oftalmoló- ja uma fonte de infecção perinatal,
gico e auditivo; e a infecção sintomática é rara e a
Infecções congênitas 71

proteção contra infecção dissemi- e) Restrições a hemoderivados: para


nada pode ser dada pela IgG ma- RNs prematuros e de baixo peso é
terna transplacentária ou pelos an- importante usar sangue de fon­
te
ticorpos do leite materno. Em RNs segura.
prematuros extremos, há o risco de
infecção grave e os profissionais INFECÇÃO PELO VÍRUS DA HEPATITE B
devem avaliar o risco/benefício da
amamentação e os cuidados para O que é?
diminuir o risco da transmissão. A A hepatite B é a principal causa de he-
Sociedade Brasileira de Pediatria patopatia crônica no mundo. Sua trans-
recomenda o uso do leite materno
missão se dá entre pessoas que estão in-
in natura da mãe, exceto em RN
fectadas pelo vírus da hepatite B (HBV)
com idade gestacional menor de
e indivíduos não imunizados (anticorpo
30 semanas e/ou peso menor que
de superfície da hepatite B negativo),
1.000 g. A Associação Americana de
sendo as vias principais de transmissão
Pediatria recomenda pesar o risco/
a sexual, a sanguínea e a perinatal.
benefício do leite materno in na-
O impacto da infecção materna pelo
tura da mãe em RNs menores de
vírus da hepatite B não é bem definido,
1.500 g. Com relação aos cuidados
porém genitoras com diagnóstico de
com o leite materno, a pasteuri-
cirrose possuem maior risco de compli-
zação parece inativar o vírus, e o
cações perinatais, como prematuridade,
congelamento tem possibilidade de
restrição de crescimento intrauterino e
diminuir os títulos virais, mas não
morte fetal intrauterina.
elimina a transmissão.
d) Restrições ambientais: se a ges-
Qual é a importância do tema?
tante tem filhos em creches, que
são ambientes de alto risco, e é Estima-se que aproximadamente dois
soronegativa, deve ser muito bem bilhões de pessoas no mundo possuem
orientada sobre os cuidados de hi- evidência de infecção passada ou pre-
giene, principalmente a lavagem sente pelo vírus da hepatite B e cerca
das mãos. Os hospitais também são de 257 milhões são carreadores crônicos
ambientes de risco, mas as medidas deste vírus. Em crianças menores de 5
de controle das infecções hospita- anos, a prevalência de infecção crônica
lares, geralmente são suficientes pelo HBV é menor que 1%, o que reflete
para controlar a infecção entre os a eficácia do programa global de vacina-
funcionários. ção contra a hepatite B.
SEÇÃO 1 72

Como diagnosticar? pré-natal. Aquelas que não foram avalia-


A transmissão de mãe para filho do vírus das durante o pré-natal devem realizar a
da hepatite B ocorre durante o parto na pesquisa de HBsAg no momento da ad-
maioria dos casos (cerca de 95%), poden- missão hospitalar para o parto, podendo
do, no entanto, também acontecer no o exame ser feito através de teste rápido.
período intrauterino e após o nascimen- No caso da transmissão vertical de
to. O risco da transmissão vertical é de- he­patite B, a infecção da criança pelo
terminado pelo nível de vírus circulante vírus é mais comumente diagnosticada
no sangue materno, sendo maior na pre- pela presença de HBsAg por volta de
sença de HBeAg e/ou de elevados níveis um a dois meses de idade, tendo em
de DNA do HBV. Além disso, na ausência vista que em recém-nascidos o HBsAg
de imunização ativa e passiva, este ris- pode ser transitoriamente positivo até
co pode chegar a 90%, na presença de 21 dias após a vacinação contra a hepa-
HbeAg reagente materno, parto prema- tite B. A triagem de infecção com o tes-
turo laborioso e procedimentos obstétri- te de DNA do HBV não é recomendada,
cos com manipulação de placenta, que pois pode permanecer positivo durante
são fatores de risco para a transmissão meses ou anos após a eliminação da in-
intrauterina do HBV (Figura 1). fecção pelo HBV.
Recém-nascidos infectados pelo
HBV raramente são sintomáticos do Como tratar?
ponto de vista clínico e laboratorial Gestantes portadoras de HBsAg reagen-
ao nascimento. As enzimas hepáticas te devem ser encaminhadas a unidades
começam a elevar-se discretamente e obstétricas onde seja assegurada a ad-
persistentemente a partir dos 2 meses ministração de vacina e da imunoglobu-
de idade e a maioria desses pacien- lina específica para o vírus da hepatite B
tes desenvolvem hepatopatia crônica, ao recém-nascido. É importante solicitar
progredindo para cirrose e carcinoma os demais marcadores sorológicos para
hepatocelular. Uma pequena parcela melhor caracterização do estado de in-
desenvolverá hepatite aguda e, ocasio- fecção: anti-HBsAg, HBeAg, anti-HBeAg
nalmente, fulminante. e anti-HBcAg.
A triagem de infecção pelo vírus Nos casos das gestantes com perfil
da hepatite B através da realização do HBsAg reagente/HBeAg não reagente, a
HBsAg é mandatória em toda gestação, determinação dos níveis séricos de HBV-
independentemente do status vacinal DNA deverá ser feita na primeira ava-
prévio, e deve ser realizado no primei- liação e, posteriormente, no final do se-
ro trimestre ou na primeira consulta gundo trimestre de gestação. A decisão
Infecções congênitas 73

de terapia profilática com antivirais de- indicada a partir da 28ª semana de ges-
verá ser definida na 28ª semana de ges- tação. Dentre os medicamentos testados,
tação, com indicação para aqueles com o recomendado para todos os casos é
HBV-DNA superior a 10 UI/ml. 6
Tenofovir.
Pacientes com perfil imunológico Tendo em vista que o principal risco
HBsAg e HBeAg reagentes não precisam de transmissão de mãe para filho ocorre
realizar a determinação de níveis séri- durante o parto, é importante estabele-
cos de HBV-DNA, pois entende-se que cer cuidados iniciais ao recém-nascido
essas gestantes já possuem cargas virais (RN) de mães com infecção pelo HBV
elevadas. Nesses casos, a terapia profi- logo na sala de parto. Recomenda-se ba-
lática com antivirais está formalmente nho em água corrente ainda na sala de

Figura 1. Algoritmo de conduta na gestante com HBV

HBsAg

Negativo Positivo

Checar histórico de Solicitar CV-HBV- Se doença hepática ativa ou cirrose,


vacinação. Vacinar em DNA HBsAg e ALT. Na considerar tratamento. Identificar
qualquer momento primeira consulta e pessoas que compartilham mesma
da gestação, quando com 28 semanas de residência e parcerias sexuais e
não houver histórico gestação recomendar rastreio

Considerar iniciar a
profilaxia entre 28-32
HBsAg HbsAg
semanas de gestação,
REAGENTE NÃO REAGENTE
independentemente
ou desconhecido
da CV-HBV-DNA

CV-HBV > 200.000 UI/ml CV-HBV < 200.000 UI/ml


ou ALT > 2xLSN ou ALT < 2xLSN

Considerar iniciar a Sem necessidade


profilaxia entre 28-32 de profilaxia
semanas de gestação

RN expostos recebem vacina +


IGHAHB. Monitorar flare no pós-parto:
ALT, CV-HBV com 1, 3 e 6 meses

Fonte: Adaptado de Brasil (2019).


SEÇÃO 1 74

parto, imediatamente após o nascimen- nascimento e, simultaneamente, soli-


to, e, quando não for possível, realizar citar a pesquisa de HBsAg materno. Se
limpeza de todo o sangue e secreções o resultado for positivo, é indicado rea-
visíveis no RN com compressas, seguida lizar a imunoglobulina anti-hepatite B
de banho em água corrente; aspiração até 7 dias de vida.
de vias aéreas superiores e gástrica com Crianças com HBsAg reagente con-
os devidos cuidados para evitar trauma- firmam infecção pelo HBV, sendo indica-
tismos (caso haja presença de sangue na do realizar demais exames como HBeAg,
aspiração de conteúdo gástrico, deve-se CV-HBV e dosagem sérica das enzimas
realizar lavagem com soro fisiológico AST e ALT, além de ultrassonografia de
0,9%); aplicar a vacina contra a hepati- abdome superior para avaliação hepáti-
te B e a imunoglobulina anti-hepatite B ca inicial.
(IGHAHB) ainda na sala de parto ou, o
mais tardar, nas primeiras 12 e 24 horas Como prevenir?
de nascimento, respectivamente. A rea- O pilar para a prevenção da infecção
lização da primeira dose da vacina e a neonatal pela hepatite B consiste na va-
imunoglobulina devem ser realizadas cinação. O esquema vacinal para a he-
concomitantemente, em locais de apli- patite B com 3 doses é recomendado du-
cação diferentes. É importante não pos- rante a gestação para todas as mulheres
tergar a aplicação da imunoglobulina, sem histórico de vacinação ou vacina-
pois a sua eficácia não pode ser compro- ção incompleta. Nos casos de gestantes
vada após 48 horas do nascimento, não expostas ao HBV, independentemente
sendo indicado usar após 7 dias de vida. do trimestre e a via de transmissão, de-
O esquema vacinal de hepatite B deve ve-se realizar a associação de vacina e
seguir o calendário básico da criança do imunoglobulina anti-hepatite B.
Programa Nacional de Imunização, com Além disso, a realização do pré-natal
doses aos 2, 4 e 6 meses de vida. e a pesquisa de hepatite B nas gestantes
Quando a criança exposta ao HBV é de grande importância na prevenção
não recebeu o seguimento adequado e para a adoção de medidas preventivas
durante o período pós-natal, com rea- da infecção neonatal pelo HBV.
lização de vacina e IGHAHB, é essencial É importante lembrar que o aleita-
a investigação quanto à infecção pelo mento materno em si não aumenta o
HBV. Nos casos em que o perfil para risco de transmissão de mãe para filho
hepatite B da genitora é desconheci- deste vírus. Quanto a via de parto, por
do, deve-se administrar a dose de va- sua vez, não existe recomendação for-
cina contra a hepatite B logo após o mal do tipo de parto.
Infecções congênitas 75

INFECÇÃO PELO VÍRUS DA HEPATITE C materno de drogas intravenosas e a in-


fecção de células mononucleares do san-
O que é? gue periférico pelo vírus são também fa-
Nos países industrializados, devido aos tores de risco para a transmissão vertical.
programas de vacinação contra a hepa-
tite B, a infecção pelo vírus da hepatite Como diagnosticar?
C (HCV) é a principal causa de hepatite A infecção pelo HCV não é impeditiva
viral crônica em crianças, sendo a trans- para o planejamento familiar. É impor­
missão vertical (transmissão de mãe tante, no entanto, que enquanto as
para filho durante a gestação, no mo- mulheres estiverem em vigência de tra-
mento do parto ou durante os primeiros tamento de hepatite C não engravidem,
28 dias após o nascimento) a principal assim como nos próximos 6 meses após
fonte de infecção. o término, devido à teratogenicidade
dos medicamentos utilizados.
Qual é a importância do tema? Gestantes portadoras de HCV pos-
Estima-se que mais de 1 criança a cada suem maior risco de desfechos desfavo-
20 nascidas de mães infectadas cronica- ráveis, como diabetes gestacional, pré-
mente pelo HCV serão infectadas. No en- -eclâmpsia, parto prematuro e restrição
tanto, as taxas de Transmissão Vertical de crescimento intrauterino.
(TV) de hepatite C dependem de uma Nos casos de recém-nascidos de mães
série de variáveis, entre elas, fatores infectadas pelo vírus da hepatite C, três
geográficos, gravidade da doença, títu- desfechos são possíveis de ocorrerem:
los de carga viral, comorbidades – prin- 20-40% dos recém-nascidos negativarão
cipalmente a coinfecção com o HIV – e a o vírus; 50% terão infecção crônica as-
presença de monócitos infectados pelo sintomática (carga viral HCV detectada
HCV em sangue periférico. intermitentemente e níveis normais de
Geralmente, a transmissão vertical ALT); 30% desenvolverão infecção crônica
deste vírus ocorrerá quando a gestante ativa (carga viral HCV persistente­men­te
tiver HCV-RNA detectável durante a ges- alta e valores de ALT frequentemente
tação, independentemente da sorologia elevados). As crianças com infecção crô-
positiva. Além disso, quanto maior a vi- nica ativa podem evoluir para cirrose
remia, maior a chance de transmissão. hepática, principalmente quando coin-
Outro importante fator de risco para es- fectadas com HIV e, menos comumente,
te modo de transmissão é a coinfecção para carcinoma hepatocelular.
com o HIV, o que pode ser explicado por Crianças expostas nascidas de mães
imunossupressão decorrente deste. O uso com anti-HCV reagente devem realizar
SEÇÃO 1 76

anticorpo anti-HCV a partir dos 18 me- conteúdo gástrico sanguinolento, reali-


ses de idade. Antes desta idade, a detec- zar lavagem gástrica com soro fisiológico.
ção de anticorpos IgG anti-HCV pode Após essas medidas, o RN deve ser posto
ser decorrente da passagem transpla- em contato pele a pele com genitora, o
centária de anticorpos maternos, não mais breve possível. Não existe contrain-
indicando de fato infecção. Os anticor- dicação ao aleitamento materno, deven-
pos IgM, por sua vez, não atravessam do-se apenas não amamentar em mama
a barreira placentária e a sua detecção que tenha alguma fissura ou outra lesão
indica TV do HCV, no entanto, este re- até a sua cicatrização completa.
sultado pode ser falso negativo, tendo
em vista que a molécula IgM pode ser Como prevenir?
não específica. A pesquisa do HCV é essencial no pré-na-
Nos casos em que o anti-HCV após tal, além disso, os fatores de risco, como
os 18 meses for negativo, a infecção pelo uso de drogas ilícitas, devem ser abor-
HCV é descartada. Se for positivo, é ne- dados durante todo o acompanhamento,
cessário realizar a carga viral, podendo em um ambiente sem julgamentos.
existir duas situações: anti-HCV positivo Nos casos de pacientes com o diag-
e carga viral detectável, confirmando in- nóstico prévio de infecção pelo HCV ou
fecção; anti-HCV positivo, mas CV-HCV com diagnóstico durante a gestação, a
indetectável, o que indica contato pas- realização de um pré-natal em um local
sado e provável cura espontânea do HCV. de referência, assim como o seguimento
O acompanhamento das crianças após o parto, é também essencial.
expostas deverá ocorrer sempre em um É importante frisar que o aleitamen-
serviço de referência. No entanto, a in- to materno não é contraindicado nos
vestigação diagnóstica não deve aguar- casos de infecção por HCV e não existe
dar o especialista. recomendação formal em relação à via
de parto, recomendando-se apenas evi-
Como tratar? tar procedimentos invasivos, parto labo-
O recém-nascido (RN) exposto ao HCV rioso e tempo de ruptura de membranas
deve receber cuidados específicos na sa- superior a seis horas.
la de parto. Deve ser dado banho com
água corrente imediatamente após o INFECÇÃO PELO VÍRUS HERPES SIMPLEX
parto, além de se realizar aspiração
das vias aéreas superiores e aspiração O que é?
gástrica de forma delicada, evitando-se O vírus herpes simplex (HSV) é membro
traumatismos. Nos casos de presença de da família de vírus Herpesviridae e pode
Infecções congênitas 77

ser classificado em tipo 1 e tipo 2, de parto com ruptura prolongada de


acordo com técnicas moleculares e mé- membranas.
todos sorológicos. A transmissão do HSV • Perinatal: consiste na maioria dos
ao hospedeiro humano se dá através da casos (cerca de 85%) e corresponde
sua inoculação pelas mucosas genital, à transmissão na hora do parto de-
oral ou conjuntival, ou por fissuras na vido à infecção, assintomática ou
pele, seguida da infecção de termina- sintomática, pelo HSV do trato geni-
ções nervosas sensoriais, permanecen- tal da gestante. O tipo da infecção
do nos gânglios da raiz dorsal durante o materna (primária ou recorrente), o
resto da vida do hospedeiro. tempo de bolsa rota e a via de parto
são fatores que podem influenciar
Qual é a importância do tema? na transmissão.
A infecção neonatal pelo HSV está as- • Pós-natal: cerca de 10% das infec-
sociada com uma relevante morbidade ções neonatais pelo HSV ocorrem no
e mortalidade, sendo responsável por período pós-natal, quando o recém-
diversas sequelas naqueles indivíduos -nascido tem contato próximo com
que sobrevivem. Estima-se que a sua algum indivíduo com infecção ati-
prevalência é de 3 a 30 por 100.000 va pelo vírus herpes simplex, como
nascidos vivos. Esta grande variação é herpes labial.
resultado, por exemplo, da diferente
prevalência do herpes genital ao redor As manifestações clínicas desta
do mundo. doença no período neonatal são diversas
e podem variar dependendo do momen-
Como diagnosticar? to da transmissão. Nos casos em que a
A transmissão do vírus herpes simplex infecção ocorre no período intrauterino
no contexto da infecção neonatal pode devido à infecção materna primária por
se dar em três momentos distintos: este vírus, a placenta e o cordão umbi-
• Intrauterino: ocorre com frequên- lical são afetados diretamente, poden-
cia bem menor, sendo a incidência do ocorrer hidropsia fetal e morte fetal
de aproximadamente 1 em cada intrauterina. Aqueles fetos que sobrevi-
250.000 partos. Neste caso, a infec- vem ao nascimento podem apresentar
ção pode ser resultado da infecção manifestações cutâneas (vesículas, ulce-
materna primária pelo vírus her- rações ou cicatrizes), alterações oculares
pes simplex, ou pela transmissão e neurológicas (microcefalia e hidra-
ascendente em gestantes com in- nencefalia). Quando a infecção intrau-
fecção ativa pelo HSV próximo ao terina acontece devido à transmissão
SEÇÃO 1 78

ascendente, as manifestações podem baixa de glicose e proteína levemente


ser desde leves, como lesões e cicatrizes elevada. Entretanto, no início do curso
cutâneas, até graves, como sinais e sinto- da doença, a análise do LCR pode ser
mas de doença disseminada pelo HSV e normal. Alterações também podem ser
pneumonia neonatal. encontradas no eletroencefalograma
Quando a transmissão ocorre no pe- (EEG), como a presença de descargas
ríodo perinatal ou neonatal podemos epi­lép­ticas focais e multifocais.
classificar as manifestações clínicas em O diagnóstico da infecção neonatal
três categorias principais: mucocutâ- pelo HSV é desafiador, pois mimetiza
neas, neurológicas ou disseminadas. É outras doenças bacterianas, como sepse
importante ressaltar que essas cate- e meningite, e doenças virais, principal-
gorias não são estáticas, podendo se mente, por enterovírus. Além disso, os
sobrepor. sinais e sintomas no início da doença
Nos casos de acometimento do SNC, podem ser sutis e muito inespecíficos.
a análise do líquido cefalorraquidiano Desta forma, este diagnóstico deve
(LCR) mostra: pleocitose de células mo- ser considerado em todos os recém-
nonucleares, concentração normal ou -nascidos com lesões mucocutâneas,

Quadro 5. Manifestações clínicas da herpes simples

Alterações Sinais e sintomas

• Pele: lesões vesiculares coalescentes ou agrupadas com base eritematosa


• Olhos: lacrimejamento excessivo, choro por aparente dor ocular,
Mucocutâneas
ceratoconjuntivite, catarata, coriorretinite
• Orofaringe: lesões ulcerativas em palato, boca e língua

• Crise epiléptica focal ou generalizada


• Letargia
• Dificuldade na aceitação de dieta
SNC
• Irritabilidade
• Instabilidade térmica
• Preenchimento total de fontanela anterior

• Fígado: aumento de transaminases, ascite, aumento de bilirrubina direta,


insuficiência hepática
• Pulmões: pneumonia, pneumonite hemorrágica, insuficiência respiratória
• SNC: vide manifestações acima
Disseminadas • Coração: miocardite
(“sepsis like”)
• Medula óssea e sistema de coagulação: CIVD, plaquetopenia, neutropenia
• Rins: lesão renal aguda
• Trato gastrointestinal: enterocolite necrosante
• Mucocutâneas: vide manifestações acima

Fonte: Autoras.
Infecções congênitas 79

anormalidades do SNC e/ou um quadro Quadro 6. Tratamento da herpes simples, se­


gundo manifestações clínicas
similar à sepse.
Quando a gestante no momento do Manifestação Tratamento
parto possui lesões genitais caracterís-
Aciclovir 20 mg/kg/dose,
ticas de infecção por vírus herpes sim- Mucocutânea de 8/8h, via intravenosa,
por 14 dias
plex, o recém-nascido deve ser investi-
gado para infecção neonatal. Naqueles Aciclovir 20 mg/kg/dose,
de 8/8h, via intravenosa,
assintomáticos, com 24 horas de idade, por no mínimo 21 dias.
Com 21 dias de tratamento,
devem ser realizadas: nova pesquisa de HSV-DNA
SNC por reação em cadeia
• Pesquisa de HSV-DNA por reação em Disseminada de polimerase deve ser
realizada em líquor. A
cadeia de polimerase em mate­rial suspensão do tratamento
deve ser feita apenas
de superfície (conjuntiva, mucosa quando a pesquisa for
negativa
oral, nasofaringe e reto) e sangue;
• Sorologia pareada (IgM e IgG) com a Aciclovir, 300 mg/m2/dia,
Recorrência de 8/8h, via oral, por 6
mãe, para HSV tipos 1 e 2. meses a 1 ano

Fonte: Autoras.
Se o neonato evoluir com sinais e/ou
sintomas e nos casos em que a pesquisa
de HSV-DNA for positiva, devem ser rea- Como prevenir?
lizadas as seguintes investigações: • Investigar toda gestante e partu-
• Investigação de órgãos-alvo: hemo­ riente quanto à história de doença
grama, função hepática e LCR. Quan- prévia por HSV tipos 1 e 2, além de
do ocorrer acometimento do SNC, realizar exame físico para detecção
realizar EEG e tomografia com­
pu­ de lesões ativas;
tadorizada de crânio. • Realização de tratamento e profila-
• Investigação etiológica: pesquisa xia de infecções herpéticas naquelas
de HSV-DNA por reação em cadeia gestantes com indicação;
de polimerase em líquor e material • Suspeitar do diagnóstico nos casos
de lesões cutâneas, se estiverem de recém-nascidos com manifesta-
presentes. ções mucocutâneas, neurológicas e
quadros semelhantes à sepse;
Como tratar? • O aleitamento materno não está
O tratamento da infecção neonatal pe- contraindicado, devendo apenas se-
lo HSV deve ser feito com Aciclovir e o rem realizadas medidas preventivas
tempo de duração varia de acordo com como não amamentar no seio com a
as manifestações clínicas. presença de lesões ativas.
SEÇÃO 1 80

INFECÇÃO PELO VÍRUS o diagnóstico clínico. O diagnóstico no


VARICELA-ZOSTER período neonatal é feito através dos da-
O que é? dos epidemiológicos (história materna)
A infecção neonatal pelo vírus varicela- associado às manifestações clínicas do
-zoster pode ocorrer durante o período recém-nascido. Quando a transmissão
intrauterino por transmissão transpla- ocorre no período fetal, as lesões ge-
centária, dando origem à síndrome da ralmente são graves, com episódios de
varicela congênita, ou no período peri- reativação, provocando retração nos
parto, quando a genitora apresenta le- dermátomos acometidos, alterações no
sões entre 5 dias antes e 2 dias após o aparelho locomotor, além de poder aco-
parto, ocasionando a varicela congênita meter o sistema nervoso central. Nos
ou perinatal. casos da varicela congênita, devido à
Apesar da prevalência da infec- ausência de produção e passagem de
ção neonatal pelo vírus varicela-zoster anticorpos maternos, o recém-nascido
não ser grande, os casos geralmente se possui elevado risco de evoluir para
apresentam de forma grave, indepen­ doença grave, com acometimento pul-
dentemente do momento em que ocor­ monar, por exemplo.
reu a transmissão.
Como tratar?
Como diagnosticar? Ver Quadro 7.
A varicela consiste em uma doença
exantemática com lesões papulovesi- Como prevenir?
culares de evolução típica, permitindo • Cumprimento do calendário vacinal;

Quadro 7. Tratamento da infecção pelo vírus da varicela-zoster

Imunoglobulina específica;
Realizar a imunoglobulina específica até 96
Profilaxia Aciclovir oral nos casos de
horas do contato
pacientes de risco
Gestante
Realizar por via endovenosa, se tiver doença
Tratamento Aciclovir
grave ou forma pulmonar

Realizar nos seguintes casos:


• Mãe apresentou doença 5 dias antes e 2 dias
após o parto
Imunoglobulina específica
Profilaxia • Recém-nascido teve contato e tem < 28
(dose única)
RN semanas de idade gestacional
• Recém-nascido teve contato e tem > 28
semanas e a mãe não tem história de varicela

Tratamento Aciclovir ­

Fonte: Autoras.
Infecções congênitas 81

• Realização de imunoglobulina espe- todas as lesões se tornem crostas. O


cífica nas gestantes e nos recém-nas- recém-nascido não deve ser ama-
cidos, conforme indicações; mentado em seio materno, no entan-
• Mães que apresentarem lesões 5 dias to, o leite materno pode ser ordenha-
antes do parto ou até 2 dias após o do e oferecido ao neonato enquanto
parto devem ficar isoladas, até que a genitora estiver isolada.

REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério da Saúde. Secre­taria de Trans­­missão Vertical do HIV, Sífilis e Hepatites
Atenção à Saúde. Departamento de Ações Virais. Brasília: Ministério da Saúde, 2019.
Programáticas Estratégicas. Atenção à saúde
BURCHETT, S. K. Doenças Infecciosas – Infec­
do recém-nascido: guia para os profissionais
ções Virais. In: CLOHERTY, J. P. et al. Manual
de saúde. – 2. ed. atual. – Brasília: Ministério
de Neonatologia. 7. ed. Rio de Janeiro: Gua­
da Saúde, 2014.
nabara Koogan. 2018. cap. 48, p. 486-488.
BRASIL. Ministério da Saúde. Se­
cre­
taria de
CALIL, R.; FONTES, S. S. V. Infecções virais
Vigilância em Saúde. Coordenação-Geral
perinatais e seus desafios. In: SOCIEDADE
de Desenvolvimento da Epidemiologia em
BRASILEIRA DE PEDIATRIA. PROCIANOY, R.
Serviços. Síndrome da rubéola congênita.
S.; LEONE, C. R. (Org.). PRORN – Programa de
Guia de Vigilância em Saúde: volume único
Atualização em Neonatologia. Ciclo 16. Porto
[recurso eletrônico]. 3. ed. – Brasília: Minis­
Alegre: Artmed Panamericana, 2019. p. 29-79.
tério da Saúde, 2019. Disponível em: https://
bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/guia_vi- CARVALHO, A.L.; ANCHIETA, L.M.; ROMANELLI,
gilancia_saude_3ed.pdf. Acesso em: 22 dez. R.M.C. Infecções congênitas por herpes-vírus.
2021. Revista Médica de Minas Gerais, v. 24, n. 2, p.
223-232, 2014.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de
Vigilância em Saúde. De­par­tamento de Vi­ DEMMLER-HARRISON, G. Neonatal herpes
gilância das Doenças Transmissíveis. Fluxo­- sim­plex virus infection: Clinical features and
gramas para prevenção da Transmissão
­ diagnosis. Uptodate, 2018. Dispo­­ní­­vel em:
Vertical do HIV, Sífilis e Hepatites B e C nas https://www.uptodate.com/contents/neo
instituições que realizam parto. Brasília: Mi­ natal-herpes-simplex-virus-infection-clinical-
nis­tério da Saúde, 2021. -features-and-diagnosis?search=neonatal%20
herpes&source=search_result&selectedTi-
BRASIL. Ministério da Saúde. Secre­taria de Vi­-
tle=1~69&usage_type=default&display_
gilância em Saúde. Departamento de Doen­
rank=1. Acesso em: 23 maio 2021.
ças de Condições Crônicas e Infecções Sexual­
mente Transmissíveis. Protocolo Clínico e DRUTZ, J. E. Hepatitis B virus immunization in
Dire­
trizes Terapêuticas para Prevenção da infants, children, and adolescents. Uptodate,
SEÇÃO 1 82

2021. Disponível em: https://www.uptodate. www.uptodate.com/contents/hepatitis-b-an


com/contents/hepatitis-b-virus-immuniza- d-pregnancy?search=Hepatitis%20B%20
tion-in-infants-children-and-adolescents?- and%20pregnancy&source=search_resul-
search=Hepatitis%20B%20virus%20immu- t&selectedTitle=1~150&usage_type=defa
nization%20in%20infants,%20children,%20 ult&display_rank=1. Acesso em: 26 jun. 2021.
and%20adolescents&source=search_result&-
MARQUEZ, L.; PALAZZI, D. Toxoplasmose con-
selectedTitle=2~123&usage_type=default&-
gênita. In: CLOHERTY, J. P. et al. Manual de
display_rank=1. Acesso em: 26 jul. 2021.
Neonatologia. 7 ed. Rio de Janeiro: Guanabara
GOLDBERG, E.; O’DONOVAN, D. J. Vertical Koogan. 2018. cap. 50, p. 516-522.
transmission of hepatitis C virus. Uptodate,
O’DONOVAN, D. J. Hepatitis viruses and the
2020. Disponível em: https://www.uptodate.
newborn: Clinical manifestations and treat­
com/contents/hepatitis-b-virus-immuniza-
ment. Uptodate, 2021. Disponível em: <https:
tion-in-infants-children-and-adolescents?-
//www.uptodate.com/contents/hepatitis-vi-
search=Hepatitis%20B%20virus%20immu-
ruses-and-the-newborn-clinical-manifesta-
nization%20in%20infants,%20children,%20
tions-and-treatment?search=Hepatitis%20
and%20adolescents&source=search_result&-
viruses%20and%20the%20newborn:%20Cli
selectedTitle=2~123&usage_type=default&-
nical%20manifestations%20and%20treatm
display_rank=1. Acesso em: 26 jun. 2021.
ent&source=search_result&selectedTitle=
GREVE, H.; CARVALHO, M. M. Infecções 1~150&usage_type=default&display_rank=1.
Congênitas. In: BURNS, D. A. R. et. al. (Org.). Acesso em: 26 jun. 2021.
Tratado de Pediatria. Sociedade Brasileira de
SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. Toxo­-
Pediatria, 4 ed. Barueri, SP: Manole, 2017. 2 v.,
­­­plasmose congênita. nº 6, julho de 2020. Dis­­­
sec. 16, cap. 6, p. 1242-1250.
ponível em: https://www.sbp.com.br/filead-
JOHNSTON, C.; WALD, A. Epidemiology, clin- min/user_upload/22620d-DC_-_Toxoplasmose_
ical manifestations, and diagnosis of herpes congenita.pdf. Acesso em: 07 abr. 2021.
simplex virus type 1 infection. Uptodate, 2019.
TEO, E; LOK, A. S. F. Epidemiology, transmis-
Disponível em: https://www.uptodate.com/
sion, and prevention of hepatitis B virus infec-
contents/epidemiology-clinical-manifes
tion. Uptodate, 2020. Disponível em: https://
tations-and-diagnosis-of-herpes-simplex-
www.uptodate.com/contents/epidemiology-
virus-type-1-infection?search=herpes%20
-transmission-and-prevention-of-hepatitis-b-vi
virus&source=search_result&selectedTi-
rus-infection?search=Epidemiology,%20trans
tle=1~150&usage_type=default&display_
mission,%20and%20prevention%20of%20hepa-
rank=1. Acesso em: 23 maio 2021.
titis%20B%20virus%20infection&source=search_
LEE, H.; LOK, A. S. F. Hepatitis B and pregnan- result&selectedTitle=1~150&usage_type=de-
cy. Uptodate, 2020. Disponível em: https:// fault&display_rank=1. Acesso em: 26 jun. 2021.
C APÍTULO 5

Sífilis congênita

Elisabete Pereira Silva

O que é? Sistema de Informação de Agravos de


É uma doença infecciosa, decorrente Notificação (SINAN) foi identificada uma
de transmissão vertical da gestante taxa de detecção de 75,8 casos/100.000
infectada, não tratada ou inadequada- habitantes de sífilis adquirida e de 21,4
mente tratada para o concepto, por via casos/1.000 nascidos vivos de sífilis em
transplacentária. gestantes. Nos últimos anos, houve pro-
O agente etiológico é um patógeno gressivo aumento na taxa de incidência
exclusivo do ser humano – o Treponema de sífilis congênita, variando de 2,4 ca-
pallidum – bactéria do grupo das espi­- sos/1.000 nascidos vivos em 2010 a 9,0
roquetas. casos/1.000 nascidos vivos e a taxa de
A infecção do embrião, resultante da mortalidade foi de 8,28 casos/100.000
disseminação hematogênica, pode ocor- nascidos vivos em 2018 (BRASIL, 2019).
rer em qualquer estágio clínico da doen-
ça materna. No entanto, nas fases ini- Como se define um caso
ciais da doença, em que há uma maior de sífilis congênita?
circulação do Treponema pallidum, a É uma doença de notificação compulsó-
taxa de transmissão é maior (Figura 1). ria desde 1986, que é definida pelos cri-
térios apresentados no Quadro 1.
Qual é a importância do tema?
A sífilis congênita é considerada um pro- Quais são os sinais e sintomas?
blema de saúde pública, tanto a nível Segundo o Ministério da Saúde, a criança
mundial como no Brasil. Em 2018, pelo nascida de mãe que tenha tido sífilis na
SEÇÃO 1 84

Figura 1. Formas de transmissão, estágio clínico da sífilis na mãe e infectividade do concepto

Transfusão
Sexual de sangue ou Vertical
derivados

Recente Tardia
Atualmente Transplacentária Lesão ativa no
(< 2 anos de (> 2 anos de
rara (80%) canal do parto
duração) duração)

Primária Latente Recente


Latente Tardia Primária
Secundária Latente Tardia
Terciária Secundária
Latente Recente Terciária

> Infectividade > Infectividade < Infectividade


< Infectividade
(cerca de 60%) (70% a 100%) (30%)

Fonte: Autora.

Quadro 1. Critérios para definição de caso de sífilis congênita

Critério 1. Criança de mãe que apresente:

VDRL reagente
Sem tratamento ou
a) Pré-natal ou parto
tratamento inadequado
Teste treponêmico reagente

Pré-natal Não foi diagnosticada

b) Teste treponêmico não realizado na maternidade


Parto
VDRL reagente com qualquer titulação

Pré-natal Não foi diagnosticada

c) VDRL não realizado na maternidade


Parto
Teste treponêmico reagente

VDRL não reagente


Sem registro de
d) Parto
tratamento prévio
Teste treponêmico reagente

Critério 2. Criança < 13 anos de idade, com ao menos uma das seguintes evidências sorológicas:

a) Titulações ascendentes de testes não treponêmicos

b) Testes não treponêmicos reagentes após 6 meses de idade (exceto em situação de seguimento
terapêutico)

c) Testes treponêmicos reagentes após os 18 meses de idade


Sífilis congênita 85

Critério 2. Criança < 13 anos de idade, com ao menos uma das seguintes evidências sorológicas:

d) Títulos em teste não treponêmico > do que o da mãe, em lactentes

e) Teste não treponêmico reagente com ao menos uma das alterações: clínica, liquórica ou radiológica
de sífilis congênita

Critério 3. Aborto ou natimorto, que a mãe apresente:

VDRL reagente
Sem tratamento ou
Pré-natal, parto ou curetagem
tratamento inadequado
Teste treponêmico reagente

Critério 4. Evidência de infecção pelo Treponema pallidum em exames microbiológicos:

Placenta ou cordão umbilical e/ou

Amostras de lesão, biópsia ou necropsia de criança produto de aborto ou natimorto

Fonte: Adaptado de Brasil (2019), São Paulo (2016) e Marques (2020).

gestação poderá ser classificada como: interrompendo o seguimento após dois


a) Criança exposta à sífilis, sem a doen- testes não reagentes consecutivos. Es­
ça; ou b) Criança com sífilis congênita pera-se que, aos 3 meses de idade, os
precoce (se os sintomas aparecem até os testes não treponêmicos das crianças de-
2 anos de vida); ou c) Criança com sífilis clinem e que, aos seis meses, tornem-se
congênita tardia (se os sintomas apare- não reagentes, nos casos em que a crian-
cem depois dos 2 anos de vida). ça não tiver sido infectada. Para exclusão
da possibilidade de SC, o exame físico de-
Recém-nascido exposto à sífilis ve ser completamente normal. Qualquer
É considerado recém-nascido (RN) ex­pos­ sinal ou sintoma deve ser investigado e
to à sífilis o filho de mulher diagnostica- a SC incluída no diagnóstico diferencial.
da com sífilis durante o pré-natal e ade-
quadamente tratada, ou seja, recebeu Recém-nascido com sífilis congênita
tratamento completo para o respectivo
estágio clínico da sífilis, com penicilina Sífilis Congênita Precoce
benzatina, iniciado até 30 dias antes Se os sintomas aparecem antes dos 2
do parto. Deve ter o teste não treponê- anos de vida. A presença de sinais e sin­
mico (VDRL), não reagente ou reagente, to­mas ao nascimento depende do mo­
com titulação menor, igual, ou até uma mento da infecção intrauterina e do tra-
diluição maior que o materno. Esses tamento durante a gestação.
casos não devem ser notificados como As manifestações clínicas de sífilis
SC e o seguimento ambulatorial deve con­gênita precoce estão descritas no
ser realizado com 1, 3, 6, 12 e 18 meses, Quadro 2.
SEÇÃO 1 86

Quadro 2. Manifestações clínicas de sífilis congênita precoce

Gestacionais e perinatais

Pode ocorrer em qualquer momento da gestação, em aproximadamente


Natimorto/aborto
40% dos casos de sífilis adquirida durante a gestação, com maior risco no
espontâneo
primeiro trimestre

Prematuridade e baixo peso ao nascer (< 2.500 g)

Hidropsia fetal não imune

Placenta desproporcionalmente grande, grossa, pálida; vilite proliferativa


Placenta focal; arterite endo e perivascular; imaturidade difusa ou focal das
vilosidades placentárias

Cordão umbilical Funisite necrotizante é rara, mas patognomônica quando estiver presente

Sistêmicas

Geralmente em crianças nascidas de mães infectadas na gestação mais


Febre
tardiamente

Hepatomegalia Ocorre em praticamente todos os casos

Esplenomegalia Ocorre em 50% dos casos de hepatomegalia

Linfadenomegalia
Pode ser de até 1 cm, flutuante e firme
generalizada

Atraso no desenvolvimento neuropsicomotor

Edema Causado por anemia/hidropsia fetal, síndrome nefrótica e desnutrição

Mucocutâneas

Pode ser um sinal precoce, surgindo após a primeira semana de vida.


Rinite sifilítica ou
Ocorre em aproximadamente 40% dos casos. A secreção contém
corrimento nasal
espiroquetas e é infectante. Usar precaução de contato

Geralmente aparece de 1 a 2 semanas após a rinite. As lesões contêm


Exantema maculopapular
espiroquetas e são infectantes. Ter precaução no contato

Pode estar presente desde o nascimento até as primeiras quatro semanas


Exantema vesicular
de vida. O fluido vesicular contém espiroquetas e é infectante. Ter
(pênfigo sifilítico)
precaução no contato

Lesões planas, verrucosas, úmidas ao redor da boca, narinas e ânus e


Condiloma lata outras áreas da pele em que há umidade ou fricção. As lesões contêm
espiroquetas e são infectantes. Ter precaução no contato

Icterícia Hiperbilirrubinemia secundária à hepatite sifilítica e/ou hemólise

Hematológicas

Período neonatal: hemolítica


Anemia Pode persistir após tratamento efetivo
Após 1 mês de idade: pode ser crônica e não hemolítica

Trombocitopenia Pode ser a única manifestação da infecção congênita

Leucopenia ou leucocitose
Sífilis congênita 87

Musculoesqueléticas

Ausência de movimentação de um membro causada por dor associada


Pseudoparalisia de Parrot à lesão óssea. Afeta com mais frequência membros superiores que
inferiores; geralmente unilateral; raramente presente ao nascimento

Surgem em 70% a 100% dos casos; são múltiplas e simétricas,


Anormalidades
acometendo principalmente ossos longos (rádio, ulna, úmero, tíbia,
radiográficas
fêmur e fíbula)

Espessamento periosteal irregular, especialmente na diáfise, geralmente


Periostite
extensa, bilateral e simétrica

Osteocondrite metafisária, visível nas extremidades, principalmente do


Sinal de Wegener fêmur e do úmero. Há uma sombra de maior densidade, que é a matriz
calcificada, com formação “em taça” da epífise

Sinal de Wimberger Desmineralização e destruição óssea da parte superior medial tibial

Neurológicas

Anormalidades no líquido
cefalorraquidiano VDRL reagente no líquor, aumento da celularidade e aumento da proteína
(líquor, LCR)

Surge no primeiro ano de vida, geralmente entre 3 e 6 meses;


Leptomeningite sifilítica apresentação semelhante à meningite bacteriana, mas com alterações
aguda liquóricas mais consistentes com meningite asséptica (predominância
mononuclear). Responde à terapêutica com penicilina

Surge a partir do fim do primeiro ano de vida. Hidrocefalia, paralisia


Sífilis crônica
de nervo craniano, deterioração do desenvolvimento intelectual/
meningovascular
neuropsicomotor e infarto cerebral. Curso prolongado

Outros

Pneumonia/pneumonite/ Opacificação completa de ambos os campos pulmonares na radiografia


esforço respiratório de tórax

Geralmente acontece entre 2 e 3 meses de idade, manifestando-se como


Síndrome nefrótica
edema generalizado e ascite (anasarca)

Fonte: Adaptado de Brasil (2019).

A neurossífilis é a infecção do sis- ou entre três e seis meses de vida. As


tema nervoso central pelo Treponema alterações meningovasculares resultam
pallidum. É mais frequente nos RNs em quadros convulsivos, hidrocefalia,
com SC sintomática, porém assintomá- paralisia de nervos cranianos e infartos
ticos podem apresentar alteração liquó- cerebrais. Para o exame liquórico do RN,
rica, por isso, a importância do exame consideram-se os valores para diagnós-
do líquor. Clinicamente, apresenta-se tico de neurossífilis apresentados no
como meningite aguda, ao nascimento Quadro 3.
SEÇÃO 1 88

Sífilis Congênita Tardia Quais são os diagnósticos


Se os sintomas aparecem depois dos 2
diferenciais?
anos de vida. As manifestações clínicas A SC faz parte do diagnóstico diferencial
da sífilis congênita tardia estão relacio- de outras infecções congênitas, como
nadas à inflamação cicatricial ou per- rubéola; toxoplasmose; citomegalovi-
sistente da infecção precoce e se carac- rose; infecção por herpes simples; HIV;
terizam pela presença de formação das zika; malária; e listeriose. Pelo compro-
gomas sifilíticas em diversos tecidos. metimento sistêmico, também devem
As manifestações clínicas de sífilis con- ser consideradas a septicemia bacteria-
gênita tardia estão descritas no Quadro 4. na e a eritroblastose fetal.

Quadro 3. Valores de exame liquórico em crianças com suspeita de neurossífilis

LCR sugestivo de
LCR normal no LCR normal no LCR sugestivo
Parâmetro sífilis nas crianças
RN pré-termo RN a termo de sífilis no RN
> 28 dias

9 + 8 céls/mm3 8 + 7 céls/mm3
Leucócitos > 25 céls/mm3 > 5 céls/mm3
(LVN: 0-29 céls/mm3) (LVN: 0-32 céls/mm3)

115 mg/dl 90 mg/dl


Proteínas > 150 mg/dl > 40 mg/dl
(LVN: 65-150 mg/dl) (LVN: 20-170 mg/dl)

VDRL Não reagente Não reagente Reagente Reagente

Fonte: Adaptado de Brasil (2019; 2022).

Quadro 4. Manifestações clínicas de sífilis congênita tardia

Características Manifestações

Faciais Fronte olímpica, nariz em sela, hipodesenvolvimento maxilar e palato em ogiva

Ceratite intersticial, coriorretinite, glaucoma secundário, cicatriz córnea e atrofia


Oftalmológicas
óptica

Auditivas Perda aditiva sensorial

Dentes de Hutchinson (incisivos medianos deformados), dentes de Mulberry


Orofaríngeas
(molares em amora) e perfuração do palato duro

Cutâneas Rágades (fissuras periorais e perinasais) e gomas

Sistema nervoso Atraso no desenvolvimento, comprometimento intelectual, hidrocefalia, crises


central convulsivas, atrofia do nervo óptico e paresia juvenil

Tíbia em sabre, sinal de Higoumenakis (alargamento da porção esternoclavicular da


Esqueléticas
clavícula), juntas de Clutton (artrite indolor) e escápula escafoide

Fonte: Adaptado de Brasil (2019; 2022).


Sífilis congênita 89

Como conduzir?
a) Testes para recém-nascido exposto à sífilis e com sífilis congênita.

Quadro 5. Testes de sífilis para criança exposta à sífilis e seguimento clínico

TESTES DE SÍFILIS PARA CRIANÇA EXPOSTA À SÍFILIS

Exames
No seguimento O que avaliar
complementares

Teste não Realizar com 1, 3, Baixo risco de SC


treponêmico 6, 12 e 18 meses Não reagente ou reagente com titulação menor, igual ou
de idade. até uma diluição maior que o materno
Na maternidade Após dois testes
Coletar amostra não reagentes Sífilis congênita
de sangue consecutivos ou Reagente com titulação superior à materna em, ao menos,
periférico do RN e queda do título duas diluições
da mãe pareados em duas diluições,
para comparação. interromper o Os testes não treponêmicos devem declinar aos 3 meses
Não realizar coleta seguimento de idade e serem não reagentes aos 6 meses, nos casos
de sangue de em que a criança não tiver sido infectada. Se não houver
cordão umbilical esse declínio, a criança deverá ser investigada para SC,
com realização de exames complementares e tratamento
conforme a classificação clínica, além de notificação
do caso

Teste treponêmico NÃO é obrigatório Um teste treponêmico reagente após os 18 meses de idade
confirma o diagnóstico de sífilis congênita. Um resultado
Na maternidade Pode ser realizado não reagente, não exclui a sífilis congênita nos casos em
Não realizar a partir dos 18 que a criança foi tratada precocemente
meses de idade Crianças com teste treponêmico reagente após 18 meses
de idade e que não tenham histórico de tratamento prévio
deverão passar por uma avaliação completa, receberem
tratamento e serem notificadas como casos de sífilis
congênita

TESTES DE SÍFILIS PARA CRIANÇA COM SÍFILIS CONGÊNITA

Exames
No seguimento O que avaliar
complementares

Teste não Realizar com 1, 3, Espera-se que os testes não treponêmicos declinem aos 3
treponêmico 6, 12 e 18 meses de meses de idade, devendo ser não reagentes aos 6 meses,
idade. Interromper caso a criança tenha sido adequadamente tratada.
Na maternidade o seguimento Idealmente, o exame deve ser feito pelo mesmo método e
Coletar amostra laboratorial após: no mesmo laboratório
de sangue Dois testes
periférico do RN e não reagentes
da mãe pareados consecutivos ou
para comparação queda do título em
duas diluições

Teste treponêmico NÃO é obrigatório Um teste treponêmico reagente após os 18 meses de idade
confirma o diagnóstico de sífilis congênita. Um resultado
Na maternidade Pode ser realizado não reagente, não exclui a sífilis congênita nos casos em
Não realizar a partir dos 18 que a criança foi tratada precocemente
meses de idade Criança com teste treponêmico reagente após 18 meses
de idade e que não tenha histórico de tratamento prévio
deverá passar por avaliação completa, receber tratamento
e ser notificada como caso de sífilis congênita

Fonte: Adaptado de Brasil (2022).


SEÇÃO 1 90

b) Tratamento para sífilis congênita.

Quadro 6. Tratamento para sífilis congênita no período neonatal e pós-natal

PERÍODO NEONATAL (ATÉ OS 28 DIAS DE VIDA)

A. Para todos os RNs de mães com sífilis não tratada ou inadequadamente tratada, independentemente
do resultado do teste não treponêmico (ex.: VDRL) do RN, realizar: hemograma, radiografia de ossos
longos e punção lombar, além de outros exames, quando houver indicação clínica. Na impossibilidade
de realização de punção lombar, tratar o caso como neurossífilis

Situação Esquema terapêutico

Presença de Penicilina G procaína 50.000 UI/kg, dose única diária, IM, durante 10 dias
alterações clínicas e/ OU
A.1 ou imunológicas e/ Penicilina cristalina, 50.000 UI/kg/dose, IV, a cada 12 horas (nos
ou radiológicas e/ou primeiros 7 dias de vida) e a cada 8 horas (após 7 dias de vida), durante
hematológicas 10 dias

Penicilina cristalina(B), 50.000 UI/kg/dose, IV, a cada 12 horas (nos


Presença de alteração
A.2 primeiros 7 dias de vida) e a cada 8 horas (após 7 dias de vida), durante
liquórica
10 dias

Ausência de alterações
clínicas, radiológicas,
hematológicas e
A.3 liquóricas, e teste Penicilina G benzatina(c), na dose única de 50.000 UI/kg, IM.
não treponêmico não
reagente no sangue
periférico

B. Para todos os RN de mães adequadamente tratadas, realizar o teste não treponêmico (ex.: VDRL) em
amostra de sangue periférico do RN. Se for reagente e com título maior em duas diluições quando
comparado ao título materno e/ou na presença de alterações clínicas, realizar hemograma, radiografia
de ossos longos e análise do LCR

Situação Esquema terapêutico

Presença de Penicilina G procaína 50.000 UI/kg, dose única diária, IM, durante 10 dias
alterações clínicas e/ OU
B.1 ou radiológicas e/ou Penicilina cristalina, 50.000 UI/kg/dose, IV, a cada 12 horas (nos
hematológicas, sem primeiros 7 dias de vida) e a cada 8 horas (após 7 dias de vida), durante
alterações liquóricas 10 dias

Penicilina cristalina, 50.000 UI/kg/dose, IV, a cada 12 horas (nos


Presença de alteração
B.2 primeiros 7 dias de vida) e a cada 8 horas (após 7 dias de vida), durante
liquórica
10 dias

C. Para RNs de mães adequadamente tratadas, realizar o teste não treponêmico em amostra de sangue
periférico do RN

Situação Esquema terapêutico

Se o RN for
assintomático e o teste
não treponêmico for
C.1 reagente, com título Não é preciso tratar
igual ou menor que o
materno, acompanhar
clinicamente
Sífilis congênita 91

PERÍODO PÓS-NEONATAL (APÓS 28 DIAS DE VIDA)

Crianças com quadro clínico e imunológico sugestivo devem ser cuidadosamente investigadas,
obedecendo-se o protocolo, com a notificação conforme a definição de casos

Penicilina cristalina, 50.000 UI/kg/dose, IV, 4/4 horas durante 10 dias


OU
Penicilina G procaina 50.000 UI/kg, IM, de 12/12 horas durante 10 dias (em casos externos)

Fonte: Adaptado de Brasil (2022).

c) Seguimento clínico de recém-nascido exposto à sífilis e com sífilis congênita.

Quadro 7. Seguimento clínico para criança exposta a sífilis e com sífilis congênita

SEGUIMENTO CLÍNICO DA CRIANÇA EXPOSTA À SÍFILIS

Procedimento Frequência e duração O que avaliar

Seguimento habitual na rotina da Busca ativa de sinais e sintomas clínicos a


puericultura, conforme recomendação cada retorno, além de vigilância quanto ao
Consultas da Caderneta de Saúde da Criança: desenvolvimento neuropsicomotor
ambulatoriais na 1ª semana de vida e nos 1o, 2o,
de puericultura 4o, 6o, 9o, 12o e 18o meses, com Fazer a solicitação dos testes não
retorno para checagem de exames treponêmicos, para que os resultados
complementares, se for o caso estejam disponíveis na consulta de retorno

SEGUIMENTO CLÍNICO DA CRIANÇA COM SÍFILIS CONGÊNITA

Procedimento Frequência e duração O que avaliar

Seguimento habitual na rotina da Busca ativa de sinais e sintomas clínicos a


puericultura, conforme recomendação cada retorno, além de vigilância quanto ao
Consultas da Caderneta de Saúde da Criança: desenvolvimento neuropsicomotor
ambulatoriais na 1ª semana de vida e nos 1º, 2º,
de puericultura 4º, 6º, 9º, 12º e 18º meses, com Fazer a solicitação dos testes não
retorno para checagem de exames treponêmicos, para que os resultados
complementares, se for o caso estejam disponíveis na consulta de retorno

Buscar anomalias odontológicas: dentes


de Hutchinson (incisivos medianos
deformados) e dentes de Mulberry
(primeiros molares com formato de amora)
Consulta
Semestrais, por 2 anos e perfuração do palato duro
odontológica
Os dentes de Hutchinson só surgem com
o aparecimento dos dentes permanentes.
Os molares de Mulberry são mais precoces,
aparecendo entre os 13 e 19 meses de idade

Buscar anomalias oftalmológicas: ceratite


intersticial, coriorretinite, glaucoma
Consulta
Semestrais, por 2 anos secundário, cicatriz córnea e atrofia óptica.
oftalmológica
A faixa etária de acometimento de ceratite
intersticial costuma ser dos 2 aos 20 anos

Buscar anomalias auditivas: a perda


Consulta auditiva sensorial pode ter ocorrência mais
Semestrais, por 2 anos
audiológica tardia, entre 10 e 40 anos de idade, por
acometimento do 8º par craniano
SEÇÃO 1 92

SEGUIMENTO CLÍNICO DA CRIANÇA COM SÍFILIS CONGÊNITA

Procedimento Frequência e duração O que avaliar

Avaliar o desenvolvimento neuropsicomotor.


No caso de neurossífilis, repetir punção
lombar a cada 6 meses até normalização
bioquímica, citológica e sorológica. Se o
Consulta VDRL liquórico se mantiver reagente ou
Semestrais por 2 anos
neurológica a celularidade e/ou proteína liquóricos
se mantiverem alterados, realizar nova
investigação clínico-laboratorial e retratar.
Exames de imagem também podem ser
considerados nesse cenário.

Fonte: Adaptado de Brasil (2019; 2022).

REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de 248 p. Disponível em: http://www.saude.gov.
Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Es­ br/bvs. Acesso em: 5 mar. 2020.
tra­tégicos em Saúde. Secretaria de Vigilância
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de
em Saúde. Protocolo Clínico e Diretrizes Te­
Vigilância em Saúde. Departamento de Do­
ra­pêuticas para Prevenção da Transmissão
enças de Condições Crônicas e Infecções Se­
Vertical do HIV, Sífilis e Hepatites Virais.
xualmente Transmissíveis. Protocolo Clíni­co
Brasília: Ministério da Saúde, 2022. 224 p.
e Diretrizes Terapêuticas para Preven­ção da
Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/
Transmissão Vertical do HIV, Sífilis e Hepatites
bvs/publicacoes/protocolo_clinico_hiv_sifi-
Virais. Brasília: Ministério da Saúde, 2017. 252
lis_hepatites.pdf. Acesso em: 5 nov. 2022.
p. Disponível em: http://www.saude.gov.br/
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de bvs. Acesso em: 5 mar. 2020.
Vigilância em Saúde. Vigilância em saúde BRASIL. Ministério da Saúde. Gabinete do
no Brasil 2003|2019: da criação da Secretaria Mi­
nistro. Portaria Nº 542 de 22 Dezembro
de Vigilância em Saúde aos dias atuais. Bol de 1986. Para efeitos de Aplicação da Lei Nº
Epidemiol [Internet]. 2019 set [data da cita­ 6.259 de 30 de Outubro de 1975, que dispõe
ção]; 50 (n.esp.):1-154. Disponível em: http:// sobre o Sistema Nacional de Vigilância Epi­de­
www.saude.gov.br/boletins-epidemiológicos. mio­lógica e dá outras providências, ficam in-
Acesso em: 5 mar. 2020. cluídas na relação constante da Porta­ria Mi­
nis­terial Nº 608Bsb, de 28 de Outubro de 1979,
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de
a SÍNDROME DA IMUNODEFICIÊNCIA AD­QUI­
Vigilância em Saúde. Departamento de Do­
RIDA – SIDA/AIDS e a SÍFILIS CONGÊNITA.
enças de Condições Crônicas e Infecções Se­-
xualmente Transmissíveis. Protocolo Clínico MARQUES, S. R. Sífilis Congênita. Programa Na­
e Diretrizes Terapêuticas para Prevenção da cional de Educação Continuada em Pedia­tria.
Trans­missão Vertical do HIV, Sífilis e Hepatites Sociedade Brasileira de Pediatria. PRONAP/
Vi­rais. Brasília: Ministério da Saúde, 2019. SBP, v. 22, n. 2, p. 22-40, 2020.
Sífilis congênita 93

SÃO PAULO. Secretaria de Estado da Saúde. 2. ed. São Paulo: Secretaria de Estado da
Cen­
tro de Controle de Doenças. Programa Saúde. 2016. 112 p. Disponível em: http://www.
Es­ta­dual de DST/Aids. Centro de Referência e saude.campinas.sp.gov.br/saude/doencas/si
Trei­namento DST/Aids. Guia de bolso para ma- filis/guiadebolsodasifilis_2edicao2016.pdf.
nejo da sífilis em gestantes e sífilis congênita. Acesso em: 5 mar. 2020.
C APÍTULO
A PÍTULO 6
x

Icterícia neonatal

Luiza Lyra Cabral


Marta Maciel Lyra Cabral

O QUE É ICTERÍCIA NEONATAL? QUAL É A ORIGEM DA BILIRRUBINA?


Icterícia é a coloração amarelada da pe- A bilirrubina é produzida, no sistema
le e das mucosas por acúmulo de bilirru- reticuloendotelial, pela degradação de
bina, podendo se dar à custa da fração proteínas que contêm a fração heme.
direta ou indireta. É um sinal comum, A principal delas é a hemoglobina das
presente na maioria dos recém-nascidos hemácias, que é responsável por 75%
(RNs) e, geralmente, apresenta manifes- da bilirrubina produzida em algumas
tação clínica quando o nível de bilirru- situações: liberação acelerada de he-
bina total (BT) sérica excede 5 mg/dl. Na moglobina pelas hemácias (isoimuniza-
maioria dos casos, a principal causa é a ção por incompatibilidade Rh ou ABO);
adaptação fisiológica pós-nascimento. anormalidades bioquímicas eritrocitá-
Hiperbilirrubinemia indireta ou não rias (deficiência de G6PD); morfologia
conjugada é a concentração sérica de anormal dos eritrócitos (esferocitose);
bilirrubina indireta (BI) ≥ 2 mg/dl. A hi- sangue sequestrado (equimoses e cefa-
perbilirrubinemia conjugada é quando lo-hematoma); policitemia. Os outros
a bilirrubina direta (BD) apresenta níveis 25% provêm da hemoglobina liberada
maiores que 1 mg/dl. Com base nos ní- por eritropoiese não efetiva na medula
veis de bilirrubina e nos sinais clínicos, óssea; de outras proteínas (mioglobina,
a hiperbilirrubinemia apresenta-se de citocromos, catalase e peroxidase); e da
formas variadas (Quadro 1). fração heme livre.
Icterícia neonatal 95

Quadro 1. Classificação da hiperbilirrubinemia segundo níveis de bilirrubina e sinais clínicos

Hiperbilirrubinemia A BT sérica tem níveis ≥ 12 mg/dl, necessitando de tratamento com fototerapia,


significante com base na idade pós-natal e na etiologia

A BT sérica tem níveis próximos ao de exsanguineotransfusão (≥ 20 mg/dl), com


Hiperbilirrubinemia
base na idade pós-natal e na etiologia, ou qualquer nível de BT associado aos
grave
sinais precoces de encefalopatia bilirrubínica aguda, leve

Hiperbilirrubinemia A BT sérica com níveis para exsanguineotransfusão (≥ 25 mg/dl) ou qualquer nível


extrema de BT associado aos sinais de encefalopatia bilirrubínica aguda leve a moderada

Hiperbilirrubinemia A BT sérica com níveis para exsanguineotransfusão (≥ 30 mg/dl) ou qualquer nível


perigosa ou crítica de BT, associado aos sinais de encefalopatia bilirrubínica aguda moderada a grave

Sinais neurológicos anormais causados pela toxicidade da bilirrubina para os


Encefalopatia
gânglios da base e núcleos do tronco cerebral, progredindo de uma fase aguda
bilirrubínica
para a forma crônica, como Kernicterus

Manifestações agudas de toxicidade bilirrubínica observadas até 14 dias de vida.


Pode ser classificada em leve (dificuldades de alimentação, letargia e tônus
Encefalopatia
anormal), moderada ou intermediária (choro de alta frequência, irritabilidade
bilirrubínica aguda
e hipertonia crescente) ou grave/avançada (estupor profundo, febre, apneia,
incapacidade de se alimentar, opistótono e obnubilação)

Encefalopatia Dano neurológico permanente ou crônico, incluindo paralisia cerebral


bilirrubínica crônica coreoatetoide, displasia do esmalte dentário, paralisia vertical do olhar e
ou Kernicterus deficiências auditivas, incluindo distúrbios do espectro da neuropatia auditiva

Fonte: Adaptado de Olusanya, Kaplan e Hansen (2018).

COMO É O METABOLISMO membrana plasmática do hepatócito


DA BILIRRUBINA? e é captada pela ligandina citoplasmá-
A fração heme das proteínas é oxidada tica para ser transportada ao retículo
em biliverdina pela enzima microssô- endoplasmático liso, no qual a bilirrubi-
mica hemeoxigenase, no sistema reticu- na indireta é conjugada em bilirrubina
loendotelial, liberando óxido de carbo- direta pela uridina difosfoglicuronato
no, que é excretado pelo pulmão, e ferro, glicuronosiltransferase.
que é reutilizado. Em seguida, a biliver- A bilirrubina conjugada (direta) en­
dina é transformada em bilirrubina pela tra no trato gastrointestinal e é excre­
enzima biliverdina redutase. tada nas fezes. Normalmente, não é
A bilirrubina ligada à albumina sé- rea­bsorvida no intestino, mas a enzima
rica é transportada até os hepatócitos. be­ta­glicuronidase pode reconvertê-la
Nessa forma, é apolar, hidrossolúvel em bilirrubina não conjugada (indireta),
e não entra no sistema nervoso cen- que é reabsorvida pelo trato gastrointes-
tral (SNC) e, provavelmente, é atóxica. tinal e transportada de volta ao fígado
A bilirrubina, dissociada da albumi- para reconjugação. Essa é a circulação
na, é apolar, lipossolúvel, atravessa a êntero-hepática.
SEÇÃO 1 96

Na fase fetal, a bilirrubina não con- he­pática, torna o RN suscetível ao acú-


jugada é depurada pela placenta para a mulo dessa substância.
circulação materna. A bilirrubina conju-
gada tem formação limitada no feto, é COMO AVALIAR A ICTERÍCIA?
excretada no intestino fetal, hidrolisada A icterícia do RN tem progressão cra-
pela betaglicuronidase e reabsorvida, niocaudal. Todos os RNs a termo e pré-
sendo normalmente encontrada no líqui- -termo tardios devem ser avaliados para
do amniótico com 12 semanas de gesta- icterícia a cada 8 a 12 horas, enquanto
ção e desaparecendo com 37 semanas. estiverem internados. Antes da alta, de
No RN, temos uma grande produção acordo com a American Academy of
de BI (o hematócrito é alto e as hemá- Pediatrics (AAP) e com o United King­
cias fetais têm meia vida mais curta). A dom’s National Institute of Health and
associação disso com um aumento da Clinical Excellence (guideline NICE), de­
circulação êntero-hepática (trânsito in- ve ser realizada avaliação clínica de ris-
testinal ainda lento e atividade da be- co e dosagem de bilirrubina total (como
taglicuronidase alta) e com um fígado método de rastreio), além do seguimen-
imaturo provoca sobrecarga no hepa- to baseado nos parâmetros clínicos indi-
tócito, que, aliada a menor capacida­ viduais, além da observação clinicoepi-
de de captação, conjugação e excreção demiológica (Quadro 2).

Quadro 2. Fatores de risco para desenvolvimento de hiperbilirrubinemia significante em RN ≥ 35


semanas de idade gestacional

Fatores de risco maiores Fatores de risco menores

BT sérica ou transcutânea na zona de


Níveis de BT sérica ou transcutânea na zona de alto risco
risco intermediário-alto antes da alta
antes da alta (> percentil 95)
(percentis 75 a 95)

Icterícia nas primeiras 24 a 36 horas IG entre 37 e 38 semanas

Incompatibilidade sanguínea ou outras doenças hemolíticas Apresentar icterícia antes da alta

Idade gestacional (IG) entre 35 e 36 semanas Irmão com icterícia neonatal

Irmão com icterícia neonatal tratada com fototerapia Macrossomia ou mãe diabética

Hematomas significativos (exemplos: cefalo-hematoma e


Idade materna ≥ 25 anos
equimoses)

Aleitamento materno exclusivo (principalmente nos casos


em que há problemas com a amamentação e/ou o excesso Sexo masculino
de perda ponderal)

Etnia asiática

Fonte: Adaptado de American Academy of Pediatrics Subcommittee on Hyperbilirubinemia (2004) e Socie­dade Brasileira
de Pediatria (2021).
Icterícia neonatal 97

Para avaliação no exame físico, por • Incompatibilidade sanguínea ma-


digitopressão, após a lavagem das mãos terno-fetal do tipo ABO (Mãe O e RN
e em ambiente com temperatura ade- A ou B);
quada e bem iluminado (luz natural ou • Icterícia em RN prematuros, com 35
luz branca), o RN deve estar em decúbito a 36 semanas de IG, independente-
dorsal e despido. A icterícia causada pela mente do peso ao nascer;
BD elevada confere à pele um tom esver- • Icterícia em RN com dificuldade
deado ou amarelo acastanhado opaco, de amamentação ou perda de pe-
sendo a causada por BI mais alaranjada. so maior que 7% do peso do nas­ci­-
Embora a ausência total de icterícia te- mento;
nha boa acurácia para prever o não de- • Icterícia em RN a termo abaixo da
senvolvimento de hiperbilirrubinemia linha mamilar;
significativa, a estimativa da bilirrubina • Icterícia que não se resolve após 14
sérica por método visual, por meio da a 21 dias de vida, em crianças ama-
utilização das zonas de Kramer, não é um mentadas, ou após 7 dias, nas ali-
bom preditor da gravidade do quadro. mentadas com fórmula;
No entanto, é muito utilizada (Figura 1). • RN cuja icterícia persista após 2 se-
A bilirrubina deve ser dosada quan- manas de vida.
do houver:
• Icterícia desenvolvida nas primeiras Hiperbilirrubinemia em RNs com
24 a 36 horas de vida; ≥ 35 semanas de IG é definida como BT
• Incompatibilidade sanguínea ma- acima do percentil 95 no nomograma
terno-fetal do tipo Rh; de Bhutani (Gráfico 1).

Figura 1. Zonas de Kramer

Zona I: cabeça e pescoço


4 a 8 mg/dl, média de 6 mg/dl

Zona II: tronco até umbigo


5 a 12 mg/dl, média de 9 mg/dl

Zona III: hipogástrio até coxas


8 a 17 mg/dl, média de 12 mg/dl

Zona IV: joelhos até tornozelos e cotovelos até punhos


11 a 18 mg/dl, média de 15 mg/dl

Zona V: mãos e pés


> 15 mg/dl, média > 18 mg/dl

Fonte: Autoras.
SEÇÃO 1 98

Gráfico 1. Nomograma de Bhutani

Fonte: Bhutani et al. (1999).

Hiperbilirrubinemia neonatal seve­ (D ou Du) negativo; pesquisa de anticor-


ra, como BT > 25 mg/dl, sendo associa- pos maternos para antígenos irregula-
da ao risco aumentado de disfunção res (anti-c, anti-e, anti-E, anti-Kell, entre
neurológica por acúmulo de bilirru­bina. outros), se mãe multigesta/transfusão
Hiperbilirrubinemia neonatal severa (BT sanguínea anterior e RN com Teste de
> 30 mg/dl) é associada ao risco aumen- Coombs Direto positivo; dosagem san-
tado de neurotoxicidade e probabilida- guínea quantitativa de glicose-6-fosfato
de de Kernicterus. desidrogenase (G6PD); dosagem sérica
de hormônio tireoestimulante (TSH) pe-
QUAIS SÃO AS PRINCIPAIS CAUSAS lo Teste do Pezinho. A solicitação desses
DE HIPERBILIRRUBINEMIA INDIRETA? exames deve ser feita de acordo com a
A investigação da elevação da BI pode suspeita clínica e pretende diferenciar
incluir: dosagem de BT e frações; hemo- entre as condições mais frequentes, ci-
globina, hematócrito, contagem de reti- tadas abaixo:
culócitos, e morfologia de hemácias; ti- • Icterícia fisiológica: quadro comum,
pagem sanguínea da mãe e do RN; Teste benigno e autolimitado. Trata-se de
de Coombs Direto no sangue do cordão uma adaptação neonatal ao metabo-
ou do RN; pesquisa de anticorpos anti-D lismo da bilirrubina. A literatura clas-
(Teste de Coombs Indireto), se mãe Rh sicamente atribui o valor de 13 mg/dl
Icterícia neonatal 99

como o limite máximo. Durante a Coombs Direto pode estar positivo


primeira semana de vida, 98% dos ou negativo; estando negativo, é
RNs apresentam níveis de BI acima possível realizar o Teste do Eluato,
de 1 mg/dl (limite para adultos). O que pesquisa anticorpos anti-A e
pico nos níveis de BT ocorre entre o 2º anti-B no sangue do RN.
e o 4º dias de vida (mais tardiamente - Antígenos eritrocitários irregula-
nos prematuros, nos quais fica entre res: anticorpos maternos anti-c,
o 3º e o 4º). Níveis inferiores a 2 mg/dl anti-e, anti-E, anti-Kell e outros.
são alcançados entre o 5º e o 7º dias, Pode-se suspeitar dessa condição
sendo os níveis encontrados em adul- quando o Teste de Coombs Direto
tos presentes entre o 10º e o 14º dias. é positivo e não há incompatibili-
• Doenças hemolíticas imunes: dade sanguínea materno-fetal do
- Incompatibilidade sanguínea ma­ tipo Rh ou ABO.
terno-fetal do tipo Rh: mãe an- • Outras doenças hemolíticas: po-
tígeno D negativo e RN positivo; demos ter doenças hemolíticas en-
RN positivo para anticorpos ma- zimáticas, sendo a deficiência de
ternos anti-D e Teste de Coombs G6PD a mais importante, ou defeitos
Direto positivo, com reticulócitos na membrana eritrocitária, tendo a
aumentados. A gestante terá sido esferocitose hereditária como exem-
sensibilizada em uma gestação plo. O Teste de Coombs Direto é sem-
prévia e a gravidade da doença pre negativo, pois não são condições
fetal aumenta nas subsequentes. imunomediadas.
A presença do Teste de Coombs • Icterícia associada à amamentação:
Indireto positivo na gestação in- - Forma precoce (icterícia do alei-
dica que há sensibilização. Pode tamento materno): ocorre geral-
haver anemia marcante e hepa- mente na primeira semana de
toesplenomegalia associados. vida e é comum em RN pré-termo
- Incompatibilidade sanguínea ma­ tardio. Atraso na fase II da lactogê-
terno-fetal do tipo ABO: mãe O nese, poder de sucção diminuído
com RN A ou B. Podem haver es- e outros problemas relacionados
ferócitos. É a doença hemolítica ao aleitamento estão presentes. A
mais comum no RN e pode ocorrer baixa ingestão leva à perda pon-
na primeira gestação. É uma con- deral exagerada, à estase intes-
dição com progressão mais lenta, tinal e à exacerbação da circula-
com icterícia comumente sendo ção êntero-hepática. Sódio sérico
a única manifestação. O Teste de ≥ 150 mEq/l reforça a hipótese. O
SEÇÃO 1 100

tratamento consiste em estímulo à micas potencialmente graves. Outros si-


amamentação e ao fornecimento nais podem estar presentes, como urina
de aporte calórico para o RN. de cor escura, fezes acólicas (descoradas)
- Forma tardia (icterícia do leite e hepatomegalia, indicando colestase. O
materno): é um diagnóstico de tratamento é específico para cada condi-
exclusão. Início típico entre o 3 o
ção. Podemos dividir as causas em:
e 5 dias de vida, tendo pico após
o
• Causas intra-hepáticas: hepatite
2 semanas. Depois, declina len- ne­

natal (uma das principais cau-
tamente, desaparecendo entre sas), sepse, desordens da embriogê-
3 e 12 semanas. Ocorre em RNs nese, do­
enças genéticas e metabó-
saudáveis, com bom ganho pon- licas (ga­
lactosemia, fibrose cística,
deral, sem alteração hepática ou deficiên­cia de alfa-1-antitripsina, por
hemólise. A patogênese não está exemplo), infecções congênitas, en-
esclarecida completamente, mas tre outras.
suspeita-se que alguma substân- • Causas extra-hepáticas: podemos tra-
cia presente no leite (betaglicu- zer, entre outras, a atresia biliar e o
ronidase está elevada no leite de cisto de colédoco. A atresia biliar está
20% a 40% das mulheres) levaria ao entre as principais causas de eleva-
quadro. Alguns autores sugerem ção da BD e de transplante hepático
que, se os valores de bilirrubina em crianças, sendo definida como a
estiverem muito elevados, pode-se ausência ou a obliteração dos ductos
recomendar a suspensão temporá- biliares extra-hepáticos. Há icterícia
ria do aleitamento. Geralmente, os progressiva associada à colúria e à
níveis de BI caem rapidamente em acolia fecal. O RN deve passar por
48 horas e não voltam a subir após correção cirúrgica com portoenteros-
a reintrodução do leite materno. tomia de Kasai durante as primeiras 8
No entanto, na maioria dos casos, semanas de vida, período após o qual
não há necessidade de tratamento o resultado é insatisfatório e pode ser
da icterícia por leite materno, não necessário o transplante hepático.
se indicando a descontinuidade
do aleitamento. COMO É FEITO O TRATAMENTO?
As formas de tratamento para hiperbilir-
QUAIS SÃO AS PRINCIPAIS CAUSAS rubinemia indireta mais utilizadas são a
DE HIPERBILIRRUBINEMIA DIRETA? fototerapia e a exsanguineotransfusão
A elevação do nível de BD resulta de (EST). A indicação do tratamento deve
distúrbios hepáticos ou doenças sistê­- avaliar os níveis de BT, bem como outros
Icterícia neonatal 101

fatores que aumentam o risco de lesão Tabela 2. Valores de BT (mg/dl) para indicação
de fototerapia e exsanguineotransfusão em RN
neuronal: asfixia neonatal e estados de < 34 semanas de idade gestacional
hiperosmolaridade podem, por lesarem
Bilirrubina total (mg/dl)
a barreira hematoencefálica, predispor Peso
ao quadro (Tabelas 1 e 2). ao nascer Exsanguineo-
Fototerapia
transfusão
A eficácia da fototerapia depende
1.001-1.500 g 6a8 11 a 13
de três fatores: comprimento da onda
1.501-2.000 g 8 a 10 13 a 15
de luz (ideal na faixa azul entre 425 e
2.001-2.500 g 10 a 12 15 a 17
475 nanômetros), irradiância espectral
(intensidade da luz) e superfície cor- Considerar o valor inferior na presença de fatores de risco:
doença hemolítica, deficiência de G6PD, asfixia, letargia,
poral exposta (quanto maior, maior a instabilidade na temperatura, sepse, acidose, hipotermia
eficácia). A intensidade é considerada ou albumina < 3,0 g/dl.

convencional entre 8 e 10 mW/cm2/nm Fonte: Ministério da Saúde (2014).

Tabela 1. Nível de BT (mg/dl) para indicação de fototerapia e exsanguineotransfusão em RN ≥ 35


semanas de idade gestacional ao nascer

Bilirrubina total

Idade Fototerapia Exsanguineotransfusão

35-37 semanas ≥ 38 semanas 35-37 semanas ≥ 38 semanas

24 horas 8 10 15 18

36 horas 9,5 11,5 16 20

48 horas 11 13 17 21

72 horas 13 15 18 22

96 horas 14 16 20 23

5 a 7 dias 15 17 21 24

Diminuir em 2 mg/dl o nível de indicação de fototerapia ou EST se houver doença hemolítica (Rh, ABO, outros antígenos),
deficiência de G6PD, asfixia, letargia, instabilidade na temperatura, sepse, acidose ou albuminemia < 3 g/dl.

Iniciar fototerapia de alta intensidade sempre que: BT > 17-19 mg/dl e colher BT após 4-6 horas; BT entre 20-25 mg/dl e
colher BT em 3-4 horas; BT > 25 mg/dl e colher BT em 2-3 horas, enquanto o material da EST estiver sendo preparado.

Se houver indicação de EST, enquanto ocorre o preparo, colocar o RN em fototerapia de alta intensidade, repetindo a BT
em 2 a 3 horas para reavaliar a indicação de EST.

A EST deve ser realizada imediatamente se houver sinais de encefalopatia bilirrubínica ou se a BT estiver 5 mg/dl acima
dos níveis referidos.

A fototerapia pode ser suspensa, em geral, quando BT < 8-10 mg/dl, sendo a BT reavaliada 12-24 horas após suspensão
para detectar rebote.

Fonte: Ministério da Saúde (2014).


SEÇÃO 1 102

e de alta intensidade se 30 mW/cm2/nm. materno-fetal do tipo ABO, pode-se usar


A aferição periódica deve ser feita para o tipo sanguíneo da mãe (O) e o plasma
avaliar a necessidade de troca das lâm- Rh compatível com o do RN ou hemá-
padas. Durante a fototerapia, deve-se cias tipo O com plasma AB Rh compa-
ter alguns cuidados: aumentar a oferta tível. Quando não houver hemólise por
hídrica, manter a temperatura corporal anticorpos, pode ser utilizado o tipo
estável e a proteção ocular com cobertu- sanguíneo do RN. Qualquer que seja o
ra radiopaca, e proteger os equipos de tipo de sangue escolhido, é obrigatória
nutrição parenteral total. É importante a realização da prova cruzada entre o
seguir as recomendações do fabricante, sangue do doador e o soro da mãe, an-
pois a proximidade exagerada da fonte tes do início.
pode causar queimaduras. A maioria A duração preconizada é de 60 a
dos casos é controlada com essa tera- 90 min, a velocidade máxima de troca
pêutica, sendo a doença hemolítica é de 1 a 2 ml/kg/min. O volume de troca
grave por incompatibilidade sanguínea recomendado é de 160 ml/kg (cerca de
materno-fetal do tipo Rh a principal in- duas volemias). A técnica mais utilizada
dicação de EST. é a do puxa-empurra, por meio da veia
A EST, por sua vez, é feita com a tro- umbilical. A localização radiográfica
ca de mais de duas volemias do RN (2 x do cateter em veia cava inferior em ní-
2
80 ml/kg), sendo 3 de concentrado de vel de T8-T10 deve ser feita, se possível.
1
hemácias e 3 de plasma fresco congela- Posteriormente, o RN deve ser mantido
do. Esse procedimento pode trazer com- em fototerapia com infusão contínua
plicações metabólicas, hemodinâmicas, de glicose 4-6 mg/kg/min; gluconato de
infecciosas, vasculares, hematológicas, cálcio 10%, 2 ml/kg/dia e sulfato de mag-
além das reações pós-transfusionais e nésio 10%, 1 ml/kg/dia; e com monitori-
o enxerto-hospedeiro, por isso a neces- zação da glicemia, dos eletrólitos (Na, K,
sidade de monitorização contínua, de Ca e Mg), do equilíbrio acidobásico, das
ambiente asséptico e de realização por bilirrubinas, da hemoglobina e do leu-
equipe especializada em cuidados in- cograma com plaquetas.
tensivos neonatais.
A escolha do tipo sanguíneo de- QUAIS SÃO AS PRINCIPAIS
pende da etiologia: na incompatibili- COMPLICAÇÕES?
dade sanguínea materno-fetal do tipo A encefalopatia bilirrubínica é a grande
Rh, utiliza-se o tipo sanguíneo do RN, preocupação relacionada à icterícia neo-
Rh negativo ou tipo O Rh negativo. No natal. Trata-se de uma síndrome neu-
caso de incompatibilidade sanguínea rológica por depósito de BI no sistema
Icterícia neonatal 103

nervoso central. No entanto, o quadro displasia dentária. Ocasionalmente, apre-


de Kernicterus só foi identificado quan- sentam também defi­ciência inte­lectual.
do os níveis de bilirrubina foram maio-
res que 20 mg/dl. COMO PREVENIR A
Tal condição possui uma forma agu- HIPERBILIRRUBINEMIA SIGNIFICANTE?
da e uma crônica. Na aguda, que apre- • Avaliar se o RN tem risco clínico-epi-
senta-se nos primeiros dias e dura se- demiológico de elevação dos níveis
manas, ocorre letargia, hipotonia e má de BT;
sucção (fase 1). Se não tratada, surge hi- • Medir a BT para determinar o risco
pertonia de musculatura extensora (opis- de elevação dos seus níveis;
tótono) com hipertermia e choro agudo • Promover apoio, incentivo e assis-
de alta intensidade, com progressão pa- tência ao aleitamento materno a
ra apneia, coma, convulsões, e a maioria partir do nascimento, na internação
das crianças vem a óbito nessa fase (fase e após a alta hospitalar no primeiro
2). Na fase 3, surge a hipotonia. Em RN mês de vida;
a termo pode, ocasionalmente, haver re- • Orientar os pais e capacitar profis-
versão do quadro, se houver tratamento sionais de saúde para o manejo de
imediato e agressivo na fase aguda. icterícia neonatal;
O prognóstico da condição é ruim. A • Alta hospitalar apenas depois de
maioria dos sobreviventes apresenta a 48 horas de vida e retorno ambula-
forma crônica da doença, com a tétrade: torial em 48 a 72 horas para avalia-
paralisia cerebral atetoide grave, neuro- ção da icterícia, aleitamento mater-
patia auditiva, paresia vertical do olhar e no etc.

REFERÊNCIAS
AMERICAN ACADEMY OF PEDIATRICS SUB­ BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de
COMMITTEE ON HYPERBILIRUBINEMIA. Man­- Atenção à Saúde. Departamento de Ações
agement of hyperbilirubinemia in the new­- Programáticas Estratégicas. Atenção à saúde
born infant 35 or more weeks of gestation. do recém-nascido: guia para os profissionais
Pediatrics, v. 114, n. 1, p. 297-316, 2004. de saúde – Intervenções Comuns, Icterícia e
Infecções. Cap. 17, v. 2, p. 125-135. 2. ed. atual.
BHUTANI, V. K.; JOHNSON, L.; SIVIERI, E. M.
Brasília: Ministério da Saúde, 2014.
Predictive ability of a predischarge hour-spe-
cific serum bilirubin for subsequent signifi- BURNS, D. A. R. et al. Tratado de Pediatria:
cant hyperbilirubinemia in healthy term and Sociedade Brasileira de Pediatria. 4. ed. Vol 1.
near-term newborns. Pediatrics, v. 103, n. 1, Barueri, SP: Manole, 2017.
p. 6-14, 1999.
SEÇÃO 1 104

GREGORY, M. L. P.; MARTIN, C. R.; CLOHERTY, OLUSANYA, B. O.; KAPLAN, M.; HANSEN, T. W.
J. P. Hiperbilirrubinemia Neonatal. In: CLO­ R. Neonatal hyperbilirubinaemia: a global
HERTY, J. P. et al. Manual de Neonatologia. perspective. Lancet Child Adolescent Health,
Cap. 26, p. 236-261. 7. ed. Rio de Janeiro: v. 2, p. 610-20, 2018.
Guanabara Koogan, 2016.
SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. Hiper­
KEREN, R. et al. Visual assessment of jaundice bilirrubinemia indireta no período neonatal.
in term and late preterm infants. Archives Manual de Orientação do Departamento de
of Disease in Childhood-Fetal and Neonatal Neonatologia, n. 10, 2021.
Edition, v. 94, n. 5, p. F317-F322, 2009.
C APÍTULO 7

Colestase neonatal: por que é


importante sempre investigar?

Geórgia Lima de Paula


Margarida Maria de Castro Antunes

O QUE SE ENTENDE 1,0 mg/dl. Uma vez identificada, o enca-


POR COLESTASE NEONATAL? minhamento à hepatologia pediátrica é
Colestase é a redução da formação ou mandatório, já que a identificação opor-
do fluxo da bile, resultando na reten- tuna de causas tratáveis de colestase po-
ção de substâncias biliares no fígado, as de ser determinante para o prognóstico.
quais deveriam ser eliminadas para o Embora existam várias causas de ic-
lúmen intestinal. Embora colestase e hi- terícia no período neonatal, não é espe-
perbilirrubinemia não sejam sinônimos, rado que ela perdure ou surja além de 14
geralmente ocorrem juntas, havendo dias de vida da criança. Caso isso ocor-
predomínio da fração direta (conjuga- ra, deve-se sempre solicitar a dosagem
da) da bilirrubina. Apesar de denomina- sérica das bilirrubinas. A exceção seria
da neonatal, essa síndrome pode ocorrer nas crianças em aleitamento materno
até os três meses de vida e afeta, apro- exclusivo, pela possibilidade de icterícia
ximadamente, 1:2.500 nascidos vivos a do leite materno, nas quais é possível
termo no mundo. adiar até os 21 dias de vida a coleta labo-
As principais características clínicas ratorial, desde que não haja hipocolia/
são icterícia, colúria e hipocolia/acolia fe- acolia, nem colúria e que a reavaliação
cal. Pode haver prurido, alterações cutâ- nesse período seja factível.
neas, massa abdominal palpável e/ou No diagnóstico diferencial devem
organomegalia, a depender da etiologia. ser incluídas as causas obstrutivas, co-
Laboratorialmente, define-se colestase mo a atresia de vias biliares e o cisto
quando a bilirrubina direta é maior que de colédoco, e as causas metabólicas,
SEÇÃO 1 106

como infecções, prematuridade e nutri- de ativação de protrombina, sumário


ção paren­
teral, além das causas gené- de urina e urocultura, assim como uma
ticas, como a síndrome de Alagille e as ultrassonografia de abdome. Resgatar o
PFIC (colestases intra-hepáticas progressi­ resultado do Teste do Pezinho também
vas familiares). Mesmo com o avanço dos é fundamental para a investigação de
métodos diagnósticos, a colestase neona- algumas possíveis causas de colestase,
tal pode ser classificada como hepatite como fibrose cística, anemia falciforme,
neonatal idiopática em 10-20% dos casos. hipotireoidismo, erros inatos do meta-
Para auxílio na diferenciação etioló- bolismo e algumas infecções congênitas
gica entre colestase intra e extra-hepá- (dependendo da versão do teste).
tica, algumas características clínico-epi-
demiológicas podem ser consideradas, QUAIS AS PRINCIPAIS ETIOLOGIAS?
conforme o Quadro 1.
Confirmada a colestase, para a tria- Extra-hepáticas
gem etiológica inicial, além de boa Atresia de vias biliares (AVB)
anamnese e exame físico completo, al- É responsável por 25%-40% dos casos de
guns exames complementares podem colestase neonatal, sendo considerada
ser úteis, como: hemograma, transa- a causa identificável mais frequente
minases (aspartato aminotransferase nos três primeiros meses de vida. Tem
(AST), alanina aminotransferase (ALT)), prevalência bastante variável ao redor
gamaglutamiltransferase (GGT), tempo do mundo. A forma não sindrômica

Quadro 1. Diferenciação etiológica entre colestase intra e extra-hepática

Etiologia Extra-hepática Intra-hepática

Idade gestacional Termo Pré-termo

Peso para idade gestacional Adequado Pequeno

Sexo Feminino Masculino

Ganho ponderal Adequado Inadequado

Fezes Acolia fecal permanente Hipocolia ou acolia intermitente

Estado geral regular ou bom;


Bom estado geral; fígado
fígado aumentado, elástico, firme;
Exame físico aumentado, firme e
esplenomegalia; podem haver outros
endurecido; baço normal
achados característicos de cada doença

Origem Obstrutiva Genético-metabólica

Fonte: Autoras.
Colestase neonatal: por que é importante sempre investigar? 107

corresponde a mais de 80% dos casos, A AVB é a causa de 40%-50% dos


enquanto as sindrômicas estão associa- transplantes hepáticos pediátricos e,
das a malformações (principalmente, se não tratada, leva a óbito entre 8-19
geniturinárias e esplênicas) e/ou a defei- meses de idade. O tratamento deve ser
tos da lateralidade. inicialmente cirúrgico, com realização
A AVB resulta de processo inflamató- de derivação das vias biliares (Porto­
rio progressivo, destrutivo de ductos bi- enterostomia de Kasai), a qual deve ser
liares intra e extra-hepáticos, com con- realizada até os 60 dias de vida. A cirur-
sequentes fibrose e obliteração do trato gia de Kasai consiste em anastomose
biliar, culminando em cirrose biliar. Sua do jejuno com a região porta hepatis
etiologia ainda é desconhecida, embora em Y de Roux, visando o restabeleci-
supõe-se haver gatilhos infecciosos (es- mento do fluxo biliar do fígado para o
pecialmente vírus), tóxicos ou imunes. intestino. Mesmo quando há adequado
No início do quadro, os lactentes resultado cirúrgico, a hipertensão por-
com AVB costumam apresentar hiperbi- tal e outras complicações da cirrose bi-
lirrubinemia direta na faixa de 2-7 mg/dl, liar indicam o posterior transplante em
associada a uma elevação mais impor- até 85% dos casos.
tante de GGT que das transaminases, já
que o foco da lesão hepatocelular, nesse Cisto de colédoco
caso, encontra-se nos ductos biliares. É uma anomalia congênita dos ductos
O padrão ouro para seu diagnós- intra e extra-hepáticos, caracterizada
tico é a histologia obtida por biópsia por dilatação ductal e estase biliar, úni-
hepática associada à colangiografia in­­ ca ou múltipla, de dimensões variáveis.
tra­operatória. Todavia, achados ultras­ Predomina no sexo feminino (3:1) e po-
sonográficos característicos, como o si­­­- de ocorrer isolada ou associada a outras
nal da corda triangular e a ausência doenças, como a de Caroli e a Fibrose
de vesícula biliar, sugerem fortemente Hepática Congênita. A localização ana-
o diagnóstico. Por tratar-se de doença tômica mais comum dos cistos (85%) é
pro­gressiva, a depender da fase em que na origem do colédoco (junção entre os
os exames forem realizados, pode ha- ductos cístico e hepático comum).
ver falsos positivos e negativos. Outros A obstrução prolongada resulta em
exames, como a colangiorressonância e cirrose biliar secundária e hipertensão
a cintilografia não devem ser rotineira- portal. O quadro clínico é semelhante
mente usados, dadas a necessidade de ao da AVB, porém ao exame físico, em al-
anestesia geral e a baixa sensibilidade, guns pacientes, pode ser palpada massa
respectivamente. abdominal. Além disso, existem formas
SEÇÃO 1 108

de AVB císticas, que podem confundir geralmente associada a outras malfor-


mais ainda o diagnóstico. Ressalta-se, mações características, especialmente
ainda, que ambas as doenças podem cardíacas (principalmente estenose pul-
ocorrer simultaneamente, razão por que monar), vertebrais (vértebra em asa de
a diferenciação ultrassonográfica deve borboleta) e oculares (embriotóxon pos-
ser cuidadosa. No cisto de colédoco, a terior). Além disso, os pacientes costu-
vesícula não é atrésica, o que costuma mam ter fácies característica, de aspec-
permitir essa distinção. O tratamento to triangular (com fronte proeminente
do cisto é cirúrgico e visa o restabele- e mento fino e pontudo), porém nem
cimento do fluxo biliar (ao remover a sempre é reconhecida desde o período
obstrução), mas também a eliminação neonatal. A síndrome costuma cursar
da predisposição a carcinomas biliares com prurido intenso.
em um eventual cisto residual. O diagnóstico é confirmado pelo
sequenciamento genético e/ou ducto-
Intra-hepáticas
penia à biópsia hepática, mas pode ser
Infecciosas definido apenas pelos critérios clínicos.
Destaca-se a citomegalovirose, infecção Seu tratamento é na maioria dos casos
congênita mais comum, que costuma clínico e de suporte, porém em alguns
ser assintomática, porém tem na hi- casos, especialmente devido ao prurido
perbilirrubinemia uma das principais refratário, pode ser necessário desvio ci-
manifestações, quando é sintomática. rúrgico parcial do fluxo biliar ou trans-
Deve ser suspeitada especialmente em plante hepático.
situações que cursem com baixo peso ao
nascer, hepatoesplenomegalia, microce- Colestases intra-hepáticas
falia e calcificações cerebrais. progressivas familiares (PFICS)
Os vírus hepatotrópicos (A, B e C) Grupo de doenças genéticas autossô-
não costumam causar colestase neona- micas recessivas, caracterizadas por
tal. Outras infecções congênitas, como mutações nos genes que codificam os
Sífilis, Toxoplasmose, Rubéola e Herpes, transportadores biliares, cursando com
assim como adquiridas (infecção uriná- colestase e lesão hepática, geralmente
ria e sepse neonatal) podem estar asso- com início nos primeiros meses de vi-
ciadas à colestase. da, podendo levar à cirrose hepática e
óbito antes da segunda década de vida.
Síndrome de Alagille A dosagem da GGT pode ajudar na di-
Consiste em uma ductopenia sindrômi- ferenciação entre os tipos, sendo a PFIC
ca (herança autossômica dominante), tipo 3 a que mais se assemelha clínica
Colestase neonatal: por que é importante sempre investigar? 109

e laboratorialmente à AVB, diagnóstico tratamento efetivo atual é o transplante


este que deve ser sempre excluído. hepático. Após o transplante, há recu-
O tratamento costuma ser de supor- peração também da doença pulmonar
te, mas pode ser necessário transplante e não há risco de recorrência no órgão
hepático, a depender da evolução. transplantado.

Deficiência de alfa-1-antitripsina (A1AT) Galactosemia


Causa hereditária mais comum de coles- Doença de herança autossômica reces-
tase neonatal, também tem herança au- siva, resulta da inabilidade de metabo-
tossômica recessiva. Aproximadamente lizar a galactose devido às deficiências
10-15% dos neonatos com essa condição enzimáticas. O metabolismo anormal
apresentarão colestase e lesão hepatoce- da galactose resulta no acúmulo de me-
lular, cursando com aumento de GGT e tabólitos tóxicos no fígado, nos rins, no
transaminases. A colestase costuma ser cérebro e no cristalino.
intensa, inclusive, com a presença de fe- Manifesta-se, geralmente, nas pri-
zes acólicas, mas dependendo da altera- meiras semanas de vida, com baixo ga-
ção genética, pode expressar-se apenas nho ponderal, icterícia, vômito, diarreia
na vida adulta, com doença hepática ou e hipoglicemia, além de maior predispo-
pulmonar. sição à sepse por bactérias gram nega-
O diagnóstico pode ser sugerido atra- tivas. Pode haver também coagulopatia.
vés de níveis séricos baixos da alfa-1-an- O diagnóstico pode ser sugerido pe-
titripsina, porém ressalta-se que esses ní- lo Teste do Pezinho, mas é estabelecido
veis elevam-se em situações de infecção pela ausência de atividade da enzima
ou inflamação, já que a A1AT funciona GALT (galactose-1-fosfato uridiltransfera­
como proteína de fase aguda. A confir- se) nas hemácias.
mação é possível por fenotipagem pro- O tratamento é de estabilização (cor-
teica e a histologia tem alterações carac- reção da hipoglicemia, tratamento da
terísticas, embora não patognomônicas. sepse e da coagulopatia) e suspensão
No diagnóstico diferencial, é importante do consumo de galactose, devendo ser
a diferenciação com AVB, porém há tam- o leite materno substituído por fórmula
bém raros relatos na literatura de asso- infantil que não contenha esse carboi-
ciação entre ambas as condições. drato, como aquelas à base de soja.
O tratamento da deficiência de A1AT Apesar da exclusão da galactose, o
consiste em suporte, especialmente nu- atraso de desenvolvimento e/ou altera-
tricional, podendo o ácido ursodesoxi- ções oculares podem persistir ao longo
cólico ter algum efeito. Todavia, o único da vida da criança.
SEÇÃO 1 110

Prematuridade e nutrição parenteral Hipotireoidismo


Nos recém-nascidos, especialmente na- O quadro é acompanhado de outros si-
queles prematuros, que requerem nu- nais e sintomas característicos da doen-
trição parenteral total (NPT) prolonga- ça e a colestase melhora com a reposi-
da, a alteração hepática está associada ção hormonal.
ao aumento da morbimortalidade. Sua
etiologia é multifatorial, principalmen- QUE EXAMES COMPLEMENTARES
te relacionada à imaturidade do fígado DEVO SOLICITAR?
nessa fase da vida. Devem ser direcionados às etiologias es-
O grau de lesão é variável, desde al- pecíficas, de acordo com a suspeita clí-
terações discretas e assintomáticas das nica. Além da confirmação da colestase,
enzimas hepáticas até esteatose, fibrose através da dosagem da bilirrubina total
e cirrose. Nas fases iniciais, a lesão cos- e frações, devem ser solicitados rotineira-
tuma ser reversível. Sempre devem ser mente, no mínimo, as dosagens de GGT
excluídas outras causas nesses pacien- e transaminases, e a ultrassonografia de
tes, inclusive AVB. abdome. Demais exames específicos/so-
Nesses casos, a melhor intervenção rologias, biópsia e colangiografia terão
é a prevenção, com início da dieta ente- indicação a partir das hipóteses diagnós-
ral o mais precoce possível e com a ade- ticas. O resultado do Teste do Pezinho
quada prescrição da nutrição parenteral. sempre deve ser resgatado, especialmen-
O uso do ácido ursodesoxicólico pode te nas situações de colestase neonatal, já
ajudar a evitar a progressão da lesão, que pode triar causas importantes, como
uma vez já instalada. Além disso, possí- a fibrose cística e o hipotireoidismo.
veis fatores associados, como drogas he-
patotóxicas, devem ser retirados sempre QUAL É O TRATAMENTO?
que possível. O tratamento geral da colestase neona-
tal deve envolver suporte nutricional.
Fibrose cística Lipídeos e vitaminas lipossolúveis (A,
Alguns lactentes com a doença manifes- D, E e K), cujas absorções dependem do
tam alteração das dosagens bioquímicas metabolismo biliar, costumam estar de-
hepáticas, sugestiva de obstrução biliar. ficientes e devem ser suplementados, na
A dosagem do tripsinogênio imunor- maioria dos casos. Para isso, devem ser
reativo no Teste do Pezinho direciona o repostas as vitaminas, preferencialmen-
diagnóstico, mas ele deve ser confirma- te em suas formulações hidrossolúveis,
do pelo Teste do Cloro no suor e/ou por e devem ser acrescentados à dieta des-
sequenciamento genético. sas crianças os triglicerídeos de cadeia
Colestase neonatal: por que é importante sempre investigar? 111

média, que não dependem do metabo- Nos casos que cursem com hiperten-
lismo biliar para sua absorção. são portal e cirrose como complicações,
Como tratamento farmacológico, o tratamento é direcionado a cada uma
nas causas não obstrutivas, pode ser delas, inclusive podendo ser necessário
tentado o uso do ácido ursodesoxicólico o transplante hepático.
(20 mg/kg/dia), que promove colerese e Algumas das etiologias descritas
melhora a função excretora do fígado. têm tratamentos específicos, clínicos e/
Apesar de o fenobarbital (4-5 mg/kg/dia) ou cirúrgicos, conforme já citado.
ser útil nas situações de prurido inten-
so por melhorar a excreção urinária dos O QUE SIGNIFICA ALERTA AMARELO?
ácidos biliares e por seu efeito sedati- Como no Brasil o encaminhamento tar­
vo, melhorando a qualidade do sono da dio dos pacientes com colestase conti-
criança, estudos recentes não sugerem nua sendo um problema, os hepatolo-
seu uso, dados os efeitos deletérios ao gistas pediátricos desenvolveram junto
neurodesenvolvimento com o uso pro- à So­ciedade Brasileira de Pediatria e ao
longado dessa droga. Apenas pelo efei- Mi­­nis­tério da Saúde do Brasil, uma cam-
to sedativo, também podem ser admi- panha nacional de “Alerta amarelo”,
nistrados anti-histamínicos de primeira inclusive, incluindo na Caderneta de
geração. Em algumas situações espe- Saúde da Criança o sistema de gradua-
cíficas, o hepatologista pode também ção da cor das fezes (escala colorimétri-
considerar o uso da rifampicina, da ca), o qual permite a identificação pre-
colestiramina ou, até mesmo de opioi- coce da colestase neonatal pela família
des, para melhor controle da colestase e/ou pela Atenção Primária à Saúde, me-
e, especialmente, do prurido. lhorando o prognóstico dessas crianças.

REFERÊNCIAS
FAWAZ, R. et al. Guideline for the Evaluation sis: novel advances in pathomechanisms-
of Cholestatic Jaundice in Infants: Joint -based prevention and treatment. Digestive
Recom­
mendations of the North American and Liver Disease, v. 48, n. 3, p. 215-222, 2016.
Soci­ety for Pediatric Gastroenterology, Hepa­ LANE E.; MURRAY, K. F. Neonatal Cholestasis.
tology, and Nutrition and the European So­ci­ Pediatric Clinics of North America, v. 64, p.
ety for Pediatric Gastroenterology, Hepatol­ogy, 621-639, 2017.
and Nutrition. Journal of Pedi­atric Gastroen­
LEWIS et al. Ursodeoxycholic acid versus
terology and Nutrition, v. 64, p. 154-168, 2017.
phenobarbital for cholestasis in the Neonatal
GIUSEPPE, O. et al. Pediatric Parenteral Nutri­ Intensive Care Unit. BMC Pediatrics, v. 18, p.
tion-Associated Liver Disease and Cholesta­- 197, 2018.
SEÇÃO 1 112

LIBERAL, E. F.; VASCONCELOS, M. M.; PÉRCOPE, SILVA, L. R.; FERREIRA, C. T.; CARVALHO, E.
S. Gastroenterologia Pediátrica. Rio de Janei­ Hepatologia em pediatria. Barueri, SP: Ma­
ro: Guanabara Koogan, 2012. nole, 2012.

ORSO, G. et al. Pediatric parenteral nutri- WALES, P. W. et al. A.S.P.E.N. Clinical Guide­
tion-associated liver disease and cholestasis: lines: Support of Pediatric Patients With
novel advances in pathomechanisms-based In­
testi­
nal Failure at Risk of Parenteral
prevention and treatment. Dig Liver Dis, v.
Nutrition – Associated Liver Disease. Journal
48, n. 3, p. 215-222, 2016.
of Parenteral and Enteral Nutrition, v. 38, n.
PORTA, G.; TOMASSO, A. M. A. Manual de 5, 2014.
hepatologia pediátrica. São Paulo: Editora
Atheneu, 2009.
C APÍTULO 8

Infecções relacionadas
à assistência à saúde

Luciana Maria Delgado Romaguera

INTRODUÇÃO Fazem parte deste grupo as infec-


Infecção relacionada à assistência à ções transplacentárias ou congênitas
saúde (IRAS) neonatal (como toxoplasmose, sífilis, citomega-
IRAS neonatal – atual nomenclatura pa- lovirose etc.), assim como as infecções
ra sepses neonatal, contempla todas as precoces e tardias. Entretanto, os indica-
infecções no período neonatal (até os 28 dores de infecções congênitas são notifi-
dias de vida) relacionadas à assistência cados e analisados separadamente (via
e às falhas na assistência pré-natal, peri- SINAN/MS: Sistema de Informação de
natal e neonatal, no que concerne à pre- Agravos de Notificação do Ministério da
venção, ao diagnóstico e ao tratamento Saúde), e não é o objetivo deste capítulo
destas infecções. (Figura 1).

Figura 1. IRAS em neonatologia

Infecção Relacionada à
Infecção Congênita
Assistência à Saúde (IRAS)
Transplacentária
em Neonatologia

IRAS PRECOCE ≤ 48hs IRAS tardia > 48hs

Fonte: Anvisa (2017).


SEÇÃO 1 114

As IRAS afetam mais de 30% dos mente, ligada a fatores de risco e


neonatos, sendo mais frequentes em bactérias hospitalares, como gram
prematuros e recém-nascidos (RNs) que negativos (Klebsiella e Enterobacter),
necessitam de procedimentos invasivos gram positivos (Staphy­lococcus au-
e suporte avançado de vida. Estima-se reus e Esta­filococos coagulase nega-
que no Brasil, 60% da mortalidade in- tivos, como S. epidermidis) e fungos
fantil ocorre no período neonatal, sen- (como Candida albicans, C. parapsi-
do a sepse neonatal uma das principais losis, C. kruzei e C. glabrata).
causas. Devido às características de
imaturidade imunológica no período De acordo com a evidência diag-
neonatal, principalmente nos prema- nóstica (clínica/laboratorial/micro­bioló­-
turos, pode haver rápida evolução da gica):
sepse para choque e óbito. Desta forma, • Sepse clínica: sinais e sintomas de
é de grande importância o diagnóstico
sepse + hemograma (HMG) com
e o início de tratamento o mais precoce-
Rodwell ≥ 3 e/ou proteína C reativa
mente possível.
(PCR) aumentada, sem positividade
CLASSIFICAÇÃO DAS IRAS NEONATAIS de hemocultura (HMC);
• Sepse confirmada: sinais e sintomas
De acordo com o início do quadro:
de sepse com HMC positiva;
• IRAS precoce: infecção cuja evidên-
• Sepse presumida: sinais e sintomas
cia diagnóstica (clínica/laboratorial/
de sepse sem alterações laborato-
mi­
cro­
biológica) ocorre nas primei-
riais (HMG, PCR e HMC).
ras 48 horas de vida. Geral­
mente,
ligada a fatores de risco maternos
Nota: Escore de Rodwell ≥ 3 (vide exames
e bactérias do trato geniturinário
diagnósticos).
e intestinal, como: Streptococcus
agalactiae (estreptococos beta-he-
molítico do grupo B – EGB: um FATORES DE RISCO
dos agentes etiológicos mais im- PARA IRAS NEONATAL
portante na IRAS precoce), Listeria Para uma descrição dos fatores de risco
monocytogenes, Escherichia coli e para IRAS neonatal precoce e tardia, ver
enterococos; Quadro 1.
• IRAS tardia: infecção cuja evidên- Nos casos de IRAS precoce, sem fator
cia diagnóstica (clínica/laborato- de risco materno e RN submetido a pro-
rial/micro­biológica) ocorre após as cedimentos invasivos, considerar como
primeiras 48 horas de vida. Ge­ral- provável origem hospitalar.
Infecções relacionadas à assistência à saúde 115

Quadro 1. Fatores de risco para IRAS neonatal precoce e tardia

Fatores de risco para IRAS precoce Fatores de risco para IRAS tardia

Uso de dispositivos invasivos, como sonda


vesical de demora, acessos vasculares centrais
ITU materna sem tratamento ou em tratamento
(o PICC é o menos relacionado à infecção),
< 72 horas
tubos endotraqueais, prongas nasais, derivações
ventriculoperitoneais etc

Colonização ou FR para EGB em gestante sem AIP*:


• Urocultura positiva para EGB na gestação
• Cultura positiva (swab reta e vaginal) para EGB
na gestação (exceto se cesárea sem trabalho de
parto com bolsa íntegra) Uso prévio de antibióticos, principalmente por
• Febre materna (> 38º C) 48 horas antes do parto tempo prolongado ou de amplo espectro
• Tempo de bolsa rota ≥ 18 horas
• Trabalho de parto < 37 semanas (feto único) ou
< 35 semanas (gemelar)
• História de RN prévio com sepses para EGB

RN sintomático para sepse na ausência de FR Nutrição parenteral

Cerclagem ou Pessário materno (anel usado em Anomalias congênitas (cardiopatias, onfalocele,


colo uterino curto) gastrosquise etc.)

Procedimentos de medicina fetal até 72 horas


Cirurgias prévias
antes do parto

Corioamnionite materna** Jejum prolongado

Uso de bloqueador H2

Múltiplas punções venosas ou arteriais

Má higienização das mãos dos profissionais de


saúde

Não respeito às regras de assepsia e troca de


equipamentos utilizados pelo RN

Não respeito às regras de uso de barreira (capote,


gorro, máscara, luvas etc.) para procedimentos
invasivos no RN

FR: fatores de risco.


PICC: cateter central de inserção periférica.
*AIP (Antibioticoterapia profilática intraparto) para prevenção de IRAS neonatal por EBG: penicilina ou cefazolina ou
ampicilina iniciadas > 4 horas antes do parto.
**Critérios diagnósticos de corioamnionite materna: febre > 38º C + 2 sinais: FC materna > 100 bpm, FC fetal > 160 bpm, dor
ou desconforto uterino persistente, líquido amniótico fétido e leucocitose materna persistente > 15.000/mm3.

Observações importantes sobre IRAS patógenos mais frequentes), quanto em


neonatal tardia perfil de resistência (quanto mais abusi-
A flora de microrganismos hospitalares vo e prolongado o uso de antibióticos de
difere de serviço para serviço, tanto amplo espectro, maior a resistência aos
em prevalência (cada serviço tem seus antimicrobianos).
SEÇÃO 1 116

No geral, temos: abscessos de tecido mole e cou-


• Infecções por gram negativos: mais ro cabeludo, endocardite (cateter
ligadas à higiene das mãos e de ma- cen­tral localizado em átrio direito:
teriais, e à superlotação; por trauma deste sobre o endocár-
• Infecções por gram positivos: mais dio e formação de trombo local,
ligadas ao uso prolongado de dispo- que pode ser um foco de agrega-
sitivos invasivos; ção de bactérias e plaquetas. Toda
• Infecções por fungo: mais ligadas à endo­cardite/trombo intracardíaco
prematuridade e ao uso prolongado é tratada como infecção, mesmo
de antibióticos de amplo espectro e sem evidência clínica/laboratorial/
de dispositivos invasivos. mi­cro­biológica).

Fatores de risco para infecção Fatores de risco para sepse fúngica


por Staphylococcus Idade gestacional < 32 semanas, coloni-
• S. coagulase positivo (S. aureus): 40- zação fúngica prévia (como candidíase
90% dos RNs são colonizados até o 5º cutaneomucosa), uso prolongado de
dia de vida, sendo 85%, por contato antibióticos de amplo espectro, uso de
com os profissionais de saúde. Pode cateter venoso ou arterial central, intu-
ocorrer sepse secundária a um fo- bação prolongada (≥ 7 dias), nutrição
co primário (furúnculo, abscesso, parenteral total, drogas (bloqueador
adeni­te, conjuntivite, pneumonia e H2, heparina e aminofilina), cirurgias
osteomielite); gastrointestinais, anomalias congêni-
• S. coagulase negativo (S. epider- tas (onfalocele e cardiopatias), deriva-
midis): 83% dos RNs são coloniza- ção ventriculoperitoneal e jejum pro­
-
dos até o 4º dia de vida, fazendo lon­gado.
parte da flora normal de pele e Muitas vezes não se consegue identi-
mucosas. Fatores de risco para ficar o foco de infecção, sendo a infecção
sepse: peso < 1.500 g (6 vezes mais), primária da corrente sanguínea (IPCS)
acesso venoso central, nutrição associada ao cateter venoso central, a
parenteral total, derivação ventri- mais comum nas unidades neonatais.
culoperitoneal, ventilação mecâni-
ca, prongas nasais (4 vezes mais) e MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
antibioticoterapia prévia (5,4 vezes As manifestações clínicas de IRAS são
mais). Infecções mais comuns: me- inespecíficas e podem estar associa-
ningite, enterocolite necrotizante, das a outras situações não infecciosas
pneumonia, osteomielite, onfalite, comuns no período neonatal, como
Infecções relacionadas à assistência à saúde 117

distermias e dis­
túrbios respiratórios, • Má perfusão periférica: tempo de
hidroeletrolíticos e digestivos, comuns en­
chimento capilar maior que 2
em prematuros e RNs criticamente se­gundos;
doentes. Desta forma, avaliar sempre a • Pulsos periféricos fracos;
existência de fatores de risco para infec- • Reticulado cutâneo, palidez ou
ção e a presença de ou­tras causas para cianose.
a sintomatologia apresentada.
Inicialmente os sintomas podem ser EXAMES DIAGNÓSTICOS
discretos e, com a evolução do quadro, Exames laboratoriais
se tornarem mais exuberantes. A pre-
Culturas
sença de mais de um sintoma é mais
Têm como objetivo isolar no sangue ou
indicativa de sepse do que sintomatolo-
em outros fluidos corporais o microrga-
gia única. Os mais comuns são: hipoa-
nismo causador da infecção. A sensibili-
tividade/letargia, instabilidade térmica
dade varia muito de serviço para serviço
(temperatura < 36,5º C ou > 37,5º C),
e depende do volume e do número de
apneia, piora do desconforto respirató-
amostras coletadas (fatores limitantes
rio (taquipneia, bradipneia, retrações
no RN: não é possível coletar grandes
subcostais e batimentos de asa do nariz),
volumes e múltiplas amostras de san-
gemência, cianose, bradicardia, intole-
gue), momento da coleta (antes do iní-
rância alimentar, intolerância à glicose
cio dos antimicrobianos), automatização
(hipo ou hiperglicemia) e instabilidade
da leitura, quantidade e composição do
hemodinâmica (hipotensão até choque).
meio de cultura e interpretação dos re-
Pode-se ter ainda irritabilidade, palidez,
sultados. Pode haver falsos positivos por
sangramentos, icterícia, hepatoespleno-
contaminação do material (desconfiar
megalia, hipotonia, hiporreflexia, con-
quando o crescimento se iniciar após 48
vulsões e irritabilidade.
horas do semeio). São habitualmente co-
Os sinais clínicos do choque séptico
lhidos: hemocultura e cultura de líquor,
são:
podendo ser colhidas culturas de urina,
• Taquicardia: frequência cardíaca
líquido pleural, peritoneal (em cirurgias
man­tida acima de 160 bpm;
abdominais) etc.
• Dificuldade respiratória: frequência
respiratória acima de 60 irpm; Nota: culturas de vigilância são culturas co-
• Redução do débito urinário: diurese lhidas por swabs periodicamente, em pacien-
inferior a 1 ml/kg/hora; tes internados em UTI, para identificar os
colonizados por microrganismos multidroga
• Hipotensão arterial sistêmica: pres­­são
resistentes (MDR).
arterial média inferior a 30 mmHg;
SEÇÃO 1 118

Hemocultura (HMC) lhorar a acurácia diagnóstica, Rodwell et


Padrão ouro e método mais específico al. (1988) desenvolveram um escore he-
para o diagnóstico de IRAS. RN assin- matológico, que considera um ponto pa-
tomático com HMC negativa exclui in- ra cada uma das seguintes características:
fecção. Colher sempre que possível duas
Escore de Rodwell
amostras (ao menos 1 ml de sangue em
cada) de locais diferentes, como cordão • Leucocitose ou leucopenia (leuco-
umbilical, punção periférica e acesso ve- citose ≥ 25.000/mm3 ao nascimento
noso central. Se for colher só uma amos- ou ≥ 30.000/mm3 entre 12 e 24 horas
tra, não colher de cateter central. ou acima de 21.000/mm3 ≥ 48 horas.
Quando colher a hemocultura? Leucopenia ≤ 5.000/mm3): 1 ponto;
• Na suspeita de infecção; • Neutrofilia ou neutropenia (Tabela
• Antes de iniciar antimicrobiano; 1): 1 ponto;
• Quando mudar esquema ou associar • Elevação de neutrófilos imaturos: 1
antimicrobiano ao esquema; ponto;
• Se piorar ou não melhorar clini­ca- • Índice neutrofílico (IN) aumentado
mente. (razão: imaturos sobre totais ≥ 0.2):
1 ponto;
Importante: se a HMC for positiva, colher no-
• Razão dos neutrófilos imaturos so-
va amostra a cada 3 dias, aproximadamen-
bre os segmentados ≥ 0.3: 1 ponto;
te, até negativação. Desescalonar sempre de
• Alterações degenerativas nos neu-
acordo com o antibiograma (trocar antibió-
tico de maior espectro por outro de menor trófilos: vacuolização e granulação
e suspender os que não cobrem o patógeno tóxica: 1 ponto;
isolado), evitando seleção de patógenos MDR. • Plaquetopenia (< 150.000/mm3): 1
ponto.
Urocultura
Escore ≥ 3
Nas IRAS precoces associadas às malfor-
mações do aparelho urinário e nas IRAS Possui sensibilidade de 96%, especifici-
tardias, principalmente na suspeita de dade de 78% e valor preditivo positivo
infecção fúngica. Pode ser colhida por (VPP) de 80%. Especialmente nas primei-
punção suprapúbica (preferencialmen- ras 72 horas de vida pode estar alterado
te) ou por sondagem. por outras situações, como hipertensão
materna, tempo de bolsa rota prolon-
Hemograma gado e hipóxia neonatal. Sugere IRAS,
Pode sofrer alterações também em situa- principalmente se houver sintomas e
ções não infecciosas. Na tentativa de me- fatores de risco.
Infecções relacionadas à assistência à saúde 119

Tabela 1. Valores de neutrófilos (por mm3) em RNs

Neutropenia Neutrofilia Imaturos

PN < 1.5 kg PN > 1.5 kg PN < 1.5 kg PN > 1.5 kg Imaturos IN

Nascimento < 500 < 1.800 > 6.300 > 5.400 > 1.100 > 0.16

12 horas < 1.800 < 7.800 > 12.400 > 14.500 > 1.500 > 0.16

24 horas < 2.200 < 7.000 > 14.000 > 12.600 > 1.280 > 0.16

36 horas < 1.800 < 5.400 > 11.600 > 10.600 > 1.100 > 0.15

48 horas < 1.100 < 3.600 > 9.000 > 8.500 > 850 > 0.13

60 horas < 1.100 < 3.000 > 6.000 > 7.200 > 500 > 0.13

72 horas < 1.100 < 1.800 > 6.000 > 7.000 > 550 > 0.13

120 horas < 1.100 < 1.800 > 6.000 > 5.400 > 500 > 0.12

4o ao 28o dia < 1.100 < 1.800 > 6.000 > 5.400 > 500 > 0.12

Fonte: Manroe et al. (1979); Mouzinho et al. (1994).

Escore < 3 mais comum na IRA tardia do que na


Possui alto valor preditivo negativo (VPN), precoce. A coleta é obrigatória quando
cerca de 98%, que praticamente afasta o se define infecção neonatal (clínica, con-
diagnóstico de IRA, quando está normal. firmada ou presumida), uma vez que a
meningite ocorre em 23% das infecções
Importante: uma vez definida a infecção,
com bacteremia, porém em 38% das me-
HMGs seriados para avaliação da resposta ao
tratamento não são necessários (ver evolu- ningites a HMC é negativa.
ção clínica). Realizar nos casos que cursam
com anemia e/ou plaquetopenia, para ava- Proteína C reativa (PCR)
liar a reposição destes hemoderivados e, nos Pode aumentar de 100 a 1.000 vezes em
casos de piora ou persistência de clínica do infecção bacteriana ou outras condi-
quadro infeccioso, para auxiliar na decisão ções inflamatórias, como rotura prolon-
de mudanças no esquema antimicrobiano. gada de membranas, asfixia perinatal,
síndrome de desconforto respiratório,
Líquido cefalorraquidiano (LCR) hemorragia intracraniana, síndrome
ou líquor de aspiração de mecônio e defeitos de
O material colhido é submetido a exame parede abdominal. Se estiver aumen-
bacteriológico (cultura), bacterioscópico tada, na vigência de sintomatologia e
(gram), bioquímico (gli­cose e proteína) fatores de risco para sepse, é indicativo
e citológico (leucócitos). A meningite é de infecção.
SEÇÃO 1 120

Tabela 2. Valores normais de LCR em RNs

Parâmetros do LCR RN pré-termo RN a termo

Leucócitos (/mm³) ± DP 9±8 8±7

Limite de variação do normal 0-29 0-32

Proteína (mg/dl) 115 90

Limite de variação do normal 65-150 20-170

Glicose (mg/dl) > 30 > 30

Fonte: Volpe (2008).

Os valores de referência variam de Importante: racionalizar a quantidade de


acordo com o kit utilizado. Tem VPN de exames sanguíneos, coletando o mínimo ne­
98% (só 2% de possibilidade de infecção, cess­ário, para diminuir a espoliação e a esti-
se o exame for normal). Aumenta com mulação dolorosa.
24 horas de infecção, atinge um pico
com 2-3 dias e normaliza com 5 a 10 Exames de imagem
dias de tratamento adequado, podendo
Radiografia de tórax
assim ser utilizada, se houver dúvida
Se apresentar desconforto respiratório
na evolução clínica, para avaliação da
e suspeita de infecção. Na pneumonia
resposta ao tratamento. Portanto, PCR
por estreptococo do grupo B, o aspec-
inicial aumentada, com normalização
to radiológico pode ser semelhante ao
em 48-72 horas sugere ausência de
da síndrome de desconforto respirató­-
infecção.
rio (SDR) do RN. Se o RN recebeu sur-
Importante: o diagnóstico de infecção passa factante para SDR com melhora clínica/
pela presença obrigatória de manifestações radiológica, rever diagnóstico de pneu-
clínicas. Não tratar alterações de HMG e PCR monia. O mesmo para outras situa-
no paciente assintomático, mesmo na pre-
ções com resolução radiológica rápida,
sença de fatores de risco.
como persistência do canal arterial
e atelectasia.
Outros exames sanguíneos
Serão solicitados na dependência do qua- Radiografia de abdome
dro apresentado. Exemplos: coagulogra- Na suspeita de infecção com foco abdo­-
ma, estudo metabólico, gasometria etc. minal.
Infecções relacionadas à assistência à saúde 121

Ecocardiograma ou USG de grandes • Suspeitas de abscesso cerebral ou


vasos com doppler ventriculite.
Em RNs com acesso venoso central
(AVC), pode haver lesão do endocárdio Ultrassonografia de articulação
ou endotélio por trauma direto do ca- Na suspeita de artrite séptica (mais co-
teter (mais comum), pelo quadro infec- mum em infecções por Staphylococcus).
cioso e pela situação trombolítica fisio-
lógica do RN, levando à trombose local. Fundo de olho
Nestes casos, pode ocorrer persistência Em infecções fúngicas (procurar foco
do quadro infeccioso por colonização do fúngico).
trombo pelo agente infeccioso e/ou pla-
quetopenia por consumo de plaquetas CONDUÇÃO DO RN COM FATORES
pelo trombo. DE RISCO PARA IRAS
Indicações do exame: O sucesso do tratamento depende de seu
• Suspeita de endocardite (exemplos: início precoce, principalmente em pre-
sepse com sopro, sem anemia; sepse maturos, que pode evoluir rapidamente
com cardiopatia congênita); para choque e óbito. Entretanto, o uso
• Infecções por Staphylococcus ou fun- prolongado de antibióticos (ATB) e a rea-
gos (trofismo cardíaco); lização de procedimentos invasivos (co-
• Quadros persistentes de infecção e mo acessos venosos centrais para admi-
plaquetopenia. nistração de ATBs) também predispõem à
infecção. Deve-se sempre estar atento pa-
Ultrassonografia de aparelho urinário ra tratar a infecção, não os exames, como
Indicações: contaminação da cultura ou hemograma
• Infecções fúngicas (procurar focos e/ou PCR alterados em RN assintomático.
em bexiga e rins); Em qualquer situação em que for
• Infecções de foco urinário ou com definido o início de antibióticos, a de-
urocultura positiva. pender da evolução clínica/laboratorial/
microbiológica, o tratamento é suspen-
Ultrassonografia Transfontanelar so (se for descartada sepse), mantido (se
In­dicações: houver sepse clínica ou presumida) ou
• Infecções fúngicas (procurar foco direcionado para o microrganismo iso-
fúngico); lado pelo antibiograma (se a sepse for
• Infecções com meningite ou menin- confirmada).
goencefalite; Em RNs assintomáticos com fatores
• Manifestações neurológicas; de risco para IRAS precoce, não há um
SEÇÃO 1 122

consenso universal para o início de an- sua experiência. Desta forma, utilizare-
tibioticoterapia empírica. Alguns servi- mos neste capítulo as recomendações
ços iniciam, frente aos fatores de risco da Sociedade Brasileira de Pediatria,
mais importantes para a infecção, como baseadas no Centro Americano de
gestante com fatores de risco para EGB, Controle e Prevenção de Doenças (CDC)
sem AIP ou com corioamnionite, princi- e faremos as observações pertinentes da
palmente, se o RN for prematuro. Outros Organização Pan-Americana de Saúde
apenas observam o RN por 48-72 horas, (OPAS), 2016, e do Royal Australasian
com coleta de hemocultura em alguns College of Physicians.
casos, descartando a infecção se o RN
for assintomático e a HMC for negativa. Importante: se o RN estiver com desconfor-
to respiratório leve ao nascer, sem necessida-
É importante que cada serviço tenha o
de de O2, não considerar logo sepse; avaliar
seu próprio protocolo, baseado em um
após 2 horas e vigiar a evolução.
consenso entre a literatura vigente e a

Figura 2. Condução do RN com fatores de risco para IRAS precoce por EGB e corioamnionite materna

Sim
Sinais de sepse?
HMG + PCR + HMC +RxTórax (s/n).
Iniciar ATBs. Se sepse definida (clínica,
Não presumida ou confirmada), colher LCR.
Sim Se sepse afastada, suspender ATBs*
Corioamnionite materna?

Não
Não
AIP indicada para mãe? Rotina

Sim
Sim
Mãe recebeu ≥ 4 hs de Penicilina, Cefazolina ou Ampicilina EV? Observação por ≥ 48 hs

Não
Sim
IG ≥ 37 sem; TBR < 18 hs? Observação por ≥ 48 hs

Não
Sim
IG < 37 sem; TBR ≥ 18 hs? HMG + PCR + HMC + Observação por ≥ 48 hs**

*  Em RNs a termo, assintomáticos, de mãe com corioamnionite, alguns serviços não realizam HMG e PCR e nem iniciam
ATBs. Colhem apenas HMC e observam o RN por ≥ 48 horas. Se o RN for assintomático e a HMC for negativa, o RN recebe
alta. Se a HMC for positiva e/ou houver sinais de sepse, iniciam ATB e completam a investigação.
**O Royal Australasian College of Physicians considera que RNs de mães com EGB, mesmo com profilaxia incompleta, só
devem iniciar ATBs e colher triagem infecciosa, se forem sintomáticos (CLIFFORD, 2012). Considerando o aumento de
eventos adversos do uso de ATBs nos primeiros dias de vida + o aumento de enterocolite + o aumento de resistência
bacteriana, o manual da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS, 2016) também encoraja esta prática.

Fonte: Adaptado de Clifford (2012) e Opas (2016).


Infecções relacionadas à assistência à saúde 123

Medidas gerais ou de suporte - Pressão arterial, frequências car-


• Suporte de UTI ou UCI durante insta- díaca e respiratória, e temperatu-
bilidade clínica; ra de 4/4 horas;
• Aporte nutritivo: evitar jejum pro- - Medir secreções drenadas;
longado. Se a situação clínica permi- - Oximetria;
tir, manter dieta enteral (seio mater- - Glicemia duas ou mais vezes ao
no ou, na impossibilidade, dieta por dia, conforme necessidade;
sonda). Manter uma dieta enteral - Eletrólitos, funções renal e hepáti-
mínima ou, suspensa, se tiver ins- ca, conforme avaliação.
tabilidade hemodinâmica. Se não
houver condições de alimentação Antibioticoterapia empírica
enteral adequada por tempo prolon- Antibioticoterapia empírica é aquela ini-
gado, fazer nutrição parenteral total ciada na suspeita de infecção, antes de
ou complementar; se ter o resultado das culturas.
• Venóclise: se não for possível dieta
enteral plena ou na necessidade IRAS precoce
de reposição/correção endoveno- Cobrir gram negativos (-) e positivos (+)
sa de hipoglicemia ou distúrbios comuns do canal de parto.
hidroeletrolíticos; PENICILINA ou AMPICILINA (gram (+))
• Oxigenoterapia: manter PaO2 entre + GENTAMICINA (gram (-)). Iniciar com co-
50 e 70 mmHg e saturação de O2 bertura de sistema nervoso central (SNC).
acima de 90%, utilizando halo, CPAP Se o LCR estiver normal, reduzir a dose e
ou ventilação mecânica, conforme a fazer PENICILINA ou AMPICILINA (7 a 10
gravidade do caso; dias) + GENTAMICINA (5 a 7 dias).
• Manutenção da temperatura corpó- Se houver meningite (MGE):
rea entre 36,5º C e 37,5º C; • Manter ATBs com cobertura de SNC.
• Tratamento do choque, quando LCR controle com 72 horas:
pre­
sente (expansores e drogas va- - LCR controle inalterado ou piora­do:
so­ativas); mudar esquema para CEFEPIMA.
• Vigiar atentamente a evolução clíni- Realizar novo LCR com 72 horas
ca e o resultado das culturas; apro­ximadamente;
• Na fase de maior gravidade, con- - LCR controle melhorado: manter
trolar: esquema, realizar novo LCR próxi-
- Volume urinário das 24 horas; mo ao final do trata­mento;
- Densidade urinária duas vezes ao • Fazer 14 a 21 dias de ATB, depen-
dia; dendo da evolução (clínica e LCR) +
SEÇÃO 1 124

agente etiológico isolado (se gram (+), HMCs positivas ocorrem por contamina-
14 dias; se gram (-), 21 dias). Não fazer ção durante a coleta (desconfiar quando
mais de 10 dias de GENTA­MICINA pe- o crescimento só se iniciar após 48 horas
lo alto risco de lesão auditiva. do semeio) e muitos dos RNs com sepse
por estafilococo resistente à meticilina
IRA precoce com má evolução clíni- respondem clinicamente à Oxacilina.
ca e/ou dúvida se IRAS é de origem ma- O tempo de tratamento vai depen-
terna ou hospitalar (mãe com tempo de der da gravidade, da localização do foco
bolsa rota e internamento prolongados, e do agente etiológico isolado. Manter
RN com muitos procedimentos invasi- tratamento por 3 a 5 dias após melho-
vos etc.): faz CEFEPIMA. ra clínica, se a HMC estiver negativa.
IRAS precoce com perfuração in- No geral, 7 a 10 dias (sem MGE), 14 dias
testinal, cobrir anaeróbio: PENICILINA (com MGE por gram (+)) e 21 dias (com
ou AMPICILINA + GENTAMICINA + ME­ MGE por gram (-)).
TRONIDAZOL ou CEFEPIMA + METRONI­ Pacientes tratados com antibiótico
DAZOL (Cefepima cobre anaeróbios, por mais de 14 dias apresentam maior
exceto bacteroides, daí associar Metro­ colonização por Pseudomonas aerugino-
nidazol). Colher cultura intraoperatória sa e enterobactérias resistentes, aumen-
(desescalonar de acordo com HMC/cul- tando o risco de superinfecção.
tura intraoperatória). Sempre que possível, dizer NÃO às
cefalosporinas de terceira e quarta ge-
IRAS tardia rações (como Cefepima, Cefotaxima,
Cobrir os microrganismos mais frequen- Ceftazidima, Ceftriaxona), carbapenê-
tes da unidade neonatal em que o RN es- micos (Imipenen, Meropenen) e glico-
tá internado, de acordo com o perfil de peptídeos (Vancomicina). O uso amplo
sensibilidade destes e com a presença destes antibióticos tem sido associado à
de suporte invasivo, foco infeccioso, re- emergência de bactérias MDR.
sultados de culturas de vigilância e anti- A seguir, seguem sugestões de es-
bioticoterapia prévia do RN. Geralmente, quemas para IRAS tardia:
cobre-se gram (-) e (+), e a depender da Primeiro esquema: OXACILINA (gram
situação, anaeróbios e fungos. (+) sensíveis à meticilina) + AMI­
Os gram (+) coagulase negativo são CACINA (gram (-)). Vigiar resultado
os microrganismos mais frequentes de da HMC e a evolução do RN. Se tiver
infecção tardia, na maioria das unida- HMC positiva para estafilococos re-
des neonatais. Geralmente, são resis- sistente à meticilina e boa evolução
tentes à Meticilina, mas muitas dessas do RN, manter oxacilina.
Infecções relacionadas à assistência à saúde 125

Segundo esquema: PIPERACILINA/TA­ utilizam a Micafungina antes da Anfote-


ZO­­­BAC­TAM (PIPETAZO) (gram (+) ricina, devido a menor toxicidade desta.
sensíveis à meticilina, gram (-) e Infecção fúngica e instabilidade clí-
anaeróbios) + VANCOMICINA (gram nica e/ou impossibilidade de retirar AVC:
(+) resistentes à meticilina) + ANTI­ Anfotericina ou Micafungina.
FÚN­­­GICO, se necessário. Trombo intracardíaco: Anfotericina
Se meningite: mudar PIPETAZO (bai­- B, como primeiro esquema.
xa penetração no SNC) para CE­FEPIMA.
Se CEFEPIMA for utilizado em situa- SITUAÇÕES ESPECIAIS DE IRAS TARDIA
ções que necessitem de extensa co-
bertura para anaeróbios (exemplo: Tratamento empírico para trombo
sepse com perfuração intestinal), intracardíaco
associar METRONIDAZOL para cobrir Anfotericina B + Vancomicina + Amica­
bacteroides. cina. Desescalonar, de acordo com cul-
Terceiro esquema: MERONEM (gram turas. Só utilizar Amicacina por, no
(+) sensíveis à meticilina, gram (-) e máximo, 10 dias. Após este período, se
anaeróbios) + VANCOMICINA + ANTI­ precisar manter cobertura para gram (-),
FÚNGICO, se necessário. completar esquema de acordo com anti-
Se tiver utilizado CEFEPIMA ou PIPE­ biograma ou com Cefepima ou Pipetazo.
TAZO em esquema anterior, utilizar Avaliar heparinização e retirada do AVC,
MERONEM (não usar Cefepima em- junto com o cardiologista infantil.
piricamente após Pipetazo, devido à
elevada chance de falha terapêutica Manejo de acesso venoso central
pela seleção de cepas MDR, exceto se O AVC deve, sempre que possível, ser
microrganismo for sensível). removido em IPCS associada ao AVC.
Entretanto, pela dificuldade do AVC no
SUSPEITA DE INFECÇÃO FÚNGICA: período neonatal e pelo risco de se es-
TRATAMENTO EMPÍRICO gotar as veias de grande porte, habitual-
Primeiro esquema: Fluconazol. mente o acesso venoso central é mantido,
Segundo esquema: Micafungina ou An­ realizando-se monitorização clínica rigo-
fo­­tericina B. rosa e hemoculturas seriadas. Remover
Terceiro esquema: Anfotericina B ou Mi­- cateter se não melhorar ou piorar clinica-
ca­fungina. mente, não negativar a hemocultura ou
Muitos serviços apresentam altas houver recorrência da infecção.
taxas de resistência ao Fluconazol, não Se um novo AVC for necessário após
utilizando mais este antifúngico. Alguns a retirada do antigo, tentar manter o
SEÇÃO 1 126

RN com acesso periférico por 48 horas, da­gem cirúrgica, se não houver reso-
antes de instalar o novo AVC, a fim de lução do quadro com ATB.
evitar a colonização do novo cateter. Trombose séptica: não há consenso pa-
ra tempo de ATB. Avaliar de acordo
Manejo de pacientes com IRAS com a evolução clínica + laborato-
recorrentes
rial (HMG, PCR e culturas).
Se o paciente tiver cultura de vigilância
pré­
via positiva (colonizado), fazer te- SUGESTÕES DE ESQUEMAS DE
rapia empírica dirigida pelo resultado ANTIBIÓTICOS DE ACORDO COM O
desta. Desescalonar, após o resultado de ANTIBIOGRAMA NAS IRAS TARDIAS
hemocultura. • Listeria monocytogenes: Ampicili­na
Intensificar as medidas para preven- e aminoglicosídeo para promover
ção de IRAS, em especial higienização
sinergismo.
das mãos e no manuseio dos dispositi-
• Neisseria gonorrhoeae: Ceftriaxona.
vos; remoção dos dispositivos invasivos;
• Pseudomonas aeruginosa: Amica­
rea­lização de exames complementares
cina, Pipetazo, Ceftazidima, Mero­
para identificação de foco infeccioso.
pe­nem. Se tiver MDR: Polimixina +
Meropenem ou Amicacina.
Durações mais prolongadas de
antibioticoterapia nas IRAS tardias • Acinetobacter baumannii: Amica­
cina, Ampicilina/Sulbactam, Cefta­
Infecções fúngicas: mínimo de 14 dias
zidima, Meropenem. Se tiver MDR:
(sem MGE) e 21 dias (com MGE), se
Polimixina + Meropenem ou Ami­
não houver isolamento do fungo. Se
cacina ou Ampicilina com Sulbac­
a HMC for positiva para fungo, deve-
-se colher as he­moculturas seriadas tam ou Tigeciclina.

e manter antifúngico por 14 dias • Burkholderia cepacia: (resistência


após a negativação da HMC. intrínseca aos aminoglicosídeos, Co­
Artrite/Osteomielite: 14 a 21 dias, po- lis­tina ou Polixicina): Pipetazo, Cef­
dendo ser ampliada de acordo com ta­zi­dime, Meronem. Se tiver MDR:
a evolução. Levofloxacino.
Abscesso cerebral: 4 semanas. Consi­ • Stenotrophomonas maltophilia: (re­-
derar drenagem. sis­­
tência intrínseca aos betalactâ-
Abscesso hepático: no mínimo 21 dias. micos e aos aminoglicosídeos): Le­
Considerar drenagem. vofloxacino, Sulfametoxazol/Tri­­meto-
Endocardite bacteriana/trombo intra­car­­­- prima. Se tiver MDR: Cipro­floxacino
dí­a­­co: 4 semanas. Considerar abor­
- + Pipetazo ou Sulfame­toxazol/Trime-
Infecções relacionadas à assistência à saúde 127

toprima + Piperaci­
li­
na ou Ceftazi- carbapenêmicos: Polimixina + Mero­-
dime. penem ou Amicacina ou Tige­
ci-
• Enterococcus sp.: Ampicilina e Gen­ clina.
tamicina (sinergismo). Considerar • Serratia marcescens: Cefepima com
Vancomicina para os produtores de ou sem aminoglicosídeo. Ou­
tras
betalactamases ou resistentes aos opções: Ciprofloxacino ou Ci­­
proflo­
aminoglicosídeos. xacino + aminoglicosídeo ou Pipe­
• Klebsiella sp., E. coli e Entero­bacter tazo. Para MDR suspeitos de resistên-
cloacae: aminoglicosídeo, cefalos­ cia aos carbapenêmicos: Mero­penem
po­
rinas, Pipetazo, Meronem. Para + Amicacina. Ti­geciclina para pacien-
MDR suspeitos de resistência aos te grave com pneumonia.

REFERÊNCIAS
ANVISA. Critérios Diagnósticos de Infecção JAMA Pediatr, v. 171, n. 10, p. 1015-1016, Oct.
Associada à Assistência à Saúde Neonatologia. 2017.
Agência Nacional de Vigilância Sanitária. 2.
KUZNIEWICZ, M. W.; et al. A Quantitative,
ed. Atualizada, 2017.
Risk-Based Approach to the Management of
ANVISA. Nota técnica GVIMS/GGTES/ANVISA nº Neonatal Early-Onset Sepsis. JAMA Pediatr, v.
02/2021. Critérios Diagnósticos das Infecções 171, n. 4, p. 365-371, Apr. 2017.
Relacionadas à Assistência à Saúde. Publicada
em mar. 2021, revisada em mai. 2021. MARGOTTO, P. R.; MOREIRA, A. G. Infecções
Fúngicas. In: Assistência ao Recém-Nascido
CLIFFORD, V.; GARLAND, S. M.; GRIMWOOD, K.
de Risco. Escola Superior de Ciências da
Prevention of neonatal group B streptococ-
Saúde, 3. ed., 2013.
cus disease in the 21st century. Pediatr. Child
Health, v. 48, n. 9, p. 808-15. Sep. 2012. MARGOTTO, P. R.; VIEIRA, M. G.; ROCHA, M.

FLANNERY, D. D.; PUOPOLO, K. M. Neonatal D. Infecções Bacterianas. In: Assistência ao


Antibiotic Use: How Much Is Too Much? Recém-Nascido de Risco. Escola Superior de
Pediatrics, v. 142, n. 3, p. e20181942, Sep. Ciências da Saúde, 3. ed., 2013.
2018. MANROE, B. L.; WEINBERG, A. G.; ROSENFELD,
HIGGINS, R. D. et al. Evaluation and Man­ C. R.; BROWNE, R. The neonatal blood cou-
agement of Women and Newborns With a nt in health and disease. I. Reference values
Maternal Diagnosis of Chorioamnionitis: for neutrophilic cells. J Pediatr, v. 95, n. 1, p.
Sum­mary of a Workshop. Obstet Gynecol, v. 1089-98, Jul. 1979.
127, n. 3, p. 426-36, Mar. 2016.
MELO, V. M. P. P.; MENESES, J. Sepse neonatal.
KUZNIEWICZ, M. W.; ESCOBAR, G. J.; PUOPOLO, In: BRASILEIRO, M. C.; SILVA, G. A. P.; BELTRÃO,
K. M. Early-Onset Sepsis Calculator-Reply. M. M. N. Manual de Condutas em Pediatria da
SEÇÃO 1 128

UFPE. 2. ed. Recife: Ed. Universitária da UFPE. In: Saúde da mulher e reprodutiva. CLAP/
2014, p. 61-66. SMR-OPS/OMS, Montevideo. 2016, p. 1613-03.

MOUZINHO, A.; ROSENFELD, C. R.; SÁNCHEZ, PENG, C. C.; CHANG, J. H.; LIN, H. Y.; CHENG,
P. J.; RISSER, R. Revised reference ranges for P. J.; SU, B. H. Intrauterine inflammation, in-
circulating neutrophils in very-low-birth- fection, or both (Triple I): A new concept for
-weight neonates. Pediatrics, v. 94, n. 1, p. 76- chorioamnionitis. Pediatr Neonatol, v. 59, n. 3,
82, Jul. 1994. p. 231-237. Jun. 2018.

ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE. VOLPE, J. Specialized Studies in the Neuro­


CENTRO LATINO-AMERICANO DE PE­
RINA­ logical Evaluation. In: VOLPE, J. Neurology of
TOLOGIA. Prevenção de infecções relaciona- the Newborn. Philadelphia: Saunders Elsevier,
das à assistência à saúde em Neonatolo­gia. 2008. p. 154-155.
C APÍTULO 9

Seguimento ambulatorial
do recém-nascido de alto risco

Adeline Silva Moura Gomes


Virgínia Buarque Cordeiro Cabral

Os avanços técnico-científicos, farmaco- “A continuidade do seguimento dos


lógicos e humanos na assistência obsté- prematuros e recém-nascidos de muito
trica e neonatal proporcionaram uma baixo peso (RNMBP) é essencial para
redução inquestionável na mortalidade avaliar o impacto da prematuridade ex-
dos prematuros. Consequentemente, a trema e o cuidado perinatal sobre a in-
incidência de morbidades crônicas que tegração social dos pequenos admitidos
envolvem crescimento e neurodesen- nas UTI neonatais.” (M. HAACK).
volvimento ficou ainda mais evidente
neste grupo de pacientes, sendo neces- CRITÉRIOS PARA ALTA HOSPITALAR
sário um acompanhamento específico e Para que um prematuro possa receber al-
individualizado. ta hospitalar é fundamental que alguns
O seguimento do recém-nascido critérios sejam seguidos para minimizar
de alto risco deve ser iniciado ainda os riscos de complicações. Entre eles:
durante o internamento hospitalar; e • Doenças curadas ou controladas:
a preparação para alta desse paciente as in­ter­corrências do internamento
deve englobar tanto uma equipe mul- de­vem ter sido superadas (hemorra-
tidisciplinar que continuará acompa- gias, infecções e anemia) ou ao me-
nhando o bebê ambulatorialmente, as- nos controladas (uso de oxigênio e
sim como sua família, que deverá ser cardiopatias);
envolvida em todo o processo de cui­ • Estabilidade clínica e hemodinâmi-
dados e saber reconhecer as situações ca: sem apneias ou bradicardias há,
de risco. ao menos, uma semana;
SEÇÃO 1 130

• Capacidade de manter e conservar nhamentos para direcionar o segui-


a temperatura corporal com roupa mento do paciente.
adequada e em berço simples há, ao
menos, uma semana; A CONSULTA AMBULATORIAL
• Capacidade de alimentar-se por via A primeira consulta de seguimento deve
oral, sem engasgos ou incoordena- ser agendada no momento da alta, em
ção (raramente uso de sonda por ga- torno de 3 a 5 dias, no máximo. As con-
vagem ou gastrostomia); sultas devem ser organizadas idealmente
• Ganho de peso entre 15-30 g/dia há de forma que a criança faça uma avalia-
uma semana em seio materno livre ção global conjunta e multidisciplinar
(SML) ou fórmula artificial. Peso não (pediatra, fonoaudióloga, fisioterapeuta,
é critério de alta (geralmente entre terapeuta ocupacional, nutricionista, psi-
1.800 a 2.000 g); cóloga, enfermagem, serviço social etc.)
• Família preparada, competente em e com as diversas especialidades médi-
cuidados especiais, como uso de son- cas necessárias, visando proteger a crian-
das e colostomias, e mãe capaz de ça do cansaço, do estresse e evitando
alimentar o bebê (SML ou fór­mula); abstenções e abandono do acompanha-
• Família preparada emocionalmen- mento. Na impossibilidade desse atendi-
te para receber um prematuro em mento simultâneo e multidisciplinar em
casa; área rural, deve-se agendar consulta em
• Orientação sobre sinais de alerta, lo- Centros Especializados de Reabilitação
cais de atendimento de urgência e (CER), Centros de Saúde Auditiva (CSA)
emergência, higiene ambiental (fu- ou Serviços de Saúde Especializados (SSE)
mo, álcool, drogas, poeira e sanea- mais próximos da residência da família.
mento) e retorno precoce agendado Toda avaliação do prematuro deve
e confirmado; ser realizada de acordo com sua idade
• Imunização de familiares e cuida- gestacional corrigida (IGc), tanto para
dores para Influenzae, Coqueluche, crescimento quanto para o desenvolvi-
Varicela, Sarampo, Caxumba e Ru- mento neuropsicomotor (DNPM) até os
béola; 2 anos de vida e até os 3 anos, se a IG
• Exames de controle atualizados em for < 28 semanas. Calcula-se a IGc sub-
fluxograma e resumo de alta com- traindo da idade cronológica as semanas
pleto com programação e encami- que faltaram para completar 40 semanas
de gestação.

IGc = Idade cronológica – (40 semanas – IG de nascimento).


Seguimento ambulatorial do recém-nascido de alto risco 131

São vários os objetivos a serem atin- frequência. O baixo ganho ponderal


gidos nas consultas ambulatoriais: para o esperado, o atraso no DNPM, a
• Avaliar o padrão de crescimento e dificuldade de entendimento ou a in-
DNPM; segurança familiar, as internações hos-
• Avaliar repercussões das patologias pitalares ou as idas frequentes à emer-
fetais e neonatais sobre a evolução gência são exemplos de necessidade de
neonatal; antecipar o retorno do paciente para
• Acompanhar a evolução do bebê, reavaliação.
morbidades, exames e internações;
• Avaliar e acompanhar alimentação, AVALIAÇÃO DO CRESCIMENTO
calendário vacinal, hábitos de vida, E NEURODESENVOLVIMENTO
interação social e familiar, ansieda- Os prematuros devem ser monitorados
de e segurança dos pais, e situações semanalmente, enquanto estiverem in-
de risco. ternados na unidade neonatal quanto
ao peso, ao perímetro cefálico e ao com-
O esquema de acompanhamento primento até 40 semanas de idade gesta-
deve ser estabelecido pelo serviço de se- cional corrigida. Pode-se usar a curva de
guimento. No quadro abaixo, sugerimos FENTON (2013) ou INTERGROWTH-21th;
a seguinte rotina: cada serviço deve adotar e estabelecer a
• 1ª consulta: marcada na alta hospi- curva que utilizará de acordo com o sexo
talar, no máximo com 3 a 5 dias da do bebê. Após 40 semanas de idade
alta; corrigida, usar as curvas da OMS (2006),
• Até 6 meses de idade corrigida: con- lembrando-se de utilizar a IGc na plota-
sultas mensais; gem dos parâmetros obtidos em cada
• De 6 a 12 meses de idade corrigi­- consulta.
da: consultas a cada 2 meses; A maioria dos bebês de muito baixo
• De 12 a 24 meses de idade corri- peso (MBP) alcançam a curva própria
gida: consultas a cada 3 meses; para sua idade cronológica (catch-up)
• De 24 a 36 meses de idade corri- nos primeiros meses e cerca de 80% a
gida: consultas a cada 4 meses; alcançam até 2 a 3 anos de idade corri-
• De 3 a 6 anos de idade cronoló- gida. Aqueles que não fazem o catch-up
gica: consultas a cada 6 meses; no tempo esperado, geralmente apre-
• Acima de 6 anos: consultas anuais. sentam menor crescimento e desenvol-
vimento neuropsicomotor. A minerali-
Em algumas situações, as consul- zação óssea melhora entre 6 e 12 meses
tas deverão ser agendadas com maior de IGc.
SEÇÃO 1 132

O acompanhamento do DNPM de- • Perímetro cefálico (PC) subnormal


ve ser sistematizado, integrado e con- na alta;
tínuo. É de fundamental importância • Hemorragia peri-intraventricular
examinar a criança de forma global, (HPIV) III/IV ou infarto cerebral;
em ambiente adequado, calmo e tran- • Leucomalácia periventricular (LPV)
quilo, com ajuda dos pais, aproveitando ou dilatação ventricular pre­
sen­
te/
para explicar e ensinar formas de esti- persistente;
mulação. Deve-se avaliar tônus, força • Convulsões, meningite, broncodis-
muscular, postura, mobilidade ativa, plasia, enterocolite;
comunicação verbal e não verbal, socia- • Corticoide pós-natal;
lização e habilidades comportamentais. • Déficit nutricional;
A avaliação rotineira deve ser feita pelo • Abuso de drogas pelos pais e cuida-
médico acompanhante a cada consulta dores, e pobreza.
e se baseará em dados do exame físico,
para classificar a criança em provável: Deve-se sistematizar a aplicação de
atraso do desenvolvimento, alerta para testes e escalas para avaliar o desenvol-
desenvolvimento ou desenvolvimen- vimento dos prematuros, sempre usando
to adequado. Uma ferramenta impor- a IGc. Os testes são ferramentas de scree-
tante para esse acompanhamento é a ning, mas não fornecem diagnóstico de
Caderneta da Criança do Ministério da atraso, servem apenas de alerta. Já as
Saúde – versão 2020. escalas avaliam o desenvolvimento neu-
A progressão do desenvolvimento ronal em suas diversas faixas etárias e em
é cefalocaudal e proximodistal, assim domínios amplos: motor, social, cogniti-
como a capacidade de cognição é in- vo e comportamental; essas sim, forne-
fluenciada pelas aquisições motoras. É cem diagnósticos de atraso (ver Quadro 1).
importante estabelecer um protocolo de
avaliação continuada, por exemplo: 4, 8 INTERVENÇÕES PRECOCES
e 12 meses de idade corrigida, de manei- As intervenções precoces visam melho-
ra geral, mas deve-se diminuir esse in- rar os desfechos neurológicos dos pre-
tervalo de avaliações se algum sinal de maturos, assim que houver o reconheci-
alerta for encontrado. mento ou a suspeita de sinais de alerta
Alguns pacientes são de maior ris- para atraso. É de fundamental importân-
co para pior prognóstico de DNPM. São cia reconhecer o momento ótimo para
eles: a estimulação; pois se muito precoce,
• Peso de nascimento < 750 g ou IG pode gerar estresse familiar, e se muito
< 25 semanas; tardia, a recuperação pode ser parcial.
Seguimento ambulatorial do recém-nascido de alto risco 133

Quadro 1. Escalas para avaliação do desenvol­vimento motor e/ou cognitivo

Escalas para avaliar o desenvolvimento

Motor Cognitivo ou cognitivo e motor

TIMP (Test of Infant Motor Performance) DENVER

AIMS (Alberta Infant Motor Scale) BSDI II e BSDI III (Bayley Scales of Infant Development)

GM (General Movements) PARCA-R (Parent Report of Children´s Abilities)

GMFCS (Gross Motor Function Classification System) M – CHAT (Modified Checklist for Autism in Toddlers)

Fonte: Adaptado do curso “O prematuro no consultório”. SBP/Educação Manole – Aula: Avaliação do neurodesenvolvi­
men­to do prematuro.

Sinais de alerta a serem reconhe­


- • 7 anos: dificuldade na percepção
cidos: do esquema corporal, coordenação,
• 1º trimestre: pouco interesse aos atenção e aprendizagem, principal-
estímulos visuais e auditivos, exa­
- mente dificuldade com matemática.
gero da hipertonia extensora (mãos
cerradas, polegar incluso), hiper- A intervenção deve ser individua-
excitabilidade; lizada e exige amor e paciência, esti-
• 2º trimestre: hipotonia de tronco e mulando a criança de acordo com sua
pescoço, diminuição da atividade potencialidade. É necessário treinamen-
espontânea, hipertonia extensora to motor, educação dos pais, enriqueci-
de membros inferiores; mento ambiental, estimulação precoce
• 3º trimestre: alterações segmenta- e efetiva desde a UTI neonatal. Em casa,
res (tônus e movimento), manuseio os pais são a primeira fonte de estímulo;
pobre, dificuldade de equilíbrio do a voz materna, as conversas frequentes
tronco; e as atividades diárias devem ser usadas
• 4º trimestre: melhor definição das como momentos de estimulação lúdica
alterações dos trimestres anteriores, e gradual.
dificuldade para engatinhar, ausên-
cia de comunicação pela fala; NUTRIÇÃO E ALIMENTAÇÃO
• 2 anos: atraso na marcha e fala; DO PREMATURO
• 3 anos: transtornos de comunicação A família do prematuro necessita de uma
e conduta, hiperatividade; orientação nutricional e alimentar pa-
• 5 anos: dificuldade na comunicação, dronizada, arquitetada por uma equipe
no equilíbrio e na atenção; multidisciplinar (pediatra, nutricionista,
SEÇÃO 1 134

terapeuta ocupacional, fonoaudiólogo, A família pode optar pelo BLW (Baby-


fisioterapeuta) para alcançar sua meta Led Weaning) – método em que o bebê
nutricional. Até os seis meses de IGc, o tem sua autonomia, ritmo e desenvol-
prematuro deve alimentar-se preferen- vimento respeitados; o BLISS (Baby-Led
cialmente de leite materno ou, na sua Introduction to Solids) – introdução aos
impossibilidade, de fórmula infantil pa- sólidos guiada pelo bebê; a introdução
ra prematuro até 40 semanas de IGc e, participativa – onde mistura-se o BLW e
após, fórmula de partida. O objetivo é o método tradicional; ou o tradicional,
manter um ganho de peso, de PC e de com alimentos amassados oferecidos
estatura constante. na colher. Independentemente do mé-
A introdução alimentar (IA) deve ser todo escolhido, deve-se estimular a in-
iniciada quando o bebê atingir seis me- teração com a comida, sem a utilização
ses de idade corrigida e apresentar to- de estratégias coercitivas ou punitivas,
dos os sinais de prontidão: sentar-se sem estimular a família a comer junto e de
apoio, perda ou diminuição significati- forma saudável, adequar o tamanho dos
va do reflexo de protusão da língua, ter alimentos (cortes) de acordo com a ida-
interesse pelo alimento e levar objetos à de e a maturidade da criança – quanto
boca sozinho. A IA deve ser lenta e gra- menor o bebê, maior o pedaço ofereci-
dual e no ritmo do bebê, pois até o pri- do, e o mais importante: que o lactente
meiro ano de vida, o leite é o principal esteja sempre sendo supervisionado por
alimento da criança. Não se deve forçar um adulto e que este saiba realizar as
a criança a comer; é importante respei- manobras de desengasgo.
tar seu ritmo e não criar expectativas.
Não há alimentos proibidos. Todos SUPLEMENTAÇÃO DO PREMATURO
os grupos alimentares, frutas, legumes, Ferro
verduras, proteínas devem ser ofere- Cerca de 26,5% dos prematuros têm ane-
cidos de forma respeitosa e antes de 1 mia e 48%, deficiência de ferro. Um dos
ano de vida. Oleaginosas (amendoim e principais motivos é o início precoce do
castanhas), crustáceos e moluscos, deri- uso de leite de vaca, somada à espolia-
vados de leite (iogurtes e queijos) devem ção durante o internamento dos prema-
ser oferecidos após 9 meses de IGc, a fim turos pequenos para a idade gestacional.
de aproveitar a janela imunológica pa- Quanto menor o nível de ferro, pior o
ra a exposição de alérgenos. O ovo deve DNPM; assim como quanto maior o ní-
entrar no cardápio desde o início da IA. vel de ferro no organismo, maior o risco
Existem vários métodos de apresen- de hemocromatose e estresse oxidativo.
tar os alimentos e dar seguimento à IA. A dose de ferro a ser administrada deve
Seguimento ambulatorial do recém-nascido de alto risco 135

ser individualizada de acordo com a he- de 3-6 mg/kg/dia, por três a seis meses,
moglobina e a ferritina do paciente: até nova avaliação laboratorial.
Ferritina < 60 ng/ml – prescrever fer-
ro elementar: 3 a 6 mg/kg/dia; Vitamina D
Ferritina > 300 ng/dl – não prescre- Embora definida como vitamina, es-
ver ferro; sa substância é conceitualmente um
Reticulócitos > 1 mg/dl – iniciar ferro pró-hormônio, que desempenha papel
com 2 semanas de vida; fundamental na homeostasia do cálcio
Reticulócitos < 1 mg/dl – iniciar ferro e do metabolismo ósseo. A deficiência
com 4 semanas de vida. de vitamina D é um dos distúrbios nu-
Profilaxia de anemia – prescrever tricionais mais frequentes em todo o
ferro de acordo com as recomen- mundo (ver Quadro 3). Na prematurida-
dações da Sociedade Brasileira de de, a principal causa de sua deficiência
Pediatria (Quadro 2). deve-se à diminuição da transferência
materno-fetal, ao aleitamento materno
O tratamento da anemia deve ser exclusivo, à dieta pobre em vitamina D,
realizado após confirmação diagnóstica às síndromes de má absorção intestinal,
e identificação da etiologia, corrigindo ao uso de corticoides e anticonvulsivan-
as causas primárias e realizando-se a ad- tes, às hepatopatias, às nefropatias crô-
ministração de ferro elementar na dose nicas, entre outras.

Quadro 2. Consenso da SBP para a suplementação profilática de ferro

Situação Recomendação

RNPT de peso adequado para idade


1 mg/kg/dia de ferro elementar, a partir do 3º mês de vida até
gestacional, peso de nascimento
2 anos de IGc
> 2.500 g

2 mg/kg/dia de ferro elementar, a partir do 30o dia de vida até


RNPT com peso entre 1.500 g e
1 ano de IGc. Após este prazo, 1 mg/kg/dia de ferro elementar
2.500 g de nascimento
até completar 2 anos de IGc

3 mg/kg/dia de ferro elementar, a partir do 30o dia de vida até


RNPT com peso entre 1.000 g e
1 ano de IGc. Após este prazo, 1 mg/kg/dia de ferro elementar
1.500 g de nascimento
até completar 2 anos de IGc

4 mg/kg/dia de ferro elementar, a partir do 30o dia de vida até


RNPT com peso < 1.000 g de
1 ano de IGc. Após este prazo, 1 mg/kg/dia de ferro elementar
nascimento
até completar 2 anos de IGc

RNPT que receberam mais de 100 Devem ser avaliados individualmente, pois podem não
ml de concentrado de hemácias necessitar de suplementação de ferro no 30o dia de vida, mas sim
durante a internação posteriormente

Fonte: SBP (2021).


SEÇÃO 1 136

Como profilaxia, a vitamina D deve Vitamina A


ser suplementada na dose de 400 UI/dia, A deficiência de vitamina A é definida,
até um ano de IGc, e 600 UI/dia, após es- de acordo com a Organização Mundial
se período. A duração da suplementação da Saúde (OMS), como a existência de
de vitamina D não está definida. Crianças reservas tissulares reduzidas e de níveis
com fatores de risco devem manter a su- baixos de vitamina A no soro. Pode ser
plementação enquanto os riscos estive- decorrente de: falta de amamentação
rem presentes. Na hipovitaminose D, de- ou desmame precoce, baixa ingestão
ve-se rastrear a presença de raquitismo, na dieta de mulheres grávidas e mães
solicitando-se a dosagem de cálcio, fós- que amamentam, consumo insuficiente
foro, magnésio, fosfatase alcalina, proteí- de alimentos que contenham gordura,
nas totais e frações, e PTH (ver Quadro 4). doenças que cursam com má absorção

Quadro 3. Definição da suficiência de vitamina D em crianças e adolescentes

Global Consensus on Prevention


Endocrine Society Clinical American Academy
and Management of Nutritional
Practice Guideline (2011) of Pediatrics (2008)
Diagnósticos Rickets (2016)

Níveis séricos de 25-OH–Vitamina D (ng/ml)

Suficiência > 20 30-100 21-100

Insuficiência 12-20 21-29 16-20

Deficiência < 12 < 20 < 15

Toxicidade > 100 > 100 > 150

Fonte: SBP (2016).

Quadro 4. Evolução laboratorial da hipovitaminose D em pediatria

Exames Estágio 1 Estágio 2 Estágio 3

Cálcio sérico Normal ou Normal ou

Fósforo sérico Normal ou

Fosfatase alcalina

Paratormônio

25-OH-vitamina D

Aumentado; Diminuído

Fonte: SBP (2016).


Seguimento ambulatorial do recém-nascido de alto risco 137

intestinal, infecções frequentes, prema- A suplementação de ácido fólico e vita-


turidade, entre outras. mina C é opcional, no entanto, a maioria
As alterações oculares são as ma- dos multivitamínicos supre a dose diária
nifestações clínicas mais importantes dessas substâncias.
da deficiência de vitamina A, que é a
causa mais frequente de cegueira pre- Zinco
venível em crianças. Podem ocorrer Cofator de mais de 300 metaloenzimas,
também alterações cutâneas, sendo as é importante para o crescimento e a di-
mais frequentes xerose (pele seca) e a ferenciação celular, a neurotransmissão,
hiperceratose folicular (pele de “pé de a visão e a função imune. Os prematuros
galinha”). O retinol plasmático abai- têm vários fatores de risco para deficiên-
xo de 20 mg/dl (1,05 mmol) demonstra cia: baixos estoques, perdas aumenta-
comprometimento marginal dos depósi- das pelo trato intestinal, rins imaturos
tos hepáticos. A recomendação da SBP é e crescimento rápido. A deficiência de
que seja administrada a todos os recém- zinco manifesta-se a partir do 3º mês de
-nascidos prematuros até os 18 meses de vida com falha de crescimento, dermati-
vida, a dose de 4.000 UI/dia ou, segun- te e infecções. Vários estudos mostraram
do a ESPGHAN, 400-1.000 mg/kg/dia, a que a suplementação de zinco melhora
partir de 15 dias de vida. Em regiões de o crescimento, e alguns autores suge-
risco para deficiência de vitamina A, há rem benefício na morbidade neonatal e
programas de suplementação de mega- no neurodesenvolvimento. A dose ideal
dose implantadas pelo MS desde 2004. a ser suplementada ainda não está esta-
belecida e existe preocupação com o uso
Ácidos Fólico e Ascórbico de altas doses de zinco, pois ele diminui
O ácido fólico participa da replicação do a absorção de cobre e de ferro. A AAP
DNA e de várias reações enzimáticas. A recomenda 1-3 mg/kg/dia; a ESPGHAN
suplementação pode ser considerada ao indica 1,1-2 mg/kg/dia. Na prática, uti-
iniciar a suplementação do ferro para a lizamos o sulfato de zinco 5 mg/dia ou
anemia da prematuridade. A ESPGHAN manipulamos a solução de acetato de
recomenda 35-100 mg/kg/dia. A vitami- zinco 10 mg/ml.
na C (ácido ascórbico) é um antioxidante
que tem importante papel na síntese de COMPLICAÇÕES APÓS
A ALTA HOSPITALAR
colágeno e modula a absorção e o esto-
que de ferro. A maioria dos prematuros Anemia
recebe vitamina C nos multivitamínicos. Há maior risco quanto menor a ida-
A ESPGHAN recomenda 11-46 mg/kg/dia. de gestacional ao nascimento e tem
SEÇÃO 1 138

etiologia relacionada à hemólise, à dimi- longos para avaliar a presença de lesões.


nuição da produção, à hemodiluição e à O acompanhamento laboratorial deve
espoliação durante o período de interna- ser realizado com 6, 12, 24 e 36 meses
mento. A avaliação da anemia no prema- de idade corrigida. A fosfatase alcalina
turo deve ser sistemática com dosagens torna-se preocupante quando atinge va-
de hemoglobina, de hematócrito, de re- lores cinco vezes maiores que a referên-
ticulócitos e de ferritina. A periodicidade cia (geralmente maior que 1.200 UI/l). A
desse rastreio deve ser com 2 semanas suplementação deve ser realizada com
de vida e nas idades corrigidas de: 34, 36 solução manipulada de cálcio e fósforo
a 37 e 40 semanas; além disso, repete-se na relação de 1,1:1.
com 2, 4, 6, 12, 18 e 24 meses de idade Solução 1: Gluconato de cálcio 10% – 25 ml
corrigida. + Fosfato bifásico de cálcio – 2,6 g +
água qsp 100 ml. Em cada 5 ml, te-
Doença Metabólica Óssea (DMO) mos nessa solução 50 mg de cálcio e
A Doença Metabólica Óssea deve-se ao 30 mg de fósforo.
conteúdo mineral ósseo diminuído que Solução 2: Fosfato tricálcico – 32 mg de
ocorre principalmente como um resul- fósforo e 60 mg de cálcio – para pro-
tado da falta de transferência adequada filaxia, fazer a dose de 3,5 ml/kg/dia,
de cálcio e fósforo na vida intrauterina. dividido em 3 tomadas (8/8 horas),
Alguns fatores predisponentes devem para os RNPT nascidos com peso me-
ser citados: prematuridade extrema, nor ou igual a 1.500 g, a partir de 15
ventilação mecânica prolongada, uso de dias de vida até 40 semanas de idade
diuréticos e corticosteroides, nutrição corrigida.
parenteral prolongada, icterícia coles-
tática e alimentação enteral com baixo Doença do Refluxo Gastroesofágico
teor mineral. A investigação laborato- (DRGE)
rial da DMO deverá ser iniciada na UTI Uma das maiores dificuldades na pueri-
Neonatal, utilizando marcadores bioquí- cultura é lidar com a ansiedade dos pais
micos no soro e na urina. Com 3 semanas no que diz respeito ao refluxo. A maioria
de vida, realiza-se a dosagem de cálcio, dos bebês apresenta refluxo gastroeso-
de fósforo e de creatinina em urina de fágico, com pico entre 3 e 6 meses de
6 horas; além de cálcio, de fósforo e de idade, sem que isso traga malefícios a
fosfatase alcalina séricos. O diagnóstico eles; é o que chamamos de refluxo fisio-
pode ser firmado entre 40 semanas de lógico do lactente. Sua principal causa é
IGc e 8 semanas de vida, ocasião em a imaturidade do trato gastrointestinal,
que se pode realizar radiografia de ossos a incompetência transitória da cárdia,
Seguimento ambulatorial do recém-nascido de alto risco 139

a dieta líquida do bebê e a posição, na velocidade de esvaziamento gástrico)


maioria do tempo, horizontal. O refluxo e inibidores de bomba de prótons (IBP),
fisiológico tem início por volta da 8ª se- geralmente na dose de 1 mg/kg/dia. Nos
mana de vida, aumenta de 2 a 4 meses e, casos de necessidade de medicações ou
geralmente, se resolve perto do final do resistência ao tratamento convencional,
primeiro ano de vida da criança. Pode é de extrema importância o acompanha-
apresentar-se como regurgitações após mento simultâneo com o gastropediatra.
mamadas, ou até vômitos, e sua princi-
pal característica é que a criança ganha Broncodisplasia Pulmonar (BDP)
peso, não apresenta irritabilidade ou po- A BDP talvez seja uma das maiores se-
sição antálgica. quelas – e, algumas vezes, de mais di-
Já a doença do refluxo gastroesofá- fícil manejo – encontradas nas popula-
gico (DRGE) caracteriza-se por um qua- ções de prematuros, e sua prevalência
dro muito mais imponente e que leva à é inversamente proporcional à idade
perda da qualidade de vida da família e, gestacional de nascimento. Caracteriza-
principalmente, da criança. Geralmente, se pela necessidade do uso de oxigênio
apresenta-se com vômitos intensos, cho- com 36 semanas de idade corrigida para
ro excessivo, irritabilidade, dificuldade aqueles nascidos com menos de 32 se-
e recusa alimentar, com consequente manas de idade gestacional, ou por 28
comprometimento do ganho de peso, a 56 dias para os nascidos com mais de
hiperextensão da cabeça e do pescoço, 32 semanas. Sua gravidade vai depender
e até apneia obstrutiva. O diagnóstico é da fração inspirada de oxigênio no mo-
clínico, após uma anamnese e um exa- mento da alta hospitalar.
me físico detalhados, porém, em alguns
Figura 1. Classificação da BDP de acordo com a
casos, pode-se lançar mão de alguns fração inspirada de oxigênio no momento da
exames complementares, como: impe- alta hospitalar

danciometria intraluminal, pHmetria


(para refluxos ácidos), cintilografia, en- Sem O2 BDP leve
FiO2 < 30 % BDP moderada
doscopia gastroesofágica ou estudo con- FiO2 ≥ 30 % BDP grave
trastado de esôfago-estômago-duodeno
(EED). O tratamento baseia-se principal- Fonte: Autoras.
mente em medidas posturais (manter o
bebê em posição vertical por 20 a 30 min A etiologia da BPD é multifatorial,
após as mamadas), dieta fracionada (seio sendo a prematuridade o fator de risco
materno ou fórmula) e medicações, co- mais importante, além da ventilação
mo pró-cinéticos (visando aumentar a mecânica, da ausência de corticoide
SEÇÃO 1 140

materno perinatal, da sepse neonatal, exame e a critério do especialista. Em


da desnutrição, do uso de frações de prematuros sem ROP, a puericultura of-
oxigênio elevadas, do tabagismo e da talmológica deve ser realizada, no mí-
hipertensão materna, do sexo masculi- nimo, com 4 a 6 semanas, 6 meses e 1
no, entre outros. O tratamento da BDP é ano de idade cronológica. Após isso, a
longo, difícil e multidisciplinar. Em mui- critério do oftalmologista, geralmente,
tos casos, faz-se necessário o uso de cor- 1 vez ao ano. O ideal é que esse bebê
ticoides inalatórios, broncodilatadores, seja acompanhado por um especialista
diuréticos, oxigênio, vasodilatadores etc. em retina.
A medida mais eficaz contra a bronco-
displasia pulmonar é a prevenção. É de Surdez
fundamental importância o acompa- A perda auditiva permanente significati-
nhamento simultâneo com pneumolo- va é um distúrbio comum no nascimen-
gista pediátrico. to prematuro e pode causar atraso no
desenvolvimento da linguagem, dificul-
Retinopatia da Prematuridade (ROP) dades de comportamento e interações
A ROP é uma doença vaso proliferativa psicossociais, além de baixo desempe-
que compromete a retina periférica de nho acadêmico. A detecção precoce da
prematuros, em decorrência da vascu- perda auditiva durante a infância e o
larização inadequada da retina imatura. início da intervenção resultam em me-
Sua prevalência e as sequelas são in- lhores resultados cognitivos, comporta-
fluenciadas pelo nível de cuidados neo- mentais e acadêmicos na linguagem.
natais e, assim como a BPD, é inversa- A extensão da perda auditiva é defi-
mente proporcional à IG de nascimento. nida pela medição do limiar de audição
O objetivo da avaliação do prematuro é em decibéis (dB) em várias frequências.
detectar precocemente o maior número A audição normal tem um limite de - 10
de casos possíveis com indicação de tra- a 15 dB. Em indivíduos com perda au-
tamento e minimizar o número de exa- ditiva bilateral, a gravidade da perda é
mes desnecessários. baseada no funcionamento do melhor
Considerando-se a IG e a idade cro- ouvido e pode resultar de defeitos con-
nológica, a primeira avaliação do RNPT dutivos transitórios ou permanentes,
deve acontecer entre a 31ª e 33ª sema- neurossensoriais permanentes, neuro-
nas de idade corrigida ou entre 4 e 6 se- patia auditiva e defeitos mistos.
manas de idade cronológica. Os exames Os fatores de risco associados à
subsequentes devem ser agendados de perda auditiva incluem infecções con-
acordo com os achados do primeiro gênitas, hiperbilirrubinemia grave e
Seguimento ambulatorial do recém-nascido de alto risco 141

admissão em Unidade de Terapia In­ten­ portáteis, reproduzíveis e automatiza-


si­va Neonatal (UTIN). A perda auditiva das, avaliam o sistema auditivo perifé-
bilateral significativa é o distúrbio mais rico e a cóclea, mas não podem avaliar
comum ao nascimento, ocorrendo em 2 a atividade nos níveis mais elevados do
a 3 por 1.000 recém-nascidos. Em parti- sistema auditivo central. Esses testes por
cular, a perda auditiva neurossensorial si só não são suficientes para diagnosti-
(SNHL) e a neuropatia auditiva (AN) são car a perda auditiva; portanto, qualquer
muito mais comuns com taxas relatadas criança que falhe em um desses testes
de SNHL e AN, de 16,7 e 5,6 por 1.000 de triagem requer uma avaliação au-
bebês, respectivamente, atendidos em diológica adicional; além disso, ambos
uma UTIN em comparação com uma in- os métodos não detectarão uma perda
cidência estimada de AN, em um bebê auditiva leve.
saudável da população de 0,06 por 1.000 Todos os recém-nascidos devem ser
crianças. examinados antes de completarem um
A triagem de recém-nascidos para a mês de idade, os que falham devem ser
perda auditiva leva à detecção e à inter- reavaliados até os três meses e a inter-
venção precoces em pacientes com de- venção para crianças com deficiência
ficiência auditiva congênita e pode me- auditiva significativa deve ser iniciada,
lhorar significativamente a aquisi­ção da no máximo, até os seis meses de idade,
linguagem e o desempenho e­du­cacional devendo ser projetada para atender às
em pacientes afetados. A evidência é cla- necessidades individualizadas da crian-
ra de que a triagem de re­cém-nascidos ça e da família. O acompanhamento
detecta a perda auditiva mais eficien- deverá ser multidisciplinar com fonoau-
temente quando comparada apenas à diólogo, terapeuta ocupacional, otorri-
identificação de sinais clínicos de surdez.  nolaringologista e pediatra.
A Força Tarefa da Academia Ame­
ricana de Pediatria (AAP) sobre a Audi­ VACINAS DO PREMATURO
ção Neonatal definiu um teste de tria- As imunizações fazem parte de uma sé-
gem auditiva neonatal eficaz, como rie de cuidados que devem ser prestados
aquele que detecta perda auditiva de ≥ aos egressos das unidades neonatais, de-
35 dB na melhor orelha e é confiável em vendo ser iniciadas precocemente, e as
bebês ≤ 3 meses de idade. Duas técnicas informações sobre imunização têm de
eletrofisiológicas atendem a estes crité- ser fornecidas ainda na unidade neona-
rios: Respostas Auditivas Automáticas tal. Apesar dos recém-nascidos (RN) pre-
do Tronco Cerebral (AABR) e Emissões maturos apresentarem um risco maior
Otoacústicas (OAE). Elas são baratas, de complicações associadas às doenças
SEÇÃO 1 142

imunopreveníveis, seu esquema vaci- mês de vida. Futuros contactantes


nal costuma ser adiado na maioria das domiciliares também devem ser va-
unidades neonatais. Entretanto, é con- cinados antes da alta hospitalar da
senso na literatura que todas as vacinas criança;
são seguras para a administração em • A vacina tríplice viral e as vacinas
prematuros. contra a febre amarela e a varicela
Prematuros estáveis e bebês de bai- devem ser aplicadas seguindo as
xo peso ao nascer devem receber doses recomendações para crianças nasci-
completas de vacinas para: difteria; té- das a termo;
tano; pertussis (de preferência acelular); • Na neonatologia, a imunização
Haemophilus influenzae tipo B; vacinas passiva está indicada quando o
pneumocócicas conjugadas nas idades RN suscetível e, em geral, sujeito a
cronológicas recomendadas para RN maior prevalência de complicações
a termo. A época de aplicação da vaci- é exposto a um determinado agen-
na para hepatite B depende do estado te infeccioso para o qual não existe
imunológico da mãe e do peso do RN ao vacina (vírus sincicial respiratório –
nascer, recomendando-se quatro doses. VSR) ou esta não pode ser utilizada
• A BCG segue recomendações do Pro­ no período neonatal (varicela, he-
grama Nacional de Imuniza­
ções e patite A). Há indicação ainda que a
deve ser aplicada assim que o recém- utilização da vacina isoladamente
-nascido alcançar o peso de 2.000 g; não garante a produção de resposta
• Alguns estudos relatam um aumen- imune adequada e a tempo, como
to da frequência de apneias, de no caso de uma exposição perinatal;
bradicardia e de convulsões febris • Anticorpos monoclonais contra a
nesses prematuros com a utilização proteína de fusão do VSR (palivizu-
da DTP, aumento que não se observa mabe), utilizado por via intramuscu-
com o uso da DTPa (DTP acelular). lar, são usados em RNs prematuros
Entretanto, outros estudos não ob- extremos sob risco de doença grave
servaram maior prevalência destes por este vírus. A utilização intramus-
efeitos adversos. É indicado utilizar cular, mais prática e com menor
a DTPa sempre que possível, princi- índice de complicações, e a não in-
palmente em prematuros com 31 se- terferência na eficácia das vacinas
manas ou menos e com muito baixo de vírus vivos são vantagens do pa-
peso ao nascer; livizumabe em relação à imunoglo-
• A vacina contra a influenza é segura bulina intravenosa específica para
e eficaz quando aplicada após o 6 o
VSR. A dose de palivizumabe é de
Seguimento ambulatorial do recém-nascido de alto risco 143

15 mg/kg e deve ser dada em 5 doses cada órgão específico (Ministério da


(mensais) no período da sazonalida- Saúde e Sociedade de Pediatria, por
de. Os critérios de inclusão para o exemplo) e podem sofrer variações,
uso do palivizumabe dependem de de acordo com cada região.

REFERÊNCIAS
AGOSTONI, C.; BUONOCORE, G.; CARNIELLI, V. Pediatria; Procianoy, R. S.; Leone, C. R. (Orgs.).
P.; CURTIS, M.; DARMAUN, D.; DECSI, T. et al. PRORN – Programa de Atualização em Neo­
Enteral nutrient supply for preterm infants: natologia: Ciclo 13. Porto Alegre: Artmed
commentary from the European Society of Panamericana, 2016, p. 93-118. Sistema de
Pediatric Gastroenterology, Hepatology and Educação Continuada a Distância, v. 4.
Nutrition Committee on Nutrition. J Pediatr
MOREIRA, M. E. L.; PONE, M. V. S. Imunização
Gastroenterol Nutr, v. 50, p. 85-91, 2010.
no recém-nascido prematuro. In: Sociedade
CORSO, A. L.; FRIEDRICH, L. Como prevenir a Brasileira de Pediatria; Procianoy, R. S.;
displasia broncopulmonar. In: Sociedade Bra­ Leone, C. R. (Orgs.). PRORN – Programa de
sileira de Pediatria; Procianoy, R. S.; Leo­ne, C. Atualização em Neonatologia: Ciclo 3. Porto
R. (Orgs.). PRORN – Programa de Atualização Alegre: Artmed Panamericana, 2016, p. 09-29.
em Neonatologia: Ciclo 18. Porto Alegre: Art­ Sistema de Educação Continuada a Distância,
med Panamericana, 2021, p. 109-39. Sistema v. 4. Disponível em: https://www.uptodate.
de Educação Continuada a Distância, v. 2. com/contents/screening-the­- newborn-fo
r­-­hearing-loss?csi=d03ae20b-5fd9-4546-a14e-
GURMINI, J.; SOUZA, K. K.; MIYAKAWA, D.
365b17bf09fb&source=contentShare#H19.
T. Deficiência de cálcio e das vitaminas A
Acesso em: 22 dez. 2021.
e D: quando suplementar e em que dose.
In: SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA; SILVEIRA, R. C. Seguimento Ambulatorial do
OLIVEIRA FILHO, E. A.; NOBREGA, M. (Orgs.). Prematuro de Risco. Sociedade Brasileira de
PROPED – Programa de Atualização em Tera­ Pediatria. 1. ed., 2012.
pêutica Pediátrica: Ciclo 1. Porto Alegre:
SBP e EDUCAÇÃO MANOLE. Curso Prematuro
Artmed Panamericana; 2014, p. 59-76. Sistema
no consultório – 2018. Disponível em: htt­ps://
de Educação Continuada a Distância, v. 3.
www.spsp.org.br/2020/03/09/suplementa
MORAES, N. S. B.; UNO, F. Retinopatia da cao-de-vitaminas-e-oligoelementos-pa­ra-o-
prematuridade. In: Sociedade Brasileira de prematuro/. Acesso em: 22 dez. 2021.
S E Ç ÃO 2

Promoção da saúde em pediatria

Capítulo 1
Aleitamento materno

Capítulo 2
Alimentação na infância e na adolescência

Capítulo 3
Imunização na infância e na adolescência

Capítulo 4
Avaliação e acompanhamento do crescimento da criança
e do adolescente

Capítulo 5
Vigilância do desenvolvimento neuropsicomotor na
infância

Capítulo 6
Higiene do sono

Capítulo 7
O impacto das tecnologias digitais na infância e na
adolescência

Capítulo 8
Recomendações de atividade física para crianças e
adolescentes

Capítulo 9
Sinais e sintomas de câncer no paciente pediátrico:
quando suspeitar?
C AAPÍTULO
PÍTULO x1

Aleitamento materno

Fátima Maria Doherty

QUAL É A IMPORTÂNCIA divulgada, por instituições de reconhe-


DO ALEITAMENTO MATERNO? cimento mundial, por exemplo: Or­ga­ni­
O Leite Materno (LM) é considerado o ali- zação Mundial da Saúde (OMS), World
mento ideal para o recém-nascido (RN), Alliance for Breastfeeding (WABA), Fun­
pois é um fluido complexo, que contém do das Nações Unidas para a Infância
fatores protetores e substâncias bioativas (UNICEF), Rede Internacional em Defesa
que garantem saúde, crescimento e de- do Direito de Amamentar (IBFAN) e So­
senvolvimento plenos, particularmente cie­dade Brasileira de Pe­diatria (SBP) – e
dos sistemas nervoso e imunológico, co- por estudos científicos publicados em
mo também estimula a maturação do sis- jornais e revistas de relevância nacional
tema digestivo. Além disso, desenvolve o e internacional. A comunidade científi-
vínculo mãe-filho, demonstrando a supe- ca tem buscado, com isso, reverter o de-
rioridade do leite materno como alimen- clínio da amamentação em todo o mun-
to exclusivo para crianças com menos de do, no entanto, ainda não atingimos a
seis meses de vida. Deve ser oferecido meta de 50% das crianças do mundo
desde a sala de parto, quando a criança (incluindo o Brasil) em aleitamento ma-
nasce bem, de forma exclusiva e em livre terno exclusivo até o 6º mês, que é uma
demanda até o sexto mês, e complemen- das condições básicas para proporcionar
tado com alimentação saudável e equili- o melhor início de vida para o bebê e
brada até dois anos de vida ou mais. saúde para a sua mãe. A OMS propõe
Desde o século passado, a importân- que tal meta seja atingida até 2025 atra-
cia do leite materno é exaustivamente vés de quatro linhas de ação:
SEÇÃO 2 146

• Promulgação da licença-maternida- amamentada resulta em adultos


de remunerada até o 6º mês para com melhor qualidade de vida e
todas as mães trabalhadoras e pro- maior produtividade;
moção de políticas que incentivem - Perdas econômicas: custos com
mulheres a amamentarem em am- tratamento de morbidades da cri­-
biente público; ança;
• Fortalecimento dos sistemas de saú- - Absenteísmo ao trabalho dos pais.
de com instalações hospitalares e • Sistema de saúde
ambulatoriais que estimulem o alei- - Menor gasto com a saúde da cri­
tamento exclusivo, com maior apoio ança que adoece menos (hospita-
e institucionalização da Iniciativa lizações, medicações, consultas,
Hospital Amigos da Criança (IHAC); exames);
• Apoiar as gestantes e lactantes, in- - Menor índice de desnutrição em
dividualmente ou em grupos, com crianças de baixa idade.
o objetivo de aconselhar com es- • Família
tratégias adaptadas às realidades - Menor custo financeiro: redução
locais, para favorecer o aleitamento dos gastos nas crianças amamen-
materno; tadas (fórmulas, mamadeiras, gás
• Limitar a propaganda de fórmulas de cozinha, medicações, exames,
infantis através de divulgação e internações e consultas);
mo­nitorização pelo Código Inter­na­ - Menos situações de estresse: a
cional de Comercialização de Subs­ criança adoece menos;
ti­tu­tos do Leite Materno (no Brasil, - Melhor vínculo afetivo: olho no
temos a NBCAL). olho, contato com o filho, seguran­
ça, proteção, realização como mu-
Aspectos socioeconômicos lher;
• Economia - Qualidade de vida.
- Produção de Substitutos do Leite
Materno (SLM): demanda maior Aspectos ecológicos
custo com vacas leiteiras, pastos, (saúde do planeta)
fertilizantes, pesticidas, embala- • Crianças que não são amamentadas:
gens, combustíveis, transportes e necessitam do uso de SLM;
energias; • A produção de SLM (a maioria a par-
- Redutor da desigualdade social e tir do leite de vaca) causa maiores da-
da pobreza: o melhor desenvol- nos ecológicos com criação de gado
vimento intelectual da criança em áreas extensas para essa prática;
Aleitamento materno 147

• A poluição ambiental pelo descarte esto­ques e nas reservas de água do


de produtos não biodegradáveis (la- planeta.
tas e mamadeiras): a lata leva cerca
de 200 anos para decomposição e o BENEFÍCIOS PARA A CRIANÇA
plástico, 400 anos; Amamentar vai além da nutrição da
• O desflorestamento para a criação criança, envolve interação profunda en-
de gado traz prejuízo para o ecossis- tre a mãe e o filho, com repercussões na
tema e à biodiversidade: menor área sua nutrição, na sua defesa às infecções
verde e fauna, com aumento signifi- (Quadro 1), em sua fisiologia, no seu de-
cativo da evaporação do solo influen- senvolvimento cognitivo e emocional
ciando nas variações climáticas; (Quadro 2), e na prevenção das doen-
• Gasto com água para a fabricação ças crônicas não transmissíveis na vida
e o preparo do SLM, repercute nos adulta (Quadro 3).

Quadro 1. Aspectos imunológicos do leite materno

Aspectos imunológicos

Resposta imune citotóxica elimina células infectadas por vírus ou células tumorais

Componentes • Macrófagos e fagócitos destroem as bactérias e produzem lisozimas


celulares • Neutrófilos
• Nucleotídeos
• Linfócitos T e B

• IgA secretória: é uma glicoproteína com maior resistência às alterações de pH


e à digestão por enzimas proteolíticas, sendo encontrada intacta nas fezes de
lactentes em uso do leite materno. É produzida por células linfoplasmocitárias
sensibilizadas, presentes na glândula mamária, como coadjuvante na composição
e na ação do eixo enteromamário
• IgG, IgM, IgD, IgA e IgE
• Lactoferrina: proteína bioativa com funções bacteriostáticas (inibe o crescimento
bacteriano), antiviral, antioxidante, anti-inflamatória e é facilitadora da absorção
do ferro nas células
Componentes • Lisozima: enzima com função bactericida, pois tem ação lítica (cliva as ligações
solúveis glicosídicas da parede celular bacteriana)
• Oligossacarídeos do leite humano (HMOs): são monossacarídeos produzidos
na glândula mamária, que praticamente não são digeridos e absorvidos pelo
trato gastrointestinal, chegam quase intactos ao cólon intestinal, onde modulam
a microbiota entérica exercendo efeitos prebiótico e antiadesivo, inibindo
infecções e modulando a resposta celular do epitélio intestinal
• Componentes do sistema complemento (C3 e C4)
• Lipídeos: fator antiesfilococo e de inativação de vírus
• Anticorpos maternos: o LM veicula anticorpos maternos contra as doenças que
as mães tenham sido expostas (repertório imunológico)
SEÇÃO 2 148

• Alfa-lactoalbumina: provoca apoptose de mais de 40 tipos de câncer. Ela


se mescla com os ácidos do LM ou do estômago e se transforma em um
composto chamado HAMLET (sigla em inglês para Alfa – Lactoalbumina Humana
Transformada em Letal para Células Tumorais). Por ter efeito específico para as
células tumorais, ela não danifica as células sãs
• K-Caseína: é um inibidor da adesão bacteriana, por exemplo, o Helicobacter
pylori é menos frequente entre os bebês alimentados ao seio materno
• Citocinas: deficientes no RN, são fornecidas pelo LM em quantidades
significativas, principalmente a IL-7
Componentes
solúveis • Defensivas: peptídeos antimicrobianos inatos, que participam da defesa contra
a invasão microbiana e modulam o sistema imunológico ao ativar células imunes
contra organismos patogênicos, tendo importância na defesa das infecções
como as de pele, trato respiratório e intestino
• Fatores de crescimento: Epidermal Growth Factor/EGF, Macrophage Colony
Stimulating Factor/M-CSF e Transforming Growth Factor/TGF: contribuem para
a maturação dos sistemas fisiológicos, como o desenvolvimento da mucosa
intestinal e imunomodulação. Observação: o EGF é mais elevado em RNs
prematuros e protege contra a enterocolite necrosante
• Melhoram a resposta às vacinas orais e parenterais

Fonte: Autora.

Quadro 2. Dimensões dos desenvolvimentos físico, intelectual, psicossocial e afetivo com o


aleitamento materno

Desenvolvimento físico, intelectual e psicossocial

• Menor número de adoecimento


• Prevenção de doenças psicoemocionais: devido ao melhor vínculo mãe-bebê
• Desenvolvimento cerebral: ácidos graxos poli-insaturados de cadeia longa (LC-PUFAS) do LM são
substâncias bioativas importantes para o crescimento cerebral, principalmente, no prematuro. São
eles:
- ARA = Ácido araquidônico (ômega 6)
- DHA = Ácido docosahexaenóico (ômega 3)
Deficiências e desequilíbrios de LC-PUFAS levam ao comprometimento no desempenho cognitivo e
comportamental da criança, o que mostra a importância da ingestão adequada de PUFA durante a
gestação e lactação, períodos críticos para os desenvolvimentos cerebral e visual da criança;
• Inteligência e desenvolvimento cognitivo: observa-se melhor desenvolvimento cognitivo quando se
compara uma criança que fez uso do leite materno àquela que usou leite de vaca, principalmente nas
que nasceram com baixo peso. A teoria baseia-se na presença de substâncias no LM que otimizam o
desenvolvimento cerebral e/ou fatores comportamentais ligados ao ato de amamentar e à escolha,
pelos responsáveis, do modo como alimentar as crianças
• Desenvolvimento de habilidades motoras e linguagem: o aleitamento materno protege contra atraso
de linguagem e habilidades motoras

Aspectos afetivos

• Melhorias no vínculo mãe-bebê: que favorece um melhor desenvolvimento afetivo e o relacionamento


com as pessoas, menores índices de rejeição, abandono e maus tratos à criança
• Influência no comportamento materno: com efeito antiestresse

Fonte: Autora.
Aleitamento materno 149

Quadro 3. Morbidades preveníveis com o aleitamento materno

Morbidades

• Diarreia: além de evitá-la, o aleitamento materno (AM) exerce influência também na gravidade dessa
doença, pois promove o desenvolvimento imunológico intestinal e a função de barreira, facilitando a
tolerância imune e o crescimento dos micro-organismos intestinais
• Infecções respiratórias: vários estudos têm demonstrado maior proteção das crianças amamentadas,
de modo exclusivo, nos primeiros seis meses, quanto à ocorrência e à gravidade dos episódios, como
também quanto à prevenção das otites
• Infecção urinária: o leite materno fornece componentes bioativos de defesa
• Doenças Crônicas Não Preveníveis (DCNP): pesquisas demonstram que o AM mais prolongado está
associado ao menor risco de DCNP, como: diabetes mellitus, hipertensão, hipercolesterolemia,
doenças cardiovasculares, doença inflamatória intestinal, obesidade e síndrome metabólica. A
disbiose pode levar a maior suscetibilidade para as DCNPs
• Obesidade: as crianças amamentadas apresentam menor chance de sobrepeso/obesidade, como
também há uma relação entre dose e resposta com a duração do aleitamento materno; quanto
maior o tempo de aleitamento, menor a probabilidade de sobrepeso/obesidade. Entre os possíveis
mecanismos envolvidos nessa proteção está o desenvolvimento da autorregulação de ingestão
de alimentos nos amamentados e a composição do leite materno, que participa no processo de
“programação metabólica”, alterando o número e/ou tamanho das células gordurosas ou induzindo o
fenômeno de diferenciação metabólica
• Alergias (Alergia à Proteína do Leite de Vaca (APLV), Dermatite Atópica (DA) e outros tipos de alergia,
como: asma e sibilos recorrentes): usar pequenas doses de leite de vaca nos primeiros dias de vida
parece aumentar o risco de alergia à proteína do leite de vaca, por se elevar a permeabilidade
intestinal; por isso, deve-se evitar o uso desnecessário de fórmulas infantis
• Diabetes tipo 1: a exposição precoce ao leite de vaca (antes do 4º mês) é considerada um fator
importante para aumentar o risco de aparecimento desta patologia
• Dermatite de fraldas: o pH fecal das crianças em AM é ácido e favorece o crescimento de flora bífida
• Morte súbita: menor incidência desta patologia
• Autismo: a presença de IGF no LM compensa os níveis baixos congênitos na criança portadora de
autismo
• Enterocolite necrosante: em RN com uso de LM há uma redução de 6 vezes no risco de desenvolver
esta patologia, devido aos seus componentes: DHA, imunoglobulinas, lactoferrina, a presença dos
oligossacarídeos do leite humano (HMO) e outros imunonutrientes
• Recém-nascidos prematuros ou de baixo peso ao nascer: o LM é capaz de prevenir o desenvolvimento
de diversas doenças, como displasia broncopulmonar e enterocolite necrosante, além de reduzir o
risco de morte e a ocorrência de sepse em unidades de cuidados intensivos neonatal
• Doenças psicoemocionais: menor chance de distúrbios emocionais, desvios de conduta e dificuldades
psicossociais pelo vínculo mãe-bebê
• Má oclusão dentária e distúrbios de linguagem: o ato de mamar propicia melhor desenvolvimento
da cavidade oral, melhor desenvolvimento da articulação temporomandibular, tonicidade
da musculatura facial e conformação do palato duro, com futuro alinhamento dos dentes e
oclusão dentária. O desmame precoce leva à ruptura do desenvolvimento motor oral adequado,
prejudicando as funções de mastigação, deglutição, respiração, articulação dos sons e da fala,
ocasionando má oclusão, respiração bucal e alteração motora oral. Com o uso de chupeta/
mamadeira, o palato é empurrado para cima, o assoalho nasal se eleva, reduzindo o tamanho da
passagem da respiração nasal
• Leucemias e linfomas: vários estudos demonstram uma redução na ocorrência destas patologias
• Morte súbita: há menor incidência entre os alimentados ao seio materno

Fonte: Autora.
SEÇÃO 2 150

Formação do microbioma • Laursen et al. (2021) mostraram que


• Conceito de microbioma: coleção espécies de Bifidobacterium forne-
de micro-organismos encontrada no cidas pelo leite materno produzem
trato gastrointestinal, que está aderi- ácidos láticos aromáticos no intes-
da à camada de muco externa, com- tino de bebês e sugerem que esses
petindo com bactérias pato­gênicas metabólitos microbianos são impor-
por sítios de adesão e nutrientes, tantes na modulação da homeostase
exercendo o efeito de resistência à intestinal e na função imunológica,
colonização e protegendo a mucosa no início da vida;
intestinal; • A importância dos Lactobacilos e
• O microbioma do bebê começa a se Bifidobacterium no microbioma in-
instalar desde a vida intrauterina, testinal deve-se à inibição competiti-
com a presença de bactérias no líqui- va com outras bactérias com adesão
do amniótico, membranas uterinas à mucosa intestinal e na síntese de
e mecônio. Importante também na compostos que inibem ou destroem
modulação desta microbiota é a via bactérias patógenas, e a maturação
de parto, pois, no parto vaginal, o das funções digestivas e imunológi-
bebê recebe a carga bacteriana pelo cas do lactente;
contato direto com o epitélio vaginal; • Um melhor microbioma é um media-
• Nas primeiras semanas de vida, o mi- dor nas origens do desenvolvimento
crobioma do bebê é formado, depen- da saúde e da doença, ampliando a
dendo do tipo de leite administra- nossa visão acerca do sistema diges-
do. Os amamentados pelo seio têm tivo, que não é simplesmente um ca-
maiores quantidades de Lactobacilos nal de trânsito alimentar, mas, sim,
e Bifidobacterium nas fezes; uma complexa entidade funcional
• A colonização do leite materno é do sistema imune, executando fun-
originada na boca da criança em ções metabólicas e coordenando
fluxo retrógado no momento da uma interessante comunicação en-
amamentação, na pele materna, e tre a microbiota intestinal e o cére-
no microbioma intestinal materno; bro através de caminhos imunológi-
alguns estudos sugerem que as bac- cos, endócrinos e nervosos, referido
térias do microbioma intestinal ma- como “eixo intestino-cérebro”;
terno chegam aos ductos mamários • Diante dos RNs graves internados
carregadas pelos macrófagos, via por longo período, nos quais se evi-
circulação, caracterizando o eixo dencia a disbiose da microbiota in-
enteromamário; testinal, estudos têm demonstrado
Aleitamento materno 151

a importância do leite materno na no leite maduro e a lactose, no co-


manutenção e na modulação de lostro. A quantidade total de proteí-
uma microbiota saudável, reforçan- nas quanto à relação proteína/ener-
do a prática da colostroterapia, prin- gia, que eles recebem é para seu
cipalmente entre os neonatos pre- crescimento e seu desenvolvimen­to,
maturos de baixo peso, que promove como também promove a diges­tão
a maturação das células intestinais e e a absorção de outros nutrien­tes,
a instalação de gêneros benéficos na como os minerais, melhorando a
microbiota intestinal. sua biodisponibilidade e, ainda,
pro­
porcionando a defesa contra
Mortalidade agen­tes infecciosos, aprimoran­do
• Redução em 13% da mortalidade em a função imunológica, o desenvol-
crianças menores de 5 anos amamen- vimento e a maturação do intestino.
tadas pelo seio. Quanto menor for a • Proteína
criança, maior será a proteção do lei- - As proteínas, macromoléculas e
te materno contra mortes infantis; fon­te de aminoácidos, são os prin­
• A amamentação previne mortes em ci­pais nutrientes construtores, além
crianças de menor nível socioeconô- de serem essenciais para a sín­tese
mico. Mesmo nos países desenvolvi- de hormônios, enzimas e an­ti­cor­
dos, o aleitamento materno previne pos. Po­dem ser divididas em duas
mortes infantis. classes principais: proteínas do so­
ro, as lactalbuminas (60%), e ca­seí-
Aspectos nutricionais nas (40%);
O LM atende às necessidades nutricio- - As concentrações da caseína e das
nais proporcionando um perfeito cresci- proteínas do soro mudam durante
mento e desenvolvimento da criança. a lactação. As concentrações de
proteínas do soro são bastante al-
Composição tas, principalmente devido à IgA
• Colostro: secretória e lactoferrina, no início
- Contém mais proteínas e menos da lactação, enquanto a caseína
gordura no RN a termo do que é praticamente indetectável nos
no leite maduro, em que a lacto- primeiros dias. Com o aumento
se é o componente de maior con- da produção do leite, há também
centração; aumento da síntese da caseína, e
- No prematuro, as proteínas e os li- a concentração das proteínas do
pídeos estão em maior proporção soro diminui parcialmente, devido
SEÇÃO 2 152

ao maior volume de leite, que pas- - Funções: mielinização dos neurô-


sa a ser produzido. Não há uma nios e da retina; saúde cardiovas-
proporção fixa de proteínas do so- cular e imunológica; formação
ro em relação à caseína. Ela varia de prostaglandinas, tromboxanos
durante a lactação, como também e leucotrienos; crescimento, re-
varia durante a lactação o teor de produção, digestão e integridade
aminoácidos; da pele.
- Funções: as proteínas do LM são • Carboidratos
multifuncionais: antimicrobianas, - Componentes: oligossacarídeos
anti-inflamatórias, antioxidantes, (~12%), lactose (~87%) e monos­sa­
fa­to­res de crescimento, fonte de ca­rí­deos (~1%);
aminoácidos e fatores de cresci- - Lactose:
­mento. * Carboidrato mais abundante do
• Gorduras LM;
- Fornecem 50% das calorias do LM; * Funções: fonte de energia, for-
- Fonte de colesterol, ácidos graxos nece 40% da energia do leite ma-
(AG) essenciais: ácidos linoleico e li- terno, além de auxiliar na absor-
nolênico e vitaminas lipossolúveis; ção de minerais, como cálcio;
- AG, na maioria, são de cadeia lon- * Biossíntese: durante a gestação,
ga, 50% saturados (ácido palmíti- o elevado nível de progesterona
co) e 50% insaturados; inibe a expressão da alfa-lactal-
- AG poli-insaturados de cadeia lon- bumina, que neutraliza o efeito
ga (LC-PUFAS): da prolactina. Já na segunda me-
* Ácidos Linoleico (ω-6) e seus tade da gestação, há um aumen-
derivados (ácido araquidônico, to drástico da prolactina. No par-
ácido palmítico e ácido oleico); to, há queda da progesterona e a
* Ácidos Linolênico (ω-3) e seus prolactina induz a expressão da
metabólitos (ácido eicosapen- alfa-lactoalbumina, estimulan-
taenoico e ácido docosa-hexae- do a produção do leite;
noico – DHA); * Variação: durante a lactação,
- As concentrações variam durante o aumenta nos primeiros dias e
dia (diminuem à noite), durante a se estabiliza após o 30º dia, pois
lactação (o colostro tem menor con­- é importante para a manuten-
centração em relação ao leite ma- ção da pressão oncótica do LM.
duro) e durante a mamada (o leite Durante a mamada, há uma
posterior é mais rico em gorduras); redução atribuída ao aumento
Aleitamento materno 153

da gordura. A concentração de redução do pH no lúmen intestinal,


lactose é semelhante durante o que favorece a proliferação de bac-
dia e entre as mamas. Variações térias probióticas “Bifi­do­bac­téri­as”
com estado nutricional, dieta e e desfavorece as bactérias pató­-
idade são inconsistentes, já que genas;
os estudos utilizam diferentes - Efeito antiadesivo: inibe infecções
métodos de análise; e diarreia;
* Metabolismo: a lactose é hidro- - HMO (Human Milk Oligossaccha-
lisada em galactose e glicose pe- ­rides):
la lactase, que são, então, reab- * É a terceira fração mais abun-
sorvidos. A glicose é a principal dante do LM após a lactose e os
fonte de energia na maioria das lipídeos;
células, e a galactose pode ser * Variação: a concentração é mai­
convertida em glicose no fíga- or no colostro do que no LM
do. Uma pequena quantidade maduro, como também o lei-
de lactose chega ao cólon intes- te do prematuro possui maior
tinal e é metabolizada por mi- quantidade do que no LM de
cro-organismos, sobretudo do recém-nascido a termo. Há va-
gênero Lactobacilos, produzin- riação na concentração e na
do ácido láctico, reduzindo o pH composição dos HMOs entre as
do lúmen intestinal, desta for- mulheres (genética), dieta, es-
ma, promovendo a proliferação tado nutricional, estilo de vida,
de bactérias probióticas, como diversidade social e ambiental;
o Bifidobacterium, e desfavore- * Função: praticamente não são
cendo o crescimento de bacté- digeridos e absorvidos pelo tra-
rias potencialmente patógenas. to gastrointestinal. Eles chegam
Efeito prebiótico, antiadesivo e ao cólon intactos, onde atuam
modulador da resposta celular direta ou indiretamente sobre a
do epitélio intestinal. modulação da microbiota intes-
- Efeito prebiótico: no intestino tinal, exercendo efeito prebióti-
delgado, a lactose é hidrolisada co, efeito antiadesivo, modulan-
pela lactase e absorvida, mas do a resposta celular do epitélio
parte dela chega ao cólon e é intestinal e também exercendo
metabolizada por micro-organis- uma função essencial no desen-
mos Lactobacillus, com produção volvimento do sistema imunoló-
do ácido lático, promovendo a gico da criança.
SEÇÃO 2 154

- Minerais: suficientes para a mineralização


* O leite materno possui ade- óssea adequada;
quação perfeita em relação aos - Ferro: tem concentração maior no
minerais. A concentração é três colostro e quantidade baixa em
vezes mais baixa do que o leite valor absoluto no leite materno,
de vaca, não leva à sobrecarga no entanto, suficiente pela eleva-
renal de solutos e nem à reten- da biodisponibilidade decorrente
ção de metabólitos. O colostro do menor conteúdo de proteínas
tem maior conteúdo mineral do e fósforo e dos maiores níveis de
que o leite maduro e é suficien- lactose e vitamina C no leite hu-
te para a nutrição da criança. Os mano;
macrominerais do leite humano - O RN pré-termo tem baixo depósi-
são sódio, potássio, cálcio, mag- to de ferro, agravado pelas perdas
nésio e fósforo, entre outros; e os por inúmeras coletas sanguíneas
microelementos são cobre, selê- com depleção deste mineral, sen-
nio, cobalto, iodo, flúor, molib- do importante o incentivo do leite
dênio, cromo, ferro, zinco e ou- materno neste grupo de crianças.
tros. O fator mais importante na • Vitaminas
concentração destes elementos - A concentração do conteúdo vita-
é o tempo de lactação, o sódio e mínico do leite materno sofre va-
o cloro diminuem com o passar riação devido a numerosos fatores,
dos meses, enquanto o potássio, sendo o mais importante o estado
o cálcio, o fósforo e o magnésio nutricional materno. Nas mães,
se elevam. A quantidade destes que recebem oferta baixa de vita-
elementos é suficiente para o minas na dieta, os seus níveis lác-
crescimento adequado, sem si- teos são reduzidos e respondem à
nais de deficiência ou alterações suplementação. O contrário é ob-
esqueléticas na criança em alei- servado nas que recebem oferta
tamento exclusivo; adequada e são menos responsi-
- A Academia Americana de Pedia­ vas à suplementação;
tria e a ESPGHAN recomendam a - As vitaminas hidrossolúveis têm
suplementação rotineira de cálcio concentração menor no colostro e
e fósforo nos recém-nascidos pre- aumentam com a lactação, exceto
maturos de muito baixo peso que a B2 (riboflavina), que possui nível
recebem leite materno, pois os elevado no início da lactação e de-
teores destes elementos não são cai no decorrer da gestação;
Aleitamento materno 155

- As vitaminas lipossolúveis têm ou bacteremia (brucelose, infecções


maior quantidade no colostro, so- pelo Estreptococo B, Estafilococo
frendo queda progressiva no de- Áureo, Hemófilo B, Pneumococo, Me­-
correr da lactação e refletindo nos ­­nin­gococo): interromper por 24 a
depósitos vitamínicos maternos, 96 horas.
resultantes dos padrões dietéticos • Covid-19: ainda não existem evidên-
anteriores e do atual. cias de transmissão do SARS-CoV-2
por meio da amamentação, deven-
do ser mantido e estimulado o alei-
BENEFÍCIOS PARA A MÃE
tamento materno. A amamentação
• Menor risco de câncer de mama,
é indicada e não está contraindica-
ovário e útero;
da em nenhuma situação clínica de
• Método anticonceptivo e maior in-
Covid-19, desde que a parturiente se
tervalo entre as gestações;
encontre em condições satisfatórias
• Menor risco de diabetes mellitus
de saúde e assim o deseje. Levando-
tipo 2: por melhor homeostase da
se em conta que os benefícios do
glicose nas lactantes;
aleitamento materno superam, em
• Menor incidência de hipertensão ar-
muito, os riscos da Covid-19 nessa
terial sistêmica, doença coronariana,
população, a manutenção da ama-
obesidade e doença metabólica, os-
mentação é recomendada e deve ser
teoporose, artrite reumatoide e fra-
orientada, independentemente de a
tura de quadril;
mãe ser assintomática, ter suspeita
• Menor incidência de depressão
ou confirmação de Covid-19. Neste
pós-parto;
contexto é importante destacar que
• Menor risco de recaída de esclerose
medidas de prevenção deverão ser
múltipla;
adotadas, como a higienização das
• Involução uterina mais acelerada no
mãos antes e entre as mamadas, e
pós-parto;
o uso de máscara cirúrgica pela
• Redução da hemorragia no pós-parto;
lactante durante todo o tempo. Em
• Recuperação física por perda de pe-
casos documentados de possíveis
so mais rápida após o parto.
contaminações de recém-nascidos,
não ficou evidente se a transmissão
CIRCUNSTÂNCIAS MATERNAS QUE foi via transplacentária ou pós-na-
CONTRAINDICAM A AMAMENTAÇÃO tal. Algumas evidências recentes
• Infecções graves invasivas: meningi- sugerem que a transmissão vertical
te, osteomielite, artrite séptica, sepse possa ocorrer. Porém, não é clara a
SEÇÃO 2 156

proporção de gestantes afetadas e o culínico e seja considerada aba-


significado para o RN. cilífera. Nestes casos, o RN deve
• Tuberculose receber isoniazida.
- Mulheres abacilíferas ou tratadas • Mastite/Abcesso: não suspender a
por duas ou mais semanas antes amamentação. Em casos de rompi-
do nascimento não devem inter- mento para o sistema ductal, sus-
romper o aleitamento e seus RNs pender temporariamente na ma-
devem receber a vacina BCG logo ma afetada, mantendo a ordenha
após o nascimento; desta e a amamentação na mama
- Mulheres com sintomas clínicos contralateral.
e radiológicos devem restringir o • Hanseníase Contagiosa (Virchowia­
contato com a criança e oferecer na): se a lactante estiver realizando
o leite ordenhado com coleta, se- o tratamento corretamente, não há
guindo as normas de higiene; contraindicação para a amamenta-
- Nas primeiras duas semanas de ção. O RN deve receber a BCG e o
terapia, a mãe deve amamentar tratamento para hanseníase. Forma
com máscara e deve-se fazer o não contagiosa: não contraindica a
uso profilático para o recém-nas- amamentação, no entanto, a crian-
cido com isoniazida (10 mg/kg/ ça deve ser avaliada periodicamen-
dia) até 3-4 m e, então, realizar o te para a detecção precoce de sinais
Teste Tuberculínico. Se o teste for clínicos da doença.
negativo, suspender a isoniazida e • Gestação
aplicar a BCG; se o teste for positi- - Não é contraindicação para a ama­-
vo, pesquisar se a criança contraiu mentação. A gestante pode con-
a doença. Caso a criança esteja tinuar amamentando se assim
doente, iniciar o tratamento e fa- desejar e se a gravidez for normal.
zer acompanhamento mensal; Deve-se aumentar o aporte calóri-
- Mulheres resistentes às multidro- co e de fluidos;
gas, afastar o RN e oferecer o leite - Muitas crianças interrompem a
ordenhado; amamentação espontaneamen-
- Mulher com mastite por Myco­ te durante a nova gravidez. Em
bacterium tuberculosis deve des- outros casos, a gestante toma a
continuar o aleitamento e manter decisão de desmamar. O desma-
a ordenha, para não haver redu- me pode ocorrer por aumento da
ção da produção láctea, até que sensibilidade dos mamilos; altera-
receba o tratamento antitu­
ber- ções hormonais da gestação, que
Aleitamento materno 157

podem causar fadiga e sonolên- a amamentação na mama contrala-


cia; queda da produção; alteração teral. O leite ordenhado da mama
do gosto do leite; e perda do espa- afetada deve ser descartado.
ço destinado ao colo. A ameaça de • Malária: não contraindica, assim
parto prematuro é indicação para como os fármacos utilizados no tra­-
interromper a amamentação, pois tamento.
a sucção também estimula a con- • Doença de Chagas: contraindica-
tração uterina. ção na fase aguda ou lesão mamilar
• Diarreia: não contraindica o AM. com sangramento.
• Brucelose: iniciar o tratamento an- • Hepatite A: se o parto ocorrer na
timicrobiano e interromper o aleita- fase aguda, o RN recebe a imunoglo-
mento por 72 a 96 horas. Durante o bulina humana e não se interrompe
período de interrupção, o LM pasteu- o AM.
rizado poderá ser oferecido à crian- • Hepatite B: na mãe HBsAg positiva,
ça. Com a melhora clínica, a ama- o RN deve receber a imunoglobuli-
mentação deverá ser restabelecida. na específica para hepatite B e a va-
• Listeriose: não contraindica. Nas cina nas primeiras 12 horas de vida,
mulheres com quadros graves, in- e não interromper o AM.
terromper na fase aguda tempora- • Hepatite C: não contraindica a
riamente, podendo ser usado o leite amamentação. As mães infectadas
materno ordenhado cru. devem ser encorajadas a amamen-
• Leptospirose: interromper tempo- tar. Nos casos em que a mãe infec-
rariamente na fase aguda, e ofe- tada tenha lesão mamilar ou na
recer o leite materno ordenhado aréola com sangramento, deve-se
pasteurizado. suspender o AM temporariamente
• Coqueluche: iniciar antibioticotera- na mama afetada até a cicatrização
pia para o RN e a mãe, suspender o completa.
aleitamento por cinco dias e reco- • HTLV 1 e 2: contraindicam o AM.
mendar o uso de máscara e restrição • HIV: contraindica o AM.
de contato com o RN. O leite orde- • Citomegalovirose: não existe con-
nhado cru também pode ser usado. senso quanto ao limite de idade
• Sífilis: na existência de lesão primá- gestacional para o maior risco de
ria/secundária na aréola/mamilo há transmissão do citomegalovírus via
contraindicação temporária até a leite materno, que é rara. No en-
cicatrização das lesões, mediante o tanto, para a Academia Americana
uso de antibiótico sistêmico. Manter de Pediatria (AAP), os riscos e os
SEÇÃO 2 158

benefícios do uso do leite materno uso criterioso durante a amamenta-


cru devem ser considerados nos RNs ção, pois é excretada no leite mater-
com peso inferior a 1.500 g. no em quantidades significativas. A
• Herpes: não contraindica, exceto se Sulfadiazina também se apresenta
houver lesões mamilares ativas. como uso criterioso durante a ama-
• Portadoras de Distúrbios da Cons­ mentação, pois não há dados sobre
ciência ou de Comportamento sua segurança para uso durante o
Grave: contraindica o AM. período da lactação. Por isso, o mé-
• Varicela: a AAP recomenda para as dico deve escolher a forma de trata-
mães que desenvolveram varice- mento que seja a melhor para a mãe
la 5 dias antes e até 2 dias após o e o bebê.
parto, não afastar o bebê e adminis- • Febre Amarela: a manutenção do
trar uma dose de imunoglobulina aleitamento ou o uso do LM orde-
varicela-zoster, caso esta não esteja nhado dependerá da condição de
disponível, usar a imunoglobulina saúde materna durante a doença;
intravenosa. suspender na fase aguda ou, ao me-
• Infuenzae pelo vírus H1N1: reco- nos, por quatro dias, sendo esta uma
menda-se manter o aleitamento com precaução razoável.
medidas de higiene e uso de más- • Vacina contra a Febre Amarela: a
cara. vacina contra a febre amarela não
• Candidíase: manter o aleitamento e está indicada para as mulheres que
o uso do tratamento tópico e sistê- estejam amamentando crianças
mico, dependendo do caso. com até seis meses de idade, inde-
• Toxoplasmose: a toxoplasmose ma- pendentemente do estado vacinal,
terna não contraindica a amamenta- devendo ser adiada até a criança
ção, uma vez que não há nenhuma completar seis meses de vida. Na
evidência de que a toxoplasmose impossibilidade de adiar a vacina-
possa ser transmitida através do lei- ção, como em situações de emer-
te materno. Todas as drogas apresen- gência epidemiológica, vigência de
tam uma categoria de risco quando surtos, epidemias ou viagem para
usadas durante a lactação, e com as área de risco de contrair a doença, o
medicações usadas no tratamento médico deverá avaliar o risco/bene-
da toxoplasmose não é diferente. A fício da vacinação. Em caso de mu-
Espiramicina e o ácido fólico são lheres que estejam amamentando e
compatíveis com a amamentação, já receberam a vacina contra a febre
a Pirimetamina é classificada como amarela, o aleitamento materno
Aleitamento materno 159

deve ser suspenso por 10 dias após • Bebidas alcoólicas: o consumo even-
a vacinação. tual moderado de álcool (um cálice
• Uso de fármacos: a interrupção da de vinho ou duas latas de cerveja)
amamentação apenas deveria ocor- é considerado compatível com a
rer quando a mãe necessita utilizar amamentação. Sugere-se que a mãe
um fármaco contraindicado e para amamente antes do consumo de
o qual não haja substituto. Contudo, bebidas alcoólicas e espere três ou
o uso da maioria dos medicamentos 4 horas após beber para amamentar
não contraindica a amamentação. novamente.
Acesse o manual “Amamentação e • Tabagismo: não é recomendado
uso de medicamentos e outras subs- manter o tabagismo durante a ama-
tâncias”, do Ministério da Saúde, pa- mentação. Contudo, quando a mãe
ra saber quais são os medicamentos não consegue parar de fumar, é re-
que exigem a interrupção do AM. comendado manter a amamentação.
• Drogas ilícitas: é necessária uma Acredita-se que os benefícios do lei-
análise individual para avaliar o be- te materno para a criança superem
nefício e o risco da amamentação e a os possíveis malefícios da exposição
capacidade da mãe de cuidar do be- à nicotina via leite materno.
bê. Mães usuárias ocasionais de an-
É importante ressaltar que o álcool e o cigar-
fetaminas, ecstasy ou cocaína devem
ro podem diminuir a produção, modificar
ser orientadas a suspender a ama-
o odor e o sabor do LM, levando o bebê a
mentação, ordenhar e descartar o
recusá-lo.
leite por um período de 24 a 36 horas,
após o uso da droga. Depois desse
período pode-se reiniciar a amamen- CONDIÇÕES RELACIONADAS À CRIANÇA
tação. Quanto à maconha, há evidên- QUE CONTRAINDICAM A AMAMENTAÇÃO
cias insuficientes sobre sua relação • Galactosemia: absolutamente con-
com o aleitamento materno; há al- train­dicado;
guma evidência de que é excretada • Fenilcetonúria: necessita de monito-
pelo leite materno, mas seus efeitos ramento;
sobre a criança são desconhecidos. • Síndrome da urina de xarope do bor-
Portanto, também se orienta inter- do (leucinose): necessita de monito-
romper a amamentação, ordenhar e ramento;
descartar o leite por 24 horas, após o • Intolerância à glicose;
seu consumo. Depois desse período • Malformações fetais de orofaringe,
pode-se reiniciar a amamentação. esôfago e traqueia, cardiopatia e/ou
SEÇÃO 2 160

pneumonia grave e hiperbilirrubi- - A mamada obedece ao ciclo


nemia grave; sucção/deglutição/respiração.
• Alterações da consciência da crian- • Número de mamadas por dia: o nú-
ça de qualquer natureza; mero de mamadas variará de acordo
• Intolerância a algum componente com cada criança, pois a mama deve
do leite; ser ofertada sobre livre demanda, ou
• Malformações fetais orofaciais, que seja, em qualquer momento que a
não sejam compatíveis com alimen- mãe perceber que a criança mostra
tação oral, e enfermidades graves. sinais de fome, poderá ser ofertada.
Em geral, um bebê, em aleitamento
TÉCNICA ADEQUADA materno exclusivo, mama de 8 a 12
DE AMAMENTAÇÃO vezes ao dia.
A avaliação da mamada é fundamental • Duração das mamadas: o tempo
para a identificação e a prevenção de de permanência na mama deve ser
problemas na técnica de amamentação. aquele suficiente para que ocorra o
Alguns sinais de uma boa técnica po- esvaziamento por completo da ma-
dem ser observados pelos profissionais ma (pois este é um dos principais
de saúde, como: fatores de estimulação da produção
• Posição da criança: do leite), que varia para cada binô-
- Rosto da criança de frente para a mio mãe-bebê e entre as mamadas
mama; de um mesmo binômio (a depender
- Nariz na altura do mamilo; da fome do bebê etc.). O tempo de
- Corpo próximo ao da mãe; permanência na mama não deve ser
- Cabeça e tronco do RN alinhados; fixado, uma vez que o tempo neces-
- RN bem apoiado. sário para esvaziar uma mama varia
• Posição da mãe: para cada dupla mãe-bebê, além de
- Confortavelmente posicionada e sofrer influência da fome da criança,
relaxada. do intervalo transcorrido desde a úl-
• Pega: tima mamada e do volume de leite
- Aréola visível acima da boca; armazenado na mama, entre outros.
- Boca bem aberta; O mais importante é que a mãe dê
- Lábio inferior virado para fora; tempo suficiente à criança para
- Língua em forma de cálice ao re- esvaziar adequadamente a mama,
dor do mamilo; possibilitando que ela receba o leite
- Queixo da criança tocando a do final da mamada, que é mais ca-
mama; lórico e promove saciedade, maior
Aleitamento materno 161

espaçamento entre as mamadas, ga- • Alimentação da mãe (lactante):


nho de peso adequado e manuten- - O ato de amamentar consome
ção da produção de leite suficiente muitas calorias da nutriz, portan-
para atender às suas demandas. to, durante o período de amamen-
Portanto, recomenda-se amamenta- tação, costuma haver um aumen-
ção em livre demanda, de maneira to do apetite e da sede da mulher.
que a criança seja amamentada sem Por isso, é importante que ela se
restrições de horário e de tempo de alimente adequadamente e algu-
permanência na mama. Nos primei- mas orientações devem ser for-
ros meses, é normal que a criança necidas sobre uma alimentação
mame com frequência (em geral, apropriada: a) a dieta deve ser
um bebê em aleitamento materno variada, incluindo pães e cereais,
exclusivo mama de 8 a 12 vezes ao frutas, legumes, verduras e deri-
dia, pelo menos de 10 a 15 min em vados do leite e carnes; b) ingerir
cada mama) e sem horários regula- três ou mais porções de derivados
res. Muitas mães, principalmente as do leite por dia; c) consumir fru-
que estão inseguras ou com baixa tas e vegetais ricos em vitamina A
autoestima, costumam interpretar (cenoura, jerimum etc.); e d) cer-
esse comportamento normal como tificar-se de que a sede está sendo
sinal de fome do bebê, leite fraco ou saciada;
pouco leite, o que pode resultar na - Mulheres que amamentam não
introdução precoce e desnecessária precisam fazer nenhum tipo de
de suplementos. restrição alimentar. Não há evi-
• Duração do aleitamento materno: dência de que os alimentos inter-
os profissionais de saúde devem firam na amamentação. Também
estar atentos para oferecer orienta- não se recomenda restrição de lei-
ções adequadas, com o objetivo de te, ovos ou amendoim, pois não há
promover a manutenção do aleita- evidência que evitar esses alimen-
mento materno exclusivo até os seis tos diminua o risco de dermatite
meses de idade e prolongá-lo até os atópica na criança. A alimentação
dois anos de idade. da mulher que amamenta deve
• Uso de mamadeira e chupeta: o ser baseada em uma dieta saudá-
uso desses bicos artificiais deve ser vel e equilibrada. No entanto, ca-
evitado, pois eles podem confundir so ocorra algum efeito no lactente
a pega da criança na mama e atra- associado a certos componentes
palhar a amamentação. da dieta, pode-se indicar a prova
SEÇÃO 2 162

terapêutica: retirar o alimento da Manobras para aumentar e fortalecer


dieta por algum tempo e reintro- os mamilos durante a gravidez, como
duzi-lo, observando atentamente esticar os mamilos com os dedos, esfre-
a reação da criança. Caso os sinais gá-los com buchas ou toalhas ásperas,
e/ou sintomas da criança melho- não são recomendadas, pois na maio-
rarem com a retirada do alimento ria das vezes não funcionam e podem
e piorarem com a sua reintrodu- ser prejudiciais, podendo, inclusive,
ção, ele deve ser evitado. induzir ao trabalho de parto. Isso por-
• Retorno da mãe ao trabalho: que quando a mama é estimulada, o
- Orientar a mãe sobre a ordenha do organismo produz ocitocina, hormônio
leite, bem como sobre as formas que estimula a contração. E, para as
adequadas de armazenamen­to do mulheres que correm risco de aborto, o
lei­te (lei­te cru – não pasteuri­za­do – estímulo pode acarretar em parto pre-
po­de ser conservado em ge­ladeira maturo ou aborto.
por 12 horas e no freezer ou conge- O uso de conchas ou sutiãs com um
lador por 15 dias); orifício central para alongar os mamilos
- Orientar a mãe e os cuidadores também não tem se mostrado eficaz. A
para ofertar o leite à criança atra- maioria dos mamilos curtos apresenta
vés do copinho ou da colher; orde- melhora com o avanço da gravidez, sem
nhar a mama no trabalho, arma- nenhum tratamento. Os mamilos costu-
zenando o leite adequadamente mam ganhar elasticidade durante a gra-
para levá-lo para casa. videz e o grau de inversão dos mamilos
• Técnica inadequada: invertidos tende a diminuir em gravide-
- Bochechas encovadas; zes subsequentes. Nos casos de mamilos
- Ruídos da língua; planos ou invertidos, a intervenção logo
- Mama esticada e deformada; após o nascimento do bebê é mais im-
- Mamilo com estrias vermelhas ou portante e efetiva do que intervenções
esbranquiçado ou achatado; no período pré-natal.
- Dor ao amamentar. O uso de sutiã adequado ajuda na
sustentação das mamas, pois na gesta-
COMO PREPARAR AS MAMAS ção elas apresentam o primeiro aumen-
NA GESTAÇÃO to de volume.
A “preparação” das mamas para a ama- Expor as mamas ao sol por 15 min,
mentação, tão difundida no passado, pela manhã até às 10 horas, ou à tar-
não tem sido uma recomendação de de, após as 16 horas, ou ainda, banhos
rotina. A gravidez se encarrega disso. de luz com lâmpadas de 40 watts, a
Aleitamento materno 163

cerca de um palmo de distância são POLÍTICAS E PROGRAMAS DE


recomendados, porém o uso de sabões, PROTEÇÃO, PROMOÇÃO E APOIO
cremes ou pomadas nos mamilos deve AO ALEITAMENTO MATERNO
ser evitado. • Fortalecer o sistema de saúde hospi-
Considerando que a mulher passa talar e ambulatorial “Iniciativa Hos­
por um longo período de gestação até pi­tal Amigo da Criança”;
que possa concretamente amamentar • Consulta pediátrica da gestante no
seu filho, entende-se que o preparo para terceiro trimestre;
a amamentação deve ser iniciado ainda • Contato pele a pele na primeira hora
no período de gravidez. de vida;
No caso de gestante adolescente é • Programa de Alojamento Conjunto;
importante que a abordagem seja siste- • Licença-maternidade remunerada;
mática e diferenciada, por estar em eta- • Limitar o marketing de fórmulas in-
pa evolutiva de grandes modificações fantis: Código Internacional de Co­
corporais, que são acrescidas daquelas mer­cialização de Substitutos do LM
referentes à gravidez e que podem difi- (no Brasil temos a NBCAL);
cultar a aceitação da amamentação. • Semana Mundial de Aleitamento Ma-
É importante identificar os conheci- ­­terno – “Declaração de Innocenti”:
mentos, as crenças e as atitudes que a - Estabelece comitê nacional de
gestante possui em relação à amamen- coordenação da amamentação;
tação, que tipo de experiência tem ou - Implementar os “10 passos para o
se já vivenciou alguma vez a amamen- sucesso da amamentação” em to-
tação. É importante também oferecer às das as maternidades;
gestantes oportunidades de troca de ex- - Implementar o Código Interna­cio­
periências, por meio de reuniões de gru- nal de Comercialização dos Subs­-
po que objetivem informar as vantagens ­ti­tu­tos do LM e todas as resolu-
e o manejo para facilitar a amamenta- ções da Assembleia Mundial de
ção, outro atributo da Atenção Primária Saúde;
a Saúde. - Adotar legislação que proteja a mu-
Deve-se ainda fornecer orientação à lher que amamenta no trabalho.
mulher e aos familiares sobre o preparo • Campanhas de Aleitamento ma­
-
das mamas e a técnica do aleitamento terno:
materno, a fim de criar oportunidade - SBP: Departamento Científico de
para valorizar o método, favorecer a Aleitamento Materno;
adesão e prevenir obstáculos para a - Campanhas com o Ministério da
amamentação. Saúde;
SEÇÃO 2 164

- Simpósio de Amamentação du­ cia” da OMS e da UNICEF e, atual-


ran­te o Congresso Brasileiro de Pe­- mente, alinhada aos objetivos da
diatria. “Re­­de Cegonha”, encontra-se a IHAC,
• WABA, fundada em 1991: lançada em 1991. Tem como objetivo
- Acompanhar os compromissos as- favorecer a amamentação a partir
sumidos pelos países em prol da de práticas e orientações no período
amamentação; pré-natal, no atendimento à mãe e
- 1992: criou a Semana Mundial de ao recém-nascido ao longo do parto,
Aleitamento Materno para promo- durante a internação após o parto e
ver a “Declaração de Innocenti” e no retorno ao domicílio, com apoio
a amamentação; das UBS e a comunidade. Os “Hos­
- 4 critérios: informar, divulgar, en- pitais Ami­­gos da Criança” implan-
gajar e implementar as campanhas. tam os “Dez Passos para o Suces­so
• Estratégia Amamenta e Alimenta da Ama­men­tação” (OMS/UNICEF) e
Brasil (EAAB): tem como funda- cumprem critérios estabelecidos pe-
mentos a Rede Amamenta Brasil e a lo Mi­­nis­­tério da Saúde (Portaria nº
Estratégia Nacional para Promoção 1.153, de 22 de maio de 2014).
da Alimentação Complementar Sau­ • Bancos de Leite Humano (BLH): é
dável (ENPACS). Lançada em abril um centro especializado responsá-
de 2012 (portaria nº 1.920, de 5 de vel pela promoção do aleitamento
setembro de 2013), a ação busca, materno e a execução das ativida-
através da atuação de equipes da des de coleta, processamento e con-
Atenção Básica, a formação de há- trole de qualidade de colostro, leite
bitos alimentares saudáveis na in- de transição e leite humano madu-
fância, resultando não apenas nos ro, para posterior distribuição, sob
indicadores de consumo alimentar, prescrição do médico/nutricionista
mas prevenindo as carências nutri- (Portaria nº 2.193, de 15 de setem-
cionais, como a anemia, e a obesida- bro de 2006). O Brasil possui a maior
de na infância, por todo o curso da Rede de Bancos de Leite Humano
vida. A implantação dessa estratégia do Mundo.
no estado de São Paulo teve início • Método Canguru (MC): o “Método
em 2013. Can­guru – Atenção Humanizada ao
• Iniciativa Hospital Amigo da Cri­ Re­cém-Nascido de Baixo Peso” con-
ança (IHAC): inserida na “Estra­té­gia siste em promover o contato pele a
Global para a Alimentação de Lac­­ pele entre a mãe e o bebê, de for-
tentes e Crianças de Primeira In­fân­- ma gradual, possibilitando maior
Aleitamento materno 165

vínculo afetivo, estabilidade térmi- Cidadã”, que mediante incentivos


ca, estímulo à amamentação e ao fiscais propõe a ampliação da licen-
adequado desenvolvimento do be- ça-maternidade para 180 dias.
bê. As Normas de Orientações para • Salas de apoio à amamentação nas
a implantação do Método Can­guru empresas (SAA): as salas de apoio à
foram atualizadas com a publicação amamentação são espaços dentro
da Portaria nº 1.683, de 12 de julho da empresa em que a mulher, com
de 2007 (MS). O Hospital Gui­lherme conforto, privacidade e segurança,
Álvaro, em Santos/SP, foi o primei- pode esvaziar as mamas, armaze-
ro hospital brasileiro a implantar o nando seu leite em frascos previa-
Método Canguru e o estado de São mente esterilizados para, em outro
Paulo, em 2009, tinha em torno de momento, oferecê-lo ao seu filho.
70 maternidades com equipes ca- Esse leite é mantido em um free-
pacitadas para a implantação do zer a uma temperatura controlada
método. até o fim do dia, com uma etique-
• Proteção legal ao aleitamento ma- ta identificando o nome da mãe, a
terno: o Brasil possui legislações es- data e a hora da coleta. No fim do
pecíficas para proteger o aleitamen- expediente, a mulher pode levar seu
to materno. Dentre elas, destaca-se a leite para casa para que seja ofere-
“Norma Brasileira de Comercialização cido ao seu filho e, também, se de-
de Alimentos para Lactentes e sejar doá-lo para um Banco de Leite
Crianças de Primeira Infância, Bicos, Humano. A regulamentação dessas
Chupetas e Mamadeiras” (NBCAL), salas encontra-se na Nota Técnica
que tem por objetivo a regulamen- Conjunta nº 01/2010, da ANVISA e do
tação da promoção comercial e do Ministério da Saúde.
uso apropriado dos alimentos para • Semana Mundial da Amamentação
lactentes e crianças de primeira in- (SMAM): a campanha, comemora-
fância, bem como do uso de mama- da internacionalmente na primeira
deiras, bicos, chupetas e protetores semana de agosto desde 1992, tem
de mamilos (Lei n 11.265, de 3 de ja-
o
como objetivo incentivar as mães
neiro de 2006). Além disso, existem brasileiras a amamentar de forma
leis trabalhistas, como os direitos à exclusiva até o sexto mês de vida
licença-maternidade de 120 dias e à do bebê e os dois anos ou mais. A
licença-paternidade de cinco dias. A cada ano é desenvolvido um tema
Lei no 11.770, de 9 de setembro de para apoiar, promover e proteger a
2008, criou o programa “Empresa amamentação.
SEÇÃO 2 166

• Abordagem do AM nas consultas e leite “ruim”). Além disso, outras


visitas domiciliares: habilidades são propostas, com o
- Em geral, os profissionais de saú- objetivo de aumentar a confiança
de são treinados para procurar das mães e oferecer apoio efetivo
problemas e resolvê-los. Porém, frente aos problemas identifica-
é fundamental estabelecer uma dos. Para isso, é importante que
boa comunicação, o que significa os profissionais aceitem o que as
respeitar pensamentos, crenças e mães pensam e sentem e demons-
a cultura das mulheres e suas fa- trem reconhecimento pelo que es-
mílias. Essa abordagem, utilizada tão fazendo corretamente, através
para o apoio ao aleitamento mater- do elogio. Além disso, é importan-
no, é objeto de um curso da OMS te identificar as necessidades das
denominado “Aconselhamento em mães, oferecendo ajuda prática
Amamentação” e foi lançado no e informações relevantes para o
Brasil na década de 90 com o obje- momento, utilizando linguagem
tivo de aprimorar as habilidades de adequada ao seu entendimento.
comunicação dos trabalhadores de Por fim, é imprescindível que os
saúde que atendem mães e bebês; profissionais ofereçam às mães su-
- O aconselhamento é feito com gestões sobre o que fazer, sem dar
base em algumas habilidades de ordens ou impor soluções. Essas
comunicação, que estimulam os habilidades podem ser utilizadas
profissionais ao exercício da es- pelos profissionais de saúde em
cuta, como: utilizar comunicação todos os contatos com as mães, os
não verbal (prestar atenção à mãe bebês e as famílias, seja durante
e usar o toque apropriado); fazer as consultas, nas visitas domici-
perguntas abertas (evitar pergun- liares, ou até mesmo nos grupos,
tas cujas respostas sejam “sim” ou visando a aproximação e a forma-
“não”, utilizando, ao invés disso: ção de vínculos.
“como?”, “o que?” etc.); demons-
trar interesse (utilizar expressões, INDICAÇÕES PARA TRANSLACTAÇÃO
como “sei”, “continue” etc.); de- E RELACTAÇÃO
monstrar empatia (entender o que A translactação (leite da própria mãe)
o outro está sentindo) e evitar pa- e/ou relactação (fórmula/leite animal/
lavras que expressem julgamento leite humano pasteurizado) é o pro-
(por exemplo, o seu leite é “bom” cedimento utilizado para alimentar o
pode dar a entender que existe recém-nascido e estimular a lactação
Aleitamento materno 167

materna. A indicação pode ser por cau- exemplo: síndrome de Down). Para as
sas relacionadas ao recém-nascido ou mães, essa indicação ocorre nas seguin-
às mães. Para o recém-nascido, a indi- tes situações: descida tardia do leite,
cação é decorrente da sucção pouco pós-parto imediato, uso de medicamen-
eficiente do prematuro ou à condição to que dificulte a produção do leite, re-
que o impeça de fazer muito esforço tomada da amamentação, em casos de
(determinadas doenças neurológicas recém-nascidos adotados, ou uma ma-
ou cardíacas, hipotonia muscular, por ma menor que a outra.

REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério da Saúde – Secretaria de Inter­nacional em Defesa do Direito de Amamen­-
Atenção Primária à Saúde. Departamento tar – IBFAN Brasil. Brasília: Ministério da Saúde,
de Ações Programáticas Estratégicas. Coor­ 2010. Disponível em: http://189.28.128.100/
denação-Geral de Ciclos da Vida. Coordenação nutricao/docs/geral/caderno_do_tutor.pdf.
de Saúde da Criança e Aleita­mento Materno. Acesso em 22 dez. 2021.
Nota técnica nº 14/2020 – COCAM/CGCIVI/
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria da
DAPES/SAPS/MS – Aten­ção à saúde do recém-
Atenção à Saúde. Departamento de Ações
-nascido no contexto da infecção pelo novo
Programáticas e Estratégicas. Amamentação
coronavírus (Sars-CoV-2). Brasília: Ministério
e uso de medicamentos e outras substâncias.
da Saúde, 2020. Disponível em: https://eges
2ª ed. Brasília: Editora do Ministério da Saúde,
torab.saude.gov.br/image/?file=20200805_
2014. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.
N_NotaTecnicaCovidCocam14_3588521282
br/bvs/publicacoes/amamentacao_uso_me-
864535759.pdf. Acesso em 22 dez. 2021.
dicamentos_outras_substancias_2edicao.pdf.
BRASIL. Ministério da Saúde Secretaria de Acesso em 22 dez. 2021.
Atenção Primária à Saúde. Departamento de BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de
Ações Programáticas Estratégicas. Coorde­ Atenção à Saúde. Departamento de Ações
nação-Geral de Ciclos da Vida. Coordenação Programáticas Estratégicas. A legislação e
de Saúde da Criança e Aleitamento Materno. o marketing de produtos que interferem na
Nota técnica nº 15/2020 – COCAM/CGCIVI/ amamentação: um guia para o profissional
DAPES/SAPS/MS. Bra­sília: Ministério da Saú­ de saúde. Brasília: Editora do Ministério
de, 2020. Disponível em: https://egestorab. da Saúde, 2009. Disponível em: https://bvs
saude.gov.br/image/?file=20200805_N_ ms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/legislacao_
NotaTecnicaCovidCocam15_8045946382474 marketing_produtos_amamentacao.pdf.
299533.pdf. Acesso em 22 dez. 2021. Acesso em 22 dez. 2021.

BRASIL. Ministério da Saúde. ENPACS: Estra­- BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de


tégia Nacional para Alimentação Com­plemen­- Atenção à Saúde. Departamento de Ações
tar Saudável: Caderno do Tutor. Rede Programáticas Estratégicas. Atenção huma­-
SEÇÃO 2 168

nizada ao recém-nascido de baixo peso: Mé­ Vigilância Epidemiológica. Coordenação


todo Canguru: manual técnico. 2ª ed., 1ª Geral do Programa Nacional de Imunizações.
reimpr. Brasília: Editora do Ministério da Nota técnica nº 05/2010/CGPNI/DEVEP/SVS/
Saúde, 2013. Disponível em: https://bvsms. MS – Recomendação da Vacina Febre Ama­
saude.gov.br/bvs/publicacoes/atencao_hu- rela VFA (atenuada) em mulheres que estão
manizada_recem_nascido_canguru.pdf. amamentando. Brasília: Ministério da Saúde,
Acesso em 22 dez. 2021. 2010. Disponível em: https://rblh.fiocruz.br/
sites/rblh.fiocruz.br/files/usuario/80/nota_
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de
tecnica_05_2010_12_fev1.pdf. Acesso em 22
Atenção à Saúde. Departamento de Atenção
dez. 2021.
Básica. Dez passos para uma alimentação sau-
dável: guia alimentar para crianças menores de BUTTE, N. F.; STUEBE, A. Maternal nutrition
dois anos: um guia para o profissional da saú- during lactation. Waltham (MA): UpToDate,
de na atenção básica. 2ª ed., 2ª reimpr. Brasília: Inc.; 2018. Disponível em: https://www.upto-
Ministério da Saúde, 2015. Disponível em: date.com/contents/maternal-nutrition-durin-
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/ g-lactation. Acesso em 22 dez. 2021.
guia_dez_passos_alimentacao_saudavel_2ed.
CARDOSO, E. C.; FERNANDES, R. A. Q. Situ­
pdf. Acesso em 22 dez. 2021.
ações maternas impeditivas do aleitamento
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria materno: uma revisão bibliográfica. Revis­ta
de Atenção Primária à Saúde. Nota técni- Saúde-UNG-Ser, v. 7, nº 1-2, p. 50-56. Gua­ru­
ca nº 10/2020-COCAM/CGCIVI/DAPES/SAPS/ lhos, 2014. Disponível em: http://revistas.ung.
MS – Atenção à saúde do recém-nascido no br/index.php/saude/article/view/1372/1315.
contexto da infecção pelo novo coronavírus Acesso em 22 dez. 2021.
(SARS-CoV-2). Brasília: Ministério da Saúde,
CHUANFANG, L.; YAN, G.; JESPER, B.; BOXALL,
2020. Disponível em: https://rblh.fiocruz.br/
H. E.; GLUUD, C. Hepatitis B immunisation for
sites/rblh.fiocruz.br/files/usuario/80/notatec-
newborn infants of hepatitis B surface anti-
nica102020cocamcgcividapessapsms_003.
gen-positive mothers. Cochrane Database of
pdf. Acesso em 22 dez. 2021.
Systematic Reviews. In: The Cochrane Library,
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vi­- Issue 3, Art. No. CD004790. Disponível em:
gilância em Saúde. Coordenação-Geral de De­ http://cochrane.bvsalud.org/doc.php?db=re-
sen­volvimento da Epidemiologia em Serviços. views&id=CD004790. Acesso em 22 dez. 2021.
Guia de Vigilância em Saúde. Volu­me único
DONVANA, S. M.; COMSTOCK, S. S. Os oligossa-
[recurso eletrônico]. 3ª ed. Brasília: Ministério
carídeos do leite humano influenciam a imu-
da Saúde, 2019. Dispo­nível em: https://bvsms.
nidade da mucosa gastrointestinal e sistêmi-
saude.gov.br/bvs/publicacoes/guia_vigilancia_
ca dos neonatos. Anais Nestlé, v. 74, n. 3, 2019,
saude_3ed.pdf. Acesso em 22 dez. 2021.
p. 42-51. MI: East Lansing, 2019. Disponível em:
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de https://brazil.nestlenutrition-institute.org/pu
Vigilância em Saúde. Departamento de blicacoes/publicacoes-internacionais/publi
Aleitamento materno 169

cacoes/details/os-oligossacarideos-do-leite- LEITE, G. Z. Z. Dinâmica da composição do


-humano-influenciam-a-imunidade-da-mu- leite humano e suas implicações clínicas.
cosa-e-sistemica-dos-neonatos. Acesso em 22 LEITE, G. Z. A.; TONON, M. K.; ARAÚJO, A. L.;
dez. 2021. MORETZSOHN, A. M.; FEFERBAUM, R. São
Paulo: ILSI Brasil – International Life Sciences
DUNCAN, B. B.; SCHMIDT, M. I.; GIULIANI, E. R.
Institute do Brasil (Série de publicações ILSI
J. Medicina ambulatorial: condutas de aten-
Brasil: força-tarefa de nutrição da criança, v.
ção primária baseadas em evidências. 4ª ed.
8), 2018.
Porto Alegre: Artmed, 2013.
MINISTÉRIO DA SAÚDE – Secretaria de aten-
FEDERAÇÃO BRASILEIRA DAS ASSOCIAÇÕES
ção à Saúde – Departamento de Atenção Bá­
DE GINECOLOGIA E OBSTETRÍCIA – Febrasgo.
sica. SAÚDE DA CRIANÇA – Aleitamento Ma­
Inibição da lactação: quando e como fazê-
terno e Alimentação Complementar. 2ª ed.
-la? São Paulo, 2018 [Internet]. Disponível
Cadernos de Atenção Básica, nº 23. Brasília –
em: https://www.febrasgo.org.br/pt/noticias/
DF, 2015.
item/308-inibicao-da-lactacao-quando-e-co-
mo-faze-la. Acesso em 22 dez. 2021. MITSUKA-BREGANÓ, R.; LOPES-MORI, F. M.
R.; NAVARRO, I. T. (Orgs.). Toxoplasmose
FEDERAÇÃO BRASILEIRA DE ASSOCIAÇÕES
adquirida na gestação e congênita: vigilân-
DE GINECOLOGIA E OBSTETRÍCIA – Febrasgo.
cia em saúde, diagnóstico, tratamento e
Protocolo de atendimento no parto, puerpé-
condutas [online]. Londrina: EDUEL, 2010.
rio e abortamento durante a pandemia da
Toxoplasmose, p. 1-5. ISBN 978-85-7216-676-8.
Covid-19. CNE de Assistência ao Parto, Puer­
Available from SciELO Books. Disponível em:
pério e Aborto da Febrasgo. São Paulo, 2020.
http://books.scielo.org/id/cdtqr/pdf/mitsu-
Disponível em: https://www.febrasgo.org.br/
ka-9788572166768-03.pdf. Acesso em 22 dez.
en/covid19/item/1028-protocolo-de-atendi-
2021.
mento-no-parto-puerperio-e-abortamento-
-durante-a-pandemia-da-covid-19. Acesso em ONG, P. T. Nutrição no início da vida, epige-
22 dez. 2021. nética e prevenção das doenças crônicas não
transmissíveis: uma janela de oportunida-
KING, F. S. Como ajudar as mães a amamen-
des para pediatras/Thomas Prates ONG. São
tar. 4ª ed. Brasília: Ministério da Saúde, 2001.
Paulo: ILSI Brasil – International Life Sciences
Disponível em: https://www.sbp.com.br/file
Institute do Brasil, 2018.
admin/user_upload/2012/12/cd03_13.pdf.
Acesso em 22 dez. 2021. SOCIEDADE BRASILEIRA DE IMUNIZAÇÕES.
Nota técnica sobre Febre Amarela, abril/2017.
LAURSEN, M. F.; SAKANAKA, M.; VON BURG,
N. et al. Bifidobacterium species associated SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. De­
with breastfeeding produce aromatic lactic par­tamento Científica de Aleitamento Ma­ter­
acids in the infant gut. Nat Microbiology, v. 6, no (2019-2021). Guia prático de aleitamento
p. 1367-1382, 2021. materno., novembro/2020.
SEÇÃO 2 170

SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. De­ SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. Depar­


partamento Científico de Aleitamento Ma- tamento Científico de Aleitamento Mater­no.
­terno. Guia Prático de Atualização. Doenças Uso de medicamentos e outras substâncias pe-
maternas infecciosas e amamentação. Rio de la mulher durante a amamentação [Internet].
Janeiro: SBP, 2017, p. 18. Rio de Janeiro: SBP, 2017, p. 18. Disponível
em: https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_
SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. De­
upload/Aleitamento_-__Uso_Medicam_du-
par­tamento Científico de Aleitamento Mater­
rante_Amament.pdf. Acesso em 22 dez. 2021.
no. O aleitamento materno nos tempos de
Covid-19! Nota de alerta nº 9, março 2020, p. TADDEI, C. Microbiota no início da vida.
4. Disponível em: https://www.sbp.com.br/im TADDEI, R. C.; FEFERBAUM, R. São Paulo: ILSI
prensa/detalhe/nid/o-aleitamento-materno-nos- Brasil – International Life Sciences Institute
tempos-de-covid-19/. Acesso em 22 dez. 2021. do Brasil, 2017.
C AAPÍTULO
PÍTULO x2

Alimentação na infância
e na adolescência

Maria Márcia Nogueira Beltrão

CONCEITO QUAIS SÃO OS GRUPOS


MAIS VULNERÁVEIS?
“A alimentação adequada e saudável é um
direito humano básico que envolve a ga- A alimentação tem papel fundamental
rantia ao acesso permanente e regular, de em todas as etapas da vida, de modo es-
forma socialmente justa, a uma prática ali-
pecial nos primeiros anos de vida, que
mentar adequada aos aspectos biológicos
e sociais do indivíduo e que deve estar em são decisivos para o crescimento e o de-
acordo com as necessidades alimentares senvolvimento, para a formação de há-
especiais; ser referenciada pela cultura ali- bitos alimentares e para a manutenção
mentar e pelas dimensões de gênero, raça
da saúde.
e etnia; acessível do ponto de vista físico
e financeiro; harmônica em quantidade e
qualidade, atendendo aos princípios da va-
IMPORTÂNCIA DO ASSUNTO
riedade, do equilíbrio, da moderação e do Os primeiros mil dias do ciclo da vida
prazer e baseada em práticas produtivas
que correspondem as 40 semanas de
adequadas e sustentáveis” (BRASIL, 2016).
gestação iniciadas na concepção (270
A avaliação nutricional é uma ferra- dias), somadas aos dois primeiros anos
menta importante para o acompanha- de vida (730 dias), constituem um pe-
mento do crescimento da criança, do ríodo fundamental para que a criança
diagnóstico dos distúrbios nutricionais tenha condições de atingir o seu po-
e da determinação do risco de doenças tencial máximo de crescimento e de
crônicas não transmissíveis, devendo desenvolvimento na vida adulta. É um
ser realizada rotineiramente na consul- período extremamente importante no
ta e na internação pediátricas. desenvolvimento da criança e marcado
SEÇÃO 2 172

por intenso contraste entre oportuni- Doenças Crônicas Não Transmissíveis


dade e vulnerabilidade. Várias pesqui- (DCNT), durante a fase de vida adulta,
sas nos campos das neurociências, do como obesidade, diabetes, dislipide-
desenvolvimento infantil e da epige- mia, hipertensão arterial e síndrome
nética1 demonstram que nutrição, con- metabólica, e, ainda, alguns tipos de
vivência humana, ambiente emocional câncer.
e estimulação adequada proporcionam
uma janela única de oportunidades DOZE PASSOS PARA UMA
para a formação e o desenvolvimento ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL
de mentes saudáveis, com enorme ca- Orientações resumidas para amamentar
pacidade de transformação do mundo. e alimentar adequadamente a criança,
Recentemente, estudos em ciências do com dicas que abrangem também toda
cérebro demonstraram que a sensibi- a família (Guia Alimentar para Crianças
lidade às intervenções no desenvolvi- Menores de Dois Anos – Ministério da
mento cognitivo pode se estender até Saúde, 2019).
os cinco anos de idade, o que denota a 1. Amamentar até 2 anos ou mais, ofe-
necessidade de acréscimo de mais mil recendo somente o leite materno até
dias a esse período crítico, perfazendo 6 meses;
um total de dois mil e duzentos dias. 2. Oferecer alimentos in natura ou mi-
O cuidado adequado nos primeiros nimamente processados, além do
dois mil e duzentos dias (período que leite materno, a partir dos 6 meses;
engloba desde a pré-concepção até os 3. Oferecer água própria para o consu-
cinco anos de vida da criança) é capaz mo à criança em vez de sucos, refrige-
de impactar na redução da mortalida- rantes e outras bebidas açucaradas;
de, dos danos ao crescimento e do neu- 4. Oferecer a comida amassada quando
rodesenvolvimento da criança. É pos- a criança começar a comer outros ali-
sível também evitar as denominadas mentos, além do leite materno;

1 A epigenética representa um conjunto emergente de mecanismos, revelando como o ambiente,


incluindo alimentação e nutrição, está constantemente influenciando o genoma. Estudos mostram
ampla evidência de que fatores nutricionais e metabólicos, em fases iniciais do desenvolvimento
humano, têm efeito em longo prazo, na programação metabólica (programming) da saúde na vida
adulta, resultando em consequências para as funções fisiológicas. Durante o crescimento somático
e de compartimentos corporais (massa magra, gorda e óssea), os componentes da dieta e dos ali-
mentos são os principais fatores ambientais a influenciar as metilações no genoma humano, tendo
efeitos indiretos sobre a expressão gênica e proteica (mecanismo epigenético), que podem deter-
minar o aparecimento de doenças.
Alimentação na infância e na adolescência 173

5. Não oferecer açúcar e nem prepa- alimentos complementares e continuar


rações ou produtos que contenham com o a­ leitamento materno até os dois
açúcar à criança até 2 anos de idade; anos ou mais (Vide capítulo de Aleita­
6. Não oferecer alimentos ultraproces- men­to Materno).
sados para a criança; Alimentação complementar é o con-
7. Cozinhar a mesma comida para a junto de alimentos oferecidos durante o
criança e para a família; período de amamentação, além do lei-
8. Zelar para que a hora da alimentação te humano (OMS). O Departamento de
da criança seja um momento de ex- Nutrologia da SBP recomenda que essa
periências positivas, aprendizado e introdução seja feita, preferencialmen-
afeto junto à família; te, aos seis meses, quando os sistemas
9. Prestar atenção aos sinais de fome digestivo, renal e o desenvolvimento
e saciedade da criança e conversar neuropsicomotor estão plenamente ap-
com ela durante a refeição; tos (maturidade fisiológica) a receber
10. Cuidar da higiene em todas as eta- alimentos diferentes da alimentação
pas da alimentação da criança e da líquida que estava recebendo.
família; A maturidade fisiológica é carac-
11. Oferecer à criança uma alimentação terizada pelo desenvolvimento motor
adequada e saudável também fora global e sensoriomotor oral adequados.
de casa; A oferta da alimentação complementar
12. Proteger a criança da publicidade de deverá ser iniciada quando a criança
alimentos. apresentar sinais de prontidão:
• Manifestar excitação ao ver o ali­
-
DESENVOLVIMENTO mento;
Reconhecendo que o leite materno é o • Desaparecimento do reflexo de
padrão ouro para a alimentação da cri­­ extrusão ou protrusão da língua
an­ça, a Organização Mundial de Saú­­de (quando torna-se capaz de transpor-
(OMS) e a Sociedade Brasileira de Pe­ tar alimentos semissólidos para o
diatria (SBP) recomendam aleitamento fundo da boca e engoli-los);
materno exclusivo nos primeiros seis • Capacidade de sentar e ter controle
meses de vida. Neste período, o leite ma- neuromuscular para sustentar a ca-
terno é capaz de suprir todas as neces- beça e o tronco;
sidades de energia e outros nutrientes • Capacidade de segurar objetos com
para garantir o ótimo crescimento e o as mãos; e
de­senvolvimento da criança. A partir do • Capacidade de explorar estímulos
sexto mês, devem ser introduzidos os ambientais.
SEÇÃO 2 174

A introdução precoce da alimenta- aprendizagem e requer adaptação do


ção complementar aumenta a morbi- binômio mãe-filho. Essa fase constitui
mortalidade, diminui a duração do alei- um marco de fundamental importância
tamento materno, interfere na absorção para a formação de hábitos alimentares
de nutrientes, predispõe às reações para toda a vida.
alérgicas, ao aumento da carga de solu-
to renal e aos problemas futuros, como ETAPAS DE IMPLEMENTAÇÃO
DA ALIMENTAÇÃO
hipertensão arterial, diabetes, doença
cardiovascular e obesidade. A introdu-
Alimentação a partir dos
ção tardia está associada ao déficit de seis meses – peculiaridades
crescimento e ao risco de deficiências
de micronutrientes (principalmente, fer- Como oferecer a alimentação?
ro, zinco e vitamina A). O modo de alimentar as crianças é de-
Os alimentos complementares de- cisivo na formação do hábito alimentar,
vem prover os nutrientes necessários, sobretudo as estratégias que os pais/cui-
serem preparados de forma segura, cul- dadores usam para estimular a alimen-
turalmente aceitos, acessíveis econo­mi- tação. Nesse contexto, a alimentação
camente e agradáveis à criança. A mãe, responsiva merece destaque e tem como
ou cuidadora, precisa agir com afeto, princípios-chave:
demonstrar paciência e ter atitudes po- • Alimentar a criança pequena dire-
sitivas no processo de introdução de no- tamente e assistir as mais velhas,
vos alimentos. Este processo demanda quando elas já comem sozinhas;

Quadro 1. Esquema para introdução de alimentos complementares

Faixa etária Tipo de alimento

Até o 6o mês Leite materno exclusivo

Leite materno, iniciar frutas (amassadas ou raspadas) e a primeira papa principal


6o mês
(almoço ou jantar)

6o a 24o mês Leite materno complementado

7o a 8o mês Iniciar segunda papa principal (almoço ou jantar)

9o a 11o mês Passar gradativamente para a refeição da família, com ajuste da consistência

12o mês Comida da família – Observando a adequação dos alimentos consumidos pela família

Fonte: SBP (2021).


Alimentação na infância e na adolescência 175

• Alimentar lenta e pacientemente; • É papel do cuidador observar os si-


• Encorajar a criança a comer, mas nais de fome e saciedade da crian-
não forçá-la; ça e ser receptivo. Sinais de fome: a
• Se a criança recusar muitos alimen­ criança chora e se inclina para frente
tos, experimentar diferentes combi­ quando a colher está próxima, segura
na­ções de alimentos, de sabores, de a mão da pessoa que está oferecendo
texturas e de métodos de encora­ja­- a comida e abre a boca. Sinais de sa-
mento; ciedade: a criança vira a cabeça ou o
• Minimizar distrações durante as corpo, perde o interesse na alimenta-
refeições; ção, empurra a mão da pessoa que es-
• Fazer das refeições oportunidades tá oferecendo a comida, fecha a boca,
de aprendizado e amor; parece angustiada ou chora;2
• Falar com a criança durante a alimen- • Se e quando possível, deixar que a
tação e manter o contato olho a olho; criança participe da refeição em fa-
• Cabe ao cuidador a responsabilidade mília. Preservar o hábito da refeição
de ser sensível aos sinais da criança compartilhada tem inúmeras van-
e aliviar tensões durante a alimenta- tagens no desenvolvimento de uma
ção, além de torná-la prazerosa; alimentação saudável.

Quadro 2. Alimentos para serem utilizados na papa2

Cereal ou tubérculo Leguminosas Proteína animal Hortaliças

Arroz Feijões Carne bovina Alface

Milho Soja Vísceras Couve

Macarrão Ervilha Frango Repolho

Batatas Lentilhas Carne suína Tomate

Mandioca Grão de bico Peixe Abóbora/Jerimum

Inhame Ovos Cenoura

Cará Pepino

Farinha de trigo Outras verduras

Aveia Outros legumes

Fonte: SBP (2021).

2 Alguns autores recomendam a substituição do nome papa por mistura, evitando, assim, problemas
de interpretação.
SEÇÃO 2 176

Conteúdo das refeições produzidos por indústrias e que le-


(Diretrizes do Guia Alimentar para Crian­ vam muitos ingredientes, como sal,
ças Menores de Dois Anos, do Ministério açúcar, óleos, gorduras e aditivos
da Saúde do Brasil, 2019). alimentares (corantes, aromatizan­tes,
• Os alimentos in natura, ou minima- conservantes, re­alça­­do­res de sabor,
mente processados, devem ser a base entre outros). Exem­
plos: refrigeran­
da alimentação da criança e de toda tes, pós para refrescos, salgadinhos de
a família. Recomenda-se escolher os pacote, caldos liofilizados, salsichas,
alimentos que estão na safra, pois são macarrão e sobremesas instan­tâneas;
mais saborosos, nutritivos e baratos; • Evitar a oferta de açúcar e produtos
• Os ingredientes culinários processa- açucarados nos primeiros dois anos
dos (açúcar, óleos e gorduras, amido, de vida contribui para a formação
vinagre e sal de cozinha ) devem ser
3 de hábitos alimentares saudáveis,
usados com moderação para tempe- reduz a produção de cáries den-
rar e preparar os alimentos in natu- tárias, a chance de ganho de peso
ra, ou minimamente processados; excessivo e a ocorrência de outras
• Os alimentos processados podem ser doenças, como diabetes, hiperten-
consumidos em pequenas quantida- são e câncer. O mel apresenta, ain-
des e, eventualmente, como ingre- da, o risco de contaminação por
dientes de preparações culinárias Clostridium botu­linum para a crian-
ou como parte de refeições basea- ça menor de um ano, que é menos
das em alimentos in natura, ou mi- resistente a essa bactéria, podendo
nimamente processados. Exemplos: desenvolver botulismo;
conservas de legumes, de verduras, • Oferecer água própria para o con-
de cereais ou de leguminosas, extra- sumo à criança em vez de sucos,
to de tomate, castanhas com sal ou refrigerantes e outras bebidas açu-
açúcar, carnes salgadas, peixe em caradas;
conserva, frutas em calda ou crista- • A criança pode e deve, desde o iní-
lizadas, queijos e pães; cio, ser alimentada com a comida
• Os alimentos ultraprocessados não da família, que inclui todos os gru-
devem ser oferecidos às crianças e pos alimentares (Quadro 2) e deve
devem ser evitados pelos adultos. Ali­ ser preparada com óleo vegetal
men­tos ultraprocessados são aque­les em pequena quantidade, temperos

3 Na literatura tradicional, há a recomendação de iniciar o sal de cozinha a partir dos doze meses e em
quantidades mínimas.
Alimentação na infância e na adolescência 177

naturais (como cebola, alho, salsa, na Figura 1. Observar que os ali-


coentro e demais ervas e especia- mentos devem ser disponibilizados
rias) e com uma quantidade míni- separadamente, a fim de propor-
ma de sal. A inclusão das proteínas cionar maior percepção de sabor e
desde os seis meses, mesmo aquelas textura;
consi­
deradas alergênicas, como o • A criança pode gostar do alimento
ovo e o peixe, reduz o risco de aler- na primeira vez que o experimenta
gias (período da janela imunológica ou pode precisar provar o alimento
para a tolerância a novas proteínas); várias vezes até se familiarizar com
• A composição do prato da crian- ele. Algumas crianças precisam pro-
ça deve seguir as recomendações var um alimento mais de oito vezes
da pirâmide alimentar ilustradas para gostarem dele.

Figura 1. Esquema do prato para ser utilizado em todas as idades, variando


o tamanho das porções

O tamanho dessas porções segue a proposta da pirâmide dos alimentos.

Fonte: SBP (2018).


SEÇÃO 2 178

Como a refeição deve ser preparada? gulação), não interferindo na sua de-
No início, a criança deverá receber a cisão de não querer mais o alimento.
co­mida amassada com garfo. Em segui- Embora a ingestão de porções em re-
da, deve-se evoluir para alimentos pica- feições individualizadas possa ser algo
dos em pedaços pequenos, raspados ou irregular, o consumo energético em 24
desfiados, para que a criança aprenda a horas costuma ser adequado. A aferição
mastigá-los. Não devem ser oferecidas periódica do crescimento e do bem-es-
preparações líquidas, como sopas, sucos tar são os melhores indicativos de ade-
e caldos, porque fornecem menos ener- quação da alimentação.
gia e nutrientes do que a criança precisa,
sendo, portanto, desaconselhável o uso Alimentação aos 12 meses –
de liquidificador, mixer ou peneira para peculiaridades
o preparo. A comida da criança precisa O leite materno, quando disponível,
ter consistência adequada, ou seja, aque­ deve ainda ser ofertado e proporcionar
la que não escorre da colher, que é firme, os elementos essenciais para a saúde
que dá trabalho para mastigar, aju­­dando da criança até dois anos ou mais. O
no desenvolvimento da face e dos ossos processo de desmame costuma ser gra-
da cabeça, colaborando para a respiração dual e há participação ativa da mulher,
adequada e o aprendizado da mastigação. reconhecendo os sinais que a criança
envia: menos interesse pelo peito, não
Qual é a quantidade que deve ser demonstra ansiedade por não mamar
oferecida em cada refeição? ou prefere outras atividades com a mãe.
A quantidade de alimentos aceitos apre- Após os doze meses é comum que a
senta variações individuais e temporais. orientação básica fornecida às famílias
Devem ser respeitados os sinais de sacie- é a de que a criança compartilhe a “die-
dade manifestados pela criança (autorre­- ta da família”, pois espera-se que ela seja

Quadro 3. Recomendações de textura e quan­tidade de acordo com a idade do lactente

Idade Textura Quantidade

Iniciar com 2 a 3 colheres de sopa e aumentar a


A partir de 6 meses Alimentos amassados
quantidade conforme aceitação

A partir dos 7 meses Alimentos amassados 2/3 de uma xícara ou tigela de 250 ml

Alimentos cortados ou
9 a 11 meses 3/4 de uma xícara ou tigela de 250 ml
levemente amassados

12 a 24 meses Alimentos cortados Uma xícara ou tigela de 250 ml

Fonte: Ministério da Saúde (2015).


Alimentação na infância e na adolescência 179

capaz de se alimentar à mesa e que a ali- ligada. É importante que a criança/


mentação seja adequada às suas neces- lactente desfrute a comida junto
sidades. Ao avaliar o consumo alimentar com outras sensações agradáveis,
da criança, deve-se aproveitar para ve- como a convivência com os pais e
rificar os hábitos e padrões alimentares irmãos, a atenção e a conversa sobre
da família, pois estes exercem um papel o seu dia, sentindo afeto e prazer;
fundamental no comportamento ali- • Iniciar o treinamento para o uso
mentar da criança. dos utensílios, o que envolve estí-
A partir dos doze meses de idade mulo à coordenação e à destreza
fica evidente a manifestação de certa motora, funcionando como impor-
autonomia na criança. Nesse período, fi- tante incentivo ao desenvolvimento
siologicamente, ocorre redução da velo- neuropsicomotor;
cidade de crescimento e em consequên- • Adequar os tipos de alimentos ofere-
cia, decréscimo da demanda energética cidos e a sua apresentação à capaci-
e do apetite. Dentro deste contexto, é dade de mastigar e engolir da criança;
frequentemente identificada na criança • Oferecer alimentos variados, saudá-
a neofobia alimentar, que consiste na veis e em porções adequadas, per­
dificuldade em aceitar alimentos novos mitindo que a criança escolha o
ou desconhecidos, ou que não façam que e quanto quer comer. A criança
parte de suas preferências alimenta- deve ser incentivada a comer vários
res. Atitudes positivas dos cuidadores, alimentos, com diferentes gostos,
devidamente orientados pelo pediatra, cores, consistências, temperaturas
determinarão a transitoriedade dessas e texturas, explorando-os com sua
dificuldades alimentares relacionadas curiosidade, sendo encorajada a to-
ao comportamento. mar a iniciativa de seleção dos seus
alimentos e preparando o seu prato;
Orientações gerais na conduta • Consumir todos os tipos de carne.
alimentar saudável e formação Rotineiramente, não precisa haver
de hábitos adequados no lactente restrição ao consumo de gordura e
• Identificar e respeitar os sinais de colesterol durante os primeiros dois
fome e de saciedade apresentados anos de vida, pois estes são impor-
pela criança; tantes para a mielinização;
• Realizar as refeições sentada à mesa • Estimular ativamente o consumo de
ou em cadeira própria para criança, frutas e verduras;
junto com a família, em ambiente • Evitar os alimentos industrializados
calmo e agradável, sem televisão e reduzir o consumo de sal.
SEÇÃO 2 180

Orientação alimentar para crianças Opções de substitutos do leite materno


não amamentadas a) Leite de vaca integral: contraindi-
cado para menores de um ano. Não
“Nenhum substituto do leite materno fornece para a criança todos os nu-
consegue ser comparado a ele, nem
trientes que ela precisa. Possui quan-
mesmo na sua composição nutricional”
tidades insuficientes de vitaminas
(BRASIL, 2019).
A, D e C. O ferro nele contido tem
baixa biodisponibilidade, podendo
Na prática cotidiana, há inúmeras levar à anemia, o que é mais preocu-
situações que dificultam o sucesso do pante nos primeiros meses de vida.
aleitamento materno exclusivo, mas a Quando comparado ao leite mater-
prescrição de substitutos deve ocorrer no, o leite de vaca tem quantidades
apenas após se esgotarem as possibilida- excessivas de proteínas, sódio, potás-
des de manter a amamentação de forma sio e cloro, que podem sobrecarregar
parcial ou total. os rins da criança nos primeiros me-
Existem situações em que a oferta ses de vida. As proteínas do leite de
de outro alimento, diferente do leite vaca têm pior qualidade no perfil
materno, pode ser necessária antes dos de aminoácidos, têm digestão mais
6 meses: algumas doenças ou condi- demorada e o seu teor excessivo in-
ções maternas; condições da criança; crementa a produção de insulina e
uso de medicamentos, que passam pelo de fatores de crescimento insulina
leite e podem afetar a criança (raros); símile ou insulin-like growth fac-
crianças que perderam as mães e/ou tor-1 (IGF-1), aumentando o risco de
que estão em situação de adoção; mu- desenvolvimento da obesidade e
lheres que, por diferentes razões, não suas consequências na vida adulta.
conseguem ou optam por não amamen- Quanto aos lipídeos, observa-se a
tar (ver mais informações no capítulo baixa biodisponibilidade de ácidos
de Aleitamento Materno). graxos essenciais para o ser humano
Nessas situações, cabe ao pediatra e o predomínio de ácidos gorduro-
conhecer e orientar a família, indicando sos saturados, que dificultam o es-
a opção alimentar mais adequada entre vaziamento gástrico, ocasionando
os substitutos do leite materno, ciente uma lentificação do processamento
de que a substituição correta contri- da digestão.
bui para a programação metabólica da b) Fórmulas infantis: representam a
criança e a prevenção de doenças crôni- melhor alternativa disponível para
cas não transmissíveis. substituir o leite humano, têm como
Alimentação na infância e na adolescência 181

objetivo fazer com que a alimenta- comparados ao leite de vaca inte-


ção se aproxime dos efeitos e bene- gral, e são enriquecidos com vitami-
fícios funcionais que o leite materno nas e minerais, como ferro, zinco, vi-
oferece. Estão associadas com me- tamina A, ácido docosahexae­noico
lhor desenvolvimento do cérebro, do (DHA), ômegas (especial­men­te ω-3)
intestino e do sistema imunológico e prebióticos, contribuindo com a
quando comparadas ao leite de va- oferta de nutrientes e minimizan-
ca integral. Para sua preparação, as do eventuais carências nutricio-
indústrias de alimentos modificam nais que possam acontecer. Cabe
o leite de vaca, alterando a quanti- ao pediatra, em situações de risco
dade de proteínas, sódio, gorduras, nutricional, decidir sua indicação,
carboidratos, vitaminas e minerais, como parte de uma estratégia para
buscando elaborar um produto com- aumentar a ingestão de nutrientes
patível com a maturidade do orga- e diminuir a ingestão de proteínas,
nismo de crianças pequenas e que em substituição ao leite de vaca
atenda às suas necessidades nutri- não enriquecido. Não estão indi-
cionais, conforme a etapa do cresci- cados para crianças saudáveis com
mento. As fórmulas infantis seguem alimentação adequada. É recomen-
criteriosas exigências da Agência de dável, que os compostos lácteos
Vigilância Sanitária (ANVISA) para não apresentem adição de sacaro-
obter seu registro. se, frutose, aromatizantes, além de
Há três tipos: apresentarem redução de sódio e
• Fórmula Infantil de Partida: indica- de gordura saturada. Sua fabrica-
da para a fase do nascimento até os ção é chancelada pelo Ministério da
seis meses de idade; Agricultura.
• Fórmula Infantil de Seguimento:
destinada a lactentes dos seis aos QUAIS SÃO AS PRINCIPAIS DIFERENÇAS
doze meses; e ENTRE AS FÓRMULAS INFANTIS?
• Fórmula Infantil de Seguimento Basicamente consistem na adição dos
para Crianças de Primeira Infância: ingredientes opcionais, que podem exer-
indicada para crianças de um a três cer benefícios adicionais à saúde do
anos de idade. lactente:
c) Compostos lácteos: desenvolvidos • DHA e ÁCIDO ARAQUIDÔNICO (ARA)
para a faixa etária pediátrica, em são ácidos graxos essenciais, que
sua maioria, contêm maior quan- têm papel fundamental na estrutu-
tidade de soro de leite, quando ra da membrana celular da retina
SEÇÃO 2 182

e do sistema nervoso central. Deve rídeos/FOS – Fruto-oligosacarídeos/


conter nível de DHA não inferior a PDX – Po­lidextrose e Inulina) adicio-
0,3% dos ácidos graxos totais, en- nados às fórmulas infantis que apre-
quanto o teor de ARA deve ser, no sentam efeito benéfico na microbio-
mínimo, equivalente ao de DHA, ta ao estimular o crescimento e/ou
atendendo à proporção ARA:DHA atividade de um grupo de bactérias
de 1:1 a 2:1,7; no cólon, associados aos desfechos
• Nucleotídeos são associados a efei- positivos à saúde do indivíduo, em
tos positivos no trato gastrointes- especial da digestão;
tinal, na microbiota e na resposta • Probióticos são microrganismos vi-
imunológica. Uma vez que podem vos capazes de alcançar o trato gas-
ser sintetizados a partir de ami- trointestinal e alterar a composição
noácidos precursores em lactentes da microbiota, produzindo efeitos
saudáveis a termo, os nucleotídeos benéficos à saúde, quando consumi-
são considerados condicionalmente dos em quantidades adequadas. No
essenciais e, portanto, de particular Brasil, ainda não existem fórmulas
importância quando há a presença infantis com adição de probióticos,
de comorbidades, de limitação da sendo um dos motivos relacionados
ingestão de nutrientes ou de altera- à recomendação da ANVISA de pre-
ção da capacidade de síntese, condi- paro das fórmulas infantis com água
ções frequentes no bebê prematuro; a 700 C, o que inviabiliza a sobrevi-
• Oligossacárideos do Leite Humano vência deles;
sintéticos (HMO ou OLH) são prolon- • Milk Fat Globule Membrane ou
gamentos do açúcar do leite, a lac- Mem­­brana do Glóbulo de Gordura
tose, com combinações de D-glicose, do Le­i­te (MFGM) é uma membrana
galactose, N-acetilglicosamina, fu- de tripla camada, encontrada em
cose e/ou ácido siálico. São compo- cada gota de gordura do leite. Nela
nentes biologicamente ativos com estão presentes uma série de com-
efeito prebiótico, que modulam postos bioativos, que exercem efeito
de forma benéfica a microbiota do benéfico na imunidade, na saúde di-
lactente e, portanto, o desenvolvi- gestiva e no neurodesenvolvimento.
mento do intestino e do sistema
imunológico; Suplementação de micronutrientes
• Fibras prebióticas, de origem vege- Uso de produtos que visam complemen-
tal ou sintética, são carboidratos não tar os nutrientes (vitaminas e minerais)
digeríveis (GOS – Galacto-oligosaca- fornecidos pelos alimentos.
Alimentação na infância e na adolescência 183

Vitamina D: a principal fonte é a exposi- Ferro elementar: segundo dados do


ção solar e corresponde a 90% da vi- ENANI (2019), a prevalência de ane-
tamina no organismo. As fontes ali- mia ferropriva foi de 3,6% no Brasil.
mentares, em geral, não conseguem Entre as macrorregiões a maior pre-
suprir essas necessidades. O leite valência foi observada na região
humano possui quantidade insufi- Norte (6,5%) e as menores, nas re-
ciente para suprir as necessidades giões Nordeste (2,7%) e Sudeste (3,1%).
do lactente e, apesar de vivermos A prevalência de anemia ferropriva
em um país tropical, a poluição am- foi maior entre as crianças entre 6
biental, a neblina, o inverno e o há- e 23 meses (8%), quando comparada
bito de manter as crianças vestidas àquelas entre 24 e 59 meses de ida-
e dentro de casa aumentam o risco de (1,3%) para o Brasil e todas as suas
de deficiência. A suplementação es- macrorregiões. Dados corroboram
tá indicada para todos os lactentes, com a afirmativa de que a anemia
independentemente de estarem em ferropriva ainda é um problema de
aleitamento materno exclusivo, fór- saúde pública no Brasil.
mula infantil ou leite de vaca. Dose: A recomendação de suplemen-
administrar 400 UI/dia, da primeira tação preventiva pela Sociedade
semana até 12 meses, e 600 UI/dia, Brasileira de Pediatria (SBP) para
dos 12 aos 24 meses. criança nascida a termo, de peso
Vitamina A: segundo dados do ENANI adequado para a idade gestacional,
(2019), a prevalência de deficiência em aleitamento materno exclusivo
de vitamina A foi de 6% no Brasil. até o sexto mês de vida, sem fator de
Entre as macrorregiões, as maiores risco para anemia é de 1 mg de fer-
prevalências foram observadas nas ro elementar/kg de peso/dia a partir
regiões Centro-Oeste (9,5%), Sul (8,9%) do 6º mês de vida (180 dias) até o 24º
e Norte (8,3%) e a menor, na região mês de vida. Entretanto, se o recém-
Sudeste (4,3%). A suplementação es- -nascido com essas características
tá indicada apenas para crianças nas tiver algum fator de risco para a ane-
regiões de alta prevalência de hipo- mia ferropriva, a profilaxia deve ser
vitaminose, que tenham diagnóstico iniciada aos 3 meses de vida (90 dias),
de hipovitaminose A estabelecido mantendo-se até o 24o mês de vida.
após ser feita investigação alimentar. Crianças com fatores de risco
Doses: 100.000 UI para crianças de 6 para anemia (prematuros e baixo pe-
a 12 meses e 200.000 UI, de 12 a 72 so) – Ver recomendações para profila­
meses, repetidas após 6 meses. xia no capítulo de Anemia Ferropriva.
SEÇÃO 2 184

Alimentação do pré-escolar – • Neofobia, cujo conceito foi aborda-


peculiaridades do na alimentação do lactente (aci-
Fase de transição (crianças de 2 a 6 ma); e
anos) entre a total dependência (lacten- • Picky/fussy eating refere-se à crian-
tes) para entrar em uma fase de maior ça que rejeita uma grande varieda-
independência (escolar e adolescência). de de alimentos, tendo uma dieta
Caracterizam-se pela diminuição do rit- pouco variada. Habitualmente inge-
mo de crescimento com decréscimo das re baixas quantidades de alimentos
necessidades nutricionais e do apetite. com vitamina E, vitamina C, folato e
As maneiras como os pais se alimentam fibras, devido ao baixo consumo de
têm importância fundamental no com- vegetais.
portamento alimentar dos filhos.
Objetivos nutricionais fundamentais: Orientações gerais na conduta
• Crescimento e desenvolvimento ade­- alimentar saudável e formação de
quados; hábitos adequados no pré-escolar
• Evitar os déficits de nutrientes espe- • Esquema alimentar composto por
cíficos: deficiência de ferro, vitami- cinco a seis refeições com horários
na A, cálcio, entre outros; e fixos;
• Prevenção dos problemas de saúde • Tamanho das porções compatível
na idade adulta, que são influencia- com o grau de aceitação da criança;
dos pela dieta: hipercolesterolemia, • Oferta de líquidos controlada duran-
hipertensão arterial, obesidade, dia- te as refeições:
betes tipo 2, doença cardiovascular, • A sobremesa pode ser mais um ele­
osteoporose, cáries dentárias, entre mento da refeição, jamais um prê-
outros. mio. Evitar doces, salgadinhos e
balas;
Nesta etapa, o regime alimentar de­ • Limitar a ingestão de alimentos com
ve ser variado e de qualidade, compre­ excesso de sal, açúcar e de gordura.
endendo alimentos pertencentes aos Preocupar-se com a qualidade das
grupos principais: leite e seus derivados, gorduras ingeridas, limitar a gordu-
carnes, ovos e leguminosas (feijões), ce- ra trans e a saturada e estimular o
reais e tubérculos, frutas e hortaliças. consumo de fontes alimentares de
Problemas alimentares que podem gordura Ômega-3,
se manifestar isoladamente ou de forma • Orientar pais para a leitura atenta
associada, dependendo da idade e do dos rótulos dos alimentos indus­
tri­
-
meio ambiente: alizados;
Alimentação na infância e na adolescência 185

• Oferecer alimentos ricos em fer- gorduras, sal e açúcar, o que aumenta o


ro, zinco, cálcio, e vitaminas A e D. risco de doenças cardiovasculares. A bai-
Exemplos: as necessidades diárias xa ingestão de cálcio e a deficiente expo-
de proteínas e cálcio podem ser sição ao sol estão relacionadas ao retardo
atendidas com dois copos de leite no crescimento, às doenças autoimunes,
(ou fórmula láctea de primeira in- aos cânceres, às fraturas e ao desenvol-
fância) e uma porção de carne ou vimento de osteoporose na vida adulta.
queijo ou ovo;
• Evitar a monotonia alimentar; Orientações gerais na conduta
• Evitar alimentos que possam provo- alimentar saudável e formação de
car engasgos. hábitos adequados no período escolar
• Ingestão de alimentação variada e
Alimentação do escolar – saudável com porções diárias de fru-
peculiaridades tas e legumes, e consumo apropria-
Faixa etária de 7 a 10 anos. do de cálcio;
Intensa atividade física e ritmo de • Controle da ingestão de sal e restri-
crescimento constante. ção do consumo de gorduras;
A oferta de nutrientes deve ser su- • Estimular a prática de atividade fí-
ficiente para permitir crescimento e sica regular, reduzindo o tempo de
desenvolvimento adequados, e gasto atividades sedentárias;
energético decorrente da prática de ati- • Incentivar hábitos alimentares sau-
vidades físicas. dáveis e estilo de vida adequado pa-
O hábito alimentar sofre influência ra toda a família.
do meio, da maior capacidade cognitiva
e da autonomia. Alimentação do adolescente –
Problemas alimentares: redução peculiaridades
da atividade física, decorrente do uso Faixa etária dos 10 aos 19 anos (OMS).
excessivo de computadores e televisão O padrão alimentar é determinado
por períodos prolongados, aumenta a por vários fatores:
prevalência de obesidade. A preocupa- • Fatores pessoais: as necessidades
ção excessiva ou mal conduzida com o nutri­cionais são influenciadas, simul-
ganho de peso pode causar transtornos taneamente, pelos eventos da puber-
alimentares, como bulimia e anorexia. O dade e pelo estirão do cres­ci­mento;
sobrepeso e a obesidade são agravados • Fatores ambientais: as crenças, as
pelo consumo, estimulado pela televisão, preferências alimentares, as atitudes
de alimentos mais calóricos ricos em e a maturidade. Incluem também a
SEÇÃO 2 186

influência da família, dos amigos, da • O consumo de frutas, verduras e le-


escola, das normas culturais e sociais; gumes deve ser diário e variado;
• Fatores macroambientais: são deter­- • Estimular o consumo de peixes ma-
minados pela disponibilidade dos ali- rinhos;
mentos, produção alimentar, pro­pa- • O consumo de cálcio deve ser apro-
ganda e influência da mídia digital. priado;
• Incentivar o consumo de alimentos
Orientações gerais na conduta ricos em zinco e ferro;
alimentar saudável e formação de • A ingestão de sal deve ser controlada;
hábitos adequados no adolescente • Restrição de gorduras saturadas;
• Dar preferência a uma dieta varia­ • Orientar o adolescente e a família
da, que inclua todos os grupos ali­- sobre a importância de ler e inter-
mentares; pretar corretamente os rótulos de
• Priorizar o consumo de carboidra- alimentos industrializados; e
tos complexos, em detrimento dos • Estimular a prática de atividade
simples; física.

REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de SILVA, A. P. G.; COSTA, A. O. K.; GIUGLIANI, R.
Atenção Primaria à Saúde. Departamento J. E. Alimentação infantil: além dos aspectos
de Pro­moção da Saúde. Guia alimentar pa- nutricionais. J. Pediatr. (Rio J), Porto Alegre,
ra crianças brasileiras menores de 2 anos. v. 92, n. 3,, p. 2-7, jun. 2016. SOCIEDADE
Mi­nistério da Saúde, Secretaria de Aten­ção BRASILEIRA DE PEDIATRIA. Departamento
Primaria à Saúde, Departamento de Promo­ Científico de Nutrologia Temas da Atualidade
ção da Saúde. Brasília: Ministério da Saúde, em Nutrologia Pediátrica – 2021. São Paulo:
2019, p. 265. SBP, 2021, p. 100.

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. De­


Atenção à Saúde. Departamento de Atenção partamento de Nutrologia. Guia de orien-
Básica. Guia Alimentar para a população bra- tação número 7. Fórmulas e Compostos Lác­
sileira. 2ª ed. 4ª reimp.Brasília: Ministério da teos Infantis: em que diferem? Outubro de
Saúde, 2016, p. 152. 2020 – Janeiro de 2021, p. 7. Disponível em:
https://www.sbp.com.br. Acesso em ago. 2021.
BLACK, M. M.; PEREZ-ESCAMILLA, R.; RAO,
S. F. Integrating Nutrition and Child Devel­ SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. De­
opment Interventions: Scientific Basis, Ev­ partamento de Nutrologia. Manual de Ali­
idence Of Impact And Implementation Con­ mentação: orientações para alimentação
si­derations. Adv Nutr, v. 6, p. 852-9, 2015. do lactente ao adolescente, na escola, na
Alimentação na infância e na adolescência 187

gestante, na prevenção de doenças e segu- UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO.


rança alimentar. 4. ed. São Paulo: SBP, 2018, Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição
p. 172. Infantil – ENANI-2019: Resultados prelimi-
nares – Prevalência de anemia e deficiência
SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. De­
partamentos Científicos de Nutrologia e Ped­ de vitamina A entre crianças brasileiras de

iatria Ambulatorial. Guia prático de alimen- 6 a 59 meses. UFRJ: Rio de Janeiro, 2020, p.

tação da criança de 0 a 5 anos. São Paulo: SBP, 28. Disponível em: https://enani.nutricao.ufrj.
2021, p. 78. br/index.php/relatorios/. Acesso em out. 2021.
C APÍTULO 3

Imunização na infância
e na adolescência

Eduardo Jorge da Fonseca Lima


Maria Isabella Londres Lopes

INTRODUÇÃO (Quadro 1), para o ano de 2022. As so-


A imunização é a intervenção em saú- ciedades científicas, cientes dos conhe-
de pública com a melhor relação cus- cimentos mais recentes e da disponibili-
to-benefício na promoção da saúde e dade de novos produtos, têm elaborado
na proteção de indivíduos imunizados, calendários ampliados para grupos es-
com grande impacto no perfil de morbi- pecíficos, com vacinas recomendadas
mortalidade por doenças transmissíveis, por evidências científicas e liberadas por
evitando milhões de mortes no mundo órgãos reguladores. A Sociedade Bra­si­
todo. O Brasil está entre os países que leira de Pediatria (SBP) elabora, anual-
têm os mais avançados programas de mente, os calendários vacinais (Quadro
vacinação em saúde pública do mundo 2), assim como a Sociedade Bra­sileira de
e, por meio do Programa Nacional de Imunizações (SBIm), que anualmente
Imunização (PNI), organiza e implemen- também propõe calendários dirigidos a
ta os Calendários Nacionais de Vacinação. diversos grupos específicos.
O calendário do PNI é elaborado No Brasil, contamos ainda com
tendo como princípio a perspectiva de os Centros de Referência para Imuno­
proteção – a mais ampla possível – den- biológicos Especiais, os CRIE, que são
tro da disponibilidade de recursos. O centros constituídos de infraestrutura e
Ministério da Saúde do Brasil (MS) ins- logística específicas, destinados ao aten-
tituiu, em todo o território nacional, os dimento de indivíduos portadores de
calendários de vacinação da criança quadros clínicos especiais.
Imunização na infância e na adolescência 189

Quadro 1. Calendário de vacinação do Programa Nacional de Imunização (2022)

Idade
Vacina Proteção Contra Ao Meses Anos
nascer 2 3 4 5 6 9 12 15 18 4-6 10 11-12 13-15 16 17-19
Formas graves de tuberculose,
BCG ID
meníngea e miliar
Hepatite B
Hepatite B Adolescentes não vacinados deverão receber 3 doses
recombinante
Rotavírus (VRH) Diarreia por rotavírus
DTP/DTPa Difteria, tétano e coqueluche
dT/dTpa Difteria, tétano e coqueluche Para os reforços de 10 em 10 anos
Hib Haemophilus influenzae tipo b
Difteria, tétano, coqueluche,
DTP+Hib+HB
Haemophilus influenzae B e
(Penta)
hepatite B
VOP/VIP Poliomielite
Pneumocócica Meningite, pneumonias, sinusite
10-valente (PCV 10) e otite
Meningocócica C Meningite meningocócica pelos
e ACWY sorotipos que compõem a vacina
Influenza Vírus Influenza A partir de 6 meses a menores de 6 anos de idade, que apresentem fatores de risco
Sarampo, Caxumba
Sarampo, caxumba e rubéola
e Rubéola (SCR)
SCR + Varicela Sarampo, caxumba, rubéola
(SCRV) e varicela
Varicela Varicela
Hepatite A Hepatite A Adolescentes não vacinados deverão receber 2 doses
Papilomavírus humano 6, 11, 9 a 14 anos, para meninas e meninos; 2 doses, sendo a 2ª dose 6
HPV recombinante
16 e 18 meses após a 1ª dose
Febre amarela Febre amarela Adolescentes não vacinados deverão receber 1 dose
Covid-19 Covid-19 Vacinas e número de doses: de acordo com as recomendações do PNI para cada grupo

Fonte: Adaptação do PNI (2022)


SEÇÃO 2 190

Quadro 2. Calendário de vacinação da Sociedade Brasileira de Pediatria (2022)

Idade Ao Meses Anos


Vacinas nascer 2 3 4 5 6 7-11 12 15 18 4a6 10 11-12 13-15 16 17-19
BCG ID
Hepatite B Adolescentes não vacinados deverão receber 3 doses
Rotavírus
DTP/DTPa
dT/dTpa
Hib
VOP/VIP
Pneumocócica conjugada
Meningocócica conjugada C
e ACWY
Meningocócica B
Adolescentes não vacinados deverão receber duas doses
recombinante
Influenza A partir de 6 meses de idade
Segunda dose entre
SCR/Varicela/SCRV Adolescentes não vacinados deverão receber duas doses
15 meses e 4 anos
Hepatite A Adolescentes não vacinados deverão receber duas doses
HPV Meninos e meninas a partir dos 9 anos de idade
A partir de 9 meses de idade
Febre Amarela 1 dose para não vacinados previamente
e segunda dose aos 4 anos
Covid-19 a partir dos 6 meses Vacinação recomendada para crianças e adolescentes segundo recomendações vigentes
Crianças e adolescentes a partir dos 9 anos de idade com
Dengue
infecção prévia comprovada

Fonte: Adaptação de SBP (2022).


Imunização na infância e na adolescência 191

Apesar de todo o êxito do PNI, em meses da vacinação. Como evolução nor-


anos recentes, observamos que em rela- mal da vacina, pode ser observada linfo-
ção a algumas vacinas, a cobertura va- nodomegalia em 10% dos vacinados, três
cinal está aquém da considerada ideal. a seis semanas após a vacinação, homo-
Esta situação agravou-se desde 2020 lateral ao local da aplicação, em região
pela pandemia da Covid-19, o que exige axilar e supra ou infraclavicular, única
esforços de todos, profissionais de saúde, ou múltiplas sem supuração. Os gân-
gestores e população, para que se evite glios são firmes, móveis, sem sinais flo-
o retorno de doenças já praticamente gísticos, medindo até 3 cm de diâmetro.
extintas. Per­manecem estacionários por um a três
Apresentaremos, de forma sucinta, meses e desaparecem espontaneamente.
os calendários do PNI e da SBP, ressal- Os eventos adversos podem ser lo-
tando a diferença entre eles. cais, regionais ou disseminados. O Qua-
­­dro 3 apresenta os eventos locais e re-
BCG – tuberculose gionais mais observados. Os eventos
É aplicada em dose única, da forma mais dis­
seminados são raros, requerendo a
precoce possível, por via intradérmica investigação de imunodeficiência.
na inserção inferior do músculo deltoide
direito. Não é recomendada em crianças Hepatite B (recombinante)
com menos de 2 kg. Em recém-nascidos, A primeira dose da vacina contra hepa-
filhos de mães que utilizaram imunos- tite B (HB) deve ser aplicada por via in-
supressores na gestação ou com história tramuscular nos músculos vastolateral
familiar de imunossupressão, a vacina- da coxa ou no deltoide, idealmente nas
ção poderá ser adiada ou contraindicada. primeiras 12 horas de vida, na mater-
Comunicantes domiciliares de hansenía- nidade. No calendário do MS, a vacina
se, independentemente da forma clínica, combinada DTP/Hib/HB (Pentacelular) é
podem receber uma segunda dose da administrada aos 2, 4 e 6 meses de vi-
vacina BCG (ver norma específica). da, totalizando quatro doses da vacina
A cicatriz da BCG é desenvolvida em hepatite B. Crianças vacinadas em clí-
95% dos vacinados, entre seis a 12 sema- nicas privadas com vacinas acelulares
nas após a vacinação, entretanto pode combinadas (Penta ou Hexa), segundo
se prolongar raramente até a vigésima o calendário da SBP, podem manter o
quarta semana. A revacinação não é mais esquema de três doses, a primeira ao
indicada e não deve ser realizada, mes- nascimento, e a segunda e a terceira
mo em crianças que não apresentarem doses, aos 2 e 6 meses de idade, respecti-
cicatriz no local da aplicação após seis vamente. Lactentes que tiveram peso de
SEÇÃO 2 192

Quadro 3. Eventos adversos da vacina BCG

Tempo decorrido da
Eventos adversos Descrição Conduta
aplicação/evento

• Notificar. No caso da não cicatrização: isoniazida 10 mg/kg/dia


Úlcera grande e profunda no local da Ocorre com mais
Úlcera com (dose máxima: 400 mg), até a regressão completa da lesão
aplicação e que não evolui para cicatrização frequência nos
diâmetro > 1 cm • Acompanhamento até 3 meses da suspensão da isoniazida
após 12 semanas primeiros 6 meses
• Limpeza local. Evitar medicamentos tópicos

• Notificar, investigar e acompanhar. Isoniazida 10 mg/kg/dia


Frios, indolores e tardios. Em torno do local
(dose máxima: 400 mg/dia), até a regressão completa da
Abscessos da aplicação da vacina aparece uma área de
Nos primeiros 3 meses lesão
subcutâneos frios flutuação ou não (dependendo do tempo de
• Manter acompanhamento até 3 meses da suspensão da
evolução). Podem fistulizar
isoniazida

São quentes, vermelhos e dolorosos. Em


Abscessos Podem ocorrer • Notificar, investigar e acompanhar
torno do local da aplicação podem aparecer
subcutâneos precocemente, até o • Considerar o uso de antimicrobiano sistêmico para processo
sinais de flutuação e fistulização. Nesse caso,
quentes 15º dia infeccioso agudo e inespecífico de pele
houve contaminação por germes piogênicos

• Notificar, investigar e acompanhar. No caso da não


cicatrização: isoniazida 10 mg/kg/dia (dose máxima: 400 mg),
Lesões de aspecto verrucoso que aparecem
Granulomas Nos primeiros 3 meses até a regressão completa da lesão
durante a evolução da cicatriz da BCG
• Manter acompanhamento até 3 meses da suspensão da
isoniazida

Linfoadenopatia Linfonodos hipertrofiados com > 3 cm sem • Notificar e acompanhar


Em geral, nos primeiros
regional não evidência de supuração (flutuação e/ou • Orientar retorno, pois pode ocorrer supuração
3 meses
supurada fistulização) • Não puncionar e não administrar isoniazida

Caracteriza-se por linfonodos hipertrofiados


• Notificar. Esses gânglios não devem ser incisados.
axilares, supra ou infraclaviculares,
Isoniazida 10 mg/kg/dia (dose máxima: 400 mg/dia), até o
inicialmente endurecidos. Podem ter > 3 cm
Linfoadenopatia Em geral, nos primeiros desaparecimento da supuração e diminuição significativa do
de diâmetro, com formação de abscesso
regional supurada 3 meses tamanho do gânglio
com amolecimento central. Poderá sofrer
• Manter acompanhamento até 3 meses da suspensão da
drenagem espontânea, com origem de um
isoniazida
trajeto sinusal residual (fístula)

Fonte: Autores.
Imunização na infância e na adolescência 193

nascimento igual ou inferior a 2 kg ou reforços apenas com a DTP aos 15 meses


idade gestacional menor que 33 sema- e aos 4 anos de idade (até 6 anos, 11 me-
nas devem receber, obrigatoriamente, ses e 29 dias). Na vacina oferecida pelo
quatro doses da vacina. MS, o componente pertussis é de células
Adolescentes não vacinados ou com inteiras, com maior reatogenicidade, po-
esquema vacinal incompleto deverão rém com eficácia equiparável à vacina
ter seu esquema atualizado. acelular. A SBP recomenda, sempre que
Em recém-nascidos, filhos de mães possível, a utilização da vacina com o
HbsAg positivas, deve ser administrada componente pertussis acelular – DTP ace-
a imunoglobulina humana anti-hepa- lular (DTPa) em esquema de cinco doses:
tite B (IGHAHB), na dose 0,5 ml por via 2, 4 e 6 meses de idade, além de doses de
intramuscular até, no máximo, o sétimo reforços aos 15 meses e entre 4 a 6 anos
dia de vida, preferencialmente logo ao de idade. Neste caso, precisa fazer um re-
nascer, no membro inferior contralate- forço da Hib após o primeiro ano de vida.
ral da vacina. A via de administração é intramuscular.
A vacina de hepatite B está contrain- Eventos adversos locais para as vaci-
dicada em casos de anafilaxia prévia a nas Penta e DTP: eritema, calor, edema e
qualquer componente da vacina e na dor no local da aplicação. São frequentes,
púrpura trombocitopênica pós-vacina- porém pouco intensos. Podem ocorrer
ção (rara e de difícil comprovação de abscessos frios (inoculação subcutânea)
relação causal). Podem ocorrer após a e quentes (contaminação bacteriana). Os
vacinação manifestações locais (dor, ru- eventos adversos sistêmicos são febre
bor e enduração no local da aplicação) e (baixa/moderada, nas primeiras 24 ho-
sistêmicas (febre, fadiga, tontura, irrita- ras da aplicação, principalmente após
bilidade e desconforto gastrointestinal a primeira dose), sonolência, anorexia,
leve) nas primeiras 24 horas, geralmente vômito, irritabilidade, choro persistente
bem tolerados. (geralmente nas primeiras 24 horas), epi-
sódio hipertônico hiperresponsivo – EHH
DTP/DTPa – Vacina Tríplice Bacteriana (nas primeiras 48 horas, durando de mi-
(difteria, tétano e coqueluche) nutos a horas), convulsão (nas primeiras
No calendário do PNI, a DTP está combi- 72 horas), encefalopatia (raramente ocor-
nada com as vacinas hepatite B (recom- re no período pós-vacinação), reações de
binante) e Hib – Haemophilus influenzae hipersensibilidade e apneia (prematuros,
tipo b (conjugada), constituindo a vacina especialmente, os extremos).
Pentacelular, que é administrada aos 2, Contraindicações: em relação à ida-
4 e 6 meses de idade. São preconizados de, a vacina Pentacelular está con­train­-
SEÇÃO 2 194

dicada em crianças com idade de 5 anos ços a cada 10 anos com a vacina dupla
ou mais. As vacinas DTP/DTPa são con- adulto (dT) apenas contra a difteria e
traindicadas em crianças com idade de 7 o tétano. Este reforço é realizado, ge-
anos ou mais. Observar as condutas nas ralmente, aos 14 anos de idade. Pelo
seguintes condições: calendário da SBP é recomendado que
• EHH e convulsões: continuar esque­ seja utilizada neste reforço, preferen-
ma com DTPa para menores de 7 cialmente, a formulação tríplice acelu-
anos e completar esquema de hepa- lar – dTpa, porém, atualmente, para esta
tite B e Hib com vacinas isoladas; indicação, a vacina é disponibilizada
• Encefalopatia: contraindica o com- somente no setor privado.
ponente pertussis, mesmo que ace- Crianças com 7 anos ou mais, nun-
lular, devendo-se completar o esque- ca imunizadas ou com histórico vacinal
ma com a vacina dupla tipo infantil desconhecido, devem receber três doses
DT. Completar esquema de hepatite da vacina contendo o componente tetâ-
B e Hib com vacinas isoladas; nico, sendo uma delas, preferencialmen-
• Reações de hipersensibilidade: ma­­ te, com a vacina tríplice acelular, com
ni­festações cutâneas, como urticária, intervalo de dois meses entre elas (0, 2
exantema macular ou maculopapu- e 4 meses – intervalo mínimo de qua-
lar não contraindicam doses subse- tro semanas). Gestantes devem receber,
quentes. Reações anafiláticas con- a cada gravidez, uma dose da vacina
traindicam todos os componentes dTpa, a partir da vigésima semana de
da vacina; gestação, com o objetivo de transferir
• Apneia: na recomendação do MS, anticorpos protetores contra a coquelu-
em prematuros < 31 semanas de IG che para o recém-nascido. Aquelas que
e/ou com PN < 1.000 g deve ser utili- não foram vacinadas durante a gestação
zada aos 2 meses de idade, preferen- deverão receber uma dose de dTpa no
cialmente, a DTPa isolada, adminis- puerpério, o mais breve possível.
trando também as demais vacinas O SUS adquiriu, em 2021, a vacina
indicadas: hepatite B, Hib e VIP. As Penta acelular (contra difteria, tétano,
doses subsequentes são realizadas pertussis acelular, inativada contra a
com a Penta acelular. poliomielite (VIP) e Haemophilus in-
fluenzae b e a vacina Hexa acelular
dT/dTpa – Vacina Dupla Bacteriana (contra difteria, tétano, pertussis acelu-
(difteria, tétano) lar, inativada contra a poliomielite (VIP),
Posteriormente ao segundo reforço, o Haemophilus influenzae b e Hepatite B
PNI preconiza que sejam aplicados refor- recombinante) em substituição à vacina
Imunização na infância e na adolescência 195

DTPa para serem utilizadas nos CRIEs. nos reforços de 15 meses e 4 anos. A VIP
Além das indicações, nos casos de con- pode ser aplicada simultaneamente às
vulsão e EHH após as vacinas DTP ou outras vacinas utilizadas no PNI. No ca-
Penta de células inteiras, os CRIE dispo- lendário da SBP, as três primeiras doses,
nibilizarão as vacinas para crianças que aos 2, 4 e 6 meses, devem ser feitas, obri-
apresentem risco aumentado de desen- gatoriamente, com a vacina pólio inati-
volvimento de eventos graves com a DTP vada (VIP), sendo recomendado que os
ou Penta celular e, também, para algu- reforços sejam também realizados, pre-
mas situações de imunodepressão. ferencialmente, com a vacina inativada
A profilaxia do tétano acidental está (VIP) nas apresentações penta (aos 15
detalhada no Quadro 4. meses) ou tetra (de 4 a 6 anos) acelulares.
A VOP é administrada por via oral,
Vacina contra Haemophilus influenza orientando-se adiar a vacinação em
tipo b (conjugada) – Hib quadros de diarreia e vômitos e na vi-
A vacina contra Haemophilus influenza gência de doenças febris agudas mode-
tipo b (conjugada) está incluída na va- radas ou graves. Está contraindicada nos
cina Penta do PNI, combinada com as casos de: pessoas com imunodeficiên-
vacinas contra difteria, coqueluche e cias humorais ou celulares, neoplasias
hepatite B. O esquema do MS são três ou em uso de terapia imunossupressora,
doses, realizadas aos 2, 4 e 6 meses de assim como seus comunicantes; pessoas
idade, sem necessidade de reforços, en- convivendo com HIV e seus comunican-
tretanto, quando utilizada, pelo menos, tes; história de alergia tipo anafilática a
uma dose de vacina combinada com antibióticos contidos na vacina; história
componente pertussis acelular, dispo- de pólio vacinal associado à dose ante-
nível em clínicas privadas e nos CRIEs, rior e gestantes. Em geral, é uma vaci-
uma quarta dose da Hib é necessária aos na bem tolerada, raramente associada
15 meses de vida, para diminuir o risco a eventos adversos. O principal evento
de ressurgimento das doenças invasivas adverso associado à VOP é a paralisia
causadas por Hib. pós-vacinal, tanto no vacinado como no
comunicante. O risco é extremamente
Vacina inativada poliomielite (VIP)/ reduzido quando a VOP é aplicada após
Vacina oral poliomielite (VOP) o esquema básico com a VIP.
O PNI utiliza no esquema primário a A VIP é composta por três tipos de
VIP nas três primeiras doses (2, 4 e 6 poliovírus inativados (tipos 1, 2 e 3) e
meses), mantendo a VOP bivalente (po- é administrada por via intramuscu-
liovírus atenuados tipos 1 e 3) apenas lar. Está contraindicada em história de
SEÇÃO 2 196

Quadro 4. Profilaxia do tétano de acordo com o tipo de ferimento e situação vacinal

Ferimentos com risco mínimo de tétanoa Ferimentos com alto risco mínimo de tétanob
História de vacinação prévia contra tétano
Vacina SAT/IGHAT Outras condutas Vacina SAT/IGHAT Outras condutas

Incerteza ou menos de 3 meses Simc Não Limpeza e Simc Sim Desinfecção, lavar
desinfecção, lavar com soro fisiológico e
com soro fisiológico e substâncias oxidantes
3 doses ou mais, sendo a última dose há substâncias oxidantes ou antissépticas,
Não Não Não Não
menos de 5 anos ou antissépticas e e remover corpos
desbridar o foco da estranhos e tecidos
infecção desvitalizados.
3 doses ou mais, sendo a última dose há mais Desbridamento do
Não Não Sim (1 reforço) Nãod
de 5 anos e menos de 10 anos ferimento e lavagem
com água oxigenada
3 doses ou mais, sendo a última dose há 10
Sim Não Sim (1 reforço) Nãod
anos ou mais

3 doses ou mais, sendo a última dose há 10


Sim Não Sim (1 reforço) Sime
anos ou mais em situações especiais

a
Ferimentos superficiais, limpos, sem corpos estranhos ou tecidos desvitalizados.
b
Ferimentos profundos ou superficiais, sujos; com corpos estranhos ou tecidos desvitalizados; queimaduras; ferimentos puntiformes ou por armas branca e de fogo; mordeduras;
politraumatismos e fraturas expostas.
c
Vacinar e aprazar as próximas doses para completar o esquema básico. Essa vacinação visa proteger contra o risco de tétano por ferimentos futuros. Se o profissional que prestar o
atendimento suspeitar que os cuidados posteriores com o ferimento não serão adequados, deve considerar a indicação de imunização passiva com SAT (soro antitetânico) ou IGHAT
(imunoglobulina humana antitetânica). Quando indicado o uso de vacina e SAT ou IGHAT, concomitantemente, devem ser aplicados em locais diferentes.
d
Para paciente imunodeprimido, desnutrido grave ou idoso, além do reforço com a vacina, está também indicada IGHAT ou SAT.
e
Se o profissional que prestar o atendimento suspeitar que os cuidados posteriores com o ferimento não serão adequados, deve considerar a indicação de imunização passiva com SAT (soro
antitetânico) ou IGHAT (imunoglobulina humana antitetânica). Quando indicado o uso de vacina e SAT ou IGHAT, concomitantemente, devem ser aplicadas em locais diferentes.

Fonte: Guia de vigilância em Saúde – Ministério da Saúde (2019).


Imunização na infância e na adolescência 197

reação alérgica grave à dose anterior da até 5 anos de idade recebem dose úni-
vacina ou a algum componente dela. ca. Crianças saudáveis com esquema
completo com a VPC10 podem receber
Vacinas pneumocócicas conjugadas dose(s) adicional(is) da VPC13 até os
(VPC10 e VPC13) cinco anos de idade, para ampliação na
São recomendadas para todas as crian- proteção para os sorotipos adicionais,
ças até 5 anos de idade. A vacina ofere- respeitando-se a recomendação da bula
cida pelo PNI é a vacina pneumocócica para cada idade. A VPC13 ainda não faz
conjugada 10-valente (VPC10) no esque- parte da rotina do Calendário Nacional
ma 2 + 1, em que a primeira dose é apli- de Vacinação da Criança do PNI, porém
cada aos 2 meses de idade e a segunda já foi introduzida nos CRIE, destinada a
dose, aos 4 meses. O reforço é realizado situações especiais, para uso sequencial
aos 12 meses de idade e pode ser feito com a vacina pneumocócica polissacarí-
até os 4 anos, 11 meses e 29 dias. Para as dica 23-valente (VPP23). É indicada para
crianças que iniciam o esquema após 12 pacientes ≥ 5 anos de idade de alto risco
meses, o PNI recomenda dose única. A para doença pneumocócica invasiva: pa-
via de administração é exclusivamente cientes que vivem com HIV/Aids, trans-
intramuscular. É uma vacina bem tolera- plantados de células tronco hematopoié-
da, sendo os eventos adversos mais co- ticas (medula óssea), transplantados de
muns a dor, a hiperemia no local da apli- órgãos sólidos e pacientes oncológicos.
cação e a irritabilidade. São eventos de
intensidade leve a moderada e de curta Vacina pneumocócica
duração. É contraindicada em casos de polissacarídica 23-valente (VPP23)
hipersensibilidade conhecida a qualquer É indicada a partir dos 2 anos de ida-
componente da vacina. Não deve ser uti- de para crianças com risco de doença
lizada em indivíduos maiores que 5 anos. pneumocócica invasiva, devendo ser
A SBP recomenda, sempre que pos- administrada por via intramuscular. São
sível, o uso da vacina conjugada 13-va- realizadas duas doses da vacina polis-
lente (VPC13), pelo seu maior espectro sacarídica, independentemente do uso
de proteção, no esquema de três doses prévio da vacina conjugada. Para a pri-
no primeiro ano (2, 4, e 6 meses) e uma meira dose, deve-se respeitar o interva-
dose de reforço entre 12 e 15 meses de lo mínimo de dois meses após a última
vida. Crianças entre 12 e 23 meses ainda dose de VPC10 ou VPC13. Deve-se aplicar
não vacinadas recebem duas doses com uma segunda dose de VPP23 após cinco
intervalo de 60 dias, sem necessidade de anos da primeira dose. A revacinação
reforço, e aquelas maiores de 24 meses é indicada uma única vez, cinco anos
SEÇÃO 2 198

após a dose inicial. Não se deve aplicar A SBP recomenda, sempre que possí-
mais de duas doses da vacina VPP23. vel, utilizar, preferencialmente, a vacina
Para informações mais detalhadas, con- MenACWY, inclusive para os reforços de
sultar o Manual do CRIE. crianças previamente vacinadas com
MenC. Crianças com esquema vacinal
Meningocócica C conjugada (MenC)/ completo com a vacina MenC podem se
Meningocócica ACWY( MenACWY) beneficiar com dose(s) adicional(is) da
No calendário do PNI é preconizada a vacina MenACWY a qualquer momento,
administração da vacina MenC aos 3 respeitando-se um intervalo mínimo de
e 5 meses de idade, além de uma do- 1 mês entre as doses. São preconizadas
se de reforço aos 12 meses. Quando se doses de reforço 5 anos após (entre 5 e 6
inicia a vacinação após 1 ano de idade, anos de idade para os vacinados no pri-
faz-se apenas uma dose. É disponibili- meiro ano de vida) e na adolescência (a
zada para crianças menores de 5 anos partir dos 11 anos de idade). Para adoles-
de idade (até 4 anos, 11 meses e 29 dias). centes de até 15 anos de idade, que nun-
Em comunicado de junho de 2022, a ca receberam a vacina meningocócica
Coordenação Geral do Programa Na­ conjugada ACWY, recomendam-se duas
cional de Imunizações (CGPNI) informa doses com intervalo de cinco anos, ideal-
que disponibilizará temporariamente, mente aos 11 e aos 16 anos de idade. Para
até fevereiro de 2023, a vacina menin- os adolescentes de 16-18 anos, nunca an-
gocócica C conjugada para crianças a tes vacinados com vacina MenACWY, ad-
partir de 5 anos de idade e adolescentes ministrar somente uma dose da vacina.
não vacinados até 10 anos de idade e Os eventos adversos, geralmente, são
também para os trabalhadores de saúde. quadros locais autolimitados. Há o risco
Uma dose de reforço com a vacina potencial de apneia e a necessidade de
quadrivalente conjugada ACWY é rea- monitorização respiratória durante 48 a
lizada em adolescentes de 11 e 12 anos. 72 horas por ocasião da imunização pri-
Em novo comunicado, de agosto de mária com vacinas MenC e MenACWY
2022, a CGPNI informa que disponibi- em lactentes nascidos prematuros com
lizará temporariamente, até junho de ≤ 28 semanas de gestação, entretanto,
2023, a vacina conjugada ACWY para a vacinação não deve ser suspensa ou
adolescentes de 13 e 14 anos de idade; adiada, pois são grandes os benefícios.
dessa forma, o reforço com essa vacina,
nesse período, será para adolescentes de Meningocócica B recombinante
11 a 14 anos, 11 meses e 29 dias. A via de Esta vacina não faz parte do PNI, sendo
adminstração é intramuscular. a vacinação recomendada pela SBP para
Imunização na infância e na adolescência 199

crianças e adolescentes. Entre 3 e 12 me- intervalo mínimo de 4 semanas entre


ses de idade são administradas duas do- elas. A terceira dose da vacina pentava-
ses com intervalo mínimo de dois meses lente também deverá ser administrada
entre elas e mais uma dose de reforço até 7 meses e 29 dias. O esquema de va-
no segundo ano de vida. Para crianças cinação de rotavírus deverá ser comple-
entre 12 e 23 meses é recomendado o tado, preferencialmente, com a mesma
esquema de duas doses, com dois me- vacina de início.
ses de intervalo entre elas, além de uma A administração é exclusivamente
dose de reforço, geralmente feito após oral. Recomenda-se adiar a vacinação
12 meses da vacinação primária. Para em quadros febris agudos moderados
aquelas que iniciarem a vacinação após a graves e nas gastroenterites com vô-
os 2 anos de idade, adolescentes e adul- mitos. Estão contraindicadas em imu-
tos até 50 anos são indicadas duas doses nodeficiências primárias ou adquiridas,
com intervalo mínimo de um mês entre medicações imunossupressoras, alergia
as doses. A aplicação é por via intramus- grave a algum componente da vacina
cular. Os eventos adversos, geralmente, ou à dose prévia desta vacina, história
são quadros locais autolimitados e, as- de alguma doença gastrointestinal crô-
sim como descrito em relação às vaci- nica, malformação congênita do trato
nas MenC e MenACWY, há necessidade digestivo ou história prévia de invagina-
de observar apneia em lactentes nasci- ção intestinal. Não deve ser administra-
dos prematuros. da em crianças hospitalizadas.
Em relação aos eventos adversos,
Rotavírus sinais e sintomas inespecíficos foram
Atualmente, existem dois tipos de va- associados temporalmente à vacinação,
cinas disponíveis: monovalente e pen- como irritabilidade, vômitos, diarreia e
tavalente. A vacina incluída no PNI é flatulência. Também é frequente a rela-
a monovalente, sendo preconizado o ção temporal entre a vacinação contra
esquema de duas doses: a primeira é rotavírus e a presença de raias de san-
administrada aos 2 meses de idade (li- gue nas fezes, entretanto, a associação
mites de 1 mês e 15 dias até, no máxi- causal é questionável. Em caso de san-
mo, 3 meses e 15 dias) e a segunda, aos gramento em grande quantidade, deve-
4 meses (limites de 3 meses e 15 dias até, -se considerar a suspensão do esquema
no máximo, 7 meses e 29 dias). A vaci- vacinal, assim como em alguns pacien-
na pentavalente é disponível apenas na tes com APLV na vigência de sintomas
rede privada, sendo recomendadas três para que não haja um estímulo de des-
doses, aos 2, 4 e 6 meses de idade, com regulação do microbioma intestinal.
SEÇÃO 2 200

Alguns estudos sugerem risco aumenta- Pessoas que apresentaram apenas


do de invaginação intestinal. urticária após ingestão de ovo podem
receber a vacina na rotina. Nos casos
Influenza em que há, após ingestão de ovo, qual-
A vacina está indicada para todas as pes- quer sinal de anafilaxia (angioedema,
soas acima de 6 meses de idade, entre- desconforto respiratório ou vômitos re-
tanto o PNI preconiza a vacinação para petidos), a vacina pode ser administrada,
indivíduos com maior risco de compli- desde que em ambiente adequado para
cações da infecção, estando contempla- tratar manifestações alérgicas graves,
dos os seguintes grupos: crianças de 6 sob supervisão médica, preferencial-
meses a menores de 6 anos de idade, mente. Está contraindicada em caso de
gestantes, puérperas (até 45 dias após o anafilaxia em dose anterior da vacina.
parto), trabalhadores de saúde, pessoas Eventos adversos: tanto as manifes-
de 55 anos ou mais, pessoas portadoras tações locais (dor, hiperemia e endura-
de doenças crônicas, povos indígenas, ção) como as sistêmicas (febre, cefaleia e
professores, população privada de liber- mialgia) são benignas e se resolvem em
dade e funcionários do sistema prisional. até 48 horas.
Em 2021, devido às baixas coberturas va-
cinais, o Ministério da Saúde ampliou a Sarampo, Caxumba, Rubéola e
oferta da vacina para toda a população Varicela (vacinas tríplice viral – SCR;
acima de 6 meses, ou enquanto duras- tetraviral – SCRV; varicela – V)
sem os estoques nos serviços de saúde. São vacinas virais atenuadas, com via
A primovacinação de crianças com de administração subcutânea. No calén-
idade inferior a 9 anos deve ser feita dário vacinal do PNI, a vacina SCR deve
com duas doses, com intervalo de um ter a primeira dose administrada aos 12
mês entre elas. A vacina deve ser realiza- meses de idade e a segunda dose de-
da anualmente, administrada idealmen- ve ocorrer aos 15 meses com a vacina
te antes do período de maior circulação SCRV. Crianças de 4 a 6 anos de idade
do vírus. A aplicação é intramuscular. (6 anos, 11 meses e 29 dias) recebem a
A SBP recomenda, sempre que possí- segunda dose da vacina varicela. Para
vel, utilizar, preferencialmente, as vaci- indivíduos entre 20 a 29 anos, deve-se
nas quadrivalentes, com duas cepas de assegurar duas doses com os compo-
Influenza A e duas cepas de Influenza B nentes sarampo, rubéola e caxumba
(a trivalente do PNI tem apenas uma ce- com intervalo mínimo de 30 dias entre
pa de Influenza A), pelo maior espectro as doses, e uma dose para todos entre
de proteção. 30 e 59 anos. Trabalhadores de saúde,
Imunização na infância e na adolescência 201

independentemente da idade, devem Contraindicações da vacina (SCR):


receber duas doses de tríplice viral, anafilaxia à dose anterior da vacina;
conforme situação vacinal encontrada, mulheres grávidas, pelo risco teórico de
observando o intervalo mínimo de 30 causar danos ao feto; imunodeficiências
dias entre as doses. Considerar vacinado congênitas ou adquiridas (avaliar ris-
o trabalhador de saúde que comprovar co-benefício, individual); infecção pelo
duas doses. HIV nos indivíduos em vigência de imu-
Pode-se realizar a vacinação de nossupressão grave, ou seja, crianças e
bloqueio (SCR) dos contactantes de um adolescentes (CD4 < 15%) e adultos (CD4
caso índice de sarampo o mais rápido < 200/mm3). Pessoas em uso de corticos-
possível, dentro de 72 horas após a ex- teroides em doses imunossupressoras
posição, a partir dos 6 meses de vida. As devem ser vacinadas com intervalo de,
doses aplicadas antes dos 12 meses de pelo menos, um mês após a suspensão
idade, entretanto, não são consideradas da droga; pessoas em uso de quimiote-
válidas, recomendando-se mais duas do- rapia antineoplásica só devem ser vaci-
ses após a idade de um ano. A vacina nadas três meses após a suspensão do
varicela também pode ser indicada na tratamento; em transplantados de me-
profilaxia pós-exposição dentro de cinco dula óssea, recomenda-se vacinar com
dias após o contato, preferencialmente a primeira dose após intervalo de 12 a
nas primeiras 72 horas. 24 meses do transplante. Após o uso de
No calendário da SBP, aos 12 meses imunoglobulina, sangue e derivados, a
de idade são preconizadas, na mesma vacinação deverá ser adiada por 3 a 11
visita, as primeiras doses das vacinas meses, dependendo do hemoderivado e
SCR e varicela, em administrações se- da dose administrada, devido ao possí-
paradas (preferencialmente, pela menor vel prejuízo na resposta imunológica.
frequência de febre), ou a vacina SCRV. Eventos adversos (SCR): algumas
Aos 15 meses de idade deverá ser feita vezes, podem aparecer reações muito
uma segunda dose, preferencialmente comuns, como vermelhidão, dor, ede-
com a vacina SCRV, com intervalo mí- ma no local da injeção e febre. Entre o
nimo de três meses da dose anterior de quinto e o décimo segundo dia após a
varicela + SCR ou SCRV. vacinação, podem surgir reações co-
O Ministério da Saúde, no final de muns, como febre > 39°C, exantema e
2020, suspendeu a “doze zero” da vacina infecção do trato respiratório superior.
SCR para crianças de 6 a 11 meses de ida- Há também o relato de reações inco-
de nos estados que interromperam a cir- muns, como intumescimento das pa-
culação do vírus, inclusive Pernambuco. rótidas e, raramente, podem ocorrer as
SEÇÃO 2 202

reações alérgicas e convulsões febris. PNI, ou com qualquer intervalo, à ex-


Nos adolescentes pode ocorrer artral- ceção das vacinas tríplice viral e febre
gia. Meningite asséptica (relacionada amarela, por serem vacinas de vírus
ao componente da caxumba) e púrpura atenuados. Nesses casos, recomenda-se
trombocitopênica são reações raras. vacinação simultânea ou com intervalo
Contraindicações da vacina con- de 30 dias entre as duas. Atualmente,
tra varicela: anafilaxia a quaisquer dos em menores de dois anos de idade, as
componentes da vacina; imunodefi- vacinas tetraviral ou tríplice viral e fe-
ciência primária ou secundária em bre amarela devem ser administradas
que haja comprometimento grave do com intervalo de 30 dias e não simul­-
componente celular do sistema imu- taneamente.
nológico (linfócitos T), os demais casos,
devem ser analisados com o imunolo- Hepatite A
gista que acompanha o caso; crianças e No PNI, é administrada em dose única
adolescentes vivendo com HIV/Aids não aos 15 meses, com idade limite de até 4
devem receber a vacina tetraviral, pois anos, 11 meses e 29 dias de idade. No ca-
não há estudos de segurança da vacina lendário da SBP permanece a recomen-
para essa população, devendo-se aplicar dação de duas doses, com intervalo de
separadamente a vacina varicela e a va- seis meses, entre a primeira e a segun-
cina tríplice viral; e gestação. Pessoas da doses, sendo a primeira dose aos 12
em uso de AAS (ácido acetilsalicílico) de- meses. A via de administração é intra-
vem descontinuar seu uso após receber muscular. Os eventos adversos locais são
vacinas com componente varicela, por mais comuns e incluem dor, eritema e
um período de seis semanas. edema – leves e transitórios. Os eventos
Eventos adversos (varicela): é uma adversos sistêmicos são febre e fadiga e
vacina segura em indivíduos imunocom- ocorrem em menos de 5% dos vacinados.
petentes, ocorrendo eventos adversos em
5% a 35% dos vacinados. Dor, eritema e Febre amarela
vesículas próximas do local de aplicação O Ministério da Saúde, em 2020, defi-
são os eventos locais mais comuns. Os niu que a vacina contra febre amarela
eventos sistêmicos mais frequentes são fizesse parte do Calendário Nacional de
febre e rash. Pacientes imunodeprimi- Vacinação para pessoas de 9 meses a 59
dos podem apresentar eventos adversos anos de idade, sendo indicada em esque-
mais intensos, embora raramente graves. ma de duas doses para menores 5 anos,
A vacina varicela pode ser aplicada administrando-se a primeira dose aos 9
simultaneamente a outras vacinas do meses e a segunda dose, aos 4 anos de
Imunização na infância e na adolescência 203

idade. Acima de 5 anos é necessária ape- HPV


nas uma dose. Não são mais recomen- O esquema adotado pelo PNI contempla
dados pela OMS reforços a cada 10 anos, meninas e meninos de 9 a 14 anos, que
como anteriormente. Para indivíduos recebem duas doses, sendo a segunda
com 60 anos ou mais, a vacinação é fei- dose realizada seis meses após a primei-
ta apenas com prescrição médica. A via ra. Anteriormente a vacinação para me-
de administração é subcutânea. Não se ninos era direcionada para as idades de
deve administrar a vacina contra febre 11 a 14 anos (14 anos, 11 meses e 29 dias),
amarela juntamente à tríplice ou tetravi- havendo ampliação agora na faixa etá-
ral no mesmo dia em menores de 2 anos ria do sexo masculino, de acordo com
de idade. O intervalo deve ser de 30 dias. o comunicado da CGPNI de agosto de
Contraindicações: lactentes meno- 2022, igualando-se as recomendações
res de 6 meses; pessoas com história para ambos os sexos. A vacina oferecida
pregressa de doença do timo; imunode- pelo SUS é a quadrivalente (HPV4), que
ficiência congênita ou adquirida; gravi- contém os tipos 6, 11, 16 e 18. Nos CRIE, a
dez (a não ser em condições epidemio- HPV4 é disponibilizada em esquema de
lógicas especiais); hipersensibilidade a três doses nas seguintes situações: con-
qualquer componente da vacina; reação dições de imunodeficiências, pessoas
anafilática ao ovo; pessoas com imu- vivendo com HIV/Aids, transplantados
nossupressão secundária a doenças ou de órgãos sólidos e de medula, além de
tratamentos. pacientes oncológicos – para homens
Lactantes de bebês menores de 6 me- e mulheres de 9 a 45 anos. (Houve am-
ses de idade, quando vacinadas, devem pliação da faixa etária para 45 anos, em
ser orientadas para a suspensão do alei- março de 2021 para as mulheres e em
tamento materno por 10 dias após a vaci- julho de 2022 para os homens.)
nação e, neste período, utilizar leite ma- Na rede privada, a vacina HPV4 es-
terno pasteurizado ou fórmula infantil. tá licenciada para mulheres de 9 a 45
Eventos adversos: é considerada anos e para homens de 9 a 26 anos. Já a
uma vacina muito segura e, geralmente, vacina bivalente (sorotipos 16 e 18) com
é bem tolerada. A partir do terceiro ou proteção específica para câncer de colo,
quarto dia de vacinação, podemos ob- e não para verrugas genitais, é indica-
servar febre, dor de cabeça, dores mus- da para mulheres a partir dos 9 anos de
culares, entre outros sintomas. Eventos idade sem idade limite. Para indivíduos
adversos graves (reações anafiláticas, acima de 15 anos de idade, pelo calen-
doença viscerotrópica e doença neuro- dário da SBP, é indicado o esquema de
lógica) são de baixa frequência. três doses (0, 2 e 6 meses).
SEÇÃO 2 204

Via de administração: intramuscular. no máximo 45 anos de idade que já


Contraindicações: em gestantes; hi­ tiveram infecção prévia confirmada
per­sensibilidade grave após receber uma pelo vírus da dengue (soropositivos),
dose da vacina e hipersensibilidade ime- no esquema de três doses (0, 6 e 12
diata à levedura. me­ses). A OMS preconiza que o uso da
Eventos adversos: geralmente é vacina seja considerado apenas nas
uma vacina bem tolerada. Os eventos regiões de alta endemicidade da den-
adversos mais comuns são cefaleia e gue. Sendo assim, a utilização da vaci-
reações locais de intensidade leve a na em populações com soroprevalên-
moderada. Como houve relatos de casos cia inferior a 50% não é recomendada.
de síncope após a vacinação para HPV, Contraindicações: imunodeficiências
especialmente em adolescentes e adul- con­gênitas ou adquiridas, e terapia imu-
tos jovens (apesar de não ter sido esta- nos­
­ su­
pressora. Também não deve ser
belecido aumento do risco em estudos), aplicada em gestantes, lactantes e pes-
recomenda-se que as pessoas sejam va- soas que vivem com HIV/Aids. Além dis-
cinadas sentadas e mantidas em obser- so, como já explicado, não é indicada
vação por 15 min após a administração para indivíduos soronegativos.
da vacina. Eventos adversos: entre os locais, a
dor é o mais frequente. Os eventos sistê-
Dengue micos mais comuns são cefaleia, fadi-
A vacina contra a dengue não faz par- ga, mialgia e febre.
te do PNI, sendo encontrada apenas Covid-19: As vacinas e número de
na rede privada. É recomendada pa- doses para cada faixa etária devem se-
ra indivíduos a partir de 9 anos até guir as recomendações do PNI.

REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria em Imu­­nização e Doenças Transmissíveis. Calen­
Vigilância em Saúde. Coordenação-Geral do dá­rio de Vacinação 2022. Brasília: Ministério
De­senvolvimento da Epidemiologia em Ser­ da Saúde, 2022. Disponível em: https://www.
viços. Guia de Vigilância em Saúde. 3ª ed. Bra­ gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/c/
sí­lia: Ministério da Saúde, 2019, p. 740. Dis­ calendario-nacional-de-vacinacao/calenda-
ponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/ rio-vacinal-2022/cartaz_pni_64x46cm_final-
publicacoes/guia_vigilancia_saude_3ed.pdf. -aprovado-pni_02.pdf/vi. Acesso em: 28 ago.
Acesso em: 22 dez. 2021. 2022.

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria em BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria em


Vigilância em Saúde. Departamento de Vi­
gilância em Saúde. Departamento de
Imunização na infância e na adolescência 205

Imu­ni­zação e Doenças Transmissíveis. Co­or­­ na­ção-Geral do Programa Nacional de Imu­­


de­nação-Geral do Programa Nacional de Imu­ nizações. Manual dos Centros de Refe­rên­cia pa-
nizações. Comunicado aos Coor­
de­
nadores ra Imu­nobiológicos Especiais. 5ª ed. Brasília: Mi­
Estaduais de Imunizações. Assuntos: Am­pli­a­ nistério da Saúde, 2019, p. 174. Disponível em:
ção da oferta da vacina meningocócica ACWY https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/
(Conjugada) para os adolescentes não vaci- manual_centros_imunobiologicos_especiais_
nados entre 11 e 14 anos de idade (de forma 5ed.pdf. Acesso em 22 dez. 2021.
temporária) e ampliação da oferta da vacina
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria em
HPV4 para meninos de 09 a 14 anos de idade.
Vi­gi­lância em Saúde. Departamento de Imu­
Brasília: Ministério da Saúde, 2022. Disponível
ni­zação e Doenças Transmissíveis. Co­or­­de­
em: informe-pni-svs-ampliacao-hpv-tempora-
nação-Geral do Programa Nacional de Imu­ni­
ria-acwy-220908.pdf. Acesso em: 25 set. 2022.
za­
ções. Ofício nº 810/2022/CGPNI/DEIDT/SVS/
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria em Vi­ MS. Am­pliação da faixa etária da vacina HPV
gilância em Saúde. Departamento de Imu­ni­ quadrivalente para homens com imunossu-
zação e Doenças Transmissíveis. Co­or­denação- pressão até 45 anos de ida­de. Brasília: Minis­
Geral do Programa Nacional de Imu­­nizações. tério da Saúde, 2022. Dis­ponível em: https://
Comunicado aos Coor­de­na­do­res Estaduais de sbim.org.br/images/files/notas-tecnicas/oficio-
Imunizações. Assun­tos: Dis­­po­nibilização da -810-2022-pni-deidt-svs-ms-hpvimunossupri-
vacina meningocócica C (Con­jugada) para as midoshomens45.pdf. Acesso em: 28 set. 2022.
crianças e adolescentes não vacinados até 10
anos de idade e para trabalhadores da saúde. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria em
Brasília: Ministério da Saúde, 2022. Disponível Vi­gilância em Saúde. Departamento de Imu­
em: extensao-temporaria-publico-meningoco nização e Doenças Transmissíveis. Manual de
cica-c-220615.pdf. Acesso em: 25 set. 2022. Vi­gilância Epidemiológica de Eventos Adver­
sos Pós-Vacinação. 4ª ed. Brasília: Ministério
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria em da Saúde, 2020, p. 340. Disponível em: http://
Vi­gilância em Saúde. Departamento de Imu­­ bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_
ni­
zação e Doenças Transmissíveis. Coor­­
de­ vigilancia_epidemiologica_eventos_vacina-
na­ção-Geral do Programa Nacional de Imu­ cao_4ed.pdf . Acesso em: 22 dez. 2021.
niza­ções. Informe Técnico sobre Vacina Penta
Acelular e Vacina Hexa Acelular. Brasília: BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria
Mi­nistério da Saúde, 2021. Disponível em: ht- em Vigilância em Saúde. Ofício Cir­cu­lar nº
tps://sbim.org.br/images/files/notas-tecnicas/ 196/2021/SVS/MS. Campanha Na­cio­­nal de Va­
informe-incorporacao-penta-hexa-acelula- ci­na­ção contra a Influenza, a ampliação da
res-210104.pdf. Acesso em: 22 dez. 2021. oferta da vacina para toda a população a par-
tir de 6 meses de idade. Brasília: Mi­nis­té­rio da
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria em Sa­ú­de, 2021. Disponível em: https://sbim.org.
Vi­gilância em Saúde. Departamento de I­mu­ br/images/files/notas-tecnicas/oficio-circular-
ni­zação e Doenças Transmissíveis. Co­or­de­- -196-influenza.pdf. Acesso em: 22 dez. 2021.
SEÇÃO 2 206

LIMA, E. J. F. Rotinas em Imunização. 3ª ed. da SBP 2021, n. 9, 2018. Atualização/julho,


Recife: Vaccine, 2020. 2021. Dis­po­ní­vel em: https://www.sbp.com.
SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. De­ br/fileadmin/user_upload/23107b-DocCient-
par­tamento de Imunizações e Infectologia. -Calendario_Vacinacao_2021.pdf. Acesso em:
Do­cu­­mento Científico. Calendário Vacinal 21 jul. 2021
C APÍTULO
A PÍTULO 4x

Avaliação e acompanhamento
do crescimento da criança
e do adolescente

Ivanise Helena Bezerra Torres


Maria Laura Campelo de Melo Dias

Por que é importante avaliar desfavoráveis, não amamentadas, pre-


e acompanhar o crescimento? cocemente desmamadas, com alimen-
O crescimento é a característica básica tação complementar inadequada, que
que diferencia a criança do adulto. O vivem em habitações insalubres, com
crescimento normal é considerado um pouca estimulação ambiental, caren-
dos melhores indicadores de saúde da tes de cuidados higiênicos, de afeto
criança, em razão de sua estreita de- e de atenção, apresentam com maior
pendência dos fatores ambientais, e frequên­cia problemas de crescimento.
serve como verdadeiro testemunho da
situação de vida e de saúde da criança. Como avaliar o crescimento?
Além disso, o crescimento deficiente é O crescimento pode ser avaliado levan-
uma das queixas mais frequentes em do-se em conta seus diferentes proces-
Pediatria, e sinal de alerta para a maio- sos: dentário, ósseo e linear, além do
ria dos problemas de saúde da criança. estado nutricional, por exemplo. Para
a avaliação do estado nutricional e do
Quais os grupos de risco crescimento linear (incremento em al-
associados a uma maior tura), a antropométrica é largamente
ocorrência de problemas utilizada, pela facilidade de execução,
do crescimento? pelo baixo custo e por contar com am-
As crianças menores de cinco anos, es- pla aceitação da população.
pecialmente as menores de dois anos, As medidas antropométricas básicas
de famílias que vivem em condições usadas para a avaliação do crescimento
SEÇÃO 2 208

são: peso, comprimento/estatura (que O método transversal, por ser mais


refletem processos distintos de cresci- barato e rápido, é o mais utilizado para
mento) e perímetro cefálico (cuja aferi- colher dados sobre o crescimento hu-
ção é especialmente importante nos pri- mano. As curvas são elaboradas a partir
meiros dois anos de idade para avaliar de medidas tomadas uma única vez de
possibilidades de micro ou macrocefalia uma amostra de determinada popula-
e suas implicações). ção de um país, uma região ou cidade,
Após a aferição das medidas antro­ e, a partir daí, é feita a determinação
pométricas básicas, deve ser feita a das medidas de tendência central e de
comparação das medidas corpóreas da dispersão que estabelecem os limites es-
criança com as curvas de referência tatísticos de normalidade das variáveis
apropriadas e específicas para a idade e antropométricas consideradas.
o sexo, o que permite identificar poten- No método longitudinal, as medidas
ciais problemas relacionados ao cresci- são obtidas dos mesmos indivíduos, em
mento, à saúde e à nutrição. idades determinadas, ao longo de um
período de tempo, geralmente do nasci-
O que são curvas de referência? mento até a idade adulta. Sua principal
E padrão de referência? Como desvantagem é precisar de longo tempo
são construídas? de seguimento. É o método utilizado na
As curvas de referência ou referencial construção das curvas de velocidade de
adotado para a comparação na ava- crescimento.
liação do crescimento não devem ser Já o Estudo Multicêntrico sobre Re­fe­
usadas como se fossem padrões. Todo rências de Crescimento, patrocinado pe-
padrão é uma referência, mas nem toda la Orga­nização Mundial de Saúde (OMS)
referência é um padrão. Padrão é algo a e baseado no crescimento de crianças
que todos têm de se igualar. Referência amamentadas exclusivamente ao seio
serve de parâmetro para comparações. em vários países (Brasil, Gana, Ín­
dia,
Para a construção das curvas de No­­ru­ega, Omã e EUA), utilizou dados
referência, podem ser utilizados dois transversais e longitudinais para a cons-
métodos principais: o método trans- trução das curvas. Tal método também
versal e o método longitudinal. Existe possibilitou a construção de curvas de
também um método híbrido, chamado velocidade de crescimento. As curvas
longitudinal misto, mais complexo, que consolidadas nesse estudo são conside-
utiliza dados transversais e longitudi- radas verdadeiro padrão de referência,
nais. Em cada método, há vantagens e tendo em vista o método utilizado para
desvantagens. suas construções, segundo seus atores.
Avaliação e acompanhamento
do crescimento da criança
e do adolescente 209

Para avaliar e acompanhar ade- idade, ao sexo ou outra variável antro-


quadamente o crescimento físico das pométrica. A combinação dessas variá-
crianças, os trabalhadores de saúde pre- veis permite a composição de índices
cisam conhecer seus padrões de cres- antropométricos, como estatura/compri-
cimento, assim como as características mento/idade, peso/idade, peso/estatura,
ou limitações das curvas de referência perímetro cefálico/idade, índice de mas-
utilizadas para o acompanhamento do sa corpórea/idade. A comparação desses
crescimento. Se considerarmos que as índices entre na criança em estudo e na
decisões clínicas tomadas concernentes população de referência permite descre-
ao crescimento da criança são influen- ver se a mesma apresenta crescimento
ciadas pela curva de referência utiliza- satisfatório.
da, diferentes padrões de crescimento Um índice antropométrico passa
(criança nascida com baixo peso, com a ser um indicador das condições do
peso insuficiente, pré-termo), avaliados crescimento quando ele é associado a
segundo curvas apropriadas para o re- pontos de corte que permitem situar a
cém-nascido com peso adequado, serão criança dentro de uma faixa aceita co-
interpretados de forma equivocada. É mo normal, de acordo com a referência
importante lembrar que as crianças de crescimento utilizada.
amamentadas exclusivamente ao seio,
quando avaliadas pela curva de refe- O que é percentil? E escore Z?
rência do National Center for Health Existem diferentes maneiras de se repre-
Statistics (NCHS), que utiliza dados da sentar os pontos de corte dos índices an-
população americana, parecem estar tropométricos determinados estatistica-
em desvantagem se comparadas às ali- mente: por meio de percentis, de escores
mentadas com substitutos do leite ma- Z ou por outras formas de classificação.
terno, porque a curva do NCHS foi cons- O percentil indica a percentagem do
truída com crianças alimentadas com total de observações que são iguais ou
fórmulas, e que apresentam padrão de se situam abaixo de um determinado
crescimento diferente das alimentadas valor, e é obtido dividindo-se a popula-
exclusivamente ao seio, especialmente ção organizada em cem partes iguais.
nos primeiros seis meses de vida. Usa-se a terminologia de escore Z
(desvio-padrão) para representar a varia-
O que são índices? E indicadores? bilidade de um determinado parâmetro
O conhecimento isolado das medidas entre os indivíduos. O escore Z expres-
antropométricas não tem significado; sa a distância, medida em unidades
por isso, estas devem ser relacionadas à de desvios-padrão, a que o parâmetro
SEÇÃO 2 210

obtido está afastado da mediana da po- utilizado (peso/idade, comprimento/


pulação de referência, para os mesmos altura/idade);
sexo e idade. b) Observar a inclinação da curva: se
ascendente (bom), se retificada ou
Como interpretar as curvas de descendente (perigo).
crescimento e seus percentis?
Quadro 1. Curvas de peso para idade*
Antes da publicação das curvas de cres-
cimento do Estudo Multicêntrico inter- Acima do 97º
Sobrepeso
percentil
nacional, o referencial de crescimento
Entre o 3º e o 97º Faixa de normalidade
do NCHS, utilizado mundialmente des- percentis nutricional
de 1977, foi revisado, objetivando-se Entre o 3º e o 10º Risco nutricional
percentis (referência NCHS)
refletir mudanças seculares e corrigir
ou minimizar uma série de falhas que Entre o 3º e o 15º Risco nutricional
percentis (referência OMS)
o apontavam como um indicador im-
Abaixo do 3º percentil Baixo peso
perfeito de crescimento, especialmente
para os lactentes. A revisão do referen- * Nas crianças com edema esses critérios não devem ser
considerados.
cial antropométrico de crescimento do
Fonte: Autoras
NCHS/1977 foi publicada pelo Center
for Disease Control (CDC) em maio de Quadro 2. Curvas de comprimento/estatura
para idade
2000. Portanto, as interpretações dos
centis das curvas citadas nos Quadros 1 Acima do 97º
Alta estatura
percentil
e 2 referem-se às curvas do NCHS e do
Entre o 3º e o 97º Comprimento/Estatura
CDC 2000. Nas curvas de crescimento do percentis* normais
Estudo Multicêntrico internacional (pe- Entre o 3º e o 10º Risco para baixa estatura
percentis (referência NCHS)
so/idade, altura/idade), estão representa-
dos os centis 3, 15, 50, 85 e 97. Entre 3º e 15º Risco para baixa estatura
percentis (referência OMS)
O acompanhamento do crescimen-
Abaixo do 3º
Baixa estatura
to da criança pressupõe seguimento. É percentil

a análise das medidas sequenciais que * 


Lembrar que o 3º percentil significa que 3% das
possibilita a correta interpretação do pessoas normais estão abaixo deste valor, e que muitas
crianças que procuram o serviço de saúde com queixa
crescimento da criança. de baixa estatura são na verdade variantes extremos
da normalidade (cerca de 80% das crianças com baixa
Para avaliar o crescimento da crian-
estatura).
ça é importante observar dois aspectos Fonte: Autoras
nas curvas de distância:
a) Verificar o percentil em que a criança É preciso esclarecer que não se faz
se encontra de acordo com o índice diagnóstico do problema de crescimento
Avaliação e acompanhamento
do crescimento da criança
e do adolescente 211

em uma única consulta, e que estar abai- alturas (anterior e atual) e o intervalo de
xo de um ponto de corte (3º percentil; tempo entre as duas medidas. Em rela-
10º percentil) não significa, necessaria- ção ao tempo, o cálculo é feito com o
mente, que a criança tem problema de tempo decimalizado. Assim, três meses
crescimento, uma vez que esses pontos equivalem a um quarto de ano (0,25). A
de corte são arbitrários. O que sugere seguir, compara-se o resultado obtido
problema de crescimento é a velocida- com a curva de referência de Tanner
de de crescimento, principal critério de ou com as curvas de VC da OMS, para
normalidade. crianças menores de cinco anos. Valores
de velocidade de crescimento abaixo do
Como avaliar a velocidade 10º percentil são considerados de risco,
de crescimento (VC)? já que 80% das crianças abaixo desse
Velocidade significa espaço dividido valor apresentam algum problema de
pelo tempo. Quando avaliamos o cres- crescimento.
cimento físico linear, a velocidade de Em relação à avaliação da estatura,
crescimento (VC) é definida como o deve ser considerado ainda o cálculo
incremento estatural em centímetros, da estatura-alvo, porque a definição de
ocorrido no intervalo de um ano. No en- estatura normal leva em consideração a
tanto, após o terceiro ano de vida, pode altura dos pais, e deve situar-se dentro
ser calculada a partir do crescimento de uma faixa-limite que gira em torno
apresentado em seis meses. O uso de in- da estatura-alvo. Esta pode ser calculada
tervalos menores para o cálculo da VC da seguinte forma:
pode multiplicar o erro das medidas ou
desconsiderar a variação do crescimen- Meninas: altura da mãe + (altura do pai - 13 cm) ± 6,5
2
to dentro do mesmo ano. A VC alcança-
da em distintas idades, incluindo o pe-
Meninos: altura do pai + (altura da mãe + 13 cm) ± 6,5
ríodo de crescimento intrauterino, não 2
é uniforme:
• Intrauterino: Maior VC
• Lactente: 20 a 25 cm/ano no primei- Do que depende a avaliação
ro ano e 12 cm/ano no segundo ano e o acompanhamento adequados
• Pré-Puberal: 5 a 7 cm/ano do crescimento?
• Puberal: 8 a 10 cm /ano a) Da informação correta da idade da
criança;
O cálculo da VC pode ser feito utili- b) Da obtenção de registros apropria-
zando-se a razão entre a diferença das dos das medidas antropométricas
SEÇÃO 2 212

(técnica cuidadosa, instrumentos Quais os critérios para


em perfeito estado); encaminhar a criança para
c) Do uso de curvas de distância e de avaliação em ambulatório
velocidade e da interpretação apro- especializado de crescimento?
priada das representações gráficas a) Crianças e adolescentes (do nasci­
do crescimento; men­­
to a menos de 20 anos) que
d) Do seguimento evolutivo do cresci- apresentem:
mento da criança; b) Peso e/ou comprimento/estatura/ida-
e) De outros dados clínicos, além da de abaixo do 3º percentil das curvas
antropometria (história clínica e so- de referência do NCHS ou da OMS;
cial da criança, exame físico). c) Peso e/ou comprimento/estatura/ida-
de entre o 3º e o 10º percentis (NCHS)
No primeiro ano de vida, as crianças ou entre o 3º e o 15º percentis (OMS)
devem ter seu crescimento avaliado em com curvas descendentes;
seis ocasiões, no mínimo, com um inter- d) Curvas de peso/idade e/ou compri-
valo de dois meses entre as avaliações, no mento/estatura/idade retificadas por
máximo. É importante lembrar que até um período maior que dois meses,
dois anos elas podem cruzar centis para em crianças menores de um ano;
cima ou para baixo, e isso pode não signi- e) Velocidade de crescimento abaixo
ficar problema, e sim tentativa de atingir do limite inferior para o sexo e o
o canal de crescimento compatível com grupo etário;
o potencial genético familiar, o que ocor- f) Atraso em atingir os marcos do de-
re, geralmente, entre 9 e 18 meses de ida- senvolvimento esperado para a ida-
de. Dos 12 aos 24 meses, a avaliação deve de (especialmente em crianças me-
ser semestral. Após essa idade, anual. nores de um ano).

Referências
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria E. (Org.). Pediatria na atenção primária. Moe­
de Políticas de Saúde. Saúde da criança: ma: Sarvier, 2002. p. 56-63.
acompanhamento do crescimento e desen-
TORRES, I. H. B.; SOUZA, M. F. T. Acom­pa­
volvimento infantil. Brasília: Ministério da nha­
mento do Crescimento. In: LIMA, E. J.
Saúde, 2002. (Série Cadernos de Atenção F.; SOUZA, M. F. T.; BRITO, R. C. C. M. (Org.).
Bá­­sica, n. 11; Série A, Normas e Manuais téc- Imip: pediatria ambulatorial. Rio de Janeiro:
nicos, n. 173). Medbook, 2008. p. 99-126.

MARCONDES, E. Crescimento e sua monitori- TORRES, I. H. B.; SILVA, G. A. P. Crescimento da


zação. In: ISSLER, H.; LEONE, C.; MARCONDES, criança. In: LIMA, M.; Motta, M. E.; SILVA, G.
Avaliação e acompanhamento
do crescimento da criança
e do adolescente 213

A. P. (Org.). Saúde da criança: para entender SILVA, G. A. P.; TORRES, I. H. B.; LIMA, M. C.
o normal. Recife: Editora UFPE, 2007. p. 23-31. Crescimento Linear: avaliação. In: LIMA, M.;
AMORIM, R. J. M.; LIMA, M. C. Crescimento MOTTA, M. E.; SILVA, G. A. P. (Org.). Saúde
Fetal. In: LIMA, M.; MOTTA, M. E.; SILVA, G. A. da criança: para entender o normal. Recife:
P. (Org.). Saúde da criança: para entender o Editora UFPE, 2007. p. 43-66.
normal. Recife: Editora UFPE, 2007. p. 32-42.
C APÍTULO 5

Vigilância do desenvolvimento
neuropsicomotor na infância

Sophie Helena Eickmann


Thaís Aguiar Accioly Rocha

INTRODUÇÃO positivo ou negativo, pela experiência


A chegada de uma criança a uma fa- ambiental, devido à neuroplasticidade
mília é um momento de expectativa do início da vida. Todo esse mecanismo
pela preparação para receber um novo ocorre de maneira mais intensa até os
membro. Cada nascimento envolve um dois anos de idade, fase conhecida co-
ambiente familiar repleto de crenças e mo “Primeiros Mil Dias de Vida” – con-
valores, que influenciarão na formação tados a partir do início da gestação. É
de um novo ser. Estar em crescimento e um momento crucial para a vigilância
desenvolvimento é o que difere a crian- do desenvolvimento neuropsicomotor,
ça e o adolescente das outras faixas etá- visto que a janela de intervenções terá
rias, e o pediatra precisa ter em mente resultados mais favoráveis do que se ins-
os múltiplos fatores envolvidos na cons- tituída tardiamente.
trução desse processo.
O conceito de desenvolvimento é IMPORTÂNCIA
amplo e refere-se a complexa, contí- Diante da mudança populacional
nua e dinâmica evolução que envolve mun­
dial e dos países em desenvolvi-
aspectos físicos, neurológicos, psíqui- mento, inclusive do Brasil, com curva
cos e motores. A formação da arquite- decrescente das taxas de mortalidade
tura cerebral ocorre de forma bastante infantil e desnutrição (UNICEF, 2020),
acelerada desde a vida embrionária, e especialistas notaram a necessidade de
embora haja influência genética, ela é olhar para o desenvolvimento infantil,
continuamente modificada de modo visando à promoção da saúde integral
Vigilância do desenvolvimento neuropsicomotor na infância 215

na infância e na constituição do ser. A atenção, orientação visual e acústica,


primeira infância – etapa que vai até os enquanto as das funções linguísticas
seis anos de idade – constitui um perío- podem ser verbais e não verbais e com-
do sensível, de maior vulnerabilidade e preendem habilidades tanto receptivas
sensibilidade de cada circuito neuronal, (compreensão de comunicação) como
nos quais as capacidades são adquiridas expressivas (produção de comunicação).
com o tempo, de maneira cada vez mais A evolução do eixo motor pode ser sub-
elaboradas, especialmente na presença dividida em motor fino e motor grosso,
de estímulos adequados. Destaca-se a sendo o objetivo dessa avaliação per-
importância desse tema para pediatras ceber os ganhos na movimentação, na
e membros da equipe de saúde, por se- sustentação das partes do corpo e na
rem os primeiros profissionais a ter con- coordenação para realizar atividades
tato com as crianças e as suas famílias, cada vez mais específicas: sentar, an-
possibilitando a identificação precoce dar, pular, segurar objetos, desenhar, e
de alterações passíveis de modificação, fazer tarefas gradativamente mais com-
que possam repercutir em sua vida futu- plexas. De maneira concomitante, há a
ra, e o encaminhamento oportuno des- evolução das funções executivas, com-
tes pacientes. preendidas pela aquisição do conjunto
de habilidades que auxilia no controle e
COMO ACOMPANHAR? na regulação do pensamento, das ações
Para avaliar o Desenvolvimento Neuro­ e das emoções, através da memória ope-
psicomotor (DNPM) normal e suas va- racional, do controle de impulsos, da
riantes é essencial compreender que flexibilidade mental, da atenção, das
as habilidades são adquiridas de forma noções de adequação e de socialização.
interdependente, por isso a Pediatria do
Desenvolvimento entende que as habi- DIAGNÓSTICO
lidades cognitivas, motoras e de lingua- O adequado acompanhamento do DNPM
gem interagem com as características necessita que o examinador tenha co-
emocionais e socioculturais de maneira nhecimento teórico sobre o desenvol-
contínua e interligada, e essa deve ser a vimento infantil, mas, principalmente,
base do raciocínio para iniciar o proces- a capacidade de observação e de inte-
so de acompanhamento do desenvolvi- ração com a criança, que só se adquire
mento infantil. com a experiência prática. É condição in-
A cognição na faixa etária pré-esco- dispensável que o examinador tenha in-
lar se mostra muito pelas habilidades teresse e paciência, permitindo à criança
sensório-motoras, como curiosidade, mostrar todo o seu potencial.
SEÇÃO 2 216

Ao iniciar a vigilância do desenvolvi- para a possibilidade de doenças orgâ-


mento, a anamnese deve ser acolhedora nicas, especialmente de relevâncias
e detalhada, buscando as informações neurológica, genética ou crônica em
com familiares, terapeutas e/ou pro- geral, que possam interferir no DNPM.
fissionais da creche ou da escola, para Observar reações espontâneas que de-
entender o contexto em que a criança mostrem funções cognitivas, adaptati-
está inserida, a história pregressa e o vas e sociais. Durante a consulta, é de
padrão do DNPM, através da pesquisa fundamental importância interagir ati-
dos marcos do desenvolvimento. Deve- vamente com a criança, para observar
se questionar de maneira ativa se até o suas habilidades e comportamentos, as-
presente momento o processo evolutivo sim como sua interação com o examina-
foi contínuo, se houve retrocesso em dor e os seus acompanhantes.
alguma etapa e qual é a percepção dos Visando objetivar e melhorar a acurá-
pais sobre seu(sua) filho(a), pois muitas cia do diagnóstico de atraso neuropsico-
das vezes em que há queixas, de fato, motor e identificar mais precocemente
há atraso. É muito importante, também, as alterações no desenvolvimento infan-
delimitar os grupos que necessitam de til, escalas padronizadas têm sido pro-
atenção especial, investigando cuidado- postas, entre elas os testes de triagem de
samente fatores de risco: Denver e Bayley III, que não são de livre
• Gestacional: pré-natal ausente ou acesso, necessitam de treinamento for-
incompleto, gravidez indesejada, mal do examinador e material original.
uso de medicamentos, de álcool, de A vantagem de cada instrumento depen-
drogas ou tabagismo, fertilização in de, principalmente, da experiência do
vitro, infecções ou comorbidades; examinador e do conhecimento de suas
• Perinatal: baixo peso ao nascer, indicações, qualidades e limitações.
prematuridade, hipóxia, trauma O Ministério da Saúde (MS) lançou,
obstétrico, infecção do SNC, con- em 2020, a 2ª edição da Caderneta da
vulsões, hemorragia intracraniana, Cri­ança, intitulada Passaporte da Ci­da­
alterações metabólicas ou icterícia dania, em que está disponível o “Ins­tru­
grave; men­to de Ava­lia­ção do Desen­vol­vi­men­
• Pós-natal: internamento prolonga- to Inte­
gral da Criança”, para auxiliar
do, vulnerabilidade, estresse tóxico, o acompanhamento profissional dos
violência física ou mental. marcos do desenvolvimento na infân-
cia. Esse instrumento é composto de
O exame físico deve ser detalhado, três áreas, incluindo itens de anamnese,
com inspeção de sinais que apontem de exame físico (perímetro cefálico e
Vigilância do desenvolvimento neuropsicomotor na infância 217

identificação de dismorfias) e uma tabe- desenvolvimento, conforme avaliados


la de marcos de desenvolvimento. em: Presentes (P), Ausentes (A) ou Não
O preenchimento dos marcos de Verificados (NV) para cada idade na fai-
desenvolvimento deve ser feito para xa correspondente (exemplo da tabela
quatro itens por faixa etária, que iden- de Marcos do Desenvolvimento, de 0 a
tificam habilidades de resolução de pro- 6 meses de vida – Quadro 1).
blemas, de linguagem e de coordenação Após análises das três subáreas do
motora grossa e fina, além de algumas instrumento, a criança é classificada
ligadas a aspectos da constituição psí- con­forme o Quadro 2, e uma conduta
quica. Deve-se assinalar os marcos do se­rá indicada.

Quadro 1. Marcos do desenvolvimento do nascimento aos 6 meses

Idade em meses
Marcos Como pesquisar
0 1 2 3 4 5 6

Deite a criança em superfície plana, de


1. Postura: pernas e
costas, com a barriga para cima; observe se
braços fletidos, cabeça
seus braços e pernas ficam flexionados e sua
lateralizada
cabeça, lateralizada

Posicione seu rosto a, aproximadamente, 30


1. Observa um rosto cm acima do rosto da criança. Observe se a
criança olha para você, de forma evidente

Fique atrás da criança e bata palmas ou


balance um chocalho a cerca de 30 cm de
1. Reage ao som cada orelha da criança e observe se ela reage
ao estímulo sonoro com movimentos nos
olhos ou mudança da expressão facial

Coloque a criança de bruços (barriga para


baixo) e observe se ela levanta a cabeça,
1. Eleva a cabeça
desencosta o queixo da superfície, sem virar
para um dos lados

Sorria e converse com a criança; não lhe faça


2. Sorri quando
cócegas ou toque sua face. Observe se ela
estimulada
responde com um sorriso

Observe se, em alguns momentos, a criança


2. Abre as mãos
abre as mãos espontaneamente

Observe se a criança emite algum som, que


não seja choro. Caso não seja observado,
2. Emite sons
pergunte ao acompanhante se ela faz isso
em casa

2. Movimenta os Observe se a criança movimenta ativamente


membros os membros superiores e inferiores

Fique à frente do bebê e converse com


ele. Observe se ele responde com sorriso
3. Responde ativamente
e emissão de sons, como se estivesse
ao contato social
“conversando” com você. Pode pedir que a
mãe o faça
SEÇÃO 2 218

Idade em meses
Marcos Como pesquisar
0 1 2 3 4 5 6

Ofereça um objeto tocando no dorso da mão


ou nos dedos da criança. Ela deverá abrir as
3. Segura objetos
mãos e segurar o objeto por, pelo menos,
alguns segundos

Fique à frente da criança e converse com ela.


3. Emite sons, ri alto Observe se ela emite sons (gugu, eeee etc.),
veja se ela ri emitindo sons (gargalhadas)

Coloque a criança de bruços, em uma


3. Levanta a cabeça superfície firme. Chame sua atenção com
e apoia-se nos objetos à frente do seu rosto e observe
antebraços, de bruços se ela levanta a cabeça, apoiando-se nos
antebraços

Coloque um objeto ao alcance da criança


4. Busca ativa de (sobre a mesa ou na palma de sua mão),
objetos chamando sua atenção para ele. Observe se a
criança tenta alcançá-lo

Ofereça um objeto na mão da criança e


4. Leva objetos a boca
observe se ela o leva à boca

Faça um barulho suave (sino, chocalho etc.)


próximo à orelha da criança e observe se
4. Localiza o som
ela vira a cabeça em direção ao objeto que
produziu o som. Repita no lado oposto

Coloque a criança em superfície plana, de


4. Muda de posição
barriga para cima. Incentive-a a virar para a
(rola)
posição de bruços

Fonte: Ministério da Saúde (2020).

Quadro 2. Instrumento de avaliação do desenvolvimento integral da criança

Dados da avaliação Classificação Conduta

• Perímetro Cefálico < - 2 Z escore ou Provável atraso no • Acionar a rede de atenção


> + 2 Z escore desenvolvimento especializada para a avaliação do
• Presença de 3 ou mais alterações desenvolvimento
fenotípicas
• Ausência de 1 ou mais reflexos/
posturas/habilidades para a faixa etária
anterior (se a criança estiver na faixa
de 0 a 1 mês, considere a ausência de 1
ou mais reflexos/posturas/habilidades
para a sua faixa etária suficiente para
esta classificação)

• Ausência de 1 ou mais reflexos/ Alerta para o • Orientar a mãe ou o cuidador


posturas/habilidades para sua faixa desenvolvimento sobre como incentivar a criança
etária (de 1 mês a 6 anos) • Marcar a consulta de retorno em
• Todos reflexos/posturas/habilidades 30 dias
para sua faixa etária estão presentes, • Informar a mãe, ou o cuidador,
mas existe 1 ou mais fatores de risco sobre os sinais de alerta para
retornar antes de 30 dias
Vigilância do desenvolvimento neuropsicomotor na infância 219

Dados da avaliação Classificação Conduta

• Todos reflexos/posturas/habilidades Desenvolvimento • Elogiar a mãe ou o cuidador


para sua faixa etária estão presentes adequado • Orientar a mãe ou o cuidador
para que continue incentivando
a criança
• Retornar para realizar o
acompanhamento, conforme a
rotina do serviço de saúde
• Informar a mãe ou o cuidador
sobre os sinais de alerta para
retornar antes

Fonte: Ministério da Saúde (2020).

PREVENÇÃO representa, e orientar os pais, os cuida-


A infância é a fase da construção do dores e os profissionais da escola acerca
indivíduo, em que todos os processos e do papel fundamental que exercem ao
as potencialidades são impulsionados. interagir, brincar, valorizar e oferecer
Incentivar os profissionais de saúde na ambiente estimulador à criança são for-
busca do conhecimento da janela de mas essenciais de intervir na prevenção
oportunidades, que essa etapa da vida dos atrasos do desenvolvimento.

REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério da Saúde. Saúde da crian- GRISI, S. J. F. E.; ESCOBAR, A. M. U. Desenvol­
ça: crescimento e desenvolvimento. Cadernos vimento da criança. São Paulo: Atheneu, 2018,
de Atenção Básica, v. 33, p. 23-31, 2012. p. 13-19, p. 43-51.

BRASIL. Ministério da Saúde. Caderneta da MOORE, T. et al. The First Thousand Days: An
Criança. Passaporte da Cidadania, 2ª ed.,
Evidence Paper. Melbourn, Australia: 2017.
2020. p. 76-84. Disponível em: www.saude.
Disponível em: www.rch.org.au/ccch. Acesso
gov.br. Acesso em: 10 abr. 2021.
em: 10 abr. 2021.
BRAZELTON, T. B. Momentos Decisivos do De­
UNICEF. Situação no Brasil. 2020. Disponível
senvolvimento Infantil. Martins Fontes, 1994.
em: https://www.unicef.org/brazil/saude. Aces-
COMITÊ CIENTÍFICO DO NÚCLEO CIÊNCIA so em: 10 maio 2021.
PELA INFÂNCIA. Funções Executivas e Desen­
volvimento na primeira infância: Habilidades WINNICOTT, D. W. Da pediatria à psicanálise:
Necessárias para a Autonomia, Estudo nº III, obras escolhidas. Ed. Imago, Rio de Janeiro,
2016. Disponível em: http://www.ncpi.org.br. 1988.
Acesso em: 10 abr. 2021.
C APÍTULO 6

Higiene do sono

Sophie Helena Eickmann


Victor Mendes da Silva

O QUE É? qualidade do sono e o bem-estar, a per-


Entendemos como higiene do sono a formance diurna do indivíduo, incluin-
adoção de um conjunto de hábitos e do a capacidade de se manter alerta e
comportamentos que busca melhorar os atento, de estudar, de trabalhar, de rea-
mais diversos problemas referentes ao lizar atividades de lazer, assim como de
sono, tendo crescente relevância na prá- digerir bem os alimentos após as refei-
tica médica, uma vez que é papel funda- ções. Com o aumento da prevalência de
mental do médico promover a qualida- distúrbios do sono observada em crian-
de do sono. Como exemplo de medidas ças e adolescentes nos últimos anos, se
de higiene do sono podemos destacar torna mais im­portante que profissionais
o controle de fatores estressores, assim da saúde saibam orientar adequadamen-
como dos maus hábitos alimentares, a te os pais a respeito das rotinas e práticas
falta de rotina nos horários de dormir, que podem, de forma efetiva, melhorar,
o sedentarismo e o uso inadequado de a curto e longo prazos, a qualidade do
telas/tecnologias digitais. sono de seus filhos.
São bem conhecidos os impactos
QUAL É A IMPORTÂNCIA DO SONO? do sono nas funções cognitivas e nos
O sono é uma função biológica básica do aspectos emocionais. Sendo assim, seus
ser humano e ganha especial importân- distúrbios podem levar a alterações do
cia na infância e na adolescência, uma desenvolvimento neuropsicomotor e
vez que essas fases se caracterizam por da saúde mental, com sintomas de an-
intenso crescimento e desenvolvimen- siedade, de depressão e dificuldades de
to. Existe uma estreita relação entre a concentração e de memória. Também é
Higiene do sono 221

descrita na literatura, a associação do sono cada vez mais expressivos com seus
déficit de sono com alterações metabó- múltiplos impactos sistêmicos, também
licas e sobrepeso. Vários são os fatores poderá criar um ciclo vicioso ao projetar
associados aos problemas do sono, co- em seus filhos os mesmos comportamen-
mo os aspectos emocionais de medo e tos desfavoráveis. Promover a higiene
pesadelos na fase pré-escolar e escolar, do sono favorece, portanto, não apenas
e os aspectos mais clínicos das doenças noites bem dormidas, como também a
agudas e crônicas, que afetam todas as melhoria do rendimento de atividades
faixas etárias, sendo importantes aspec- diárias e na qualidade de vida.
tos a serem pesquisados na pediatria.
COMO INVESTIGAR?
QUAL É O IMPACTO DE UMA MÁ A anamnese é o instrumento principal
HIGIENE DO SONO? na investigação da higiene do sono e
A má higiene do sono pode ter impactos dos hábitos de risco para suas alterações,
bastante precoces na qualidade do sono possibilitando reconhecer os pontos a
em qualquer idade, sendo a faixa etária serem abordados na etapa de orienta-
pediátrica a mais vulnerável. Em famílias ção. É fundamental perguntar aos pais
com inadequados hábitos do sono é co- ou aos cuidadores sobre o horário de iní-
mum que a criança/adolescente acompa- cio e duração diária de sono, assim co-
nhe as atividades noturnas de seus pais, mo sobre o local onde a criança dorme
iniciando tarde os preparos para adorme- e quais rituais para adormecer são mais
cer e sem que ocorra a diminuição ade- frequentemente necessários.
quada dos estímulos visuais e sonoros à A National Sleep Foundation reco-
noite. Somado a isso, com o passar da menda a duração ideal de sono por faixa
idade, aumenta consideravelmente o uso etária (Tabela 1).
dos dispositivos eletrônicos, em especial
no horário noturno, sem o controle e o COMO ORIENTAR PARA UMA BOA
limite adequado por parte dos pais. Esses HIGIENE DO SONO?
fatores são determinantes para o apare- Segundo a Sociedade Brasileira de Pe­di­
cimento de atraso progressivo no horário a­tria, algumas orientações importantes
de adormecer e, consequentemente, in- a serem dadas aos pais de crianças e
suficiência na quantidade de horas de adolescentes são:
sono. A falta da adequada higiene do • Manter uma rotina de cochilos diur-
sono nas crianças e nos jovens tende a nos das crianças que ainda necessi-
se perpetuar na vida adulta e, por con- tam e evitar os cochilos no final da
sequência, além de trazer problemas de tarde;
SEÇÃO 2 222

Tabela 1. Duração ideal de sono por faixa etária

Duração ideal de Duração aceitável de sono


Faixa etária
sono (horas) (horas: máximo e mínimo)

0-3 meses 14-17 18-19 e 11-13

4-12 meses 12-15 16-18 e 10-11

1-2 anos 11-14 15-16 e 9-10

3-5 anos 10-13 14 e 8-9

6-13 anos 9-11 12 e 7-8

14-17 anos 8-10 11 e 7

Fonte: Hirshkowitz et al. (2015).

• Construir um ambiente calmo e • Se a criança acordar à noite por me-


tranquilo, que promova a confiança do ou para ir ao banheiro, permane-
e a segurança da criança, e colocar cer no quarto dela até ela se acalmar,
a criança ainda acordada em sua e avisá-la que retornará para o seu
cama; quarto quando ela adormecer;
• Criar uma rotina para a hora de dor- • Se a criança despertar durante a noi-
mir e um ambiente propício ao sono, te, usar uma luz fraca, falar baixo e ser
com a diminuição de estímulos e a breve o suficiente, sem estimulá-la;
criação de um momento de prepa- • A adolescência é marcada por al-
ração ao sono, com a presença do terações fisiológicas, que também
cuidador; trazem repercussões nos hábitos
• Manter uma rotina de horários de de sono, sendo importante orien-
dormir e acordar, e seguir essa roti- tar também diretamente os jovens,
na todos os dias da semana (incluin- além dos pais;
do finais de semana e feriados); • Saia da cama se tiver dificuldade
• Evitar que a criança adormeça com de adormecer. Faça algo relaxante
mamadeiras, leite, chás, ou vendo como respirar fundo, ouvir música
televisão e outros dispositivos ele- suave ou ler um livro, mas não ligue
trônicos, ou em outro lugar que não a televisão, nem o seu celular, e só
seja sua própria cama, e não alimen- retorne para a cama quando estiver
tar a criança durante a noite; sonolento;
• Evitar levar a criança para a cama • Nunca use a cama para estudar, ler,
dos pais ou outros lugares para dor- ver TV, ficar no computador, na in-
mir ou acalmar-se; ternet ou no celular;
Higiene do sono 223

• Limite cochilos diurnos a menos de funcionando como se estivéssemos


uma hora de duração e só até as 15 acordados, atrasando a produção de
horas; neuro-hormônios que regulam o so-
• Crie uma rotina que mantenha a no, como a melatonina;
quantidade de horas de sono cons- • Não vá para a cama com fome. Co­
tante, e os horários de dormir e acor- ma um lanche saudável ou tome um
dar bem estabelecidos. Nos fins de copo de leite morno antes de deitar.
semana, evite compensar as horas Evite alimentos muito gordurosos
de sono perdidas de dias anteriores ou açucarados;
e evite dormir tarde para não acor- • Não pratique exercícios físicos 4 ho-
dar cansado na manhã seguinte; ras antes de dormir, já que o corpo
• Evite alimentos estimulantes à noi- necessita desse tempo para relaxar;
te ou, ao menos, 4 horas antes de • Faça um diário sobre os hábitos de
dormir, como os ricos em cafeína e sono, quando consegue dormir me-
açúcares; lhor ou pior, para aprender sobre co-
• Ajuste as luzes à noite para que o mo conseguir regular melhor suas
organismo saiba que está chegando vivências diárias e noturnas.
o momento de dormir. Pela manhã,
abra as janelas e se exponha à luz so- Para que essas informações sejam
lar para aumentar o alerta e reduzir efetivamente repassadas e os pais e
a sonolência; adolescentes entendam o valor da boa
• Separe um tempo para “diminuir o higiene do sono, é necessário criar um
ritmo” antes de ir para a cama, e vínculo de confiança e estar aberto para
re­laxe por uns 15 a 30 min. Desli­ ouvir com empatia os desafios no esta-
gar-se de fatores externos ajuda a belecimento dessas condutas. Em casos
sinalizar o cérebro de que é hora de de suspeita de alterações mais graves
dormir; do sono, que não respondem à adequa-
• Desligue os dispositivos eletrôni- da higiene do sono, o portador deve ser
cos quando for dormir, já que a luz encaminhado para uma consulta com o
desses aparelhos mantém o cérebro especialista.

REFERÊNCIAS
HALAL, C. S.; NUNES, M. L. Organização e HIRSHKOWITZ, M. et al. National Sleep
higiene do sono na infância e adolescência. Foundation’s sleep time duration recom-
Residência Pediátrica, v. 8, n. Supl. 1, p. 45- mendations: methodology and results sum-
48, 2018. mary. Sleep Health, v. 1, n. 1, p. 40-43, 2015.
SEÇÃO 2 224

NUNES, M. L.; BRUNI, O. Insomnia in child- Higiene do Sono, nº 1, setembro de 2017. Dis­po­
hood and adolescence: clinical aspects, di- nível em: https://www.sbp.com.br/fileadmin
agnosis, and therapeutic approach. Jornal /user_upload/19807c-DocCient_-_Higiene_do_
de Pediatria (Rio J.), v. 91, n. 6, Suppl. 1, p. Sono.pdf. Acesso em: 03 jul. 2021.
S26-S35, 2015.
SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. De­
PINTO Jr., L. R. et al. New guidelines for diag-
par­tamentos Científicos de Adolescência e
nosis and treatment of insomnia. Arquivos de
do Sono. Higiene do Sono. Disponível em:
Neuropsiquiatria, v. 68, n. 4, p. 666-675, 2010.
https://www.sbp.com.br/especiais/pediatria-
SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. De­ -para-familias/desenvolvimento/higiene-do-
par­­ta­mento Científico de Medicina do Sono. -sono/. Acesso em: 03 jul. 2021.
C AAPÍTULO
PÍTULO x7

O impacto das tecnologias digitais


na infância e na adolescência

Alba Valéria Negromonte Nogueira


Sophie Helena Eickmann

QUAL É A IMPORTÂNCIA DO TEMA? correta, no momento oportuno e sob o


A utilização dos dispositivos digitais monitoramento dos pais. Por isso, torna-
(celulares, tablets, computadores, smart -se vital a compreensão dos impactos da
TVs e jogos on-line) se tornou a ativida- imersão no mundo digital deste grupo,
de mais realizada entre crianças e ado- possibilitando aos profissionais de saú-
lescentes, especialmente após o início de e aos educadores pediátricos, orien-
da pandemia da Covid-19. Esses dispo- tar adequadamente pais e cuidadores.
sitivos são usados tanto para o acesso
às mídias digitais (Instagram, Facebook, POR QUE AS CRIANÇAS E OS
Twitter, YouTube, salas de jogos multi- ADOLESCENTES SÃO GRUPOS DE RISCO?
players, entre outros), como também Os primeiros anos de vida são críticos pa-
para acessar os conteúdos escolares, ra o Desenvolvimento Neuropsicomotor
quando as aulas presenciais não são (DNPM), por ser o período de maior velo-
possíveis. cidade de plasticidade cerebral e forma-
Proibir todos os dispositivos tecno- ção dos circuitos sensoriais de percepção
lógicos  não é uma alternativa possível, do mundo, ou seja, sua capacidade em
nem aconselhável. A tecnologia é uma se adaptar e se ajustar às experiências
excelente ferramenta, podendo facili- vivenciadas através dos estímulos e das
tar o aprendizado de crianças e adoles- demandas ambientais. Esse aprendiza-
centes, desde que seja usada da forma do terá impacto sobre todos os domínios
SEÇÃO 2 226

do DNPM e, em especial, sobre o desen- desenvolvimento da linguagem, trans-


volvimento cognitivo, da linguagem e tornos do sono, transtornos alimenta-
socioemocional, cuja base é a interação res, sedentarismo, obesidade, proble-
afetiva humana. A primeira infância mas visuais (miopia e síndrome visual
também é um momento crucial para a do computador), problemas auditivos e
criança estabelecer conhecimento com transtornos posturais e musculoesque-
o seu corpo, com os objetos e com as léticos, chegando até a dependência
pessoas ao seu redor, explorando o meio digital e o uso problemático das mídias
e aprendendo conceitos básicos para interativas.
seu desenvolvimento integral. Ainda Um importante destaque tem sido
nessa fase, a criança cria uma relação dado aos impactos na saúde mental,
amorosa com seus familiares e aprende com aumento de irritabilidade, ansie-
os fundamentos da comunicação efetiva dade e depressão; transtorno do déficit
e da socialização, como regras de empa- de atenção e hiperatividade (TDAH);
tia e respeito, que se perpetuam ao lon- transtornos da imagem corporal e da
go da vida. au­
toestima; comportamentos autolesi­
Além disso, as crianças e os adoles- vos, com indução e risco de suicídio. Há
centes são especialmente vulneráveis também a possibilidade do aumento de
aos métodos de persuasão usados nos comportamento de risco para abuso se-
aplicativos, que impactam a curiosida- xual e estupro virtual com os “nudes”, o
de, aumentando o consumo dos jogos e bullying e o cyberbullying, além do au-
mídias, e o estabelecimento dos padrões mento de outras formas de violência e
e hábitos digitais. Esse consumo aumen- do uso de drogas.
ta o uso precoce, excessivo e prolonga- Esses impactos negativos são po-
do das Tecnologias Digitais (TD), seja tencializados pelos riscos sociais, como
por curiosidade, impulsividade ou falta famílias disfuncionais, situações de vul-
de discernimento, autorregulação e au- nerabilidade socioeconômica, violência
tocontrole, características comuns dessa intradomiciliar, uso de álcool e/ou dro-
faixa etária. gas, entre outras.
De acordo com a Sociedade Bra­
sileira de Pediatria (SBP), os impactos COMO ESTÁ O USO DE TECNOLOGIAS
prejudiciais da exposição precoce e ex- DIGITAIS NA INFÂNCIA E NA
cessiva às telas, na faixa etária pediátri- ADOLESCÊNCIA NO BRASIL?
ca, vão desde a perda dos estímulos es- Um em cada três internautas são crian-
senciais ao adequado DNPM, atraso do ças e adolescentes no Brasil, que têm
O impacto das tecnologias digitais na infância e na adolescência 227

como modelo o comportamento de dizagem, de concentração, de socializa-


pais e cuidadores no uso das TDs, as- ção, entre outros.
sim como o que aprendem através das
redes sociais e da indústria de entrete- COMO ORIENTAR E PREVENIR?
nimento. É cada vez mais essencial que durante
Uma pesquisa realizada no Brasil as consultas pediátricas de rotina, se-
em 2019, com 2.964 famílias com filhos jam abordados ativamente aspectos
entre 9 e 17 anos, revelou que 89% das do uso das TDs, em especial durante a
crianças e dos adolescentes entrevista- pandemia e ao consequente isolamento
dos faziam uso da internet, 79% realiza- social. Precisamos conhecer melhor as
vam compartilhamento de mensagens vantagens das novas tecnologias, visan-
instantâneas, 82% tinham perfil nas re- do utilizá-las em benefício das crianças
des sociais, 52% usavam jogos on-line e e dos adolescentes (nas aulas on-line,
um quarto delas ficavam muito tempo nas pesquisas, no relacionamento com
na internet e não conseguiam controlar seus familiares que estão distantes e,
o tempo de uso das telas. Essa mudança até mesmo, no lazer). Entretanto, é fun-
de hábitos veio associada ao aumento damental orientar sobre a necessidade
considerável de busca por conteúdos do engajamento e do acompanhamen-
sensíveis relacionados à alimentação to parental, com controle do tempo
ou ao sono, às formas de machucar a si diário, inclusive nos finais de semana
mesmo e de cometer suicídio, e às ex- (Quadro 1), e do conhecimento dos con-
periências com o uso de drogas. Cerca teúdos acessados.
de 26% dos entrevistados relataram já Além disso, é necessário que sejam
terem sido tratados de forma ofensiva incluídas orientações sobre alternativas
no ambiente virtual (discriminação seguras, saudáveis e educativas de di-
quanto à cor/raça e à aparência física versão e melhora no convívio familiar,
ou cyberbullying) e 16% terem tido aces- assim como sobre hábitos familiares
so às imagens ou aos vídeos de conteú- adequados em relação ao uso da TD.
do sexual. Neste contexto, a SBP elaborou tópicos
Precisamos, então, refletir sobre a de orientações, destacando o uso posi-
magnitude da ameaça do excesso da tivo e saudável do mundo digital, em
exposição às TDs sobre a saúde de ma- que a palavra-chave destas orientações
neira geral, assim como no aparecimen- é o tempo:
to ou na piora de transtornos mentais 1. Tempo para a saúde, com a manu-
e alterações comportamentais já exis- tenção da higiene do sono, adequan-
tentes, levando a dificuldades de apren- do o número de horas nas telas de
SEÇÃO 2 228

Quadro 1. Duração do uso de telas na infância e na adolescência, segundo a faixa etária

Faixa etária Duração do uso de telas

< 2 anos Evitar exposição, mesmo de modo passivo

2 a 5 anos Máximo de 1 hora/dia (sempre com supervisão dos pais)

6 a 10 anos Máximo de 1 a 2 horas/dia (sempre com supervisão dos pais)

Máximo de 2 a 3 horas/dia (telas e jogos de videogames)


11 a 18 anos
Incentivar o uso nos locais comuns da casa

Todas as idades Não usar telas durante as refeições e desconectar 1 a 2 horas antes de dormir

Fonte: SBP (2019).

acordo com a faixa etária, alimen- para apoio às atividades escolares


tação regular com horários de- dos filhos, podendo ajudá-los nas
terminados, atividade física com tarefas e, assim, conhecer melhor
brincadeiras. Lactentes (menores as habilidades e dificuldades dos se-
de 2 anos) devem manter-se distan- us filhos.
tes das telas, exceto para o uso de 4. Tempo para o lazer longe das telas,
manutenção de laços familiares. As de preferência ao ar livre e em con-
crianças e os adolescentes precisam tato com a natureza, ou através da
ter uma regulação de tempo geren- utilização de jogos de tabuleiro, ou
ciada pelos pais, considerando que até mesmo assistir a filmes juntos,
tenham aulas; o uso recreativo deve respeitando a faixa etária do fami-
ser monitorado. liar mais novo.
2. Tempo para o relacionamento afe- 5. Tempo para aprender sobre os pe-
tivo, lembrando que as crianças rigos on-line, como fazer uso segu-
frequentemente necessitam das te- ro das tecnologias, com atenção à
las para o convívio com familiares proteção e à privacidade. Também
e coleguinhas, o que requer muita é tempo de aprender sobre canais
compreensão, pois é mais difícil pa- para denúncias e apoio em relação
ra elas compreenderem o que está aos atos de violência, através de si-
acontecendo. tes que oferecem ajuda na orienta-
3. Tempo para a convivência familiar, ção aos pais, através de materiais de
criando novas formas de interação livre acesso sobre o tema:
e afeto. Os pais, sempre que possí- • Childhood: Segurança de Cri­an­­­ças
vel, devem estabelecer horários pa- e Adolescentes Online. Dis­po­nível
ra seus trabalhos, incluindo tempo em: https://childonlinesafety.­org
O impacto das tecnologias digitais na infância e na adolescência 229

• Manual de Orientação: Saúde de COMO DENUNCIAR A SUSPEITA DE


Crianças e Adolescentes na Era Di­ VIOLÊNCIA E DE ABUSO VIRTUAL?
gi­­tal. Disponível em: https://www. Qualquer suspeita ou ato de violência,
sbp.com.br/fileadmin/user_upload/ exploração ou abuso contra crianças e
publicacoes/19166d-MOrient-Sau- adolescentes deve ser denunciado ime-
de-Crian-e-Adolesc.pdf diatamente pelos números:
• Safernet: Dicas de Mediação Pa­ Disque-denúncia: 100, 180, ou 190.
ren­tal. Disponível em: https://new. Muitas cidades e prefeituras têm
safernet.org.br/content/mais-tem- telefones próprios ou sites específicos.
po-line-mais-mediacao-parental Existem também os Conselhos Tutelares
• Biblioteca de Alfabetização Digital. e as Delegacias Especializadas para o
Disponível em: https://www.face- atendimento de crianças e adolescentes,
book.com/safety/educators vítimas de violência, exploração e abusos.

REFERÊNCIAS
COMITÊ GESTOR DA INTERNET NO BRASIL, cnolMidias_na_SaudeEscolar.pdf. Acesso em:
NÚCLEO DE INFORMAÇÃO E COORDENAÇÃO 10 jul. 2021.
DO PONTO BR. Pesquisa Tic Kids Online Brasil
SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA.
2018. São Paulo: Cetic, 2019. Disponível em:
Gru­
po de Trabalho Saúde na Era Digital
https://cetic.br/tics/kidsonline/2018/criancas/.
(2019-2021). #MENOS TELAS #MAIS SAÚDE.
Acesso em: 10 jul. 2021.
Dezembro de 2019. Disponível em: https://
SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. De­ www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/_2
partamento de Adolescência. Saúde de 2246c-ManOrient_-__MenosTelas__MaisSau
Crianças e Adolescentes na Era Digital, nº 1, de.pdf. Acesso em: 5 jul. 2021.
outubro de 2016. Disponível em: https://www.
sbp.com.br/fileadmin/user_upload/2016/11/ SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. Grupo
19166d-MOrient-Saude-Crian-e-Adolesc.pdf. de Trabalho Saúde na Era Digital (2019-2021).
Acesso em: 12 jul. 2021. Recomendações sobre o uso saudável das telas
digitais em tempos de pandemia da Covid-19
SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. De­
# BOAS TELAS # MAIS SAÚDE. 21 de maio
partamentos Científicos de Pediatria do
de 2020. Disponível em: https://www.sbp.
De­­
senvolvimento e Comportamento e de
com.br/fileadmin/user_upload/22496c-MO_-_
Saú­de Escolar. Uso saudável de Telas, Tec­
DepVirtual__MenosVideos__MaisSaude.pdf.
nologias e Mídias nas Creches, Berçários e
Acesso em: 6 jul. 2021.
Escolas. nº 6, junho de 2019. Disponível em:
https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_up SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. Gru­po
load/21511d-MO_-_UsoSaudavel_TelasTe de Trabalho Saúde na Era Digital (2019-2021).
SEÇÃO 2 230

Dependência virtual – um problema crescente SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. Grupo


#MENOS VÍDEOS #MAIS SAÚDE. 22 de maio de Trabalho Saúde na Era Digital SED@SBP
de 2020. Disponível em: https://www.sbp. (2019-2021). #Sem Abusos #Mais Saúde, no 2,
com.br/fileadmin/user_upload/22496c-MO_-_ 06 de abril de 2021. Disponível em: https://
DepVirtual__MenosVideos__MaisSaude.pdf. www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/_
Acesso em: 5 jul. 2021. 22969c-GPA-_SemAbusos__MaisSaude.pdf.
Acesso em: 12 jul. 2021.
C APÍTULO
A PÍTULO 8x

Recomendações de atividades físicas


para crianças e adolescentes

Camila Tenório Calazans de Lira


Dayana da Silva Oliveira
Ilana Santos de Oliveira

ATIVIDADE FÍSICA PARA CRIANÇAS relacionadas ao comportamento seden-


E ADOLESCENTES tário (exposição a atividades com baixo
A insuficiente prática regular de ativida- dispêndio energético).
de física está associada a diversas doen- Os benefícios da atividade física pa-
ças, tais como: doenças cardiovascula- ra a manutenção da saúde em popula-
res, diabetes mellitus tipo 2, obesidade, ção pediátrica estão bem estabelecidos
câncer, doença hepática gordurosa não na literatura, por exemplo, promoção
alcoólica, asma, ansiedade, depressão, do aumento no volume de ejeção car-
alterações ortopédicas e articulares, díaca, melhora dos parâmetros venti-
transtorno do déficit de atenção e hi- latórios funcionais e do consumo de
peratividade, problemas de sono e per- oxigênio, redução da pressão arterial,
cepção negativa de qualidade de vida. aumento da sensibilidade à insulina e
Evidências apontam que a atividade fí- da tolerância à glicose, melhora do per-
sica durante a infância e a adolescência fil lipídico, aumento da mineralização
auxilia no equilíbrio do balanço energé- óssea, melhora da cognição, autoestima,
tico e, consequentemente, na prevenção sentimento de bem-estar e socialização.
e no tratamento de diversas doenças. Entretanto, ainda que a atividade física
Segundo Azevedo et al. (2007), jovens represente um importante componente
ativos tendem a se tornar adultos ativos, da promoção da saúde e da prevenção
aumentando o gasto energético durante de doenças na população pediátrica, a
todo o ciclo da vida, tendo assim, menor prevalência de crianças e adolescentes
probabilidade de desenvolver doenças que não atendem às recomendações
SEÇÃO 2 232

mínimas de atividade física é alarmante por Lira, Oliveira e Oliveira (2021) (Figura
em todo o mundo. 1). O fluxograma contribuirá para que o
A pesquisa realizada por Mata et al. pediatra diferencie sua conduta de acor-
(2018) identificaram a prevalência de do com o perfil da criança e da família.
31,9% de inatividade física em crianças
de ambos os sexos. Esses resultados en- RECOMENDAÇÕES DE ATIVIDADE FÍSICA
fatizam a necessidade de programas Atualmente, estão disponíveis, na lite-
para incentivar a prática de atividade ratura, diversas diretrizes para a prática
física em crianças em idade escolar. De de atividade física por crianças e ado-
maneira similar, Guthold et al. (2020) lescentes. Essas diretrizes representam
analisaram dados de 298 estudos com uma estratégia importante à veiculação
escolares de 146 países e verificaram das orientações sobre o tema, tanto para
que a maioria dos adolescentes em ida- os profissionais de saúde quanto para a
de escolar (11 a 17 anos) não atende às população em geral. O Quadro 1 sinte-
recomendações atuais de atividade físi- tiza as evidências das principais reco-
ca. Entre os estudos analisados, obser- mendações sobre a prática de atividade
vou-se que 27 países apresentaram uma física para a população pediátrica.
prevalência de 90% ou mais de atividade
física insuficiente para as meninas, en- IMPLICAÇÕES PARA A PRÁTICA
quanto para os meninos esse percentual Em termos práticos, os pacientes/pais
foi observado em apenas dois países. Se devem ser orientados a procurar um pro-
essas tendências continuarem, a meta fissional de Educação Física habilitado
global de redução de 15% na atividade para a promoção de atividade física com
física insuficiente não será atingida até orientação de qualidade, respeitando o
o ano de 2030. Desse modo, se faz ne- nível de desenvolvimento dos indiví-
cessário ampliar urgentemente a imple- duos. É importante salientar que as prá-
mentação de políticas e programas efi- ticas prescritas para crianças e adoles-
cazes para aumentar a atividade física centes, que apresentarem algum tipo de
nessa população. deficiência ou transtorno, devem seguir
Todavia, antes de iniciar a prática um programa adaptado às suas necessi-
de atividade física, é de extrema impor- dades específicas. Como atividades dire-
tância identificar o perfil do paciente cionadas conforme a faixa etária, indi-
e se ele está apto para a prática. Para camos as seguintes práticas: a) Bebês (0
esta identificação, sugere-se utilizar o a 2 anos) – Atividades sensório-motoras
fluxograma proposto pela Sociedade estimuladas pela psicomotricidade e/ou
Brasileira de Pediatria (2017), e adaptado natação para bebês (adaptação ao meio
Recomendações de atividades físicas para crianças e adolescentes 233

Figura 1. Fluxograma da abordagem de atividade física em consulta pediátrica

O paciente
apresenta alguma condição/
Sim Oriente o paciente e os pais sobre o
enfermidade que represente
controle da condição/enfermidade a
contraindicação absoluta para
procurar um médico especialista.
prática de atividades
físicas?

Não

Oriente o paciente e os pais sobre os benefícios


da prática de atividade física para a saúde.

Faça uma medida do nível de atividade física


e do comportamento sedentário do paciente,
verificando se atendem às recomendações de
prática de atividade física para a saúde.

Oriente o paciente e os pais sobre


O paciente Sim ações que podem ser adotadas para
apresenta baixo nível de aumentar o nível de atividade física
atividades físicas? e, se possível, estabeleça uma meta
a ser alcançada.

Não

O paciente Oriente o paciente e os pais sobre


apresenta elevada exposição Sim ações que podem ser adotadas
ao comportamento para reduzir o comportamento
sedentário? sedentário e, se possível, estabeleça
uma meta a ser alcançada.

Não

CONTINUE A CONSULTA

Fonte: Adaptado da SBP (2017) por Lira, Oliveira e Oliveira (2021).

líquido); b) Crianças (3 a 5 anos) – Inicia­ lescentes (6 a 19 anos) – Prática esportiva


ção esportiva (esportes coletivos e in- sistematizada, Treinamento Neu­ro­­mus­
dividuais, danças e lutas), funcional cular Integrativo, prática sistemática de
kids, psicomotricidade e atividades re- jogos eletrônicos ativos (exergames) e
creativas e de lazer; e c) Crianças e ado­- treinamento de força.
SEÇÃO 2 234

Quadro 1. Principais recomendações de atividade física para crianças e adolescentes

Autor/Ano/ Faixa etária Recomendações


Documento

• Devem ser fisicamente ativos, várias vezes ao dia, de várias


maneiras, principalmente por meio de brincadeiras interativas
no chão; quanto mais, é melhor. Para os bebês que ainda não se
Bebês com
arrastam são recomendados, pelo menos, 30 min em decúbito
menos de 1
ventral, ao longo do dia, enquanto estão acordados
ano de idade
• Não devem ser contidos por mais de uma hora (por exemplo,
em carrinhos de bebê, cadeiras altas ou amarrados nas costas
de um cuidador). O tempo em tela não é recomendado

WHO (2019) • Praticar, ao menos, 180 min em uma variedade de atividades


físicas, incluindo atividades de intensidade moderada a
vigorosa, distribuídas ao longo do dia
Guidelines on • Não devem ser contidos por mais de uma hora (por exemplo,
Physical Activity, Crianças de
em carrinhos de bebê, cadeiras altas ou amarrados nas costas
Sedentary 1 a 2 anos
de um cuidador), ou ficarem sentados por longos períodos de
Behavior de idade
and Sleep for tempo. Para crianças com 1 ano de idade, o tempo sedentário
Children em frente à tela (como assistir à TV ou aos vídeos no celular) não
Under 5 Years é recomendado. Para crianças com 2 anos de idade, o tempo em
of Age tela não deve ser superior a 1 hora; quanto menos, é melhor

• Praticar, ao menos, 180 min em uma variedade de atividades


físicas, das quais ao menos 60 min são de atividades físicas de
intensidade moderada a vigorosa, distribuídas ao longo do dia
Crianças de
• Não devem ser contidos por mais de uma hora (por exemplo,
3 a 4 anos
em carrinhos de bebê, cadeiras altas ou amarrados nas costas
de idade
de um cuidador), ou ficarem sentados por longos períodos de
tempo. O tempo sedentário em frente à tela não deve exceder
1 hora; quanto menos, é melhor

• Devem estar fisicamente ativas ao longo do dia, estimulando os


Crianças em processos de crescimento e desenvolvimento da criança
idade pré-
• Cuidadores de crianças em idade pré-escolar devem incentivar
escolar
(3 a 5 anos) brincadeiras ativas que incluam diversos tipos de atividades
físicas
Department of • Devem participar de atividades físicas diversas e agradáveis,
Health (2018) apropriadas para a idade
• Praticar, ao menos, 60 min de atividade física moderada a
Physical Activity
vigorosa, diariamente:
Guidelines for Crianças
Americans - Aeróbica: a maioria dos 60 min ou mais por dia deve ser
em idade
2nd edition de atividade física aeróbica, de intensidade moderada ou
escolar e
vigorosa, devendo incluir as de intensidade vigorosa, pelo
adolescentes
(6 a 17 anos) menos, três dias por semana
- Fortalecimento muscular e ósseo: como parte de seus 60 min
ou mais de atividade física diária, crianças e adolescentes
devem incluir atividade física de fortalecimento muscular,
pelo menos, três dias por semana

• Bebês devem ser incentivados a serem ativos, mesmo que por


SBP (2017) curtos períodos, várias vezes ao dia
• Bebês que ainda não começaram a se arrastar/engatinhar
Crianças de
Promoção da devem ser encorajados a alcançar, segurar, mover a cabeça, o
0 a 2 anos
Atividade Física corpo e os membros durante as rotinas diárias
de idade
na Infância e na • Bebês que conseguem se arrastar/engatinhar devem ser tão
Adolescência ativos quanto possível em um ambiente seguro, supervisionado
e estimulante
Recomendações de atividades físicas para crianças e adolescentes 235

Autor/Ano/ Faixa etária Recomendações


Documento

• Crianças não devem permanecer com comportamentos


sedentários por longos períodos, exceto quando estão
dormindo
• Crianças que conseguem andar sozinhas devem praticar
atividades físicas todos os dias durante, ao menos, 180 min, os
Crianças de
quais podem ser fracionados durante o dia e ocorrerem em
0 a 2 anos
ambientes fechados ou ao ar livre. Os 180 min podem incluir
de idade
atividades leves, como ficar de pé, movendo-se, rolando e
brincando, além de atividades mais energéticas, como saltar e
correr
• Até os dois anos de vida recomenda-se que o tempo de tela (TV,
tablet, celular e jogos eletrônicos) seja zero

• Devem acumular, ao menos, 180 min de atividade física de


qualquer intensidade distribuída ao longo do dia, incluindo
uma variedade de atividades em diferentes ambientes e que
desenvolvam a coordenação motora
• Brincadeiras ativas, andar de bicicleta, atividades na água,
Crianças de jogos de perseguição (pega-pega) e jogos com bola são as
3 a 5 anos melhores maneiras para essa faixa etária se movimentar
de idade • A partir dos três anos de idade, atividades físicas estruturadas,
SBP (2017) como natação, danças, lutas, esportes coletivos, entre outras,
também podem ser paulatinamente incluídas
Promoção da • Comportamentos sedentários devem ser fortemente evitados e
Atividade Física recomenda-se que o tempo de tela seja limitado em até 2 horas
na Infância e na por dia
Adolescência
• Crianças e adolescentes devem ser encorajados a participarem
de uma variedade de atividades físicas agradáveis e seguras,
que contribuam para o desenvolvimento natural, como
caminhadas, andar de bicicleta, praticar esportes diversos e se
envolverem em jogos e brincadeiras tradicionais/populares
• Devem acumular, ao menos, 60 min diários de atividades físicas
de intensidade moderada a vigorosa, como pedalar, nadar,
correr ou saltar
Crianças e • Atividades de intensidade vigorosa devem ser realizadas em,
adolescentes pelo menos, três dias por semana. Para a população pediátrica,
de 6 a 19 essas atividades podem ser não estruturadas, como brincadeiras
anos de que incluam saltos, atividades de empurrar, puxar e suportar o
idade peso corporal
• Atividades de flexibilidade envolvendo os principais
movimentos articulares devem ser realizadas, pelo menos, três
vezes por semana
• Comportamentos sedentários devem ser evitados e recomenda-
se que o tempo de tela seja limitado em até 2 horas por dia.
Porém, esse limite não deve levar em consideração o tempo
destinado ao uso de computador para a realização de tarefas
escolares

WHO (2010) • Devem acumular, ao menos, 60 min de atividade física diária de


Crianças e intensidade moderada a vigorosa
adolescentes
Global • A maior parte da atividade física diária deve ser do tipo aeróbica.
de 5 a 17
Recommendations Atividades de intensidade vigorosa devem ser incorporadas,
anos de
on Physical incluindo aquelas que estimulam o fortalecimento muscular e
idade
Activity for Health ósseo, pelo menos, 3 vezes por semana

Fontes: Autoras.
SEÇÃO 2 236

CONSIDERAÇÕES FINAIS sedentarismo desde a infância, além


Através da prática regular de atividades dos benefícios que a prática do exer-
físicas é possível obter diversos benefí- cício oferece, aumenta-se também a
cios, desde o desenvolvimento de habi- chance de se manter hábitos saudá-
lidades motoras até a socialização e a veis na vida adulta. Vale ressaltar que
adequação do autoconceito, ainda em a prática de atividades físicas requer
formação, das crianças e dos adolescen- cuidados, como a escolha da melhor
tes. Ademais, a prática de atividades atividade para determinada faixa etá-
físicas é considerada um importante ria, minimizando, assim, os riscos de
aliado na prevenção e/ou tratamento traumas físicos e psicológicos. É notório
de inúmeras doenças, sendo o sedenta- que existem diversas recomendações
rismo apontado como uma ameaça pa- disponíveis na literatura, dessa manei-
ra a saúde e o bem-estar dos indivíduos. ra, cabe ao profissional direcioná-las
Quando se mantém uma vida longe do conforme o perfil dos seus pacientes.

REFERÊNCIAS
AZEVEDO, M. R.; ARAÚJO, C. L.; SILVA, M. C.; org/10.1155/2013/783103. Acesso em: 5 ago.
HALLAL, P. C. Tracking of physical activity 2020.
from adolescence to adulthood: a population
KUMAR, R. The Benefits of Physical Activity
based study. Revista de Saúde Pública, v. 41, n.
and Exercise for Health, Lecturer of Physical
1, p. 69-75, 2007.
Education. Research Review International
DEPARTMENT OF HEALTH AND HUMAN SER­- Journal of Multidisciplinary, v. 2, n. 2, 2017.
VICES. Physical Activity Guidelines for Amer­ ISSN: 2455-3085 (Online).
icans. 2nd edition. Washington, DC: U.S. Depart­
MATA, M. C.; MINAMISAVA, R.; LAURIANO,
ment of Health and Human Services, 2018.
K. R. I. V.; POLICENA, G. M.; VITORINO, P. V.
GUTHOLD, R.; STEVENS, G. A.; RILEY, L. M.; O.; VIEIRA, M. A. S. Prevalence of insufficient
BULL, F. C. Global trends in insufficient phy- physical activity in children from public
sical activity among adolescents: a pooled schools. Health Sciences. v. 40, n. 1, 2018.
analysis of 298 population-based surveys Disponível em: https://doi.org/10.4025/actas-
with 1.6 million participants. The Lancet Child cihealthsci.v40i1.36804. Acesso em: 5 ago.
& Adolescent Health, v. 1, n. 4, p. 23-35, 2020. 2020.

KELLEY, G. A.; KELLEY, K. S. Effects of exerci- MOREIRA, M. S. F.; OLIVEIRA, F. M.; RODRIGUES,
se in the treatment of overweight and obe- W.; OLIVEIRA, L. C. N.; MITIDIERO, J.; FABRIZZI,
se children and adolescents: a systematic F.; BERNARDO, D. N. A. Doenças associadas à
review of meta-analyses. Journal of Obesity, obesidade infantil. Revista Odontológica de
p. 1-10, 2013. Disponível em: https://doi. Araçatuba, v. 35, n. 1, p. 60-66, 2014.
Recomendações de atividades físicas para crianças e adolescentes 237

SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. 2010. Disponível em: http://apps.who.int/


Promoção da Atividade Física na Infância e iris/bitstream/10665/44399/1/9789241599979_
Adolescência: Manual de orientação – Grupo eng.pdf. Acesso em: 22 jul. 2020.
de trabalho em Atividade Física, nº 1, julho,
WORLD HEALTH ORGANIZATION. Guidelines
2017.
on physical activity, sedentary behaviour and
WORLD HEALTH ORGANIZATION. Global sleep for children under 5 years of age. 2019.
recommendations on physical activity for Disponível em: https://apps.who.int/iris/han-
health. Geneva: World Health Organization, dle/10665/311663. Acesso em: 22 jul. 2020.
C APÍTULO 9

Sinais e sintomas de câncer no paciente


pediátrico: quando suspeitar?

Fernando Antônio Menezes da Silva


Glauber Moreira Leitão
Luiz Alberto Reis Mattos Júnior

ASPECTOS GERAIS ambientais). No entanto, o aspecto ge-


O câncer representa um conjunto de nético que está por trás de todo câncer,
doenças com características próprias, não deve ser confundido com o proces-
evolução e respostas distintas aos trata- so de transmissão hereditária. Esses se
mentos. Caracteriza-se, essencialmente, caracterizam por alterações genéticas,
pelo crescimento e acúmulo desordena- que são transmitidas de pais para filhos
do das células e/ou diminuição da morte e que podem ou não desenvolver um
celular programada (apoptose), gerando câncer no portador daquela alteração.
massas/nódulos nos tecidos acometidos. Na verdade, tem-se um câncer ou por se
Alguns fatores são determinantes para ter sido exposto a um agente carcinogê-
essa heterogeneidade de comportamen- nico e/ou por se ter herdado alguma al-
to, como faixa etária de apresentação da teração genética (mutação) que predis-
doença, predisposição familiar, exposi- ponha o indivíduo a ter o câncer. Assim,
ções ocupacionais, sedentarismo, taba- podemos dizer que todo câncer é gené-
gismo, entre outros. tico, mas nem todos são hereditários.
A transformação de uma célula Do ponto de vista molecular, três
normal em outra maligna ocorre, es- tipos de genes podem estar envolvidos
sencialmente, por alterações genéticas, na deflagração do câncer: os proto-on-
como mutações na molécula de DNA. cogenes, os genes supressores de tumor
Essas alterações podem ocorrer de ma- e os de reparo de DNA. Todos os indi-
neira aleatória ou decorrentes de expo- víduos têm esses tipos de genes natu-
sição a agentes carcinogênicos (fatores ralmente, em condições de equilíbrio.
Sinais e sintomas de câncer no paciente pediátrico: quando suspeitar? 239

Os proto-oncogenes são aqueles que potencialidade, são elas: proliferação


contêm a informação de que a célula desordenada, produção de novos vasos
deve se desenvolver e proliferar. Caso sanguíneos ao redor do tumor para sua
os proto-oncogenes sofram uma muta- sobrevivência, alteração no metabo-
ção potencialmente cancerígena, eles lismo energético da célula (produção
se transformam em oncogenes, cuja ca- de ATP mais eficiente), capacidade de
racterística principal é mandar informa- escapar do sistema imunológico, condi-
ções para que as células proliferem de ções para progredir através de invasão
maneira desordenada. A segunda classe local ou à distância (formar metástases),
de genes citada, os supressores tumorais, resistência à morte celular programa-
são aqueles que em condições de funcio- da (apoptose), ter sempre como fator
namento normal, impedem que outros subjacente indutor ou propagador um
genes se transformem em genes prolife- processo inflamatório, presença de
rativos. Se os genes de supressão tumo- genoma instável ou de mutações e, fi-
ral forem acometidos por uma mutação nalmente, capacidade de imortalidade
dita carcinogênica, aquela inibição/ replicativa.
supressão tumoral estaria comprome- Apesar dos avanços no conhecimen-
tida e o indivíduo poderia desenvolver to do processo de carcinogênese e na
a transformação de células normais em incorporação de novos métodos diag-
células malignas. A terceira classe de nósticos e terapêuticos, a estratégia defi-
genes, os de reparo de DNA, atua como nidora mais importante para aumentar
uma maquinaria que quando detecta as chances de cura é o diagnóstico pre-
uma alteração no nível da molécula coce. Para isso, é fundamental que todo
de DNA, substitui aquele segmento de profissional de saúde esteja atento aos
DNA alterado por um segmento normal, sinais e sintomas que, por serem muitas
evitando assim a deflagração da forma- vezes inespecíficos, podem ser negli-
ção de células malignas. O desequilíbrio genciados e comprometerem, assim, o
pode gerar o fenótipo maligno quando prognóstico do paciente com câncer.
gerado por alterações em qualquer um Um fato também importante é o
desses grupos, sendo possível, inclusive, tecido a partir do qual o câncer se de-
a ocorrência de forma simultânea, por senvolve. Em crianças abaixo de 5 anos,
exemplo, de mutações em proto-onco- por exemplo, cerca de 30% dos casos são
genes e genes supressores de tumor. originados de tecidos embrionários, co-
Além disso, existem dez caracte- mo o retinoblastoma, o neuroblastoma,
rísticas que toda célula maligna de- o nefroblastoma e o hepatoblastoma –
ve apresentar em maior ou menor Figura 1.
SEÇÃO 2 240

Figura 1. Neoplasias mais frequentas em crianças abaixo de 5 anos

Fonte: Adaptado de International Agency for Research on Cancer.

EPIDEMIOLOGIA
de Câncer do Brasil (INCA/MS) revelam
Neoplasias malignas representam a pri- que o câncer responde por 8% do total
meira causa de morte em crianças com das mortes por doença entre crianças
idade inferior a 15 anos em países do e adolescentes de 1 a 19 anos. Apesar
continente europeu. Para 2021, cerca de disso, cerca de 80% da população aco-
10.500 novos casos de câncer foram pre- metida pela doença é potencialmente
vistos nos Estados Unidos, na população curável, desde que os casos sejam diag-
entre 0 a 14 anos de idade. Além disso, nosticados precocemente e tratados em
representa a segunda causa de morte, instituições com perfil especializado.
somente ultrapassada por acidentes. Para 2020, o INCA estimou 8.460 novos
Esse padrão também é verificado casos, sendo 4.310 para o sexo masculi-
no Brasil. Dados do Instituto Nacional no e 4.150 para o sexo feminino. Já em
Sinais e sintomas de câncer no paciente pediátrico: quando suspeitar? 241

termos de taxa de mortalidade, foram O CÂNCER NA POPULAÇÃO PEDIÁTRICA


previstas 2.554 mortes no mesmo ano. Dentre os tipos de câncer que acome-
tem a população pediátrica, muitos
ETIOLOGIA ocorrem também em adultos. Nesse
O papel da prevenção é questionável contexto, as leucemias, os tumores ce-
na literatura especializada. Exceção se rebrais, os linfomas e o câncer ósseo,
faz para aquelas crianças que apresen- respondem por 28%, 27%, 12% e 4%, res-
tam síndromes genéticas, vide a seguir. pectivamente. Já entre as neoplasias
Quanto à etiologia, podemos dizer que malignas, que praticamente só se apre-
câncer na criança é multicausal. Como sentam em pacientes pediátricos, desta-
causas exógenas temos: agentes físico, cam-se o neuroblastoma (6%), o tumor
como o uso prévio de radiação ionizante de Wilms (5%), o rabdomiossarcoma (3%)
e não ionizante; agentes químicos, como e o retinoblastoma (2%).
o uso de drogas citotóxicas como adria- De acordo com a versão mais atua-
micina, ciclofosfamida, etoposídeo; ou, lizada da Classificação do Câncer da
ainda, agentes infecciosos, como o vírus Infância (CICI-3), os tumores são classi-
de Epstein-Barr. Existem, também, cau- ficados em 12 grupos principais, a saber:
sas endógenas, como alterações genéti- I. Leucemias, doenças mieloproli-
cas que podem participar da deflagra- ferativas e mielodisplásicas;
ção do gatilho para o desenvolvimento II. Linfomas e neoplasias reticulo­
-
do câncer, como no caso do retinoblasto- endoteliais;
ma ou, ainda, da síndrome genética de III. Tumores do sistema nervoso
Beckwith-Wiedemann, que ocorre em central e intraespinhal;
decorrência de eventos epigenéticos e IV. Neuroblastoma e outros tumores
constitui um conjunto de sinais e sinto- de células nervosas periféricas;
mas caracterizados por crescimento de- V. Retinoblastoma;
sorganizado, presença de macrossomia, VI. Tumores renais;
macroglossia, hemi-hipertrofia, defeitos VII. Tumores hepáticos;
na parede abdominal, depressões re- VIII. Tumores ósseos malignos;
troauriculares e predisposição a neopla- IX. Tumores de tecidos moles ou ou-
sias infantis, com destaque para o tumor tros sarcomas extraósseos;
de Wilms (renal de origem embrionária). X. Tumores de células germinati-
O rastreamento dessa neoplasia deve ser vas, trofoblásticos e neoplasias
feito com exame de imagem abdominal das gônadas;
e dosagem sérica de alfa-fetoproteína a XI. Outras neoplasias epiteliais ma-
cada 3 meses. lignas e melanomas malignos;
SEÇÃO 2 242

XII. Outras neoplasias malignas ines­- LEUCEMIAS


pecíficas. Podemos destacar nas leucemias, por
exemplo, sintomas decorrentes da in-
Por outro lado, outros aspectos que vasão de medula óssea por células neo-
devem ser considerados são as conse- plásicas. Nesse cenário, células normais,
quências tardias que adultos que apre- como leucócitos, hemácias e plaque-
sentaram diagnóstico de câncer na infân- tas, podem ter seu número diminuído
cia podem ser acometidos. Apresentações acarretando leucopenia, anemia e pla-
clínicas de infertilidade, cardiotoxicida- quetopenia, respectivamente. Nos casos
de, aumento da chance de outras neo- de leucopenia, a criança pode apresen-
plasias, neurotoxicidade ou distúrbios tar infecções de repetição; e nas ane-
psicológicos são alguns exemplos. Trata- mias, quadro de inapetência e palidez
se de eventos adversos em longo prazo cutaneo­mucosa. A plaquetopenia, pode
relacionados ao tratamento oncológico, au­mentar a propensão da criança apre-
sobretudo à quimioterapia e à radiotera- sentar sangramentos mais frequentes,
pia, uma vez que esses tratamentos, em como os gengivais. Cabe destacar que
sua maioria, atuam no nível do genoma, esses sinais e sintomas, geralmente, es-
promovendo mutações que podem acar- tão relacionados à velocidade de proli-
retar no futuro uma segunda neoplasia. feração celular tumoral e à extensão de
preenchimento da medula óssea pelas
SINAIS E SINTOMAS células anormais.
Apesar de infrequentes, sinais e sinto-
mas inespecíficos devem fazer parte da tumores do sistema nervoso
lista de diagnósticos diferenciais de neo- central (snc)
plasias na infância. A anamnese e o exa- São os tumores sólidos mais frequentes
me físico detalhados devem conduzir o na população pediátrica, respondendo
profissional para os chamados achados por 20% de todas as neoplasias na infân-
de alerta. Estes vão depender de alguns cia, sendo mais comum na faixa etária
fatores, como o tipo e a localização do de 1 a 4 anos. Como dito anteriormen-
tumor, o estágio (extensão) da doença, te, a sintomatologia vai depender da
bem como serem sinais e sintomas di- localização do tumor e da idade do pa-
retamente relacionados ao tumor em ciente. Lactentes apresentam aumento
si e/ou decorrentes de doença metas- de volume crânio/encéfalo, retardo no
tática (acometimento de outros órgãos desenvolvimento neuropsicomotor ou
distantes do sítio primário da neoplasia) mesmo sinais decorrentes do aumento
(Quadro 1). da pressão intracraniana, como náuseas
Sinais e sintomas de câncer no paciente pediátrico: quando suspeitar? 243

Quadro 1. Tipos de tumores mais frequentes na infância, por faixa etária e principais sinais e sintomas

Faixa etária Faixa etária


Tipos de câncer
(nascimento até os (15 até os 19 anos), Principais sinais e sintomas
na infância
14 anos), % dos casos % dos casos

Cansaço, fraqueza, tonturas ou vertigens, falta de ar, febre; aumento de linfonodos,


Leucemia Linfoide 22% 7%
fígado e baço; infecções graves ou frequentes, hematomas ou hemorragias

Febre e infecções recorrentes; aumento de linfonodos, fígado e baço; fadiga; fraqueza e


Leucemia Mieloide
4% 4% palidez; dor nos ossos; perda de peso; hematomas e sangramentos espontâneos devido à
Aguda
baixa de plaquetas

Aumento dos linfonodos (duros e indolores), massa mediastinal, sudorese noturna e


Linfoma de Hodgkin 3% 12%
perda de peso

Linfoma Aumento dos linfonodos (carocinhos duros e indolores), febre, sudorese noturna e perda
5% 7%
Não Hodgkin de peso

Tumores do Sistema
26% 21% Cefaleia, náuseas, vômitos e convulsões
Nervoso Central

Oligo ou assintomáticos, febre, inapetência, falta de apetite, emagrecimento, dor,


Neuroblastoma 5% < 1%
irritabilidade ou sintomas decorrentes de massas mediastinais na região posterior

Tumores Hepáticos Aumento de volume e dor abdominal, vômitos, icterícia, prurido, perda de peso e de
2% < 1%
(Hepatoblastoma) apetite e febre e sinais de puberdade precoce

Osteossarcoma 2% 3% Massa óssea, dor, inchaço local e dificuldade de mobilização de membro acometido

Tumor de Wilms 1% 2% Massa renal, aumento de volume abdominal, hematúria e infecção urinária

Massa indolor, seios da face, sinusite, sangramento ou secreção pelo nariz, dificuldade
Rabdomiossarcoma 3% < 1% de deglutir, protrusão ocular, massa ou sangramento de conduto auditivo externo,
sangramento ou compressão do trato urinário

Tumores Aumento de testículo e ovário, dor, distensão, desconforto abdominal e massa pélvica ou,
3% 11%
Germinativos ainda, sintomas de obstrução de vias aéreas, se houver acometimento torácico

Fonte: Adaptado de American Academy of Pediatrics (2019).


SEÇÃO 2 244

e vômitos. Já nas crianças maiores, ou- aumento de volume e dor abdominal,


tros sinais neurológicos, como cefaleia vômitos, icterícia, prurido; ou sistêmi-
e paralisia de pares cranianos, podem cos, como perda de peso e de apetite, e
estar presentes. febre. Uma parcela de pacientes pode
cursar com sinais de puberdade preco-
RABDOMIOSSARCOMA ce, como desenvolvimento mamário
Constitui o tumor de partes moles mais (telarca), logo depois seguido do apare-
frequente na infância. É originário das cimento dos pelos pubianos (pubarca) e
células mesenquimais, tendo maior in- axilares em meninas, ou o aumento do
cidência no sexo masculino e aos cinco volume testicular, seguido do aumento
anos de idade. Os sítios primários mais peniano e do aparecimento de pelos
acometidos são cabeça, pescoço, trato pubianos e axilares, em meninos.
geniturinário, extremidades, tronco,
região intratorácica e trato gastrointes- RETINOBLASTOMA
tinal. Sua sintomatologia vai depender Crianças que apresentam o diagnóstico
da localização e da presença de metás- de retinoblastoma podem cursar clini-
tases. Os de cabeça e pescoço cursam camente com um embranquecimento
com massa indolor, com obstrução de da pupila quando ela for exposta à luz,
seios da face (com sinusite, sangramen- chamados de “Reflexo do Olho do Gato”,
to ou secreção pelo nariz e dificuldade fotofobia ou estrabismo. Convém frisar
de deglutir grandes quantidades) e ca- que toda criança já em idade precoce
vidade nasal, ou, ainda, protrusão ocu- (recém-nascido) deve ser rastreada para
lar (proptose). Massa ou sangramento esse tipo de neoplasia, mesmo que os
no conduto auditivo externo, também pais não percebam qualquer sintoma.
pode ocorrer. Se a localização for geni- Geralmente, acomete crianças antes dos
turinária, pode haver sangramento ou 3 anos, sendo uma neoplasia decorrente
compressão do trato urinário. Os sítios da inibição de um gene de supressão tu-
de metástases mais comuns são pulmão, moral, o Rb.
osso, medula óssea e linfonodo.
Tumor de Wilms (NEFROBLASTOMA)
HEPATOBLASTOMA Constitui o tumor renal mais comum
Tumores do fígado correspondem a 1% em crianças pequenas e menos fre-
de todas as neoplasias de 0 a 19 anos, quente em crianças maiores e adultos,
sendo o mais comum na faixa etária de sendo dos carcinomas de células claras
0 a 4 anos e no sexo masculino.  Os si- renais, o tipo histológico mais comum.
nais e sintomas podem ser locais, como Junto com o neuroblastoma constitui
Sinais e sintomas de câncer no paciente pediátrico: quando suspeitar? 245

o diagnóstico diferencial das massas sistema nervoso simpático. Pode haver


abdominais causadas por tumores ma- metástases para linfonodos, medula ós-
lignos na infância. Pode acometer um sea, osso, fígado, pele, órbitas, dura-má-
ou ambos os rins, mas apresentando-se ter, pulmões e sistema nervoso central.
em aproximadamente 5% a 10% como Os sinais decorrentes de invasão de me-
tumores bilaterais ou multicêntricos. dula óssea são semelhantes aos descritos
Os locais de metástases mais frequen- nas leucemias, ou nos casos de infiltra-
tes são pulmões, fígado, cérebro, ossos ção hepática difusa, como hepatome-
e linfonodos. Quanto aos sinais e sinto- galia. Os pacientes com doença inicial
mas decorrentes do tumor primário nos podem ser oligo ou assintomáticos, en-
rins, os pacientes apresentam massa ab- quanto aqueles com estágios mais avan-
dominal palpável que, em geral, não ul- çados podem cursar com sintomas sistê-
trapassa a linha média. Outros sintomas micos, como febre, inapetência, falta de
mais inespecíficos são infecção urinária, apetite, emagrecimento, dor e irritabili-
hematúria, hipertensão arterial, sendo dade. Outra apresentação clínica pode
esse último decorrente, sobretudo de ser decorrente de massas mediastinais
compressão dos vasos do hilo renal. em seu compartimento posterior. Nesses
casos, a criança pode ser diagnosticada
Neuroblastomas acidentalmente em um exame radiológi-
Os neuroblastomas acometem lactentes co, por exemplo, ou como fazendo parte
e crianças, principalmente até 10 anos de uma síndrome neurológica, chamada
de idade, sendo que 80% dos casos são de síndrome de Horner, que se apresenta
em menores de cinco anos de idade ao com miose, ptose unilateral e anidrose
diagnóstico. O local de acometimento ou, ainda, síndrome da veia cava supe-
mais frequente é o abdome (65% dos ca- rior (aparecimento de circulação cola-
sos), sobretudo a glândula adrenal (em teral pela distensão de veias na parede
40% das crianças e em 25% dos lactentes). torácica, com edema e cianose de face).
Fazendo parte do grupo de massas abdo- Nos casos de tumores paravertebrais,
minais na infância, podem cursar com quadros de paraplegia, dificuldade de
sinais de compressão de órgãos adjacen- urinar ou defecar podem ser sinais de-
tes, como obstrução intestinal, parada correntes de compressão da medula es-
de eliminação de fezes ou gazes, disten- pinhal ou dos nervos radiculares.
são abdominal, náuseas ou vômitos.
Podem acometer, ainda, regiões cer- OSTEOSSARCOMA
vical, torácica, abdominal e/ou pélvica, Os tumores que acometem tecidos ós-
seguindo o trajeto de toda a cadeia do seos, como o osteossarcoma, podem acar-
SEÇÃO 2 246

retar sintomas decorrentes do aumento osso, muitas vezes eles não fraturam. A
de volume ósseo (dor, inchaço e/ou mas- dor nos casos iniciais pode não ser cons-
sa local) ou sintomatologia secundária tante e ter uma exacerbação à noite, com
ao acometimento de tecidos à distância, atividade física e dependendo da locali-
sendo o mais frequente as metástases zação, pode levar à dificuldade para an-
pulmonares, cursando com, por exem- dar. Acometem, principalmente, ossos
plo, tosse e dispneia. Esses tumores aco- longos em região de metáfise, sendo os
metem mais adolescentes do gênero principais locais de apresentação o fêmur,
masculino e apesar de enfraquecer o as tíbias e a região proximal do úmero.

REFERÊNCIAS
AMERICAN ACADEMY OF PEDIATRICS. Dis­­po­ [In­ternet]. Seattle (WA): University of Wash­
ní­vel em: https://www.aappublications.org/ ington, Seattle; 1993-2017.
news/2019/09/11/focus09119. Acesso em: 20
MARQUES,C.;ecols.Oncologia: umaabordagem
ago. 2021.
interdisciplinar. Ed. Carpen Dien. 1ª ed. 2015.
COLLEGE OF PAEDIATRICS AND CHILDREN
National Cancer Institute. Childhood cancer
AND CHILD HEALTH. Health Policy Team: Why
survivor study: An overview. 2018.
children die: Research and recommenda­
tions. Royal, 2014. ROYAL COLLEGE OF PAEDIATRICS AND CHILD
HEALTH (UK). Why-children-die-research-rec­om-
INSTITUTO NACIONAL DO CÂNCER (Brasil).
­mendations. Disponível em: https://www.rcpch.
Câncer infantojuvenil. In: INSTITUTO NA­CI­
ac.uk/resources (UK). Acesso em: 20 ago. 2021.
O­NAL DO CÂNCER (Brasil). Tipos de câncer.
[Brasília, DF]: Instituto Nacional do Câncer, SIEGEL, R. L.; MILLER, K. D.; FUCHS, H. E., et al.
2020. Disponível em: http://www.inca.gov. Cancer Statistics, 2021. CA Cancer J Clin, v. 71,
br/. Acesso em: 20 ago. 2021. n. 1, p. 7-33, 2021.

INSTITUTO NACIONAL DE CÂNCER DO MI­ SHUMAN, C.; BECKWITH, J. B.; WEKSBERG, R.


NISTÉRIO DA SAÚDE DO BRASIL (INCA/MS). In: Beckwith-Wiedemann Syndrome. 2000 Mar.
Tipos de Câncer. Disponível em: http://www. 3rd [updated 2016 Aug 11]. In: Pagon, R. A.;
inca.gov.br/tipos-de-cancer/cancerinfanto- Adam, M. P.; Ardinger, H. H.; Wallace, S. E.;
juvenil/osteossarcoma/profissional-de-saude. Amemiya, A.; Bean, L. J. H.; Bird, T. D.
Acesso em: 20 ago. 2021.
SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. Epi­
LEDBETTER, N.; MEFFORD, H. C.; SMITH, R. de­miologia e diagnóstico precoce do câncer
J. H.; STEPHENS, K. (editors). GeneReviews® infantojuvenil, n. 4, setembro de 2021.
S E Ç ÃO 3

Desvios da nutrição

Capítulo 1
Desnutrição na infância

Capítulo 2
Anemia ferropriva

Capítulo 3
Deficiência de micronutrientes na infância

Capítulo 4
Deficiência de vitamina A

Capítulo 5
Deficiências de vitaminas do complexo B

Capítulo 6
Deficiência de vitamina C

Capítulo 7
Deficiência de vitamina D
C AAPÍTULO
PÍTULO x1

Desnutrição na infância

Maria Clezilte Brasileiro


Maria Márcia Nogueira Beltrão
Tereza Rebecca de Melo e Lima

O QUE É DESNUTRIÇÃO? (erro alimentar), mas também com os


A desnutrição é uma síndrome multi- processos de digestão e absorção dos
fatorial e multicausal complexa, carac- nutrientes, gerando inadequado apro-
terizada pela deficiência de energia e veitamento biológico e funcional dos
nutrientes necessários para a manuten- nutrientes disponíveis ou elevação do
ção das funções fisiológicas de órgãos e gasto energético, devido a uma causa
sistemas. Pode se iniciar precocemente orgânica e/ou funcional.
na vida intrauterina (baixo peso ao nas-
cer) e, frequentemente na infância, em QUAL É A IMPORTÂNCIA
decorrência da interrupção precoce do DA DESNUTRIÇÃO INFANTIL?
aleitamento materno ou a falta dele, e Por tratar-se de um ser em constante
da alimentação complementar inade- crescimento e desenvolvimento, a crian-
quada nos dois primeiros anos de vida, ça necessita de um aporte adequado de
associada, muitas vezes, à privação ali- energia e de nutrientes oriundos dos
mentar ao longo da vida e à ocorrência alimentos. A carência destes elementos
de episódios de infecções repetidas. limitará seu potencial genético de cres-
A desnutrição pode ser de causa cer e de se desenvolver; e, dependendo
primária, quando está relacionada da idade da criança, da intensidade e da
diretamente com a pobreza e a fome, duração da desnutrição, os danos pode-
situação comum nos países em de- rão variar de intensidade, com graves re-
senvolvimento e, de causa secundária, percussões sobre o sistema nervoso cen-
quando preponderam fatores relacio- tral, prejudicando os desenvolvimen­tos
nados não só com a ingestão alimentar motor, adaptativo-social e de linguagem.
Desnutrição na infância 249

A prevalência da desnutrição infan- QUAIS SÃO OS FATORES CAUSAIS


til no país como um todo caiu de 16% DA DESNUTRIÇÃO INFANTIL?
(1974/1975) para cerca de 7% (2006), com As precárias condições socioeconô-
mudanças significativas iniciais nas re- micas determinam uma alimentação
giões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, mas carente associada às más condições
evoluindo para valores aceitáveis (abai- higiênicas, individual e ambiental, po­
xo de 5%) nas regiões Norte e Nordeste ten­cializadas pela carência emocional,
do país. Na região Nordeste, observou- levando à desnutrição. Esta, pelas alte-
-se redução de quase 75% em 10 anos. rações bioquímicas, funcionais e morfo-
Entretanto, apesar do decréscimo na lógicas que acarreta, compromete todo
prevalência, a desnutrição infantil ain- o organismo, levando a uma síndrome
da é um grave problema de saúde global, de má absorção intestinal e redução da
ameaçando 50 milhões de crianças me- imunidade, propiciando a exposição
nores de 5 anos no mundo, contribuindo às infecções graves e repetidas, poten-
para a morbidade e mortalidade infantil. cializadas por precárias condições de
No Brasil, embora a prevalência da higiene e moradia, que favorecem o
desnutrição na infância tenha diminuí- aparecimento das parasitoses intesti-
do nas últimas décadas, o percentual de nais, agravando, ainda mais, o estado
óbitos por desnutrição grave em nível nutricional da criança, perpetuando
hospitalar manteve-se em torno de 20%, o ciclo.
muito acima dos valores recomendados
pela Organização Mundial de Saúde (in- COMO DIAGNOSTICAR
ferior a 5%). Nesse contexto, nas últimas A DESNUTRIÇÃO INFANTIL?
décadas têm se acentuado o interesse No diagnóstico da desnutrição, três fa-
em relação à avaliação e à monitora- tores são fundamentais, principalmente
ção do estado nutricional de pacientes nas formas graves: condições socioeco-
internados, visando oferecer melhor nômicas e ambientais em que a criança
suporte nutricional, melhorar os resul- vive, a sua história alimentar e o quadro
tados terapêuticos e reduzir as taxas de clínico.
morbidade e mortalidade. Ao pediatra Em relação aos dois primeiros itens,
compete avaliar não apenas o estado as informações são obtidas através de
nutricional da criança, mas procurar uma anamnese detalhada, devendo in-
identificar as causas determinantes do cluir, além dos antecedentes pessoais e
agravo nutricional, procurando orientar socioeconômicos, a história nutricional
os familiares sobre a melhor maneira de pregressa e atual da criança: amamenta-
resolvê-los. ção (duração do aleitamento exclusivo),
SEÇÃO 3 250

início da introdução de alimentos com- sobretudo, do tipo de doença associada


plementares, alimentos disponíveis em e da maneira como foi tratada.
casa e preferidos pela criança, dieta As formas graves de desnutrição
atual (tipo, frequência e quantidade), (Kwashiorkor e Marasmo) apresentam
perda de apetite recente, modificação características clínicas distintas (Quadro
da dieta em função de doença, práticas 1), podendo ocorrer as formas mistas
de higiene com a alimentação, estoca- com características comuns aos dois ti-
gem de alimentos e uso de sobras de pos (Kwashiorkor-Marasmático). As for-
refeições anteriores. A história alimen- mas leves e moderadas de desnutrição
tar auxilia a identificação de crianças são mais prevalentes e, apesar de menor
em risco nutricional e de deficiências interesse clínico, são muito importan-
específicas de macro e micronutrientes, tes do ponto de vista epidemiológico,
bem como de comorbidades orgânicas e não apenas pela maior frequência, mas
funcionais que podem ser causas secun- também pelo risco atribuível em escala
dárias de desnutrição. populacional.
Quanto às manifestações clínicas, • Sinais universais (presentes em
elas estão diretamente relacionadas todos os desnutridos, de natureza
com as alterações orgânicas decorrentes predominantemente bioquímica):
da própria desnutrição, de intensidade déficit do crescimento, hipotrofia e
variável dependendo da idade da ocor- alteração do tônus muscular, mani-
rência, da duração e da intensidade e, festações neuropsicomotoras;

Quadro 1. Características clínicas do Marasmo e do Kwashiorkor

Marasmo Kwashiorkor – Desnutrição edematosa

Pluricarencial Carência predominante de proteína

Mais frequente no 1º ano de vida Mais frequente a partir do 2º ano de vida

Emagrecimento acentuado visível Emagrecimento mais evidente em tronco

Pele fina, enrugada (fácies senil) com perda de Pele fina, sensível a traumas e com manchas
elasticidade pelagróides

Evolução lenta Evolução lenta, com episódios graves de agudização

Criança inquieta, olhar vivo e choro constante Criança apática, não sorri e apenas choraminga

Sem edema clínico Edema clínico

Mais frequente na área urbana Mais frequente na área rural

Fonte: Adaptado de Alcântara e Marcondes (1996).


Desnutrição na infância 251

• Sinais circunstanciais (presentes expressos em percentis e/ou score-z (que


em alguns casos e de natureza pre- expressa o déficit em termos múltiplos
dominantemente clínica): edema, do desvio padrão da população normal
lesões de pele e mucosas (dermato- de crianças).
se, xerose, queratose folicular, etc), Segundo a classificação antropomé-
lesões de fâneros (despigmentação, trica, considera-se a existência de três
falta de brilho), lesões oculares (con- formas de desnutrição: “baixo peso”, de-
juntivas secas, ceratomalacia), alte- finido pelo indicador P/I abaixo de -2 DP
rações ósseas, hepatomegalia etc.; da mediana do padrão de referência do
• Sinais agregados (produzidos pela NCHS/OMS; “baixa estatura ou nanismo
doença determinante da desnutri- nutricional”, definida pelo indicador A/I
ção ou complicação associada): in- abaixo de -2 DP; e “emagrecimento”, de-
fecções, distúrbios hidroeletrolíticos finido pelo indicador P/A abaixo de -2 DP.
e metabólicos, e alterações associa- Quanto à gravidade, a desnutrição
das dependendo do ambiente. pode ser classificada em leve, modera-
da e grave. Os pontos de corte para essa
COMO CLASSIFICAR classificação são:
A DESNUTRIÇÃO INFANTIL? • Desnutrição grave: se menor que
Toda criança, atendida por qualquer -3 DP;
causa, deve ter uma avaliação criteriosa • Desnutrição moderada: entre -2 e
do seu estado nutricional, através das -3 DP;
medidas antropométricas (peso, com- • Desnutrição leve: entre -1 e -2 DP.
primento/estatura, perímetro cefálico e
circunferência do braço), que devem ser Para a classificação da desnutrição
feitas conforme as normas e técnicas re- grave, foram agregados os indicadores
comendadas pelo Ministério de Saúde, e clínicos (presença de edema) e antropo-
são parâmetros essenciais para a classi- métricos. O indicador clínico e o indica-
ficação do estado nutricional da criança. dor P/A fazem o diagnóstico da desnu-
Para essa classificação, a Organiza­ trição aguda, o indicador A/I classifica a
ção Mundial de Saúde (OMS) recomen­da desnutrição crônica. Lactentes e crian-
a utilização dos índices antropométri­ ças com idade entre 6 e 59 meses têm
cos: Altura/Idade (A/I), Peso/Altura (P/A), diagnóstico de desnutrição aguda grave
Peso/Idade (P/I) e Índice de Massa quando o índice P/A é menor que -3 DP
Corporal para Idade (IMC/I), utilizando- e/ou a circunferência mediana do braço
-se como padrão de referência as cur- é menor que 115 mm e/ou com algum
vas do NCHS. Esses valores podem ser grau de edema bilateral.
SEÇÃO 3 252

COMO TRATAR A DESNUTRIÇÃO? básico de condutas, dividido em 3 fases:


O tratamento da desnutrição deve en- tratamento inicial (estabilização), rea-
volver uma equipe multiprofissional, e bilitação e acompanhamento (Figura 1),
tem como objetivo promover a reabilita- recomendando a sua utilização em paí-
ção nutricional da criança, prevenindo ses em desenvolvimento, mediante uma
recaídas e reduzindo as intercorrências adaptação dessa proposta à realidade de
infecciosas. As crianças com diagnóstico cada local.
de desnutrição leve e moderada devem Hipoglicemia, hipotermia, distúr-
ser preferencialmente tratadas e mo- bios hidroeletrolíticos e infecções são
nitoradas na comunidade, através dos frequentes problemas, que colocam em
cuidados primários de saúde. Devido ao risco a vida da criança desnutrida grave,
alto risco de morte, as crianças com des- devendo ser diagnosticados e controla-
nutrição grave devem ter seus cuidados dos ainda na fase de estabilização inicial
priorizados, pois o atendimento imedia- do paciente. Nesta fase, deve-se priori-
to está diretamente relacionado com o zar a identificação e o tratamento de
prognóstico. Atualmente, indica-se a problemas com risco de vida, correção
hospitalização da criança com desnu- de deficiências específicas e de anorma-
trição grave, quando ela apresenta ano- lidades metabólicas.
rexia acentuada, edema grave, sinais Hipoglicemia: importante causa de
de gravidade (incapacidade de comer e morte no desnutrido grave. O qua-
beber, vômitos incoercíveis, convulsões, dro clínico é inespecífico, podendo
letargia) ou qualquer sinal de infecção, haver hipotermia, letargia, incoor-
independentemente da gravidade do denação motora e perda de cons-
quadro acima ou quando não tenha ciência. A prevenção é feita com
condição de acompanhamento em nível alimentação precoce. Em caso de
ambulatorial. hipoglicemia (Dextrostix HGT® in-
ferior a 54 mg/dl), se a criança tiver
TRATAMENTO DA DESNUTRIÇÃO GRAVE consciente, administrar 50 ml de gli-
O tratamento apresenta peculiaridades cose a 10% por via oral ou sonda. Se
para evitar riscos e promover a estabili- a criança não consegue beber (está
zação da criança e sua posterior recupe- inconsciente ou tem crises convul-
ração, levando em conta todas as altera- sivas), infundir soro glicosado a 10%,
ções que os órgãos, sistemas e funções 5 ml/kg de peso intravenoso. Reava­
orgânicas da criança desnutrida sofrem liar em 30 min e repetir a condu-
como forma de adaptação para a so- ta, se a glicose ainda for inferior a
brevivência. A OMS propôs um modelo 54 mg/dl.
Desnutrição na infância 253

Figura 1. Fases do Protocolo da OMS para o manejo hospitalar da criança com desnutrição grave

Tratamento Inicial Reabilitação Acompanhamento


Atividades
Dias 1-2 Dias 3-7 Semanas 2-6 Semanas 7-26

Tratar ou prevenir
Hipoglicemia
Hipotermia
Desidratação

Corrigir desequilíbrio
Eletrolítico

Tratar infecção

Corrigir deficiências
Micronutrientes
sem ferro com ferro

Iniciar alimentação
Começar a alimentação
Aumentar a alimentação para
recuperar o peso perdido
(crescimento rápido) transição

Estimular o desenvolvimento
Emocional e sensorial

Preparar para alta

Fonte: Opas (2000).

Hipotermia: é um evento associado ao roupas e lençóis molhados, evitar


aumento da mortalidade na criança exposição ao frio (leitos livres de
desnutrida grave, a qual tem dificul- correntes de ar, portas e janelas fe-
dade para controlar sua temperatu- chadas) e tratar infecções associadas.
ra corpórea por escassez de tecido Desidratação: a criança desnutrida tem
celular subcutâneo. Para controlar a maior quantidade de água corporal,
hipotermia (temperatura axilar abai- especialmente no meio extracelu-
xo de 35º C) é necessário alimentar lar por redução da pressão oncótica
e hidratar a criança, verificar e tra- (hipoalbuminemia), alterações en-
tar hipoglicemia, aquecer a criança dócrinas, cardíacas e renais. Devido
(técnica canguru, uso de cobertores à dificuldade de utilização dos si-
aquecidos, gorros, luvas e botas), nais clínicos, a desidratação tende a
manter a criança vestida, trocar ser superestimada, tornando-se um
SEÇÃO 3 254

fator de risco importante para hipe- o tratamento na mesma quantidade


ridratação e insuficiência cardíaca. e no mesmo tempo e, quando a
Em caso de desidratação, utilizar a criança estiver hidratada, iniciar a
solução de reidratação especial pa- fase de manutenção com SGF 1:1, 2
ra a criança desnutrida (ReSoMal®) a 4 ml/kg/hora com potássio (4 mEq/
(Quadro 2) por via oral (ou sonda gás- kg/dia) e, logo que possível, substi-
trica), lentamente, na quantidade de tuir a venóclise pela reidratação oral
5 ml/kg a cada 30 min, nas primeiras (ReSoMal®). Durante a hidratação ve-
2 horas. Em seguida, 5 ml/kg/hora, nosa, é importante a monitorização
durante as próximas 4 a 10 horas. A frequente dos sinais de hiperidrata-
oferta do ReSoMal® deve ser feita em ção (frequência respiratória, pulso,
períodos alternados com a amamen- diurese, evacuações e vômitos, ede-
tação. Se a criança estiver alerta e ma). Nesses casos, suspender a hidra-
bebendo, oferecer a dieta durante a tação e reavaliar a criança depois de
reidratação. uma hora.
A Via Intravenosa (IV) deve ser Distúrbios hidroeletrolíticos (DHE): o
usada apenas quando há sinais evi- desnutrido grave pode apresentar
dentes de choque, hipoglicemia seve- vários DHE, destacando-se hipocale-
ra, vômitos intensos, íleo paralítico e mia, hipomagnesemia e hipernatre-
outras raras condições. Nesses casos, mia. A correção desses DHE é feita
fazer expansão lenta de 15 ml/kg em com a solução combinada de eletróli-
uma hora de solução de soro fisioló- tos e minerais presentes no ReSoMal®
gico a 0,9% e glicose a 10% na propor- e nos preparados alimentares. Em ca-
ção de 1:1. Se houver melhora, repetir sos graves, se faz necessária a adição

Quadro 2. Solução de reidratação oral para crianças com desnutrição grave (ReSoMal®)

Componentes da solução de reidratação oral para crianças com desnutrição grave (ReSoMal®)

Ingredientes Quantidades

Água 2 litros

SRO padrão da OMS/UNICEF 1 pacote para 1 litro

Sacarose (açúcar) 50 g

Solução de mistura de minerais* 40ml

*A solução combinada de eletrólitos e minerais contém: Cloreto de Potássio (89,5 g); Citrato Tripotássico (32,4 g); Cloreto
de Magnésio (30,5 g); Acetato de Zinco (0,3 g); Sulfato de Cobre (0,56 g) e água (1.000 ml).

Fonte: OMS (2000).


Desnutrição na infância 255

de potássio (3-4 mmol/kg/dia) e retorno do apetite), que geralmente


magnésio (0,4-0,6 mmol/kg/dia) na ocorre em até uma semana de in-
fase de manutenção. Embora o sódio ternação, faz-se a transição gradual
plasmático possa ser baixo, existe do F75 para o preparado da fase de
excesso de sódio corporal. Dessa for- reabilitação ou de crescimento rá-
ma, a criança desnutrida grave pode pido (F100 = 100 kcal/100 ml e 2,9 g
apresentar níveis séricos de sódio proteína/100 ml). Durante 48 horas,
reduzidos, consistindo em uma hipo- substitui-se o F75 pelo mesmo volu-
natremia dilucional, falseando uma me de F100 e, a partir daí aumenta-
verdadeira hipernatremia corporal. -se 10 ml em cada refeição até que a
Sendo assim, a correção de sódio só criança deixe sobras ou atinja o vo-
deve ser considerada se ele estiver lume de 200 ml/kg/dia do preparado.
em níveis inferiores a 120 mEq/l. O aleitamento materno deve ser
Alimentação: a alimentação correta da mantido, porém deve-se assegurar
criança com desnutrição grave é ex- que ela receba o preparado alimentar
tremamente importante, devendo antes, pois o valor calórico fornecido
ser iniciada o mais precocemente pelo leite materno, nesse caso, não
possível, ainda na fase de estabi- é suficiente para assegurar a veloci-
lização e, preferencialmente, pela dade de crescimento rápido, que a
via oral, em pequenos volumes e criança com desnutrição grave ne-
intervalos frequentes (de 2 em 2 cessita para atingir a sua reabilitação.
horas, dia e noite) com o prepa- Deficiências de micronutrientes: as cri­-
rado alimentar para a fase inicial anças com desnutrição grave tam-
(F75 = 75 kcal/100 ml e 0,9 g proteí- bém apresentam deficiência de zin-
na/100 ml), que tem como objetivo co, cobre, selênio, ferro, ácido fólico
suprir a quantidade de energia e e de vitaminas, devendo receber
proteína suficientes para manter os suplemento polivitamínico diário.
processos fisiológicos básicos. Uma das mais importantes deficiên-
Na fase inicial, o volume do pre- cias de vitaminas, e que representa
parado alimentar inicial (F75) é de risco de vida e de cegueira para a
130 ml/kg/dia (100 ml/kg/dia, se há criança, é a de Vitamina A, devendo
edema), fornecendo entre 80 e 100 ser administrada em dose única, no
kcal/kg/dia e 1 a 1,5 g de proteína/kg/ primeiro dia de internação (exceto
dia, baixa osmolaridade (280 mmol/l) se a criança já recebeu a vitamina A
e baixo teor de lactose (13 g/l). Após há 30 dias ou menos, ou que estejam
estabilização (redução do edema e em uso dos preparados alimentares
SEÇÃO 3 256

contendo vitamina A), uma megado- aumentando a susceptibilidade às


se de 50.000 UI para crianças abaixo infecções, motivos mais comuns de
de 6 meses, 100.000 UI para crianças atendimento do paciente desnutri-
entre 6 e 12 meses, e 200.000 UI para do nos serviços de saúde. Na criança
crianças acima de 12 meses. Outras desnutrida, a resposta orgânica à in-
vitaminas e oligoelementos devem fecção (febre, leucocitose, taquipneia
ser suplementadas nos preparados etc.) pode não ocorrer, dificultando
alimentares e com complexos multi- o diagnóstico e justificando o início
vitamínicos. O ácido fólico também precoce de antibióticos em crianças
deve ser administrado na dose de de maior risco. Sempre avaliar a pos-
5 mg no primeiro dia e, a partir daí, sibilidade da existência de tuberculo-
administrar 1 mg/dia. Em caso de se e infecção pelo HIV/Aids associada.
diarreia, pode-se acrescentar o sulfa- A escolha criteriosa do antibiótico é
to de zinco na dose de 10 mg/dia ou importante e será de acordo com os
20 mg/dia para menores e maiores critérios de infecção localizada ou
de 6 meses, respectivamente. gravidade clínica, seguindo orienta-
Anemia: os níveis de hemoglobina abai- ção de rotina do serviço. Recomenda-
xo de 4 g/dl ou entre 4-6 g/dl asso- se o uso de amoxicilina para pacien-
ciados à repercussão hemodinâmica tes sem sinais de complicação e o uso
devem ser corrigidos com concentra- de ampicilina e gentamicina para
do de hemácias (10 ml/kg de peso), pacientes com complicação.
lentamente, com monitorização das Estimulação: é extremamente importan­
frequências cardíacas e respiratórias. te a estimulação sensorial e física
Recomenda-se uso de furosemida para que a criança desnutrida recu-
(1 mg/kg) no início da transfusão. A pere seu desenvolvimento mental e
suplementação com ferro previne/ comportamental. Proporcionar um
corrige a deficiência desse micronu- ambiente alegre e estimulante com
triente e melhora a cognição e o cres- atividades lúdicas, encorajando sem-
cimento da criança, mas não é reco- pre a participação do cuidador. Esta
mendada na fase de estabilização prática tem início na reabilitação e
inicial de tratamento da criança com continua após a alta, e pode reduzir
desnutrição grave, sendo indicado a substancialmente o risco de atraso de
partir da segunda semana de trata- desenvolvimento físico e psicossocial.
mento, na dose de 3 a 4 mg/kg/dia. Evolução e alta hospitalar: a criança
Infecção: a desnutrição afeta de mo- com desnutrição grave pode evoluir
do adverso a resposta imunológica, para óbito súbito ou inesperado (por
Desnutrição na infância 257

descompensação cardíaca, hipogli- estabilização, adição da mistura de ele-


cemia e hipotermia) ou em conse- trólitos de minerais na fórmula láctea ou
quência de infecções associadas. As outros alimentos), tratamento de infec-
crianças que superam esses obstácu- ções e parasitoses, de acordo com a clíni-
los podem evoluir com a síndrome de ca e da epidemiologia da criança, além
recuperação nutricional entre o 20º e de atualização do esquema vacinal e es-
o 40º dia após o início do tratamen- timulação física, sensorial e dos vínculos.
to. Caracteriza-se por sintomas como O manejo dietético é de fundamen­
hepatomegalia, distensão abdomi- tal importância e deve ter como meta
nal com circulação colateral visível, ganho de peso de 10 g/kg/dia. Inici­
ascite, fácies de lua cheia, alterações almente, é importante analisar e cor-
de pele e fâneros, sudorese, hipertri- rigir os erros dietéticos e conhecer a
cose, hipergamaglobulinemia e eo- realidade social da criança, analisando
sinofilia) que geralmente regridem a disponibilidade e o acesso aos alimen-
em torno da 10ª a 12ª semana. tos. Deve-se planejar uma dieta hiperca-
As condições para a alta hospi- lórica e hiperproteica, com cerca de 150
talar incluem ganho médio de peso a 220 kcal/kg/dia e 4 a 6 g de proteína/
acima de 5 g/kg/dia por 3 dias con- kg/dia, adequando o regime alimentar
secutivos (ou P/A maior que -2 DP), à idade, iniciando em pequena quanti-
boa aceitação da dieta, controle das dade devido à diminuição de tolerância
afecções associadas que motivaram alimentar e aumentando a quantidade
o internamento ou com possibilida- de forma gradual, administrando a cada
de de continuar o tratamento ambu- 3 horas, sendo no mínimo 6 refeições/
latorialmente, e família vinculada dia. Orientar a mãe a preparar os ali-
ao acompanhamento e apoio comu- mentos e a fazer a higiene dos utensílios.
nitário necessário. É importante lembrar que o desma­
me precoce é uma das causas mais im-
TRATAMENTO DA DESNUTRIÇÃO portantes de desnutrição. Se a criança
MODERADA está sendo amamentada, deve-se enco-
O tratamento ambulatorial da desnu­ rajar, estimular e orientar esta prática.
trição moderada segue os mesmos O seguimento e o monitoramento do
cui­dados descritos no tópico anterior, ganho de peso devem ser feitos semanal-
co­mo correção da deficiência de vitami- mente ou, no máximo, a cada 15 dias, a
nas, micronutrientes e eletrólitos (suple­ fim de avaliar o ganho médio de peso
mento polivitamínico, megadose de (GMP). O GMP acima de 10 g/kg/dia é con-
vitamina A, suplemento de ferro após siderado adequado, devendo-se manter
SEÇÃO 3 258

as condutas. GMP entre 5 a 10 g/kg/dia com a idade, utilizando os alimentos


é considerado um ganho moderado, e habituais da família, acrescentando re-
abaixo de 5 g/kg/dia é considerado insu- feições com sal, uma colher de sobre-
ficiente, devendo-se repetir a avaliação e mesa de óleo para as crianças menores
as orientações com reavaliação semanal. de um ano e uma colher de sopa para
os maiores de um ano, aumentando o
TRATAMENTO DA DESNUTRIÇÃO LEVE número de refeições, se estas forem in-
Avaliar e corrigir os erros dietéticos e pres- suficientes. Marcar retorno com 30 dias
crever um cardápio alimentar de acordo para avaliação.

REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Materno Infantil da UFPE, 2014, 2ª ed., p.
Atenção à Saúde. Coordenação Geral da 151-157.
Política de Alimentação e Nutrição. Manual
FALBO, A. R.; BATISTA FILHO, M.; ALVES, J. G. B.
de atendimento da criança com desnutrição
Desnutrição Energético-protéica. In: ALVES, J.
grave em nível hospitalar. Brasília: Ministério
G. B. et al. Fernando Figueira: Pediatria. 4ª ed.
da Saúde, 2005, p. 142.
Rio de Janeiro: Medbook, 2011. p. 1262-1279.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de UNICEF. Fundo das Nações Unidas para a In­
Atenção à Saúde. Sistema de Vigilância Ali­ fância. Situação Mundial da Infância. Bra­sília,
men­tar e Nutricional (SISVAN), 2005. DF: UNICEF, 2019.

BRASILEIRO, M. C.; BELTRÃO, M. M. N. (Orgs.). UNICEF, WHO. World Bank Group joint mal­
Manual de Condutas em Pediatria da UFPE. nu­trition estimates. 2016 edition. OMS, Chil­
Recife: Departamento Materno Infantil da dren: reducing mortality, 2016.
UFPE, 2007, p. 59-65.
WHO. Guideline: Updates on the manage-
BRASILEIRO, M. C.; SILVA, G. A. P.; BELTRÃO, ment of severe acute malnutrition in in-
M. M. N. (Orgs.). Manual de Condutas em fants and children. Geneva: World Health
Pediatria da UFPE. Recife: Departamento Organization, 2013.
C APÍTULO 2

Anemia ferropriva

Izabel Cavalcanti
Maria Márcia Nogueira Beltrão

O QUE É? período de 13 anos. A prevalência de


Anemia, segundo a Organização Mun­di­ anemia para a região Norte aumentou
al da Saúde (OMS), é a condição na qual de 10,4%, em 2006, para 17%, em 2019
a concentração sanguínea de hemoglo- (aumento absoluto de 6,6%). As demais
bina se encontra abaixo dos valores es- macrorregiões apresentaram redução
perados (inferior a -2 DP), tornando-se da estimativa pontual de prevalência
insuficiente para atender às necessida- de anemia entre os estudos. A maior re-
des fisiológicas exigidas de acordo com dução foi observada na região Sudeste
idade, sexo, gestação e altitude. (redução absoluta de 14,7%) e a menor,
na região Centro-Oeste. A prevalência
IMPORTÂNCIA DO TEMA de anemia foi maior nas crianças entre
A anemia tem consequências significa- 6 e 23 meses (18,9%), quando compara-
tivas para a saúde humana bem como da com as crianças entre 24 e 59 meses
para o desenvolvimento social e econô- (5,6%) para o Brasil e nas regiões Norte,
mico. Segundo dados do Estudo Nacio­ Sudeste, Sul e Centro-Oeste (diferenças
nal de Alimentação e Nutrição Infantil estatisticamente significativas).
(ENANI) publicados em 2020, a preva- Um estudo brasileiro com revisão
lência de anemia diminuiu de 20,9%, sistemática e metanálise publicado no
em 2006, para 10%, em 2019, represen- Cambridge Core, da universidade de
tando uma redução absoluta de 10,9% e Cambridge, buscou estimar a prevalên-
relativa de, aproximadamente, 50% no cia de anemia em crianças brasileiras
SEÇÃO 3 260

de zero até 83,9 meses no período entre QUAIS SÃO AS CONSEQUÊNCIAS


2007 e 2020, tendo sido incluídos gran- ECONÔMICAS DA ANEMIA?
de número de estudos com adequada Em consequência dos efeitos da anemia,
representatividade de todas as regiões na produtividade laboral dos adultos e
do país. A prevalência combinada da no desenvolvimento cognitivo em crian-
anemia foi 33%, constatando que a pre- ças, foram feitas tentativas para quanti-
valência de anemia infantil no Brasil é ficar o impacto econômico da anemia. O
muito alta, constituindo-se, ainda, em custo médio de perdas físicas e cogniti-
um grave problema de saúde pública. vas associadas à anemia e à deficiência
de ferro foi estimado em US$ 3,64 por
QUE FATORES SÃO DETERMINANTES cabeça ou 0,81% do produto interno bru-
PARA A OCORRÊNCIA DE ANEMIA to em países em desenvolvimento. Na
FERROPRIVA? Índia, onde a anemia é muito prevalen-
Um amplo espectro de determinantes te, o impacto econômico atingiu US$ 24
socioeconômicos, comportamentais e bilhões de dólares em 2013.
ambientais faz alguns indivíduos ou
grupos populacionais mais vulneráveis FISIOPATOLOGIA
à anemia. Tais determinantes incluem: A anemia se desenvolve através de três
pobreza, baixo nível educacional, dis- principais mecanismos: eritropoiese
criminação baseada em gênero ou ra- ine­fi­caz (quando o corpo produz poucos
ça, comportamentos insalubres como eri­trócitos), hemólise (quando os eritró-
tabagismo, precárias condições de vida citos são destruídos) e quando há per-
e inadequado acesso à água, ao sanea- das sanguíneas. Deficiências nutricio-
mento e à higiene. Fatores ambientais, nais, doenças e desordens genéticas da
como altitude e emergências ou desas- hemoglobina são as principais causas
tres (induzidos ou naturais) também da anemia. Em todo o mundo, a princi-
contribuem para a ocorrência de ane- pal causa de anemia é a deficiência de
mia. Educação é também um determi- ferro, estando associada a mais de 60%
nante para a saúde. Baixa escolaridade dos casos, impactando especialmente
materna pode afetar a habilidade da na prática clínica pediátrica. A propor-
mãe para acessar e compreender infor- ção de anemia por carência de ferro vai
mações sobre saúde e nutrição, e tam- variar conforme a idade e o sexo do gru-
bém influenciar a tomada de decisões po que está sendo estudado, a região do
e a aderência a orientações, afetando mundo na qual ele vive e a prevalência
negativamente a qualidade da saúde de outras causas de anemia nesta área
da criança. em particular.
Anemia ferropriva 261

GRUPOS DE MAIOR VULNERABILIDADE idade de crescimento e comprometer


Os grupos populacionais mais vulnerá- o desenvolvimento cerebral, causando
veis à anemia incluem crianças abaixo alterações na estrutura e na função do
de cinco anos de idade, principalmente cérebro, particularmente se a deficiên-
os menores de dois anos de idade, ado- cia ocorre durante a infância, quando
lescentes, mulheres em idade reproduti- a neurogênese e a diferenciação das
va (15 a 49 anos) e gestantes. regiões cerebrais ocorrem. A carência
de ferro desde o período pré-natal tem
Crianças menores repercussões importantes e deletérias
de dois anos de idade em longo prazo no desenvolvimento de
Esse grupo é particularmente vulne- capacidades motoras e habilidades cog-
rável ao desenvolvimento de anemia nitivas, de linguagem e comportamen-
por suas características fisiológicas de tais das crianças, e o possível impacto
crescimento e desenvolvimento rápi- negativo permanece mesmo após o
dos, tem a necessidade de expansão tratamento precoce, especialmente em
do volume sanguíneo e da muscula- crianças pouco estimuladas ou de baixo
tura, o que determina incremento das nível social e econômico. A carência de
necessidades de ferro. Adicionalmente, ferro na infância também predispõe a
alimentos complementares oferecidos cáries dentárias; alterações no paladar
aos indivíduos nessa faixa etária têm, e no apetite, com menor discriminação
habitualmente, baixos teores de ferro e identificação de odores; alterações na
(em quantidade) e elevados teores de resposta ao estresse metabólico; altera-
inibidores da absorção do ferro, o que ções no desenvolvimento audiovisual; e
reduz a biodisponibilidade. Baixo peso alterações de imunidade não específicas.
e prematuridade também impactam
negativamente os estoques de ferro pre- Adolescentes e mulheres
sentes ao nascimento, comprometendo em idade reprodutiva
o status de crianças muito jovens, parti- Esse grupo está também em risco de
cularmente em países onde o retardo no desenvolver deficiência de ferro e ane-
crescimento intrauterino é comum. mia, por várias razões: perdas regulares
de sangue que ocorrem na menstruação
Repercussões no aumentam as perdas de ferro e, por-
desenvolvimento infantil tanto, suas necessidade; períodos de
A anemia ferropriva tem efeito no cres- grande crescimento e desenvolvimen-
cimento e no desenvolvimento de popu- to durante a adolescência e a gravidez
lações afetadas por atingir grupos em determinam incremento adicional nas
SEÇÃO 3 262

necessidades de ferro (indispensáveis gestações, estão também associados ao


para o feto, a placenta e a expansão risco crescente de anemia.
do volume sanguíneo materno na ges-
tação). Adolescentes grávidas estão DEFICIÊNCIA DE FERRO – ETAPAS
em particular risco de desenvolverem A carência de ferro se caracteriza pelos
anemia, não apenas devido aos seus re- estágios sucessivos de depleção, defi-
querimentos de ferro aumentados (para ciência e anemia.
seu próprio crescimento e desenvolvi- Primeiro estágio: depleção de ferro, ca-
mento), como também para prover as racterizada pela diminuição dos de-
necessidades do feto inerentes à gesta- pósitos no fígado, no baço e na me-
ção. Mulheres podem apresentar perdas dula óssea. Pode ser diagnosticado a
de ferro em hemorragias significativas partir da ferritina sérica1, principal
no parto, situação agravada por dietas parâmetro para avaliar as reservas
pobres em ferro biodisponível, comuns de ferro, por apresentar forte corre-
em adolescentes e mulheres em muitos lação com o ferro armazenado nos
países pobres. A anemia no primeiro ou tecidos. A ferritina aumenta quando
segundo trimestre gestacional aumenta a reserva de ferro está adequada, e
significativamente o risco de ter recém- diminui quando está depletada. Nas
-nascido de baixo peso e parto prema- crianças menores de cinco anos, va-
turo. A anemia pós-parto está associada lores de ferritina inferiores a 12 µg/l;
com redução da qualidade de vida, in- e nas crianças entre cinco e doze
cluindo aumento do cansaço, dificulda- anos, valores inferiores a 15 µg/l são
de para respirar, palpitações e infecção. fortes indicadores de depleção de re-
Pode ocorrer, ainda, estresse e depres- servas corporais de ferro;
são pós-parto. Mães anêmicas podem Segundo estágio: deficiência de ferro cir-
também ser menos responsivas e mais culante é utilizada para diagnóstico
negativas para seus bebês com claras da própria redução do ferro sérico
implicações para o aleitamento mater- (valores são relevantes quando me-
no e o desenvolvimento infantil. Curtos nores que 30 mg/dl), a diminuição
intervalos entre as gestações (que não da saturação da transferrina (< 16%),
permitem a recuperação dos estoques da hepcidina e da ferritina. Outros
de ferro), bem como o alto número de exames podem estar alterados, como

1 Observação: a ferritina é uma proteína de fase aguda e sua concentração aumenta em respos-
ta às doenças hepáticas, aos processos infecciosos e inflamatórios. Quando utilizada para aferir
o status do ferro, marcadores de infecção e inflamação (como proteína C reativa (CRP) ou Alfa-1-
glicoproteína ácida) devem também ser aferidos concomitantemente.
Anemia ferropriva 263

os aumentos do receptor solúvel da sociais. Na história clínica faz-se neces-


transferrina, da Protoporfirina Eritro­ sário avaliar antecedentes gestacionais,
citária Livre (PEL) e da Capaci­dade to- de parto e do período de nascimento;
tal de Ligação do Ferro (CLF = TIBC); tempo e duração do aleitamento ma-
Terceiro estágio: anemia ferropriva, terno e se foi exclusivo ou não; idade da
estágio final da deficiência de fer- introdução de alimentos sólidos, tipo e
ro. Neste estágio, as repercussões quantidade de alimentos que compõem
fisiológicas e clínicas se tornam vi- a alimentação da criança. Considerar a
síveis, com consequências graves e possível existência de outras doenças, co-
têm longa duração. Caracterizado mo perdas sanguíneas agudas ou crôni-
la­bo­ratorialmente por diminuição cas, síndrome de má absorção (exemplos:
sanguínea da hemoglobina, do Vo­ doença celíaca, doença inflamatória in-
lu­me Corpuscular Médio (VCM), da testinal, doenças crônicas e neoplasias)
He­mo­globina Corpuscular Média ou até mesmo intervenção cirúrgica gás-
(HCM), do hematócrito, do ferro sé- trica ou duodenal, entre outras.
rico, da ferritina, da saturação da São relatados sintomas gerais (ines-
transferrina e da hepcidina. Estão pecíficos), como irritabilidade, anorexia,
aumentados: o receptor solúvel da apatia, fadiga crônica, dificuldades na
transferrina e a Protoporfirina Eri­ termorregulação, perversão do apetite
tro­citária Livre (PEL). manifestada por geofagia ou compulsão
por comer gelo, sabão, cabelo etc.
Diretrizes para o diagnóstico O exame físico tem limitações na
da anemia ferropriva (SBP, 2021) habilidade de detectar a anemia. A pa-
De um modo geral, as primeiras mani- lidez possui baixa sensibilidade na ane-
festações surgem quando a anemia já é mia leve, mas se correlaciona bem com
moderada. a anemia grave. Dependendo da inten-
A abordagem inicial do paciente sidade e da velocidade de instalação da
com anemia inclui anamnese e exame anemia, pode ocorrer hipercinese circu-
físico detalhados, visando identificar latória com pulso amplo, cardiomegalia,
sua provável etiologia e fatores de ris- taquicardia e presença de sopros cardía-
co: baixa reserva materna, aumento da cos proto/mesossistólicos suaves e sem
demanda metabólica, diminuição do irradiação. Ocasionalmente, espleno-
fornecimento, perda sanguínea e má megalia de cerca de três centímetros
absorção de ferro. abaixo do rebordo costal esquerdo pode
A anamnese deve contemplar todos ser encontrada. Em nível individual, em
os aspectos biológicos, econômicos e muitas localidades, o diagnóstico de
SEÇÃO 3 264

anemia é baseado em sinais clínicos especialmente na ausência de profilaxia


e na anamnese, porque nem exames adequada com ferro.
hematológicos nem bioquímicos estão A solicitação de exames laborato-
disponíveis. Nesses locais, para crianças, riais deve ser direcionada por anamne-
palidez palmar define o diagnóstico de se e exame físico. É a combinação dos
anemia e para gestantes, os dados clí- diferentes exames e a sua interpretação
nicos de anemia durante o pré-natal em conjunto com os dados clínicos, que
incluem fadiga, fôlego curto, palidez auxiliará para o diagnóstico mais preci-
palmar e conjuntival e frequência respi- so. A concentração de hemoglobina (Hb),
ratória elevada. Em populações em que embora essencial ao diagnóstico e à de-
a prevalência de anemia severa é me- finição da gravidade, isoladamente não
nor que 10%, a sensibilidade da palidez é capaz de definir a causa da anemia.
palmar para detectar a anemia vai de Considerando o custo dos exames
60% a 80% e a especificidade varia entre diagnósticos e a necessidade de padro-
92% e 94%. nizá-los para se identificar a fase inicial
da depleção ou da deficiência de ferro
DIAGNÓSTICO LABORATORIAL sem anemia, em que a concentração de
Rotina: realizar em todas as crianças a Hb é normal, são recomendáveis, no mí-
investigação laboratorial da deficiência nimo, os seguintes exames:
de ferro aos 12 meses de vida. No en- 1. Hemograma: para a avaliação da Hb,
tanto, na suspeita baseada na presença dos índices hematimétricos (VCM,
de fatores de risco, a investigação deve HCM, RDW) e da morfologia dos gló­
ser pronta e precocemente realizada, bu­­los vermelhos.

Tabela 1. Níveis de Hb (g/l) para diagnóstico de anemia

Anemia
Idade
Sem anemia Leve Moderada Severa

Criança de 5-59 meses ≥ 110 100-109 70-99 < 70

Criança de 5-11 anos ≥ 115 110-114 80-109 < 80

Adolescente de 12-14 anos ≥ 120 110-119 80-109 < 80

Mulheres não gestantes,


≥ 120 110-119 80-109 < 80
acima de 15 anos

Mulheres gestantes ≥ 110 100-109 70-99 < 70

Homens acima de 15 anos ≥ 130 110-129 80-109 < 80

Fonte: WHO (2011).


Anemia ferropriva 265

2. Ferritina sérica: como marcador da fa- 11 (beta-talassemia) e/ou no 16 (alfa-ta-


se de depleção dos estoques. lassemia). Esse fato determina a dimi-
3. Proteína C reativa: para identificar se nuição na síntese das cadeias de globi-
há processo infeccioso ou inflamató- na beta ou alfa, respectivamente, cuja
rio concomitante. redução resulta em desequilíbrio entre
elas, eritropoiese ineficaz, hemólise in-
No ENANI (2019), a anemia ferropri- tramedular e anemia de grau variável.
va foi definida em duas situações: • Talassemia beta: classificada como
• Ausência de infecção/inflamação, se talassemia beta homozigota (maior),
a Hb < 11 g/dl, a ferritina < 12 µg/l e a talassemia beta intermediária e ta-
proteína C reativa ≤ 5 mg/l; lassemia beta heterozigota (menor),
• Presença de infecção/inflamação, se que também é denominada traço
a Hb < 11g/dl, a ferritina < 30 µg/l e a beta talassêmico. O traço beta-ta-
proteína C reativa > 5 mg/l. lassêmico é o principal diagnóstico
diferencial com a anemia ferropriva
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL e caracteriza-se também por anemia
A etiologia da anemia é complexa e o hipocrômica e microcítica, porém a
papel de diferentes determinantes pode dosagem de ferro sérico é normal e
variar em cada lugar. A anemia pode ser na eletroforese de Hb, os valores de
classificada quanto às suas característi- HbA2 e HbF estão aumentados;
cas morfológicas e segundo o valor do • Traço alfa-talassêmico (talassemia
Volume Corpuscular Médio (VCM), em alfa menor): também faz parte do
microcítica, normocítica e macrocítica. É diagnóstico diferencial da anemia
fundamental que o pediatra esteja aten- ferropriva, apresentando-se com
to a outros diagnósticos diferenciais de discreto grau de anemia hipocrômi-
anemia hipocrômica e microcítica, em- ca e microcítica. O diagnóstico pode
bora a anemia ferropriva seja a anemia ser feito ao nascimento, ao eviden-
mais frequente na população pediátrica. ciar-se a presença de Hb de Bart no
Os principais diagnósticos diferen- Teste do Pezinho, sendo o diagnós-
ciais com a anemia ferropriva são as tico definitivo por meio da biologia
síndromes talassêmicas e a anemia das molecular, com a pesquisa das dele-
doenças crônicas e/ou da inflamação ções dos genes alfa 3.2 e 4.7.
(Quadro 1). Anemia da inflamação e das doen­ças
Síndromes talassêmicas são ane- crônicas: doenças infecciosas e inflama-
mias hemolíticas hereditárias, em que ção podem causar anemia por múltiplos
há alteração genética no cromossomo mecanismos: prejudicando a absorção, o
SEÇÃO 3 266

Quadro 1. Anemia microcítica e hipocrômica: investigação laboratorial

Diagnóstico Ferro sérico Ferritina sérica CLF RDW Diagnóstico

Identificar causa
Anemia
Diminuído Diminuída Aumentada Aumentado de carência de
ferropriva
ferro

Traço beta
Normal Normal Normal Normal EFHb-HbA2 > 4%
talassêmico

Análise molecular
Traço alfa das deleções do
Normal Normal Normal Normal
talassêmico gene da globina
alfa

Anemia
da doença Normal ou
Diminuído Diminuída Normal Identificar a causa
crônica ou da aumentada
inflamação

Anemia
Aumentado Normal Normal --- Mielograma
sideroblástica

CLF: capacidade de ligação do ferro (valor normal = 240 a 450 mcg/dl).


RDW: Red Blood Cell Distribution Width (valor normal = 11,5-14,5%).
EFHb: Eletroforese de hemoglobina.

Fonte: Adaptado de Laggetto e Braga (2010).

metabolismo ou aumen­tando as perdas das doenças crônicas, habitualmente, é


de nutrientes (como as parasitoses in- de leve a moderada, e a morfologia das
testinais). Em processos infecciosos ou hemácias pode ser normocítica ou micro-
doenças crônicas, as citocinas pró-infla- cítica. O nível de ferro e a sua capacidade
matórias alteram o metabolismo do ferro, de ligação estão diminuídos e os de ferri-
de modo que ele é sequestrado e armaze- tina estão normais ou aumentados.
nado como ferritina, ficando reduzidas a
produção e a vida média dos eritrócitos. INTERVENÇÕES NO ENFRENTAMENTO
Afecções agudas e crônicas, como malá- DA ANEMIA
ria, câncer, tuberculose, HIV, doença re- Cada local precisa conhecer os fatores
nal crônica e insuficiência cardíaca crôni- mais relevantes que contribuem para a
ca também podem acarretar em anemia. ocorrência de anemia ferropriva, a fim
Para mui­tas dessas doenças, particular- de selecionar as intervenções mais apro-
mente, malária e infecções parasitárias, priadas, envolvendo um amplo espectro
a localização geográfica determina o de setores para a ação efetiva (exemplos:
risco da doença e, consequentemente, o nutrição, tratamento da água, sanea-
padrão de risco da anemia. Na avaliação mento, agricultura, indústria, educação
laboratorial, a anemia da inflamação e e iniciativas para atenuação da pobreza).
Anemia ferropriva 267

I. Soluções nutricionais – primariamente os de origem animal


específicas para a anemia (carnes, aves e peixe), bem como o
Estratégias baseadas em alimentos – de leguminosas ricas em ferro (fei-
Propõem-se a aumentar a disponibilida- jão, lentilha e grão de bico);
de e o consumo de uma dieta rica em • Acrescentar frutas e outros vegetais
micronutrientes, composta por uma va- ricos em ácido cítrico ou ácido as-
riedade disponível de comidas: córbico à dieta para incrementar a
• Aleitamento materno exclusivo nos absorção do ferro não-heme;
primeiros seis meses de vida. No • Evitar a ingestão de inibidores co-
leite materno, o ferro tem elevada nhecidos da absorção do ferro (café,
biodisponibilidade (49%) em fun- chá e laticínios) em refeições com
ção da lactoferrina e da vitamina alto teor de ferro;
C. Após os seis meses de idade, as • Fortificação de alimentos: é o in-
crianças devem receber alimentos cremento do conteúdo de micronu-
complementares nutricionalmente trientes essenciais em um alimento
adequados e continuar mamando que é comumente consumido pelo
até os dois anos ou mais. Alimentos público-alvo, a fim de melhorar sua
complementares precisam prover as qualidade nutricional. Está indicada
necessidades crescentes de alguns quando a maior parte da popula-
nutrientes, principalmente de ferro, ção-alvo tem um inaceitável risco
porque mais de 90% das necessida- em saúde pública de ser ou vir a ser
des diárias para uma criança entre deficiente em um micronutriente
nove a onze meses, precisa vir da específico. A seleção de alimentos
dieta (fonte extrínseca); veículos requer conhecimentos de
• Evitar alimentar criança menor de fatores, como custos, necessidades
um ano com leite de vaca integral nutricionais, deficiência na popula-
(sem modificações), porque isso a co- ção-alvo, perfil usual de consumo
loca em situação de risco nutricional do alimento veículo proposto, efei-
para a anemia ferropriva, porque ele tos sensoriais e físicos dos nutrien-
tem baixo teor e baixa biodisponibi- tes fortificantes no alimento veículo.
lidade de ferro (apenas 10%). Quando Quando comandada e regulada pelo
o aleitamento materno for impossí- Governo, em nível nacional, é medi-
vel, utilizar fórmulas lácteas adequa- da efetiva, simples e barata.
das às necessidades dos lactentes;
• Aumentar a produção e o consu- No Brasil, a política nacional de for-
mo de alimentos ricos em ferro, tificação de alimentos foi definida pela
SEÇÃO 3 268

ANVISA, prevendo, atualmente, a fortifi- mendações às determinadas pelo


cação das farinhas de trigo e milho com Minis­tério da Saúde.
fumarato ferroso e sulfato ferroso em 4 a
9 mg para cada 100 g de farinha (RDC n° III. Tratamento medicamentoso
150/2017). Ferro elementar por via oral, dar a dose
terapêutica de 3 a 6 mg/kg/dia de ferro
II. Suplementação profilática de ferro por, no mínimo, oito semanas para a
O Brasil tem o programa nacional de correção da hemoglobina, devendo, en-
suplementação profilática do ferro tão, ser continuado (para que se faça a
via oral, que atinge crianças de seis a repleção das reservas corporais de ferro),
vinte e quatro meses de idade (Quadro por um período de seis meses ou até a
2), gestantes e lactantes até o terceiro obtenção de ferritina sérica > 15 µg/dl (é
mês pós-parto. A Sociedade Brasileira importante atingir a normalização dos
de Pediatria acrescenta algumas reco- valores entre 30 e 300 µg/dl).

Quadro 2. Recomendação de suplementação medicamentosa profilática de ferro em lactentes com


fator de risco

Situação Recomendação

Recém-nascidos a termo, peso adequado para


1 mg de ferro elementar/kg/dia, iniciando aos 90
a idade gestacional, em aleitamento materno
dias de vida até o 24o mês de vida
exclusivo

Recém-nascidos a termo, peso adequado para


1 mg de ferro elementar/kg/dia, iniciando aos 90
a idade gestacional, independentemente do
dias de vida até o 24o mês de vida
tipo de alimentação

2 mg de ferro elementar/kg/dia, iniciando aos 30


Recém-nascidos a termo com peso inferior a
dias de vida, durante 1 ano. Após este prazo, 1 mg de
2.500 g
ferro elementar/kg/dia por mais 1 ano

2 mg de ferro elementar/kg/dia, iniciando aos 30


Recém-nascidos pré-termo com peso superior
dias de vida, durante 1 ano. Após este prazo, 1 mg de
a 1.500 g
ferro elementar/kg/dia, por mais 1 ano

3 mg de ferro elementar/kg/dia, iniciando aos 30


Recém-nascidos pré-termo com peso entre
dias de vida, durante 1 ano. Após este prazo, 1 mg de
1.500 g e 1.000 g
ferro elementar/kg/dia, por mais 1 ano

4 mg de ferro elementar/kg/dia, iniciando aos 30


Recém-nascidos pré-termo com peso inferior
dias de vida, durante 1 ano. Após este prazo, 1 mg de
a 1.000 g
ferro elementar/kg/dia, por mais 1 ano

Recém-nascidos pré-termo, que receberam Devem ser avaliados individualmente, pois podem
mais de 100 ml de concentrado de hemácias não necessitar de suplementação de ferro com 30
durante a internação dias de vida, mas sim posteriormente

Fonte: SBP (2021).


Anemia ferropriva 269

Os sais ferrosos (sulfato ferroso) são • Hospitalização por anemia grave;


eficazes na correção da hemoglobina e • Após falha terapêutica do tratamen-
na reposição de estoques de ferro, apre- to oral;
sentam baixo custo e rápida absorção, • Necessidade de reposição de ferro
se fo­rem ingeridos em períodos distan- por perdas sanguíneas;
tes das refeições. Entretanto, a adesão • Doenças inflamatórias intestinais;
ao tratamento é geralmente baixa de- • Quimioterapia;
vido aos sintomas adversos frequentes • Diálise;
(35-55%), como náusea, vômito, gosto • Após cirurgias gástricas, com aco-
metálico na boca, pirose, dispepsia, ple- metimento do intestino delgado.
nitude ou desconforto abdominal, diar-
reia e obstipação. MONITORIZAÇÃO DO TRATAMENTO
Os sais férricos e aminoquelatos (fer- A efetividade da ferroterapia deve ser
ro polimaltosado, ferro aminoquelado, checada pelos parâmetros laboratoriais:
e ferro carbonila) também podem ser • Aumento da contagem de reticu-
utilizados, têm melhor perfil de adesão lócitos, após sete dias do início do
por provocarem menos efeitos adversos, tratamento (em situações especiais);
caracterizam-se por padrão de absorção • Aumento na concentração de hemo-
mais lento e fisiologicamente controla- globina, ao menos, de 1 g/dl, após 30
do, não sofrendo interferência da inges- a 45 dias do início do tratamento;
tão de alimentos. • Reposição dos estoques corporais de
ferro, confirmada pela normaliza-
Ferro elementar por via pa­ren­te­ral ção de Hb, VCM, HCM, ferro sérico,
• É recomendado em casos excep­
- saturação da transferrina e ferritina
cionais: sérica.

REFERÊNCIAS
KENNETH, K.; KIPPS, T. J. Fármacos que atuam JR., Dioclécio. (Org.). Tratado de pediatria. 2
sobre o sangue e os órgãos hematopoiéticos. ed. São Paulo: Manole, 2010.
In: BRUTON, L. L.; LAZO, J. S.; Parker, K. L.;
NOGUEIRA DE ALMEIDA, Carlos Alberto et al.
GOODMAN & GILMANAS. Bases farmacoló- Prevalence of childhood anemia in Brazil:
gicas da terapêutica. 11ª ed. Rio de Janeiro: still a serious health problem. A systematic
McGraw Hill Interamericana do Brasil, 2006, review and meta-analysis. Public Health Nutr
p.1300-1307. Cambridge, v. 2, p. 1-41, Jul. 2021.

LAGGETTO, S. R.; BRAGA, J. A. P. Síndromes ta- SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. De­


lassêmicas. In: LOPEZ, Fabio Ancona; CAMPOS partamento de Hematologia e Hemoterapia.
SEÇÃO 3 270

Alerta: nem toda anemia hipocrômica mi- UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO.
crocítica é anemia ferropriva. Documento Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição
Científico número 4 – SBP: Rio de Janeiro, Infantil – ENANI-2019: resultados prelimina-
out. 2018, p. 5. res – Prevalência de anemia e deficiência de
vitamina A entre crianças brasileiras de 6 a
SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. De­
59 meses. UFRJ. Rio de Janeiro, 2020, p. 28.
partamento de Nutrologia e Hematologia –
Disponível em: https://enani.nutricao.ufrj.br/
Hemoterapia. Consenso sobre anemia ferro-
index.php/relatorios/. Acesso em out. 2021.
priva: mais que uma doença, uma urgên-
cia médica! Documento científico número WORLD HEALTH ORGANIZATION. Nutritional
2 (atualizado em 26 ago. 2021). SBP: Rio de anaemias: Tools for effective prevention and
Janeiro, jun. 2018, p. 10. control – WHO Geneva. Nov. 2017, p. 83.
C APÍTULO 3

Deficiência de micronutrientes
na infância

Ivanil Sobreira de Araújo


Marta Maciel Lyra Cabral
Odimariles Dantas
Tereza Rebecca de Melo e Lima

INTRODUÇÃO mas são de extrema importância para o


A nutrição é um fator determinante pa- organismo, pois têm funções específicas
ra o bem-estar e a saúde do ser humano e vitais nas células e nos tecidos do cor-
e assume importância vital durante a po humano.
infância e a adolescência, não perdendo Outros grupos de nutrientes incluem,
seu valor nas outras fases da vida. A die- por exemplo, a água, que é igualmente
ta deve sempre ser equilibrada e conter essencial à vida; embora também não
todos os elementos essenciais para uma seja fornecedora de calorias, é o compo-
boa nutrição. Em termos práticos, divi- nente fundamental do nosso organismo,
dem-se os componentes dos alimentos ocupando dois terços dele.
em macronutrientes e micronutrientes.
Os macronutrientes são os principais QUAL É A IMPORTÂNCIA
grupos fornecedores de calorias da die- DOS MICRONUTRIENTES?
ta: carboidratos, proteínas e gorduras. As vitaminas e os minerais são impor-
Os carboidratos e as proteínas, quando tantes, pois exercem funções específicas,
são totalmente metabolizados no orga- essenciais para a saúde das nossas célu-
nismo, geram 4 kcal de energia/g, en- las e para o funcionamento harmonioso
quanto as gorduras, 9 kcal de energia/g. entre elas. Estes elementos estão pre-
Os micronutrientes são divididos em sentes em uma grande variedade de ali-
vitaminas e sais minerais. Essas subs- mentos. Na estrutura das moléculas das
tâncias não geram energia, ocorrem em vitaminas encontra-se um mineral, por
quantidades diminutas nos alimentos, exemplo: na vitamina B12 encontra-se
SEÇÃO 3 272

um átomo de cobalto; na riboflavina ou funções de proteção (imunológicas). As


vitamina B2, encontra-se o mineral fós- vitaminas não são estocadas em níveis
foro; as vitaminas do complexo B estão consideráveis, por isso, devem ser supri-
ligadas ao fósforo, ou ao pirofosfato; a das continuamente pela dieta. Elas são
vitamina D está ligada ao cálcio. subdivididas em hidrossolúveis e lipos-
Cada um desses nutrientes é impor- solúveis conforme o Figura 1.
tante e necessário em pequenas quan- As vitaminas hidrossolúveis são aque-
tidades. No entanto, para atingir as las solúveis em água, como mostrado na
recomendações de consumo, o seu for- Figura 1. Elas são absorvidas pelo intes-
necimento através dos alimentos deve tino e transportadas pelo sistema circu-
ser diário e a partir de diferentes fontes. latório para os tecidos em que são uti-
lizadas. Elas têm solubilidade variável,
O QUE SÃO E QUAL É A IMPORTÂNCIA com influência no seu trajeto através do
DAS VITAMINAS? organismo. São componentes de coen-
As vitaminas são nutrientes que não zimas, participando de diversas reações
contêm energia, estão envolvidas nas en­zimáticas no organismo. A excreção
reações energéticas, regulam as fun- das vitaminas hidrossolúveis se efetua
ções celulares e estão envolvidas nas através da urina. A niacina, a vitamina B6

Figura 1. Classificação das vitaminas

VITAMINAS

LIPOSSOLÚVEIS HIDROSSOLÚVEIS

Vitamina A Não pertence


Vitamina D Complexo B
ao Complexo B
Vitamina E
Vitamina K

Liberadores
Hematopoiético Outros Vitamina C
de energia

Tiamina (B1) Ácido Fólico (B9)


Piridoxina (B6)
Riboflavina (B2) Cobalamina (B12)
Niacina (B3)
Ác. Pantotênico (B5)
Biotina (B7)

Fonte: Autoras.
Deficiência de micronutrientes na infância 273

e a vitamina C se tornam tóxicas quan- recomendada, mas isso não acontece


do são ingeridas em doses altas, mas as com as vitaminas E e K (filoquinona).
demais vitaminas hidrossolúveis não
possuem essa toxicidade. O QUE OCORRE EM CASO DE
As vitaminas lipossolúveis são solú­ DEFICIÊNCIA DAS VITAMINAS?
veis em gordura e incluem as vitaminas As vitaminas e os minerais mantêm rela-
A, D, E e K (Quadro 2). São absorvidas ções de equilíbrio no desenvolvimento
pelo intestino humano pela ação dos das suas funções. São necessárias deter-
sais biliares secretados pelo fígado e minadas proporções de dois ou mais de-
transportadas pelo sistema linfático e les para que algumas das reações espe-
por lipoproteínas no plasma para dife- radas aconteçam dentro do nosso corpo.
rentes partes do corpo. O excesso dessas A diminuição do nível de qualquer uma
vitaminas pode ser danoso à saúde, pois dessas vitaminas ocasiona uma série de
elas são eliminadas mais lentamente alterações do equilíbrio das funções do
do organismo. Elas são derivadas do organismo.
isopreno e ocorrem em alimentos ricos Podemos encontrar esta deficiência
em gorduras. As vitaminas lipossolúveis seguindo o modelo epidemiológico, em
têm um papel de grande importância que a carência do nutriente, primária
como coenzimas. ou secundária, leva a um esgotamento
O organismo humano tem capaci- das reservas que, por sua vez, gera des-
dade para armazenar maior quantida- naturação celular e alterações em nível
de de vitaminas lipossolúveis do que bioquímico no organismo. Caso estes
hidrossolúveis. As vitaminas A e D são nutrientes permaneçam ausentes na
armazenadas, sobretudo, no fígado, e a dieta, o quadro evolui para alterações
vitamina E, nos tecidos gordos e órgãos funcionais e anatômicas do indivíduo,
reprodutores. A capacidade de armaze- período em que o quadro clínico pode
namento de vitamina K é reduzida. Os ser identificado e, dependendo da repo-
recém-nascidos podem ser deficientes sição ou não do elemento ausente, evo-
em vitamina K ao nascer, pois a vitami- lui para cura, sequela ou morte.
na K não ultrapassa a barreira placentá- A deficiência de vitamina A é a mais
ria em quantidade suficiente e, assim, frequente na infância, não só em nível
correm o risco da Doença Hemorrágica nacional como em nível mundial, confor-
do Recém-Nascido. me o relatório da OMS. No entanto, ainda
As vitaminas A e D tornam-se tóxi- encontramos deficiência de vitamina C,
cas quando são ingeridas em doses su- mais conhecida como escorbuto e defi-
periores a 10 vezes a quantidade diária ciência de vitamina D ou raquitismo; e em
SEÇÃO 3 274

Quadro 1. Vitaminas hidrossolúveis – Principais fontes e funções no organismo e características da


deficiência desses micronutrientes

Vitamina Principais fontes Funções Efeitos da deficiência

Crescimento ósseo e
do tecido conjuntivo, Escorbuto (hemorragia,
Citrinos, tomates, cura das feridas, queda dos dentes,
Vitamina C
batata e verduras funcionamento dos inflamação das gengivas
vasos sanguíneos, etc.)
antioxidante

Beribéri nas crianças


Levedura seca, cereais
Metabolismo dos e nos adultos com
integrais, nozes, carnes
Vitamina B1 hidratos de carbono, insuficiência cardíaca e
(especialmente carne
(Tiamina) funcionamento nervoso funcionamento anormal
de porco e fígado),
e cardíaco do sistema nervoso e do
legumes e batata
cérebro

Leite, queijo, fígado, Metabolismo dos Rachadura, descamação


Vitamina B2 carne, ovos e hidratos de carbono, dos lábios e das
(Riboflavina) produtos com cereais manutenção das comissuras da boca, e
enriquecidos membranas mucosas dermatite

Levedura seca, fígado, Pelagra (dermatose,


Vitamina B3 Reações químicas nas
carne, peixe, cereais inflamação da língua,
(Niacina ou ácido células, metabolismo
integrais enriquecidos e alteração da função
nicotínico) dos hidratos de carbono
legumes intestinal e cerebral)

Vitamina B5 Metabolismo dos


Fígado, leveduras e Doenças neurológicas e
(Ácido hidratos de carbono e
vegetais ardor nos pés
pantotênico) gorduras

Metabolismo de
Leveduras secas, fígado, Convulsões, anemias,
aminoácidos e ácidos
Vitamina B6 vísceras, cereais perturbações nervosas e
graxos, funcionamento
(Piridoxina) integrais, peixe e cutâneas
do sistema nervoso,
legumes
pele sã

Fígado, rins, gemas de Metabolismo dos


Vitamina B7 Inflamação da pele e
ovo, levedura, couve- hidratos de carbono e
(Biotina) dos lábios
-flor, nozes e legumes ácidos graxos

Diminuição no
Vegetais de folhas
Amadurecimento dos número de todas as
Vitamina B9 verdes frescos, frutas,
glóbulos vermelhos, células sanguíneas
(Ácido fólico) fígado e outras vísceras,
síntese de DNA e RNA (pancitopenia) e
leveduras secas
hemácias grandes

Anemia perniciosa
Fígado, leite e produtos Amadurecimento e outras anemias
lácteos, carnes das hemácias, (vegetarianos e
Vitamina B12
(especialmente carne funcionamento do na infestação por
(Cobalamina)
de vaca, de porco e sistema nervoso e tênia), perturbações
vísceras) e ovos síntese de DNA psiquiátricas e visão
diminuída

Fonte: Autoras.
Deficiência de micronutrientes na infância 275

Quadro 2. Vitaminas lipossolúveis – Principais fontes e funções no organismo e características da


deficiência e do excesso desses micronutrientes

Vitaminas Efeitos da Efeitos do


Principais fontes Funções
deficiência excesso

Vitamina A: óleos Visão normal, Cegueira noturna ou Dor de cabeça,


de fígado de peixe, pele e tecidos mesmo irreversível; descamação da
fígado de vaca, gema superficiais espessamento da pele, aumento do
de ovo, manteiga e sãos, defesa pele em torno dos baço e dos rins,
natas contra as folículos pilosos, espessamento
infecções desidratação da ósseo e dores
Carotenos: vegetais esclerótica e da articulares
Vitamina A de folhas verdes, córnea (progredindo
vegetais e frutas para protrusão,
amarelos e óleo de ulceração e ruptura
palmeira vermelha da córnea com
derrame do conteúdo
ocular), manchas na
esclerótica ocular e
risco de infecções

Vitamina D2 Absorção de Crescimento e Falta de apetite,


(ergocalciferol): cálcio e fósforo reparação dos náuseas, vômitos,
levedura irradiada, no intestino, ossos de forma aumento da
leite enriquecido mineralização, anormal, raquitismo micção, fraqueza,
crescimento e nas crianças, nervosismo, sede,
Vitamina D3 reparação dos osteomalácia nos ardor cutâneo,
Vitamina D (colecalciferol): ossos adultos e espasmos insuficiência
óleos de fígado de musculares renal e depósitos
peixe, gemas de ovo e (ocasionais) de cálcio por
leite enriquecido. Essa todo o corpo
vitamina forma-se
na pele quando ela é
exposta à luz solar

Óleo vegetal, gérmen Antioxidantes Ruptura das Aumento das


de trigo, vegetais de hemácias e lesões necessidades de
Vitamina E folhas verdes, gemas nervosas vitamina K
de ovo, margarina e
legumes

Vegetais de folhas Formação de Hemorragia


verdes, carne de fatores da
porco, fígado e óleos coagulação
Vitamina K
vegetais. É produzida e coagulação
por bactérias no normal do
intestino sangue

Fonte: Autoras.

menor proporção, deficiência de vitami- O QUE SÃO MINERAIS E QUAL É


na B12 – anemia megaloblástica; e de A SUA IMPORTÂNCIA?
vitamina B6 – neurite periférica, deficiên- Minerais são substâncias de origem inor-
cia da biotina etc. Os Quadros 1 e 2 trazem gânica e podem estar presentes no corpo,
as vitaminas, suas manifestações clínicas combinados como compostos orgânicos
da deficiência, bem como do seu excesso. (proteínas, vitaminas, lipídios etc.), na
SEÇÃO 3 276

forma de compostos inorgânicos (outros ou microgramas (Quadros 5 e 6). As de-


minerais) e na forma livre. Fazem parte ficiências de minerais, exceto a de ferro
dos tecidos duros do organismo, como e a de iodo, é incomum. O excesso de al-
ossos e dentes. São encontrados tam- guns minerais pode causar intoxicação.
bém nos tecidos moles, como músculos,
célu­
las sanguíneas e sistema nervoso. QUAIS SÃO AS FUNÇÕES
Possuem função reguladora, contribuin- DOS MINERAIS?
do para osmolaridade, equilíbrio acidobá- Os minerais desempenham várias fun-
sico, estímulos nervosos, ritmo cardíaco e ções: atuam como cofatores enzimáticos,
atividade metabólica. Os minerais repre- como nos centros Fe-S da cadeia trans-
sentam cerca de 4% a 5% do peso corpóreo. portadora de elétrons, e são antioxidan-
Cerca de metade desse peso corpóreo é tes, além de participarem da composi-
de cálcio e outro quarto é de fósforo. O ção de certas estruturas, como o cálcio
restante é de sódio, potássio, ferro etc. depositado nos ossos.
Nem todos os minerais são essen- Os minerais, como cálcio, ferro, só-
ciais à saúde, sendo classificados em: dio, potássio, magnésio, zinco e selênio,
• Macroelementos essenciais, neces- entre outros, são necessários para cres-
sários em maior quantidade, nos cimento, reprodução e manutenção do
quais a necessidade diária é de equilíbrio entre as células; e fazem par-
100 mg ou mais: cálcio, fósforo, clo- te de tecidos envolvidos na contração
ro, sódio, potássio, magnésio e enxo- muscular e na transmissão dos impulsos
fre (Quadro 3); nervosos. Enfim, os minerais encontra-
• Microelementos ou oligoelementos dos no organismo desempenham uma
essenciais, necessários em quanti- ou várias das seguintes funções:
dades muito pequenas, necessidade 1. Plástica: constituinte das estruturas
de miligramas ou microgramas: co- esqueléticas (ossos e dentes);
balto, cobre, ferro, iodo, manganês, 2. Reguladora: do equilíbrio acidobásico,
selênio, zinco e cromo (Quadro 4); da excitabilidade neuromuscular, da
• Microelementos possivelmente es- viscosidade e da pressão osmótica;
senciais: estanho e silício; 3. Componentes ou ativadores de enzi-
• Elementos contaminantes: chum- mas, ou outros sistemas, ou unidades
bo, cádmio, mercúrio, alumínio. biológicas;
4. Componentes dos alimentos e dos
Os sais minerais são necessários minerais, participando do sabor e in-
diariamente na ordem de miligramas fluenciando na textura dos alimentos.
Deficiência de micronutrientes na infância 277

Quadro 3. Principais fontes, funções e efeitos da deficiência e do excesso dos macrominerais

Minerais Principais fontes Funções Efeitos da deficiência Efeitos do excesso

Sal, carnes de vaca e de porco,


Equilíbrio acidobásico,
Sódio sardinhas, queijo, azeitonas Baixas concentrações de sódio no Altas concentrações de sódio no
funcionamento nervoso
verdes, pão de cereais, batatas sangue, confusão e coma sangue, confusão e coma
e muscular
fritas e couve fermentada

Alteração do equilíbrio
Cloro Igual ao sódio Equilíbrio dos eletrólitos —
acidobásico

Funcionamento nervoso e Baixas concentrações de potássio Altas concentrações de potássio


Leite gordo e magro, bananas,
Potássio muscular, equilíbrio acidobásico no sangue, paralisia e alterações no sangue, paralisia e alterações
ameixas e uvas passa
e metabolismo da água cardíacas cardíacas

Formação dos ossos e dentes, Altas concentrações de cálcio


Leite e produtos lácteos, carne, Baixas concentrações de
coagulação do sangue, no sangue, perda do tônus
Cálcio peixe, ovos, produtos à base de cálcio no sangue e espasmos
funcionamento nervoso e intestinal, insuficiência renal e
cereais, feijão, frutas e vegetais musculares
muscular e ritmo cardíaco normal conduta anormal (psicose)

Formação dos ossos e dentes, Irritabilidade, fraqueza Para as pessoas que têm
Leite, queijo, carne, aves, peixe, equilíbrio acidobásico, e alterações das células insuficiência renal e elevadas
Fósforo
cereais, nozes e legumes componente de ácidos nucleicos sanguíneas, alterações intestinais concentrações de fosfato no
e produção de energia e renais sangue

Baixas concentrações de Altas concentrações no sangue,


Vegetais de folhas verdes, carnes Formação dos ossos e dentes,
magnésio no sangue e hipotensão arterial, insuficiência
Magnésio de vaca e de porco, nozes, funcionamento nervoso e
funcionamento do sistema respiratória e ritmos cardíacos
cereais e mariscos muscular, e ativação de enzimas
nervoso anormal anormais

Fonte: Autoras.
SEÇÃO 3 278

Quadro 4. Principais fontes, funções e efeitos da deficiência e do excesso dos microminerais

Micronutrientes Principais fontes Funções Efeitos da deficiência Efeitos do excesso

Formação de enzimas Anemia, dificuldade de


Farinha de soja, carnes, rins,
participantes de reações deglutição, unhas em forma de
fígado, amêndoas e ervilhas. Depósito de ferro, lesões no
Ferro químicas no corpo. São os colher, alterações intestinais,
Contudo, menos de 20% do fígado (cirrose), diabetes
principais componentes diminuição do rendimento
ferro da dieta é absorvido pelo mellitus e pigmentação da pele
das hemácias e das células no trabalho, deterioração da
corpo
musculares capacidade de aprendizagem

Componente de enzimas e Atraso do crescimento,


Vísceras, ostras, nozes, legumes
Zinco insulina, pele sã, cura de feridas puberdade tardia e diminuição —
desidratados e cereais integrais
e crescimento do sentido do gosto

Componente de enzimas,
Vísceras, ostras, nozes, legumes Depósito de cobre no cérebro e
Cobre formação de hemácias e dos Anemia nas crianças desnutridas
desidratados e cereais integrais lesões no fígado
ossos

Perda de peso, irritação da pele,


Manganês Cereais integrais e frutos secos Componente de enzimas vômitos, mudança na cor e Lesões nervosas
atraso no crescimento do cabelo

Queda do cabelo e das unhas,


Carnes e outros produtos Necessário para a síntese de
Selênio Dor e fraqueza muscular inflamação cutânea e alterações
animais enzima antioxidante
nervosas

Formação de hormônios Aumento da tireoide,


Mariscos, sal iodado, produtos
tireóideos (regulam os cretinismo, surdo-mudez,
Iodo lácteos e beber água em Eleva o hormônio da tireoide
mecanismos de controle de alteração do crescimento fetal e
quantidades variáveis
energia) do desenvolvimento cerebral

Fluorose, manchas e ponteados


Formação dos ossos e dos Cáries dentárias e possível nos dentes permanentes e
Flúor Chá, café e água com flúor
dentes adelgaçamento dos ossos dilatações ósseas da coluna
vertebral

Fonte: Autoras.
Deficiência de micronutrientes na infância 279

Os macroelementos desempenham • Curto prazo: suplementação;


uma série de funções e sua deficiência, • Médio prazo: fortificação dos ali­
-
ou seu excesso, pode desencadear vá- mentos;
rias alterações fisiopatológicas no orga- • Longo prazo: acesso a fontes de
nismo, conforme exposto esquematica- alimentos ricos em vitaminas e mi-
mente no Quadro 3. nerais.
Apesar da necessidade diária de
ingestão dos microelementos, estes de-
QUAL É A PREVENÇÃO DOS
sempenham uma série de funções es-
DISTÚRBIOS DE MICRONUTRIENTES?
senciais ao ser humano, conforme des-
crito esquematicamente no Quadro 4. A prevenção está baseada, principal-
mente, em uma dieta equilibrada e
QUAL É O TRATAMENTO PARA A adequada, respeitando a faixa etária e
DEFICIÊNCIA DE MICRONUTRIENTES? as necessidades de cada uma delas em
O tratamento é baseado em três etapas: relação aos micronutrientes.

Tabela 1. Dose diária de macrominerais por faixa etária

Mineral
Idade
Cálcio Sódio Potássio Fósforo Magnésio

1 a 3 anos 500 mg 1,0 g 3,0 g 460 mg 8,0 mg

4 a 8 anos 800 mg 1,2 g 3,8 g 500 mg 130 mg

9 a 13 anos 1300 mg 1,5 g 4,5 g 1.250 mg 240 mg

14 a 18 anos 1300 mg 1,5 g 4,7 g 1.250 mg 410 mg

Fonte: Autoras.

Tabela 2. Dose diária de microminerais por faixa etária

Mineral
Idade
Iodo Cromo Cobre Flúor Ferro Manganês Zinco

1 a 3 anos 90 mcg 11 mcg 340 mcg 0,7 mg 7,0 mg l,2 mg 3,0 mg

4 a 8 anos 90 mcg 15 mcg 440 mcg l,0 mg 10 mg 1,5 mg 5,0mg

9 a 13 anos 120 mcg 25 mcg 700 mcg 2,0 mg 8,0 mg l,9 mg 8,0mg

14 a 18 anos 150 mcg 35 mcg 890 mcg 3,0 mg 11,0 mg 2,2 mg 11,0 mg

Fonte: Autoras.
SEÇÃO 3 280

REFERÊNCIAS
BAILEY, R. L.; WEST, K. P. JR.; BLACK, R. E. The Materno Infantil da UFPE, 2014, 2ª ed., p.
epidemiology of global micronutrient defi- 151-157.
ciencies. Ann Nutr Metab, v. 66, n. Supl 2, p.
COZZOLINO, S. M. F. Deficiências de mine-
22, 2015.
rais. Estudos avançados, v. 21, n. 60, 2007.
BATISTA FILHO, M; PINTO, I. C. S. Introdução Disponível em: http://www.nap.edu/catalog.
à Nutrição. Seção X. In: ALVES, J. G. B. et al. phplrecord_id=9956#toc. Acesso em: 18 mai.
Pediatria. 4ª ed. Rio de Janeiro: Medbook, 2012.
2011, p. 1217-1233.
RODRIGUES, D.; ZUCCOLOTTO, S. M. C. Disvi­
BRASILEIRO, M. C.; SILVA, G. A. P.; BELTRÃO, taminoses. In: SUCUPIRA, A. C. S. L. et al.
M. M. N. (Orgs.). Manual de Condutas em Pediatria em consultório. 4ª ed. São Paulo:
Pediatria da UFPE. Recife: Departamento Sarvier, p. 237-248.
C APÍTULO 4

Deficiência de vitamina A

Ivanil Sobreira de Araújo


Marta Maciel Lyra Cabral
Odimariles Dantas
Tereza Rebecca de Melo e Lima

INTRODUÇÃO eventos não podem mais ser admitidos,


Um grupo de pesquisadores em uma re- frente aos investimentos feitos pelo go-
visão de literatura publicada entre 1970 verno, aos programas sociais, à tecnolo-
a 2000, disponível nas bases de dados gia disponível e às políticas de saúde im-
Medline e LILACS, encontrou que, na dé- plantadas para combater essa endemia.
cada de 1980, a preocupação da Saúde
Pública em relação à vitamina A se refe- O QUE É DEFICIÊNCIA DE VITAMINA A?
ria unicamente à importância dessa vita- Conhecida anteriormente como hipovi-
mina para a visão. Na segunda metade taminose A, a deficiência de vitamina
dessa década, alguns estudos epidemio- A (DVA) é a quantidade insuficiente de
lógicos sugeriram que a carência dessa vitamina A no organismo.
vitamina pode causar danos em certas Esta deficiência pode ser conceitua-
etapas do metabolismo, influenciando da em três níveis: alimentar, bioquímico,
nos índices de morbidade e mortalidade ou clínico, atingindo a estrutura epite-
infantil. Outro dado importante da pes- lial de diversos órgãos, sendo os olhos os
quisa foi a constatação de que a carência mais atingidos.
marginal de vitamina A, sem sinais de
xeroftalmia, ceratomalacia ou mancha QUAIS SÃO AS FUNÇÕES
de Bitot, pode também contribuir para E FONTES DA VITAMINA A?
a morbidade e mortalidade em crian- A vitamina A tem várias funções no or-
ças, recém-nascidos, mulheres em idade ganismo e é essencial para o desenvol-
fértil, puérperas e nutrizes. Hoje, esses vimento do ser humano. É importante
SEÇÃO 3 282

para a manutenção da visão e para um Malaquias Batista et al. e Roncada et


bom funcionamento do sistema imuno- al., estima-se que esta deficiência junto
lógico. Estudos mais recentes têm de- à desnutrição energético-proteica e à
monstrado que a vitamina A age como anemia constituam as três maiores ca-
antioxidante, combatendo os radicais rências nutricionais, incidindo em 40%
livres que estão associados ao envelhe- da população. Os principais grupos de
cimento e ao aparecimento de algumas risco para essa deficiência são lactentes
doenças. Atua também no metabolismo e pré-escolares.
do ferro.
A vitamina A pode ser encontrada QUAIS SÃO OS FATORES DE RISCO
de duas formas: PARA A DEFICIÊNCIA DE VITAMINA A?
1. Pronta para ser utilizada pelo organis- O fator mais importante para que isso
mo, pré-formada (retinol) nos alimen- ocorra é a baixa condição socioeconô-
tos de origem animal, como: vísceras, mica. Um relatório do INAN (Instituto
gema de ovo, leite integral e seus Nacional de Alimentação e Nutrição),
derivados. de 1986, atribuiu o baixo consumo de
2. Sob a forma de carotenoides, que são alimentos fontes de vitamina A, à misé-
precursores que se converterão em ria, à fome e à baixa renda da população.
vitamina A no organismo. Esses caro- Relaciona-se à falta de amamentação ou
tenoides podem ser encontrados em ao desmame precoce, ao consumo insu-
vegetais verde-escuros e em frutas e ficiente de alimentos ricos em vitamina
legumes amarelos e alaranjados. A e/ou de alimentos que contêm gordu-
ra, infecções frequentes etc.
QUAL É A IMPORTÂNCIA
DA DEFICIÊNCIA DE VITAMINA A? COMO DIAGNOSTICAR A DEFICIÊNCIA
A DVA é considerada um grande proble- DE VITAMINA A?
ma de saúde pública em várias partes do Existem três critérios para o diagnóstico
mundo, inclusive no Brasil. De acordo da DVA: clínicos, bioquímicos e dietéti-
com a Organização Mundial de Saúde, cos. Entretanto, o diagnóstico é feito so-
cerca de 2,8 milhões de crianças em bretudo a partir de sinais clínicos e da
idade pré-escolar no mundo são clinica- história alimentar sugestiva, mas nem
mente afetadas pela hipovitaminose A. sempre é fácil, pois os sintomas iniciais
Estima-se que de 250 a 500 mil crianças podem ser confundidos com outras pa-
se tornam cegas todos os anos, sendo tologias que apresentem fadiga e pele
que cerca da metade morrem antes de seca, como o hipotireoidismo, algumas
completar um ano de vida. Segundo doenças reumatológicas, etc.
Deficiência de vitamina A 283

As características clínicas mais evi- granular. A partir daí, pode surgir ul-
dentes de DVA envolvem o acometimen- ceração, cuja progressão pode levar a
to do tecido epitelial ocular, acarretan- um amolecimento e à perfuração da
do em lesões oculares, denominadas córnea, sendo este estágio conhecido
de uma maneira geral de xeroftalmia como ceratomalacia, no qual a cegueira
(Quadro 1). é irreversível.
Conforme o grau de acometimento, Outros sinais clínicos observados são
as alterações oculares vão sendo classifi- retardo do crescimento e anorexia, que
cadas diferentemente. O tecido ocular é podem ocorrer como primeiras manifes-
o mais comprometido e o primeiro sinal tações clínicas desta carência. Na pele,
de que está ocorrendo um déficit dessa são encontradas lesões que se caracteri-
vitamina é a cegueira noturna ou a he- zam por uma hipertrofia dos folículos pi-
meralopia. Nesse estágio, a criança não losos (frinoderma) e a xerodermia, mais
consegue uma boa visão em ambientes frequentes nas superfícies de extensão
pouco iluminados. Segue-se a xerose dos membros. Outros sinais de que está
conjuntival, na qual observamos a cha- ocorrendo carência dessa vitamina são
mada mancha de Bitot, localizada, em aumento da frequência de infecções por
geral, na parte externa conjuntival da deficiência de imunidade celular, retar-
esclerótica. Com o avançar da carência, do mental e parada de crescimento.
a córnea também é atingida, ocorrendo Alguns exames laboratoriais podem
a xerose corneal, com perda do seu bri- auxiliar na confirmação diagnóstica, en-
lho, apresentando-se com um aspecto tretanto, a maior parte deles não está

Quadro 1. Classificação da xeroftalmia conforme a gravidade

Classificação Indicador

XN Cegueira noturna

XIA Xerose da conjuntiva

XIB Mancha de Bitot

X2 Xerose da córnea

X3A Ulceração da córnea/Ceratomalacia menor que ⅓ da superfície da córnea

X3B Ulceração da córnea/Ceratomalacia maior que ⅓ da superfície da córnea

XS Cicatriz na córnea

XP Fundo xeroftálmico

Fonte: WHO/Unicef (1996).


SEÇÃO 3 284

disponível em nosso meio e, na grande essas carências nutricionais e melhorar


maioria dos casos, a melhora clínica após a qualidade de vida das pessoas, im-
a administração de vitamina A pode ser plementando programas, como o Bolsa
a única forma de se comprovar o diag- Família e o Programa de Suplementação
nóstico. Quando estiver disponível, pode Alimentar, voltado para o combate à ca-
ser utilizada a dosagem sérica de retinol, rência de micronutrientes.
cujo nível inferior a 10 µg/dl é bastante Desde 1994 (Portaria nº 2.160, de
sugestivo da depleção das reservas hepá- 29 de dezembro de 1994 – Programa
ticas. A concentração de vitamina A no de Vitamina A), o governo vem empre-
leite materno também pode ser um exa- gando ações para a prevenção dessa
me complementar ao diagnóstico, pois a deficiência, com suplementação ou
secreção de vitamina A no leite materno distribuição periódica de vitamina A
está diretamente relacionada ao estado em altas doses nas populações em ris-
de vitamina A da mãe. co, principalmente em regiões como
Nordeste, Vale do Jequitinhonha (MG) e
COMO PREVENIR A DEFICIÊNCIA Vale do Ribeira (SP), regiões reconheci-
DE VITAMINA A? das como bolsões endêmicos de deficiên-
Uma dieta com quantidade adequa- cia de vitamina A. Através da Portaria
da de vitamina A é a melhor forma de do Ministério da Saúde nº 729, de 13 de
prevenção. Outros cuidados podem ser maio de 2005, foram definidas diretri-
tomados para evitar a cegueira infantil: zes do Programa de Suplementação e
• Estimular o aleitamento materno as responsabilidades dos três níveis de
exclusivo até os seis meses de vida; governo.
• Introduzir, a partir dessa idade, ou- O Programa Nacional de Suple­men­
tros alimentos, como vegetais de fo- tação de Vitamina A se destina a pre-
lhas escuras e frutas de cor amarela venir e/ou controlar essa deficiência
ou laranja; nutricional mediante à suplementação
• Lembrar que é importante a intro- com megadoses de vitamina A para
dução de gordura, que ajuda na ab- puérperas no pós-parto imediato, atra-
sorção dessa vitamina; vés de suplementação com cápsulas
• Reforçar para gestantes e nutrizes de 200.000 UI na maternidade, como
a importância de uma dieta diária estratégia para garantir a adequação
rica em vitamina A. das reservas corporais maternas, acre-
ditando-se que o aporte de vitamina A
O Governo Federal vem desenvolven- através do leite materno possa garantir
do ações com o objetivo de minimizar um suprimento suficiente de vitamina
Deficiência de vitamina A 285

entre os menores de seis meses de ida- COMO TRATAR A DEFICIÊNCIA


de, que estão sendo amamentados. Para DE VITAMINA A?
crianças, a suplementação é feita com O tratamento com vitamina A deve ser
intervalos de 4 a 6 meses, em cápsulas instituído imediatamente ao se identi-
de 100.000 UI para crianças de 6 a 11me- ficar uma criança com xeroftalmia da
ses de idade e de 200.000 UI para crian- seguinte forma: 100.000 UI (de 6 a 11
ças de 12 a 59 meses de idade. meses de idade) ou 200.000 UI (de 12
Associado a essa forma de interven- a 59 meses de idade), por via oral, de
ção, o governo lança mão de grandes preferência em soluções oleosas; repetir
campanhas à população essa megadose após 24 horas e, novamente, após uma a
de vitamina A, além da distribuição roti- quatro semanas. Se não for possível por
neira nas unidades de saúde e das ações via oral, aplicar 100.000 UI de uma solu-
educativas, através dos profissionais dos ção aquosa por via intramuscular.
PACS e PSFs.

REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério da Saúde. AIDPI – Atenção Materno Infantil da UFPE, 2014, 2ª ed., p.
Integrada às Doenças Prevalentes na Infân­ 151-157.
cia. Curso de capacitação: aconselhar a mãe
FALBO, A. et al. Nutrição na Infância e seus
ou o acompanhante. Módulo V., 2ª ed., rev.
desvios. In: FIGUEIRA, F.; ALVES, J. G. B.;
Brasília: Ministério da Saúde, OMS/OPAS 2002.
MAGGI, R. S. Diagnóstico e Tratamento em
BRASIL. Ministério da Saúde. Carências e mi- Pediatria: Instituto Materno Infantil Professor
cronutrientes. Brasília: Ministério da Saúde, Fernando Figueira, 3ª ed. Rio de Janeiro:
2007. Cadernos de Atenção Básica, n. 20, Sé­ Guanabara Koogan, 2006, p. 57-59.
rie A. Normas e Manuais Técnicos.
IMDAD, A.; MAYO-WILSON, E.; HERZER, K.;
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de BHUTTA, Z. A. Vitamin A supplementation
Atenção à Saúde. Departamento de Atenção for preventing morbidity and mortality in
Básica. Manual de condutas gerais do Pro­ children from six months to five years of age.
grama Nacional de Suplementação de Vita­ Cochrane Database Syst Rev, v. 3, p. CD008524,
mi­na A. Ministério da Saúde, Secretaria de 2017.
Atenção à Saúde, Departamento de Atenção
MILAGRES, R. C. R. M.; NUNES, L. C.; PINHEIRO-
Básica. Brasília: Ministério da Saúde, 2013.
SANT’ANA, H. M. A deficiência de vitamina
BRASILEIRO, M. C.; SILVA, G. A. P.; BELTRÃO, A em crianças no Brasil e no mundo. Ciênc.
M. M. N. (Orgs.). Manual de Condutas em saúde coletiva, Rio de Janeiro, v. 12, n. 5, p.
Pediatria da UFPE. Recife: Departamento 1253-1266, out. 2007.
SEÇÃO 3 286

RAMALHO, R. A.; FLORES, H.; SAUNDERS, C. WHO. Indicators for assessing vitamin A defici­
Hipovitaminose A no Brasil: um problema de en­cy and their application for monitoring and
saúde pública. Rev Panam Salid Publica/Pan evaluating intervention programmes: Mi­cro­
Am J Public Health, v. 12, n. 2, p. 117-122, 2002. nutrient Series. Geneva: WHO/UNICEF, 1996.

UNICEF. Coverage at a Crossroads: New di-


rections for vitamin A supplementation pro-
grammes. New York: UNICEF, 2018.
C APÍTULO 5

Deficiência de vitaminas
do complexo B

Ivanil Sobreira de Araújo


Marta Maciel Lyra Cabral
Odimariles Dantas
Tereza Rebecca de Melo e Lima

O QUE É A DEFICIÊNCIA do­


xina (B6), biotina (B7), ácido fólico
DE VITAMINAS DO COMPLEXO B? (B9) e cobalamina (B12).
Deficiência de vitaminas do complexo B As vitaminas do complexo B são hi-
é a quantidade insuficiente de uma ou drossolúveis e participam de sistemas
mais vitaminas do complexo B. As mais enzimáticos essenciais para o metabo-
comuns são deficiências de vitamina B9 lismo energético de carboidratos, pro-
(ácido fólico) e B12 (cobalamina). teínas, lipídios e ácidos nucleicos. Por
Como elas estão bastante interrela- serem hidrossolúveis, não são armaze-
cionadas em seus processos metabólicos, nadas no organismo de forma conside-
raramente ocorre deficiência de apenas rável, sendo fundamental um suprimen-
uma vitamina do complexo B. Da mes- to diário, através da alimentação para a
ma forma, a ingestão inadequada de prevenção de suas deficiências e a inter-
uma pode prejudicar a utilização das rupção das funções fisiológicas normais.
outras. E a deficiência discreta de uma
vitamina do complexo B, isoladamente, DEFICIÊNCIA DE VITAMINA B12
em geral, não apresenta sintomas clíni- (CIANOCOBALAMINA)
cos evidentes. A vitamina B12 é hidrossolúvel, não sin-
tetizada pelo organismo humano, pre-
QUAIS SÃO AS FUNÇÕES E FONTES sente em alimentos de origem animal,
DAS VITAMINAS DO COMPLEXO B? como produtos lácteos, carnes, frutos
O complexo B é composto por 8 vitami- do mar, peixes e ovos. É responsável
nas: tiamina (B1), riboflavina (B2), nia- por importantes funções no organis-
cina (B3), ácido pantotênico (B5), piri- mo, garantindo o metabolismo celular,
SEÇÃO 3 288

especialmente nas células do trato gas- • Anemia perniciosa juvenil;


trointestinal, da medula óssea e do teci- • Gastrectomia.
do nervoso. b) Distúrbios do intestino delgado:
Sua deficiência é mais frequente • Flora intestinal anormal;
entre idosos, vegetarianos e indivíduos • Defeito na mucosa ileal;
que adotam baixa dieta proteica ou • Doenças que afetam o íleo.
apresentam problemas de absorção gas- 3. Competição pela vitamina B12: o hábi-
trointestinal. Na infância, a deficiência to de ingerir peixe cru ou mal cozido,
da vitamina B12 é a causa da anemia como ocorre em países da Europa e
megaloblástica e da anemia perniciosa. da América do Norte, pode levar à in-
A vitamina B12, sob ação do suco festação por Diphyllobothrium latum,
gástrico e de enzimas pancreáticas, é que compete pela absorção da vitami-
liberada de uma proteína de ligação de na B12 na luz intestinal.
origem salivar – a proteína R – ligando- 4. Outras causas: deficiência de trans-
-se rapidamente ao fator intrínseco (FI), cobalamina II, defeito genético raro,
localizado no íleo e de vital importância recessivo, autossômico; Doença de
para a absorção da vitamina B12. O fí- Zol­lin­ger-Ellison; hemodiálise crôni-
gado é o órgão de maior estoque desta ca; uso de certas drogas, como ácido
vitamina; estima-se que haja em média para-aminossalicílico, neomicina, col-
1 µg de vitamina B12/g de tecido hepáti- chicina etc.
co e 2 a 5 mg no organismo.
Quais são as manifestações clínicas?
Quais são as causas? A deficiência de vitamina B12 leva a
1. Baixo aporte exógeno: um grupo de transtornos hematológicos, neurológi-
risco é aquele submetido à dieta ve- cos e cardiovasculares. Tem início insi-
getariana, porque além de retirar os dioso, pode ocorrer já nos primeiros dois
alimentos de origem animal da dieta, anos de vida.
também não consome seus deriva- Os sintomas mais comuns são: pali-
dos. Portanto, crianças de mães ve- dez, fadiga, apatia e anorexia. A língua
getarianas têm maior probabilidade pode apresentar-se lisa, avermelhada e
de serem acometidas pela anemia dolorosa. Pode surgir icterícia, em vir-
megaloblástica. tude da eritropoiese ineficaz. Sintomas
2. Má absorção: neurológicos também estão presentes,
a) Prejuízo na formação da flora in­
- como parestesias simétricas de extre-
testinal: midades que, se não tratadas, podem
• Anemia perniciosa congênita; evoluir de forma progressiva para lesões
Deficiência de vitaminas do complexo B 289

de desmielinização dos cordões laterais tratamento mais demorado, que pode


e posteriores da medula espinhal, dege- levar até seis meses ou mais. A dose de
neração e morte axonal. reposição é difícil de ser estabelecida
em crianças; em geral, dependendo do
Como diagnosticar? caso, são necessárias doses elevadas de
Realizar uma boa anamnese sobre a vitamina B12. Normalmente é recomen-
dieta da criança e da mãe, se ela for dado: lactentes, 0,5 mg/kg/dia; crianças,
lactente. Nas crianças maiores, verificar 2 a 5 mg/kg/dia.
história pregressa de cirurgia, diarreia,
nível de atividade e rendimento escolar. DEFICIÊNCIA DE VITAMINA B9
Fazer exame físico completo, incluindo (ÁCIDO FÓLICO)
exame neurológico. O ácido fólico é essencial à maturação
das hemácias e dos leucócitos na me-
Exames laboratoriais dula óssea e na síntese de DNA e RNA.
• Hemograma: desde uma anemia Representa a forma sintética da vitami-
discreta até uma pancitopenia. O Vo­ na, que é encontrada em vísceras, feijões
lu­me Corpuscular Médio (VCM) está e vegetais de folhas escuras, bem como
elevado, variando de 100 a 140 fl; em diversos alimentos fortificados.
• Mielograma: medula óssea hiperce- A sua deficiência geralmente é
lular às custas dos eritrócitos com acompanhada de carência nutricional
alterações megaloblásticas; múltipla e leva a um quadro de anemia
• Dosagem de vitamina B12, que deve megaloblástica, que é morfologicamen-
mostrar níveis inferiores aos valores te indistinguível da causada pela defi-
normais. ciência de vitamina B12.

Como tratar? Quais são as causas?


A resposta à reposição com a vitamina 1. Dieta pobre em alimentos crus (os
por via oral, geralmente é muito boa. folatos são destruídos pela fervura) e
Por isso, recomenda-se evitar, sempre também em crianças alimentadas ex-
que possível, o uso de transfusões de clusivamente com leite de cabra (po-
sangue e preferir sempre a via oral. A bre em ácido fólico);
via parenteral deve ser indicada para 2. Gestação, prematuridade e anemias
pacientes com dificuldade de absorção hemolíticas, por aumento das neces-
gastrointestinal. sidades desse nutriente;
A recuperação neurológica ocorre 3. Doenças inflamatórias intestinais por
em 80% a 90% dos casos, porém com um diminuição da absorção;
SEÇÃO 3 290

4. Uso de anticonvulsivantes e doenças DEFICIÊNCIA DE VITAMINA B7


hepáticas. (BIOTINA)
A vitamina B7 ou biotina, também conhe-
Quais são as manifestações clínicas? cida por vitamina H, regula a expressão
A baixa ingestão dessa vitamina leva à dos genes e está envolvida, ainda, em
anemia megaloblástica em curto espaço processos como manutenção dos níveis
de tempo e os sintomas mais frequen- de glicose no sangue, manutenção de ca-
tes são: irritação, perda de peso, palidez, belos e unhas. É amplamente distribuída
anemia megaloblástica e glossite com nos alimentos, sendo fontes importantes
atrofia de papilas. Discreta esplenome- o fígado, os cereais, os grãos e os vegetais.
galia é relativamente comum. Também
podem ocorrer náuseas, vômitos, diar- Quais são as manifestações clínicas?
reia ou constipação intestinal. Sua carência provoca, principalmente,
queda de cabelo, conjuntivite, perda do
Como diagnosticar? controle muscular e dermatite esfoliati-
1. Boa anamnese alimentar; va na região dos olhos, do nariz e da bo-
2. Exame físico completo; ca. Além disso, predispõe a problemas
3. Hemograma: anemia macrocítica. neurológicos e gastrointestinais.

Como tratar? DEFICIÊNCIA DE VITAMINA B6


As doses terapêuticas do ácido fólico são (PIRIDOXINA)
de 1 a 5 mg/dia, por via oral, durante A vitamina B6, assim como a B2, ajuda
três semanas. a metabolizar proteínas, carboidratos e
A importância do uso do ácido fó- gorduras, ao mesmo tempo que atua pa-
lico na gestante: o uso do ácido fólico ra o adequado funcionamento do siste-
na gestante tem sido recomendado co- ma nervoso. Sua deficiência primária é
mo um recurso para a prevenção de de- rara, já que ela está presente na maioria
feitos congênitos do tubo neural. Se já dos alimentos, especialmente em maio-
houver casos desses defeitos na família, res quantidades nos de origem animal,
recomenda-se, para evitar a recorrência como aves, peixes, fígado, cereais e
da malformação, o uso do ácido fólico leguminosas.
de um a dois meses antes da concepção,
até três meses de gestação. Para preve- Quais são as manifestações clínicas?
nir a primeira ocorrência dessa malfor- São convulsões em lactentes, neuropa-
mação é recomendado o seu uso diário tias periféricas, glossite, queilite, sebor-
para todas as mulheres em idade fértil. reia ao redor dos olhos, do nariz e da
Deficiência de vitaminas do complexo B 291

boca. Pode ocorrer anemia microcítica além de participar da síntese de gordura


e hipocrômica. Existe também prejuízo e do processo de respiração. Está presen-
nas imunidades celular e humoral. te, principalmente, em carnes magras,
aves, peixes, amendoins e leguminosas.
Como tratar? Essa deficiência é endêmica na Índia
O uso de piridoxina na dose de 5 a 10 mg/ e em algumas regiões da China e da Áfri­
dia, via oral, faz regredir a sinto­ma­tologia. ca. Acomete populações de baixa renda,
principalmente, em regiões onde o milho,
DEFICIÊNCIA DE VITAMINA B5 que é pobre em triptofano (precursor da
(ÁCIDO PANTOTÊNICO) niacina), constitui o alimento básico. Esta
A vitamina B5 está relacionada com a deficiência leva a uma condição conheci-
síntese de colesterol, hormônios esteroi- da como pelagra, a doença dos três “D”:
des e neurotransmissores. Na indústria, demência, diarreia e dermatite, podendo
é utilizada para a produção de dermo- levar à morte. Geralmente, acompanha
cosméticos por sua capacidade de hidra- uma deficiência nutricional global.
tar e reparar danos celulares.
É amplamente distribuída entre os Quais são as manifestações clínicas?
alimentos (gema de ovo, leite, cereais e Inicialmente surgem as lesões cutâneas,
fígado de animais). A sua deficiência iso- que são simétricas e localizadas em re-
lada é excepcional, semelhante à vita- giões expostas ao sol (rosto, pescoço, bra-
mina B7 (biotina), e ocorre mais frequen- ços e pernas) e traumas, que podem si-
temente em pessoas com problemas de mular queimadura solar e, rapidamente,
absorção de nutrientes, em portadores se tornam pigmentadas e descamativas,
de insuficiência renal que realizam especialmente em pés, mãos e pescoço.
diálise e em consumidores de grandes As manifestações gastrointestinais são
quantidades de bebida alcoólica. diarreia resistente aos tratamentos habi-
tuais e vômitos. Raramente, estomatite
Quais as manifestações clínicas? e glossite. As alterações neuropsíquicas
Os sinais são raros, mas formigamento são raras na infância. Surgem com a evo-
em mãos e pés pode indicar falta dessa lução da doença e consistem em: apatia,
vitamina. depressão, insônia, cefaleia e demência.

DEFICIÊNCIA DE VITAMINA B3 Como diagnosticar?


(NIACINA) Através da história alimentar, predomi-
A vitamina B3 auxilia no aproveitamen- nantemente, à base de milho, associada
to adequado de carboidratos e proteínas, às manifestações clínicas.
SEÇÃO 3 292

Como tratar? Ainda tem presença fundamental para


1. Corrigir a dieta: oferecer alimentos ri- o bom funcionamento do sistema ner-
cos em niacina ou triptofano; voso. É encontrada em diversos alimen-
2. Administrar a niacina na dose de 50 a tos de origem animal e vegetal, como
300 mg/dia, por via oral. carnes, vísceras (especialmente fígado
e coração), gema de ovo e grãos in-
DEFICIÊNCIA DE VITAMINA B2 ­tegrais.
(RIBOFLAVINA) Sua deficiência acomete crianças de
A vitamina B2 atua na formação das regiões onde o alimento básico é o arroz,
hemácias. É especialmente importante e em indivíduos alcoólatras.
durante a gravidez, a fase de lactação e
o crescimento infantil. Pode ser encon- Quais são as manifestações
trada em produtos derivados do leite, clínicas?
folhas verdes e vísceras. Na infância, ge- A deficiência franca de vitamina B1,
ralmente, está associada às deficiências conhe­­
cida como beribéri, acomete,
de outras vitaminas do complexo B. prin­cipalmen­te, os sistemas nervoso e
cardiovascular, levando ao aparecimen-
Quais são as manifestações clínicas? to de incoordenação motora, confusão
Estomatite angular, glossite, lacrimeja- mental e neurite periférica, podendo
mento, conjuntivite, fotofobia, blefarite acometer pares cranianos; causando
angular, ceratoconjuntivite, seborreia cianose, dispneia leve e até insuficiên-
na­so­la­bial, palpebral e na genitália, e cia cardíaca congestiva. Ou­tras manifes-
também pode ocorrer anemia normo- tações clínicas são: apatia, instabilida­
cítica e normocrômica com hipoplasia de emocional, atraso no cres­
cimento,
medular. ptose palpebral, atrofia do nervo ópti-
co, rouquidão e manifestações gastro-
Como tratar? ­intestinais.
O tratamento consiste em correção Em lactentes é mais frequente o com-
da dieta e administração diária de 5 a prometimento do sistema cardiovascu-
10 mg de riboflavina por via oral, até o lar: taquicardia, dispneia, insuficiência
desaparecimento da sintomatologia. cardíaca e até colapso circulatório.

DEFICIÊNCIA DE VITAMINA B1 Como diagnosticar?


(TIAMINA) O diagnóstico deve ser feito com base
A tiamina participa do metabolis­
mo na história alimentar carente associada
dos carboidratos, lipídios e proteí­
nas. às manifestações clínicas.
Deficiência de vitaminas do complexo B 293

Como tratar?
Nos casos leves é feita a correção da ali- Nos casos moderados e graves recomen-
mentação, utilizando os alimentos com da-se a administração de 5 mg a 20 mg
mai­ores quantidades de tiamina: leite, da vitamina B1/dia, via oral ou parente-
frutas, gema de ovo, cereais integrais e ral, por vários dias. Fazer também uma
hortaliças. alimentação adequada.

REFERÊNCIAS
AMERICAN ACADEMY OF PEDIATRICS COM­ and treatment of cobalamin and folate disor-
MITTEE ON NUTRITION. Water-soluble vita- ders. Br J Haematol., v. 166, p. 496, 2014.
mins. In: Pediatric Nutrition, 8th, Kleinman
GREEN, R. Vitamin B12 deficiency from the
RE, Greer FR (Eds), American Academy of
perspective of a practicing hematologist.
Pediatrics, Itasca, IL 2019, p. 655.
Blood, 2017.
BRAGA, J. A. F.; IVANKOVITCH, D. T. Anemia LEÃO, E.; STARLING, A. L. P. Hipo e hipervi-
megaloblástica. In: BRAGA, J. A. P.; TONE, L. taminoses. In: LIMA, A. J. Pediatria Essencial.
G.; LOGGETO, S. R. (Coords.). Hematologia São Paulo: Atheneu, 1999, p. 381-383.
para o pediatra. São Paulo: Atheneu, 2007, p.
LIEW, S. Folic acid and diseases – Supplement
37-46.
it or not? Rev Assoc Med Bras, São Paulo, v. 62,
BRASILEIRO, M. C.; SILVA, G. A. P.; BELTRÃO, n. 1, p. 90-100, Feb. 2016.
M. M. N. (Orgs.). Manual de Condutas em NOBREGA, F. J. de (Coord.). Produtos habitual-
Pediatria da UFPE. Recife: Departamento mente usados em Pediatria. Nutrition. São
Materno Infantil da UFPE, 2014, 2ª ed., p. Paulo: Nestlé, 2008.
151-157.
RODRIGUES, D.; ZUCCOLOTTO, S. M. Disvitami­
DEVALIA, V.; HAMILTON, M. S.; MOLLOY, noses. In: SUCUPIRA, A. C. S. L; et al. Pediatria
A. M. British Committee for Standards in em consultório, 4ª ed. São Paulo: Sarvier, p.
Haematology. Guidelines for the diagnosis 217-225.
C APÍTULO
A PÍTULO 6
x

Deficiência de vitamina C

Ivanil Sobreira de Araújo


Marta Maciel Lyra Cabral
Odimariles Dantas
Tereza Rebecca de Melo e Lima

O QUE É DEFICIÊNCIA DE VITAMINA C? QUAIS SÃO AS FUNÇÕES E FONTES


DA VITAMINA C?
Deficiência de vitamina C ou hipovi-
taminose C, também conhecida como A vitamina C, ou simplesmente, ácido
escorbuto, é uma doença desencadea- ascórbico (AA), é uma vitamina hidros-
da pela carência de vitamina C no or- solúvel e termolábil, que está envolvida
ganismo. Esta deficiência, assim como em muitas funções bioquímicas em di-
outras carências nutricionais, segue ferentes tecidos do corpo, como o trans-
o modelo epidemiológico descrito na porte de hidrogênio nos processos de
Figu­ra 1. respiração em nível celular.

Figura 1. Modelo epidemiológico das carências nutricionais

Deficiência
primária de Visibilidade clínica
alimentos
Esgotamento Desnaturação Alterações Alterações Alterações Cura/
das reservas celular bioquímicas funcionais anatômicas Sequelas
Deficiência
secundária Pré-patogênese Patogênese
de alimentos

Fonte: Autoras.
Deficiência de vitamina C 295

A vitamina C é um cofator necessá- brócolis, a couve-flor, o repolho, o espi-


rio à biossíntese de colágeno e protege nafre, a batata e o tomate.
o endotélio capilar em situações de es-
tresse oxidativo. Possivelmente, o ácido QUAL É A IMPORTÂNCIA
ascórbico atua diretamente, estimulan- DA DEFICIÊNCIA DE VITAMINA C?
do a transcrição individual dos genes ou, A deficiência de vitamina C (DVC) é uma
de alguma maneira, a estabilidade do condição infrequente em pediatria, po-
RNAm individual. dendo ser observada em lactentes de
Em resumo, o ácido ascórbico: até 12 meses que ingerem leite evapora-
• Regula o mecanismo oxirredutor ce­- do ou fervido, no qual o ácido ascórbico
­lu­lar; é destruído pelo calor. É mais frequente
• É um componente essencial na for­ em países em desenvolvimento.
ma­ção do cimento intercelular; Apesar de raro, o escorbuto ainda é
• Atua no metabolismo de cromo, fer- visto em idosos que vivem sós, indigen-
ro e ácido fólico; tes, alcoolistas e indivíduos com dietas
• Participa na formação dos dentes; muito restritivas, bem como em diversas
• Tem função protetora das mucosas e situações nas quais as doses mais eleva-
corretora da fragilidade e permeabi- das são necessárias, tais como infecções,
lidade capilar; gravidez, amamentação e tabagismo.
• Estimula a produção de hemácias,
hemoglobina e trombócitos; QUAIS SÃO OS FATORES DE RISCO
• Atua no metabolismo de histami- PARA A DEFICIÊNCIA DE VITAMINA C?
na, pros­ taglandinas e nucleotídeos
A maioria dos autores concorda que a
cíclicos;
ingestão de fórmulas de leite de vaca,
• Interage com radicais livres;
que têm uma carência desta vitamina, é
• Auxilia a liberação de adrenalina e
o principal fator de risco. Dietas muito
noradrenalina;
restritivas (pobres) em vitamina C por
• Participa da imunidade.
razões médicas, econômicas ou sociais,
Como o ser humano não é capaz de e situações cujo consumo está aumen-
sintetizar a vitamina C, o fornecimento tado (infecções, gravidez, amamentação,
deste microelemento depende essen- tabagismo e alcoolismo).
cialmente da dieta. Geralmente, a vita-
mina C se encontra como componente COMO DIAGNOSTICAR
natural em alimentos, principalmente, A DEFICIÊNCIA DE VITAMINA C?
as frutas cítricas, as frutas vermelhas Para o diagnóstico de DVC utilizam-se
(como morango e cereja), o melão, o três critérios: dietético, bioquímico e
SEÇÃO 3 296

clíni­co. No entanto, na prática médica, 2. Forma de escorbuto, em que o qua-


são os achados de sinais e sintomas os dro clínico é muito rico e variado.
mais usados, mas nem sempre é fácil Pode-se dividir o quadro clínico em:
levantar a suspeita diagnóstica, pois o manifestações hemorrágicas (Quadro
quadro clínico pode mimetizar outras 1), manifestações não hemorrágicas
doenças. e alterações ósseas (Quadro 2), dores
A deficiência de vitamina C pode ser intensas (em lactentes, postura de rã),
encontrada sob duas formas: pseudoparalisia (semiflexão das arti-
1. Escorbuto latente, cujos principais culações coxofemurais e dos joelhos,
sintomas são: irritabilidade, anorexia, e rotação externa dos pés). Pode-se
transtornos digestivos, falta de ganho encontrar também: distúrbios neu-
de peso, perda de peso, sudorese, ane- róticos (depressão, hipocondria e
mia, dores difusas (principalmente, histeria) e déficit do desempenho
em membros inferiores); psicomotor.

Quadro 1. Manifestações hemorrágicas da deficiência de vitamina C

Manifestações hemorrágicas

Alteração da mucosa bucal Edema, hiperemia e sangramento fácil

Bordos irregulares das gengivas Pode recobrir os dentes

Petéquias, equimoses, epistaxes, hematêmese,


Hemorragia em vários sistemas melena, hematúria, hemorragias subdurais e
subperiostais

Hemorragias subperiostais e edema duro, tenso e Quando nas junções costocondrais existe o
doloroso nas extremidades ósseas rosário escorbútico – Plastrão esternal para trás

Fonte: Autoras.

Quadro 2. Manifestações não hemorrágicas e alterações ósseas da deficiência de vitamina C

Manifestações não hemorrágicas Alterações ósseas

Alargamento das epífises dos ossos longos, aparecimento do


Dificuldade de cicatrização Halo ou Anel de Weinberg (núcleos de ossificação de contornos
nítidos por uma linha densa e branca)

Aparecimento da linha de calcificação nas metáfises (ou de


Anemia hipocrômica e microcítica, Fraenkel), esporões de Pelkan (fratura metafisária acima
e, em alguns casos, megaloblástica da linha de ossificação), zonas de Trummerfield (faixas de
rarefação) que contrastam com as de Fraenkel

Desprendimento dos dentes pela


Osteoporose nas diáfises
reabsorção do osso alveolar

Fonte: Autoras.
Deficiência de vitamina C 297

COMO PREVENIR A DEFICIÊNCIA COMO TRATAR A DEFICIÊNCIA


DE VITAMINA C? DE VITAMINA C?
O importante na dieta, em geral, é um Recomenda-se, nos casos de deficiência
equilíbrio do que vai ser usado pelo in- franca de vitamina C, o uso de 300 a
divíduo. O paciente e a família devem 500 mg/dia, por um período em torno
receber orientações adequadas quanto de seis meses. Os profissionais, neste ca-
às necessidades nutricionais de vitami- so, devem orientar a mudança de dieta
na C, que variam conforme a idade do ou o acréscimo de alimentos que con-
indivíduo. Em geral, a dose recomenda- têm a vitamina C, ou em casos especiais,
da para a manutenção de nível de satu- encaminhar para consultas de rotina
ração da vitamina C no organismo é de com o médico para a reposição através
cerca de 100 mg por dia, mas também é de medicação com alta concentração da
importante observar os fatores de risco vitamina C.
associados a cada situação em particular. Ao instituir o tratamento dietético
A Academia de Ciências e o Conselho ou farmacológico, a recuperação clínica
Nacional de Pesquisa Americano reco- é impressionante. O apetite da criança
mendam uma ingestão diária mínima é recuperado dentro de 24-48 horas. Os
de: 30-40 mg para lactentes; 45-60 mg sintomas de irritabilidade, febre, dor à
para crianças e adultos; 70 mg para ges- palpação e hemorragia, geralmente, de-
tantes; e 90-95 mg para nutrizes. saparecem dentro de sete dias.

REFERÊNCIAS
AKIKUSA, J. D.; GARRICK, D.; NASH, M. C. patients: a review of 28 cases. [Medline]. J
Scurvy: forgotten but not gone. J Paediatr Med Assoe Thai, v. 86, Supl. 3, p. 734-40, Aug.
Child Health., v. 39, n. l, p. 75-77, Jan-Feb, 2003. 2003.

BRASILEIRO, M. C.; SILVA, G. A. P.; BELTRÃO, M. SANTOS, J. & KRUTZMANN, MARISE &
M. N. (Orgs.). Manual de Condutas em Pediatria BIERHALS, CAMILA & FEKSA, L. Os efeitos
da UFPE. Recife: Departamento Materno da suplementação com vitamina C. Revista
Infantil da UFPE, 2014, 2ª ed., p. 151-157. Conhecimento Online, 2019.
CEGLIE, G.; MACCHIARULO, G.; MARCHILI, M.
VANNUCCHI, H.; ROCHA, M. M. Funções
R., et al. Scurvy: still a threat in the well-fed
Plenamente Reconhecidas de Nutrientes Áci­
first world? Arch Dis Child, v. 104, p. 381, 2019.
do Ascórbico (Vitamina C). ILSI Brasil Inter­
RATANACHU, E. K. S.; SUKSWAI, P.; JEERA- national Life Sciences Institute, São Paulo,
THANYASAKUN, Y. Scurvy in pediatric 2012.
SEÇÃO 3 298

WEINSTEIN, M.; BAYN, P.; ZLOTKIN, S. An or- WELCH, R. W. et al. Accumulation of vitamin C
ange a day keeps the doctor away: scurvy in (ascorbate) and its oxidized metabolite dehydro­
the year 2000. Pediatrics, v. 108, n. 3, p. E55, ascorbic acid occurs by separate mechanisms.
Sep. 2001. J Biol Chem, v. 270, n. 21, p. 12584-12592, 1995.
C APÍTULO 7

Deficiência de vitamina D

Ivanil Sobreira de Araújo


Marta Maciel Lyra Cabral
Odimariles Dantas
Tereza Rebecca de Melo e Lima

O QUE É DEFICIÊNCIA DE VITAMINA D? a formação do osso endocondral, esti-


A deficiência de vitamina D (DVD), ou mula a proliferação e a diferenciação
hipovitaminose D, é a insuficiência da dos condrócitos e a mineralização da
quantidade de vitamina D no organis- matriz óssea).
mo, um dos distúrbios nutricionais mais Além de sua ação comprovada na
frequentes em todo o mundo. mineralização óssea e na homeostasia
do cálcio, a vitamina D está envolvida
QUAIS SÃO AS FUNÇÕES na regulação de mais de 1.000 genes,
E FONTES DA VITAMINA D? podendo desempenhar um papel em
Apesar de classificada como vitamina, vários processos fisiológicos extra­
es-
a vitamina D é sintetizada a partir de queléticos.
esteroides e, por isso, é considerada um A vitamina D, sintetizada na pele,
pré-hormônio. representa a principal fonte natural pa-
Esta substância desempenha papel ra o indivíduo (90%). Os outros 10% são
fundamental na homeostasia do cálcio provenientes de fontes alimentares ricas
e do metabolismo ósseo. Suas principais em vitamina D (exemplos: óleo de fíga-
funções são aumentar a absorção intes- do de peixes, como bacalhau, salmão,
tinal de cálcio e de fósforo (especialmen- sardinha, cavala, arenque, fígado etc.),
te, no duodeno e no jejuno), aumentar a sendo absorvida junto com as gorduras
reabsorção tubular renal de cálcio e pro- da dieta, transportada para todo o orga-
mover a mineralização óssea (promove nismo e armazenada em quantidades
SEÇÃO 3 300

consideráveis, principalmente nas vísce- QUAL É A IMPORTÂNCIA


ras e, em especial, no fígado. DA DEFICIÊNCIA DE VITAMINA D?
Existem duas formas ativas precur- Estima-se que 1 bilhão de pessoas so-
soras de vitamina D: fram de insuficiência ou deficiência de
1. Vitamina D2 (ergocalciferol), forma vitamina D no mundo. No Brasil, em-
proveniente das plantas e dos fungos, bora a maioria da população resida em
resultante da irradiação ultravioleta regiões de adequada exposição solar, a
de um esteroide vegetal (ergosterol), hipovitaminose D é um problema co-
e absorvido da dieta no duodeno e no mum, acometendo também crianças e
jejuno; adolescentes.
2. Vitamina D3 (colecalciferol), prove- A deficiência dessa vitamina é a
niente de fontes animais (exemplos: causa mais frequente de raquitismo,
peixes gordurosos e vísceras) e, tam- uma das doenças mais frequentes da
bém, sintetizada na pele pela ação infância em países em desenvolvimen-
fotoquímica dos raios ultravioleta to, caracterizada por doença do tecido
B (UVB: comprimento de onda de ósseo, que ocorre durante a fase de cres-
290-315 nm) nos queratinócitos e fi- cimento da criança, devido à inadequa-
broblastos ao converter o 7-dehidroco- da mineralização do osso. A faixa etária
lesterol em pré-vitamina D3, existente predominante do raquitismo carencial
na pele, e depois, em colecalciferol. se situa entre quatro meses e dois anos
de idade.
Após sintetizados na pele, o cole- Estudos sugerem que a deficiên-
calciferol e o ergocalciferol se ligam a cia de vitamina D pode se associar ao
uma proteína (DBP: vitamin D binding diabetes mellitus tipo 1, à asma, à der-
protein ou transcalciferrina), e são trans- matite atópica, à alergia alimentar, à
portadas ao fígado, onde são hidroxila- doença inflamatória intestinal, à artrite
das formando o calcidiol (25-hidroxivita- reumatoide, à doença cardiovascular, à
mina ou 25-OH-vitamina), que é a forma esquizofrenia, à depressão e a variadas
mais abundante da vitamina (reserva neoplasias (exemplos: mama, próstata,
da vitamina D do indivíduo). No rim, o pâncreas e cólon).
calcidiol sofre nova hidroxilação pela
ação da enzima 1-alfa-hidroxilase, sendo QUAIS SÃO OS FATORES DE RISCO
transformado em calcitriol ou 1-25-dihi- PARA A DEFICIÊNCIA DE VITAMINA D?
droxivitamina D ou 1,25-OH-vitamina D A insuficiência e a deficiência de vitami-
(a forma metabolicamente ativa da vi- na D podem ser encontradas em filhos
tamina D). de mães que tiveram hipovitaminose D
Deficiência de vitamina D 301

durante a gestação, lactentes nascidos COMO DIAGNOSTICAR A DEFICIÊNCIA


prematuros (quando tiveram menos DE VITAMINA D?
tempo de acumular depósitos transferi- O diagnóstico deve ser suspeitado a par-
dos da mãe pela placenta), alimentados tir dos dados clínicos e, a sua confirma-
exclusivamente ao seio. ção, através dos exames bioquímicos e
Períodos de crescimento acelerado radiológicos.
do esqueleto (lactentes de 0 a 12 meses Na anamnese, deve-se avaliar os
de idade e adolescentes entre 10 e 18 hábitos de higiene ambiental, como a
anos) são particularmente vulneráveis ao exposição da criança ao sol e a história
de­senvolvimento da hipovitaminose D. alimentar de consumo de alimentos ri-
Pessoas de pele escura ou com expo- cos em vitamina D.
sição solar inadequada podem apresen- As manifestações clínicas depen-
tar diminuição da síntese cutânea. dem da gravidade da deficiência, po-
Dieta vegetariana ou pobre em dendo ser esta assintomática ou se
vitamina D ou doenças que causam manifestar como atraso do crescimen-
síndromes de má absorção intestinal to, atraso do desenvolvimento, irritabi-
(exemplos: fibrose cística, doença celía- lidade, do­res ósseas e, quando grave e
ca, doença inflamatória intestinal, co- prolonga­da, causar hipocalcemia, hipo-
lestase e cirurgia bariátrica), obesidade fosfatemia, hiperfosfatasemia, elevação
(sequestro da vitamina D no tecido adi- acentuada do PTH, raquitismo em cri­
poso), nefropatia e hepatopatia crônicas anças e osteomalácia em adolescentes
(redução da síntese da vitamina D). e adultos.
O uso prolongado de alguns medi- Nos primeiros seis meses de vida, po-
camentos, como laxativos baseados em dem surgir convulsões ou tetania; irrita-
óleos minerais, colestiramina, diuréti- bilidade; insônia; sudorese abundante
cos de alça, corticosteroides, anticonvul- no segmento cefálico, principalmente,
sivantes (fenobarbital e fenitoína), anti- durante as refeições; craniotabes pelo
fúngicos (cetoconazol), antirretrovirais e afinamento da calota craniana; atraso
rifampicina podem afetar a absorção e/ no fechamento da fontanela posterior;
ou a degradação da vitamina D. fontanela anterior ampla; saliência dos
Causas genéticas, como a deficiência ossos frontais e parietais; sintomas res-
da enzima 25-hidroxilase (mutações do piratórios com infecções de repetição,
CYP2R1), deficiência da 1-alfa-hidroxila- como bronquites e pneumonias, decor-
se (mutações do CYP27B1) e resistência à rentes da alteração cinética pulmonar.
ação da vitamina D (mutações do VDR: Pode ser observado alargamento de pu-
vitamin D receptor) não são frequentes. nhos e tornozelos.
SEÇÃO 3 302

No segundo semestre de vida, as de acordo com estudos de base popula-


alterações epifisárias são mais eviden- cional e recomendações de associações
tes, acarretando em alargamento em médicas internacionais.
punhos, joelhos e tornozelos e das jun- Se o nível de 25-OH-vitamina D for
ções costocondrais das costelas com o inferior a 20 ng/ml, deve-se investigar a
esterno, formando o rosário raquítico. possibilidade de raquitismo, solicitan-
Deformidades torácicas, tais como pei- do-se as dosagens séricas de cálcio (nor-
to de pombo, retração esternal e sul- mal ou baixo), fósforo (normal ou baixo),
co de Harrison, devido à depressão da magnésio, fosfatase alcalina (elevada),
caixa torácica no nível de inserção do PTH (elevado), proteínas totais e frações.
diafragma com as costelas. Fraqueza O estudo radiológico (RX de mãos e
muscular, atraso na erupção dentária punhos (idade óssea), de joelhos antero-
e alteração no esmalte dentário são fre- posterior, e de tórax posteroanterior e
quentes. Ocorre hipotonia musculoliga- perfil) deve ser solicitado nas crianças
mentar generalizada que contribui para em que os achados clínicos e laborato-
o atraso no desenvolvimento neuromo- riais sugiram raquitismo. As alterações
tor. Maior facilidade de fraturas, espe- radiológicas constam de: desminerali-
cialmente fraturas em “galho verde”, e zação óssea da diáfise; epífise alargada
deformidades na coluna vertebral como em forma de taça com a concavidade
cifose dorsolombar na posição sentada e voltada para a articulação; borramento
lordose lombar na posição ereta. ou perda dos limites ósseos, produzindo
Em crianças maiores, que já andam a imagem em franja; rarefação óssea;
ou ficam em pé, é frequente a presença encurvamento diafisário e imagens de
de geno varo ou geno valgo, que pioram fratura “em galho verde”. Pode haver
com a marcha. Observam-se também duplo contorno no periósteo, que se tor-
marcha bamboleante, protrusão abdo- na mais evidente no processo de cura. A
minal acentuada, baixa estatura e/ou di- idade óssea está atrasada pela calcifica-
minuição da velocidade de crescimento. ção reduzida dos núcleos de ossificação
A avaliação laboratorial do estado e aumento do espaço interarticular.
nutricional da vitamina D é feita pela
dosagem da 25-OH-vitamina D (calci- COMO PREVENIR A DEFICIÊNCIA
diol). Entretanto, não existe consenso DE VITAMINA D?
sobre o ponto de corte que defina a su- A prevenção da hipovitaminose D se ini-
ficiência, a insuficiência ou a deficiên- cia no pré-natal, preconizando-se para a
cia da vitamina D, podendo variar de gestante a dose diária de 600-2.000 UI/
inferior a 12 ng/ml a inferior a 29 ng/ml, dia, com o objetivo de assegurar que
Deficiência de vitamina D 303

a quantidade suficiente de vitamina D solar segura. Para crianças e adolescen-


cruze a placenta e forneça suprimento tes pertencentes aos grupos de risco,
adequado ao feto. As lactantes devem recomenda-se a dose mínima diária de
receber a mesma dose para fornecer vi- 600 UI com monitoramento periódico e
tamina D através do leite materno. reajuste, quando for necessário.
A suplementação medicamentosa
profilática é recomendada para crian- COMO TRATAR A DEFICIÊNCIA
ças pelo Departamento de Nutrologia DE VITAMINA D?
da SBP, independentemente da região O tratamento é indicado para todos os pa-
do país, devido à ausência de consen- cientes com deficiência de vitamina, se-
so na literatura em relação à exposição jam eles sintomáticos ou não. Pacientes
solar segura e necessária para se atingir com insuficiência de vitamina D podem
concentrações séricas adequadas de vi- ser tratados, caso pertençam a grupos
tamina D. de risco para hipovitaminose D ou se
• Recém-nascidos a termo devem re- medidas gerais, como adequação da
ceber 400 UI de vitamina D/dia, a dieta e de atividades ao ar livre, não pu-
partir da primeira semana de vida derem ser efetuadas.
(mesmo os que estão em aleita- Existem várias recomendações para
mento materno exclusivo), até os 12 o tratamento da hipovitaminose D, que
meses; variam de acordo com a sociedade mé-
• Os lactentes dos 12 aos 24 meses dica que o recomenda.
devem receber 600 UI de vitamina O Global Consensus Recommen­
da­
D/dia; tions on Prevention and Management
• Recém-nascidos pré-termos devem of Nutritional Rickets (2016) recomenda:
receber 400 UI de vitamina D/dia), • Para menores de 1 ano, a dose diária
que deve ser iniciada quando o peso de 2.000 UI por 12 semanas, segui-
for superior a 1.500 g e houver tole- da por manutenção de, ao menos,
rância plena à nutrição enteral. 400 UI/dia;
• Para crianças entre 1 e 12 anos, a
Crianças e adolescentes devem ser dose diária de 3.000-6.000 UI, por 12
incentivados incentivados a adotar há- semanas, seguida por manutenção
bitos alimentares saudáveis e estilo de de, ao menos, 600 UI/dia;
vida adequado, incluindo o consumo de • Para maiores de 12 anos, a dose
alimentos fonte de vitamina D (como diária de 6.000 UI, por 12 semanas,
peixes marinhos) e a prática de ativi- seguida por manutenção de, ao me-
dades ao ar livre associada à exposição nos, 600 UI/dia.
SEÇÃO 3 304

A terapia com doses elevadas (stoss- mica ou diagnóstico de raquitismo na


-therapy) de vitamina D, refere-se à ad- avaliação inicial, solicita-se trimestral-
ministração, em situações excepcionais, mente, junto à 25-OH-vitamina D, as do-
de doses elevadas de vitamina D, via sagens de cálcio, de fósforo, de magnésio,
oral ou intramuscular, por curtos perío- de fosfatase alcalina e de PTH. Os níveis
dos de tempo, repetindo-se o tratamen- séricos de cálcio e fósforo normalizam
to, se necessário, a cada 3 meses. após alguns dias ou semanas de trata-
O Global Consensus on Nutritional mento, enquanto a fosfatase alcalina po-
Rickets recomenda os seguintes crité- de permanecer alterada por vários me-
rios para o uso de altas doses de vita- ses até a cura definitiva do raquitismo.
mina D: Para monitorar a cura das lesões ra-
• Crianças menores de 3 meses: não diológicas, solicitar radiografia de mãos
usar; e punhos ou de joelhos após 1 a 3 meses
• Entre 3 e 12 meses: 50.000 UI em do- do tratamento ter iniciado. Os primei-
se única, seguida por manutenção ros sinais radiológicos de cura surgem
de 400 UI/dia; dentro de duas a quatro semanas após o
• Entre 12 meses e 12 anos: 150.000 UI tratamento com a vitamina D e são evi-
em dose única, seguida de manu- denciados pela calcificação, pela redu-
tenção de 600 UI/dia; ção da rarefação óssea e pela cortical se
• Maiores de 12 anos: 300.000 UI em tornar mais compacta. Ocorre remissão
dose única, seguida por manuten- da maioria das deformidades ósseas me-
ção de 600 UI/dia. ses ou anos após o tratamento. Os casos
mais avançados podem, raramente, cau-
Na hipovitaminose D, a suplemen- sar deformidades permanentes.
tação de cálcio é recomendada nos pa- Caso não ocorra resposta ao trata-
cientes com diagnóstico de raquitismo mento, deve-se investigar outras causas
ou naqueles nos quais a ingestão de de raquitismo.
cálcio for insuficiente. O uso de cálcio
deve ser prescrito por 2 a 4 semanas, INTOXICAÇÃO PELA VITAMINA D
reavaliando, em seguida, a necessidade Surge quando seus níveis séricos são su-
de mantê-lo. periores a 100 ng/ml (> 250 nmol/l) asso-
Para controle do tratamento reco- ciada à hipercalcemia, à hipercalciúria
menda-se dosagem da 25-OH-vitamina e à supressão do PTH. O uso terapêuti-
D a cada 3 meses, até que se atin- co da vitamina D na dose e na duração
jam valores superiores a 20 ng/ml ou recomendadas é seguro, com risco pra-
30 ng/ml. Se houver alteração bioquí- ticamente ausente de intoxicação. As
Deficiência de vitamina D 305

manifestações clínicas da intoxicação constipação intestinal, calcificação ectó-


pela vitamina D são náuseas, vômi- pica, nefrolitíase e depressão do sistema
to, dor abdominal, poliúria, polidipsia, nervoso central.

REFERÊNCIAS
BALASUBRAMANIAN, S.; DHANALAKSHMI, MUNNS, C. F.; SHAW, N.; KIELY, M., et al.
K.; AMPERAYANI, S. Vitamin D deficiency Global Consensus recommendations on pre-
in childhood – A review of current guide- vention and management of nutritional rick-
lines on diagnosis and management. Indian ets. J Clin Endocrinol Metab, v. 101, p. 394-415,
Pediatr, v. 50, p. 669-75, 2013 2016.

BATTAULT, S.; WHITING, S. J.; PELTIER, S. L., NIELD, L. S., et al. Rickets: not a disease of the
et al. Vitamin D metabolism, functions and past. Am Fam Physician, v. 74, n. 4, p. 619-626,
needs: from science to health claims. Eur J Aug. 2006.
Nutr, v. 52, n. 2, p. 429-41, 2013.
RODRIGUES, D.; ZUCCOLOTTO; S. M. C. Dis­
BRASILEIRO, M. C.; SILVA, G. A. P.; BELTRÃO, M. vitaminoses. In: SUCUPIRA, A. C. S. L. et al.
M. N. (Orgs.). Manual de Condutas em Pediatria Pe­diatria em consultório, 4ª ed. São Paulo:
da UFPE. Recife: Departamento Materno Sarvier, p. 217-225.
Infantil da UFPE, 2014, 2ª ed., p. 151-157.
SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. Guia
BINKLEY, N.; RAMAMURTHY, R.; KRUEGER, D. prático de alimentação da criança de 0 a 5
Low vitamin D status: definition, prevalence, anos. Departamentos Científicos de Nutro­
consequences and correction. Endocrinol logia e Pediatria Ambulatorial. São Paulo:
Metab Clin N Am, v. 39, p. 287-301, 2010. SBP, 2021, p. 74.
HOLICK, M. F. Vitamin D deficiency. N Engl J
SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. Hipo­
Med, v. 357, n. 3, p. 266-281, Jul. 2007.
vitaminose D em pediatria: recomendações
MENEZES FILHO, H. C. de; SETIA, N.; N.; para o diagnóstico, tratamento e prevenção.
DAMIANI, D. Raquitismo e metabolismo ós- Departamento Científico de Endocrinologia
seo. Pediatria, São Paulo, v. 30, n. l, p. 41-55, e Metabologia. Guia Prático de Atualização,
2008. v. 1, p. 11, 2016.
SE Ç ÃO 4

Dermatologia Pediátrica

Capítulo 1
Dermatite atópica

Capítulo 2
Infecções bacterianas da pele

Capítulo 3
Micoses superficiais
C AAPÍTULO
PÍTULO x1

Dermatite atópica

Ana Carla Moura


Ana Caroline Cavalcanti Dela Bianca Melo
Dayanne Bruscky

O QUE É A DERMATITE ATÓPICA? manutenção do fator de hidratação


A Dermatite Atópica (DA) é uma doença natural do estrato córneo, com con-
inflamatória crônica, caracterizada pelo sequente aumento na perda transepi-
prurido intenso e tem apresentação sob dérmica de água e xerose cutânea;
a forma de eczema, com períodos de • Alterações imunológicas: há uma
exacerbações e remissões. ativação da imunidade inata com
aumento de citocinas, como a lin-
QUAL É A ETIOPATOGENIA? fopoietina estromal tímica (TSLP),
A etiopatogenia envolve uma complexa IL-25 e IL-33, que estimulam a res-
relação entre disfunção da barreira cutâ- posta inflamatória Th2 com síntese
nea, fatores genéticos, imunológicos e de IL-4, IL-5, IL-13, o aumento de eo-
alterações do microbioma da pele. sinófilos e a produção de IgE. A res-
• Fatores de risco genéticos: uma posta Th2 também contribui para o
história familiar de doença alérgica, prurido pela produção de IL-31, além
principalmente de DA, é um fator de de outros mediadores, como hista-
risco para desenvolvimento da doen- mina, triptase e neuropeptídios. Na
ça, com forte hereditariedade de- fase crônica da DA, predominam as
monstrada pela concordância de 75% citocinas Th1 e Th17, e o aumento de
em estudos com gêmeos. Variantes IFN-γ e IL-22 com hiperplasia epidér-
genéticas relacionadas com genes da mica e liquenificação;
filagrina influenciam na diferencia- • Microbioma cutâneo: a DA é asso-
ção epidérmica, na composição e na ciada com alteração no microbioma,
SEÇÃO 4 308

com o S. aureus assumindo um papel países desenvolvidos. É a doença cutâ-


dominante como colonizador e pa- nea crônica mais comum da infância,
tógeno. A disfunção da barreira epi- que afeta mundialmente até 25% das
dérmica e a redução dos peptídeos crianças, com início no primeiro ano
antimicrobianos favorecem essa de vida em 60% dos casos. Os pacientes
colonização, com o S. aureus sendo portadores de DA apresentam clinica-
encontrado em até 90% das áreas afe- mente, desde forma leve, cerca de 80%
tadas, atuando como superantígeno dos casos, até formas moderada/grave
e correlacionando-se à gravidade da da doença e persistência ou início na
doença. Além disso, leveduras cutâ- idade adulta.
neas, como espécies de Malassezia, História pessoal ou familiar de ato-
podem desencadear ou exacerbar a pia é comum. Em geral, a DA precede
inflamação cutânea na DA por me- a asma e a rinite alérgica, na marcha
canismos ainda não estabelecidos, atópica. A prevalência de alergias res-
também contribuindo para a persis- piratórias é maior entre os pacientes
tência e a gravidade das lesões; portadores de DA e mais frequentes,
• Disfunção da barreira cutânea: conforme a gravidade da doença, des-
obser­vada tanto na pele com lesão tacando a DA como fator de risco para
quanto na pele não afetada de pa- asma e a importância de estratégias de
cientes com DA, há elevada perda prevenção. A associação de Alergia Ali­
transepidérmica de água, alterações mentar (AA) e DA é maior em pacientes
no pH, aumento da permeabilida- com formas moderada/grave, até 30%
de cutânea, redução na retenção dos casos e, especialmente, em lacten-
de água e alteração na composição tes. A AA deve ser investigada nos casos
lipídica. Essa disfunção é multifato- de início precoce, persistentes e asso-
rial e inclui fatores genéticos (como ciados com urticária e sintomas gas-
mutações da filagrina); dano físico trointestinais. Os principais alérgenos
pela coçadura; disbiose cutânea, alimentares são o ovo, o leite de vaca
com colonização por Staphylococcus e o amendoim, variando conforme a
au­reus e Malassezia spp.; e aumen- população estudada e os hábitos dieté-
to de inflamação pela desregulação ticos familiares.
imune observada na DA. O prurido é uma característica mar-
cante da doença e de grande impacto
QUAL É A IMPORTÂNCIA DO TEMA? na qualidade de vida dos pacientes e fa-
A prevalência da DA aumentou nas miliares. Por­tadores de DA apresentam
últimas décadas, principalmente em um limiar mais baixo ao prurido com
Dermatite atópica 309

interferência na qualidade do sono e as- Pode comprometer o tórax, a re-


sociação com transtornos psíquicos – an- gião cervical e as extremidades. A
siedade, depressão, transtorno do dé- região de fraldas, tipicamente, não
ficit de atenção com hiperatividade e é afetada;
autismo, particularmente nas formas • Fase pré-puberal: período entre 2
graves da doença. O ciclo de prurido e a 12 anos de idade, em que predo-
escoriação exacerba o dano celular te- minam lesões eritematosas liqueni-
cidual e facilita as infecções cutâneas ficadas, principalmente nas dobras
secundárias. antecubital e poplítea, na face e no
dorso das mãos e dos pés;
COMO DIAGNOSTICAR? • Fase adulta: considerada a partir
A idade de início da doença, a distribui- dos 12 anos de idade, em que é co-
ção das lesões, as características de xero- mum a liquenificação nas áreas fle-
dermia e o prurido, em associação com xurais e na região do pescoço.
a atopia, auxiliam no diagnóstico da DA.
O diagnóstico é essencialmente clínico: Classicamente, o diagnóstico de
lesões eczematosas crônicas ou recidi- DA baseia-se nos critérios de Hanifin e
vantes com distribuição e morfologias Rajka (Quadro 1); e nos critérios práticos
variáveis (eritema, pápula, seropápula, de Williams (Figura 1).
vesículas, escamas, crostas e liquenifica- Os exames complementares podem
ção), conforme a faixa etária acometida auxiliar na determinação dos fatores
e a atividade da doença (aguda, subagu- exacerbantes da DA. Os testes cutâneos
da ou crônica). de leitura imediata (teste de puntura)
• Fase infantil: início aos 2 ou 3 meses ou in vitro (pesquisa sérica de IgE espe-
de idade até os 2 anos, caracteriza- cífica) são recomendados e utilizados na
da por lesões eritematosas, princi- investigação de DA, com alto valor pre-
palmente na face e na região malar, ditivo negativo e na pesquisa de sensibi-
poupa o maciço centrofacial. lização aos aeroalérgenos.

Quadro 1. Critérios diagnósticos de Hanifin & Rajka

Critérios principais (3 ou mais)

• Prurido
• Morfologia e distribuição típica das lesões (envolvimento facial e extensor nas crianças, e liquenificação e
linearidade nos adultos)
• História pessoal ou familiar de atopia
• Dermatite crônica e recidivante
SEÇÃO 4 310

Critérios secundários (3 ou mais)

Xerose Hiperlinearidade palmar

Início precoce da doença Tendência às infecções cutâneas

Queratose pilar Prega infraorbital de Dennie-Morgan

Dermatite inespecífica de mãos e pés Pitiríase alba

Dermografismo branco Palidez ou eritema facial

Queilite Eczema de mamilo

Pregas anteriores do pescoço Alergia ao níquel

Escurecimento periorbital Alopecia areata

Sinal de Hertogue Hiper-reatividade cutânea (tipo 1)

IgE sérica elevada Enxaqueca

Conjuntivites recorrentes Intolerância alimentar

Influência de fatores emocionais Catarata

Influência de fatores ambientais Ceratocone

Prurido quando há suor Urticária colinérgica

Fonte: Autoras.

Figura 1. Critérios de Williams para o diagnóstico de dermatite atópica

História de pele ressecada


nos últimos 12 meses

História pessoal de rinite


ou asma (ou parentes de
primeiro grau em crianças
menores de 4 anos)

Prurido nos Pelo menos 3 Início dos sintomas antes


Característica últimos 12 meses dos seguintes dos 2 anos (também
essencial (ou relato pelos achados considerando antes dos
pais) clínicos 4 anos)

História de lesões em regiões


flexurais (antecubital,
poplítea, tornozelos,
pescoço ou periorbital)

Dermatite na região flexural


visível (em menores de 4
anos, incluir malar, fronte
e superfície extensora de
membros)
Fonte: Adaptado de Antunes (2021).
Dermatite atópica 311

QUAL É O DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL? tratamento proativo, que consiste


O reconhecimento de outras doenças na aplicação duas vezes por sema-
associadas ao eczema (Quadro 2) é im- na nas áreas de eczema recorrente
portante para um manejo terapêutico ou crônico. O corticosteroide tópico
específico e adequado diagnóstico di- deve ser aplicado uma vez ao dia e a
ferencial, particularmente, se houver escolha da potência anti-inflamató-
eczema atípico, infecções não habi- ria, de acordo com o tempo de uso
tuais, pouca resposta ao tratamento, e a característica da lesão. Maior
casos graves e dificuldade de ganho potência (betametasona) para cur-
pôndero-estatural. tos períodos de tempo e lesões mais
graves; média potência (furoato de
COMO CONDUZIR? mometasona 0,1%)/baixa potência
Tratamento multifatorial que envolve (hi­dro­cortisona), lesões moderadas/
aspectos educacionais: leves e se houver uso mais prolon-
• Identificar e afastar fatores desen- gado. Regra geral, para face e região
cadeantes ou irritantes; genital, prescrever os de baixa po-
• Restauração da barreira cutâ­
nea: tência. O uso crônico ocasiona atro-
a hidratação cutânea diária cons- fia cutânea, telangiectasias, lesões
titui a primeira linha de tratamen- acneiformes, hipertricose e efeitos
to, além de boas práticas de banho. adversos sistêmicos, menos comuns.
Preferencialmente, hidratantes sem Os imunomoduladores tópicos (ini-
fragrância, conservantes ou sensibi- bidores da calcineurina), na faixa
lizantes; ricos em ceramidas, gliceri- etária pediátrica, tacrolimo 0,03% e
na, ácidos graxos e ésteres de coles- pimecrolimo 1% podem ser utiliza-
terol; duas vezes ao dia; em torno dos com maior segurança na face,
de 200 g/semana para a criança e nos genitais e nas áreas próximas à
500 g/semana para o adolescente. Os mucosa e, também, no tratamento
banhos devem durar entre 5 a 10 min proativo da DA. Os efeitos colaterais
e com água morna, uso de sabonetes locais são ardor e prurido;
com pH 5,0-6,0 e em pequena quan- • Tratar infecções: bacterianas por S.
tidade. Evitar fricção e secar a crian- aureus e S. pyogenes com antibióti-
ça com toalha macia. Usar, preferen- cos sistêmicos. A presença de erite-
cialmente, roupas de algodão; ma com exsudato e crostas melicé-
• Terapia tópica anti-inflamatória: o ricas ou pústulas, fissuras e piora do
corticosteroide tópico está indica- prurido alertam para infecção bac-
do na crise/exacerbação da DA e no teriana. O eczema herpético, pelo
SEÇÃO 4 312

Quadro 2. Diagnóstico diferencial da dermatite atópica

Dermatoses inflamatórias Características

Dermatite seborreica Lactentes e adultos. Lesões em região inguinal, axilas, pescoço e couro cabeludo. Pouco pruriginosa

Dermatite de contato (irritativa ou alérgica) Crianças e adultos. Eczema agudo e/ou crônico em locais de exposição. Associação com DA

Lesões eczematosas em forma de moeda ou disco, presentes nos membros, principalmente nas regiões
Eczema numular/Dermatite numular
extensoras. Isolado ou associado à DA

Psoríase

Infecções/infestações

Escabiose

Dermatofitoses Crianças e adultos

Infecções virais

Desordens genéticas e metabólicas

Síndrome de Netherton Crianças e adultos. Mais raro. Aumento de IgE e eosinofilia

Lactentes e adultos. Genodermatose. Escamas sobretudo nos membros inferiores. Poupam as fossas cubitais
Ictiose vulgar
e poplíteas. Associada às mutações do gene da filagrina

Acrodermatite enteropática (deficiência de zinco) Mais frequente em crianças. Dermatite eczematosa simétrica acral e periorificial

Imunodeficiências primárias

Doença rara. Eczema pustular, infecções estafilocócicas cutâneas e sinopulmonares, aumento sérico de IgE e
Síndrome Hiper IgE
eosinofilia

Wiskott-Aldrich Eczema + microtrombocitopenia + sangramentos no sexo masculino

Síndrome de Omenn Lactentes. Eritrodermia esfoliativa e progressiva de início precoce. Associada à diarreia crônica

Neoplasias

Erupções papulosas ou pápulo-vesiculosas, petequiais, hemorrágicas ou dermatite seborreica-símile,


Histiocitose das células de Langerhans
acometendo, predominantemente, o couro cabeludo e o tronco

Linfoma cutâneo célula T Adultos. Menos comum

Fonte: Adaptado de Weidinger e Barret (2021).


Dermatite atópica 313

vírus herpes simples, caracteriza-se vias não histaminérgicas relaciona-


por vesículas umbilicadas eritema- das ao prurido da DA. Opta-se pelo
tosas, coalescentes e evoluem para anti-H1 de primeira geração pela in­
crostas. Tratamento com antiviral du­ção da sonolência;
sistêmico, como o aciclovir; • Encaminhar para o especialista:
• Controle do prurido: uso do anti- ca­sos moderados a graves, com in-
-histamínico H1 (anti-H1) pode auxi- dicação de terapia sistêmica com
liar no prurido aliado à hidratação imunossupressores e/ou imunobio-
cutânea, tratamento primordial e te­ lógicos, que representa uma terapia
rapia tópica anti-inflamatória, ape­ promissora no manejo dos pacientes
sar da relevância de mediadores e portadores de DA moderada a grave.

REFERÊNCIAS
ANTUNES, A. A. et al. Guia prático de atua- CARVALHO, V. O. et al. Guia prático de atuali-
lização em dermatite atópica: Parte I: etio- zação em dermatite atópica: Parte II: aborda-
patogenia, clínica e diagnóstico. Posi­
ci­ gem terapêutica. Posicionamento conjunto
onamento conjunto da Associação Brasileira da Associação Brasileira de Alergia e Imu­
de Alergia e Imunologia e da So­
cie­
dade nologia e da Sociedade Brasileira de Pedi­
Brasileira de Pediatria. Arquivos de Asma, atria. Arquivos de Asma, Alergia e Imu­nologia,
Alergia e Imunologia, Brasil, v. 1, p. 131-156, Brasil, v. 1, p. 157-182, fev. 2017.
fev. 2017.
LANGAN, S. M.; IRVINE, A. D.; WEIDINGER, S.
BARRET, M; LUU, M. Differential Diagnosis of Atopic dermatitis. The Lancet, v. 396, n. 10247,
Atopic Dermatitis. Immunol Allergy Clin N p. 345-360, Aug. 2020.
Am, v. 37, n. 1, p. 11-34, Feb. 2017. WALDMAN, A. R, et al. Atopic Dermatitis.
Pediatrics in Review, v. 39, n. 4, p. 180-193,
BOGUNIEWICZ, M. et al. Atopic dermatitis
2018.
yardstick: Practical recommendations for an
evolving therapeutic landscape. Ann Allergy WEIDINGER, S.; NOVAK, N. Atopic Dermatitis.
Asthma Immunol, v. 120, n. 1, p.10-22, 2018. Lancet, v. 387, p. 1109-22, 2016.
C APÍTULO 2

Infecções bacterianas da pele

Matilde Campos Carrera

QUAL É O CONCEITO E A ETIOLOGIA? cutâneas, tais como impetigo, foliculite,


São infecções da pele causadas por bac- ectima, celulite e furúnculo. Pode ainda
térias constituintes da flora residente, levar à síndrome da pele escaldada por
como também pelas bactérias adqui- liberação de toxina.
ridas do meio ambiente, sendo as mais De um modo geral, os Streptococcus
frequentes, Staphylococcus aureus e o são invasores secundários, que são favo-
Strep­tococcus pyogenes beta-hemolítico recidos por pequenos traumas locais e
do grupo A de Lancefield. Outras bac- picadas de insetos, levando a lesões cutâ-
térias podem também causar infecção neas, tipo erisipela, celulite e impetigo.
cutânea, como Haemophilus influ­en­zae,
Corynebacterium diphtheriae, Escherichia QUAIS SÃO AS MANIFESTAÇÕES
coli, e algumas outras, com menor fre- OU FORMAS CLÍNICAS?
quência. Nos últimos anos, a infecção As piodermites vão ser classificadas de
cutânea por cepas de Staphy­lococcus au- acordo com o nível de comprometimen-
reus metilcilino-resistentes (MRSA) pas- to da pele.
sou a adquirir caráter emergente.
Na infecção estafilocócica ocor- Impetigo
re, inicialmente, colonização em seus Forma clínica de piodermite mais fre-
habitats, fossas nasais, axilas, regiões quente em crianças. Trata-se de uma
inguinais, vagina, períneo e reto, a par- lesão superficial, subcórnea e contagio-
tir daí, ocorre a contaminação da pele sa, causada por Staphylococcus, Strepto­
com consequente surgimento das lesões coccus ou uma infecção mista.
Infecções bacterianas da pele 315

O quadro, geralmente, é assinto- espessa e aderente. Ocorre, geralmen-


mático, mas algumas vezes pode estar te, nas pernas. A má nutrição e a má
acompanhado de febre e linfadenopatia higiene são fatores predisponentes. A
regional. lesão inicial, geralmente, ocorre por
Devemos lembrar que algumas ce­ Streptococcus e, logo se torna contami-
pas nefritogênicas do Streptococcus, após nada pelo Staphylococcus.
18 a 21 dias, podem levar ao desenvol­
vimento de uma glomerulonefrite. Ter Erisipela
atenção a este tipo de complicação. É uma forma aguda e inflamatória de
celulite, na qual a área da inflamação
Impetigo bolhoso está elevada em relação à pele circun-
É mais frequente em lactentes e crian- dante, em que se percebe uma demar-
ças menores. No início surgem vesículas, cação distinta entre a pele normal e a
localizadas ou dispersas difusamente, pele comprometida. Apresenta os sinais
que se tornam bolhas flácidas de con- flogísticos (eritema, edema, calor e
teúdo inicialmente transparente e, que dor local). Pode estar acompanhada de
se tornam turvas. Rompem-se com faci- adenite satélite, cefaleia e hipertermia.
lidade, deixando uma base eritematosa, Quando for recidivante pode evoluir pa-
brilhante, inflamada e úmida, que po- ra elefantíase.
reja soro e tem margem descamativa e
circinada (em geral, por Staphylococcus). Celulite
É uma infecção da derme e do tecido
Impetigo não bolhoso subcutâneo, atingindo a hipoderme pro­
Apresenta, inicialmente, lesão vesicular fun­da. As bordas não são bem nítidas, ao
ou pustulosa pequena, que se rompe contrário, são mal delimitadas, e tam­
com facilidade, expondo uma base erite- bém acompanha sinais flogísticos. Fre­
matosa e úmida com crosta melicérica. quen­te­mente, apresenta dor e sintomas
Evolui por auto-inoculação, formando sistêmicos. Lo­cais mais acometidos: fa-
lesões satélites. Pode acometer qualquer ce e extremidades. O agente etiológico
local, sendo mais comum na face, ao re- mais frequente é o Staphylococcus, em-
dor das narinas e da boca (em geral, por bora em lactentes o Haemophilus seja
Streptococcus). ainda mais frequente.

Ectima Periporite
Lesão mais profunda, que acomete até Infecção de glândulas sudoríparas écri-
a derme, é ulcerada e com crosta mais nas, causada, principalmente, por Sta-
SEÇÃO 4 316

phy­­lococcus, pode ser considerada com- dimensão, edemaciada, muito dolorosa,


plicação de miliária rubra. Apresenta-se que drena a secreção por vários orifícios.
como nódulos eritematosos, dolorosos, Sintomas gerais, como calafrios, febre e
múltiplos, com tendência à flutuação e mal-estar, podem preceder ou ocorrer
à eliminação de pus. Localizações mais na fase aguda. Locais de eleição; nuca,
frequentes: couro cabeludo, pescoço, dorso e face lateral das coxas, em que a
dorso e região glútea. derme é mais espessa.

Foliculite superficial COMO TRATAR AS INFECÇÕES


(Impetigo de Bockhart) BACTERIANAS DA PELE?
Acomete superficialmente o folículo pi- 1. Observar se existe doença de base, o
loso, apresentando uma pústula na saída estado geral e nutricional do pacien-
do pelo. A infecção é confinada na parte te. Se as lesões são únicas ou disse-
superior do folículo piloso. Caracteriza- minadas, se são mais superficiais ou
se por pequenas pústulas centradas por profundas;
um halo de eritema perifolicular. 2. Orientar cuidados de higiene do pa-
ciente e dos familiares, separar toa-
Furúnculo lhas e roupas íntimas;
É a inflamação do folículo pilossebáceo. 3. Indicar tratamento tópico para as for-
Apresenta-se como um nódulo doloroso, mas leves e localizadas, com antissép-
firme e flutuante, com uma coleção de- tico, como permanganato de potássio
limitada de pus e material necrótico. A e água boricada. Antibióticos tópicos
furunculose ocorre como uma infecção de preferência: mupirocina e ácido
autolimitada, com uma ou várias lesões, fusídico;
ou como uma doença crônica, recorrente, 4. Em casos de furúnculo, fazer termo-
que dura meses ou anos, podendo afetar terapia, e quando ocorrer a flutuação,
vários membros da família. Consideram- fazer incisão e drenagem;
se alguns fatores predisponentes: desnu- 5. Em caso de lesões disseminadas ou
trição, disfunção neutrofílica, obesidade, extensas será indicado antibiótico
diabetes, doenças hematológicas, uso de sistêmico para Staphylococcus e Strep­
corticoterapia e imunossupressores. tococcus. Utilizar eritromicina (40 mg/
kg/dia) ou outros macrolídeos mais
Antraz recentes; penicilinas penicilinase re-
É o conjunto de furúnculos. A infecção sistente (oxacilina e dicloxacilina); ou
atinge a derme e o tecido subcutâneo. cefalosporinas, como a cefalexina (50
Apresenta-se como uma lesão de maior a 100 mg/kg/dia, de 6 em 6 horas, por
Infecções bacterianas da pele 317

7 a 10 dias). Nas situações graves, indi- de lixa. Inicialmente, a língua é branca,


car hospitalização com uso de medi- com as papilas edemaciadas, pelo quar-
cação por via parenteral. Permanece, to ou quinto dia, a mucosa lingual fica
como tratamento de escolha, para vermelho vivo (língua em framboesa).
a erisipela, a penicilina G cristalina Podem ocorrer petéquias puntiformes
(50.000 a 100.000 UI/kg, endovenosa, no palato mole. O exantema cutâneo
a cada 4 horas), a penicilina G procaí- desaparece em 4 a 5 dias, sendo seguido
na ou a benzatina, por via intramus- por uma descamação intensa no corpo e
cular. Nos casos mais leves podem ser nas extremidades, ocorre uma descama-
usados cefalosporinas de primeira ge- ção lamelar nas regiões palmo-plantares.
ração ou macrolídeos, por via oral.
Qual é o tratamento?
Escarlatina
Penicilina é o tratamento de escolha,
O que é e qual é a causa? mas podem ser usados cefalosporinas,
Doença contagiosa causada pela ação eritromicina, norfloxacino, rifampicina
da toxina eritrogênica do Streptococcus. ou outros macrolídeos.
O exantema e os sintomas sistêmicos
são causados pela toxina circulante. A SÍNDROME DA PELE ESCALDADA
infecção pode se originar na faringe ou
ESTAFILOCÓCICA (SSSS) OU DOENÇA
DE RITTER
na pele, sendo mais comum em crianças
pequenas, que não possuem imunidade O que é e qual é a causa?
à toxina. É uma doença causada pela toxina es-
foliativa produzida pela Staphylococcus
Qual é o quadro clínico? aureus, grupo II, fagotipo 71. Acredita-
Apresenta-se com início súbito de fe- -se que ocorre pela falta de imunidade
bre, mal-estar, dor de garganta, cefaleia, às toxinas e pela imaturidade renal em
náuseas, vômitos e dor abdominal. Um crianças, que leva à eliminação deficien-
eritema puntiforme na parte superior do te destas toxinas. O anticorpo contra a
tórax, que se dissemina para as extremi- toxina epidermolítica está presente em
dades. O exantema é rosa a escarlate no 75% das pessoas normais acima de 10
início. A face torna-se ruborizada, com anos, explicando a raridade dessa sín-
uma palidez perioral (sinal de Filatov). drome em crianças maiores e adultos.
As lesões puntiformes tornam-se erite-
matosas e confluentes. Petéquias linea- Qual é o quadro clínico?
res (sinal de Pastia) ocorrem nas pregas Inicia-se com febre, irritabilidade, erite-
corporais. A pele apresenta uma textura ma em torno dos lábios e das narinas.
SEÇÃO 4 318

Rapidamente, toda a pele torna-se eri- cipalmente em relação ao equilíbrio hi-


tematosa com bolhas flácidas, que lo- droeletrolítico; e antibioticoterapia sis­
go se rompem, surgindo grandes áreas têmica antiestafilocócica penicilinase
erosadas, principalmente nas dobras resistente, como a oxacilina, deve ser
axilares, cervicais e inguinais. O sinal de ins­tituída. A evolução geralmente é boa,
Nikolsky é positivo (pressão leve induz com total resolução do quadro em 12
à separação da pele). Lembrar que, em dias. A pe­le do paciente deve ser lubrifi-
geral, o foco infeccioso não se encontra cada com loções brandas e lavada com
na pele, mas à distância, sob a forma de pouca frequência. É importante lembrar
otites ou conjuntivites. que compressas úmidas podem causar
ainda mais ressecamento e rachaduras,
Qual é o tratamento? devendo ser evitadas. A complicação
Em geral é necessária a hospitalização mais temida é a septicemia, que poderá
com medidas de suporte clínico, prin- levar o paciente ao óbito.

REFERÊNCIAS
BELDA, J. W. Tratado de dermatologia. 3ª ed. SAMPAIO, S. A. P.; RIVITTI, E. A. R. Dermatolo­
Rio de Janeiro: Atheneu, 2018. cap. 56, p. gia. 5ª ed. São Paulo: Artes médicas, 2018.
1419-1431. Cap. 39, p. 585.

BOLOGNIA. Dermatologia. 4ª ed. São Paulo:


SUKUMARAN, V.; SENANAYAKE, S. Bacterial
Elsevier, 2010, cap. 73, p. 1075.
skin and soft tissue infections. 2016. Aust.
HARTMAN-ADAMS, H.; BANVARD, C.; JUCKETT, Prescr., 39(5): 159-163. Oct. 2016. doi:10.18773/
G.  Impetigo: diagnosis and treatment. Am austprescr.2016.058. Disponível em: https:
Fam Physician, 2014, aug. 15, 90(4): 229-35. //www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5
Disponível em: https://www.firstderm.com/ 079789/. Acesso em 6 set. 2020.
impetigo/. Acesso em 5 ago. 2020.
C AAPÍTULO
PÍTULO x3

Micoses superficiais

Matilde Campos Carrera

O QUE SÃO E QUAL É A CAUSA? concentricun, T. schoenleinii, T. ton-


Doenças causadas por fungos, que atin- surans, T. mentagrophytes, var. inter-
gem a camada mais superficial da pele, digitale e outras).
dos pelos e das unhas, podendo tam- • Geofílicos, cuja fonte de infecção é
bém acometer as mucosas e, na maio- o solo (M. gypseum).
ria das vezes, não induzem a qualquer • Zoofílicos (M. canis, T. mentagro-
resposta inflamatória no hospedeiro. phytes e T. verrucosum), que vêm de
Esses fungos vivem nos tecidos que- determinados animais (cão, gado,
ratinizados e desvitalizados, podendo porco, gato etc.) e provocam, no ho-
provocar lesões cutâneas e cutaneo- mem, quadros mais inflamatórios e
mucosas (dermatófitos e candidíase) e exuberantes.
lesões superficiais propriamente ditas
(ceratofitoses). De acordo com a taxo- QUAIS SÃO AS MICOSES
nomia, eles pertencem a três gêneros: MAIS FREQUENTES?
Microsporum, Trichophyton e Epider-
Dermatofitoses
mophyton.
De acordo com o habitat, existem as O que são, quais são as causas
variedades: e o quadro clínico?
• Antropofílicos, cuja fonte de in- São um grupo de micoses superficiais
fecção é o homem, são adaptados causadas por fungos dermatófitos (fun-
a ele e dão pouca ou nenhuma hi- gos filamentosos septados), que utilizam
persensibilidade (M. audouinii, T. a queratina como fonte de nutrientes.
SEÇÃO 4 320

São representados pelas Tineas/Tinhas e, vesículas ou pústulas nas bordas, de as-


de acordo com a localização, vão apre- pecto circinado, isoladas ou coalescen-
sentar diferentes quadros clínicos. tes. O prurido pode ocorrer em alguns
casos. As localizações mais frequentes
Tinea capitis/Tinha do couro cabeludo são braços, face e pescoço.
Apresenta-se como placa de tonsura, Diagnóstico diferencial: psoríase,
descamação e evolução para cronici- dermatite atópica, eritema anular e han-
dade. Os fios apresentam-se fraturados, seníase na forma tuberculoide (MHT).
com aspecto tonsurado, podendo ser
uma placa única (Microsporum) ou vá- Tinea pedis/Tinha dos pés
rias placas (Trichophyton). É quase exclu- A forma aguda (inflamatória) caracteri-
sivo da infância, não deixam cicatrizes za-se por lesões vesicobolhosas no dorso
e os cabelos voltam a crescer normal- ou na face interna dos pés, pruriginosas
mente. No entanto, os fungos geofílicos e que apresentam fissuras e maceração
ou zoofílicos podem causar reação in- interdigital (pé de atleta).
flamatória intensa, aguda ou subaguda, Na forma crônica (não inflamatória),
supurativa com atrofia e fibrose, e con- as lesões são escassas, o prurido na re-
sequente alopecia definitiva. gião plantar é variável, podendo ocorrer,
com frequência, associação com oni­
-
Kerion comicose.
• Forma aguda, com intensa reação Diagnóstico diferencial: querato-
inflamatória, que se apresenta co- dermia palmoplantar, larva migrans e
mo placa elevada, geralmente única, desidrose.
bem delimitada, dolorosa, com pús-
tulas e microabscessos, que drenam Tinea faciei/Tinha da face
pus à expressão; Lesões com bordas circinadas inflamató-
• Causado, habitualmente, por der- rias, localizadas na face.
matófitos zoofílicos ou geofílicos. Diagnóstico diferencial: dermatite
Diagnóstico diferencial: alopecia atópica e hanseníase na forma tubercu-
areata, tricotilomania, nevus e pseu- loide (MHT).
dotinha amiantácea.
Onicomicose/Tinea unguium/Tinha
Tinea corporis/Tinha do corpo da unha
Infecção da pele glabra, caracterizada Lesões descamativas com destruição
por placas marginadas eritematoes- das unhas, que podem apresentar cor
camosas, crescimento centrífugo com branco-amarelada, como marfim velho,
Micoses superficiais 321

começando pela borda livre, com ce- flutrimazol) ou amorolfina, terbinafina,


ratose do leito ungueal. São crônicas e tolciclato, ciclopirox olamina.
acometem com muito mais frequência O tratamento sistêmico é mandató-
as unhas dos pés, principalmente o rio nos casos de tinea capitis, tinea corpo-
hálux. O diagnóstico laboratorial é feito ris extensa e onicomicose, acometendo
pela pesquisa micológica direta e cultu- mais de 50% das unhas ou afetando a ma-
ra de escama epidérmica e unhas. triz, e na tinea pedis crônica. A griseoful-
Diagnóstico diferencial: dermatite vina é muito utilizada pelo baixo custo,
atópica, onicofagia, trauma, psoríase e 10 a 20 mg/kg/dia para crianças, mas ain-
líquen plano. da pode-se usar itraconazol (5-10 mg/kg/
dia ou 100 mg/dia), fluconazol (5-10 mg/
Tinea cruris/Dermatofitose marginada kg/dia) e terbinafina (62,5 mg/dia, em pa-
É mais frequente em adolescentes e cientes de até 20 kg; 150 mg/dia, nos de
adultos do sexo masculino, geralmen- 20 a 40 kg; e 250 mg/dia, nos pacientes
te bilateral, em área inguinocrural. acima de 40 kg).
Formas extensas podem comprometer Duração: T. corporis, 4 semanas; T.
coxas, períneo, região glútea e parede capitis, 8 semanas; e onicomicose, 3 a 8
abdominal. É uma lesão eritematoes- meses.
camosa com bordas nítidas e pequenas Pulsoterapia com:
vesículas, muito pruriginosa, havendo • Itraconazol, 400 mg/dia, uma vez
frequentemente cronificação, liquenifi- por semana, por 3 meses;
cação e escurecimento local. • Fluconazol, 150 mg, uma vez por se-
mana, por 4 a 6 meses.
Como tratar?
Os dermatófitos zoofílicos e geofílicos Ceratofitoses
desenvolvem processos inflamatórios São representadas pela pitiríase versico-
mais intensos, sendo, no entanto, de fá- lor, tinea nigra e piedra branca.
cil tratamento, podendo haver até cura
espontânea. Dermatófitos antropofíli- Pitiríase versicolor
cos são mais crônicos e recidivantes, os Infecção crônica, superficial, assinto-
maiores exemplos são a onicomicose e mática ou com leve prurido, várias for-
a tinea pedis pelo T. rubrum. Em geral, mas e cores, bordas bem delimitadas e
o tratamento tópico é suficiente nas descamação furfurácea. Apresentam-se
formas localizadas, utilizam-se os deri- como lesões circulares, ora isoladas, ora
vados imidazólicos (miconazol, clotri- coalescentes, localizadas principalmen-
mazol, oxiconazol, isoconazol, bifonazol, te em tronco, face e braços, podendo
SEÇÃO 4 322

também ocorrer em outras regiões, co- Qual é o tratamento?


mo abdome, nádegas e membros infe- Antifúngico tópico nas lesões com me-
riores. A denominação versicolor pro- nor extensão e associação com medica-
vém da variedade de cores que as lesões ção sistêmica em áreas maiores.
podem assumir, desde hipopigmenta-
das, eritematosas, até acastanhadas ou Tratamento tópico
marrons. É um fungo lipofílico, desen- Opções tera­pêuticas:
volve-se bem em ambientes quentes e • Sabonetes com enxofre (fungici-
úmidos. O aumento da atividade sebá- da) associado ao ácido salicílico
cea na puberdade e pós-puberdade, leva (queratolítico);
a uma maior prevalência na adolescên- • Shampoos de cetoconazol 2%;
cia e uma menor, no idoso. • Sulfeto de selênio 2,5% diariamente,
por 3 semanas, deixando por 15 min
Qual é o agente etiológico? antes do banho;
Fungos do gênero Malassezia sp com • Hipossulfito de sódio 20% a 40% em
sete espécies: globosa, restricta, sloof- solução aquosa;
fiae, obtusa, sympodialis, pachydermatis • Piritionato de zinco a 2%;
e furfur. Esse microrganismo faz parte • Ácido salicílico;
da flora normal da pele e, sob condições • Derivados imidazólicos (isoconazol
apropriadas, a levedura transforma-se creme ou spray, tioconazol loção, clo­-
em hifa invasiva. tri­mazol, miconazol, fenticonazol, bi-
fonazol), 1 vez ao dia, por 4 se­manas.
Como diagnosticar?
Através do exame clínico (pelas caracte- Tratamento sistêmico
rísticas das lesões), sinal de Zireli ou do Indicado em casos recorrentes ou de
es­tiramento (ao esticar a pele observa- aco­metimento extenso. Opções terapêu-
mos escamas furfuráceas), e o sinal de ­ticas:
Bes­nier ou da unha (ao atritar a pele • Cetoconazol, 200 mg/dia, por 10 dias;
surgem as escamas). Luz de Wood mos- • Fluconazol, 150 mg/semana por 3
tra cor amarelo-ouro nas lesões. Pesquisa semanas, ou 400 mg em dose única;
mico­lógica direta e cultura das escamas • Itraconazol, 200 mg/dia, por 5 dias.
epidérmicas.
Diagnóstico diferencial: vitiligo, Prevenção de recorrências: aplica-
pitiríase alba, hipocromia residual, han- ção tópica quinzenal ou mensal do me-
seníase na forma indeterminada e nevo dicamento ou administração mensal de
acrômico. fluconazol.
Micoses superficiais 323

axilares e pubianas. Podem provocar


Nota: pode ocorrer hipopigmentação resi-
lesões eritematosas e descamativas em
dual por meses até a recuperação dos mela-
áreas próximas. Cabelos molhados faci-
nócitos lesados.
litam a visualização.

Tinea nigra/Tinha negra Qual é o tratamento?


Causada por Exophiala werneckii ou Imidazólicos tópicos ou itraconazol oral,
Phaeoannellomyces werneckii. nos casos extracutâneos. Pode não ser
necessário cortar os cabelos.
Qual é o quadro clínico?
Lesão enegrecida isolada ou coalescen- Candidíase
te, em geral, na região palmar. Menos A Candida albicans faz parte da flora
frequentemente pode ocorrer na região cutaneomucosa normal do trato gas-
plantar e nas bordas dos dedos. Acomete trointestinal e vaginal, sendo transmiti-
mais crianças do sexo feminino. da por contato interpessoal. É original-
mente um organismo não invasivo, que
Como diagnosticar? acomete a pele e as membranas muco-
Exame clínico e pesquisa micológica de sas. Quando há comprometimento do
escamas epidérmicas. mecanismo de barreira, em algumas cir-
Diagnóstico diferencial: melanoma cunstâncias pode se tornar patogênica.
extensivo superficial e púrpura do atleta. Tem distribuição universal, sendo muito
frequente em recém-nascidos e profis-
Como tratar? sionais que entram em contato frequen-
Ceratolíticos, como sabonete com ácido temente com água e sabão. Candidíase
salicílico e imidazólicos tópicos, com esofagiana extensa e nas vias aéreas su-
cura em poucos dias. periores são marcadores de Aids.

Piedra branca Etiopatogenia


Causada por Trichosporon beigelii ou A Candida albicans, em condições nor-
Trichosporon cutaneum, existem ainda mais, vive como saprófita em mucosas,
mais 6 espécies menos frequentes, que em que há um fator sérico natural anti-
podem produzir infecção humana. cândida que dificulta sua invasão. Age
como oportunista, quando há quebra de
Qual é o quadro clínico? barreira cutaneomucosa.
Nódulos branco-amarelados, aderidos Em algumas situações, pode ocor-
aos fios do couro cabeludo e de áreas rer uma candidíase, como na gestação
SEÇÃO 4 324

(quando os glicídios existem em maior in­ter­digitais, inframamárias, axilares e


quantidade na vagina); diabetes des- inguinais. São pruriginosas.
compensada; deficiências imunológicas;
tratamento prolongado com antibióticos Candidíase ungueal e periungueal
(alteração da flora), corticoides e imu- Lesões eritematoedematosas com aco-
nossupressores e estado de umidade pro- metimento em maior frequência da bor-
longada (lavadeiras e fralda de bebês). da proximal da unha; maior causa de
paroníquia (acometimento periungueal).
Qual é o quadro clínico? Predileção pelas unhas dos quirodáctilos,
Vai variar de acordo com a localização. pelo uso frequente de água e sabão.

Candidíase oral Queilite angular/Perléche


São placas isoladas ou confluentes, es- Fissuras em cantos da boca, normalmen-
branquiçadas, que são removidas facil- te há associação com bactérias. Ocorre
mente por espátulas, expondo uma base por modificação da arquitetura da boca,
eritematosa e úmida. Acomete mais re- por isso é mais frequente em usuários
cém-nascidos, idosos, pessoas debilita- de prótese e idosos. Neonatos também
das e pacientes com Aids. são acometidos e especula-se que seja
por contaminação vaginal.
Candidíase neonatal
É adquirida durante a passagem do feto Candidíase mucocutânea crônica
pelo canal de parto, sendo mais comum Designação de um grupo heterogêneo
em prematuros. A maioria dos recém- de síndromes clínicas, muitas vezes ge-
-nascidos com C. albicans adquire a do­ néticas, que ocorrem por defeito imuno-
ença de forma vertical. A doença ocorre lógico e, que cursam com acometimento
após a primeira semana de vida, com crônico e recorrente de pele, orofaringe e
aco­metimento orofaríngeo, eritema pe- unha. Associam-se com endocrinopatias
rianal, pústulas e lesões satélites. A área múltiplas. Não há tendência ao acometi-
genital é frequentemente invadida. mento visceral. Em geral, inicia-se antes
dos três anos com lesões orais extensas,
Candidíase intertriginosa distrofias ungueais importantes, acome-
Lesões eritematosas, esbranquiçadas, timento periungueal, formação de lesões
úmi­das, erosadas, presença de lesões sa- ceratósicas, como cornos cutâneos em
télites pequenas e arredondadas, algu- couro cabeludo, face, sobrancelhas e ex-
mas pustulosas abacterianas. Localizam- tremidades. O timoma está relacionado
-se nas dobras naturais do corpo: regiões com rara forma de início na idade adulta.
Micoses superficiais 325

Candidíase visceral mor­bidades, e orientação quanto à ex-


Coração e pulmões podem ser afetados posição ocupacional.
por disseminação hematogênica em pa- Topicamente usar nistatina e deriva-
cientes em uso prolongado de imunos- dos azólicos.
supressores e usuários de drogas injetá- Sistêmico: fluconazol, itraconazol,
veis. O diagnóstico laboratorial é feito anfotericina B. Em área de fralda, cuida-
através do exame direto, no qual é fun­ do com a higiene local e trocar as fral-
damental o achado de pseudo-hifas ou das frequentemente, usar creme de bar-
hifas finas, pois blastosporos e esporos reira com nistatina, hidrocortisona para
arredondados significam apenas colo­ alívio da inflamação por 5 a 7 dias. Na
nização. A cultura também é realizada. forma mucocutânea crônica usar itra-
conazol e fluconazol permanentemente,
Qual é o tratamento? pois caso contrário ocorrerá a recidiva
Tratar condições predisponentes, como em pouco tempo. Na forma visceral usar
diabetes, imunodeficiências e outras co- anfotericina B e 5-fluorocitosina.

REFERÊNCIAS
AZULAY, R. D. et al. Dermatologia. 5ª ed., v. 1. HABIFF, T. P. Dermatologia clínica. 4ª ed. São
Rio de Janeiro: Guanabara, 2008. Paulo: ARTMED, 2004.

BELDA, J. W. Tratado de dermatologia. 3ª ed.


SAMPAIO, S. A.P.; RIVITTI, E.A.R. Dermatologia.
Rio de Janeiro: Atheneu, 2018, p. 1607-1622.
5ª ed. São Paulo: Artes médicas,2018. Cap.
BOLOGNA. Dermatologia. 2ª ed. São Paulo: 39, p. 585.
Elsevier, 2010, p. 1136-1148.
SE Ç ÃO 5

Endocrinologia pediátrica

Capítulo 1
Abordagem da hipoglicemia persistente na emergência

Capítulo 2
Hipotireoidismo em crianças

Capítulo 3
Hipertiroidismo em crianças

Capítulo 4
Baixa estatura

Capítulo 5
Puberdade precoce e atraso puberal

Capítulo 6
Intercorrências na criança com diabetes: como proceder?

Capítulo 7
Complicações agudas nas crianças com diabetes
C AAPÍTULO
PÍTULO x1

Abordagem da hipoglicemia
persistente na emergência

Ana Hermínia de Azevedo Ferreira


Bárbara Guiomar Sales Gomes da Silva
Gabriela Corrêa Lima Pereira
Jacqueline Araújo
Taciana de Andrade Schuler

O QUE É HIPOGLICEMIA? • Sintomas neurogênicos (respostas


A concentração média de glicose plas- adrenérgicas e colinérgicas por gli­-
mática em neonatos normais após 2-3 ce­
mia plasmática < 55-65 mg/dl):
dias de vida e em bebês e crianças não palpitações, tremores, ansiedade, su-
difere dos adultos: 70-100 mg/dl. dorese excessiva, fome, parestesias;
A hipoglicemia é uma concentração • Sintomas neuroglicopênicos (glice-
plasmática de glicose baixa o suficiente mia plasmática < 50 mg/dl): confu-
para causar sinais e/ou sintomas de dis- são mental, convulsões e coma.
função cerebral. Caracteriza-se por sinais
e sintomas neurogênicos e neuroglico- QUEM DEVE SER INVESTIGADO?
pênicos associados à baixa concentração • Se a criança é capaz de comunicar
de glicose plasmática, que melhoram sin­
tomas: investigar todos aque-
após a normalização da glicemia (tríade les que apresentarem a tríade de
de Whipple), porém bebês e crianças pe- Whipple;
quenas apresentam sinais/sintomas ines- • Se a criança não é capaz de comuni-
pecíficos, como: tremores, irritabilidade, car sintomas: perceber todos os que
choro estridente, sucção débil, letargia, apresentarem glicemia plasmática
hipotonia, taquipneia/apneia, cianose, < 60 mg/dl ou RNs com mais de 48
hi­po­termia, mioclonias e convulsões. horas de vida com alto risco para
SEÇÃO 5 328

apresentar distúrbios de hipoglice- distúrbios da gliconeogênese, gli-


mia persistente . 1
cogenoses, galactosemia, frutose-
mia, distúrbios de oxidação dos
Na história clínica, avaliar o tempo ácidos graxos e do metabolismo de
de tolerância ao jejum ou alimentos ami­noácidos).
desencadeantes da hipoglicemia, uso
de medicações e drogas (insulina, sul- QUE EXAMES DEVEM SER REALIZADOS?
fonilureias, álcool, betabloqueadores e • Obter amostra crítica (com glice-
salicilatos), peso ao nascer, idade gesta- mia ≤ 50 mg/dl, preferencialmente
cional, histórico familiar, perda de peso, < 40 mg/dl): se a causa da hipoglice-
anorexia e dor abdominal recorrente. mia não for conhecida;
No exame físico, avaliar presença de • Recomenda-se coletar amostra de
alterações de linha média, baixa estatu- sangue e de urina, devendo-se di-
ra, icterícia prolongada, hepatomegalia, recionar e individualizar a solicita-
hiperpigmentação cutânea, perda de ção dos exames, de acordo com a
peso, onfalocele, hemi-hipertrofia, ma- suspeita clínica do paciente e após
croglossia, miopatia, miocardiopatia e discussão com especialistas (endo-
neuropatia periférica. crinopediatra, hepatologista ou neu-
rologista, conforme quadro clínico);
QUAIS SÃO OS PRINCIPAIS • Os exames podem ser: glicemia, in-
DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS? sulina, peptídeo C, beta-hidroxibuti-
• Defeitos na secreção de insulina rato ou cetonemia, lactato, amônia,
(hipoglicemia neonatal transitória, ácido úrico, gasometria venosa, ele-
hiperinsulinismo por estresse peri- trólitos, ureia e creatinina, asparta-
natal ou hipoglicemia hiperinsuli- to aminotransferase (AST), alanina
nêmica persistente da infância); aminotransferase (ALT) e creatino-
• Deficiência de GH e/ou de ACTH (dGH fosfoquinase (CPK), hormônio esti-
isolado ou pan-hipopituitarismo); mulador da tireoide (TSH) e tiroxina
• Defeitos no metabolismo da gli- (T4 livre), hormônio do crescimento
cose, glicogênio e ácidos graxos (GH), hormônio adrenocorticotrófi-
(hipoglicemia cetótica da infância, co (ACTH) e cortisol (com avaliação

1 RNs que apresentaram hipoglicemia grave (episódio de hipoglicemia sintomática ou necessida-


de de glicose EV para tratar a hipoglicemia); incapacidade de manter a glicemia > 50 mg/dl até
48 horas de vida e > 60 mg/dl após 48 horas de vida; história familiar de uma forma genética de hi-
poglicemia; síndromes genéticas (como Beckwith-Wiedemann) ou presença de alterações de linha
média (como fenda labial/palatina e micropênis).
Abordagem da hipoglicemia persistente na emergência 329

por testes de estímulo específicos) e - Não melhorou após 15-30 min: gli-
perfil lipídico, ácidos graxos livres cose parenteral.
(AGL), perfil de acilcarnitinas, cro- • Se o paciente estiver com alteração
matografia de ácidos orgânicos e de do nível de consciência:
aminoácidos, além de dosagens na - Glicose intravenosa (IV) ou Gluca­
urina de cetonas, substâncias redu- gon subcutâneo (SC) ou intramus-
toras e ácidos orgânicos. cular (IM);
- Glicose IV: bolus inicial 0,20-
COMO TRATAR A HIPOGLICEMIA? 0,25 g/kg (máx: 25 g): 2-3 ml/kg de
• Objetivo: manter a glicemia entre 70 SG10% lento (2-3 ml/min);
e 100 mg/dl. - Infusão subsequente: Velocidade
• Reconhecer e tratar precocemente de Infusão de Glicose (VIG) 4-8 mg/
todos os episódios hipoglicêmicos kg/min;
para evitar sequelas neurológicas. - Repetir a glicemia após 15 min do
• Corrigir a hipoglicemia após coleta bolus;
da amostra crítica, porém sem pos- - Hipoglicemia persiste: repetir bo-
tergar o tratamento. lus (dose: 5 ml/kg de SG10%) e au-
• Se o paciente estiver consciente: mentar 25-50% da VIG;
- 10‑20 g de carboidratos (CHO) de ab- - Se o acesso venoso não estiver dispo-
sorção rápida via oral (VO) (0,3 g/kg): nível: Glucagon, SC ou IM, 0,03 mg/
120 ml de suco de laranja OU uma kg (máx.: 1 mg).
colher de sopa rasa (15 ml) de mel • Monitorização:
ou açúcar; - Glicemia capilar a cada 15 min até
- Repetir glicemia em 15 min, se gli- cor­rigir hipoglicemia;
cemia persiste < 70 mg/dl: repetir - Glicemia capilar a cada 2-4 horas
item anterior; e, posteriormente, a cada 6 horas.

REFERÊNCIAS
ALVES, C. A. D. Hipoglicemia na criança e no glycemia in Patients with Congenital Hy­
adolescente. In: Endocrinologia Pediátrica. 1ª perinsulinism. Pediatric Drugs, v. 21, p. 123-
ed. Barueri, SP. Manole, 2019, p. 407-425. 136, 2019.
SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA (SBP).
ALVES, C. A. D. Hipoglicemia neonatal. In:
Diretrizes – Hipoglicemia no período neona-
Endocrinologia Pediátrica. 1ª ed. Barueri, SP.
tal. 2014. Disponível em: https://www.sbp.
Manole, 2019, p. 390-406.
com.br/fileadmin/user_upload/2015/02/dire-
COSIO, A. P., THORNTON, P. Current and trizessbphipoglicemia2014.pdf. Acesso em:
Emerg­ing Agents for the Treatment of Hypo­- 22 dez. 2021.
SEÇÃO 5 330

TAN, J. K. G. et al. Impact of hypoglycaemia THORNTON, P. S. et al. Recommendations


on neurodevelopmental outcomes in hypo- from the Pediatric Endocrine Society for
xic ischaemic encephalopathy: a retrospec­ Evaluation and Management of Persistent
tive cohort study. BMJ Paediatrics Open, Hypoglycemia in Neonates, Infants, and
1:e000175. 2017. Disponível em: doi:10.1136/ Children. The Journal of Pediatrics, v. 167, n.
bmjpo-2017-000175. Acesso em: 22 dez. 2021. 2, p. 238-245, 2015.
C AAPÍTULO
PÍTULO x2

Hipotireoidismo em crianças

Ana Hermínia de Azevedo Ferreira


Bárbara Guiomar Sales Gomes da Silva
Jacqueline Araújo
Klarissa Pimentel de Souza
Taciana de Andrade Schuler

O QUE É? autoimunes têm risco aumentado para


Deficiência na produção e/ou ação dos tireoidite autoimune e hipotireoidismo,
hormônios tireoidianos (HT). como síndrome de Down, síndrome de
Turner, diabetes mellitus tipo 1 e doença
COMO É CLASSIFICADO? celíaca.
a) Quanto ao nível da lesão:
• Hipotireoidismo primário (acometi- COMO DIAGNOSTICAR?
mento da tireoide);
• Hipotireoidismo central (acometi- Quadro Clínico
mento hipotalâmico ou hipofisário). O quadro clínico depende do grau e do
b) Quanto à época de aparecimento: tempo de duração da deficiência.
• Hipotireoidismo congênito (HC):
apa­recimento no período neonatal Hipotireoidismo congênito:
(Quadro 1); Apenas 10% a 15% dos RNs com HC apre-
• Hipotireoidismo adquirido (HA): apa- sentam sintomatologia ao nascimento,
recimento tardio (Quadro 2). portanto, o teste de triagem neonatal é
indispensável para o início precoce da
QUAIS SÃO AS SUAS CAUSAS? reposição hormonal.
A causa mais comum de hipotiroidismo Os sinais mais precoces são: cresci-
em crianças é a tireoidite autoimune, mento estatural insuficiente, já no pri-
também conhecida como Tireoidite de meiro mês de vida, e icterícia prolonga-
Hashimoto. Crianças com alguns distúr- da (principalmente hiperbilirrubinemia
bios cromossômicos ou outras doenças não conjugada). Os sinais a seguir podem
SEÇÃO 5 332

Quadro 1. Causas do hipotireoidismo congênito

Hipotireoidismo congênito

Medicamentos na gestação (amiodarona, Disgenesias da tireoide (agenesia, ectopia


propiltiouracil, metimazol e iodeto) e hipoplasia)

Passagem de anticorpos maternos (mãe com Disormonogênese (defeitos na síntese, secreção,


doença tireoidiana autoimune) transporte ou metabolismo dos HT)

Hipotireoidismo central (lesões que acometem


Resistência ao TSH
a hipófise ou o hipotálamo)

Carência de iodo Resistência aos HT

Fonte: Autoras.

Quadro 2. Causas do hipotireoidismo adquirido

Hipotireoidismo adquirido

Tireoidite autoimune (Tireoidite de Hipotireoidismo central (lesões que acometem


Hashimoto) – causa mais comum a hipófise ou o hipotálamo)

Hipotiroidismo congênito de início tardio – síndromes


Tireoidite granulomatosa subaguda
de DiGeorge e Prader-Willi

Bócio endêmico (carência de iodo) Resistência aos hormônios tireoidianos

Hemangioma (aumento de atividade da deiodinase


Excesso de iodo (drogas como amiodarona)
tipo 3, que transforma T4 em T3 reverso e T3 em T2)

Dano à tireoide (pós-cirurgia, radioterapia


Uso de fármacos antitireoidianos
e iodoterapia, e doenças infiltrativas)

Fonte: Autoras.

estar presentes, mas costumam ser tar- sintomas são: letargia, hipoatividade,
dios: letargia, choro rouco, problemas na intolerância ao frio, pele seca, cabelos
alimentação, muitas vezes precisando quebradiços, constipação intestinal, ede­
ser acordado para mamar, constipação, ma facial, dores musculares e ganho de
edema, fácies grosseira, macroglossia, peso por retenção líquida.
hérnia umbilical, fontanelas amplas, hi- Se houver doença hipotalâmica ou
potonia, pele seca e hipotermia. hipofisária podem estar presentes ce-
faleia, distúrbios visuais e sintomas ou
Hipotireoidismo adquirido: sinais de outras deficiências hipofisárias.
Nas crianças e nos adolescentes, os prin- Achados no exame físico: bócio,
cipais sinais e sintomas são: baixa velo- baixa estatura, excesso de peso, bra-
cidade de crescimento, atraso puberal e dicardia, pseudo-hipertrofia muscular,
declínio do rendimento escolar. Outros reflexos tendíneos lentos. Pode ocorrer
Hipotireoidismo em crianças 333

ausculta típica de derrame pleural ou d) Outras anormalidades laboratori­ais:


pericárdico. dislipidemia (hipertrigliceridemia
Raramente pode ocorrer puberdade e diminuição do HDL), anemia ma-
precoce periférica no hipotiroidismo crocítica ou normocítica, hipona-
de longa duração. É a única forma de tremia (rara) e, raramente, miopa-
puberdade precoce associada à baixa tia com CPK elevada – síndrome de
velocidade de crescimento e ao atraso Kocher-Debré-Semelaigne.
na idade óssea. Apresentam cistos ova- e) USG de tireoide: avaliação anatômi-
rianos volumosos. ca e textural da glândula.
f) Avaliação cardiológica: antes de ini-
Diagnóstico ciar o tratamento nos pacientes que
a) Teste de triagem neonatal: deve ser apresentam hipotireoidismo prolon-
colhido preferencialmente entre 48 gado, para afastar e/ou monitorizar
e 72 horas de vida. A dosagem deve derrame pericárdico.
ser conjunta de TSH e T4, para in-
clusão dos casos de hipotireoidismo COMO TRATAR?
central. Se o teste de triagem neo- Os casos de hipotireoidismo congênito
natal estiver alterado deve-se dosar devem ser contactados rapidamente, a
TSH e T4 livre plasmático para a con- fim de iniciar precocemente a reposição
firmação do diagnóstico. com levotiroxina sódica.
b) TSH e T4 livre: as principais altera- Levotiroxina, via oral, 1 vez ao dia,
ções encontradas estão descritas no em jejum, 30 min antes do café da ma-
Quadro 3: nhã. A dose varia com a faixa etária e
c) Anticorpos anti-tireoglobulina (ATG) o peso.
e anti-tireoperoxidase (ATPO): de- • RN: 10 a 15 mcg/kg;
vem ser dosados nos casos de HA • 1 a 3 anos: 4 a 6 mcg/kg;
para a confirmação de tireoidite au- • 3 a 10 anos: 3 a 5 mcg/kg;
toimune, principal causa de HA. • 10 a 16 anos: 2 a 4 mcg/kg.

Quadro 3. Principais alterações no diagnóstico

Diagnóstico TSH T4 livre

Hipotireoidismo primário Elevado Diminuído

Hipotireoidismo subclínico Elevado Normal

Hipotireoidismo central Normal ou diminuído Diminuído

Fonte: Autoras.
SEÇÃO 5 334

Tratamento do hipotiroidismo subclí- Monitorização


nico: a decisão de tratamento depende Hipotiroidismo congênito: dosar TSH e
do grau de elevação do TSH. Se o TSH > T4 livre após 2 semanas do início do tra-
10 U/ml, há consenso em tratar, baseado tamento e a cada 2 semanas até o TSH
em opinião de experts. Se o TSH entre 6 normalizar. Mensalmente, nos primeiros
e 10 U/ml, há controvérsias e, a maioria 12 meses de vida. A cada 1 a 3 meses en-
dos autores, trata pacientes com outras tre os 12 e 36 meses de vida. E, então, a
características associadas, como bócio, cada 6 a 12 meses, até o término do cres-
baixa velocidade de crescimento ou cimento linear.
presença de anticorpos anti-tireoidia- Hipotireoidismo adquirido: dosar TSH
nos ou complicação metabólica, como e T4 livre, de 6 a 8 semanas após o iní­cio
dislipidemia. da terapia e, então, a cada 6 a 12 meses.

REFERÊNCIAS
HANLEY, P.; LORD, K.; BAUER, A. J. Thyroid E.; NEW, M.; PERREAULT, L.; PURNELL, J.; REBAR,
Disorders in Children and Adolescents: a re- R.; SINGER, F.; TRENCE, D. L.; VINIK, A.; WILSON,
view. JAMA Pediatr, v. 170, n. 10, p. 1.008-1019, D. P. (editors). Endotext [Internet]. South
Oct. 2016. Dartmouth (MA), Inc.; 2019. Disponível em:
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK27
LEUNG, A. K. C.; LEUNG, A. A. C. Evaluation and
9004/. Acesso em: 22 dez. 2021.
management of the child with hypothyroid-
ism. World J. Pediatr, v. 15, n. 2, p. 124-134, 2019. UNAL, E.; AKIN, A.; YILDIRIM, R.; DEMIR, V.;
YILDIZİ, H. Y. K. Association of Subclinical
MINELLI, R.; GAIANI, F.; KAYALI, S.; DI MARIO, Hypothyroidism with Dyslipidemia and In­
F.; FORNAROLI, F.; LEANDRO, G.; NOUVENNE, creased Carotid Intima-Media Thickness in
A. VINCENZI, F.; ANGELIS DE, A. G. L. Thyroid Children. J Clin Res Pediatr Endocrinol, v. 9, n.
and celiac disease in pediatric age: a litera- 2, p. 144, 2017.
ture review. Acta Biomed, v. 89, n. 9-S, p. 11-16,
Dec. 2018. VIGONE, M. C.; CAPALBO, D.; WEBER, G.;
SALERNO, M. J. Mild Hypothyroidism in
SALERNO, M.; IMPRODA, N.; CAPALBO, D. Childhood: Who, When, and How Should Be
Subclinical hypothyroidism in children. Eur J Treated? Endocr Soc, v. 2, n. 9, p. 1.024-1039,
Endocrinol, v. 183, n. 2, p. R13-R28, 2020. Jul. 2018.

SEGNI, M. Congenital Hypothyroidism. In: ZHANG, H.; GENG, N.; WANG, Y.; TIAN, W.;
FEINGOLD, K. R; ANAWALT, B.; BOYCE, A.; XUE, F. Van Wyk and Grumbach syndrome:
CHROUSOS, G.; DUNGAN, K.; GROSSMAN, A.; two case reports and review of the published
HERSHMAN, J. M.; KALTSAS, G.; KOCH, C.; KOPP, work. J Obstet Gynaecol Res, v. 40, n. 2, p. 607-
P.; KORBONITS, M.; MCLACHLAN, R.; MORLEY, J. 10, 2014.
C AAPÍTULO
PÍTULO x3

Hipertiroidismo em crianças

Ana Hermínia de Azevedo Ferreira


Bárbara Guiomar Sales Gomes da Silva
Gabriela Corrêa Lima Pereira
Jacqueline Araújo
Taciana de Andrade Schuler

O QUE É? associadas a esses distúrbios, incluin-


Síndrome heterogênea causada por ex- do doença celíaca, diabetes tipo 1 e as
cesso na produção de hormônios tire­
- síndromes de Turner, Down e DiGeorge,
oidianos. e em crianças com história familiar de
doenças autoimunes.
COMO É CLASSIFICADO? Fetos e neonatos nascidos de mães
Quanto ao nível da lesão: com doença de Graves estão em risco de
• Hipertireoidismo primário (produção hipertiroidismo transitório, devido à pas-
aumentada de T3 e T4 pela tire­oide); sagem de anticorpos estimuladores do
• Hipertireoidismo central (produção receptor de TSH (TRAb), que estimulam
aumentada de TSH). a tireoide fetal. A síndrome de McCune-
Albright e as mutações de ganho de fun-
QUAIS SÃO AS SUAS CAUSAS? ção do gene do receptor de TSH são me-
A doença de Graves é a causa mais co- nos frequentes e causam hipertiroidismo
mum de hipertireoidismo em crianças. permanente.
É causada por autoanticorpos que se Adenomas com secreção autônoma
ligam ao receptor de tireotropina (TSHR- de hormônios tireoidianos, devido a mu-
Ab), estimulando o crescimento da ti- tações somáticas do gene receptor do TSH
reoide e a superprodução do hormônio são excepcionais. Outras causas incluem
tireoidiano. A frequência de doença de tireoidite aguda ou subaguda, tireoidite
Graves é maior em crianças com outras crônica, administração aguda ou crôni-
doenças autoimunes ou com condições ca de hormônios tireoidianos ou de iodo,
SEÇÃO 5 336

Quadro 1. Causas do hipertiroidismo

Tireotoxicose

Mutações ativadoras do gene do receptor de TSH


Doença de Graves
ou do gene da proteína Gsα (McCune-Albright)

Hipertiroidismo neonatal autoimune (passagem de


Adenoma tóxico
anticorpos maternos – TRAb – através da placenta)

Tireoidite subaguda ou linfocítica crônica


Adenoma hipofisário produtor de TSH
(Hashimoto)

Tireotoxicose factícia (ingestão de hormônios


Resistência hipofisária aos HT
tireoidianos acidental ou iatrogênica)

Hipertireoidismo induzido por iodo Bócio multinodular tóxico

Fonte: Autoras.

tumores secretores de TSH e resistência Diagnóstico


hipofisária aos hormônios tireoidianos a) TSH, T4 livre e T3: as principais al-
(Quadro 1). terações encontradas estão descritas
no Quadro 2.
COMO DIAGNOSTICAR?
b) TRAb elevado é específico para a
Quadro clínico doença de Graves.
Mudanças no comportamento, fadiga, c) USG de tireoide: glândula aumen-
sudorese excessiva, irritabilidade, labili- tada de volume difusamente, mas
dade emocional, prejuízo na concentra- pode ser de tamanho normal em
ção, nervosismo, tremores e palpitações. alguns pacientes. Pode demonstrar
Podem ocorrer insônia, aumento de nódulo em casos de adenoma tó-
apetite sem ganho de peso ou até com ­xico.
perda de peso e diarreia. d) Cintilografia da tireoide com iodo
Na doença de Graves observa-se bó- ou tecnécio: captação elevada em
cio, além de anormalidades oftalmológi- pacientes com doença de Graves e
cas, como proptose e retração palpebral. reduzida, em casos de tireoidite des-
Exoftalmia é rara em crianças. Pode ha- trutiva. Captação apenas no nódulo,
ver, ainda, aumento de pressão arterial, em casos de adenoma tóxico.
taquicardia, sopro precordial e aumen- e) Anti-TPO e anti-TG positivos suge-
to na velocidade de crescimento com rem doença autoimune, causando
avanço de idade óssea. hipertiroidismo.
Hipertiroidismo em crianças 337

Quadro 2. Principais alterações no diagnóstico

Diagnóstico TSH T4 livre e T3

Hipertireoidismo primário Suprimido Aumentados

Hipertireoidismo subclínico Diminuído Normais

Hipertireoidismo central Normal ou aumentado Aumentados

Fonte: Autoras.

COMO TRATAR? A administração de betabloqueado-


Drogas anti-tireoidianas de síntese são res (contraindicado em asmáticos e car-
tratamento de primeira linha em cri­ diopatas) nas primeiras semanas de tra-
anças e adolescentes. A droga de es- tamento, ajuda a minimizar os sintomas.
colha é o Metimazol. O propiltiouracil Nos casos de baixa aderência ao tra-
não deve ser usado em crianças, devido tamento, falta de controle da doença
a maior incidência de efeitos adversos ou efeitos adversos à medicação, pode-
graves. -se lançar mão de terapias alternativas,
Dose de Metimazol: 0,2 a 0,8 mg/kg/ como ablação da glândula com iodo ra-
dia (máximo de 30 mg/dia). dioativo ou tireoidectomia.

REFERÊNCIAS
DE LUCA, F.; VALENZISE, M. Controversies in dren. Ann. Endocrinol. (Paris), v. 79, n. 6, p.
the pharmacological treatment of Graves’ dis- 647-655, Dec. 2018.
­ease in children. Expert Rev Clin Pharmacol, v. SEGNI, M. Neonatal Hyperthyroidism. In:
11, n. 11, p. 1.113-112, Nov. 2018. FEINGOLD, K. R; ANAWALT, B.; BOYCE, A.;
CHROUSOS, G.; DUNGAN, K.; GROSSMAN, A.;
HANLEY, P.; LORD, K.; BAUER, A. J. Thyroid
HERSHMAN, J. M.; KALTSAS, G.; KOCH, C.; KOPP,
Disorders in Children and Adolescents: a re-
P.; KORBONITS, M.; MCLACHLAN, R.; MORLEY, J.
view. JAMA Pediatr, v. 170, n. 10, p. 1008-1019,
E.; NEW, M.; PERREAULT, L.; PURNELL, J.; REBAR,
Oct. 2016. R.; SINGER, F.; TRENCE, D. L.; VINIK, A.; WILSON,
D. P. (editors). Endotext [Internet]. South
LEGEL, J.; CAREL, J. C. Diagnosis and manage-
Dartmouth (MA): MDText.com, Inc.; 2019.
ment of Hyperthyroidism from prenatal life
Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/
to adolescence. Best Pract Res Clin Endocrinol
books/NBK279004/. Acesso em: 22 dez. 2021.
Metab, v. 32, n. 4, p. 373-38, 2018.
SRINIVASAN, S.; MISRA, M. Hyperthyroidism
LÉGER, J.; OLIVER, I.; RODRIGUES, D.; LAM­ in children. Pediatr Rev, v. 36, n. 6, p. 239-48,
BERT, A. S. Coutant R. Graves’ disease in chil­- Jun. 2015.
C APÍTULO 4

Baixa estatura

Ana Hermínia de Azevedo Ferreira


Bárbara Guiomar Sales Gomes da Silva
Jacqueline Araújo
Klarissa Pimentel de Souza
Taciana de Andrade Schuler

INTRODUÇÃO • Mudança da linha de crescimento


O crescimento é um processo dinâmico, para percentis menores após uma
de natureza multifatorial e complexa. A idade de 24 meses.
baixa estatura tem prevalência estima-
da de 3% a 5% e constitui uma das quei- QUAIS SÃO AS CAUSAS
xas mais frequentes na endocrinologia DA BAIXA ESTATURA?
pediátrica. A maioria das crianças avaliadas tem
Considera-se baixa estatura (BE) baixa estatura idiopática (BEI) ou uma
quando o paciente apresenta: variante do normal: baixa estatura fa-
• Estatura igual ou menor que -2 des- miliar (BEF) ou retardo constitucional
vios-padrão (DP) em relação à média do crescimento e puberdade (RCCP) ou,
da população; e/ou ainda, a associação de ambas.
• Estatura abaixo de -1,5 DP da mé- A baixa estatura familiar caracteriza-
dia de altura dos pais (estatura alvo -se por estatura abaixo de -2 DP, porém
genética). dentro do padrão familiar, maturação
óssea compatível com idade cronológi-
No entanto, também merecem in- ca, início normal da puberdade e velo-
vestigação os pacientes com velocidade cidade de crescimento (VC) normal. O
de crescimento baixa: RCCP caracteriza-se por início tardio da
• Velocidade de crescimento (VC) in- puberdade, com consequente demora
ferior ao percentil 3 por mais de 6 no início do estirão puberal, idade óssea
meses ou menor do que o percentil atrasada e VC normal ou abaixo do P25.
25 (P25) por 2 anos ou mais; Embora sejam consideradas variantes
Hipertiroidismo em crianças 339

normais do crescimento, tais pacientes ao nascimento, proporções corporais


devem ser avaliados com cautela, pois normais, sem evidências de doenças
podem necessitar de tratamento com orgânicas, sem alterações psicossociais
hormônio do crescimento (GH – Growth e com nutrição adequada. A velocidade
Hormone). A VC normal é o dado mais de crescimento na BEI pode ser normal
importante para diferenciar as varian- ou baixa.
tes normais do crescimento (BEF e RCCP), Entre as doenças que cursam com
das causas em que há doença orgânica. baixa estatura, a maioria não tem ori-
A BEI é uma condição heterogênea gem endocrinológica. Frequentemente,
na qual não se consegue identificar a a baixa estatura é consequência de doen-
causa evidente para a BE. O diagnóstico ças crônicas (desnutrição, doenças gas-
de BEI deve ser aplicado a crianças com trointestinais, respiratórias, renais, he-
estatura abaixo de -2 DP para o sexo e matológicas, cardiopatias, hepatopatias
a idade, com tamanho e peso normais e uso crônico de corticoides) (Quadro 1).

Quadro 1. Causas de baixa estatura

Causas não endócrinas de baixa estatura Causas endócrinas de baixa estatura

Variantes do crescimento normal: • Hipotiroidismo primário


• Retardo constitucional do crescimento e puberdade • Síndrome de Cushing
• Baixa estatura familiar • Deficiência de hormônio do crescimento
• Raquitismo
Doenças crônicas: • Diabetes mellitus tipo 1 (mal controlado)
• Desnutrição • Diabetes insípido (não tratado)
• Doenças renais (rins hipoplásicos, nefrite crônica e • Puberdade precoce (não tratada)
tubulopatias)
• Doenças cardíacas (cardiopatias congênitas e
insuficiência cardíaca congestiva)
• Doenças hematológicas (anemias)
• Doenças gastrointestinais (doença celíaca, fibrose
cística e doença inflamatória intestinal)
• Doenças respiratórias (asma e fibrose cística)
• Distúrbios imunológicos (artrite reumatoide juvenil,
doenças do tecido conjuntivo e infecções crônicas)

Doenças congênitas:
• Retardo do crescimento intrauterino/RN Pequeno
para a Idade Gestacional (PIG)
• Síndromes genéticas (síndrome de Down, síndrome
de Turner, síndrome de Noonan, síndrome de Silver-
Russell, entre outras)
• Displasias esqueléticas

Baixa estatura idiopática

Baixa estatura psicossocial

Fonte: Autoras.
SEÇÃO 5 340

COMO DIAGNOSTICAR? Até os 2 anos de idade, a estatura de-


História clínica ve ser aferida com a criança deitada; a
• Antecedentes pré-natais: uso de dro- partir de então, na posição supina (em
gas, álcool, tabagismo, infecções ou pé). Deve-se usar escala fixa, de material
outras doenças na gestação; não deformável. O valor obtido deve ser
• Eventos perinatais: tipo de parto, comparado com um padrão populacio-
posição fetal e Apgar; nal. Em nosso serviço de endocrinologia
• Peso e comprimento ao nascer; pediátrica, utilizamos os gráficos da
• História de crescimento (medidas OMS para crianças menores de 5 anos
an­teriores) e desenvolvimento (neu­ (recomendados, pois incluem crianças
ro­psicomotor, dentário, puberal) da brasileiras, na amostra). Para crianças
criança; maiores de 5 anos, utilizamos o gráfico
• Antecedentes infecciosos, neuroló- do NCHS 2000.
gicos e cirúrgicos, bem como trau- É também necessário comparar os
mas cra­nioencefálicos e exposição à dados obtidos com o padrão familiar.
radiação; Para isso, pode-se calcular a estatura al-
• Presença de doenças crônicas e/ou vo (Quadro 2) ou, de forma mais simples,
uso de medicações; plotar a estatura dos pais no gráfico
• Altura dos pais e irmãos, e histórico (nos meninos acrescentar 13 à estatura
de crescimento e puberdade dos pais; materna; nas meninas subtrair 13 da es-
• História de consanguinidade entre tatura paterna), a média obtida ± 5 nos
os pais; fornece a estatura alvo.
• Status psicossocial. Quadro 2. Cálculo da estatura alvo

Exame físico Estatura alvo:


• Antropometria (altura, peso, perí- Meninas = (altura do pai - 13) + altura da mãe ± 5
2
metro cefálico, torácico e abdomi-
Meninos = altura do pai + (altura da mãe + 13) ± 5
nal, envergadura, relação altura sen­- 2
tado/altura;
Fonte: Autoras.
• Exame clínico detalhado;
• Estadiamento puberal (Tanner).
Exames complementares
Aferição da Altura e Estatura Alvo Inicialmente, deve ser feita a avaliação
A avaliação do crescimento é feita através radiológica de idade óssea (usualmente
de mensurações seriadas, de preferência pelo método de Greulich-Pyle) por meio
por períodos não inferiores a seis meses. de radiografia de mãos e punhos.
Hipertiroidismo em crianças 341

Os exames laboratoriais podem ser de GH ou quando é confirmada por


solicitados de acordo com a suspeita testes);
clínica: • RX de esqueleto (avaliar displasias
• Hemograma completo; ósseas).
• Perfil eletrolítico;
• Perfil bioquímico (cálcio, fósforo, fos- COMO TRATAR?
fatase alcalina, ureia e creatinina); O tratamento deve ser direcionado para
• TSH e T4 livre; a doença de base. Na BE psicossocial, as
• Urina tipo 1. crianças voltam a crescer normalmente
quando o problema é solucionado ou
Exames mais específicos podem quando são retiradas do ambiente hostil.
ser solicitados conforme a necessidade,
de acordo com a hipótese diagnóstica BEF
formulada, após avaliação clínica e/ou Geralmente não há indicação formal de
seguimento): tratamento, deve-se tranquilizar a famí-
• IGF-I, IGFBP-3 (na suspeita de defi- lia e explicar a condição de normalidade.
ciência de GH – DGH); Em alguns casos a previsão da altura fi-
• Anticorpos anti-transglutaminase e nal é muito baixa e o uso do GH poderá
anti-endomísio (suspeita de doença trazer benefício, devendo ser prescrito
celíaca); após discussão com a família e o pacien-
• Calprotectina fecal (na suspeita de te. Lembrar que baixa estatura em um ou
doenças intestinais inflamatórias); em ambos os pais pode ser uma doença
• Cortisol (suspeita de hipercor­
tiso­
- não diagnosticada previamente, não tra-
lismo); tada e que foi transmitida geneticamente.
• Cariótipo (meninas com baixa es-
tatura sem causa aparente ou com RCCP
estigmas sugestivos de síndrome de Em alguns casos com repercussão psico-
Turner); lógica, o uso de esteroides sexuais pode
• Testes de estímulo para GH (suspei- estimular o início do estirão puberal. A
ta de deficiência de GH). Neste caso, estatura final costuma ser normal, po-
são necessários dois testes para con- rém frequentemente abaixo do padrão
firmação do diagnóstico, sendo os familiar. Em casos com prognóstico de
mais utilizados: teste da clonidina e BE importante há indicação de trata-
ITT (teste de tolerância à insulina); mento com GH.
• Ressonância magnética de crânio e Para as condições listadas no Qua­
sela túrcica (suspeita de deficiência dro 3, utilizamos o hormônio de cresci-
SEÇÃO 5 342

mento (somatropina), que é um hormô- Hipertensão intracraniana benigna e


nio sintético. O diagnóstico precoce e o epifisiólise são ainda mais raros.
início imediato do medicamento con- No estado de Pernambuco, o hormô­
tribuem para um bom prognóstico. A nio de crescimento é fornecido gratuita-
dose inicial do GH varia de acordo com mente pela secretaria de saúde em ape­nas
a doença de base e deve ser ajustada, duas situações: deficiência do hormô­
-
durante o tratamento de acordo com o nio de crescimento e síndrome de Turner.
peso do paciente e exames laboratoriais.
Quadro 3. Indicações para uso terapêutico de
A medicação é aplicada por via subcutâ- GH aprovadas pela Anvisa no Brasil
nea, uma vez ao dia, à noite.
• Deficiência de GH;
É uma droga segura e, geralmente,
• Síndrome de Turner;
não há necessidade de sua suspensão • Insuficiência renal crônica;
• Síndrome de Prader-Willi;
devido a efeitos colaterais. Raramente • Pequeno para a idade gestacional (PIG);
podem ocorrer: hiperglicemia e gine- • Baixa estatura idiopática;
• Síndrome de Noonan.
comastia transitórias, artralgias, ede­
ma, progressão de escoliose e cefaleia. Fonte: Autoras.

REFERÊNCIAS
ARAÚJO, A. et al. Investigação da criança com KOCHI, C.; LONGUI, C. A. Critérios de Ava­
baixa estatura. In: VILAR, L. Endocrinologia liação do Crescimento Normal. In: MONTE,
Clínica, 6ª ed. Rio de Janeiro: GUANABARA O. Endocrinologia para o Pediatra, 3ª ed. São
KOOGAN, 2016, p. 175-194. Paulo: Atheneu, 2009. p. 31-60.

BOGUSZEWSKI, C. L.; BOGUSZEWSKI, M. C. S. KOCHI, C.; LONGUI, C. A. Crescimento


Usos e abusos do hormônio de crescimento. Deficiente e Uso Terapêutico do Hormônio do
In: VILAR, L. Endocrinologia Clínica, 4ª ed. Crescimento. In: MONTE, O. Endocrinologia
Rio de Janeiro: MEDSI, 2009. p. 203-212. para o Pediatra, 3ª ed. São Paulo: Atheneu,
2009, p. 61-76.
KARGER, S.; A. G. BASEL. Guidelines for Growth
Hormone and Insulin-Like Growth Factor-I SETIAN, N. Crescimento: abordagem da cri-
Treatment in Children and Adolescents: ança com baixa estatura. In: CHVARTSMAN,
Growth Hormone Deficiency, Idiopathic Short B. G. S.; JÚNIOR, P. T. M. Endocrinologia na
Stature, and Primary Insulin-Like Growth Prática Pediátrica, 3ª ed. São Paulo: Manole,
Factor-I Deficiency Hormone Research In 2016, p. 49-56.
Pediatrics, 2016.
C APÍTULO
A PÍTULO 4x

Puberdade precoce e atraso puberal

Ana Hermínia de Azevedo Ferreira


Bárbara Guiomar Sales Gomes da Silva
Bárbara Larissa Coelho de Oliveira Vasconcelos
Jacqueline Araújo
Taciana de Andrade Schuler

O QUE É PUBERDADE PRECOCE? Adrenarca Precoce Isolada: consiste no


Classicamente, a puberdade precoce aparecimento de pelos pubianos e/
(PP) é definida como o aparecimento ou axilares na ausência de qualquer
de caracteres sexuais secundários antes outro sinal de puberdade ou viriliza-
dos 8 anos nas meninas e antes dos 9 ção. Pode haver aceleração da VC e
anos nos meninos. avanço na IO, porém sem compro-
metimento da progressão da puber-
QUAIS AS CAUSAS DA PUBERDADE dade e da estatura final.
PRECOCE? Menarca precoce isolada: sangramen-
to vaginal isolado antes dos 8 anos
Variantes normais do
de idade, sem outros sinais puberais
desenvolvimento puberal
presentes e sem anormalidades dos
Telarca Precoce Isolada: desenvolvimen-
genitais. Raramente, as meninas po-
to mamário uni ou bilateral em me-
dem menstruar precocemente, sem
ninas na ausência de outros sinais de
apresentar outros sinais de efeito
maturação sexual. A velocidade de
estrogênico.
crescimento (VC) e a idade óssea (IO)
estão compatíveis com a idade crono- Puberdade Precoce Central
lógica (IC). É autolimitada, sem reper- (PPC), verdadeira, completa, ou
cussões na estatura final. Representa dependente de gonadotrofinas
o principal diagnóstico diferencial Causada por ativação precoce do eixo
com puberdade precoce central. Hipotálamo-Hipófise-Gonadal (HHG). Os
SEÇÃO 5 344

sinais iniciais mais comuns são aumen- da fonte de esteroides sexuais, o que
to do desenvolvimento mamário em me- causa a ativação do eixo HHG previa-
ninas e aumento do volume testicular mente estimulado.
(> 3 ml) em meninos. Nesses pacientes, o Disruptores endócrinos: são agentes e
desenvolvimento das características se- substâncias químicas que promo-
xuais secundárias é sempre correspon- vem alterações no sistema endócri-
dente ao gênero do paciente (isossexual) no humano. Podem ser encontrados
e mimetiza o desenvolvimento sexual no meio ambiente, no solo, na água,
normal, porém em idade mais precoce. nos alimentos e nos utensílios, den-
Ocorre com maior frequência em me- tre outros. Os exemplos mais comuns
ninas e o prejuízo mais significativo é a são pesticidas, herbicidas, fungici-
perda estatural com redução da altura das, bisfenol-A, chumbo e mercúrio.
final, além de repercussões psicológicas.
Puberdade precoce periférica (PPP),
Causas mais comuns de PPC pseudopuberdade incompleta ou
Idiopática: corresponde a 90% dos ca- independente de gonadotrofinas
sos de PPC em meninas e menos de Causada pela secreção autônoma de
50% dos casos de PPC em meninos. esteroides sexuais (andrógenos ou es-
Atualmente foram identificadas mu- trógenos), provenientes das gônadas
tações em alguns genes, que justifi- (testículos ou ovários), das suprarrenais,
cam o processo. ou pela exposição exógena a esteroides
Constitucional: predisposição familiar sexuais. Nesses pacientes, o desenvol-
para o início prematuro da puberda- vimento das características sexuais se-
de. Mutações em alguns genes expli- cundárias pode ser compatível com o
cam o quadro familiar. gênero da criança (isossexual) ou não
Distúrbios do SNC: qualquer distúrbio (heterossexual).
intracraniano pode causar PPC, seja Causas de PPP isossexual em meninas:
congênito (hidrocefalia, cistos arac- o cisto folicular funcional ovariano é
noides, cisto da bolsa de Rathke, ru- a causa mais comum de precocidade
béola, toxoplasmose, hamartomas periférica em meninas. As pacien-
etc.) ou adquirido (TCE, doenças tes afetadas costumam apresentar
gra­nulomatosas ou infecciosas, sín- desenvolvimento mamário, seguido
dromes convulsivas, tumores do SNC, de um episódio de sangramento va-
anóxia perinatal e radioterapia). ginal, que ocorre devido à queda do
Exposição prolongada a esteroides se- estrogênio após a regressão do cisto.
xuais: a PPC ocorre após a retirada Outras causas: exposição a estrógenos
Puberdade precoce e atraso puberal 345

exógenos e, menos comumente, hi- materna e a idade de início da pu-


potiroidismo primário prolongado, berdade paterna;
tumores ovarianos, neoplasias adre- • Uso de medicamentos e exposição a
nais produtoras de estrogênios e sín- esteroides sexuais;
drome de McCune-Albright. • Antecedentes de traumas, infecções
Causas de PPP heterossexual em meni- do SNC e história familiar são infor-
nas: hiperplasia adrenal congênita mações úteis;
(HAC) por deficiência da 21-hidroxi- • Altura dos pais e irmãos.
lase (causa mais frequente), tumores
adrenais e ovarianos virilizantes e Exame físico
causas iatrogênicas (exposição a an- • Medidas antropométricas (peso, es­
drógenos exógenos). ta­­tu­ra, IMC e velocidade de cresci­­­-
Causas de PPP isossexual em meninos: mento);
HAC por deficiência da 21-hidroxi- • Estadiamento puberal (Tanner), in-
lase (causa mais comum), tumores cluindo medidas dos testículos e do
adrenais virilizantes (segunda causa tamanho peniano;
mais frequente), tumores testicu- • Outros sinais: presença de acne, oleo-
lares, tumores produtores de hCG, sidade excessiva da pele e do cabelo,
síndrome de McCune-Albright, hi- pelos axilares, odor corporal, desen-
potiroidismo primário, testotoxicose volvimento muscular, manchas “café
familiar e exposição a andrógenos. com leite”, massas abdominais, pélvi-
Causas de PPP heterossexual em meni- cas e testiculares;
nos: tumores adrenais feminilizan- • Avaliação de sinais sugestivos de sín­­
tes, tumores testiculares feminili­zan­ dro­mes genéticas ou doenças crônicas.
tes, exposição a estrógenos exó­ge­nos
(iatrogênica). Dosagens hormonais
Deverão ser solicitadas de acordo com a
COMO INVESTIGAR A PUBERDADE suspeita clínica.
PRECOCE?
• Na maioria das vezes, dosagens ba-
Anamnese sais são suficientes para a conclu-
• Idade de início e ritmo de evolução são dia­
gnóstica (LH, FSH, estradiol
dos caracteres sexuais; e tes­
tos­
terona). Na PPC, as gona-
• Aumento da velocidade de cresci- dotrofinas esta­rão elevadas e na PPP
mento (avaliar medidas anteriores); estarão suprimidas;
• História familiar de puberdade pre- • Teste de estímulo com GnRH: reserva-
coce; identificar a idade da menarca do para os casos em que há suspeita
SEÇÃO 5 346

clínica de PPC, mas o exame basal O bloqueio da puberdade central é


de LH ainda encontra-se em níveis feito com análogos do GnRH, que
pré-puberais, a fim de confirmar o causam estímulo inicial de poucos
diagnóstico; dias, seguido de supressão mantida
• Outros exames hormonais que po- da secreção de gonadotrofinas. Em
dem ser úteis na avaliação etiológi- caso de tumores, tratar a causa base.
ca: 17OHP, DHEA, DHEA-S, androste- Pseudopuberdade Precoce Periférica:
nediona, hCG, α-feto-proteína, TSH, tratar a causa base.
T4L, cortisol, ACTH e teste do ACTH
agudo. O QUE É ATRASO PUBERAL?
Em meninas, é definido pela ausência
Exames de imagem de desenvolvimento mamário após os 13
• USG pélvica: permite avaliar pro- anos ou pela ausência de menarca (ame-
porções e morfologia do útero e dos norreia primária) após os 15 anos. Em
ovários, e a presença de cistos ou tu- meninos, é definido pela ausência de
mores ovarianos; aumento do volume testicular (< 4 ml)
• Idade óssea: a radiografia de mãos e após os 14 anos. O atraso puberal tam-
punhos para avaliação da IO encon- bém deve ser avaliado nos pacientes
tra-se avançada na PP, exceto nos que iniciam a puberdade em idade con-
casos de hipotireoidismo primário siderada normal, mas não completam
prolongado; o seu desenvolvimento ou evoluem de
• Ressonância magnética do crânio forma muito lenta.
e sela túrcica são importantes para
determinar a etiologia da PPC; QUAIS SÃO AS CAUSAS
DE ATRASO PUBERAL?
• Outros, de acordo com a suspeita clí-
nica: USG de testículos, radiografia O atraso puberal pode ser classificado,
dos ossos longos, cintilografia óssea, de acordo com os níveis de gonadotro-
tomografia de adrenal, pélvica ou finas (LH e FSH), em:
dos testículos.
Níveis normais ou baixos
COMO TRATAR A PUBERDADE PRECOCE? de gonadotrofinas

Puberdade Precoce Central: o tratamen- Retardo constitucional do crescimento


to tem como objetivo prevenir a e da puberdade (RCCP)
perda estatural, amenizar as reper- Variação da normalidade em que indi-
cussões psicológicas na criança e víduos saudáveis crescem lentamente
na família e o risco de abuso sexual. na infância e entram na puberdade
Puberdade precoce e atraso puberal 347

espontaneamente mais tarde que a mé- isolada do FSH. Novas mutações em


dia da população. Mais comum ocorrer diversos genes vêm, gradativamente,
em meninos e, frequentemente, há his- sendo descritas na literatura;
tória de familiar semelhante. Há baixa • Lesões do SNC: malformações (displa-
estatura associada à velocidade de cres- sia septo-óptica, hidrocefalia, cis­­to
cimento e à idade estatural compatível aracnoide), tumores (craniofaringeo-
com o atraso da idade óssea. ma é o mais frequente), infecções,
doenças infiltrativas, TCE, radiação e
Hipogonadismo hipogonadotrófico ou distúrbios vasculares;
hipogonadismo central • Outras causas: desnutrição, fibrose
É caracterizado por anormalidades do cística, doença de Crohn, diabetes
hipotálamo ou da glândula hipofisária, mellitus descompensado, síndrome
com diminuição da secreção de gonado- de Cushing, Aids, exercícios físicos
trofinas (LH e FSH) e, consequentemen- extenuantes e síndromes genéticas
te, dos esteroides sexuais (testosterona, (síndrome de Prader-Willi, síndrome
estrógeno e progesterona). Apresentam de Laurence-Moon e Bardet-Biedl).
estatura normal ou alta, com proporções
Níveis elevados de gonadotrofinas
eunucoides (com aumento dos membros
em relação ao tronco, em uma relação Hipogonadismo hipergonadotrófico ou
segmento superior/inferior < 0,9 na ida- hipogonadismo primário
de adulta), exceto se houver deficiência Causado por lesões gonadais (ovários ou
de GH associada. testículos), levando à diminuição da pro-
Principais causas: dução de esteroides sexuais (estrógeno
• Hipogonadismo hipogonadotrófico ou testosterona) e aumento compensa-
isolado: mutações no gene do recep- tório da secreção de gonadotrofinas (LH
tor do GnRH; e FSH).
• Síndrome de Kallmann: deficiência Principais causas:
na secreção de GnRH associada à • Distúrbios cromossômicos: síndro-
anosmia ou à hiposmia por defeito me de Turner (causa mais comum
na migração dos neurônios olfató- de disgenesia gonadal em mulheres),
rios e produtores de GnRH da placa sín­drome de Klinefelter (causa mais
olfatória para o hipotálamo; comum no sexo masculino) e síndro-
• Mutações inativadoras dos genes me de Noonan, disgenesias gonadais
das subunidades beta do FSH e do puras 46, XX e 46, XY; entre outras;
LH: síndrome do Eunuco Fértil (de- • Radioterapia e quimioterapia, oofo-
ficiência isolada do LH), deficiência rite autoimune e criptorquidia.
SEÇÃO 5 348

COMO DIAGNOSTICAR Exames gerais para a detecção de


O ATRASO PUBERAL? doenças crônicas (conforme suspei-
Investigação clínica ta clínica): hemograma, glicemia,
ferritina, ureia, creatinina, perfil
Anamnese:
osteometabólico (cálcio, fósforo e
• Alterações do olfato e presença de
fosfatase alcalina), anticorpos para
galactorreia;
doença celíaca (antiendomísio, an-
• Dificuldades escolares e atraso no
titransglutaminase IgA, com níveis
desenvolvimento da linguagem e
séricos de IgA), TSH, T4 livre, IGF-1,
neuropsicomotor;
urina tipo 1 (EAS) e urocultura.
• Antecedentes de doenças crônicas,
Exames de imagem: radiografia de
ocorrência de micropênis e/ou crip-
mãos e punhos para avaliação da
torquidia, orquidopexia, irradiação
ida­de óssea, US pélvica (meninas) e
gonadal ou central;
US de testículos, RNM de sela túrcica
• História familiar de atraso do cresci-
(obri­gatória para todos os casos de
mento e puberdade;
atra­so puberal, nos quais se suspeite
• Consanguinidade entre os pais;
de hipogonadismo hipogonadotrófi-
• Altura dos pais e irmãos.
co) e RNM de crânio (investigar bul-
Exame físico: bos olfatórios na suspeita de síndro-
• Medidas antropométricas (peso, es- me de Kallmann).
tatura, relação segmento superior/
segmento inferior, envergadura); Vale salientar que o diagnóstico di-
• Estadiamento puberal (Tanner); ferencial entre hipogonadismo hipogo-
• Pesquisa de traços dismórficos su- nadotrófico e atraso constitucional de
gestivos de síndromes genéticas; crescimento e puberdade (RCCP) pode
• Exame pediátrico geral (procurar ser difícil e necessitar de um acompa-
doenças crônicas). nhamento prolongado.

Diagnóstico Laboratorial COMO TRATAR O ATRASO PUBERAL?


Exames específicos (conforme suspeita Deve ser direcionado à etiologia do hipo-
clínica): gonadotrofinas (LH e FSH) gonadismo. No RCCP com repercussões
basais e sob estímulo do GnRH, tes- psicológicas importantes ou atraso pro-
tosterona basal e sob estímulo do longado, pode-se fazer terapia hormonal,
hCG (meninos), estradiol (meninas); induzindo o aparecimento de caracteres
DHEA-S (principal marcador de adre- sexuais secundários e o estirão do cresci-
narca), prolactina e cariótipo. mento, com ésteres de testosterona nos
Puberdade precoce e atraso puberal 349

meninos e estrógenos conjugados nas menos provável e reforça a hipótese


meninas. A falta de progressão espontâ- de hipogonadismo hipogonadotrófico.
nea da puberdade após cessar a terapia Neste caso, faz-se necessária a manuten-
hormonal, torna o diagnóstico de RCCP ção da terapêutica hormonal.

REFERÊNCIAS
ALVES, C. A. D. Puberdade Atrasada. In: En­do­ HOWARD S. R. The Genetic Basis of Delayed
crinologia Pediátrica, 1ª ed. São Paulo: Mano­ Puberty. Mol Cell Endocrinol, v. 476, p. 119-
le, 2019, p. 68-88. 128, 2018.

ALVES, C. A. D. Puberdade Precoce. In: Endo­ KLEIN, D. A.; EMERICK, J. E.; SYLVESTER, J. E.;
crinologia Pediátrica, 1ª ed. São Paulo: Ma­no­ VOGT, K. S. Disorders of Puberty: an approach
le, 2019, pp. 47-67. to diagnosis and management. Am Fam
Physician, v. 96, n. 9, p. 590-599, Nov. 2017.
BRADLEY, S. H.; LAWRENCE, N.; STEELE C.;
MOHAMED, Z. Precocious Puberty. BMJ, v. 368, LATRONICO, C. A.; BRITO, N. V.; CAREL, J. C.
p. I6597, Jan. 2020. Causes, diagnosis, and treatment of cen-
tral precocious puberty. Lancet Diabetes
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de
Endocrinol, v. 4, n. 3, p. 265-274, Mar. 2016.
Aten­ção à Saúde. Protocolo Clínico e diretri­zes
terapêuticas da Puberdade Precoce Cen­tral. Mi­ STEINMETZ, L.; ARAGÃO, L. F. F., BRITO, V.
nistério da Saúde, Portaria nº 3, de 8 de junho N.; LATRÔNICO, A. C. Puberdade Precoce.
de 2017. Disponível em: http://portalarquivos2. In: Schvastsman, B. G. S.; Junior, P. T. M.
saude.gov.br/images/pdf/2017/julho/03/PCDT- Endocrinologia na Prática Pediátrica. 3ª ed.
Puberdade-Precoce-Central_08_06_2017.pdf. São Paulo: Manole, 2016, p. 215-226.
Acesso em: 22 dez. 2021.
STEINMETZ, L.; PASSONE, C. G. B.; PAULINO,
CANTON, A. P. M.; SERAPHIM, C. E.; BRITO, V. N.; M. C. R.; MANNA, T. D. Puberdade Atrasada.
LATRONICO, A. C. Pioneering studies on mono­- In: Schvastsman, B. G. S.; Junior, P. T. M.
­genic central precocious puberty. Arch En­do­ Endocrinologia na Prática Pediátrica. 3ª ed.
crinol Metab, v. 63, n. 4, p. 438-444, Aug. 2019. São Paulo: Manole, 2016, p. 227-242.
C APÍTULO 5

Intercorrências na criança
com diabetes: como proceder?

Ana Hermínia de Azevedo Ferreira


Bárbara Guiomar Sales Gomes da Silva
Bárbara Larissa Coelho de Oliveira Vasconcelos
Jacqueline Araújo
Taciana de Andrade Schuler

QUAIS SÃO AS INTERCORRÊNCIAS COMO PROCEDER?


NA CRIANÇA COM DIABETES?
A criança ou o adolescente com diabe- Conduta imediata
tes mellitus tipo 1 (DM1) bem controlado, Realizar glicemia capilar, glicosúria e
não apresenta maior risco de adoecer cetonúria ou acentuar a monitorização
do que as crianças sem diabetes, mas da contínua, caso ela esteja sendo feita.
mesma forma que todas as outras crian- • Se o quadro clínico e o laboratorial
ças, na mesma faixa etária, apresentam forem compatíveis com cetoacidose:
ocasionalmente doenças, como Infecção proceder conforme a pauta de CAD;
de Vias Aéreas Superiores (IVAS), diar- • Se tiver hiperglicemia sem sinais
reias agudas, Otite Média Aguda (OMA) e claros de CAD, manter o paciente
outras doenças infecciosas; também são em observação e manusear a in-
acometidas por doenças alérgicas, trau- sulina (basal e bolus), conforme
mas, se submetem a intervenções cirúrgi- Quadro 1. No basal, podem ser
cas etc. Qualquer uma destas intercorrên- usadas a NPH, glargina (Lantus®)
cias leva a um desafio maior no controle ou degludeca (Tresiba®). No bolus
da glicemia. O objetivo do manuseio ade- podem ser utilizadas as insulinas
quado é evitar a progressão para a cetoa- de ação rápida (insulina regular)
cidose diabética (CAD) ou a hipoglicemia ou análogos de insulina de ação
grave, bem como tratar de maneira ade- rápida [lispro (Humalog®), asparte
quada a doença intercorrente. (Novorapid®) ou glulisina (Apidra®)]
Intercorrências na criança com diabetes: como proceder? 351

ou os análogos de ação ultrarrá- os níveis de glicemia e os sinais de


pida (asparte modificada: FIASP®). desidratação.
Procurar sempre manter os tipos de • Se a glicemia estiver entre 80 e
insulinas que já vem sendo usadas 149 mg/dl: fazer o esquema de basal
pelo paciente; na impossibilidade, e correção habitual do paciente;
usar as que estiverem disponíveis. • Se a glicemia estiver abaixo de
A dose total diária (basal + bolus) 70 mg/dl: proceder conforme pau-
deverá ser ajustada conforme o ta de hipoglicemia na criança com
Quadro 1. Caso o esquema do pa- diabetes;
ciente seja conhecido, a dose deve • Repetir controles inicialmente a
ser aumentada conforme glicemia cada 2 a 3 horas, depois a cada 4
e cetonúria; se for desconhecido horas e repetir a insulina, se for ne-
ou não estiver acessível, calcula-se cessário. Dar alta quando a glicemia
a dose pelo peso. Se não houver estabilizar;
disponibilidade de fitas para afe- • Contactar o médico acompanhante,
rição da cetonúria, seguir apenas se julgar necessário.

Quadro 1. Insulina adicional na hiperglicemia, segundo cetonúria e glicemia capilar

Glicemia capilar
Cetonúria
180-250 mg/dl 251–300 mg/dl > 300 mg/dl

Adicionar 10% à dose do Adicionar 20% à dose


Aplicar basal e bolus bolus ou aplicar 0,1 U/kg do bolus ou aplicar
(0 ou + /-)
habitual do paciente de bolus. Aumentar 10% 0,2 U/kg de bolus.
na basal Aumentar 20% na basal

Adicionar 10% à dose do Adicionar 15% à dose do Adicionar 20% à dose


bolus ou aplicar 0,1 U/kg bolus ou aplicar 0,15 U/kg do bolus ou aplicar
Leve
de bolus. Aumentar 10% de bolus. Aumentar 15% 0,2 UI/kg de bolus.
(+)
na basal na basal Aumentar 20% na basal
Hidratação oral Hidratação oral Hidratação oral

Adicionar 15% à dose Adicionar 20% à dose do Adicionar 20% à dose


do bolus ou aplicar bolus ou aplicar 0,2 U/kg do bolus ou aplicar
Moderada
0,15 U/kg de bolus. de bolus. Aumentar 20% 0,2 U/kg de bolus.
(++)
Aumentar 10% na basal na basal Aumentar 20% na basal
Hidratação oral Hidratação oral Hidratação oral

Adicionar 15% à dose Adicionar 20% à dose Adicionar 20% à dose


do bolus ou aplicar do bolus ou aplicar do bolus ou aplicar
0,15 U/kg de bolus. 0,2 U/kg de bolus. 0,2 U/kg de bolus.
Elevada Aumentar 10% na basal Aumentar 20% na basal. Aumentar 20% na basal
(+++ ou ++++) Hidratação oral Hidratação oral Hidratação oral
Se tiver vômitos, Se tiver vômitos, Se tiver vômitos,
considerar protocolo considerar protocolo considerar protocolo
para CAD para CAD para CAD

Fonte: Autoras.
SEÇÃO 5 352

Conduta de seguimento • Manter-se em repouso, não fazer exer­-


O pediatra deve tratar as condições clí- cício neste período, principalmente
nicas intercorrentes do mesmo modo se a glicemia estiver > 200 mg/dl;
que trataria outro paciente sem diabe- • Monitorizar a glicemia capilar 4 a 6
tes, com algumas recomendações: vezes por dia (antes das principais
Medicamentos: refeições, antes de dormir e antes
• Usar somente quando houver indi- dos lanches);
cação definida; • Fazer em casa dose extra de insulina
• Dar preferência a comprimidos ou de ação rápida ou análogos de ação
cápsulas, e supositórios; rápida ou ultrarrápida (Quadro 1);
• Evitar medicações em xaropes que • Se a glicemia permanecer elevada ou
contenham glicose ou sacarose. em ascensão, ou, ainda, persistirem
Quando não houver alternativa, elas os sintomas, como vômitos e dores
podem ser utilizadas e reforçar o abdominais, levar para o hospital;
controle e a correção da glicemia • Confortar e tranquilizar o pacien-
domiciliar; te e seus pais, pois diminuindo a
• Dar preferência à via inalatória nos ansie­dade haverá uma atitude mais
casos de broncoespasmo, ou bronco- correta e a melhora nos controles gli-
dilatadores sem glicose ou sacarose; cêmicos.
• Evitar o uso de glicorticoides e usar
Lembre-se: a cetoacidose é uma complica-
somente em indicações absolutas.
ção aguda perfeitamente evitável, se os cui-
dados forem reforçados e obedecidos.
REFORÇAR O BOM CONTROLE
GLICÊMICO
As doenças, principalmente as infec- QUANDO INTERNAR O PACIENTE
ciosas, com febre persistente, levam à COM DIABETES?
hiperglicemia. Os quadros de diarreia Esses critérios devem ser aliados a um jul-
podem levar à hipoglicemia. Nas infec- gamento clínico detalhado, a uma avalia-
ções breves, frequentes na infância, ge- ção das condições psicológicas e ao grau
ralmente não há necessidade de modi- de instrução da família e do paciente.
ficação do esquema insulínico. Deve-se,
portanto, recomendar: Complicações agudas relacionadas
• Aplicar a dose habitual de insulina e, ao diabetes, com risco de vida
em caso de hiperglicemia persisten- • Cetoacidose diabética;
te, aumentar a dose em 10%. JAMAIS • Hipoglicemia com sinais de neurogli­
DEIXAR DE APLICAR A INSULINA; copenia: sensório comprometido ou
Intercorrências na criança com diabetes: como proceder? 353

alterações do comportamento, mes- Descontrole metabólico prolongado


mo após a correção da glicemia sérica; • Hiperglicemia crônica > 250 mg%, re-
• Hipoglicemia com coma ou con- fratária às orientações ambu­latoriais;
vulsão. • Hipoglicemias graves e frequentes
(< 50 mg/dl);
Diabetes recém-diagnosticado • Instabilidade metabólica: crises hi-
• Para equilibrar os níveis glicêmicos poglicêmicas (< 50 mg/dl) e hipergli-
e as condições psicológicas, e ini- cemias em jejum (> 250 mg%);
ciar orientação adequada quanto ao • Episódios repetidos de cetoacidose
tratamento e aos controles domici- sem causa precipitante;
liares; • Complicações crônicas descompen-
• Dependendo do estado do paciente, sadas ou outras condições clínicas;
do nível sociocultural e emocional • Complicações renais, cardiovascula-
da família, a internação pode ser res e neurológicas descompensadas;
evitada e essas orientações iniciais • Infecções graves e cirurgias de gran-
poderão ser feitas no ambulatório. de porte.

REFERÊNCIAS
CHOUDHARY, A. Sick day management in Sick day management in children and ado-
children and adolescents with type 1 dia- lescents with diabetes Pediatr Diabetes, v. 19,
betes. J Ark Med Soc, v. 112, n. 14, p. 284-286, Suppl 27, p. 193-204, Oct. 2018.
2016.
SONI, A.; AGWU, J. C.; WRIGHT, N. P. et al.
LAFFEL, L. M.; LIMBERT, C.; PHELAN, H.; Management of children with type 1 diabe-
VIRMANI, A.; WOOD, J.; HOFER, S. E. ISPAD tes during illness: a national survey. Postgrad
Clinical Practice Consensus Guidelines 2018: Med J, v. 92, n. 1090, p. 447-449, 2016.
C APÍTULO 6

Complicações agudas
nas crianças com diabetes

Ana Hermínia de Azevedo Ferreira


Bárbara Guiomar Sales Gomes da Silva
Gabriela Corrêa Lima Pereira
Jacqueline Araújo
Taciana de Andrade Schuler

O QUE É CETOACIDOSE simulando um abdome agudo). Nos re-


DIABÉTICA (CAD)? cém-nascidos, lactentes e adolescentes,
É a descompensação mais comum no a história clássica pode não estar pre-
diabetes mellitus tipo 1 (DM1). Pode sente e os sinais e sintomas costumam
ocorrer como primeira manifestação clí- ser inespecíficos.
nica do DM1 (primodescompensação) ou No exame físico: paciente emagreci-
em qualquer período após o diagnósti- do, hálito cetônico, respiração acidótica,
co. A causa mais comum é a interrupção taquicardia e nível de consciência com-
do tratamento ou dose insuficiente de prometido. A desidratação é difícil de
insulina, mas pode ser desencadeada ser quantificada (intracelular), sendo es-
também por infecções, como infecção timada em 5% a 10% do peso corporal. Os
do trato urinário (ITU), gastroenterites, achados laboratoriais mais comuns são:
dentre outras. Caracteriza-se por: hiper- • Glicemia: geralmente > 200 mg/dl e
glicemia, cetonemia, acidose metabó- glicosúria;
lica, depleção do volume circulatório • Ionograma: sódio – normal ou bai-
(com graus variáveis de desidratação) e xo; potássio – normal, elevado ou
outras alterações metabólicas. baixo;
• Gasometria arterial: acidose me-
QUANDO SUSPEITAR DE CAD? tabólica (pH < 7,3 ou bicarbonato
História de poliúria, polidipsia e polifa- < 15 mEq/l);
gia com perda de peso, podendo haver • Cetonemia (cetonas > 3mmol/l) e
vômitos e dores abdominais (às vezes, cetonúria;
Complicações agudas nas crianças com diabetes 355

• Hemograma: leucocitose com neu- - A cada 4 horas: após início da in-


trofilia mesmo na ausência de in- sulina simples subcutânea;
fecção. - Antes das principais refeições e ao
deitar: após o início da insulina
QUAIS SÃO OS PRINCIPAIS
NPH;
DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS?
• Eletrólitos, gasometria venosa, gli-
• Coma hiperosmolar hiperglicêmico; cemia plasmática, cetonemia, ureia
• Síndromes poliúricas; e creatinina: a cada 2-4 horas.
• Cetose de jejum;
• Cetoacidose alcoólica; COMO TRATAR A CAD?
• Uso de drogas ilícitas; Objetivos do tratamento: corrigir a desi-
• Acidose láctica; dratação, a acidose e a cetonemia, redu-
• Intoxicações exógenas; zir a glicemia lentamente (em 80 a 100
• Septicemia. mg/dl/hora), fazer reposição precoce de
potássio, identificar e tratar o(s) fator(es)
QUE EXAMES DEVEM SER REALIZADOS?
precipitante(s), ofertar precocemente a
Na admissão alimentação e evitar as complicações.
• Glicemia capilar, cetonemia ou ceto-
Hidratação (correção do déficit
núria;
de fluidos)
• Glicemia plasmática;
• Ionograma. a) Expansão inicial:
Soro fisiológico, 10-20 ml/kg, EV, em
Após expansão inicial 1-2 horas. Em casos de choque: 10-
• Gasometria venosa, eletrólitos, ureia 20 ml/kg (até 40 a 50 ml/kg), EV em
e creatinina; bolus.
• Hemograma, hemocultura, sumário b) Reposição residual:
de urina e urocultura, se suspeitar Deve ser feita em 24 a 48 horas, divi-
de infecção. dida em fases de 2 horas. Suspender
antes, se o paciente estiver hidrata-
Exames de controle durante do e a acidose resolvida.
o tratamento 0,05-0,10 x peso: reposição de perdas
• Glicemia capilar: em litros.
- A cada 1 ou 2 horas: enquanto es- Dia 1: [(Reposição de Perdas/2) –
tiver usando insulina rápida por (Expansão Inicial)] + Holliday.
via endovenosa (EV) ou intramus- Dia 2: (Reposição de Perdas/2) +
cular (IM); Holliday.
SEÇÃO 5 356

c) Tipo de soro: frequentes do quadro clínico e exa-


Glicemia > 250 mg/dl: soro fisiológico mes laboratoriais do paciente a cada
ou Ringer Lactato. 1 ou 2 horas;
Glicemia ≤ 250 mg/dl: soro glicofisio- • Diluir a insulina em SF a 0,9% na
lógico ao meio (⅟2 SG 5% + ⅟2 SF 0,9%). concentração de 1 U/ml. Desprezar
Queda acentuada da glicemia (queda os primeiros 20 ml. Trocar o frasco a
> 80 mg/dl/hora): aumentar a concen- cada 6 horas;
tração da glicose no soro para 5%, 7,5%, • Não é recomendado fazer dose de
10% ou 12,5%, conforme necessidade. ataque em bolus;
• Dose inicial: 0,1 U/kg/hora (0,05 U/
Reposição de potássio kg/hora, se < 6 anos), enquanto gli­
A introdução do potássio deve ser preco- cemia > 250 mg/dl, podendo aumen-
ce, com monitorização eletrocardiográfi- tar para 0,15 a 0,2 U/kg/hora, se houver
ca, após diurese presente e conforme o queda lenta da glicemia (< 60 mg/dl/
potássio da admissão (Quadro 1). hora) ou acidose persistente;
• Dose subsequente: 0,05 U/kg/hora,
Quadro 1. Reposição de potássio
se glicemia ≤ 250 mg/dl, até que a
Contraindicada acidose seja corrigida;
K: > 5,5-6,0 mEq/l
a infusão de K
• Retardar o início da insulinotera-
0,2-0,3 mEq/kg/h
K: 4,0-5,5 mEq/l pia, caso o K < 3,3 mmol/l (risco de
Início: 4 horas

K: < 4,0 mEq/l com 0,3-0,5 mEq/kg/h arritmias);


acidose Início: 2 horas
• Critério de suspensão: pH > 7,30 e
Acidose corrigida Quota K Holliday bicarbonato > 15-18 mmol/l ou ânion
gap < 12 mmol/l ou beta-hidroxibuti-
Fonte: Autoras.
rato < 1,0 mmol/l;
• O critério para a suspensão da infu-
Insulinoterapia
são contínua deve ser a correção da
Insulina de ação rápida (insulina aci­dose e não a queda da glicemia.
regular R ou análogo de ação rápida) Se glicemia < 250 mg/dl com acido-
a) Esquema endovenoso com bomba se: manter a infusão EV de insulina e
de infusão contínua: au­mentar a concentração de glicose
• Esse esquema é o de primeira es- no soro;
colha, pode ser feito com paciente • Aplicar 0,1 U/kg (máx.: 10 U) de in-
em UTI, unidade semi-intensiva ou sulina simples subcutânea (SC) entre
mesmo em enfermaria, desde que 1 a 2 horas antes da suspensão da
haja condições de monitorizações infusão contínua endovenosa. Se for
Complicações agudas nas crianças com diabetes 357

usar insulina análoga de ação rápi- Após o início da NPH: a cada 6


da, aplicar entre 15 a 30 min antes horas (antes das principais refeições
da suspensão do protocolo. e ao deitar) de acordo com a glice-
b) Esquema intramuscular: (insulina mia capilar:
regular): • Acima de 300 mg/dl = 0,2 U/kg;
Esquema de segunda escolha quan- • 180-299 mg/dl = 0,1 U/kg;
do não for possível esquema endove- • 150-179 mg/dl = observar;
noso com bomba de infusão. • 80-149 mg/dl = alimentar. Se hou-
• Dose inicial: 0,2 U/kg, intramuscular ver sintomas de hipoglicemia, fazer
(IM) no deltoide (máximo 10 U). push de glicose.
• Doses subsequentes:
0,2 U/kg (máximo de 10 UI) a cada 2 ho­- Insulina de ação intermediária (NPH)
ras, enquanto a glicemia ≥ 300 mg/dl Introduzir quando a CAD estiver com-
0,1 U/kg quando a glicemia > 250 mg/ pensada (ou parcialmente), com pacien-
dl e < 300 mg/dl, a cada 2 horas. te hidratado e aceitando a alimentação.
Se a glicemia < 250 mg/dl com aci- Pode ser iniciada antes do café da ma-
dose, manter a insulina a cada 2 ho- nhã ou antes da ceia, preferencialmente,
ras e aumentar a concentração de 2-4 horas antes da suspensão da bomba
glicose no soro. de infusão contínua de insulina.
Essa fase termina quando a acidose • Pacientes recém-diagnosticados: ini­­
estiver parcialmente corrigida (vide ciar com 0,3-0,5 U/kg dividida em
acima) e houver melhora clínica. duas doses: 70% antes do café da ma-
c) Insulina regular subcutânea: nhã e 30% antes do jantar. Aumentar
É utilizada após a normalização do em 10% a 20% a cada 24 ou 48 horas,
pH e melhora geral do paciente. Visa de acordo com as glicemias capila-
manter a glicemia equilibrada após res. Con­forme a evolução das glice-
a compensação da CAD. mias, a insulina NPH será dividida
Antes do início da NPH: a cada 4 em 3 a 4 aplicações diárias de acor-
horas, de acordo com a glicemia do com a necessidade do paciente e
capilar: discussão prévia com a endocrinolo-
• Acima de 250 mg/dl = 0,2 U/kg; gia pediátrica.
• 180-250 mg/dl = 0,1 U/kg; • Casos antigos: reiniciar a dose
• 150-179 mg/dl = observar; habitual ou aumentá-la em 10% a
• 80-149 mg/dl = alimentar. Se houver 20%, se houver evidência de infec-
sintomas de hipoglicemia, fazer bo- ção. Caso a criança esteja usando
lus de glicose. esquema de múltiplas aplicações
SEÇÃO 5 358

(3 a 4 aplicações por dia), manter a • Restringir a cota hídrica para man-


frequência de aplicações e ajustar a ter a PA adequada e evitar hi­
per-
dose, se for necessário. -hidra­tação;
• Manitol: 0,5-1 g/kg, IV, em 10-15 min;
Bicarbonato de sódio repetir se não houver resposta ini-
Em crianças com CAD, o uso permanece cial em 30 min a 2 horas, ou solução
controverso, pois mesmo diante de aci- salina hipertônica a 3% (2,5-5 ml/kg
dose grave, o quadro é reversível com em 15 min) nos casos não responsi-
hidratação e reposição insulínica. Além vos ao manitol;
disso, está associado a maior risco de • Elevar a cabeceira da cama a 30º;
hipocalemia, cetose persistente, acidose • A intubação pode ser necessária pa-
paradoxal e injúria cerebral. ra pacientes com insuficiência respi-
Somente quando: pH < ou = 6,9 ou re- ratória iminente;
serva alcalina < 10 mEq/l (após ex- • Realizar tomografia de crânio, quan-
pansão inicial): do o paciente estiver estável.
Correção: Bic. oferecido mEq = (Bic.
desejado1 - Bic. encontrado) x 0,3 HIPOGLICEMIA EM CRIANÇAS
x peso. E ADOLESCENTES COM DM1
Dieta: iniciar logo que o paciente este- A hipoglicemia em crianças com diabe-
ja consciente e sem vômitos. Deve tes é definida como qualquer glicemia
ser fracionada em 6 refeições ao dia, < 70 mg/dl (nível 1) e valores < 54 mg/dl
sendo a última entre 21 e 22 horas. (nível 2) caracterizam uma condição
Complicações: hipoglicemia, hipoca- grave e clinicamente importante, in-
lemia, hiponatremia, hipofosfate­ cluindo convulsões e coma; enquanto
mia, hipocalcemia, neuroglicopenia, o nível 3, caracteriza-se por um evento
ede­­
ma cerebral e outras injúrias grave, que causa estado mental altera-
cere­brais (como déficit de atenção, do e/ou incapacidade física, necessitan-
memó­ria e QI), lesão renal aguda, do de assistência de outra pessoa para a
trom­
bose venosa profunda, eleva­ recuperação.
ção de enzimas pancreáticas e pan­– Sinais e sintomas: sintomas de ativação
creatite. adrenérgica (tremores, palpitações,
Tratamento do Edema Cerebral: iniciar palidez e sudorese) e neuroglicope-
o tratamento precocemente. nia (dor de cabeça, visão turva, fala

1 Bic. desejado = 12 mEq. Administrar ⅟2 da dose diluída com água destilada (1:5) em 2 horas.
Complicações agudas nas crianças com diabetes 359

arrastada, sonolência, dificuldade • Se o paciente estiver consciente e


de concentração, hipoacusia, confu- alimentando-se:
são mental, tonturas, perda de cons- - 10-20 g de carboidrato (CHO) de
ciência e convulsão). Em crianças absorção rápida, VO (0,3 g/kg):
pequenas, mudanças comportamen- 120 ml de suco de laranja ou uma
tais, como irritabilidade, agitação, colher de sopa rasa (15 ml) de mel
sonolência, hipoatividade, choro ou açúcar;
inconsolável e acessos de raiva são - Repetir glicemia em 15 min, se a
mais frequentes. glicemia persistir < 70 mg/dl: re-
Fatores de risco: duração do DM, epi- petir item anterior;
sódios recorrentes de hipoglicemia - Não melhorou após 15-30 min: gli-
assintomáticas, desnutrição ou baixa cose parenteral.
ingestão nutricional ou jejum prolon- • Paciente com alteração do nível de
gado, atividade física, idade < 6 anos, consciência: Glicose IV ou Glucagon
grande variabilidade glicêmica, in- SC ou IM.
fecções, insuficiência renal ou hepá- - Glicose IV: bolus inicial 0,20-
tica, associação com doença celíaca, 0,25 g/kg (máx.: 25 g), 2-3 ml/kg de
Doença de Addison e hipotireoidis- SG 10% lento (2-3 ml/min);
mo, uso de medicações ou drogas (in- - Infusão subsequente: VIG 2-5 mg/
sulinoterapia, hipoglicemiantes orais, kg/min;
gatifloxacino, pentamidina, qui­ni­- - Repetir a glicemia após 15 min do
nos, indometacina e álcool). bolus;
Tratamento: - Se a hipoglicemia persistir: repetir
• Objetivos: correção da glicemia para bolus (dose: 5 ml/kg de SG 10%) e
> 70 mg/dl, evitar o uso desneces- aumentar 25-50% da VIG;
sário de soro glicosado hipertônico - Se o acesso venoso não estiver
(risco de tromboflebite, isquemia e disponível: Glucagon SC ou IM,
síndrome compartimental), avaliar/ 0,03 mg/kg (0,5 mg em crianças
tratar suas causas e prevenir novos < 25 kg e 1,0 mg em crianças
episódios. > 25 kg).

REFERÊNCIAS
ABRAHAM, M. B.; JONES, T. W.; NARANJO, ment of hypoglycemia in children and ado-
D. et al. ISPAD Clinical Practice Consensus lescents with diabetes. Pediatr. Diabetes. v. 19,
Guidelines 2018: Assessment and manage- Suppl. 27, p. 178-192, 2018.
SEÇÃO 5 360

ALVES, C. A. D. Cetoacidose diabética. In: En­ Primers, v. 6, p. 40, 2020. Disponível em: ht-
docrinologia Pediátrica. 1ª ed. Barueri, SP. Ma­ tps://doi.org/10.1038/s41572-020-0165-1. Aces­
no­le, 2019, p. 370-385. so em 22 dez. 2021.

AMERICAN DIABETES ASSOCIATION. Children DUNGER, D. B. et al. Espe/Lwpes. Consensus


and adolescents: Standards of Medical Care statement on diabetic ketoacidosis in chil-
in Diabetes. 2020. Diabetes Care, v. 43, Suppl.
dren and adolescents. Archives of disease in
1, p. S163-S182, 2020.
childhood, v. 89, p. 188-94, 2004.
CAMERON, F. J. et al. Neurological conse-
SOCIEDADE BRASILEIRA DE DIABETES. Dire­
quences of diabetic ketoacidosis at initial
trizes da Sociedade Brasileira de Diabetes: 2019-
presentation of type 1 diabetes in a pro-
2020/SBD – São Paulo: Clannad, 2019.
spective cohort study of children. DKA Brain
Injury Study Group. Diabetes Care, v. 37, n. 6, UMPIERREZ, G.; KORYTKOWSKI, M. Diabetic
p. 1554, 2014. emergencies – ketoacidosis, hyperglycaemic
CATO, M. A. et al. Longitudinal Evaluation hyperosmolar state and hypoglycaemia. Nat
of Cognitive Functioning in Young Children Rev Endocrinol, v. 12, p. 222-232, 2016.
with Type 1 Diabetes over 18 Months.
WOLFSDORF, J. I. et al. ISPAD clinical prac-
Diabetes Research in Children Network. J Int
tice consensus guidelines 2018: diabetic
Neuropsychol Soc, v. 22, n. 3, p. 293, 2016.
ke­
toacidosis and the hyperglycemic hy-
DHATARIYA, K. K.; GLASER, N. S.; CODNER, perosmolar state. Pediatr Diabetes, v. 19, p.
E. et al. Diabetic ketoacidosis. Nat Rev Dis S155-S177, 2018.
SE Ç ÃO 6

Gastroenterologia pediátrica

Capítulo 1
Alergia à proteína do leite de vaca

Capítulo 2
Regurgitação infantil e doença do refluxo gastroesofágico
em lactentes

Capítulo 3
Dor abdominal crônica na infância e na adolescência

Capítulo 4
Doença diarreica: diarreia aguda e persistente

Capítulo 5
Diarreia crônica

Capítulo 6
Constipação intestinal

Capítulo 7
Doença celíaca: quando suspeitar e como investigar?
C AAPÍTULO
PÍTULO x1

Alergia à proteína do leite de vaca

Maria das Graças de Moura Lins


Michela Cynthia da Rocha Marmo

O que é? com leite materno são sensibilizados


A alergia à proteína do leite de vaca pela β-lactoglobulina, que é encontrada
(APLV) é uma reação imune às proteínas no leite materno de 4 a 6 horas após o
encontradas no leite de vaca, frequen- consumo de leite de vaca pela mãe.
temente apresentada pelos lactentes,
principalmente os menores de 1 ano de Quais SÃO os GRUPOS DE RISCO?
idade. Diferente da intolerância à lac- A incidência de APLV no primeiro ano
tose – que consiste na má absorção de de vida está estimada em 2% a 7,5%,
lactose pela deficiência da enzima lac- sendo a alergia mais comum nas crian-
tase –, a APLV consiste na reação alér- ças menores de três anos de idade.
gica IgE-mediada e não IgE-mediada às Progressivamente, a incidência de APLV
proteínas do leite, sendo as reações à vai reduzindo, sendo rara em escolares
β-lactoglobulina, à caseína ou à α-lac- e adolescentes.
toalbumina as mais relatadas.
Os lactentes que têm APLV apresen- Quais SÃO os FATORES DE RISCO?
tam reações após a ingestão de leite de O desenvolvimento de todas as alergias
vaca ou fórmulas compostas por leite de alimentares é influenciado pela genéti-
vaca ou, ainda, pelas proteínas do leite ca, pelo meio ambiente e pelas intera-
de vaca transferidas pelo leite materno. ções do genoma com o meio ambiente.
Neste último caso, acredita-se que os São fatores de risco: desmame precoce,
lactentes exclusivamente alimentados dermatite atópica, asma sem controle
Alergia à proteína do leite de vaca 363

e história de atopia dos pais. Outros fa- QUAL É A PATOGÊNESE?


tores, como algumas etnias (asiáticas e A APLV pode se apresentar como reações
africanas), insuficiência de vitamina D, IgE-mediadas e não IgE-mediadas. As
uso de antiácidos e época de exposição reações IgE-mediadas são de hipersensi-
a determinados alérgenos, também são bilidade do tipo 1, ocorrendo de minutos
aventados como fatores de risco, apesar a 2 horas após o contato com o leite. As
de não haver, ainda, evidências suficien- reações não IgE-mediadas são reações de
tes para essa consideração. hipersensibilidade do tipo 4, mediadas
Segundo alguns autores, a introdu- por linfócitos CD8 e CD4 ou eosinófilos,
ção de alimentação variada no primeiro sendo tardias e podendo aparecer até
ano de vida parece ser fator protetor em dias depois da ingestão do leite de vaca.
rel­ação à asma e à alergia alimentar, e A colite alérgica tem um mecanis-
vem sendo defendida como uma prática mo fisiopatológico peculiar. A reação
pro­tetora e adequada contra as alergias alérgica leva à redução da espessura da
ali­mentares. Tal ponto é sustentado pe- mucosa e à hiperplasia nodular linfoide.
la evidência de que a introdução tardia O achatamento da mucosa e a hiperpla-
de alguns alimentos, como ovo e amen- sia do tecido linfoide deixam a mucosa
doim, aumenta o risco de alergia às suas friável com ulcerações, que levam ao
proteínas. sangramento com a passagem das fezes.
O aleitamento materno é um ponto
fundamental na nutrição, no desenvolvi- QUANDO SUSPEITAR?
mento e na proteção contra as doenças Os sintomas imediatos costumam apare-
do lactente. Todas as entidades, como a cer em minutos ou até 2 horas após o
Or­ganização Mundial de Saúde (OMS), a contato com a proteína do leite de vaca.
Aca­demia Americana de Pedi­atria (AAP) Essas reações IgE-mediadas de hipersen-
e a Sociedade Europeia de Gastro­ente­ro­ sibilidade do tipo 1 são claramente iden-
logia, Hepatologia e Nu­tri­ção (ESPGHAN), tificáveis e são descritas como urticária,
são consensuais em orientar o aleitamen- angioedema, estridor e broncoespamo,
to materno exclusivo em menores de 6 podendo ser graves e evoluir para a in-
meses. Essas entidades também orien- suficiência respiratória e a anafilaxia.
tam a introdução de alimentos sólidos As reações não IgE-mediadas são de
concomitantemente ao aleitamento ma- hipersensibilidade do tipo 4, sendo rea-
terno após os 6 meses de idade. Essa prá- ções tardias, que ocorrem 48 horas ou
tica é sugerida também como protetora, acima de 1 semana após o consumo da
especificamente para APLV, e segue sen- proteína do leite de vaca. Esses tipos de
do estudada para melhor esclarecimento. reação costumam ter identificação mais
SEÇÃO 6 364

difícil por ocorrerem tardiamente e en- mediadas por IgE, não há biomarcador
volverem o sistema gastrointestinal, apre- laboratorial que permita o diagnóstico
sentando-se como diarreia, en­terorra­gia, laboratorial.
vômitos, perda de peso e cólica. Nes­ As principais manifestações clínicas
ses casos, diferentemente das reações da APLV estão apresentadas na Figura 1.

Figura 1. Manifestações clínicas da APLV

APLV

Mistura de IgE-mediada
IgE-mediada Não IgE-mediada
e não IgE-mediada

Reação cutânea Hemosiderose pulmonar Esofagite eosinofílica


Urticária induzida por proteína
Distúrbios alimentares
alimentar (síndrome
Angioedema de Heiner) Sintomas de refluxo
Eritema Vômitos
Sintomas em vias aéreas
Prurido superiores Disfagia
Deficiência de crescimento Impactação alimentar
Reação respiratória Deficiência de ferro
Asma e rinite secundárias Anemia Gastroenterite eosinofílica
à ingestão ou à inalação Ascite
de leite de vaca
Enteropatia induzida por Perda de peso
Prurido proteína alimentar Edema
Espirros
Acomete só o intestino Obstrução
Congestão nasal delgado
Rouquidão
Dermatite atópica
Enterocolite induzida por Rash moderado a severo
Reação cardiovascular proteína alimentar
Taquicardia Acomete todo o trato
Tontura gastrointestinal
Hipotensão
Desmaios
Proctite/Proctocolite
induzida por proteína
Reação gastrointestinal alimentar
Síndrome da alergia oral Acomete o reto e o cólon
Cólica abdominal
Náusea
Vômitos
Diarreia

Anafilaxia
Reação de
hipersensibilidade
sistêmica de evolução
rápida, severa com risco
de morte

Fonte: Adaptado de Giannetti et al. (2021).


Alergia à proteína do leite de vaca 365

COMO DIAGNOSTICAR? • Desaparecimento dos sintomas de-


O diagnóstico pronto e precoce da APLV pois da eliminação do leite de vaca
é importante para o início da dieta e derivados da dieta da criança e/ou
adequada, deixando o paciente assin- da mãe.
tomático e sem as consequências inde-
sejáveis, como desnutrição e anemia. A Se há sintomas associados à APLV
identificação da APLV baseia-se no re- IgE-mediada pode-se avaliar o paciente
conhecimento dos sinais e sintomas, e através de testes cutâneos, como prick
remoção da proteína suspeita da dieta test ou dosagem de níveis séricos de IgE
do paciente. Em seguida, o teste de de- específicas para a proteína do leite, sen-
sencadeamento alimentar oral aberto é do as IgE para caseína, β-lactoglobulina
necessário para confirmar o diagnóstico e α-lactoalbumina, as mais solicitadas
pela associação dos sintomas com a pro- em nível ambulatorial, e o mais empre-
teína reintroduzida, no caso da APLV, as gado é o Sistema ImmunoCAP. Os valores
proteínas do leite de vaca. preditivos negativos das IgEs específicas
Mousan e Kamat (2016), em uma re- são adequados para reações imediatas,
visão, sugerem critérios para o diagnós- no entanto, mesmo os valores negativos
tico de APLV e de colite alérgica, listados em um paciente com forte suspeita de
abaixo: APLV com sintomas gastrointestinais,
1. Critérios diagnósticos para APLV: não excluem o diagnóstico, sendo impe-
• A dieta de eliminação deve resultar rativo a realização do teste de desenca-
em resolução dos sintomas; deamento alimentar oral aberto para a
• A recorrência exata do mesmo sin- confirmação diagnóstica.
toma após o desencadeamento oral Contudo, tanto nos casos IgE-media­
aberto; dos quanto nos casos não IgE-mediados,
• Outras causas de sintomas, como a história compatível de sintomas asso-
intolerância à lactose ou infecções ciados à ingestão da proteína é o ponto
gastrointestinais são descartadas. de partida fundamental para o diag-
2. Critérios diagnósticos para proctocoli- nóstico. O teste de desencadeamento
te (APLV manifestada por enterocolite): alimentar oral aberto é a conduta mais
• Presença de sangramento retal em indicada para o diagnóstico, sendo im-
uma criança com parâmetro de pe- portante também para o controle de
so e comprimento adequados; cura. Deste modo, não se recomenda
• Exclusão de causas infecciosas de a confirmação diagnóstica com o teste
colite; de desencadeamento oral aberto nos
SEÇÃO 6 366

quadros de reações graves (anafilaxia potencialmente envolvidas. O suporte


e FPIES). na dieta materna visa à substituição
adequada com alimentos que não te-
COMO TRATAR? nham leite de vaca na sua composição,
Uma dieta adequada nutricionalmente evitando a desnutrição materna, bem
em energia, macro e micronutrientes e como alertando quanto às possibilida-
isenta da proteína do leite de vaca de- des de contaminação acidental e/ou
ve ser prescrita e mantida, pelo menos, cruzada (alimentos que possuem leite
por seis meses após a confirmação diag- de vaca na sua composição, porém es-
nóstica. Nos casos de reações do tipo sa informação não é claramente sabida
imediata, esse período é mais longo. A ou explicitada). Abaixo seguem os adi-
supervisão médica na dieta restritiva é tivos de alimentos, que contaminam
indispensável e pode necessitar da cola- os alimentos com leite de vaca, deno-
boração do nutrólogo e do nutricionista. minados de “corante aroma” ou “sabor
A orientação para controle dos traços de natural de”:
leite e da leitura de rótulos de alimentos • Manteiga;
industrializados faz parte do atendimen- • Margarina;
to inicial e dos controles periódicos até • Leite;
a aquisição da tolerância oral. Atenção • Queijo;
especial deve ser dispensada à genito- • Caramelo;
ra nutriz em dieta de eliminação, com • Creme de coco;
atenção para a suplementação de cálcio • Creme de baunilha;
(1 g/dia) e vitamina D (600 UI). • Iogurte;
O manejo será individualizado con- • Doce de leite e outros derivados do
forme a faixa etária e a alimentação re- leite.
cebida anteriormente:
Crianças em aleitamento misto
Crianças em aleitamento Em crianças em aleitamento misto e sin-
materno exclusivo tomas coincidentes com o início da fór-
O aleitamento exclusivo deve continuar mula infantil, deve-se continuar o alei-
com recomendação da exclusão do leite tamento e, na maioria das vezes, não é
de vaca da dieta materna. Se os sinto- necessária a dieta sem leite de vaca para
mas persistirem, apesar de aderência a mãe. Se possível, manter a criança em
por tempo adequado da dieta sem lei- aleitamento materno exclusivo (se esti-
te de vaca e derivados, recomenda-se ver abaixo dos 6 meses de idade), caso
considerar outras proteínas alimentares não seja possível, deve-se substituir a
Alergia à proteína do leite de vaca 367

fórmula infantil polimérica por uma fór- Em geral, não se recomenda exclu-
mula hipoalergênica. são de carne, bem cozida, na dieta da
criança com APLV.
Crianças não amamentadas
Menores de 6 meses: fórmula hipoa- Indicação das fórmulas
lergênica. Leva-se em consideração terapêuticas para crianças
o tipo da reação apresentada pela com APLV não IgE-mediada
criança na escolha da fórmula para Fórmulas extensamente hidrolisadas
complementação ou suplementação. (FEH) da proteína do leite de vaca
Acima de 6 meses: fórmula hipoalergê- constitui a primeira linha de trata-
nica mais dieta complementar sem mento para as formas moderadas
leite de vaca e derivados, com intro- (Quadro 1).
dução igual a das crianças não alér- Fórmulas de aminoácidos (fórmulas ele­-
gicas e adequada à fase de desen- mentares) (Quadro 2) constitui a pri-
volvimento em que se encontram. A meira linha de tratamento para casos
suplementação de micronutrientes graves de enteropatia ou FPIES, ou ca-
segue os guias de recomendações sos sem resposta ao tratamento com
pelas RDIs (Recomendação Diária de FEH. Não existem evidências suficien-
Ingestão), observando-se a presença tes para recomendações de rotina de
de aditivos de traços de leite nos su- fórmulas enriquecidas com prebióti-
plementos prescritos. cos e probióticos no manejo da APLV.

Quadro 1. Fórmulas extensamente hidrolisadas

Alfarré Pregomin pepti Althéra Aptamil pepti


Nome comercial
sem lactose sem lactose com lactose com lactose

Fabricante Nestlé Danone Nestlé Danone

Apresentação 400 g 400 g 450 g 400 g

14,2% 12,9% 13,2% 13,5%


1 medida (4,8 g) 1 medida (4,3 g) 1 medida (4,4 g) 1 medida (4,5 g)
Diluição padrão
para 30 ml de para 30 ml de para 30 ml de para 30 ml de
água água água água

Rendimento 2.817 ml 3.100 ml 3.409 ml 2.941 ml

Kcal/ml 70 68 66 67

Proteína (g/100 ml) 2,1 1,8 1,7 1,6

Fonte: Solé et al. (2018).


SEÇÃO 6 368

Quadro 2. Fórmulas à base de aminoácidos

Neo advance
Nome comercial Alfamino Neocate LCP
maiores de 1 ano

Fabricante Nestlé Danone Danone

Apresentação 400 g 400 g 400 g

Diluição padrão 4,6% 15% 25%

Rendimento 3.046 ml 2.666 ml 1.600 ml

Kcal/100 ml 70 71 100

Proteína (g/100 ml) 1,9 1,95 2,5

100% aminoácidos 100% aminoácidos 100% aminoácidos


Fonte proteica
livres livres livres

Carboidratos (g/100 ml) 7,9 8,1 15

84% xarope de milho,


Fonte de HC 10,2% amido de batata, 100% maltodextrina 100% maltodextrina
1,4% maltodextrina

Lipídeos g/100 ml 3,4 3,45 3,5

100% óleos vegetais


100% óleos vegetais, 100% óleos vegetais
(coco, açafrão e
Fonte de lipídeos 25% TCM e 4% lipídeos de coco, soja e
canola)
estruturados girassol
TCM = 35%, TCL = 65%

DHA/ARA 7 mg/7 mg DHA/ARA 12 mg/12 mg


Nutriente diferencial Não contém
em 100 ml, 1:1 em 100 ml, 1:1

Cálcio (mg/100 ml) 57 49 50

Fósforo (mg/100 ml) 39 35 39

Sódio (mg/100 ml) 25 18 117

Ferro (mg/100 ml) 0,7 1,05 0,62

Osmolaridade 300 360 610

Fonte: Solé et al. (2018).

Fórmulas e bebidas inapropriadas na dieta do lactente com APLV. Não se


no suporte nutricional da ALPV recomenda fórmula à base de soja para
Fórmulas parcialmente hidrolisadas ou menores de seis meses.
leite de outros mamíferos (cabra, ovelha,
búfala, égua e jumenta) e bebidas à ba- COMO REALIZAR O ACOMPANHAMENTO?
se de vegetais (aveia, arroz, soja, amên- A dieta isenta de leite de vaca e deriva-
doa e nozes) não devem ser utilizadas dos deve ser mantida por um período
Alergia à proteína do leite de vaca 369

de 3 a 6 meses para os casos moderados ambulatorial, quanto ao processo pro-


e acima de 12 meses, nos casos graves. gressivo da reintrodução do alérgeno.
Nos casos de reações na tentativa de re- Será considerado tolerante, o paciente
introdução da proteína do leite de vaca, assintomático após quatro semanas de
os próximos testes de desencadeamen- exposição à proteína do leite de vaca.
to oral aberto devem ser realizados a A APLV é comum na prática pediá-
cada 6 a 12 meses e serem feitos sob su- trica dada a sua frequência, a impor-
pervisão médica, devido à possibilidade tância do diagnóstico e do tratamento
de reações graves e/ou IgE-mediadas. adequados. A abordagem equivocada
Ainda, nos pacientes com história desta patologia pode ter influências ne-
de atopia e reações do tipo imediata gativas nutricionais e comportamentais
(nas primeiras duas horas após a expo- durante o desenvolvimento, principal-
sição), FPIES e todas as formas graves mente por ocorrer mais frequentemen-
de alergia, a dosagem de testes de sen- te em lactentes. Portanto, é fundamen-
sibilidade (IgE e/ou prick test) deve ser tal a prática diagnóstica e terapêutica
realizada antes do teste de desencadea- consciente e atenta, evitando dietas res-
mento oral aberto e este deve ser feito tritivas prolongadas ou desnecessárias
em ambiente hospitalar. tanto para a mãe quanto para a criança,
Nos casos leves indica-se também a garantindo a dieta de isenção neces-
dosagem das IgEs específicas, e, se nega- sária e adequada para garantir pronta
tivas, o teste de desencadeamento oral recuperação, nutrição, crescimento, de-
aberto poderá ser realizado em domicí- senvolvimento e futura superação do
lio sob orientação e vigilância médica quadro de APLV.

REFERÊNCIAS
D’ AURIA, E.; BORSANI, B.; PENDEZZA, E. et al. Model of Food Allergies. Nutrients, v. 13, p.
Complementary feeding: pitfalls for health 1525, 2021.
outcomes. Int J Environ Res Public Health, v.
GRIMSHAW, K. E. C. Dietary Management of
17, p. 7931, 2020.
Food Allergy. Proceedings of the Nutrition
DUPONT, C.; CHOURAQUI, J. P.; LINGLART, A. Society, v. 65, p. 412-417, 2006.
et al. Nutritional Management of Cow´s Milk
Allergy in Children: An Update. Archives de MOUSAN, G.; KAMAT, D. Cow´s Milk Allergy.
Pédiatrie, v. 25, p. 236-43, 2018. Clin Pediatr (Phila), v. 55, n. 11, p. 1054-63, 2016.

GIANNETTI, A.; VESPASIANI, G. T.; RICCI, SOLÉ, D.; SILVA, L. R.; COCCO, R. R.; FERREIRA, C.
G. et al. Cow´s Milk Protein Allergy as a T.; SARNI, R. O.; OLIVEIRA, L. C. et al. Consenso
SEÇÃO 6 370

brasileiro sobre alergia alimentar: 2018 – par- TOCA, M. C.; MORAIS, M. B.; VÁSQUEZ-FRIAS,
te 1 – etiopatogenia, clínica e diagnóstico. Arq R.; BECKER-CUEVAS, D. J.; BOGGIO-MARZET, C.
Asma Alerg Imunol, v. 2, n. 1, p. 7-38, 2018. G.; DELGADO-CARBAJAL, L. et al. Consensus
SOLÉ, D.; SILVA, L. R.; COCCO, R. R.; FERREIRA, C. on the diagnosis and treatment of cow´s
T.; SARNI, R. O.; OLIVEIRA, L. C. et al. Con­sen­so milk protein allergy of the Latin American
brasileiro sobre alergia alimentar: 2018 – par- So­ciety for Pediatric Gastroenterology, Hep­a­
te 2 – diagnóstico, tratamento e prevenção. tology and Nutrition. Rev Gastroenterol Méx,
Arq Asma Alerg Imunol, v. 2, n. 1, p. 39-82, 2018. v. 8, p. 235-250, 2022.
C APÍTULO 2

Regurgitação infantil e doença do


refluxo gastroesofágico em lactentes

Manuela Torres Camara Lins


Michela Cynthia da Rocha Marmo

INTRODUÇÃO hipotálamo, do cerebelo, do labirinto


O mecanismo do refluxo nos lacten- e da área postrema com o sistema ner-
tes está baseado na incontinência do voso periférico, culminando na antipe-
esfíncter esofagiano inferior, dada à ristalse, na contração do estômago, do
imaturidade do trato gastrointestinal diafragma e da musculatura abdominal,
dos lactentes muito jovens. O refluxo no relaxamento do esfíncter esofagiano
do lactente jovem é precipitado pela inferior e na exteriorização do conteúdo
hipotonia e pela falta de controle do do trato gastrointestinal.
tônus axial típico da idade, aliados à A regurgitação é um fenômeno do
dieta predominantemente líquida e ao desenvolvimento normal de uma crian-
aumento da pressão abdominal durante ça e, na maioria dos lactentes saudáveis,
o movimento dos bebês. Os vômitos, no o pico das regurgitações ocorre entre 2
entanto, envolvem um complexo siste- e 4 meses de vida, com prevalência esti-
ma de interação do centro do vômito no mada nessa idade de 67% a 87%.

Quadro 1. Refluxo, regurgitações e doença do refluxo gastroesofágico

Doença do refluxo
Refluxo Regurgitações
gastroesofágico

Passagem involuntária do Exteriorização do conteúdo Refluxo que provoca


conteúdo gástrico de volta gástrico refluído pela boca, sintomas que afetam o
para o esôfago com ou sem sem que ocorra esforço ou funcionamento diário ou
regurgitações ou vômitos reflexo nauseoso têm complicações

Fonte: Autoras.
SEÇÃO 6 372

De acordo com o desenvolvimento e alérgenos), os antecedentes familiares,


o crescimento dos lactentes, os episódios as intervenções medicamentosas ou ali-
de regurgitações apresentam redução mentares, a presença de sintomas, que
progressiva, reduzindo em 80% do pri- sugiram doença do refluxo gastroesofá-
meiro ao sétimo mês de vida. Deste gru- gico (Quadro 1), e sinais de alarme para
po de lactentes, 5% a 9% desenvolvem sin- outras causas não gastrointestinais dos
tomas com repercussões funcionais e/ou sintomas (febre, letargia, abaulamento
complicações, configurando a Doença de fontanela, convulsões, micro/macro-
do Refluxo Gastroesofágico (DRGE). cefalia, alterações urinárias, importante
distensão abdominal e vômitos biliosos).
O QUE É REGURGITAÇÃO INFANTIL? Pelos Critérios de Roma IV (critérios
O termo regurgitação infantil (RI) tem diagnósticos para desordens gastroin-
sido mais utilizado do que refluxo fisio- testinais funcionais – 2017), o RI, em lac-
lógico ou funcional, no intuito de evitar tentes saudáveis entre três semanas e 12
a denominação refluxo, que remete à meses de vida, é definido pela:
situação de doença para a família. 1. Presença de dois ou mais episódios de
Habitualmente, as regurgitações são regurgitações por dia, por 3 ou mais
episódios de curta duração e não estão semanas;
associadas a sintomas importantes ou 2. Ausência de hematêmese, ânsia de vô-
lesão da mucosa esofágica. Acredita-se mito, aspiração, apneia, baixo ganho
que a regurgitação do lactente seja um de peso, dificuldade para se alimentar
mecanismo de autorregulação da sacie- ou deglutir e postura anormal.
dade e proteção contra ganho acelerado
Quadro 1. Sinais e sintomas sugestivos de DRGE
de peso no início da vida. no lactente com regurgitações

COMO DIAGNOSTICAR? Irritabilidade excessiva

A definição do diagnóstico de RI é clíni- Baixo ganho ponderal

Recusa alimentar ou disfagia


ca, baseada nos sintomas e na ausência
Postura distônica do pescoço (síndrome de Sandifer)
de complicações.
Hematêmese
A anamnese do lactente com regur-
Tosse
gitação deve incluir a idade do início dos
Estridor
sintomas, o padrão das regurgitações, a
Anemia
história alimentar detalhada (aleitamen-
Pneumonia recorrente associada à aspiração
to ou fórmula, tipo da fórmula, volume
Otite média de repetição
da dieta, intervalo e tempo total da
dieta, uso de espessantes, restrição de Fonte: Autoras.
Regurgitação infantil e doença do refluxo gastroesofágico em lactentes 373

COMO ACOMPANHAR? em rampa da cabeça em relação aos pés,


Os lactentes com regurgitações devem em cerca de 30 graus.
ter acompanhamento periódico, mais fre­-
quente e detalhado, confirmando o diag- O QUE É DOENÇA DO REFLUXO
GASTROESOFÁGICO (DRGE)?
nóstico inicial ou modificando-o, caso
surjam complicações ou sinais de alerta. As situações de risco (Quadro 2) in-
Com o crescimento e o desenvolvi- terferem e acentuam os mecanismos
mento da criança e a introdução dos ali- envolvidos na DRGE dos lactentes. Os
mentos sólidos, ocorre diminuição im- sintomas nessa faixa etária costumam
portante no número de regurgitações. ser inespecíficos, podendo confundir e
atrasar o diagnóstico. As queixas mais
QUAIS SÃO AS ORIENTAÇÕES comuns são: regurgitações ou vômitos,
DIETÉTICAS E COMPORTAMENTAIS? irritabilidade durante a alimentação e
Deve-se tranquilizar a família, esclare- o período pós-prandial, arqueamento
cendo sobre a natureza benigna das re- dorsal (hiperextensão do pescoço e do
gurgitações, valorizando o sintoma que tronco), choro, recusa alimentar, tosse e
aflige os pais, porém evitando medicar apneia. Dado que os sintomas em meno-
e realizar exames desnecessários. O alei- res de 2 anos são inespecíficos, deve-se
tamento materno não deve ser modifi- estar atento aos sinais de alerta (Quadro
cado, apenas ajustado se há dificulda- 3). Os pacientes com DRGE podem apre-
des na amamentação. O esvaziamento sentar manifestações extraintestinais,
do leite materno é rápido, protegendo consideradas sintomas atípicos, como:
contra as regurgitações. As tentativas síndrome de Sandifer, opistótono, “Tic
de regulação de horários e o volume do disorders”, distonias e agitação noturna.
aleitamento podem levar à interrupção A síndrome de Sandifer é a associação
do aleitamento materno. de postura e movimentos anormais com
Os erros dietéticos devem ser corrigi- o episódio de refluxo gastroesofágico
dos, evitando oferta excessiva, orientan- que muitas vezes são erroneamente atri-
do o posicionamento e os dispositivos uti- buídos a quadros neurológicos. As mani-
lizados. As dietas espessadas têm efeito festações respiratórias também podem
cosmético, diminuindo as regurgitações, estar presentes em lactentes, estando
sem diminuir os episódios de refluxo. associadas à aspiração, ao reflexo vagal
As medidas posturais consistem em e à sensibilização ao reflexo da tosse.
evitar o manuseio excessivo e a com- Os sinais de alerta corroboram para
pressão do abdome após as refeições. No situações nas quais o quadro de DRGE
berço, pode-se orientar uma elevação é secundário, sendo associado a uma
SEÇÃO 6 374

doença de base, como alergia alimentar, O diagnóstico da DRGE nos menores


malformações do trato gastrointestinal, de 2 anos de idade está fundamentado
síndromes metabólicas ou genéticas, nos dados clínicos da história e do exa-
doenças infecciosas agudas ou crônicas, me físico, devendo-se considerar ques-
obstrução do trato gastrointestinal, en- tões, como: idade de início dos sintomas,
tre outras. dieta, padrão das regurgitações, história
familiar, gatilhos ambientais e cresci-
Quadro 2. Fatores de risco nos lactentes para
a DRGE mento. Poddar et al. (2019) sugerem um
fluxograma para abordagem e diagnós-
Encefalopatia hipóxico-isquêmica
tico para o paciente com suspeita de
Doença neuromuscular
DRGE (Figura 1).
Síndrome de Down
Fístula traqueoesofágica corrigida
COMO DIAGNOSTICAR?
Atresia esofágica corrigida
Hérnia diafragmática congênita O paciente que apresenta sintomas ou si-
Displasia broncopulmonar nais de alerta, necessitando de diagnósti-
Fibrose cística
co diferencial com outras patologias, po-
Prematuridade
de precisar de exames complementares.
História familiar de DRGE
O estudo contrastado de esôfago-
Fonte: Autoras. -estômago-duodeno (EED) pode auxiliar
Quadro 3. Sinais de alerta para o diagnóstico
no diagnóstico diferencial para avaliar
diferencial da DRGE anormalidades anatômicas, avaliação
pós-fundoplicatura e para verificar a
Vômitos biliosos
presença de fístulas. Até o momento
Sangramentos
Vômitos forçados
não tem definição sobre a sensibilidade
Início dos vômitos depois dos 6 meses e especificidade quanto ao diagnóstico
“Failure to thrive” da DRGE, limitando sua utilização à ava-
Diarreia liação anatômica. A videofluoroscopia
Constipação intestinal
da deglutição pode colaborar para o
Febre
diagnóstico diferencial da disfagia e dos
Letargia
Hepatoesplenomegalia distúrbios da deglutição.
Abaulamento de fontanela A ultrassonografia de abdome supe-
Macro ou microcefalia rior, embora amplamente solicitada no
Convulsões processo diagnóstico da DRGE, só está
Dor ou distensão abdominal
indicada para o diagnóstico diferencial
Síndrome metabólica ou genética documentada
com estenose hipertrófica do piloro,
Fonte: Autoras. avaliação de outros órgãos, como o
Regurgitação infantil e doença do refluxo gastroesofágico em lactentes 375

Figura 1. Fluxograma para abordagem diagnóstica para lactentes com DRGE

Lactente com suspeita de DRGE

Anamnese e exame físico

Sim
Sintomas ou sinais de alarme? Investigar causas

Não

Evitar hiperalimentação, espessar Melhora


Manter orientações
dieta, continuar aleitamento

Não

Considerar de 2 a 4 semanas
de fórmula extensamente Melhora Manter orientação de discutir
hidrolisada ou aminoácidos, reintrodução da proteína do LV
ou se em aleitamento, excluir no retorno
proteína do LV da dieta materna

Não Encaminhamento
não é possível Considerar de 4 a 8 semanas de
Encaminhar ao gastroped supressão ácida e desmame se
melhora dos sintomas

Encaminhar Sem melhora/ Sem sintomas


recorrência após desmame

Rever diagnóstico diferencial, avaliar exames e considerar Manter sem tratamento


uso de medicação por curto tempo

Fonte: Traduzido de Poddar (2019).

fígado, e avaliação de esvaziamento gás- presença de aspiração pulmonar, não


trico (sem referências na pediatria). tendo evidências para seu uso rotineiro
A endoscopia digestiva alta colabora no diagnóstico de RGE.
no diagnóstico da DGRE, podendo evi- A pHmetria é útil nos diagnósticos
denciar complicações, como a esofagite dos refluxos ácidos (menos frequentes
de refluxo ou estenoses, com sensibilida- nessa faixa etária), correlacionando os
de de 83% a 88% e valor preditivo negati- episódios de refluxo com o aparecimen-
vo de 15% a 71%. Uma vez que as lesões na to dos sintomas de forma temporal. Ela
mucosa do esôfago são encontradas, o pode, ainda, fornecer importantes infor-
diagnóstico de DRGE é confirmado. A au- mações em relação à efetividade do tra-
sência de lesões não afasta o diagnóstico. tamento. Embora já tenha sido conside-
A cintilografia com pesquisa de re- rada como padrão ouro, a pHmetria não
fluxo e a aspiração pulmonar podem permite a diferenciação entre regurgita-
avaliar o esvaziamento gástrico e a ção infantil e a DRGE.
SEÇÃO 6 376

A impedanciometria é uma opção alérgicos, cada uma com indicação li-


no diagnóstico diferencial de esôfa- mitada a situações específicas na DRGE,
go hipertensivo e dispepsia funcional como redução dos episódios de regurgi-
quando a endoscopia é normal, po- tações em pacientes muito sintomáticos
dendo também avaliar a eficácia do e tratamento da DRGE secundária à aler-
tratamento. Sendo pouco útil para o gia a proteína do leite de vaca, respec-
diagnóstico de DRGE em lactentes e na tivamente. Paradoxalmente, as fórmulas
pediatria geral, por falta de valores re- infantis espessadas, mesmo obedecendo
ferenciais e interpretação difícil na cor- os princípios considerados adequados,
relação com os sintomas. A manometria reduzem o esvaziamento gástrico, po-
tem uso limitado devido à necessidade dendo levar à piora do RGE pós-prandial,
da colaboração do paciente para res- somando-se o custo adicional relaciona-
ponder aos comandos e à elaboração de do a esse tipo de fórmula. Os espessan-
movimentos de deglutição para a reali- tes caseiros adicionados às fórmulas de
zação do exame. rotina dificultam o cumprimento dos
Os testes terapêuticos com inibido- requisitos relacionados ao uso de espes-
res de bomba de prótons e a alimenta- santes. As suas calorias e as osmolarida-
ção transpilórica não são sustentados des maiores, quando são adicionadas
com evidências científicas, não tendo nas fórmulas de rotina, contribuem para
valor diagnóstico para os lactentes. o aumento de peso indesejável e para o
maior risco de diarreia.
COMO TRATAR? Logo, considerando o esvaziamento
O tratamento da DRGE consiste em gástrico, o leite materno tem a maior
me­
didas comportamentais, mudanças eficácia, sendo o alimento mais fisioló-
ali­
men­
ta­
res, uso de medicamentos e gico para o estômago. O leite materno,
pro­­ce­­di­men­tos ci­rúrgicos. As medidas quando comparado às fórmulas infantis,
pos­tu­rais, já relatadas no manuseio da é superior às fórmulas de hidrolisado
RI, po­dem colaborar no conforto e na proteico de soro de leite. Estas vêm se-
ate­nua­ção dos sintomas. guidas das fórmulas acidificadas, sendo
As mudanças alimentares se esten- o leite integral aquele com o pior esva-
dem das orientações em relação à manu- ziamento gástrico.
tenção do aleitamento materno exclusi- O tratamento medicamentoso da
vo e à adequação das fórmulas infantis DRGE conta com poucas opções. Os ini-
nas crianças, nas quais a amamentação bidores de bomba de prótons (IBP) são a
não é possível. As opções são o uso de primeira escolha para lactentes com eso-
fórmulas espessadas ou fórmulas para fagite de refluxo relacionada ao DRGE,
Regurgitação infantil e doença do refluxo gastroesofágico em lactentes 377

não sendo indicados como teste tera- estão indicadas no tratamento da DRGE
pêutico para lactentes saudáveis com de lactentes, de acordo com o último
choro e regurgitação. As formulações consenso sobre RGE em lactentes.
atualmente disponíveis para lactentes O tratamento cirúrgico, a cirurgia
são o omeprazol na formulação MUPS antirrefluxo incluindo a fundoplicatura
(MULTIPLE UNIT PELLET SYSTEMS) e eso- pode ser considerado em lactentes com
meprazol dispersível sendo liberados pa- complicações que ameaçam a vida do
ra o uso para lactentes acima de 12 me- paciente após falha do tratamento me-
ses de idade. As doses variam de 1 a 2 mg/ dicamentoso, sintomas refratários após
kg/dia (formulações de 10 e 20 mg para a otimização da terapia medicamento-
o omeprazol e 20 mg para o esomepra- sa, condições crônicas (encefalopatia e
zol). Já existem evidências na literatura fibrose cística), que levam ao aumento
demonstrando segurança no uso de IBPs do risco e à necessidade de uso crôni-
em menores de 12 meses de idade, sendo co de tratamento medicamentoso para
sua indicação avaliada rigorosamente. A controle dos sinais e sintomas.
domperidona e a metoclopramida não

REFERÊNCIAS
CZINN, B. Pediatr Drugs, v. 15, n. 1, p. 19-27, atology, and Nutrition and the European
2013. Society for Pediatric Gastroenterology, Hepa­
tology, and Nutrition. J Pediatr Gastro­enterol
PODDAR, U. Gastroesophageal reflux disease
Nutr, v. 66, n. 3, p. 516-554, 2018.
(GERD) in children. Paediatric Intern Child
Health, v. 39, n. 1, p. 7-12. Feb. 2019. RYBAK, et al. Gastroesophageal Reflux in
Children. In J Mol Sci, v. 18, n. 8, p. 1671, 2017.
ROSEN, et al. Pediatric Gastroesophageal
Reflux Clinical Practice Guidelines: Joint SALVATORE, S. et al. Thickened infant formu-
Recommendations of the North American la: What to know. Nutrition, v. 49, p. 51-56,
Society for Pediatric Gastroenterology, Hep­- 2018.
C AAPÍTULO
PÍTULO x3

Dor abdominal crônica


na infância e na adolescência

Kátia Galeão Brandt


Mara Alves da Cruz Gouveia

O QUE É DOR ABDOMINAL CRÔNICA? algum problema de natureza física ou


Dor abdominal crônica (DAC) na criança emocional está ocorrendo com o corpo.
ou no adolescente pode ser definida pe- O modelo biopsicossocial de dor explica
la presença de três ou mais episódios de como a dor abdominal ocorre como re-
dor abdominal (padrão contínuo ou in- sultado da interação entre vários fatores
termitente), com intensidade suficiente que cercam a criança. Os fatores biopsi-
para afetar as atividades, num período cossociais impactam o desenvolvimento
de ao menos três meses. A DAC deve ser e o reconhecimento da dor intestinal, al-
considerada uma terminologia e não teram o eixo cérebro-intestino e interfe-
um diagnóstico. É uma condição co- rem na fisiologia intestinal (Figura 1).
mum na infância com prevalência entre
10% e 30%; alguns estudos mostram uma COMO FAZER O DIAGNÓSTICO
maior frequência em mulheres. Os picos DIFERENCIAL DA DAC?
de idade ocorrem entre 4 a 6 anos e 9 a A abordagem diagnóstica inicial deverá
11 anos de idade. levar em consideração dois grandes gru-
pos: a dor abdominal crônica de etiolo-
QUAL É O MOTIVO DA CRONICIDADE gia orgânica (DAO), em que a dor estaria
DA DOR? relacionada ao dano orgânico (alteração
A dor é um mecanismo de defesa do or- anatômica, inflamatória ou dano te-
ganismo, um sinal não verbal, que atua cidual), e à dor abdominal funcional
como um sistema de alarme do corpo pa- (DAF), na qual não se identifica dano or-
ra o cérebro, com a função de alertar que gânico. O diagnóstico diferencial entre a
Dor abdominal crônica na infância e na adolescência 379

Figura 1. Modelo biopsicossocial da DAC

Vida familiar Pressões acadêmicas

Atividade física Eventos e experiências de vida

Cérebro

Comportamento parental
Relacionamento com amigos
Resposta à dor

Estímulo da dor Interpretação da dor

Intestino
Doença orgânica Mobilidade Dieta, medicamentos
Sensibilidade

Fonte: Adaptado de Brown, Beattie e Tighe (2016).

Quadro 1. Sinais de alerta em crianças com dor


DAO e a DAF dependerá principalmen-
abdominal crônica
te da construção cuidadosa da história
clínica e do exame físico detalhado. Perda ponderal involuntária

Exames laboratoriais ou radiológicos Desaceleração do crescimento linear

serão necessários em crianças ou ado- Atraso da puberdade


lescentes com sinais de alerta para Febre sem explicação
doença orgânica (Quadro 1). O médico Vômitos persistentes
e o cuidador devem compreender que Sangramento gastrointestinal
o diagnóstico pode permanecer incerto Diarreia noturna
apesar da avaliação inicial apropriada, e Doença perianal
em alguns casos, apenas a evolução ao Dor localizada em quadrante superior ou
longo do tempo definirá com mais cla- quadrante inferior, ambos do lado direito

reza o diagnóstico. Disfagia

Na presença de sinais de alerta, a Odinofagia

criança deve seguir uma investigação Artrite

direcionada à doença orgânica mais História familiar de doença inflamatória


intestinal, doença celíaca ou doença péptica
provável. As principais causas orgânicas
de DAC estão listadas no Quadro 2. Fonte: Autoras.
SEÇÃO 6 380

Quadro 2. Causas orgânicas de DAC Quadro 3. História e exame físico da criança


com DAC
Gastrointestinal
• Doença inflamatória intestinal Características da dor
• Doença celíaca • Localização, intensidade, frequência,
• Impactação fecal periodicidade, relação com alimentação, dor
• Vólvulo intermitente noturna e interferência com as atividades
• Invaginação intermitente habituais
• Gastrite
• Úlcera péptica Sintomas gastrointestinais associados
• Intolerância à lactose • Pirose, saciedade precoce, empachamento
• Parasitose pós-prandial, náuseas, vômitos, diarreia,
• Divertículo de Meckel constipação, tenesmo, sangramentos
• Tuberculose abdominal digestivos e icterícia
• Apendicite crônica
• Apendagite epiploica
Sintomas de outros sistemas
• Tumor
• Sintomas urinários, cefaleia, sonolência após
as crises de dor, artralgias/artrites, tosse
Hepatobiliar/pancreática crônica, asma e respiração bucal
• Colelitíase
• Pancreatite aguda recorrente ou crônica
Sinais de comprometimento orgânico
• Hepatite crônica
• Perda de peso, retardo no crescimento,
retardo puberal, palidez cutaneomucosa e
Renal/urológica febre
• Nefrolitíase
• Hidronefrose, obstrução de junção
Medicações em uso ou utilizadas
ureteropélvica
• Antibióticos, anti-inflamatórios e corticoides
• Cistite recorrente, pielonefrite
História alimentar
Pélvica
• Consumo de leite e produtos lácteos,
• Dismenorreia, endometriose
consumo de sucos naturais e artificiais,
bebidas gaseificadas, consumo de balas
Outras e chicletes, alimentos irritantes gástricos
• Porfiria aguda intermitente, vasculite, (alimentos industrializados e condimentos
angioedema hereditário, doença falciforme picantes) e conteúdo de fibra na dieta

Fonte: Autoras. História familiar


• Parentes com doenças do TGI ou de outro
sistema e que evolua com dor abdominal,
QUAIS DADOS SÃO IMPORTANTES enxaqueca, manifestações alérgicas,
tuberculose e/ou quadros depressivos
NA HISTÓRIA E NO EXAME FÍSICO?
Epidemiologia para tuberculose,
A história deve ser coletada diretamen- esquistossomose e giardíase

te do paciente, se possível, utilizando Antecedentes pessoais


• Infecção viral recente, trauma abdominal e
técnica apropriada ao seu estágio de intervenção cirúrgica prévia
desenvolvimento. Os dados mais impor-
Perfil psicológico e comportamental da
tantes a serem avaliados na história e no criança

exame físico estão contidos no Quadro 3. Conhecimento de situações geradoras de


ansiedade

QUANDO PENSAR EM DAF Exame físico


• Expressão facial, postura corporal e
E SEUS SUBTIPOS? interação do paciente com o acompanhante
• Peso, estatura, velocidade de crescimento e
A DAF é a causa mais frequente de DAC estágio puberal
• Palidez, sinais de emagrecimento
na infância e seu diagnóstico não deve agudo, edema, baqueteamento digital e
linfonodomegalia
ser abordado como um diagnóstico de
Dor abdominal crônica na infância e na adolescência 381

• Exame abdominal detalhado: inspeção para


abdominal na qualidade de vida do pa-
avaliar distensão abdominal, presença de ciente, localização e horário de ocorrên-
cicatrizes, peristaltismo visível e presença de
circulação colateral; palpação para avaliar cia da dor (pós-prandial) não são carac-
presença, localização e intensidade da dor,
presença de fecaloma ou outras massas, e terísticas que auxiliam a diferenciação
hepato e/ou esplenomegalia
• Sinal dos olhos fechados (paciente com DAF entre dor abdominal orgânica e funcio-
tende a fechar os olhos durante a palpação
abdominal, enquanto aqueles com DAO
nal. A dor funcional, na quase totalida-
tendem a manter aberto, antecipando o de dos casos, não desperta a criança do
medo da palpação abdominal)
• Considerar avaliação perianal e toque retal sono noturno e não irradia (Quadro 4).
Fonte: Autoras.
Os critérios para o diagnóstico das
diferentes desordens associadas à DAF es-
tão contidos no Critério de Roma IV. São
exclusão. O diagnóstico correto deve ser
definidos quatro subtipos de DAF: dispep-
baseado na elevada suspeita clínica, na
sia funcional, síndrome do intestino irri-
ausência de sinais de alerta e no exame
tável, enxaqueca abdominal e dor abdo-
físico normal, sem excesso de exames
minal funcional sem outra especificação
complementares
(Quadro 5). Pode ocorrer sobreposição de
A dor abdominal crônica funcional
desordens num mesmo indivíduo.
caracteriza-se por exacerbações e re-
duções em cada episódio, de duração QUANDO E QUAIS EXAMES
variável, e pode ser acompanhada de COMPLEMENTARES PODEM
sintomas autonômicos/vasomotores, in­- SER INDICADOS?
cluin­
do náuseas, tontura, palidez ex- A necessidade de complementação do
trema e sudorese. Frequência, gravida- diagnóstico da criança ou do adoles-
de (pode ser intensa), impacto da dor cente que cursa com DAC com exames

Quadro 4. Características da dor abdominal funcional e orgânica

Características Funcional Orgânica

Dor difusa (usualmente periumbilical, Dor localizada (usualmente distante


Localização
epigástrica ou hipogástrica) do umbigo)

Intermitente, ocorre em surtos; Persistente, criança aparentemente


Frequência
criança saudável entre os surtos doente

Irradiação Sem irradiação Com irradiação

Despertar noturno Sem despertar noturno Despertar noturno

Sinais de alerta Ausência de sinais de alerta Presença de sinais de alerta

Em cólica. Podem ocorrer náuseas,


Tipo de dor Dor furando ou em queimação
vômitos, palidez e ansiedade

Fonte: Autoras.
SEÇÃO 6 382

Quadro 5. Critério de Roma IV para DAF

Dispepsia funcional
Deve incluir 1 ou mais dos seguintes sintomas ao menos 4 dias por mês:
1. Plenitude pós-prandial
2. Saciedade precoce
3. Dor epigástrica, que não se associa à defecação
4. Após avaliação adequada, os sintomas não podem ser plenamente explicados por outra doença
Estes critérios devem ocorrer por pelo menos 2 meses antes do diagnóstico. Os seguintes subtipos estão
agora adotados dentro da dispepsia funcional:
1. Síndrome de dificuldade pós-prandial, inclui desconforto da plenitude pós-prandial ou saciedade
precoce que impede o término da refeição regular. Os critérios de suporte incluem distensão
abdominal superior, náusea pós-prandial ou eructações excessivas
2. Síndrome de dor epigástrica, que inclui todos os seguintes sintomas: dor ou queimação (grave o
suficiente para interferir com as atividades) localizada no epigástrio. A dor não pode ser generalizada,
nem pode se localizar em outra parte do abdômen ou tórax e não é aliviada pela evacuação ou
eliminação de flatos. Os critérios que suportam o diagnóstico podem incluir: (a) dor tipo queimação,
mas sem o componente retroesternal e (b) a dor comumente é induzida ou aliviada pela ingestão de
uma refeição, mas pode ocorrer durante o jejum

Síndrome do intestino irritável (SII)


Deve incluir todos os critérios a seguir:
1. Dor abdominal ao menos 4 dias por mês associada com um ou mais dos seguintes sintomas:
a) Relação com a evacuação
b) Alteração na frequência das fezes
c) Alteração na aparência das fezes
2. Em crianças com constipação, a dor pode não resolver com a resolução da constipação (crianças nas
quais a dor resolve, têm constipação funcional e não síndrome do intestino irritável)
3. Após avaliação adequada, os sintomas não podem ser plenamente explicados por outra condição
médica
Estes critérios devem ocorrer por pelo menos 2 meses antes do diagnóstico.

Enxaqueca abdominal
Deve incluir todos os seguintes sintomas ocorrendo ao menos em duas ocasiões:
1. Episódios paroxísticos de dor abdominal intensa, aguda e periumbilical, na linha média ou difusa,
durando 1 hora ou mais (deve ser o mais grave e aflitivo sintoma)
2. Episódios intercalados por semanas ou meses
3. A dor é incapacitante e interfere com as atividades normais
4. Padrões estereotipados e sintomas individualizados para cada paciente
5. A dor está associada com 2 ou mais dos seguintes sintomas:
a) Anorexia
b) Náusea
c) Vômito
d) Cefaleia
e) Fotofobia
f) Palidez
6. Após avaliação adequada, os sintomas não podem ser plenamente explicados por outra condição
médica
Estes critérios devem ocorrer por pelo menos 6 meses antes do diagnóstico.

Dor abdominal funcional sem outra especificação


A dor deve ocorrer ao menos 4 vezes por mês e incluir todos os seguintes sintomas:
1. Dor abdominal episódica ou contínua que não ocorre exclusivamente durante eventos fisiológicos
(exemplos: alimentação e menstruação)
2. Critérios insuficientes para síndrome do intestino irritável, dispepsia funcional ou enxaqueca
abdominal
3. Após avaliação adequada, a dor abdominal não pode ser plenamente explicada por outra condição
médica
Estes critérios devem ocorrer por pelo menos 2 meses antes do diagnóstico.

Fonte: Autoras.
Dor abdominal crônica na infância e na adolescência 383

complementares deve ser individualiza- complicados de intestino irritável,


da e racionalizada. A presença de sinais para excluir doença inflamatória in-
de alerta, definirá se existe necessidade testinal (DII).
e quais seriam os exames complemen- • Teste de triagem para doença celía-
tares solicitados. A persistência dos sin- ca: indicada a realização de anticor-
tomas não é um indicativo de doença po antitransglutaminase IgA asso-
orgânica ou para realização de exames ciado a dosagem de IgA sérica.
complementares de maior complexi- • Exames de imagem: considerar rea-
dade. A realização dos exames comple- lização de ultrassonografia de abdô-
mentares no período de dor abdominal men, tomografia com contraste ou
pode ser importante. Uma proposta de trânsito intestinal, em casos de dor
investigação está contida no Quadro 6. recorrente fora da linha média ab-
• Exames laboratoriais: não estão in- dominal (principalmente se for em
dicados de rotina para criança com hipogástrio direito), na presença de
DAC sem sinais de alerta. Em caso de sintomas cíclicos intensos, massa
sinais de alerta considerar: hemo- abdominal palpável, sintomas uriná-
grama, VHS, PCR e avaliação meta- rios associados e quadros obstrutivos.
bólica (ionograma, reserva alcalina, • Endoscopia digestiva alta: ponderar
glicemia, cálcio, fósforo, fosfatase em casos de elevada suspeita de eso-
alcalina, transaminases, bilirrubinas, fagite péptica ou eosinofílica – que
creatinina e albumina). Em casos geralmente cursam com sinais de
com sintomas cíclicos considerar: alarme – e em casos de DAC com
amilase, lipase, C4 e porfobilinogê- dispepsia que não respondem ao
nio urinário. manejo proposto.
• Exames fecais: a realização de pa- • Colonoscopia: considerar em casos
rasitológico de fezes em crianças de DAC associada a sinais de alerta
com fezes malformadas, náuseas, para DII ou tuberculose intestinal,
vômitos e/ou distensão abdominal como perda de peso e diarreia, e
associada a fatores de risco, tais co- com alteração laboratorial ou de
mo falta de higiene ou treinamento imagem.
esfincteriano, deve ser considerada.
Em casos com diarreia sanguinolen- COMO TRATAR?
ta, avaliar a realização de cultura de O tratamento da criança com DAO será
fezes e pesquisa de Criptosporidium específico para cada doença e depende-
e de C. difficile. A calprotectina fe- rá do diagnóstico. No caso das DAF, o fa-
cal pode ser útil, em alguns casos tor mais importante é estabelecer uma
SEÇÃO 6 384

Quadro 6. Proposta para uso racional dos exames complementares para DAC na infância

Condição Proposta de investigação

Suspeita de causa não intestinal USG de abdome, lipase, sumário de urina

Disfagia, dor retroesternal, impactação esofágica,


dispepsia não responsiva a tratamento empírico, EDA + biópsias
suspeita de doença celíaca

Vômitos biliosos Trânsito intestinal

Hemograma, VHS, PCR, albumina, calprotectina,


Suspeita de doença inflamatória intestinal (DII)
pesquisa de sangue nas fezes

Suspeita de DII + exames positivos Colonoscopia

Rx de tórax, estudo microbiológico, USG de


Suspeita de tuberculose intestinal
abdômen

Cultura de fezes, parasitológico, pesquisa de


Diarreia sanguinolenta
Criptosporidium e de C. difficile

Fezes malformadas, distensão abdominal,


Parasitológico de fezes com três amostras
menores de 5 anos, condições sanitárias
(pesquisa de giárdia)
desfavoráveis

Fonte: Autoras.

boa relação médico–família–paciente, incluir: abordagens dietéticas, terapia


es­
cu­
tando com atenção e interesse, o farmacológica e suporte psicológico.
que permite explicações para o entendi-
mento adequado de todos os envolvidos Abordagem dietética
acerca da condição da criança. Deve-se Existe embasamento para considerar
esclarecer sobre a natureza benigna da que alguns alimentos podem aumen-
desordem. Contudo, afirmar que os sin- tar a distensão abdominal e, portan-
tomas são reais e importantes. O alívio to, a sinalização dolorosa, piorando os
completo dos sintomas frequentemente sintomas, em alguns casos de DAF. Em
não é alcançado; por isso, o tratamento casos associados à distensão abdomi-
deve dirigir-se para objetivos realistas, nal, eructação e fezes amolecidas, de-
como a redução dos sintomas diários e a ve-se considerar a possibilidade de uma
melhoria da qualidade de vida, identifi- intolerância à lactose associada e um
cando-se potenciais estressores. É impor- período de retirada de lactose pode ser
tante manter as atividades habituais du- realizado, mas só deverá ser mantido,
rante o tratamento. O manejo deverá ser se houver alívio dos sintomas. Estudos
individualizado e as metas da terapêuti- sugerem um papel dos carboidratos fer-
ca visarão diferentes aspectos, podendo mentáveis não absorvíveis (FODMAPs),
Dor abdominal crônica na infância e na adolescência 385

da sensibilidade ao glúten não celíaca tratamento medicamentoso profilático


e de aditivos alimentares em alguns pode ser realizado com ciproeptadina,
pacientes com SII e dor abdominal fun- amitriptilina, propranolol, pizotifeno
cional. Caso uma dieta restritiva seja e flunarizina. Na dispepsia funcional,
indicada, precisa ser adequadamente quando a dor é o sintoma predominan-
supervisionada por nutricionista com te, o bloqueio ácido com inibidores da
formação em pediatria, e reavaliada fre- bomba de prótons pode ser tentado
quentemente. Restrições alimentares na por quatro semanas em crianças maio-
infância podem levar a inadequações res e adolescentes. É muito importante
nutricionais e a distúrbios alimentares. orientar o paciente para não utilizar an-
Na dispepsia funcional, quando os sin- ti-inflamatórios. Existem evidências de
tomas são agravados por determinados que alguns produtos probióticos podem
alimentos (cafeína, picantes e gorduro- colaborar no tratamento, principalmen-
sos), estes devem ser evitados. Na enxa- te na SII, são eles: Lactobacillus rhamno-
queca abdominal, pode-se diminuir a sus GG, Lactobacillus reuteri DSM 17938
ingestão de aminas da dieta – chocolate, e o VSL#3.
frutas cítricas, cafeína, queijo e corantes.
Suporte psicológico
Manejo medicamentoso e comportamental
O tratamento farmacológico atualmen- O estabelecimento de uma boa relação
te tem pouca efetividade; a grande médico-paciente-família, como já men-
maioria dos estudos mostra um eleva- cionado, é um dos pontos principais
do efeito placebo. Embora comumente do tratamento. Para se alcançar tal me-
utilizados, não existem evidências de- ta, recomenda-se: envolver o paciente
monstrando eficácia do uso de antico- com o atendimento, construir a histó-
linérgicos, como a escopolamina para ria clínica centrada no paciente e sem
controle da dor na DAF. Os antidepres- julgamentos, entender o que o pacien-
sivos podem afetar o sistema nervoso te pensa sobre sua doença e focar nas
central e periférico, e podem ser bené- suas preocupações, estimular o pacien-
ficos por diferentes mecanismos: dimi- te a entender seus sintomas e orientar
nuindo o trânsito intestinal, tratando quanto aos mesmos, associar estresse e
a depressão (enquanto comorbidade), sintomas de forma consistente com as
melhorando o sono e induzindo anal- crenças do paciente, estabelecer limites,
gesia. Devem ser avaliados com cau- envolver o paciente com o tratamento,
tela devido aos seus potenciais efeitos manter a continuidade do envolvimen-
colaterais. Na enxaqueca abdominal, o to. Evidências sugerem que as técnicas
SEÇÃO 6 386

de terapia cognitivo-comportamental percepção dolorosa. Também objetivam


são as mais efetivas. As técnicas cog- modificar comportamentos e interações
nitivas objetivam, durante a crise de errôneas, no paciente e nos cuidadores,
dor, manter o paciente total ou parcial- que iniciam, mantêm e/ou exacerbam a
mente focado em outro pensamento dor. São exemplos: exercício físico, rela-
ou imagem. São exemplos: distração xamento e condicionamento operante.
e atenção, imaginação, interrupção Para a enxaqueca abdominal, de-
do pensamento e hipnose. As práticas ve-se identificar os possíveis fatores
comportamentais objetivam amenizar desencadeantes. Evitar hipoglicemia e
a tensão muscular e/ou comportamen- viagens de carro prolongadas, procurar
tos restritivos, que levam a impulsos dormir bem, usar óculos escuros ou cha-
sensoriais inadequados e aumentam a péus para diminuir a claridade.

REFERÊNCIAS
BERGER, M. Y.; GIETELING, M. J.; BENNINGA, HYAMS, J. S.; DI LORENZO, C.; SAPS, M.;
M. A. Chronic abdominal pain in children. SHULMAN, R. J.; STAIANO, A.; VAN TILBURG,
BMJ. 334(7601): p. 997-1002, 2007. M. Functional Disorders: Children and Ado­
les­cents. Gastroenterology, 150: p. 1456-1468,
BROWN, L. K.; BEATTIE, R. M.; TIGHE, M. P.
2016.
Practical management of functional abdo-
minal pain in children. Arch Dis Child. 101(7): LLANOS-CHEA, A.; SAPS, M. Utility of Diag­
p. 677-83, 2016. nostic Tests in Children With Functional Ab­
dominal Pain Disorders. Gastroenterol Hep­
DI LORENZO, C.; COLLETTI, R. B.; LEHMANN, H. P.; atol. (N Y). 15(8): p. 414-422, 2019.
BOYLE, J. T.; GERSON, W. T.; HYAMS, J. S.;
REUST, C. E.; WILLIAMS, A. Recurrent Ab­
SQUIRES, R. H. JR.; WALKER, L. S.; KANDA, P. T.
dominal Pain in Children. Am Fam Physician.
AAP Subcommittee; NASPGHAN Com­
mittee
97(12): p. 785-793, 2018.
on Chronic Abdominal Pain. Chronic Ab­dom­
inal Pain In Children: a Technical Re­port of SARTORIS, G.; SEDDON, J. A.; RABIE, H.; NEL, E.
the American Academy of Pediatrics and the D.; SCHAAF, H. S. Abdominal Tuberculosis in
North American Society for Pediatric Gas­ Children: Challenges, Uncertainty, and Con­
troen­terology, Hepatology and Nutrition. J Pe­ fusion. J Pediatric Infect Dis Soc. 9(2): p. 218-
diatr Gastroenterol Nutr. 40(3): p. 249-61, 2005. 227, 2020.
C APÍTULO 4

Doença diarreica:
diarreia aguda e persistente

Margarida Maria de Castro Antunes


Michela Cynthia da Rocha Marmo

QUAL É A IMPORTÂNCIA QUAIS SÃO AS FORMAS CLÍNICAS?


DA DOENÇA DIARREICA?
Diarreia aguda (DA)
A Doença Diarreica (DD) engloba a Diar­ É definida como um episódio de início
reia Aguda (DA) e a Diarreia Persistente súbito de diminuição da consistência das
(DP), sendo ambas entidades, presumi- fezes e de aumento na frequência das
velmente, originadas de uma causa infec- evacuações (mais de 3 evacuações em 24
ciosa comum. A DD permanece a terceira horas ou acima do padrão habitual do
causa principal de morte entre crianças indivíduo), causa presumivelmente in-
abaixo de 5 anos no mundo, superada fecciosa, com aumento da perda de água
apenas pelas causas causas neonatais e e eletrólitos pelas fezes, e curso poten-
pelas infecções respiratórias. Cerca de cialmente autolimitado. A diarreia agu-
uma em cada cinco mortes na infância, da, geralmente, dura menos de 7 dias e
aproximadamente, 1,5 milhão de mortes não mais que 14 dias, e pode ou não ser
por ano, são devidas à diarreia, seja por acompanhada de febre e vômitos.
desidratação e distúrbios hidroeletrolíti- A diarreia aguda pode ser caracteri-
cos na sua forma aguda (DA), ou por des- zada como:
nutrição e infecções secundárias na sua • Diarreia aguda aquosa: associada
forma persistente. No Brasil, a DD é res- com significante perda de peso e
ponsável por 4,1% dos óbitos de crianças rápida desidratação. Os patógenos
no primeiro ano de vida e um dos fatores mais comuns são rotavírus, E. coli e
perpetuadores da desnutrição crônica, V. cholerae. A diarreia aquosa pode
cujas origens têm causas comuns, como ter como causa mecanismos osmó-
a pobreza, o acesso precário à água, aos ticos (como na infecção por rotaví-
alimentos e ao saneamento de qualidade. rus ou por E. coli enteropatogênica
SEÇÃO 6 388

clássica) ou secretórios (como na HIV – “SIDA” ou imunodeficiências, são


infecção por cólera ou por E. coli mais susceptíveis à DP e esta tende a
enterotoxigênica); agravar a desnutrição e as demais con-
• Diarreia aguda com sangue: ca­ dições crônicas. Final­mente, além dos
racterizada por sangue visível nas fatores individuais e do cuidado, carac-
fezes. É associada com invasão in- terísticas do agente infeccioso também
testinal por patógenos bacterianos estão relacionadas à ocorrência da DP. A
ou parasitários e perda de sangue, mortalidade também é maior entre os
leucócitos e nutrientes nas fezes. O pacientes que desenvolvem a DP.
patógeno mais comum e que pode
evoluir com maior gravidade, le- Etiologia
vando a complicações e sepses, es- Os agentes mais encontrados na diarreia
pecialmente em crianças peque­nas aguda são:
e desnutridas, é a Shigella. Além • Vírus: rotavírus, coronavírus, ade-
disso, outros agentes, como a Sal­ novírus, calicivírus (em especial o
mo­nella, a E. coli enteroinvasiva e norovírus) e astrovírus;
a Entamoeba histolytica também • Bactérias: E. coli enteropatogênica
podem levar à diarreia com sangue, clássica, E. coli enterotoxigêni­ca, E.
no entanto, com menor gravida- coli enterohemorrágica, E. co­li en­
de e potencial invasivo do que a teroinvasiva, E. coli ente­ro­agre­gativa,
Shigella. Aeromonas, Plesiomo­nas, Salmo­nella,
Shigella, Campy­lo­bacter jejuni, Vibrio
Diarreia persistente (DP) cholerae e Yersinia;
É um episódio de diarreia com ou sem • Parasitos: Entamoeba histolytica,
sangue, que dura mais de 14 dias. A Giardia lamblia, Cryptosporidium e
persistência da diarreia é secundária à Isospora;
manutenção da lesão e às alterações da • Fungos: Candida albicans.
microbiota intestinal. Portanto, é mais
comum em crianças que são subme- Os vírus são responsáveis por 80%
tidas ao jejum ou à redução do aporte das diarreias agudas, sendo os mais
alimentar durante o episódio de DA frequentes: rotavírus, noravírus, calici-
ou já são previamente desnutridas. Do vírus, astrovírus e adenovírus. As diar-
mesmo modo, o uso inadequado de an- reias agudas virais são influenciadas
tibiótico está associado à persistência da por fatores climáticos, geográficos, sa-
diarreia. Além das crianças desnutridas, zonais, nutricionais, imunológicos, etá-
portadores de outras doenças, como rios e socioeconômicos. A transmissão
Doença diarreica: diarreia aguda e persistente 389

é feita por saliva (aerossol de gotas As Figuras 1 e 2 apresentam os agen-


salivares), alimentos e por contato. Ca­ tes mais frequentes das diarreias agudas
racteristicamente, eles têm altas taxas nas faixas etárias de 0 a 11 meses e de 12
de infecção e dose infectante baixa (nú- a 24 meses, respectivamente.
mero de micro-organismos capazes de
causar uma infecção), que dependem Diarreia por rotavírus
da virulência, ou seja, da capacidade de O rotavírus pertence à família Reoviridae,
agressão e da resposta do hospedeiro. sendo dos tipos A, B, C e H. São respon-
As infecçoes digestivas virais aco- sáveis por 30% a 50% das diarreias dos
metem o intestino delgado, sendo que lactentes e consistem em um dos tipos
o acometimento do cólon é pouco fre- de diarreia mais grave e mais associada
quente, ocorrendo poucos casos de ente- a hospitalizações. O rotavírus tem um
rocolite. Os vômitos são frequentes pelo período de incubação de 2 a 4 dias, e ca-
estado de cetose do paciente, sendo o ráter sazonal. Seu início é marcado por
termo gastroenterite inadequado. um episódio de otite ou rinofaringite.

Figura 1. Agentes associados à diarreia aguda mais frequentemente encontrados na idade de


0-11 meses

Fonte: Platts-Mills et al. (2018).


SEÇÃO 6 390

Figura 2. Agentes associados à diarreia aguda mais frequentemente encontrados na idade de


12-24 meses

Fonte: Platts-Mills et al. (2018).

Diarreia por calicivírus evidências de que os norovírus causem


Os calicivírus de humanos causam in- infecção crônica em um hospedeiro nor-
fecção predominantemente pela via mal. Pode acometer indivíduos em qual-
oral. Os vírions são estáveis em ácido, quer faixa etária e já foi muito associado
possuindo habilidade para sobreviver a infecções hospitalares, até o advento
na passagem pelo estômago. Os noro- da vacina para o rotavírus.
vírus são altamente infecciosos, devido
à combinação de baixa dose infectante, Astrovírus e adenovírus
ao alto nível de excreção viral e à excre- Os dois vírus contam 10%-20% das diar-
ção prolongada após a recuperação clí- reias comunitárias em crianças e são,
nica. Sua replicação ocorre no citoplas- muitas vezes, associados com surtos em
ma dos enterócitos. Uma vez infectado, comunidades semifechadas em todas
o hospedeiro pode eliminar o vírus por as idades. Os imunodeprimidos podem
mais de duas semanas após a fase sinto- desenvolver diarreia prolongada e grave,
mática da doença. Contudo, há poucas podendo ser fatal.
Doença diarreica: diarreia aguda e persistente 391

Bactérias re­conhecido de diarreia osmótica é o


Em países desenvolvidos, a Shigella, a do rotavírus, em que ocorre invasão
E. coli enterotoxigênica (EETC) e o Cryp­ das células da superfície absortiva pe-
tosporidium respondem pela maioria lo vírus, seguida da indução da morte
dos casos de DA bacteriana em crianças celular e consequente perda de superfí-
menores do que cinco anos. Em países cie mucosa. Essa lesão é predominante
em desenvolvimento, além desses pató- nas células do ápice das vilosidades, o
genos, a E. coli enteropatogênica clássi- que leva ao achatamento vilositário e
ca (EPEC) é também causa frequente de à depleção das enzimas dissacaridases,
diarreia bacteriana na infância. localizadas nessa região. O rotavírus
Dentre as bactérias, a Shigella é também atua, de forma discreta, au-
destacada por sua importância epide- mentando a secreção de água e de ele-
miológica e sua capacidade de invasão, trólitos e a motilidade intestinal. Outros
causando a diarreia aguda com sangue agentes, especialmente a Escherichia
em crianças. A Shigella é transmitida coli enteropatogênica clássica (EPEC),
por via fecal-oral e tem alta transmissi- atuam por mecanismos se­
melhantes
bilidade, sendo capaz de infectar com ao rotavírus.
pequenas quantidades de unidades for- Na diarreia osmótica, a digestão dos
madoras de colônias. Desse modo, o tra- dissacarídeos (especialmente a lactose)
tamento de DA com sangue em crianças da dieta estará comprometida e a pre-
se baseia no perfil de sensibilidade da sença desses nutrientes não digeridos
Shigella aos antibióticos. Excetuando-se no intestino aumenta a carga osmótica
o cólera grave, outras DA causadas por na luz intestinal, gerando influxo de
bactérias não se beneficiam de trata- água para esse local. Além disso, a che-
mento antibiótico. Ao contrário, o uso gada dos dissacarídeos não digeridos no
indiscriminado de antibiótico em DA é intestino grosso, induz a sua fermenta-
um dos fatores associados à persistência ção pelas bactérias colônicas, levando
da DA e ao aumento das taxas de desnu- à produção de gás e ácidos orgânicos.
trição e mortalidade. Essas alterações culminam com a eli-
minação de fezes líquidas, explosivas
QUAL É A FISIOPATOLOGIA?
e ácidas, que são as características pe-
Diarreia aquosa osmótica culiares da diarreia osmótica. Ademais,
A diarreia osmótica ocorre em conse- distensão abdominal e hiperemia peria-
quência à infecção viral ou bacteriana nal podem estar presentes.
dos en­te­rócitos, predominantemente Uma vez que a diarreia osmótica de-
no in­­testino delgado. O modelo mais pende, em grande parte, da presença do
SEÇÃO 6 392

alimento no intestino, observa-se uma em hemorragia e até em perfuração


diminuição do número de evacuações intestinal. Mecanismos secretórios e au-
durante o jejum, o que leva, equivoca- mento da motilidade, também podem
damente, à redução da oferta de alimen- acompanhar o processo inflamatório,
tos à criança pela família, agravando a agravando a diarreia, que se caracteri-
desnutrição e aumentando o risco de za na clínica por evacuações dolorosas
diarreia persistente. com tenesmo.

Diarreia aquosa secretória COMO TRATAR?


A diarreia secretória, cujo modelo é o O tratamento da diarreia aguda objeti-
cólera, ocorre em consequência a agen- va, primariamente, prevenir e tratar a
tes capazes de aderir ao muco do intes- desidratação e os distúrbios hidroeletro-
tino delgado e secretar exotoxinas que líticos e reduzir o risco de desnutrição e,
ativam a adenilciclase e a secreção ati- consequentemente, a evolução para a
va de água e sódio, levando a grandes diarreia persistente.
perdas de volume. Por esse motivo, a
diarreia secretória se caracteriza por ser Hidratação
muito volumosa e frequente e se man- O aspecto mais importante do tratamen-
ter inalterada, mesmo com o paciente to da doença diarreica é a hidratação, e
em jejum. É um tipo de DA com gran- deve ser sempre prioridade. Além de
de risco de desidratação e distúrbios prevenir a desidratação, cuja identifica-
hidroeletrolíticos. ção é importante orientar no cuidado
domiciliar, a hidratação é a intervenção
Diarreia aguda com sangue com maior impacto na mortalidade por
A diarreia com sangue ocorre por ação DA. Perda de peso, alterações de cons-
de bactérias que são capazes de invadir ciência, ressecamento das mucosas, re-
a mucosa do íleo distal e do cólon. O dução do turgor da pele, alterações dos
modelo da fisiopatologia mais estu- pulsos periféricos e enchimento capilar
dado na diarreia com sangue é o da prolongado são os sinais com maior es-
Shigella, pois é o agente com maior im- pecificidade para identificar e classificar
portância epidemiológica e gravidade a desidratação.
potencial. Após invadir os enterócitos, O Ministério da Saúde do Brasil, em
ocorre multiplicação e disseminação con­sonância com a OMS, a fim de facili-
bacteriana com intenso processo infla- tar o manuseio da criança com DA, nor­
matório e ulcerações, levando à perda ma­tizou a classificação e a abordagem
volumosa de sangue, que pode resultar desses pacientes e instituiu a adoção
Doença diarreica: diarreia aguda e persistente 393

dos planos A, B e C, conforme descritos • Evitar refrigerantes, sucos de frutas,


no Quadro 1. bebidas isotônicas, líquidos açuca-
rados e energéticos;
Plano A • Iniciar zinco oral, por 10 a 14 dias,
Crianças sem desidratação: nas seguintes doses:
• Reidratar após cada evacuação lí- * < 6 meses: 10 mg/kg, uma vez ao
quida com solução de reidratação dia;
oral (SRO) da OMS (75 mmol de só- * ≥ 6 meses: 20 mg/kg, uma vez
dio por litro) ou comerciais (preferir ao dia;
as soluções com 60 mmol de sódio • Vigiar sinais de alerta de desidrata-
por litro); ção: orientar, cuidadosamente, a fa-
• Aumentar a ingestão de água, água mília quanto a sinais de alerta que,
de coco e caldos de frango com se observados, indicam que a crian-
legumes entre os episódios diar- ça deve voltar ao serviço de saúde
reicos; para reavaliação;

Quadro 1. Classificação dos pacientes com DA

OBSERVAR A B C

Condição Bem alerta Irritado, intranquilo Comatoso, hipotônico*

Olhos Normais Fundos Muito fundos

Lágrimas Presentes Ausentes Ausentes

Boca e língua Úmidas Secas Muito secas

Sedento, bebe rápido e Bebe mal ou não é


Sede Bebe normalmente
avidamente capaz de beber*

EXAMINAR

Desaparece muito
Desaparece Desaparece
Sinal da prega lentamente (mais de
rapidamente lentamente
2 segundos)

Pulso Cheio Rápido, débil Muito débil ou ausente*

Normal Prejudicado Muito prejudicado


Enchimento capilar
(até 3 segundos) (3 a 5 segundos) (mais de 5 segundos)*

Se apresentar 2
Se apresentar 2 ou mais dos sinais
ou mais dos sinais descritos acima,
Conclusão Não tem desidratação
descritos acima, há incluindo ao menos 1
desidratação dos com asterisco, há
desidratação grave

Fonte: Ministério da Saúde (2021).


SEÇÃO 6 394

• Manter a alimentação habitual sau- Plano C


dável, inclusive com teor normal de Criança desidratada, com sinais de
fibras e gorduras. Evitar as chama- comprometimento hemodinâmico ou
das dietas “constipantes”, que são choque:
tradicionalmente compostas de ali- • Internar e iniciar a terapia de reidra-
mentos com teor reduzido de fibras tação endovenosa.
o que impacta a função adequada
da microbiota. As gorduras, que Alimentação
são fonte importante de calorias da Um dos aspectos mais importantes do
dieta, são frequentemente retiradas, manuseio da DA é o suporte à nutrição.
pela população leiga, dos pacientes Manter uma dieta adequada em calo-
com DA. Essa prática leva ao agravo rias e macronutrientes, além de suple-
nutricional e deve ser evitada. mentar a vitamina A para as crianças
desnutridas. Evitar jejum prolongado,
Plano B mantendo a dieta habitual saudável pa-
Crianças com desidratação sem sinais ra casa, evitar a restrição de fibras e gor-
de comprometimento hemodinâmico: duras que é popularmente muito difun-
• Realizar terapia de reidratação oral dida. Evitar suspensão desnecessária do
(TRO) no serviço de saúde com os leite e das fórmulas. E, finalmente, reini-
SRO da OMS ou comerciais. Calcular ciar precocemente a dieta após a fase de
a estimativa inicial do volume de expansão nas crianças desidratadas.
soro oral: 50 a 100 ml/kg, em 4 a 6 A redução de lactose da dieta, ape-
horas. Oferecer, continuamente, de sar de muito difundida, deve ser realiza-
acordo com a aceitação do pacien- da em situações específicas, em que há
te, com copinho ou colher. O soro sinais de intolerância importantes a es-
será oferecido até desaparecerem os se açúcar, sem, contudo, retirar comple-
sinais de desidratação. Observar cli- tamente o leite e os derivados da dieta.
nicamente e observar diurese; Lembrar que, mesmo em situações de
• Manter o aleitamento materno e diarreia osmótica, a retirada completa
suspender outros alimentos; do leite e seus derivados da dieta não
• Se tiver recusa ou vômitos, instalar vai influenciar no tempo de doença,
SNG e administrar por gastróclise; apenas nos sintomas, e pode contri-
• São consideradas falhas da TRO: per- buir para a desnutrição. Além disso, a
sistência da desidratação por aumen- lactose é um importante fator protetor
to das perdas, vômitos incoercíveis e da microbiota saudável em crianças pe-
piora da desidratação durante a TRO. quenas e a sua retirada pode interferir
Doença diarreica: diarreia aguda e persistente 395

negativamente na resposta a diversos • Antieméticos: nos pacientes com


enteropatógenos. vômitos persistentes, o uso criterio-
so da ondansetrona pode contribuir
Medicamentos para o sucesso da TRO e reduzir a ne­
• Zinco: a Organização Mundial de ces­sidade de acesso venoso e, conse­
Saúde recomenda o zinco para to- quente, internamento. Lembrar que
das as crianças com DA, na dose de na cri­ança desidratada e com distúr­
10 mg/dia para os menores de 6 me- bios hidro­
eletrolíticos, os vômi­
tos
ses e 20 mg/dia para os maiores de cos­tu­mam melhorar com a reidra­
6 meses, por 10 a 14 dias. O uso do tação e a reposição de eletrólitos,
zinco pode reduzir o risco de evolu- por­tanto o uso da ondansetrona es-
ção para a diarreia persistente e da tá res­tri­to a pacientes com vômitos
ocorrência de outro episódio de DA inco­er­cíveis (mais de 3 episódios em
nos próximos 3 meses. Esse efeito é 1 hora);
maior em crianças desnutridas; • Probióticos: apesar do uso mui-
• Antibióticos: devem ser usados em to difundido e indiscriminado de
situações de exceção e criteriosa- múltiplas cepas de probióticos em
mente, pois o seu uso indiscrimi- pacientes com DA, existem apenas
nado aumenta o risco de diarreia estudos robustos com Lactobacillus
persistente. O uso de antibiótico se rhamnosus GG, Saccharomyces bou­
destina a evitar sepse nas DAS gra- lar­dii e Lactobacillus reuteri. Mesmo
ves por Shigella, aos pacientes imu- assim, estas cepas têm pequeno
nocomprometidos e ao tratamento efeito em reduzir o tempo de diar-
do cólera. Nesse sentido, antibióti- reia para menos de 48 horas. Até
cos específicos para Shigella (azitro- o momento, não há evidências do
micina, ciprofloxacino e ceftriaxo- efeito do probiótico na gravidade da
na) estão indicados para crianças diarreia e no risco de desidratação e
com diarreia aguda com sangue, evolução para a diarreia persistente.
que estejam evoluindo com febre Duas questões devem ser considera-
e comprometimento do estado ge- das na prescrição desses produtos: o
ral. Outras indicações são a diarreia alto custo e o risco de a família prio-
colérica grave, pacientes em uso rizar a compra e a administração do
de próteses cardíacas, com anemia probiótico sobre os sais de hidrata-
falciforme, imunodeprimidos e na ção e da vigilância dos sinais de de-
diarreia aguda por protozoários, sidratação. Esses aspectos, além da
que é rara; prescrição de cepas já com alguma
SEÇÃO 6 396

comprovação de eficácia devem ser DA, não tem impacto na redução de


considerados no plano terapêutico ris­co de desidratação. A última revi-
da criança com diarreia; são sistemática da colaboração Co­
• Racecadotrila: a racecadotrila é uma chra­
ne de 2016 conclui que, ainda,
droga de efeito antissecretório no não há evidências para o uso rotinei-
intestino. E embora alguns estudos ro de racecadotrila em crianças com
demonstrem seu efeito em reduzir o DA.
tempo de diarreia em crianças com

REFERÊNCIAS
BÁNYAI, K.; ESTES, M. K.; MARTELLA, V.; Goals. The Lancet, v. 388, n. 10.063, p. 3027-
PARASHAR, U. D. Viral gastroenteritis. Lancet, 3035, 2016.
v. 392, n. 10.142, p. 175-186, Jul. 2018.
MINISTÉRIO DA SAÚDE BRASIL. Manejo do
BRANDT, K. G.; CASTRO, A. M. M.; SILVA, G. paciente com diarreia – Cartaz. Disponível
A. Acute diarrhea: evidence-based manage- em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/cartazes/
ment. J Pediatr (Rio de J.). 2015. manejo_paciente_diarreia_cartaz.pdf. Aces­so
em: 22 dez. 2021.
COLLINSON, S. et al. Probiotics for treating acu-
te infectious diarrhoea. Cochrane Database of MORILLO, S. G.; TIMENETSKY, M. C. S. T. No­
Systematic Reviews, v. 12. n. CD003048, 2020. rovírus: uma visão geral. Rev Assoc Med Bras,
v. 57, n. 4, p. 462-467, ago. 2011.
GORDON, M.; AKOBENG, A. Racecadotril for
acute diarrhoea in children: systematic re- OLIVE, J. P.; MAS, E. Viral acute diarrhea: clin-
view and meta-analyses. Arch Dis Child, v. 101, ical and evolutive aspects. Archives de pédia-
n. 3, p. 234-40, Mar. 2016. trie, v. 14, p. S152-S155, 2007.

GOUVEIA, DA C. M. A.; LINS, M. T. C.; SILVA, DA PLATTS-MILLS, J. A. et al. Use of quantitative


G. A. P. Acute diarrhea with blood: diagnosis molecular diagnostic methods to assess the
and drug treatment. J Pediatr (Rio de J.), 2020. aetiology, burden, and clinical characteristics
of diarrhoea in children in low-resource set-
LIU, L.; OZA, S.; HOGAN, D.; CHU, Y.; PERIN, J.;
tings: a reanalysis of the MAL-ED cohort study.
ZHU, J.; JOY & LAWN, COUSENS, S.; MATHERS,
Lancet Glob Health, v. 6, p. e1309-18, 2018.
C.; ROBERT & BLACK. Global, regional, and
national causes of under-5 mortality in 2000- SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. Diar­
15: an updated systematic analysis with im- reia aguda: diagnóstico e tratamento. Guia
plications for the Sustainable Development Prático de Atualização, no 1, março de 2017.
C APÍTULO 5

Diarreia crônica

Mara Alves da Cruz Gouveia


Michela Cynthia da Rocha Marmo

O QUE É DIARREIA CRÔNICA? dias. A diarreia crônica tem como defi-


A diarreia é considerada quando há nição o aumento do número e/ou dimi-
aumento da frequência evacuatória ou nuição da consistência das evacuações,
diminuição da consistência das fezes. O de forma contínua, por um período
padrão evacuatório normal pode variar maior que 30 dias, ou, de caráter inter-
entre os indivíduos e entre as faixas mitente, por mais de 60 dias. Apesar de
etárias, a medida mais confiável é con- parecer difícil diferenciar, a diarreia per-
tabilizar a presença de volume de fezes sistente difere da diarreia crônica por se
maior que 20 g/kg/dia. Na prática, essa referir a um quadro de diarreia de início
medida é de difícil realização e, habi- agudo, de provável etiologia infecciosa,
tualmente, pode ser inferida pela mu- associada a complicações nutricionais e
dança do padrão da criança em relação maior mortalidade. Por sua vez, a diar-
ao número de evacuações e à consistên- reia crônica tem caráter insidioso e as-
cia das fezes. sociação com doenças crônicas. A preva-
As diarreias podem ser divididas em: lência da diarreia crônica é 3% a 20% dos
aguda, persistente e crônica. A diarreia casos de diarreia.
aguda ocorre de forma súbita e define-
-se por um quadro de diarreia com du- QUAIS SÃO AS CAUSAS?
ração máxima de 14 dias e de natureza, A etiologia da diarreia crônica na in-
presumivelmente, infecciosa. A diarreia fância é determinada pelo contexto so-
é considerada persistente quando o qua- cioeconômico e pelas características clí-
dro diarreico se prolonga por mais de 14 nicas. Nos países em desenvolvimento,
SEÇÃO 6 398

as causas mais frequentes de diarreia nismos fisiopatológicos: osmótico, se-


crônica são os distúrbios funcionais, as cretório, inflamatório e motor. Fre­quen­
síndromes disabsortivas e a doença in- temente, esses mecanismos podem
flamatória intestinal. O Quadro 1 apre- estar sobrepostos na mesma etiologia.
senta as principais causas de diarreia. A diarreia osmótica é causada por uma
falha na absorção de um soluto, que
QUAIS SÃO OS MECANISMOS permanecerá na luz intestinal, gerando
FISIOPATOLÓGICOS? um gradiente osmótico de líquidos para
A diarreia crônica pode ser dividida em o interior do intestino. A má absorção
quatro tipos, de acordo com os meca­- pode ocorrer por defeito enzimático, por

Quadro 1. Causas de diarreia crônica

Infecciosas:
• Bacterianas: Salmonella, Yersinia enterocolitica, Y. pseudotuberculosis, Clostridium difficile, Escherichia
coli, Campylobacter, Aeromonas, Plesiomonas
• Virais
• Protozoários: Giardia intestinalis, Cryptosporidium
• Sobrecrescimento bacteriano
• Síndrome pós-enterite
• Doença de Whipple
• Espru Tropical

Substâncias exógenas:
• Carbonatos, sorbitol, xilitol, laxativos, metilxantinas e AINES

Processos disabsortivos:
• Fibrose cística, síndrome de Shwachman-Diamond, pancreatite crônica, síndrome de Pearson,
colestase crônica, ressecção de íleo, deficiência de sucrase-isomaltase, deficiência de lactase
congênita ou adquirida, má absorção de glicose-galactose, intestino curto congênito ou adquirido e
má absorção de frutose

Inflamatória/imune:
• Alergia alimentar, doença celíaca, gastroenteropatia eosinofílica, doença inflamatória intestinal (DII),
enteropatia autoimune, imunodeficiência primária ou secundária

Defeitos estruturais:
• Doença de inclusão microvilositária, enteropatia por tufos e linfangiectasia

Defeitos metabólicos ou de eletrólitos:


• Cloridorreia congênita, acrodermatite enteropática, deficiência seletiva de folato e
abetalipoproteínemia

Distúrbios de motilidade:
• Doença de Hirschsprung, pseudo-obstrução intestinal crônica e tireotoxicose

Neoplasias:
• Tumores neuroendócrinos e síndrome de Zollinger-Ellison

Outras:
• Diarreia funcional, diarreia do lactente e síndrome do intestino irritável

AINES: anti-inflamatórios não esteroidais.


Fonte: Autoras.
Diarreia crônica 399

alteração na mucosa intestinal ou por cutânea) associados devem ser conside-


sobrecarga ou falta no transportador de rados também.
membrana. A diarreia secretória é cau- Os antecedentes familiares, como
sada por secreção de substâncias endó- história de alergias e doenças autoimu-
genas, de eletrólitos e/ou fluidos para o nes, também são importantes, assim
intestino sem absorção compensatória, como a história de consanguinidade e
mesmo na ausência de um gradiente óbitos de irmãos no período neonatal
osmótico. A diarreia motora apresenta ou de lactente jovem.
tempo de trânsito colônico reduzido, A avaliação nutricional é o primeiro
com contrações de propagação de alta passo do exame físico e contribui para
amplitude, mas com a capacidade absor- dimensionar o quadro clínico em relação
tiva intacta, não gerando repercussões às consequências do quadro de diarreia.
nutricionais. A diarreia inflamatória é A aferição do peso, da estatura e do pe-
causada por lesão da mucosa intestinal rímetro cefálico permite estabelecer a
após uma resposta inflamatória secun- repercussão das perdas no crescimento
dária à presença de um antígeno, de um do paciente. O comportamento das cur-
patógeno ou da própria microbiota, co- vas de peso, de estatura e de perímetro
mo pode acontecer na doença inflama- cefálico podem identificar o momento
tória intestinal. em que as perdas fecais começaram a ter
repercussão no estado nutricional do pa-
HISTÓRIA E EXAME CLÍNICO ciente, podendo limitar o universo de pa-
A delimitação das características clíni- tologias mais frequentes por faixa etária,
cas do paciente é o primeiro e um im- por exemplo, que podem estar acome-
portante passo no processo diagnóstico. tendo o paciente nas quais o estado nu-
É fundamental caracterizar o paciente tricional é uma característica importante.
de acordo com idade, procedência, há- O exame físico do abdome pode
bitos de vida, procedência da água e apresentar distensão e dor abdominal. A
contato com outras pessoas doentes. distensão abdominal pode estar presente
A descrição detalhada da frequência em quadros de diarreia osmótica e quan-
e do aspecto é indispensável, definindo do há sobrecrescimento bacteriano. A dor
volume e aparência das fezes, presença abdominal, em geral, é difusa e mais fre-
de sangue ou muco e relação com a ali- quente em casos de diarreia inflamatória,
mentação. Os sinais e sintomas gastroin- apesar que a queixa de dor abdominal, ti-
testinais (dor e distensão abdominal, po cólica, está presente na diarreia osmó-
vômitos e úlceras orais) e extraintesti­- tica. A inspeção anal e o toque retal tam-
­­nais (artralgias/artrites, fadiga e erupção bém devem ser realizados na procura de
SEÇÃO 6 400

plicomas, fissuras, fístulas, abscessos e tô- coleta de amostras pode ser desafiadora,
nus do esfíncter anal externo, alterações principalmente em lactentes, dificul-
que podem estar presentes nas doenças tada pela mistura de urina e perda de
infecciosas, nas doenças inflamatórias conteúdo, devido à absorção da fralda.
intestinais e nas imunodeficiências. Idealmente, a amostra deve ser de fezes
frescas, recém-eliminadas, e ser testada
COMO REALIZAR O DIAGNÓSTICO? imediatamente. São exames que neces-
A anamnese detalhada é o ponto de par- sitam de reagentes específicos e lábeis,
tida imprescindível para o início da inves- que requerem treinamento e experiên-
tigação diagnóstica (Figura 1), seguida do cia do operador. No Quadro 2 estão os
estudo laboratorial das fezes. Contudo, a principais exames e suas características.

Figura 1. Características clínicas e proposta de condução da investigação diagnóstica das diarreias


crônicas

DIARREIA CRÔNICA

Anamnese e exame físico compatíveis com alguma causa específica?

Sim
Diagnóstico direcionado à suspeita

Diarreia aquosa Diarreia gordurosa Diarreia sanguinolenta


Alto conteúdo líquido, Brilhosa, pegajosa, Presença de sangue
com muito pouca forma malcheirosa, podendo (melena, hematoquesia),
e volumosa ter cor pálida Pode haver tenesmo

SUDAM, esteatócrito Piócitos e sangue


ou Van de Kamer presentes em lâmina
positivos direta

ESTEATORREIA DIARREIA INFLAMATÓRIA

Bom estado
pH fecal < 6,0
Eletrólitos fecais nutricional e sem
e substâncias
elevados comprometimento
redutoras presentes
orgânico

DIARREIA OSMÓTICA DIARREIA SECRETÓRIA


DIARREIA MOTORA
Fezes explosivas, Alto volume,
FUNCIONAL
distensão presença de
Restos alimentares,
abdominal, flatos e distúrbios
urgência fecal
hiperemia perianal hidreletrolíticos

Fonte: Autoras.
Diarreia crônica 401

O universo de doenças que po- possíveis pode reduzir a quantidade


dem causar diarreia crônica é grande de exames necessários durante a in-
e a limitação do número de doenças vestigação.

Quadro 2. Exames que compõem o estudo das fezes e suas características

Exame de fezes Notas

Os altos níveis de Na+ ou Cl− costumam refletir alterações no transporte intestinal de


íons. Sódio maior que 70 mEq/l é sugestivo de diarreia secretória
Cálculo do gap osmótico das fezes = 290 - 2 × (Na fecal + K fecal)
Eletrólitos
Se > 100 mOsm, é definido como alto (diarreia osmótica); se < 50 mOsm, é definido
como baixo (diarreia secretória); e se entre 50 e 100 mOsm, é definido como
intermediário

Indicam a presença de carboidratos nas fezes, exceto a sacarose, por ser um açúcar
Substâncias
não redutor. Valores < 0,25% são normais; entre 0,25 e 0,5 são duvidosos; e > 0,5%
redutoras
indicam má absorção de monossacarídeos

A existência de um pH ácido sugere má absorção de carboidratos. Resulta de um


excesso de ácidos graxos de cadeia curta, que são produtos da fermentação. Valores
pH
normais: 4,5-6 para lactentes em leite materno; 5,5-8,5 para lactentes em leite
artificial; 6-7,5 para crianças maiores

Proteína sérica, que é muito resistente à ação de proteases e que não é encontrada
α-1 antitripsina na alimentação. A sua elevação nas fezes reflete a perda de proteína pelo tubo
digestivo e permeabilidade intestinal (isto é, enteropatia perdedora de proteína)

É uma pesquisa quantitativa da excreção fecal de gorduras em 72 horas. É considerado


padrão ouro para avaliar a má absorção de gordura. Apresenta dificuldades na
Van de Kamer coleta e requer uma estimativa precisa da ingestão diária de gordura para calcular
a porcentagem de absorção diária. Valores normais: crianças < 3,5 g/24 horas e
adolescentes e adultos < 6 g/24 horas

Pesquisa microscópica qualitativa da gordura fecal após coloração de uma amostra


de fezes, com um corante específico para gorduras (Sudam III). Não permite estimar
Sudam III
a magnitude da má absorção. Tem baixa sensibilidade no diagnóstico de esteatorreia
leve e moderada. A sua sensibilidade melhora com a realização de amostras seriadas

Avalia a concentração da elastase nas fezes, através do método ELISA. A elastase


é uma protease digestiva humana específica, sintetizada nas células acinares e
secretada no duodeno, mas não é degradada durante a passagem pelo intestino. Se
Elastase
baixa, pode implicar em insuficiência pancreática. Inconvenientes: o teste pode não
diagnosticar a insuficiência pancreática leve e moderada, ou dar falso positivo em
diarreias volumosas

O sangue microscópico pode ser avaliado nas fezes; no entanto, deve-se observar
Sangue oculto que não é útil como discriminador de inflamação intestinal versus irritação cutânea
causada por diarreia grave. Portanto, não recomendamos seu uso em testes iniciais

Marcadores Lactoferrina ou calprotectina elevados estão bem correlacionados com a presença


inflamatórios de inflamação intestinal

Avaliação de patógenos bacterianos entéricos por cultura e/ou por reação em


Identificação cadeia da polimerase. Patógenos virais, como rotavírus, citomegalovírus, norovírus
de infecção e adenovírus, devem ser testados por reação em cadeia da polimerase e/ou ensaio
imunoenzimático

Fonte: Autoras.
SEÇÃO 6 402

SITUAÇÕES ESPECIAIS de mono, di ou oligossacarídeos perma-


neçam na luz intestinal, criando um gra-
Diarreia congênita diente osmótico, que provoca a entrada
A diarreia que tem início no período de água na luz do intestino delgado. A
neonatal, comumente chamada de diar- má absorção dos carboidratos pode ser
reia congênita, exige uma investigação primária, por deficiência congênita ou
mais direcionada para patologias espe- hereditária de dissacaridases ou dos
cíficas e mais frequentes nessa idade. A transportadores dos monossacarídeos;
diarreia congênita é considerada grave ou secundária, por sobrecarga de carboi-
e de alto risco de morte para o recém- dratos na dieta ou pela destruição da bor-
-nascido ou lactente jovem, que apre- da em escova, causada por diversas enfer-
senta o quadro. Na Figura 2 está o algo- midades. A mucosa tem um importante
ritmo diagnóstico para a investigação papel na ação digestiva dos carboidratos.
de diarreia no período neonatal. Apesar de estes sofrerem a ação da amila-
se salivar e pancreática, é na mucosa que
Intolerância a carboidratos
grande parte dos carboidratos é converti-
A digestão e a absorção incompletas dos da em monossacarídeos – através da ação
carboidratos fazem com que moléculas das dissacaridases – e, assim, absorvidos.

Figura 2. Algoritmo diagnóstico para a investigação de diarreia congênita

Diarreia Congênita
Início do 1º ao 5º dia de vida

PERSISTE COM O JEJUM DIMINUI COM O JEJUM DESAPARECE COM O JEJUM

História familiar positiva História familiar Teste de tolerância à


Consanguinidade Consanguinidade lactose, à glicose, à
galactose, à frutose
Diarreia com muco Prematuridade
Restrição de crescimento Polidrâmnio
intrauterino Diarreia líquida
Anomalias dos cabelos Enteropatia exsudativa

ATROFIA MICROVILOSITÁRIA CLORIDORREIA CONGÊNITA DEFICIÊNCIA PRIMÁRIA


DISPLASIA EPITELIAL DIARREIA POR PERDA DE SÓDIO DE LACTASE
SÍNDROME SÍNDROME DE CDG MÁ ABSORÇÃO DE GLICOSE
TRICOHEPATOENTÉRICA LINFANGIECTASIA E GALACTOSE
DÉFICIT DE NEUROGENINA 3
CITOPATIA MITOCONDRIAL

Fonte: Autoras.
Diarreia crônica 403

A história clínica pode direcionar e é uma enzima que converte a lactose


identificar qual carboidrato (ou quais em glicose e galactose, estando locali-
carboidratos) a criança apresenta into- zada no topo da vilosidade intestinal. A
lerância e direcionar o diagnóstico após atividade da lactase intestinal é máxima
a associação da ingestão do carboidrato durante o período perinatal, no entanto,
e o aparecimento de sintomas. A confir- após 3-12 anos de idade, dois grupos dis-
mação diagnóstica pode ser feita com tintos emergirão, isto é, um grupo com a
provas, com a ingestão do substrato atividade da lactase baixa (hipolactasia)
isolado (exemplos: lactose, sacarose e e outro grupo de indivíduos, que man-
frutose) e a avaliação através de curvas têm a atividade desta enzima próxima
séricas de glicose ou de teste de hidrogê- aos níveis presentes no período perina-
nio expirado. Este último tem como fun- tal na idade adulta. Estas características
damento que não há produção humana são geneticamente determinadas e a de-
de hidrogênio. A fermentação do carboi- ficiência de lactase, nestes casos, é cha-
drato não absorvido por bactérias colô- mada de hipolactasia do tipo adulto ou
nicas produz hidrogênio e este gás será deficiência ontogenética de lactase, po-
eliminado pelo pulmão, podendo ser de- dendo haver diarreia crônica, mas sem
tectado no ar expirado. As curvas séricas comprometimento do estado nutricional.
de glicose após a ingestão de carboidra- Há ainda a deficiência congênita de
tos, sendo o mais comum a lactose, fun- lactase, uma condição rara e extrema-
damenta-se no aumento da glicemia 45 mente grave, acometendo os recém-nas-
a 60 min após a ingestão do carboidrato cidos em aleitamento materno ou em
absorvível em um indivíduo no qual este uso de fórmulas que contenham lactose.
mecanismo está íntegro. Por outro lado, A deficiência secundária de lactase
os pacientes intolerantes apresentariam resulta da lesão da mucosa do intestino
um aumento da glicemia menor que 23 delgado, causando a perda da lactase.
mg/dl. Por fim, a identificação de dissa- Uma vez superada a doença que levou à
caridases em biópsias do intestino del- lesão da vilosidade e recuperação desta,
gado proximal pode ser realizada, tendo o paciente recuperará também a produ-
alto índice de falsos positivos e pouca ção da lactase e, consequentemente, a
utilização na assistência médica, limi- tolerância à lactose.
tando-se para uso em pesquisa.
O distúrbio mais comum de absorção Perda da função
dos carboidratos é a intolerância à lacto- da barreira intestinal
se, sendo os outros tipos de intolerância Quando não há associação clara da má
aos diversos carboidratos raros. A lactase absorção de um carboidrato específico
SEÇÃO 6 404

e os sintomas, pode-se pensar em um Diarreia secretória


distúrbio de má absorção global, que A diarreia secretória consiste em qua-
envolva um comprometimento da bar- dros mais graves, geralmente de início
reira intestinal. Esta situação pode ser precoce e com um grande volume de
determinada por doenças como a en- fezes e perda de eletrólitos. As causas
teropatia alérgica, a doença celíaca, a congênitas são muito raras, destacando-
disfunção entérica ambiental (entero- -se a cloridorreia congênita e a diarreia
patia ambiental) e parasitoses, como a por defeito de absorção do sódio. Ambas
giardíase, entre outras. Em todos estes as doenças cursam com polidrâmnio fe-
casos, a avaliação deve constar desde a tal e ao nascimento com diarreia de alto
verificação do teste de triagem neona- débito e contínua, mesmo em repouso
tal (fibrose cística), quanto à avaliação intestinal, podendo cursar com desi-
sorológica, como anticorpo anti-trans- dratação e distúrbios hidroeletrolíticos
glutaminase IgA (doença celíaca) e graves. A cloridorreia causa hipoclore-
avaliação de presença de elastase fecal, mia grave, alcalose metabólica e cloro
alfa-1 anti-tripsina fecal, que possam fecal com valor > 50 mEq/l, já a diarreia
traduzir insuficiência da barreira intes- por defeito de absorção do sódio causa
tinal com perdas nas fezes. Para todas hiponatremia com fezes alcalinas e aci-
essas possibilidades, uma vez existindo dose metabólica. As causas adquiridas
uma suspeita concreta destas patolo- podem ser os tumores neuroendócrinos
gias, os protocolos de investigação es- e a síndrome carcinoide. Para avaliação
pecíficos para cada patologia devem diagnóstica são necessários estudos com
ser seguidos. imagem (ultrassonografia e tomografia
Vale ressaltar que dentre essas condi- axial computadorizada) e dosagem de
ções, o sobrecrescimento bacteriano po- catecolaminas.
de ser consequência de situações como
uso de antibióticos, inibidores de bomba Esteatorreia
de prótons, pseudo-obstrução intestinal, Normalmente, há pouca gordura di-
estenoses intestinais e desnutrição. Estas gerida nas fezes, assim, a presença de
situações promovem o crescimento ex- esteatorreia pode indicar má absorção
cessivo de bactérias aeróbias e anaeró- intestinal. Nesses casos, as fezes carac-
bias no intestino delgado, provocando terizam-se pelo aspecto brilhante e vo-
diarreia. O diagnóstico pode ser feito pe- lumoso. A análise da diarreia gordurosa
lo aumento precoce do hidrogênio no ar é feita através de testes quantitativos
expirado, mais facilmente identificado nas fezes de 72 horas e qualitativos em
após a ingestão de lactulose. amostra única (Quadro 2). A perda de
Diarreia crônica 405

gordura nas fezes pode significar perda pancreáticas podem ser medidas de for-
também de vitaminas lipossolúveis, le- ma direta através da coleta, via tubo oro
vando à deficiência destas. ou nasoduodenal, do suco duodenal; po-
A má digestão/absorção de gorduras rém, há limitações: os métodos são inva-
pode ser decorrente de deficiência de sivos, trabalhosos e demandam equipa-
lípase e/ou colipase (deficiência con- mento especial e profissionais treinados.
gênita de lipase), de anormalidades na No entanto, são considerados padrão
síntese, excreção, desconjugação e reab- ouro. O teste da elastase fecal (Quadro
sorção de sais biliares (colestase); de 2) é uma técnica indireta, de fácil exe-
defeitos na ressíntese de triglicerídeos, cução e baixo custo. Pode ser utilizada
na formação e na excreção de quilo- para uma avaliação inicial.
mícrons (abeta ou hipobetalipoprotei- A fibrose cística é a causa mais co-
nemia, Doença de Anderson); e da obs- mum de insuficiência pancreática na
trução dos vasos linfáticos intestinais infância. O quadro clínico é diverso, a
(linfangiectasia intestinal). idade de apresentação e a intensida-
Na maioria das vezes, a má digestão de do acometimento podem variar. A
de gorduras faz parte de um quadro clí- forma clínica clássica é por diarreia
nico geral de insuficiência pancreática. crônica com esteatorreia, desnutrição,
Os níveis de lipase são os primeiros a di- deficiência de vitaminas lipossolúveis e
minuir, isso porque é uma enzima mais pneumopatia crônica. O diagnóstico se
susceptível à destruição proteolítica e à baseia no aumento do cloro acima de 60
desnaturação pelo pH ácido, decorrente em duas amostras de suor. De maneira
da menor secreção de bicarbonato pelo alternativa, o achado de duas mutações
pâncreas. O pH ácido também prejudi- reconhecidas para fibrose cística é sufi-
ca a ação e a secreção dos sais biliares. ciente para realizar o diagnóstico.
A grande maioria dos carboidratos, por
outro lado, pode ser digerida na ausên- Disenteria
cia de amilase pancreática. Além disso, A presença de sangue ou leucócitos nas
a microbiota colônica também pode au- fezes, em geral, indica a presença de
xiliar na digestão deste elemento ao me- processo inflamatório da mucosa colô-
tabolizar parte em ácidos graxos livres. nica. Inicialmente, as causas infecciosas
Por isso, na insuficiência pancreática, devem ser afastadas. Embora muitas
podem não ser observados carboidratos causas infecciosas de diarreia resultem
nas fezes. em uma apresentação aguda e de curta
A avaliação da insuficiência pan- duração, outras bactérias e parasitas pa-
creática exócrina é difícil. As enzimas togênicos podem causar diarreia crônica
SEÇÃO 6 406

(Quadro 1). Alguns destes podem ser de- abdominal e a perda de peso. Na colite
tectados por cultura de fezes de rotina, ulcerativa, a diarreia costuma ser inten-
outros necessitam de avaliação específi- sa, apesar de insidiosa em seu desenvol-
ca. A pesquisa da toxina do Clostridium vimento, e costuma ser acompanhada de
difficile deve ser realizada quando há sangue. Isso acontece porque a diarreia é
história de uso recente de antibióticos mais comum na doença colônica (típica
(últimos dois meses). A detecção de an- da retocolite) e pode estar ausente em
tígenos para Cryptosporidium é mais casos de inflamação isolada do intesti-
sensível e específica do que exames de no delgado, sendo assim um sintoma
microscopia de rotina. Na tuberculose menos frequente na doença de Crohn,
intestinal, além de pesquisar o estado apesar de ser um sintoma importante.
epidemiológico do paciente e seus con- Contudo, de uma forma geral, a diarreia
tactantes, serão necessários PPD, raio-x acompanhada de despertar noturno e/ou
de tórax e pesquisa histológica para mi- sangue são sinais de alerta, sugestivos de
cobactéria. A avaliação destes pacientes doença inflamatória intestinal.
deve incluir marcadores inflamatórios Os exames endoscópicos, em parti-
séricos – velocidade de hemossedimen- cular, a colonoscopia, revelam lesões de
tação, proteína C reativa, albumina, fer- padrão inflamatório e crônico – erosões,
ritina – que detectam inflamação, apesar aftas, úlceras, pseudopolipos, fístulas,
de inespecíficos – e marcadores inflama- fibrose e estenoses – que acompanha-
tórios das fezes – calprotectina e lactofer- das do estudo histopatológico das bióp-
rina – mais específicos na identificação sias com padrões característicos – ero-
do processo inflamatório intestinal. Para sões, áreas de regeneração, distorção
complementação diagnóstica, torna-se da arquitetura, criptites, abscessos de
necessária a realização de endoscopia criptas, fibrose – completam o diagnós-
e colonoscopia, ambos com biópsia e tico. A tomografia computadorizada ou
análise histopatológica, procedimento a ressonância magnética, ambas utili-
que é de grande valia no diagnóstico das zando técnica de enterografia, podem
doenças inflamatórias intestinais, colites refinar a busca diagnóstica pela avalia-
microscópicas e enteropatias autoimu- ção do intestino delgado. A ressonân-
nes, sendo as primeiras mais frequentes. cia magnética de pelve pode permitir
Entre as doenças inflamatórias intes- a visualização de fístulas e abscessos
tinais, a diarreia é o sintoma mais relata- que estão presentes na doença de
do na retocolite ulcerativa, sendo menos Crohn. Estes pacientes, quando meno-
frequente na doença de Crohn, cujos res de 6 anos de idade, devem também
sintomas mais encontrados são a dor ser investigados quanto à presença de
Diarreia crônica 407

imunodeficiências, dada a frequência nutricional. O suporte nutricional deve


da associação destes quadros. ser dado mesmo antes do diagnóstico,
promovendo a reabilitação do paciente.
TRATAMENTO Uma vez que o diagnóstico for definido,
A diarreia crônica pode ser uma situação o tratamento direcionado para a doen-
de urgência médica, desde que associa- ça identificada deve ser prontamente
da com o comprometimento do estado instituído.

REFERÊNCIAS
GUARINO, A.; LO VECCHIO, A.; CANANI, R. B. UHLIG, H. H.; CHARBIT-HENRION, F.; KOTLARZ,
Chronic diarrhoea in children. Best Practi­ D.; SHOUVAL, D. S.; SCHWERD, T.; STRISCIUGLIO,
ce Res Clin Gastroenterol, v. 26, p. 649-61, C. et al. Clinical Genomics for the Diagnosis of
2012. Monogenic Forms of Inflammatory Bowel Dis­
ease: A Position Paper From the Paediatric IBD
SHANKAR, S.; ROSENBAUM, J. Chronic di­ar­
Porto Group of European Society of Pae­diatric
rhoea in children: A practical algorithm-based
Gastroenterology, Hepatology and Nutri­­tion. J
approach. v. 56: p. 1029-1038, 2020.
Pediatr Gastroenterol Nutr, v. 72, p. 456-73, 2021.
THIAGARAJAH, J. R. et al. Advances in Eval­
uation of Chronic Diarrhea in Infants. ZELLA G. C.; ISRAEL, E. J. Chronic Diarrhea in
Gastroenterology, v. 154, n. 8, p. 2045-2059, Chil­dren. Pediatrics in Review, v. 33, p. 207-217,
2018. 2012.
C APÍTULO
A PÍTULO 6
x

Constipação intestinal

Mara Alves da Cruz Gouveia


Maria das Graças Moura Lins
Michela Cynthia da Rocha Marmo

INTRODUÇÃO processos febris e pós-operatórios, du-


Constipação intestinal é o distúrbio rante os quais há: diminuição da ativi-
mais comum da defecação. Estima-se dade física, menor ingestão de líquidos
que a prevalência mundial seja de 9,5%. e alimentos, uso de drogas que alteram
A constipação não é uma doença, mas a motilidade intestinal ou a posição an-
um sintoma definido pela diminuição tifisiológica para a defecação.
do hábito intestinal e/ou defecação do- A constipação crônica tem um cará-
lorosa, causa sofrimento considerável ter mais contínuo, geralmente, acima
para a criança e a família e tem um im- de 4 semanas. Quando a constipação
pacto significativo no custo dos cuida- crônica decorre de alterações relaciona-
dos de saúde. das ao cólon e ao ato defecatório, é dita
primária; quando faz parte da sintoma-
O QUE É E COMO CLASSIFICAR? tologia de uma doença extraintestinal
A constipação aguda é caracterizada ou está associada ao uso de drogas, é
por uma mudança abrupta do hábito dita secundária.
intestinal e que, geralmente, tem um Embora a constipação possa ter di-
curso curto de menos de 30 dias e re- versas etiologias (conforme descrito no
cuperação espontânea, concomitante Quadro 1) e ser chamada de constipa-
com a resolução do quadro clínico de ção crônica orgânica, em cerca de 90%
base. Ocorre nas doenças agudas, nos a 95% dos casos os sintomas não são
Constipação intestinal 409

explicados por uma condição médica diagnóstico e no manejo clínico. Entre


subjacente, sendo denominada de cons- eles, os mais importantes:
tipação crônica funcional.
Os critérios de Roma fornecem di- Disquezia
retrizes, baseadas em sintomas, pelas Nos Critérios de Roma IV é definida pe-
quais os distúrbios gastrointestinais la presença, em crianças menores de 9
funcionais da criança e do adolescente meses de vida, de no mínimo 10 min de
(FGID) – entre eles, a constipação crô- esforço e choro antes da evacuação de
nica funcional – podem ser diagnosti- fezes macias ou líquidas e sem a pre-
cados. O Quadro 2 descreve os critérios sença de outros problemas de saúde.
para a constipação funcional. Esses bebês apresentam uma dificulda-
Outros conceitos devem ser escla- de, durante a defecação, em coordenar
recidos a respeito das desordens da de- o aumento da pressão intra-abdominal
fecação, evitando, assim, confusão no com o relaxamento do assoalho pélvico,

Quadro 1. Causas orgânicas de constipação intestinal

Causas primárias orgânicas

Alterações estruturais anorretais: Alterações do sistema nervoso entérico:


• Acalasia anal • Doença de Hirschsprung (aganglionose congênita)
• Ânus imperfurado • Displasia neuronal intestinal do tipo B (hiperganglionose ou
• Estenose anal gânglio gigante)
• Atresia retal • Pseudo-obstrução intestinal (hipoganglionose)

Causas secundárias orgânicas

• Doença celíaca
• Hipotireoidismo
• Hipercalcemia, hipocalemia
• Diabetes mellitus
• Alergia à proteína do leite de vaca
• Medicamentosas, tóxicas:
- Opiáceos, anticolinérgicos
- Antidepressivos
- Sais de ferro
- Antiácidos
- Quimioterapia
- Ingestão de metal pesado (chumbo)
- Intoxicação por vitamina D
• Botulismo
• Fibrose cística
• Anomalias da medula espinhal, trauma, medula ancorada:
- Mielomeningocele
- Espinha bífida
• Paralisia cerebral
• Massa pélvica (teratoma sacral)
• Musculatura abdominal anormal (prune belly, gastrosquise, síndrome de Down)

Fonte: Autoras.
SEÇÃO 6 410

Quadro 2. Critérios de Roma IV (2016)

MAIORES DE 4 ANOS
MENORES DE 4 ANOS
Deve incluir dois ou mais dos seguintes critérios,
Deve incluir dois ou mais dos seguintes critérios
ocorrendo, pelo menos, uma vez por semana
por, no mínimo, 1 mês
por, no mínimo, 1 mês

Duas ou menos evacuações por semana Duas ou menos evacuações por semana

Ao menos, um episódio de escape fecal por


Comportamento de retenção
semana

Dor ou esforço para evacuar Postura retentiva ou retenção voluntária das fezes

História de fezes de grande diâmetro Dor ou esforço para evacuar

Presença de massa fecal no reto Presença de massa fecal no reto impactada

Em crianças treinadas para usar o banheiro, os


seguintes critérios adicionais podem ser usados:
• Pelo menos, um episódio de escape fecal por História de fezes de grande diâmetro, que podem
semana obstruir o vaso sanitário
• História de fezes de grande diâmetro, que
podem obstruir o vaso sanitário

Após avaliação apropriada, os sintomas não Após avaliação apropriada, os sintomas não
podem ser totalmente explicados por outra podem ser totalmente explicados por outra
condição médica condição médica

Observação: pode ocorrer irritabilidade,


Observação: deve-se excluir o diagnóstico de
diminuição do apetite e/ou saciedade precoce.
síndrome do intestino irritável
Esses sintomas melhoram quando há evacuação

Fonte: Autoras.

devido à imaturidade. Por se tratar de na semana, com a presença de fezes


um processo de adaptação e com resolu- macias. Não requer tratamento, apenas
ção espontânea, não há necessidade de esclarecimento aos pais.
utilizar medicamentos e os cuidadores
devem ser aconselhados a não realizar Escape fecal retentivo ou soiling
estimulação retal, que pode produzir Em pacientes com constipação crônica,
experiências sensoriais negativas ou há uma retenção de fezes e o reto fica
condicionar a criança a esperar um es- cada vez mais distendido, resultando
tímulo anal para defecar. em perda fecal involuntária de parte do
conteúdo fecal por transbordamento. Às
Pseudoconstipação vezes, é confundido com encoprese ou
Ocorre naqueles lactentes em aleita- com má higiene da criança, levando os
mento materno exclusivo. É definido co- pais a repreender seus filhos. Outras ve-
mo hábito intestinal menor que 3 vezes zes, pode ser confundido com diarreia.
Constipação intestinal 411

Escape fecal não retentivo às vezes, leva à fissura anal, que agrava
ou encoprese mais ainda a dor e precipita uma maior
Ato completo da defecação que ocorre em retenção. As crianças adotam postura re-
sua plena sequência fisiológica, porém tentiva voluntária por medo de evacuar
em local e/ou momento inapropriado, (apresentam postura ereta com pernas
sendo, em geral, secundária a distúrbios juntas, contraindo os músculos e tendem
psicológicos. O seu diagnóstico, através a se esconder dos pais). Assim, as fezes
dos Critérios de Roma IV, só é possível nas se tornam cada vez mais difíceis de se-
crianças maiores de 4 anos. Devem ocor- rem eliminadas gerando um ciclo vicio-
rer todos os seguintes critérios por um so. Além disso, uma vez dilatado, o reto
período de, no mínimo, 1 mês: defecação diminui sua sensibilidade e força, neces-
em lugares inapropriados no contexto sitando de volume fecal cada vez maior
social; ausência de impactação fecal; e para desencadear a vontade de evacuar.
após uma avaliação médica apropriada,
a incontinência não pode ser explicada QUANDO SUSPEITAR?
por outra condição médica. As características clínicas são descri-
tas nos Critérios de Roma IV (Quadro
POR QUE OCORRE A CONSTIPAÇÃO? 2). Muitas vezes, a criança apresenta
A constipação funcional (CF) é muitas história alimentar pobre em fibras e lí-
vezes o resultado de repetidas tentativas quidos e o comportamento de retenção
de retenção voluntária de fezes por uma costuma ser descrito pelos pais ao serem
criança, que tenta evitar a defecação de- indagados. Nos antecedentes familiares,
sagradável, por causa do medo associa- frequentemente, há relatos de constipa-
do à evacuação. ção em parentes de 1º grau.
As interferências ou os gatilhos que No exame físico, raramente, ocorre
deflagrariam a constipação, por exemplo, deterioração do estado nutricional. O
podem ser uma doença infecciosa aguda, abdome pode estar distendido e a pal-
mudanças na dieta, fissura anal, desfral- pação pode detectar presença de massa
de inadequado ou repouso prolongado. fecal em fossa ilíaca esquerda, estenden-
A retenção prolongada, por um tem- do-se para abdome inferior ou, em casos
po indevido, faz com que as fezes se mais graves, por todo o abdome.
acumulem no intestino e formem uma A inspeção anal pode revelar escape
massa fecal volumosa. A mucosa retal fecal, fissuras e plicomas. O toque retal
vai absorvendo água do bolo fecal, o pode detectar resistência voluntária e
que o torna cada vez mais duro e seco. A involuntária, hipertonia do esfíncter
passagem desta massa fecal é dolorosa e, anal externo e presença ou não de fezes
SEÇÃO 6 412

na ampola retal. Contudo, ele não deve diagnosticada em crianças mais velhas
ser realizado de forma rotineira, só se for que cursam com constipação refratária
estritamente necessário. ao tratamento medicamentoso. É carac-
terizada pela falta de células gangliona-
SINAIS DE ALERTA PARA A res nos plexos mioentéricos e submuco-
CONSTIPAÇÃO DE ORIGEM ORGÂNICA sos do cólon. O Quadro 3 relata de forma
É muito importante que, na avaliação esquematizada as principais diferenças
clínica, seja dada atenção especial à entre a constipação funcional e a doen-
pesquisa dos sinais de alarme para cons- ça de Hirschsprung.
tipação de causa orgânica, são eles:
• Atraso no desenvolvimento neuro- QUAIS SÃO AS INDICAÇÕES
psi­comotor; DE INVESTIGAÇÃO COMPLEMENTAR?
• Perda de peso significativa; A principal indicação de exames com-
• Distensão abdominal importante; plementares é quando há sinais e/ou
• Ausência de curvatura lombossacra; sintomas que sugiram uma causa não
• Anormalidade pigmentaria em li- funcional de constipação. Aqueles pa-
nha média da coluna lombossacra; cientes com comportamento retentivo
• Agenesia sacral; e retenção fecal bem caracterizada não
• Glúteos planos; necessitam de investigação comple-
• Ânus anteriorizado; mentar e deve-se iniciar o tratamento. A
• Ampola retal vazia ao toque; radiografia de abdome pode ser neces-
• Saída de fezes líquidas e explosivas sária para evidenciar a impactação fecal,
ao toque retal; principalmente, naqueles casos duvido-
• Ausência de reflexo anal ou cremas­- sos, em que a palpação abdominal não
térico; revela massa fecal ou, em casos de recu-
• Diminuição do tônus e/ou força dos sa ao exame retal digital.
MMII; No entanto, quando a sintomato-
• Febre; logia permanece, apesar de um trata-
• Medo excessivo durante inspeção mento adequado, resultando em falha
anal; terapêutica, a avaliação com exames
• Cicatrizes anais; complementares pode ser necessária,
• Fístula perianal. como: sorologia para doença celíaca,
testes de função tireoidiana, dosagem
A doença de Hirschsprung é a causa de cálcio, exame de urina, imagem da
mais comum de constipação intestinal coluna lombossacra e investigação para
orgânica nos lactentes. Pode ser também a doença de Hirschsprung.
Constipação intestinal 413

Quadro 3. Diagnóstico diferencial da constipação funcional e Doença de Hirschsprung

CARACTERÍSTICA CONSTIPAÇÃO FUNCIONAL DOENÇA DE HIRSCHSPRUNG

Início 2-3 anos Ao nascer

Retardo na eliminação de
Raro Presente
mecônio

Sintomas obstrutivos Raros Comuns

Comportamento retentivo Comum Raro

Medo de evacuar Comum Raro

Escape fecal Comum Raro

Tamanho fecal Muito grande Pequeno, em cíbalos

Retardo do crescimento Raro Comum

Enterocolite Ausente Possível

Ampola retal Dilatada Estreita

Fezes na ampola retal Comum Raro

Enema opaco Sem zona de transição Zona de transição

Manometria retal Reflexo anorretal presente Ausência de reflexo anorretal

Sem células ganglionares,


Biópsia retal Normal
aumento da acetilcolinesterase

Fonte: Autoras.

A manometria anorretal deve ser restaurar o padrão adequado das evacua-


realizada nos casos de suspeita de me- ções – fezes pastosas e evacuações sem
gacólon congênito e na avaliação de esforço e dor, desaparecimento do esca-
constipação crônica refratária ao tra- pe fecal – e prevenção das recorrências.
tamento para estudo da dinâmica da Destacam-se quatro passos principais no
evacuação. Na doença de Hirschsprung, tratamento da constipação funcional:
o reflexo inibitório retoanal estará au- 1. Desimpactação, quando há presença
sente. Contudo, é realizada apenas em de fezes retidas em reto ou cólon;
centros especializados. O diagnóstico 2. Tratamento de manutenção, que tem
definitivo da doença é dado através da como objetivo prevenir uma nova im-
biópsia profunda de cólon. pactação fecal;
3. Educação e esclarecimento aos pais
COMO TRATAR? sobre a doença e seu tratamento, es-
Os objetivos do tratamento das crianças tabelecendo novos comportamentos
com constipação são direcionados para sobre o ato de evacuar e adotando
SEÇÃO 6 414

medidas promotoras de saúde: hábi- polietilenoglicol 3350 ou 4000, por ser


tos alimentares adequados e incenti- o mais eficaz em aumentar a frequência
vo à atividade física; das evacuações do que os outros laxan-
4. Acompanhamento clínico composto tes osmóticos. É importante lembrar que
de medidas paralelas e adaptadas in- o óleo mineral não deve ser prescrito pa-
dividualmente, da avaliação da retira- ra menores de dois anos e crianças com
da gradual dos medicamentos ou do comprometimento neurológico, pelo
encaminhamento ao gastroenterolo- risco de aspiração e de pneumonia lipoí-
gista pediátrico. dica. Até o momento, não há evidências
científicas que suportem o uso de pro-
Desimpactação bióticos e prebióticos no tratamento da
O esvaziamento inicial do fecaloma, ou constipação intestinal.
fezes retidas, de forma completa, é es-
sencial para o sucesso do tratamento. Os Manejo nutricional
enemas e o laxante osmótico polietile- O aconselhamento dietético deve ser
noglicol (PEG) são igualmente eficazes, sempre oferecido, com a adequação da
contudo, o PEG, por ser administrado ingestão diária de líquidos e de fibras,
via oral, é a medicação de escolha. Para com maior aproximação possível das re-
aqueles pacientes que não toleram via comendações nutricionais para cada fai-
oral, a medicação pode ser realizada por xa etária. No entanto, ressalta-se que o
sonda nasogástrica (SNG) em ambiente manejo nutricional – incluindo o uso de
hospitalar. Os enemas podem ser neces- fibras – não é considerado tratamento e
sários quando o volume fecal é grande, sim, uma medida de promoção de saúde.
mas não devem ser prescritos para lac- Fibras: a recomendação da ingestão
tentes pelo risco de distúrbios hidroele- de fibras varia de acordo com a idade e o
trolíticos. A dose dos medicamentos consumo energético. A dose indicada é a
encontra-se na Tabela 1 e o tempo de idade mais 5 g até 10 g/dia ou de 14 g de
tratamento é de três a seis dias. fibra para cada 1.000 kcal ingeridas, che-
gando até 25 g/dia no adolescente.
Terapia de manutenção Um tempo limitado de suplementa-
Após obter a desimpactação comple- ção de fibras deve ser considerado até
ta é iniciada a terapia de manutenção. a modificação de hábitos alimentares
Inicia-se com um laxante por via oral, da criança e sua família. Há diferentes
diariamente, na dose adequada, de tipos de suplementos de fibra prontos
preferência uma vez ao dia (Quadro no mercado. São úteis aqueles que mes-
1). O tratamento de primeira linha é o clam mais de um tipo de fibra, na forma
Constipação intestinal 415

em pó e que sejam sem sabor, para que o desejo de evacuar, mesmo fora de do-
possam ser acrescentados nas diferentes micílio. As crianças com mais de quatro
preparações alimentares. anos de idade, com desenvolvimento
Água: um lactente necessita receber neuropsicomotor adequado, devem ser
150 ml/kg/dia de líquidos. Crianças sa- instruídas a tentar evacuar no vaso sani-
dias, pesando mais de 10 kg, necessitam tário durante 5 a 10 min depois de uma
de 1.000 a 1.500 ml/dia. Contudo, não há refeição principal para aproveitar o re-
evidências que apoiem a ingestão extra flexo gastrocólico.
de líquidos para o tratamento. É importante que o banheiro seja
adaptado para a idade da criança para
Recondicionamento que ela sente com segurança no vaso sa-
do hábito intestinal nitário (pode ser necessário um redutor)
Deve-se orientar as crianças e os fami- e apoie os pés firmemente no chão ou
liares sobre a necessidade de atender em um caixote.

Quadro 1. Doses das medicações utilizadas no manejo da constipação

MEDICAÇÃO DOSES

Laxantes osmóticos

PEG3350 Desimpactação: 1-1,5 g/kg/dia


PEG4000 Manutenção: 0,2-0,8 g/kg/dia

Lactulose 1-2 ml, 1-2 vezes ao dia

1-3 ml, 1 ou 2 vezes ao dia


Leite de Magnésio (hidróxido de magnésio)
Dose máxima de 90 ml/dia

Umidificantes

Óleo mineral 1-3 ml/kg/dia

Estimulantes

2-4 anos: 2,5-10 mg/dia, 1 vez ao dia


Picossulfato de sódio 4-18 anos: 2,5-20 mg/dia
1 gota = 0,5 mg de picossulfato de sódio

3-10 anos: 5 mg/dia


Bisacodil
> 10 anos: 5-10 mg/dia

2-6 anos: 2,5-5 mg/dia


Senna 6-12 anos: 7,5-10 mg/dia
> 12 anos: 15-20 mg/dia

Enemas retais

2,5 ml/kg/dia
Fosfato de sódio
Dose máxima: 133 ml/dia

Cloreto de sódio > 1 ano: 6 ml/kg/dose, 1 a 2 vezes ao dia

Fonte: Adaptado de Tabbers et al. (2014).


SEÇÃO 6 416

Nas crianças que estão em desfralde, não apresentar nenhum critério de


deve-se postergar o treinamento esfinc- Roma IV (Quadro 2) por, no mínimo, 1
teriano por cerca de 2 meses após o con- mês. Quando iniciar, deve ser realizada
trole da constipação. de forma gradual.
O encaminhamento para o gastroen-
Acompanhamento clínico terologista deverá ocorrer nos casos
O tratamento medicamentoso de ma- resistentes ao tratamento com laxan-
nutenção deverá ser de, no mínimo, 2 tes osmóticos orais nas doses habituais
meses. A suspensão da medicação só e nas constipações com componente
poderá ser iniciada quando o paciente orgânico.

REFERÊNCIAS
BENNINGA, M. A.; NURKO, S.; FAURE, C.; KOPPEN, I. J. N. et al. Prevalence of functional
HYMAN, P. E.; ROBERTS, I. S. J.; SCHECHTER, defecation disorders in children: a systemat-
N. L. Functional Disorders: Neonate/Tod­ ic review and meta-analysis. J Pediatr, v. 198,
dler. Gastroenterology, v. 150, p. 1443-1455, p. 121-130, 2018.
2016.
TABBERS, M. M. et al. Evaluation and Treat­
HYAMS, J. S.; DI LORENZO, C.; SAPS, M.; ment of Functional Constipation in Infants
SHULMAN, R. J.; STAIANO, A.; TILBURG, V. M. and Children: Evidence-Based Recom­
men­
Functional Disorders: Children/Adolescents. dations From ESPGHAN and NASPGHAN.
Gastroenterology, v. 150, p. 1456-1468, 2016. JPGN, v. 58, p. 258-274, 2014.
C APÍTULO 7

Doença celíaca: quando suspeitar


e como investigar?

Kátia Galeão Brandt


Manuela Torres Camara Lins
Margarida Maria de Castro Antunes

O QUE É DOENÇA CELÍACA E QUAL É A desencadeamento de processo inflama-


SUA IMPORTÂNCIA? tório na mucosa intestinal. Os genes
A doença celíaca (DC) é uma doença DQ2 e DQ8 do sistema HLA ocorrem em
autoimune, permanente, desencadeada mais de 90% dos pacientes com doença
pelo glúten (componente do trigo, do celíaca. Esses genes também estão pre-
centeio e da cevada da dieta), que aco- sentes em cerca de 30% da população
mete indivíduos geneticamente vulne- geral, portanto, não são suficientes para
ráveis e determina alterações inflama- determinar a ocorrência de DC, sendo
tórias na mucosa do intestino delgado. necessário que ocorra a quebra da ho-
Essas alterações são dependentes da meostase imune intestinal. Alguns dos
presença do glúten e desaparecem com possíveis fatores de risco para essa que-
a sua retirada da dieta. A DC acomete bra são a quantidade excessiva de glúten
entre 0,5% e 1% da população, apresen- no momento da sua introdução na dieta
ta grande variabilidade de sintomas e a e as agressões ambientais (enteroinfec-
presença de formas pouco sintomáticas ções). O processo inflamatório se inicia
ou atípicas dificulta a suspeita clínica com a ligação da gliadina (peptídeo
pelo médico. derivado do glúten e não digerido) mo-
dificada pela transglutaminase tecidual
POR QUE OCORRE? (tTG) às moléculas HLA DQ2 e/ou DQ8 da
São eventos fundamentais para a ocor- superfície de células apresentadoras de
rência de DC: a susceptibilidade gené- antígeno da mucosa intestinal, desenca-
tica, a produção de autoanticorpos e o deando a produção de citocinas e outros
SEÇÃO 6 418

mediadores da inflamação. Células T A irritabilidade que se reverte após


CD4 gliadina específicas, presentes na a retirada do glúten da dieta é um
mucosa intestinal dos pacientes celía- achado comum. O edema periférico
cos, seriam ativadas por esse complexo, secundário à hipoalbuminemia, po-
levando à liberação de citocinas que de evoluir de forma intermitente.
promovem a maturação das células B Manifestações da forma oligossinto-
e a produção de anticorpos contra glia- mática: sintomas gastrointestinais
dina, tTG e endomísio. Determinadas isolados ou associados, ocorrendo
citocinas induziriam a proliferação dos de forma crônica, persistentes ou
fibroblastos intestinais que, liberando intermitentes: fezes amolecidas ou
fatores degradantes da matriz, levariam malformadas (sem diarreia pronun-
à atrofia das vilosidades e à hiperplasia ciada), episódios ocasionais de diar-
das criptas. reia, dor abdominal vaga, distensão
abdominal persistente, eructação ou
QUANDO SUSPEITAR DE DOENÇA flatulência excessivas, magreza sem
CELÍACA NA INFÂNCIA E NA causa definida, constipação não
ADOLESCÊNCIA? responsiva ao tratamento habitual,
Manifestações da forma clássica da vômitos recorrentes e invaginação
doença: de início precoce (até dois intestinal recorrente.
anos), os sintomas surgem meses Manifestações da forma atípica: fre­
após a introdução do glúten na dieta. quentemente não associadas ao tra-
O quadro clínico caracteriza-se pela to gastrointestinal, gerando menor
má absorção intestinal, com presença suspeita clínica da doença. Algumas
de diarreia crônica, com fezes espon- das principais manifestações que
josas, pálidas, volumosas e de odor podem estar associadas à doença
muito fétido (características que de- celíaca: dermatite herpetiforme;
correm da má absorção das gorduras), baixa estatura sem causa definida
podendo levar à desnutrição grave. A (mais frequente do que a baixa es-
distensão abdominal significativa e tatura associada à deficiência do
a hipotrofia da musculatura glútea hormônio do crescimento); anemia
são classicamente descritas. Em ca- ferropriva resistente à reposição
sos mais graves podem ocorrer ma- de ferro; elevação persistente das
nifestações clínicas decorrentes da transaminases; nefropatia por IgA;
má absorção vitamínica: equimoses ataxia e neuropatia periférica sem
e epistaxe, devido à hipoprotrombi- causa definida; cefaleia recorrente
nemia e à tetania por hipocalcemia. ou enxaqueca; déficit de atenção
Doença celíaca: quando suspeitar e como investigar? 419

ou cognitivo; alterações do esmalte tra a enzima transglutaminase te-


dentário, como erosões, ranhuras e cidual humana, o autoantígeno da
até perda completa do esmalte; af- DC. A sensibilidade e a especificida-
tas de repetição; baixa densidade de do AATG da classe IgA para casos
mineral óssea; alteração do humor; de DC não tratada é de cerca de 95%.
depressão e artralgia sem causa Quanto maior o título do AATG IgA,
definida. maior é o valor preditivo positivo.
Por ser um teste confiável e de baixo
QUAIS SÃO AS CONDIÇÕES ASSOCIADAS custo, é o teste indicado de rotina
A UM MAIOR RISCO DE DC? para investigação (screening) e mo-
Crianças pertencentes aos chamados nitoramento da DC.
“grupos de risco para DC” devem ser in- Anticorpo anti-gliadina (AAG): avalia
vestigadas de forma regular, mesmo na a presença de anticorpos de classes
ausência de manifestações clínicas (for- IgA e IgG contra a fração tóxica do
mas assintomáticas). São considerados trigo (gliadina), medidos através da
grupos de risco (apresentam uma chan- técnica de ELISA. Mais recentemente,
ce 5 a 10 vezes maior de desenvolver a foi desenvolvido o teste para a de-
DC do que a população geral) crianças tecção do AAG deaminada (AAGD),
com: familiares de primeiro grau de mais sensível e específico. Embora
celíaco; doenças autoimunes (principal- o AATG IgA continue sendo o teste
mente, diabetes mellitus tipo I); deficiên- diagnóstico mais preciso, o AAGD
cia de IgA; síndrome de Down, síndrome pode desempenhar um papel no
de Turner e síndrome de Williams. diagnóstico de crianças com defi-
ciência de IgA (através da pesquisa
COMO INVESTIGAR A DOENÇA CELÍACA do AAGD IgG).
NA INFÂNCIA? Anticorpo anti-endomísio (AAE): ava­
A investigação inicial da DC é baseada na lia a presença de anticorpos da
realização de testes sorológicos, os quais classe IgA contra o endomísio (ter-
servem de triagem para a indicação de mo dado ao tecido conjuntivo, que
realização de biópsia de intestino delga- envolve os feixes de músculo liso de
do (BID) através de endoscopia, que evi- muitos tecidos), através da técnica
denciará as alterações histopatológicas de imunofluorescência indireta. O
que definirão o diagnóstico de DC. AAE é um teste mais laborioso e
Anticorpo anti-transglutaminase (AATG) mais custoso do que o AATG, não
IgA: avalia, através da técnica de sendo indicado na investigação
ELISA, a presença de anticorpos con-­ em massa. Usualmente indicado
SEÇÃO 6 420

para confirmar o resultado do AATG, de risco do que para fazer o diagnóstico


principalmente, quando a positivi- em casos suspeitos, podendo, ainda, ser
dade do teste é baixa (menor do útil nos indivíduos em que a investigação
que duas vezes o limite superior de inicial foi duvidosa, também no intuito
normalidade). de afastar a DC. Isso explica porque o
Recomendações adicionais para inves- teste genético negativo, ou seja, com au-
tigação laboratorial: o nível de IgA sência de HLA-DQ2 ou HLA-DQ8, torna o
total deve ser avaliado, simultanea- diagnóstico de DC muito improvável (va-
mente, com o teste sorológico, uma lor preditivo negativo > 99%). Entretanto,
vez que a deficiência de IgA afeta de apenas uma minoria dos pacientes com
2% a 3% dos pacientes com DC. Na de- teste positivo, com a presença de HLA-
ficiência de IgA primária ou secun- DQ2 ou HLA-DQ8, desenvolvem DC (valor
dária é recomendada a realização de preditivo de apenas 12%).
teste sorológico, dosando anticorpos O teste é, portanto, recomendado
da classe IgG (preferencialmente com o intuito de excluir a possibilida-
AAGD IgG). Em caso de clínica su- de de DC (auxiliando o seguimento do
gestiva de DC, mesmo na ausência paciente) em algumas situações: indiví-
de teste sorológico positivo, deve ser duos já em dieta isenta de glúten antes
avaliada a realização da biópsia de de realizar o teste sorológico; resultados
intestino delgado. discrepantes entre a sorologia e a his-
Os testes sorológicos para DC, topatologia, por exemplo, sorologia ne-
assim como as alterações histopato- gativa, mas histopatologia sugestiva de
lógicas definidoras da doença, são DC; parentes de primeiro grau de celía-
dependentes da ingestão de glúten. cos; indivíduos com outras doenças au-
A redução ou a eliminação total do toimunes e alguns distúrbios genéticos
glúten da dieta leva à diminuição associados à DC.
dos níveis de anticorpos e das altera-
ções histopatológicas. Testes soroló- COMO CONFIRMAR
gicos fracamente positivos podem se O DIAGNÓSTICO DE DC?
tornar negativos dentro de semanas O diagnóstico de DC será confirmado
de adesão estrita a uma dieta isenta na criança ou no adolescente com so-
de glúten. rologia positiva e biópsia intestinal, de-
monstrando alterações típicas de DC. A
QUANDO REALIZAR O TESTE GENÉTICO? biópsia de intestino delgado (BID), rea-
O teste genético se presta mais para afas- lizada através de endoscopia, continua
tar a possibilidade da doença em grupos sendo considerada o padrão ouro para
Doença celíaca: quando suspeitar e como investigar? 421

o diagnóstico da DC, não devendo ser glúten leva à resolução dos sintomas
realizadas tentativas terapêuticas sem a em 2 a 4 semanas.
realização dela. A recomendação é que A dieta isenta de glúten pode ser de-
as biópsias sejam feitas do bulbo duo- safiadora para crianças e adolescentes
denal (pelo menos uma biópsia) e da por várias razões, incluindo: imaturida-
segunda ou terceira porção duodenal de para compreender a necessidade de
(pelo menos, quatro biópsias), uma vez restrições dietéticas (especialmente se
que a DC pode ocorrer em áreas saltea- eles forem assintomáticos); sentimento
das. As anormalidades histológicas que de diferença em relação aos pares; inca-
afetam o intestino delgado são descri- pacidade de resistir à tentação, com sen-
tas através da classificação de Marsh- timento de culpa; e aumento do custo
Oberhuber modificada (Quadro 1), aceita da dieta. Os adolescentes, em particular,
como o método padrão ouro de análise podem ter maior dificuldade de adesão.
histológica. Lesões caracterizadas como A educação e o aconselhamento so-
Marsh 2 e acima são consideradas diag- bre as consequências da DC não tratada
nósticas de DC. Lesões Marsh 1 são con- são essenciais. Mesmo os pacientes as-
sideradas sugestivas de DC, mas não são sintomáticos, se não forem adequada-
diagnósticas. mente tratados, têm risco aumentado
Algumas outras condições podem de complicações. O acompanhamento
le­
var a alterações histopatológicas su­
- regular com gastroenterologista pediá-
gestivas de DC, como imunodeficiências, trico e nutricionista é recomendado pa-
infecções (giardíase e sobrecrescimento ra monitoramento do estado nutricional
bacteriano), desnutrição, enteropatia e da adesão à dieta isenta de glúten.
au­to­imune e doença de Crohn. As ava-
liações clínica e laboratorial cuidadosas QUAIS COMPLICAÇÕES PODEM
devem ajudar no diagnóstico diferencial. OCORRER?
Crianças e adolescentes com DC não dia­
QUANDO E COMO TRATAR? gnosticados ou inadequadamente tra­
O tratamento só deve ser iniciado após tados apresentam maior risco de com-
a confirmação do diagnóstico. A dieta plicações em médio ou longo prazos,
isenta de glúten (isenta de trigo, ceva- sendo estas: baixa estatura, infertilidade,
da e centeio) por toda a vida é o úni- doenças ósseas, distúrbios neurológicos
co tratamento efetivo até o momento. e psiquiátricos, maior risco de desenvol-
Deve-se ter cuidado com a correta subs- ver doenças autoimunes e maior risco
tituição dos alimentos na dieta, com de desenvolver malignidade (principal-
cardápio variado. A dieta isenta de mente, linfoma intestinal).
SEÇÃO 6 422

Quadro 1. Classificação de Marsh-Oberhuber modificada

Marsh 0 Marsh 1 Marsh 2 Marsh 3a Marsh 3b Marsh 3c Marsh 4

LIE* < 30/100 > 30/100 > 30/100 > 30/100 > 30/100 > 30/100 < 30/100

Hiperplasia
– – + + + + –
de cripta

Atrofia
– – – Leve Moderada Total Total
vilositária

*Número de linfócitos intraepiteliais por 100 enterócitos.

Fonte: Adaptado de Dai et al. (2019).

REFERÊNCIAS
AL-TOMA, A.; VOLTA, U.; AURICCHIO, R.; GILLETT, P. Efficiency in Deficiency: “Scoping”
CASTILLEJO, G.; SANDERS, D. S.; CELLIER, C.; the Only Solution for IgA-deficient Coeliac
MULDER, C. J.; LUNDIN, K. E. A. European Patients? J Pediatr Gastroenterol Nutr, v. 71, n.
Society for the Study of Coeliac Disease 1, p. 2-3, 2020.
(ESsCD) guideline for coeliac disease and oth-
HUSBY, S.; KOLETZKO, S.; KORPONAY-SZABÓ,
er gluten-related disorders. United European
I.; et al. European Society Paediatric Gas­
Gastroenterol J, v. 7, n. 5, p. 583-613, 2019.
troenterology, Hepatology and Nutrition
BISHOP, J.; RAVIKUMARA, M. Coeliac disease Guidelines for Diagnosing Coeliac Disease. J
in childhood: An overview. J Paediatr Child Pediatr Gastroenterol Nutr, v. 70, n. 1, p. 141-
Health, v. 56, n. 11, p. 1685-1693, 2020. 156, 2020.

DAI, Y.; ZHANG, Q.; OLOFSON, A. M.; JHALA, N.; THERRIEN, A.; KELLY, C. P.; SILVESTER, J. A.
LIU, X. Celiac Disease: Updates on Pathology Celiac Disease: Extraintestinal Mani­
fes­
ta­
and Differential Diagnosis. Adv Anat Pathol, v. tions and Associated Conditions. J Clin Gas­
26, n. 5, p. 292-312, 2019. troenterol, v. 54, n. 1, p. 8-21, 2020.
SE Ç ÃO 7

Alergologia e imunologia pediátrica

Capítulo 1
Rinossinusite alérgica

Capítulo 2
Lactente sibilante

Capítulo 3
Asma na infância e na adolescência

Capítulo 4
Urticária aguda e anafilaxia

Capítulo 5
Reações Adversas a Medicamentos (RAM)

Capítulo 6
Erros inatos da imunidade
C AAPÍTULO
PÍTULO x1

Rinossinusite alérgica

Deborah Schor
Fernando Souza Leão
José Ângelo Rizzo
Juliana Asfura Pinto Ribeiro

O QUE É? aumento da prevalência de sintomas


Rinite é a inflamação da mucosa de re- nasais em crianças e adolescentes bra-
vestimento nasal que, em geral, pela sua sileiros nos últimos anos. Cerca de 37%
contiguidade, atinge também a mucosa da população pediátrica brasileira apre-
dos seios paranasais. Quando um indiví- senta sintomas nasais e 16% tem o diag-
duo apresenta sensibilidade a um alér- nóstico de RA.
geno e esta inflamação é decorrente da É importante salientar que os sin-
exposição a este alérgeno, denomina-se tomas de RA podem ser severos e com-
rinossinusite alérgica (RA). prometer de forma bastante importante
A rinossinusite alérgica (RA) é uma a qualidade de vida dos pacientes; pre-
doença inflamatória mediada por IgE, judicando sua produtividade, sua capa-
acometendo a mucosa nasosinusal e, cidade de concentração e seu sono; e
com frequência, inflamação da conjun- quais tratamentos eficazes podem con-
tiva, que ocorre em indivíduos geneti- trolar estes sintomas.
camente predispostos, desencadeada
pela exposição à alérgenos inaláveis PATOGÊNESE
do ambiente intra e/ou extradomiciliar. Desequilíbrio entre imunidade inata e
Apresenta um caráter hereditário, sem adaptativa, além de fatores ambientais,
preferência por sexo ou raça e pode se têm papel central no desenvolvimento
iniciar em qualquer idade (mais frequen- da reação alérgica. Quando um indiví-
te na criança maior e no adolescente). duo, geneticamente predisposto à ato-
Em conformidade ao observado pia, entra em contato com um alérge-
em várias partes do mundo, houve um no, ocorre a produção de IgE específica.
Rinossinusite alérgica 425

Quando há a reexposição ao alérgeno, a atopia, além dos possíveis fatores desen-


ligação de moléculas de IgE na superfí- cadeantes do quadro clínico.
cie dos mastócitos da mucosa inicia a Os exames complementares devem
resposta alérgica, caracterizada pela de- ser solicitados com cautela e de forma
granulação de mastócitos, e a liberação personalizada para cada paciente, de
de mediadores inflamatórios pré-forma- acordo com a anamnese e o exame físi-
dos e neoformados, incluindo histamina, co. Dentre eles, destacam-se os testes de
prostaglandina 2 e leucotrienos. Além puntura ou sorológicos, que constituem
disso, há a liberação de fatores quimio- uma etapa importante no diagnóstico
táxicos que recrutam células inflama- etiológico de rinite alérgica.
tórias (incluindo basófilos, neutrófilos, O diagnóstico em lactentes é mais
mastócitos, monócitos e, em especial, desafiador, tanto pela similaridade com
os eosinófilos) que infiltram a mucosa infecções de vias aéreas superiores, que
nasossinusal. são mais comuns em crianças menores,
quanto pela dificuldade de se realizar
COMO DIAGNOSTICAR? testes para o diagnóstico etiológico e
O diagnóstico de RA baseia-se numa boa pela dificuldade de acessar sintomas
anamnese e no exame físico detalhado. subjetivos.
Além dos sintomas característicos (espir- A RA pode ser classificada de acordo
ros, prurido, rinorreia e obstrução nasal), com a sua duração (intermitente ou per-
é fundamental que o médico questione sistente) e gravidade (leve ou moderada/
sobre a história pessoal e familiar de grave) conforme a Figura 1.

Figura 1. Classificação da rinite de acordo com a frequência e a intensidade dos sintomas

PERSISTENTE
INTERMITENTE
Sintomas ≥ 4 dias por semana
Sintomas < 4 dias por semana
e ≥ 4 semanas

LEVE MODERADA/GRAVE
Sono normal Sono anormal
Sem prejuízo das atividades Prejuízo das atividades diárias
diárias (lazer, estudo, trabalho) Sintomas importantes

Fonte: Adaptação de Naspitz e Cruz (2008).


SEÇÃO 7 426

HISTÓRIA CLÍNICA nasal, geralmente, encontra-se pálida


A presença dos sinais/sintomas cardeais e edemaciada. Os cornetos inferiores
da rinossinusite (coriza, espirros em apresentam-se edemaciados com hi-
salva, prurido e obstrução nasal), asso- pertrofia, sendo importante registrar o
ciada a sintomas oculares (rinoconjun- tamanho do aumento a cada avaliação
tivite) ou outras patologias alérgicas clínica para que a evolução do controle
(asma, dermatite atópica), fortalecem da hipertrofia e dos sintomas sejam, em
o diagnóstico. É importante questionar conjunto, as bases para a decisão de ma-
o paciente sobre o quanto os sintomas nejo terapêutico.
perturbam ou comprometem as ativida- No exame do ouvido, é necessário
des diárias e o sono. Pedir para mensu- determinar a presença de secreções e
rar numa escala de 0 (sem sintomas) a infecções no ouvido médio. Nos olhos,
10 (o pior que se pode imaginar) pode observam-se hiperemia conjuntival, se-
ser uma forma de registrar e comparar a creção mucosa e lacrimejamento.
intensidade dos sintomas.
EXAMES COMPLEMENTARES
EXAME FÍSICO O diagnóstico é essencialmente clínico,
Deve ser orientado para o trato respira- mas em algumas situações faz-se ne-
tório superior, mas também deve incluir cessária a realização de exames com-
a avaliação dos olhos, dos ouvidos, da plementares para melhor definição do
boca, do tórax e da pele. quadro. Eosinofilia em sangue periféri-
Um sinal típico é a presença de co e IgE total elevada são indicadores
sulco nasal transverso (provocado pela indiretos de atopia, porém esses mar-
manobra repetida de “saudação alér- cadores podem estar elevados, também,
gica”) e dupla linha infrapalpebral de em condições não alérgicas, incluindo
Dennie-Morgan. infecções, como o HIV e infestações
Deve ser avaliada a presença de parasitárias.
deformidades craniomaxilofacial em Os exames mais importantes para
decorrência da respiração bucal como: o diagnóstico etiológico da rinite alér-
palato em ogiva, principal fator prediti- gica, tanto pela especificidade quanto
vo para desenvolvimento da síndrome pela sensibilidade, são os testes alérgi-
da apneia/hipopneia obstrutiva do so- cos cutâneos por punctura e a avaliação
no (SAHOS). Outros sinais podem estar dos níveis séricos de IgE alérgeno-espe-
presentes como hipotonia da muscu- cífica. É fundamental saber interpretar
latura facial, eversão do lábio inferior, tais exames, pois, eles mostram a pre-
mordida aberta ou cruzada. A mucosa sença de sensibilização e apenas têm
Rinossinusite alérgica 427

valor quando correlacionados ao qua- diagnóstico diferencial, na avaliação de


dro clínico do paciente. A identificação quadros inflamatórios e infecciosos crô-
dos alérgenos mais relevantes em cada nicos e na avaliação de processos tumo-
caso é importante para as medidas de rais malignos e benignos.
controle ambiental e para a opção te-
rapêutica de imunoterapia específica RINITE ALÉRGICA LOCAL
com alérgenos. A rinite alérgica local se caracteriza por
O teste de provocação nasal pode pacientes com sintomas típicos de ri-
ser útil para o diagnóstico de rinite alér- nite alérgica, mas com testes cutâneos
gica local e de rinite ocupacional, pois ou IgE sérica específica negativa para
identifica e quantifica a relevância clí- aeroalérgenos, classificados muitas ve­
nica de alérgenos inaláveis e irritantes zes como rinite não alérgica. Nestes
ocupacionais. pacientes, tem-se evidenciado resposta
A citologia diferencial da secreção alér­gica apenas local com presença de
nasal ajuda a distinguir a rinite não eo- IgE específica em secreção nasal duran-
sinofílica da eosinofílica, sendo esta últi- te exposição à aeroalérgenos ambien-
ma diagnosticada quando há presença tais e teste de provocação nasal positivo
do número de eosinófilos superior a 10 % com aumento na produção de triptase,
do total de células detectadas. proteínas eosinofílicas catiônicas e IgE
específica, confirmando reação inflama-
QUAL É A IMPORTÂNCIA DOS EXAMES tória nasal.
DE IMAGEM PARA O DIAGNÓSTICO DE RA?
O diagnóstico de RA é clínico e não se COMO SE MANIFESTA A RINITE
faz necessária a realização de exames NÃO ALÉRGICA?
de imagem. Tanto radiografia simples Os pacientes nos quais não se consegue
como tomografia de seios da face só identificar uma causa alérgica através
mostram se existe ou não secreção acu- dos testes cutâneos ou da dosagem de
mulada, e não a etiologia dessas altera- IgE sérica específica para os aeroalérge-
ções. Até 70% dos exames de imagem nos ambientais são classificados como
em pacientes com rinossinusite alérgica portadores de rinite não alérgica.
apresentam achados anormais sem va- Os pacientes com rinite não alérgica
lor clínico e sem acarretar alteração da apresentam mais comumente conges-
conduta médica. tão e rinorreia, desenvolvem os sinto-
Em casos específicos, a tomogra- mas numa idade mais avançada e têm
fia computadorizada e a ressonância como desencadeantes as mudanças
nuclear magnética podem auxiliar no de clima, odores, fumaça e alimentos;
SEÇÃO 7 428

geralmente, não apresentam sintomas MEDIDAS NÃO FARMACOLÓGICAS


associados de conjuntivite e nem outras A proposição de medidas não farma-
doenças alérgicas ou história familiar cológicas para o controle de doenças
de atopia. Estes pacientes geralmente alérgicas fundamenta-se tanto no fato
relatam que não se beneficiam com o de que a exposição ao alérgeno desen-
uso de anti-histamínicos. cadeia os sintomas da doença, quanto
na epigenética. A epigenética estuda os
QUAIS SÃO OS TIPOS DE RINOSSINUSITE efeitos do ambiente na expressão gêni-
NÃO ALÉRGICA? ca e sugere que fatores ambientais e ex-
• Hormonal (gestacional, hipo/hiperti­ posições, inclusive intrauterinas, deter-
re­oi­dismo); minam a expressão ou não de doenças
• Infecciosa (bacteriana, viral, fúngica); alérgicas.
• Atrófica; Apesar de não haver evidências
• Vasomotora (induzida por ar frio, fortes que comprovem a eficácia das
exercício, gustatória, medicamentos medidas de controle ambiental sobre
como o sildenafil); a rinite alérgica, provavelmente pelas
• Do idoso; limitações metodológicas dos estudos
• NARES (rinossinusite eosinofílica em avaliar o benefício dessas medidas,
não alérgica); todos os consensos de RA recomendam
• Medicamentosa (provocada pelo uso medidas de afastamento de alérgenos
crônico de descongestionantes tópi- como estratégia terapêutica. O médico
cos ou pela utilização de alguns qui­ deve ter em mente que a adesão repre-
mioterápicos). senta uma dificuldade ao paciente e é
importante, fundamentado na história
COMO TRATAR? clínica e em testes específicos, sugerir a
O tratamento da rinossinusite alérgica retirada dos alérgenos clinicamente re-
deve incluir: levantes para cada paciente, de forma
• Controle ambiental: retirada dos alér- personalizada.
genos e das substâncias irritantes pa-
ra a mucosa nasal e conjuntival; TRATAMENTO MEDICAMENTOSO
• Medicamentos; Fazem parte desse arsenal os anti-hista-
• Educação dos pacientes. mínicos anti-H1 tópicos e sistêmicos, os
vasoconstrictores, os anticolinérgicos,
Na falha dessas medidas deverão ser as cromonas, os antileucotrienos, os cor­
indicadas: imunoterapia ou cirurgia en- ti­costeroides tópicos e sistêmicos e a so-
doscópica nasal. lução salina (Figura 2).
Rinossinusite alérgica 429

Os anti-histamínicos anti-H1 de medicamentos tópicos nasais. Também


segunda geração (não sedantes) e os é uma opção nos casos de rinossinusite
corticoides tópicos (budesonida, mo- crônica com polipose nasal e na doen-
metasona, ciclesonida, fluticasona) são ça respiratória exacerbada por aspirina.
os medicamentos de primeira escolha, Entre os efeitos adversos, destacam-se
especialmente por sua baixa biodisponi- sintomas neuropsiquiátricos, como an-
bilidade sistêmica e alta metabolização siedade e depressão, o que tem levanta-
na primeira passagem hepática. do a preocupação de seu uso, principal-
Revisão sistemática recente demons- mente em crianças.
trou que a irrigação nasal com solução Anti-histamínicos de primeira ge-
salina, em especial, quando realizada ração podem ser usados quando seu
com dispositivos de alto volume e bai- efeito sedativo é desejado (quando o
xa pressão que permitem maior eficiên- quadro clínico tem associação com tos-
cia no alcance dos seios da face, ajuda se crônica).
a reduzir a gravidade dos sintomas em O brometo de ipratrópio pode ajudar
crianças e adultos com rinite alérgica, a controlar a rinorreia em alguns casos
sem efeitos adversos significativos a não de rinite vasomotora.
ser desconforto ocasional. Nas gestantes, a budesonida e a dex-
Descongestionantes tópicos não clorfeniramina são consideradas drogas
devem ser prescritos e os orais, ape- classe “B” (sem evidências de riscos em
nas quando realmente são necessários, humanos, mas com algumas evidências
sendo indicados apenas para crianças de riscos em animais).
maiores de 6 anos de idade sempre asso- Durante a última década, significan-
ciados a anti-histamínicos e por período te progresso foi feito no tratamento das
máximo de 5 dias. doenças alérgicas com o uso de imuno-
Cromonas e antileucotrienos ou an- biológicos. Entre eles, destaca-se o dupi-
ti-histamínicos tópicos têm indicações lumabe, um anticorpo humano, da clas-
excepcionais. se IgG4 que se liga à subunidade alfa do
O montelucaste de sódio (antago- receptor de interleucina 4 (IL-4,). Assim,
nista de receptores de leucotrieno) não ele bloqueia a sinalização do receptor
é a primeira escolha para o tratamen- de IL4, induzida tanto por IL4 e IL13, e,
to de pacientes com RA. Ele constitui consequentemente, reduz a cascata
uma alternativa terapêutica para os molecular que conduz à resposta infla-
pacientes com RA e asma concomitan- matória tipo 2 (Th2). Para o tratamento
te (como poupador de corticoide) e na- de rinossinusite alérgica grave com poli-
queles com dificuldade de adesão aos pose nasal, o dupilumabe está aprovado
SEÇÃO 7 430

Figura 2. Fluxograma para o tratamento de rinite alérgica

Intermitente Persistente

Leve Moderada/Grave Leve Moderada/Grave

Higiene Ambiental (evitar alérgenos e irritantes)

Anti-H1 oral ou aCortic. nasal ou anti-H1 oral ou cCortic. nasal ou cortic. nasal+
anti-H1 nasal ou anti-H1 nasal ou antileucotrieno anti-H1b ou anti-H1 oral ou
antileucotrieno ou cortic. nasal+azelastina nasal b anti-H1 nasal ou antileucotrieno

Rever o paciente após Rever o paciente após Melhora: reduzir medicação


2-4 semanas 2-4 semanas e manter por 1 mês

Falha: rever diagnóstico, Falha: rever diagnóstico, adesão,


Aumentar
adesão, investigar investigar infecção ou outras
tratamento
infecção ou outras causas causas

Melhora: Falha: rever diagnóstico, Associação de 2 ou mais: cortic. Curso curto de Encaminhar
manter adesão, investigar infecção nasal+azelastina nasal b/cortic. nasal/anti-H1 descongestinante para
tratamento ou outras causas oral/antileucotrieno + levocetirizina d oral ou cortic. oral especialista

Imunoterapia específica

Medicação de resgate: anti-H1 oral/anti-H1 com descongestionantes/corticoide oral

Anti-H1: anti-histamínico H1; Cortic.: corticosteroide; a: sem ordem de preferência; b: acima de 6 anos; c: em ordem de preferência; d: acima de 18 anos.

Fonte: Adaptado de Sakano et al. (2018).


Rinossinusite alérgica 431

para o uso em adultos. Em crianças, ain- da cirurgia, inclusive, esclarecendo ao


da faltam estudos para aprovar o seu uso paciente da necessidade de tratamento e
com essa finalidade, estando o dupilu- acompanhamento em médio e longo pra-
mabe liberado em adolescentes para o zos da rinossinusite alérgica para que não
tratamento de dermatite atópica e asma. haja recorrência das alterações corrigidas.
Nos últimos anos, diversos estudos
QUAIS SÃO AS PRINCIPAIS
demonstraram maior potência de con-
COMPLICAÇÕES?
trole dos sintomas e maior rapidez no
início de ação na associação de corti- Asma
coide tópico e anti-histamínico tópico. Muitos estudos apontam evidências que
As principais indicações dessas formu- fortalecem a teoria da via aérea única.
lações seriam rinite refratária ao trata- Essa teoria sugere que a RA e a asma são
mento e rinite medicamentosa (já que manifestações de uma única doença. Tal
o início de ação passa a ocorrer em ape- pensamento fundamenta-se em grande
nas 5 min da administração da medica- associação clínico epidemiológica de
ção, facilitando a interrupção da utiliza- asma e rinite, além da semelhança do
ção dos vasoconstrictores tópicos). pro­cesso inflamatório da mucosa nasal
e brônquica e dos fatores desencadean-
IMUNOTERAPIA tes comuns.
Recomendada em pacientes acima de Esse conhecimento apresenta gran-
três anos de idade, monossensibilizados, de importância prática e é importante
com controle inadequado dos sintomas, que o médico questione ativamente o
pobre adesão ao tratamento ou efeitos paciente asmático sobre os sintomas de
indesejáveis com o uso das medicações rinite e vice-versa.
convencionais. Deve ser indicada e feita Frequentemente, verifica-se otite
pelo especialista. média secretora, asma ou conjuntivite
alérgica refratárias ao tratamento, ten-
CIRURGIA do rinite associada e não tratada, que,
Indicada quando ocorre controle inade- quando diagnosticada, passa a respon-
quado dos sintomas com as medidas me- der bem à terapêutica proposta.
dicamentosas associado com alterações
anatômicas irreversíveis. Deve ser con- Síndrome do respirador oral
duzida como parte excepcional do tra- A obstrução nasal pode causar deformi-
tamento e num contexto de tratamento dades faciais, má oclusão dentária e dis-
medicamentoso prévio, durante e depois túrbios do sono.
SEÇÃO 7 432

IVAS rinossinusite crônica em pacientes com


A exposição ao alérgeno induz à expres- manifestações alérgicas, como asma, ri-
são da molécula de adesão ICAM-1, que nite e intolerância à aspirina
é o receptor para 90% das rinoviroses
humanas, sugerindo uma maior sus- COMO EVITAR?
ceptibilidade do atópico a infecções por Um período crítico existe na vida in-
rinovírus. trauterina e no início da infância, pois
é quando os indivíduos geneticamente
Otite média serosa susceptíveis estão em maior risco de
A associação com RA é frequente. É um sensibilização. Assim, é importante evi-
quadro associado à perda auditiva em tar desencadeantes ambientais, como
crianças e pode predispor a processos exposição ao fumo e aos ácaros da poei-
infecciosos no ouvido médio. ra doméstica, através de medidas de
controle ambiental. Como fator perina-
Sinusites tal, destaca-se o parto cesariana como
A alergia é um fator envolvido na fisio- fator de risco para o desenvolvimento
patologia da rinossinusite aguda, po- de RA e outras atopias. Curiosamente,
dendo ou não estar associada à infecção. observa-se que a exposição desde o
Em pacientes com sinusite crônica, útero a cães e gatos diminui a chan-
a RA é considerada como um dos fato- ce de desenvolvimento de doenças
res implicados na persistência da infla- alérgicas e que a introdução destes
mação da mucosa nasossinusal. Apesar animais após o nascimento aumenta es-
da relação causa e efeito ainda não ser ta chance.
consenso na literatura, é recomendado É fundamental educar os pacientes
que os pacientes com rinossinusite crô- e familiares para a detecção dos sinto-
nica sejam avaliados do ponto de vista mas precoces (espirros, coriza e prurido)
alérgico antes de serem submetidos a para que seja iniciado um plano de ação
tratamentos cirúrgicos. Além disso, ob- medicamentoso no sentido de bloquear
serva-se pior prognóstico cirúrgico da a instalação da crise.

REFERÊNCIAS
HEAD, K. et al. Saline irrigation for allergic LICARI, A.et al. Dupilumab to Treat Type
rhinitis. Cochrane Database of Systematic 2 Inflammatory Diseases in Children and
Reviews, 2018, Issue 6. Art. no.: CD012597. DOI: Adolescents. Pediatric Drugs, [S. l.], v. 22, n. 3,
10.1002/14651858.CD012597. p. 295-310, Mar. 2020.
Rinossinusite alérgica 433

NASPITZ, C. K.; CRUZ, A. A. ARIA: atualizações. SAKANO, E. et al. Consenso Brasileiro so-
Revista Brasileira de alergia e imunopatologia, bre Rinites, 4, 2017. [Anais]. Documento
[S. l.], ano 2008, v. 31, n. 3, p. 98-101, Jan. 2008. conjunto da Associação Brasileira de

SAKANO, E. et al. IV Brazilian Consensus on Alergia e Imu­nologia, Associação Brasilei-

Rhinitis – an update on allergic rhinitis. Braz ra de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cér-


J Otorhinolaryngol, São Paulo, v. 84, n. 1, p. vico-Facial e Sociedade Brasileira de Pe-
3-14, Jan. 2018. diatria.
C AAPÍTULO
PÍTULO x2

Lactente sibilante

Décio Medeiros

O QUE É? A distinção entre as crianças que


Chiado ou falta de ar em crianças apresentarão sibilância episódica ou
pré-escolares estão entre os sintomas persistente é tênue, pela mudança, não
mais comuns na prática pediátrica. infrequentemente, de um tipo para o
Aproximadamente uma em cada três outro. A sibilância persistente, prova-
crianças apresentarão um episódio de velmente, evoluirá para asma no futuro
sibilância antes do terceiro ano de vida. e necessitará de um olhar mais atento,
Devido à heterogeneidade dos qua- precocemente, do médico no tocante à
dros de sibilância diagnosticada pelo mé- deterioração da função pulmonar e no
dico, e apesar de sua ocorrência comum, acompanhamento terapêutico, por ve-
há relativamente pouca evidência dispo- zes, por longo período.
nível na fisiopatologia e no tratamento
da sibilância em crianças pré-escolares. QUANDO SUSPEITAR?
Muitas crianças com sibilância ficarão A sibilância, por ser um quadro frequen-
sem sintomas entre 3 e 8 anos de idade. te na idade pré-escolar, deve chamar a
Isso distingue a sibilância na idade pré- atenção do médico assistente em alguns
-escolar da asma na infância e na idade aspectos como a frequência e a severida-
adulta, e ilustra a heterogeneidade dos de dos episódios. Crianças que sibilam
sibilos nessa faixa etária. Segundo alguns com frequência e com necessidade de
autores, a referência à expressão “sibilân- atendimento em serviço de emergên-
cia recorrente”, ou seja, mais de três epi- cia tenderão a persistir com a sinto-
sódios de sibilância por ano, tem sido por matologia no futuro. Adicionalmente,
eles defendida como sinônimo de asma. características temporais deverão ser
Lactente sibilante 435

observadas, como o aparecimento de O exame físico deve ser detalhado.


sibilância desencadeada por episódios Nas crises, além da avaliação torácica,
agudos virais de vias aéreas ou contato avaliar o estado geral da criança, o seu
com “gatilhos” como alérgenos, mudan- nível de consciência, as vias aéreas supe-
ças repentinas de temperatura e umida- riores e mensurar os sinais vitais. Sibilos,
de ou poluição atmosférica. A sibilância taquipneia e sinais de dispneia são os
desencadeada por episódios agudos de achados mais comuns nas exacerbações.
infecções virais tende à diminuição da Na avaliação ambulatorial, na maioria
sintomatologia ao longo do tempo. A de- das vezes, o exame é normal. É impor-
sencadeada por contato com alérgenos tante avaliar a presença de sinais de co-
tende a persistir com a sintomatologia. morbidades alérgicas.
Na tentativa de facilitar a identifica-
COMO DIAGNOSTICAR? ção de lactentes com asma foi proposto
O diagnóstico de sibilância recorrente o Índice Preditivo para Asma (Quadro
e asma no lactente é essencialmente 1). De acordo com ele, é considerado
clínico, e a presença de sibilância, tos- alto risco para o diagnóstico de asma a
se, desconforto respiratório e desperta- presença de um critério maior ou dois
res noturnos de natureza contínua ou menores em lactentes com três ou mais
recorrente, são os achados principais. episódios de sibilância. Outros autores o
Sibilância é o sintoma-chave, e o pedia- modificaram para crianças pré-escola-
tra deve estar atento porque frequente- res, incluindo sensibilização a aeroalér-
mente os pais, e até mesmo os profis- genos como critério maior e substituin-
sionais de saúde, confundem o sintoma do rinite por sensibilização a alimentos
com ronco ou estridor. A anamnese deve como critério menor.
ser cuidadosa, com informações sobre a
Quadro 1. Índice preditivo para asma modi­
idade de início da sibilância, associação
ficado
com tosse, despertares noturnos, engas-
Critérios maiores Critérios menores
gos, falta de ar, vômitos, cianose, febre,
anorexia, perda de peso e exposição aos História familiar
Rinite alérgica
de asma
fatores de risco. Antecedentes familiares
Sibilância na ausência de
de asma e/ou atopia (dermatite atópica, Eczema
resfriado
rinite alérgica e alergia alimentar), ava- Sensibilização aos Sensibilização aos
liação do ambiente e condições de habi- aeroalérgenos* alérgenos alimentares*

tação e a boa resposta ao uso de beta-a- Eosinofilia > 4%

gonistas de curta ação e corticosteroides *Critérios incluídos ao IPA original.


colaboram para a investigação. Fonte: Guilbet (2004).
SEÇÃO 7 436

Testes Diagnósticos • Distúrbios esofágicos/de deglutição:


• Pesquisa de sensibilização alérgica: refluxo, incoordenação de deglu­
prick test ou IgE sérica específica; ti­­ção, fenda laríngea ou fístula tra­-
• Radiografia de tórax (exclui anor- queoesofágica;
malidades das vias aéreas, infecções • Causas de infecções pulmonares: fi-
crônicas); brose cística (tosse persistente, bai-
• Provas de função pulmonar (exem- xo peso), discinesia ciliar primária,
plo: oscilometria de impulso): não imunodeficiências primárias e se-
disponíveis na prática clínica; cun­­dárias;
• Hemograma (pesquisa de eosinofilia); • Displasia broncopulmonar (associa-
• Protoparasitológico de fezes; da à prematuridade/uso prolongado
• Outros exames: pHmetria, iontofo- de O2);
rese, tomografia de tórax, PPD, dosa- • Doença das vias aéreas superiores:
gens de imunoglobulinas, broncos- gotejamento pós-nasal.
copia: de acordo com a suspeita de
outros diagnósticos. A descrição dos pais sobre a tosse, a
falta de ar e a sibilância e seu padrão
Diagnósticos diferenciais podem direcionar o raciocínio ao ava-
de sibilância liar uma criança com provável doença
• Asma de início precoce; de vias aéreas. Alguns distúrbios das
• Sibilância associada à infecção viral vias aéreas produzem sintomas de for-
ou pós-bronquiolite viral; ma persistente, como as malformações
• Bronquiolite obliterante (sibilância e doenças cardíacas, enquanto outros,
persistente iniciada após pneumo- como a asma, sibilância transitória in-
patia grave); duzida por vírus e síndromes aspirativas
• Doença brônquica estrutural con- são intermitentes, e este padrão pode
gênita: anéis completos de cartila- ajudar no raciocínio diagnóstico.
gem, cistos broncogênicos, laringo/
traqueomalácea; COMO TRATAR?
• Compressão brônquica/traqueal: anel Tem como objetivo controlar as mani-
vascular (cianose e dispneia aos es- festações clínicas da doença. Consiste
forços), cardiomegalia, linfonodome- na educação dos responsáveis com ex-
galia por tuberculose ou linfoma; plicações sobre a patologia, controle dos
• Doenças endobrônquicas: corpo es- fatores de risco ambientais, uso correto
tranho (sibilância de início súbito/ de medicações e percepção dos sinais
sufocação), tumores; de agravamento.
Lactente sibilante 437

Medicação de resgate: O aumento das doses e o manejo da


• β2-agonista de ação curta – salbuta- duração do tratamento dependem da
mol: 2 a 4 jatos, a cada 4 a 6 horas, evolução de cada paciente. Nor­mal­­men­
por 5 dias; te, inicia-se o tratamento com baixa dose
• Corticoide oral não está indicado pe- de corticosteroide inalatório (CI), por ao
lo início de ação mais lento e pelos menos três meses, para avaliar a eficácia
efeitos colaterais; e o controle da asma. O uso de CI inter-
• Para as crianças com sibilância mitente pode ser considerado, mas ape-
indu­zida por vírus, com história pes- nas após o emprego de tratamento de
soal ou familiar de atopia e que não modo regular com receptores de leuco-
es­tá controlando com o uso de β2- trienos (ARLT): montelucaste, 4 mg, 1 vez/
ago­nis­­ta de ação curta, o uso de alta dia, 1 sachê misturado a alimentos pasto-
do­se de corticoide inalado deve ser sos (a partir de 6 meses de idade). O uso
considerado. de monoterapia com ARLT reduz pouco
os sintomas e a necessidade de uso de
Tratamento de manutenção: corticosteroide oral (CO), tanto de modo
• Corticosteroide inalatório: os cor- regular quanto quando administrado de
ticosteroides inalados são conside- modo intermitente. Sua associação ao CI
rados como as drogas mais efica- é indicada em pacientes que responde-
zes na terapia de controle, sendo ram parcialmente ao CI em dose baixa.
recomendados para o tratamento
da sibilância recorrente e asma em QUAIS SÃO AS INDICAÇÕES
PARA INTERNAMENTO?
crianças de qualquer idade. As doses
mínimas sugeridas para os diferen- • Não resposta a 3 doses de β2-agonista
tes corticosteroides inalados dispo- de ação curta inalado em 1-2 horas;
níveis encontram-se na Tabela 1. • Não resposta ao corticosteroide sis-
têmico;
Tabela 1. Doses diárias de corticosteroides • Taquipneia apesar de 3 doses de
inalados (doses baixas) em crianças com cinco β2-agonista de ação curta. Criança
anos de idade ou menos
incapaz de falar, beber ou com falta
Corticosteroide inalado Dose diária (μg) de fôlego;
Beclometasona HFA
5-100
• Cianose, retração subcostal, tórax
(aerossol + espaçador)
silencioso, saturação de oxigênio
Budesonida (nebulização) 500
< 92% em ar ambiente;
Fluticasona 50-100 • Impossibilidade de tratamento do-
Fonte: GINA (2021). miciliar adequado.
SEÇÃO 7 438

Quadro 2. Tratamento inicial da crise grave de sibilância em lactentes

Terapia Via e dose

Máscara facial a 24% – Venturi (4 l/min)


Oxigênio suplementar
Manter a saturação entre 94%-98%

Salbutamol 100 mcg spray com espaçador e máscara, fazer 2 a 6


jatos, a cada 20 min, na primeira hora, ou 2,5 mg de salbutamol
β2-agonista de ação curta com nebulizador a cada 20 min, na primeira hora. Se os sintomas
persistirem, fazer 2 a 3 jatos por hora. Considerar internação, se
> 10 jatos em 3 a 4 horas

Spray 80 mcg com espaçador e máscara, fazer 2 jatos (ou 2,5 mg por
Brometo de ipratrópio
nebulização), a cada 20 min, por apenas 1 hora

Prednisolona oral (1-2 mg/kg) ou metilprednisolona EV (1 mg/kg, a cada


Glicocorticoides sistêmicos
6 h, no primeiro dia, e a cada 12 horas, a partir do segundo dia)

Os β2-agonistas de ação prolongada (LABAS) e o Omalizumabe (anticorpo monoclonal anti-IgE) não estão indicados na
faixa etária de 0 a 2 anos de idade.

Fonte: GINA (2021).

COMO FAZER A PROFILAXIA?


• Controle ambiental para aqueles • Evitar exposição intrauterina à fu-
com atopia familiar ou com alto ris- maça de cigarro e domiciliar;
co de desenvolver atopia, na tentati- • Evitar exposição aos vírus e às bac-
va de diminuir o nível de exposição térias que causam infecções respi-
aos ácaros, fungos, alérgenos de ba- ratórias (creches, aglomerados ur-
ratas, pelos de animais e irritantes. banos).

REFERÊNCIAS
BACHARIER, L. B.; BONER, A.; CARLSEN, K. GINA (Global Initiative for Ashtma). Global
H.; EIGENMANN, P. A.; FRISCHER, T.; GÖTZ, Strategy for Ashtma Management and Pre­
M. et al. Diagnosis and treatment of asthma vention: updated 2021. [S. l.]: GINA, 2021.
in childhood: PRACTALL consensus report. Disponível em: https://ginasthma.org/wp-con
Allergy, v. 63, n. 1, p. 5-34, 2008. tent/uploads/2021/05/GINA-Main-Report-

CASTRO-RODRIGUEZ, J. A.; HOLBERG, C. J.; 2021-V2-WMS.pdf. Acesso em: 30 jul. 2021.

WRIGHT, A. L.; MARTINEZ, F. D. A clinical in- GUILBERT, T.; MORGAN, W.; ZEIGER, R.;
dex to define risk of asthma in young chil-
BACHARIER, L.; BOEHMER, S.; KRAWIEC, M.
dren with recurrent wheezing. Am J Respir
Atopic characteristics of children with re-
Crit Care Med, v. 162, p. 1403-6, 2000.
current wheezing at high risk for the devel-
FINDER, J. D. Understanding airway disease opment of childhood asthma. J Allergy Clin
in infants. Curr Probl Pediatr, v. 29, n. 3, p. Immunol, v. 114, p. 1282-7, 2004.
65-81, 1999.
Lactente sibilante 439

HENDERSON, J.; GRANELL, R.; HERON, J. et al. ­leira de Pediatria para sibilância e asma no
Associations of wheezing phenotypes in the pré-escolar. Arq Asma Alerg Imunol, v. 2, n. 2,
first 6 years of life with atopy, lung function p. 163-208, 2018.
and airway responsiveness in mid-childhood.
PESCATORE, A. M.; DOGARU, C. M.; DUEMB­
Thorax, v. 63, p. 974-980, 2008.
GEN, L. et al. A simple asthma prediction
LOWE, L.; MURRAY, C. S.; MARTIN, L. et al. tool for preschool children with wheeze or
Reported versus confirmed wheeze and lung cough. J Allergy Clin Immunol, v. 133, p. 111-
function in early life. Arch Dis Child, v. 89, p. 118, 2014.
540-543, 2004.
SAVENIJE, O. E.; KERKHOF, M.; KOPPELMAN,
MARTINEZ, F. D.; WRIGHT, A. L.; TAUSSIG, L. G. H. et al. Predicting who will have asthma
M. et al. Asthma and wheezing in the first at school age among preschool children. J
six years of life. N Engl J Med, v. 332, p. 133- Allergy Clin Immunol, v. 130, p. 325-331, 2012.
138, 1995.
SCHULTZ, A.; BRAND, P. L. Episodic viral
NETO, H. J. C.; SOLÉ, D.; CAMARGOS, P.; wheeze and multiple trigger wheeze in
ROSÁRIO, N. A.; SARINHO, E. C.; CHONG-SILVA, preschool children: a useful distinction for
D. C. et al. Diretrizes da Associação Brasileira clinicians? Pediatr Respir Rev, v. 12, p. 160-
de Alergia e Imunologia e Sociedade Bra­si- 164, 2011.
C AAPÍTULO
PÍTULO x3

Asma na infância
e na adolescência

Décio Medeiros
Emanuel Sávio Cavalcanti Sarinho
Georgia Véras de Araújo Gueiros Lira

O QUE É? A adequada classificação da asma


É uma doença inflamatória crônica das possibilita conduzir o paciente de for-
vias aéreas inferiores. Suas principais ma personalizada, objetivando alcançar
características são a hiper-responsivi- e manter o controle da doença e evitar
dade em vias aéreas inferiores e limita- riscos futuros de piora clínica. A asma se
ção variável ao fluxo aéreo, reversível apresenta por diversos fenótipos (carac-
espontaneamente ou com tratamento, terísticas observáveis de um indivíduo)
podendo se manifestar por episódios e endótipos (mecanismos moleculares
recorrentes de: e fisiopatológicos subjacentes ao fenó-
• Sibilância; tipo). Os fenótipos inflamatórios mais
• Dispneia; frequentemente identificados incluem
• Sensação de aperto no peito; a asma eosinofílica ou não eosinofílica e
• Tosse, particularmente à noite e/ou a asma alérgica ou não alérgica e entre
pela manhã ao despertar. os endótipos, pode-se identificar as in-
flamações tipo 2 alta e baixa.
A asma é considerada uma síndro-
me/doença complexa e heterogênea, COMO ESTABELECER O DIAGNÓSTICO?
com prevalência entre 11,8% a 30,5% das Uma vez que os sinais e sintomas não
crianças e dos adolescentes das prin- são exclusivos desta doença, a confir-
cipais cidades brasileiras, segundo o mação do diagnóstico da asma deve
International Study of Asthma and Aller­­­ abordar, além das características clí-
gies in Childhood (ISAAC). nicas, o uso de métodos objetivos de
Asma na infância e na adolescência 441

investigação, como testes alérgicos e do previsto e da relação VEF1/CVF in-


funcionais (espirometria e testes de bron- ferior a 75% em adolescentes/adultos
coprovocação ao exercício ou bronco- e 86% em crianças, ou a obstrução ao
constrictores). fluxo aéreo que melhora após bron-
codilatador (B2 de curta ação) com
Diagnóstico clínico aumento de VEF1 de 200 ml e 12%
A história clínica detalhada e o exame do seu valor pré-broncodilatador ou
físico devem ser realizados e prioriza- aumento de 7% em relação ao seu va-
dos. A presença de um ou mais sinto- lor previsto. Asmáticos leves podem
mas como sibilância, tosse geralmente apresentar espirometria normal en­
à noite e/ou ao despertar, sensação de tre as crises. Em pacientes com sin­
aperto no peito e dispneia, que podem tomas de forma importante, com
se apresentar ao repouso e/ou após espirometria basal normal e ausên-
exercícios físicos, de forma recorrente, cia de resposta ao broncodilatador,
ou seguidos à exposição aos aeroalér- o diagnóstico pode ser confirmado
genos ambientais (ácaros, pelos de ani- pelo teste de broncoprovocação.
mais, baratas, fungos) e irritantes (fu- Teste de broncoprovocação: conduzi-
maça de cigarro, queima de biomassa, do em ambiente hospitalar, o teste
diesel, produtos de limpeza), infecções pode ser realizado com substâncias
respiratórias, exposição ao ar frio, varia- (metacolina, carbacol e histamina)
ções climáticas, além do estresse psico- ou exercício físico. Espera-se como
lógico, entre outros fatores, são dados resultado a queda do VEF1 acima
importantes na história clínica e devem de 10-15% após estímulos de bron­
-
ser bem investigados. coprovocação.
Pico de Fluxo Expiratório (PFE): pode
Diagnóstico da obstrução ser utilizado no diagnóstico, mas é
e inflamação em vias aéreas mais utilizado na monitoração e no
Espirometria: é um teste que depende controle da asma. São indicativos de
do esforço e requer a cooperação asma: diferença percentual média
e a atenção do paciente, por isso é entre a maior de três medidas de
mais indicada em crianças acima de PFE efetuadas pela manhã e à noite,
6 anos de idade, mas isto não impe- com amplitude superior a 20% em
de que pré-escolares possam realizar período de 2 a 3 semanas ou aumen-
o exame. Sinaliza asma a presença to de 30% no PFE em crianças, 15 min
de distúrbio ventilatório obstrutivo após broncodilatador de curta ação.
com redução do VEF1 inferior a 80% Atualmente, tem ficado reservado
SEÇÃO 7 442

para monitorização de pessoas com Diagnóstico alérgico


asma instável. Pode ser confirmado pelos testes cutâ-
Oscilometria de impulso: considerada neos ou de determinação sérica de IgE
uma ferramenta eficaz para avaliar específica. Para a realização dos testes
o valor da resistência das vias aéreas cutâneos com técnica de punctura são
ao longo da árvore traqueobrôn- necessários extratos biologicamente
quica (desde a zona central até a padronizados em serviços especializa-
periferia), objetiva desempenhar im- dos. Os antígenos predominantes são os
portante papel na análise comple- inaláveis, sendo os mais frequentes os
mentar à espirometria. As principais ácaros (Dermatophagoides pteronyssinus,
mensurações realizadas englobam a farinae e Blomia tropicalis), epitélios de
impedância (Z), a resistência (R), a cães e gatos, baratas e fungos. Por outro
reatância (X) e a frequência de res- lado, a determinação de eosinofilia séri-
sonância (Fres). Um aumento na R ca não é específica de processo alérgico
com frequências menores (R5), sem e contribui muito mais para o planeja-
nenhuma mudança na resistência a mento terapêutico do que para o diag-
frequências mais altas (R20), associa- nóstico de asma.
da a uma diminuição na reatância
em frequências mais baixas (X5), re- QUAIS SÃO OS DIAGNÓSTICOS
presenta um aumento na resistência DIFERENCIAIS?
de vias aéreas periféricas. Com exceção dos menores de 2 anos
Medida da fração de óxido nítrico de idade (que serão vistos em capítulo
exalado (FeNO): ainda é mais utili- específico), os diagnósticos alternativos
zada em pesquisas, pois precisa de que deverão ser excluídos são: síndro-
aprimoramento de técnica. Níveis me de Löeffler, tuberculose, infecções
elevados da FeNO podem ser bio- virais e bacterianas, doença de refluxo
marcadores de eosinofilia nas vias gastroesofágico (DRGE), fibrose cística,
aéreas e úteis para o tratamento da pneumonites intersticiais, disfunção
asma. Em geral a medida de FeNO de cordas vocais, discinesia de larin-
ao fluxo expiratório de 50 ml/s pode ge, anel vascular, bronquiolite oblite-
ser útil para o diagnóstico e o tra- rante, doença respiratória crônica da
tamento de casos selecionados de prematuridade, malformações pulmo-
asma. É um método não invasivo nares e cardíacas com repercussões
para a avaliação de inflamação eosi- pulmonares, neoplasias do trato res-
nofílica predominantemente de vias piratório e pneumonites químicas por
aéreas centrais. quimioterapias, que deverão ser investi-
Asma na infância e na adolescência 443

gados com exames mais específicos pa- classificada em controlada, parcialmen-


ra cada doença. te controlada e não controlada e esta
avaliação, em geral, é feita em relação
COMO CLASSIFICAR A GRAVIDADE às últimas 4 semanas.
INTERCRISE E O CONTROLE DA ASMA? Atualmente, além do questionário de
O grau de limitação do fluxo aéreo e controle da asma pela GINA, outras fer-
sua variabilidade, junto a determinados ramentas para a monitoração da asma
achados na história clínica, permitem já foram adaptadas culturalmente para
que se classifique a gravidade da asma uso no Brasil, incluindo o Questionário
na intercrise, de acordo com a Global de Controle da Asma (ACQ-7) e o Teste
Initiative for Asthma (GINA) em: Leve, de Controle da Asma (ACT) para maiores
Moderada e Grave (Quadro 1). de 12 anos e c-ACT para crianças de 4 a
Quanto ao controle da asma, dois 11 anos. A vantagem do uso dessas duas
domínios distintos precisam ser obser- últimas ferramentas é sua avaliação nu-
vados: o controle das limitações clínicas mérica (Quadro 2), que facilita a com-
atuais e a redução de riscos futuros. Com preensão do nível de controle da doença
base nestes parâmetros, a asma pode ser tanto pelo paciente quanto pelo médico.

Quadro 1. Classificação da gravidade da asma

Leve Moderada Grave

Sintomas Semanais Diários Diários ou contínuos

Despertares
Mensais Semanais Quase diários
noturnos

Necessidade de β-2 Eventual Diária Diária


para alívio

Limitação de Presente nas Presente nas


Contínua
atividades exacerbações exacerbações

Exacerbações Afeta atividades e o sono Afeta atividades e o sono Frequentes

VEF1 ou PFE ≥ 80% predito 60-80% predito ≤ 60% predito

Variação VEF1 ou PFE < 20-30% > 30% > 30%

Classificar o paciente sempre pela manifestação de maior gravidade.


*Pacientes com asma intermitente, mas com exacerbações graves com ida à UTI, devem ser classificados como tendo asma
moderada. VEF1: volume expiratório forçado no primeiro segundo; PFE: pico de fluxo expiratório.

Fonte: GINA (2022).


SEÇÃO 7 444

Quadro 2. Avaliação do controle da asma por diferentes instrumentos

Asma Asma parcialmente Asma não


Instrumentos/itens
controlada controlada controlada

GINA

Sintomas diurnos > 2 vezes por semana


Despertares noturnos por asma
Nenhum item 1-2 itens 3-4 itens
Medicação de resgate > 2 vezes por semana
Limitação das atividades por asma

ACT Escores

Limitação das atividades por asma


Dispneia
Despertares noturnos por asma ≥ 20 16-19 ≤ 15
Medicação de resgate
Autoavaliação do controle da asma

ACQ-7 Escores

Número de despertares noturnos/noite


Intensidade dos sintomas
Limitação das atividades por asma
Intensidade da dispneia ≤ 0,75 0,75 até < 1,5 > 1,5
Sibilância (quanto tempo)
Medicação de resgate
VEF1 pré-broncodilatador

ACQ-7: Asthma Control Questionnaire com 7 itens – escore 0-7 por item; ACT: Asthma Control Test – escore 0-5 por
item. O ACQ pode ser usado sem espirometria; nesse caso, é referido como ACQ-6. Caso seja usado sem espirometria ou
medicação de regate, é referido como ACQ-5.

Fonte: GINA (2022).

COMO TRATAR A ASMA INTERCRISE? com plano de ação por escrito, treina-
O objetivo do tratamento da asma de- mento para uso do dispositivo inalatório
ve ser alcançar e manter o controle da e revisão da técnica inalatória a cada vi-
doença e evitar riscos futuros de exacer- sita ao consultório.
bações, de instabilidade da doença, de Na prática clínica, a escolha da me-
perda acelerada da função pulmonar e dicação, da dosagem e do dispositivo
de efeitos adversos do tratamento. Isso inalatório deve ser baseada na avaliação
implica em uma abordagem personali- do controle dos sintomas da asma, nas
zada, com tratamento não farmacológi- características do paciente (fatores de
co, que inclui: educação do paciente e risco, capacidade de usar o dispositivo
familiares, além do adequado controle de forma correta, preferência pelo dis-
ambiental, e tratamento farmacológico, positivo e custo), no julgamento clínico
Asma na infância e na adolescência 445

e na disponibilidade do medicamento. O tratamento intercrise da asma é


Portanto, não existe medicação, dose ou dividido em etapas de I a V para pacien-
dispositivo inalatório que se aplique in- tes de 6 a 11 anos (Figura 1), para maio-
distintamente a todos os asmáticos e na res de 12 anos (Figura 2) e para ≤ 5 anos
preferência do paciente/familiares. (Figura 3).

Figura 1. Manejo da asma em crianças com idade entre 6 e 11 anos

TRATAMENTO PREFERENCIAL APÓS FENOTIPAR:


CI dose alta + LABA
Adicionar: anti-IgE, IL-4R
Etapa V
OUTRAS OPÇÕES: adicionar CO em dose baixa
(considerar efeitos adversos) ou anti-IL5

TRATAMENTO PREFERENCIAL:
Sintomas mais diários, ou CI dose média + LABA,
acordando com asma 1x ou encaminhar para especialista
Etapa IV
mais por semana e com
baixa função pulmonar OUTRAS OPÇÕES: adicionar tiotrópio ou
montelucaste

TRATAMENTO PREFERENCIAL:
Sintomas mais diários, CI dose baixa + LABA ou dose média de CI
ou acordando com
Etapa III
asma 1x ou mais por
semana OUTRAS OPÇÕES:
dose baixa de CI + montelucaste

TRATAMENTO PREFERENCIAL:
Sintomas 2x CI dose baixa diária
no mês ou
Etapa II
mais, mas
não diário OUTRAS OPÇÕES: montelucaste ou dose baixa
de CI sempre que usar SABA

TRATAMENTO PREFERENCIAL:
Sintomas Usar CI sempre que SABA for utilizado
menos que Etapa I
2x no mês OUTRA OPÇÕES: Considerar CI dose baixa diária

TODOS OS ASMÁTICOS
Controle ambiental + rever controle
da asma e risco futuro regularmente

CO: corticoide oral; CI: corticoide inalatório; LABA: long-acting β2 agonist (β2-agonista de longa duração); e SABA: short-
acting β2 agonist (β2-agonista de curta duração).

Fonte: GINA (2022).


SEÇÃO 7 446

Figura 2. Manejo da asma em pacientes com idade ≥ 12 anos

TRATAMENTO PREFERENCIAL, FENOTIPAR:


CI dose alta + LABA, adicionar LAMA,
Fenotipar: anti-IgE ou anti-IL5/5R, anti-IL4R,
anti-TSLP Etapa V

OUTRAS OPÇÕES: adicionar CO em dose baixa

TRATAMENTO PREFERENCIAL:
Sintomas mais diários, ou CI dose média + LABA
acordando com asma 1x ou
mais por semana e com Etapa IV
baixa função pulmonar OUTRAS OPÇÕES: CI dose média/alta + LABA,
adicionar LAMA ou montelucaste

TRATAMENTO PREFERENCIAL:
Sintomas mais diários, CI dose baixa + LABA
ou acordando com
Etapa III
asma 1x ou mais por
semana OUTRAS OPÇÕES: dose média de CI ou dose
baixa de CI + montelucaste

TRATAMENTO PREFERENCIAL:
Sintomas 2x CI dose baixa + FORM por demanda
no mês ou
mais,mas Etapa II
OUTRAS OPÇÕES:
não diário Dose baixa de CI de manutenção

TRATAMENTO PREFERENCIAL:
Sintomas dose baixa de CI + FORM por demanda
menos que Etapa I
2x no mês OUTRAS OPÇÕES: CI + SABA por demanda, dose
baixa de CI sempre que usar SABA

TODOS OS ASMÁTICOS
Controle ambiental + rever controle
da asma e risco futuro regularmente

CI: corticoide inalatório; LABA: β2-agonista de longa duração; CO: corticoide oral; SABA: β2-agonista de curta duração; e
FORM: fumarato de formoterol.

Fonte: GINA (2021).


Asma na infância e na adolescência 447

Figura 3. Manejo da asma em pacientes com idade ≤ 5 anos

TRATAMENTO PREFERENCIAL:
Manter tratamento e encaminhar para especialista

Etapa IV
OUTRAS OPÇÕES: adicionar montelucaste,
ou aumentar a dose do CI ou adicionar CI
intermitente

TRATAMENTO PREFERENCIAL:
Dobrar a dose baixa do CI

Etapa III
OUTRAS OPÇÕES:
CI dose baixa + montelucaste,
Considerar encaminhar para especialista

TRATAMENTO PREFERENCIAL: CI dose baixa

Etapa II
OUTRAS OPÇÕES:
montelucaste ou uso de CI intermitente

TRATAMENTO PREFERENCIAL:
Crianças com sibilância viral ou raros sintomas
episódicos: Etapa I
SABA por demanda e considerar curso curto de CI

TODOS OS ASMÁTICOS
Controle ambiental + rever controle
da asma e risco futuro regularmente

CI: corticoide inalatório; LABA: β2-agonista de longa duração; SABA: β2-agonista de curta duração

Fonte: GINA (2022).

Os fatores que influenciam a res- persistente parcialmente ou não contro-


posta ao tratamento da asma incluem: lada, esses fatores que influenciam no
diagnóstico e classificação incorretos; controle da asma devam ser verificados
falta de adesão; exposição domiciliar e corrigidos ou tratados.
(por exemplo, poeira ou fumaça); expo- É importante ter conhecimento das
sição a aeroalérgenos; tabagismo e co- doses das medicações usadas em cada
morbidades. Por isso, recomenda-se que, faixa etária para seguir as etapas do
antes de qualquer modificação no trata- tratamento (Tabela 1) e os nomes co-
mento da asma, em pacientes com asma merciais disponibilizados no Brasil de
SEÇÃO 7 448

Tabela 1. Doses de corticoides inalatórios autorizadas para tratamento da asma no Brasil

ADULTOS E ADOLESCENTES (≥ 12 anos)

Dose baixa Dose média Dose alta


Corticoides Dispositivos
(µg/dia) (µg/dia) (µg/dia)

Dipropionato de beclometasona DPI, HFA 200-500 500-1.000 > 1.000

Budesonida DPI, HFA 200-400 > 400-800 > 800

Propionato de fluticasona DPI, HFA 100-250 > 250-500 > 500

Furoato de fluticasona DPI nd 100 200

Furoato de mometasona DPI 200 > 200-400 > 400

CRIANÇAS ENTRE 6 E 11 ANOS DE IDADE

Dipropionato de beclometasona DPI, HFA 100-200 200-400 > 400

DPI 100-200 > 200-400 > 400


Budesonida
Flaconetes 250-500 > 500-1.000 > 1.000

Propionato de fluticasona DPI, HFA 50-100 > 100-200 > 200

Furoato de mometasona DPI 100 100 ≥ 200

CRIANÇAS < 6 ANOS DE IDADE

Dipropionato de beclometasona DPI, HFA 50-100 > 100-200 > 200

DPI, 100-200 > 200-500 > 500


Budesonida
Flaconetes 250-500 > 500-1.000 > 1.000

Propionato de fluticasona DPI, HFA 50 > 100-200 > 200

Furoato de mometasona DPI 100 > 100-200 ≥ 200

DPI: dispositivo de pó inalatório; HFA: hidrofluoralcano.

Fonte: GINA (2022).

acordo com a dose dispensada no dis­ seando-se nos parâmetros apresentados


positivo e a faixa etária de segurança na Figura 4.
para uso (Quadro 3). Na avaliação inicial da exacerbação
da asma em crianças menores de 5 anos,
COMO TRATAR A ASMA a classificação entre leve e grave facilita
DURANTE A CRISE? a implantação de medidas mais ativas
Ao atender um paciente asmático em para a melhora clínica, pois este grupo
crise (exacerbação), cabe ao médico etário apresenta peculiaridades anatô-
fazer inicialmente uma criteriosa ava­ micas e fisiológicas que facilitam maior
liação da gravidade (intensidade), ba- agravamento (Quadro 4).
Asma na infância e na adolescência 449

Quadro 3. Medicamentos para uso na asma, de acordo com a faixa etária, disponíveis no Brasil

CORTICOIDE INALATÓRIO ISOLADO

Fármacos Dispositivo inalatório (número de doses) Nome comercial Dose dispensada Faixa etária aprovada em bula

50 µg Crianças e adultos
BDP (HFA)b DPD (200) Clenil spray
200 ou 250 µg Somente adultos

BDP DPI cápsulas (60) Miflasona 200 ou 400 µg Crianças e adultos

DPI cápsulas (15 e 60) Busonid caps


BUD 200 ou 400 µg ≥ 6 anos
Aerolizer (30 e 60) Miflonide

FTC Diskus (60) Flixotide 50 ou 250 µg ≥ 4 anos

50 µg ≥ 1 ano
FTC (HFA) DPD (60 ou 120) Flixotide spray
250 µg ≥ 4 anos

MOM DPI – cápsulas (60) Oximax 200 ou 400 µg ≥ 12 anos

CORTICOIDE INALATÓRIO EM COMBINAÇÃO COM LABA

Fármacos Dispositivo inalatório (número de doses) Nome comercial Dose dispensada Faixa etária aprovada em bula

6/100 µg ou 6/200 µg ≥ 4 anos


FORM + BUD Aerocaps cápsula única (15/30/60) Alenia
12/400 µg ≥ 6 anos

FORM + BUD Aerolizer cápsulas separadas (60) Foraseq 6/100 µg ou 6/200 µg ≥ 12 anos

Symbicort 6/100 µg ou 6/200 µg ≥ 4 anos


FORM + BUD Turbuhaler (60)
Turbuhaler 12/400 µg ≥ 12 anos

Symbicort 6/100 µg ≥ 6 anos


FORM + BUD (HFA) DPD (120)
Vannair spray 6/200 µg ≥ 12 anos

FORM + BDP (HFA)b DPD (120) Fostair spray 6/100 µg ≥ 18 anos

FORM + BDPb Next (120) Fostair IPD 6/100 µg ≥ 18 anos


SEÇÃO 7 450

CORTICOIDE INALATÓRIO EM COMBINAÇÃO COM LABA

Fármacos Dispositivo inalatório (número de doses) Nome comercial Dose dispensada Faixa etária aprovada em bula

FORM + FTC CDM-Haller cápsula única (60) Lugano 12/250 µg ≥ 12 anos

50/100 µg ≥ 4 anos
SALM + FTC (HFA) Diskus (60) Seretide Diskus
50/200 µg ou 50/500 µg ≥ 12 anos

25/50 µg ≥ 4 anos
SALM + FTC (HFA) DPD (120) Seretide spray
25/125 µg ou 25/250 µg ≥ 12 anos

CORTICOIDE INALATÓRIO EM COMBINAÇÃO COM SABA

Fármacos Dispositivo inalatório (número de doses) Nome comercial Dose dispensada Faixa etária aprovada em bula

DPD (200) Clenil Compositum HFA 50/100 µg ≥ 6 anos


BDP (HFA)
Solução para nebulização Clenil Compositum A 400 µg g/ml e 800 µg/ml Crianças e adultos

CORTICOIDE INALATÓRIO EM COMBINAÇÃO COM LABA DE ULTRALONGA DURAÇÃO

Fármacos Dispositivo inalatório (número de doses) Nome comercial Dose dispensada Faixa etária aprovada em bula

FF + VI Ellipta (30) Relvar 100/25 µg ou 200/25 µg ≥ 12 anos

LAMA

Fármacos Dispositivo inalatório (número de doses) Nome comercial Dose dispensada Faixa etária aprovada em bula

Tiotrópio (NS) Respimat (60) Spiriva 2,5 µg ≥ 6 anos

BDP: dipropionato de beclometasona; HFA: hidrofluoralcano; DPD: dispositivo pressurizado dosimetrado; DPI: dispositivo de pó inalatório; BUD: budesonida; FTC: propionato de fluticasona;
MOM: furoato de mometasona; LABA: β2-agonista de longa duração; FORM: fumarato de formoterol; SALM: xinafoato de salmeterol; SABA: β2-agonista de curta duração; FF: furoato de
fluticasona; VI: vilanterol; NS: névoa seca. As indicações de cada dosagem dos medicamentos foram retiradas das bulas dos medicamentos aprovados pela Agência Nacional de Vigilância
Sanitária.

Fonte: Adaptado de Pizzichini et al. (2020).


Asma na infância e na adolescência 451

Figura 4. Parâmetros de avaliação da gravidade da asma

AVALIAÇÃO INICIAL
A: vias aéreas B: respiração C: circulação
Algum destes está presente?
Sonolência, confusão, tórax silencioso?

NÃO SIM

Triagem para o estado clínico de Consultar UTI, iniciar O2 e


acordo com a pior característica preparar paciente para intubação

Leve ou Moderada Grave


Fala frases Fala palavras
Sentado normal Sentado curvado para frente
Não agitado Agitado
FR aumentada FR > 30/min
Não usa a musculatura acessória Uso de musculatura acessória
FC 100-120 bpm FC > 120 bpm
SatO2 < 90-95% (ar ambiente) SatO2 < 90% (ar ambiente)
PFE > 50% predito ou melhor PFE ≤ 50% predito ou melhor

Tratamento Tratamento
β2 de curta ação β2 de curta ação
Considerar brometo de ipratrópio Considerar brometo de ipratrópio
Manter SatO2 93-95% Manter SatO2 93-95%
(crianças 94-98%) (crianças 94-98%)
Corticosteroide oral Corticosteroide oral ou IV
Considerar sulfato de magnésio IV
Considerar altas doses de ICS

Se continuar deterioração, tratar


como grave e referenciar para UTI

Avaliação clínica progressiva frequente, medida da função


pulmonar em toto paciente 1 hora após iniciar o tratamento

VEF1 ou PFE 60-80% do VEF1 ou PFE < 60% do


predito ou melhor valor e predito ou melhor valor ou
sintomas melhorados perda da resposta clínica
Moderada Grave

ICS: corticosteroide inalatório; IV: intravenoso.


Fonte: GINA (2022).

Todo paciente deve ter por escrito procurar a emergência para seguir o flu-
um plano de ação para tratamento das xo de classificação de gravidade da crise
crises leves de asma e a opção inicial de- e iniciar o tratamento adequado para
ve ser sempre o uso de B2 de curta ação ≤ 5 anos (Figura 5) e maiores de 6 anos e
(Quadro 5). Caso não tenha boa resposta, adolescentes (Figura 6).
SEÇÃO 7 452

Quadro 4. Avaliação da exacerbação da asma em menores de 5 anos

Sintomas Leve Grave

Alteração da consciência Não Agitado, confuso ou sonolento

Sat O2 por oximetria > 95% < 92%

Fala Sentenças e frases Palavras

> 180 bpm (0-3 anos)


Frequência cardíaca < 100 bpm
> 150 bpm (4-5 anos)

Frequência respiratória ≤ 40/min > 40/min

Cianose central Ausente Pode estar presente

Intensidade da sibilância Variável Tórax pode ficar silencioso

bpm: batimentos por minuto


Fonte: GINA (2022).

Quadro 5. Medicações para uso nas exacerbações da asma em menores e maiores de 5 anos

Medicações Doses Administração

NBZ intermitente: 0,15 mg/kg (mín.


5 gotas e máx. 20 gotas) a cada 20 min,
3 vezes e depois a cada 1-4 horas, de
Salbutamol gotas
acordo com a necessidade Diluir em SF 0,9%
inalatório (5 mg/ml)
NBZ contínua: 0,3-0,5 mg/kg/hora
(2 gts/kg/h – máx.: 60 gts) + SF 0,9% –
12 ml + O2 – 6 l/min

Crianças ≤ 5 anos: 2-6 puffs a cada


20 min, 3 vezes, depois a cada 1-4 horas
Utilizar sempre com espaçador,
Salbutamol spray de acordo com a necessidade
para < 6 anos: máscara facial
(100 mcg/jato) Maiores de 5 anos: 4-10 puffs a cada 20
para > 6 anos: uso do bocal
min, 3 vezes, depois a cada 1-4 horas de
acordo com a necessidade

Deve ser usado em serviço de


Ataque: 10-15 µg/kg em 15 min (IV)
UTIP com maior segurança
Salbutamol injetável Manutenção: 1-15 µg/kg/min (durante
Suspender se FC ≥ 200 bpm ou
6 horas)
alterações cardiocirculatórias

NBZ intermitente: 0,10-0,15 mg/kg a


Fenoterol gotas para
cada 20 min, por 3 doses. (mín. 5 gotas e Diluir em SF 0,9%
nebulização (5 mg/ml)
máx. 20 gotas a cada 20 min, máx. 5 mg)

Crianças ≤ 5 anos: 2-6 puffs a cada


20 min, 3 vezes, depois a cada 1-4 horas,
Utilizar sempre com espaçador,
Fenoterol spray avaliar a necessidade
para < 6 anos: máscara facial
(100 mcg/jato) Maiores de 5 anos: 4-10 puffs a cada
para > 6 anos: uso do bocal
20 min, 3 vezes, depois a cada 1-4 horas,
avaliar a necessidade

Associar com β2-agonista


Em < 10 kg: 0,125 mg a cada 20 min, por
de curta ação na 1ª hora de
Brometo de ipratrópio 3 doses
nebulização e em seguida de
gotas (0,25 mg/ml) Em > 10 kg: 0,250 mg a cada 20 min, por
4/4 horas. Melhor indicado na
3 doses
crise grave
Asma na infância e na adolescência 453

Medicações Doses Administração

25-75 mg/kg/dose (50 mg/kg/dose ou


Diluir a uma concentração
0,1 ml/Kg) (máx.: 2g). 1 FA (50%) contém
de 60 mg/ml (máx.
10ml (1 ml-500 mg), diluir em 50 ml de
Sulfato de magnésio 200 mg/ml) com SF 0,9% e
AD ou SF 0,9% (IV).
50% (solução infundir lentamente em mais de
Considerar nebulização com sulfato de
injetável) 20-30 min. Pode ser repetido a
magnésio isotônico (150 mg), 3 doses na
cada 4 horas sob monitoramento
primeira hora de tratamento em crianças
do magnésio sérico.
≥ 2 anos de idade com exacerbação grave.

Deve ser iniciado na


EMERGÊNCIA:
5 mg/kg/dose, 6/6 horas (IV)
• Na crise grave
Hidrocortisona 1-2 mg/kg/dia (VO)
• Em uso de corticosteroide
Prednisona 1-2 mg/kg/dia (VO)
inalatório com piora
Prednisolona Ataque: 4-8 mg/kg/dose
• Resposta incompleta ou ao
Metilprednisolona Manutenção.: 1-2 mg/kg/dose,
β2-agonista de curta ação
6/6horas (IV)
iniciado
• Passado recente a UTIP

Fonte: Adaptado de GINA (2022).

As etapas do tratamento seguem um ciclo corresponde a 3 nebulizações ou


fluxograma que pode ser modificado de puffs realizados a cada 20 min (Figuras
acordo com a gravidade da crise, cada 5 e 6).

Figura 5. Fluxograma de paciente com crise de asma na emergência

CRISE DE ASMA LEVE OU MODERADA

1º CICLO

Boa resposta Resposta incompleta Sem resposta

Alta da emergência 2º CICLO 2º CICLO


com prescrição

Boa resposta Resposta incompleta Sem resposta

Alta da emergência 3º CICLO INTERNAR e tratar


com prescrição como muito grave

INTERNAR

Fonte: GINA (2022).


SEÇÃO 7 454

Figura 6. Fluxograma e medicações na crise de asma

AVALIAÇÃO INICIAL: classificar a crise de asma

LEVE OU MODERADA GRAVE OU MUITO GRAVE

Iniciar tratamento na emergência


1º CICLO
e providenciar vaga em UTI Ped

1) Salbutamol: 2 a 6 jatos por IDP (≤ 5 anos) 1) Salbutamol: 6 jatos (≤ 5 anos) ou 10 jatos


ou 4 a 10 jatos (> 5 anos) por espaçador ou (> 5 anos) por IDP + espaçador ou 2,5 mg
2,5 mg por NBZ (a cada 20 min na 1a hora) por NBZ (a cada 20 min na 1a hora)
2) Manter SatO2 ≥ 93-98% em adolescentes e 2) Manter SatO2 ≥ 93-98% em adolescentes e
94-98% em crianças 94-98% em crianças
3) Considerar prednisolona, se crise moderada 3) Brometo de ipratrópio: 160 mcg ou 250 mcg
por NBZ, a cada 20 min na 1a hora
4) Corticoide IV

Reavaliar após 1 hora

Boa resposta Resposta incompleta Sem resposta

2º CICLO

Reavaliar após 2a hora

GRAVE OU MUITO GRAVE

Se piora, SEM vaga de UTI UTI PEDIÁTRICA


1) Salbutamol: 6 jatos (≤ 5 anos) ou 10 jatos 1) Oxigênio e monitorização
(> 5 anos) por IDP + espaçador ou 2,5 mg 2) Suporte ventilatório PaO2 < 60 mmHg e
por NBZ (a cada 20 min por hora) PaCO2 > 45 mmHg
2) Manter O2 3) Considerar salbutamol venoso
3) Brometo de ipratrópio: 160 mcg ou 250 mcg 4) Hidratação venosa
por NBZ, só após 4 horas
5) Manter corticoide IV
4) Corticoide IV de 6/6 horas
5) Considerar sulfato de magnésio

Fonte: GINA (2022).


Asma na infância e na adolescência 455

REFERÊNCIAS
BONINI, M. Asthma. In: COGO, A.; BONINI, M.; FINAL-22-07-01-WMS.pdf. Acesso em: 20 out.
ONORATI, P. (Orgs.). Exercise and Sports Pul­ 2022.
monology: Pathophysiological Adapta­
tions
GLOBAL INITIATIVE FOR ASTHMA. Global
and Rehabilitation. Springer, 2019.
Ini­
tiative for Asthma: Global strategy for
COMITEE, G. S. Global Initiative for Asthma asthma management and prevention (Up­
2021 Updates. Disponível em: https://ginasth- dated 2020). Revue Francaise d’Allergologie
ma.org/. Acesso em: 21 dez. 2021. et d’Immunologie Clinique, v. 36, n. 6, p. 685-
704, 2020.
GARCIA-MARCOS, L.; PACHECO-GONZALEZ, R.
A sequel of the International Study of Asth­ KILLEEN, K.; SKORA, E. Pathophysiology, Diag­
ma and Allergies in Childhood or a prelude nosis, and Clinical Assessment of Asth­ma in
to the Global Asthma Network? Jornal de the Adult. Nursing Clinics of North America, v.
Pediatria, v. 91, n. 1, p. 1-3, 2015. 48, n. 1, p. 11-23, 2013.

GINA (Global Initiative for Ashtma). Global PIZZICHINI, M. M. M. et al. Recomendações pa-
Strategy for Ashtma Management and Pre­ven­ ra o manejo da asma da Sociedade Bra­si­leira
tion: updated 2022. [S. l.]: GINA, 2021. Dispo­ de Pneumologia e Tisiologia – 2020. Jor­nal
ní­vel em: https://ginasthma.org/wp-content/ Brasileiro de Pneumologia, v. 46, n. 1, p. 1-16,
uploads/2022/07/GINA-Main-Report-2022- 2020.
C APÍTULO
A PÍTULO 4x

Urticária aguda e anafilaxia

Ana Carla Moura


Ana Caroline Cavalcanti Dela Bianca Melo
Dayanne Bruscky

O QUE É URTICÁRIA? A urticária é uma das condições


A urticária é caracterizada pelo apa- dermatológicas mais comuns nas emer-
recimento de urticas, angioedema ou gências e cerca de 15-25% da população
ambos. A urtica é definida por uma geral apresentará ao menos um episódio
lesão cutânea fugaz (durando 30 min de urticária durante a vida, principal-
a 24 horas), de tamanho e forma variá- mente a forma aguda. É muito frequente
veis, com edema central, circundada na faixa etária pediátrica, sem diferen-
por eritema e com sensação de prurido ças entre os sexos, com prevalência esti-
ou queimação. O angioedema nos pa- mada de 1% por ano de vida e incidência
cientes com urticária é um edema súbi- cumulativa entre 3,5-8% em crianças pe-
to e pronunciado da derme profunda e quenas e 16-24% em adolescentes.
subcutâneo ou de mucosas, com maior
sensação de dor do que de prurido, QUANDO SUSPEITAR
além de resolução mais lenta, podendo DE URTICÁRIA AGUDA?
durar até 72 horas. A suspeita clínica deve ser levantada
A classificação é baseada na duração na presença de pápulas eritematosas
das manifestações clínicas, sendo con- (urticas) de surgimento súbito com
siderada aguda quando persiste até 6 número e tamanho bem variáveis. São
semanas, ou crônica quando os sinais e extremamente pruriginosas, aparecen-
sintomas se manifestam na maioria dos do em qualquer local do corpo de for-
dias da semana por mais de 6 semanas. ma transitória. O angioedema acomete
Urticária aguda e anafilaxia 457

principalmente pálpebras, lábios, lín- COMO DIAGNOSTICAR URTICÁRIA?


guas, mãos e pés. Nas crianças menores O diagnóstico é clínico pela história e
de 3 anos é frequente (60%) a associação pela observação das lesões típicas. A
de urticas com angioedema. anamnese deve ser detalhada (modo de
A urticária aguda é idiopática ou de instalação, duração, frequência, fatores
causa desconhecida em 50 a 60% dos desencadeantes, atenuantes ou agra-
casos ou pode ser desencadeada por vantes e sinais ou sintomas associados)
infecções (principalmente as infecções para tentar estabelecer a etiologia e a
respiratórias virais), alimentos ou me- necessidade de exames complementares.
dicamentos (Quadro 1). Pode acontecer Lembrar que a maioria dos casos são idio-
decorrente de reação de hipersensibi- páticos, com caráter autolimitado e não
lidade do tipo I, mediada por IgE (por necessitam de investigação diagnóstica.
exemplo: antibióticos, látex, alimentos Na suspeita de alergia alimentar, a
e picadas de insetos); degranulação de medicamentos, ao látex ou à picada de
mastócitos independentemente da ati- insetos, é importante a avaliação por
vação do receptor de IgE (por exemplo: alergista e a realização de testes alér-
opioides); pela via do ácido araquidô- gicos (dosagem de IgE específica, teste
nico com uma inibição da síntese de cutâneo de leitura imediata) ou testes
prostaglandinas e um aumento de leu- de desencadeamento para comprovar
cotrienos (por exemplo: anti-inflamató- ou descartar reação de hipersensibilida-
rios não hormonais); e, em alguns casos, de (evitando exclusão desnecessária de
por mecanismo ainda não bem esta- alimentos ou medicamentos).
belecido. Após ativação de mastócitos Não há necessidade de exame histo-
(principalmente) e basófilos dérmicos, patológico para avaliação da urticária
há liberação de grânulos com mediado- aguda; contudo, quando realizada por
res pré-formados (histamina, heparina, suspeição de outros diagnósticos, as
triptase e fator de necrose tumoral al- pápulas são caracterizadas por edema
fa – TNF-α) e síntese de citocinas, qui- nas camadas superior e média da der-
miocinas e eicosanoides. A histamina me, com dilatação e permeabilidade
determina a fase imediata da inflama- aumentada das vênulas pós-capilares e
ção com vasodilatação, extravasamento dos vasos linfáticos, com extravasamen-
plasmático, recrutamento celular e ati- to plasmático no tecido. No angioedema,
vação de nervos sensitivos com libera- alterações semelhantes ocorrem princi-
ção de neuropeptídeos (substância P, en- palmente na derme inferior e no sub-
dorfinas, encefalinas), com surgimento cutâneo. A pele afetada apresenta um in-
das urticas ou de angioedema. filtrado inflamatório perivascular misto
SEÇÃO 7 458

Quadro 1. Agentes etiológicos de urticária aguda na infância e na adolescência

Idiopática Agente etiológico

Adenovírus Hepatites (A, B, C)


Influenza Herpes simplex
Coronavírus Parvovírus B19
Viral Citomegalovírus Vírus sincicial respiratório
Enterovírus Rotavírus
Epstein-Barr Varicela-Zoster
Infecção Parainfluenza HIV

Streptococcus pyogenes
Haemophilus influenzae
Bacteriana Staphylococcus aureus
Mycoplasma pneumoniae
Streptococcus pneumoniae

Anisakis simplex Giardia lamblia


Blastocystis hominis Ascaris lumbricoides
Toxocara canis Plasmodium sp
Infestação Strongyloides stercoralis Sarcoptes scabiei
Ancylostoma sp Echinococcus
Wuchereria bancrofti Trichinella sp
Schistosoma mansoni Fasciola

Leite de vaca Amendoim


Ovo Castanhas e nozes
Alimentos
Peixe e frutos do mar Soja
Trigo Gergelim

Antibióticos e quimioterápicos (principalmente beta-lactâmicos)


Anti-inflamatórios não hormonais (aspirina, dipirona, ibuprofeno,
diclofenaco, acetaminofeno/paracetamol etc.)
Anticonvulsivantes (fenobarbital, fenitoína etc.)
Medicamentos
Contraste radiológico
Opioides (morfina, codeína)
Relaxante muscular (atracúrio, succinilcolina)
Anestésicos tópicos

Látex Exposição ao látex ou reação cruzada com frutas (banana, kiwi, abacate)

Picada de insetos Abelhas, vespas, formigas

Fonte: Autoras.

de intensidade variável, constituído por diferenciais e suas características estão


neutrófilos com ou sem eosinófilos, ba- apresentados no Quadro 2.
sófilos, macrófagos e linfócitos T, mas
sem necrose da parede dos vasos. COMO TRATAR A URTICÁRIA?
Aproximadamente 2/3 dos casos de ur-
QUAL É O DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL? ticária aguda são autolimitados e resol-
Baseado na história clínica e no exame vem espontaneamente, então o objetivo
das lesões, os principais diagnósticos do tratamento inicial é o alívio rápido
Urticária aguda e anafilaxia 459

Quadro 2. Principais condições que mimetizam a urticária aguda

Condições Características

Reação local à picada de Pápula localizada, duração de dias e história de exposição à picada de
insetos ou estrófulos insetos

Eritema multiforme ou Lesão com duração de vários dias, pápulas em formato de íris com
polimorfo aparência em alvo, pode haver febre

Dermatite atópica Lesão eczematosa, maculopapular, localização típica por faixa etária

Lesão bolhosa, dura mais de 24 horas, sinal de Nikolsky (atrito leve causa
Penfigoide bolhoso
erosão ou vesícula)

Dermatite de contato Lesões papulares persistentes, de contorno irregular e eczematosas

Exposição a medicamentos, lesão não pruriginosa, muitas vezes bolhosa,


Eritema fixo a medicações
e hiperpigmentação residual

Púrpura de Henoch-Schönlein Lesões purpúricas, distribuídas nos membros inferiores, sintomas sistêmicos

Reação morbiliforme a
Lesão maculopapular, associação com uso de medicamentos
medicamentos

Dura semanas, lesão primária oval de cor salmão, distribuição em padrão


Pitiríase rósea
de árvore de Natal, geralmente não pruriginosa

Lesão de coloração amarela ao alaranjada, sinal de Darier (urtica após


Mastocitoma cutâneo
fricção da lesão), flushing e lesões bolhosas

Coloração normal a marrom-amarronzada, espessamento cutâneo difuso,


Mastocitose cutânea difusa
lesões bolhosas

Lesões pequenas (1 a 3 mm), coloração acastanhada, sinal de Darier


Urticária pigmentosa
(urtica após fricção da lesão)

Não pruriginoso, lesões maculopapulosas persistentes (dias), pródromos


Exantema viral
e febre associada

Fonte: Autoras.

das urticas ou do angioedema. É fun- prednisolona (0,5 a 1 mg/kg/dia) podem


damental avaliar se a urticária não é ser associados por 3 a 5 dias para contro-
apenas uma manifestação de anafilaxia, le dos sintomas.
para adequado tratamento desta reação O tratamento do angioedema fre-
potencialmente fatal. quentemente requer o uso do corticoide
Os anti-histamínicos H1 de segunda sistêmico associado ao anti-histamínico
geração são a primeira linha de trata- H1 de segunda geração. Quando há an-
mento (Quadro 3). Em casos graves, cor- gioedema de laringe ou extenso edema
ticoides sistêmicos, como prednisona ou de língua, pelo risco de obstrução da via
SEÇÃO 7 460

aérea, o tratamento é semelhante ao de É importante a exclusão de desenca-


anafilaxia, com adrenalina intramuscu- deantes confirmados da urticária para
lar e demais cuidados. prevenção de novos episódios.
O tratamento deve ser mantido por
5 a 7 dias, quando a maioria dos pacien- O QUE É ANAFILAXIA?
tes apresenta resolução espontânea. De A anafilaxia é definida como uma rea-
toda forma, cursos mais prolongados (2 ção multissistêmica grave de início
a 3 semanas) podem ser necessários e a agudo e potencialmente fatal, em que
avaliação ser individualizada e baseada alguns ou todos os seguintes sinais e sin-
no acompanhamento clínico. tomas podem estar presentes: urticária,

Quadro 3. Anti-histamínicos H1 de segunda geração

Medicação Lactente Pré-escolar Escolar Adolescente

Loratadina 2-5 anos > 6 anos > 12 anos


Solução oral: 1 mg/ml 5 mg/dia 10 mg/dia 10 mg/dia
Comprimido: 10 mg 1x/dia 1x/dia 1x/dia

Desloratadina
6-11 meses 1-5 anos 6-11 anos > 12 anos
Solução oral: 0,5 mg/ml 1 mg/dia 1,25 mg/dia 2,5 mg/dia 5 mg/dia
Gotas: 1,25 mg/ml 1x/dia 1x/dia 1x/dia 1x/dia
Comprimido: 5 mg

Cetirizina
2-5 anos 6-11 anos > 12 anos
Solução oral: 1 mg/ml 5 mg/dia 10 mg/dia 10 mg/dia
Gotas: 10 mg/ml 12/12 horas 12/12 horas 1x/dia
Comprimido: 10 mg

Levocetirizina 6-11 anos > 12 anos


Gotas: 5 mg/20 gotas 5 mg/dia 5 mg/dia
Comprimido: 5 mg 1x/dia 1x/dia

Fexofenadina
6 meses-2 anos 2-5 anos 6-11 anos > 12 anos
Solução oral: 6 mg/ml 30 mg/dia 60 mg/dia 60 mg/dia 120 mg/dia 1x/dia ou
Comprimido: 60, 120 12/12 horas 12/12 horas 12/12 horas 180 mg/dia 1x/dia
e 180 mg

Ebastina 2-6 anos 6-11 anos > 12 anos


Solução oral: 1 mg/ml 2,5 mg/dia 5 mg 10 mg
Comprimido: 10 mg 1x/dia 1x/dia 1x/dia

Rupatadina > 12 anos


10 mg
Comprimido: 10 mg 1x/dia

> 12 anos
Bilastina 20 mg 1x/dia
Comprimido: 20 mg (1 hora antes ou
2 horas após refeições)

Fonte: Autoras.
Urticária aguda e anafilaxia 461

angioedema, comprometimento respi- população são os medicamentos (anti-


ratório e gastrointestinal e/ou hipoten- -inflamatórios não hormonais – AINH,
são arterial. A ocorrência de dois ou antibióticos) seguido dos alimentos (lei-
mais destes sintomas imediatamente te de vaca e clara de ovo entre lactentes
após a exposição ao alérgeno suspeito e pré-escolares, crustáceos entre crian-
alerta para o diagnóstico e o tratamen- ças maiores, adolescentes e adultos) e
to imediato. picadas de insetos (formigas de fogo,
abelhas e vespas). Em cerca de 10% dos
QUANDO SUSPEITAR DE ANAFILAXIA? casos não há identificação do agente
A anafilaxia é desencadeada na maioria etiológico (anafilaxia idiopática).
das vezes por mecanismo de hipersen-
sibilidade IgE-mediada contra antígenos COMO DIAGNOSTICAR A ANAFILAXIA?
como: medicamentos, alimentos, vene- O diagnóstico de anafilaxia é essencial-
no de insetos himenópteros (abelhas, mente clínico. Na anamnese, investiga-
vespas, formigas), látex, entre outros e -se a existência de um agente suspeito,
com liberação imediata de histamina e como ocorreu o contato com este agen-
outros mediadores de mastócitos e ba- te, quais sintomas e quanto tempo se
sófilos. No entanto, outros mecanismos passou para o início dos mesmos, se o
imunológicos podem ocorrer, como rea- paciente realizou algum tratamento
ções por imunocomplexos circulantes a anteriormente na mesma situação clíni-
produtos biológicos. Raramente pode ser ca, se existem outros fatores associados
ocasionada por mecanismos não imuno- como exercício e/ou uso de medicamen-
lógicos, com a ativação direta de mastó- tos. Caso ainda não haja confirmação da
citos. Podem estar envolvidos também etiologia, são necessários exames com-
os componentes do sistema complemen- plementares. Embora ainda seja pouco
to, mediadores do ácido araquidônico utilizada na prática clínica, a dosagem
como leucotrienos e prostaglandinas, de triptase plasmática, pode auxiliar na
cininas, fatores de coagulação e da fibri- confirmação do diagnóstico de anafi-
nólise. Em algumas ocasiões não é pos- laxia. Por sua vez, a dosagem de imu-
sível identificar o fator etiológico, sendo noglobulina E sérica específica no mo-
estes casos designados como anafilaxia mento da reação pode ser negativa, por
idiopática. isso deve ser realizada posteriormente e
Segundo enquete realizada entre será útil para a educação do paciente e
alergologistas brasileiros, os principais a instituição de medidas terapêuticas e
agentes causais de anafilaxia em nossa profiláticas.
SEÇÃO 7 462

Em 2013, a World Allergy Orga­ iniciais ocorrem em segundos/minutos


nization definiu critérios clínicos rela- até horas após a exposição ao agente
cionados à alta probabilidade diagnósti- causal. É importante ressaltar que rea-
ca de anafilaxia em pacientes adultos e ções bifásicas podem ocorrer de 8 a 12
pediátricos: horas em até 10% dos casos.
• Reação aguda, de evolução rápida
(minutos a horas), com envolvimen- QUAL É O DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
to de pele e/ou mucosas acompanha- DA ANAFILAXIA?
da de ao menos um dos seguintes É importante realizar diagnóstico dife-
sintomas: dificuldade respiratória rencial, principalmente na ausência de
(por edema laríngeo ou broncoes- urticas, com reação vasovagal, que é a
pasmo) e hipotensão arterial (lipotí- causa mais frequente de confusão e ca-
mia, síncope ou choque); racteriza-se por sudorese, náusea, hipo-
tensão, e bradicardia (na anafilaxia te-
Outros dois critérios adicionais de- mos taquicardia, ocorrendo bradicardia
vem ser considerados quando ocorre apenas em situações de pré-falência car-
exposição a um alérgeno previamente diorrespiratória), síndrome carcinoide,
suspeito para o paciente: embolia pulmonar aguda, infarto agu-
• Reação aguda com envolvimento do do miocárdio, hiperventilação por
de dois ou mais dos seguintes: pele/ ansiedade, doença do soro, deficiência
mucosas: prurido, flush, urticária e/ do inibidor de C1 esterase (angioedema
ou angioedema, dificuldade respira- hereditário ou adquirido), choque sép-
tória, hipotensão arterial, sintomas tico, choque hipovolêmico por outras
gastrointestinais persistentes. causas, choque cardiogênico, epilep-
• Redução da pressão arterial (PA): sia, intoxicação exógena, mastocitose
em crianças com PA baixa para a sistêmica, disfunção de cordas vocais e
idade, ou queda de 30% na PA sistó- feocromocitoma.
lica. Em adolescentes e adultos: PA
< 90 mmHg ou queda > 30% na PA COMO TRATAR A ANAFILAXIA?
sistólica. A anafilaxia é uma emergência médica
que requer tratamento imediato. O ní-
As manifestações clínicas podem ser vel de consciência, a manutenção das
desde reações leves até graves e fatais. vias aéreas e a avaliação da ocorrência
O início geralmente é súbito, poden- de colapso cardiovascular são priorida-
do atingir vários órgãos. Os sintomas des na avaliação de um paciente com
Urticária aguda e anafilaxia 463

quadro anafilático. Devido à sua ampla investigação etiológica, avaliação


atuação sobre os mecanismos fisiopa- de riscos, prevenção de novos
tológicos da anafilaxia, a adrenalina é episódios e tratamento das comor­-
considerada a droga de primeira linha bidades.
para seu tratamento, sendo a precoci- 2. Devido ao risco de reação bifásica,
dade da sua prescrição fundamental o paciente deve receber a prescri-
para o sucesso terapêutico. ção de:
• Cuidados: - Corticosteroide: prednisona (com­-
1. Afastar o alérgeno conhecido ou primido de 5 e 20 mg) ou pred-
provável; nisolona (suspensão 3 mg/ml ou
2. Colocar o paciente em decúbito gotas 11 mg/ml) 1 a 2 mg/kg/dia,
dor­sal com as pernas elevadas (po- via oral por 5-7 dias;
sição de Tren­delenburg) e aquecer. - Anti-histamínico de segunda ge-
Levantar-se ou sentar-se subita- ração (preferencialmente), via
mente estão associados a desfechos oral por 7 dias.
fatais (“síndrome do ventrículo va-
zio”); COMO EVITAR ANAFILAXIA?
3. Garantir vias aéreas com suple- Tentar evitar contato com o alérgeno
mentação de oxigênio (FiO2 100%); conhecido e evitar o uso indiscriminado
4. Monitorar sinais vitais e nível de de analgésicos, anti-inflamatórios e an-
consciência; tibióticos. Pacientes e familiares devem
5. Acesso venoso; ser orientados para o reconhecimento
6. Manter o paciente internado até dos sinais precoces de novo episódio de
passar a fase de maior instabilida- anafilaxia. Portar identificação com in-
de, cerca de 24 horas, pois reações formações sobre diagnóstico e telefone
bifásicas podem ocorrer entre 8 e de contato em caso de emergência. A
12 horas após o episódio agudo, em escola deve ser notificada sobre o risco
10% dos casos; de anafilaxia, dos possíveis fatores a se-
7. Avaliar transferência para UTI rem evitados e sobre medidas a tomar
• Tratamento medicamentoso hospita- em caso de emergência. O especialista
lar (Quadro 4) em alergia é o profissional mais indica-
• Tratamento após alta hospitalar: do para orientar a aquisição de dispo-
1. Na alta hospitalar, todos os pacien- sitivo autoinjetor de adrenalina, bem
tes devem ser orientados a procu- como da segurança do seu uso face ao
rar o especialista em alergia, para risco da reação anafilática.
SEÇÃO 7 464

Quadro 4. Agentes terapêuticos indicados no tratamento da anafilaxia*

Medicação Dose e via de administração Comentários

• Administrar imediatamente e repetir


se necessário a cada 5-15 min
• Monitorar toxicidade (frequência
Crianças: 0,01 mg/kg até o máximo
cardíaca)
de 0,3 mg, IM na face anterolateral
Adrenalina • Adrenalina em diluições de 1:10.000
da coxa
Solução injetável ou 1:100.000 somente devem ser
Adultos/Adolescentes: 0,2-0,5 mg
1:1000 (1 mg/ml) administradas via EV, nos casos
(dose máxima), IM na face
de parada cardiorrespiratória ou
anterolateral da coxa
profunda hipotensão, que não
respondeu à expansão de volume ou
múltiplas injeções de epinefrina IM

• A taxa de infusão é regulada pelo


Crianças: 5-10 ml/kg EV nos primeiros
Expansão de volume pulso e pela pressão arterial
5 min e 30ml/kg na primeira hora
Solução salina Ringer • Estabelecer acesso EV com o maior
Adultos/Adolescentes: 1-2 litros
Lactato calibre possível
rapidamente EV
• Monitorar sobrecarga de volume

• Manter saturação de O2. Se SatO2


Oxigênio (O2) Sob cânula nasal ou máscara < 95%, há necessidade de mais de
uma dose de adrenalina

Via inalatória:

• Aerossol dosimetrado com


espaçador (100 mcg/jato)
Crianças: 50 mcg/kg/dose =
1 jato/2 kg
Dose máxima: 10 jatos
• Para reversão do broncoespasmo
Adultos/Adolescentes:
• Existem diferentes concentrações
β2-Agonistas 4-8 jatos, a cada 20 min
e doses
Sulfato de Salbutamol
• Outros broncodilatadores β2-
• Nebulizador: Solução para
agonistas (exemplo: Fenoterol)
nebulização: gotas (5 mg/ml) ou
flaconetes (1,25 mg/ml)
Crianças: 0,07-0,15 mg/kg a cada
20 min até 3 doses. Dose máxima:
5 mg
Adultos/Adolescentes: 2,5-5,0 mg,
a cada 20 min, por 3 doses

Anti-histamínicos H1 Crianças: 1 mg/kg IM até máximo


Prometazina 50 mg
Solução injetável Adultos/Adolescentes 25-50 mg IM
• Agentes de segunda linha
25 mg/ml
• Papel na anafilaxia aguda ainda não
bem determinado
Difenidramina Crianças: 1 mg/kg
Solução injetável Adultos/Adolescentes 12,5-50 mg EV
50 mg/ml até 10 min

Corticosteroides
Metilprednisona,
1-2 mg/kg/dia EV

Suspensão injetável • Padronização de doses não
80 mg/2 ml estabelecida
• Pouca ou nenhuma ação no
Prednisona/Prednisolona tratamento agudo da anafilaxia
Comprimidos de 5 e 20 mg • Prevenção de reações bifásicas?
0,5-1 mg mg/kg/dia VO
Solução oral 3 mg/ml
Gotas 11 mg/ml

EV = Endovenoso; IM = Intramuscular; VO = Via oral: anti-H1 = anti-histamínico H1

Fonte: SBP (2021).


Urticária aguda e anafilaxia 465

REFERÊNCIAS
BERND, L. A. G. et al. Anafilaxia no Bra­­sil – SABROE, R. A. Acute Urticaria. Immunology
Levantamento da ASBAI. Bras Alerg Imuno­­ and Allergy Clinics of North America, v. 34, n.
patol; v. 33, n. 5, p. 190-198, 2010. 1, p. 11-21, fev. 2014.

ENSINA, L. F. et al. Guia prático da Associação SCHAEFER, P. Acute and Chronic Urticaria:
Brasileira de Alergia e Imunologia para o Evaluation and Treatment. American family
diagnóstico e tratamento das urticárias ba- physician, v. 95, n. 11, p. 717-724, 2017.
seado em diretrizes internacionais. Arq Asma
SIMON, G. A. et al. Anaphylaxis. In: ADKINSON
Alerg Imunol, v. 3, n. 4, p. 382-392, 2019.
Jr., N. F. et al. (Org.). Middleton’s allergy: prin-
KUDRYAVTSEVA, A. V.; NESKORODOVA, K. A.; ciples and practice. 8th ed. Mosby, Inc, St Louis,
STAUBACH, P. Urticaria in children and ad- p. 1027-1049, 2014.
olescents: An updated review of the patho-
SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. Guia
genesis and management. Pediatric Allergy
prático de atualização em Anafilaxia. n. 6, ma-
and Immunology, v. 30, n. 1, p. 17-24, 2019.
io 2021. Disponível em: https://www.sbp.com.
LOCKEY, R. F. et al. Anaphylaxis. In: PAWAN­ br/fileadmin/user_upload/22970c-GPA-Anafi-
KAR, R. et al. (Org.). World Allergy Orga­ laxia_-_Atualizacao_2021.pdf. Acesso em: 21
nization (WAO), White Book on Allergy, Up­ jun. 2021.
date 2013. WAO, p. 48-53, 2013.
ZUBERBIER, T. et al. The EAACI/GA2LEN/EDF/
MARQUES-MEJÍAS, M. A. et al. Acute urtica- WAO guideline for the definition, classifica-
ria in the pediatric emergency department: tion, diagnosis and management of urticar-
Management and possible triggers. Annals ia. Allergy. European Journal of Allergy and
of Allergy, Asthma and Immunology, v. 124, n. Clinical Immunology, v. 73, n. 7, p. 1393-1414,
4, p. 396-397, 2020. 2018.
C APÍTULO
A PÍTULO 5x

Reações Adversas a
Medicamentos (RAM)

Filipe Wanick Sarinho


Gladys Queiroz
Luiz Alexandre Ribeiro da Rocha

O QUE É? a intolerância, a idiossincrasia e a


A Organização Mundial de Saúde (OMS) hipersensibilidade.
define reação adversa a medicamen-
to (RAM) como “qualquer efeito não Neste capítulo abordaremos as rea-
terapêutico decorrente do uso de um ções de hipersensibilidade, que de acor-
fármaco nas doses habitualmente em- do com a Organização Mundial de Aler­
pregadas para prevenção, diagnóstico, gia (World Allergy Orga­ni­za­tion – WAO)
tratamento de doenças ou modificação são definidas como aquelas que causam
de função fisiológica”. sinais ou sintomas objetivamente repro-
Classificação: dutíveis, iniciados por exposição a um
• Reações tipo A: são mais comuns estímulo definido em uma dose tolera-
(cerca de 80% das RAM), dependen- da por indivíduos normais. Elas podem
tes das doses e relacionadas aos ser alérgicas ou não alérgicas, conforme
efeitos farmacológicos da droga, po- apresentem ou não mecanismo imuno-
dendo acontecer em qualquer indi- lógico como desencadeante (Figura 1).
víduo – incluem os efeitos colaterais As reações de hipersensibilidade a
e secundários, toxicidade e intera- medicamentos (RHM) afetam mais que
ções medicamentosas; 8% da população em geral e represen-
• Reações tipo B: são incomuns e tam cerca de 15% de todas as RAM
não relacionadas diretamente aos O Consenso Internacional em Aler­
efeitos da droga, mas à suscetibi- gia Medicamentosa (International Con­
lidade individual – são exemplos sen­sus on Drug Allergy – ICON) alerta
Reações Adversas A Medicamentos (RAM) 467

Figura 1. Reações adversas a medicamentos

TIPO A TIPO B

Efeitos Efeitos
Overdose Hipersensibilidade Idiossincrasia Intolerância
Secundários Colaterais

Hipersensibilidade

Alérgica Não Alérgica

IgE-mediada Não IgE-mediada

Foco do capítulo
Reações Tipo I Reações Tipo II, III e IV

Fonte: Adaptada de Watts (2020).

que o termo “alergia a medicamento” urticária, associada ou não, ao an-


deve ser restrito as reações nas quais o gioedema, à rinite, à conjuntivite e à
mecanismo imunológico envolvido foi asma, aos sintomas gastrointestinais
demonstrado, quando isso não for pos- e à anafilaxia. Em casos mais graves,
sível é preferível denominar a reação observam-se obstrução intensa das
como RHM. vias aéreas, colapso circulatório, cho-
A classificação de Gell e Coombs é que e coma. Exemplo: reações IgE es-
utilizada para descrever a heterogenei- pecíficas contra antígenos β-lactâmi-
dade das RHM do tipo alérgicas. Este cos e contra proteínas do látex;
modelo continua sendo clinicamente • Reação tipo II (anticorpos citotóxi-
útil, embora a maior parte das RAM cos): é a reação imune citotóxica que
não envolva mecanismos imunológicos ocorre pela ação do anticorpo sobre
específicos. o tecido ou órgão com o qual a dro-
ga interage. Esses anticorpos especí-
• Reação tipo I (hipersensibilidade ficos ao interagirem com as células
imediata): mediada por anticorpo ligadas aos antígenos da droga, de-
IgE. Geralmente ocorre imediata- terminam a ativação do sistema do
mente, em 20 a 30 min até uma ho- complemento e, consequentemente,
ra após administração da droga. A à lise celular. Clinicamente, mani-
principal manifestação clínica é a festa-se com anemias hemolíticas,
SEÇÃO 7 468

trombocitopenia, granulocitopenia origina dois grupos metabólicos chama-


e nefrite intersticial. Geralmente, es- dos determinantes maiores (ou princi-
tá associada ao uso prolongado de pais, grupo peniciloil) e determinantes
penicilinas e antibióticos relaciona- menores (ou secundários, benzilpeni-
dos, como as cefalosporinas; cilina). As reações anafiláticas imedia-
• Reação tipo III (imunocomplexos): tas são geralmente determinadas pela
é mediada pela formação de imu- benzilpenicilina, enquanto as reações
nocomplexos que induzem à lesão tardias são determinadas pelo grupo
tecidual por ativação do sistema peniciloil.
complemento. Clinicamente é ca- As reações de hipersensibilidade
racterizada por febre, erupções cutâ- não alérgicas (que são mais prevalentes
neas, urticária, linfadenopatia, artri- quando comparadas com as alérgicas),
te e nefrite, que tipicamente surgem chamadas antigamente de pseudoalér-
depois de duas a três semanas após gicas, podem ser desencadeadas pelos
a última administração da droga. seguintes mecanismos: ativação direta
• Reação tipo IV (mediada por célu- de mastócitos, independentemente de
las): as manifestações clínicas in- IgE (receptor MRGPRX2), anafilatoxinas
cluem dermatite de contato e erup- derivadas do sistema complemento e
ções maculopapulares, erupção fixa alterações no metabolismo do ácido
por droga, urticária de início tardio, araquidônico. Nesse último, incluem-
síndrome de Stevens-Johnson (SSJ), -se as reações ao ácido acetilsalicílico
Necrólise Epidérmica Tóxica (NET), (AAS) e a outros anti-inflamatórios não
síndrome sistêmica de reação à dro- hormonais (AINEs), que raramente de-
ga com rash e eosinofilia (DRESS) e terminam reações de hipersensibilidade
pustulose exantemática aguda ge- alérgica. A urticária, e principalmente
neralizada (PEGA). Recentemente, as o angioedema, são as formas mais co-
reações tipo IV foram subdivididas muns de manifestações de hipersensibi-
em 4 tipos, todos com participação lidade a AINEs. Nesses pacientes ocorre
de células (macrófagos, eosinófilos, geralmente bloqueio da atividade da
neutrófilos, linfócitos T, entre outras). enzima ciclo-oxigenase (COX). É comum
ocorrerem reações cruzadas a vários
A penicilina e seus derivados cons- AINEs no mesmo indivíduo. Quanto
tituem o principal grupo de fármacos menor a ação sobre a COX I (exemplo:
que pode determinar os quatro tipos de paracetamol em baixas doses) e a ação
hipersensibilidade alérgica. Quando in- preferencial sobre a COX II (nimesulida,
gerida pelo indivíduo, é metabolizada e meloxicam) ou seletividade sobre a COX
Reações Adversas A Medicamentos (RAM) 469

II (celecoxibe, valecoxibe e etoricoxibe), nesses casos, deve ser feita uma relação
maior a tolerância do paciente que tem completa de todos os medicamentos,
esta hipersensibilidade. bem como do horário das administra-
Apesar da possibilidade de tolerân- ções. A princípio, a suspeita recai sobre
cia aos AINEs que agem preferencial- os medicamentos de início mais recen-
mente ou seletivamente sobre a COX II, te e/ou de uso esporádico. Vale a pena
não é recomendado utilizar os inibido- ressaltar que reações IgE-mediadas rara-
res preferenciais ou seletivos sem ante- mente são desencadeadas após mais de
rior teste de provocação, pois ainda há 6 horas da exposição ao medicamento.
risco de reproduzir reação intensa. Adicionalmente, é fundamental ten­-
tar estabelecer uma relação de causa-
QUANDO SUSPEITAR? -efeito. Assim, devem ser colhidas in-
A história e o exame físico são impor­ formações relativas a possíveis reações
tantes ferramentas para se avaliar o anteriores e à exposição prévia das dro-
diagnóstico de hipersensibilidade a gas suspeitas. A hipersensibilidade alér-
medi­camentos e determinar o provável gica requer sensibilização prévia e, com
mecanismo imunológico, o qual é de raras exceções, ocorrerá na primeira
grande importância para o manejo e a exposição (exemplo: cetuximabe). Um
prevenção. dado de grande valor diagnóstico é a
Sintomas como urticária, angioede- observação de melhora da reação após
ma, hipotensão e sibilos são bastante su- suspensão do fármaco suspeito, bem co-
gestivos de reação IgE-mediada. Anemia mo da resposta ao tratamento realizado
hemolítica e/ou outras citopenias de- na ocasião.
vem suscitar envolvimento de reação ti- Também é fundamental conhecer
po II. Febre, artralgia e/ou vasculites são a farmacologia do fármaco e seus efei-
os principais sintomas de reação tipo tos colaterais, assim como a existência,
III. E deve-se pensar nas reações tardias no paciente, de doenças infecciosas,
quando houver um rash cutâneo não autoimunes, doença hepática ou renal
urticariforme, especialmente se houver concomitante, além de história pessoal
pústula ou bolhas. e familiar de RAM e atopia.
A suspeita clínica deve levar ainda Na nossa realidade, os medicamen-
em consideração o tempo de início de tos mais envolvidos nas reações de
sintomas, bem como todas as medica- hipersensibilidade são os antibióticos
ções realizadas pelo paciente. Pode ha- (prin­cipalmente penicilina e derivados)
ver certa confusão quando muitas dro- e os anti-inflamatórios não esteroidais
gas são utilizadas simultaneamente e, (AINEs).
SEÇÃO 7 470

COMO DIAGNOSTICAR? disponível para as penicilinas V e G, amo-


Após a avaliação clínica, os testes in vi- xicilina e ampicilina, além de insulinas,
vo e in vitro podem ajudar a afastar ou látex, clorexidina e morfina.
confirmar uma reação ao fármaco. A es- Dessa forma, o diagnóstico etiológi-
colha do exame vai depender do tempo co envolve quase que exclusivamente
transcorrido entre o uso da medicação e história clínica e testes in vivo. Os testes
a reação, e do provável mecanismo en- in vivo podem ser divididos em testes
volvido. Em relação ao tempo, as reações cutâneos ou testes de provocação.
podem ser classificadas como imediatas Os testes cutâneos de leitura imedia-
(geralmente ocorrem até uma hora após ta (teste de puntura – Prick test; e teste
a administração do fármaco, mas podem intradérmico de leitura imediata) po-
acontecer dentro de 6 horas) e tardias dem ser indicados para avaliar, de forma
(ocorrem em qualquer período após indireta in vivo, a presença de anticor-
uma hora da administração do fármaco, pos IgE específicos, e por conseguinte a
sendo horas, dias ou mesmo semanas) sensibilização alérgica do indivíduo ao
(Quadro 1). medicamento que está sendo investiga-
Os testes in vitro para as reações ime- do. Quando o quadro clínico é de reação
diatas, em geral, têm pouco valor na prá- tardia, podemos realizar o teste de con-
tica clínica, haja vista a pequena gama tato (Patch test) e/ou teste intradérmico
de exames disponíveis comercialmente de leitura tardia.
e a baixa sensibilidade de alguns, como Os testes de provocação são considera-
no caso das IgEs específicas para peni- dos o padrão ouro no diagnóstico de RAM,
cilinas. No Brasil, essa dosagem de IgE pois visam confirmar ou excluir a hiper-
sérica específica só está comercialmente sensibilidade àquele fármaco no próprio

Quadro 1. Testes confirmatórios de acordo com a reação ao fármaco

Reação Prova/Exame

IgE específica
In vitro
Ativação de basófilos
Imediata
Testes cutâneos (Prick test)
In vivo
Testes de provocação

In vitro Testes de transformação de linfócitos


Tardia
Testes de contato (Patch test)
In vivo
Testes de provocação

Fonte: Autores.
Reações Adversas A Medicamentos (RAM) 471

paciente. Possuem um elevado valor pre- No tratamento das reações tardias,


ditivo negativo, independentemente do como exantemas maculopapulares, der-
mecanismo fisiopatológico envolvido. matites de contato e eritema fixo, por
Pelos potenciais riscos, inclusive da exemplo, a medicação indicada é o cor-
reprodução dos sinais e sintomas da rea- ticosteroide tópico e/ou sistêmico. Em
ção que motivou a investigação, só de- algumas reações tardias graves, ainda
vem ser realizados em ambiente hospita- é controverso o tratamento e podem-se
lar, após criteriosa avaliação do caso por utilizar os corticosteroides sistêmicos,
especialista. Algumas outras indicações os imunossupressores e as imunoglobu-
para o teste de provocação (além do diag- linas, entre outros.
nóstico) incluem: exclusão de reação de Nas reações por imunocomplexos,
hipersensibilidade em paciente com his- utiliza-se clearance dos antígenos, corti-
tória pouco sugestiva; exclusão de reação costeroides e anti-histamínicos sistêmi-
cruzada a medicamentos quimicamente cos e nos casos de reações de citotoxida-
similares; e fornecimento de alternativas de, a droga mais indicada é o corticoide.
seguras à medicação “culpada”. A dessensibilização é um método
utilizado para proporcionar tolerância
COMO TRATAR? clínica a uma medicação específica que
O tratamento de reações de hipersensi- determinou reação alérgica imediata
bilidade consiste, primeiramente, na re- ou não alérgica ao paciente. Está indi-
tirada de todas as drogas suspeitas. Nos cada quando a utilização do fármaco se
pacientes em uso de múltiplas drogas, faz necessária e não dispomos de outra
retirar inicialmente as menos necessá- alternativa igualmente eficaz, custo-
rias e as prováveis causadoras, pesando -efetiva ou viável para o tratamento.
sempre os riscos (necessidade da medica- Exemplos práticos incluem: crianças
ção) e os benefícios (gravidade da reação). com neoplasias, dessensibilização para
O tratamento das manifestações alér- penicilina em gestantes com sífilis, pa-
gicas imediatas depende basicamente ciente pós-IAM (infarto agudo do mio-
da gravidade. Na suspeita de anafilaxia, cárdio) com hipersensibilidade não alér-
a medicação prioritária é a adrenalina gica ao AAS.
intramuscular no vastolateral da coxa,
na dose de 0,01 mg/kg (máximo 0,3 mg). COMO PREVENIR?
Quadros restritos à pele podem ser con- A etapa mais importante é saber distin-
duzidos com anti-histamínicos orais. O guir corretamente uma reação de hiper-
uso do corticoide é empírico, com intui- sensibilidade a medicamentos, de outros
to de se evitar a anafilaxia bifásica. tipos de reações. Uma vez identificada,
SEÇÃO 7 472

após a fase aguda, o paciente deve ser apresentou reações ao ácido acetilsalicí-
orientado a EVITAR a referida substân- lico e à dipirona), além de orientações
cia para a prevenção de novos episódios, de como proceder em caso de ingestão
mesmo se a história não for inequívoca. acidental da droga suspeita.
No entanto, após a suspeita clínica, É importante que a reação seja
também compete ao médico que iden- ade­
quadamente investigada a fim de
tificou a reação de hipersensibilidade minimizar a chance do indivíduo ser
encaminhar o paciente ao especialis- indevidamente rotulado como alérgico.
ta, fornecendo por escrito as seguintes Sabe-se, por exemplo, que até 90% das
informações: nome(s) da(s) medica- reações de hipersensibilidade à peni-
ção(ões) suspeita(s) (genérico e comer- cilina não são ver­
dadeiramente alér-
cial), dose, horário, via de administração, gicas, principalmen­
te em crianças e
descrição detalhada da reação apresen- adolescentes.
tada e horário, além do tratamento ins- Dessa forma, após o manejo adequa-
tituído para a reação. do e a análise do caso, pode ser realiza-
Se possível, o paciente também de- do o teste de sensibilidade cutânea e a
verá ser informado sobre alternativas de provocação por penicilina, com o intui-
tratamento até a consulta com o espe- to de liberar para esses pacientes o refe-
cialista, alertando para a possibilidade rido antibiótico, evitando a utilização de
de reações cruzadas (por exemplo: não drogas mais dispendiosas e com menor
fazer IBUPROFENO em indivíduo que já ação terapêutica.

REFERÊNCIAS
AUN, M. V. et al. Testes in vivo nas reações de Reactions. J Investig Clin Immunol, v. 25, n. 1,
hipersensibilidade a medicamentos – Parte p. 259-269, 2015.
I: testes cutâneos. Arq Asma Alerg Imunol,
DEMOLY, P. et al. International Consensus on
São Paulo, v. 2, n. 4, p. 390-398, out-dez.
drug allergy. Allergy, v. 69, n. 4, p. 420-43, 2014.
2018.
SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. Aler­
AUN, M. V. et al. Testes in vivo nas reações de gia à penicilina. Manual de orientação. De­
hipersensibilidade a medicamentos – Parte II: par­tamento Científico de Alergia, n. 4, março
testes de provocação. Arq Asma Alerg Imunol, de 2020.
São Paulo, v. 3, n. 1, p. 7-12, jan-mar. 2019.
WATTS, T. J. Diagnostic Challenge of Inves­
BLANCA-LÓPEZ, N. et al. Hypersensitivity tigating Drug Hypersensitivity: Time Inter­
to Nonsteroidal Anti-inflamatory Drugs in vals and Clinical Phenotypes. J Allergy Clin
Children and Adolescents: Cross-Intolerance Immunol Pract, v. 8, n. 8, p. 2715-2717, 2020.
C APÍTULO 6

Erros inatos da imunidade

Adriana Azoubel Antunes


Almerinda Maria do Rêgo Silva
Mateus da Costa Machado Rios

O QUE É? Os EII representam um grupo de


As imunodeficiências primárias, atual- doenças que afetam primariamente os
mente denominadas erros inatos da componentes da resposta imune e têm
imunidade (EII), constituem um capítu- apresentação variável na dependên-
lo importante na prática clínica diária. cia do defeito imunológico relaciona-
Representam um grupo composto por do. Seu espectro clínico pode variar de
mais de 400 doenças, monogênicas na suscetibilidade aumentada a infecções,
sua maioria e associadas a variações pa- autoimunidade, inflamação, alergias
togênicas de mais de 430 genes. Apesar graves e até neoplasias. Em geral, os
das doenças dos EII serem consideradas quadros mais graves, com risco de vi-
raras, o subdiagnóstico desses pacientes da, têm início nos primeiros meses de
ainda representa um problema. vida do paciente, o que fez com que os
A nomenclatura foi modificada, pois EII fossem erroneamente associados a
algumas mutações genéticas podem doenças exclusivas das crianças.
levar a um ganho de função de deter- A prevalência dos EII pode variar de
minada proteína responsável pelo de- acordo com o tipo de defeito do sistema
senvolvimento e pela manutenção da imune, idade, sexo e localização geográ-
homeostase do sistema imune. Portanto, fica. Historicamente, são consideradas
nem sempre o defeito genético causa doenças raras, afetando aproximada-
uma deficiência da imunidade, mas mente 1:10.000-1:50.000 nascidos vivos.
muitas vezes uma imunidade aberrante. Entretanto, estima-se que a prevalência
SEÇÃO 7 474

coletivamente dos EII seja em torno de 1/200-1/1.000, conforme a população es-


1/1.000-1/5.000. Estudos recentes corrobo- tudada; a Imunodeficiência Comum Va­
ram de que são desordens mais comuns riável (ICV) representa a IDP sintomática
do que o esperado e suspeitado, poden- mais comum.
do ocorrer em qualquer faixa etária. A imunodeficiência combinada gra-
ve (SCID) tem uma incidência estimada
Classificação em torno de 1:58.000 nascidos vivos e
Segundo o mais recente relatório da espera-se uma maior prevalência a par-
International Union of Immunological tir da implantação da triagem neonatal
Societies (IUIS), os EII identificados fo- rotineira, junto com o Teste do Pezinho,
ram classificados em 10 grupos: através da quantificação por PCR dos
a) Imunodeficiências que afetam a círculos de excisão do receptor de cé-
imunidade celular e humoral; lulas T (TRECs do inglês: T cell receptor
b) Imunodeficiências combinadas com excision circles).
características ou síndromes associ-
adas; QUANDO SUSPEITAR?
c) Defeitos predominantemente de anti- A apresentação clínica dos EII é muito
corpos; variável, desde pacientes quase assin-
d) Doenças de desregulação imune; tomáticos até aqueles com patologias
e) Defeitos quantitativos ou funcionais graves.
de fagócitos; As infecções agudas do trato respi-
f) Defeitos da imunidade inata; ratório são as mais comumente associa-
g) Enfermidades autoinflamatórias; das às queixas de infecções de repetição,
h) Deficiências do sistema comple- sendo as das vias superiores (IVAS) as
mento; mais referidas. No entanto, é importan-
i) Insuficiência ou falha na medula te lembrar que as IVAS ocorrem rotinei-
óssea; ramente na infância, em especial até a
j) Fenocópias de EII. faixa etária de pré-escolar, em número
médio de 4 a 9 episódios por ano, sem
As imunodeficiências primárias que este fato levante suspeita sobre a
(IDP) por defeitos predominantemente ocorrência de imunodeficiência.
de anticorpos são as mais frequentes Visando a identificação precoce de
e correspondem a cerca de 50-60% dos pacientes com doenças dos EII, na dé-
casos. Apesar da deficiência seletiva de cada de 1990 foram criados, e recen-
imunoglobulina A (IgA) ser a IDP mais temente modificados, os “10 sinais de
comum com prevalência estimada em alerta” para EII em crianças (Quadro 1).
Erros inatos da imunidade 475

Recomenda-se que indivíduos com dois de imunodeficiências primárias ou se-


ou mais sinais de alerta sejam investiga- cundárias. Considerando a importância
dos para essas doenças. da BCG em nosso meio, a reação adversa
ao bacilo Calmette-Guérin foi incluída
Quadro 1. Os novos 10 sinais de alerta para como um dos sinais de alerta propostos
imunodeficiência primária, atualmente deno­
mi­nados de erros inatos da imunidade, em para os menores de 1 ano (Quadro 2).
crianças
Quadro 2. Sinais de alerta em menores de um
Quatro ou mais novas otites no período de ano
um ano
Abscessos cutâneos recorrentes ou Infecções fúngicas, virais e/ou bacterianas
abscessos em órgãos internos persistentes ou graves
Duas ou mais sinusites graves no período Cardiopatia congênita (principalmente de
de um ano vasos da base)
Estomatite ou candidíase oral ou cutânea
Reações adversas ao bacilo Calmette-Guérin
por mais de dois meses
(BCG)
Uso de antibiótico por dois meses ou mais
com pouco efeito Atraso na queda do coto umbilical (acima
de 30 dias)
Necessidade de antibiótico endovenoso
para controle de infecções Doença autoimune e/ou inflamatória
Duas ou mais pneumonias no período de História familiar de erro inato da imunidade
um ano ou de óbito precoce por infecção
Duas ou mais infecções sistêmicas incluindo Quadro sepse-símile, febril, sem
sepse identificação de foco infeccioso
Dificuldade para ganhar peso ou crescer Linfocitopenia (menos de 2.500 células/mm3),
normalmente ou outra citopenia, ou leucocitose persistente
História familiar de imunodeficiência sem infecção
primária (erros inatos da imunidade) Lesões cutâneas extensas
Hipocalcemia, com ou sem convulsão
Fonte: Adaptado da Jeffrey Modell Foundation.
Disponível em: www.info4pi.org. Diarreia persistente ou crônica
Ausência de imagem tímica na radiografia
de tórax
Pacientes que apresentem infecções
por patógenos não usuais, infecções Fonte: Adaptado de Carneiro-Sampaio (2011).

graves por patógenos comuns, infecções


persistentes, familiares com o mesmo Outros dados que devem servir de
padrão de suscetibilidade ou infecções alerta para o pediatra na investigação
associadas a outras manifestações clíni- das imunodeficiências são:
cas relacionadas à desregulação do sis- • Aumento ou ausência de linfonodos
tema imunológico também devem ser periféricos;
investigados. Além das infecções, rea- • Tonsilas palatinas não visualizadas;
ções vacinais graves ou atípicas devem • Não visualização da adenoide (ra-
chamar a atenção para a possibilidade diografia de cavum);
SEÇÃO 7 476

• Ausência de imagem tímica (radio- incomum para a faixa etária (por exem-
grafia de tórax); plo: SNC na infância) ou malignidade
• Linfopenia e/ou neutropenia < 1.500 associada às infecções de repetição ou
(cels em sangue periférico); história familiar sugestiva de EII20; aler-
• Atraso na queda do coto umbilical gias graves, refratárias aos tratamentos
(> 4 semanas); usuais, associadas a manifestações au-
• Morte súbita e/ou processos infec- toimunes ou infecções graves ou não
ciosos de repetição de membros da usuais; processo inflamatório, recor-
família; rente ou persistente, com ou sem febre,
• História de consanguinidade fami­
- com ou sem gravidade e sem evidência
liar; de infecção ou autoimunidade como
• Lesões cicatriciais de abscessos, mi- principal mecanismo envolvido.
coses superficiais persistentes e pe­-
téquias. Atenção: infecção recorrente localizada em
um único órgão, como: amigdalites e in­
-
fec­
ções do trato urinário, não constituem
Sabe-se que o sistema imunológico
critério para investigação de Erros Inatos da
também desempenha papel fundamen-
Imunidade. Assim como meningite viral, res-
tal na manutenção da homeostasia do
friados frequentes e impetigo/furunculose de
organismo e que algumas alterações repetição também não são sinais de alerta
da resposta imune inata e/ou adaptati- para EII.
va podem acarretar em manifestações
clínicas relacionadas à autoinflamação,
linfoproliferação, autoimunidade, aler- COMO DIAGNOSTICAR?
gias e neoplasias, as quais vêm sendo O subdiagnóstico dos EII, em nosso
cada vez mais descritas nos pacientes meio, é muito elevado, considerando o
com as doenças dos EII. Desse modo, tamanho da nossa população, o núme-
também se recomenda investigação pa- ro de pacientes diagnosticados e a esti-
ra esse grupo de doenças em pacientes mativa de prevalência destas doenças. A
com múltiplas doenças autoimunes ou média de idade para o diagnóstico das
doença de início precoce, de difícil tra- imunodeficiências fica em torno dos se-
tamento ou associada a outros sinais de te anos de vida, embora a idade média
alerta; doenças malignas precoces ou para o aparecimento dos sintomas seja
recorrentes, raras para a faixa etária (in- aos 2,5 anos, determinando um atraso
fância: linfoma extranodal, linfoma de de anos no diagnóstico, que contribui
células T), alterações histopatológicas para uma maior morbimortalidade des-
e citogenéticas incomuns, localização tas patologias. A identificação precoce
Erros inatos da imunidade 477

e o tratamento eficiente das IDP são forma criteriosa e baseada numa boa
pontos chaves para sobrevivência des- história clínica e no exame físico minu-
tes pacientes. cioso, exigindo que uma hierarquização
Recentemente foi aprovada a reali- e um direcionamento sejam seguidos.
zação de teste de Triagem Neonatal da A correlação entre tipos de agentes
Imunidade o qual deverá ser implan- infecciosos ou sítios de infecção e a fun-
tado em breve para toda a população. ção imune afetada é um dos critérios es-
A realização deste exame para um nú- tabelecidos para uma investigação diag-
mero expressivo de recém-nascidos aju- nóstica direcionada. O Quadro 3 resume
dará muito para o diagnóstico precoce os agentes infecciosos mais frequentes
de algumas doenças de EII. Estes testes e os órgãos afetados para os principais
denominados de TREC e KREC são me- tipos de EII.
todologias de quantificação por PCR Na avaliação inicial de pacientes
em tempo real (RT-qPCR), que utilizam com EII devem ser realizados os seguin-
amostras de DNA extraídas de sangue tes exames:
seco, coletadas em papel-filtro, seme- • Hemograma completo para a ava-
lhantes aos cartões usados no “Teste liação do número e distribuição dos
do Pezinho”. Os testes funcionam co- leucócitos;
mo excelente indicador do desenvol- • Dosagem de imunoglobulinas (IgA,
vimento de linfócitos T e B. Portanto, IgG, IgM, IgE);
a inclusão do TREC (T cell Receptor • Dosagem de isohemaglutininas (an-
Excision Circles) e do KREC (Kappa de- ticorpos naturais da classe IgM);
leting Recombination Excision Circles) • Pesquisa de anticorpos vacinais ao
na triagem neonatal possibilitará a de- tétano, hepatite B, poliovírus, ru-
tecção precoce tanto de indivíduos com béola ou sarampo (solicitar de acor-
SCID (Imunodeficiência Combinada do com as vacinas recebidas pelo pa-
Se­­ve­ra) clássica, caracterizada pela ciente);
ausência de linfócitos T e/ou B, como • DHR (dihidrorodamina) para avaliar
também, de outras doenças que pro- a função de fagócitos;
duzem linfopenia B, como a Agama­glo- • Testes cutâneos de hipersensibili-
bulinemia. dade tardia (PPD, SK-SD, candidina,
Pela necessidade, na grande maioria tricofitina);
das vezes, da utilização de exames la- • VSH e PCR;
boratoriais de alto custo, a investigação • Radiografia de tórax para avaliação
laboratorial dos EII deve ser realizada de do timo;
SEÇÃO 7 478

Quadro 3. Características clínicas da IDP

Defeito Defeito
Defeito de Defeito de
Características predominante predominante
fagócitos complemento
de células T de células B

Precoce, após
os anticorpos
Precoce: 2 a 6 maternos serem
Idade de Início Precoce Qualquer idade
meses catabolizados: 5 a
12 meses ou final da
infância ou adultos

S. aureus,
Micobactérias, S. pneumoniae, Pseudomonas,
Pseudomonas, CMV, Hib, S. aureus, Serratia,
Patógenos mais
EBV, vírus varicela Campylobacter, Klebsiella, Neisseria, E. coli
frequentes
zoster, enterovírus, enterovírus, Giardia, Candida,
Candida, P. jiroveci Criptosporidium Nocardia,
Aspergillus

Infecções
Celulite,
sinopulmonares, Meningite, artrite,
Crescimento abscessos,
Órgãos mais sintomas septicemia,
inadequado, adenite,
afetados gastrointestinais, infecções
diarreia, candidíase periodontite,
artrites, sinopulmonares
osteomielite
meningoencefalite

Doença do enxerto
versus hospedeiro
causada pelas Autoimunidade, Retardo na
Vasculites, LES,
células maternas linfoma, timoma, queda do
Características dermatomiosite,
ou transfusão paralisia pela coto umbilical,
especiais glomerulonefrite,
de sangue vacina oral contra dificuldade de
angioedema
não irradiado, poliomielite cicatrização
BCGite, tetania,
hipocalcêmica

Hib: Haemophilus influenzae tipo b; CMV: citomegalovirus; EBV: vírus Epstein-Barr; LES: lupus eritematoso sistêmico.

Fonte: Adaptado de Woroniecka e Ballow (2000).

• Radiografia de cavum para avalia- tações clínicas suspeitas permanecem, a


ção da adenoide; despeito de exames iniciais dentro dos
• C3, C4 e CH50; valores de normalidade (Tabelas 1 e 2).
CD4, CD8 e CD19 (se disponível). É importante ainda ressaltar que
causas secundárias de hipogamaglo-
Uma investigação laboratorial mais bulinemia devem ser sempre excluídas
detalhada deverá ser realizada quando durante a investigação destes pacientes.
a investigação inicial fortalece a suspei- No Quadro 4 descrevemos as principais
ta clínica de IDP ou quando as manifes- causas que devem ser lembradas.
Erros inatos da imunidade 479

Tabela 1. Valores de normalidade das imunoglobulinas

Valores de normalidade das Imunoglobulinas (A, G e M) e subclasses de IgG (mg/dl) de população


brasileira. Autoras: Maria Fujimura; Aparecida Nagao Dias

3a6m IgG IgA IgM IgG1 IgG2 IgG3 IgG4 6a9m IgG IgA IgM IgG1 IgG2 IgG3 IgG4
Percentil 3 338 4 25 119 9 1 2 Percentil 3 338 4 30 192 4 1 2
P10 338 4 29 147 10 3 2 P10 365 7 35 239 9 3 2
P25 406 7 32 192 16 17 3 P25 428 14 47 274 26 23 3
P50 491 16 38 249 32 22 6 P50 540 30 61 319 43 33 5
P75 589 22 42 369 43 42 9 P75 693 42 73 406 65 47 7
P97 698 27 52 426 58 55 12 P97 764 73 86 436 82 59 11

9 a 12 m IgG IgA IgM IgG1 IgG2 IgG3 IgG4 12 a 18 m IgG IgA IgM IgG1 IgG2 IgG3 IgG4
Percentil 3 363 7 37 169 22 2 3 Percentil 3 520 7 47 323 22 4 3
P10 425 7 44 231 30 2 3 P10 586 7 54 349 22 7 3
P25 532 21 51 343 44 8 5 P25 667 21 78 369 34 23 6
P50 711 38 59 412 55 25 6 P50 746 48 99 483 83 25 7
P75 792 66 78 466 85 41 9 P75 829 84 113 559 97 40 13
P97 918 83 87 543 112 65 13 P97 875 130 138 643 128 52 16

18 a 24 m IgG IgA IgM IgG1 IgG2 IgG3 IgG4 3a -3a11m IgG IgA IgM IgG1 IgG2 IgG3 IgG4
Percentil 3 526 7 40 399 14 14 3 Percentil 3 513 29 43 169 18 1 5
P10 586 7 67 439 28 15 5 P10 651 35 44 439 18 1 7
P25 693 30 76 479 45 25 6 P25 773 51 73 504 27 12 10
P50 820 55 103 499 62 33 11 P50 838 68 97 574 142 44 17
P75 875 77 126 533 139 35 14 P75 951 118 120 689 198 63 22
P97 951 149 154 543 208 49 16 P97 1046 142 158 818 272 87 34

4a -4a11m IgG IgA IgM IgG1 IgG2 IgG3 IgG4 5a -5a11m IgG IgA IgM IgG1 IgG2 IgG3 IgG4
Percentil 3 564 28 58 288 58 15 3 Percentil 3 564 50 59 306 27 19 10
P10 616 40 64 423 72 33 4 P10 616 64 74 410 37 22 11
P25 799 56 87 496 112 40 7 P25 799 88 86 530 90 29 13
P50 892 85 103 599 167 50 12 P50 892 124 114 628 151 53 20
P75 1051 123 138 732 187 82 23 P75 1116 155 133 760 227 90 25
P97 1318 215 176 857 247 118 67 P97 1318 191 166 834 242 140 30

6a -7a11m IgG IgA IgM IgG1 IgG2 IgG3 IgG4 8a -9a11m IgG IgA IgM IgG1 IgG2 IgG3 IgG4
Percentil 3 665 47 49 204 89 19 19 Percentil 3 672 70 67 439 95 28 0
P10 680 66 54 347 102 26 22 P10 680 98 69 482 112 28 10
P25 799 85 75 496 112 50 28 P25 799 112 80 531 180 41 21
P50 892 127 86 597 173 62 38 P50 892 153 91 619 189 65 43
P75 1100 174 120 791 217 86 49 P75 1166 203 114 799 242 81 59
P97 1465 267 218 1065 261 110 63 P97 1537 311 139 917 331 105 75

10a -11a11m IgG IgA IgM IgG1 IgG2 IgG3 IgG4 Adultos IgG IgA IgM IgG1 IgG2 IgG3 IgG4
Percentil 3 739 113 65 256 86 19 16 Percentil 3 739 84 81 256 180 12 13
P10 793 150 76 467 112 24 22 P10 793 99 92 256 192 29 23
P25 860 166 82 545 125 36 24 P25 560 132 103 401 214 43 30
P50 923 192 103 661 218 50 45 P50 986 179 124 579 366 55 45
P75 1182 213 125 757 277 80 51 P75 1116 255 144 756 304 72 71
P97 1475 248 134 844 368 104 66 P97 1390 354 167 877 372 92 78

Fonte: Fujimura (1991).


SEÇÃO 7 480

Tabela 2. Valores de referência dos linfócitos/mm3

Linfócito Percentil cordão 0-3m 3-6m 6-12m 1-2a 2-6a 6-12a 12-18a 19-44a

p10 798 2438 1919 2156 1969 1515 1280 1161 844

CD3 p50 1532 3352 3404 3413 3209 2180 1845 1505 1331

p90 2994 5247 5368 5004 4392 3701 2413 2077 1943

p10 485 1686 1358 1360 957 780 618 630 476

CD4 p50 1115 2282 2248 2064 1620 1178 907 837 813

p90 2263 3417 3375 3066 2727 2086 1348 1182 1136

p10 264 486 523 560 563 453 390 332 248

CD8 p50 421 877 881 1108 1030 730 612 449 418

p90 982 1615 1798 1803 1753 1700 1024 776 724

p10 278 395 955 811 711 631 471 460 138

CD19 p50 548 1053 1795 1278 1184 962 728 690 234

p90 1228 1697 2596 1792 1553 1283 1031 1143 544

p10 279 239 199 164 153 135 127 114 134

CD16/56 p50 674 499 379 416 318 269 236 228 235

p90 2151 1020 731 801 703 601 515 446 545

Fonte: Moraes-Pinto et al. (2005).


Erros inatos da imunidade 481

Quadro 4. Principais causas de hipogamaglobulinemia secundária

Fenitoína
Carbamazepina
Ácido valproico
Sulfasalazina
Compostos de ouro
Penicilamina
Hidroxicloroquina
Medicamentos
Glicocorticosteroides
Ciclosporina
Tacrolimus
Micofenolato de mofetila
Ciclofosfamida
Azatioprina
Rituximabe

Infecção congênita por citomegalovírus


Infecção congênita por Toxoplasma gondii
Doenças infecciosas Rubéola congênita
Infecção pelo vírus Epstein-Barr
HIV

Gastrointestinais (linfangiectasias, diarreia crônica, enteropatia perdedora


de proteínas)
Perdas Pulmonares (quilotórax)
Renais (síndrome nefrótica)
Queimaduras graves

Tumores (neoplasias de células B, Leucemia Linfocítica Crônica, Linfoma


não Hodgkin)
Outras causas
Hipercatabolismo de imunoglobulinas
Desnutrição grave

Fonte: Autores.

COMO CONDUZIR? alternativas terapêuticas utilizadas nes-


Os cuidados e o tratamento dos pacien- tes pacientes.
tes com EII diferem de acordo com o
resultado do defeito da via imunológi- Antibióticos
ca afetada e da gravidade de cada ca- As infecções são o modo de apresenta-
so. Portanto, o diagnóstico preciso do ção mais comum nos pacientes com EII
paciente é fundamental para o trata- e dependem do tipo de defeito imuno-
mento adequado do mesmo, incluindo lógico presente. O tratamento de infec-
os cuidados gerais, as farmacoterapias ções em pacientes com EII é complexo,
de amplo espectro ou específicas, como necessitando de uso por períodos pro-
o uso de biológicos e, ainda, a adoção longados e, muitas vezes, de largo es-
de terapias curativas, como o trans- pectro. Por ser mais suscetível a agentes
plante de medula óssea e a terapia gê- não usuais, deve ser realizado um esfor-
nica. Abordaremos a seguir algumas ço maior para a identificação exata dos
SEÇÃO 7 482

patógenos, inclusive com cultura dos te- • Benefício provável: imunoglobuli-


cidos afetados e técnicas moleculares de nas com níveis aparentemente nor-
identificação do patógeno. O uso de an- mais, mas com defeito qualitativo na
tibioticoterapia profilática é bastante di- produção específica de anticorpos
fundido no manejo de pacientes com EII, • Sem benefício/contraindicada: defi-
com vistas à redução da frequência e da ciência seletiva de IgA, deficiência
gravidade de infecções, principalmente de IgG4
sinopulmonares causadas por bactérias
comuns; em alguns EIIs com susceti- De maneira prática, pode ser seguida
bilidades mais específicas, as terapias a recomendação da Sociedade Europeia
profiláticas antivirais e/ou antifúngicas de Imunodeficiência (ESID) para indica-
podem ser necessárias. O Quadro 5 enu- ção de reposição de imunoglobulinas:
mera algumas alternativas de profilaxia 1. IgG < 200 mg/dl: todos os pacientes
antimicrobiana. 2. IgG 200-500 mg/dl: associada a in-
fecções de repetição
Terapia de Reposição 3. IgG > 500 mg/dl: deficiência de anti-
de Imunoglobulinas corpos específica associada a infec-
Necessária em cerca de 50-75% dos pa- ções graves ou de repetição
cientes com EII devido à produção au-
sente ou inadequada de anticorpos. Por A infusão IV de imunoglobulinas é
outro lado, com os avanços no trata- feita a cada 3-4 semanas, na dose ini-
mento de linfomas, leucemias e outras cial de 400-600 mg/kg, de modo que o
formas de câncer, o número de casos nível de IgG fique maior que 500 mg/dl
de imunodeficiência secundária, que em pacientes com agamaglobulinemia,
afetam a produção de anticorpos, é havendo redução das infecções. Doses
crescente e deve ser lembrado. No Brasil, mais elevadas, por volta de 800 mg/kg,
atualmente dispomos de produtos para auxiliam no controle de problemas pul-
aplicação intravenosa (IV) ou subcutâ- monares e são recomendadas para pa-
nea (SC). Com relação ao benefício te- cientes com doença pulmonar crônica
rapêutico, as indicações de terapia de e/ou sinusite crônica.
reposição de imunoglobulinas podem A infusão de imunoglobulinas por
ser classificadas em: via SC pode ser feita em intervalos sema-
• Benefício comprovado: defeitos do nais, quinzenais ou mensais, dependen-
sistema imunológico que afetam as do da formulação. O regime de doses é
células B, hipogamaglobulinemia e semelhante e segue o equivalente a 100-
produção ineficiente de anticorpos 150 mg/kg por semana.
Erros inatos da imunidade 483

Quadro 5. Exemplos de esquemas de antibioticoprofilaxia usados em pacientes com imunode-


ficiência

Intenção de
Regime preferencial Regime alternativo
prevenção

Sulfametoxazol-trimetoprima Dapsona
(SXT-TMP) Lactentes e crianças: 2 mg/kg/dia, 1x/dia
Lactentes > 4 semanas de idade e (máximo: 100 mg/dia)
crianças: 5 mg/kg/dia, divididos Adultos: 100 mg. 1x/dia ou 50 mg, 2x/dia
em duas doses, 3x/semana Pentamidina
Pneumocystis jirovecii (Baseado na TMP, máximo
Crianças < 5 anos: 9 mg/kg (máximo:
160 mg/dia)
300 mg/dose) por inalação por nebulização
Adultos e adolescentes com função
a cada quatro semanas
renal normal (baseado na TMP):
Crianças > 5 anos, adolescentes e adultos:
80 mg/diário ou 160 mg/diário ou
300 mg/inalação por nebulização a cada
160 mg, 3x/semana
quatro semanas

Amoxicilina
Crianças: 10 a 20 mg/kg por dia, em dose
única ou dividida em 2x (máximo:
875 mg/dia)
Adolescentes e adultos: 875 mg
SXT-TMP
Lactentes > 4 semanas de idade e Amoxicilina com clavulanato
crianças: 5 mg/kg/dia, divididos Crianças: 20 mg/kg por dia, em dose única
Staphylococcus spp.,
em duas doses (Baseado na TMP, ou dividido em 2x (máximo: 875 mg/dia,
Gram negativos spp.
máximo 160 mg/dia) baseado na amoxicilina)
Adultos e adolescentes: baseado Adolescentes e adultos: 875 mg (baseado
na TMP 160 mg diário na amoxicilina)
Ciprofloxacino
Crianças: 10 mg/kg/dose, 2x/dia
(máximo: 500 mg)
Adultos: 500 mg

Azitromicina
Mycoplasma spp., Crianças: 5 a 10 mg/kg/dose, oral,
Streptococcus spp. 3x/semana (máximo: 250 mg)
Adolescentes e adultos: 250 mg,
oral, 3x/semana

Azitromicina
Crianças: 20 mg/kg/dose, oral,
1x/semana (dose máxima de
Micobacteriose 1.200 mg/semana; pode ser dado
atípica até 600 mg, 2x/semana, se causar
náuseas em doses altas)
Adolescentes e adultos: 1.200 mg,
1x/semana ou 600 2x/semana, se
náuseas

Itraconazol Voriconazol
Crianças: 5 mg/kg/dia, oral, ≤ 50 kg: 8 mg/kg/dose, oral, 2x/dia
Aspergillus spp. (máximo: 200 mg) (máximo por dose: 350 mg)
Adolescentes e adultos: 200 mg, > 50 kg: 4 mg/kg/dose, oral, 2x/dia
oral, diário (máximo por dose: 200 mg)

Fluconazol
Candida spp. Crianças: 6 mg/kg, oral, diário
(máximo: 400 mg). Adolescentes
e adultos: 400 mg, oral, diário
SEÇÃO 7 484

Intenção de
Regime preferencial Regime alternativo
prevenção

Aciclovir
Crianças < 40 kg: 600 mg/m/dose,
HSV/VZV oral, 4x/dia. Crianças > 40 kg:
800 mg, oral, 4x/dia
Adultos: 800 mg, oral, 2x/dia

Valganciclovir
Crianças 1 mês a 16 anos: dose
oral (mg) = 7 × superfície de área
CMV corporal × clearence de creatinina
Adolescentes ≥ 17 anos e adultos
com função renal normal: 900 mg,
oral, 1x/dia

CMV, citomegalovírus; HSV, herpes simplex vírus; spp., espécies; VZV, varicela zoster vírus.

Fonte: Adaptado de Bundy et al. (2021).

O monitoramento dos níveis de mimetizam quadros infecciosos. Dentre


IgG deve ser feito em intervalos de três os sintomas observam-se tremores, ar-
meses até o máximo de seis meses, na tralgias/mialgias, febre e cefaleia. A boa
dependência dos quadros infecciosos. hidratação do paciente e a redução da
Após a sexta infusão, é alcançado um velocidade de infusão são medidas efi-
valor estável e a dose e o intervalo de- cazes na prevenção de eventos adversos.
vem ser ajustados de modo a se obter o Com relação à infusão SC, uma fração
melhor resultado clínico. dos casos apresenta efeitos irritativos
A maioria dos efeitos adversos rela- locais, que tendem a desaparecer ao
cionados à infusão IV de imunoglobuli- longo do tempo.
nas está relacionada à velocidade de in-
fusão. Pacientes, que nunca receberam Outras terapias
essa medicação ou aqueles que estão A ampliação do conhecimento genético
infectados, apresentam maior risco de e da fisiopatologia dos EII tem aumenta-
efeitos adversos. Esses efeitos estão em do o arsenal terapêutico no tratamento
parte relacionados à formação de com- desses pacientes. A terapia de reposição
plexos antígeno-anticorpo, e podem ser de imunoglobulinas continua sendo a
reduzidos se o paciente estiver afebril e principal arma terapêutica, pois a maio-
tratando a infecção. Outro fator de risco ria destes pacientes apresenta alterações
é a troca frequente de marca de imuno- na quantidade ou qualidade dos anti-
globulina, fato comum em nosso meio. corpos. A medicina de precisão já é uma
Os efeitos adversos durante a infusão realidade para muitos pacientes com EII
Erros inatos da imunidade 485

em vias específicas, as quais podem ser êxito e se tornado uma esperança para
tratadas com medicações-alvo daquelas o futuro destes pacientes.
vias. As melhorias no manejo do trans- Apesar de todo esse avanço, precisa-
plante de células-tronco hematopoiéti- mos sempre lembrar que o diagnóstico
cas têm possibilitado o transplante de é o primeiro passo para o tratamento e
cada vez mais destes pacientes, ofere- deve ser lembrado junto aos pediatras,
cendo uma terapia curativa. Nos últimos que são os responsáveis pela suspeita
anos, a terapia gênica tem apresentado inicial dos quadros de EII.

REFERÊNCIAS
BOUSFIHA, A. et al. Human Inborn Errors COSTA-CARVALHO, B. T., et al. II Brazilian
of Immunity: 2019 Update of the IUIS Phe­ Consensus on the use of human immunoglo-
notypical Classification. J Clin Immunol, v. bulin in patients with primary immunode-
40, p. 66-81, 2020. ficiencies. Einstein (São Paulo), v. 5, p. 1-16,
2017.
BUNDY, V.; BARBIERI, K.; KELLER, M. Primary
Immunodeficiency: overview of manage- SEGUNDO, G. R.; CONDINO, N. A. Treatment
ment. 2021 Up to date. Disponível em: https:/ of patients with immunodeficiency: Med­
/www.uptodate.com/contents/primary-im ication, gene therapy, and transplantation. J
munodeficiency-overview-of-management. Pediatr (Rio de J.), v. 97, n. S1, p. 17-23, 2021.
Acesso em 04 jul. 2021.
SOLÉ, D. Primary immunodeficiencies: Diag­
CARNEIRO-SAMPAIO, M.; JACOB, C. M.; LEONE, nostic challenge? J Pediatr (Rio de J.), v. 97, n.
C. R. A proposal of warning signs for primary S1, p. 1-2, 2021.
immunodeficiencies in the first year of life.
TANGYE, S. G., et al. Human Inborn Errors of
Pediatr Allergy Immunol, v. 22, p. 345-6, 2011.
Immunity: 2019, Update on the Classification
FUJIMURA, M. D. Níveis séricos das subclasses from the International Union of Immuno­
da imunoglobulina G em crianças normais e logical Societies Expert Committee. J Clin
nefróticas. 1991. Tese (Doutorado em Pe­dia­ Immunol, v. 40, n. 1, p. 24-64. Jan. 2020.
tria) – Faculdade de Medicina, Univer­si­dade
WORONIECKA, M.; BALLOW, M. Office evalua-
de São Paulo, São Paulo, 1991.
tion of children with recurrent infection.
GOUDOURIS, E. S.; REGO, S. A. M.; OURICURI, Pediatr Clin N Amer, v. 47, p. 1211-24, 2000.
A. L.; GRUMACH, A. S.; CONDINO-NETO, A.;
S E Ç ÃO 8

Infectologia pediátrica

Capítulo 1 Capítulo 7
Febre sem sinais Varicela
localizatórios

Capítulo 2 Capítulo 8

Covid-19 em pediatria Arboviroses: dengue,


chikungunya e zika
Capítulo 3
Mononucleose infecciosa Capítulo 9

Capítulo 4 Hepatites virais


Exantema súbito
Capítulo 10
Capítulo 5
Meningite bacteriana
Rubéola

Capítulo 6 Capítulo 11
Sarampo Parasitoses intestinais
C AAPÍTULO
PÍTULO x1

Febre sem sinais localizatórios

Carlos Henrique Bacelar


Paula F. C. de Mascena Diniz Maia

O QUE É FEBRE? Os pirógenos exógenos, em contato


Febre é a elevação da temperatura cor- com os macrófagos teciduais, estimu-
poral em resposta a uma variedade de lam a produção dos pirógenos endó-
estímulos, mediada pelo centro termor- genos (interleucina 1 e 6, e o fator de
regulador, localizado no sistema ner- necrose tumoral alfa – TNF-α) que che-
voso central. É definida como tempera- gam ao hipotálamo, através da corrente
tura axilar ≥ 37,8º C, temperatura retal sanguínea, ativando o centro termor-
> 38,3º C e temperatura oral > 38º C. regulador para a produção de prosta-
glandina E2 (PGE2). A PGE2 é responsável
COMO OCORRE A FEBRE? pela elevação do ponto de termorre-
O centro termorregulador, localizado no gulação.
hipotálamo, regula a temperatura do cor-
po, mantendo-a estável, através do equi- COMO DEFINIR FEBRE SEM SINAIS
líbrio entre a perda e a produção de calor. LOCALIZATÓRIOS (FSSL)?
A febre, e não a hipertermia, é o au- Febre com menos de 7 dias de duração,
mento da temperatura corporal decor- em uma criança em que a história e o
rente da resposta a agressões externas. Os exame físico não revelam a causa.
agentes externos responsáveis por provo- A maioria das crianças com FSSL
car a febre são denominados pirógenos apresenta uma doença infecciosa agu-
exógenos, podendo ser agentes infeccio- da autolimitada, porém um menor
sos (vírus, bactérias, etc.) e agentes não in- número pode ter uma infeção bacte-
fecciosos (complexo antígeno-anticorpo). riana grave ou potencialmente grave.
SEÇÃO 8 488

Algumas crianças apresentam risco QUAL É A AVALIAÇÃO DIAGNÓSTICA?


significante para infecção do trato uri- O grande desafio dos pediatras está em
nário (ITU), pneumonia clinicamente identificar as crianças de alto risco para
não aparente e bacteremia oculta. A a infecção bacteriana grave (infecção do
ITU é a causa mais frequente de FSSL trato urinário, meningite, sepse e pneu-
em lactentes. monia), que necessitem de hospitaliza-
A bacteremia oculta é definida co- ção e tratamento com antibioticoterapia
mo a presença de bactéria em hemo- empírica.
cultura de crianças com FSSL, que se Com o objetivo de padronizar a con-
apresentam clinicamente bem. A maior duta diante da FSSL e realizar o diagnós-
parte das crianças com bacteremia tico precoce das infecções graves foram
oculta evolui bem, com resolução es- estabelecidas algumas estratégias. Na
pontânea. Entretanto, algumas podem elaboração dessas estratégias, consi-
evoluir com bacteremia persistente ou derou-se o Protocolo de Baraff (Figura
doença grave. 1), para as crianças menores de 3 anos
O tipo de agente etiológico vai de- de idade, associado aos Critérios de
pender da situação vacinal da criança Rochester (Quadro 1), que separa os me-
para Haemophilus influenzae tipo B nores de 3 meses em alto e baixo riscos
e Streptococcus pneumoniae. Para as para infecção bacteriana grave.
crianças com FSSL não vacinadas, o
hemófilo e o pneumococo continuam Quadro 1. Critérios de Rochester

sendo os agentes mais prevalentes.


Critérios de baixo risco para a infecção
Porém, para aquelas que receberam, bacteriana grave
pelo menos, 2 doses das vacinas con-
Critérios clínicos:
jugadas para pneumococo e hemófi- • Previamente saudável
los, destacam-se os seguintes agentes: • Nascido a termo sem complicações na
hospitalização
Escherichia coli, Staphylococcus aureus • Sem aparência tóxica e sem evidência de
infecção bacteriana ao exame físico
e Salmonella sp. • Sem doença crônica
Vale lembrar que febre com dura-
Critérios laboratoriais:
ção ≥ 5 dias pode sinalizar doença de • Contagem de leucócitos entre 5.000 e
15.000/mm3
Kawasaki atípica. Além disso, a FSSL foi
• Contagem absoluta de bastões < 1.500/mm3
também descrita em lactentes jovens • Microscopia de sedimento urinário com
contagem ≤ 10 leucócitos/campo
com Covid-19, devendo ser considerado • Microscopia de fezes com contagem ≤ 5
leucócitos/campo nas crianças com diarreia
este diagnóstico, principalmente naque-
les com história de exposição a contac-
Fonte: Tratado da Sociedade Brasileira de Pediatria, 5ª
tantes positivos. ed., vol. 1 (2022).
Febre sem sinais localizatórios 489

Figura 1. Fluxograma para avaliação e condução da criança de 0 a 36 meses, com FSSL

Criança de 0 a 36 meses com FSSL

Comprometimento do estado geral

Não (conduta de acordo com a idade) Sim (independente da idade)

< 30 dias 1 mês a 3 meses 3 a 36 meses Internamento


Exames laboratoriais:
Critérios de Rochester PVR
HMG/HMC
Internamento PVR Vacinacão completa Vacinacão incompleta SU/UROC
Exames HMG/SU LCR
laboratoriais: Rx de tórax
PVR PVR PVR ATB empírico
HMG/HMC Considerar
Baixo risco Alto risco SU/UROC
SU/UROC
LCR
Tax ≤ 390 C Tax > 390 C
Rx de tórax Reavaliação Internamento Reavaliação
ATB empírico diária Exames diária
laboratoriais: Considerar SU/UROC SU/UROC
HMC/UROC Reavaliação diária
LCR
Rx de tórax
ATB empírico SU nl ou leucocitúria SU nl ou leucocitúria
< 50.000/ml ≥ 50.000/ml

Se leucócitos < 20.000/mm3 Se leucócitos ≥ 20.000/mm3


HMG
ou neutrófilos < 10.000/mm3 ou neutrófilos ≥ 10.000/mm3

Reavaliação diária HMC/Rx de tórax


Legenda: ATB = antibioticoterapia; BO = bacteremia oculta; HMC = hemocultura;
HMG = hemograma; IM = intramuscular; LCR = líquido cefalorraquidiano;
PNM = pneumonia; PVR: pesquisa de vírus respiratório (quando disponível); nl = normal; Rx nl: risco de BO Rx alterado: PNM
Rx = radiografia; SU = sumário de urina; Tax = temperatura axilar; UROC = urocultura.

Ceftriaxona 50 mg/kg, IM, 1 vez/dia


Fonte: Fluxograma adaptado do artigo da Sociedade Brasileira de Pediatria – Manejo
Reavaliação diária até final das culturas
da Febre Aguda (2021).
SEÇÃO 8 490

Para o atendimento de crianças de 0 (menos de 3 meses), deve-se ficar


a 36 meses com FSSL, o Hospital Uni­ver­ alerta a uma leucometria > 15.000 ou
sitário de São Paulo (USP), propõe uma < 5.000. Outro dado de valor é o nú-
intervenção baseada nos critérios de mero absoluto de bastões acima de
Baraff e Rochester e utiliza o fluxogra- 1.500;
ma, apresentado na Figura1, publicado • Provas de fase aguda: as mais utiliza-
no Tratado da Sociedade Brasileira de das são a proteína C reativa (PCR) e a
Pe­diatria, de 5ª edição (2022). procalcitonina (PCT). Nos pacientes
Seguem alguns dados que devem com 12 horas de febre, aproximada-
ser analisados: mente, a PCT é mais sensível para in-
• Idade: os lactentes com menos de dicação de infecção bacteriana gra-
3 meses, principalmente, os recém- ve quando comparada com a PCR, a
-nascidos com FSSL, têm risco au- contagem de leucócitos e de neutró-
mentado de bacteremia e doença filos. Valores de procalcitonina (PCT)
bacteriana grave; acima de 0,5 ng/ml foram os únicos
• Temperatura: deve ser levada em fatores independentes para infecção
conta, principalmente, nas crian- bacteriana grave. Crianças que apre-
ças não vacinadas para pneumo- sentem ao menos 2 doses de vacina-
coco e hemófilo (aqueles que não ção contra pneumococo e hemófilos
receberam pelo menos 2 doses das não têm indicação de realizar PCR
vacinas). O risco de bacteremia ocul- ou PCT;
ta aumenta com o nível da tempe- • Imunização: a incidência de bacte-
ratura. Porém, para menores de 3 remia oculta em crianças com imu-
meses, não existe correlação clínica nização completa para pneumococo
entre magnitude da febre e infecção. e hemófilos com FSSL é < 1%. São
Alerta para hipotermia no período consideradas também crianças com
neonatal; baixo risco para bacteremia oculta
• Estado geral: presença de toxemia aquelas com, ao menos, 2 doses de
caracterizada por letargia, má per- vacinação contra pneumococo e
fusão, hipo ou hiperventilação ou hemófilos;
cianose; • Sumário de urina e urocultura: nas
• Leucograma: contagem total de crianças com idade de 3 a 36 meses,
leucócitos acima de 20.000 ou neu- sem comprometimento do estado
trofilia maior do que 10.000 são geral, com vacinação completa, é
bons marcadores para doença bac- recomendada a investigação com su-
teriana grave. Nos lactentes jovens mário de urina e urocultura para as
Febre sem sinais localizatórios 491

meninas menores de 2 anos e meni- • Em crianças com febre, avaliar a


nos menores de 1 ano não circuncida- possibilidade de exposição ao Coro­
dos, e menores de 6 meses circuncida- navírus-2 (SARS-CoV-2) e a presença
dos. Esse grupo, apesar de apresentar de achados clínicos da síndrome in-
risco baixo para bacteremia oculta, flamatória multissistêmica, indican-
apresenta risco mantido para infec- do a investigação de infecção pelo
ção do trato urinário. Para as crian- SARS-CoV-2.
ças de 3 a 36 meses com vacinação
COMO CONDUZIR?
incompleta, mas com temperatura
menor ou igual a 39º C, recomenda- Tratamento da febre
-se o sumário de urina para meninas Métodos físicos: não são recomendados.
menores de 2 anos e meninos me- Tem um tempo de início de ação
nores de 1 ano não circuncidados e rápida, mas pouco duradouro, além
menores de 6 meses circuncidados. de causas de desconforto no pacien-
Naqueles com temperatura maior te, como calafrio e aumento da irri-
do que 39º C, recomenda-se sumário tabilidade. Não oferece vantagem
de urina e urocultura para todas as em relação ao tratamento medica-
idades. Caso apresentem leucocitú- mentoso;
ria > ou igual a 50.000/ml, considerar Antitérmicos: não existe um valor de
ITU e iniciar antibioticoterapia em- temperatura para indicação do anti-
pírica. Se o número de leucócitos for térmico. Deve ser utilizado quando
< 50.000/ml, solicitar hemograma e a febre está associada a um descon-
urocultura, seguindo a investigação; forto evidente. Os antitérmicos dis-
• Radiografia de tórax: deve ser solici- poníveis no Brasil são: Paracetamol,
tado se houver taquipneia ou toxe- Dipirona e Ibuprofeno. Os três são
mia ou quando o número de leucó- eficazes e seguros quando utiliza-
citos for > 20.000/mm ou o total de
3
dos na dose terapêutica adequada
neutrófilos for > 10.000/mm3. Caso (Quadro 2). Como apresentam o
a radiografia esteja alterada, confir- mesmo mecanismo de ação (inibem
ma-se o diagnóstico de pneumonia as enzimas ciclo-oxigenases 1 e 2,
oculta e inicia-se a antibioticotera- reduzindo a produção da PGE2), não
pia adequada; é indicado o uso intercalado desses
• Oximetria de pulso: pode ser melhor medicamentos, pois, além de não
parâmetro do que a frequência res- promover um melhor efeito tera-
piratória na avaliação da possibili- pêutico, há um aumento no risco de
dade de infecção pulmonar; efeitos adversos.
SEÇÃO 8 492

Quadro 2. Antitérmicos disponíveis no Brasil

Antitérmico Tipo de ação Duração Dose Efeitos adversos

Anafilaxia, rash,
Antitérmica e
Dipirona 4 a 6 horas 15 a 20 mg/kg/dose urticária, hipotensão,
analgésica
broncoespasmo

Antitérmica e
Paracetamol 4 a 6 horas 10 a 15 mg/kg/dose Intoxicação hepática
analgésica

5 a 10 mg/kg/dose Tontura, reação


Antitérmica,
(ação antitérmica), anafilática, náusea,
Ibuprofeno analgésica e anti- 6 a 8 horas
15 a 20 mg/kg/dose vômito e desordens
inflamatória
(ação anti-inflamatória) hepáticas

Fonte: Autora (2021).

Antibioticoterapia empírica, quando • Reavaliar em 24 horas e resgatar he-


é indicada: mocultura. Se a hemocultura for po-
• Recém-nascido: sitiva para pneumococo e a criança
Penicilina + gentamicina ou cefo­ta- estiver bem, realizar mais uma dose
xima. de Ceftriaxona (IM) e completar es-
Se tiver LCR alterado: ampicilina + quema com Amoxicilina por 7 a 10
gentamicina ou cefotaxima + genta- dias. Entretanto, se a criança não
micina. estiver bem e ainda mantiver febre,
• Lactentes de 30 a 90 dias de vida: deverá ser internada, iniciado anti-
Se tiverem LCR normal: Ceftriaxona; biótico venoso e colher LCR;
Se tiverem LCR alterado: Ampicilina
e Ceftriaxona; Se houver crescimento de qualquer
• Entre 3 e 36 meses: outro germe: internação, coleta de no-
Após a realização de Ceftriaxona in- vas culturas e antibioticoterapia basea-
tramuscular (IM) 50 mg/Kg, 1 x/dia: da nas culturas.

REFERÊNCIAS
BRASILEIRO, M. C.; SILVA, G. A. P.; BELTRÃO, ESPOSITO, S. et al. Approach to Neonates and
M. M. N. (Orgs.). Manual de Condutas em Young Infants with Fever without a Source
Pediatria da UFPE. Recife: Departamento Who Are at Risk for Severe Bacterial Infection.
Materno-Infantil da UFPE, 2014, 2ª ed., p. Mediators of Inflammation,Nov. 2018.
151-157.
FERNANDES, T. F. Recomendações: Atuali­za­
COBURN, H. A. Fever without a source in chil- ção de Condutas em Pediatria. Febre não é
dren 3 to 36 months of age: Evaluation and doença, é um sinal. Departamentos Cien­tí­fi­
management. Up to date, 2020. cos SPSP, 2019.
Febre sem sinais localizatórios 493

MACHADO, B. M.; CARDOSO, D. M.; DE PAULIS, SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. Tra­


M.; ESCOBAR, A. M.; GILIO, A. E. Fever without tado da SBP, 5ª ed., vol. 1, seção 20, cap. 1, p.
source: evaluation of a guideline. J Pediatr 1512, 2022.
(Rio de J.), v. 85, n. 5, p. 426-432, 2009.
SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. Do­
MEKITARIAN, FILHO E.; DE CARVALHO, W. B. cumento científico. Manejo da Febre Agu­da,
Current management of occult bacteremia in 2021.
infants. J Pediatr (Rio de J.), v. 91, p. S61-6, 2015.
C APÍTULO 2

Covid-19 em pediatria

Alexsandra Ferreira da Costa Coelho

O QUE É? ca de importância internacional, clas-


Há cerca de 30 meses estamos travando sificando-a como uma pandemia. A
um duelo contra um inimigo desconhe- transmissão dessa doença ocorre, prin-
cido, perigoso, multifacetado, que de- cipalmente, através do contato com
vastou a saúde pública brasileira, causou gotículas respiratórias expelidas atra-
uma recessão econômica jamais vista vés da tosse, do espirro ou da fala de
na humanidade e desfez muitos sonhos. pessoas infectadas. Além disso, sabe-se
Esse grande vilão é um vírus de RNA, que esse vírus tem um alto poder de
que pertence à família Coronaviridae, os contágio, mesmo por meio dos doentes
quais podem cursar com uma sintoma- assintomáticos. O período de incubação
tologia variada em humanos e outros é estimado entre 1 e 14 dias, com media-
vertebrados, sendo principalmente cau- na de 5 a 6 dias.
sadores de alterações dos tratos respira- O impacto da pandemia na infância
tório e gastrointestinal. tem efeitos diretos e indiretos. Os efeitos
A Organização Mundial da Saúde diretos dizem respeito às manifestações
(OMS), em fevereiro de 2020, nomeou a clínicas da Covid-19. Em relação aos efei-
doença provocada pelo SARS-CoV-2 de tos indiretos podemos destacar alguns:
doença do coronavírus 2019 (Covid-19) e • Prejuízos no processo de ensino-
já em março de 2020 declarou a Covid-19 -aprendizagem, na socialização e no
como uma emergência em saúde públi- desenvolvimento, visto que creches,
COVID-19 em pediatria 495

colégios e escolas de idiomas tive- adultos, mas a doença é geralmente me-


ram que ser fechadas; nos intensa na faixa etária pediátrica e a
• O estresse, desencadeado principal- gravidade dos sintomas varia de acordo
mente pelo isolamento social, mo- com a idade da criança. A maioria se re-
dificações na rotina familiar e es- cupera dentro de uma a duas semanas
colar, afetou enormemente a saúde do início da doença. No entanto, casos
mental de crianças e adolescentes, graves e óbitos podem ocorrer. A coin-
gerando um claro aumento dos sin- fecção com outros vírus respiratórios é
tomas de distúrbios do sono, depres- uma realidade na pediatria e pode con-
são e ansiedade; tribuir para o agravamento do quadro
• Houve um evidente aumento da vio- clínico, em especial nos pacientes que
lência contra a criança, o adolescen- possuem fatores de risco e nos menores
te e a mulher, durante o período de de dois anos de idade.
isolamento social; Os sintomas mais comumente re-
• Quedas nas coberturas vacinais em latados em crianças com Covid-19 in-
todo o mundo, levando a efeitos de- cluem tosse, calafrio e febre. No Quadro
vastadores em conquistas de anos 1 podemos observar as principais mani-
de investimento e planejamento na festações em cada sistema. É importante
erradicação e diminuição de doen- destacar que algumas crianças podem
ças imunopreveníveis; apresentar a chamada síndrome infla-
• Aumento de crianças e adolescentes matória multissistêmica pediátrica tem-
com sobrepeso/obesidade decorren- poralmente associada à Covid-19 (SIM-P)
tes, principalmente, do sedentarismo e geralmente se manifestam com febre
e do excesso de exposição às telas. persistente, dor abdominal de forte in-
tensidade, vômitos, diarreia, lesões cuta-
Crianças de todas as idades podem neomucosas e, em casos graves, podem
obter Covid-19. Os pacientes com idade evoluir com hipotensão e choque (cri-
inferior a 12 anos, parecem ser afetados térios diagnósticos para SIM-P descritos
menos comumente do que os adultos. no Quadro 2). Na avaliação laboratorial,
Muito embora as crianças sejam testa- demonstram marcadores inflamatórios
das com menos frequência do que os elevados e exames indicativos de disfun-
adultos, na vigilância de vários países as ção cardíaca alterados.
crianças representaram até 14% dos ca- Parece evidente que a falta de espe-
sos confirmados em laboratório. cificidade de sinais ou sintomas e a pro-
Os sintomas clínicos das crianças porção significativa de infecções assinto-
com Covid-19 são semelhantes aos dos máticas tornam o rastreamento baseado
SEÇÃO 8 496

Quadro 1. Principais manifestações clínicas da Covid-19 por sistemas em pacientes pediátricos

Diarreia, vômitos e dor abdominal


Manifestações do trato Adenite mesentérica
gastrointestinal Hepatite
Pancreatite

Derrame pericárdico
Miocardite
Manifestações cardiovasculares
Alterações coronarianas
Arritmias

Meningoencefalite
Encefalopatia
Manifestações neurológicas Mielites
Síndrome de Guillain Barré
Neurites (anosmia e ageusia)

Acrosíndromes
Manifestações cutâneas Lesões exantemáticas, urticariformes, vesiculares, eczematosas,
purpúricas, papulares e petequeais

Anemia
Leucopenia
Manifestações hematológicas Linfopenia
Síndrome de ativação macrofágica
Fenômenos tromboembólicos

Fonte: Autora.

Quadro 2. Critérios diagnósticos para SIM-P

Febre ≥ 3 dias (medida ou referida) Todos os critérios abaixo

Pelo menos 2 dos seguintes:


Conjuntivite não purulenta ou lesão cutânea bilateral ou
sinais de inflamação muco-cutânea (boca, mãos ou pés)
Hipotensão arterial ou sinais de choque (rebaixamento
do sensório, oligúria, tempo de enchimento capilar > 3
segundos, taquicardia persistente)
Manifestação de disfunção miocárdica, pericardite, Marcadores sanguíneos de inflamação
valvulite ou anormalidades coronarianas – incluindo elevados (VHS, PCR, ferritina,
alterações encontradas no Ecocardiograma ou elevação procalcitonina, dentre outros)
de marcadores cardíacos sanguíneos como Troponina,
NT-proBNP
Coagulopatia evidenciada em exames (TAP, TTPa ou
D-dímero elevados)
Manifestação em trato gastrointestinal aguda (diarreia,
vômito e/ou dor abdominal)

Evidência de infecção por SARS-Cov-2


Afastadas quaisquer outras causas de origem infecciosa (por RTPCR positivo em secreções de
e inflamatória, como: SEPSE bacteriana, dengue grave, nasofaringe ou orofaringe, pesquisa de
síndromes de choque estafilocócico ou estreptocócico, antígeno em nasofaringe ou saliva ou
abdome agudo, dentre outras testes sorológicos positivos) ou história de
contato com caso de Covid-19

Fonte: Adaptado de WHO (2020).


COVID-19 em pediatria 497

em sintomas, para a identificação de COMO CONDUZIR?


SARS-CoV-2 em crianças extremamente
O diagnóstico de um paciente com si-
desafiador. A infecção pelo SARS-CoV-2
nais e sintomas sugestivos da Covid-19
pode variar de casos assintomáticos e
pode ser feito por investigação clínico-
manifestações clínicas leves, até qua-
-epidemiológica, anamnese e exame
dros moderados, graves e críticos, sendo
físico adequados. Deve-se considerar o
necessária atenção especial aos sinais
histórico de contato próximo ou domi-
e sintomas que indicam piora do qua-
ciliar nos 14 dias anteriores ao apareci-
dro clínico que exijam a hospitalização
mento dos sinais e sintomas com pes-
do paciente (classificação descrita no
soas já confirmadas.
Quadro 3). Segue abaixo a definição de
A condução do paciente com sus-
caso suspeito de Covid-19 em pediatria
peita de infecção pelo SARS-CoV-2 deve
variar de acordo com a classificação, a
Definição de caso suspeito de Covid-19
presença de fatores de risco, a evolução
Criança que apresente, sem nenhuma outra
causa específica aparente, um ou mais dos clínica e a disponibilidade de acesso ao
seguintes sinais ou sintomas: febre, fadiga, serviço de saúde, sendo individualiza-
dor de cabeça, mialgia, tosse, congestão na-
sal ou rinorreia, perda de sabor ou cheiro, dor da para cada situação. A indicação de
de garganta, falta de ar ou dificuldade para hospitalização deverá ser definida de
respirar, dor abdominal, diarreia, náusea ou
vômito, pouco apetite ou má alimentação, acordo com os critérios clínicos, labo-
num contexto epidemiológico de circulação ratoriais e radiológicos; as comorbida-
do SARS-CoV-2
des e o acesso do paciente ao sistema
Fonte: Ministério da Saúde (2021). de saúde.

Quadro 3. Classificação clínica da Covid-19

Assintomática Caracterizada por teste laboratorial positivo para Covid-19 e ausência de sintomas

Caracterizada a partir da presença de sintomas não específicos, como tosse, dor de


Leve garganta ou coriza, seguido ou não de anosmia, ageusia, diarreia, dor abdominal,
febre, calafrios, mialgia, fadiga e/ou cefaleia

Tosse persistente e febre persistente diárias, até sinais de piora progressiva de outro
Moderada sintoma relacionado à Covid-19 (adinamia, prostração, hiporexia, diarreia), além da
presença de pneumonia sem sinais ou sintomas de gravidade

Taquipneia (maior ou igual a 70 rpm para menores de 1 ano e maior ou igual a 50 rpm
para crianças maiores que 1 ano), hipoxemia, desconforto respiratório, alteração da
Grave
consciência, desidratação, dificuldade para se alimentar, lesão miocárdica, elevação
de enzimas hepáticas, disfunção da coagulação, rabdomiólise, cianose central ou SpO2

Sepse, síndrome do desconforto respiratório agudo, insuficiência respiratória grave,


Crítica pneumonia grave, necessidade de suporte respiratório e internações em unidades de
terapia intensiva

Fonte: Ministério da Saúde (2021).


SEÇÃO 8 498

Considerar internação • Sinais ou sintomas sugerindo coagu-


nos seguintes pacientes lopatia;
• Casos moderados, com um ou mais • Oligúria ou sinais de uremia;
sinais de alarme ou fator de risco; • Taquicardia ou arritmia ou sinais
• Casos graves e críticos; sugestivos de insuficiência cardíaca,
• Casos de vulnerabilidade social ou miocardite ou pericardite.
com dificuldade de acesso ao siste-
Diagnóstico laboratorial
ma de saúde.
inespecíficos
Os achados laboratoriais em crianças
São considerados fatores de risco
com Covid-19 incluem anormalidades
• Diabetes;
leves na contagem de leucócitos (con-
• Doenças pulmonares crônicas;
tagens de linfócitos aumentadas ou
• Imunodeficiência primária ou secun-
diminuídas), marcadores inflamatórios
dária
levemente elevados (incluindo procalci-
• Obesidade;
tonina) e enzimas hepáticas levemente
• Neoplasia maligna;
elevadas. Dentre os achados laborato-
• Doença hematológica (anemia falci-
riais, destaca-se a seguinte frequência
forme, coagulopatias, entre outras);
observada no Quadro 4, segundo uma
• Síndromes genéticas;
revisão de CUI et al., 2020, onde foram
• Patologia neurológica severa;
incluídos 2.597 pacientes pediátricos
• Erro inato do metabolismo;
nos quais avaliaram características de-
• Cardiopatia congênita.
mográficas, clínicas, laboratoriais e de
imagem de crianças com Covid-19.
Sinais de alarme O diagnóstico laboratorial específico
• Febre elevada por mais de 3 dias; pode ser realizado por testes de biologia
• Falta de ar ou dificuldade para res- molecular, sorologia ou testes rápidos:
pirar ou queda da saturação de oxi- • Biologia molecular: consiste no
gênio < 95% (bebês podem se apre- método de escolha na abordagem
sentar com gemidos, cianose ou diagnóstica específica inicial de in-
dificuldade para mamar); divíduos com sintomas agudos de
• Cianose ou tontura ou prostração Covid-19 ou no rastreamento de con-
intensa; tatos que tiveram contato próximo
• Dor abdominal intensa e persistente a um caso suspeito ou confirmado
ou vômitos persistentes; da infecção. Em pacientes sinto-
• Hipotensão; máticos o teste deve ser realizado
COVID-19 em pediatria 499

Quadro 4. Características laboratoriais da um paciente esteja infectado no


Covid-19 em crianças
momento e nem que este tenha
Exame laboratorial Percentual alterado proteção contra SARS-CoV-2. Estes
Leucócitos normais 74,7% testes detectam anticorpos IgM,
Leucocitose 8,8% IgA e/ou IgG produzidos pela res-
Leucopenia 21%
posta imunológica do indivíduo
em relação ao vírus SARS-CoV-2. As
Linfopenia 9,8%
principais metodologias são: En­saio
Procalcitonina elevada 40,8%
Imunoenzimático (Enzyme-Linked
PCR elevada 18,8%
Im­­munosorbent Assay – ELISA), Imu­
LDH elevado 20,1%
noensaio por Quimio­lumines­cên­­cia
ALT elevada 11,2%
(CLIA) e Imunoen­saio por Ele­tro­qui­
AST elevada 17,3% mio­luminescência (ECLIA);
D-dímero elevado 12,1% • Testes rápidos: estão disponíveis
Fonte: Adaptado de Cui et al. (2020). dois tipos de testes rápidos, de an-
tígeno e de anticorpo, por meio da
o mais precocemente possível, pre­ metodologia de imunocromatogra-
ferencialmente na primeira sema- fia. O teste rápido de antígeno detec-
na de sintomas. Permite identificar ta proteína do vírus em amostras co-
a presença do material genético letadas de naso/orofaringe, devendo
(RNA) do vírus SARS-CoV-2 em amos- ser realizado na infecção ativa (fase
tras de secreção respiratória, por aguda) e o teste rápido de anticor-
meio das metodologias de RT-PCR pos detecta IgM e IgG (fase convales-
em tempo real (RT-qPCR); cente), em amostras de sangue total,
• Sorologia: por conta da sua menor soro ou plasma. Os testes rápidos
sensibilidade nas primeiras sema- (IgM/IgG) têm relevante utilização
nas de doença, não é recomendado no mapeamento do status imuno-
para a confirmação diagnóstica de lógico de uma população, mas não
casos agudos, especialmente nas têm função de diagnóstico.
duas primeiras semanas de doença.
Os testes sorológicos podem forne- É importante destacar que os testes
cer evidências de infecção prévia diagnósticos não costumam ser indica-
com SARSCoV-2, mas não são úteis dos para o controle de cura, definição de
para o diagnóstico de infecção alta ou para retirada de isolamento.
aguda. Um resultado de teste de A avaliação complementar com
anticorpos positivo não prova que exames de imagem na suspeita e/ou
SEÇÃO 8 500

seguimento da Covid-19 deve ser indivi- As medidas de saúde pública con-


dualizada de acordo com a classificação tinuam sendo a base para conter o au-
clínica do paciente e/ou presença de fa- mento do número de casos e reduzir os
tores de risco (Figura 1). óbitos; sendo a lavagem das mãos, o uso
Atualmente, não há medicamentos de máscaras e o distanciamento social,
aprovados especificamente para o trata- o tripé essencial. Embora as vacinas pa-
mento de Covid-19 em crianças. Não há ra uso na faixa etária pediátrica sejam
indicação, fora do contexto de pesquisa seguras, não têm a mesma eficácia que
clínica, para o uso de antiparasitários, em adultos.
azitromicina, hidroxicloroquina, vitami-
nas e oligoelementos para o tratamento Vacinas
da Covid-19. O tratamento permanece O benefício individual da vacinação con-
amplamente de suporte e inclui preven- tra Covid-19 em crianças pode ser um
ção e gerenciamento das complicações. pouco menor do que em adultos, uma
Vale ressaltar que perante o diag- vez que tende a ser menos grave naque-
nóstico de síndrome gripal sem a con- la faixa etária. No entanto, o risco da
firmação do agente viral envolvido, a síndrome inflamatória multissistêmica
prescrição do Oseltamivir deverá seguir em crianças (MIS-C) após infecção agu-
as recomendações do protocolo para in- da, o potencial para outras sequelas da
fluenza do Ministério da Saúde. infecção por SARS-CoV-2 (Covid longo e

Figura 1. Indicação de avaliação com exames de imagem

Casos leves ou Não realizar exames de rotina


assintomáticos Radiografia de tórax nas crianças com fatores de risco

Radiografia de tórax na admissão hospitalar e durante


Casos o internamento,quando necessário, sempre guiado
moderados pela clínica do paciente
a graves
Tomografia de tórax apenas em casos selecionados

Não realizar exames de imagem de rotina


Seguimento Fica reservado a pacientes com sintomas prolongados,
pós-recuperação piora clínica ou avaliação de sequela pulmonar, nos
casos graves e críticos

Fonte: Adaptado de Desoky et al. (2020), Munain et al. (2021) e Rubin et al. (2020).
COVID-19 em pediatria 501

efeitos indiretos na saúde mental e na ao processo de conservação e armazena-


educação), o risco de doença grave em mento, preparo, dose a ser utilizada, faixa
crianças com condições médicas subja- etária e intervalo de tempo entre a apli-
centes e o desejo de prevenir a Covid-19 cação das doses, o que pode ser um fator
de qualquer gravidade em crianças con- de confundimento dos profissionais e as-
tinuam sendo razões convincentes para sim, aumentar riscos de eventos adversos
a vacinação nessa faixa etária. Estudos no processo de vacinação.
observacionais também indicam redu- Uma vez administrada a primeira
ções na hospitalização, na admissão na dose com qualquer vacina de apresenta-
unidade de terapia intensiva e na morte ção pediátrica na criança de 5 a 11 anos,
em adolescentes vacinados em compa- seu esquema vacinal deve ser completa-
ração com adolescentes não vacinados. do com a segunda dose da mesma vaci-
As duas vacinas aprovadas pela na de apresentação pediátrica, mesmo
Anvisa para uso em crianças possuem di- que durante o intervalo entre as doses a
ferenças significativas no que diz respeito criança complete 12 anos.

Quadro 5. Esquema de imunização para crianças de 5 a 11 anos

População Comirnaty® (Pfizer-BioNTech) CoronaVac® (Butantan/Sinofarm)

Dose: 0,3 ml (30 mcg de mRNA) Aprovada para 6 a 12 anos


ADOLESCENTES Tampa/rótulo cinza (requer diluição) Dose: 0,5 ml (3 mcg = 600 SU do antígeno
(12 a 17 anos) ou roxo (já diluído) de SARS-CoV-2 inativado)
Intervalo: 60 a 90 dias Intervalo: 28 dias

Dose: 0,2 ml (=10 mcg de mRNA)


PEDIÁTRICA
Tampa/rótulo laranja (requer diluição)
(5 a 11 anos)
Intervalo: 60 dias

Fonte: Autora.

REFERÊNCIAS
AAP, American Academy of Pediatrics. em: https://services.aap.org/en/pages/2019-no
Covid-19 Testing Guidance. Disponível em: vel-coronavirus-covid-19-infections/clinical-
https://services.aap.org/en/pages/2019-novel- -guidance/multisysteminflammatory-syn-
-coronavirus-covid-19-infections/clinical-gui- drome-in-children-mis-c-interim-guidance/.
dance/covid-19-testing-guidance/. Acesso em: Aces­­so em: 08 jun. 2021.
08 jun. 2021.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vi­
AAP, American Academy of Pediatrics. Mul­ gilância em Saúde. Departamento de Aná­lise
tisystem Inflammatory Syndrome in Children em Saúde e Doenças não Trans­missíveis. Guia
(MIS-C) Interim Guidance. 2021b. Disponível de vigilância epidemiológica Emergência de
SEÇÃO 8 502

saúde pública de Importância nacional pela FRENCK, R.W. et al. Safety, Immunogenicity,
Doença pelo coronavírus 2019 – covid-19/Mi­ and Efficacy of the BNT162b2 Covid-19 Vac­
nis­tério da Saúde, Secretaria de Vigilância em cine in Adolescents. N Engl J Med, v. 385, p.
Saúde. – Brasília: Ministério da Saúde, 2021. 239-50, 2021.

CDC, Centers for Disease Control and Pre­ HCFMUSP, Hospital das Clínicas USP. Guia
vention. Information for Pediatric Healthcare de Manejo Covid-19 na Pediatria. INSTITUTO
Providers. Acesso em: 08 jun. 2021. DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE – ICR. São
CDC. Centers For Disease Control And Pre­ Paulo. v. 3, 2021.
vention. Overview of Testing for SARS-CoV-2
MUNAIN, A. I. L. et al. Chest radiograph in
(Covid-19). Acesso em: 08 jun. 2021.
hospitalized children with Covid-19. A re-
CUI, X. et al. Crianças com doença coronavírus view of findings and indications. European
2019: uma revisão das características demo- Journal of Radiology Open, v. 8, 2021.
gráficas, clínicas, laboratoriais e de imagem
em pacientes pediátricos. Journal of medical RUBIN, G. D. et al. The Role of Chest Imaging
virology, v. 92, n. 9, p. 1501-1510, 2020. in Patient Management During the Covid-19
Pandemic: A Multinational Consensus. State­
DESOKY, S. M. et al. Re: “International Expert
ment From the Fleischner Society. Chest, v.
Consensus Statement on Chest Imaging in
158, n. 1, p. 106–116, 2020.
Pediatric Covid-19 Patient Management:
Imaging Findings, Imaging Study Reporting TORGOVNICK, J. Effectiveness of Covid-19
and Imaging Study Recommendations”. Ra­ Vaccines against the B.1.617.2 (Delta) Variant.
diology: Cardiothoracic Imaging, v. 2, n. 3, p. N Engl J Med, v. 385, p. e92, 2021.
e200305, 2020.
C AAPÍTULO
PÍTULO x3

Mononucleose infecciosa

Adriana Azoubel-Antunes

O QUE É? subjacentes, principalmente no fíga-


A Mononucleose Infecciosa (MI) é uma do, nos pulmões, no baço e na medula
síndrome clínica caracterizada pela tría- óssea, onde infectam os linfócitos B. A
de: febre, linfadenopatia cervical e fa- infecção latente ocorre em, aproxima-
ringite, acompanhada por linfocitose. O damente, 10% ou mais dos linfócitos e,
vírus Epstein-Barr (EBV) é o responsável periodicamente, podem ser reativados.
por, aproximadamente, 90% dos casos,
sendo o restante devido, principalmen- COMO DIAGNOSTICAR?
te, ao citomegalovírus, ao vírus herpes A mononucleose infecciosa deve ser sus-
humano tipo 6, à toxoplasmose, ao HIV peitada em qualquer pessoa que se apre-
e ao adenovírus. sente com febre, faringite (e/ou amig-
O vírus Epstein-Barr é um herpes dalite com exsudato) e linfadenopatia
vírus onipresente, com mais de 90% cervical (a tríade clássica). Os sintomas
da população mundial infectada até a aparecem após um período de incuba-
idade adulta. O vírus é um dos nossos ção de 4 a 6 semanas. A febre geralmente
“parasitas” mais eficazes e permanece é alta (39/40º C) e a adenomegalia pode
como uma infecção latente ao longo da ser localizada nas cadeias cervicais pos-
vida, integrando-se ao ciclo de linfócitos teriores ou generalizadas. A linfadenopa-
B saudáveis. Sua transmissão ocorre por tia pode ser proeminente em ambos os
meio da saliva, mas pode ocorrer por triângulos, anterior e posterior do pes-
transfusão sanguínea ou transplante de coço, o que distingue a mononucleose
órgãos. Inicialmente, infecta as células infecciosa da amigdalite bacteriana (em
epiteliais da naso e da orofaringe, on- que a linfadenopatia é geralmente limi-
de se replicam, penetram nos tecidos tada à cadeia cervical anterior superior).
SEÇÃO 8 504

Outros sinais físicos comuns in- do SNC como síndrome de Guillain-


cluem petéquias no palato (25-50%), es- Barré, mielite transversa, encefalite com
plenomegalia (8%), hepatomegalia (7%) disfunção cerebelar; anemia hemolítica
e icterícia (6-8%), com um comprometi- com trombocitopenia, uveíte posterior;
mento transitório do fígado – testes de complicações cardiovasculares, como
função – em particular o aumento das cardite, pericardite; insuficiência renal,
transaminases, retornando ao normal síndrome de Duncan (síndrome linfo­
após 20 dias, condição observada em pro­liferativa ligada ao X).
80-90% dos pacientes. Os imunossuprimidos costumam
Outros sintomas inespecíficos podem evoluir com quadros graves, principal-
estar presentes, fazendo parte do quadro mente nos pacientes transplantados e
clínico, como: astenia, mialgias, exante- nos infectados pelo HIV, nos quais po-
ma (5%), edema periorbitário (Sinal de dem ocorrer os distúrbios linfoprolifera-
Hoagland), dor abdominal e diarreia. tivos, como a síndrome hemofagocítica,
Para o diagnóstico definitivo, os linfoma de Burkitt, distúrbios linfoproli-
critérios de Hoagland afirmam que em ferativos pós-transplante, carcinoma de
pacientes que apresentem clinicamente nasofaringe e linfomas indiferenciados
suspeita de mononucleose infecciosa e, de células T e B.
ao menos, 50% de linfocitose (10% atípica),
o diagnóstico deve ser confirmado pelo COMO DIAGNOSTICAR
LABORATORIALMENTE?
teste de anticorpo heterófilo (monospot).
Embora não haja terapia antiviral Hemograma
específica para tratar a MI, o teste con- Contagem de leucócitos normais ou au-
firmatório é útil para informar os pa- mentados, atingindo um nível de 10.000
cientes com MI de certos riscos, como a 20.000 células/mm³. A leucocitose
ruptura esplênica e obstrução das vias com predomínio de linfócitos (acima
aéreas, bem como porque a fadiga pode de 4.500 céls/ml ou 50%) e a presença de
levar algum tempo para remeter. linfócitos atípicos representando, pelo
menos, 10% dos linfócitos totais, desta-
QUAIS SÃO AS COMPLICAÇÕES?
cando-se como achado típico, não é pa-
Apesar da evolução geralmente ser tognomônico e sim, sugestivo da doen-
benigna podem surgir complicações ça. Pode haver plaquetopenia associada.
graves e potencialmente fatais, como
insuficiência hepática, ruptura esplêni- Bioquímica
ca, obstrução das vias aéreas superiores, TGO e TGP aumentadas (2 a 3 vezes aci-
síndrome hemofagocítica, complicações ma do valor normal), DHL e fosfatase
Mononucleose infecciosa 505

alcalina também aumentam, geralmen- O teste de anticorpos específicos pa-


te, na segunda semana da doença e ra EBV é necessário em pacientes
voltam à normalidade num período de com suspeita de MI, que tenham um
duas a seis semanas. teste heterófilo negativo;
• PCR: o uso de técnicas de biologia
Sorologia molecular – como a reação em cadeia
Inespecífica de polimerase (PCR) no soro – tem
Pesquisa de Anticorpos Heterófilos (Re­a­­ sido avaliada para o diagnóstico e o
ção de Paul-Bunnel-Davidsohn ou mo­no­ prognóstico das condições mórbidas
teste), que geralmente positiva a partir relacionadas ao EBV ou dos casos atí-
da segunda semana de doença. Os an- picos da doença; se for positivo suge-
ticorpos heterófilos têm uma sensibili- re doença ativa.
dade de 50% para as crianças e 85% para
os adultos e uma especificidade de 95% QUAIS SÃO OS DIAGNÓSTICOS
para o diagnóstico de MI por EBV. Testes DIFERENCIAIS?
adicionais para anticorpos específicos • Citomegalovírus (CMV): tem um qua-
para EBV não são necessários para pa- dro clínico semelhante à MI (síndro-
cientes com um anticorpo heterófilo me da mononucleose-like), mas com
reativo e um quadro clínico sugestivo menor frequência de faringite, es-
de MI. Podem ser falso negativos se plenomegalia e linfadenopatia. Dia-
colhidos antes da segunda semana da ­­gnós­tico etiológico: PCR para CMV
doença e/ou em crianças menores de ou IgM anti-CMV;
quatro anos. • Toxoplasmose: quadros clínico e la-
boratorial semelhantes (presença de
Específica atipias linfocitárias), contaminação
• Sorologia para EBV (IgM e IgG) contra fecal-oral e de transmissão vertical,
a cápside (VCA), ou contra os antíge- diagnóstico sorológico específico
nos nucleares (EBNA). O aparecimen- (IgM e IgG);
to dos anticorpos contra o capsídeo • HIV: primoinfecção pelo HIV – trans­
viral IgG coincide com o surgimento missão sexual, parenteral (sangue e
dos sintomas e permanece positivo derivados), vertical, ou pelo leite
ao longo da vida, enquanto o IgM materno contaminado. A síndrome
nem sempre é positivo na infecção de soroconversão causada pelo ví-
primária, mas se for positivo sugere rus apresenta febre com linfadeno-
doença aguda. As técnicas utilizadas megalia generalizada (em até 70%
são por ELISA ou imunofluorescência. dos indivíduos) acompanhada por
SEÇÃO 8 506

cefaleia, meningismo, mialgias, su- apertadas na cintura abdominal nas pri-


dorese, diarreia, faringite sem ex- meiras 3 semanas (risco de rotura esplê-
sudato e rash cutâneo. Diagnóstico nica); boa hidratação; corticoides orais
sorológico: Anti-HIV (1 e 2), se for só se houver complicações importantes
inconclusivo, repetir após 30-45 dias como trombocitopenia grave, hipertro-
(janela imunológica); fia amigdaliana com risco de obstrução
• Amigdalites bacterianas pelo Strep­ das vias aéreas superiores, anemia he-
tococcus pyogenes (infecção conco- molítica autoimune, cardite e pneumo-
mitante em até 30% dos casos) ou nite, pois seu uso pode predispor a infec-
angina diftérica, que estão associa- ções secundárias. Não há droga antiviral
das a quadro de toxemia; específica e o uso do aciclovir não apre-
• Infecções por outros agentes, como senta eficácia comprovada, pois não al-
o Trypa­nosoma cruzi, o adenovírus, tera a evolução clínica da doença. Não
o vírus da rubéola e o herpes vírus fazer uso das penicilinas, em pacientes
humano tipo 6 – agente do exante- com suspeita diagnóstica de MI, pois na
ma súbito, além da hepatite B e da maioria dos pacientes que fazem uso de
dengue. penicilinas (90% a 100%) surge um exan-
tema macular, que não configura rea-
COMO CONDUZIR? ções adversas futuras. Não há vacinas
A mononucleose infecciosa é uma doen- disponíveis até o momento.
ça viral, na maioria dos casos, e como
tal, deve ser tratada com repouso, hidra- QUAL É O PROGNÓSTICO?
tação, analgesia e antipiréticos. O tra- A resolução clínica ocorre em um ou
tamento inadvertido com amoxicilina dois meses, até no máximo 120 dias. É
resulta em um rash cutâneo maculopa- uma doença muito prevalente, levan-
pular em 90% dos pacientes. do à cronicidade, à latência e às recor-
Não há tratamento específico e me- rências. O número de óbitos é cerca de
didas gerais devem ser adotadas, como: 1/3.000 doentes, sendo mais frequente
Analgésicos e/ou antipiréticos, evitando nos grupos de risco, nos portadores de
o AAS (risco de síndrome de Reye); re- imunodeficiências primárias e secundá-
pouso relativo, evitar esportes e roupas rias e nos transplantados.

REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério da Saúde. Doenças In­ FARHAT, C. K.; CARVALHO, L. H. F.; SUCCI, R. C.
fecciosas e Parasitárias. Guia de Bolso. 8ª ed., M. Infectologia Pediátrica. 3ª ed.; p. 675-693,
2010. 2008.
Mononucleose infecciosa 507

GESMAR, R. Manifestações atípicas do vírus VASILEIOS, B. et al. Manifestações Atípicas do


Epstein-Barr: alerta vermelho para as imuno- vírus Epstein-Barr em crianças: um desafio
deficiências. Revista Jornal de Pediatria, v. 2, diagnóstico. J Pediatr (Rio de J.), p. 113-21,
n. 92, p. 539-541, 2016. 2016.

LENNON, P. et al. Infectious mononucleosis. VIEIRA, M. I.; SILVA, S. D. A face oculta da


BMJ, p. 1825, 2015 mononucleose: relato de dois casos atípi-
MOREIRA, E. et al. Infecção pelo vírus Ep­ cos. Revista Residência Pediátrica, v. 9, n. 3,
stein-Barr e hepatite. Nascer e Crescer, v. 20, 2019.
n. 2, 2011.
WOMACK, J.; JIMENEZ, M. Common Questions
SALGADO, C., et al. Mononucleose infecciosa About Infectious Mononucleosis. Am Fam
e colestase. Acta Med. Port, p. 886-888, 2017. Physician, p. 372-376, 2015.
C APÍTULO 4

Exantema súbito

Ana Catarina Accioly Gomes

O QUE É? cutânea maculopapular difusa, pouco


Doença infecciosa febril, de evolução pruriginosa em sua maioria.
benigna, autolimitada, causada por
uma infecção primária pelo herpesvírus COMO CONDUZIR?
humano 6 (HHV-6) e, menos frequen- O diagnóstico do exantema súbito, tam-
temente, pelo herpesvírus humano 7 bém conhecida como roséola infantil, é
(HHV-7). Ocorre tipicamente na infância eminentemente clínico, sendo a inves-
e afeta, em especial, crianças de seis me- tigação laboratorial raramente neces-
ses a três anos de idade, sendo rara nos sária, ficando reservada para pacientes
primeiros meses de vida, provavelmente com apresentação clínica atípica (por
pela proteção dos anticorpos maternos. exemplo, febre e erupção cutânea si-
Não há predileção por gênero masculino multâneas) ou como parte da avaliação
ou feminino. A transmissão pode aconte- da febre sem outros sinais e/ou sintomas.
cer via secreções orais (transmissão hori- Como achados laboratoriais inespe-
zontal: sentido mãe-filho) ou vertical. O cíficos destacam-se a presença de leuco-
período de incubação varia de 7 a 17 dias, citose no início do quadro febril e após
com média de 10 dias. Caracteriza-se cli- o terceiro ou o quarto dias de doença;
nicamente por 3 a 5 dias de febre alta, de leucopenia com linfocitose, relativa
que remite de forma abrupta, seguida ou absoluta, e em alguns casos com ati-
pelo desenvolvimento de uma erupção pia linfocitária. As crianças com roséola
Exantema súbito 509

podem apresentar trombocitopenia, rotina diagnóstica de técnicas que se


provavelmente causada pela supressão baseiam na captura de anticorpos IgM
da medula óssea, e não pelo consumo e IgG para o HHV-6 (ensaio imunoenzi-
periférico imunomediado. Nos pacien- mático – ELISA), que permitem demons-
tes em que há envolvimento neurológi- trar infecções recentes em uma única
co, as análises bioquímica e citológica amostra de sangue, a partir do sétimo
do líquido cefalorraquidiano (LCR) reve- dia de doença.
lam-se normais, achado importante pa- O diagnóstico diferencial da erup-
ra o diagnóstico diferencial com outras ção da roséola inclui vários outros
infecções do sistema nervoso central. exantemas infecciosos, como rubéola,
Os estudos virológicos podem ser sarampo, eritema infeccioso, entero-
necessários em pacientes imunocom- viroses, escarlatina e alergia a medica-
prometidos e naqueles com apresenta- mentos. As complicações, embora raras,
ção ou complicações atípicas. O diag- podem incluir convulsões febris, me-
nóstico confirmatório de infecção ativa ningite asséptica, encefalite e púrpura
se obtém pelo isolamento viral, a partir trombocitopênica. Salienta-se que não
do cultivo de linfócitos de sangue peri- há tratamento específico. Medidas de
férico ou de LCR, e mais recentemente suporte são suficientes para a condução
pela detecção de DNA viral através da da maioria dos casos: repouso, inges-
reação em cadeia de polimerase (PCR), tão adequada de líquidos e controle da
ambos restritos a laboratórios de pes- temperatura corporal, quando for neces-
quisa. Na prática diária prevalecem os sário. Como a erupção, em sua maioria,
testes sorológicos, com destaque para não é pruriginosa, o tratamento com
os que detectam anticorpos da classe anti-histamínico torna-se desnecessário.
IgG, imunofluorescência indireta (IF) e Atualmente, não há vacinação ou tera-
imunofluorescência anticomplemento pia antiviral para a fase aguda da infec-
(ACIF), ambos de grande importância ção viral. A lavagem adequada das mãos
nos estudos de prevalência. A tendên- sempre será um importante meio para
cia atual, no entanto, é a utilização na a prevenção da propagação da doença.

REFERÊNCIAS
CHERRY, J. D. Roseola infantum (exantema KIMBERLIN, D. W.; BRADY, M. T.; JACKSON,
subitum). In: CHERRY, J. D.; HARRISON, G.; M. A. Human herpesvirus 6. In: Red Book:
KAPLAN, S. L., et al. Feiginand Cherry’s Text­ 2018. Report of the Committee on Infectious
book of Pediatric Infectious Diseases, 8th ed., Diseases, 31st ed. American Academy of Pe­
Elsevier, Philadelphia, 2018. diatrics, Itasca, 2018.
SEÇÃO 8 510

MULLINS, T. B.; KRISHNAMURTHY, K. Roseola de Pediatria. Barueri, São Paulo. 4ª ed. Ma­
Infantum. StatPearls. Treasure Island (FL): nole, 2017.
StatPearls Publishing, 2020.
TANAKA, K.; KONDO, T.; TORIGOE, S. et al.
RODRIGUES, C. Herpes vírus 6 e 7. In: SO­ Herpesvírus humano 7: outro agente causal
CIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. Tratado da roséola. J Pediatr, 1994.
C APÍTULO
A PÍTULO 5x

Rubéola

Ana Catarina Accioly Gomes


Alexsandra Ferreira da Costa Coelho

O QUE É? sintomas sistêmicos mínimos.  Febre


A rubéola, doença infectocontagio- baixa e linfadenopatia podem ocorrer
sa causada pelo togavírus, do gênero simultaneamente ou de 1 a 5 dias antes
Rubivirus, pode ser tipicamente caracte- do aparecimento do exantema. A linfa-
rizada por erupção cutânea, febre e lin- denopatia envolve caracteristicamente
fadenopatia. É adquirida através da ina- os linfonodos cervicais posteriores, au-
lação de aerossóis de grandes partículas riculares posteriores e suboccipitais. O
de secreções infecciosas, acometendo, exantema consiste em maculopápulas
inicialmente, as células nasofaríngeas róseas. Aparece primeiro na face, pro-
e, subsequente, viremia e disseminação gredindo caudalmente ao tronco e às
para outros órgãos. O período de incu- extremidades e se generaliza em 24
bação é geralmente de 14 a 18 dias, com horas. Geralmente é evidente por cerca
uma variação de 12 a 23 dias; já o de de 3 dias, mas pode durar apenas de 1
contágio ocorre poucos dias antes, até 5 a 2 dias ou, ocasionalmente, até 8 dias.
a 7 dias depois da erupção. Conjuntivite não exsudativa leve e um
As manifestações clínicas da rubéola enantema no palato mole (manchas de
adquirida pós-natal são geralmente le- Forchheimer) também podem ser obser-
ves e muitos casos são subclínicos ou as- vados e, ocasionalmente, pode ocorrer
sintomáticos. Os sintomas mais frequen- tireoidite aguda.
tes em crianças incluem início agudo A infecção primária em adolescen-
de uma erupção maculopapular com tes e adultos tende a ser mais dura-
SEÇÃO 8 512

doura do que em crianças pequenas. Os técnicas: inibição da hemaglutinação,


pacientes são geralmente sintomáticos que apesar do baixo custo e simples exe-
e os sintomas são mais frequentemente cução, seu uso vem sendo substituído
acompanhados por um pródromo de por outras técnicas mais sensíveis, como
febre e queixas sistêmicas. O exantema aglutinação do látex, imunofluorescên-
em adultos é semelhante ao de crianças, cia, hemaglutinação passiva e ensaio
conforme descrito acima. Artralgias e imunoenzimático (ELISA).
artrite ocorrem em até 70% dos adoles- O isolamento viral pode ser usado
centes e das mulheres adultas. Portanto, para confirmar a infecção aguda por ru-
esses achados não são considerados béola, no entanto, raramente é utilizado
complicações, mas sim parte da defini- ou está disponível devido à sua dificul-
ção de caso nesses grupos. Entre crian- dade, à sua técnica e ao seu custo. Pode
ças e adultos do sexo masculino, as ma- ser realizado a partir de secreções nasais,
nifestações articulares são incomuns. sangue, urina e líquor com inoculação
Artrite e artralgias geralmente ocorrem em cultura celular. Durante a gravidez,
simultaneamente com a erupção cutâ- a infecção congênita pode ser confirma-
nea e podem persistir por um mês ou da pelo isolamento viral do sangue do
mais. Os joelhos, pulsos e dedos são os cordão umbilical ou da placenta, bem
mais frequentemente envolvidos. como, das secreções nasofaríngeas e da
As complicações na criança são ra- urina do recém-nascido. 
ras, citando-se a púrpura trombocitopê- O tratamento consiste em cuidados
nica e a encefalite. de suporte. Nenhuma terapia específica
para infecção por rubéola está disponí-
COMO CONDUZIR? vel. Vale ressaltar que, muitas doenças
O diagnóstico da rubéola é clínico-epide- podem se manifestar de forma seme-
miológico, podendo lançar mão de uma lhante à rubéola. As mais importantes
confirmação laboratorial, realizada por são: sarampo, exantema súbito (Roseola
meio da sorologia para detecção de anti- infantum), dengue, enteroviroses, eri-
corpos IgM específicos para rubéola, des- tema infeccioso (parvovírus B19) e
de o início até o 28º dia após o exantema. rickettsioses.
A sua presença indica infecção recente. A O objetivo da vacinação contra a ru-
detecção de anticorpos IgG ocorre, geral- béola é prevenir a infecção congênita
mente, após o desaparecimento do exan- da rubéola. Recomenda-se, pelo menos,
tema, alcançando pico máximo entre 10 uma dose de vacina viva atenuada, con-
e 20 dias, permanecendo detectáveis por tendo rubéola, para todos os indivíduos
toda a vida. São utilizadas as seguintes com 12 meses de idade ou mais. 
Rubéola 513

REFERÊNCIAS
BENNETT, A. J.; PASKEY, A. C.; EBINGER, A. et Grossman L. (Ed.), Demos Medical Publishing,
al. Relatives of rubella virus in diverse mam- New York, 2012.
mals. Nature. E2, 2020.
KIMBERLIN, D. W.; BRADY, M. T.; JACKSON,
CHERRY, J.; BAKER, A. Rubella virus. In: Feigin
M. A. Rubella. In: Red Book: 2018. Report of
and Cherry’s Textbook of Pediatric Infectious
the Committee on Infectious Diseases, 31st
Dis­eases, 8th ed., CHERRY, J. D.; HARRISON,
ed. American Academy of Pediatrics, Itasca,
G. J.; KA­PLAN, S. L. (Eds.), Elsevier, Philadel­­-
2018.
phia, 2019.

HAYDEN, G.; Rubella. In: Infection Control in LAMBERT, N.; STREBEL, P.; ORENSTEIN, W. et
the Child Care Center and Preschool, 8 ed., th
al. Rubella. Lancet, p. 385, 2015.
C APÍTULO 6

Sarampo

Paula F. C. de Mascena Diniz Maia

O QUE É? ainda permanecia como um problema


O sarampo é uma doença febril aguda, de saúde pública na Europa e na Ásia
potencialmente grave, altamente con- e, em 2019, a Organização Mundial de
tagiosa, que acomete, principalmente, Saúde (OMS) registrou 413.308 casos
crianças na faixa etária de lactente e confirmados de sarampo no mundo. Os
pré-escolar. É causada por um vírus de Estados Unidos registraram 555 casos de
RNA do gênero Mobillivirus, da família sarampo entre janeiro e abril de 2019 e,
paramyxoviridae. É transmitida por go- no Brasil, foram confirmados 4.476 neste
tículas respiratórias e aerossóis, poden- mesmo ano.
do permanecer no ar por até 2 horas. Entre 2016 e 2018, o Brasil não ha-
Indivíduos expostos não imunes tem até via registrado nenhum caso de sarampo,
90% de chance de contrair o vírus e uma quando em 2018, pessoas infectadas mi-
pessoa infectada pode transmitir para 9 graram da Venezuela, deflagrando sur-
a 18 pessoas suscetíveis. tos em Roraima e no Amazonas, onde a
cobertura vacinal estava abaixo dos 95%.
QUAL É A IMPORTÂNCIA DO TEMA? Outros estados também foram atingidos
No ano de 2000, os Estados Unidos de- e Pernambuco confirmou 127 casos de
cretaram a eliminação do sarampo e a sarampo, entre dezembro de 2018 e no-
ausência de transmissão por mais de 12 vembro de 2019, com maior taxa de in-
meses. Em 2016, as Américas também cidência em crianças de 6 meses a 1 ano.
declararam o controle da doença e a Até maio de 2020, a OMS apontou
sua eliminação. Entretanto, o sarampo 3.407 casos confirmados de sarampo em
Sarampo 515

9 países na região das Américas, sendo atinge todo corpo em 3 dias, quando
3.155 casos no Brasil, incluindo 4 óbitos. ocorre também a piora da prostra-
O Boletim Epidemiológico de 2021, do ção. A febre desaparece de 3 a 4 dias
Ministério da Saúde do Brasil, confir- após o aparecimento do exantema,
mou 8.448 casos no ano de 2020. caso não haja infecção bacteriana
secundária;
QUANDO SUSPEITAR? • Período toxêmico: caracterizado pe-
O quadro clínico se caracteriza por fe- la viremia ou pela infecção bacteria-
bre alta (≥ 38 C); exantema maculopa-
o
na. São frequentes as complicações,
pular morbiliforme generalizado, com principalmente nos menores de 2
distribuição cefalocaudal (não poupa anos, desnutridos e adultos jovens;
região palmo-plantar); tosse; coriza, • Período de remissão: ocorre o desa-
conjuntivite não purulenta e manchas parecimento do exantema (que tem
de Koplik (pontos brancos presentes na duração de 5 a 6 dias) com descolo-
mucosa oral, na região oposta aos mo- ração transitória da pele e descama-
lares, que antecedem o aparecimento ção furfurácea.
do exantema – sinal patognomônico).
O período de incubação varia entre 7 a QUAIS SÃO AS COMPLICAÇÕES
21 dias, com o exantema surgindo, na CAUSADAS PELO SARAMPO?
maioria das vezes, após 14 dias de ex- Febre por mais de 3 dias pode significar
posição ao vírus, e o contágio, 6 dias um sinal de alerta para a presença de
antes das lesões cutâneas e 4 dias após complicações. As mais frequentes são:
o desaparecimento. As manifestações otite média aguda, infecções respirató-
clínicas do sarampo podem ser dividi- rias e diarreia.
das em 3 fases: A encefalite pode acontecer em 1 a
• Período de infecção: apresenta du- cada 1.000 pacientes infectados, e pode
ração de 7 dias. Inicia-se com o pe- causar leões cerebrais graves e definitivas.
ríodo prodrômico, com duração de, Chama a atenção a possibilidade de
aproximadamente, 3 dias, caracte- panencefalite esclerosante subaguda, ca-
rizado por febre, tosse, coriza, con- racterizada por comprometimento inte-
juntivite e fotofobia. As manchas de lectual, cognitivo, comportamental e cri-
Koplik surgem no final do período ses convulsivas. É rara e pode ocorrer até
prodrômico e desaparecem em tor- 7 a 10 anos, após a infecção pelo sarampo.
no de 24 horas após o início do sur- Imunocomprometidos podem cur-
gimento do exantema. O exantema sar com doença mais prolongada e mais
tem início na região retroauricular e grave.
SEÇÃO 8 516

COMO REALIZAR O DIAGNÓSTICO? do RNA viral a partir de amostras de


O diagnóstico se baseia nas manifesta- sangue, urina e secreção de oro/na-
ções clínicas e na confirmação laborato- sofaringe. A coleta deverá ser reali-
rial, através de: zada até o 7o dia após o aparecimen-
• Sorologia: to do exantema, preferencialmente
- Anticorpos IgM: detectados na fa­ nos 3 primeiros dias;
se aguda, até 4 semanas após o • A análise molecular é utilizada para
apa­­re­cimento do exantema; definir o genoma do vírus. É a úni-
- Anticorpos IgG: aumento expressi- ca forma de diferenciar a infecção
vo dos títulos de IgG, em amostras causada pelo vírus selvagem do
colhidas na fase aguda e na fase sarampo de uma erupção causada
de remissão (com, ao menos, 10 por uma vacinação recente contra o
dias de intervalo); sarampo.
- As amostras consideradas oportu­
nas são as coletadas entre o 1o e o 30o Todos os casos suspeitos devem ser
dia do aparecimento do exantema; submetidos ao exame sorológico, prefe-
- Se na primeira sorologia realizada, rencialmente, no primeiro atendimento.
o IgM for reagente ou inconclusi-
vo, deverá ser realizada a segunda QUAL É O DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL?
coleta após 15 a 25 dias da primei- O diagnóstico diferencial deverá ser rea-
ra, em todos os casos. Se na segun- lizado com as doenças exantemáticas
da coleta o IgM for não reagente, febris agudas: Covid-19, rubéola, exan-
encerra-se a investigação. Se o IgM tema súbito, dengue, eritema infeccioso,
for reagente ou indeterminado em chikungunya, zika vírus, considerando-
segunda amostra, confirma-se o -se a epidemiologia do local.
diagnóstico;
- Se na primeira sorologia o IgM for COMO TRATAR?
não reagente com menos de 5 dias Não há tratamento específico para o
após o início do exantema, colher sarampo. O paciente deverá ser isolado
segunda amostra após 15 a 25 dias em um quarto com ventilação apropria-
da primeira. Observar se o IgM ou da e deve ser realizada a vitamina A, em
IgG foi reagente ou se houve au- duas doses, em todos os casos, imediata-
mento dos títulos de IgG em amos- mente após o momento da suspeita e no
tras pareadas; dia seguinte:
• Reação em cadeia de polimerase em • 50.000 UI, via oral, para menores de
tempo real (RT – PCR) para detecção 6 meses de idade;
Sarampo 517

• 100.000 UI, via oral, para lactentes COMO PREVENIR?


de 6 a 11 meses de idade; A melhor maneira de prevenir o saram-
• 200.000 UI, via oral, para crianças de po é através da vacinação. O Ministério
12 meses de idade ou mais. da Saúde preconiza como meta de
vacinação no mínimo 95%, de forma
A terapêutica deverá incluir tam- homogênea, em todos os municípios.
bém a oferta abundante de líquidos, Recomenda-se uma dose da tríplice vi-
hidratação venosa, se for necessário, an- ral aos 12 meses e uma dose da vacina
titérmico, soro fisiológico para limpeza tetraviral aos 15 meses de idade.
dos olhos e antibiótico, se tiver presença Recomenda-se uma dose precoce da
de infecção bacteriana secundária. vacina tríplice viral às crianças entre 6
Bloqueio vacinal: deverá ser realiza- e 12 meses com viagens para áreas de
do até 72 horas após contato com casos surtos. Essa dose não deverá ser consi-
suspeitos ou confirmados a partir dos derada válida para o calendário vacinal,
6 meses de idade, imunizando os não sendo necessário o agendamento da va-
vacinados. O bloqueio não deve ser con- cina para os 12 meses e 15 meses. Para
siderado como dose vacinal. A vacina contactantes de caso índice de sarampo,
deverá ser aplicada de acordo com o ca- pode-se administrar uma dose da vacina
lendário vacinal do paciente: tríplice viral, a partir dos 6 meses de ida-
• Dos 6 meses a 11 meses e 29 dias: 1 de até 72 horas após a exposição.
dose da vacina tríplice viral; deven- Trabalhadores de saúde e viajantes
do ser agendada 1 dose da vacina trí- internacionais devem ter recebido duas
plice viral para os 12 meses de idade doses da vacina.
e uma dose da vacina tetraviral para Adolescentes e adultos até os 29
os 15 meses de idade; anos: 2 doses, podendo ser da vacina
• A partir dos 12 meses até os 49 anos tríplice ou da vacina tetraviral e, dos 30
as pessoas devem ser vacinadas, aos 49 anos: dose única, podendo ser da
conforme calendário vacinal; vacina tríplice ou da vacina tetraviral.
• Acima dos 50 anos, pessoas que não A vacina tríplice viral é contraindi-
comprovaram o recebimento de ne- cada para gestantes, crianças menores
nhuma dose da vacina, devem rece- de 6 meses de idade e indivíduos com
ber uma dose da vacina tríplice viral. sintomas e sinais da doença.

REFERÊNCIAS
BALLALAI, I.; MICHELIN, L.; KAFOURI, R. Nota Pediatria, 2018. Disponível em: https://www.
Técnica Conjunta. Sociedade Brasileira de sbp.com.br/fileadmin/user_upload/NOTA_
SEÇÃO 8 518

TECNICA_CONJUNTA_SBIM-SBP-SBI-_saram- PAULES, C. I.; MARSTON, H. D.; FAUCI, A. S.


po-jul18__002_.pdf. Acesso em: 02 out. 2021. Measles in 2019 – Going Backward. N. Engl.
J. Med., 2019, pp. 2185-2187. Disponível em:
LUTHY, I. A.; KANTOR, I. N. Sarampión. Artí­
https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJ
culo Especial – Revision. Medicina (Buenos
Mp1905099. Acesso em 02 out. 2021.
Aires), p. 162-168. 2020.

MINISTÉRIO DA SAÚDE. Fluxograma de aten- ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DE SAÚDE

dimento: Sarampo. Brasília: Ministério da OPAS/OMS. Sarampo. 2020. Disponível em:

Saúde, 2019. https://www.paho.org/pt/topicos/sarampo.


Acesso em 02 out. 2021.
MINISTÉRIO DA SAÚDE. Secretaria em Vigi­
lância em Saúde. Coordenação-Geral do De­ SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. Atua­
sen­volvimento da Epidemiologia em Serviços. lização Sobre Sarampo. Guia Prático de Atua­
Guia de Vigilância em Saúde. Volume único, lização. Sociedade Brasileira de Pediatria,
3ª edição. Brasília: Ministério da Saúde, 2019. 2018.

MINISTÉRIO DA SAÚDE. Vigilância Epidemi­ SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. De­


ológica do Sarampo no Brasil – Semanas partamento de Imunizações e Infectologia.
Epi­demiológicas 1 a 9 de 2021. Boletim Epide­ Documento Científico. Calendário Vacinal da
miológico 12. Secretaria de Vigilância em SBP 2021. nº 9, 2018. Atualização: julho, 2021.
Saúde. Vol. 22, 2021. Disponível em: https:// Disponível em: https://www.sbp.com.br/file
www.gov.br/saude/pt-br/media/pdf/2021/ admin/user_upload/23107b-DocCientCalen
abril/08/boletim_epidemiologico_svs_12.pdf. dario_Vacinacao_2021.pdf. Acesso em 02 out.
Acesso em 02 out. 2021. 2021.
C AAPÍTULO
PÍTULO x7

Varicela

Ana Catarina Accioly Gomes

O QUE É? ocorrerem novos episódios após outra


É uma infecção viral, aguda, altamente exposição.
contagiosa, causada pelo vírus varicela- É caracterizada por surgimento de
-zoster (VVZ). A maioria dos casos ocor- febre concomitante ao aparecimento do
re em crianças com menos de 10 anos exantema e que persiste durante o sur-
de idade, no final do inverno e no início gimento de novas lesões. O exantema
da primavera. O VVZ é transmitido de tem distribuição centrípeta, inicia-se
pessoa para pessoa por contato direto em face e couro cabeludo, dissemina-se
ou através de aerossol pela secreção rapidamente para o tronco, com menor
respiratória, a partir de 2 dias antes do acometimento das extremidades. As le-
aparecimento do exantema, até que to- sões iniciais são máculas eritematosas,
das as lesões estejam em fase crostosa. que evoluem em 8 a 48 horas, progre-
O período de incubação é usualmente dindo para vesículas e crostas. A presen-
de 14 a 16 dias, mas casos podem ocor- ça de lesões em todos os estágios (má-
rer precocemente, a partir do 10º dia cula, pápula, vesícula, pústula e crosta)
ou, tardiamente, até o 21º dia. Em crian- em determinada parte do corpo confere
ças imunocomprometidas, esse tempo o pleomorfismo regional característi-
pode ser mais curto, contrapondo-se a co da doença. O prurido é um sintoma
períodos de até 28 dias em indivíduos característico e pode ser intenso e des-
que tenham recebido gamaglobulina confortável. É frequente o aparecimento
específica. Após a infecção, há imuni- de lesões em mucosas, principalmente
dade por toda a vida, sendo muito raro em palato e na mucosa vulvovaginal. A
SEÇÃO 8 520

doença é geralmente mais grave em ca- líquido vesicular, secreções respiratórias,


sos secundários pelo maior inóculo viral, esfregaço de orofaringe e líquor. Na fase
nos indivíduos maiores de 12 anos, nos aguda, a doença também pode ser con-
pacientes imunodeprimidos e nos neo- firmada pelo achado do anticorpo espe-
natos nascidos de mães, cujo exantema cífico da classe IgM.
desenvolveu-se 5 dias antes ou 2 dias Na grande maioria dos casos de va-
após o parto. ricela em crianças, o tratamento é sinto-
Complicações podem surgir, tanto mático. O prurido, frequentemente pre-
pulmonares como meningoencefálicas, sente na varicela, pode ser aliviado com
apesar de infrequentes. A contamina- o uso local de calamina ou, nos casos
ção secundária das lesões de pele pode mais rebeldes, com o uso de anti-hista-
levar a quadros intensos de impetigo, mínicos por via oral. Para se evitar in-
com acometimento bacteriano e feri- fecção bacteriana secundária das lesões,
das profundas, algumas vezes de difícil aconselha-se manter as unhas curtas e
manejo. A contaminação com estrepto- limpas, e banhos com permanganato de
cocos ß-hemolíticos pode levar a severas potássio 1:40.000, 2 vezes por dia.
complicações. O uso de antibióticos será necessário
Após a cura e a remissão total do somente naqueles casos em que ocor-
quadro, o vírus pode permanecer em es- rer impetiginização. Considerando-se
tado latente, e sua reativação resulta no a etiologia habitual, estafilococos e es-
quadro de herpes-zoster. As lesões vesi- treptococos, o antibiótico de escolha é
culares aparecem agrupadas, seguindo do grupo das penicilinas, como a penici-
a distribuição de um a três dermátomos lina-V e a amoxicilina. Podem-se indicar,
sensoriais. Na criança, essa manifes- também, cefalosporinas de primeira ge-
tação, diferentemente do adulto, rara- ração, como a cefalexina ou o cefadroxil,
mente leva a quadros dolorosos, sendo ou macrolídeos, como a eritromicina, a
de fácil manejo.  azitromicina ou a claritromicina, além
de cuidados cirúrgicos, quando forem
COMO CONDUZIR? necessários.
O diagnóstico da doença é essencial- A droga antiviral de primeira esco-
mente clínico e epidemiológico. O VVZ lha é o aciclovir, por sua eficácia contra
pode ser detectado em culturas de te- o VVZ e a sua baixa toxicidade. Em 2008,
cido do líquido vesicular, nos primeiros o FDA (Food and Drug Administration)
3 dias da doença. O PCR (reação em ca- liberou para uso em crianças maiores
deia de polimerase) é o teste de escolha de 2 anos, o valaciclovir. O aciclovir de-
para demonstrar a presença do vírus em ve ser considerado para pessoas sadias
Varicela 521

com moderado risco para doença grave, para adolescentes e adultos maiores de
como as crianças maiores de 12 anos de 13 anos, sem evidência de imunidade
idade, aquelas com doenças cutâneas (esquema de 2 doses, com intervalo mí-
ou pulmonares crônicas, as que rece- nimo de 4 semanas entre elas).
bem, em longo prazo, terapia com sa- É eficaz em prevenir a varicela ou
licilato ou, ainda, aquelas que recebem modificar a gravidade da doença em ca-
uso intermitente ou contínuo de corti- so de exposição, se usada até 5 dias (pre-
costeroides, nos pacientes com quadros ferencialmente, 3 dias) após o contato.
graves de varicela (encefalite, pneumo-
nia, forma disseminada), no imunode- IMUNOGLOBULINA ANTIVARICELA-
primido e em neonatos (principalmente ZOSTER (VZIG)
com forma disseminada). Deve ser dado Deve ser administrada para todo recém-
nas primeiras 24 horas após o apareci- -nascido (RN) de mãe que desenvolveu
mento do exantema. Normalmente, é varicela entre 5 dias antes ou até 2 dias
utilizado por via endovenosa, na dose depois do parto, RN prematuro com me-
de 10 mg/kg, de 8/8 horas, por 5 a 10 dias. nos de 1.000 g ou menor de 28 semanas,
que tenham sido expostos a uma fonte
VACINA não materna, pois a passagem de imu-
A vacina é composta por vírus vivo ate- noglobulina transplacentária ocorre no
nuado, com proteção de mais de 95% 3º trimestre da gestação. Indicado tam-
contra doença grave. Composta por 2 bém para crianças imunocomprometi-
doses, via subcutânea, sendo a primeira das e grávidas que tiveram contato.
a partir de 12 meses de idade e a segun- A dose: um frasco (125 UI)/10 kg, via
da dose após 3 meses da primeira dose, intramuscular, sendo a dose mínima de
ou após o contato com um caso de va- 125 UI e a dose máxima de 625 UI, até 96
ricela (até 96-120 horas) ou entre 4 e 6 horas após a exposição. A dose para RN
anos de idade. Recomenda-se a vacina é 125 UI, logo após o nascimento.

REFERÊNCIAS
AMERICAN ACADEMY OF PEDIATRICS. Vari­ BLANCO, A.; MARKUS, J. R. Vírus Varicela
cella-Zoster infectious. In: PICKERING, L. K.; Zoster. In: Sociedade Brasileira de Pediatria.
BACKER, C. J.; KIMBERLY, D. W.; LONG, S. S., Tra­tado de pediatria. 4ª ed. Barueri, SP: Ma­
Red Book: 2009. Report of the Commitee on nole, 2017, p. 936-945.
Infectious Diseases. 28th ed. Elk Grove Village,
IL. American Academy of Pediatrics, 2009: p. CARVALHO, E. S.; MARTINS, R. M. Varicela:
714-727. aspectos clínicos e prevenção. Jornal de
SEÇÃO 8 522

Pediatria (Rio de J.), v. Supl. 1, p. s126-s34, GASPAR M. C. S.; CRUZ, M. L. S.; CARDOSO, C.
1999; A. A. Rotinas Ambulatoriais em Infectologia
GASPAR, M. C. S.; CRUZ, M. L. S.; CARDOSO, C. para o pediatra. São Paulo: Editora Atheneu,
A. A.; MULATINHO, S. H. Varicela-Zoster. In: 2012, p. 245.
C APÍTULO
A PÍTULO 8x

Arboviroses: dengue,
chikungunya e zika

Flávio Melo

O QUE SÃO? QUAIS SÃO OS AGENTES ETIOLÓGICOS?


As arboviroses são infecções virais trans- O agente etiológico da dengue é o vírus
mitidas por artrópodes. No contexto de da dengue, da família Flaviviridae e do
saúde pública atual do Brasil, a dengue, gênero Flavivirus e tem quatro sorotipos,
a chikungunya e a zika se destacam, nomeados de DENV-1 a DENV-4. A chikun-
por terem endemicidade e serem causa- gunya (CHIKV) é causada por um vírus da
doras de surtos epidêmicos recorrentes. família Togaviridae e do gênero Al­pha­-
A dengue é considerada um proble- ­vírus, tendo um sorotipo e a zika é causa-
ma de saúde pública mundial, com alta da por um vírus da família Flaviviridae e
e crescente incidência, especialmente, do gênero, com um sorotipo (ZIKV).
em países das regiões tropicais e subtro-
picais. É causa relevante de morbidade QUAIS SÃO OS MODOS DE
e mortalidade em todas as faixas etárias. TRANSMISSÃO?
A chikungunya, pode ser considera- O principal meio de transmissão no nos-
da, juntamente com a zika, arboviroses so país, das três arboviroses em questão,
emergentes no nosso país. Nos últimos é através da picada das fêmeas infecta-
anos, com a introdução dos dois vírus, das do Aedes aegypti, porém há preceden-
tivemos eventos de saúde pública rele- tes de transmissão via transfusional, por
vantes relacionados a eles, como a epi- transplante de órgãos, acidente com per-
demia de síndrome congênita do zika, furocortantes e escoriações de mucosas.
principalmente, em neonatos nordesti- No caso da transmissão vertical,
nos e um número expressivo de artropa- tanto a dengue, quanto a chikungunya
tias crônicas pós-chikungunya na popu- podem ser transmitidas por esse meio,
lação adulta. especialmente, no período periparto.
SEÇÃO 8 524

Com relação à zika, a transmissão presença de petéquias ou prova do


vertical, que pode ocorrer em qualquer laço positiva; em pacientes com co-
fase da gestação, tem destaque pelo seu morbidades ou de grupos especiais:
potencial teratogênico. menores de 2 anos, hipertensos ou
com doença cardiovascular grave,
COMO SE FAZ O DIAGNÓSTICO diabéticos, com doenças hematoló­
CLÍNICO? gicas crônicas (principalmente ane­
Nos pacientes pediátricos, as infecções mia falciforme e púrpuras) ou doen­
por dengue, zika e chikungunya podem ça renal crônica, hepatopatias e
apresentar-se com um espectro que va- doen­ças autoimunes.
ria desde infecções assintomáticas, pas- • Dengue com sinais de alarme e sem
sando por uma síndrome febril aguda sinais de gravidade (Grupo C): são ca-
sem sinais de localização, até quadros sos suspeitos de dengue, com sinais
graves, particularmente na dengue, de alarme: dor abdominal intensa e
com a síndrome do choque da dengue; contínua, vômitos persistentes, se-
na chikungunya, com os quadros de en- rosites (ascite, derrame pleural, der-
cefalopatia neonatal e de miocardite e rame pericárdico), hipotensão pos-
na zika, com síndromes neurológicas tural ou lipotímia, hepatomegalia
pós-infecciosas. maior que 2 cm abaixo do rebordo
O quadro clínico mais clássico dos costal, sangramento de mucosa, le-
três vírus pode ser diferenciado por al- targia e/ou irritabilidade e aumento
gumas características clínicas distinguí- progressivo do hematócrito.
veis no Quadro 1. • Dengue grave/síndrome do choque
da dengue (Grupo D): caso suspeito
COMO FAZER A CLASSIFICAÇÃO de dengue, com sinais de alarme e
CLÍNICA/ESTADIAMENTO DA DENGUE? presença de sinais de choque, san-
• Dengue sem sinais de alarme (Grupo gramento grave ou disfunção gra-
A): são casos suspeitos de dengue, ve de órgãos. Os sinais de choque
nos quais estão ausentes os sinais compreendem: taquicardia, extre-
de alarme e que não apresentam midades distais frias, pulso fraco e
comorbidades ou condições clínicas filiforme, enchimento capilar lento
especiais (> 2 segundos), pressão arterial con-
• Dengue sem sinais de alarme em vergente (< 20 mmHg), taquipneia,
grupos de risco (Grupo B): são ca- oligúria (< 1,5 ml/kg/h), hipotensão
sos suspeitos de dengue, nos quais arterial (fase tardia do choque) ou
estão ausentes os sinais de alarme, cianose (fase tardia do choque).
Arboviroses: Dengue, Chikungunya e Zika 525

Quadro 1. Diagnóstico diferencial das arboviroses: Dengue, Zika e Chikungunya

Sinais/Sintomas Dengue Zika Chikungunya

>38°C Sem febre ou subfebril Febre alta > 38° C


Febre
(<38°C)
Duração 4 a 7 dias 1 a 2 dias subfebril 2 a 3 dias

Surge a partir do Surge no primeiro ou Surge entre o 2o e o


Rash
quarto dia no segundo dia 5o dias

30% a 50% dos


Frequência 90% a 100% dos casos
casos 50% dos casos

Mialgia (frequência) +++ ++ +

Artralgia (frequência) + ++ +++

Dor articular Leve Leve/Moderada Moderada/Intensa

Frequente e de leve Frequente e de


Edema articular Raro
intensidade moderado a intenso

Conjuntivite Raro 50 a 90% dos casos 30%

Cefaleia +++ ++ ++

Hipertrofia ganglionar + +++ ++

Discrasia hemorrágica ++ Ausente +

Risco de morte +++ +* ++

Acometimento neurológico + +++ ++

Leucopenia +++ +++ +++

Linfopenia Incomum Incomum Frequente

Trombocitopenia +++ Ausente (raro) ++

*Pode haver risco de morte nos casos neurológicos como a síndrome de Guillain-Barré e na síndrome congênita do zika vírus.

Fonte: Autor.

COMO FAZER A PROVA DO LAÇO? até o aparecimento de micropeté-


1. Verificar a PA (deitada ou sentada); quias ou equimoses;
2. Calcular o valor médio (PA sistólica + 4. Desenhar um quadrado de 2,5 cm x
PA diastólica/2); 2,5 cm no antebraço;
3. nsuflar novamente o manguito até o 5. Contar o número de micropetéquias
valor médio e manter por 3 min ou no quadrado;
SEÇÃO 8 526

6. A prova será positiva se houver 10 ou infecção e persistindo por até 8-12 se-
mais petéquias. manas. Para diagnóstico diferencial
com a dengue e outros flavivírus, o
QUAIS SÃO OS TESTES LABORATORIAIS teste de neutralização por redução
RELEVANTES PARA O DIAGNÓSTICO em placas (PRNT) pode ser necessário.
ETIOLÓGICO? Na suspeita de síndrome congênita
Para o diagnóstico etiológico, é impor- do zika vírus, deve ser feito RT-PCR e
tante considerar os seguintes pontos, de IgM para o zika vírus no soro e na uri-
acordo com cada arbovirose suspeitada: na do recém-nascido, que também
a) Dengue: o RT-PCR/Isolamento viral podem ser realizados no LCR, na pla-
pode ser feito até o quinto dia de centa e no líquido amniótico.
sintomas, mas não é realizado de
rotina. A detecção do antígeno viral QUAL É O TRATAMENTO?
NS1 por teste rápido é alternativa O tratamento das formas leves das arbo-
nos primeiros 5 dias e a sorologia viroses compreende o tratamento sinto-
em geral deve ser solicitada após o mático, com antitérmicos/analgésicos,
quarto dia de doença, quando, ge- evi­tando-se o uso de anti-inflamatórios
ralmente, surgem os anticorpos IgM, não hormonais; o aumento da ingestão
que têm pico entre 10-14 dias e dimi- de líquidos por via oral e as orientações
nuem em até 3 meses. Os anticorpos sobre os sinais de alarme. Quanto aos
IgG surgem após a primeira semana estágios clínicos da dengue, observar o
e persistem por toda a vida. Qua­dro 2,
b) Chikungunya: o RT-PCR pode ser Com relação à Chikungunya, os
feito até o quinto dia de sintomas. menores de 2 anos de idade, por terem
A sorologia em geral deve ser soli- maior risco de complicações, devem ser
citada após o quinto dia do início acompanhados ambulatorialmente, se
dos sintomas, quando, geralmente, possível diariamente, até que cessem a
surgem os anticorpos IgM, que têm febre e os sintomas agudos.
pico entre 3-5 semanas e diminuem O tratamento da fase aguda, nas
após 2 meses. Os anticorpos IgG sur- duas primeiras semanas, deve ser feito
gem após o sexto dia do início dos com sintomáticos, com a dipirona e o pa-
sintomas e persistem por toda a vida. racetamol para dor e febre, compressas
c) Zika: RT-PCR no soro e/ou urina, nos frias nas articulações (4 vezes ao dia, por
primeiros 14 dias. A partir de 14 dias 20 min), hidratação oral e repouso relati-
do início dos sintomas, com IgM vo, com procura imediata da unidade de
iniciando na primeira semana de saúde de urgência mais próxima no caso
Arboviroses: Dengue, Chikungunya e Zika 527

Quadro 2. Estágios clínicos da dengue

GRUPO A GRUPO B GRUPO C GRUPO D


Acompanhamento Em observação até o resultado Leito de internação por um período mínimo de 48
Leito de terapia intensiva
ambulatorial dos exames horas
Exames complementares:
Exames complementares: Exames complementares:
Exames complementares: • Hemograma com plaquetas, albumina
• Hemograma com plaquetas • Hemograma com plaquetas, albumina e
• Hemograma com plaquetas a e transaminases, glicemia, creatinina,
(obrigatório) transaminases, glicemia, creatinina, ionograma,
critério médico ionograma, gasometria, coagulograma e
• Sorologia/Teste rápido/ gasometria, coagulograma e ecocardiograma
• Sorologia/Teste rápido/Isolamento ecocardiograma
Isolamento viral a critério • Sorologia/Teste rápido/Isolamento viral a critério
viral a critério médico • Sorologia/Teste rápido/Isolamento viral a
médico médico
critério médico
Hidratação oral na unidade: Hidratação oral, conforme
Hidratação EV imediata: Hidratação EV imediata:
Desde o início, oferecer SRO ad libitum recomendado para o Grupo A,
SF ou ringer lactato, 10 ml/kg/h em 2 horas SF 0,9% 20 ml/kg em até 20 min
< 2 anos: 50-100 ml por vez até resultado de exames
Reavaliação contínua, clínica e laboratorial, PA e sinais Repetir esta fase até três vezes, se necessário
> 2 anos: 100-200 ml no domicílio: • Hematócrito normal, seguir
vitais, diurese e hematócrito Reavaliação a cada 15-30 min e hematócrito
1/3 com SRO: conduta do Grupo A
Em caso de melhora, seguir manutenção abaixo após 2 horas
Até 10 kg – 130 ml/kg/dia • Hematócrito aumentado (em
Em caso de piora, repetir fase de expansão até três Em caso de melhora, voltar para a fase de
10-20kg – 100 ml/kg/dia mais de 10% ou > 38%, seguir
vezes. Caso não melhore, seguir conduta do Grupo D expansão do Grupo C
> 20 kg – 80 ml/kg/dia manejo abaixo
Manutenção: Regra de Holliday-Segar
• Até 10 kg: 100 ml/kg/dia
• De 10 a 20 kg: 1.000 ml + 50 ml/kg/dia para cada kg
Hidratação no grupo B com acima de 10 kg
hematócrito alterado: • De 20 a 30 kg: 1.500 ml + 20 ml/kg/dia para cada kg
• Conforme cálculo do Grupo A, acima de 20 kg
Antitérmicos/analgésicos oferecendo 1/3 do volume em • Acima de 30 kg: 40 a 60 ml/kg/dia ou 1.700 a Se houver persistência do choque, conduzir
• Paracetamol 4 horas 2.000 ml/m2SC em terapia intensiva, de acordo com protocolo
• Dipirona • Sódio: 3 mEq em 100 ml de solução ou 2 a assistencial específico
Hidratação venosa se 3 mEq/kg/dia
necessário: SF 0,9% ou Ringer – • Potássio: 2 mEq em 100 ml de solução ou 2 a
40 ml/kg/hora 3 mEq/kg/dia
• Fase de Reposição de perdas estimadas: SF 0,9%
ou Ringer 50% das necessidades basais, em Y com
dupla via ou em dois diferentes acessos
Critérios de alta:
Reavaliação clínica e do
Critérios de alta: • Estabilização hemodinâmica durante
hematócrito em 4 horas:
• Estabilização hemodinâmica durante 48 horas 48 horas
• Melhora clínica/laboratorial,
• Ausência de febre por 48 horas • Ausência de febre por 48 horas
Retorno imediato se apresentar sinais seguir conduta do grupo A
• Melhora visível do quadro clínico • Melhora visível do quadro clínico
de alarme • Aumento do hematócrito
• Hematócrito normal e estável por 24 horas • Hematócrito normal e estável por 24 horas
ou surgimento de sinais de
• Plaquetas em elevação e acima de 50.000/mm3 • Plaquetas em elevação e acima de
alarme, seguir conduta do
• Ausência de sintomas respiratórios 50.000/mm3
Grupo C
• Ausência de sintomas respiratórios

Fonte: Autor.
SEÇÃO 8 528

de surgimento de sinais de alarme, que b) Recusa na ingestão de líquidos e


são os mesmos da dengue. alimentos;
Em casos excepcionais, com dores ar- c) Comprometimento respiratório: dor
ticulares de grande intensidade, podem torácica, dificuldade respiratória, di-
ser empregados os opioides, como o tra- minuição do murmúrio vesicular ou
madol e a codeína, porém seu uso deve outros sinais de gravidade;
ser exceção. d) Impossibilidade de seguimento ou
Pela característica de neuroinvasi- retorno para a unidade de saúde;
vidade do vírus da chikungunya, deve e) Comorbidades descompensadas co-
ser dada atenção especial para os sinais mo diabetes, hipertensão arterial,
de complicações neurológicas, como ir- insuficiência cardíaca descompen-
ritabilidade, sonolência, dor de cabeça sada, uso de dicumarínicos, crise as-
intensa e persistente, crises convulsivas ­má­tica etc.
e déficit de força (pode estar relacionado
com a miosite). Na zika e na chikungunya, qualquer
No caso de persistência dos sintomas quadro atípico, como síndromes neuro-
articulares além de duas semanas, o que lógicas ou doença de base descompensa-
é incomum na faixa etária pediátrica, da, também caracterizariam indicações
podem ser usados os anti-inflamató- para internamento.
rios não hormonais, como o ibuprofe-
no e os corticoides como a prednisona COMO PREVENIR?
(0,5 mg/kg/dia), pelo menor tempo possí- Além das medidas de saúde pública, co-
vel para controle dos sintomas. mo controle de focos do mosquito Aedes
aegypti e uso de repelentes, já temos
QUANDO INTERNAR? disponível uma vacina para dengue,
Os critérios para internação nos casos de que pode ser indicada para maiores de
dengue são os seguintes: 9 anos de idade, em 3 doses, com inter-
a) Presença de sinais de alarme ou de valo de 6 meses, em crianças com pri-
choque, sangramento grave ou com- mo-infecção prévia comprovada. Outras
prometimento grave de órgãos (gru- vacinas encontram-se em estudos para
pos C e D); as três doenças.

REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vi­gi- das Doenças Transmissíveis. Chikun­gunya: ma-
lância em Saúde. Departamento de Vigil­ân­cia nejo clínico. Brasília: Ministério da Saúde, 2017.
Arboviroses: Dengue, Chikungunya e Zika 529

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigi­- alterações no crescimento e desenvolvimento


lância em Saúde. Departamento de Vigilância a partir da gestação até a primeira infância,
das Doenças Transmissíveis. Dengue diagnós- relacionadas à infecção pelo vírus zika e ou-
tico e manejo clínico: adulto e criança, 5ª ed. tras etiologias infeciosas dentro da capacida-
Brasília: Ministério da Saúde, 2016. de operacional do SUS. Brasília: Ministério da
Saúde, 2017.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de
Vigilância em Saúde. Secretaria de Atenção MARTINS, M. M.; PRATA-BARBOSA, A.; CUNHA,
A. J. Arboviral diseases in pediatrics. J Pediatr
à Saúde. Orientações integradas de vigilância
[Rio de J.], v. 96, n. S1, p. 2-11, 2020.
e atenção à saúde no âmbito da Emergência
de Saúde Pública de Importância Nacional: WILDER-SMITH, A.; OOI, E. E.; HORSTICK, O.;
procedimentos para o monitoramento das WILLS, B. Dengue. Lancet, p. 350-363, 2019.
C APÍTULO 9

Hepatites virais

Alexsandra Ferreira da Costa Coelho

O QUE É? está relacionada com a infraestrutura


As hepatites virais são doenças provoca- de saneamento básico e a aspectos li-
das por diferentes agentes etiológicos, gados às condições de higiene pratica-
com tropismo pelo tecido hepático, que das. A infecção é habitualmente auto-
apresentam características epidemioló- limitada. Lactentes e pré-escolares, na
gicas, clínicas e laboratoriais semelhan- maioria das vezes são assintomáticos
tes, porém com importantes particulari- ou apresentam sinais de gastroenterite
dades, sendo as mais relevantes: o vírus viral, sem evidências de icterícia (70%).
da hepatite A (HAV), o vírus da hepatite Em escolares e adolescentes, podemos
B (HBV), o vírus da hepatite C (HCV), o evidenciar pródromo com febre, cefa-
vírus da hepatite D ou Delta (HDV) e o leia e astenia, seguido de icterícia em
vírus da hepatite E (HEV). Com exceção mais de 70% dos casos, dor abdominal,
do HBV, que possui genoma DNA, todos náuseas e vômitos. Laboratorialmente,
os demais são vírus RNA. As hepatites vi- podemos encontrar elevação das tran-
rais representam um grave problema de saminases. A doença clínica, geralmen-
saúde pública devido à elevada taxa de te, não dura mais de 2 meses, embora
prevalência, incidência e mortalidade. 10% a 15% das pessoas tenham sinais e
A principal via de contágio do vírus sintomas prolongados ou recorrentes
da hepatite A é a fecal-oral, por conta- por até 6 meses. O vírus pode ser excre-
to inter-humano ou por meio de água e tado durante uma recaída.
alimentos contaminados. A transmissão A hepatite B pode ser transmitida por
parenteral é rara, mas pode ocorrer se solução de continuidade (pele e muco-
o doador estiver na fase de viremia do sa), relações sexuais desprotegidas e por
período de incubação. A disseminação via parenteral (compartilhamento de
Hepatites virais 531

agulhas e seringas, procedimentos odon- a 85% dos casos. É importante destacar


tológicos ou cirúrgicos). Líquidos orgâ- que a infecção pelo vírus da hepatite C
nicos, como sêmen, secreção vaginal e é a maior responsável pela incidência de
leite materno, também podem conter cirrose e transplante hepático no mun-
o vírus e constituírem-se em fontes de do ocidental. Crianças com HCV são es-
infecção. A transmissão vertical é causa sencialmente assintomáticas ou podem
frequente de disseminação do vírus da apresentar hepatomegalia leve. Testes
hepatite B em regiões de alta endemici- de função hepática, particularmente
dade. A cronificação da doença ocorre ALT, podem ser significativamente eleva-
em aproximadamente 5% a 10% dos indi- dos, particularmente nos primeiros 2 a 4
víduos adultos infectados. A maioria dos anos de vida. Insuficiência hepática ou
casos de hepatite B na infância também doença hepática crônica (1-2%) com cir-
são assintomáticos. Em casos de infecção rose e hipertensão portal, e transplante
aguda, as crianças podem apresentar-se são situações esporádicas.
com icterícia. Crianças com infecção A hepatite D é causada pelo vírus
crônica, são geralmente assintomáticas da hepatite delta, um vírus defectivo,
ou apresentam formas leves, subclínicas, satélite do vírus da hepatite B, que pre-
com aumento das aminotransferases. cisa do antígeno de superfície do HBV
O vírus da hepatite C (HCV) é o prin- (HBsAg) para realizar sua replicação. Em
cipal agente etiológico da hepatite crôni- virtude da sua dependência funcional
ca. A transmissão ocorre principalmente em relação ao vírus da hepatite B, o ví-
por via parenteral. A transmissão sexual rus delta tem mecanismos de transmis-
é pouco frequente – menos de 1% em par- são idênticos aos do vírus da hepatite B.
ceiros estáveis – e ocorre principalmente O vírus da hepatite E tem transmis-
em pessoas com múltiplos parceiros e são fecal-oral. A transmissão interpes-
com prática sexual de risco, sendo que a soal não é comum. A doença é autolimi-
coexistência de alguma infecção sexual- tada e pode apresentar formas clínicas
mente transmissível se constitui em um graves, principalmente em gestantes.
importante facilitador dessa transmis- O quadro clínico dos pacientes infec-
são. A transmissão vertical é rara quando tados pode variar desde formas clínicas
comparada à hepatite B. Todavia, gestan- oligo/assintomática ou sintomática. No
tes com carga viral elevada ou coinfecta- primeiro caso, as manifestações clínicas
das pelo vírus da imunodeficiência hu- estão ausentes ou são bastante leves e
mana (HIV) apresentam maior risco de atípicas, simulando um quadro gripal.
transmissão da doença para os recém- No segundo, a apresentação é típica,
-nascidos. A cronificação ocorre em 70% com os sinais e sintomas característicos
SEÇÃO 8 532

da hepatite como febre, astenia, náu- icterícias hemolíticas e colestase extra-


seas, vômitos, acolia fecal, icterícia e -hepática por obstrução mecânica das
colúria. Vale salientar que alguns pa- vias biliares (tumores, cálculo de vias
cientes não apresentam icterícia, sendo biliares, adenomegalias abdominais).
considerados sintomáticos anictéricos. O diagnóstico sorológico é estabe-
Considerar o diagnóstico diferencial a lecido pela presença de antígenos e/ou
depender da clínica apresentada pelo anticorpos específicos para cada tipo e
paciente. No período prodrômico, os precisa ser interpretado adequadamen-
principais diagnósticos diferenciais te, e estão descritos nos quadros e nas
são: mononucleose infecciosa (causada figuras a seguir:
pelo vírus Epstein-Barr), toxoplasmose,
Quadro 1. Interpretação dos exames sorológi­
citomegalovírus, entre outras viroses. cos na hepatite A
Nestas patologias, quando há aumento
Exames e resultados
de aminotransferases, geralmente são Interpretação
Anti-HAV Anti-HAV
abaixo de 500 UI. No período ictérico, Total IgM
temos algumas doenças infecciosas co- Infecção recente pelo
(+) (+)
mo leptospirose, febre amarela, malária vírus da hepatite A

e, mais raramente, dengue hemorrágica. (+) (–)


Infecção passada pelo
vírus da hepatite A
Destacam-se ainda outras causas de he-
Ausência de contato
patites, como hepatite alcoólica, hepati- (–) (–) com o vírus da hepatite
A, não imune
te medicamentosa, hepatite autoimune,
hepatites reacionais ou transinfecciosas, Fonte: Autora.

Figura 1. Resposta dos marcadores sorológicos à infecção pelo vírus da hepatite A

ALT IgM IgG

Sintomas clínicos
Infecção

Viremia
Resposta

HAV nas fezes

0  1  2  3  4  5  6  7  8  9  10  11  12  13
Semanas

Fonte: Duarte et al. (2021).


Hepatites virais 533

Quadro 2. Interpretação dos exames sorológicos na hepatite B

Marcador Significado

Primeiro marcador que aparece no curso da infecção pelo vírus da hepatite B. Na


HBsAg
hepatite aguda, ele declina a níveis indetectáveis em até 24 semanas

Anti-HBc IgM Marcador de infecção recente, encontrado no soro até 32 semanas após a infecção

Marcador presente nas infecções agudas pela presença de IgM e crônicas pela
Anti-HBc Total
presença de IgG. Representa contato prévio com o vírus

HBeAg Marcador de replicação viral. Sua positividade indica alta infecciosidade

Anti-HBe Surge após o desaparecimento do HBeAg, indica o fim da fase replicativa

Único anticorpo que confere imunidade ao vírus da hepatite B. Está presente no soro
Anti-HBs após o desaparecimento do HBsAg, sendo indicador de cura e imunidade. Permanece
presente isoladamente em pessoas vacinadas

Fonte: Autora.

Figura 2a e 2b. Marcadores sorológicos na hepatite B

[ ]
sintomas
HBeAg anti-HBe

Total anti-HBc

HBsAg IgM anti-HBc anti-HBs

0 4 8 12    16 20 24 28  32 36 52   100


a Semanas após a infecção

Aguda Crônica
[ ] (6 meses) (Anos)
HBeAg anti-HBe
HBsAg
Total anti-HBc

IgM anti-HBc

0 4 8 12  16 20 24 28 32 36 52 Anos
b Semanas após a infecção

Fonte: Duarte et al. (2021).


SEÇÃO 8 534

Quadro 3. Interpretação dos exames sorológicos na hepatite C

Marcador Significado

Indica contato prévio com o vírus da hepatite C, entretanto não define se infecção
Anti-HCV
aguda, ou pregressa e curada espontaneamente, ou se houve cronificação da doença

Evidência da presença do vírus, por isso testes para detecção deste marcador são
utilizados para complementar o diagnóstico da infecção. Pode ser detectado entre
HCV-RNA
uma e duas semanas após a infecção. Quando não detectado, pode indicar a cura
natural, clareamento viral ou resposta sustentada ao tratamento

Fonte: Autora.

Figura 5. Evolução dos marcadores sorológicos


está relacionada à ingestão de álcool,
na hepatite C
que deve ser suspensa por seis meses. As
Marcadores da Infecção pelo HCV drogas consideradas “hepatoprotetoras”,
RNA
-++++++++
associadas ou não a complexos vitamíni-
Sintomas
cos, não têm nenhum valor terapêutico.
anti-HCV A administração de vitamina K durante
um a três dias pode ser recomendada
nos casos de queda da atividade de pro-
Título

trombina devido à absorção intestinal


ALT
inadequada dessa vitamina. A hospitali-
Normal
zação fica reservada a quadros acentua-
0  1   2   3   4   5   6   1   2   3   4
Meses Anos dos de vômitos, coagulopatias (INR ≥ 1,5),
Tempo após a infecção
sinais de encefalopatia hepática e outras
situações de risco.
Fonte: Brasil (2010).
Durante o acompanhamento, as
duas primeiras consultas serão realiza-
COMO TRATAR? das em um intervalo de duas semanas
Durante o curso de hepatites virais agu- para acompanhamento clínico, inde-
das, o uso de medicações sintomáticas pendentemente do resultado dos exa-
para vômitos e febre deve ser realizado mes. As consultas subsequentes devem
quando necessário. Recomenda-se re- ser realizadas em intervalos de quatro
pouso relativo até a normalização das semanas, acompanhadas de seguimen-
aminotransferases, liberando-se progres- to laboratorial com dosagem de ami-
sivamente o paciente para atividades físi- notransferases, tempo de protrombina,
cas. Quanto à dieta, deve ser administra- bilirrubinas e albumina com o mesmo
da de acordo com o apetite e a aceitação intervalo, até a detecção de duas dosa-
alimentar do paciente. A única restrição gens normais com intervalo de quatro
Hepatites virais 535

semanas. Os marcadores sorológicos no tempo de uso destes antivirais de


devem ser solicitados já na primeira acordo com o genótipo. O tratamento
consulta e acompanhamento sorológico com interferon alfa tem sido principal-
posteriormente, a depender do agente mente restrito a um pequeno número de
etiológico. crianças menores de 12 anos com persis-
As opções farmacológicas atuais pa- tência de aminotransferases séricas ele-
ra o tratamento da hepatite B na faixa vadas, fígado com doença em progressão
etária pediátrica são o interferon alfa 2a ou coinfecção por HIV.
e 2b (INFα), subcutâneo, 1 vez por sema-
na, para maiores de 1ano com tempo de COMO PREVENIR?
tratamento definido, porém com efeitos As medidas de prevenção incluem bons
adversos; e análogos de nucleotídeo/ hábitos de higiene, condições sanitárias
nucleosídeo (lamivudina) para maiores adequadas e higiene na manipulação de
de 3 anos, sendo o INFα a droga de es- alimentos. Essas medidas precisam ser
colha e a lamivudina indicada em casos informadas aos pacientes e aos comuni-
de ausência de resposta à terapia com cantes de forma a esclarecer as possíveis
interferon. maneiras que ele pode ter se infectado,
Já para o tratamento da hepatite C, buscando contribuir para a diminuição
as indicações variam de acordo com a da disseminação das hepatites virais.
referência adotada e, segundo a So­ A imunização contra a hepatite A é
ciedade Americana para Estudo de Doen­ realizada com vacina específica (HepA)
ças no Fígado, todas as crianças maiores que é preparada com formalina inativa-
de 3 anos de idade com infecção crônica da, cultura de células derivada do vírus
pelo vírus C e RNA-HCV detectável, inde- da hepatite A. A dose da vacina contra
pendente da severidade da doença, são HepA é 0,5 ml IM até os 18 anos de ida-
candidatas ao tratamento, porém os an- de ou 1 ml IM para adultos (≥ 19 anos).
tivirais de ação direta só poderão ser fei- Crianças recebem uma série de 2 doses
tos nos maiores de 12 anos ou com peso normalmente entre 12 e 23 meses e en-
igual ou maior que 35 kg. Nas crianças tre 6 e 18 meses após a primeira dose.
entre 3 e 11 anos de idade, pelos efeitos A profilaxia contra a hepatite B in-
colaterais potencialmente permanentes clui precauções universais ao lidar com
das drogas disponíveis (interferon α 2B secreções e uso de preservativos nas re-
peguilado e ribavirina), associado ao me- lações sexuais; uso de imunoglobulina
nor efeito terapêutico, sugere-se adiar a hiperimune contra hepatite B (IGHAHB)
terapia até enquanto for possível o início nas primeiras 12 horas de vida nos re-
dos antivirais de ação direta. Há variação cém-nascidos de mães com infecção
SEÇÃO 8 536

conhecida; além do esquema atual da imunoglobulina hiperimune contra he-


vacinação preconizado pelo Ministério patite B (IGHAHB) na dose de 0,06 ml/kg
da Saúde, que, em crianças menores de intramuscular e vacinação, caso não
7 anos, consiste em quatro doses intra- tenham sido vacinados anteriormente.
musculares com intervalo de 2 meses Fracionar a aplicação da IGHAHB, se o
entre elas, e nas maiores de 7 anos até volume for maior que 5 ml.
a idade adulta, sem comprovação de va- A vigilância epidemiológica das he-
cinação, três doses nos tempos 0, 1 mês patites virais no Brasil utiliza o sistema
após e a última dose 6 meses após a universal, baseado na notificação e na
primeira. Os indivíduos submetidos às investigação epidemiológica dos casos
exposições acidentais, com sangue ou suspeitos, dos casos confirmados e dos
secreções contaminadas de paciente surtos de hepatites virais, por meio do Sis­
portador de hepatite B, devem receber a tema Nacional de Notificação de Agravos.

REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de INDOLF, G. et al. Hepatitis C vírus infection
Vigilância em Saúde. Departamento de DST, in children and adolescentes. Lancet Gas­tro­
Aids e Hepatites Virais. Protocolo clínico e enterol Hepatol, v. 4, p. 477-87, 2019.
diretrizes terapêuticas para hepatite viral C
MINISTÉRIO DA SAÚDE. Guia de Vigilância
e coinfecções/Ministério da Saúde, Secretaria
em Saúde. Brasília: Secretaria de Vigilância
de Vigilância em Saúde, Departamento de
DST, Aids e Hepatites Virais. Brasília: Minis­ Epidemiológica, 2019.

tério da Saúde, 2010. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Protocolo clínico e


CENTERS FOR DISEASE CONTROL. Centers for diretrizes terapêuticas para o tratamento da
Disease Control and Prevention Epidemiology hepatite viral crônica B e coinfecções. Brasília:
and Prevention of Vaccine-Preventable Dis­ Ministério da Saúde, 2017.
eases, 13 ed. April, 2015.
th
MINISTÉRIO DA SAÚDE. Protocolo clínico e
DUARTE, G. et al. Protocolo Brasileiro para di­re­­trizes terapêuticas para hepatite viral C
Infecções Sexualmente Transmissíveis 2020: e coinfecções. Brasília: Ministério da Saúde,
hepatites virais. Epidemiol. Serv. Saude, Bra­ 2018.
sília, v. 30, n. Esp.1, p. e2020834, 2021.
WHO. World Hepatitis Day 2019: Invest
FERREIRA, A. R. et al. Hepatites Virais A, B in eliminating hepatites. Website of World
e C em crianças e adolescentes. Rev Med
Health Organization (WHO). Disponível
Minas Gerais, v. 24, Supl 2, p. S46-S60, 2014.
em: https://www.who.int/campaigns/worl-
HARDIKAR W. Viral hepatites. J Paediatr d-hepatitis-day/2019. Acesso em: 21 dez.
Child Health, v. 55, n. 9, p.1038-43, 2019. 2021.
CCAPÍTULO
A PÍTULO 10
x

Meningite bacteriana

Dayanne Bruscky
Igor Bruscky

O QUE É? por Neisseria meningitidis (meningoco-


A meningite bacteriana é a inflamação co), Streptococcus pneumoniae (pneumo-
das meninges em resposta ao contato coco) e Haemophilus influenzae sorotipo
com bactérias e seus produtos. B (Hib).
A infecção bacteriana pode se apre- No Brasil, o meningococo é a princi-
sentar de forma aguda, com sintomas pal causa de meningite bacteriana. Os
evoluindo rapidamente entre 1 e 24 ho- coeficientes de incidência da doença
ras; subaguda, com sintomas evoluindo meningocócica têm sido reduzidos nos
de 1 a 7 dias; ou crônica, com evolução últimos anos, com registro de menos de
dos sintomas a partir de 1 semana. um caso para cada 100.000 habitantes,
entre os anos de 2014 e 2016. Acomete
QUAL É A IMPORTÂNCIA DO TEMA? indivíduos de todas as faixas etárias,
Meningite bacteriana aguda (MBA) é porém, aproximadamente, 30% dos ca-
uma infecção grave do sistema nervoso sos notificados ocorrem em crianças
central, potencialmente fatal, de notifi- menores de 5 anos de idade, principal-
cação compulsória imediata e conside- mente em lactentes no primeiro ano de
rada uma emergência médica. vida. Nos surtos e epidemias, observa-se
No Brasil, as principais ocorrências aumento de casos entre adolescentes e
de meningite bacteriana, de relevância adultos jovens. A letalidade da doença
para a saúde pública, são as causadas meningocócica no Brasil situa-se em
SEÇÃO 8 538

torno de 20% nos últimos anos. Na for- Estima-se que haja mais de 1,2 mi-
ma mais grave, a meningococcemia, a lhão de casos de meningite bacteriana
letalidade chega a quase 50%. Em mea- em todo o mundo a cada ano. O coefi-
dos de 2010, devido ao aumento de cir- ciente de incidência e a letalidade para
culação do sorogrupo C e à alta incidên- meningite bacteriana variam de acordo
cia da doença observada em crianças, a com a região, o país, o agente etiológi-
vacina meningocócica C (conjugada) foi co e a faixa etária. Apesar das medidas
introduzida no calendário de vacinação preventivas, da abordagem precoce e
da criança. do tratamento adequado com antibió-
O pneumococo é o segundo maior ticos eficazes, podem ocorrer morte e
responsável por meningite bacteriana sequelas neurológicas, principalmente
no Brasil, além de outras doenças inva- em pacientes mais jovens. As taxas de
sivas (pneumonia, bacteremia, sepse) e mortalidade permanecem extremamen-
doenças não invasivas (otite média, si- te elevadas, variando de 5% a 30% dos ca-
nusite, entre outras). As crianças de até sos no mundo, e aproximadamente 50%
2 anos de idade são as mais acometidas dos sobreviventes evoluem com seque-
pela meningite pneumocócica. A partir las neurológicas. Sem tratamento, a taxa
de 2010, a vacina conjugada 10-valen- de letalidade pode chegar a 70%.
te, que protege contra dez sorotipos do
pneumococo, foi disponibilizada no ca- QUAIS SÃO OS AGENTES ETIOLÓGICOS
lendário de vacinação da criança, para ENVOLVIDOS?
as menores de 1 ano de idade. A MBA pode ser causada por uma gran-
Em 1999, foi introduzida no país a de variedade de bactérias (Quadro 1). O
vacina contra o Hib, responsável por agente etiológico mais frequente pode
várias doenças invasivas, como me- variar com idade do paciente, porta de
ningites e pneumonias, sobretudo em entrada ou foco séptico inicial; tipo e
crianças. O Hib era a segunda causa localização da infecção no sistema ner-
mais comum de meningite bacteriana voso central (SNC); estado imunitário
no Brasil, sendo responsável por uma prévio; além da situação epidemiológi-
incidência média anual em menores ca local.
de 1 ano de 23,4 casos/100.000 habitan-
tes até 1999. Observou-se, após a intro- COMO OCORRE?
dução da vacina, redução de mais de A patogênese e a fisiopatologia da me-
90% no número de casos, incidência e ningite bacteriana envolvem uma inte-
número de óbitos por meningite por H. ração complexa entre os fatores de viru-
influenza. lência dos patógenos e a resposta imune
Meningite bacteriana 539

Quadro 1. Principais agentes bacterianos causadores de meningite no Brasil, de acordo com faixa
etária acometida e fatores associados

Idade/Condição Agente bacteriano provável

Escherichia coli
Streptococcus agalactiae (estreptococos do grupo B)
Nascimento até < 3 meses Listeria monocytogenes
Outras Gram-negativas entéricas (Enterobacter spp., Klebsiella spp.,
Salmonella enteritidis)

Neisseria meningitidis (meningococo)


> 3 meses até a adolescência Streptococcus pneumoniae (pneumococo)
Haemophilus influenzae sorotipo b (não vacinados)

Trauma cranioencefálico, pós- Staphylococcus aureus


procedimentos neurocirúrgicos, Staphylococcus epidermidis
derivação ventrículo-peritoneal Bacilos Gram-negativos aeróbicos (incluindo Pseudomonas aeruginosa)

S. pneumoniae
Fratura de base de crânio H. influenzae
Estreptococos beta hemolítico do grupo A

Fonte: Adaptado de Avelino, Rocha e Rodrigues (2017).

do hospedeiro. Acredita-se que muitos Após atravessar a barreira hema-


dos danos dessa infecção resultem de toencefálica há importante replicação
citocinas liberadas no LCR à medida que bacteriana local, uma vez que o LCR
o hospedeiro desenvolve uma resposta apresenta inadequada resposta imune
inflamatória. (baixa concentração de imunoglobuli-
Há duas formas de o patógeno al- nas e fatores do complemento). Apesar
cançar o espaço subaracnóideo: disse- da resposta inflamatória local com in-
minação hematogênica (mais frequen- fluxo de leucócitos, a defesa do hospe-
te) ou por sítios contíguos de infecção deiro no LCR se mantém insuficiente
(otomastoidite, osteomielite de crânio, pela ausência da função de opsonização
celulite periorbitária, trauma penetran- e atividade bactericida.
te ou procedimentos neurológicos). Na
via hematogênica, o processo infeccioso QUAIS SÃO OS FATORES
envolve: PREDISPONENTES?
• Colonização bacteriana do trato res- Além da virulência dos agentes etioló-
piratório (principalmente), gastroin- gicos, ausência de vacinação e imatu-
testinal ou genital inferior; ridade imunológica relacionada com
• Invasão da corrente sanguínea com a idade (principalmente, se prematu-
bacteremia; ro), alguns fatores podem predispor
• Penetração no espaço subaracnóideo. à MBA:
SEÇÃO 8 540

• Infecção recente de vias aéreas su- jato”, fotofobia, confusão mental, crises
periores; convulsivas). As principais manifesta-
• Esplenectomia ou estado de asple- ções clínicas dependem da idade do
nia; paciente e da resposta imune do hospe-
• Anemia falciforme; deiro à infecção:
• Erros inatos do sistema imune (de- • Em recém-nascidos e lactentes jo-
ficiência de complemento, defeitos vens, os sinais e sintomas podem ser
na imunidade celular ou humoral); muito inespecíficos: letargia, agita-
• Imunodeficiências secundárias (dia- ção, sonolência, nervosismo, ano-
betes mellitus, desnutrição, infecção rexia, hipotonia, apneia, icterícia,
por HIV, neoplasias, uso de medica- diarreia e hipoatividade. A instabi-
ções imunossupressoras); lidade de temperatura com febre
• Trauma cranioencefálico penetrante; ou hipotermia é comum, mas nem
• Fístula liquórica (otorreia ou rinor- sempre está presente. As convulsões
reia liquórica); ocorrem em 15% a 34% e a hidrocefa-
• Implante coclear; lia em 5% dos casos. O abaulamento
• Procedimentos neurocirúrgicos re- da fontanela anterior pode ocorrer.
centes. Sinais de irritação meníngea, como
rigidez de nuca, são incomuns an-
QUANDO SUSPEITAR? tes dos 12 meses de idade pela aber-
A MBA tem dois padrões de apresenta- tura da fontanela anterior.
ção: progressivamente ao longo de um • Em crianças maiores e adolescentes,
ou poucos dias precedida por uma doen- as características clássicas incluem
ça febril; ou curso agudo e fulminante, febre, cefaleia intensa, letargia, irri-
com manifestações de sepse e menin- tabilidade, confusão, fotofobia, náu-
gite se desenvolvendo rapidamente ao sea, vômito, rigidez de nuca e des-
longo de horas. A forma rapidamente conforto lombar. Cerca de 20% terão
progressiva está frequentemente asso- uma convulsão antes da admissão
ciada a edema cerebral grave. ao hospital. A tríade clássica de fe-
Deve-se buscar sinais e sintomas de bre, irritação meníngea e rebaixa-
síndrome toxêmica (febre, hipotermia, mento do nível de consciência está
sonolência, irritabilidade, rash petequial presente em apenas 44% dos adoles-
ou purpúrico na meningococcemia), de centes e em uma proporção ainda
irritação meníngea e de hipertensão menor das crianças. No exame físico,
intracraniana (cefaleia holocraniana in- a irritação meníngea geralmente se
tensa, náuseas e vômitos, vômitos “em manifesta com rigidez de nuca. O
Meningite bacteriana 541

Sinal de Kernig (extensão dolorosa e é indicada neuroimagem para


do joelho após flexionar a coxa com investigar efeito de massa e evitar
o quadril e joelho em ângulos de 90 herniação cerebral;
graus) e o Sinal de Brudzinski (flexão • Comprometimento cardiopulmonar
do joelho quando o pescoço é flexio- grave exigindo medidas de ressus-
nado) estão presentes em 60-80% citação imediatas ou em pacientes
das crianças, mas podem ocorrer nos quais o posicionamento para co-
tardiamente. leta possa comprometer ainda mais
a função cardiopulmonar;
COMO DIAGNOSTICAR? • Infecção da pele no local de coleta;
A suspeição clínica é fundamental para • Trombocitopenia é contraindica-
diagnóstico precoce e tratamento ime- ção relativa e plaquetas abaixo de
diato, com impacto no prognóstico. O 50.000/mm3 devem ser corrigidas
diagnóstico de MBA é confirmado pelo antes da realização da punção.
exame do LCR (Quadro 2) após punção
lombar e a etiologia é estabelecida pela Caso a punção lombar seja adiada,
cultura do LCR. a antibioticoterapia empírica não deve
Na bacterioscopia, a evidência de ser postergada.
diplococo Gram positivo direciona o tra- Outros exames complementares:
tamento para pneumococo; diplococo • O hemograma completo, corrobora
Gram negativo, para meningococo; co- diagnóstico bacteriano, mas não
cobacilos Gram negativos, para Hib. tem valor sozinho;
A punção liquórica imediata é con- • A hemocultura é importante e apre-
traindicada nas situações a seguir: senta alta positividade para pneu-
• Sinais clínicos ou risco de HIC, in- mococo e meningococo, confirman-
cluindo papiledema, achados neu- do a etiologia da MBA;
rológicos focais, coma, paralisia do 3º • Eletrólitos, glicose, ureia e creatini-
ou 6º nervo craniano com um nível na séricos são úteis para determinar
de consciência deprimido, presença administração de fluidos e a relação
do reflexo de Cushing (hipertensão de glicose entre o LCR e o sangue;
e bradicardia associadas a anor- • Coagulograma e contagem de pla-
malidades respiratórias), história quetas, nos casos de rash purpúrico
de hidrocefalia ou história de um ou petequial;
procedimento neurocirúrgico ante- • Neuroimagem fundamental quando
rior, incluindo colocação de shunt houver suspeita de complicações as-
de LCR. É contraindicação relativa sociadas, como abscesso,
SEÇÃO 8 542

Quadro 2. Alterações encontradas no LCR nas meningites bacterianas

Valores de Meningite
Características MBA Meningite viral
referência tuberculosa

Límpido ou Límpido ou
Aspecto Límpido Turvo ligeiramente turvo ligeiramente
(opalescente) turvo

Incolor, Branco-leitosa, Incolor ou Geralmente


Cor
cristalino xantocrômica xantocrômica incolor

Geralmente
Glicose > 50 <40 <40
normal, pode
(mg/dl e % da sérica) 75% < 50% < 50%
estar reduzida

Proteínas totais
20-45 >40 >100 20-80
(mg/dl)

Celularidade Aumentada,
0a4 >500 Aumentada, <500
(céls/mm3) <500

PMN 0% >66-70% <34% <34%

LMN 100% <34% >66% >66%

Bacterioscopia Negativa Positiva Negativa ou positiva Negativa

Cultura Negativa Positiva Negativa ou positiva Negativa

PMN: polimorfonucleares; LMN: linfomononucleares.

Fonte: Autores.

tromboflebite séptica e empiema. em uso de dexametasona (para


Em alguns casos, deve preceder a avaliar o tratamento, já que a pe-
punção lombar (sinais de HIC). netração da vancomicina do SNC
é diminuída na vigência de corti-
A repetição da punção lombar para coide);
determinar a efetividade do tratamento • MBA por bacilo Gram negativo (rea-
não é rotineiramente indicada; devendo lização de cultura para determinar
ser realizada em 24 a 36 horas de anti- a duração do tratamento: 14 dias
bioticoterapia empírica adequada se: após primeira cultura negativa do
• Não houver melhora clínica; LCR);
• Criança imunossuprimida, na qual • Febre prolongada, sonolência, he-
o sucesso terapêutico não puder ser miparesia ou crises epilépticas
avaliado; indicam efusão subdural, mastoi-
• MBA causada por pneumococo pe- dite, trombose de seio, trombofle-
nicilina ou cefalosporina-resistente bite séptica e abscesso, devendo-se,
Meningite bacteriana 543

então, instituir antibioticoterapia 200.000 UI/kg/dia) no lugar da am-


mais prolongada e/ou intervenção picilina.
cirúrgica. • Lactentes a partir de 3 meses até
adolescência: cefalosporina de ter-
QUAL É O DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL? ceira geração – Ceftriaxona (100 mg/
Os principais diagnósticos diferenciais kg/dia, 12/12 horas) ou Cefotaxima
são: meningite por outros agentes infec- (200 mg/kg/dia, 6/6 horas). Nos casos
ciosos (vírus, fungos e parasitas); infec- de pacientes com história de anafi-
ção localizada do SNC (abscesso cerebral, laxia aos antibióticos ß-lactâmicos,
empiema subdural ou abscesso epidu- pode-se usar o cloranfenicol no tra-
ral); e doenças não infecciosas (doenças tamento empírico inicial.
reumatológicas, autoimunes, neoplá-
sicas, doenças vasculares e intoxicação Assim que se obtiver o resultado da
exógena). cultura, o esquema antibiótico deve ser
reavaliado e direcionado para o agente.
COMO TRATAR? A duração do tratamento também de-
Tratamento antimicrobiano adequado e pende do patógeno identificado, varian-
precoce é essencial para o prognóstico. do de 7 até 21 dias.
Atrasos no início do tratamento, mesmo Apesar de controverso, é indicado
que algumas horas, estão relacionados o uso de dexametasona (0,15 mg/kg/
a prognóstico desfavorável e óbito. Caso dose, máximo de 10 mg/dose, EV, 6/6
haja necessidade de transferência ou in- horas, por 4 dias) 10 a 20 min antes ou
dicação de neuroimagem, é importante concomitante com a primeira dose de
não retardar e iniciar a antibioticotera- antibiótico para reduzir a incidência de
pia empírica. surdez como complicação de MBA por
A antibioticoterapia deve ser paren- Hib, e também nos casos relacionados à
teral, com boa penetração no SNC e de- meningite pneumocócica.
pende do patógeno provável por faixa O tratamento de suporte também é
etária: essencial e o isolamento respiratório é
• Menores de 3 meses: Ampicilina recomendado por 24 a 48 horas nas in-
(100-300 mg/kg/dia) + Cefotaxima fecções por meningococo ou Hib.
(100-200 mg/kg/dia) ou Ampicilina
+ Gentamicina (5-7,5 mg/kg/dia) ou COMO É REALIZADA A PROFILAXIA?
Ampicilina + Amicacina (15-30 mg/ A profilaxia dos contatos próximos é
kg/dia). Alternativamente, pode-se indicada nas meningites por menin-
usar Penicilina Cristalina (100.000- gococo e por Hib. Nestes casos são
SEÇÃO 8 544

considerados contactantes os morado- Ceftriaxona ou Ciprofloxacina, mas


res do mesmo domicílio, indivíduos apenas em casos excepcionais, para
que compartilham o mesmo dormitório evitar seleção de cepas resistentes ao
(em alojamentos ou quartéis,), comuni- meningococo.
cantes de creches e escolas, e pessoas No caso de MBA por Hib, a qui-
diretamente expostas às secreções do mioprofilaxia é indicada para todos os
paciente, como os profissionais da área membros da família de crianças < 4
de saúde que realizaram procedimen- anos de idade com vacinação incomple-
tos invasivos (intubação orotraqueal, ta para Hib e quando há 2 ou mais casos
passagem de cateter nasogástrico) sem confirmados de MBA por este agente em
utilização de equipamento de proteção creches ou escolas com crianças < 24 me-
individual adequado (EPI). ses expostas e os seus contatos íntimos.
Para MBA por meningococo, a qui- É indicada a Rifampicina, 20 mg/kg/dia
mioprofilaxia é realizada com Rifam­pi­ (máximo de 600 mg) 12/12 horas, por
cina (em menores de um mês de vida, 4 dias.
com 5 mg/kg/dose de 12 em 12 horas, e, A profilaxia primária é realizada
a partir de um mês de vida, com 10 mg/ através da vacinação da população sus-
kg/dose – máximo de 600 mg de 12 em ceptível, mas não há indicação para uso
12 horas por 2 dias), que deve ser ad- da vacina como profilaxia pós-contato.
ministrada simultaneamente a todos os O Programa Nacional de Imunização
contatos próximos, independentemen- (PNI) do Ministério da Saúde disponibi-
te da situação vacinal, preferencial- liza cobertura vacinal contra Hib, pneu-
mente até 48 horas da exposição à fon- mococo (10 sorotipos) e meningogoco
te de infecção (doente), considerando o (sorotipo C para menores de 5 anos e
prazo de transmissibilidade e o período sorotipos A, C, W e Y para adolescentes
de incubação da doença. Pode-se usar entre 11 e12 anos de idade).

REFERÊNCIAS
AVELINO, M. A.; ROCHA, A. J.; RODRIGUES, M. saude.gov.br/bvs/publicacoes/guia_vigilan-
G. Doenças Infecciosas. In: RODRIGUES, M. cia_saude_3ed.pdf. Acesso em: 1 jul. 2020.
M.; VILANOVA, L. C. P. Tratado de Neurologia
Infantil. 1ª ed. Rio de Janeiro: Editora Athe­ DAVIS, L. E. Acute Bacterial Meningitis. CON­
neu, 2017, p. 761-832. TINUUM: Lifelong Learning in Neurology, v.
24, n. 5, p. 1264-1283, Oct. 2018.
BRASIL. Ministério da Saúde. Guia de Vigi­
lância em Saúde: volume único. 3ª ed. Brasília, FIGUEIREDO, A. H. A.; BROUWER, M. C.; VAN
2019, p. 33-53. Disponível em: http://bvsms. DE BEEK, D. Acute Community-Acquired Bac­-
Meningite bacteriana 545

terial Meningitis. Neurologic Clinics, v. 36, n. MESSER, R. et al. Infections & inflammatory
4, p. 809-820, nov. 2018. disorders of the central nervous system. In:
Hay Jr. et al. Current Diagnosis & Treatment:
JANOWSKI, A. B.; HUNSTAD, D. A. Central
Pediatrics. 25ª ed. McGraw-Hill, 2020.
Nervous System Infections. In: KLIEGMAN, R.
M et al. Nelson Textbook of Pediatrics. 21ª ed. VAN DE BEEK, D. et al. Community-ac-
Elsevier, 2019, p 12523-12567. quired bacterial meningitis. Nature Reviews
Disease Primers, v. 2, n. 1, p. 16074, 3 dez. 2016.
C APÍTULO 11

Parasitoses intestinais

Kátia Galeão Brandt


Marcílio Lins Aroucha

QUAL É A IMPORTÂNCIA DAS QUAIS SÃO AS PARASITOSES MAIS


PARASITOSES INTESTINAIS NA FREQUENTES NO NOSSO MEIO?
PEDIATRIA? Entre as helmintíases podem ser des-
As parasitoses intestinais continuam tacadas: a ascaridíase, enteroparasito-
sendo muito frequentes na infância, se mais comum no nosso meio, sendo
constituindo importante problema de causada pelo Ascaris lumbricoides; a
saúde pública, notadamente, nos países ancilostomíase, pelo Ancylostoma duo-
em desenvolvimento. Decorrem da defi- denale e pelo Necator americanus; a es-
ciência de saneamento básico, higiene trongiloidíase, pelo Strongyloides sterco-
pessoal inadequada e escassez de água ralis; a tricuríase, causada pelo Trichuris
potável. São mais prevalentes e graves trichiura; a oxiuríase, helmintíase de
na infância devido aos hábitos particu- maior prevalência nos países desenvol-
lares desta idade, como: levar as mãos vidos, causada pelo Enterobius vermicu-
e os objetos à boca, andar descalças em laris e a esquistossomose, causada pelo
áreas contaminadas, praticar geofagia e Schistosoma mansoni, parasitose que
possuir um sistema imunológico mais determina marcante morbidade, princi-
deficiente. Cursam, frequentemente, palmente no nordeste brasileiro.
com sintomas vagos e inespecíficos, que Entre as protozooses destacam-se a
evoluem de forma crônica e insidiosa, giardíase, parasitose mais comum em
dificultando o diagnóstico e a preven- crianças de classe média ou alta, cujo
ção, possibilitando a ocorrência de com- agente etiológico é a Giardia lamblia,
plicações mais importantes. um agente não invasivo de mucosa, e
Parasitoses intestinais 547

a amebíase, causada pela Entamoeba Ancilostomíase


histolytica (espécie patogênica) e a Larvas infectantes presentes no solo pe-
Entamoeba díspar (encontrada em porta- netram na pele, geralmente pelos pés,
dores sadios e dez vezes mais frequente causando dermatite pruriginosa. Em
que a E. histolytica), morfologicamente seguida passam pelos vasos linfáticos,
idênticas. No Nordeste brasileiro, predo- acessam a corrente sanguínea, e nos
mina a E. díspar, forma não patogênica. pulmões, chegam aos alvéolos, de onde
Há uma terceira espécie tradicional- migram para a traqueia e a faringe, po-
mente associada à diarreia, habitual- dendo ser deglutidas e chegar ao intes-
mente não patógena, a E. moshkovskii. tino delgado, local em que se fixam, pas-
sando a produzir milhares de ovos. Esta
COMO ACONTECE A INFECÇÃO
é a principal via de infecção, a cutânea.
E A PATOGENIA?
Secundariamente tem-se a via oral. As
Ascaridíase pessoas que andam descalças ou com
Pela ingestão de ovos do parasita, pre- sandálias abertas, representam o maior
sentes no solo, alimentos, objetos, mãos, grupo de risco.
ou água, contaminados por fezes hu-
manas. Os ovos resistem aos métodos Oxiuríase
usuais de purificação da água, mas Há mecanismos diversos: 1º) direto, isto
a fervura da água os mata em poucos é, ânus-boca ou autoinfecção, que se dá
minutos. Em clima seco e com ventos, pelos dedos contaminados ao contato
os ovos podem ser veiculados pelo ar com a região anal, pruriginosa, onde
e, eventualmente, entrar no organismo se encontram os ovos, os quais, poste-
pela boca ou pelas narinas. Atingindo riormente, são transferidos para a boca.
o intestino delgado, os ovos se rompem Este mecanismo predomina em crian-
e liberam as larvas, que através da pa- ças e doentes com deficiência mental;
rede do intestino, ganham a circulação 2º) indireto – neste mecanismo, os ovos
sanguínea ou linfática, chegando aos presentes nos alimentos, na poeira das
pulmões; passam pelos bronquíolos e habitações e na roupa de cama, corti-
ascendem à faringe, onde são degluti- nas ou tapetes, são deglutidos pelo mes-
das. Posteriormente, transformam-se em mo hospedeiro que os eliminou; é opor-
vermes adultos, estabelecendo-se no lú- tuno mencionar que os ovos também
men do intestino delgado. Por ter gran- podem ser veiculados pelo ar e inalados.
de capacidade de locomoção, os vermes 3º) retroinfecção, decorre da migração
podem migrar para outras regiões do das larvas para as regiões superiores do
organismo. intestino grosso, chegando até ao ceco,
SEÇÃO 8 548

onde se tornam adultas. Esta parasitose a ser filarioides no interior do próprio


acomete todos os grupos socioeconômi- hospedeiro, sem passar por fase evolu-
cos e a transmissão é facilitada quando tiva no meio externo. A auto-exoinfec-
as pessoas vivem muito próximas. ção ocorre quando as larvas filarióides
localizadas na região anal ou perianal,
Tricuríase novamente penetram no organismo do
A infecção se instala a partir da ingestão hospedeiro.
de ovos, provenientes do solo, que con-
taminam a água, os alimentos, as mãos Esquistossomose
e os objetos (brinquedos); as larvas são Nesta helmintíase, os ovos eliminados
liberadas por ação das enzimas digesti- pelas fezes no solo, ao entrar em contato
vas sobre os ovos; ocorrem várias “mu- com águas naturais (alagados, açudes e
das” e após 90 dias, aproximadamente, rios) eclodem, liberando larvas ciliadas,
se transformam em vermes adultos, que denominadas miracídios, que infectam
se localizam no intestino grosso, princi- o caramujo do gênero Biomphalaria.
palmente no ceco; neste local se proces- Após quatro a seis semanas, abandonam
sa a ovoposição. As infecções maciças o caramujo, agora na forma de cercá-
encontram nos lactentes o principal rias. O contato do homem com as águas
grupo de risco. infectadas é a maneira pela qual se ad-
quire a esquistossomose mansônica. À
Estrongiloidíase exemplo do que se sucede com as larvas
Larvas infectantes penetram no orga- dos estrongilóides, as cercárias também
nismo através da pele; e pela circulação penetram na pele e de forma similar
linfática ou venosa alcançam o apare- chegam ao aparelho respiratório e, a
lho respiratório, na sequência, migram posteriori, alcançam o tubo digestivo.
até a faringe, podendo ser deglutidas,
atingindo, assim, o trato digestivo, onde Giardíase
se desenvolve o verme adulto. A fêmea A forma usual de se infectar é a partir da
libera ovos larvados que eclodem no ingestão de cistos existentes nas mãos
intestino e as larvas, mais tarde, saem (transferência de cistos, mão-boca), nos
nas fezes, podendo evoluir no meio ex- alimentos (menos comum) ou na água
terno para a forma infectante ou para (incluindo a de piscinas) contaminados
larvas adultas de vida livre que, ao se por dejetos de pessoas; pode ocorrer
acasalarem, geram novas formas infec- entre familiares e em creches. A trans-
tantes. Pode ocorrer também auto-en- missão sexual foi relatada entre homens
doinfecção, quando as larvas passam (homem com outros homens). Também
Parasitoses intestinais 549

existe a possibilidade de transmissão disseminadores. O parasita existe sob


zoonótica. Os cistos se transformam em duas formas, a de cisto, infectante e a de
trofozoítos no duodeno, onde se multi- trofozoíto, que causa a doença invasiva
plicam rapidamente e fixam-se à mu- (causa micro-ulcerações na mucosa). Os
cosa por meio de um disco suctorial. Os casos extraintestinais descritos ocorrem
trofozoítos se transformam em cistos e via circulação porta; a doença pode al-
são eliminados juntamente com as fezes. cançar o fígado, os pulmões, o cérebro e
Na patogenia da diarreia, os trofozoítos a pele. Ao atingirem a porção inferior do
induzem redução das microvilosidades intestino delgado, os cistos liberam as
e aumento dos linfócitos intraepiteliais. amebas tetra-nucleadas, que originarão
Ocorre ativação de mastócitos, liberação as formas vegetativas (trofozoítos), com
de prostaglandinas, ativação de adenil- habitat preferencial no intestino grosso,
ciclase, saída de cloro das criptas, e má ou nas últimas porções do íleo.
absorção de sódio e água pelas micro-
vilosidades. A diarreia cursa de leve, COMO SE MANIFESTAM CLINICAMENTE
AS PARASITOSES INTESTINAIS?
autolimitada, até formas persistentes
associadas com má absorção. Há situa- Na maioria dos casos, a presença do pa-
ções em que coloniza sem causar diar- rasita no tubo digestivo do hospedeiro
reia; em outras, parece proteger contra não gera manifestações clínicas impor-
diarreia de etiologia diversa. Especula- tantes. Quando a ação do parasita su-
se que a proliferação de G. lamblia es- pera as forças de defesa do hospedeiro
teja aumentada pelo uso de omeprazol, surgem as manifestações clínicas, que
ranitidina e cimetidina, em função da poderão ser gerais ou específicas de ca-
redução da acidez gástrica. da parasita.

Amebíase
CONSTITUEM MANIFESTAÇÕES
ATRIBUÍVEIS AOS PARASITAS:
A exemplo do que acontece na giardía-
se, ingerindo alimentos ou água con- Ascaridíase
taminados por fezes, contendo cistos Dor abdominal (periumbilical ou epigás-
amebianos maduros, pode se contrair a trica, pode simular apendicite), náuseas,
infecção; mais raramente por transmis- vômitos, flatulência, hiporexia e carên-
são sexual (sexo oral e sexo anal), sobre- cias nutricionais. Sintomas respiratórios
tudo nos países desenvolvidos. Moscas (síndrome de Loeffler) podem caracteri-
e baratas podem ser vetores desta pro- zar o estágio larvar. O enovelamento de
tozoose. Portadores assintomáticos, que grande número de parasitas pode levar
manipulam alimentos são importantes à suboclusão intestinal por áscaris. Em
SEÇÃO 8 550

caso de infecção maciça, o verme adul- corrimento vaginal e predisposição a in-


to pode ser eliminado pela boca, pelo fecções do trato urinário, vulvovaginites
nariz, ou pelo ânus, ou juntamente com e complicações anexiais, como a salpin-
as fezes. Pode migrar para apêndice, gite. Sintomas e sinais inespecíficos do
pâncreas, colédoco, ferida operatória e aparelho digestivo são registrados, como
abscesso hepático. Pneumonia autolimi- vômitos, dores abdominais, tenesmo, pu-
tada e peritonite granulomatosa, volvo, xo e raramente fezes sanguinolentas. A
perfuração de alça intestinal e abscesso infecção pode disseminar-se rapidamen-
hepático piogênico, são manifestações te no ambiente doméstico e acometer
mais raras. vários membros de uma mesma família.

Ancilostomíase Tricuríase
As manifestações dependem da etapa A infecção cursa de forma assintomáti-
de migração do parasita e do número ca na maioria dos pacientes; quando o
de vermes presentes. Há três etapas dis- parasitismo é muito intenso (eliminação
tintas: 1ª – Fase larvária, caracterizada de mais de 5.000 ovos/g de fezes) apa-
pela dermatite pruriginosa; 2ª – Fase de recem as manifestações clínicas, como
migração larvária, representada pela anemia, anorexia, náuseas e cólicas ab-
pneumonite eosinofílica (síndrome de dominais. Quando coexiste a desnutri-
Loeffler); 3ª – Fixação dos vermes adul- ção, podem surgir disenteria, prolapso
tos na mucosa intestinal: dor abdominal, retal (possivelmente por hipotrofia mus-
vômitos, diarreia, hiporexia, perversão cular do reto) e enterorragia (secundá-
do apetite (polifagia e geofagia), diar- ria às lesões da mucosa intestinal, que
reia ou constipação, enterorragia, ane- variam de erosões superficiais a ulcera-
mia em graus variáveis que, em casos ções extensas). Há descrição de crises de
graves, pode levar a quadros de descom- urticária e eosinofilia, que desaparecem
pensação cardíaca, hipoproteinemia e com a eliminação dos vermes. Convém
edema. recordar que as infecções maciças atin-
gem as crianças mais jovens (lactentes).
Oxiuríase
O prurido anal, que piora à noite, é o Estrongiloidíase
sintoma predominante. Insônia e irri- As manifestações clínicas variam de
tabilidade podem decorrer do prurido. uma eosinofilia assintomática nos imu-
Ao migrar para a genitália externa das nocompetentes até uma doença disse-
meninas, pode causar prurido e, conse- minada (hiper infecção), com choque
quentemente, lesões cutaneomucosas, séptico nos imunocomprometidos. O
Parasitoses intestinais 551

quadro clínico intestinal varia de mé- com águas naturais infectadas. Na fase
dia a grande intensidade, com diarreia, crônica, diferentes formas são descri-
dor abdominal e flatulência, acompa- tas: forma intestinal caracterizada por
nhadas ou não de anorexia, náusea, diarreia, sem alteração hepática; for-
vômitos e dor epigástrica, que pode ma hepatointestinal representada por
simular quadro de úlcera péptica. diarreia, cólica e hepatomegalia; forma
Especialmente nos pacientes desnu- hepatoesplênica sem hipertensão portal
tridos e imunodeprimidos pelo uso marcada pela esplenomegalia e a forma
de corticoides e antineoplásicos pode hepatoesplênica com hipertensão portal
ocorrer disseminação sistêmica das compensada, em que se observa esple-
larvas, determinando um quadro de nomegalia e outros sinais de hiperten-
extrema gravidade, que pode ser letal. são portal, como varizes esofagianas e
O quadro cutâneo secundário à pene- retais, e circulação colateral abdominal
tração das larvas (dermatite) caracte- superficial. A forma hepatoesplênica
riza-se por lesões urticariformes, ou com hipertensão portal pode levar à
maculopapulares ou, ainda, por lesões fibrose de Symmers, sendo encontrado
serpiginosas ou lineares pruriginosas fígado já de tamanho reduzido. Há, ain-
migratórias (larva currens). A migração da, relatos de hiperesplenismo, hipoe-
da larva pode causar manifestações volutismo, hemorragia digestiva alta
pulmonares, como tosse seca, dispneia e anemia. As possíveis complicações
ou broncoespasmo e edema pulmonar da doença são: insuficiência hepática
(síndrome de Loeffer). grave, hemorragia digestiva, cor pul-
monale, glomerulonefrite, associações
Esquistossomose com infecções bacterianas (salmone-
O quadro clínico agudo surge de quatro las, estafilococos) e virais (hepatites B
a seis semanas após a penetração das e C). É possível o comprometimento do
cercárias. Caracteriza-se por sintomas sistema nervoso central e de outros ór-
de infecção, com febre, anorexia desâ- gãos, secundário ao depósito ectópico
nimo, diarreia, às vezes sanguinolenta, de ovos.
cólicas e vômitos. Podem ocorrer hepa-
tomegalia dolorosa e esplenomegalia Teníase
discreta. O quadro clínico é polimorfo e Esta parasitose está particularmente
variável, se assemelhando às gastroen- associada ao consumo de carne de
terites. É descrito um quadro agudo porco (e javali) e de carne bovina, mal
cutâneo, urticariforme, conhecido co- cozida. É provocada pela presença da
mo dermatite cercariana, após o contato forma adulta da Taenia solium e da
SEÇÃO 8 552

Taenia saginata no intestino delgado. do hospedeiro. O indivíduo com infec-


A cisticercose é causada pela presença ção sintomática pode apresentar desde
da larva da Taenia solium nos tecidos. diarreia aguda até sintomas crônicos, co-
Pode causar dores abdominais, debi- mo anorexia, fadiga, flatulência, disten-
lidade, náuseas, perda de peso, flatu- são abdominal, dor abdominal e diarreia
lência, diarreia ou constipação, retardo de evolução crônica, caracterizada por
do crescimento e desenvolvimento na fezes amolecidas de aspecto gorduroso
criança. Presente na luz intestinal, po- (esteatorreia). Pode ocorrer síndrome de
de seguir um curso benigno, oligo ou má absorção com perda de peso, edema
assintomático. Excepcionalmente, nos por hipoproteinemia, anemia e parada
casos de infecção mais grave, o parasita do crescimento (quadro semelhante à
pode migrar para o apêndice, o colédo- doença celíaca). Casos mais graves e re-
co ou o ducto pancreático e requerer-se correntes podem acometer indivíduos
intervenção cirúrgica. A infecção pode com deficiência de IgA secretória.
ser percebida pela eliminação espontâ-
nea de proglotes nas fezes. As formas Amebíase
graves da infecção se localizam no siste- As infecções por E. dispar e cerca de 80%
ma nervoso central, e as manifestações a 90% das infecções pela E. histolytica
clínicas predominantes são neuropsi- são assintomáticas. Nas formas invasivas
quiátricas (convulsões, cefaleias, distúr- podem ocorrer a colite não disentérica
bios do comportamento, hipertensão e a colite disentérica aguda, manifesta-
intracraniana) e oftálmicas. Quando, ção clássica, caracterizada pela tríade
acidentalmente, o homem ingere os de fezes mucossanguinolentas, cólicas
ovos da Taenia solium desenvolve-se a abdominais e tenesmo com temperatu-
cisticercose. A cisticercose pelos ovos da ra mantendo-se normal ou inferior a 38º
Tae­nia saginata não ocorre ou é extre- C. Nas formas complicadas pode ocor-
mamente rara. rer hemorragia, perfuração intestinal,
peritonite, colite amebiana fulminante,
Giardíase hemoperitonio, estenoses, invaginações,
A maioria das infecções é assintomáti- fístula reto vaginal e oclusão intestinal
ca, sendo mais provável que a primeira por ameboma (forma tumoral rara, de
infecção seja sintomática e as demais localização no reto, cécum ou sigmoide,
evoluam de forma silente. O segundo que pode ser confundida com neopla-
ano de vida parece ser o mais vulnerável. sia do cólon). O abscesso hepático pode
O quadro clínico depende da virulência, ocorrer nas formas invasivas e traduz-
da carga parasitária e da resposta imune -se clinicamente em crianças por febre
Parasitoses intestinais 553

alta, distensão abdominal, irritabilidade, de 5 amostras. Diferentes métodos po-


queda do estado geral e hepatomegalia dem ser realizados, como: Faust – ideal
dolorosa. Empiema e pericardite são para cistos e oocistos de protozoários (G.
descritos como complicações possíveis. lamblia, E. histolytica e E. díspar), e ovos
É descrita a apendicite amebiana, pro- “leves” de helmintos, sendo limitado pa-
cesso inflamatório por invasão de trofo- ra a detecção de larvas; Hoffman-Pons-
zoítos da E. histolytica. Janner – se presta para o diagnóstico
de cistos e ovos “leves” (Ancylostoma
COMO SE FAZ O DIAGNÓSTICO duodenale e Trichuris trichiura), sendo
LABORATORIAL DAS PARASITOSES particularmente útil para o diagnósti-
INTESTINAIS? co de ovos “pesados” (A. lumbricoides
É indispensável uma anamnese bem e Schistosoma mansoni); Baermann e
conduzida, com destaque para os an- Moraes – indicado para a pesquisa de
tecedentes pessoais, hábitos de higie- larvas de helmintos (Strongyloides ster-
ne, destinação dos dejetos, alimenta- coralis); Kato-Katz – indicado para a
ção, origem da água de consumo, tipo investigação de esquistossomose, pos-
de habitação e perfil profissiográfico, sibilita a contagem de ovos por grama
quando pertinente. O exame físico de- de fezes e, assim, a classificação da
ve ser completo, incluindo o aparelho carga parasitária em leve, moderada e
genitourinário. grave; método do swab-anal ou da fita
Na maioria dos casos, o diagnóstico gomada – indicado para o diagnóstico
é estabelecido por intermédio do exame de ovos do E. vermicularis. Colorações
parasitológico de fezes. Para a maio- especiais de Giemsa ou Ziehl-Neelsen
ria das parasitoses, as fezes podem ser são utilizadas para o diagnóstico de
armazenadas em qualquer recipiente Cryptosporidium sp. A técnica de ELISA
limpo, sem adição de conservantes. Em pode ser utilizada para o diagnóstico de
caso de fezes líquidas, o material deve giárdiase e amebíase.
ser prontamente examinado, sendo pos- No hemograma pode se observar
sível o diagnóstico pelo método direto, anemia, decorrente da má absorção ou
apenas de trofozoítos, como os vistos na por perdas, e eosinofilia relacionada aos
giardíase e na amebíase. Quanto maior parasitas que possuem ciclo pulmonar
o número de amostras coletadas, maior (áscaris, ancilóstoma, estrongilóides e
a chance de identificação de parasitas; e esquistossomose). Na esquistossomose
é sugerida, de forma rotineira, a coleta com hiperesplenismo, o hemograma
de 3 amostras. No caso da investigação pode acusar leucopenia e plaquetope-
de esquistossomose orienta-se a coleta nia. Nas parasitoses que cursam com
SEÇÃO 8 554

má absorção pode ser vista hipoalbu- Acreditamos ser oportuno que no


minemia (ancilostomíase, giardíase e diagnóstico diferencial das parasitoses
criptosporidiose), na esquistossomose intestinais, especialmente, naquelas em
o protidograma pode evidenciar um pi- que a diarreia seja um dado importante,
co de gamaglobulina. A busca de antí- considerar, evidentemente atentando
genos por métodos imunoenzimáticos para as peculiaridades individuais e de
ou PCR e a de anticorpos (sorologia), é cada faixa etária, as hipóteses de: into-
útil no diagnóstico da amebíase e da lerância aos carboidratos, síndrome do
giardíase, sobretudo nos protocolos de intestino irritável, fibrose cística, doen-
pesquisas. ça celíaca, diarreia do viajante, doenças
A radiografia simples ou a ultrasso- inflamatórias, criptosporidiose, alergias
nografia do abdômen deve ser realizada a proteínas alimentares, neoplasias, uso
na suspeita de quadros obstrutivos por crônico de laxativos ou recorrente de
áscaris e de abscesso hepático amebia- antibióticos, entre outras possibilidades.
no e também na hipótese de perfuração Quanto à neurocisticercose, o diagnósti-
intestinal (nestes casos pode ser útil a co diferencial deve ser feito com a epi-
tomografia ou a ressonância magnéti- lepsia e com outras condições clínicas,
ca – RNM de abdome. A ultrassonografia em que a convulsão faça parte do qua-
pode ser útil ainda para o diagnóstico e dro sintomatológico.
o acompanhamento da doença hepática
na esquistossomose na forma hepatoes- COMO TRATAR E PREVENIR?
plênica, com hipertensão portal. Nas Mais importante do que tratar é ensi-
parasitoses com manifestação hemorrá- nar como evitar novas contaminações.
gica intestinal se impõem os exames en- Orientar sobre o cuidado com a água
doscópicos, para o diagnóstico e even- de beber (evitar água de rios, açudes,
tual tratamento. Nos casos suspeitos de poços e cacimbas, sem ferver ou filtrar
neurocisticercose, a RNM pode ser man- antes). Criar o hábito de lavar as mãos
datória para a confirmação do diagnós- sempre com água e sabão. Deixar frutas,
tico. Os estudos sorológicos no soro e no legumes e verduras em solução com
líquido cefalorraquidiano confirmam hipoclorito ou com vinagre, seguindo
o diagnóstico. Os proglotes raramente os protocolos sanitários. Não consu-
são detectados no exame de fezes. Na mir carne crua ou mal cozida. Atenção
suspeita da síndrome de Loeffler, que especial ao consumo de peixes crus,
pode ocorrer nas parasitoses com ciclo crustáceos e mariscos. Evitar comida
pulmonar, os exames de imagem são de de vendedores ambulantes e alimentos
grande utilidade. lácteos não pasteurizados, incluindo
Parasitoses intestinais 555

sorvetes e picolés. Lavar bem as roupas cada seis meses, independentemente


íntimas e as roupas de cama. Higiene da existência de sintomas ou da realiza-
redobrada com as panelas, talheres e ção de exames parasitológicos. É o que
mamadeiras e, ainda, maior com a chu- se denomina de tratamento de parasi-
peta, se for o caso. Usar água fervida tose presumida. Aplicado, sobretudo,
no preparo do leite (fórmula) para o diante de condições inadequadas de
bebê. Manter as crianças calçadas, as habitação, saneamento básico, nutri-
unhas curtas e higienizadas e evitar a ção, condição financeira e de instrução,
geofagia. Orientar sobre a higieniza- acesso ao atendimento primário de saú-
ção criteriosa dos vasos sanitários e a de e também dirigido a comunidades
destinação correta dos dejetos. No que institucionalizadas (creches, orfanatos,
tange ao tratamento, deve-se optar por casas de apoio, asilos, quartéis e presí-
drogas polivalentes e de baixo custo. É dios, entre outras).
discutível tratar formas assintomáticas, As opções terapêuticas para as di-
sobretudo os protozoários, em pacien- versas parasitoses estão expostas no
tes bem nutridos, pelo risco de apare- quadro abaixo. Elas não retratam, ne-
cimento de resistência. É imperativo cessariamente, o consenso da discipli-
que antes do início de um tratamento na de Pediatria do Centro de Ciências
com corticoides, imunossupressores e Médicas da UFPE. Cabe ao profissional
drogas antineoplásicas faça-se uso de que realiza o atendimento e estabelece
medicação antiparasitária. o diagnóstico, a liberdade e o direito
Alguns tratamentos deverão ser de escolher o fármaco e estabelecer a
repetidos para garantir a erradicação dose e o tempo do tratamento, funda-
efetiva do parasita, devido ao risco de mentado-se nos seus conhecimentos da
reinfecção endógena e exógena, e para literatura médica, evidências científicas
assegurar que formas larvárias, não eli- e prática clínica.
minadas no primeiro tratamento por es- No tratamento da teníase podem ser
tarem em ciclo pulmonar, sejam supri- usados mebendazol, albendazol, pra-
midas. Em nosso meio tem-se adotado ziquantel ou clorossalicilamida. Para o
uma postura singular em relação à giar- tratamento da neurocisticercose, uma
díase na faixa pediátrica; são tratados opção é o praziquantel associado à de-
aqueles casos de diarreia crônica depois xametasona ou, alternativamente, o al-
de excluídas ou eliminadas as demais bendazol mais a metilprednisolona. O
possibilidades etiológicas, e a diarreia uso de anticonvulsivantes se impõe em
persistir. Alguns serviços médicos, pre- cerca de dois terços dos pacientes, além
conizam o tratamento de parasitoses a do seguimento com o neurologista.
SEÇÃO 8 556

Quadro 1. Opções terapêuticas para o tratamento das diversas parasitoses

Medicação Ascaris Ancilostomo Oxiúros Tricuris Estrongiloides Schistosoma Giárdia Ameba**

Mebendazol 3 dias* 3 dias* 1 dia 3 dias

Albendazol 1 dia 1 dia 1 dia 3 dias 3 dias 5 dias

Cambendazol 1 dia

Nitazoxanida 3 dias 3 dias 3 dias 3 dias 3 dias 3 dias 3 dias 3 dias

Tiabendazol 3 dias

Ivermectina 1 dia

Levamisol 1 dia 1 dia

Secnidazol 1 dia 1 dia

Metronidazol 5-10dias 7-10 dias

Tinidazol 1 dia 2-5 dias

Piperazina 2-5 dias

Pirantel 1 dia 3 dias

Pirvínio 1 dia

Oxamniquina 1 dia

Praziquantel 1 dia

*O tratamento deverá ser repetido após 21 dias. **Existem evidências de que as formas prevalentes em nosso meio são
apatogênicas, (zimodemos não patógenos) não se justificando, na maioria dos casos, o tratamento.

Fonte: Autores.

POSOLOGIA RECOMENDADA • Cambendazol: 5 mg/kg, 1x/dia (não po-


PARA ANTIPARASITÁRIOS de ser usado em menores de 10 anos);
• Mebendazol: 100 mg/kg/dia, 2x/dia; • Praziquantel: 60 mg/kg, 1x/dia (crian-
• Albendazol: 400 mg/dia, 1x/dia; ças a partir de 2 anos);
• Levamisol: 20 a 40 mg, abaixo de 2 • Oxamniquina: 20 mg/kg, 1x/dia (a par-
anos; 40 a 80 mg, entre 2 e 8 anos; 80 a tir de dois anos);
150 mg, acima de 8 anos; em dose úni- • Metronidazol: 20 a 30 mg/kg/dia, 3x/dia;
ca diária; • Secnidazol: 30 mg/kg, 1x/dia;
• Pirantel: 10 mg/kg, 1x/dia; • Tinidazol: 50 mg/kg, 1x/dia;
• Nitazoxanida: 7,5 mg/kg, 2x/dia; • Clorossalicilamida: 1g, via oral, divi-
• Pamoato de pirvínio: 10 mg/kg, 1x/dia; dida em duas tomadas, para crianças
• Tiabendazol: 50 mg/kg, 1x/dia ou 25 mg/ de 2 a 8 anos; 2g, via oral, dividida em
kg 2x/dia; duas tomadas, para adultos e crianças
• Ivermectina: 0,2 mg/kg, 1x/dia; com mais de 8 anos.
Parasitoses intestinais 557

QUANDO REALIZAR PROGRAMAS crescimento e ganho de peso em crian-


DE ERRADICAÇÃO EM MASSA? ças em faixa de risco (pré-escolares). A
Esse é um aspecto controverso na litera- OMS recomenda que em regiões onde
tura. Para alguns, as estratégias de erra- a prevalência de helmintíase seja maior
dicação em massa podem ser aventadas do que 50%, as crianças de 1 a 5 anos
para faixas etárias de maior risco e em sejam tratadas 2 vezes por ano e quan-
regiões demográficas com baixas condi- do a prevalência for de 20% a 50%, tratar
ções socioeconômicas e elevada preva- esta mesma faixa etária 1 vez por ano.
lência de enteroparasitoses. É sugerido O impacto desta medida é discutível,
que o uso periódico de antiparasitários sendo advogado por alguns que o bai-
de amplo espectro, atuantes sobre as xo impacto sobre a saúde da população
enteroparasitoses mais prevalentes, po- talvez não justifique o maior risco de
de diminuir a prevalência da doença resistência aos fármacos comumente
nas comunidades de alto risco, evitar utilizados, o risco de efeitos colaterais
formas graves e favorecer um melhor e o custo.

REFERÊNCIAS
AROUCHA, M. L.; BRANDT, K.; GALEÃO, G. M. GABRIELLI, A. F. et al. Preventive chemo-
Parasitoses intestinais. In: Manual de Con­ therapy in human helminthiasis: theoreti-
dutas da UFPE. 2ª ed. Recife: Ed. Universitária cal and operational aspects. Transactions of
da UFPE, 2014, p. 383-391. the Royal Society of Tropical medicine and
Hygiene, v. 105, n. 12, p. 683-693, 2011.
AROUCHA, M. L. Perda Proteica intestinal em
MANFROI, A.; STEIN, A. T.; CASTRO, F. E. D.
crianças, adolescentes e adultos jovens, com
Abordagem das parasitoses intestinais mais
esquistossomose mansônica. Tese (Doutorado),
prevalentes na infância. Projeto Diretrizes.
p. 130. Belo Horizonte: Universidade Federal
Associação Médica Brasileira e Conselho
de Minas Gerais, 2003.
Federal de Medicina. 2009. Disponível em:
BRASIL. Ministério da Saúde. Doenças Infec­ www.projeto-diretrizes.org.br/8_volume/
ciosas e parasitárias. Guia de bolso. 8ª ed. 01-abordagem.pdf. Acesso em: 12 ago. 2012.
Brasília/DF, 2010. MARIE, C.; PETRI, W. A. JR. Amoebic dysentery.
BMJ Clin Evid, v. 30, p. 2013-0918, Aug. 2013.
FLETCHER, S. M.; McLAWS, M. L.; ELLIS, J. T.
Prevalence of gastrointestinal pathogenes TAHAN, T. T. Parasitoses intestinais. In:
in developed and developing countries. BURNS, D. A. R. et al. Tratado de Pediatria.
Sistematic review and meta-analysis. J Public So­ciedade Brasileira de Pediatria. 4ª ed., p.
Health Res. v. 16; p. 42-53, Jul. 2013. 1052-1057. São Paulo: Manole, 2017.
SE Ç ÃO 9

Cardiologia pediátrica

Capítulo 1
Abordagem inicial de cardiopatias congênitas

Capítulo 2
Febre reumática

Capítulo 3
Insuficiência cardíaca aguda em pediatria
C AAPÍTULO
PÍTULO x1

Abordagem inicial
de cardiopatias congênitas

Simone de Oliveira Barbosa Villa Verde

O QUE São CARDIOPATIAS CONGÊNITAS? e a congestão pulmonar, progredindo


São anormalidades estruturais do cora- para o aumento da resistência vascu-
ção e grandes vasos que ocorrem du- lar pulmonar até a hipertensão arterial
rante o período embriológico cardíaco pulmonar (síndrome de Eisenmenger).
que ocorre entre a 3ª e a 11ª semana As principais cardiopatias neste grupo
de gestação. Assim, apresentam amplo são: persistência de canal arterial (PCA),
espectro de disfunções e gravidades, de- comunicação interatrial (CIA), comuni-
pendendo do estágio embriológico em cação interventricular (CIV), defeito de
que tenha ocorrido o erro na sequência septo atrioventricular (DSAV) e janela
de desenvolvimento. aortopulmonar (JAOP).
Sinais e sintomas dependerão do
QUAIS SÃO OS TIPOS? tamanho do shunt e da sua localização.
De modo geral, os principais achados
Cardiopatias de hiperfluxo pulmonar das cardiopatias de hiperfluxo pulmo-
Cardiopatias que cursam com hiper- nar são decorrentes deste aumento de
fluxo pulmonar por desvio de parte do fluxo no leito pulmonar. Dispneia, ta-
volume sanguíneo das câmaras esquer- quicardia, hepatomegalia, radiografia
das para as câmaras direitas, o qual cha- de tórax com presença marcante de
mamos de shunt. Esse desvio de fluxo aumento da trama vascular são as prin-
gera uma sequência de eventos que se cipais características deste grupo de
iniciam com a sobrecarga de volume cardiopatias.
SEÇÃO 9 560

Cardiopatias com obstrução da via sistêmico passa pelo lado direito do cora-
de saída do ventrículo esquerdo ção e segue direto para a aorta retornan-
Malformações que dificultam a saída do ao leito sistêmico, assim como, o re-
do sangue do ventrículo esquerdo para torno venoso pulmonar passa pelo lado
aorta: estenoses aórtica subvalvar e su- esquerdo do coração seguindo pela arté-
pravalvar (rubéola congênita) e esteno- ria pulmonar e, desse modo, retornando
ses valvares aórtica, e coarctação crítica para o leito pulmonar. A sobrevida de-
de arco aórtico. Cardiopatias que geral- penderá da existência de shunts, onde
mente cursam com congestão pulmonar ocorrem mistura do sangue arterial e
em radiografia de tórax, podendo ser venoso, sendo assim uma cardiopatia
uma cardiopatia canal dependente de cianogênica com hiperfluxo pulmonar
acordo com a intensidade da obstrução. representado por um aumento de vascu-
latura pulmonar na radiografia de tórax.
Cardiopatias cianogênicas
São cardiopatias em que há barreira ao COMO É A ABORDAGEM INICIAL
fluxo pulmonar associada ao shunt das DA CRIANÇA CARDIOPATA?
câmaras direitas para as câmaras es- Além das variáveis formas e associações
querdas. Devemos lembrar que a ciano- de defeitos estruturais cardiológicos
se só se torna visivelmente evidente se que proporcionam diferentes apresen-
a saturação sistêmica se encontrar por tações clínicas, há também apresenta-
volta de 80% ou menos. As principais ções clínicas de acordo com a idade do
cardiopatias deste grupo são: Tetralogia paciente. Cardiopatias congênitas de
de Fallot, atresia pulmonar e atresia apresentação clínica precoce, ainda no
tricúspide. Além da cianose, o achado período neonatal, costumam ser as mais
radiológico em comum será a pobreza graves e que necessitam, de modo geral,
de vasculatura pulmonar. Neste grupo de intervenção precoce ou imediata-
se encontra a maioria das cardiopatias mente à suspeita.
dependentes do canal arterial, nas quais
o fluxo sanguíneo para vasculatura pul- Período neonatal
monar ocorre através de colaterais e do As cardiopatias congênitas graves ou
canal arterial pérvio. críticas costumam apresentar mani-
festações clínicas nos primeiros dias
Cardiopatia com hiperfluxo de vida, ainda no período neonatal.
pulmonar e circulação em paralelo Aproximadamente 30% destes pacientes
Fisiologia gerada pela transposição de recebem alta hospitalar sem diagnóstico
grandes artérias, onde o retorno venoso podendo evoluir para óbito rapidamente
Abordagem inicial de cardiopatias congênitas 561

se não forem abordados adequadamen- crítica com valva aórtica bicúspide). A


te e a tempo. Para diminuir esses even- arritmia observada na ausculta cardía-
tos, o Teste do Coraçãozinho pode ser ca pode ser imediatamente elucidada
realizado rotineiramente, pois é de reali- através da realização de um eletrocar-
zação simples e de baixo custo (Figura 1). diograma e, em casos de pacientes ins-
A suspeita clínica de cardiopatia táveis ou com sinais de gravidade com
congênita no período neonatal pode presença de ritmo cardíaco anormal
ser levantada pela presença de quatro (irregular, taquicardia ou bradicardia),
achados principais: sopro cardíaco, ar- a monitorização cardíaca com obser-
ritmia, taquidispneia e cianose. O exa- vação de derivação D2 direciona as
me físico cardiovascular completo é de condutas a serem tomadas. Se houver
suma importância. Um sopro rude, nem taquidispneia, precisamos nos certificar,
sempre significa uma cardiopatia gra- e excluir outras causas inerentes a este
ve (exemplo: CIV pequena), ou mesmo período de vida (síndrome da aspiração
um sopro suave ou ausente pode não meconial, doença da membrana hialina
ser simples (exemplo: uma coarctação etc.). Quanto à cianose, como o Teste do

Figura 1. Teste do coraçãozinho

TRIAGEM NEONATAL DE CARDIOPATIA CONGÊNITA CRÍTICA


OXIMETRIA DE PULSO
Membro superior direito e em um dos membros inferiores
Entre 24 e 48 horas de vida, antes da alta hospitalar

SpO2 < 95% SpO2 ≥ 95%


ou uma diferença de ≥ 3% entre as medidas ou uma diferença de < 3% entre as medidas

REALIZAR OUTRA OXIMETRIA EM 1 HORA

SpO2 < 95% SpO2 ≥ 95%


ou uma diferença de ≥ 3% ou uma diferença de < 3%
entre as medidas entre as medidas

REALIZAR ECOCARDIOGRAMA
NÃO DAR ALTA ATÉ ESCLARECIMENTO SEGUIMENTO NEONATAL DE ROTINA
DIAGNÓSTICO

Fonte: Ministério da Saúde (2018).


SEÇÃO 9 562

Coraçãozinho deve ser realizado rotinei- logista ou à suspeita de cardiopatia


ramente em todos os recém-nascidos, congênita são: síncope, crise de ciano-
este teste de triagem já elucida de for- se, dor torácica, palpitações e dispneia
ma prática esta questão. A resistência aos esforços. Crianças com cardiopatias
vascular pulmonar (RVP) é semelhante congênitas de hiperfluxo pulmonar
à resistência vascular sistêmica na 1ª se- apresentam sinais e sintomas a partir
mana de vida. Por volta da 2ª a 3ª sema- da 2ª semana de vida, com a queda da
na, os desvios de fluxo sanguíneo, que RVP, porém dependendo da magnitude
ocorrerão após a queda da RVP, levarão do shunt, sinais e sintomas mais proe-
ao quadro de insuficiência cardíaca (IC), minentes podem aparecer somente com
que será maior quanto maior for o shunt. meses de vida. Assim como, crises de cia-
Nunca esquecer de auscultar cabeça e nose em cardiopatias como Tetralogia
abdome de recém-nascidos com IC sem de Fallot podem ter início a partir dos
causa definida para averiguação de exis- 6 meses de vida, com o aumento do es-
tência de sopro contínuo indicativo de forço físico.
fistula arteriovenosa (exemplo: aneuris-
ma de Galeno). E caso exista dúvida so- COMO REALIZAR A ANAMNESE
bre cardiopatia canal dependente, que E O EXAME FÍSICO?
exigirá o início da prostaglandina ve- Na história do pré-natal de todo pacien-
nosa, realizar o Teste de Hiperóxia para te com suspeita de cardiopatia congê-
condução do caso (Figura 2). nita deve-se procurar por doenças do
colágeno (lúpus eritematoso sistêmico,
Após o período neonatal anticorpos anti-La e anti-Ro), diabetes
Nesta ampla faixa etária, as principais mal controlada (gestacional, tipo I ou II),
queixas que levam à procura do cardio- exposição a fatores teratogênicos, como

Figura 2. Teste de Hiperóxia

PaO2 < 100 mmHg


Provável Cardiopatia congênita canal dependente ou hipertensão
arterial pulmonar
Diferença de PaO2 pré e pós-ductal < 30mmHg → cardiopatia
TESTE DE HIPERÓXIA congênita muito provável
(Oferecer FIO2 100%
durante 10 min)
PaO2 > 250 mmHg
Descarta Cardiopatia congênita CIANOGÊNICA

Fonte: CARVALHO, B. W.; COLLETI, J.; KOGA, W.; IMAMURA, J. H. (2018).


Abordagem inicial de cardiopatias congênitas 563

uso de alguns medicamentos (lítio, anti- hipofluxo pulmonar, obstrução via de


coagulantes, anticonvulsivantes), doen- saída do ventrículo esquerdo, circulação
ças infectocontagiosas (rubéola), relato em paralelo, canal dependente), deve-se
familiar de cardiopatias congênitas, tomar todas as medidas de estabiliza-
arritmias, morte súbita ou síndromes ção do paciente, conforme seu grupo.
hereditárias relacionadas com malfor- Corrigir hipoglicemia, distúrbios aci-
mações cardíacas. No interrogatório dobásicos e hidreletrolíticos; oferta de
sintomatológico, averiguar a existên- oxigênio, se necessário, manutenção de
cia de sudorese de polo cefálico, infec- canal arterial patente (prostaglandina
ção respiratória de repetição, déficit de dose 0,01 a 0,15 mg/kg/min) e manter
ganho de peso e dispneia aos esforços. a menor dose capaz de assegurar uma
Ao exame físico, observar existência de saturação sistêmica entre 75% a 85%
face sindrômica, déficit de ganho de para cardiopatias canais dependentes
peso, palidez cutânea, cianose, pulsos cianogênicas); manter normotermia, ter
presentes nos 4 membros (amplitude e cuidado com o excesso de volume em
simetria entre membros inferiores e su- cardiopatias de hiperfluxo pulmonar
periores), hipertensão arterial sistêmica ou congestão, manejar e estabilizar a IC,
(que ao ser detectada, deve-se proceder seja com diuréticos, drogas vasoativas e/
a aferição em membro inferior), precór- ou inotrópicas, e controlar arritmias.
dio abaulado ou hiperdinâmico, frêmito Se há identificação de possível car-
cardíaco, alterações na ausculta cardía- diopatia, solicitar avaliação de cardio-
ca (presença de B3 ou B4, sopros, clique, logista pediátrico o mais breve possível
desdobramento fixo de B2 ou B2 única, para pacientes críticos, instáveis ou com
ritmo irregular, bradicardia, taquicar- potencial de desestabilização, para a
dia) e hepatomegalia. realização de avaliação e ecocardiogra-
ma. Nos casos de pacientes em bom
COMO CONDUZIR O PACIENTE? estado geral, sem sinais de gravidade,
A partir da identificação da possível nem de possível instabilidade hemodi-
cardiopatia e da classificação de seu nâmica iminente, encaminhar para um
grande grupo (hiperfluxo pulmonar, especialista.

REFERÊNCIAS
BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Nota técnica arquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2018/ju
nº 7/2018 – CGSCAM/DAPES/SAS/MS, de 07 de nho/12/SEI-MS-2937931-Nota-Tecnica.pdf.
junho de 2018. Disponível em: https://por­tal Acesso em: 23 jun. 2021.
SEÇÃO 9 564

CARVALHO, B. W.; COLLETI, J.; KOGA, W.; G.C.E et al. 7th ed. Philadelphia: Williams &
IMAMURA, J. H. Manual de cardiointensivis- Wilkins, 2008. p 236-247.
mo em Pediatria/Neonatologia. Ed Atheneu.
OLIVEIRA, E. C.; MOTA, C. C. C. Cardiologia
São Paulo 2018, p. 14. pediátrica: abordagem prática. Cardiopatias
Congênitas Cianóticas (CCC). Parte 2: Sinopse
DAMIANO, A. P. Cardiopatias congênitas: ba-
das cardiopatias congênitas cianóticas, dividi-
ses do diagnóstico na consulta pediátrica.
das de acordo com a condição fisiopatológica
Boletim da Sociedade de Pediatria de São Pau­
determinante de cada uma. Correios da SBP,
lo, Pediatra Atualize-se, São Paulo, v. 6, p. 4-6,
São Paulo, ano 9, p. 5-9, abr./mai/junho/2003.
dez. 2020.
THOMFORD, N. E. et al.; Clinical Spectrum of
MOSS & ADAMS. Heart disease in infants, congenital heart defects (CHD) detected at
children, and adolescents. Emmanouilides the child health Clinic in a Tertiary Health Fa­
GC, Riemenschneider TA, Allen HD, et al. 7th cil­ity in Ghana: a retrospective analysis. Jour­-
Williams & Wilkins, Philadelphia, 2008. In: nal of Congenital Cardiology, v. 4, n. 3, 2020.
C AAPÍTULO
PÍTULO x2

Febre reumática

Adriana Azoubel-Antunes
Maria Carolina Pires Lins e Silva Lima

O QUE É FEBRE REUMÁTICA? de cardiopatias. O risco de acometimen-


A febre reumática (FR) é uma sequela to cardíaco aumenta quanto mais jo-
não supurativa que ocorre de duas a vem for o paciente e se mostra cerca
quatro semanas após a faringite por de duas vezes mais aumentado no sexo
estreptococo β-hemolítico do grupo A feminino.
(Streptococcus pyogenes) em indivíduos Nos países de baixa renda, a FR agu-
geneticamente susceptíveis (0,3% a 3% da e a doença cardíaca reumática conti-
da população). Pode se manifestar clini- nuam sendo importantes causas de mor-
camente por artrite, cardite, coreia, eri- bidade e mortalidade. Aproximadamente
tema marginado e nódulos subcutâneos. 60% dos pacientes em países endêmicos
Os danos às válvulas cardíacas podem desenvolvem cardiopatia reumática crô-
ser crônicos e progressivos, resultando nica. Para evitar isso, é preciso rápido re-
em descompensação cardíaca. A faixa conhecimento e tratamento da faringoa-
etária mais comumente acometida vai migdalite estreptocócica e da prevenção
dos 5 aos 15 anos com as mesmas taxas de infecções recorrentes.
de incidência entre os gêneros. Os sinto-
mas de FR iniciam-se após faringoamig- QUAL É O QUADRO CLÍNICO?
dalite estreptocócica, nunca após qua- O diagnóstico da FR é essencialmente
dro de piodermite. No entanto, 1/3 dos clínico, e os critérios utilizados (Critérios
pacientes com FR não relatam história de Jones modificados) são constituídos
de odinofagia. por cinco principais manifestações clíni-
O curso da doença é caracterizado cas (critérios maiores) e quatro critérios
por recidivas, podendo ocorrer após o menores, descritos a seguir. O pacien-
primeiro episódio, aumentando o risco te no início pode apresentar sintomas
SEÇÃO 9 566

gerais, como fadiga, prostração, ano- de 90%. Ocasionalmente, a miocardi-


rexia, falta de ar, dor no peito, taquicar- te e a pericardite estão presentes. Na
dia, palidez, sudorese, dores abdominais. fase aguda, a lesão acontece mais
A febre é variável e vem combinada com sob forma de insuficiência mitral,
outras manifestações clínicas. manifestando-se como sopro sistóli-
co apical. A segunda lesão mais co-
Critérios Maiores mum é a insuficiência aórtica (o aco-
• Artrite: geralmente poliartrite mi- metimento da válvula aórtica isolada
gratória envolvendo predominan- é raro). Um exame físico, mesmo sem
temente as grandes articulações, sopros, não afasta comprometimento
assimétrica, extremamente dolorosa cardíaco. Três sopros são característi-
(mesmo não mostrando sinais infla- cos da fase aguda: sopro sistólico de
matórios expressivos no exame físi- regurgitação mitral, sopro diastólico
co), com predileção por grandes ar- de Carey Coombs e sopro diastólico
ticulações. Sua duração raramente de regurgitação aórtica. Podem ser
ultrapassa uma semana e o quadro subclínicas, presentes em 50% a 80%
total cessa em menos de um mês. dos casos. O Quadro 1 caracteriza as
Presente em 60% a 80 % dos casos intensidades de cardite.
• Cardite: acomete os três folhetos, sen- • Coreia de Sydenham: movimentos rá-
do o endocárdio acometido em mais pidos, involuntários, incoordena dos,

Quadro 1. Classificação da cardite baseada na sua gravidade

Cardite leve

Taquicardia sinusal (desproporcional à febre), alargamento do intervalo PR, hipofonese de B1 e sopros


discretos no foco mitral. No ECO, mostra regurgitações leves a moderadas, com ventrículo esquerdo (VE)
de tamanho normal

Cardite moderada

Podem aparecer sinais de pericardite aguda (precordialgia, atrito pericárdico), sopros exuberantes e
aumento moderado da área cardíaca no RX. Também pode estar presente aumento do intervalo QT,
sinais de sobrecarga ventricular ou baixa voltagem (esta última sinalizando derrame pericárdico). No
ECO, tem regurgitação mitral leve a moderada associada ou não à lesão aórtica e com aumento leve a
moderado de átrio esquerdo (AE) e VE

Cardite grave

Presença de insuficiência cardíaca (palidez, astenia, congestão pulmonar, hepatomegalia, B3, etc). No
RX, observa-se cardiomegalia e sinais de congestão pulmonar. No ECG, mostra sobrecarga de VE e, no
ECO, estão presentes regurgitações mitral e/ou aórtica de grau moderado/importante, com AE e VE
aumentados

Observação: Com exceção das lesões valvares, que podem regredir, persistir ou progredir, todas as outras manifestações
da febre reumática aguda remitem sem sequelas.

Fonte: Autoras.
Febre reumática 567

que desaparecem durante o sono. C reativa [PCR]), intervalo PR prolonga-


Acentuam-se em situações de estres- do no eletrocardiograma.
se e esforço. Geralmente é uma ma-
nifestação tardia (pode ocorrer até COMO DIAGNOSTICAR?
sete meses da infecção estreptocóci- O diagnóstico é eminentemente clínico
ca. Ocorre em 10% a 30 % dos casos. e auxiliado por exames laboratoriais.
• Nódulos subcutâneos: múltiplos, São os Critérios de Jones que guiam a
arredondados, de tamanhos va- suspeita diagnóstica. Esses critérios so-
riados (0,5-2 cm), firmes, móveis, freram sua última atualização em 2015
indolores e sem sinais flogísticos. pela American Heart Association, quan-
Lo­­­ca­­li­zam-se sobre proeminências do foram adicionadas outras ferramen-
e tendões extensores (cotovelos, pu- tas diagnósticas com o objetivo de dei-
nhos, joelhos, tornozelos, região oc- xar a doença melhor avaliada para os
cipital, tendão de Aquiles e coluna tempos atuais.
vertebral), sendo mais facilmente O diagnóstico de um primeiro epi-
percebidos pela palpação do que sódio de FR (Quadro 2) exige a confir-
pela inspeção. São associados à pre- mação de dois critérios maiores ou um
sença de cardite grave e presentes critério maior e dois menores, junta-
em até 10% dos casos. mente à evidência de infecção recente
• Eritema marginatum: eritema com por S. pyo­genes. Podem fechar diagnós-
bordas nítidas, centro claro, contor- tico apresentando-se isoladamente, sem
nos arredondados ou irregulares, in- ou­tros critérios e evidência de infecção
dolores, não pruriginosas, podendo es­treptocócica: a Coreia de Sydenham e
ter aspecto serpiginoso e é exacer- a cardite indolente, de início insidioso,
bado pelo calor. Localiza-se princi- curso de longo prazo e progressão im-
palmente em tronco, abdome, face perceptível das lesões.
interna de membros superiores e Em relação à quantidade de articula-
inferiores, poupando a face. São as- ções acometidas, para as populações de
sociados à presença de cardite (não risco moderado a alto, a poliartralgia e a
necessariamente grave) e ocorrem monoartrite, e não apenas a poliartrite
em menos de 6% dos casos. migratória, como antes, são considera-
das como critérios maiores. Além disso,
Critérios Menores a monoartralgia é considerada como
Artralgia, febre, provas elevadas de ati- um sinal menor para esse grupo de ris-
vidade inflamatória da fase aguda (taxa co, desde que não possua “artrite” como
de hemossedimentação [VSH], proteína critério maior.
SEÇÃO 9 568

Para o diagnóstico de recidiva (Qua­ • Eletrocardiograma;


dro 2) são necessários dois critérios • RX de tórax PA e perfil;
maiores ou um critério maior e dois • Ecocardiograma: realizar idealmen-
menores ou três critérios menores, inde­ te em todos os pacientes diante da
pendentemente do grupo de risco ao suspeita de FR pois é a principal fer-
qual o paciente pertença. ramenta diagnóstica para a confir-
mação, o diagnóstico e o monitora-
Observação: Para recidiva em paciente com mento das lesões valvares silenciosas
história de cardite reumática, basta um crité- na fase aguda.
rio maior ou dois menores.
COMO CONDUZIR?
As indicações claras de internamento
EXAMES COMPLEMENTARES são: casos de cardite moderada ou gra-
• ASLO; ve, artrite incapacitante e coreia grave.
• Cultura de orofaringe e/ou teste rá- Como nos deparamos com contextos de
pido para S. pyogenes; fragilidade social, a hospitalização tam-
• Hemograma completo; bém pode servir para abreviar o tempo
• Provas de atividade inflamatória: entre a suspeita clínica e o diagnóstico,
PCR e VHS; bem como iniciar e garantir tra­tamento.

Quadro 2. Critérios de Jones (2015)

1o surto de FR: Recidiva de FR:


• 2 critérios maiores; ou • 2 critérios maiores; ou
• 1 maior e 2 menores • 1 maior e 2 menores; ou
• 3 menores

Critérios – Populações de risco moderado a alto (ex.: população brasileira)

“MAIORES”

• Artrite (poliartrite migratória, monoartrite ou poliartralgia)


• Cardite (valvulite, miocardite ou pericardite)
• Coreia de Sydenham
• Nódulos subcutâneos
• Eritema marginado

“MENORES”

• Monoartralgia
• Febre (≥ 38 °C)
• Elevação de VHS (≥ 30 mm na 1a hora) e/ou PCR ≥ 3 mg/dL
• Intervalo PR prolongado, corrigido para a idade* (só quando não houver cardite)
* Crianças: > 0,18 s/Adolescentes: 0,20 s

Obrigatória: evidência de infecção pelo Estreptococo Beta-hemolítico do Grupo A por dosagem da


antiestreptolisina O (ASLO) positiva ou teste rápido ou cultura do swab de orofaringe positiva

Fonte: Autoras.
Febre reumática 569

Como orientação geral, os pacientes por 2 semanas, reduzindo em dian-


deverão ficar em repouso relativo por te lentamente. Outros AINEs, que
um período de duas semanas ou quatro podem ser usados para alívio da dor
semanas para cardite moderada a grave. articular, são: Naproxeno (10-20 mg/
O retorno às atividades habituais depen- kg/dia); Ibuprofeno (30-40 mg/kg/dia).
derá da melhora clínica e dos exames. Cardite: o uso de glicocorticoides é
Sempre erradicar o S. pyogenes na vi- controverso, mas em pacientes com
gência de suspeita de FR, sem esperar cardite moderada a grave com insu-
comprovação desse agente. A profilaxia ficiência cardíaca aguda, particular-
primária (Quadro 3) visa prevenir o pri- mente na presença de marcadores
meiro surto de FR por meio da redução inflamatórios elevados persistentes
do contato com as cepas reumatogêni- ou em pacientes que enfrentam ci-
cas. A eficácia é obtida ainda que se ini- rurgia iminente, pode-se usar pred-
cie o antibiótico até 9 dias do começo do nisona 1 a 2 mg/kg/dia, ou como
quadro infeccioso. regra prática de: até 30 kg – fazer
40 mg/dia e acima de 30 kg – fazer
Tratamento específico 60 mg/kg. Usar dose plena, fraciona-
Artrite: as manifestações articulares em da em duas ou três tomadas diárias,
geral respondem rápido aos anti-in- durante 15 dias; depois, reduzir 20%
flamatórios não esteroidais (AINEs), a 25% da dose, por semana, sem a ne-
dentro de 48 horas. O tratamento cessidade de adição de um AINE du-
pode ser feito com Ácido Acetilsalicí­ rante esse desmame pensando em
lico (AAS) na dose de 100 mg/kg/dia controle dos sintomas articulares

Quadro 3. Medicações para profilaxia primária na FR

Medicamento Dose

Dose única: 600.000 U para crianças com peso até 20 kg;


Penicilina G Benzatina IM (primeira linha)
1.200.000 U para crianças com peso maior que 20 kg

Penicilina V oral 50 mg/kg/dia, VO, 6/6h, por 10 dias

Amoxicilina 50 mg/kg/dia, VO, 8/8h, por 10 dias

Eritromicina (alergia à penicilina) 40 mg/kg/dia, VO, 6/6h, (dose máxima 1g/dia) por 10 dias

20 mg/kg/dia, VO, 24/24h, (dose máxima 500 mg/dia) por


Azitromicina (alergia à penicilina)
3 dias ou 12 mg/kg/dia, por 5 dias

15-25 mg/kg/dia, VO, 8/8h, (dose máxima 1.500 mg/dia),


Clindamicina (alergia à penicilina)
por 10 dias

Fonte: Autoras.
SEÇÃO 9 570

associados (pode-se voltar ao uso redução gradual de 1 mg/semana.


após a interrupção do corticoide). Tomar cuidado com doses próximas
O uso de medicações para insufi- à dose máxima, pois podem causar
ciência cardíaca, como diuréticos, síndrome extrapiramidal.
digital, vasodilatadores e drogas • Ácido Valproico: iniciar com dose de
vasoativas, dependerá do grau de 10 mg/kg/dia, VO, de 8/8 horas ou 12/12
insuficiência cardíaca. A cirurgia horas e aumentar 10 mg/kg semanal-
valvar raramente é necessária em mente até no máximo 30 mg/kg/dia.
pacientes com cardite reumática • Carbamazepina: 7-20 mg/kg/dia, VO,
aguda, apenas em pacientes com de 12/12 horas.
ruptura do folheto da válvula ou • A prednisona também pode ser usa-
cordas tendíneas.  da de forma segura em casos mode-
Coreia: deve-se manter o ambiente cal- rados a graves para encurtar a dura-
mo para a criança. Nos casos de in- ção dos sintomas: 1 a 2 mg/kg/dia, VO,
tensa interferência das atividades ha- de 24/24 horas por duas semanas e,
bituais, risco de injúria de si mesmo depois, reduzir 20%, a cada 2 a 4 dias,
ou a outros ou alto nível de angústia ao longo de duas a três semanas.
para a família, iniciar uma das medi-
cações abaixo: Nos casos de pacientes com FR pré-
• Haloperidol: mais usado na prática. via ou portadores de cardiopatia reumá-
Dose: 1 mg/dia, VO, de 12/12 horas. tica comprovada deve-se realizar profi-
Aumentar 0,5 mg a cada três dias, laxia secundária (Quadro 4).
até atingir boa resposta ou até a O tempo mínimo da profilaxia se-
dose máxima de 5 mg/dia. Após 3 cundária deve se estender até atingir o
semanas sem sintomas, inicia-se que for mais distante (Quadro 5).

Quadro 4. Medicações de profilaxia secundária na FR

Medicamento Dose

De 21/21 dias (primeira linha) nas mesmas doses


Penicilina G Benzatina
que a profilaxia primária

Penicilina V oral 250 mg, 12/12h

500 mg, VO, para peso menor que 30 kg; 1g, VO,
Sulfadiazina (em caso de alergia à penicilina)
para peso maior ou igual a 30 kg – 24/24h

Eritromicina (em caso de alergia à penicilina e à 250 mg, VO, de 12/12h


sulfadiazina)

Fonte: Autoras.
Febre reumática 571

Quadro 5. Duração da profilaxia secundária da FR

Categorias Duração da profilaxia

5 anos após o último episódio ou até 21 anos, o


Sem cardite prévia
que for mais longo

Com cardite, sem doença valvar residual ou 10 anos após o último episódio ou até 25 anos, o
regurgitação mitral mínima que for mais longo

Com cardite e doença valvar residual Até 40 anos ou por toda a vida

Após cirurgia de troca valvar Por toda a vida

Fonte: Autoras.

REFERÊNCIAS
BARASH, J.; MARGALITH, D.; MATITIAU, A. luz da revisão da American Heart Association
Corticosteroid Treatment in Patients With 2015. Revisão Brasileira de Reu­matologia, Go­
Sydenham’s Chorea. Pediatric Neu­rol­o­gy-El­ iâ­nia, v. 57, p. 364-368, 2017.
sevier, [s. l.], v. 32, p. 205-207, 2005.
SOCIEDADE BRASILEIRA DE CARDIOLOGIA,
CARAPETIS, J. R. et al. Acute rheumatic fever
SO­­CIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA E DA
and rheumatic heart disease. Nature Reviews,
SO­CIE­­DADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA.
Australia, v. 2, p. 1-24, 2016.
Dire­
tri­
zes Brasileiras para o Diagnóstico,
KARTHIKEYAN, G.; GUILHERME, L. Acute Trata­men­to e Prevenção da Febre Reumática.
rheu­mat­ic fever. The Lancet, [s. l.], p. 1-14, Arqui­vos Brasileiros de Cardiologia, São Paulo,
2018. v. 93, n. 3, supl. 4, p. 1-18, 2009.
KUMAR, R. K. et al. Diagnosis and Man­
SZCZYGIELSKA, I. et al. Rheumatic fever – new
agement of Rheumatic Heart Disease: Con­
diagnostic criteria. Rheumatology, Poland, v.
tem­
porary Diagnosis and Management of
56, p. 37-41, 2018.
Rheumatic Heart Disease: Implications for
Closing the Gap. A Scientific Statement From ZUHLKE, L. J. Group A Streptococcus, Acute
the American Heart Association. American Rheumatic Fever and Rheumatic Heart Dis­
College of Cardiology, [S. l.], p. 1-4, 2020.
ease: Epidemiology and Clinical Consid­
er­
PEREIRA, B.A.F.; BELO, A.R.; SILVA, N.A. Febre a­tions. Valvular Heart Disease, [s. l.], v. 19, p.
reumática: atualização dos critérios de Jones à 1-23, 2017.
C APÍTULO 3

Insuficiência cardíaca
aguda em pediatria

Simone de Oliveira Barbosa Villa Verde

O QUE É? por arritmias (12-15%), cardiomiopatia


A insuficiência cardíaca (IC) é uma sín- (13-14%) e miocardite (2%).
drome clínica e fisiopatológica comple- As apresentações primárias mais fre-
xa. Definida como uma falha do coração quentes são quadros respiratórios e/ou
em fornecer sangue para a circulação sis- sintomas gastrointestinais, que podem
têmica ou pulmonar em uma taxa de flu- mimetizar outras doenças pediátricas
xo apropriada, ou para receber retorno comuns, levando a diagnósticos incorre-
venoso em uma pressão de enchimento tos ou tardios. As diretrizes clínicas para
adequada. Esta falha pode ser resultado o tratamento da insuficiência cardíaca
de disfunção ventricular, sobrecarga de em pediatria têm sido historicamente
volume ou pressão isoladamente ou em uma extrapolação de dados de estudos
combinação. Apresenta-se em pacientes realizados em adultos.
com as mais diversas patologias de base.
Incidência estimada em 0,9 a 7,4 COMO DIAGNOSTICAR?
por 100.000 crianças, com uma taxa de Em recém-nascidos e lactentes, os prin-
mortalidade intra-hospitalar de 7% a 26%. cipais sintomas são dificuldades respi-
Lactentes são a maioria dos pacientes ratórias e alimentares (semelhantes às
hospitalizados com insuficiência cardía- demandas metabólicas observadas de
ca entre o público pediátrico (64%). esforço físico em crianças mais velhas),
Os diagnósticos cardíacos primários enquanto em crianças mais velhas e
no momento da admissão são cardiopa- adolescentes, se apresentam de for-
tia congênita estrutural (69%), seguido ma mais semelhante à IC em adultos.
Insuficiência cardíaca aguda em pediatria 573

Passando desde sinais e sintomas leves, • Hipotensão arterial sistêmica < per-
como déficit de crescimento, dificulda- centil 5;
de de alimentação, desconforto respira- • Dor abdominal e/ou vômitos;
tório, intolerância aos exercícios físicos • Sinais de congestão sistêmica (hepa-
e fadiga, até anormalidades circulató- tomegalia) e/ou pulmonar (esterto-
rias, neuro-hormonais e moleculares. res pulmonares, ortopneia, radiogra-
O quadro clínico pode se apresentar fia de tórax com sinais de congestão
desde o nascimento, como nas cardio- ou hiperfluxo pulmonar);
patias dependentes do canal ou mais tar- • Débito urinário (DU) < 0,5 ml/kg/hora.
diamente quando relacionado a outras
patologias sistêmicas ou outros defeitos COMO TRATAR?
congênitos estruturais. Sinais clínicos: O manejo da IC descompensada exige a
• Palidez cutânea; classificação dos pacientes em um dos
• Alteração do nível de consciência; quatro perfis hemodinâmicos distintos,
• Taquicardia e pulso filiforme; com base em uma avaliação da volemia
• Aumento da frequência respiratória; do paciente (congesto ou seco) e da per-
• Extremidades frias e cianóticas; fusão tecidual (frio ou quente) (Quadro 1).

Quadro 1. Classificação dos pacientes de acordo com os perfis hemodinâmicos pelas avaliações da
volemia e da perfusão tecidual

Critérios

Congesto: ortopneia, pressão venosa alta, ascite, reflexo


abdominojugular, estertores pulmonares e hepatomegalia
Volemia
Seco: sem sinais de congestão = pressão de enchimento de VE normal

Frio: pulsos diminuídos, perfusão periférica lentificada, extremidades


frias e piora da função renal (oligúria)
Perfusão tecidual
Quente: boa perfusão periférica = débito cardíaco e resistência
vascular periférica normais

Classificação

A – Quente e seco B – Quente e congesto


Não apresenta dados objetivos Paciente bem perfundido, mas congesto, usar diuréticos e
da descompensação. Deve-se vasodilatadores, se indicado (  pós-carga do VE)
pesquisar outras causas que Furosemida: 0,5-1 mg/kg, endovenosa ou oral, a cada 6-12 horas
justifiquem seus sintomas Restrição hídrica para 80% do volume de manutenção

D – Frio e seco C – Frio e congesto


Usar: Usar:
Adrenalina, Diuréticos,
Assistência circulatória e Inotrópicos e
Pressão positiva Pressão positiva

Fonte: Autora.
SEÇÃO 9 574

Deve-se procurar minimizar a hipóxia Suporte farmacológico (Tabela 1):


tecidual aumentando a oferta de O2 ou 1. Agentes inotrópicos
reduzindo o seu consumo. Necessitando- • Milrinona: inotrópico vasodilatador,
se do controle dos fatores que aumen- melhora índice cardíaco, a pressão
tam o consumo de oxigênio: agitação capilar pulmonar e a resistência vas-
psicomotora, com sedação; trabalho cular periférica. Cautela em pacien-
respiratório aumentado (levando à fa- tes hipotensos.
diga respiratória), com adequada oferta • Dobutamina: efeito cronotrópi-
de oxigênio; e controle de temperatura. co mais significativo – aumenta
O aumento do transporte do oxigênio volu­
me sistólico. Cuidado com pa-
pode ser obtido pela otimização do dé- cientes hipotensos ou em uso de
bito cardíaco (DC) através do ajuste da β-bloque­adores.
frequência cardíaca (FC), pré-carga, con- • Dopamina: bom efeito inotrópico e
tratilidade e pós-carga. vasopressor, melhora a perfusão co-
• FC: ajustes para valores normais, ronariana. Em dose > 10mcg/kg/min
controle de arritmias (taquicardias e afeta receptores α-adrenérgicos pe-
bradicardias). Verificar hipertermia, riféricos (aumento da RVP) podendo
hipo ou hipervolemia, dor, agitação piorar o choque cardiogênico.
psicomotora e uso de drogas. • Adrenalina e noradrenalina: efeitos
• Pré-carga: avaliação e ajuste da similares, utilizadas em choque re-
volemia. fratário e hipotensão arterial persis-
• Contratilidade: utilização de drogas tente. Doses elevadas não melhoram
vasoativas e ajuste de distúrbios hi- a perfusão tecidual e elevam o con-
dre­letrolíticos. sumo de O2.
• Pós-carga: ajuste em casos de cardio- 2. Vasodilatadores
patia hipertensiva. • Nitroprussiato: para pacientes em
insuficiência cardíaca aguda com
Exames complementares: uma carga de volume miocárdica
• Radiografia de tórax; significativa (por exemplo, regurgi-
• Eletrocardiograma; tação valvar), o nitroprussiato ou a
• Exames laboratoriais (hemograma, nitroglicerina melhoram o volume
ga­
sometria, eletrólitos, glicemia, sistólico, sem aumentar a demanda
ureia, creatinina, lactato, enzimas e o consumo de O2 do miocárdio.
car­díacas, coagulograma, culturas); A nitroglicerina apresenta o risco
• Ecocardiograma. de prejudicar a pré-carga quando
Insuficiência cardíaca aguda em pediatria 575

usada como vasodilatador sozinha, potássio, além de ter efeito no remo-


avaliar a necessidade de associação delamento cardíaco.
com inotrópico. 4. Digitálicos
3. Diuréticos • Digoxina e Deslanosídeo: drogas que
• Furosemida: deve ser usada com bloqueiam o transporte de Na-Ca
cautela, na menor dose possível e na membrana plasmática, aumen­
monitorizando DU, função renal, ta- tan­do o cálcio intracelular. Uso re-
xa de filtração glomerular e níveis servado para situações em que há
de potássio sérico. O uso prolonga- necessidade de controle da frequên-
do está relacionado à taquifilaxia. cia cardíaca.
O uso associado a digitálicos causa 5. Prostaglandina
maior risco de intoxicação digitálica. • Prostaglandina E1: vasodilatador, po­-
• Tiazídicos: destaque para a hidroclo- tente inibidor da agregação plaque-
rotiazida. Inibem a reabsorção de só- tária, promove abertura e/ou ma-
dio. Na prática pediátrica, são mais nutenção do canal arterial patente,
associados ao uso de furosemida. usado assim em cardiopatias canal
• Espironolactona: é associada à furo- dependente.
semida para controle das perdas de

Tabela 1. Principais medicamentos usados no atendimento inicial da insuficiência cardíaca

Droga Dose

Dobutamina 2 a 20 μg/kg/min

Dopamina 1 a 20 μg/kg/min

Adrenalina 0,1 a 1 μg/kg/min

Noradrenalina 0,05 a 2 μg/kg/min

Ataque: 50 μg/kg em 15 min


Milrinone
Manutenção: 0,25 a 0,75 μg/kg/min

Nitroprussiato de sódio 0,5 a 10 μg/kg/min

1 a 2 mg/kg/dose
Furosemida
Infusão contínua de 0,05 mg/kg/hora até efeito desejado

Prostaglandina 0,01 a 0,15 μg/kg/min

Midazolam 0,05 a 0,4 mg/kg/dose

Fentanil 1 a 4 μg/kg/dose

Cetamina 0,5 a 2 mg/kg/dose

Fonte: Autora.
SEÇÃO 9 576

Objetivos do manejo da IC:


• Identificar causas removíveis (tam- • Melhorar o estado de consciência;
ponamento cardíaco, arritmia car- • Obter débito urinário de 1ml/kg/
díaca, choque hipovolêmico); hora;
• Atingir pressão arterial média ade- • Alívio de vômitos e dor abdominal;
quada para a idade; • Saturação de O2 acima de 94%, para
• Obter sinais de perfusão periférica pacientes acianóticos, e acima de
adequada (extremidades quentes, 70%, para pacientes com cardiopatia
en­
chimento capilar < 2 segundos, cianogênica, com o mínimo de su-
melhora da palidez cutânea); porte de O2 possível.

REFERÊNCIAS
AHMED, H.; VANDERPLUYM, C. Medical man­- KANTOR, P. F. et al. Presentation, Diagnosis,
agement of pediatric heart failure. Car­dio­ and Medical Management of Heart Failure in
vascular diagnosis & therapy. Hong Kong, v. Children: Canadian Cardiovascular Society
11, n. 1, p. 323-335, maio 2020. Guidelines. Canadian Journal of Cardiology,
Canadá, v. 29, p. 1535-1552, ago. 2013.
ATIK, E.; RAMIES, J. A. F.; FILHO, R. Cardiopatias
KIRK, R. et al. The Internacional Society for heart
Congênitas: Guia prático de diagnóstico, tra-
and lung transplantation guidelines for the
tamento e conduta geral. 1ª ed. São Paulo:
management of pediatric heart failure: Exec­-
Editora Atheneu, 2014.
utive summary. The Journal of heart and lung
AZEKA, E. et al. I Diretriz de insuficiência car- trasplantation, v. 3, n. 9, p. 888-909, set. 2014.
díaca (IC) e transplante cardíaco, no feto, na
ROSSANO, J. W. et al. Prevalence, morbidity,
criança e em adultos com cardiopatia congê- and mortality of heart failure-related hospital-
nita. Arq. Bras. Cardiol, v. 103, n. 6, supl. 2, p. izations in children in the United States: a po-
1-126, dez. 2014. pulation-based study. Journal of Cardiac Fail­
ure, Filadélfia, v. 18, n. 6, p. 459-470, jun. 2012.
HUSSEY, A. D.; WEINTRAUB, R. G. Drug Treat­
ment of Heart Failure in Children: Focus on SHADDY, R. E. et al. Systematic Literature
Recent Recommendations from the ISHLT Review on the Incidence and Prevalence of
Guidelines for the Management of Pediatric Heart Failure in Children and Adolescents.
Heart Failure. Paediatr Drugs, v. 18, n. 2, p. 89- Pediatric Cardiologic, Los Angeles, v. 39, p.
99, abr. 2016. 415-436, dez. 2017.
S EÇ ÃO 1 0

Nefrologia pediátrica

Capítulo 1
Infecção do trato urinário

Capítulo 2
Glomerulonefrite aguda pós-estreptocócica

Capítulo 3
Síndrome nefrótica

Capítulo 4
Lesão renal aguda/insuficiência renal aguda
C AAPÍTULO
PÍTULO x1

Infecção do trato urinário

Emília Maria Dantas Soeiro


Gustavo Coelho Dantas

QUAL É A PREVALÊNCIA E A IMPORTÂNCIA para malformações do trato urinário.


DA INFECÇÃO URINÁRIA NA INFÂNCIA? As uropatias, como o refluxo vesicoure-
O termo Infecção do Trato Urinário (ITU) teral, o megaureter e as disfunções da
compreende as infecções baixas (cisti- bexiga ou do intestino aumentam o ris-
tes) e altas (pielonefrites), muitas vezes co de infecção e podem estar presentes
difíceis de distinguir clinicamente em em cerca de 30% dos casos. Além disso,
crianças, sobretudo lactentes jovens. A a cicatriz renal é uma complicação po-
prevalência de ITU na infância apresen- tencial da ITU e suas consequências em
ta dois picos: no primeiro ano de vida longo prazo, que incluem hipertensão,
e na fase pré-escolar, coincidindo com proteinúria e doença renal em estágio
o treinamento de controle esfincteriano. avançado.
No primeiro ano de vida, sua incidên-
cia é de 0,7% em meninas e até 2,5% em QUAIS SÃO OS AGENTES ETIOLÓGICOS
meninos não circuncidados. Até a ado- ENVOLVIDOS NA ITU?
lescência, esta incidência chega a 7% no A Escherichia coli uropatogênica (UPEC)
sexo feminino e 1,7% no masculino. é responsável por cerca de 80% das in-
A infecção urinária é responsável por fecções do trato urinário fora do perío-
quase 20% dos casos de febre sem sinais do neonatal. O Streptococcus agalactiae
em lactentes, e o risco de recorrência na em neonatos, o Staphylococcus sapro-
faixa etária pediátrica chega a 50%. É phyticus em adolescentes sexualmente
importante ressaltar que um único epi- ativas e o Proteus mirabilis em meninos
sódio de ITU pode ser o evento sentinela não postectomizados são agentes vistos,
Infecção do trato urinário 579

com maior frequência, nessas situações costumam ser apresentações comuns


específicas. Vírus podem estar relacio- da infecção urinária. Após esse período,
nados a infecções baixas, como o adeno- disúria, polaciúria, febre, vômitos, dor
vírus, na cistite hemorrágica. lombar ou hipogástrica são as formas de
apresentação mais frequentes da ITU.
COMO É A PATOGÊNESE DA ITU?
As ITUs se desenvolvem a partir de um COMO A ANAMNESE E O EXAME FÍSICO
desequilíbrio entre a virulência bacte- PODEM AUXILIAR NO DIAGNÓSTICO?
riana e a defesa do hospedeiro. Fatores Conforme descrito acima, a apresenta-
relacionados à bactéria, como adesinas ção clínica é bastante heterogênea, o
e biofilmes patogênicos, aumentam sua que dificulta o diagnóstico. Sendo as-
virulência. As UPECs apresentam fatores sim, o pediatra deve estar sempre aten-
de virulência que facilitam a sua ascen- to e suspeitar de ITU nessas ocasiões. A
são ao trato urinário (Pili ou fímbrias S, avaliação deve incluir uma anamnese e
P e tipo 1). Por sua vez, o organismo pro- um exame físico completos. Importante
tege-se através da IgA solúvel da muco- e muitas vezes esquecida, é a pergunta
sa do trato urinário, receptores toll-like sobre o padrão miccional e intestinal.
que liberam citocinas quando são ativa- Lembrar de avaliar o jato urinário e o es-
dos, pela composição e pela osmolarida- forço para urinar. Questionar sobre per-
de da urina, além do fluxo unidirecional. das involuntárias de urina em crianças
Mais de 90% dos casos de ITU ocor- que já adquiriram controle esfincteriano.
rem por via ascendente e estão relacio- Esses dados, podem apontar para disfun-
nadas com a colonização periureteral ção do trato urinário inferior ou outros
nas meninas e prepucial nos meninos. quadros obstrutivos, como a bexiga neu-
A via hematogênica, entretanto, é mais rogênica, em ambos os sexos, ou a válvu-
frequente no período neonatal. la de uretra posterior, nos meninos.
No exame físico, avaliar a presença
QUAIS SÃO OS SINTOMAS DE ITU? de incontinência urinária, que se for
No período neonatal, os sintomas são constante, pode sugerir presença de ure-
inespecíficos, devendo haver suspeita de ter ectópico. Observar a persistência de
ITU se houver febre, irritabilidade, recu- bexiga palpável ou percutível após a mic-
sa alimentar, hipoatividade, bacteremia ção, que pode sugerir processo obstruti-
e sepse. Até os dois anos de vida, sinais vo ou disfunção do trato urinário inferior.
inespecíficos, como mau odor da urina, É importante realizar o exame da geni-
febre acima de 39o C, prostração, recu- tália externa, que avalia a aparência e a
sa alimentar e falta de ganho de peso, localização do meato da uretra, o hímen
SEÇÃO 10 580

e a presença de sinéquia de pequenos lá- QUAL É O EXAME PARA


bios nas meninas, estreitamento do pre- O DIAGNÓSTICO DE ITU?
púcio e meato uretral nos meninos. Além A urocultura ainda é o padrão ouro para
disso, sempre examinar a coluna lombar o diagnóstico de ITU. O número de co-
e avaliar a presença de estigmas sacrais. lônias aceitável para se considerar uma
Após uma semiologia adequada, o próxi- urocultura positiva para ITU depende
mo passo é a coleta de urina. do método de coleta. Para amostras
obtidas por cateterização, 50.000 uni-
COMO DEVE SER REALIZADA A COLETA dades formadoras de colônias (UFC)/ml,
DE URINA PARA DIAGNÓSTICO DE ITU? para jato intermediário e clean-catch
• A sondagem vesical ou punção su- 100.000 UFC/ml e para punção suprapú-
prapúbica (PSP): são os métodos pre- bica, 1.000 UFC/ml.
feridos para crianças sem controle A Academia Americana de Pediatria
esfincteriano, tendo em vista a me- estabelece o diagnóstico de ITU quando
nor taxa de contaminação. há alterações sugestivas em sumário de
• Coleta de jato urinário após assep- urina (contagem de leucócitos acima
sia (clean-catch, Quick-Wee): defen- de 10 por campo, bacteriúria, leucócito
dido por alguns guidelines inter- esterase ou nitrito positivo) e urocultu-
nacionais, pode ser aplicado em ra com mais de 50.000 UFC/ml para os
crianças sem controle esfincteriano. métodos de coleta considerados limpos.
No entanto, estudo recente mostrou Tendo em vista que o resultado da
taxa de contaminação em até 20% urocultura pode demorar, e diante da
dos casos. necessidade de iniciar precocemente o
• Coleta de jato urinário intermediá- tratamento da ITU, é possível o uso de
rio: deve ser o método de escolha em fitas urinárias. A Tabela 1 mostra o pa-
crianças com controle esfincteriano. drão de sensibilidade e especificidade
• Saco coletor: para coleta de urina e de elementos do sumário de urina, que
diagnóstico apresenta alta taxa de podem sugerir ITU.
contaminação. É um método útil
como triagem, caso a urina não QUAL ANTIBIÓTICO DEVE SER USADO,
apresente alterações. Portanto, é EM QUAL VIA E POR QUANTO TEMPO?
importante ressaltar que quando há A escolha inicial deve seguir o padrão
achados sugestivos de ITU, por urina de sensibilidade da flora local, quando
colhida por saco coletor, deve-se re- disponível. A Academia Americana de
fazer a coleta por método com baixa Pediatria considera igualmente eficazes
taxa de contaminação. as terapias oral e endovenosa, quando
Infecção do trato urinário 581

Tabela 1. Sensibilidade e Especificidade das alterações urinárias

Teste Sensibilidade (%) Especificidade (%)

Esterase leucocitária 83 78

Nitrito Positivo 50 92

Leucitúria 73 81

Bacterioscopia 81 83

Gram 93 95

Fonte: Sociedade Brasileira de Pediatria (2016).

não há sinais de toxemia e sepse grave. O tempo de tratamento da ITU de-


A exceção é feita para pacientes abaixo ve ser entre 7 e 10 dias. Após 72 horas
de 2 meses, imunocomprometidos ou sem febre, a antibioticoterapia veno-
neutropênicos febris. sa pode ser convertida para oral, para
A antibioticoterapia oral deve ser tratamento domiciliar. O exame de
realizada com agentes de boa excreção controle ao final do tratamento não
urinária e pouca ação sobre a flora in- é obrigatório, nem critério superior à
testinal. O antibiograma deve sempre clínica para considerar o paciente cura-
ser solicitado e o tratamento ajustado do. A Tabela 2 mostra as opções para a
após o resultado. antibioticoterapia.

Tabela 2. Antibióticos para tratamento de ITU

Droga Dose

Cefalexina 50-100 mg/kg/dia: 6h

Amoxicilina Clavulanato 40-70 mg/kg/dia: 12h

Antibioticoterapia oral Axetil-cefuroxima 30 mg/kg/dia: 12h

Cefprozil 30 mg/kg/dia :12h

Sulfametoxazol+trimetoprima 30-50 mg/kg/dia: 12h

Ceftriaxona 100 mg/kg/dia :12h

Cefotaxima 150 mg/kg/dia : 8h

Antibioticoterapia venosa Amicacina 15 mg/kg/dia :24h

Gentamicina 7 mg/kg/dia :24h

Piperacilina/Tazobactam 300 mg/kg/dia :6/6h

Fonte: Sociedade Brasileira de Pediatria (2016).


SEÇÃO 10 582

QUANDO E COMO INVESTIGAR vias urinárias e/ou cintilografia com


O LACTENTE COM ITU FEBRIL? DMSA alterada e/ou quadros recor-
Não existe consenso com relação à in- rentes de ITU;
vestigação do trato urinário após epi- • Cintilografia com DMSA: é o padrão
sódio de ITU. Até que se estabeleça um ouro atual para avaliação de cicatriz
consenso, seguiremos as recomenda- do parênquima renal em criança com
ções da Sociedade Brasileira de Pediatria história de ITU febril. A Academia
(SBP), com breves comentários: Americana de Pediatria não reco-
• USG de vias urinárias: deve ser rea- menda a realização da cintilografia
lizado em todas as crianças com ITU com DMSA no primeiro episódio
confirmada, com o intuito de detec- de ITU febril, pois argumenta que a
tar malformações. Lembrar que este identificação de cicatriz renal não vai
exame apresenta baixa sensibilida- interferir na conduta inicial da ITU.
de para diagnóstico de refluxo vesi- Até que haja um consenso quanto às
coureteral e o resultado depende da situações para a indicação do exame,
expertise do operador; seguiremos a orientação da SBP, que
• Uretrocistografia miccional (UCM): sugere realizar o exame em todos os
na última década, as indicações para lactentes com ITU febril, crianças que
realização da uretrocistografia mic- apresentaram quadro clínico de pie-
cional após uma UTI inicial, muda- lonefrite, mesmo naquelas crianças
ram drasticamente, com muito me- com USG normal de rins e vias uriná-
nos crianças realizando tal exame. A rias, e pacientes com RVU. Este exa-
razão para isso é que menos de um me deverá ser realizado após quatro a
terço das crianças com sua primeira seis meses do episódio inicial de ITU,
ITU têm refluxo vesicoureteral (RVU), quando a reação inflamatória aguda
e dessas, menos de 10% têm RVU gra- já diminuiu, e as alterações corticais
ve (grau IV e V). Assim, a UCM deve presentes possam ser consideradas
ser considerada após a primeira ITU como uma cicatriz renal permanente;
em crianças que apresentam disfun- • Estudo renal dinâmico com DTPA:
ção miccional, patógeno atípico, ci- indicado quando há suspeita de pa-
catriz renal, pacientes com história tologia obstrutiva com retardo im-
familiar de RVU ou malformações portante do fluxo urinário.
do trato urinário, ou quadros de in-
fecção urinária de repetição. A SBP É NECESSÁRIO FAZER QUIMIOPROFILAXIA?
sugere realizar UCM naqueles pa- A quimioprofilaxia nas ITUs ainda é
cientes que apresentam USG de rins e tema bastante controverso. Há uma
Infecção do trato urinário 583

tendência de menor uso da quimiopro- adequada e se institua o tratamento


filaxia, e a discussão para indicação, ou precocemente.
não, gira em torno da eficácia, do au- • Deve-se sempre considerar os fato-
mento da resistência bacteriana e da res de risco para recorrência da ITU,
baixa aderência por parte dos familia- assim como a presença de malfor-
res. A SBP sugere quimioprofilaxia em mações do trato urinário.
pacientes com ITU febril de repetição, • Considerar as indicações da avalia-
RVU graus IV ou V e anomalias com ção por imagem, sobretudo em epi-
obstrução do trato urinário, habitual- sódios confirmados de ITU febril e
mente por um período de seis meses, avaliar criteriosamente a indicação
até que as disfunções sejam corrigidas. da profilaxia antibiótica.
As drogas de escolha são nitrofurantoí- • Prevenir a recorrência da ITU, atuan-
na 2mg/kg/dia ou sulfametoxazol-tri- do na prevenção da constipação, es-
metoprima 10 mg/kg/dia ou cefalexina timulando o esvaziamento vesical
20 mg/kg/dia, todos em dose única diá- e evitando o comportamento de
ria. Lembrar das contraindicações da ni- retenção de urina em crianças com
trofurantoína em menores de 2 meses, controle esfincteriano.
nos recém-nascidos e lactentes jovens, • Estimular ingestão hídrica, que aju-
e que o uso da cefalexina deve ser de da a eliminar as bactérias da bexi-
12/12 horas. ga, além de melhorar a constipação
intestinal.
COMO PODE SER A ABORDAGEM À • Probióticos e produtos de Cranberry
ITU E COMO TENTAR PREVENIR A têm papel limitado na abordagem
RECORRÊNCIA? desses pacientes, sendo a sua eficá-
Na abordagem de crianças com suspei- cia não comprovada até o momento.
ta de ITU, especialmente em neonatos e
bebês, é muito importante que se faça o Dessa forma, podemos melhorar o
diagnóstico precoce, através de uma his- prognóstico dessas crianças, evitando
tória clínica detalhada, um exame físico cicatrizes renais, hipertensão e doença
completo, uma coleta de urina de forma renal crônica no futuro.

REFERÊNCIAS
AMERICAN ACADEMY OF PEDIATRICS. Uri­
- the Initial UTI Febrile Infants and Chil­dren 2
nary Tract Infection: Clinical Practice Guide­ to 24 Months. Pediatrics, v. 128, n. 3, p. 595-
line for the Diagnosis and Management of 610, 2011.
SEÇÃO 10 584

CHANG, P. W.; WANG, M. E.; SCHROEDER, A. R. overview. Pediatr (Rio J), v. 96, n. S1, p. 65-79,
Diagnosis and Management of UTI in Febrile 2020.
Infants Age 0-2 Months: Applicability of the
SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. De­
AAP Guideline. J Hosp Med, v. 15, n. 2, p. 176-
partamento Cientifico de Nefrologia. Do­cu­
80, 2020.
mento científico – infecção do trato urinário.
MALCOLM, G. et al. Redefining Urinary 2016. Disponível em: https://www.sbp.com.
Tract Infections by Bacterial Colony Counts. br/fileadmin/user_upload/2016/12/Nefrolo
Pediatrics, v. 125, n. 1 p. 335-41, 2010. gia-Infeccao-Trato-Urinario.pdf. Acesso em:

MATTOO, T. K.; SHAIKH, N.; NELSON, C. P. 27 fev. 2021.

Contemporary Management of Urinary Tract THOEN, L. A. et al. Update of the EAU/ESPU


Infection in Children. Pediatrics, v. 147, n. 2, p. guidelines on urinary tract infections in chil-
e2020012138., Feb. 2021. dren. J Pediatr Urol, v. 17, n. 2, p. 200-207, Apr.
MORELLO, W. et al. Acute pyelonephritis in 2021.
children. Pediatr Nephrol, v. 31, n. 8, p. 1253- TRAN A. et al. Evaluation of the Bladder
1265, 2016.  Stimulation Technique to Collect Mid­
-
NETTO, J. M. B. et al. Brazilian consensus on stream Urine in Infants in a Pediatric Emer-
vesicoureteral reflux – recommendations for gen­cy Department. PLoSOne, v. 11, n. 3, p.
clinical practice. Int Braz J Urol, v. 46, p. 523- 1-13, 2016.
37, 2020.
TULLUS, K.; SHAIKH, N. Urinary tract infec-
SIMÕES E SILVA, A. C.; OLIVEIRA, E. A.; MAK, tions in children. The Lancet. v. 395, n. 23, p.
R. H. Urinary tract infection in pediatrics: an 1658-68, 2020.
C APÍTULO 2

Glomerulonefrite aguda
pós-estreptocócica

Emília Maria Dantas Soeiro

QUAIS SÃO AS INFECÇÕES QUE (proteínas M 2, 47, 49, 55, 57 e 60) ou do


PREDISPÕEM À GLOMERULONEFRITE? trato respiratório superior (proteínas M
O termo “glomerulonefrite aguda pós-in- 1, 2, 3, 4, 12, 25 e 45). Mais recentemen-
fecciosa” inclui um grupo de glomeru- te, foram descritos outros possíveis an-
lonefrites causadas por vários agentes tígenos estreptocócicos, o receptor de
infecciosos. Entretanto, uma glomerulo- plasmina associado a nefrite (NAPlr) e
nefrite aguda que se seguiu a uma infec- a exotoxina pirogênica estreptocócica
ção de vias aéreas superiores ou às lesões B (SPE B).
cutâneas por estreptococos, aponta para
a etiologia da doença, glomerulonefri- QUAIS SÃO AS CARACTERÍSTICAS
te aguda pós-estreptocócica (GNPE). A EPIDEMIOLÓGICAS DA GNPE?
GNPE caracteriza-se por um processo in- Setenta e sete por cento dos casos de
flamatório glomerular imunemediado, GNPE ocorrem em países em desenvolvi-
que ocorre como uma resposta tardia mento, sendo o risco de desenvolver glo-
do hospedeiro a uma infecção estrep- merulopatia após infecção estreptocóci-
tocócica pelo estreptococo do grupo A ca por cepa nefritogênica de cerca de
de Lancefield e, mais raramente, pelo 15% a 25%. A grande maioria dos casos
do Grupo C. A doença glomerular é acontece em crianças entre 3 e 7 anos
induzida por antígenos de cepas nefri- de idade, podendo ocorrer em crianças
togênicas específicas do estreptococo com menos de 2 anos, em áreas endêmi-
beta-hemolítico do grupo A da pele cas, como o Nordeste brasileiro.
SEÇÃO 10 586

QUAIS SÃO OS PRINCIPAIS • A hematúria microscópica está pre-


MECANISMOS FISIOPATOLÓGICOS sente em praticamente 100% dos ca-
ENVOLVIDOS? sos, enquanto a hematúria macros-
A formação do complexo imune antíge- cópica ocorre em cerca de 25% a 60%
no/anticorpo se faz mais frequentemen- dos pacientes.
te in situ, com deposição dos antígenos • A presença de proteinúria não nefró-
estreptocócicos no interior da membra- tica é frequente, e a proteinúria ne-
na basal glomerular, que se ligam com frótica pode estar presente em cerca
o anticorpo e desenvolvem uma reação de 10% dos casos.
inflamatória. A lesão renal inflamatória • Hipertensão acontece em 80% a 90%
ocorre por mecanismos de ativação do dos casos.
complemento, infiltração celular, ativa- • Edema acontece em cerca de 80%
ção de fatores de coagulação, produção dos pacientes.
de linfocinas e de radicais livres de oxi-
gênio. Todo esse processo inflamatório QUAIS SÃO AS COMPLICAÇÕES CLÍNICAS
agudo resulta em infiltrado celular no MAIS FREQUENTES?
glomérulo, que diminui a superfície de • Encefalopatia Hipertensiva: cefaleia,
filtração glomerular com redução da ex- convulsão, alteração do estado men-
creção de líquidos, eletrólitos e peque- tal e alterações visuais ocorrem em
nos solutos. Assim sendo, a diminuição cerca de 30% a 35% das crianças;
do coeficiente de filtração glomerular • Congestão Circulatória: embora a
vai levar à retenção de água e sal, que dispneia seja uma queixa apresen-
resulta em edema e hipertensão (teoria tada em apenas 5% dos pacientes,
do overflow); e o processo inflamatório cerca de 50% das crianças podem
glomerular resulta em hematúria, com apresentar insuficiência cardíaca
dismorfismo eritrocitário, proteinúria e congestiva à chegada ao serviço;
discreta alteração da função renal. • Edema Agudo de Pulmão: às vezes, os
pacientes apresentam sinais clínicos
QUAIS SÃO AS CARACTERÍSTICAS e radiológicos de edema pulmonar;
CLÍNICAS DA DOENÇA? • Insuficiência renal aguda, nos casos
A história clínica é de edema, redu- de glomerulonefrite rapidamente
ção do volume urinário e urina escura, pro­gressiva
que aparecem de forma súbita, várias
semanas após a infecção cutânea ou QUAL É O DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL?
cerca de 2 semanas após a infecção de • Glomerulonefrite membranoprolife­
orofaringe. rativa (GNMP): pode se apresentar
Glomerulonefrite aguda pós-estreptocócica 587

como síndrome nefrítica/nefrótica. • Dosagem de complemento total e C3


O complemento sérico permanece baixos, C4 normal;
baixo além de quatro a seis semanas. • Exames etiológicos: antiestreptolisi-
Acomete crianças e adultos jovens. na (ASLO), anti-DNAse B, anti-hialuro-
Ocorre nova elevação da creatinina nidase ou streptozyme test (painel de
sérica após melhora e evolução para antígenos). Consegue-se demonstrar
doença renal crônica; a infecção pelo estreptococo em cer-
• Nefropatia por IgA: pode haver histó- ca de 80% dos casos.
ria de infecções de vias aéreas superio-
EM QUE SE BASEIA
res e do trato gastrointestinal, no en-
O TRATAMENTO DA GNPE?
tanto, com período de latência mais
• Restrição hídrica e salina: é o trata-
curto. Habitualmente, há histórico de
mento de primeira linha para a so-
hematúria macroscópica recorrente;
brecarga hídrica e para a hipertensão.
• Púrpura de Henoch-Schönlein: apre-
Dieta pobre em sal (1g/dia) e res­tri-
senta as manifestações extrarrenais
ção hídrica (400 ml/m2 a 1.000 ml/m2);
características;
• Diuréticos: casos que apresentam
• Nefrite lúpica: apresenta-se no con-
edema importante e congestão cir-
texto de outras alterações sistêmicas
culatória, se beneficiam da adminis-
que preenchem os critérios para
tração de diuréticos de alça (furose-
diagnóstico da doença;
mida 1 a 2 mg/kg/dia);
• Outras glomerulonefrites infeccio-
• Anti-hipertensivo: alguns pacientes
sas: por endocardite, abscesso visce­-
podem necessitar de tratamento
ral, pneumonia, infecções virais e
anti-hipertensivo (HAS estágio II, ur-
parasitárias. gência/emergência hipertensiva);
• Bloqueador de canal de cálcio (anlo-
QUAIS SÃO AS ALTERAÇÕES
dipino 0,2 mg/kg/dia);
LABORATORIAIS MAIS FREQUENTES?
• Os inibidores da enzima de conver-
• Sumário de urina: hematúria, cilin- são da angiotensina (IECA) ou os blo-
dros hemáticos, leucocitúria e pro- queadores dos receptores da angio-
teinúria; tensina 1 (BRA), se utilizados, deve-se
• Função renal: ureia e creatinina dis- atentar ao risco de hipercalemia e
cretamente aumentadas. Podem es- de piora da função renal;
tar mais elevadas em caso de lesão • Para controlar a encefalopatia pode
renal aguda (LRA); ser necessário o nitroprussiato de
• Eletrólitos: hiponatremia dilucional, sódio (vide capítulo de crise hiper-
hiperpotassemia, acidose metabólica; tensiva);
SEÇÃO 10 588

• Antibioticoterapia: deve ser reali- em casos de síndrome nefrótica persis-


zada, se não houve tratamento na tente e achados laboratoriais inespera-
fase aguda de faringoamigdalite dos (persistência de complemento, pro-
ou piodermite. Há relatos que a ad- teinúria e hematúria). Dessa forma, são
ministração precoce de penicilina indicações de biópsia renal:
previne ou melhora a gravidade da • Anúria por período superior a 72
GNPE. Mesmo sem infecção aparen- horas;
te, deve-se realizar o tratamento. O • Alteração da função renal por perío-
antibiótico de escolha é a penicili- do superior a quatro semanas;
na benzatina ou, alternativamente, • C3 baixo por período superior a 12
a penicilina G oral. Em pacientes semanas;
alérgicos à penicilina, pode-se usar • Proteinúria por mais de 6 meses;
a eritromicina. • Hematúria microscópica por mais
de dois anos.
DEVO FAZER IMUNOSSUPRESSÃO
OU REALIZAR PROFILAXIA FUTURA Quando realizada a biópsia, a mi-
COM PENICILINA? croscopia ótica mostra uma glomerulo-
• Não há benefício no uso de cortico- nefrite endocapilar proliferativa di­fusa
terapia ou outros imunossupressores, exsudativa, com infiltrado glomerular
exceto no caso de glomerulonefrite e intersticial de monócitos e linfóci-
rapidamente progressiva, quando tos. À imunofluorescência, são vistos
pode-se realizar pulsoterapia com depósitos de C3, IgG, IgM, nas alças ca-
metilprednisolona. pilares. Na microscopia eletrônica, são
• Não há indicação de profilaxia com vistos os humps, que correspondem aos
penicilina, uma vez que a recorrên- depósitos subepiteliais de imunocom-
cia da GNPE é baixa. plexos, que são muito característicos
da GNPE.
DEVO INDICAR BIÓPSIA RENAL
NA GNPE? QUAL É O PADRÃO QUAL É O PROGNÓSTICO EM CURTO
HISTOLÓGICO MAIS COMUM? E LONGO PRAZOS DA DOENÇA?
Via de regra, não há necessidade de A resolução do quadro inicial costu-
se realizar biópsia renal na GNPE, ten- ma ser completa. A diurese começa a
do em vista o caráter benigno dessa melhorar após 72 horas e a resolução
glomerulopatia. Entretanto, a biópsia das manifestações clínicas deve ocor-
renal está indicada se houver evolução rer em torno de 7 dias. A normaliza-
desfavorável para a insuficiência renal, ção da pressão arterial, da hematúria
Glomerulonefrite aguda pós-estreptocócica 589

macroscópica e da creatinina ocorrem o episódio agudo da GNPE, mostrou


em até 1 mês, e o complemento sérico, proteinúria não nefrótica em 7,2% dos
em até 8 semanas. pacientes, hematúria microscópica em
No seguimento em longo prazo, en- 5,4%, hipertensão em 3% e aumento de
tretanto, as alterações urinárias podem creatinina em 0,9%. Dessa forma, sugeri-
permanecer. Um estudo que acompa- mos que esses pacientes sejam seguidos
nhou 110 crianças por 15 a 18 anos após após a alta hospitalar.

REFERÊNCIAS
BALASUBRAMANIAN, R.; MARKS, S. D. Post- RODRÍGUEZ-ITURBE, B.; BATSFORD, S. Patho­ge­-
Infectious Glomerulonephritis. Pediatrics and nesis of Poststreptococcal Glomeru­
lonephri-
International Child Health, v. 37, n. 4, p. 240- ­tis a Century after Clemens von Pirquet. Kid­
247, 2017. ney International. 71, 1094-1104, 2007.

EISON, T. M. et al. Post-Streptococcal Acute RODRÍGUEZ-ITURBE, B.; NAJAFIAN, B.; SILVA,


Glomerulonephritis in Children: Clinical Fea­ A.; ALPERS, C.E. (2016) Acute Postinfectious
tures and Pathogenesis. Pediatric Nephrol­ogy, Glomerulonephritis in Children. In: Avner,
v. 26, p. 165-180, 2011. E.; Harmon, W.; Niaudet, P.; Yoshikawa, N.;
Emma, F.; Goldstein, S. Pediatric Nephrology.
FILLERON, A. et al. Current Insights in Springer, Berlin, Heidelberg. Disponível em:
Invasive Group A Streptococcal Infections in https://doi.org/10.1007/978-3-662-43596-0_27.
Pediatrics. European Journal of Pediatrics, v. Acesso em: 21 dez. 2021.
171, p. 1589-1598, 2012.
SAINATO, Rebecca J.; WEISSE, Martin E. Post­­
HUNT, E. A. K.; SOMERS, M. J. G. Infection- streptococcal Glomerulonephritis and An­
Related Glomerulonephritis. Pediatric Clinics tibi­otics: A Fresh Look at Old Data. Clinical
of North America, v. 66, p. 59-72, 2019. Pediatrics. 1-3, 2019.
C AAPÍTULO
PÍTULO x3

Síndrome nefrótica

Emília Maria Dantas Soeiro


Gustavo Coelho Dantas

O QUE É SÍNDROME NEFRÓTICA? incluindo vasculites, infecções, toxinas


A síndrome nefrótica (SN) é uma enti- e malignidades, no entanto, a forma
dade clínica determinada por múltiplas mais comum é a idiopática.
causas, caracterizada por aumento da A síndrome nefrótica é primária ou
permeabilidade dos capilares glomeru- idiopática (SNI) em cerca de 80% a 90%
lares às proteínas, que se manifesta com dos casos, sendo nos restantes, secun-
proteinúria maciça. Classicamente a SN dária a outras causas. Neste capítulo
é definida por proteinúria de níveis ne- abordaremos a forma idiopática da sín-
fróticos (≥ 50mg/kg/dia ou ≥ 40 mg/m /2 drome nefrótica (SNI)
hora ou relação proteína/creatinina na A incidência de SNI é de 4,7 casos por
urina ≥ 2,0), hipoalbuminemia < 3g/dl) 100.000 crianças em todo o mundo, e va-
e edema. O sintoma característico da ria de acordo com a origem étnica e a
SN é o edema, que pode se apresentar localização geográfica. É mais frequente
como anasarca. no sexo masculino e na faixa etária de 1
A SN na infância pode ser congênita, a 6 anos de idade.
apresentando-se nos primeiros 3 meses
de vida, e nessas crianças, geralmente, QUAL É O MECANISMO
há uma mutação genética que afeta o FISIOPATOLÓGICO DA SN?
podócito ou a membrana basal glomeru- Do ponto de vista fisiopatológico, ocor-
lar, ou pode estar associada a infecções re alteração nos podócitos e na barreira
congênitas, como a citomegalovirose. de filtração glomerular, que permitem a
Além da forma congênita, muitas etiolo- passagem de proteínas. Essas alterações
gias podem causar a síndrome nefrótica, podem ser decorrentes de:
Síndrome nefrótica 591

• Mutações de genes que codificam taquicardia, vasoconstrição periférica,


proteínas da estrutura e da fun- hipotensão, oligúria e retenção uriná-
ção dos podócitos, como a nefrina ria de sódio. No início, a queda na taxa
(NPHS1), a podocina (NPHS2), CD2AP, de filtração glomerular é de natureza
INF2, WT1, LAMB2 e COQ2. Essas pré-renal, mas pode ocorrer lesão renal
mutações muitas vezes são respon- aguda propriamente dita, se esses efei-
sáveis por formas congênitas de tos hemodinâmicos forem prolongados.
SN e formas mais graves, que não Esses pacientes também manifestam
respondem à terapêutica com corti- ativação do sistema renina-angiotensi-
costeroides; na-aldosterona, aumento da noradrena-
• Alteração imunológica: esta hipó- lina e das concentrações plasmáticas de
tese foi levantada a partir de ob- vasopressina, que aumentam a retenção
servações clínicas de SN ocorridas hidrossalina, acentuando o edema.
após exposição a alérgenos. Embora Na teoria do overflow, haveria ini-
nenhuma citocina específica de- cialmente uma retenção renal de sódio
sencadeie a síndrome nefrótica, os e água, com aumento da pressão hidros-
padrões clínicos de ocorrência da tática no compartimento intravascular,
doença sugerem que haja envolvi- levando ao edema. Já foram descritos
mento de células T; alguns mecanismos responsáveis pela
• Fatores sistêmicos de permeabilida- retenção renal de sódio, como a resis-
de vascular, como o fator derivado de tência ao peptídeo atrial natriurético no
linfócitos T e a hemopexina, que al- túbulo distal e a ativação do canal epite-
teram a permeabilidade glomerular. lial de sódio (ENaC) no duto coletor por
proteinases, como a plasmina.
QUAL É O MECANISMO DO EDEMA NA SN? Os mecanismos underfilling e over-
Dois principais mecanismos fisiopatoló- flow nem sempre são excludentes e é
gicos tentam explicar o edema na sín- importante identificar qual é o mecanis-
drome nefrótica: as teorias do underfill- mo envolvido, para melhor manuseio
ing e do overflow. do edema nesses pacientes, como vere-
Na teoria do underfilling, a proteinú- mos adiante.
ria maciça resulta em hipoalbuminemia
e diminuição da pressão oncótica plas- QUAIS ACHADOS CLÍNICOS ESTÃO
mática, com um aumento da ultrafil- PRESENTES NA SN?
tração capilar e edema. A acentuada • Edema: como descrito acima, o ede-
diminuição do volume intravascular po- ma é o “cartão postal” da SNI, e po-
de resultar em sintomas clínicos como de se apresentar como anasarca;
SEÇÃO 10 592

• Hiperlipidemia: é uma consequên- e a mortalidade. Esses pacientes


cia comum na SN, e resulta de vá- apresentam um estado de hipercoa-
rios mecanismos, como aumento de gulabilidade decorrente da perda
colesterol e triglicérides, e da sín- de proteínas de baixo peso molecu-
tese hepática de lipoproteínas, que lar e de respostas inflamatórias, que
compartilham no hepatócito, a mes- geram procoagulantes e induzem a
ma via de síntese da albumina; e a expressão de moléculas que prejudi-
perda urinária de lecitina-colesterol cam a fibrinólise. Múltiplos fatores
aciltransferase (LCAT), que compro- contribuem para essas alterações da
mete a formação normal do HDL; coagulação, quais sejam a hemocon-
• Infecções: pacientes com SN apre- centração, o uso de diuréticos, a hi-
sentam susceptibilidade aumentada perlipidemia e o aumento da síntese
a infecções que se devem a altera- hepática de fibrinogênio. Pacientes
ções na imunidade inespecífica, à de maior risco para fenômenos trom-
perda renal de fatores do comple- boembólicos seriam: crianças com
mento (que predispõem a infecções SN congênita, com cateter venoso
por germes encapsulados), a hipoga- central, com idade maior que doze
maglobulinemia (em especial a IgG2), anos, com SN secundária a vasculites,
a alterações na imunidade celular, ao com proteinúria ne­frótica e hipoal-
uso de corticosteroides e imunossu- buminemia < 2 g/dl.
pressores. Os tipos de infecções bac-
terianas mais frequentes são perito- Dessa forma, além da presença do
nite, celulite, infecções de vias aéreas edema, o exame físico da criança com
superiores, sendo o agente mais SN deve incluir a investigação de qua-
frequentemente identificado nessas dro infeccioso e da presença de trom-
infecções, o S. pneumoniae, seguido boembolismo. Além disso, pesquisar ca-
por germes gram negativos. As infec- racterísticas síndrômicas, condições de
ções virais, incluindo vírus sincicial malignidade ou vasculites, que possam
respiratório, vírus influenza, vírus caracterizar uma SN secundária. A hiper-
parainfluenza, herpes e adenovírus, tensão não é um achado frequente, mas
também são frequentes e costumam pode estar presente em alguns casos.
desencadear a recaída da doença;
• Tromboembolismo: embora conside­ QUAIS SÃO AS PRINCIPAIS ALTERAÇÕES
rado como evento relativamente raro LABORATORIAIS NA SN?
nessas crianças, são complicações • Proteinuria nefrótica: proteinúria
graves que aumentam a morbidade de urina de 24 horas > 50 mg/kg/
Síndrome nefrótica 593

dia ou relação proteína/creatinina Manuseio do edema: é importante dis-


(mg/mg) > 2; tinguir os mecanismos do edema
• Hipoalbuminemia: albumina sérica underfilling vs. overflow antes do
< 3 g/l; início da terapia com diuréticos. O
• Dislipidemia: colesterol e triglicéri- uso de diuréticos em altas doses em
des aumentados; pacientes nefróticos com aumento
• Sumário de urina: aspecto espumo- do volume intravascular é inquestio-
so, proteinúria, cilindros granulosos; nável. Por outro lado, o uso de diu-
• Função renal: ureia e creatinina ha- réticos nos pacientes “underfilling”
bitualmente normais, mas podem deve ser realizado criteriosamente,
estar aumentadas; com monitoramento da hemodinâ-
• Hemograma: aumento do hema- mica renal e sistêmica, dado o po-
tócrito pode sugerir hemoconcent- tencial de exacerbar a hipovolemia
ração; intravascular.
• Hiponatremia: é um achado comum Diuréticos: os diuréticos devem ser
(dilucional); administrados em casos de ede-
• Cálcio total baixo (hipoalbumine- ma grave e somente se não houver
mia), embora com o cálcio ionizado depleção significativa do volume
habitualmente normal; intravascular.
• Complemento total e frações: nor- • Furosemida oral ou venoso na dose
mais na SN idiopática; de 1 a 2mg/kg/dia, de 12/12h.
• Exames para descartar SN secundá- • Hidroclorotiazida pode ser associa-
ria: sorologias para HIV, hepatites B da à furosemida na dose de 2 a 5 mg/
e C, mononucleose, citomegaloviro- kg/dia. Cuidado com hipocalemia.
se, lues, provas de atividade reumá- • Espironolactona na dose de 1 a
tica, pesquisa para esquistossomose; 5 mg/kg/dia (retentor de potássio)
• Parasitológico de fezes: constatar in- ou amilorida pode ser associada à
festações intestinais, especialmente furosemida.
estrongiloidíase, antes da adminis- Albumina: em casos de hemoconcen-
tração de corticosteroides. tração (hematócrito > 40%) com
hipotensão postural, hipovolemia,
COMO DEVO CONDUZIR choque, ascite severa associada à al-
UM PACIENTE COM SN? bumina sérica < 1,5 g/dl, ou edemas
Dieta: normoprotéica e hipossódica, refratários ao tratamento inicial, uti-
com a ingestão de sal restrita a me- liza-se infusão endovenosa de albu-
nos de 2 mEq/kg/dia. mina a 20% (0,5 a 1 g/kg) associada
SEÇÃO 10 594

à furosemida 1 a 2 mg/kg/dose, de alternados por 4 semanas, com re-


12/12 horas, podendo ser usado até dução progressiva;
de 4/4 horas em casos de anasarca de • Corticosensível recidivante frequen-
muito difícil manuseio. te: após remissão inicial, duas ou
Uso de corticosteróides: o tratamento mais recaídas em seis meses, ou qua-
inicial com prednisona (PDZ) oral, na tro ou mais recaídas em 12 meses;
dose de 60 mg/m /dia ou 2 mg/kg/dia
2
• Corticodependente: apresenta duas
(máximo de 60 mg/dia) por 4 a 6 ou mais recidivas consecutivas du-
semanas, seguida de 40 mg/m ou 2
rante a redução do corticosteroide,
1,5 mg/kg/dose, em dias alternados, ou recidiva em até duas semanas
por mais 4 a 6 semanas, e redução após sua suspensão da droga.
gradual até a suspensão da droga. Para o tratamento dos pacientes
Resposta ao corticosteróide: recidivantes frequentes e corticode-
• Corticosensível inicial: remissão pendentes pode-se usar a mesma es-
completa após as 4 semanas iniciais tratégia de tratamento dos recidivan-
de PDZ oral com dose total; tes infrequentes, sendo que nestes
• Corticosensível tardio: remissão casos pode-se manter doses baixas de
parcial após as 4 semanas iniciais corticoide por tempo prolongado, se
de PDZ oral com dose total. Neste não houver efeitos colaterais. Para as
caso, pode-se manter a prednisona crianças que desenvolveram efeitos
em dose diária total por mais duas adversos ao corticosteroide: ciclofos-
semanas, associada ou não ao pulso famida por via oral, 2 mg/kg/dia, por
de metilprednisolona (500 mg/m 2
8 a 12 semanas ou por via endoveno-
por 3 dias), e/ou à enzima converso- sa, 500 mg/m2, diluída em SG 5% 200-
ra de angiotensina ou ao bloquea- 250 ml em 3 horas, precedida pela
dor de receptor da angiotensina. Se infusão de soro fisiológico 10 ml/kg
houver remissão completa (cortico- em 1 hora (dose máxima cumulativa
sensível tardio); de 168 mg/kg). Deve ser administrada
• Corticosensível recidivante infre- preferencialmente pela manhã; ou
quente: após remissão inicial, uma inibidor de calcineurina (ciclospori-
recaída em seis meses ou até três na 4-5 mg/kg/dia, de 12/12 horas); ou
recidivas em 12 meses. Nestes casos, tacrolimus (0,1 mg/kg/dia, de 12/12
retornar à dose do corticoide para horas) com monitorização dos níveis
2 mg/kg/dia até 3 dias após negati- séricos; ou ainda o ácido micofenó-
var a proteinúria e reduzir a dose lico, micofenolato mofetil (MMF), na
para 40 mg/m2 ou 1,5 mg/kg em dias dose de 600 mg/m2, a cada 12 horas.
Síndrome nefrótica 595

Corticoresistente: se não houver res- na dose de 1 mg/kg/dose, de 12/12


posta ao tratamento com corticoste- horas).
roide após 6 semanas. Cerca de 10% Dislipidemia: em algumas situações
dos pacientes com SN são corticorre- em que a dislipidemia é persistente,
sistentes. pode ser necessária a introdução de
Nestes casos, estão indicados a estatinas.
biópsia renal, os testes genéticos, se Hipocalcemia e hipovitaminose D:
disponível, e, do contrário, já iniciar pres­
crever suplemento de cálcio
o inibidor de calcineurina, droga (500 mg/dia) e vitamina D (2.000 a
de primeira escolha; ou ciclospo- 4.000 unidades).
rina na dose de 4 a 6 mg/kg/dia, Hormônio tiroidiano: lembrar de dosar
visando manter um nível sérico e repor, se necessário.
de 50 a 150 ng/kg dosado por ra- Hipertensão: se presente, as drogas
dioimunoensaio (RIE), ou tacrolimus iniciais de escolha são os inibidores
0,1 mg/kg/dia, de 12/12 horas. da enzima de conversão da angio-
No seguimento dessas crianças, tensina (IECA) ou o bloqueador do
muitas vezes será necessário usar receptor da angiotensina (BRA) que
outras drogas, como o micofenolato também têm ação antiproteinúrica.
mofetila, e até mesmo a terapia trí- Antibioticoterapia: se houver infecção
plice (micofenolato mofetila + tacro- associada, iniciar antibioticoterapia
limus + prednisona). empírica para germes encapsula-
Profilaxia de tromboembolismo: pa- dos gram positivo e gram negativo.
cientes de alto risco podem ser trata- Embora alguns centros utilizem a
dos com aspirina ou dipiridamol em penicilina como profilaxia de infec-
baixa dose, embora não haja estudos ções, não é uma prática de rotina,
controlados que demonstrem sua uma vez que não há dados que con-
eficácia em crianças com SN. firmem a sua eficácia.
Pode-se usar a warfarina em
pacientes de alto risco > 12 anos de COMO É O PROGNÓSTICO DA SN?
idade, no entanto, essa droga é de Crianças com SN idiopática, geralmente,
difícil manuseio em pacientes nefró- apresentam um prognóstico favorável
ticos que oscilam os níveis de albu- em longo prazo, sendo a resposta ao cor-
mina sérica. ticosteroide, o melhor preditor. Cerca de
Para o tratamento do tromboem- 80% a 90% respondem à corticoterapia
bolismo, pode-se usar a heparina de inicial, obtendo remissão completa. O
baixo peso molecular (enoxaparina manuseio do edema e do balanço hídrico,
SEÇÃO 10 596

e o controle da proteinúria são, em ge- importante avaliar os efeitos colaterais


ral, os desafios imediatos para os pedia- dos medicamentos e os riscos em longo
tras. No seguimento dessas crianças, é prazo para a saúde.

REFERÊNCIAS
AGRAWAL, S. et al. Dyslipidaemia in nephrot- ney International Supplements, v. 2, S. 2, p.
ic syndrome: mechanisms and treatment. 163-171, 2012.
Nat Rev Nephrol., v. 14, n. 1, p. 57-70, 2018.
MCCAFFREY, J.; LENNON, R.; WEBB, N. The non-
CADNAPAPHORNCHAI, M. et al. The nephrot- immunosuppressive management of child­
ic syndrome: pathogenesis and treatment of hood nephrotic syndrome. Pediatr Nephrol, v.
edema formation and secondary complica- 31, n. 9, p. 1383-1402, 2016.
tions. Pediatr Nephrol., v. 29, n. 7, p. 1159-1167,
SOEIRO, E. M. D. et al. Influence of nephrotic
2014.
state on the infectious profile in childhood
DOWNIE, M. et al. Nephrotic syndrome in idiopathic nephrotic syndrome. Rev Hosp
infants and children: pathophysiology and Clin Fac Med, São Paulo, v. 59, n. 5, p. 273-
management. Paediatr Int Child Health, v. 37, 278, 2004.
n. 4, p. 248-258, 2017. 
TRAUTMANN, A. et al. IPNA clinical practice
INTERNATIONAL SOCIETY OF NEPHROLOGY. recommendations for the diagnosis and ma-
KDIGO Clinical Practice Guideline for nagement of children with steroid-resistant
Glomeru­lonephritis. Chapter 3: Steroid-sen­ nephrotic syndrome. Pediatr Nephrol, v. 35, n.
sitive nephrotic syndrome in children. Kid- 8, p. 1529-1561, 2020.
C APÍTULO 4

Lesão renal aguda/


insuficiência renal aguda

Emilia Maria Dantas Soeiro


Gustavo Coelho Dantas

O QUE É LESÃO RENAL AGUDA/ para LRA pediátrica incluem as classi-


INSUFICIÊNCIA RENAL AGUDA? ficações pRIFLE (pediatric Risk, Injury,
A lesão renal aguda (LRA) ou injúria re- Failure, Lost, End) (Quadro 1) e a classi-
nal aguda caracteriza-se pela redução ficação do KDIGO (Kidney Disease Global
súbita e, em geral, reversível da função Outcomes) (Quadro 2). Atualmente, tem-
renal, com perda da capacidade de ma- -se recomendado utilizar a definição e
nutenção da homeostase do organismo, o estadiamento do KDIGO. Considera-se
podendo ser acompanhada ou não da lesão renal aguda grave ou insuficiência
diminuição da diurese. É definida como renal, qualquer criança com TGF estima-
uma diminuição da taxa de filtração da < 35 ml/min/1,73 m2, que se enquadra
glomerular (TFG), que tradicionalmente na categoria “pRIFLE-F”, ou seja, classe
se manifesta por aumento nos níveis sé- de insuficiência renal do sistema pRIFLE.
ricos da creatinina. Atualmente, prefere-
-se usar os termos LRA ou injúria renal COMO PODEMOS CLASSIFICAR A
aguda, tendo em vista que a lesão ocor- LRA E COMO SÃO AS ALTERAÇÕES
re mais precocemente, antes mesmo da FISIOPATOLÓGICAS?
insuficiência renal. Há várias formas de classificar a LRA, no
entanto descreveremos a mais utilizada
COMO DEFINIR E ESTADIAR na prática clínica:
A LRA EM PEDIATRIA? • LRA pré-renal: relacionada ao hi-
O diagnóstico de LRA se baseia na dosa- pofluxo renal. Nessa condição, o
gem da creatinina e no débito urinário. rim ainda se encontra funcional-
As definições padronizadas e validadas mente íntegro. A redução do fluxo
SEÇÃO 10 598

sanguíneo e da perfusão renal ativa da pressão hidrostática glomerular


mecanismos compensatórios renais, e à manutenção da TFG. A ativação
como a geração de prostaglandinas do sistema renina-angiotensina vai
vasodilatadoras (PgE2) e a liberação aumentar a reabsorção de sódio e
de angiotensina II intrarrenal. Esta água no túbulo proximal, e a aldos-
contrai as arteríolas aferentes e terona vai levar a um aumento na
eferentes, com maior efeito na arte- reabsorção de sódio e água no tú-
ríola eferente, levando ao aumento bulo distal.

Quadro 1. Classificação da Lesão Renal Aguda Pediátrica pRIFLE

Estágio pRIFLE TGF estimada pela fórmula de Schwartz Débito urinário

R = Risco Redução de 25% na TGF < 0,5 ml/kg/h por 8 horass

I = Injuria Redução de 50% na TGF < 0,5 ml/kg/h por 16 horas

Redução de 75% na TGF ou < 0,3 ml/kg/h por 24 horas ou


F = Falência
TGF < 35 ml/min/1.73 m2 anúria por 12 horas

L = Perda Falência persistente > 4 semanas

E = Estágio final Falência persistente > 3 meses

Fonte: Adaptado de Sutherland e Kwiatkowski (2017).

Quadro 2. Critério KDIGO de Lesão Renal Aguda em Criança e no Período Neonatal

Critério Pediátrico KDIGO Critério Neonatal modificado KDIGO


Estágio
Creatinina sérica Débito urinário Creatinina sérica Débito urinário

1,5-1,9 vezes a 1,5-1,9 vezes a


creatinina de base creatinina de base
< 0,5 ml/kg/hora > 0,5 e ≤ 1 ml/kg/
1 em até 7 dias OU em até 7 dias* OU
por 6-2 horas hora em 24 horas
aumento ≥ 0.3 mg/dl aumento ≥ 0.3 mg/dl
em 48 horas em 48 horas*

2,0-2,9 vezes a < 0,5 ml/kg/hora 2,0-2,9 vezes a > 0,3 e ≤ 0,5 ml/kg/
2
creatinina de base* por ≥12 horas creatinina de base* hora em 24 horas

≥ 3 vezes a creatinina
de base OU aumento
≥ 3 vezes a creatinina
≥ 4 mg/dl na
< 0,3 ml/kg/hora de base* OU
creatinina sérica
por ≥ 24 horas OU aumento ≥ 2,5 mg/dl ≤ 0,3 ml/kg/hora em
3 OU início de terapia
anúria por ≥ 12 na crestinina sérica 24 horas
renal substitutiva OU
horas OU início de terapia
redução na TFG
renal substitutiva
< 35 ml/min por
1.73 m2

Creatinina de base será o menor valor.


*

Fonte: Adaptado de Sutherland e Kwiatkowski (2017).


Lesão renal aguda/insuficiência renal aguda 599

A LRA pré-renal, pode ser devido à direto no túbulo renal. A LRA intrín-
depleção de volume real por sangra- seca pode acometer: a vasculatura
mento (cirurgia ou trauma), perda in- renal (trombose arterial ou venosa,
testinal (gastroenterite), perda cutânea síndrome hemolítica urêmica, mi-
excessiva (queimaduras) ou perda de croangiopatias trombóticas e vasculi-
urina (por exemplo, cetoacidose diabéti- tes), os glomérulos (glomerulonefrite
ca); à hipoperfusão renal consequente à aguda, mais comumente pós-estrep-
hipotensão arterial (diminuição do débi- tocócica), os túbulos e o interstício
to cardíaco) ou, ainda, à diminuição do (nefrotoxinas; medicamentos como
volume intravascular efetivo, apesar da aminoglicosídeos, anfotericina B,
água corporal total normal ou aumenta- inibidores da calcineurina, cisplati-
da (choque séptico ou cirrose). na, antiinflamatórios não esteroide;
• LRA renal intrínseca: neste caso, e pigmentos, como a mioglobinúria,
ocorrem lesão e necrose de células devido à rabdomiólise). É importan-
tubulares. Na LRA intrínseca isquê- te ressaltar que a etiologia da LRA
mica (oligúrica), a hipóxia prolon- intrínseca é frequentemente multi-
gada sobre epitélios transportadores fatorial, resultante de insultos isquê-
dos túbulos resulta em perda da pola- micos, nefrotóxicos e sépticos con-
rização das células, aumento da con- comitantes, que podem exacerbar a
centração de cálcio intracelular (de- gravidade da lesão renal.
pendente de ATP), desorganização • LRA pós-renal: ocorre por obstrução
da arquitetura tubular (integrinas), mecânica bilateral das vias urinárias
necrose, apoptose e descolamento da ou obstrução do trato urinário em
célula tubular. A célula tubular des- um rim único. A obstrução ao fluxo
garrada do epitélio causa micro-obs- urinário aumenta a pressão hidráu-
trução tubular, além de gerar uma lica tubular e do espaço de Bowman,
lacuna que facilita o retrovazamento o que, consequentemente, leva a
do fluido tubular com consequente uma redução na pressão efetiva de
edema intersticial. Além dos eventos filtração glomerular. Além disso, a
descritos, quando da reperfusão re- produção local de vasoconstritores
nal, haverá liberação de hipoxantina contribui para a redução na TFG. Se
e radicais livres que estavam acumu- esta lesão persistir, pode haver evo-
lados, piorando o efeito da hipóxia lução para necrose tubular aguda.
renal. Na LRA intrínseca nefrotóxica As etiologias mais frequentes em
(não oligúrica), ocorre efeito tóxico crianças são as uropatias obstrutivas
SEÇÃO 10 600

congênitas não corrigidas, (válvula têmicas, alterações no ritmo car-


de uretra posterior, por exemplo), a díaco, sinais de edema e congestão
bexiga neurogênica, e os cálculos circulatória, ascite, edema, massas
renais bilaterais. abdominais (hidronefrose), pressão
arterial , sinais indicativos de sepse;
COMO FAZER O DIAGNÓSTICO • Interpretação cuidadosa dos exa-
DE LRA EM PEDIATRIA? mes: no sumário de urina, observar
• Anamnese: observar o tipo e a dura- a presença de cilindros granulosos
ção dos sintomas de dificuldade uri- e células epiteliais de cor amarron-
nária, diarreia, desidratação, estimati- zada, hemácias, proteinúria, ou ou-
va do débito urinário, história de mal- tros indicativos de LRA intrínseca.
formações do trato urinário, litíase, O Quadro 4 mostra as alterações na
cirurgias e medicamentos usados. Re- LRA pré-renal e renal.
ver o prontuário com foco no uso re- • Exames de imagem: de uma manei-
cente de medicamentos nefrotóxicos; ra geral, o diagnóstico da LRA é clí-
• Escore de risco: na avaliação da LRA nico-laboratorial, e não há necessi-
é importante levar em consideração dade de exame de imagem. Exceção
os fatores de risco (Quadro 3); se faz nas LRAs obstrutivas, em que a
• Exame físico completo: avaliar pali- ultrassonografia é importante para
dez cutânea acentuada, status de vo- diagnosticar alterações morfológi-
lemia, manifestações de doenças sis- cas, principalmente a hidronefrose,

Quadro 3. Escore de Risco de Lesão Renal Aguda

Fatores de Risco Categoria de risco Escore de risco

• Admissão em UTI • Médio 1


• Transplante de órgão sólido ou MO • Alto 3
• Ventilação ou vasopressores • Muito alto 5

Multiplicado por

Mudanças na creatinina Sobrecarga de volume% Escore de injúria

• <0 • 0 a 5% 1
• 1 a 1,49 vezes • 5 a 9,99% 2
• 1,5 a 1,99 vezes • 10 a 14,99% 4
• > 2 vezes • > 15% 8

O resultado pode variar de 1 a 40. Valor ≥ 8 determina a presença de lesão renal. Quanto maior o escore, maior a gravidade.

Fonte: Adaptado de Yamane et al. (2019) e Bazu et al. (2012).


Lesão renal aguda/insuficiência renal aguda 601

Quadro 4. Alterações laboratoriais na LRA pré-renal e renal

Parâmetro Pré-renal Renal

Análise de urina Cilindros hialinos Presença de elementos anormais

Densidade urinária >1.020 ~1.010

Osmolaridade (mOsm/l H20) > 500 > 300

Sódio urinário (mEq/l) < 20 > 40

FENa (%) <1 >2

FENa% = Na urinário x creatinina plasmática/Na plasmático x creatinina urinária x 100.

Fonte: Adaptado da Sociedade Brasileira de Nefrologia (2007).

tendo em vista que o tratamento, Manter a normovolemia. Fazer


nestes casos, conta com medidas expansão volêmica, se houver desi-
para desobstrução das vias urinárias. dratação; restrição hídrica e diuré­
tico de alça, se houver hipervolemia.
COMO É O MANUSEIO Nestes casos, avaliar a resposta ao
DA CRIANÇA COM LRA? diurético e indicar diálise, se não
• Nutrição: lembrar que o paciente houver melhora. É importante não
está em catabolismo intenso e a des- retardar a indicação de diálise;
nutrição piora o prognóstico. A nu- • Distúrbio hidreletrolítico e aci-
trição deve ser adequada e por via dobase: tratar acidose metabólica,
enteral, sempre que possível, do con- hiperpotassemia, hiponatremia e
trário, instituir a nutrição parenteral; hiperfosfatemia, de acordo com
• Balanço hidreletrolítico: a avalia- protocolos (vide capítulo Distúrbios
ção do balanço hídrico e a medida Hidreletrolíticos);
do débito urinário são fundamen- • Ajuste de medicamentos de acordo
tais para controlar a oferta de líqui- com o clearance de creatinina;
dos e eletrólitos. O balanço hídrico • Controle da pressão arterial com uso
cumulativo positivo é fator de risco de drogas vasoativas ou hipotensoras
independente para aumento da a depender dos níveis pressóricos;
mortalidade. Sobrecarga hídrica • Terapia de substituição renal, quan-
maior que 10% está associada a pior do as medidas clínicas forem insu-
prognóstico; ficientes.

Cálculo do % = (Fluido administrado – Fluido perdido)/peso x 100


SEÇÃO 10 602

Vale destacar aqui, que pacientes pacientes hemodinamicamente instá-


internados em Unidade de Terapia In­ veis. Entretanto, esta modalidade ainda
tensiva com LRA apresentam alta com- é pouco difundida em nosso meio, es-
plexidade e, estudos mostram que, pecialmente pelo custo mais elevado.
o chamado precoce do nefrologista Nessas circunstâncias, realizamos a he-
pediátrico tem impacto direto na sobre- modiálise clássica ou a diálise peritoneal,
vida desses pacientes. Portanto, reco- sendo esta última com um menor custo,
mendamos chamar o nefrologista pe- mais fácil de operacionalizar, podendo
diátrico precocemente, para discutir em ser realizada em crianças menores, in-
conjunto o manuseio clínico e as indi- clusive em recém-nascidos.
cações de diálise. Entretanto, ainda que
QUAL É O PROGNÓSTICO DA LRA E
haja dificuldade no chamado do nefro-
COMO PODE SER FEITA A PREVENÇÃO?
logista pediátrico, não se deve retardar
as indicações da terapia renal substituti- A recuperação e o prognóstico dos pa-
va, que classicamente são: hipervolemia, cientes com LRA dependem da etiologia
acidose metabólica refratária, hipercale- e da presença de outras comorbidades
mia e uremia. Lembrar que essas altera- associadas. A disfunção de múltiplos ór-
ções são dinâmicas, merecem interven- gãos, a instabilidade hemodinâmica, a
ções e reavaliações frequentes, mesmo necessidade de droga vasoativa, a venti-
antes da diálise, que na melhor das hi- lação mecânica e a necessidade de diá-
póteses, tem o tempo operacional para lise são fatores associados à maior mor-
ser efetivamente instituída. É importan- talidade. Identificar pacientes com alto
te ainda, levar em consideração, para a risco de LRA e diagnosticar a LRA pre-
indicação da terapia renal substitutiva, cocemente são os principais objetivos.
o risco da LRA (Quadro 3), assim como o Considerar as intervenções preventivas
estágio da LRA (Quadros 1 e 2). com uma abordagem multidisciplinar
Atualmente, as terapias dialíticas para minimizar a progressão da doença
contínuas são as mais indicadas para e as complicações renais.

REFERÊNCIAS
ANDREOLI, P. S. Acute kidney injury in chil- CHO, M. H. Pediatric Acute Kidney In-
dren. Pediatr Nephrol, v. 24, p. 253-263, 2009. jury: Focusing on Diagnosis and Manage­
ment. Child Kidney Dis, v. 24, n. 1, p. 19-26,
BRESOLIN, N.; BIANCHINI, A. P.; HAAS, C. A. Pe­
2020.
diatric acute kidney injury assessed by prifle
as a prognostic factor in the intensive care DING, X.; ROSNER, M. H.; RONCO, C. Acute
unit. Pediatr Nephrol, v. 28, p. 485-492, 2013. Kidney Injury – Basic Research and Clinical
Lesão renal aguda/insuficiência renal aguda 603

Practice. Contrib Nephrol, Basel, Karger, v. acute kidney injury. Ped Nephrol, v. 27, p.
193, p. 113-126, 2018. 1067-1078, 2012.

KADDOURAH, A.; BASU, K. R.; BAGSHAW, M. RICCI, Z.; ROMAGNOLI, S. Acute Kidney
S. et al. Epidemiology of Acute Kidney Injury Injury: Diagnosis and Classification in Adults
in Critically III Children and Young Adults. N and Children. Contrib Nephrol, v. 193, p. 1-12,
Engl J Med, v. 376, n. 1, p. 11-20, 2017. 2018.
KWIATKOWSKI, M. D.; KRAWCZESKI, D. C.
ROMAGNOLI, S.; RICCI, Z.; RONCO, C. Peri­
Acute kidney injury and fluid overload in
operative Acute Kidney Injury: Prevention,
infants and children after cardiac surgery.
Ear­ly Recognition, and Supportive Measures.
Pediatr Nephrol, v. 32, n. 9, p. 1509-1517, 2017.
Nephron, v. 140, n. 2, p. 105-110, 2018.
LUIS, Y.; SANTOS, F. C. B.; BURDMANN, E. A.,
et al. Diretrizes da AMB – Sociedade Bra­ SELEWSKI, T. D.; CHARLTON, R. J.; JETTON,
sileira de Nefrologia. Diretrizes Clínicas Insu­ G. J. et al. Neonatal Acute Kidney Injury.
ficiência Renal Aguda. J Bras Nefrol, v. 29, Pediatrics, v. 136, n. 2, p. 463-473, 2015.
suppl. 1, 2007.
SUTHERLAND, M. S.; KWIATKOWSKI, M. D.
RAJIT, K. B., et al. Renal angina: an emerg- Acute Kidney Injury in Children. Adv. Chronic
ing paradigm to identify children at risk for Kidney Dis, v. 24, n. 6, p. 380-387, 2017.
S EÇ ÃO 1 1

Neurologia pediátrica

Capítulo 1
Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade

Capítulo 2
Transtorno do Espectro Autista
C AAPÍTULO
PÍTULO x1

Transtorno do Déficit
de Atenção e Hiperatividade

Sophie Helena Eickmann


Thaís Aguiar Accioly Rocha

INTRODUÇÃO vasto de discussões entre os especia-


A busca pela compreensão do compor- listas, sendo de relevante importância
tamento humano deu origem a várias para o pediatra conhecer tanto os con-
linhas de pesquisa, dentre elas estão os ceitos diagnósticos como os comporta-
estudos que procuram entender os es- mentos esperados para cada faixa etária
tados mentais em que predominam a da criança.
irritabilidade e a impulsividade na in-
fância. Já em meados do século XX, sur- CONCEITO E IMPORTÂNCIA
giram os primeiros relatos de crianças O TDAH é definido como um transtorno
que apresentavam sintomas de desaten- comportamental de desatenção e/ou
ção, inquietação e dificuldades em se- hiperatividade e impulsividade com pa-
guir regras e limites, como descrito pelo drão persistente, mais frequente e mais
psiquiatra alemão Heinrich Hoffmann intenso do que o tipicamente observado
(1845) e em vários estudos subsequen- para indivíduos em fase equivalente de
tes. A evolução das descrições sobre tais desenvolvimento. Este perfil de compor-
comportamentos trouxe, pela primeira tamento deve ser observado em todos
vez em 1980, o conceito de transtorno os ambientes de convivência da criança
do déficit de atenção e hiperatividade (casa, escola e comunidade).
(TDAH) como um diagnóstico segundo O impacto da saúde mental na in-
o Manual de Diagnósticos e Estatísti­ fância e na adolescência ao longo da
cas de Transtornos Mentais-III (DSM-III). vida vem sendo cada vez mais estuda-
Desde então, este se tornou um campo do, sendo a infância considerada a base
SEÇÃO 11 606

para a construção da saúde e da doen- Ao contrário do que se pensa, os es-


ça, assim como da qualidade de vida, tudos mais recentes defendem que não
na fase adulta. Avançar nos debates do houve um aumento da incidência nas úl-
campo da pediatria do desenvolvimento timas três décadas, mas sim uma maior
e do comportamento é instrumentalizar discussão sobre os comportamentos
os profissionais interdisciplinares que habituais da infância e suas alterações,
atuam na pediatria, no conhecimento assim como sobre as possibilidades de
dos múltiplos aspectos envolvidos e nas abordagem do TDAH. Esses estudos leva-
possíveis alterações no processo comple- ram à difusão do conhecimento sobre o
xo que é o crescimento humano. Neste tema, ao desenvolvimento de novos ins-
contexto, o TDAH é um dos transtornos trumentos diagnósticos e de novas abor-
mais prevalentes na infância e na ado- dagens terapêuticas, visando melhorias
lescência, com impacto nos vários domí- no funcionamento a longo prazo.
nios funcionais da criança e sua família,
incluindo as relações interpessoais, as ETIOLOGIA
dificuldades educacionais, profissionais Os mecanismos fisiopatológicos do
e financeiras, além de evoluir com o TDAH ainda não são totalmente esclare-
aumento substancial de comorbidades cidos, porém observa-se correlação en-
neuropsiquiátricas. tre fatores genéticos e ambientais, com
Em relação à prevalência, estima-se uma provável disfunção das atividades
que por volta de 5% da população infan- dopaminérgicas e noradrenérgicas ce-
tojuvenil preencha critérios compatíveis rebrais. Estudos com grupos familiares
com TDAH, sendo essa média seme- e gemelares sugerem alto grau de her-
lhante nos seis continentes mundiais. dabilidade, com diversos genes envol-
Parece mais comum no sexo masculino vidos num padrão poligênico, no qual
do que no feminino numa proporção destacam-se os genes relacionados a
de 2:1, principalmente na idade esco- neurotransmissores, como os receptores
lar. Entretanto, as meninas apresentam de dopamina (DRD4, DRD5) e transpor-
mais sintomas de desatenção e os meni- tadores de proteína (DAT1). O TDAH pode
nos mais hiperatividade e impulsivida- ainda ser relacionado a raras mutações,
de, tendo os últimos mais sinais e sinto- defeitos genéticos ou anormalidades
mas disruptivos, aumentando a chance nos cromossomos.
de receberem o diagnóstico. Apesar de Em exames de neuroimagem, ob-
menos frequente, o TDAH também pode serva-se maior ocorrência de atraso na
ser observado entre adultos, com preva- maturação cortical nos indivíduos com
lência variável entre 2,5% a 4,4%. diagnóstico de TDAH em comparação
Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade 607

aos de desenvolvimento típico. O cór- nantemente relacionada à desatenção,


tex pré-frontal, o estriado e o cerebelo à hiperatividade e à impulsividade ou
foram as regiões mais correlacionadas, com sintomatologia combinada, poden-
principalmente nas regiões pré-frontais, do variar de intensidade. Atuais traba-
responsáveis pelo controle de processos lhos científicos indicam que os sintomas
cognitivos, que incluem a atenção e o de desatenção estão mais relacionados
planejamento motor. a prejuízos escolares, baixa autoestima,
desempenhos inferiores em situações
FATORES DE RISCO ocupacionais e menor potencial adapta-
O TDAH tem expressividade multifato- tivo. Já os sintomas hiperativos-impulsi-
rial, sem que haja uma característica vos são mais associados à rejeição dos
única ou específica determinante. A pares, agressividade, comportamentos
contribuição genética na etiologia do de risco e lesões acidentais.
TDAH é bem conhecida, embora o maior O diagnóstico do TDAH é fonte de
destaque vem sendo dado ao impacto certa controvérsia por ser essencialmen-
de múltiplas variações genéticas de pe- te clínico e passível de alguma subjetivi-
queno efeito interagindo com variáveis dade, já que não existem exames labora-
ambientais. Destacam-se a associação toriais ou de imagens confirmatórios. Por
do TDAH com algumas condições bio- este motivo, deve ser realizado por pro-
lógicas (prematuridade e baixo peso ao fissional experiente, através de entrevis-
nascer), assim como com fatores am- ta detalhada com os pais ou cuidadores
bientais (exposição intrauterina a álcool, e na presença da criança. O uso isolado
nicotina ou cocaína ou ao chumbo, após de escalas, exames de imagem ou testes
o nascimento). Vale ressaltar que os ris- neuropsicológicos não é recomendado
cos ambientais e biológicos parecem para a avaliação diagnóstica, sendo úteis
ser superpostos para que haja aumento como ferramentas complementares aos
efetivo das chances no desenvolvimen- dados obtidos na consulta clínica.
to dos sintomas. Não há evidências de Algumas escalas foram desenvol-
associações com aspectos étnicos, ra- vidas com base nos critérios atuais do
ciais, geográficos ou socioeconômicos, DSM-V, sendo a SNAP-IV uma escala de
podendo haver uma diferença no acesso livre acesso e a mais utilizada no Brasil,
ao diagnóstico e ao tratamento. principalmente para avaliação inicial de
triagem e, em alguns casos, auxiliar no
QUADRO CLÍNICO E DIAGNÓSTICO acompanhamento da resposta ao trata-
A apresentação clínica pode variar ao mento instituído (https://tdah.org.br/wp-
longo da vida, se apresentando predomi- -content/uploads/site/pdf/snap-iv.pdf)
SEÇÃO 11 608

Os critérios diagnósticos são a ocor- justificativa principal do comportamen-


rência de sintomas de impulsividade to humano, vale a reflexão de que a in-
e hiperatividade e/ou desatenção em fância, por ser uma fase de maturação
níveis inapropriados para o desenvol- neurológica, emocional e social, é ainda
vimento compatível com a faixa etária, o momento de maiores descobertas da
presentes por ao menos seis meses, em vida. Por esses motivos, é natural e es-
diferentes ambientes (escola, casa e la- perado que as crianças tenham atitudes
zer), que ocasionem comprometimento mais “impulsivas” e “desatentas” aos
nas atividades da vida do paciente e que olhos dos adultos, e aí está o ponto de-
não sejam explicados por outra causa cisivo entre o diagnóstico do TDAH e as
orgânica. O início dos sintomas ou dos orientações de uma infância saudável.
prejuízos relacionados devem iniciar an-
tes dos 12 anos de idade. TRATAMENTO
A importância do diagnóstico adequa­
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL do do TDAH está na indicação do tra-
Algumas condições clínicas ou situa- tamento apropriado. O manejo envol-
ções ambientais e pessoais podem mi- ve intervenções não farmacológicas
metizar os sintomas de TDAH e devem e, a depender do caso, o tratamento
ser abordadas minuciosamente durante medicamentoso pode ser associado. O
a avaliação. Alterações sensoriais (visão, tratamento sempre deve ser iniciado
audição), doenças neurológicas (epilep- com psicoeducação parental sobre
sia), síndromes genéticas, déficit inte- comportamentos esperados para cada
lectual, afecções psiquiátricas (ansieda- faixa etária, e esclarecimentos sobre
de, transtornos de humor), transtorno o TDAH. Lembrando que vários pais
do espectro autista (TEA), transtornos de portadores de TDAH também apre-
de aprendizado, distúrbios do sono e sentam dificuldades semelhantes, é
violência doméstica são alguns dos fundamental incluir orientações sobre
principais diagnósticos diferenciais do como melhorar o estilo de vida, com
TDAH. Ambientes escolares e/ou fami- hábitos de higiene do sono e ativida-
liares inadequados podem levar a sin- des físicas e escolares, além de sugerir
tomas semelhantes ao TDAH, entrando uso de ferramentas (agendas, planner)
no diagnóstico diferencial, mas podem que possam ajudar na organização das
também potencializar a sintomatologia atividades diárias. É importante ainda,
ou ser consequência do quadro de base. reforçar a valorização das habilidades
Diante de uma sociedade que prio- reais da criança para construção da
riza a relação causal da doença como autoestima e, quando necessário, as
Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade 609

adaptações na escola e nos ambientes de escolha, indicadas usualmente a


de aprendizagem. partir dos seis anos de idade. A escolha
A indicação do tratamento medica- do tipo de medicação depende de vá-
mentoso deve ser feita de maneira cri- rios fatores como tempo de ação, custo
teriosa por profissional especializado, e possíveis efeitos adversos. A resposta
nos casos em que não houve resposta ao tratamento medicamentoso é fa-
às medidas não farmacológicas iniciais vorável em até 80% dos casos quando
ou quando há comprometimento im- bem indicado, sendo fundamental uma
portante nas atividades da vida diária. adequada avaliação diagnóstica e ma-
As medicações estimulantes (metilfeni- nejo, tendo em vista as melhorias a lon­-
dato e lisdexanfetamina) são as drogas go prazo.

REFERÊNCIAS
AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Ma­ Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.neu-
nual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos biorev.2021.01.022. Acesso em: 22 jan. 2021.
Mentais: DSM-V, 2013.
GRISI, S. J. F. E.; ESCOBAR, A. M. U. Desenvol­
BARBARESI, W. J. et al. Society for Devel­op­ vimento da criança. São Paulo: Atheneu, 2018.
mental and Behavioral Pediatrics Clinical
SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. DIRE­
Prac­tice Guideline for the Assessment and
TRIZES. Departamento Científico Pediatria
Treat­ment of Children and Adolescents with
do Desenvolvimento e Comportamento. O
Complex Attention-Deficit/Hyperactivity Dis­
Pa­­­pel do Pediatra Diante da Criança com Di­fi­
order. J Dev Behav Pediatr, v. 41, n. 2, p. 35-57,
cul­dade Escolar. p. 1-31, 2018. Disponível em:
2020.
https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_up
COMUNIDADE APRENDER CRIANÇA. Carti­ lo­ad/21156d-DIRETRIZES_-Papel_pediatra_di
lha da Inclusão Escolar: inclusão baseada ante_crianca_DificEscolar.pdf. Acesso em: 22
em evidências científicas. Ed. Instituto Glia, dez. 2021.
2014.
WOLRAICH, M. L. et al. Clinical Practice
FARAONE, S. V. et al. The World Federation Guideline for the Diagnosis, Evaluation, and
of ADHD International Consensus State­ Treatment of Attention-Deficit/Hyperactivity
ment: 208 Evidence-based conclusions about Disorder in Children and Adolescents. Pe­di­
the disorder. Neurosci Biobehav Rev, 2021. atrics, v. 144, n. 4, p. e20192528, 2019.
C APÍTULO 2

Transtorno do Espectro Autista

Sophie Helena Eickmann

O QUE É? a prevalência do TEA aumentou de 1 em


Descrito pela primeira vez na década de cada 150 nascidos vivos em 2000 para 1
40 por Kanner e Asperger, o Transtorno em cada 54 nascidos vivos em 2020, de
do Espectro Autista (TEA) é um transtor- acordo com dados do Centro de Controle
no do neurodesenvolvimento caracteri- e Prevenção de Doenças (CDC) dos EUA,
zado por uma síndrome comportamen- sendo um dos transtornos do desenvol-
tal heterogênea, com grande variedade vimento mais frequentes na infância e
de níveis de comprometimento. O diag- na adolescência. Uma série de fatores
nóstico é exclusivamente clínico, desta- simultâneos parecem explicar esse au-
cando-se como principais característi- mento, como critérios diagnósticos mais
cas a dificuldade de comunicação e de abrangentes, maior reconhecimento pe-
interação social e os comportamentos e/ la população e diferenciação do quadro
ou interesses repetitivos ou restritos. de deficiência intelectual, porém alguns
autores advogam em favor de um au-
QUAL É A IMPORTÂNCIA DO TEMA? mento real da frequência do transtorno.
Por se tratar de um transtorno pervasivo
e permanente, com aumento progressi- QUAL É O GRUPO DE RISCO?
vo de prevalência, o TEA tem enorme O autismo tem etiologias múltiplas e é
impacto pessoal, familiar e social. O resultante de uma complexa interação
tratamento não visa a cura, mas a inter- dinâmica entre fatores biológicos/gené-
venção precoce pode melhorar signifi- ticos e ambientais, levando a grande va-
cativamente o prognóstico do paciente. riabilidade clínica. Existe uma diferen-
Antes considerado um diagnostico raro, ciação para cada indivíduo que ocorre
Transtorno do Espectro Autista 611

até a idade adulta, mas o período da QUANDO SUSPEITAR?


infância é quando o cérebro e o compor- COMO DIAGNOSTICAR?
tamento se desenvolvem rapidamente, O sistema de diagnóstico para o au-
e é quando surgem os primeiros sinais tismo sofreu modificações ao longo
e sintomas de TEA. da última década, incluindo os crité-
A frequência entre os meninos é rios do DSM-5 (5ª edição do Manual
4 a 5 vezes maior do que em meninas. Diagnóstico e Estatístico de Transtornos
Estudos realizados com famílias de gê- Mentais, publicado em 2013) e a recém-
meos indicam uma importante contri- -publicada 11ª versão da Classificação
buição genética ao transtorno entretan- Estatística Internacional de Doenças e
to, esta não parece ser completamente Problemas Relacionados com a Saúde
penetrante dada a sua heterogeneidade (CID-11), elaborada pela Organização
de expressão. O transtorno aumenta em Mundial de Saúde (OMS). Em ambos
50 a 200 vezes em irmãos de autistas do os instrumentos, o diagnóstico do TEA
que na população geral. A concordância é exclusivamente clínico, composto
em gêmeos monozigóticos varia entre pela observação de dois grupos de ca-
36% e 96%, mas é apenas entre 0% e 27% racterísticas principais: (a) déficits per-
em gêmeos dizigóticos. sistentes na comunicação social e na
Sabe-se que até 15% dos casos pa- interação social e (b) padrões restritos
recem estar associados a uma única e repetitivos de comportamento, inte-
mutação genética conhecida como a resses ou atividades. Algumas caracte-
síndrome do X-frágil (transtorno gené- rísticas podem variar bastante de caso
tico recessivo ligado ao cromossomo X a caso, mas a presença desses sintomas
presente em 2% a 3% dos pacientes com é fundamental para o estabelecimento
TEA), a esclerose tuberosa (distúrbio do diagnóstico de TEA.
genético de transmissão autossômica Mesmo sendo um transtorno preco-
dominante, presente em 2% dos TEA), ce do desenvolvimento e sendo possível,
a síndrome de Angelman, entre outras. já no primeiro ano de vida detectar al-
Entre os possíveis fatores ambientais guns sinais, como contato visual pobre,
envolvidos na etiologia do TEA, são ci- ausência de balbucio ou gestos sociais,
tados na literatura a idade avançada do não responder pelo nome quando cha-
pai no momento da concepção, exposi- mado, a maior parte dos casos só mostra
ção a drogas e medicamentos na gesta- consistentemente sintomas a partir dos
ção, prematuridade e suas complicações, 12 a 24 meses e a maioria das crianças
em especial hipóxia, e negligência ou só recebem o diagnóstico tardiamente
maus-tratos extremos. entre 4 e 5 anos.
SEÇÃO 11 612

Critérios diagnósticos pessoa com TEA, podendo ocorrer em


do TEA no DSM-5 graus variados:
• Dificuldade persistente na comuni- • Leve: leve alteração da interação e da
cação social, manifestada em défi- comunicação social, apresentam pre­-
cits na reciprocidade emocional e juízos, mas não necessitam de tan­to
nos comportamentos não verbais de suporte. Têm dificuldade nas intera-
comunicação usuais para a intera- ções sociais, respostas atípicas e pou-
ção social. co interesse em se relacionar com o ou-
• Os déficits na interação social reú- tro, dificuldade para trocar de ativida-
nem aspectos diversos, incluindo in- de, independência limitada para auto-
capacidade ou dificuldade de iniciar cuidado, organização e planejamento.
interações com outros, compartilhar • Moderado: nível moderado de alte-
emoções, engajar em conversas ou a ração da interação e comunicação
falta de contato visual nas interações social, com déficits na conversação
• Padrões restritos e repetitivos de e nas interações sociais, dificuldade
comportamento, interesses ou ativi- em mudar de ambientes, desviar o
dade, manifestados por movimen- foco ou a atenção, necessitando de
tos, falas e manipulação de objetos suporte substancial.
de forma repetitiva e/ou estereoti- • Grave: prejuízos graves nas intera-
pada, insistência na rotina, rituais ções e comunicação social, dificul-
verbais ou não verbais, inflexibili- dade extrema com mudanças e ne-
dade a mudanças, padrões rígidos cessitam suporte muito substancial
de comportamen­
to e pensamento; para realizar as tarefas do dia a dia,
interesses restritos e fixos com in- incluindo as de autocuidado e higie-
tensidade; hiper ou hipoatividade a ne pessoal.
estímulos sensoriais.
Para possibilitar o diagnóstico, e
Os sintomas devem estar presentes consequente tratamento precoce, a So­
no período de desenvolvimento, em fa- ciedade Brasileira de Pediatria recomen-
se precoce da infância (antes dos 3 anos da, para todas as crianças entre 16 e 24
de vida), mas podem se manifestar com meses, o uso do instrumento padroniza-
o tempo conforme as demandas sociais do de triagem, com entrevista de segui-
excedam as capacidades limitadas. Esses mento (M-CHAT-R/F (Modified Checklist
sintomas devem causar prejuízos signi- for Autism in Toddlers Revi­sado), vali-
ficativos no funcionamento social, pro- dado e traduzido para o português em
fissional e em outras áreas da vida da 2008. O M-CHAT é um teste exclusivo
Transtorno do Espectro Autista 613

para sinais precoces de autismo e não intelectual, melhorar a qualidade de


para avaliação do neurodesenvolvimen- vida e dirigir competências para auto-
to (http://mchatscreen.com/wp-content/ nomia, além de diminuir as angústias
uploads/2018/04M-CHAT-R_F_Brazilian_ da família e os gastos com terapias sem
Portuguese.pdf). base de evidências científicas.
A literatura atual destaca, como
QUAL É O DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL? mais efetivas, as terapias psicológicas,
Transtornos do desenvolvimento em fonoaudiológicas, terapêuticas ocupa-
que ocorram dificuldades comunicati- cionais e pedagógicas com abordagens
vas e sociais, como na deficiência inte- comportamentais, como o método ABA
lectual, no atraso global do desenvol- (Aná­lise Aplicada do Comportamento), o
vimento, no déficit auditivo, no TDAH Mo­delo Denver de Intervenção Precoce,
grave (Transtorno de Déficit de Aten­ção o TEACCH (Tratamento e Educação pa-
e Hiperatividade), na síndrome de Lan­ ra Au­tistas e Crianças com Déficits re-
dau-Kleffner (afasia epiléptica adquiri- lacionados com a Comunicação), além
da), TOC (Transtorno Obssessivo Com­ do PECS (Sistema de Comunicação por
pulsivo) podem ser confundidos com Troca de Imagens) e da Terapia de Inte­
TEA, lembrando, entretanto, que vários gração Sensorial, entre outros.
dos transtornos podem ser também co- O tratamento medicamentoso, por
morbidades do TEA. se tratar de tratamento apenas sintomá-
tico, é reservado para os casos com sin-
COMO TRATAR? tomas específicos, como agressividade,
Entre os aspectos mais importantes no irritabilidade grave, distúrbio de sono
tratamento do TEA destacam-se a pre- e presença intensa de estereotipias, po-
cocidade do início e a intensidade das dendo se utilizar os antipsicóticos atípi-
terapias com equipe interdisciplinar, cos (Risperidona e Aripiprazol), além de
visando aumentar o potencial do de- psicoestimulantes (Metilfenidato), Me­la­
senvolvimento social e de comunicação tonina e agonista do receptor adrenérgi-
da criança, proteger o funcionamento co α2 (Clonidina).

REFERÊNCIAS
BARCELOS, K. S. et al. Contribuições da aná- ELSABBAGH, M. Linking risk factors and
lise do comportamento aplicada para indi- outcomes in autism spectrum disorder: is
víduos com transtorno do espectro do autis- there evidence for resilience? BMJ, v. 368, n.
mo: uma revisão. Braz J Develop, v. 6, n. 6, p. l688, 2020.
37276-37291, 2020.
SEÇÃO 11 614

LEVY, S. E. et al. Screening Tools for Autism Orientação, Departamento Científico de Pe­­
Spectrum Disorder in Primary Care: A Sys­ diatria do Desenvolvimento e Compor­ta­men­
tematic Evidence Review. Pediatrics, v. 145, to, n. 5, abr. 2019.
Suppl. 1, p. S47-S59, 2020.
TANNER, A.; DOUNAVI, K. The Emergence of
MAENNER, M. J. et al. Prevalence of autism
Autism Symptoms Prior to 18 Months of Age:
spectrum disorder among children aged
A Systematic Literature Review. J Autism Dev
8 years – Autism and Developmental Dis­
Disord, v. 51, n. 3, p. 973-993, 2021.
abilities Monitoring Network, 11 sites, United
States, 2016. MMWR Surveill Summ, v. 69, n. VAN’T HOF, M. et al. Age at autism spectrum
SS-4, p. 1-12, 2020. disorder diagnosis: A systematic review and
SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. Trans­- meta-analysis from 2012 to 2019. Autism, v.
torno do espectro do autismo. Manual de 25, n. 4, p. 862-873, 2021.
S EÇ ÃO 1 2

Pneumologia pediátrica

Capítulo 1
Bronquiolite viral aguda

Capítulo 2
Pneumonia adquirida na comunidade

Capítulo 3
Tuberculose na infância e na adolescência
C AAPÍTULO
PÍTULO x1

Bronquiolite viral aguda

Edjane Figueiredo Burity


Maria Isabella Londres Lopes

O QUE É BRONQUIOLITE VIRAL AGUDA? na primo-infecção, sendo causa frequen-


A bronquiolite viral aguda (BVA) acome- te de hospitalização em lactentes.
te, predominantemente, crianças com Lactentes com menos de seis meses
menos de dois anos de idade que, tipi- de idade, principalmente prematuros,
camente, apresentam uma infecção de crianças com doença pulmonar crônica
vias aéreas superiores seguida por um da prematuridade, cardiopatas, imuno-
quadro de infecção do trato respiratório deficientes e pacientes com doença neu-
inferior, sendo caracterizada por esforço romuscular representam os grupos de
respiratório, sibilância e estertores. O ví- maior risco para desenvolver infecção
rus sincicial respiratório (VSR) é o princi- respiratória mais grave, necessitando de
pal agente causador, sendo responsável internação em 10% a 15% dos casos.
por até 75% das bronquiolites. Estima-se que o período de incuba-
A maioria das crianças é infectada ção da doença é de quatro a cinco dias.
no primeiro ano de vida e, virtualmente, O vírus se replica na nasofaringe e o pe-
quase todas as crianças serão expostas ao ríodo de excreção viral pode variar de 2
vírus até o final do segundo ano de ida- a 8 dias ou até a melhora clínica. Em re-
de, com reinfecções durante toda a vida. cém-nascidos, lactentes jovens e pacien-
Entretanto, o acometimento de vias aé- tes imunocomprometidos, a dissemina-
reas inferiores, e consequentemente, as ção do vírus pode persistir por períodos
formas graves da doença, predominam mais prolongados, de até 3 a 4 semanas.
Bronquiolite viral aguda 617

COMO FAZER O DIAGNÓSTICO DE BVA? QUANDO DEVEREMOS INDICAR


O diagnóstico é principalmente clínico, HOSPITALIZAÇÃO?
baseado nos sinais e sintomas da doen- • Episódios de apneia;
ça, não havendo indicação rotineira do • Criança com piora do estado geral
uso de testes específicos de detecção vi- (hipoativa, prostrada, acorda apenas
ral, de acordo com as últimas diretrizes com estímulos prolongados);
da Academia Americana de Pediatria • Desconforto respiratório (gemência,
(AAP). O quadro clínico é tipicamente retração torácica, FR > 60 irpm, cia-
precedido em dois a três dias por sin- nose central, saturação < 92% per­sis­-
tomas do trato respiratório superior tente);
(rinorreia) seguido por febre, tosse e • Sinais de desidratação;
desconforto respiratório (taquipneia e • Recusa alimentar, ingestão reduzida
retrações). Na ausculta respiratória, são e/ou sem diurese por 12 horas;
observados sibilos e estertores bolhosos. • Presença de comorbidade: displa-
O pico da doença fica em torno do ter- sia, cardiopatia, imunodeficiência,
ceiro ao quinto dia, havendo resolução doença neuromuscular, outras;
gradual dos sintomas posteriormente. • Idade < 3 meses;
• Prematuridade, especialmente < 32
COMO ORIENTAR O TRATAMENTO semanas;
DOS CASOS MAIS LEVES TRATADOS • Condição social ruim;
EM DOMICÍLIO? • Dificuldade de acesso ao serviço de
Em geral os pacientes apresentam boa saúde, se houver piora clínica;
evolução. O tratamento é de suporte: • Incapacidade, falta de confiança pa-
• Fazer a higiene das mãos com água ra identificar sinais de “alerta”.
e sabão e/ou álcool a 70%;
• Evitar o tabagismo passivo; QUAL É O TRATAMENTO DE SUPORTE
• Manter a alimentação normal para PARA CRIANÇAS HOSPITALIZADAS?
a idade da criança;
• Fazer a higiene da cavidade nasal Aspiração nasal
com solução salina; Principalmente, cuidados com a hidra­
• Uso de antitérmico, se necessário; tação do paciente e sucção de vias aé-
• Retorno para reavaliação médica, reas superiores (VAS). Lactentes com
em caso de dúvidas ou presença de BVA podem ter dificuldade para se ali-
sinais de alerta; mentar devido à congestão nasal e ao
• Orientar os cuidadores sobre os si- esforço respiratório. A administração
nais e sintomas de “alerta”. de líquidos para crianças que toleram
SEÇÃO 12 618

a administração enteral pode ser por intermitentes de hipoxemia em crianças


sonda naso ou orogástrica. Naquelas previamente saudáveis parecem não
com quadros mais graves, pelo risco de causar prejuízo em longo prazo, não sen-
broncoaspiração, geralmente há necessi- do recomendada oximetria contínua em
dade de administração por via EV, sendo crianças sob observação na emergência.
recomendados os fluidos isotônicos com
a finalidade de evitar hiponatremia. Cânula nasal de alto fluxo (CNAF)
Os lactentes têm respiração nasal e É uma modalidade de suporte respirató-
a aspiração com o intuito de fazer higie- rio não invasivo, bem tolerado, que di-
ne das narinas, em algumas situações, é minui a necessidade de intubação endo-
recomendada. Melhora o esforço respira- traqueal em crianças com bronquiolite
tório e facilita a alimentação. Contudo, a em risco para insuficiência respiratória.
aspiração pode irritar a mucosa nasal e É utilizada em ambiente de UTI, porém
desencadear edema. Existe evidência de em alguns centros têm sido empregada
melhora da saturação de O2 com lava- também na emergência ou na enferma-
gem nasal sem aspiração. A recomenda- ria, com segurança.
ção é fazer aspiração nasal suave e mais
superficial, quando necessário. Pressão positiva contínua em vias
aéreas (CPAP)
Fisioterapia respiratória O CPAP, também é uma modalidade não
Os guidelines não recomendam fisio- invasiva de apoio respiratório, que pode
terapia de rotina para o tratamento da evitar a indicação de intubação endotra-
bronquiolite não complicada e que não queal. Em crianças que não respondem
apresenta comorbidades. bem ao CNAF, pode ser tentado o CPAP
antes da intubação.
Oxigênio
A AAP sugere ponto de corte < 90%, ao Intubação endotraqueal
passo que no Reino Unido o limite é e ventilação mecânica
92%. A justificativa para um ponto de Indicações:
corte maior é devido à variabilidade na • Desconforto respiratório intenso e
acurácia dos oxímetros, à presença de progressivo, mesmo em uso de su-
febre, acidose e hemoglobinopatias. O porte ventilatório não invasivo;
oxigênio suplementar pode ser forneci- • Hipoxemia, em oxigênio suplementar;
do por meio de cânula nasal, máscara • Apneia;
facial e capacete com o objetivo de man- • Hipercapnia (pCO2 > 55 mmHg, em
ter a SaO2 acima de 90-92%. Episódios sangue arterial);
Bronquiolite viral aguda 619

QUE MEDICAMENTOS ESTÃO doses de corticosteroides, associadas à


INDICADOS NO TRATAMENTO DA BVA? adrenalina por nebulização, podem re-
duzir a taxa de internação no sétimo dia
Broncodilatadores de tratamento. No entanto, esses resulta-
Ensaios randômicos não demonstraram dos necessitam de confirmação.
efetividade em melhora dos sintomas,
da taxa de hospitalização e do tempo de Antimicrobianos
internação. Em ambiente ambulatorial, Não devem ser utilizados rotineiramen-
foi observada pequena melhora na mé- te. O uso de antibióticos macrolídeos
dia de escore de sintomas, com pouca tem potencial para reduzir o processo
importância clínica. Não houve redução inflamatório da bronquiolite. Estudos
na taxa de admissão hospitalar. randômicos não observaram diferença
entre azitromicina versus placebo para
Adrenalina por nebulização as variáveis tempo de internação, neces-
Os guidelines dos Estados Unidos, do sidade de O2 e readmissão hospitalar.
Reino Unido e do Canadá não recomen-
dam o uso de broncodilatadores para Antivirais
BVA. O uso de acordo com a resposta Antivirais específicos, como ribavirina
clínica pode eventualmente ser conside- para o tratamento de VSR, não são re-
rado, mas só deve ser mantido se houver comendados devido às dificuldades de
evidência de melhora imediata. seu uso, ao alto custo e ao risco para os
cuidadores.
Solução salina hipertônica (SSH) por
nebulização Palivizumabe e Névoa
A SSH 3% pode melhorar a BVA, princi- O palivizumabe tem ação profilática
palmente em pacientes internados por e a névoa ainda não tem evidência de
> 3 dias, sendo o recomendado pelo recomendação.
Consenso Italiano (2014). O papel da so-
lução salina hipertônica no tratamento QUAIS SÃO OS CRITÉRIOS
da bronquiolite viral aguda ainda preci- PARA ALTA HOSPITALAR?
sa ser definido. • Frequência respiratória:
< 60 irpm em < 6 meses de idade
Corticosteroides < 55 irpm entre 6 e 11 meses
Ensaios grandes, multicêntricos, ran- < 45 irpm em ≥ 12 meses;
dômicos, sem evidência de resultados. • Paciente estável em ar ambiente por
Florin et al. (2017) sugerem que altas pelo menos 12 horas antes da alta;
SEÇÃO 12 620

• Adequada ingestão oral; O QUE DISPOMOS PARA A PROFILAXIA


• Pais confiáveis quanto à condução DE INFECÇÃO POR VSR?
dos cuidados em casa. A profilaxia com o anticorpo monoclo-
nal específico, o palivizumabe, é capaz
QUAL É O PROGNÓSTICO DA BVA? de prevenir formas graves da doença e
Estudos relatam que 17-60% de crianças vem sendo recomendada através de di-
com BVA desenvolvem sibilância recor- ferentes esquemas, em diversos países.
rente após o episódio de internação. A O palivizumabe é um anticorpo mono-
gravidade da BVA pode estar associada clonal, IgG1 humanizado, direcionado
ao risco de asma. para um epítopo no sítio antigênico A
da proteína de fusão do VSR. É indicado
QUE MEDIDAS DEVEM SER ADOTADAS para a prevenção de doença grave do
PARA CONTROLAR A TRANSMISSÃO? trato respiratório inferior, causada pelo
Isolamento de casos confirmados e sus- VSR, em pacientes pediátricos de alto
peitos, medidas padrão de controle de risco, menores de dois anos de idade,
infecção hospitalar, higiene frequente que inclui crianças prematuras (idade
e criteriosa das mãos e uso de equi- gestacional < 35 semanas), crianças por-
pamentos de proteção (luvas, óculos, tadoras de doença pulmonar crônica da
máscaras e aventais) têm sido consi- prematuridade e portadores de cardio-
derados efetivos, em graus variados, patia congênita hemodinamicamente
na prevenção e na redução das taxas significativa.
de infecções e de surtos hospitalares O palivizumabe deve ser adminis-
desta e de outras infecções virais. Na trado na posologia de 15 mg/kg, via in-
comunidade, pais e cuidadores devem tramuscular (IM), de preferência na face
ser orientados quanto à importância da anterolateral da coxa, uma vez por mês,
lavagem das mãos e de limitar, quando durante o período de sazonalidade do
possível, a exposição da criança a am- VSR previsto na comunidade. A primei-
bientes com elevado risco de contágio, ra dose deve ser administrada um mês
como creches e escolas maternais, as- antes do início da estação do vírus e as
sim como evitar o contato com pessoas aplicações subsequentes devem ser ad-
com doença respiratória aguda. São ministradas durante este período, até o
também medidas importantes: evitar máximo de cinco doses.
exposição passiva ao tabaco, incentivar São eventos adversos relacionados
o aleitamento materno e a vacinação à sua utilização: irritabilidade, reações
contra influenza nos lactentes e nas no local da injeção, erupção cutânea
crianças acima de seis meses. e febre.
Bronquiolite viral aguda 621

São considerados públicos-alvo para acessar o documento na íntegra (vi-


a profilaxia, com risco aumentado, os de referência).
prematuros (PT) portadores de doença
pulmonar crônica (DPC) ou cardiopatias Vale ressaltar que o número total de
congênitas (CC). doses por criança dependerá do mês de
A Portaria Conjunta do Ministério início das aplicações, variando, assim,
da Saúde nº 23 (03/10/2018) aprovou o de 1 a 5 doses. Para crianças nascidas
Protocolo de Uso do Palivizumabe para durante a sazonalidade do VSR, poderão
a prevenção da infecção pelo VSR de ser necessárias menos que 5 doses, uma
acordo com os seguintes critérios: vez que o medicamento não será aplica-
• Crianças prematuras nascidas com do após o término da sazonalidade.
idade gestacional ≤ 28 semanas (até A Sociedade Brasileira de Pediatria
28 semanas e 6 dias) com idade infe- (SBP) preconiza a profilaxia para, além
rior a 1 ano (até 11 meses e 29 dias); dos grupos contemplados pelo Ministério
• Crianças com idade inferior a 2 anos da Saúde, bebês prematuros nascidos en-
(até 1 ano, 11 meses e 29 dias) com tre 29 e 31 semanas e 6 dias de idade ges-
doença pulmonar crônica da prema- tacional, baseada em diversas evidências
turidade, displasia broncopulmonar, que demonstram que este é também um
ou doença cardíaca congênita com grupo vulnerável para desenvolver for-
repercussão hemodinâmica demons- mas graves da infecção, especialmente
trada. Para mais esclarecimentos nos primeiros 6 meses de vida.

REFERÊNCIAS
COMMITTEE ON INFECTIOUS DISEASES AND BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Protocolo de
BRONCHIOLITIS GUIDELINES COMMITTEE. uso de palivizumabe para prevenção da in-
Up­­
date Guidance for Palivizumab Pro­
phy­ fecção pelo vírus sincicial respiratório. 2018.
lax­is Among Infants and Young Children at Disponível em: http://portalms.saude.gov.br/
In­creased Risk of Hospitalization for Respira­ ptotocolos-e-diretrizes. Acesso em: 17 fev.
tory Syncytial Virus Infection. Pediatrics, v. 2019.
134, n. 2, p. e620-e638, 2014.
MESQUITA, F. S. et al. Rapid antigen detec-
FLORIN, T. A.; PLINT, A. C.; ZORC, J. J. Viral Bron­chi­- tion test for respiratory syncytial virus diag-
olitis. Lancet, v. 389, n. 10065, p. 211-224, 2017. nosis as a diagnostic tool. J Pediatr, v. 93, p.
246-252, 2017.
KOU, M.; HWANG, V.; RAMKELLAWAN, N.
Bronchiolitis – From practice guideline to PIEDRA, P. A.; STARK, A. R. Bronchiolitis in
clinical practice. Emerg Med Clin N Am, v. 36, infants and children: clinical features and
p. 275-86, 2018. diagnosis. UpToDate. 2019. Disponível em:
SEÇÃO 12 622

https://www.uptodate.com. Acesso em: 07 lo vírus sincicial respiratório (VSR). 2017. Dis­­


fev. 2019. ponível em: https://www.sbp.com.br/fileadm
SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. Dire­ in/user_upload/20277e-Diretrizes_VSR.pdf.
tri­zes para o manejo da infecção causada pe- Acesso em: 22 ago. 2021.
C APÍTULO 2

Pneumonia adquirida
na comunidade

Antônio Correia de Vasconcelos Neto


Edjane Figueiredo Burity

O QUE É PNEUMONIA? e gradeado costal ou em consequência


É um processo inflamatório que se se- de trauma de tórax, e por agentes não
gue à ação de agentes infecciosos, tais infecciosos. Pode ser classificada radio-
como vírus, bactérias e, menos frequen- lógica ou imunopatologicamente como
temente, fungos e parasitas; que aco- lobar (ou acinar ou alveolar), lobular ou
metem os alvéolos e os bronquíolos. A intersticial, dependendo da sua locali-
pneumonia adquirida na comunidade zação anatômica.
(PAC) é uma infecção que ocorre em
crianças não hospitalizadas no último QUAL É A SUA IMPORTÂNCIA?
mês e, assim, adquirida fora do ambien- A pneumonia é a causa mais comum de
te hospitalar ou da unidade de atenção morbidade e mortalidade em lactentes
à saúde, ou até 48 horas após uma in- e crianças menores de cinco anos em
ternação. A infecção é, em geral, decor- todo o mundo. Intervenções preventi-
rente da aspiração de secreções infecta- vas como as vacinas conjugadas contra
das das vias aéreas superiores. Menos Haemophilus influenzae tipo b e pneu-
frequentemente, pode ser decorrente mococo, e estratégias de tratamen-
de contaminação por via hematogêni- to, como as diretrizes da Organização
ca, por disseminação através de focos Mun­­di­al da Saúde (OMS) para o Manejo
infecciosos em pele, meninge, intestino, Inte­­gra­do de Doenças Prevalentes na In­
vias urinárias e ossos. Mais raramente fân­­cia (AIDPI), têm levado à constante
ainda, pode ocorrer por contiguidade, a redução na incidência e na mortalidade
partir da infecção no pericárdio, fígado por pneumonia.
SEÇÃO 12 624

QUAIS SÃO OS FATORES o sinal mais encontrado e o mais im-


DE RISCO PARA PNEUMONIA? portante para o diagnóstico. Febre de
• Desnutrição, comorbidades, desma- início agudo, taquipneia e tosse consti-
me precoce; tuem o quadro clínico clássico. A febre
• Baixa idade no momento da doença; pode estar ausente em lactentes muito
• Baixas condições socioeconômicas: pequenos com infecção por Chlamydia
baixo nível de escolaridade dos pais, trachomatis, Bordetella pertussis ou
renda familiar na linha da pobreza, Ureaplasma urealyticum. Na criança
condições sanitárias e de higiene com sinais de infecção respiratória
precárias; aguda como febre e tosse, a frequência
• Baixa cobertura vacinal, baixo peso respiratória (FR) deverá sempre ser ava-
ao nascer, permanência em creches; liada (Quadro 1).
• Poluentes intradomiciliares, infec-
Quadro 1. Valores de corte para frequência
ções virais respiratórias (pode pre- respiratória conforme faixa etária
dispor à PAC bacteriana);
Idade Frequência Respiratória (FR)
• Episódios prévios de sibilância e
< 2 meses FR ≥ 60 irpm
pneumonia.
2 a 11 meses FR ≥ 50 irpm

QUANDO SUSPEITAR DE PNEUMONIA E 1 a 4 anos FR ≥ 40 irpm


COMO FAZER O DIAGNÓSTICO CLÍNICO?
irpm = incursões respiratórias por minuto.
O quadro clínico da pneumonia é va- Fonte: Sociedade Brasileira de Pediatria (2007).
riado e inespecífico, podendo ser sutil
dependendo de vários fatores, incluin- No recém-nascido, as manifestações
do os agentes etiológicos, a idade da respiratórias são ainda menos evidentes.
criança, o tamanho do inóculo, a res- Costumam predominar os sinais gerais
posta imunológica do indivíduo, a ex- de sepse, como recusa do alimento, le-
tensão do acometimento e a gravidade targia, hipotonia, convulsões, vômitos,
do quadro. São sinais e sintomas de distensão abdominal, palidez, cianose,
PAC: tosse, febre alta, calafrios, respi- hipotermia, com grau variável de com-
ração rápida (taquipneia), presença de prometimento respiratório (taquipneia,
retrações do tórax (tiragens subcostais), episódios de apneia, tiragem, batimento
estertores finos (crepitações), dor torá- de asas do nariz e gemido). Tanto a FR
cica, dor abdominal (pneumonia em maior ou igual a 60 irpm quanto a tira-
bases pulmonares), hipoxemia e sinto- gem subcostal são consideradas de alto
mas sistêmicos associados. Taquipneia valor preditivo de PAC grave em meno-
sem sibilos, com ou sem dispneia, é res de dois meses de idade.
Pneumonia adquirida na comunidade 625

Nos lactentes e nas crianças de me- broncodilatador e, eventualmente, cor-


nor idade, a PAC costuma iniciar-se com ticosteroides antes da classificação do
quadro febril brusco. À medida que o paciente em relação à PAC.
quadro progride, aparecem manifesta- A PAC deve ser lembrada como diag-
ções de maior gravidade: letargia, re- nóstico diferencial de síndrome infeccio-
cusa alimentar, tiragem subcostal, ta- sa na qual a criança apresenta-se com
quipneia, gemido expiratório, cianose, febre, prostração e sinais inespecíficos de
distensão abdominal e taquicardia. infecção ou toxemia e o exame físico ini-
Na pneumonia por Mycoplasma cial não esclarece a causa. Nestes casos, a
pneumoniae, causa mais frequente de pneumonia precisa ser investigada mes-
pneumonia atípica, o início é gradual mo na ausência de taquipneia e tiragem
com mal-estar, febre, cefaleia e tosse subcostal, pois crianças com pneumonia
irritativa, que se manifestam a partir podem ter apenas febre sem outras ma-
do terceiro ao quinto dia de doença e nifestações de doença respiratória.
acometem, principalmente, crianças em No exame físico, à ausculta pulmo-
fase escolar. Trata-se de quadro insidio- nar, o murmúrio vesicular pode estar
so com período de incubação de duas a diminuído tanto na condensação por
três semanas, eventual tosse coquelu- pneumonia como nas grandes atelecta-
choide e relatos de contactantes na fa- sias e nos derrames pleurais. O frêmito
mília e na escola, além de ausência de toracovocal estará aumentado nos casos
resposta clínica ao tratamento habitual de consolidação e diminuído, nos de
para PAC com betalactâmicos. derrames pleurais.
Taquipneia sem sibilância sugere o Diante de sinais de gravidade como
diagnóstico de PAC e taquipneia com tiragem subcostal, dificuldade para in-
sibilância, se associada à história de gerir líquidos e gemência, a abordagem
episódios prévios de sibilância, leva ao deve ser imediata e resolutiva, indepen-
diagnóstico de possível hiper-reativida- dentemente da entidade clínica.
de brônquica/asma. Caso não haja sibi- A OMS desenvolveu orientações,
lância recorrente prévia, dependendo que permitem identificar crianças com
da idade da criança, poderá tratar-se pneumonia, baseadas somente em si-
de infecção por Mycoplasma pneumo- nais clínicos. São sinais altamente sensí-
niae, Chlamydophila pneumoniae (es- veis, mas pouco específicos:
colares e adolescentes) ou bronquioli- 1. Crianças menores de dois meses de
te viral aguda (lactentes). A sibilância idade que, além de tosse e da dificul-
induzida por vírus também pode cau- dade respiratória, apresentem FR ele-
sar taquipneia e deve ser tratada com vada (≥ 60 irpm), com ou sem tiragem
SEÇÃO 12 626

subcostal, devem ser consideradas (PCR) possibilitou esclarecer o papel dos


como pacientes com pneumonia gra- vírus nas infecções respiratórias agudas
ve e internadas para tratamento hos- da infância, permitindo identificar com
pitalar. mais facilidade e rapidez vírus já conhe-
2. Os pacientes maiores de dois meses cidos e novos vírus ou vírus emergentes,
são separados em dois grupos: como é o caso do metapneumovírus e
a) Pneumonia (apenas FR aumenta- do bocavírus.
da para a idade): requerem trata- Os quadros bacterianos são respon-
mento ambulatorial com antibio- sáveis por infecções mais graves, com
ticoterapia; maior comprometimento do estado
b) Pneumonia grave (FR aumentada geral. Desses, o Streptococcus pneu­mo­
com presença de tiragem subcos- niae (pneumococo) é o mais frequente.
tal): devem ser encaminhados pa- Outras bactérias causadoras incluem
ra internação hospitalar. Streptococcus do Grupo A, Staphylo­co­
ccus aureus, Haemophilus influenzae e
QUAIS SÃO OS PRINCIPAIS AGENTES Moraxella catarrhalis. O pneumococo
ETIOLÓGICOS DA PNEUMONIA? destaca-se como um dos maiores causa-
Os agentes etiológicos que causam pneu- dores de PAC em todas as idades. A am-
monia variam com a idade, as doenças pla imunização para H. influenzae fez
subjacentes, a maturidade, a condição com que diminuísse a incidência mun-
do sistema imunológico, além das esta- dial de infecção respiratória por este
ções do ano (sazonalidade). Podem ser agente. A vacinação antipneumocócica
de etiologia viral, bacteriana ou ambos. 10-valente, iniciada em 2010, também
Os vírus são responsáveis pela maio- tem contribuído muito na redução dos
ria das PACs, em torno de 90% até um ano casos de pneumonia, em até 44% nos ca-
de idade e 50% em escolares. Destaca-se sos confirmados radiologicamente. O S.
o vírus sincicial respiratório (VSR) como aureus está relacionado, principalmente,
o de maior incidência, principalmente à baixa faixa etária, com infecções cutâ-
em menores de 5 anos. Outros vírus res- neas e gravidade clínica, além de piora
ponsáveis, em ordem de frequência, são: rápida e progressiva. Em geral, cursa
in­
fluenza, parainfluenza, adenovírus, com empiema pleural, pneumatoceles
ri­
no­
vírus, metapneumovírus e boca­ e, quase sempre, corresponde a quadros
ví­rus, esses dois últimos estão associa- de PAC complicada. O Staphylococcus
dos à síndrome da angústia respiratória MARSA adquirido na comunidade (CA
(SARS). A instituição do teste diagnósti- MARSA) também deve ser considera-
co da reação em cadeia da polimerase do em quadros de PAC de evolução
Pneumonia adquirida na comunidade 627

arrastada sem melhora com os antibió- A Chlamydia trachomatis é outro


ticos para germes comuns, mesmo sem agente causador de pneumonia afebril,
porta de entrada ou relato de interna- principalmente nos lactentes em seus
ção hospitalar prévia. quatro primeiros meses de vida e nasci-
Em geral, consolidação alveolar, dos de parto normal. O quadro clínico
pneumatoceles, derrames pleurais e caracteriza-se por início gradual e curso
abscessos sugerem etiologia bacteriana. subagudo, com acessos prolongados de
O padrão intersticial está mais frequen- tosse intensa, taquipneia e estertores fi-
temente associado a vírus, Mycoplasma nos bilaterais. Chama a atenção o estado
pneu­moniae ou Chlamydia pneumoniae. geral regular do paciente. Pode haver
Pode ocorrer infecção mista de dois relato materno de leucorreia durante a
ou mais agentes, sendo que o vírus época do parto. A presença de eosinofilia
influenza pode anteceder e facilitar acima ou igual a 300 células/mm3 pode
a ação de agentes bacterianos, como ocorrer na maioria das infecções por C.
Streptococcus pneumoniae (pneumoco- trachomatis. Este quadro clínico, nesta
co), S. aureus e H. influenzae. faixa etária também pode ser causado
Nas pneumonias atípicas, o M. pneu- por uma variedade de vírus respiratórios,
moniae é o agente mais importante Bordetella pertussis, ou, possivelmente,
e acarreta um quadro menos grave. Ureaplasma urealyticum. As etiologias da
Responde por cerca de 10% a 40% das PAC podem ser visualizadas no Quadro 2.
PAC e atinge, principalmente, crianças A tuberculose sempre deve ser pensa-
maiores de cinco anos. Mas, a literatura da nos casos de pneumonia não resolvi-
mostra acometimento em todas as ida- da com uso de antibiótico (pneumonia
des, inclusive no período neonatal. persistente) e nos casos de pneumonias

Quadro 2. Etiologia das PACs por faixa etária

Faixa etária Agentes etiológicos

RN até 3 dias Streptococcus do grupo B, Bacilos Gram negativos e Listeria monocytogenes

RN de 3 a 28 dias Staphylococcus aureus, Staphylococcus epidermidis e Gram negativos

Vírus, Chlamydia trachomatis, Ureaplasma urealyticum, Streptococcus pneumoniae e


1 a 3 meses
Staphylococcus aureus

Vírus, Streptococcus pneumoniae, Staphylococcus aureus, Haemophilus influenzae,


4 meses a 5 anos
Moraxella catarrhalis, Mycoplasma pneumoniae e Chlamydia pneumoniae

Streptococcus pneumoniae, Staphylococcus aureus, Mycoplasma pneumoniae e


Acima de 5 anos
Chlamydia pneumoniae

Fonte: Sociedade Brasileira de Pediatria (2018).


SEÇÃO 12 628

recorrentes. Malformações congênitas Na infecção por C. trachomatis é fre-


infectadas secundariamente (seques- quente a presença de eosinofilia.
tro pulmonar e cistos broncogênicos) 2. Provas de atividade inflamatória:
e massas torácicas também podem hemossedimentação (VHS), proteína
ter apresentação radiológica similar à C reativa (PCR) e procalcitonina (PCT),
pneumo­nia e ser causa de retardo na esta última considerada um marcador
melhora radiológica. sensível para infecção bacteriana, não
diferenciam a PAC viral da bacteriana
QUE EXAMES LABORATORIAIS DEVEM de forma segura. Mas, valores eleva-
SER SOLICITADOS? dos de PCT, em que há identificação
A maioria das crianças com pneumonia viral, podem sugerir coinfecção bac-
são tratadas sem utilizar nenhum teste teriana. Durante o tratamento da PAC,
laboratorial. Crianças com doença grave a melhora dos valores de PCT pode ser
e aspecto tóxico devem realizar hemo- marcador objetivo de melhora, princi-
grama, dosagens de eletrólitos, testes de palmente, nos casos complicados, mas
função hepática, renal e hemocultura, a PCT sérica não deve ser realizada de
de acordo com critérios clínicos. Esses rotina. Entretanto, pode ser útil para
testes, geralmente, não são necessários diferenciar a etiologia e a gravidade da
para crianças com formas leves. Os mar- PAC, quando associada a dados epide-
cadores inflamatórios não são capazes miológicos e outros testes diagnósticos.
de diferenciar entre pneumonia viral e Níveis de PCT < 0,25 ng/ml estão asso-
bacteriana em crianças. Entretanto, po- ciados à baixa probabilidade de PAC
dem ser utilizados durante a evolução bacteriana ou PAC de menor gravidade.
da doença e servem como marcadores PCT < 0,1 ng/ml tem alto valor predi-
prognósticos. Poderemos considerar os tivo negativo e exclui PAC bacteriana.
seguintes exames: PCT iguais ou acima de 0,75-2,0 ng/ml
1. Hemograma: embora geralmente sugerem etiologia bacteriana.
ocorra leucocitose nos casos de pneu- 3. Hemocultura: não deve ser realizada
monia bacteriana, sua intensidade de rotina a menos que o paciente não
não diferencia a PAC bacteriana da apresente boa evolução com o trata-
viral. Pode ser útil na avaliação de mento antimicrobiano. Em pacientes
pacientes internados. Anemia ou com indicação de internamento, de-
plaquetopenia pode orientar outras ve ser realizada e colhida de forma
intervenções ou sugerir a hipótese de adequada. Sua positividade é baixa,
síndrome hemolítico-urêmica como mas pode alcançar 35% em pacientes
complicação de PAC por pneumococo. hospitalizados.
Pneumonia adquirida na comunidade 629

4. Pesquisa viral: testes para o vírus Quando a dúvida recai sobre a C. pneu-
influenza e outros vírus respirató- moniae, a pesquisa de anticorpos IgM
rios devem fazer parte da avaliação ou IgG também está indicada.
de crianças com PAC, se disponíveis, 6. Broncoscopia, lavado broncoalveolar
assim como reação em cadeia da (LBA) e biópsia pulmonar: estão indi-
polimerase (RCP) multiplex em aspi- cados nos casos hospitalizados e com
rado de nasofaringe. Esses exames má evolução.
ajudam a identificar as PAC de etio-
logia viral e reduzem o uso de anti- QUANDO NÃO SOLICITAR A
microbianos. A reação em cadeia da RADIOGRAFIA DE TÓRAX NA CRIANÇA
polimerase em tempo real (PCR-RT) COM SUSPEITA DE PNEUMONIA?
pode auxiliar no diagnóstico de M. • Crianças sem sinais de gravidade,
pneumoniae, C. pneumoniae, C. tra- sem necessidade de tratamento hos-
chomatis, Legionella pneumophila, S. pitalar, uma vez que não há evidên-
aureus, vírus respiratórios, B. pertussis, cias de que este procedimento altere
Mycobacterium tuberculosis e S. pneu- o diagnóstico clínico;
moniae. São métodos caros, mais uti- • Após tratamento de pneumonia com
lizados em pesquisas e não são reco- boa resposta clínica;
mendados nos casos não complicados. • A radiografia obtida em incidência
5. Sorologia: pode ser útil para agentes lateral (perfil) não deve ser realizada
como M. pneumoniae, C. pneumoniae de rotina.
e pneumococo, mas títulos pareados
(fase aguda e convalescença) são ne- EM QUE SITUAÇÕES DEVE SER
cessários e têm pouca utilidade, pois SOLICITADO A RADIOGRAFIA DE TÓRAX?
o diagnóstico é realizado em geral, de • Nos casos mais graves, doença de
forma retrospectiva. Entretanto, consi- evolução prolongada ou recorrente,
derando-se que a IgM se eleva em sete apesar do tratamento;
a dez dias após o início do processo e a • Suspeita de aspiração de corpo es­-
IgG deve quadruplicar em uma segun- tranho;
da coleta com intervalo de duas a três • Clínica sugestiva de malformações
semanas, ou cair na mesma proporção, congênitas;
caso o paciente seja avaliado na fase • Em crianças com febre prolongada e
de resolução, a sorologia poderá ser tosse, mesmo na ausência de taquip-
útil. Crioaglutininas séricas com títu- neia e angústia respiratória;
los acima de 1/64 são encontradas em • Crianças menores de cinco anos, que
50% das infecções por M. pneumoniae. apresentam febre, leucocitose sem
SEÇÃO 12 630

causa aparente (infiltrados radioló- fatores clínicos que conferem gravida-


gicos são relatados em 5% a 19% de de à doença. É recomendada quando
crianças com febre sem taquipneia houver:
e hipoxemia, angústia respiratória • Hipoxemia (saturação de oxigênio
ou sinais de infecções de vias aéreas < 92% em ar ambiente);
inferiores, achado denominado de • Desidratação ou incapacidade de
pneumonia oculta); manter a hidratação ou alimenta-
• Em doenças de vias aéreas superiores ção por via oral;
que não apresentam boa evolução; • Desconforto respiratório moderado
• Pneumonia com hipoxemia, des- a grave: FR > 70 irpm para pacien-
conforto respiratório, entre outros tes menores de 12 meses de idade e
sinais de gravidade; > 50 irpm para crianças maiores;
• Falha de resposta ao tratamento em • Dificuldade em respirar (gemência,
48 a 72 horas ou se houver piora pro­ batimento de asas nasais, retrações
gres­siva, para verificar se há compli­ ou apneia);
cações (empiema, pneumotórax, es­- • Aparência tóxica;
cavação); • Doenças subjacentes (doença car-
• Paciente hospitalizado (PA e Perfil); diopulmonar, síndromes genéticas,
distúrbios neurológicos);
QUANDO SOLICITAR A RADIOGRAFIA • Complicações (derrame pleural,
DE TÓRAX DE CONTROLE? empiema, pneumonia necrotizante,
• Após 4 a 6 semanas, se houver histó- abscesso).
ria de pneumonias recorrentes sem-
pre no mesmo lobo; QUANDO INDICAR
• Suspeita de malformação ou aspira- INTERNAMENTO EM UTI?
ção de corpo estranho; • Insuficiência respiratória ou sepse
• Deve ser considerado nos casos de: ou fadiga respiratória;
pneumonia redonda, presença de co- • Incapacidade de manter SaO2 > 92%
lapso pulmonar e/ou sintomas persis­- com fração inspirada de O2 (FiO2)
tentes. > 0,6;
• Aumento da taquipneia/taquicar-
QUANDO INDICAR HOSPITALIZAÇÃO dia com dificuldade respiratória
POR PNEUMONIA? grave;
A indicação de hospitalizar uma criança • Apneias ou respiração irregular;
com PAC deverá levar em conta a idade, • Hipotensão arterial ou falência res­-
as condições clínicas subjacentes e os piratória.
Pneumonia adquirida na comunidade 631

COMO TRATAR PNEUMONIA virais, mostrou igual eficiência no trata-


EM REGIME AMBULATORIAL? mento de cinco e de 10 dias com amoxi-
O tratamento inicial com antibióticos, cilina oral. Até o momento, as diretrizes
em geral, é empírico, pois o isolamen- nacionais sugerem o tratamento de sete
to do agente infeccioso não é sempre dias, podendo ser estendido em casos
realizado e pode demorar. Deve ser complicados. Esquemas mais curtos de
iniciado imediatamente e baseia-se no tratamento podem ser considerados em
conhecimento dos principais agentes crianças sem gravidade, uma vez que
infecciosos em cada faixa etária, situa- se mostraram eficazes e, em teoria, têm
ção clínica e região. Deve-se valorizar melhor adesão e menos efeitos adversos.
os critérios diagnósticos já discutidos e Para crianças com reações de hiper-
excluir os diagnósticos diferenciais. Na sensibilidade à penicilina não IgE-me­dia­
presença de sibilância associada à ta- das, cefalosporinas de segunda ou tercei-
quipneia, quadros como pneumonia vi- ra geração (cefuroxima ou ceftriaxona,
ral, bronquiolite e crise de asma devem IM) podem ser utilizadas. Para crianças
ser lembrados. com reações de hipersensibilidade à
Crianças na faixa etária de 3 sema- penicilina IgE-mediadas, recomenda-se
nas a 4 meses de idade com infiltrado clindamicina ou um macrolídeo.
intersticial à radiografia de tórax devem Em maiores de cinco anos, a droga
ser tratadas com um macrolídeo (azi- de escolha também é amoxicilina, na
tromicina, claritromicina ou eritromici- mesma dose. Na suspeita de infecção
na) para C. trachomatis, B. pertussis e U. por M. pneumoniae ou C. pneumoniae é
urealyticum. recomendado acrescentar um macrolí-
A amoxicilina é a primeira opção deo à amoxicilina ou substituí-la por
terapêutica, sendo recomendada para macrolídeo (ver dosagens no Quadro 3).
o tratamento da PAC em crianças de Toda criança com pneumonia com
dois meses (quando não há infiltrado in- condições clínicas de ser tratada em seu
tersticial à radiografia de Tórax) a cinco domicílio deve ter uma consulta de rea-
anos, na dose de 50 mg/kg/dia, podendo valiação agendada após 48 a 72 horas do
considerar intervalos de 8 em 8 horas ou início do tratamento ou a qualquer mo-
de 12 em 12 horas, máximo de 4 g/dia, mento, se houver piora clínica (Figura 1).
com equivalência na resposta clínica Caso apresente melhora, o tratamento
entre os esquemas terapêuticos. Ensaio deve ser mantido até completar sete
clínico com crianças menores de cinco dias. Por outro lado, se a criança estiver
anos, com diagnóstico clínico de PAC pior ou com quadro clínico inaltera-
não complicada, descartando quadros do deverá ser reavaliada. Neste caso, o
SEÇÃO 12 632

clínico precisa estar atento, rever siste- até mesmo, sobre a necessidade de in-
maticamente as condições associadas ternação hospitalar. Causas frequentes
e tomar a decisão sobre aprofundar a de falhas no tratamento das pneumo-
investigação, substituir o tratamento e, nias estão listadas no Quadro 4.

Quadro 3. Posologia dos principais antimicrobianos no tratamento da PAC

TRATAMENTO DOMICILIAR

Intervalo das doses Duração do tratamento


Antimicrobiano Dosagem diária
(horas) (dias)

50 mg/kg,
Amoxicilina 8 ou 12 7
máx. de 4 g/dia

Amoxicilina/clavulanato 50 mg/kg 8 7 a 10

Penicilina procaína 50.000 UI/kg 12 a 24 7

50 mg/kg,
Eritromicina 6 10
máx. de 2 g/dia

Azitromicina 10 mg/kg 24 5

7,5 mg/kg,
Claritromicina 12 7 a 10
máx. de 1 g/dia

40 a 100 mg/kg de
Sulbactam/Amoxicilina 12 7
amoxicilina

Axetil-cefuroxima 30 a 40 mg/kg 12 7

TRATAMENTO HOSPITALAR

Intervalo das doses Duração do tratamento


Antimicrobiano Dosagem diária
(horas) (dias)

Ampicilina 200 mg/kg 6 7 a 10

Penicilina Cristalina 150.000 UI/kg 4 7 a 10

Oxacilina 200 mg/kg 6 21

Cloranfenicol 50 mg/kg 6 7 a 10

Ceftriaxona 75 mg/kg 24 7 a 10

Cefotaxima 30 a 40 mg/kg/dia 12 7

50 a 100 mg/kg de
Sulbactam/Amoxicilina 8 a 12 7 a 10
amoxicilina

Vancomicina 40 mg/kg 6 21

Gentamicina 15 mg/kg 12 10

Amicacina 7,5 mg/kg 12 10

Fonte: Autores.
Pneumonia adquirida na comunidade 633

Figura 1. Fluxograma do tratamento ambulatorial da pneumonia comunitária na criança maior de


2 meses de idade

Tratamento Ambulatorial da Pneumonia Aguda Comunitária, na Infância (PAC)


Tosse, dificuldade respiratória, frequência respiratória elevada e sem sibilos

Sem sinais de gravidade Com sinais de gravidade

Tratamento ambulatorial Tiragem intercostal,


cianose, gemência,
recusa de líquidos, idade
1º Amoxicilina < ou = 2 meses
2º Penicilina Procaína
3º Se tiver hipersensibilidade à penicilina e/ou
não IgE-mediada – cefuroxima ou
ceftriaxona Imagem radiológica
4º Se tiver alergia à penicilina IgE-mediada – sugestiva de gravidade
clindamicina ou macrolídeo (pneumatoceles, derrame
5º Se tiver alergia à betalactâmicos – pleural moderado a
macrolídeos extenso)

Revisão em 48 horas Internação

Ver fluxograma
Melhora Sem melhora Piora clínica próprio

Manter Manter ATB


ATB por 48 horas
por 7 dias e reavaliar

Sem alterações evolutivas

Radiografia de Tórax

Infiltrado Intersticial Condensação Condensação + Derrame Pleural

Sinais clínicos de IVAS História clínica para Avaliar troca de ATB.


PNM atípica com tosse 1º Trocar para Cefuroxima ou Amoxicilina/
prolongada, idade Clavulanato se pensar em H. influenzae
Pneumonia Viral escolar, contactantes 2º Porta de entrada para S. aureus, internar
com mesmos sintomas 3º Se intolerância por via oral, fazer
penicilina procaína
Conduta expectante
com reavaliação Pneumonia Atípica

Macrolídeo

Fonte: MARCH, M. F.; SANT’ANNA, C. C. (2016).


SEÇÃO 12 634

Quadro 4. Causas frequentes de falha no tratamento das PACs

Causas de falha no tratamento

1. Presença de derrame/empiema pleural, pneumonia necrosante e abscesso pulmonar

2. Outros agentes que não são os esperados: vírus e bactérias atípicas, considerar possibilidade de
primeira manifestação da tuberculose

3. Não cumprimento do tratamento antibiótico proposto (doses, intervalos e tempo de uso)

4. Doença de base do paciente: imunossupressão, fibrose cística (FC), asma, desnutrição e


bronquiectasias não FC

5. Ocorrência de quadros diferenciais: aspiração de corpo estranho, malformações pulmonares


(exemplo: sequestro pulmonar) e hérnia diafragmática

Fonte: Sociedade Brasileira de Pediatria (2021).

Nas situações em que há falha tera- 2. A associação da amoxicilina com inibi-


pêutica e possibilidade de infecção pe- dores de betalactamase, como o clavu-
lo pneumococo ou S. aureus resistente lanato, o sulbactam ou a cefuroxima,
à penicilina (meticilina resistente), a podem ser utilizadas como segunda
orientação é substituir o antibiótico por opção, por via oral ou parenteral, em
clindamicina ou linezolida. Se houver doses habituais (ver Quadro 3).
melhora clínica com as substituições 3. Na suspeita de pneumonia atípica, re-
realizadas, o novo tratamento deverá ser comenda-se azitromicina 10 mg/kg/dia,
mantido até completar sete dias. Caso dose única por 5 dias ou claritromicina
contrário, deve-se avaliar indicação de 7,5 mg/kg/dose, de 12 em 12 horas, por
internação hospitalar. 10 dias.
A OMS estabelece como critério de
falha terapêutica para PAC não grave a COMO TRATAR PNEUMONIA
não normalização da FR e/ou apareci- EM CRIANÇAS INTERNADAS?
mento de tiragem subdiafragmática ou Os antibióticos orais são seguros e efica-
de qualquer outro sinal de gravidade no zes, mesmo para PAC grave. A amoxicili-
terceiro dia de tratamento. As recomen- na continua sendo a primeira opção te-
dações da OMS para crianças de dois a rapêutica, por via oral, mesmo para PAC
59 meses de idade são: grave, na dose de 50 mg/kg/dia, de 8 em
1. Pneumonia sem tiragem subcostal de- 8 horas ou de 12 em 12 horas, durante se-
ve ser tratada com amoxicilina oral: te dias. Antibióticos intravenosos deve-
50 mg/kg/dia, duas ou três vezes ao rão ser utilizados caso a criança seja in-
dia, durante sete dias. capaz de aceitar fluidos ou antibióticos
Pneumonia adquirida na comunidade 635

orais e/ou apresentar sinais de septice- Em crianças internadas, na suspeita


mia ou pneumonia complicada. de pneumonia atípica, recomenda-se a
Crianças de áreas com resistência azi­tromicina 10 mg/kg/dia, dose única, du-
mínima à penicilina, como no nosso rante cinco dias, ou claritromicina 7,5 mg/
meio, devem ser tratadas com ampici- kg/dose, de 12 em 12 horas, durante 10 dias.
lina intravenosa, na dose de 50 mg/kg/ Nos menores de dois meses, a presença
dose, de 6 em 6 horas, ou com penicili- de conjuntivite pode sugerir a etiolo-
na cristalina 150.000 UI/kg/dia, de 6 em gia de Chla­mydia trachomatis e, então, a
6 horas. eritromicina é o antibiótico de escolha.
A associação de amoxicilina com ini- Para as crianças com SaO2 < 92% em
bidores de betalactamase, como o clavu- ar ambiente, recomenda-se oxigenote-
lanato ou o sulbactam, ou a cefuroxima, rapia sob cânulas nasais, dispositivo de
podem ser utilizadas como segunda entrega de alto fluxo ou máscara facial.
opção, por via oral ou intravenosa, em
doses habituais. Outras opções são a cef- QUAIS SÃO AS PRINCIPAIS
triaxona ou a cefotaxima para crianças COMPLICAÇÕES DAS PNEUMONIAS?
gravemente doentes, não totalmente
imunizadas contra o pneumococo ou Derrame Pleural
infectadas pelo HIV. Em crianças com derrame parapneu-
Para os lactentes menores de dois mônico, os sintomas clássicos de uma
meses, a gentamicina na dose de 7,5 mg/ pneumonia encontram-se presentes.
kg/dia, de 12 em 12 horas deve ser asso- Porém, na presença de derrame pleu-
ciada à penicilina cristalina ou ampicili- ral, o estado geral destes pacientes está
na. Nesta faixa etária, as cefalosporinas mais comprometido.
podem ser consideradas em substituição Ao exame, na inspeção estática, po-
à gentamicina, lembrando que a escolha de ser verificada posição antálgica e
é pela cefotaxima, uma vez que a cef- cianose devido ao comprometimento
triaxona, por ligar-se à albumina sérica, da função pulmonar. É de fundamental
disponibiliza a bilirrubina e aumenta a importância ressaltar que a oximetria
chance de kernicterus nos lactentes des- de pulso apontando níveis de saturação
ta idade. menores que 92% indicam pior prognós-
Nas pneumonias sugestivas de in- tico. Na inspeção dinâmica, os sinais de
fecção por S. aureus (derrame pleural, diminuição da expansibilidade podem
pneumatoceles, abscesso pulmonar) es- ser verificados, sendo a avaliação diária
tá indicado o uso de oxacilina na dose da frequência respiratória um parâme-
de 200 mg/kg/dia. tro importante no acompanhamento do
SEÇÃO 12 636

Figura 2. Fluxograma do tratamento hospitalar da pneumonia comunitária na infância

Tratamento Hospitalar da Pneumonia Comunitária


Assim que a criança for internada, colher duas amostras de hemocultura em momentos diferentes

Amoxicilina, ou Ampicilina, Quadro clínico sugestivo


ou Penicilina Cristalina de PNM estafilocócica

Oxacilina
Melhora clínica Piora clínica (sinais de gravidade)
ou sem melhora após 48-72 horas

Alta após 48 horas sem


febre, com ATB oral Repetir radiografia de tórax e hemocultura
para completar 10 dias.
Marcar reavaliação

Com Derrame Pleural Sem Derrame Pleural

Vide fluxograma próprio Outros germes

Suspeita de PNM atípica (tosse Se houver persistência da


prolongada, idade escolar, febre, dispneia, prostração
contactantes com mesmos e toxemia
sintomas), solicitar crioaglutinina
e/ou sorologia para mycoplasma
(IgM e IgG), e iniciar macrolídeo Suspeitar de outros germes
diferentes de pneumococo
e iniciar cefuroxima EV ou
Amoxi-Clavulanato EV

Fonte: Sociedade Brasileira de Pediatria (2021).

paciente. Na palpação, sinais unilaterais de diversos consensos afirmarem que


de diminuição da expansibilidade toráci- não há mais lugar para a radiografia em
ca, frêmito toracovocal abolidos e hipe- decúbito lateral com raios horizontais.
restesia são os achados comuns. Macicez Em países em desenvolvimento como o
à percussão e diminuição ou ausência Brasil, ela ainda é útil, principalmente
de murmúrios vesiculares fisiológicos para não ocorrer atraso na abordagem
podem ser encontrados, à ausculta. do derrame.
A ultrassonografia de tórax pode
Diagnóstico do Derrame Pleural estimar o volume da efusão na pleu-
por Imagem ra, estabelecer se o derrame é livre ou
A radiografia de tórax em PA e Perfil é se existem loculações, determinar a
utilizada na investigação inicial, apesar ecogenicidade do fluido, diferenciar
Pneumonia adquirida na comunidade 637

espessamentos pleurais de derrames e a etiologia: até cinco dias de inter-


loculados e guiar a inserção do dreno nação predominam o pneumococo, H.
torácico ou a toracocentese. Influenzae e S. aureus (o tratamento ini-
A Tomografia Computadorizada (TC) cial deve ser realizado com a associação
é utilizada para avaliar as complicações amoxicilina/clavulanato injetável, cefu-
do derrame parapneumônico, como ex- roxima ou ceftriaxona). Após este perío-
tensão da pneumonia, necrose pulmo- do, os germes hospitalares (P. aeruginosa,
nar, pneumatoceles, abscesso pulmonar S. aureus, Enterobacter, C. pneumoniae,
e fístula broncopleural. E. coli) se destacam. Neste último caso,
a conduta deve se basear no padrão de
Pneumatocele sensibilidade de uma dada instituição
É uma cavidade pulmonar de paredes e deve ser tomada em conjunto com
finas, a complicação mais frequente de a Comissão de Controle de Infecção
infecções por S. pneumoniae e S. aureus. Hospitalar. O VSR, as bactérias M. pneu-
Tem involução espontânea. moniae, C. pneumoniae e Legionella tam-
bém devem ser considerados.
Abscesso pulmonar
Área de cavitação do parênquima pul- QUAIS SÃO AS MEDIDAS PARA
monar decorrente de necrose e supura- A PREVENÇÃO DA PNEUMONIA?
ção causada por infecção por S. pneumo- Medidas de incentivo ao aleitamento
niae, H. influenzae e S. aureus. materno exclusivo nos primeiros meses
de vida, eliminação do tabagismo pas-
Pneumonia necrotizante sivo, orientação quanto às noções de
A pneumonia necrotizante ou necrosan- higiene (exemplo: lavagem das mãos) e
te pode se desenvolver como resultado à vacinação contra agentes importantes,
de necrose alveolar ou bronquiolar lo- como o pneumococo, H. influenzae e o
calizada. Embora S. pneumoniae seja o vírus da influenza.
principal agente etiológico, outras bac- Em 2010, a vacina pneumocócica
térias, como S. aureus e anaeróbios, po- conjugada 10-valente (PCV10) foi im-
dem estar envolvidas. plantada no calendário vacinal brasi-
leiro. Com a incorporação desta vacina
E A PNEUMONIA HOSPITALAR, no Programa Nacional de Imunizações
COMO TRATAR? (PNI) do Brasil, observou-se redução de
O tratamento da pneumonia nosoco- doenças pneumocócicas, como menin-
mial (hospitalar) varia de acordo com gite e PAC, bem como redução de colo-
a duração da permanência hospitalar nização de orofaringe e mucosa nasal
SEÇÃO 12 638

Figura 3. Fluxograma do tratamento hospitalar da pneumonia com derrame pleural na infância

Toracocentese diagnóstica com bacterioscopia, bioquímica, celularidade


e cultura, mais duas amostras de hemocultura em momentos diferentes

Líquido purulento e/ou com Não empiema


característica de empiema

Penicilina cristalina
Drenagem de tórax + penicilina cristalina
ou oxacilina, na suspeita de S. aureus.
Como o pneumococo é etiologia frequente
de derrame pleural, manter a penicilina Piora após 48 horas Melhora
caso não haja suspeita de Staphylococcus

Nova radiografia de 48 horas afebril,


tórax e hemocultura amoxicilina por 14 dias
Sem melhora Com melhora

Avaliar obstrução do Manter ATB Piora do Sem piora do


dreno ou se há derrame por 14 dias derrame pleural derrame pleural
pleural septado (com
ultrassom de tórax)
1. Nova toracocentese ou Avaliar
2. Avaliar drenagem e/ou outros
Sim Não três trocas de ATB para germes

Manter drenagem, Trocar ATB para: Cefuroxima EV ou Amoxilina/


desobstruir dreno e clavulonato EV e/ou macrolídeo
ATB por mais 5 dias (pesquisa de germes atípicos)

Melhora

Observações: 1. A toracocentese só será realizada quan-


Sim Não do o volume do derrame pleural for de moderado a in-
tenso. 2. Derrames pleurais de pequeno volume devem
ser conduzidos como pneumonia comunitária comum.
3. Para crianças de 2 a 6 meses de idade com conjun-
Manter ATB Avaliar toracoscopia tivite e RX de tórax com infiltrado e estreitamento de
por 14 dias e manter drenagem mediastino, considerar pneumonia por Chlamydia tra-
por 7 dias, ao menos chomatis e tratar com macrolídeo por 14 dias.

Fonte: Sociedade Brasileira de Pediatria (2021).

por S. pneumoniae. A PCV10 contém os (PCV13), disponível no Brasil apenas na


sorotipos 1, 4, 5, 6B, 7F, 9V, 14, 18C, 19F e rede privada, contém, além dos soroti-
23F e está indicada para crianças de dois pos da PCV10 mais três sorotipos, 3, 6A
meses a menores de cinco anos de ida- e 19A. No Brasil, pelos dados mais recen-
de. A vacina pneumocócica 13-valente tes do SIREVA II, sistema de vigilância
Pneumonia adquirida na comunidade 639

epidemiológica, foi evidenciado que o hospitalização, pneumonias adquiridas


sorotipo 19A em 2018 representou 40% na comunidade, otites e doença invasiva
dos casos de doença pneumocócica in- após o uso universal em crianças, nos di-
vasiva (bacteremia, meningite, sepse, ferentes esquemas vacinais.
pneumonias bacterianas) em menores Em 2020, a pandemia da Covid-19
de cinco anos de idade. A OMS, em seu trouxe redução acentuada na cobertura
último relatório sobre o tema, publicado vacinal, levando ao aumento do risco
em 2019, destacou o impacto significa- para as populações em situação de vul-
tivo de ambas as vacinas na redução de nerabilidade e não protegidas.

REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério da Saúde. Manual de qua- na Comunidade em Pediatria. J Bras Pneumol,
dros de procedimentos: Aidpi Criança: 2 me- v. 33, n. Supl. 1, p. S31-S50, 2007.
ses a 5 anos/Organização Pan-Americana da
SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. Di­re
Saúde, Fundo das Nações Unidas para a In­
trizes Brasileiras em Pneumonia Adquirida
fância. Brasília, 2017. Disponível em: https://
na Comunidade na Infância. 2018. Disponível
bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/ma-
em: https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_
nual_quadros_procedimentos_aidpi_crian-
upload/Pneumologia_-_20981d-DC_-_Pneu
ca_2meses_5anos.pdf. Acesso em: 21 ago.
monia_adquirida_na_comunidade-ok.pdf.
2021.
Acesso em: 21 ago. 2021.
MARCH, M. F.; GALVÃO, A. N. Pneumonia ad-
SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. Diretri-
quirida na comunidade em crianças e vacina-
zes Brasileiras em Pneumonia Adqui­ri­da na
ção antipneumocócica 10-valente: atualiza-
Comunidade na Infância. 2021. Disponível em:
ção. Rev Ped SOPERJ, v. 18, n. 3, p. 13-24, 2018.
https://www.sbp.com.br/fileadmin­/user_up
MARCH, M. F.; SANT’ANNA, C. C. Pneumo­nia load/23054eC-Pneumonias_Adquiridas_Nao_
Aguda Comunitária. In: BEZERRA, P. G.; BRITO, Complicadas.pdf. Acesso em: 21 ago. 2021.
R. C.; BRITTO, M. C. Pneumologia Pediatrica.
STEIN, R. T.; MARÓSTICA, P. J. Community-ac­-
1ª ed. Rio de Janeiro: Editora MedBook, 2016,
quired bacterial pneumonia. In: CHERNICK, V.;
p. 99-112.
BOAT, T. F.; WILMOTT, R. W.; BUSH, A. Kendig’s
SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. Dire­ disorders of the respiratory tract in children. 8th
trizes Brasileiras em Pneumonia Adquirida ed. Philadelphia: Elsevier, 2012, p. 461-472.
C AAPÍTULO
PÍTULO x3

Tuberculose na infância
e na adolescência

Edjane Figueiredo Burity


Georgia Véras de Araújo Gueiros Lira
Marta Maciel Lyra Cabral

INTRODUÇÃO QUAIS SÃO OS FATORES DE RISCO


A tuberculose (TB) é uma das doenças PARA DESENVOLVER A DOENÇA?
mais antigas da humanidade e perma- As crianças, principalmente as menores
nece como uma das infecções mais de- de cinco anos, apresentam um maior
vastadoras e amplamente difundidas, risco da infecção tornar-se doença, com
sendo um importante problema de saú- evolução para as formas graves (TB mi-
de pública. liar e TB meníngea) e extrapulmonares.
Além disso, os portadores de enfermi-
O QUE É TUBERCULOSE? dades crônicas, como diabetes, câncer,
É uma doença transmissível cujo princi- imunodeficiência primária, medica­men­
pal agente etiológico, o Mycobacterium to­
sa ou por HIV, também apresentam
tuberculosis foi identificado em 1882 por maior risco de adoecer.
Robert Koch. Também pode ser causa-
da por outras espécies de micobacté- COMO FAZER O DIAGNÓSTICO?
rias, como a M. bovis e outras, podendo O diagnóstico da tuberculose pulmonar
acometer vários órgãos ou sistemas. A na infância baseia-se nos quadros clíni-
forma pulmonar, além de ser a mais co e radiológico, na história epidemio-
frequente, é também a mais relevante lógica de contato com adultos com tu-
para a saúde pública, principalmente berculose, geralmente bacilíferos, e na
em adolescentes e adultos, por ser baci- interpretação particular da prova tuber-
lífera e responsável pela manutenção da culínica. A tuberculose na criança me-
cadeia de transmissão da doença. nor de 10 anos apresenta especificidades
Tuberculose na infância e na adolescência 641

que devem ser consideradas durante a com a coleta do material sendo feita
investigação diagnóstica. A forma pul- preferencialmente ao despertar. Nos
monar difere do adulto, pois costuma casos em que houver indícios clínicos e
ser abacilífera, pelo reduzido número radiológicos de suspeita de TB e as duas
de bacilos nas lesões. amostras do exame de escarro apresen-
O Ministério da Saúde do Brasil su- tarem resultado negativo, podem ser
gere a utilização de um sistema de pon- solicitadas amostras adicionais. A baci-
tuação ou escore, validado em nosso loscopia de outros materiais biológicos
meio, para indivíduos paucibacilares também está indicada na suspeição clí-
com forma pulmonar, no qual leva-se nica de TB extrapulmonar.
em conta a análise dos quadros clínico Sinais autolimitados de hiperreativi-
e radiológico, a epidemiologia positiva dade, sugestivos de infecção tuberculo-
para TB, o resultado do teste tuberculí- sa, também podem auxiliar no diagnós-
nico (PPD/Teste de Mantoux) e o estado tico, como a conjuntivite flictenular e o
nutricional, detalhados no Quadro 1. eritema nodoso.
Outro exame que pode ser realizado
Teste tuberculínico é o teste rápido molecular para tuber-
(PPD/Teste de Mantoux) culose (TRM-TB, GeneXpert®). É um tes-
Nas crianças com 10 anos ou mais, apa- te de amplificação de ácidos nucleicos
recem formas semelhantes às encontra- utilizado para a detecção de DNA dos
das em adultos. As lesões passam a ser bacilos do complexo M. tuberculosis e a
escavadas e mais extensas nos terços triagem de cepas resistentes à rifampi-
superiores dos pulmões, podendo se dis- cina pela técnica de reação em cadeia
seminar. Os pacientes quase sempre têm da polimerase em tempo real (RT-PCR).
sintomas respiratório e a positividade à O teste apresenta o resultado em apro-
baciloscopia é mais frequente. Nestes ximadamente duas horas em ambiente
é fácil realizar o exame de escarro e o laboratorial, sendo necessária somente
diagnóstico pode ser comprovado pelos uma amostra de escarro.
métodos bacteriológicos convencionais A sensibilidade do TRM-TB em amos-
(baciloscopia e cultura). A baciloscopia tras de escarro de adolescentes e adultos
do escarro com pesquisa do bacilo ál- é de aproximadamente 90%, sendo supe-
cool-ácido-resistente – BAAR, pelo mé- rior à da baciloscopia. O teste também
todo de Ziehl-Neelsen, é a técnica mais detecta a resistência à rifampicina com
utilizada em nosso meio. Deve ser reali- uma sensibilidade de 95%. Seu excelen-
zada em duas amostras em crianças, que te desempenho é observado na TB ba-
conseguem expectorar, e adolescentes, cilífera, que corresponde à minoria de
SEÇÃO 12 642

casos nesta população. O TRM-TB deve e/ou paratraqueais (gânglios mediasti-


ser realizado em crianças quando exis- nais aumentados de volume); pneumo-
te a possibilidade e facilidade de coleta nias com qualquer aspecto radiológico,
de escarro. O uso rotineiro está particu- de evolução lenta, às vezes associadas
larmente indicado em crianças com 10 à adenomegalias mediastínicas ou que
anos de idade ou mais, pois a maioria cavitam durante a evolução; e infiltra-
tem TB bacilífera e, além disso, é ca- do nodular difuso (padrão miliar). Pode
paz de coletar amostras adequadas de ocorrer compressão extrínseca de via
escarro para exame. A sensibilidade do aérea pela linfadenomegalia com con-
TRM-TB para o diagnóstico em crianças sequente atelectasia (epituberculose).
menores de 10 anos é menor que a apre- Os segmentos pulmonares mais acome-
sentada para adultos (66%). A evolução tidos são o anterior dos lobos superiores
do conhecimento sobre o TRM-TB na TB e o medial do lobo médio (síndrome do
pediátrica mostrou que a sua utilização lobo médio).
ainda é limitada na infância, não deven-
do ser realizado em crianças menores Tomografia computadorizada
de dois anos. O resultado laboratorial de de tórax
TRM-TB negativo, em amostras de escar- Deve ser realizada em pacientes sinto-
ro de crianças, não descarta o diagnós- máticos respiratórios com alterações
tico de TB. mal definidas ou duvidosas, nos quais
O TRM-TB pode ser utilizado para os contextos clínico e epidemiológico
diagnóstico de TB extrapulmonar, nas apontam para a possibilidade de tuber-
seguintes amostras: líquor, gânglios culose, e também na diferenciação com
linfáticos e outros tecidos. Nesses casos, outras doenças torácicas, especialmente
como a sensibilidade é mais baixa do em pacientes imunossuprimidos.
que nas amostras pulmonares, o resul-
tado negativo também não exclui tu- Diagnóstico de HIV nas pessoas
berculose, sendo necessário manter a com Tuberculose
investigação. O diagnóstico precoce de infecção pelo
HIV em pessoas com TB tem importan-
Radiografia de tórax te impacto no curso clínico da doença.
A radiografia de tórax deve ser solicitada Portanto, o teste diagnóstico para HIV,
para todo paciente com suspeita clínica preferencialmente o rápido, deve ser
de TB pulmonar. Os achados radiográ- oferecido, o mais cedo possível, para
ficos mais sugestivos da TB pulmonar toda pessoa com diagnóstico estabele-
em crianças são: adenomegalias hilares cido de TB.
Tuberculose na infância e na adolescência 643

Quadro 1. Diagnóstico de tuberculose pulmonar em crianças e em adolescentes, negativos à


baciloscopia ou TRM-TB não detectado

Contato com Teste Estado


Quadros clínico e radiológico
adulto tuberculoso tuberculínico* nutricional

Febre ou Adenomegalia hilar Adulto próximo ou PT ≥ 10 mm Desnutrição


sintomas como: ou padrão miliar e/ nos últimos dois grave (peso
tosse, adinamia, ou condensação ou anos < percentil 10)
expectoração, infiltrado inalterado
emagrecimento, (com ou sem escavação)
sudorese por > 2 por > 2 semanas e/ou
semanas condensação ou infiltrado
(com ou sem escavação)
por > 2 semanas evoluindo
com piora ou sem melhora
com antibióticos para
germes comuns

15 pontos 15 pontos 10 pontos 10 pontos 5 pontos

Assintomático Condensação ou infiltrado Ocasional ou PT entre 5 e Peso


ou com sintomas de qualquer tipo por < 2 negativo 9 mm ≥ percentil 10
por < 2 semanas semanas

0 ponto 5 pontos 0 ponto 5 pontos 0 ponto

Infecção Radiografia normal PT < 5 mm


respiratória
com melhora
após uso de
antibióticos para
germes comuns
ou sem uso de
antibióticos

- 10 pontos - 5 pontos 0 ponto

Interpretação:
≥ 40 pontos (diagnóstico muito provável): recomenda-se iniciar o tratamento da tuberculose;
30 a 35 pontos (diagnóstico possível): indicativo de tuberculose; orienta-se iniciar o tratamento a critério médico;
< 25 pontos (diagnóstico pouco provável): deve-se prosseguir com a investigação na criança. Deverá ser feito diagnóstico
diferencial com outras doenças pulmonares, podendo ser empregados métodos complementares de diagnóstico, como
baciloscopias e cultura de escarro induzido ou de lavado gástrico, broncoscopia, histopatológico de punções e outros
exames de métodos rápidos.
Nota: pts = pontos; *Esta interpretação não se aplica a revacinados em BCG.

Fonte: Adaptado de Sant’Anna et al. (2006).

QUAIS SÃO OS QUADROS CLÍNICOS atenção, na maioria dos casos, é a febre


MAIS FREQUENTES? persistente por 15 dias ou mais, habitual-
mente moderada e frequentemente ves-
Tuberculose Pulmonar pertina. São comuns irritabilidade, tosse,
As manifestações clínicas podem ser va- perda de peso, sudorese noturna, às ve-
riadas. O achado clínico que chama a zes profusa; a hemoptise é rara. Muitas
SEÇÃO 12 644

vezes, a suspeita de TB ocorre em crianças intradomiciliar do recém-nascido com


com diagnóstico de pneumonia sem me- indivíduos com TB pulmonar bacilífera.
lhora com o uso de antimicrobianos para
germes comuns. O que chama a atenção COMO REALIZAR O DIAGNÓSTICO DE
muitas vezes é a dissociação clínico-ra- INFECÇÃO LATENTE (ILTB)?
diológica, isto é, pode haver melhora Na ILTB, o indivíduo, adulto ou criança,
dos sintomas e persistência ou piora das se encontra infectado pelo bacilo da
imagens radiológicas. Classicamente, as tuberculose, mas sem manifestação da
principais formas de apresentação são a doença ativa.
forma primária, a pós-primária (ou se-
cundária) e a miliar. Há predomínio da Diagnóstico pela Prova
forma pulmonar, quando comparada às Tuberculínica
formas extrapulmonares. A prova tuberculínica (PT) consiste na
inoculação intradérmica de um deri-
Tuberculose extrapulmonar vado proteico do M. tuberculosis para
Cerca de 20% dos casos de TB em crian- medir a resposta imune celular a es-
ças têm apresentação extrapulmonar. tes antígenos. É utilizada, em adultos
As formas mais frequentes são: gan- e crianças, no diagnóstico de infecção
glionar periférica, pleural, óssea e a latente pelo M. tuberculosis. Na criança
meningoencefálica. também é muito importante como mé-
todo coadjuvante para o diagnóstico da
Tuberculose perinatal doença.
É a forma de TB do recém-nascido, cuja
transmissão pode ocorrer durante a gra- Interpretação da PT
videz (TB congênita) ou no período neo- PT 0 – 4 mm – não reator;
natal. Na TB congênita, a transmissão PT ≥ 5 mm – sugestiva de infecção por
ocorre por disseminação hematogênica M. tuberculosis, mesmo nos pacientes
da TB materna, da tuberculose genital vacinados com BCG ao nascer (para va-
(endometrite, cervicite) e por aspira- cinados com menos de 1 ano de vida). O
ção ou ingestão do líquido amniótico efeito da BCG na PT é muito pequeno, se
infectado ou das secreções genitais ou a criança foi vacinada com menos de
do colostro, nos casos em que a mãe um ano de idade; moderado, se vacina-
tem mastite tuberculosa (forma rara da entre 1 e 5 anos; e mais importante,
de tuberculose materna). É uma forma se vacinada após os 5 anos de idade, in-
rara. No período pós-natal, a transmis- dependentemente de há quanto tempo
são pode ocorrer por meio do contato foi aplicada a vacina.
Tuberculose na infância e na adolescência 645

Não repetir a PT quando anterior- da ILTB nas unidades de saúde públicas.


mente teve resultado ≥ 5 mm (mesmo O IGRA liberado pela Agência Nacional
após nova exposição). de Vigilância Sanitária é o QuantiFERON-
TB (QFT; QIAGEN, Hilden, Alemanha),
Diagnóstico pelo Interferon-Gamma disponível apenas na rede privada.
Release Assays (IGRA) Ambos avaliam a resposta do indivíduo
Os IGRA têm demonstrado diversas van- à exposição a antígenos micobacteria-
tagens sobre a PT. Entre elas, destaca-se nos e não à identificação desse antígeno
o fato de não ser influenciado pela va- de forma latente no organismo.
cinação prévia com BCG e de ser menos A PT e o IGRA não diferenciam ILTB
influenciado por infecção prévia por da forma ativa, e não existe um exame
micobactérias não tuberculosas, o que considerado padrão ouro para o diag-
confere elevada especificidade diagnós- nóstico da ILTB. Independentemente de
tica. Assim como a prova tuberculínica, qual método for utilizado, indivíduos
são testes que avaliam a resposta imune com PT ou IGRA documentados e pre-
mediada por células. viamente reatores, não devem ser retes-
Outras vantagens consistem no re- tados, mesmo diante de uma nova expo-
sultado não sujeito ao viés do leitor e no sição ao M. tuberculosis.
fato de o teste ser realizado em amostra Indicações do IGRA (semelhantes à
biológica, o que reduz o risco de efei- PT): identificar casos de ILTB em adoles-
tos adversos. Além disso, os IGRAs pos- centes e crianças, e auxiliar no diagnós-
suem vantagens operacionais, pois, ao tico de tuberculose ativa em crianças,
requerer apenas uma visita do paciente, não sendo indicados para o diagnóstico
o retorno para a leitura do teste não é de ILTB em crianças menores de dois
necessário. Entre as desvantagens, des- anos de idade.
tacam-se o custo elevado comparado à Interpretação dos resultados
PT, a necessidade de se realizar a coleta Positivo: ILTB presente;
de sangue, a não recomendação para Negativo: ILTB ausente;
testes seriados, a frequência de resulta- Indeterminado: repetir o teste.
dos indeterminados, a necessidade de
um laboratório bem equipado e do ma- COMO TRATAR A TUBERCULOSE
nuseio cuidadoso para manutenção da NA CRIANÇA E NO ADOLESCENTE?
viabilidade dos linfócitos. Nos pacientes bacilíferos, a transmissi-
Atualmente, a prova tuberculínica bilidade está presente desde os primei-
é o único método disponibilizado pelo ros sintomas respiratórios, caindo rapi-
Sistema Único de Saúde para o manejo damente após o início do tratamento
SEÇÃO 12 646

efetivo. Em geral, após duas a três sema- se for um caso de retratamento, fa-
nas de tratamento com esquema anti-TB, lência ou multirresistência.
que inclua fármacos com atividade bac-
tericida precoce, a maior parte dos doen- O período de internação deve ser re-
tes deixa de ser bacilífero, diminuindo duzido ao mínimo possível, limitando-
assim a possibilidade de transmissão da -se ao tempo suficiente para atender às
doença. Os medicamentos com maior razões que determinaram sua indicação.
atividade bactericida precoce são a iso- Para as crianças (abaixo de 10 anos)
niazida (H), estreptomicina (S) e a rifam- permanece a recomendação do Es­que­
picina (R). No entanto, com base em evi- ma RHZ. Para adolescentes e adultos a
dências de transmissão da TB resistente apresentação farmacológica atual é em
às drogas, recomenda-se que, naqueles comprimidos de doses fixas combinadas
com baciloscopia positiva, seja também dos quatro medicamentos: rifampici-
considerada a negativação da bacilosco- na, isoniazida, pirazinamida e etam-
pia (que deve ser solicitada a cada mês) butol (RHZE), nas seguintes dosagens:
para que as precauções com o contágio R 150 mg, H 75 mg, Z 400 mg e E 275 mg.
sejam desmobilizadas, em especial para Essa recomendação e a apresentação far­
biossegurança nos serviços de saúde. macológica são as preconizadas pela
A maioria dos pacientes necessitará Or­ga­nização Mundial da Saúde e utiliza-
apenas de tratamento ambulatorial. A das na maioria dos países.
hospitalização é recomendada em casos Para todos os casos de retratamen-
especiais e de acordo com as seguintes to será solicitada cultura, identificação
prioridades: e teste de sensibilidade, iniciando-se
• Meningoencefalite tuberculosa; o tratamento com o esquema básico
• Intolerância aos medicamentos an- até se obter o resultado desses exames.
ti-TB incontrolável em ambulatório; Em crianças menores de 5 anos, que
• Estado geral que não permita trata- apresentem dificuldade para ingerir os
mento em ambulatório; comprimidos, recomenda-se o uso dos
• Intercorrências clínicas e/ou cirúr- medicamentos em forma de xarope ou
gicas relacionadas ou não à TB que suspensão.
necessitem de tratamento e/ou pro- Em todos os esquemas, a medicação
cedimento em unidade hospitalar; e é de uso diário e deverá ser administra-
• Casos em situação de vulnerabilida- da em uma única tomada:
de social, como ausência de residên- 1. Esquema básico (EB) para crianças me-
cia fixa ou grupos com maior possibi- nores de 10 anos – 2RHZ/4RH (Quadros
lidade de abandono, especialmente 2 e 3). Indicações:
Tuberculose na infância e na adolescência 647

a) Casos novos de crianças, de todas b) Retratamento: recidiva (indepen-


as formas de tuberculose pulmonar dentemente do tempo decorrido
e extrapulmonar (exceto a forma do primeiro episódio) ou retorno
meningoencefálica), infectados ou após abandono com doença ativa
não pelo HIV; em adolescentes e adultos, exceto
b) Retratamento: recidiva (indepen- a forma meningoencefálica.
dentemente do tempo decorrido
do primeiro episódio) ou retorno Observações sobre o tratamento
após abandono com doença ati- Os medicamentos deverão ser admi-
va em crianças, exceto a forma nistrados preferencialmente em jejum
meningoencefálica. (uma hora antes do café da manhã ou
2. Esquema básico (EB) para crianças com duas horas após), em uma única toma-
10 anos de idade ou maiores e adultos da, ou em caso de intolerância digestiva,
–2RHZE/4RH (Quadro 4). Indicações: com uma refeição.
a) Casos novos em adolescentes e O tratamento das formas extrapul-
adultos, de todas as formas de tu- monares (exceto a meningoencefálica)
berculose pulmonar e extrapulmo- terá a duração de seis meses, assim co-
nar (exceto a forma meningoen- mo o tratamento dos pacientes coinfec-
cefálica), infectados ou não por tados com HIV, independentemente da
HIV; e fase de evolução da infecção viral.

Quadro 2. Esquema básico para o tratamento da tuberculose pulmonar em crianças (< 10 anos de
idade) e com peso inferior a 25 kg

Esquema Faixas de peso Dose por dia Duração do tratamento

4 a 7 kg 1 comprimido

8 a 11 kg 2 comprimidos
RHZ 75/50/150 mg 2 meses (fase intensiva)
12 a 15 kg 3 comprimidos

16 a 24 kg 4 comprimidos

4 a 7 kg 1 comprimido

8 a 11 kg 2 comprimidos
RH 75/50 mg 4 meses (fase de manutenção)
12 a 15 kg 3 comprimidos

16 a 24 kg 4 comprimidos

Observação: Para crianças com menos de 4 kg, utilizar os medicamentos individualizados nas seguintes doses: R 15 (10-
20) mg/kg/dia, H 10 (7-15) mg/kg/dia e Z 35 (30-40) mg/kg/dia, por 2 meses, e R 15 (10-20) mg/kg/dia, H 10 (7-15) mg/
kg/dia, por 4 meses.
Legenda: R = rifampicina; H = isoniazida; Z = pirazinamida.

Fonte: Brasil (2020).


SEÇÃO 12 648

Quadro 3. Esquema básico para o tratamento da tuberculose pulmonar em crianças (< 10 anos de
idade) e com peso igual ou superior a 25 kg

Peso da criança

Duração do
Fármacos
tratamento
25 a 30 kg 31 a 35 kg 36 a 40 kg 40 a 45 kg ≥ 45 kg

Rifampicina 450 mg/dia 500 mg/dia 600 mg/dia 600 mg/dia 600 mg/dia
2 meses
Isoniazida 300 mg/dia 300 mg/dia 300 mg/dia 300 mg/dia 300 mg/dia (fase
intensiva)
Pirazinamida 900-1000 mg/dia 900-1000 mg/dia 1.500 mg/dia 1.500 mg/dia 2.000 mg/dia

Rifampicina 450 mg/dia 500 mg/dia 600 mg/dia 600 mg/dia 600 mg/dia 4 meses
(fase de
Isoniazida 300 mg/dia 300 mg/dia 300 mg/dia 300 mg/dia 300 mg/dia manutenção)

Na faixa de peso de 25 a 35 kg, usar os comprimidos dispersíveis de pirazinamida 150 mg.

Fonte: Brasil, 2020.

Quadro 4. Esquema básico para o tratamento da TB em crianças com 10 anos de idade ou maiores

Regime Fármacos Faixa de peso Unidade/dose Meses

20 a 35 kg 2 comprimidos
RHZE
Comprimido de 36 a 50 kg 3 comprimidos
2 RHZE
150/75/400/275 2
Fase Intensiva
em doses fixas 51 a 70 kg 4 comprimidos
combinadas
> 70 kg 5 comprimidos

1 comprimido ou cápsula de 300/200 mg


20 a 35 kg
ou 2 comprimidos de 150/75*

RH 1 comprimido ou cápsula de 300/200 mg +


Comprimido 36 a 50 kg 1 comprimido ou cápsula de 150/100 mg ou
4 RH ou cápsula de 3 comprimidos de 150/75*
Fase de 300/200 ou 4
manutenção de 150/100 ou 2 comprimidos ou cápsulas de 300/200 mg
comprimidos de 51 a 70 kg
ou 4 comprimidos de 150/75*
150/75*
2 comprimidos ou cápsulas de 300/200 mg
> 70 kg + 1 comprimido ou cápsula de 150/100 mg
ou 5 comprimidos de 150/75*

Observação: O esquema com RHZE pode ser administrado nas doses habituais para gestantes e, dado o risco de toxicidade
neurológica ao feto atribuído à isoniazida, recomenda-se o uso de piridoxina (50 mg/dia).
* As apresentações em comprimidos de rifampicina/isoniazida de 150/75 mg estão substituindo as apresentações de R/H
300/200 e 150/100 e deverão ser adotadas tão logo estejam disponíveis.

Fonte: Adaptação de CGPNI/DEVIT/SVS/MS (2019).


Tuberculose na infância e na adolescência 649

3. Esquema para a forma meningo­en­ do esquema básico. Reações adversas


cefálica e osteoarticular da tuber­ “maiores” que determinaram alteração
cu­lose em crianças, adolescentes e definitiva no esquema terapêutico va-
adul­tos: o esquema básico deve ter a riam de 3% a 8%.
fase de manutenção prolongada pa- As reações adversas ao esquema bá-
ra 10 meses, perfazendo um total de sico mais frequentes são: mudança da
12 meses de tratamento. coloração da urina (ocorre universal-
mente), intolerância gástrica (40%), al-
Na meningoencefalite tuberculosa, terações cutâneas (20%), icterícia (15%) e
deve ser associado corticosteroide ao es- dores articulares (4%). Deve ser ressalta-
quema anti-TB: prednisona oral, na dose do, que quando a reação adversa corres-
de 1 a 2 mg/kg/dia, por quatro semanas, ponde a uma reação de hipersensibilida-
ou dexametasona intravenosa, nos casos de grave, como plaquetopenia, anemia
graves, na dose de 0,3 a 0,4 mg/kg/dia, hemolítica, insuficiência renal, entre
por quatro a oito semanas, com redução outras, o medicamento suspeito não po-
gradual da dose nas quatro semanas sub- de ser reiniciado após a suspensão, pois
sequentes. A fisioterapia, na tuberculose na reintrodução a reação adversa é ain-
meningoencefálica, deverá ser iniciada da mais grave.
o mais cedo possível. O paciente deve ser orientado da
ocorrência dos principais efeitos ad-
QUAIS SÃO AS REAÇÕES ADVERSAS ÀS versos e da necessidade de retornar ao
DROGAS UTILIZADAS NO TRATAMENTO serviço de saúde na presença de algum
DA TUBERCULOSE? sintoma que identifique como possivel-
As reações adversas podem ser divididas mente associado ao uso dos medica-
em dois grandes grupos: mentos. O monitoramento laboratorial
I) Reações adversas menores, em que com hemograma e bioquímica (funções
normalmente não é necessária a sus- renal e hepática) deve ser realizado
pensão do medicamento anti-TB; e mensalmente em pacientes com sinais
II) Reações adversas maiores, que nor- ou sintomas relacionados e naqueles
malmente causam a suspensão do com maior risco de desenvolvimento de
tratamento. efeitos adversos.
Se o esquema básico não puder ser
A maioria dos pacientes completa o reintroduzido após a resolução da rea-
tratamento sem qualquer reação adver- ção adversa e da confirmação da rela-
sa relevante. Nesses casos, não há a ne- ção entre esta e o medicamento causa-
cessidade de interrupção ou substituição dor, o paciente deverá ser tratado com
SEÇÃO 12 650

esquemas especiais, compostos por ou- esse período, faz-se a prova tuberculínica
tros medicamentos de primeira linha (PT). Se o resultado da PT for ≥ 5 mm, a
nas suas apresentações individualizadas, H deve ser mantida por mais três meses,
nas dosagens correspondentes ao peso completando seis meses de tratamento, e
do paciente. o RN não deverá ser vacinado para BCG,
uma vez que já apresenta resposta imune
Controle do tratamento ao bacilo da tuberculose. Caso o resulta-
em crianças e adolescentes do da PT < 5 mm, a H deve ser interrom-
1. A avaliação deverá ser mensal. A pida e efetuada a vacinação para BCG.
criança responde clinicamente em Se o RN tiver sido inadvertidamente
cerca de uma semana, com melhora vacinado, recomenda-se o uso de H por
da febre. Logo na consulta de primei- seis meses e não está indicada a reali-
ro mês de tratamento, nota-se o ga- zação da PT. Avaliar individualmente a
nho de peso e a melhora da tosse nos necessidade de revacinar para BCG após
casos pulmonares; esse período, já que a H é bactericida e
2. A solicitação de teste para HIV deve pode interferir na resposta imune aos
ser para todo paciente; bacilos da BCG efetuada.
3. O controle do tratamento, além de clí-
Observações: pela facilidade posológica, po-
nico, deve ser realizado pela bacilos-
de-se utilizar a rifampicina (R) suspensão pe-
copia mensal, em pacientes que con-
diátrica ao invés da H. Nessa situação, usar a
seguem expectorar, e o exame radioló- R por três meses e realizar a PT. Caso o resul-
gico no 2º e no 6º mês de tratamento. tado seja PT ≥ 5 mm, a R deve ser mantida
por mais um mês; caso PT < 5 mm, suspender
a R e vacinar com BCG. Não há contraindica-
COMO TRATAR A INFECÇÃO LATENTE
ções à amamentação, desde que a mãe não
DA TUBERCULOSE (ILTB) NA CRIANÇA
seja portadora de mastite tuberculosa. É reco-
E NO ADOLESCENTE?
mendável o uso de máscara cirúrgica ao ama-
mentar e ao cuidar da criança, enquanto a
Prevenção da infecção pelo
baciloscopia do escarro se mantiver positiva.
M. Tuberculosis ou quimioprofilaxia
primária
Recomenda-se a prevenção da infecção Tratamento da infecção latente
tuberculosa em recém-nascidos coabi- ou prevenção secundária
tantes de caso índice bacilífero. Nestes Atualmente, no Brasil, dois esquemas
casos, o recém-nascido não deverá ser terapêuticos são recomendados para o
vacinado ao nascer. Recomenda-se utili- tratamento da ILTB: um com isoniazida
zar a isoniazida (H) por três meses e, após e outro com rifampicina.
Tuberculose na infância e na adolescência 651

Esquema com isoniazida: dose de 5 a PT seja não reator, repetir com oito
10 mg/kg de peso, até a dose máxima de a doze semanas para avaliação da
300 mg/dia. Nesse esquema terapêutico, viragem tuberculínica;
o mais importante é o número de doses • Crianças contactantes com até 5
tomadas, e não somente o tempo de tra- anos de idade devem ter a investi-
tamento. Então, os esforços devem ser gação e o tratamento da ILTB prio-
feitos para que a pessoa complete o total rizados, com avaliação clínica ime-
de doses programadas. Recomenda-se a diata;
utilização de 180 doses, que poderão ser • Crianças com 10 anos ou mais (ver
tomadas de seis a nove meses, ou 270 as especificações para cada um dos
doses, que poderão ser tomadas de nove itens abaixo na Nota informativa nº
a doze meses. 10/2019 – CGPNI/DEVIT/SVS/MS, pá-
Esquema com rifampicina: dose de gina 166):
10 mg/kg de peso até a dose máxima de PT ≥ 5 mm ou IGRA positivo;
600 mg/dia. Nesse esquema terapêutico, PT ≥ 10 mm ou IGRA positivo;
recomenda-se a utilização de 120 doses, Conversão (2ª PT com incremento de
que poderão ser tomadas de quatro a 10 mm em relação à 1ª PT).
seis meses. O esquema com rifampicina
é melhor indicado em indivíduos com QUAL É A POSIÇÃO DO PROGRAMA
mais de 50 anos, em hepatopatas, em NACIONAL DE IMUNIZAÇÃO (PNI)
contatos de pacientes com monorresis- SOBRE A VACINAÇÃO
tência ou intolerância à isoniazida, e E A REVACINAÇÃO COM BCG?
em crianças menores de 10 anos. Não A BCG não protege indivíduos já infec-
se recomenda repetir o tratamento da tados pelo M. tuberculosis e nem evita o
ILTB em pessoas que já fizeram o curso adoecimento por reativação endógena
completo de tratamento ou que já se tra- ou reinfecção exógena, principalmente
taram para TB, a não ser em casos espe- das formas pulmonares da doença.
ciais, sob decisão médica. A vacina BCG está, prioritariamente,
indicada para crianças de 0 a 4 anos, 11
Indicações de tratamento da ILTB meses e 29 dias de idade, para:
• Crianças menores de 10 anos con- • Recém-nascidos com peso ≥ 2 kg
tactantes de casos bacilíferos: rea- devem ser vacinados o mais pre-
tor ≥ 5 mm, independentemente da cocemente possível, de preferência
vacinação com BCG (para vacinados na maternidade, logo após o nas-
com menos de 1 ano de vida). Caso a cimento;
SEÇÃO 12 652

• Para crianças expostas ao HIV, a vaci- de imunodeficiência congênita ou ad-


nação com BCG deve ser feita confor- quirida. As lesões locais e regionais são
me as recomendações: as mais frequentes, necessitando serem
- Administrar ao nascimento ou o notificadas em ficha de reação vacinal, e
mais precocemente possível; são, em geral: úlcera com diâmetro maior
- Crianças de até 4 anos, 11 meses que 1,0 cm; abscesso subcutâneo frio ou
e 29 dias que chegam ao serviço, quente; linfadenopatia regional supura-
ainda não vacinadas, se forem da; granuloma; linfadenopatia regional
assintomáticas e sem sinais de não supurada maior que 3 cm; cicatriz
imunodepressão; queloide e reação lupoide.
- Crianças com HIV não devem ser Indicações do uso da isoniazida
vacinadas, mesmo que assinto- 10 mg/kg (máx. 400 mg/dia) até resolução
máticas e sem sinais de imunode- do quadro: úlcera com diâmetro maior
ficiência. que 1,0 cm, abscessos subcutâneos frios,
granulomas, que não cicatrizam, e linfa-
Não se indica a realização prévia de denopatia regional supurada. A reação
teste tuberculínico para a administração lupoide, com formação de grandes placas
da vacina BCG. Conforme posicionamen- com características lupoides, requer es-
to da OMS, o PNI não recomenda mais a quema tríplice com: isoniazida, 10 mg/kg/
revacinação com BCG naquelas crianças dia; rifampicina, 10 mg/kg/dia; e etambu-
que não desenvolveram cicatriz após a tol, 25 mg/kg/dia, por dois meses, seguido
vacinação com BCG ao nascimento, mes- de: isoniazida, 10 mg/kg/dia e rifampicina
mo nos casos em que o PPD ou o IGRA re- 10 mg/kg/dia, por quatro meses.
sultarem negativos e, a partir dos cinco
anos de idade, nenhuma pessoa deve ser Notificação das pessoas
vacinada com BCG (mesmo os profissio- que realizarão o tratamento
nais de saúde e/ou os grupos com maior para TB e ILTB
vulnerabilidade), exceto pessoas contac- Todos os casos de TB confirmados de-
tantes de hanseníase. vem ser notificados através da ficha
A vacina BCG pode causar eventos do Sistema Nacional de Agravos de
adversos locais, regionais ou sistêmicos, Notificação (Sinan), mencionando a ori-
que podem ser decorrentes do tipo de gem do caso. O tratamento da ILTB não é
cepa utilizada, da quantidade de bacilos de notificação compulsória, porém reco-
atenuados administrada, da técnica de menda-se a notificação em ficha especí-
administração da vacina e da presença fica nacional.
Tuberculose na infância e na adolescência 653

REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério da Saúde. CGPNCT/DEVIT Saúde, Secretaria de Vigilância em Saú­
de,
Secretaria de Vigilância em Saúde. Programa De­­par­ta­mento de Doenças de Con­dições
Nacional de Controle da Tuberculose. Bole­ Crô­nicas e Infecções Sexualmente Trans­mis­
tim epidemiológico, Brasília, v. 49, n. 11, fev. síveis. – 2ª ed. Brasília: Ministério da Saú­de,
2018. Disponível em: https://www.gov.br/sau- 2021. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.
de/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/t/arquivos/ br/bvs/publicacoes/manual_recomendacoes_
tuberculose/18151437-boletim-epidemiologi- controle_tuberculose_brasil_2_ed.pdf. Acesso
co-ms-tuberculose-2018.pdf. Acesso em: 21 em: 21 dez. 2021.
dez. 2021.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de
Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vi­gilância em Saúde. Departamento de Vi­
Vigilância em Saúde. Departamento de Vi­ gi­­lância das Doenças Transmissíveis. Co­or­de­
gilância das Doenças Transmissíveis. Proto­ nação Geral do Programa Nacional de Imu­­ni­
colo de vigilância da infecção latente pelo My­ zações. Nota informativa nº 10/2019 – CGPNI/
cobacterium tuberculosis no Brasil/Mi­nis­tério DEVIT/SVS/MS. Janeiro/2019. Dispo­nível em:
da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, https://sbim.org.br/images/files/notas-tec-
Departamento de Vigilância das Doen­
ças nicas/nota-informativa-10-2019-cgpni.pdf.
Transmissíveis. Brasília: Ministério da Saúde, Acesso em: 21 dez. 2021.
2019. Disponível em: https://bvsms.saude.gov. KURTZ, T.; FEIL, A. C.; NASCIMENTO, L. S.;
br/bvs/publicacoes/protocolo_vigilancia_in- ABREU, P. O.; SCOTTA, M. C.; PINTO, L. A. Effect
feccao_latente_mycobacterium_tuberculo- of neonatal bacille Calmette-Guérin on the
sis_brasil.pdf. Acesso em: 21 dez. 2021. tuberculin skin test reaction in the first 2
years of life. Int. J Tuberc Lung Dis, v. 23, n. 3,
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de
p. 344-348, 2019.
Vi­­gilância em Saúde. Departamento de Do­
en­­ças de Condições Crônicas e Infecções Se­ SOCIEDADE BRASILEIRA DE PNEUMOLOGIA
xu­al­men­te Transmissíveis. Recomendações E TISIOLOGIA. Consenso sobre o diagnóstico
para controle da tuberculose: guia rápido da tuberculose. J Bras Pneumol, v. 47, n. 2, p.
para profissionais de saúde/Ministério da e20210054, 2021.
S EÇ ÃO 1 3

Urgências/emergências pediátricas

Capítulo 1
Semiologia na urgência/emergência pediátrica

Capítulo 2
Vômitos

Capítulo 3
Distúrbios hidreletrolíticos

Capítulo 4
Abordagem da crise convulsiva
e do estado de mal epiléptico

Capítulo 5
Crise hipertensiva

Capítulo 6
Parada cardiorrespiratória
C AAPÍTULO
PÍTULO x1

Semiologia na urgência/
emergência pediátrica

Elisabete Pereira Silva


Marta Maciel Lyra Cabral

INTRODUÇÃO de emergência. A maioria das escalas de


A avaliação pediátrica, de forma siste- triagem é estratificada em cinco níveis
mática, possibilita o reconhecimento ou categorias de urgência, identificadas
mais rápido e eficiente dos sinais de por uma cor e tempo de espera de aten-
gravidade, indicando o que é urgência e dimento correspondente. Em Pediatria,
emergência. Urgência é a ocorrência im- as mais usadas são PaedCTAS (The
prevista de agravo à saúde com ou sem Paediatric Canadian Triage and Acuity
risco potencial de vida, cujo portador Scale), MTS (The Manchester Triage Sys­
necessita de assistência médica imedia- tem), ESI (Emergency Severity In­dex) e
ta. Emergência é a constatação médica ATS (Australian Triage Scale).
de condições de agravo à saúde que im- No Brasil, o sistema de classificação
pliquem em risco iminente de vida ou de risco desenvolvido pelo Ministério
sofrimento intenso, exigindo, portanto, da Saúde, no programa QualiSUS não
tratamento médico imediato. tem critérios definidos para pediatria.
Um dos sistemas desenvolvidos para
COMO IDENTIFICAR OS CASOS a população pediátrica brasileira foi o
DE URGÊNCIA E EMERGÊNCIA? sistema de Classificação de Risco em
Em muitos países, e inclusive no Brasil, Pediatria (CLARIPED), no Rio de Janeiro,
uma das estratégias usadas são os sis- que é composto por cinco categorias:
temas de triagem, que consistem em Vermelha (risco iminente – atendimento
classificar o grau de urgência de cada imediato – sala de estabilização); Laranja
paciente, logo após a chegada ao setor (atendimento em até 10 min – sala de
SEÇÃO 13 656

observação); Amarela (atendimento (se porta aberta ou não) e as práticas


em até 30 min – sala de espera); Verde culturais. De acordo com estimativa fei-
(atendimento em até 90 min – sala de ta com base em questionário aplicado
espera); e Azul (atendimento em até aos pediatras, as causas mais frequentes,
180 min – sala de espera). A classificação em ordem decrescente, são: causas res-
de risco é realizada por profissional de piratórias, incluindo asma; causas neu-
enfermagem de nível superior, com ba- rológicas, incluindo convulsão; sepse
se em consensos estabelecidos conjun- ou infecção severa; desidratação; anafi-
tamente com a equipe médica. Outro laxia; asfixia; trauma cranioencefálico
sistema brasileiro para pediatria foi im- e parada cardiorrespiratória. A mortali-
plementado em Fortaleza. dade de crianças nas urgências e emer-
As escalas de triagem incluem parâ- gências pediátricas, geralmente, ocorre
metros fundamentais de agravos agudos nas primeiras 24 horas após a admissão.
à saúde. Entre esses parâmetros, estão os Uma avaliação precoce e criteriosa des-
dados vitais do paciente, como frequên- tas crianças, no momento da admissão
cia respiratória, frequência cardíaca, ní- hospitalar, com a instalação imediata
vel de consciência, temperatura corporal do tratamento adequado para o caso,
e saturação transcutânea de oxigênio, pode prevenir esse desfecho.
além da queixa principal. 
Os objetivos dos sistemas de clas- COMO REALIZAR A ANAMNESE
sificação de risco são: determinar a E O EXAME FÍSICO NA EMERGÊNCIA?
prioridade para atendimento médico; A abordagem pediátrica sistemática
hierarquizar o atendimento conforme consiste de um modelo contínuo e re-
a gravidade; organizar o processo de petitivo: “avaliar, categorizar, decidir e
trabalho e o espaço físico da unidade; agir”. A avaliação inicial possibilita a
reduzir a ocorrência de superlotação; e categorização das condições clínicas e
esclarecer à família quanto à forma de a decisão do tratamento mais adequa-
atendimento e o tempo de espera. do. O paciente deve ser reavaliado du-
rante toda a ação e após cada procedi-
QUAIS SÃO AS PRINCIPAIS mento.
EMERGÊNCIAS NA INFÂNCIA? A avaliação pediátrica é composta
As causas de atendimento emergencial por quatro partes:
em pediatria variam muito de acordo 1. Avaliação geral ou impressão inicial;
com a prevalência e a incidência nas po- 2. Avaliação primária;
pulações específicas, a localização do es- 3. Avaliação secundária;
tabelecimento, o fluxo de atendimento 4. Avaliação terciária.
Semiologia na urgência/emergência pediátrica 657

1. Avaliação geral ou impressão inicial denominada Triângulo de Avaliação Pe­


É a primeira observação, realizada nos diátrica (TAP), que se baseia em uma
segundos iniciais de atendimento, sem sequência A-B-C, do inglês “Appearance,
tocar na criança ou usar equipamen- Breathing effort, Circulation for skin”.
tos. É uma avaliação visual e auditiva, Avalia três aspectos: aparência, esforço
na qual se aplica uma técnica simples, respiratório e estado circulatório.
que pode demorar até 60 segundos.
Permite identificar rapidamente se a O que o triângulo de avaliação
criança está “doente” e quão “grave” es- pediátrica avalia?
tá. Pode ser obtida por uma ferramenta, Ver Quadro 1.

Quadro 1. Características avaliadas pelo Triângulo de Avaliação Pediátrica

Aparência Características Critérios normais

A aparência reflete Tônus Movimentos espontâneos; resiste ao exame


a adequação da
oxigenação, ventilação, Interatividade Interação com as pessoas, com o ambiente e com objetos
perfusão cerebral,
Para de chorar ao ser colocado no braço e confortado por
homeostase e função do Consolabilidade
um cuidador
sistema nervoso central
e pode ser avaliada pela Olhar Faz contato visual com o médico; acompanha visualmente
sequência mnemônica
TICOF Fala/choro Usa linguagem apropriada para idade; tem choro forte

Esforço respiratório Características Achados anormais

Retrações inter e subcostal, sub e supraesternal, e


supraclavicular

Aumento do trabalho Batimentos de aletos nasais na inspiração


respiratório
Posição do farejador, posição do tripé, preferência pela
Avalia-se o trabalho
postura sentada, balanço da cabeça com os movimentos
respiratório com
respiratórios
achados visuais e
auditivos Diminuição ou
ausência do trabalho Bradipneia, apneia
respiratório

Sons audíveis sem


Sibilos, gemidos e estridor
estetoscópio

Circulação para a pele Características Achados anormais

Palidez (pele ou mucosas de cor branca ou pálida)

Pele marmórea (descoloração irregular da pele devido a


Aspecto e cor da pele vários graus de vasoconstrição)
Avalia a perfusão da
pele e presença de
Cianose (descoloração azulada ou arroxeada da pele e das
sangramentos
mucosas)

Lesões hemorrágicas Hemorragia evidente e significativa


visíveis Hemorragias na pele (petéquias)

Fonte: Adaptado de Dieckmann, Brownstein e Gausche-Hill (2010) e Pals (2017).


SEÇÃO 13 658

2. Avaliação primária anormalidades que indiquem risco de


A avaliação segue uma sequência morte (Quadros 2 a 6). Ao ser identifi-
A-B-C-D-E (Abertura das vias aéreas – cada uma anormalidade, esta deve ser
Breath­ing ou Boa respiração – Cir­cu­la- tratada antes de se passar para o passo
­ção – Dis­função – Exposição) na busca de seguinte da avaliação.

Quadro 2. Avaliação da Abertura das vias aéreas

Observar movimentos do tórax e/ou abdome

O que avaliar? Auscultar movimento de ar e sons respiratórios

Sentir se há movimentação de ar pelo nariz e boca

Vias aéreas livres ou pérvias

Vias aéreas sustentáveis ou preserváveis com medidas simples


O que determinar?
Vias aéreas não sustentáveis ou não preserváveis, ou seja, não podem ser
preservadas sem medidas avançadas

Permitir que a criança adote uma


posição confortável ou posicioná-
Posição
la para melhorar a abertura das
vias aéreas

Inclinação da cabeça (se não


houver suspeita de lesão da coluna
Manobras para vertebral); elevação do queixo
abrir vias aéreas ou anteriorização da mandíbula
(se suspeita de lesão da coluna
vertebral)

Manobras simples Aspiração Aspirar nariz e orofaringe

Em pacientes conscientes: se
< 1 ano – 5 compressões torácicas
Técnicas de alívio
e em ≥ 1 ano – compressões
para obstrução
O que fazer? abdominais
de vias aéreas por
Em pacientes inconscientes:
corpo estranho
acionar protocolo de reanimação
cardiopulmonar

Uso de cânula naso ou orofaríngea,


Dispositivos para
para impedir que a língua obstrua
vias aéreas
a via aérea

Intubação endotraqueal

Uso de máscara laríngea

Manobras avançadas Uso de pressão positiva contínua nas vias aéreas (CPAP)

Remoção de corpo estranho por laringoscopia

Cricotireoidostomia

Fonte: Adaptado de Matsuno (2012) e Pals (2017).


Semiologia na urgência/emergência pediátrica 659

Quadro 3. Avaliação da Boa respiração

Características Achados anormais

Padrão respiratório irregular (gasping)


Frequência respiratória (FR) Taquipneia
Deve ser realizada por ao menos
1 min. A FR normal é inversamente
relacionada à idade (Tabela 1) Bradipneia

Apneia – cessação do fluxo de ar por mais de 20 segundos

Batimentos de asas do nariz

Retrações torácicas
Esforço respiratório
Balanço da cabeça

Respiração abdominal

Expansão torácica: elevação do tórax durante a inspiração


Expansão torácica e movimento do ar deve ser simétrica
Avalia a adequação do volume corrente,
que é o volume de ar inspirado em cada Movimento de ar: a ausculta do movimento de ar indica a
respiração intensidade dos sons respiratórios e deve ser realizada no
tórax anterior, lateral e posterior

Estridor: som respiratório grosseiro, mais frequente na


inspiração, que pode indicar obstrução das vias aéreas
superiores

Ronco: pode ser comum durante o sono, mas também em


obstrução das vias aéreas

Gemido: som curto e grave, ouvido durante a expiração


Pode ser uma resposta à dor ou febre, mas também uma
forma de manter vias aéreas abertas, em desconforto
respiratório grave

Gorgolejo: som rude, de borbulha durante a inspiração e


expiração, resultante de secreções, vômitos ou sangue nas
Sons pulmonares e das vias aéreas
vias aéreas

Sibilos: é um assobio ou som de suspiro grave durante a


expiração, que indica obstrução de vias aéreas inferiores
Sibilos inspiratórios indicam obstrução de vias aéreas
superiores

Crepitações ou estertores: sons inspiratórios, úmidos


(acúmulo de fluido alveolar) ou secos (doença pulmonar
intersticial)

Alterações do choro/fonação/tosse seca: podem indicar


desconforto respiratório e obstrução de vias aéreas
superiores

A oximetria de pulso é um método não invasivo, que


monitora o percentual de hemoglobina saturada de O2. Uma
Saturação de Oxigênio (O2) saturação de O2 (SatO2) ≥ 94% em ar ambiente é considerada
normal. Se a SatO2 persiste < 90%, mesmo com oferta de
100% de O2, indica a necessidade de intervenção adicional

Fonte: Adaptado de Matsuno (2012) e Pals (2017).


SEÇÃO 13 660

Quadro 4. Avaliação da Circulação

Características Achados anormais

Quando há diminuição da perfusão cutânea, as


extremidades tornam-se frias, pálidas ou mosqueadas,
Temperatura e cor da pele
e, dependendo da gravidade do caso, essa condição
se estende para o tronco e todo o corpo

Frequência cardíaca (FC) Taquicardia – pode estar presente em situações de


Deve ser verificada estresse e ansiedade, febre e dor
pela avaliação do
pulso, da ausculta e da Bradicardia – pode indicar perigo iminente de parada
monitorização cardíaca cardíaca. Se estiver associada com má perfusão
Ver Tabela 2 periférica, há necessidade de medidas de ventilação

Arritmias – alterações no ritmo cardíaco que podem


ser detectadas pela monitorização cardíaca. Podem
Ritmo cardíaco (RC) resultar de anormalidades ou lesões no sistema de
condução cardíaco ou no tecido cardíaco e também
ocorrer em situações de choque ou hipóxia

Pressão arterial (PA) Pressões arteriais normais (Tabela 3)


Para medir adequadamente Crianças ≥ 1 ano – para as PA sistólica e diastólica
a PA a bolsa inflável do normais, considera-se o 50° percentil para altura
manguito deve cobrir Crianças ≥ 1 ano – para as PA médias, considera-se o
40% da circunferência 50° percentil para altura
do meio do braço e o PA média = (diastólica + [diferença entre sistólica e
manguito deve se estender diastólica/3])
por, ao menos, 80% do
comprimento do braço Hipotensão (Tabela 4)

Pulsos
Indicam a perfusão
sistêmica
Devem ser palpados Pulsos centrais fracos indicam necessidade de
os centrais (femorais, intervenção para evitar parada cardiorrespiratória
braquiais, carotídeos, (PCR)
axilares) e os periféricos
(radiais, dorsais do pé,
tibiais posteriores)

Tempo de enchimento Tempo de enchimento capilar prolongado é quando


capilar o tempo que o sangue leva para retornar ao tecido
Avalia a perfusão tecidual empalidecido por pressão é maior que 2 segundos

Perfusão de órgãos-alvo

Má perfusão cerebral provoca alterações do nível


Cérebro de consciência, do tônus muscular e dos reflexos
pupilares

Má perfusão renal reduz o débito urinário. Débito


urinário normal para bebês e crianças novas é 1,5 a
Rins
2 ml/kg/h e para crianças mais velhas e adolescentes
é 1 ml/kg/h

Fonte: Adaptado de Matsuno (2012) e Pals (2017).


Semiologia na urgência/emergência pediátrica 661

Tabela 1. Frequência respiratória normal, Tabela 2. Frequência cardíaca normal


segundo a Organização Mundial da Saúde
Frequência cardíaca
Incursões respiratórias Faixa etária em vigília
Faixa etária (batimentos/minuto)
por minuto (irpm)
Recém-nascido 100-205
0 a 2 anos Até 60
1 a 11 meses 100-180
2 a 11 meses Até 50
1 a 2 anos 98-140
12 meses a 5 anos Até 40
3 a 5 anos 80-120
6 a 8 anos Até 30
6 a 9 anos 75-118
Acima de 8 anos Até 20 Adolescente 60-100

Fonte: OMS (2016). Fonte: Adaptado de Pals (2017).

Tabela 3. Pressões arteriais normais

Pressão sistólica Pressão diastólica Pressão arterial média


Faixa etária
(mm Hg) (mm Hg) (mm Hg)

Recém-nascido 67-84 35-53 45-60

1 a 11 meses 72-104 37-56 50-62

1 a 2 anos 86-106 42-63 49-62

3 a 5 anos 89-112 46-72 58-69

6 a 9 anos 97-115 57-76 66-72

Adolescente (10 a 12 anos) 102-120 61-80 71-79

Adolescente (12 a 15 anos) 110-131 64-83 73-84

Fonte: Adaptado de Pals (2017).

Tabela 4. Hipotensão por pressão arterial sistólica e idade

Faixa etária Pressão arterial sistólica (mm Hg)

Recém-nascido a termo (0-28 dias) < 60

1 a 11 meses < 70

1 ano a 10 anos < 70 + (idade em anos x 2)*

> 10 anos < 90

* estimativa de PA sistólica inferior ao 5° percentil da PA para a idade

Fonte: Adaptado de Pals (2017).


SEÇÃO 13 662

Quadro 5. Avaliação da Disfunção ou incapacitação

O que avaliar Como avaliar

ESCALA DE RESPOSTA PEDIÁTRICA

A criança está alerta, ativa e reativa aos cuidadores e aos


Alerta
estímulos externos

A criança responde apenas quando alguém chama o seu


Voz
nome ou fala alto

A criança só responde aos estímulos dolorosos, como aperto


Dor
ao leito ungueal

Inconsciente A criança não responde a nenhum estímulo

ESCALA DE COMA DE GLASGOW

Pontos Abertura dos olhos

4 Espontaneamente

3 Em resposta a comando verbal

2 Em resposta à dor

1 Sem resposta

Melhor resposta motora

< 1 ano > 1 ano


Córtex cerebral
6 - Obedece ao comando

5 Localiza a dor Localiza a dor

4 Flexão normal Flexão normal

3 Flexão anormal Flexão anormal

2 Extensão Extensão

1 Sem resposta Sem resposta

Melhor resposta verbal

0-23 meses 2-5 anos > 5 anos

5 Sorri, balbucia Palavras apropriadas Orientado, conversa

4 Choro apropriado Palavras inapropriadas Confuso

3 Choro inapropriado Choro, gritos Palavras inapropriadas

2 Gemidos Gemidos Sons incompreensíveis

1 Sem resposta Sem resposta Sem resposta

Total de pontos = 3 a 15 e, em < 1 ano, o máximo é 14


Semiologia na urgência/emergência pediátrica 663

O que avaliar Como avaliar

EXAME DAS PUPILAS


Deve-se avaliar o diâmetro das pupilas (milímetros), se há igualdade de tamanho e
Tronco
se reagem com constrição à luz
encefálico
O acrônimo PERRL (Pupilas Equivalentes, Redondas, Reativas à Luz) descreve as
características normais das pupilas

Pode provocar lesão cerebral


Hipoglicemia Em recém-nascidos, glicemia ≤ 45 mg/dl
Em crianças, glicemia ≤ 60 mg/dl

Fonte: Adaptado de Matsuno (2012) e Pals (2017).

Quadro 6. Avaliação da exposição

Características Achados anormais

Hipotermia significativa

Febre
Consiste em despir a
criança para facilitar Evidência de traumas, como hemorragias, queimaduras ou marcas incomuns,
o exame físico sugestivas de maus-tratos
dirigido, podendo
detectar condições Sangramentos (petéquias/púrpura), sugestivos de choque séptico
potencialmente fatais
Distensão abdominal, compatível como abdome agudo

Deformidades ou contusões nas extremidades

Fonte: Adaptado de Matsuno (2012) e Pals (2017).

3. Avaliação secundária dades respiratórias e circulatórias (Qua­-


Consiste na realização de anamnese es- dro 8).
pecífica, exame físico dirigido e reava-
COMO AVALIAR A RESPOSTA
liação contínua do estado fisiológico e
AO TRATAMENTO E ACOMPANHAR
das respostas aos tratamentos instituí- A PROGRESSÃO DOS PROBLEMAS
dos. Para esta etapa da avaliação, reco- FISIOLÓGICOS E ANATÔMICOS
menda-se o uso da regra mnemônica IDENTIFICADOS?
SAMPLE (Quadro 7). A reavaliação é contínua e pode ser rea-
lizada por:
4. Avaliação terciária • Triângulo de Avaliação Pediátrica;
Consiste na realização de exames com- • ABCDE da avaliação primária;
plementares que visam identificar a • Avaliação dos achados anatômicos e
presença e a gravidade das anormali- fisiológicos anormais;
SEÇÃO 13 664

• Revisão da eficácia das intervenções, podem ser identificadas a partir do


que poderão ser revistas retornando Triângulo de Avaliação Pediátrica e
ao TAP de forma cíclica. O Quadro 9 o manejo das condições está descri-
apresenta as condições clínicas que to no Quadro 10.

Quadro 7. Componentes da história dirigida

O que avaliar

Dificuldade respiratória

Alteração do nível de consciência

Febre
Sinais e sintomas
Diarreia e vômitos

Sangramentos

Tempo e evolução dos sintomas

Medicações, alimentos, látex


Alergias
Reações associadas a medicamentos

Uso de medicações (quais? quem prescreveu?)

Medicações Última dose e horário das medicações

Quais medicamentos podem ser encontrados na casa da criança

Condições de nascimento

Doenças prévias e hospitalização


Passado mórbido
Cirurgias anteriores

Estado de imunização

Horário e natureza do último sólido ou líquido ingerido


Líquidos e última
refeição
Tempo decorrido entre a última refeição e a apresentação da doença atual

Eventos que possam ter levado à doença ou à lesão atual

Riscos no local
Eventos
Tratamento durante o início dos sintomas e a avaliação

Tempo estimado do início até chegar à unidade de saúde

Fonte: Adaptado de Matsuno (2012) e Pals (2017).


Semiologia na urgência/emergência pediátrica 665

Quadro 8. Componentes da avaliação terciária

O que avaliar

Gasometria arterial

Concentração de hemoglobina no sangue


Exames complementares
Avaliação das Radiografia de tórax
anormalidades
respiratórias Taxa do pico de fluxo expiratório (peak flow)

Oximetria de pulso
Monitorização
Monitorização do CO2 expirado

Gasometria arterial

Saturação venosa central de O2 (SvcO2)

Lactato arterial
Exames complementares
Avaliação das Concentração de hemoglobina no sangue
anormalidades
respiratórias Radiografia de tórax

Ecocardiografia

Monitorização invasiva da pressão arterial


Monitorização
Monitorização da pressão venosa central

Fonte: Adaptado de Matsuno (2012) e Pals (2017).

Quadro 9. Componentes do Triângulo de Avaliação Pediátrica e as condições clínicas

Componentes do TAP Aparência Respiração Circulação

Estável Normal Normal Normal

Desconforto Respiratório Normal Anormal Normal

Insuficiência Respiratória Anormal Anormal Normal/anormal

Choque compensado Normal Normal Anormal

Choque descompensado Anormal Normal/anormal Anormal

Disfunção metabólica/SNC Anormal Normal Normal

Insuficiência Cardiorrespiratória Anormal Anormal Anormal

Fonte: Adaptado de Dieckmann, Brownstein e Gausche-Hill (2010).


SEÇÃO 13 666

Quadro 10. Manejo das situações que podem ser identificadas

Posição de conforto
Desconforto Oxigênio
Respiratório Terapia específica (broncodilatador)
Avaliação laboratorial e radiográfica, se indicado

Posicione a cabeça e abra as vias aéreas


Forneça 100% de oxigênio
Insuficiência Inicie a ventilação com bolsa-máscara, se necessário
Respiratória Inicie a remoção de corpo estranho, se for o caso
Via aérea avançada, se necessário
Avaliação laboratorial e radiográfica, se indicado

Fornecer oxigênio, conforme necessário


Obter acesso venoso
Choque Iniciar líquidos endovenosos
compensado Terapia específica baseada em possíveis etiologias (antibióticos, avaliação
cirúrgica para trauma)
Avaliação laboratorial e radiográfica, se indicado

Fornecer oxigênio
Obter acesso venoso
Iniciar líquidos endovenosos
Choque
Terapia específica baseada em possíveis etiologias (antibióticos, vasopressores,
descompensado
produtos sanguíneos, avaliação cirúrgica para trauma, antiarrítmico,
cardioversão)
Avaliação laboratorial e radiográfica, se indicado

Coloque a oximetria de pulso


Forneça oxigênio, conforme necessário
Disfunção
Medir glicose
metabólica/SNC
Considere outras etiologias
Avaliação laboratorial e radiográfica, se indicado

Posicione a cabeça
Abra as vias aéreas
Inicie a ventilação com bolsa-máscara com oxigênio a 100%
Insuficiência
Inicie as compressões torácicas, conforme a necessidade
Cardiorrespiratória
Terapia específica baseada em possíveis etiologias (desfibrilação, adrenalina,
amiodarona)
Avaliação laboratorial e radiográfica, se indicado

Fonte: Adaptado de Dieckmann, Brownstein e Gausche-Hill (2010).

REFERÊNCIAS
AMERICAN ACADEMY OF PEDIATRICS, Ame­ AMERICAN HEART ASSOCIATION. Web-based
rican College of Emergency Physicians. APLS: Integrated Guidelines for Cardiopulmonary
The Pediatric Emergency Medicine Resource. and Emergency Cardiovascular Care – Part 12.
5th ed., Burlington: Jones & Bartlett Learning, Pediatric advanced life support. Disponível em:
Sept. 2011, p. 535. https://eccguidelines.heart.org/index.php/
AMERICAN HEART ASSOCIATION. Pediatric circulation/cpr-ecc-guidelines-2/part12-pedi-
Advanced Life Support (PALS) – Provider Ma­ atric-advanced-life-support/. Acesso em: 21
nual, Oct. 2016, p. 352. dez. 2021.
Semiologia na urgência/emergência pediátrica 667

BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria nº 354, of Children. Pediatric Emergency Care, v. 26,
de 10 de março de 2014: Publica a proposta n. 4, p. 312-15, 2010.
de Projeto de Resolução “Boas Práticas para
FARROHKNIA, N. et al. Emergency depart-
Organização e Funcionamento de Serviços
ment triage scales and their components: a
de Urgência e Emergência”. Disponível em:
systematic review of the scientific evidence.
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/
Scand J Trauma Resusc Emerg Med, v. 30, p.
gm/2014/prt0354_10_03_2014.html. Acesso em:
19-42, 2011.
21 dez. 2021.
MAGALHÃES-BARBOSA, M. C. et al. CLARIPED:
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de
um novo instrumento para classificação de
Atenção à Saúde. Política Nacional de Hu­
risco em emergências pediátricas. Revista
ma­nização da Atenção e Gestão do SUS. Aco­
Pau­lis­ta de Pediatria, v. 34, n. 3, p. 254-62, 2016.
lhimento e Classificação de Risco nos Ser­viços
de Urgência. Brasília: Ministério da Saú­
de, MAGALHÃES, F. J.; LIMA, F. E. T. Protocolo
2009. Disponível em: https://bvsms.saude. de Acolhimento com Classificação de Risco
gov.br/bvs/publicacoes/acolhimento_classifi- Em Pediatria [livro eletrônico]. Fortaleza:
caao_risco_servico_urgencia.pdf. Acesso em: Imprensa Universitária, 2018.
21 dez. 2021.
MATSUNO, A. K. Reconhecimento das situações
DAVIS, A. L. et al. American College of Critical de emergência: avaliação pediátrica. Me­di-
Care Medicine Clinical Practice Parameters ­cina (Ribeirão Preto), v. 45, n. 2, p. 158-67, 2012.
for Hemodynamic Support of Pediatric and
WORLD HEALTH ORGANIZATION. Up­dated
Neonatal Septic Shock. Crit Care Med, v. 45,
guide­line: Paediatric emergency triage, as­
p. 1061, 2017.
sess­­ment and treatment: Care of crit­ically-
DIECKMANN, R. A.; BROWNSTEIN, D.; GAUSCHE- ill children. (2016). Dis­poní­vel em: pps.who.
-HILL., M. The Pediatric Assessment Triangle: int/iris/handle/10665/204463?locale-attribu
A Novel Approach for the Rapid Evaluation te=pt&show=full. Acesso em: 21 dez. 2021.
C APÍTULO 2

Vômitos

Margarida Maria de Castro Antunes

O QUE É VÔMITO? c) São espontâneos ou sempre vem


Vômito é a expulsão ativa do conteúdo precedido de tosse e/ou choro; são
gástrico pela boca, geralmente acompa- provocados pela criança?
nhado por sintomas neurovegetativos, d) Relação com a alimentação: vômi-
como sudorese, palidez, taquicardia e tos que ocorrem após engasgos ou
hipotensão. Os vômitos são respostas durante o momento da alimenta-
próprias para defender o organismo ção, sugerem que exista distúrbio
contra toxinas alimentares e outros de deglutição ou erro na técnica de
agressores, porém, são frequentemente alimentação;
ativados em diversas doenças na infân- e) Relação com a tosse e outros sinto-
cia, sendo um dos sintomas mais relata- mas respiratórios: precede ou é con­-
dos em consultório pediátrico. sequência?
f) Conteúdo: sangue, muco, bile, ali-
COMO AVALIAR A CRIANÇA mentos (vômitos com bile sugerem
COM VÔMITOS? obstrução após o piloro);
As causas mais frequentes de vômito va- g) Associação com outros sintomas: fe-
riam por faixa etária conforme descritas bre, diarreia, distensão abdominal,
no Quadro 1. irritabilidade, distúrbios de com-
portamento, cefaleia, perda de peso,
História distúrbios visuais e do sono;
Investigar os seguintes aspectos: h) História alimentar detalhada: volu-
a) Idade do início dos vômitos; me e conteúdo das refeições (volume
b) Periodicidade: diária, cíclicos, inter- excessivo, alimentação rica em aditi-
valo entre as crises; vos químicos e irritantes gástricos).
Vômitos 669

Quadro 1. Principais causas de vômitos por faixa etária

Lactentes Pré-escolares Escolares Adolescentes

Estenose hipertrófica do Intoxicações


Gastroenterites agudas Gastroenterites agudas
piloro alimentares

Doença do refluxo Intoxicações Gastroenterites


Intoxicações alimentares
gastroesofágico (DRGE) alimentares agudas

Alergias alimentares
(síndrome da enterocolite Infecções sistêmicas
Infecções
induzida por proteína Síndrome de ruminação (pneumonia,
respiratórias
alimentar – FPIES amigdalite)
enteropatia alérgica)

Alimentação excessiva DRGE Hepatite aguda Enxaqueca

Reação a
Gastroenterites agudas Infecções sistêmicas Hepatite aguda
medicamentos

Síndrome
Alergias alimentares Intoxicação exógena Síndrome dispéptica
dispéptica funcional

Infecções sistêmicas
Doença celíaca Doença péptica Gravidez
(infecção urinária)

Gastroenterites agudas Alergias alimentares Esofagite eosinofílica Doença péptica

Malformações do tubo
Malformações do tubo
digestivo (vólvulo gástrico, Transtornos
digestivo (estenoses Síndrome dos vômitos
pâncreas anular estenoses alimentares
intestinais, má rotação cíclicos
intestinais, membranas e (bulimia)
intestinal)
bridas congênitas)

Intoxicação
exógena (tentativa
Doenças metabólicas
Malformações do tubo de suicídio, uso
(hiperplasia congênita
Esofagite eosinofílica digestivo (má rotação abusivo de álcool)
de adrenal, galactosemia,
intestinal, vólvulos)
tirosinemia)
Vômitos induzidos
por cannabis

Intussuscepção
Intussuscepção intestinal Síndrome de ruminação Pancreatite aguda
intestinal

Hipertensão
Hipertensão intracraniana Apendicite aguda Colangite aguda
intracraniana

Doenças metabólicas
(distúrbios do ciclo da
ureia, mitocondriopatias, Distúrbios do apetite Hipertensão
Convulsão
acidoses orgânicas, (anorexia, bulimia) intracraniana
porfiria aguda
intermitente)

Doenças metabólicas
(porfiria aguda Doença
Tubulopatias renais intermitente, distúrbios inflamatória
do ciclo da ureia, intestinal
acidoses orgânicas)

Hipertensão Distúrbios
intracraniana psiquiátricos

Fonte: Autora.
SEÇÃO 13 670

Exame físico fracionamento da dieta e a oferta de


Observar: menores volumes diminuem as náuseas
a) Estado de hidratação; e reduzem a necessidade de medicações
b) Avaliação nutricional (curva de pe- antieméticas.
so e estatura), pele e fâneros (sinais
de desnutrição crônica, eczema ató- Medicamentos
pico), sinais de obesidade (sugere
Ondansetrona
superalimentação ou regurgitações
funcionais); A ondansetrona (0,15 mg/kg) tem eficá-
c) Medida da pressão arterial; cia em controlar vômitos de crianças
d) Exame do abdome (distensão, sinais com quadros de gastroenterite aguda
de peristaltismo de luta, dor locali- na primeira hora de uso, em cerca de
zada, dor difusa, sinais de irritação 50 %, quando comparada com placebo.
peritoneal); Também foi observada maior taxa de
e) Exame neurológico: observar abau- sucesso da terapia de reidratação oral
lamento de fontanela, sinais de irri- em crianças desidratadas. Portanto, está
tação meníngea, equilíbrio, exame indicada para crianças que apresentam
de fundo de olho. mais de três episódios de vômitos após
o início da TRO.
COMO CONDUZIR VÔMITOS AGUDOS?
Domperidona
As causas mais frequentes de vômitos
agudos são infecções agudas (gastroen- Apesar de muito utilizada, não há evi-
terites, infecções respiratórias e uriná- dências que a domperidona, tanto em
rias) e intoxicações alimentares. Em doses baixas (0,25 mg/kg) quanto em do-
bebês, por exemplo os vômitos são um ses elevadas (0,50 mg/kg), tenha efeito
dos sintomas isolados mais frequentes no controle de vômitos em crianças com
na infecção urinária. infecções agudas.

Metoclopramida, dimenidrinato,
Tratamento dos vômitos agudos
dexametasona e granisetrona
Medidas gerais Metanálise recente corrobora as revisões
Em crianças desidratadas, com acidose anteriores que não evidenciaram que es-
e com distúrbios eletrolíticos, ocorre sas medicações tenham efeito superior
acentuação dos vômitos, sendo neces- ao placebo, para controle dos vômitos
sária a correção dessas condições para em crianças com gastroenterite aguda.
controle dos sintomas. Além disso, o Além disso, todas elas possuem efeitos
Vômitos 671

colaterais frequentes, que podem ser, ra- 18 anos, e pode assumir formas graves,
ramente, severos. com desnutrição e lesões esofágicas.
Definida tanto como Desordem Gas­
COMO CONDUZIR VÔMITOS CRÔNICOS troduodenal Funcional no Critério de
OU RECORRENTES? Roma (distúrbios gastrointestinais fun-
As causas de vômitos crônicos são mui- cionais) quanto como “Transtorno Ali­
to variadas, conforme descrito acima mentar” no DSM-5 (Manual Diagnóstico
(Quadro 1) e podem envolver tanto pro- e Estatístico de Desordens Men­tais, 5ª
blemas no sistema digestório quanto edição), o tratamento da SR se baseia
extra gastrointestinais. Nesse capítulo, em medidas comportamentais e em
discutiremos as causas de vômitos crô- ansiolíticos para os casos leves a mo-
nicos relevantes e que não estão con- derados. Nos casos graves, pode ser
templadas em outros capítulos desse necessário o uso de dietas especiais e
manual. Para facilitar dividiremos por de alimentação por via enteral com uso
faixa etária. de sonda nasoentérica ou até nutrição
parenteral.

Vômitos crônicos em crianças


Síndrome dos vômitos
Síndrome de ruminação cíclicos da infância
A SR se caracteriza por regurgitações A síndrome dos vômitos cíclicos (SVC) é
repetidas durante ou logo após as re- uma desordem funcional que se caracte-
feições, seguidas por mastigação, nova riza por três ou mais episódios repetidos
deglutição ou o ato de cuspir o alimen- e cíclicos de vômitos e náuseas intra-
to. O conteúdo refluído pode ser em pe- táveis, com intervalo livre de sintomas
quenos ou grandes volumes e pode ser entre as crises, desde que sejam excluí-
confundido com vômito. A maioria dos das causas obstrutivas do trato digestivo,
pacientes não rumina em jejum e nem neurológicas, infecciosas e metabólicas
no período do sono. Essa condição é, conhecidas que justifiquem esse quadro.
frequentemente, não reconhecida, sub- A idade de início varia entre 2 e 7 anos,
diagnosticada e incorretamente tratada sendo rara em lactentes.
como refluxo gastroesofágico. Embora Os episódios são estereotipados e po-
seja mais frequente em crianças com dem durar de horas até dias. Em média,
desordens neuropsiquiátricas e desabi- a duração é de 24 horas. Embora as crises
lidades, como cegueira e surdez, a SR variem de intensidade e modo de apre-
pode também acometer crianças neu- sentação entre as crianças acometidas,
rotípicas, com idade de início entre 5 e se observa que obedecem a um padrão
SEÇÃO 13 672

numa mesma criança. Raramente, as síndrome do intestino irritável em 40%


crianças apresentam pródromos, porém a 60% desses pacientes. A síndrome dos
um fator desencadeante pode ser identi- vômitos cíclicos pode assumir formas
ficado (alimentos, hipoglicemia, fatores graves levando a esofagite péptica ero-
emocionais, fadiga ou frio). siva, disfagia e até a estenose esofágica
As crises têm início súbito, geral- secundária. E em adolescentes, o princi-
mente à noite ou no início do dia. Além pal diagnóstico diferencial é com a hipe-
dos episódios de vômito e náuseas in- rêmese induzida por cannabis.
tensos e repetidos, a criança assume
uma atitude de sonolência, letargia ou
Vômitos crônicos em adolescentes
mesmo prostração, com recusa alimen-
tar ou fazendo refeições sucessivas para Hiperêmese Induzida
vomitar em seguida, na tentativa de di- por Cannabis (HIC)
minuir a náusea. Muitas vezes, os episó- É uma síndrome caracterizada por crises
dios levam a desidratação, a distúrbios de náuseas e vômitos que se exacerbam
hidreletrolíticos (especialmente a hipo- com o uso de cannabis. Como os sinto-
calemia) e até a sangramento digestivo mas melhoram com banhos quentes, é
secundário aos vômitos, sendo necessá- comum a observação de um aumento
rio internamento com hidratação veno- no número e na duração dos banhos do
sa, jejum, sedativos e antieméticos para adolescente ou do adulto. Pelo crescen-
o controle das crises. te consumo mundial de cannabis., tem
Muitas crianças queixam-se de dor se observado um aumento também da
abdominal no início do quadro, epi- ocorrência de HIC em emergências e
gástrica ou mesmo periumbilical, de ela se confunde com a SVC. Embora o
moderada ou forte intensidade. Outros tratamento seja diferente, a HIC e a SVC
sintomas associados são relatados, tais têm mecanismos fisiopatogênicos seme-
como: fotofobia, cefaleia, diarreia leve, lhantes. Ambas são desencadeadas por
febre baixa e alterações que sugerem alterações no eixo cérebro-intestino. O
um fenômeno autonômico envolvido, diagnóstico é feito pela presença de três
como hipertensão e taquicardia, que de- episódios estereotipados no último ano
saparecem com a resolução da crise de ou dois em seis meses, associados ao uso
vômitos. Uma discreta leucocitose pode de cannabis e que desaparecem após a
ser acompanhada por secreção inapro- sua suspensão. O tratamento, atualmen-
priada do hormônio antidiurético. te disponível, é a reposição de volume,
Existe história familiar de enxaqueca, o uso de benzodiazepínicos e ondan-
cinetose e outros distúrbios funcionais e setrona na crise e, antidepressivos, a
Vômitos 673

psicoterapia e a cessação do uso de can- tica dos distúrbios mentais inclui: (1) epi-
nabis em longo prazo. sódios recorrentes de surtos de apetite au-
mentado com ingestão de grandes quan-
Bulimia tidades de alimentos em curtos períodos
A bulimia é uma doença grave que cursa de tempo; (2) durante essas grandes refei-
com vômitos e, frequentemente, pou- ções existe o sentimento de incapacidade
co diagnosticada no início do quadro. de parar de comer; (3) após os episódios
Geralmente, tem seu início na adoles- de alimentação ocorrem vômitos provo-
cência, mas pode ser encontrada na in- cados ou uso de laxativos; (4) ocorrência
fância e resulta em sequelas nutricionais, de, no mínimo, dois episódios por sema-
psicológicas e sociais. na nos últimos 3 meses; e (5) a autoavalia-
O critério de diagnóstico de bulimia ção induzida pela imagem corporal, espe-
através do Manual de diagnóstico e estatís- cialmente pelo peso e silhueta.

REFERÊNCIAS
BRANDT, K. G.; ANTUNES, M. M. C.; da SILVA, A prospective study reveals rumination syn-
G. A. P. Acute diarrhea: evidende-based ma- drome is an important etiology that is under-
nagement. J Pediatr, v. 91, n. 6, p. S36-43, 2015. diagnosed and untreated. Indian J Gastroen­
terol, v. 39, n. 2, p. 196-203, 2020.
HANIF, H.; JAFFRY, H. A.; JAMSHED, F.;
AMREEK, F.; KUMAR, N.; HUSSAIN, W. et al. PERISETTI, A.; GAJENDRAN, M.; DASARI, C.
Oral Ondansetron versus Domperidone fot S.; BANSAL, P.; AZIZ, M.; INAMDAR, S. et al.
Acute Gastroenterites Associated Vomiting in Cannabis hyperemesis syndrome: An update
Young Children. Cureus, v. 11, n.9, 2019. on the pathophysiology and management.

LEITZ, G.; HU, P.; APPIANI, C.; LI, Q.; MITHA, Ann Gastroenterol, v. 33, n. 6, p. 571-8, 2020.

E.; GARCES-SANCHEZ, M. et al. Safety and


NIÑO-SERNA, S. F.; ACOSTA-REYES, J.; VERO­
Efficacy of Low-dose Domperidone for trea-
NIKI, A. A.; FLOREZ, I. D. Antiemetics in
ting Nausea and Vomiting Due to Acute Gas­
chil­dren with acute gastroenteritis: A Meta-
troenteritis in Children. J Pediatr Gas­troen­
analysis. Pediatrics, v. 145, n. 4, 2020.
terol Nutr, v. 69, n. 4, p. 425-30, 2019.
TOMASIK, E.; ZIÓLKOWSKA, E.; KOLODZIEJ,
LI, B. U. K. Managing cyclic vomiting syndro-
M.; SZAJEWSKA, H. Systematic review with
me in children: beyond the guidelines. Eur J
meta-analysis: ondansetron for vomiting
Pediatr, v. 177, n. 10, p. 1435-42, 2018.
in children with acute gastroenteritis.
MALIK, R.; SRIVASTAVA, A.; YACHHA, S. K.; Aliment Pharmacol Ther, v. 44, n. 5, p. 438-46,
PODDAR, U. Chronic vomiting in children: 2016.
C APÍTULO 3

Distúrbios hidroeletrolíticos

Emília Maria Dantas Soeiro


Gustavo Coelho Dantas

COMO É A REGULAÇÃO DO BALANÇO vasoconstricção periférica, vaso-


DE ÁGUA E SÓDIO NO ORGANISMO? constricção de arteríola eferente e
A água é um componente essencial aos aumento da reabsorção tubular de
organismos vivos e constitui a maior sódio;
parte do componente intracelular e • O hormônio antidiurético, que atra-
do sangue. No recém-nascido, a água vés de estímulos dos osmorrecepto-
representa 80% do peso corporal, dimi- res (aumento da pressão osmótica)
nuindo este percentual, à medida que e dos barorreceptores (hipovolemia),
o indivíduo envelhece. Por outro lado, aumentam a permeabilidade renal
o sódio é o principal determinante da à água;
osmolaridade extracelular (plasmática • O fator atrial natriurético, que é se-
e intersticial). Esses dois componentes cretado em situações de aumento
são essenciais na regulação do volume do volume extracelular, com estira-
extracelular. Vários são os mecanismos mento da fibra cardíaca, aumentan-
envolvidos nessa regulação: do a filtração glomerular e a excre-
• Regulação neural aferente, através ção renal de sódio e água;
dos barorreceptores e mecanorre- • Além de mecanismos de conserva-
ceptores em vasos torácicos e na cir- ção da água, sensação de sede, atra-
culação renal; vés de estímulo de osmorreceptores.
• O sistema-renina-angiotensina-al-
dosterona, que em situações de que- O controle da ingestão e da excre-
da da pressão arterial determina ção de água, mantém a concentração
Distúrbios hidroeletrolíticos 675

plasmática de sódio em sua faixa normal queimaduras graves e neonatos com


(135 a 145 mmol por litro). Alterações menos de 28 dias de idade e adolescen-
nos sistemas reguladores, mantendo ní- tes com mais de 18 anos foram excluídos
veis séricos de sódio fora dessa faixa, ex- dessa recomendação.
põem as células ao estresse hipotônico
ou hipertônico. Essas alterações bruscas QUAIS SÃO AS MANIFESTAÇÕES
da osmolaridade podem levar à desidra- CLÍNICAS DOS DISTÚRBIOS DO SÓDIO?
tação das células cerebrais ou ao edema Os sintomas dos distúrbios do sódio são
cerebral, com graves consequências. decorrentes da alteração na osmolarida-
de. Embora os distúrbios osmóticos afe-
QUAL DEVE SER A CONCENTRAÇÃO DE tem todas as células, as manifestações
SÓDIO NO “SORO DE MANUTENÇÃO”? clínicas da hiponatremia e da hiperna-
Apesar do uso comum do soro de ma- tremia são principalmente neurológicas
nutenção, atualmente há uma grande e incluem: cefaleia, náuseas, vômitos,
variabilidade nas práticas de prescrição hiporreflexia, desorientação, letargia,
em especial quanto à concentração de sonolência, torpor, coma. As mudanças
sódio e à osmolaridade da solução. A rápidas nas concentrações plasmáticas
administração de fluidos hipotônicos de sódio em qualquer direção podem
tem sido a prática padrão na pediatria, causar lesões cerebrais graves e perma-
entretanto, nos últimos anos, tem havi- nentes. A encefalopatia hipo-osmolar
do a preocupação de que essa prática causa edema cerebral, enquanto que a
possa estar implicada na alta incidên- hipernatremia causa a síndrome des-
cia de hiponatremia, e que a infusão mielinizante osmótica.
de fluidos isotônicos possa preveni-la.
Recentemente, a Academia Americana QUAL É A DEFINIÇÃO DE HIPONATREMIA
de Pediatria sugeriu uma abordagem E COMO CLASSIFICÁ-LA?
baseada em nível de evidência A e A hiponatremia é definida como nível
grau de recomendação forte, para uso sérico < 135 mEq/l. É o distúrbio hidre-
de soluções isotônicas com cloreto de letrolítico mais frequente em pacientes
potássio e dextrose em pacientes de 28 internados. Via de regra os estados de
dias a 18 anos de idade, no intuito de hiponatremia são hipo-osmolares, no
reduzir o risco de desenvolver hipona- entanto, em situações de hiperglicemia,
tremia. Crianças com distúrbios neu- insuficiência renal (aumento de ureia)
rocirúrgicos, doença cardíaca, doença ou uso de manitol, pode ocorrer hipona-
hepática, câncer, disfunção renal, diabe- tremia com aumento da osmolaridade
tes insípido, diarreia aquosa volumosa, (hiponatremia hipertônica).
SEÇÃO 13 676

Além da tonicidade, a hiponatremia comprometimento na reabsorção


pode ser classificada de acordo com o tubular, o sódio urinário é alto.
volume extracelular em: • Hiponatremia Euvolêmica: ausência
• Hiponatremia Hipovolêmica: neste de dados de história e exame físico
caso, o exame físico revela desidra- que sugiram hipo ou hipervolemia.
tação, taquicardia e/ou hipotensão. Ocorre em situações de intoxicação
Há história de baixa ingestão e/ou por água, polidipsia psicogênica (a
perdas (cutânea e/ou gastrintestinal) ingestão excessiva de água pura não
excessivas. O sódio urinário é baixo aumenta a volemia); alterações en-
e a osmolaridade urinária é alta, de- dócrinas, como o hipotireoidismo; e
monstrando a retenção hidrossalina a síndrome da secreção inapropriada
em resposta à hipovolemia verda- do hormônio antidiurético (SSIADH).
deira. Entretanto, quando o quadro Nestes casos, a osmolaridade sérica é
clínico é decorrente de perda renal baixa, o sódio urinário e a osmolari-
de sódio, como por excesso de diu- dade urinária são elevados.
réticos, diurese osmótica, poliúria,
tubulopatias ou síndrome cerebral COMO DEVE SER REALIZADO O
perdedora de sal, o sódio urinário é TRATAMENTO DA HIPONATREMIA?
elevado. Ao planejar o tratamento da hiponatre-
• Hiponatremia Hipervolêmica: a mia, alguns fatores devem ser levados
história e o exame físico são suges- em consideração: a velocidade de insta-
tivos de síndrome edematosa, como lação do quadro, a gravidade do quadro
insuficiência cardíaca, cirrose ou (Na < 120 mEq/l), a presença ou a ausên-
síndrome nefrótica. O sódio urinário cia de sintomas e a etiologia.
é baixo e a osmolaridade urinária Na hiponatremia com crise con-
é alta, em resposta à hipovolemia vulsiva: pode-se administrar NaCl a 3%
relativa, há redução no volume in- (1 ml = 0,5 mEq). Para preparar NaCl a 3%,
travascular efetivo (aumento da dilui-se 15 ml de NaCl a 20% em 85 ml de
água corporal total e diminuição do água destilada. Geralmente, há melhora
volume circulante efetivo). Na lesão após oferta de 2 a 4 ml/kg.
renal aguda e na doença renal crô- Na hiponatremia grave: Na sérico
nica, apesar do edema, como existe < 120 mEq/l, pode-se utilizar a fórmula:

mEq de sódio para reposição = ([Na] desejado – [Na] encontrado) x 0,6 x peso (kg)
Distúrbios hidroeletrolíticos 677

Lembrar que o sódio desejado deve QUAL É A DEFINIÇÃO DE


ser de 125 mEq/l e a elevação máxima HIPERNATREMIA? COMO OCORRE?
de 10 a 12 mEq/l, a cada 24 horas. Evitar Embora menos comum que a hipona-
bolus de sódio, respeitando a velocida- tremia, costuma ter pior prognóstico,
de máxima de infusão de 0,5 mEq de podendo elevar a mortalidade em até
sódio/kg/h. 60% nas unidades de terapia intensiva.
Com relação ao tratamento espe- Caracteriza-se por Na sérico superior
cífico: a 145 mEq/l, e é sempre hiperosmolar
• Na hiponatremia hipovolêmica: há (Posm > 300 mOsm/l). Suas principais
déficit de água e de sal. Assim, de- causas e mecanismos são: diabetes insi-
ve-se realizar a reposição volêmica pidus central (responsivo ao DDAVP) ou
e de sal. Expansão volêmica com nefrogênico (não responsivo ao DDAVP,
soro fisiológico a 0,9%, retirar diuré- pode ser de origem genética ou secun-
tico, se estiver em uso, e liberar sal dário ao uso de sais de lítio); déficit/per-
na dieta; da excessiva de água: diurese osmótica,
• Na hiponatremia hipervolêmica: hipodipsia severa; aumento de perdas
há excesso de água, portanto o respiratórias ou gastrointestinais: diar-
tratamento deve ser com restrição reias virais osmóticas ou fístulas ente-
de água e uso de diurético (furo- rocutâneas; ganho de sódio: síndrome
semida); de Cushing, hiperaldosteronismo, ene-
• Na SSIAD: habitualmente, a restri- mas, diálise ou soluções de reidrata-
ção da oferta hídrica para 60% a 80% ção hipertônicas e erro no preparo de
das necessidades basais é o suficien- fórmulas.
te para o tratamento. No entanto, se
houver progressão para hipervole- COMO DEVE SER O TRATAMENTO
mia, pode ser necessário adminis- DA HIPERNATREMIA?
trar diurético de alça; O elemento principal da abordagem da
• No hipotireoidismo: iniciar a levo- hipernatremia é a correção do déficit de
tiroxina; água livre.
• Na síndrome cerebral perdedora de Em casos de choque e má perfu-
sal: pode haver necessidade de re- são pode ser feita expansão salina com
posição hídrica e de sódio vigorosas. 20 ml/kg de soro fisiológico a 0,9% ou
Outra opção para o tratamento pode com ringer lactato em 1 hora, que pode
ser a administração de glicocorticoi- ser repetido até a estabilidade hemo-
des (fludrocortisona). dinâmica.
SEÇÃO 13 678

Se a natremia estiver acima de le de Na e calcula-se uma correção len-


170 mEq/l, é uma urgência, e deve ser re- ta, em 24 horas.
duzida até 170 mEq/l, em 1 hora. Neste Se o sódio estiver acima de 150 mEq/l,
caso, a correção deve ser feita com soro iniciar correção da volemia e do só-
glicosado a 5% ou água destilada, atra- dio. A correção de água livre pode ser
vés do cálculo do déficit de água livre. feita na forma de água destilada ou
Este volume deve ser oferecido em 4 soro glicosado endovenoso, ou água
a 6 horas. Corrigida a urgência (Na por via enteral. Cálculo do déficit de
< 170 mEq/l), solicita-se um novo contro- água livre:

Déficit de água (em litros) = 0,6 x peso x (Na encontrado/140-1)

Na prática, isso equivale à reposição A hemodiálise pode ser útil nos


de 3 a 4 ml/kg para cada 1 mEq/l de só- casos de hipernatremia graves com
dio acima de 145. hipervolemia.
Essa oferta de líquido deve ser feita
em 48 horas, associada à reposição do COMO É O BALANÇO DO POTÁSSIO?
volume de manutenção, com fluido que O potássio é responsável pela manuten-
contenha concentrações de 20 a 30 mEq/l ção do volume intracelular e pelo poten-
de sódio. Nesse período, o sódio deve ser cial transmembrana. É o principal íon
controlado a cada 6 a 8 horas. A veloci- do espaço intracelular. No espaço extra-
dade de queda do sódio plasmático não celular, as suas concentrações normais
deve exceder 0,5 mEq/h (10 a 12 mEq/24 variam de 3,5 a 5,5 mEq/l. O balanço ex-
horas), pois as células retêm sódio e po- terno de potássio refere-se ao K ingerido
tássio e, posteriormente, osmólitos orgâ- menos o K perdido para o meio externo,
nicos, como aminoácidos, o que pode através da excreção urinária (cerca de
acarretar um edema tecidual com a que- 90%) e da excreção fecal (cerca de 10%).
da da tonicidade do líquido extracelular, O balanço interno do potássio refere-se
sobretudo no sistema nervoso central. à movimentação do íon do meio intra-
No diabetes insipidus central, o celular para o extracelular e vice-versa.
DDAVP pode ser utilizado na dose de
10 mcg (1 jato) do spray nasal, 1 a 2 vezes O QUE É HIPOCALEMIA E QUAIS SÃO AS
ao dia, inicialmente. Os diuréticos tia- SUAS CAUSAS?
zídicos podem ter um papel adjuvante, A hipocalemia é um distúrbio hidrele-
nesses casos, por seu efeito de reabsor- trolítico frequente na prática clínica.
ção de água nos túbulos distais. Caracteriza-se por K < 3,5 mEq/l. Pode
Distúrbios hidroeletrolíticos 679

ocorrer por falta de ingestão, por perdas de potássio em veia periférica de


extrarrenais (gastrointestinais, vômitos, 40 mEq/l, até 80 mEq/l em veia cen-
fístulas, diarreia); perdas renais (abuso tral. Essas correções devem ser rea-
de diuréticos tiazídicos, furosemida, tu- lizadas sob monitorização e vigilân-
bulopatias, poliúria, hipertensão reno- cia médica.
vascular, hiperaldosteronismo primário,
por hipomagnesemia ou drogas, como O QUE É HIPERCALEMIA
anfotericina B e aminoglicosídeos). A E QUAIS SÃO AS SUAS CAUSAS?
hipocalemia também pode ocorrer por A hipercalemia é uma anormalidade de
alteração na distribuição entre o meio extrema gravidade. Caracteriza-se por
intra e extracelular, no balanço interno K > 5,5 mEq/l. Pode ocorrer por reten-
(alcalose metabólica, uso de β2-adrenér- ção de potássio K, como na lesão renal
gico, excesso de catecolaminas). aguda, na doença renal crônica e no hi-
poaldosteronismo; por drogas retentoras
QUAL É A SINTOMATOLOGIA de potássio: espironolactona, amilorida,
DA HIPOCALEMIA? inibidores da ECA, heparina, trimetopri-
As manifestações clínicas da hipocalemia ma, ciclosporina; por dano celular: rab-
são: fraqueza muscular, fadiga, intole- domiólise, lise tumoral, hemólise maciça,
rância ao exercício, câimbras musculares, isquemia; e por alteração na distribuição
distensão abdominal e constipação. No (acidose metabólica).
eletrocardiograma, a onda T pode estar As manifestações clínicas incluem:
aplainada e de duração aumentada; a parestesia, fraqueza muscular, arritmias
onda U, maior que a onda T; ou ter o de- cardíacas (fibrilação ventricular, bra-
saparecimento da onda T; e a onda P api- diarritmias, bloqueios e assistolia).
culada e alta, com alargamento de QRS. O eletrocardiograma mostra: redu-
ção do intervalo QT com ondas T altas
QUAL É O TRATAMENTO e apiculadas, achatamento de onda P,
DA HIPOCALEMIA? alargamento de QRS e desaparecimento
Sem repercussão no ECG: aumentar ofer- de onda P.
ta oral ou parenteral.
Xarope de KCl 6% = cada 1 ml = COMO É O TRATAMENTO
0,8 mEq de K. DA HIPERCALEMIA?
Com repercussão no ECG: ofertar potás- • Realizar monitorização cardíaca;
sio por via endovenosa. Fazer 0,3 a • Restringir potássio na dieta;
0,5 mEq/kg/h, durante 2 a 4 horas, • Suspender infusão endovenosa de K+
com uma concentração máxima e drogas que causam hipercalemia;
SEÇÃO 13 680

• Considerar hipercalemia grave se 2 mEq/kg, EV, solução de glicoinsuli-


K > 6,5 mEq/l ou repercussão eletro-
+
na: (glicose 0,5 a 1 g/kg + 1 UI insulina
cardiográfica de hipercalemia, in- para cada 5 g de glicose), EV em 1 ho-
dependentemente do nível sérico; ra; β2-agonista (salbutamol/terbutali-
• Bloquear o efeito do K+ no coração: na) na dose de 4 mcg/kg, em 20 min;
aumentando o limiar do potencial • Remover K+ do corpo: com o uso de
transmembrana, com uso de gluco- resina de troca (poliestirenossulfo-
nato de cálcio a 10%, 0,5 a 1 ml/kg, nato de cálcio) Sorcal 1 g/kg, por via
EV lento (se houver repercussão oral ou retal, a cada 4 a 6 horas; diu-
eletrocardiográfica); rético de alça: furosemida 1 mg/kg/
• Deslocar o K+ para dentro da célu- dose, se houver diurese; e em casos
la: uso de bicarbonato a 8,4%, 1 a graves, considerar a diálise.

REFERÊNCIAS
ADROGUÉ, H. J.; MADIAS, N. E. Hyponatremia. SOMERS, M. J. Management of hyperkalemia
NEJM, v. 342, p. 1581-1589, 2000. in children. Disponível em: https://www.me-
dilib.ir/uptodate/show/85908. Acesso em: 5
FELD, L. et al. Clinical practice guideline: ago. 2020.
maintenance intravenous fluids in children.
STERNS, R. Disorders of plasma sodium: caus-
Pediatrics, v. 142, n. 6, p. 1-12, 2020.
es, consequences, and correction. N Engl J
LEHNHARDT, A.; KEMPER, M. Pathogenesis, Med, v. 372, n. 1, p. 55-65, 2015.
diagnosis and management of hyperkalemia. TORRE, F. et al. Emergências em Pediatria:
Pediatr Nephrol, v. 26, p. 377-384, 2011. protocolo da Santa Casa. 2ª ed. Barueri: Ma­
no­le, 2013.
C APÍTULO
A PÍTULO 4x

Abordagem da crise convulsiva


e do estado de mal epiléptico

Marta Maciel Lyra Cabral

INTRODUÇÃO CONCEITOS
As crises convulsivas (CC) representam a • Convulsão: corresponde à condição
principal manifestação neurológica nas caracterizada por abalos motores tô-
emergências, constituindo de 1% a 5% nicos, clônicos, mioclônicos ou tôni-
dos atendimentos, 25% dessas ocorrên- co-clônicos, com alteração do nível
cias correspondendo a casos de primeira de consciência.
crise. Aproximadamente 8% a 10% da po- • Crise epiléptica: evento resultante
pulação apresentará um evento convul- de descarga neuronal anormal súbi-
sivo durante a vida. Independentemente ta, excessiva e síncrona. Pode ser: fo-
da faixa etária em que ocorre, há grande cal – disfunção temporária de neurô-
impacto na qualidade de vida do porta- nios de parte do encéfalo ou de área
dor, além do surgimento do sentimento mais extensa, ou generalizadas – en-
de insegurança pelo receio de recor- volvendo simultaneamente os dois
rências. É importante lembrar que, em hemisférios. Pode apresentar mani-
crianças, cerca de 80% das crises agudas festações motora, sensitiva, autonô-
cessam antes do atendimento hospitalar. mica, com ou sem perturbação da
No Brasil, estima-se que 1 a 2 pessoas em consciência. Os sintomas dependem
um grupo de 10 indivíduos apresentam das partes do cérebro envolvidas na
ao menos uma CC durante sua vida e disfunção, com ou sem convulsão.
existam cerca de 3 milhões de pessoas • Estado de mal epiléptico: é defini-
com epilepsia. do como uma crise prolongada, de
SEÇÃO 13 682

30 min ou mais de duração, ou cri- pico de incidência aos 18 meses. A recor-


ses repetidas, sem que o paciente re- rência média das crises é de 30-35%, va-
cupere o estado de consciência en- riando conforme a idade da primeira cri-
tre elas. Alguns autores defendem a se. Nas crianças que tiveram a primeira
alteração do parâmetro duração pa- CF com menos de 1 ano, a taxa é de até
ra ≥ 5 ou 10 min, alegando que boa 50-65%, sendo de 20% nas que tiveram a
parte dessas vão persistir por mais primeira crise com idades maiores.
de 30 min.
• Epilepsia: condição crônica de pre- Diagnóstico
disposição à recorrência de crises epi­ O diagnóstico é principalmente clínico,
lépticas não provocadas e suas conse- retrospectivo e baseado na anamnese.
quências. A abordagem desse diag- Isso porque o médico raramente pre-
nóstico foge do escopo deste capítulo. sencia as crises, a não ser em serviços
de pronto socorro ou quando elas são
PRINCIPAIS CONDIÇÕES muito frequentes. Devem ser interro-
gados antecedentes familiares de epi-
Crise convulsiva febril lepsia e histórico pré-natal (processos
A crise convulsiva febril (CF) ocorre entre infecciosos, hemorragia, duração da
6 meses e 6 anos de idade, em vigência gestação, informações sobre o trabalho
de febre (comumente nas infecções de de parto e peso ao nascer). Além disso,
vias aéreas e na roséola infantil ou exan- é útil questionar a aquisição de marcos
tema súbito) sem nenhum outro fator as- do desenvolvimento neuropsicomotor e
sociado. A temperatura axilar é ≥ 37,8° C, antecedentes patológicos (desidratação,
estando o quadro mais relacionado à ele- teníase, traumas cranianos, infecções
vação rápida da temperatura que ao va- em geral e do SNC).
lor desta. Devem ser excluídas as infec- O exame físico não apresenta altera-
ções do sistema nervoso central (SNC), ções, exceto aquelas relativas à causa da
os distúrbios hidreletrolíticos, as crises febre ou nos casos de CF complexa. Uma
neonatais e crise epiléptica afebril prévia. vez que a CF tem evolução benigna, a
análise do LCR no primeiro episódio está
Etiologia provável indicada apenas se: idade < 6 meses de
Imaturidade do SNC ou fator genético. vida, sintomatologia de infecção do SNC,
recuperação lenta ou alteração neuroló-
Epidemiologia gica pós-ictal, antibioticoterapia prévia
O primeiro episódio ocorre, em 90% dos (pois os sintomas de meningite podem
casos, entre 6 meses e 3 anos, sendo o ser mascarados). Outros exames podem
Abordagem da crise convulsiva e do estado de mal epiléptico 683

Quadro 1. Classificação da crise convulsiva febril

Simples Complexa*

Generalizada Focal

Exame neurológico pós-ictal normal Exame neurológico pós-ictal alterado

Duração < 15 min Duração > 15 min

Não recorre nas primeiras 24 horas Recorre nas primeiras 24 horas

* A presença de apenas um fator da coluna Complexa já altera a classificação para complexa.

Fonte: Autora.

ser necessários para investigação do de mascarar agravamento de infec-


foco infeccioso. O eletroencefalograma ções e, também pelo perfil benigno
(EEG), o mapeamento cerebral, a TC e a da condição.
ressonância magnética (RNM) cerebrais 3. Orientação familiar: é importante in-
não fazem parte da rotina. formar o caráter benigno de tal condi-
ção e como proteger a criança duran-
Tratamento e prognóstico te a crise. Não há indícios de que as
O tratamento tem três eixos: crianças que apresentam CF tenham
1. Tratamento da fase aguda: após a diferença estatística com relação a
estabilização clínica, ainda na admis- seus pares em parâmetros cognitivos,
são, a temperatura deve ser aferida, comportamentais ou de desempenho
sendo indicado o controle da febre escolar. Crises complexas de repetição
por meios físicos (compressas frias) e ou déficit neurológico pós-crise são
antitérmicos (por exemplo, dipirona indicação de necessidade de investi-
injetável 10-20 mg/kg/dose). gação adicional.
2. Profilaxia da recorrência das crises:
nas recorrências da CF, pode-se reco- Estado de mal epiléptico (EME)
mendar o uso de benzodiazepínicos A etiologia de tal condição varia muito,
(diazepam, clonazepam e nitrazepam) tendo em vista que qualquer condição
durante o episódio febril, embora tal neurológica pode evoluir dessa forma.
medida não seja recomendada nem De tal modo, podemos dividir as cau-
pela Academia Ameri­
ca­
na de Pedi­ sas em sintomáticas agudas (como TCE,
atria (AAP) e nem pela Orga­niza­ção AVC, tumores cerebrais, hipóxia recente,
Mundial de Saúde (OMS) na CF simples, infecções do SNC, distúrbios metabóli-
devido ao perfil de efeitos colaterais cos, intoxicação exógena), crônicas ou
de tais drogas, como a possibilidade remotas (como epilepsia, lesão cerebral
SEÇÃO 13 684

decorrente de intercorrência no traba- admissão. É necessário, também, admi-


lho de parto ou infecção congênita do nistrar oxigênio, sob máscara ou catéter
SNC) e progressivas ou degenerativas nasal, de 2 a 3 l/min, se houver cianose
(como descompensação aguda de Erros ou dessaturação.
Inatos do Metabolismo). Além disso, é salutar posicionar o
Classificação: em teoria, qualquer paciente em cama ou maca com prote-
tipo de crise poderia evoluir para EME, ção lateral, para evitar quedas; inserir
havendo, por conseguinte, tantos tipos cânula de Guedel entre os dentes, se
de EME quanto de crises epilépticas. houver risco de laceração da língua; rea-
Assim, temos: lizar aspirações frequentes da boca para
• EME generalizado; evitar pneumonia aspirativa. Enquanto
• EME generalizado convulsivo: tôni- tais medidas são adotadas, deve ser rea-
co-clônico (grande mal), clônico, tô- lizada anamnese breve e objetiva com
nico, mioclônico; cuidadores da criança, estabelecendo se
• EME generalizado não convulsivo: há história prévia de EME e quais drogas
de ausência típica (pequeno mal), foram utilizadas no manejo; vigência de
de ausência atípica, atônico; episódio febril e/ou infeccioso; história
• EME focal (parcial): parcial simples/ de epilepsia e terapia anticonvulsivante,
EME de aura contínua, epilepsia com quais drogas e se houve esqueci-
parcial contínua de Kojevnikov, psi- mento da medicação; se houve uso de
comotor (parcial complexo), hemi- outras drogas prescritas ou não prescri-
convulsivo com hemiparesia. tas (lembrando que, principalmente em
adolescentes, é possível a história de con-
Atendimento inicial: devido ao tem- sumo de drogas de abuso); traumatismo
po de deslocamento, a maioria das cri- craniano; história compatível com alte-
ses atendidas em hospital já configuram rações metabólicas. Um exame neuroló-
estado de mal epiléptico (EME). Trata-se gico sumário pode ser realizado para a
de uma emergência médica, e, portanto, determinação preliminar do tipo de EME.
devem ser seguidas as orientações do Simultaneamente, amostras de san-
Pediatric Advanced Life Support (PALS). gue devem ser colhidas para a realização
Inicialmente, garantir permeabilidade de dosagens de: glicose sérica e de fita,
de vias aéreas, estabilidade hemodi- de sódio, potássio, cálcio e magnésio
nâmica e monitorização dos sinais vi- séricos, gasometria arterial, pH e hemo-
tais, além de providenciar acesso para grama. Distúrbios metabólicos devem
administração de medicamentos, na ser corrigidos. Quando há pertinência
Abordagem da crise convulsiva e do estado de mal epiléptico 685

clínica, são úteis também toxicológico de dos valores normais para a idade.
sangue e urina, além dos níveis séricos Comumente, usa-se o limite inferior
de drogas anticonvulsivantes. Se a crise de 55 mg/dl no período neonatal e de
já dura mais de 15 min, acrescentar ureia, 60 mg/dl após esse período;
creatinina, amilase, ALT e AST à lista. • Hipertermia: temperatura axilar
Após estabilização inicial, deve-se > 38,4° C pode acelerar o dano neu­-
prosseguir a condução do caso, tendo ronal.
como prioridade a identificação e cor-
reção de algumas possíveis condições A coleta de LCR deve ser realizada
associadas, tais como: após a estabilização do episódio convul-
• Acidose metabólica grave: HCO3 < sivo e controle do pós-ictal na criança
10 mEq/l e base excess < - 10 mEq/l, febril e que preencha um dos critérios:
com pH < 7,35, podendo baixar para idade < 18 meses de vida, crise febril
níveis inferiores a 7,10; complexa, tratamento antibiótico, sem
• Hipotensão arterial: pressão arterial registro de vacinação para Haemophilus
sistólica próxima do percentil 5 da in­fluen­zae tipo b e/ou Streptococcus
pressão normal para peso/idade; pneu­moniae, presença de sinais menín-
• Arritmia cardíaca: qualquer ritmo geos. Se, por outro lado, a suspeita etioló­
que não seja sinusal, com condução gica é de lesão cerebral aguda/subagu-
atrioventricular normal; da ou há alteração da consciência e/ou
• Pneumonia aspirativa; novo déficit neurológico focal, deve-se
• Insuficiência renal por necrose tu- solicitar exame de neuroimagem (USG
bular aguda; para lactentes jovens e tomografia com-
• Edema cerebral: acúmulo patológico putadorizada (TC) para os maiores, pela
de líquido no cérebro, resultando em rapidez do exame). A abordagem farma-
aumento do volume do parênquima, cológica do quadro está resumida no flu­-
com redução dos espaços liquóricos xograma 1.
e do volume sanguíneo intracrania- Complicações: a maioria das crian-
no. Essa condição, ao atingir um cer- ças começa a recuperar a responsividade
to limite, produz alterações clínicas: em 20-30 min. Se esse não for o caso, de-
cefaleia, vômitos, confusão, agitação, ve-se pensar em sedação medicamento-
sonolência ou coma; sa ou crise não convulsiva. Uma vez que
• Hipoglicemia: pode perpetuar a crise. tais situações podem ser clinicamente
A oferta inadequada de glicose acon- indistinguíveis, tais pacientes devem ser
tece a partir de níveis séricos abaixo monitorados por eletroencefalograma.
SEÇÃO 13 686

Figura 1. Fluxograma de atendimento do EME

Avaliação
Admissão
Garantir acesso endovenoso (EV) ou intraósseo (IO)
A. Permeabilidade da via aérea

+
Anamnese exame físico direcionados
B. Ventilação e oxigenação (utilizar
Aferição da temperatura
O2 a 100%)
Colher sangue para avaliação complementar
C. Verificr estabilidde hemodinâmica
Instalar monitorização cardíaca e oximetria de pulso
D. Exame neurológico sumário
contínua

Midazolam
Diazepam
Lorazepam 0,15-0,3 mg/kg, EV,
0,2-0,3 mg/kg, EV/IO,
OU OU em 1 mg/kg/min
0,1 mg/kg, EV, máx. 8 mg/dose, em 1mg/kg/min
0,15-0,3 mg/kg, via nasal
máx. 4 mg/dose 0,3-0,5 mg/kg, via retal,
(gotejamento com seringa
administrar por catéter fino
de insulina)

5 minutos

Diazepam + Fenitoína
Repetir Diazepam Convulsão cessou
Fenitoína 10-20 mg/kg, EV (máx. 1 g),
Se já em uso de 10 mg/kg, fazer 1 mg/kg/min Fenitoína 10-20 mg/kg, EV (máx.300 mg
(máx.50 mgmin) na Infusão inicial), diluir 1:10 em água
destilada ou SF 0,9%, infundir 50 mg/min.
Alternativa no EME generalizado de
10 minutos ausência (típica ou atípica)/mioclônico:
valproato de Sódio 15 mg/kg, EV +
Fenobarbital manutenção a cada 8h (máx. 60 mg/kg/
10 mg/kg, EV (máx. 200 mg na infusão inicial), dia). Diluir em 50 ml de dextrose 5% ou
máx. 100 mg/min ringer lactato.
Se cessar neste ponto, fazer manutenção com Monitorar complicações
5-10 mg/kg/dia + 2 doses (6-8 hs após dose de
ataque)

EME refratário
Transferir para UTI
Midazolam EV contínuo, 3 mcg/kg/min e aumentar 1mcg/kg/min a cada15 min até controle clínico e de
EEG (máx. 17 mcg/kg/min ou até surgir disfunção cardiovascular grave)
Alternativa: tiopental sódico 3-5 mg/kg/dose, seguida de infusão contínua de 20mg/kg/hora,
aumentando-se 1 mg/kg/h a cada 15 min até o controle

Falha terapêutica
Propofol 2 mg/kg/dose + manutenção de 2-10 mg/kg/h
Lidocaína, 1-2 mg/kg + manutenção de 6 mg/kg/h (crianças) e 1,5-3,5 mg/kg/h (adolescentes)
Colocar em ventilação mecânica
Titular por meio de realização contínua de EEG
A partir deste ponto, há pouca documentação científica (topiramato em altas doses, levetiracetam,
pulsoterapia com corticoides, implante de estimulador do nervo vago)

Fonte: Autora.
Abordagem da crise convulsiva e do estado de mal epiléptico 687

Além disso, no período pós-ictal, é im- Epilepsia


portante realizar nova avaliação neu- A abordagem do tratamento da epilep-
rológica à procura de déficits focais ou sia em longo prazo não diz respeito ao
outras pistas acerca da etiologia. objetivo deste capítulo.

REFERÊNCIAS
AMERICAN HEART ASSOCIATION. Web-based P.; MARINO, L. O.; MARCHINI, J. F. M.; DE
Integrated Guidelines for Cardiopulmonary ALENCAR, J. C. G. Medicina de Emergência
and Emergency Cardiovascular Care – Part 12. Abordagem Prática. Barueri: Manole, 2020, p.
Pediatric advanced life support. Disponível em: 977-990.
https://eccguidelines.heart.org/index.php/
MOREIRA, G. P.; PINTO, L. F. Abordagem ao
circulation/cpr-ecc-guidelines-2/part-12-pedi
Estado de Mal Epiléptico. In: VELASCO, I.
atric-advanced-life-support/. Acesso em: 21
T.; BRANDÃO NETO, R. A.; DE SOUZA, H. P.;
dez. 2021.
MARINO, L. O.; MARCHINI, J. F. M.; DE ALENCAR,
CASELA, E. B.; MÂNGIA, C. M. F. Abordagem J. C. G. Medicina de Emergência Abor­dagem
da crise convulsiva e estado de mal epilép- Prática. Barueri: Manole, 2020. p. 991-1003.
tico em crianças: artigo de revisão. Jornal de
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Diretriz
Pediatria, v. 75, Supl. 2, 1999.
atualizada: triagem de emergência pediátrica,
GIANNETTI, J. G.; LARA, M. T.; DE OLIVEIRA, avaliação e tratamento: cuidado de crianças
L. R.; MACHADO, C. D. M. Crises Epilépticas. criticamente doentes. (2016). Dis­ponível em:
In: LEÃO, E.; CORRÊA, E. J.; MOTA, J. A. C.; https://apps.who.int/iris/handle/10665/2044
VIANNA, M. B.; DE VASCONCELLOS, M. C. Pe­ 63. Acesso em: 21 dez. 2021.
diatria Ambulatorial. Belo Horizonte: Coop­
PAPALEO, C. A. P.; DE ARAUJO, E. A. R.;
med, 2013, p. 1199-1210.
WINCKLER, M. I. B. Convulsões e Epilepsia.
MOREIRA, G. P.; PINTO, L. F. Abordagem In: PICON, P. X.; MAROSTICA, P. J. C.; BARROS,
da Primeira Crise Epiléptica. In: VELASCO, E. vino. Pediatria: consulta rápida. Porto
I. T.; BRANDÃO NETO, R. A.; DE SOUZA, H. Alegre: Artmed Editora, 2009, p. 702-712.
C APÍTULO 5

Crise hipertensiva

Emília Maria Dantas Soeiro

COMO DEFINIR HIPERTENSÃO ARTERIAL população pediátrica é de aproximada-


EM CRIANÇA? mente 3,5%. A crise hipertensiva, no en-
Considera-se hipertensão arterial (HA) tanto, é pouco frequente, geralmente se-
na infância e na adolescência, valores cundária a uma causa base de HA, mas,
de pressão arterial sistólica (PAS) e/ou em um percentual expressivo de casos
diastólica (PAD) ≥ percentil 95 para sexo, pode cursar com quadros de emergên-
idade e percentil da altura em três ou cia hipertensiva. Esses quadros reque-
mais ocasiões diferentes. O estadiamen- rem conduta adequada e cautelosa no
to da HA pode ser visto no Quadro 1. atendimento pediátrico, visando evitar
as graves consequências.
QUAL É A IMPORTÂNCIA DO TEMA?
A hipertensão arterial (HA) é um pro- COMO DEFINIR A CRISE HIPERTENSIVA?
blema de saúde pública no Brasil e no A crise hipertensiva é definida como
mundo. Em crianças e adolescentes, a a elevação súbita e abrupta da pres-
prevalência da HA está aumentando e, são arterial em relação ao seu basal.
esse aumento, se deve, principalmente, Geralmente, é secundária a alguma
ao sobrepeso e à obesidade nessa faixa doença de base, podendo ocorrer tanto
etária. Na maioria das vezes, a HA pe- em crianças hipertensas crônicas, quan-
diátrica é assintomática, mas até 40% de to naquelas sem hipertensão prévia co-
crianças hipertensas apresentam hiper- nhecida. A crise hipertensiva pode se
trofia de ventrículo esquerdo ao diag- apresentar como urgência ou emergên-
nóstico da HA. A prevalência da HA na cia hipertensiva.
Crise hipertensiva 689

Quadro 1. Classificação dos níveis pressóricos em crianças e adolescentes

Classificação Percentil de PA Para > 13 anos

Normotenso PA < P90 para sexo, idade e altura PA < 120 x 80 mmHg

PAS entre 120 e 129 mmHg


PA elevada PA ≥ P90 e < P95 para sexo, idade e altura
PAD ≥ 80 mmHg

Hipertensão PA ≥ P95 para sexo, idade e altura PA ≥ 130 x 80 mmHg

PA ≥ P95 até P95 + 12 mmHg para sexo, idade PA entre 130 x 80 mmHg e
Hipertensão Estágio I
e altura 139 x 89 mmHg

Hipertensão Estágio II PA ≥ P95 +12 mmHg para sexo, idade e altura PA ≥ 140 x 90 mmHg

Fonte: Adaptado de Flynn et al. (2017).

Urgência Hipertensiva: elevação severa ou urgência hipertensiva podem ser evita-


da pressão arterial, sem sintomas dos, se a hipertensão nos estágios 1 e 2 forem
graves ou evidência de lesão aguda tratadas adequadamente e o paciente tiver
boa aderência ao tratamento.
de órgão-alvo.
Emergência Hipertensiva: elevação sin-
tomática grave em PA, com evidên- QUAIS SÃO AS ETIOLOGIAS
cia de lesão aguda de órgão-alvo: E OS ACHADOS CLÍNICOS DA HA?
• Cérebro (convulsões, aumento da O Quadro 1 mostra as principais etiolo-
pressão intracraniana); gias e os dados da anamnese e do exa-
• Rins (insuficiência renal); me físico da hipertensão, de acordo com
• Olhos (papiledema, hemorragias re- a faixa etária.
tinianas, exsudatos);
COMO E QUANDO AVALIAR A PRESSÃO
• Coração (insuficiência cardíaca).
ARTERIAL NA CRIANÇA?
Nota: é importante ressaltar que esse es- • Fazer anamnese e exame físico com-
quema de classificação em emergência e pletos nas consultas de rotina;
urgência hipertensiva é arbitrário. Deve-
• Medir PA em toda criança > 3 anos
se usar o julgamento clínico para avaliar a
de idade;
gravidade da hipertensão e orientar o trata-
• Medir PA de crianças < 3 anos em si-
mento. A Diretriz da Academia Americana
de Pediatria de 2017 sugere que os médicos
tuações especiais (terapia intensiva,
se preocupem com as lesões agudas de ór- cardiopatias congênitas, doenças re-
gãos-alvo quando a PA do paciente exceder nais, doenças endócrinas, uso de dro-
30 mmHg acima do percentil 95 para sexo, gas que elevam a PA e na evidência de
idade e altura. Alguns casos de emergência aumento da pressão intracraniana).
SEÇÃO 13 690

Quadro 2. Etiologia, dados da anamnese e do exame físico, de acordo com a faixa etária

Faixa etária Etiologia História Exame físico

• Trombose de veia e artéria • Oligoidrâmnio • Avaliar pulso e PA nos 4


renal • Ventilação mecânica membros
• Doença renal policística prolongada • Sinais de insuficiência
autossômica recessiva • História familiar de cardíaca congestiva
• Coarctação da aorta doença renal • Massa abdominal e
Recém-
• Síndrome nefrótica congênita • Medicamentos sopro
Nascido
• Doença do parênquima renal • Cateterismo da artéria • Genitália ambígua
• Estenose da artéria renal umbilical
• Tumores
• Iatrogenia (droga como
teofilina)

• Doença parenquimatosa renal • Falta de apetite • Frequência cardíaca


• Doença renal policística • Baixo ganho de peso • IMC
• Doença renovascular • História de ITU • Pulso e PA nos 4
• Tumor • Baixo peso ao nascer membros
• Causas endócrinas • Doença renal na • Exame cardiovascular/
Crianças • Coarctação da aorta família pulmonar
até 12 anos • Cefaleia, palpitações, • Massa e sopro
visão turva abdominal
• Medicamentos • Erupção cutânea
• Intoxicações • Edema periférico
• Exame de fundo de olho
• Genitália ambígua

• Hipertensão essencial • Ganho de peso • Frequência cardíaca


• Síndrome metabólica excessivo • IMC
• Doença parenquimatosa renal • Febre e/ou dor nas • Pulso e PA nos 4
• Iatrogenia articulações membros
• Esteroides anabolizantes • Infecção urinária • Exame pulmonar
• Abuso de substâncias • Baixo peso ao nascer cardiovascular
Adolescente • Descongestionantes • Hipertensão e doença • Exame da tireoide
• Doença renovascular renal na família • Massa abdominal e
• Coarctação da aorta • Medicamentos sopro
• Causas endócrinas • Overdose de drogas • Erupção cutânea
• Dor de cabeça, • Edema periférico
palpitações, visão • Exame fundo de olho
turva

Fonte: Adaptado de Zilleruelo et al. (2012).

Técnica de aferição da PA imediatamente superior, a fim de não


A criança deve estar calma, em repouso superestimar o valor da pressão arterial.
de ao menos 3 a 5 min. O braço deve es- A bolsa inflável deve cobrir de 80 a 100%
tar na altura do coração. Usar manguito da circunferência do braço. A pressão sis-
adequado com largura da bolsa inflável tólica será anotada ao primeiro som de
(cuff) de 40% da circunferência braquial Korotkoff (K1) durante a desinsuflação
medida no ponto médio entre o acrô- do manguito e a diastólica, ao quinto
mio e o olecrânio. Quando necessário, som de Korotkoff (K5), que corresponde
arredondar para o número do manguito ao desaparecimento das bulhas.
Crise hipertensiva 691

• O método preferido é o auscultatório. • Tomografia de crânio nos quadros


A medida de pressão elevada por apa- de hipertensão intracraniana, que
relhos oscilométricos deve ser confir- pode se manifestar como encefalo-
mada por método auscultatório. patia reversível posterior (PRES).
• A aferição da PA deve ser realizada
mais de uma vez antes de se definir COMO CONDUZIR A CRISE
a conduta. HIPERTENSIVA?
• Hipertensão grave com bradicardia Antes de iniciar o tratamento da crise hi-
pode ser característica do aumento pertensiva, é importante determinar se
da pressão intracraniana. a hipertensão é aguda ou crônica. Esse
histórico nem sempre é possível de se
QUAIS EXAMES SÃO NECESSÁRIOS? obter e, portanto, a pressão arterial não
• Sumário de urina, relação proteína/ deve ser reduzida muito rapidamente.
creatinina; A rápida redução da pressão sanguínea
• Sódio, potássio, cloreto, reserva al- pode resultar em hipoperfusão nos ór-
calina, glicemia, magnésio, cálcio, gãos vitais, particularmente no córtex
fósforo, albumina; visual e no cérebro.
• Atividade plasmática de renina plas- A crise hipertensiva pode resultar em
mática, aldosterona e, se necessário, encefalopatia hipertensiva por hiperper-
catecolaminas na urina; fusão cerebral, disfunção endotelial, le-
• Avaliar a necessidade de investiga­ são microvascular e edema cerebral. No
ções sorológicas para vasculite, contexto de hipertensão intracraniana,
per­­fil lipídico em jejum e insulina a hipertensão arterial deve ser abordada
sérica, dependendo da história e da com cautela e deve ser direcionada à di-
apre­sentação clínica; minuição da pressão intracraniana.
• O ultrassom renal com doppler das
artérias renais é um teste de triagem Tratamento da urgência
útil para velocidade e fluxo sanguí- hipertensiva
neo renal, e doença do parênquima. A duração da hipertensão (aguda ou crô-
Avaliar hidronefrose e tamanho dos nica) é um importante determinante da
rins, que pode ajudar a estabelecer a intervenção:
cronicidade da doença renal; • Processo agudo com uma rápida
• Após a estabilização do paciente, mudança na pressão arterial: mere-
avaliar acometimento de órgãos-al- ce intervenção imediata com drogas
vo e incluir um ecocardiograma e por via oral (se houver aceitação) ou
exame oftalmológico; endovenosa;
SEÇÃO 13 692

• No contexto de uma condição crôni- 25% nas primeiras 8 horas. A Quadro 4


ca: a diminuição da pressão arterial mostra as drogas utilizadas na emergên-
deve ocorrer menos rapidamente cia hipertensiva.
em horas ou dias. Sugere-se mane-
jo com medicamentos por via oral, QUAL É O PROGNÓSTICO
com redução da PA em 24 a 48 horas, DA CRISE HIPERTENSIVA?
sob monitorização. A Quadro 3 mos- A crise hipertensiva é uma emergência
tra as drogas utilizadas na urgência médica que requer tratamento de ur-
hipertensiva. gência, de forma adequada, sem com-
prometer a perfusão dos órgãos vitais.
Tratamento da emergência A morbimortalidade por crise hiperten-
hipertensiva
siva pode ser evitada, se a hipertensão
A emergência hipertensiva requer trata- crônica for diagnosticada e tratada ade-
mento imediato com medicações anti-hi- quadamente. Para tanto, é importante
pertensivas de ação rápida. Inicialmente, que se realize a aferição da PA de rotina
a PA não deve ser reduzida mais que nas crianças e nos adolescentes.

Quadro 3. Drogas utilizadas na urgência hipertensiva

Via de Efeito
Droga Classe Dose
administração colateral

2-5 mcg/kg/dose até


Boca seca e
Clonidina Alfa-agonista central 10 mcg/kg/dose, a cada Oral
sonolência
6-8h

0,25 mg/kg/dose até Meia-vida


Hidralazina Vasodilatador Oral
25 mg/dose, a cada 6-8h variável

Vasodilatador ação 0,1-0,2 mg/kg/dose até Vasodilatador


Minoxidil Oral
longa 10 mg/dose, a cada 8-12h mais potente

Bloqueador canais de 0,05-0,1 mg/kg/dose até Indisponível


Isradipina Oral
cálcio 5 mg/dose, a cada 6-8h no Brasil

Agonista do receptor 0,2-0,5 mg/kg/min, Indisponível


Fenoldopam EV contínuo
de dopamina máx. 0.8mg/kg/min no Brasil

Fonte: Adaptado da Sociedade Brasileira de Pediatria (2019).

REFERÊNCIAS
BRESOLIN, N. L. et al. Hipertensão arteri- FLYNN, J. et al. Clinical Practice Guideline
al na infância e adolescência. Manual de for Screening and Management of High
Orientação da Sociedade Brasileira de Blood Pressure in Children and Adolescents.
Pediatria, 2019. Pediatrics, v. 140, n. 3, 2017.
Crise hipertensiva 693

Quadro 4. Drogas utilizadas no tratamento da emergência hipertensiva

Via de
Droga Classe Dose Efeito colateral
administração

Beta- Curta ação. Preferir


Esmolol bloqueador 100-500 mcg/kg/min EV infusão contínua.
adrenérgico Bradicardia severa

0,1-0,2 mg/kg/dose, a
Hidralazina Vasodilatador EV ou IM Taquicardia
cada 4 horas

Monitorar níveis
Nitroprussiato Iniciar a 0-3 mcg/kg/min
Vasodilatdor EV contínuo de cianeto:
Sódico Máx. 10 mcg/kg/min
uso > 72hs

Bolus: 0,2-1 mg/kg/dose


Alfa e beta-
até 40 mg/dose. Infusão EV, em bolus ou Indisponível
Labetalol bloqueadores
contínua: contínuo no Brasil
adrenérgicos
0,25-3 mg/kg/hora

Bolus: 30 mcg/kg
Bloqueador
até 2 mg/dose. Infusão EV, em bolus ou Indisponível
Nicardipina de canais de
contínua: 0,5-4 mcg/ contínuo no Brasil
cálcio
kg/min

Fonte: Adaptado da Sociedade Brasileira de Pediatria (2019).

MALACHIAS, M. V. B. et al. 7ª Diretriz Brasileira RAGHUNATH, C. N.; PADMANABH, A. N.; VANI,


de Hipertensão Arterial. Rev Bras Hipertens, v. H. N. Hypertensive crisis in children. Indian J
24, n. 1, p. 61-71, 2017. Pract Pediatr, v. 14, n. 3, p. 331-338, 2012.
MATTOO T. et al. Definition and diagnosis of
SEEMAN, T. et al. Hypertensive crisis in chil-
hypertension in children and adolescents. Dis­
dren and adolescents. Pediatric Nephrology.
ponível em: https://www.uptodate.com/con
Disponível em: https://doi.org/10.1007/s00467-
tents/definition-and-diagnosis-of-hyperten-
018-4092-2. Acesso em: 14 maio 2020.
sion-in-children-and-adolescents. Acesso em:
14 maio 2020. USPAL, N. G; HALBACH, S. M. Approach to
MATTOO T. et al. Evaluation of hypertension hypertensive emergencies and urgencies in
in children and adolescents. Disponível em: children. Disponível em: https://www.me-
https://www.uptodate.com/contents/evalua- dilib.ir/uptodate/show/6438. Acesso em: 14
tion-of-hypertension-in-children-and-adoles- maio 2020.
cents. Acesso em: 14 maio 2020.
C APÍTULO 6

Parada cardiorrespiratória

Ana Maria Aldin de Sousa Oliveira


Valéria Maria Bezerra Silva

COMO SE RECONHECE A PARADA • Arritmias;


CARDIORRESPIRATÓRIA? • Estridor;
A Parada Cardiorrespiratória (PCR) em • Desconforto/Insuficiência respiratória;
crianças é o resultado da deterioração • Pulso filiforme ou paradoxal;
da função respiratória e/ou circulatória • Palidez, pele mosqueada;
e pode ser reconhecida clinicamente por • Hemorragia, equimoses;
três sinais: • Trauma;
• Inconsciência; • Queimaduras;
• Ausência de pulso central; • Cianose;
• Apneia. • Nível de consciência diminuído;
• Convulsões;
A PCR na criança, frequentemente, é • Febre com petéquias;
decorrente da insuficiência respiratória • Admissão em UTI.
e/ou choque. As causas cardíacas, dife-
rentemente do adulto, são incomuns. VIGILÂNCIA PARA SITUAÇÕES CRÍTICAS
PARA PCR EM UTI PEDIÁTRICA/
VIGILÂNCIA PARA AS CONDIÇÕES NEONATAL
ASSOCIADAS A UM MAIOR RISCO DE PCR • Manipulação da via aérea (colocação
• Frequência respiratória > 60 irpm; ou remoção do tubo traqueal, fisiote-
• Frequência cardíaca > 180 bpm ou rapia respiratória, aspiração, coloca-
< 60 bpm; ção ou remoção de dreno torácico);
Parada cardiorrespiratória 695

• Mudança de terapia (desmame do ETAPAS DA RESSUSCITAÇÃO


respirador, retirada do marcapasso, CARDIOPULMONAR (RCP)
suspensão de drogas vasoativas); Após reconhecimento clínico da PCR
• Manobras terapêuticas (adminis- (inconsciência, ausência de pulso cen-
tração de narcóticos, barbitúricos, tral e apneia), iniciar imediatamen-
anticonvulsivantes, infusões endo- te a ressuscitação pela sequência de
venosas de cálcio, potássio, amino- atendimento abaixo – use o mnemô-
glicosídeo e hemotransfusões); nico – CAB:
• Manipulações no paciente grave C: Circulação: compressões torácicas;
(punção lombar, instalação de Pres­ A: Vias Aéreas (VA): abrir vias aéreas;
são Ve­nosa Central (PVC), passagem B: Respiração adequada: promover
de Son­da Nasogástrica (SNG); uma boa ventilação pulmonar.
• Movimentação do paciente (para ra-
diografar no leito pacientes intuba- C: Circulação
dos, mudança de decúbito etc.); As compressões torácicas são a primeira
• Horário de troca de turno do plan- intervenção e o fator mais importante
tão (passagem de plantão). para uma RCP eficaz. A primeira pessoa
a socorrer uma pessoa em PCR deve
FATORES DECISIVOS PARA iniciar as compressões torácicas de alta
TRATAMENTO DA PARADA qualidade imediatamente:
CARDIORRESPIRATÓRIA • Compressões torácicas fortes e rápi-
O sucesso da ressuscitação da criança das (100-120/min);
em parada cardiopulmonar (PCR) de- • Garanta o retorno completo do tó-
pende de um preparo antecipado: rax, após cada compressão;
• Uma equipe de ressuscitação bem • Minimize as interrupções das com-
treinada; pressões torácicas;
• Definição antecipada dos papéis en- • Faça 15 compressões para cada 2
tre os membros da equipe no atendi- ventilações em bebês e crianças. Em
mento à PCR; adolescentes e adultos são 30 com-
• Presença de um líder que conduza pressões para cada 2 ventilações;
efetivamente os passos do atendi-
mento, seguindo as diretrizes in- Observações importantes:
ternacionais para um atendimento • É considerada bebê, a criança após
correto à PCR; a alta da maternidade até 1 ano
• Equipamentos e medicações ade- de idade, e a criança desde 1 ano
quadas prontas para uso imediato. de idade até surgirem os sinais de
SEÇÃO 13 696

puberdade. Daí em diante, as diretri- aéreas entre os plantonistas do setor


zes são iguais as do adulto. realize o procedimento (plano A).
• Com apenas 1 socorrista, a taxa de No caso de haver 2 falhas na tentati-
compressões/ventilações em qual- va de intubação, está recomendado se-
quer idade é igual, 30 compressões guir para o plano B: instalação da más-
para cada 2 ventilações. cara laríngea.
• Após a instalação da VA definitiva, Nos casos em que não houver suces-
as compressões e ventilações não so na instalação da máscara laríngea, su-
são mais sincronizadas. Comprima a gere-se rápida transição para o plano C:
velocidade de 100-120/min e ventile ventilar com BVM com a técnica das duas
1 vez, a cada 2 a 3 segundos (20-30 mãos, até a chegada de um anestesiolo-
ventilações/min) na criança e no be- gista ou outro médico mais experiente.
bê, e a cada 6 segundos, no adoles-
cente/adulto (10 ventilações/min). ACESSO VASCULAR
O acesso vascular periférico deve ser
A e B: vias aéreas e ventilações providenciado imediatamente, caso o
• Incline a cabeça do paciente, ele- paciente não tenha acesso periférico ou
vando a mandíbula, colocando-o na central. Em casos de dificuldade na pun-
“posição de cheirar”, para abrir a VA; ção venosa (mais de duas tentativas), o
• Adapte a máscara facial ao rosto acesso intraósseo deve ser realizado co-
do paciente promovendo um selo mo alternativa.
adequado;
• Ventile com o equipamento de Bol­ MEDICAÇÕES
sa-Valva-Máscara (BVM) até obter a As medicações devem estar disponíveis
elevação do tórax; em um “carrinho de parada” e devem
• Ofereça duas ventilações após 15 ser diluídas e infundidas de acordo com
compressões (bebês e crianças) ou a prescrição médica. Após administra-
30 compressões (adolescentes e ção das medicações venosas, deve-se
adultos). fazer uma infusão de solução cristaloide
(5-10 ml) para “empurrar” a droga rapi-
QUANDO INTUBAR? damente para a circulação central.
Na PCR, a intubação endotraqueal deve Na situação de PCR, as prescrições
ser realizada assim que possível, quan- são feitas verbalmente pelo médico que
do todo o material estiver pronto para lidera a ressuscitação, mas é importante
uso. Recomenda-se que o médico mais que um membro da equipe tenha a fun-
experiente da equipe no manejo de vias ção de registrar as medicações utilizadas,
Parada cardiorrespiratória 697

bem como os horários e procedimentos acesso arterial, as taxas de sobrevivên-


realizados (vide quadro de medicações cia com resultado neurológico favorável
utilizadas na PCR). foram melhoradas quando a pressão ar-
terial diastólica esteve em, no mínimo,
Via endotraqueal: é uma via alternativa
25 mmHg em bebês e em, no mínimo,
para a utilização de drogas lipossolúveis,
quando não se conseguir acesso venoso na 30 mmHg em crianças.
PCR. Após administrar a medicação diluída O responsável pela monitorização
em 5 ml de solução salina, deve-se fornecer 5 também deve estar pronto para prepa-
ventilações para garantir a melhor absorção rar e administrar a desfibrilação quando
da droga. Drogas que podem ser utilizadas esta for solicitada pelo líder da equipe,
por essa via: atropina, naloxona, epinefrina, ao encontrar um ritmo desfibrilável (vi-
lidocaína e vasopressina.
de diretrizes da PCR).

MONITORIZAÇÃO E DESFIBRILAÇÃO CAUSAS DA PCR


A monitorização do paciente durante a Durante a ressuscitação, deve-se procu-
PCR deve ser realizada nos primeiros mi- rar e tratar as possíveis causas da PCR,
nutos, devendo um membro da equipe os 6 Hs/5 Ts:
ser responsável pela função de instalar • Hipovolemia;
a monitorização cardíaca, de saturação • Hipóxia;
de oxigênio e de pressão sanguínea. • Hidrogênio (acidose);
Quando o capnógrafo estiver disponível, • Hipo/hipercalemia;
também é bastante útil para detectar a • Hipoglicemia;
efetividade das ventilações e o retorno • Hipotermia;
da circulação espontânea. • Tóxicos;
Obtenção de pressão arterial inva- • Tamponamento cardíaco;
siva para avaliar a qualidade da RCP: • Tensão no tórax (pneumotórax);
quando for possível monitorar conti- • Trombose coronariana;
nuamente a pressão arterial invasiva no • Trombose pulmonar.
momento da PCR. É aconselhável que os
socorristas usem pressão arterial diastó- DIRETRIZES DA PCR
lica para avaliar a qualidade da RCP. É
bem conhecido que compressões toráci- RCP em PCR com ritmos não
cas de alta qualidade são vitais para a chocáveis (Assistolia, Atividade
ressuscitação bem-sucedida. Um novo Elétrica Sem Pulso – AESP)
estudo mostra que, entre os pacien- 1. Inicie a RCP de qualidade, inicie ime-
tes pediátricos que recebem RCP com diatamente as compressões torácicas/
SEÇÃO 13 698

ventilações (15:2 em bebês e crianças e caso mantenha um ritmo chocável,


e 30:2 em adolescentes); administre o 2º choque com 4 J/kg;
2. Obtenha acesso vascular e adminis- 5. Obtenha acesso vascular e adminis-
tre a epinefrina (solução 1:10.000, na tre a epinefrina (solução 1:10.000, na
dose de 0,1 ml/kg) a cada 3 a 5 min, dose de 0,1 ml/kg), de preferência du-
assim que o acesso estiver disponível, rante as compressões torácicas, após
de preferência durante as compres- o 2º choque;
sões torácicas; 6. Reavalie o ritmo pela 3ª vez (não
3. Reavalie o ritmo e troque os com- palpe pulso se não tiver ritmo orga-
pressores a cada 2 min. Atenção: nizado)e caso mantenha um ritmo
não palpe pulso, se não tiver ritmo chocável, administre o 3º choque com
organizado; 6 J/kg;
4. Estabeleça a via aérea avançada, as- 7. Retome a RCP logo após o choque,
sim que for possível; troque os compressores a cada 2 min;
5. Mantenha os esforços de ressuscita- 8. Administre a amiodarona após o
ção até obter o retorno da circulação 3º choque (na dose de 5 mg/kg), de
espontânea, ou quando não for mais preferência durante as compressões
possível obter resultados; torácicas;
6. Busque as possíveis causas de PCR 9. Mantenha a reavaliação do ritmo a
com ritmo não chocável (Hs e Ts) e cada 2 min. Administre os choques
trate-os. em doses crescentes até chegar em
10 J/kg; a partir daí não aumente a
RCP em PCR com ritmos chocáveis carga mais, continue com 10 J/kg até
(Fibrilação ventricular – FV e o final;
Taqucardia ventricular sem pulso – TV) 10. Alterne a epinefrina, sempre na mes-
1. Inicie a RCP de qualidade, inicie ime- ma dose, com a amiodarona, também
diatamente as compressões torácicas/ na mesma dose, até completar a 3ª
ventilações (15:2 em bebês e 30:2 em dose de amiodarona. A partir deste
adolescentes); momento, administre apenas a epi-
2. Detectado ritmo chocável, aplique o nefrina em ciclos alternados (a cada
1º choque com carga de 2 J/kg; 3 a 5 min);
3. Retome a RCP logo após o choque, 11. Estabeleça a via aérea avançada, as-
troque os compressores a cada 2 min; sim que for possível;
4. Reavalie o ritmo pela 2ª vez (não palpe 12. Mantenha os esforços de ressuscita-
pulso se não tiver ritmo organizado) ção até obter o retorno da circulação
Parada cardiorrespiratória 699

espontânea, ou quando não for mais 13. Busque as possíveis causas de PCR
possível obter resultados; com ritmo chocável (Hs e Ts) e trate-os.

REFERÊNCIAS
ATKINS, D. L.; BERGER, S.; DUFF, J. P. et lghts_2020eccguidelines_portuguese.pdf.
al. Pediatric Basic Life Support and Car­ Acesso em: 20 abr. 2021.
diopulmonary Resuscitation Quality. Cir­cu­
MACONOCHIE, I. K.; AICKIN, R.; HAZIN­
lation, v. 132, p. S519-S525, 2015.
SKI, M. F. et al. Pediatric Life Support 2020.
BERG, R. A.; SUTTON, R. M.; REEDER, R. W. International Consensus on Cardiopul­
et al. Association between diastolic blood monary Resuscitation and Emergency Car­
pressure during pediatric in hospital car- dio­
vascular Care Science with Treatment
diopulmonary resuscitation and survival. Rec­ommendations. Circulation, v. 142, suppl.
Circulation, v, 137, n. 17, p. 1784-1795, 2018. 1, p. S140-S184, 2020.

LAVONAS, E. J.; MAGID, D. J.; AZIZ, K. et SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. No­


al. Destaques das diretrizes de RCP e ACE vas recomendações para parada cardior-
de 2020 da American Heart Association. respiratória (RCP) em Pediatria: Guia da
2020. American Heart Association JN-1088. Amer­ican Heart Association (AHA) 2020. De­
Disponível em: https://cpr.heart.org/-/media/ partamento Científico de Terapia Intensi­va
cpr-files/cpr-guidelines-files/highlights/hgh (2019-2021).
Título Manual de condutas em pediatria da UFPE
Organização Elisabete Pereira Silva
Maria Márcia Nogueira Beltrão
Paula F. C. de Mascena Diniz Maia

Formato E-book
Tipografia Demos Next Pro (texto) e Praxis Next Pro (títulos)
Desenvolvimento Editora UFPE

Rua Acadêmico Hélio Ramos, 20 | Várzea, Recife-PE


CEP: 50740-530 | Fone: (81) 2126.8397
editora@ufpe.br | editora.ufpe.br

Você também pode gostar