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A comunicação humana e as funções

da linguagem
APRESENTAR O PROCESSO DE COMUNICAÇÃO VERBAL, TRATANDO DE DOIS FATORES DECISIVOS PARA
SUA COMPREENSÃO: A ESTRUTURA DA COMUNICAÇÃO VERBAL, COM SEUS SEIS COMPONENTES
FUNDAMENTAIS, E AS FUNÇÕES DA LINGUAGEM, TAMBÉM EM NÚMERO DE SEIS, CADA UMA

CORRESPONDENDO A UM COMPONENTE DA ESTRUTURA DA COMUNICAÇÃO E DESEMPENHANDO UM


PAPEL RELEVANTE NO PROCESSO COMUNICATIVO.

A comunicação humana

No início do século XX, a afirmação de Saussure de que a língua é um instrumento de comunicação, e não
uma representação do pensamento, que existiria independentemente da formalização linguística, desfaz
aquilo que Lyons (1979) considera o erro clássico no estudo da linguagem, a saber, a separação rígida entre
língua escrita e língua falada e a percepção de que a comunicação seria responsável pela deterioração da

língua e pela desorganização gramatical das línguas.


Ao adotarem essa concepção de linguagem, alguns estudiosos introduziram a investigação sobre a
comunicação humana como uma das preocupações da Linguística. Quais são, portanto, as principais

características da comunicação humana verbal?


Estudar a língua não faria tanto sentido se não tivéssemos em vista um objetivo maior, mais definido, mais
próximo de uma realidade, que nos instiga a cada momento: a necessidade de comunicação. E quando
falamos em comunicação, podemos pensar nas muitas maneiras de entrar em contato com o mundo que nos
cerca, já que, em última instância, toda ação humana é também uma ação comunicativa, sobretudo se

pensarmos na natureza essencialmente social do homem. O próprio sentido etimológico da palavra


comunicação pressupõe uma interação social de larga escala, uma vez que a ação de comunicar exprime a
atitude de tornar comum uma ideia. Nesse sentido mais amplo, podemos pensar nas várias maneiras de
estabelecer uma comunicação: por meio da linguagem verbal, da expressão musical, da mensagem

pictórica, da escrita etc.


A rigor, não há comunicação verbal sem palavras, que são elementos essenciais da expressão linguística,
fato já figurado na origem do termo latino uerbum (palavra). Portanto, uma comunicação adequada

depende, no final das contas, do emprego adequado das palavras. Polissêmicas por natureza, elas
necessitam, contudo, de um contexto determinado, para que possam alcançar um sentido preciso, e, assim,

a mensagem cumprir sua função comunicativa.


Contudo, se uma determinada mensagem cumpre a função de comunicar, cabe
perguntar qual seria, de fato, a função da comunicação propriamente dita. A resposta,
embora complexa, pode ser resumida da seguinte maneira: a comunicação pode possuir três funções
básicas: primeiro, ela é utilizada pelo remetente da mensagem com o intuito de obter uma resposta
adequada do destinatário, isto é, uma reação esperada, sem a qual a comunicação não se efetiva
formalmente; segundo, ela é empregada para expor um pensamento, ou seja, para que se possa tornar

comum ao destinatário o pensamento do remetente; terceiro, ela é empregada com a intenção de persuadir
o ouvinte, a fim de que ele se convença das ideias do remetente.
Já não constitui, pois, novidade alguma o fato de que a linguagem possui funções diversas, de acordo com a
espécie e o objetivo da mensagem veiculada.
Vejamos, na sequência, o resumo de um ensaio fundamental para a compreensão mais detalhada dos
elementos que compõem a estrutura da comunicação, mas principalmente das funções da linguagem.
 
O autor dessas explicações é Roman Jakobson. Em seu célebre ensaio "Linguística e Poética" (1969), o

linguista russo isola os seis fatores que intervêm no ato da comunicação verbal: um EMISSOR (remetente)
envia uma MENSAGEM a um RECEPTOR (destinatário) por meio de um CANAL. Essa mensagem construída
com um CâDIGO parcialmente comum ao remetente e ao destinatário refere-se a um CONTEXTO (realidade
referencial). Como vemos, os seis fatores participam de um processo de comunicação: um emissor põe-se
em relação comunicativa com um receptor, construindo com os elementos de um código (português, inglês
etc.) uma mensagem que alude a um contexto e passa, por meio de um canal, do primeiro indivíduo para o
segundo.
Toda mensagem tem uma finalidade: ela pode servir para transmitir um conteúdo intelectual, exprimir (ou
ocultar) emoções e desejos, para hostilizar ou atrair pessoas, incentivar ou inibir contato e ainda pode, bem
simplesmente, servir para evitar o silêncio. Por isso se diz que uma mensagem tem muitas funções e muitos
significados.Para atribuir a uma mensagem qualquer um sentido determinado, é
necessário compreender, antes, para qual daqueles fatores mencionados a mensagem se dirige; isto
é, qual deles ela focaliza.
A frase corriqueira “Como vai?”, que ouço de um amigo todos os dias, pode: (a) exprimir um interesse
genuíno da parte dele pelo meu atual estado de saúde; (b) expressar apenas o seu desejo de não ignorar a
minha presença quando nos encontramos, de não ser grosseiro com um conhecido. Eu a posso interpretar
de muitos modos, é claro, não obstante ser ela sempre a mesma frase, a mesma mensagem. Essas diferentes
interpretações são possibilitadas pela variabilidade do fator comunicativo focalizado. Se julgo que a frase
“Como vai?” dirige-se, realmente, a mim, seu destinatário, interpreto-a no sentido“(a)” e forneço a meu

interpelante, em resposta, as informações supostamente requeridas sobre o meu estado físico. Se,
inversamente, julgo que “Como vai?” é uma mensagem que está focalizando o canal de comunicação entre
conhecidos, assinalando a aproximação e a abertura de contatos, interpreto-a no sentido “(b)”, e como ela
equivale, nesse caso, a um “Olá!”, ou a um aceno de mão, posso, então, responder, bem simplesmente,

comoutro “Como vai?”, ou outro “Olá!”. É assim que uma mesma mensagem pode ter funções (sentidos)

diferentes, conforme varie a sua orientação predominante, o seu enfoque.

Hierarquia funcional
Cada mensagem engloba, enquanto ato concreto da atualização das possibilidades previstas no código,
várias funções da linguagem. Em qualquer frase (mensagem), normalmente aparece um feixe de funções.

Tal feixe de funções não é uma simples acumulação. O falante pode fazer ressaltar um dos seis fatores
envolvidos no processo da comunicação, dando-lhe uma ênfase maior, fazendo com que a mensagem se

dirija, primordialmente, para ele, (o emissor ou receptor, digamos), com predominância sobre os outros

fatores (o código, o contexto, o canal, a própria mensagem).


Há, pois, uma hierarquia de funções implicadas em cada mensagem, e é sempre muito importante saber

qual é a função primária e quais são as funções secundárias.


Entenda-se, portanto, que sempre que nos referirmos a uma determinada função, estamos considerando a

função predominante dessa mensagem.


A função emotiva ou expressiva: ênfase no emissor
 

Essa função é característica em mensagens que implicam uma expressão direta da subjetividade, ou seja,

das emoções e atitudes interiores de quem fala em relação a aquilo de que fala. O seu destinatário descobre,
por meio dessas mensagens, a emoção sentida pelo emissor dos signos. Essa função revela, portanto, o

estado emocional do falante em relação ao objeto da sua comunicação.


A mensagem com função emotiva não vale pelo conteúdo intelectual que veicula, mas sim pela sua carga
emocional. Quando a intenção do emissor é posicionar-se em relação ao tema que está abordando, é
expressar seus sentimentos e emoções, sempre há como resultado um texto subjetivo, provavelmente
escrito na 1ª pessoa do discurso, com uso de diminutivos, partículas de ênfase e de alguns sinais de
pontuação como interjeições, reticências, pontos de exclamação. Essa função aparece muito em poesia
lírica, canções de lamentos amorosos, em depoimentos, desabafos, diários pessoais, entrevistas,
confidências, declarações de amor etc.

A função referencial: ênfase no contexto


A função referencial predomina na maioria dos textos cuja finalidade básica é transmitir uma informação.
Os textos cuja linguagem tem função referencial produzem efeitos de sentido de objetividade, com as

palavras empregadas em seu sentido denotativo.


Na função referencial, normalmente prevalece o texto produzido em 3ª pessoa,
como nos casos de trabalhos científicos e nas matérias jornalísticas em geral, nos avisos; também tabelas,
gráficos e composição química de remédio são mensagens em que predomina a função referencial da
linguagem. Nesses casos os textos estarão centrados no referente, ou seja, naquilo de que se fala (a 3ª
pessoa gramatical). Por exemplo, quando alguém diz "São duas horas", está centrando sua comunicação
em uma informação, um estado de coisas do mundo (referente).

A função conativa: ênfase no destinatário


Entende-se por função conativa ou apelativa a que visa influenciar o comportamento do destinatário da
mensagem. A sua expressão mais pura se encontra no vocativo e no imperativo, sendo esse modo verbal
conatural aos discursos persuasivos, aqueles que visam impor ao seu destinatário um tipo de

comportamento desejável aos olhos do emissor da mensagem. Assim, os verbos no imperativo, o uso de
vocativo e a 2ª pessoa (tu/ vós, você/vocês) são marcas gramaticais da função conativa. As mensagens de
bronca, xingamentos e os pedidos costumam centrar a informação no destinatário.

Os anúncios de publicidade e os comícios políticos empregam uma linguagem em que predomina a função
apelativa ou conativa (conativo significa "relativo ao processo da ação intencional sobre outra pessoa").
Desse modo, são quase sempre conativos os discursos de propaganda ("Beba Coca-Cola").
Exemplos de discurso com função conativa encontram-se nas admoestações do tipo "Fique quieto!", "Faça
silêncio!", "Saia!", corriqueiras, mas encontram-se, igualmente, em certo tipo de poesia retórica, como a de
Castro Alves ("Colombo! Fecha a porta de teus mares...!").

A função fática: ênfase no contato


Toda vez que se cumprimenta alguém (Oi!), está-se privilegiando, na comunicação, o próprio contato

estabelecido com a outra pessoa. Considere certos trechos de diálogos, como este: – Pois é. – É. – Então... –
É fogo. – â. – Nem fale. – É. – â se é.
A função fática tem por finalidade estabelecer, prolongar ou interromper o processo da comunicação. Nesse
caso, não se utilizam as palavras na sua função social. A linguagem, por isso, não é um meio de transmissão

de pensamentos, uma vez que serve principalmente para romper o silêncio e instaurar um canal entre dois
ou mais falantes.
Muitos dos pesquisadores que se dedicaram ao exame das funções da linguagem supõem que as três funções

até aqui estudadas – emotiva, referencial e conativa – formam o estrato mais primitivo (do ponto de vista
de sua aquisição pelo homem), pois elas se correspondem com os três eixos fundamentais da expressão (o
homem fala para expressar suas ideias, opiniões, emoções), da cognição (o homem fala para informar a si e
aos outros) e da conação (o homem fala para influenciar a ação de outros), sendo as demais funções (fática,

poética e metalinguística) suas derivações históricas. Se se aceita tal hipótese, a função fática, que se
encontra no cruzamento das outras duas, a emotiva e a conativa, poderia ser a mais antiga utilizada pelo
homem, pois ela surge não só na etapa do balbucio infantil (o choro dos bebês é eminentemente fático),

mas também nas manifestações da linguagem animal.


Com efeito, a mensagem fática, ainda que contenha traços de apelo, é a menos
coercitiva das condutas verbais conativas: ela exige de seus destinatários somente uma participação na
mesma situação social em que se encontra o destinador/emissor. Por isso se diz que o sentido

predominante da função fática é o de criar solidariedade, o de estabelecer e manter funcionando os


vínculos sociais que nos ligam em grupos.
A maior parte das frases com que iniciamos nossas conversações tem por objetivo estabelecer uma
primeira aproximação com o nosso interlocutor. Chamar a atenção, sondar o ânimo, procurar captar a
simpatia do ouvinte são "costumes verbais" universalmente praticados; nós os aprendemos ainda antes de
saber falar. "Olá, como vai?","Bom dia", "Com licença", que são mensagens cuja finalidade é a de estabelecer
o contato entre dois interlocutores em potencial; elas equivalem às primeiras palavras que dizemos ao
telefone, "alô!", "pronto!", e seu sentido é o de testar o canal para a comunicação, como "hum, hum!", "sei",
"pode falar". Há casos em que, mesmo depois dos cumprimentos, a conversa não flui, os interlocutores
ficam em um papo-furado que não acrescenta nada sobre eles: é o caso de conversas no elevador, na sala
de espera de um consultório e na rua quando estamos de passagem.
Constata-se que interromper o silêncio é uma importante função da fala, pois é
completamente impossível, para nós, em sociedade, falar unicamente quando temos algo a dizer. Essa
diferença entre os usos fático e não fático da linguagem está codificada em muitas línguas, no seu estrato
léxico. No léxico do Português, por exemplo, há dois verbos para significar "exprimir-se verbalmente": falar
(que serve aos propósitos das comunhões fáticas e das posições subjetivas) e dizer (que serve para as
expressões objetivas, não puramente fáticas): 1. "Fale comigo". (É pedida uma comunhão fática); 2."Diga
pra mim" (É pedida uma informação "referencial"). O conhecimento intuitivo dessa distinção linguística, por
parte dos falantes do português, reflete-se nos provérbios e ditos de criação popular, como "falar muito e
dizer pouco" (isto é, manter uma sólida comunhão fática, sem fornecer informações conceituais), "falou e
disse" (isto é, estabeleceu comunicação –fático – e comunicou alguma coisa – não fático).

A função metalinguística: ênfase no código

Quando, por exemplo, eu dou um sinônimo, ou explico o sentido de uma palavra, ou digo que a palavra
"casa" é um substantivo, estou usando a linguagem para falar da própria linguagem; ocorre, então, a função

metalinguística da linguagem, em que a preocupação do emissor está voltada para o próprio código
utilizado, ou seja, o código é empregado para explicar o próprio código.
Em um dicionário, uma gramática, ou em um livro de Linguística, o objeto que se examina é a própria
linguagem: usa-se, para escrevê-los, mensagens que focalizam aspectos do código, dotadas, destarte, de
função metalinguística. Por isso, o melhor exemplo de função metalinguística são os verbetes (de
dicionários ou enciclopédias) e as legendas. Obs.: a legenda é uma explicação que acompanha fotos ou
ilustrações (é o código verbal traduzindo outro). Dizemos também que há metalinguagem ou função
metalinguística da linguagem em, por exemplo, um poema que reflete a criação poética; um filme que
tematiza o próprio cinema; um programa de televisão que debate o papel social da televisão etc.

A função poética: ênfase na mensagem


Em geral, essa função aparece na literatura, mas ela se dá toda vez que se privilegia a própria mensagem, na

comunicação. Por exemplo, quando, em vez de dizer "garota?, eu digo "gata". Assim, a função poética da
linguagem pode ocorrer em qualquer tipo de mensagem, sempre que o emissor não se preocupa apenas com
o significado, mas com o modo de construir sua mensagem, dando preferência às palavras que realcem o
conjunto pela sonoridade, pela singularidade. Assim, a função poética é aquela que enfatiza a elaboração da

própria mensagem, de modo a ressaltar o seu significado, produzindo a mensagem artística. Explicando de
outro modo, temos que uma mensagem é constituída de forma e conteúdo: como se diz e o que se diz. Além
de comunicar algo, é ela própria enfatizada, elaborada, por meio de trocadilhos, figuras de estilo,

aliterações, repetições, jogos de sons, disposição de palavras no papel ou mesmo pelo uso de um texto
esteticamente bonito: a mensagem está centrada na própria mensagem. Tem-se, então, a função poética.
"A vida é pra valer
A vida é pra levar"

(Vinicius de Moraes)
Observe o trocadilho que foi feito no jogo com "valer"/"levar". As duas palavras têm as mesmas letras,
redistribuídas graficamente. Elas têm significação diferente, e, colocadas no texto como estão, negam o

sentido uma da outra: "pra valer" = pra ser levada a sério; "pra levar" = pra não ser levada a sério.
Atenção: a função poética não é exclusividade da poesia. Há mensagens publicitárias, narrativas,
provérbios, nomes de estabelecimentos comerciais e marcas de produtos etc. em que predomina a função
poética da linguagem.
Agora que você já estudou esta aula, resolva os exercícios e verifique seu conhecimento. Caso
fique alguma dúvida, leve a questão ao Fórum e divida com seus colegas e professor.
EXERCÍCIOS (https://ead.uninove.br/ead/disciplinas/impressos/_g/ling68/a04ex01_ling68.pdf)
 

REFERÊNCIA
JAKOBSON, Roman. " Linguística e Poética". In: Linguística e Comunicação. BLIKSTEIN,
Izidoro; PAES, José Paulo. São Paulo: Cultrix, 1985. p. 118-162.

LYONS, John. Introdução à Linguística Teórica . SILVA, Rosa Virgínia Mattos e; PIMENTEL,
Hélio (trad.). São Paulo: Ed. Nacional, Ed. da Universidade de São Paulo, 1979.

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