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Guilherme de Ockham
I, distinção 2, questão 6
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114. Ao primeiro argumento em favor da outra teoria [sc. a de Scotus] digo que
o “estar em algo” pode ser de dois tipos: ou bem realmente, ou bem de acordo
com uma predicação, conforme se diz que o predicado está no sujeito do qual ele é
dito. No primeiro sentido é verdade que no que quer que algo esteja, lá estará em
qualquer circunstância. No segundo sentido isso não precisa ser o caso, se o sujeito
é um termo comum. Portanto, não se segue que se a natureza humana por si é um
isso, então será “esse homem” o que quer em que esteja a natureza humana.
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116. Do mesmo modo, assim como ‘Um homem é Sócrates’ e ‘Um homem é Platão’
são compatíveis, também ‘Uma natureza humana é por si esse homem’ e ‘Uma
natureza humana é por si aquele homem’ são compatíveis.
117. Quando ele [Scotus] diz “Se a natureza humana é por si esse homem, então
o que quer em que esteja a natureza humana será esse homem”, respondo que isso
não se segue formalmente em virtude do que foi dito, mas é uma falácia de figura de
linguagem, na medida em que um modo de suposição é transformado em outro. Pois
em ‘Uma natureza humana por si é esse homem’ o termo ‘natureza humana’supõe
determinadamente, ao passo que no consequente ela, por outro lado, supõe de modo
meramente confuso. Mas, independentemente disso, ‘Uma natureza humana é tal
que, o que quer em que ela esteja, aquela coisa é esse homem’ é verdadeira porque
possui uma [instância] singular verdadeira: ‘Essa natureza humana é tal que, o que
quer em que ela esteja, aquela coisa é esse homem’. E, nesse caso, ao argumentar
que “Uma natureza humana é tal que, o que quer em que ela esteja, aquela coisa é
esse homem; uma natureza humana está naquele homem; portanto, aquele homem
é esse homem”, há [aqui] uma falácia do consequente, porque se argumenta a partir
de [premissas que são] todas indefinidas.
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119. Ao segundo argumento, concedo que ao que quer que pertença um [membro]
de um par de opostos, o outro oposto é incompatível com tal por si. Portanto, porque
a natureza é por si um “isso” (na medida em que ‘natureza’ supõe pessoalmente),
concedo, consequentemente, que multiplicidade numérica é incompatível com uma
natureza – isto é, (a) é incompatível com uma natureza estar em qualquer outro e
(b) é incompatível com uma natureza estar em muitos.
121. Contudo, (b) ‘É incompatível com uma natureza estar em muitos’ é verda-
deira para qualquer singular, porque é incompatível com qualquer natureza estar
em muitos.
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128. Ao terceiro argumento principal, deve-se dizer que um tipo de objeto é natu-
ralmente prioritário ao ato, e outro não. Assim, o universal nunca é prioritário ao
ato, e o universal em ato não é o aspecto próprio do objeto do intelecto. Pois, como
será elucidado alhures, o primeiro objeto do intelecto (primeiro por uma primazia
de geração) é o singular ele mesmo sob seu próprio aspecto, e não sob o aspecto de
um universal.
129. Ao quarto argumento principal, digo que não há unidade da natureza nessa
pedra a não ser que [tal unidade] seja também primariamente a unidade dessa pe-
dra. De todo modo, faço uma distinção sobre unidade: em um sentido, ‘unidade’ é
dita enquanto denomina precisamente algo uno e não muitos, e não um em compa-
ração com algo de outro realmente distinto. Nesse sentido, digo que toda unidade
real é unidade numérica. Em outro sentido, ‘unidade’ é dito na medida em que
denomina vários itens, ou um item em comparação com outro realmente distinto.
Nesse sentido, unidade específica denomina Sócrates e Platão, e a unidade do gê-
nero denomina esse homem e esse asno. Não denomina qualquer coisa de algum
modo distinta desses indivíduos. Pelo contrário, denomina imediatamente esses
indivíduos.
130. Portanto, assim como é verdadeiramente dito que Sócrates e Platão são espe-
cificamente um e o mesmo e que Sócrates é especificamente o mesmo que Platão,
assim também é verdadeiramente dito que esse homem e esse asno são generica-
mente o mesmo e que esse homem é genericamente o mesmo que, ou uno com, esse
asno. Isso significa que eles estão contidos sob a mesma espécie ou sob o mesmo
gênero. O Filósofo oferece explicitamente essa análise em Tópicos I, no capítulo
“Sobre o mesmo”, como dito na primeira questão concernente a esse assunto.
131. Nesse sentido, concedo que nem toda unidade ou identidade real é numérica.
Mas essa unidade não pertence a uma natureza de algum modo distinta dos indiví-
duos. Pelo contrário, ela pertence imediatamente aos indivíduos eles mesmos ou (o
que vem a dar no mesmo) a um em comparação com o outro.
132. Mas, porque aqueles argumentos vão contra o que foi primeiramente enten-
dido, respondo a eles:
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157. Ao sexto argumento, concedo que toda diversidade real é numérica no sen-
tido em que toda unidade real é numérica, porque até mesmo diversidade específica
é numérica. Pois, de acordo com o Filósofo, o que quer que seja genericamente di-
verso será [também] especificamente diverso, e o que quer que seja especificamente
diverso será [também] numericamente diverso. Assim, diversidade numérica ocorre
em mais casos que diversidade específica e genérica. Pois, segue-se: “são diversos
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genérica ou especificamente; portanto, são diversos numericamente”. Mas, não o
converso.
158. Quando se diz que “toda diversidade numérica é, enquanto numérica, igual”,
digo que isso é absolutamente falso. Pois então seguir-se-ia que toda diversidade é
igual, visto que ‘enquanto’ não é uma determinação destrutiva. De todo modo, se
o consequente é entendido no sentido de que todas as coisas que diferem apenas
numericamente são igualmente diversas, tal pode ser concedido para coisas que não
admitem mais e menos ou maior e menor.
159. Se é dito que toda unidade numérica é igual, e portanto toda diversidade nu-
mérica é igual, digo que o consequente não se segue no sentido em que o antecedente
é verdadeiro, assim como não se segue: “o que quer que seja igual é igualmente igual
(pois a igualdade não admite maior ou menor); logo, o que quer que seja desigual é
igualmente desigual”. Essa resposta é válida onde um oposto admite maior e menor
e o outro não. E isso é o que se dá no presente caso.
160. Sobre o que ele sugere no argumento – que se toda diversidade fosse numé-
rica, então o intelecto não poderia abstrair algo comum mais de Sócrates e Platão
do que poderia de Sócrates e uma linha, e que todo universal seria uma pura ficção
do intelecto – digo ao primeiro que do próprio fato de que Sócrates e Platão diferem
por eles mesmos apenas numericamente, e Sócrates é similaríssimo em substância a
Platão, mesmo desconsiderando todo o resto, segue-se que o intelecto pode abstrair
algo comum a Sócrates e Platão que não será comum a Sócrates e a brancura. Não
se precisa buscar por nenhuma outra causa para isso que não porque Sócrates é
Sócrates e Platão é Platão e cada um deles é um homem.
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