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ENSINO SUPERIOR
NOTAS SOBRE
N um intervalo de pouco mais de trinta anos, o
mudançasemsuamorfologia.Noiníciodosanos60,
contávamoscomaproximadamenteumacentenade
doconhecimento,comumcorpodocentefracamen-
instituições,portadorasdeformatosorganizacionais
CARLOS BENEDITO
e tamanhos variados. Este sistema absorve atual-
MARTINS é professor do
Departamento de mente 1,8 milhão de alunos matriculados na gra-
Sociologia da
Universidade de Brasília duaçãoeaproximadamente70milalunosnoscursos
(UnB) e diretor-científico
do Núcleo de Estudos
sobre Ensino Superior da de pós-graduação stricto sensu que cobre todas as
Universidade de Brasília
(Nesub). áreasdoconhecimento,respondendopor1.180cur-
Nobojodesseprocessodemudanças,ocorreuaincor-
mamentecomplexodevidoàdiferenciaçãodasposi-
desseespaçosocial,taiscomoa qualidadedoensino
BRASILEIRO
REVISTA USP, São Paulo, n.39, p. 58-82, setembro/novembro 1998 59
significativos deste processo de mudanças, tecnológica, de produção e difusão da ci-
qual seja, o fenômeno do surgimento de ência e da cultura. Ele ocupa também um
uma multiplicidade de tipos de estabeleci- papel estratégico no desenvolvimento
mentos acadêmicos com formatos institu- socioeconômico, bem como constitui uma
cionais, vocações e práticas acadêmicas di- peça-chave na tarefa de qualificar os dife-
ferenciadas. Ao invés de se adotar uma pers- rentes níveis de ensino do próprio sistema
pectiva que privilegie a instituição univer- educacional do país. Uma das idéias cen-
sitária como ponto focal de atenção – o que trais deste texto é que este campo encontra-
acaba tomando uma manifestação particu- se atualmente marcado pela heterogenei-
lar como expressão do geral – considero dade acadêmica e que esta característica
mais fecundo, do ponto de vista analítico, não deve ser apreendida como uma mani-
enfocar a situação do ensino superior bra- festação de anomia do campo. Longe disto,
sileiro atual a partir da noção de campo (1), acredita-se que os rumos de uma política
1 Com a noção de campo, pro-
cura-se designar um espaço em cujo interior as universidades, bem educacional promissora devem adotar a
social que possui uma estrutura como os demais tipos de instituições que o heterogeneidade do sistema como um de
própria, relativamente autôno-
ma no que se refere a outros estruturam, tais como os estabelecimentos seus pontos de partida, evitando tratamen-
espaços sociais, isto é, com re- tos homogêneos para realidades acadêmi-
isolados, as federações de escolas (2) e
lação a outros campos sociais.
Mesmo mantendo uma relação faculdades integradas tendem a ocupar cas marcadas pelo signo da disparidade.
entre si, os diversos campos de-
finem-se através de objetivos es- posições específicas na hierarquia interna Ao lado disto, pretende-se também ressal-
pecíficos, o que lhes garante deste espaço social. Creio que esta postura tar que uma política de ensino superior na
uma lógica particular de funcio-
namento e de estruturação. É possibilita orientar a reflexão para a grande sociedade brasileira deva eleger, no con-
característico de um campo pos-
suir sua hierarquia interna, seus diferenciação institucional que se encontra texto atual, como uma de suas prioridades,
espaços estruturados de posi- subjacente na estruturação deste campo a expansão deste sistema face ao cresci-
ções, seus objetos de disputa e
de interesses singulares, que específico. Certamente, é no interior de mento contínuo da população. Para tanto,
são irredutíveis aos objetos, às deve-se criar mecanismos efetivos que
algumas universidades, principalmente as
lutas e aos interesses consti-
tutivos de outros campos. A públicas, que se concentra o essencial da combinem esta expansão – que se torna cada
noção de campo reporta-se aos
inúmeros trabalhos de P. prática acadêmica e da atividade científica vez mais necessária – com padrões de qua-
Bourdieu. A esse respeito, por mais elaboradas no país, respondendo pelo lidade acadêmica, aliada com uma contí-
exemplo, ver, de sua autoria,
Questions de Sociologie (Paris, que há de mais proeminente na formação nua avaliação deste complexo sistema.
Éditions de Minuit, 1980, pp.
113-21); Leçon sur la Leçon da graduação, na oferta da pós-graduação e
(Paris, Éditions de Minuit, pelo desenvolvimento da pesquisa. Pela
1982, pp. 46-50); Choses
posição de destaque que algumas delas
Dites (Paris, Éditions de Minuit,
1987, pp. 167-77); Les Régles
ocupam no interior do campo acadêmico,
AS DIFERENÇAS E A TENTAÇÃO DA
de l´Art (Paris, Éditions de Seuil,
1992, pp. 298-430); Répon- seguramente, justifica-se uma reflexão
ses (Paris, Éditions de Seuil,
1982, pp. 71-91). aprofundada por parte da comunidade aca-
INDIFERENÇA
2 As federações de escolas fo- dêmica. No entanto, esta preocupação não
ram regulamentadas pelo arti- deve ofuscar o fato de que as universida-
go 8 da Lei 5540/68. Segun-
do esta legislação, as federa- des, especialmente as públicas, represen- Os diversos sistemas de educação su-
ções de escolas referem-se à
congregação de estabeleci-
tam apenas uma parte do sistema, tampouco perior, existentes em países que ocupam
mentos isolados, que passa a deve concorrer para desfocar a amplitude e uma posição destacada no processo de de-
ser regida por uma estrutura
administrativa comum e por um a complexidade da estruturação do campo senvolvimento socioeconômico, tendem a
regimento unificado. A criação acadêmico nacional. desempenhar uma pluralidade de funções
dessa entidade foi concebida
como uma fórmula intermediá- O objetivo deste artigo é buscar, de for- em termos de formação acadêmico-profis-
ria entre os estabelecimentos
isolados e a universidade. O ma bastante esquemática, assinalar algu- sional. Nestes sistemas prevalece uma ex-
GT da Reforma Universitária, mas questões que me parecem centrais so- tensa hierarquia de instituições de ensino
apoiando-se na Indicação no
48/67 do antigo CFE, tinha a bre o ensino superior brasileiro atual, basi- com perfis acadêmicos específicos que
expectativa de que estas fede-
rações, com o transcorrer do
camente em nível de graduação, referentes oferecem cursos e programas para públi-
tempo, se transformassem em aos aspectos de sua diversificação e de seu cos portadores de diferentes motivações e
universidades. Ver a este res-
peito o Relatório do Grupo de crescimento. Parte-se do pressuposto de que perspectivas profissionais, bem como pro-
Trabalho da Reforma Universi- este sistema ocupa uma posição fundamen- curam manter uma relação de sintonia com
tária (Revista Paz e Terra, no 9,
outubro de 1968, p. 253). tal na dinâmica dos processos de inovação as amplas demandas oriundas da dinâmica
sileira, talvez seja preciso reconhecer que tidade nacional, etc. A crise recente das 8 Com relação à participação
destacada das instituições pú-
o termo universidade, em certa medida, tem universidades federais desencadeou uma blicas no sistema nacional de
pós-graduação, consultar as
funcionado mais como um ilusionismo ampla reflexão, por parte da comunidade publicações Avaliação da Pós-
semântico do que como um conceito com acadêmica, da sociedade e do governo, que Graduação: Síntese dos Resul-
tados. 1981-1993 (Capes,
características unívocas. Na verdade, este ainda se encontra em curso, sendo que vá- Brasília, MEC, 1996); Uma
modelo único que permeia boa parte do rias destas considerações têm convergido Década de Pós-graduação:
1987-1996 (Capes, Brasília,
nosso imaginário acadêmico, calcado em no sentido de salientar a necessidade do MEC, 1997). Sobre a partici-
pação das instituições federais
princípios tais como o da universalidade de fortalecimento dessa rede, ou seja, da im- na produção científica e na
campo e o da indissociabilidade entre ensi- portância de se garantir um efetivo com- capacitação docente no país,
ver os artigos de Vilma Figuei-
no, pesquisa e extensão, pouco resiste a uma prometimento por parte do governo fede- redo e Fernanda Sobral, “A
Pesquisa nas Universidades
confrontação com a realidade acadêmica ral na manutenção e no aprimoramento Brasileiras”, e de Ivan Sérgio
das instituições. A institucionalização da destas instituições. Na verdade, elas são fun- “A Universidade Pública, a
Formação de Quadros e o País
pós-graduação ocorrida no país a partir dos damentais para o desenvolvimento do país, (in Jacques Velloso (org.), Uni-
anos 70, que constituiu um fato inovador e uma vez que constituem uma rede nacional versidade Pública, Política, De-
sempenho, Perspectivas, São
extremamente positivo no campo acadê- de estabelecimentos, espalhada pelo terri- Paulo, Editora Papirus, 1991).
NEO
MPORÂ REVISTA USP, São Paulo, n.39, p. 58-82, setembro/novembro 1998 75
disso, torna-se necessário um conjunto de graduação no processo de melhoria dos
ações que tenha como alvo o conjunto das cursos de graduação, etc.
instituições do sistema de ensino, que deve Um dos pontos de partida para colocar
ser enfrentado em sua totalidade. Trata-se, em prática uma política voltada para o con-
portanto, de criar mecanismos reais que junto do sistema parte do reconhecimento
qualifiquem academicamente o sistema de que ele não é apenas díspar na qualidade
como um todo. Nesse sentido, deve-se as- do ensino, da pesquisa e da extensão ofere-
sinalar que a política educacional desen- cida pelas diferentes instituições. Ele é tam-
volvida a partir de 1995, através de deter- bém fundamentalmente um sistema multi-
minadas medidas, criou condições favorá- facetado, composto por instituições públi-
veis com relação à diversificação institucio- cas e privadas, com diferentes formatos
nal do ensino superior, bem como estabe- organizacionais e, especialmente, desem-
leceu mecanismos capazes de orientar um penhando múltiplos papéis e funções tanto
novo processo de expansão, pautado por local e regionalmente como com abrangên-
pressupostos de qualidade acadêmica. No cia nacional e internacional. A tentativa de
entanto, cumpre ressaltar que, na maioria enquadrar toda essa riqueza e pluralidade
das vezes, a ação governamental concen- num modelo único – que, em boa medida,
trou-se em problemas ad hoc, procurando tem comandado as representações e as prá-
equacionar problemas específicos, dando ticas acadêmicas no país – tem sufocado
a impressão de uma ação fragmentada, ao por muito tempo todo o nosso sistema,
gerar, por exemplo, uma lei relativa à esco- obstaculizando experiências inovadoras
lha dos dirigentes das universidades fede- capazes de aproximar essas instituições do
rais, ao publicar um decreto especificando contexto social em que elas se inserem.
a natureza e o funcionamento das institui- A reforma do ensino superior que se
ções de ensino com finalidade lucrativa, ao faz necessária deve assumir como um de
formular um anteprojeto visando a autono- seus pressupostos básicos uma deliberada
mia das universidades federais, etc. Certa- recusa de privilegiar um único formato de
mente estas questões são da maior perti- organização para o conjunto do sistema,
nência e devem ser equacionadas. O que se de tal modo que possa permitir que flores-
deseja registrar é, no entanto, o fato de çam no interior de cada instituição as suas
parecer ter faltado a formulação de um pla- reais vocações e potencialidades específi-
no mais geral e integrado que contemplas- cas. Essa postura possibilitará uma maior
se um conjunto de medidas estratégicas articulação das instituições de ensino com
voltadas para o sistema enquanto um todo, as demandas de diferentes perfis de for-
como, por exemplo, iniciativas dirigidas mação profissional advindas do mercado
para a redução das desigualdades regionais de trabalho, um maior diálogo com as di-
existentes no ensino superior, ações visan- versas aspirações de profissionalização
do uma ampla política de qualificação dos dos estudantes e uma maior integração com
docentes que atuam no ensino de terceiro os diversos contextos societários que as
grau, uma política clara e explícita para o permeiam. Com isso, o sistema de ensino
fortalecimento das universidades federais, superior estará estabelecendo uma inte-
iniciativas voltadas para a melhoria do ração mais profícua e efetiva com a soci-
ensino privado, um maior impacto da pós- edade brasileira.
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Fonte: MEC/INEP/SEEC
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TABELA 2
80
Evolução da Matrícula por Natureza e Dependência Administrativa – Brasil 1980-96
1980 1.377.286 652.200 305.099 81.723 17.019 248.359 96.892 2.622 - - 94.270 628.194 11.616 24.907 49.246 542.425
1981 1.386.792 644.203 301.505 82.356 17.595 242.747 186.540 2.244 5.239 179.057 556.049 11.712 45.059 70.100 429.178
1982 1.407.987 659.500 305.468 87.499 17.624 248.909 189.146 - - 7.198 181.948 559.341 11.472 47.402 71.725 428.742
1983 1.438.992 687.860 328.044 98.371 17.213 244.232 206.408 - - 5.032 201.376 544.724 12.074 48.826 67.129 416.695
1984 1.399.539 672.624 314.194 106.066 17.602 234.762 198.818 - - 4.067 194.751 528.097 12.005 49.947 67.998 398.147
1985 1.367.609 671.977 314.102 104.441 15.414 238.020 184.016 - - 4.052 179.964 511.616 12.420 42.375 63.876 392.945
1986 1.418.196 722.863 313.520 104.816 20.600 283.927 190.711 - - 3.094 187.617 504.622 12.214 48.973 74.415 369.020
1987 1.470.555 761.236 315.956 114.418 26.180 304.682 197.810 - - - - 197.810 511.509 13.467 53.621 61.323 383.098
1988 1.503.555 770.240 304.465 129.785 17.178 318.812 201.744 - - 965 200.779 531.571 13.366 60.951 58.641 398.613
1989 1.518.904 816.024 301.535 136.137 21.663 356.689 183.483 - - - - 183.483 519.397 13.748 57.560 53.771 394.318
1990 1.540.080 824.627 294.626 136.257 23.499 370.245 202.079 - - - - 202.079 513.374 14.241 58.160 51.842 389.131
1991 1.565.056 855.258 305.350 153.678 24.390 371.840 225.700 9.266 216.434 484.098 14.785 48.637 49.630 371.046
TABELA 6
Total % Total %