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Revista Brasileira de Geoclênclas 13(2):98-105, Junho, 1983 - São Paulo

o PAPEL DA
DERIVA LITORÂNEA DE SEDIMENTOS ARENOSOS NA
CONSTRUÇÃO DAS PLANíCIES COSTEIRAS ASSOCIADAS ÀS
DESEMBOCADURAS DOS RIOS SÃO FRANCISCO (SE-AU, JEOUITINHONHA
(BA), DOCE (ES) E PARAíBA DO SUL (RJ)

JOSÉ MARIA L. DOMINGUEZ", ABíLIO CARLOS S. P. BITTENCOURT" e LOUIS MARTIN""

ABSTRACT Wave-induced longshore drlft played an important role tn the construction of the
Quaternary coastal plains assocíated with the São Francisco, the Jequitinhonha, the Doce and the
Paraíba do Sul rivers. Geomorphic indicators shown on these coastal plains, e.g. spits, hooked
spíts, and tunate sandkeys.] were used to determine the patterns. of the littoral sand drift in these re-
gíons. It was possible to demonstrate, through the knowledge of these patterns, that the incorpora-
tion of litoral drifted sand sedíments to these plains cccurs mainly through a mecanism'named here-
in as the groin-effect. According to this mecanism the river acts as a hydrauiic groin, retainning,
00 its updrift slde, the littoral drifted sand sediments. As a consequence the updrift side progrades
more rapidly than the downdrift one, which is nourished mainly by the sediments carried by the ri-
verso An assimetry in facies distribution between downdrift and updrift sides rcsults. The updrift side
progrades through the addition of sucessive beach ridges, forming a continuous sand sheet,
whereas at the downdrift side the progradation is promoted by the incorporatíon of sandy islands
backed by mangrove swamps. The !ittoral sand drift can also promote an intermittent migration of
the river mouth in downdrift direction. .

INTRODUÇÃO As zonas de progradação associadas às tante papel na história evolutiva daquelas feições, embora
desembocaduras dos grandes rios que deságuam na costa les- não se tenham detido a analisar o assunto.
te brasileira têm sido objeto de uma série de estudos nos últi- Tendo em vista o fato de que as zonas de progradação
mos anos. Assim, Araújo e Beurlen (1975) e Bandeira Jr. et acima mencionadas se desenvolveram em ambiente domina-
01. (1975) estudaram, respectivamente, as planicies costeiras do por ondas, tendo estado portanto sujeitas à ação de cor-
associadas às desembocaduras dos rios Paraiba do Sul (RJ) e rentes litorâneas induzidas por este agente, acredita-se ser
Doce (ES) (Fig. I), caracterizando-as do ponto de vista sedi- oportuno analisar o papel desempenhado pela deriva li-
mentológico. A planície costeira do Rio Paraiba do Sul foi torânea de sedimentos na construção dessas feições. Serão
ainda estudada por Dias e Gorini (1980) e Dias (1981), que analisadas neste trabalho as planicies costeiras associadas às
identificaram suas principais províncias morfológico-sedi- desembocaduras dos rios São Francisco, Jequitinhonha, Do-
mentares. Bittencourt et 01. (1982), Dominguez et 01. (19820) e ce e Paraíba do Sul (Fig. I), escolhidas em função de já exis-
Suguio et 01. (1981), levando em conta as oscilações do nível tirem ai dados suficientes para se proceder a uma análise des-
relativo do mar durante o Quaternário na costa leste do Bra- ta natureza.
sil, mapearam e dataram os principais depósitos sedimenta-
res correlativas a esses eventos nas planícies costeiras asso-
ciadas, respectivamente aos rios São Francisco (SE-AL), Je-
quitinhonha (BA) e Doce (ES) (Fig. I). Esses autores estabe-
leceram as principais linhas da evolução quaternária dessas Foz Rio s. srcoctscc
zonas de progradação, sintetizadas em Dominguez et 01.
(1981), concluindo que o principal fator a controlar a sedi-
mentação nessas regiões foram as variações do nivel relativo
do mar. Desse modo, por ocasião dos eventos regressivos,
grandes quantidades de areia foram expostas na plataforma Foz Rio JOQUltintlontlo

continental, constituindo-se, assim, na principal fonte de se-


dimentos a alimentar a progradação. Os eventos transgressi-
vos, por outro lado, interromperam a progradação, erodin- Rio Doce
do e afogando as planicies costeiras, e possibilitaram o apa-
recimento de sistemas laguna-ilha barreira. No caso dos rios
Paraíba do Sul e Doce, os mesmos passaram então a cons-
truir deltas nessas lagunas. Bittencourt et 01. (1982) e 00-
minguez et 01. (19820 e c) também aventaram a possibilidade Figura 1 - Desembocaduras associadas a zonas de progradação na
de a deriva litorânea de sedimentos ter exercido um impor- costa leste do Brasil

• Programa de Pesquisa e Pós-Graduação em Geoflsica e Instituto de Geociências da UFBa, Rua Caetano Moura, 123, Federação, CEP
40000, Salvador, BA
•• Office de la Recherche Scientifique et Téchnique Outre-Mer (ORSTOM), França, e Observatório Nacional, Rua General Bruce, 586, CEP
20000, Rio de Janeiro, RJ
Rel'is/o 8rusileirtJde Geoaénctas, Volume 13(2), 1983 99

INDICADORES GEOMÓRFICOS DO SENTIDO PREFE-


RENCIAL DO TRÂNSITO LITORÂNEO DE SEDIMENTOS
ARENOSOS NAS PLANlclES COSTEIRAS ESTUDA-
DAS Quando as ondas se-aproximam da linha de costa
segundo um ângulo agudo, uma corrente fluindo longitudi-
nalmente à praia se estabelece (Fig. 2A). A velocidade desta
corrente cai rapidamente a zero, externamente à zona de re- 2
bentação, estando sua atuação restrita à zona de surfe (Ko-
mar, 1976). Esta corrente, associada ao movimento em zi-
guezague das partículas sedimentares provocado pela ati vi-
3
dade de espraiamento das ondas de encontro à face da praia
(swash transport) (Fig. 2B), constitui o principal agente res-
ponsàvel pela deriva litorânea de sedimentos ao longo da
costa.
A quantificação da movimentação longitudinal de sedi-
mentos induzida pela ação das ondas é operacionalmente di-
ficultada pelas próprias caracteristicas de alta energia do am-
biente praial. Associe-se a isto também a carência generaliza-
da de dados relativos ao regime de ondas que afeta a costa
leste brasileira. Por essas razões, optou-se, neste trabalho,
por um método indireto de estudo, que consistiu na obser-
vação de feições geomórficas presentes na planície costeira
que possibilitassem estabelecer, ainda que de maneira es-
quernática, o padrão do trânsito litorâneo de sedimentos are-
nosos nas regiões aqui consideradas. Proceder-se-à, a seguir,
uma descrição dos principais indicadores geomórficos en-
contrados nas planícies costeiras associadas às desemboca-
duras dos rios São Francisco, Jequitinhonha, Doce e Pa-
raíba do Sul.
Figura 2 - Agentes responsáveis pela deriva litorânea de sedimen-
tos arenosos ao longo da costa: A - corrente longitudinal; B -
Esporões (hooked spits, AGI. 1972) Foram observa- swash transport. Indicadores geomôrftcos do sentido preferencial
das em processo de formação na linha de costa atual, ou co- do trânsito litorâneo de sedimentos arenosos; C - esporão; D e E
mo testemunhos preservados no interior das planícies costei- - pontais arenosos; F - ilha lunada arenosa; G - configuração
ras, flechas arenosas, via de regra associadas a desemboca- da linha de costa; e H - acumulação costeira assimétrica

--- --- ---

DA DERIVA INDICADO POR:

ç? Pontal Arenoso

~ Dunas Plefstocênlcce
J~ ~I Pântano ~Fixl1dos
IOo{h IMangue
Ó r.rj'liffITerrot() Marinho
l!.!.lill.!J Pleretccênlcc
~ L!3Clue AlUViai
1=:=ITerraço Fluvial ~ Pleletocênlcc
!?:$:f~_o;:J Dunas Ativos ~ Fm. Barreiros
1~:?v'l Dunas Hclocênlccs ~ Cretáceo
. ('""ro!, Fixados
1=:=:,"'1 Terraço Marinho
Holocênico
.<- . . . . . .
,..-:::::::-- Alinhilrnenta CordlSe&
Holo,çsrucas
RIO SÃO FRANCISCO .,.)../ Falésia Morta

Figura 3 - Mapa geológico da planície costeira associada à desembocadura do Rio SOo Francisco (segundo Bittencourt et al., 1982) e indica-
dores geomórficos do sentido preferencial da deriva litorânea de sedimentos arenosos
100 Rt>visla Brast'/f'ira de Geccíêncías. Volume 13(2), 1983

duras de canais de maré. Essas flechas apresentam ao longo são ainda encontrados no interior da planície costeira teste-
de seus corpos feições geomórficas do tipo esporão, sugerin- munhos de antigos pontais arenosos imobilizados pela pro-
do que sua origem se deve a um processo de acréscimo lateral gradação (Fig. 3C).
de sucessivos esporões acompanhado pela migração, no mes- b) Pontais arenosos que crescem enraizados em saliências
mo sentido, da entrada do canal de maré associado. Tal da linha de costa (salient traps, Davies, 1972) (Fig. 2E). Este
acréscimo é alimentado pela deriva litorânea de sedimentos, tipo não é mais ativo na linha de costa atual das regiões pes-
conforme mostra a Fig. 2C I e 2, cujos sentidos, no que se quisadas, contudo foram encontrados alguns testemunhos
refere às planícies costeiras associadas aos rios São Francis- antigos no interior da planície costeira do Rio Paraiba do
co, Jequitinhonha, Doce e Paraiba do Sul, aparecem indica- Sul. Trata-se de diversos pontais arenosos que cresceram an-
dos nas Figs. 3A e B, 4A e B, 5A e 6B e C. corados no Cabo de São Tomé e que durante seu desenvolvi-
mento deram origem às lagoas Salgada, das Ostras, das Fle-
Pontals aranosos I spits, AGI, 1972) Trata-se de chas e Mololô (Fig. 6B).
linguas de areia que se desenvolvem a partir de um enraiza- O desenvolvimento desses dois tipos de pontais arenosos
mento num ponto de amarração situado na linha de costa. é alimentado pela deriva litorânea de sedimentos, e seu senti-
De forma diferente das flechas arenosas acima mencionadas, do de crescimento constitui portanto um bom indicador do
esses pontais não apresentam feições do tipo esporão em seu sentido da deriva (Komar, 1976).
corpo nem tampouco estão associados a entradas de canais
de maré. Em função do ponto de amarração, foram identifi- Ilhas lunadas arenosas (lunate sandkeys, AGI.
cados dois tipos de pontais arenosos nas planícies costeiras 1972) Estas ilhas, de forma em crescente, parecem estar
estudadas: relacionadas ao retrabalhamento pelas ondas de barras de
a) Pontais arenosos que crescem enraizados em uma ou desembocadura (Fig. 2F I, 2 e 3). A refração das ondas ao
ambas as margens da desembocadura fluvial (Fig. 2D), co- redor do obstáculo, representado por essas barras, faz com
mo é o caso das desembocaduras dos rios São Francisco que as mesmas adquiram extremidades recurvadas. Essas ex~
(margem direita, Fig. 3C), Jequitinhonha (margem direita, tremidades, por ação da deriva litorânea, tendem a aumen-
Fig. 4B), Doce (margem esquerda, Fig. 5B) e Paraíba do Sul tar em comprimento ao mesmo tempo que apontam no senti..
(margem direita, Fig. 6A). No caso do Rio São Francisco, do preferencial desta deriva. Atualmente, as ilhas lunadas

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SENTIDO DA DERIVA INDICADO POR: I )
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, Esporôo <f!!I POrllol Arenoso
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I
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I~ ~Ioaõntcnc
I .>L. ......
• L090 0

j::::::::ITerroço Fluvilll -"" Allnhomento Cord68s


~ Hclocãnlcos
F';':;:"]Terfoço Marinho ........ Allnllllmenlo Cordões
"":'c,:," Holocênlco --::;::;- steretcceetcce
1::::;ITerroço Morinho ...)J Fohhio MarIa
; •••• Plelefccênlec
/ Truncamento na orteeteeec
GFm.Borreiros dos Cordõu

G:]Pr8combriono
RiO DOCE

Figura 4 - Mapa geológico da planiciecosteira associada à desem- Figura 5 - Mapa geológico da ptantcte costeira associada à desem-
bocadurado Rio Jequitinhonha (segundo Domingues; et al., 1982c) bocadura do Rio Doce (segundo Suguio et al., 1981) e indicadores
e indicadores geomárficos do sentido preferencial da deriva /i- geomôrficosdo sentido preferencial da deriva litorânea de sedimen-
torãnea de sedimentos arenosos tos arenosos
Revisto Brasileiro de Oeoctênctas, Volume 13(2). 1983 101

, um sentido preferencial para a deriva litorânea. No presente


/
/ trabalho, esta análise foi feita apenas em relação à planície
-:
/
costeira do Rio Doce, tendo em vista ser possível ai identifi-
, " / car trechos de costa cuja geometria não parece estar direta-
-_/ mente relacionada ao curso de água principal. É o caso, por
exemplo, da primeira geração de cordões holocênicos (Fig.
5A) que foi construída em um período no qual os apertes
fluviais, segundo Suguio et ai. (1981), ficaram retidos dentro
de uma laguna. De outro lado, a linha de costa nas vizinhan-
~Km LogoQ$
® ças da Lagoa do Zacarias (Fig. 5A) apresenta uma ligeira in-
(j)$<llgado tumescência cuja disposição espacial dos cordões litorâneos
@OSltas contidos em seu interior sugere tratar-se de uma forma de
l3l rrecncs acumulação costeira de natureza assimétrica (Zenkovich,
@MoIolõ
1967), construída em condições de fluxo unilateral de sedi-
mentos, segundo mecanismo Ilustrado na Fig. 2H I, 2 e 3.
SENTIDO DA DERIVA INClCADO POR Esta feição pode, portanto, também ser utilizada como indi-
'Esporõo ~ Pontol Arenoso cador de um sentido preferencial para a deriva litorânea na
Pilho tunado (>l t~~~~;~Fa:$Slmétrico região estudada.
\ Na planície costeira do Rio Paraíba do Sul, o arranjo es-
UPllnlono \ pacial dos cordões litorâneos externamente à Lagoa Salgada
grerrovo Flu.,oi _ Lagoa
(Fig. 68) indica que os mesmos, durante sua construção, es-
DTf:I~aífni~orinho t~~~~e~~?OCênlCO$
tavam igualmente associados a uma forma de acumulação de
[[ffiJ~~;~f~c~n~~~hO\ ~ ~~~~~~n~~eil'ocênieos natureza assimétrica.
a Fm.Borreiros \..)./ Foleslo Morto

rn Precombrlono \ RIO PARAíBA DO SUL


PADRÂO DO.TRÂNSITO LITORÂNEO DE SEDIMENTOS
Figura 6 - Mapa geológico da planície costeira associada à desem- ARENOSOS NAS PLANlclES COSTEIRAS ESTUDA·
bocadura do Rio Paraíba do Sul (modificado de Dias, 1981) e indica- DAS A partir da análise efetuada anteriormente foi
dores geomórficos do sentidopreferencial da deriva litorânea de se- possível estabelecer os seguintes sentidos para O trânsito li-
dimentos arenosos torâneo de sedimentos arenosos nas planícies costeiras aqui
consideradas:

Rio Silo Francisco Sentido preferencial para a deriva li-


arenosas estão associadas apenas à desembocadura do Rio torânea: NE-SW, atuante provavelmente durante a cons-
Paraiba do Sul (Fig. 6A). Testemunhos mais antigos, ainda trução dos terraços marinhos pleístocênícos e holocêmcos.
muito bem preservados, foram também identificados no in- Além dos indicadores apontados na Fig. 3, Bittencourt et ai.
terior da planície costeira associada a este rio (Fig. 6A). (1982 e no prelo) identificaram na planície costeira sssociada
à foz do Rio São Francisco três gerações de dunas, uma
Configuração da linha de costa Tanner (1958) intro- pleistocêníca e duas holocênícas (Fig. 3), que exibem notável
duziu o conceito de praia em equilíbrio (equi/ibrium beach), uniformidade de orientação, evidenciando que, durante toda
segundo o qual as configurações em plantas e em perfil de a história da evolução da planície costeira, os ventos sopra-
uma praia estão de tal maneira aj ustadas ao regime de ondas ram persistentemente do quadrante NE, que é de-onde se ori-
que predomina em uma determinada região, que as mesmas, ginam os ventos que predominam para a região nos dias
ao alcançarem a linha de costa, fornecem a energia precisa- atuais (Coutinho, 1970). Tais ventos, para possibilitarem o
mente requerida para transportar a carga de sedimentos de desenvolvimento de campos de dunas tão extensos, devem
que é suprida a praia. Resulta dai que a configuração da li- ser relativamente "duros" e capazes, portanto, de induzir'a
nha de costa é controlada principalmente pela curvatura e formação de ondas de energia suficiente para exercerem um
orientação das cristas de ondas refratadas. Este fato tem si- trabalho geom6rfico significativo.
do bem demonstrado principalmente pelos trabalhos de Ko-
mar (1976), que utilizou simulação por computadores para Rio Jequitinhonha Sentido preferencial da deriva li-
prever a configuração da linha de costa em variadas si- torânea: S-N, atuante provavelmente durante todo O Holo-
tuações de energia e díreção de aproximação das ondas. Este ceno. Não foi possível encontrar na planície costeira indica-
fenômeno é bem ilustrado para trechos costeiros contidos dores que permitam extrapolar este sentido preferencial da
entre dois promontórios (Fig. 20), quando a Unha de costa se deriva litorânea também para o Pleistoceno.
orienta de tal maneira que o setor situado a sotamar (down-
drift) prograda mais rapidamente, às expensas dos sedimen- Rio Doce· Para o Rio Doce, durante a evolução da
tos carreados de barlamar (updrifl) pela deriva litorânea. planície costeira, puderam ser estabelecidos dois sentidos
Desse modo, em costas expostas à ação da deriva litorânea, a preferenciais para o trânsito litorâneo de sedimentos. Um
observação da configuração da linha de costa, bem como da primeiro, de orientação N-S, parece ter predominado na
orientação dos feixes de cordões litorâneos que constituem região durante a construção dos terraços marinhos pleis-
antigos testemunhos dessas linhas, pode possibilitar o esta- tocênicos e durante a construção d~ primeira geração de
belecimento do sentido preferencial do trânsito litorâneo de cordões holocênicos (Fig. 5A). Em seguida, quando da cons-
sedimentos. Esta análise pode ser, entretanto, dificultada pe- trução do sistema de. cordões litorâneos associados ao intu-
la presença de um curso fluvial que induza uma confor- mescimento apresentado pela planieie costeira nas vizinhan-
mação em cúspíde para a linha de costa, fazendo com que a ças da Lagoa do Zacarias, O sentido da deriva inverteu-se pa-
largura da planície costeira aumente em direção à desembo- ra S-N. Mais recentemente, O trânsito litorâneo readquiriu
cadura fluvial, sem que este fato indique necessariamente seu sentido original N-S, como atesta O pontal arenoso as-
102 Revista Brasileira de Oeocténctas, Volume 13(2), 1983

sociado à desembocadura do Rio Doce (Fig. 5B). Esta última ta a barlamar da desembocadura progradasse de uma magni-
mudança no sentido da deriva litorânea é provavelmente res- tude maior que a sotamar. Efetivamente não ocorre erosão
ponsável pelo importante truncamento na orientação dos no litoral a sotamar, visto o mesmo ser abastecido pelos sedi-
cordões litorâneos nas proximidades da Lagoa do Zacarias mentos carreados pelo Rio Paraíba do Sul, assim como pelos
(Fi,.5A). sedimentos trazidos pela deriva litorânea que ocasionalmen-
Medidas de orientação de ondas realizadas pela Petrobrás te ultrapassam a foz em períodos de estiagem; quando a efe-
durante o período 1972/1973 (Bandeira Jr. et al., 1975) per- tividade do fluxo fluvial como barreira ao trânsito litorâneo
mitiram a identificação, para a região, de dois sistemas de de sedimentos se vê grandemente reduzida. A observação da
ondas procedentes dos quadrantes NE-E e SE-S, com Fig. 7A mostra que, tomando-se como referência a margem
predominância do primeiro, o que geraria um trânsito li- inferior da mesma, que seciona a planicie costeira a cerca de
torâneo preferencial de sentido norte-sul, corroborando 10 km em seu interior, é possível constatar que a linha de
desta forma as observações de caráter morfológico meneio- costa a barlamar da desembocadura progradou cerca de 1,5
.nadas anteriormente. vez mais que a linha de costa a sotamar.
Para o Rio Jequitinhonha, onde predomina uma deriva
Rio Paralba do Sul Sentido preferencial da deriva li- litorânea de sentido S-N, pode-se constatar que, desde a
torânea: S-N, atuante provavelmente durante a construção instalação de sua desembocadura atual, por volta de 2 500
dos terraços marinhos pleistocênicos e holocênicos. Este sen- anos A.P., a planície costeira a barlamar da embocadura
tido, deduzido a partir de observações de caráter geomórfi- progradou cerca de duas vezes mais que a sotamar (Domin-
co, encontra-se em notável conflito com as opiniões de Dias guez, 1982) (Fig. 7B). Nas duas outras desembocaduras ocupa-
e Gorini (1980) e Dias (1981), que atribuem para a deriva li- das por este rio durante o Holoceno, entre 3 500 e 2 700
torânea um sentido inverso ao do aqui indicado. Esta con- anos A.P. e entre 5 100 e 3800 anos A.P., Dominguez (op.
tradição prende-se ao fato de aqueles autores terem dispen- cil.), por uma análise das orientações dos cordões Iitorâneos
sado demasiada importância aos ventos de NE que, embora a elas associados, igualmente constatou a existência de efei-
predominem nessa região durante a maior parte do ano, são to de molhe, com o litoral a barlamar da desembocadura
também os mais fracos, apresentando força inferior a 4 na tendo sempre pro gradado mais rapidamente que a sotamar.
escala deBeaufort (Araújo e Beurlen, 1975)e sendo, portan-
to, inapropriados para a geração de ondas capazes de exercer
trabalho geomórfico significativo (Davies, 1972).

o PAPEL DA DERIVA LITORÂNEA DE SEDIMENTOS


ARENOSOS NA CONSTRUÇÃO DAS PLANlclES COSo
. TEIRAS ESTUDADAS Observações feitas nas planícies
costeiras em apreço mostram que a interação entre o fluxo
fluvial e a deriva litorânea de sedimentos se processa princi-
palmente segundo duas maneiras: a) efeito de molhe e b) mi-
gração da desembocadura.

Efaito da molhe São bastante conhecidos os efeitos da


construção de molhes perpendicularmente à linha de costa.
Essas estruturas marítimas, enraizadas em terra, geralmente
são construídas de modo a se estender além da zona de re-
bentação, interrompendo completamente o trãnsito li-
torâneo de sedimentos. Como resultado, os sedimentos fi-
carão retidos de encontro ao molhe, fazendo com que a linha
de costa a barlamar desta estrutura avance rapidamente. A
sotamar, a deriva litorânea continua atuante, removendo os
sedimentos e provocando recuo e-erosão da linha de costa.
Komar (1973), desenvolvendo modelos por meio da simu-
lação por computadores do crescimento e da forma de
equilíbrio de deltas nos quais a ação das ondas é a força pre-
dominante na redistribuição dos sedimentos, chamou a
atenção para o fato de que, em presença de ondas que se
aproximam da costa segundo um ângulo agudo, o fluxo flu-
vial se comporta à semelhança de um molhe, constituindo
uma barreira à deriva litorânea, o que faz com que a planície
deltaica a barlamar da embocadura prograde mais rapida-
mente que a sotamar j que por sua vez se irá caracterizar co-
mo uma região de déficit de sedimentos. Este fenômeno, ob-
servado nas planícies costeiras associadas às desembocadu-
ras dos rios Paraíba do Sul, Jequitinhonha e São Francisco,
será aqui designado efeito de molhe.
O efeito de molhe é bem ilustrado na desembocadura do Figura 7 - Mapas geológicos de parte das planícies costeiras asso-
Rio Paraíba do Sul (Fig. 7A), onde os sedimentos mobiliza- dadas às desembocaduras dos rios Paraíba do Sul (A), Jequitinho-
dos pela deriva litorânea de sentido S-N, que predomina nha (B) e SOoFrancisco re). Ver legenda da Fig. 3. Na Fig. 78, as tl-
para a região, e retidos de encontro ao espigão hidráulico re- nhas grossas representam cordõeslitorâneos formados nos últimos
presentado pelo fluxo fluvial fizeram com que a linha de cos- 2500 anos
Revtn« erositeiro de Geociéncias. Volume 13(2), 1983 103

Na planície costeira do Rio São Francisco, o efeito de b) Em época de estiagem, a efetividade do espigão
molhe não é tão evidente, devido principalmente à intensida- hidráulico representado pelo fluxo fluvial é grandemente re-
de da atividade eólica que tem afetado a região. De fato, os duzida. Como conseqüência, a meia-cúspide construída a
ventos, removendo sedimentos da praia e transportando-os barlamar, na fase anterior, experimenta um acelerado pro;
para o interior da planície costeira, impediram uma progra- cesso de erosão..Os sedimentos erodidos são deslocados para
dação mais acentuada da região a barlamar da desembo- sotamar, originando um pontal arenoso que obstrui parcial-o
cadura. mente a desembocadura. Este processo deixa como testemu-
Como conseqüência do efeito de molhe pode-se constatar nho sobre a planicie costeira uma linha de truncamento (Fig.
uma marcada assimetria na distribuição das fácies sedimen- 8B).
tares entre os dois lados da desembocadura fluvial, reflexo c) Se a estiagem é prolongada, o pontal arenoso irá con-
da atuação de diferentes mecanismos de progradação. En- solidar-se de tal forma a não poder ser mais erodido na
quanto a barlamar da desembocadura a linha de costa avan- próxima cheia. Ao fim do processo, com a retomada das
ça à custa da incorporação gradativa de sedimentos arenosos condições normais de vazão, a desembocadura ter-se-á des-
trazidos pela deriva litorânea, a sotamar a progradação se locado a sotarnar, onde irá mais uma vez desempenhar seu
processa em função principalmente dos apartes fluviais, seja papel de espigão hidráulico. Sobre a linha de truncamento
pelo desenvolvimento de pontais arenosos que crescem en- será construído a barlamar da desembocadura novo sistema
raizados na margem da desembocadura a sotamar, seja pelo de cordões arenosos, alimentado pelos sedimentos transpor-
retrabalhamento de barras de desembocadura que, pela ação tados ao longo da costa e retidos de encontro ao obstáculo
da refração das ondas, evoluem para ilhas lunadas.
meiro mecanismo parece predominar para o Rio São Fran-
° pri- representado pelo fluxo fluvial (Fig. 8C).
Na desembocadura do Rio São Francisco não foi detecta-
cisco (Figs. 3C e 7C) enquanto o segundo é mais caracteristi- do nenhum movimento de migração da foz, provavelmente
co do Rio Paraiba do Sul (Figs. 6A e 7A). Uma vez forma- devido ao fato de este rio apresentar vazões elevadas (média
das, essas ilhas e esses pontais abrigam em seu lado interno anual de 2 756 m' Is para o periodo 1929/1964, UNESCO,
uma zona protegida, rapidamente colonizada por mangue- 1971), se comparadas às apresentadas pelos rios Jequitinho-
zais, e que passa a captar os sedimentos finos carreados pelo nha (média anual de 434,68 m' Is para o periodo 1943/1969,
rio. Para o Rio São Francisco, esta diferença na dinâmica da UNESCO, 1971) e Paraiba do Sul (média anual de 902 m'ls
progradação persiste provavelmente desde o início da cons- para o periodo 1928/1964, UNESCO, 1971).
trução da planície costeira holocênica, uma vez que testemu- Para o Rio Doce, nenhum dos fenômenos anteriormente
nhos de antigas ilhas de areia e sedimentos de mangue a elas considerados foi verificado, seja o efeito de molhe e a con-
associados são encontrados nas porções mais internas da me- seqüente assimetria na distribuição das fácies sedimentares,
tade sudoeste da planície, o que efetivamente não ocorre pa- seja a migração da desembocadura. Duas passiveis causas
ra a metade a nordeste (Bittencourt et al., 1982). Para o Rio podem ser aventadas para explicar tal ausência: a) as sucessi-
Paraíba do Sul, a análise de fotografias aéreas mostra que vas inversões na deriva litorânea, em número de três, impe-
esta assimetria persiste até cerca de 10 km no interior da
planície costeira, o que representa aproximadamente metade
da largura total alcançada pela parte holocênica desta
planicie. Embora não tão marcante quanto nas demais
planícies costeiras, no Rio Jequitinhonha esta assimetria po-
de ainda ser percebida. De fato, enquanto a barlamar da de-
sembocadura o litoral exibe uma linha de costa contínua, a
sotamar esta continuidade é interrompida por uma série de
ilhas de areia que abrigam em seu lado interno, protegidos
da ação di reta das ondas, extensos manguezais (Fig. 7C).

Migração da desembocadura A presença de um trânsi-


to litorâneo preferencial de sedimentos pode provocar, além
dos fenômenos descritos no item anterior, uma migração in-
termitente da foz do rio no sentido de sotamar. Tal fenôme-
no é bem ilustrado nas desembocaduras dos rios Jequitinho-
nha e Paraiba dó Sul. Para o Jequitínhonha, Dominguez
(1982), tomando por base análises da orientação, morfologia
e padrões de truncamento dos cordões litorâneos, mostrou
ter ocorrido ao longo dos últimos 2 500 anos um desloca-
mento da desembocadura deste rio para o norte, portanto no
sentido de sotamar. No caso do Paraiba do Sul, este fenôme-
no havia sido reconhecido anteriormente por Lamego
(1940), que, a partir de dados históricos, determinou um des-
locamento de cerca de I km da foz no sentido de sotamar,
para um periodo de 25 anos.
O seguinte mecanismo, baseado em observações feitas
nas planicies dos rios Jequitinhonha e Paraiba do Sul, é pro-
posto para descrever este deslocamento:
a) Durante os períodos de vazão normal, o do se compor-
ta à semelhança de um molhe, interrompendo o trânsito li-
torâneo de sedimentos e provocando progradação acentuada Figura 8 - Esquema do mecanismo de migração da desembocadura
da linha de costa a barlamar da desembocadura (Fig. 8A). fluvial sob a ação da deriva litorânea de sedimentos arenosos
104 Revista Brasileira de Geociências, Volume 13(2), 1983

diram a atuação desses fenômenos durante períodos de tem- visto que a progradação da linha de costa nos dois lados da
po suficientemente prolongados de maneira a se tornarem desembocadura foi aproximadamente idêntica.
notáveis; e b) durante a maior parte da construção da Ainda que na planície costeira associada à desembocadu-
porção holocênica da planície costeira o Rio Doce desaguou ra do Rio Doce os fenômenos anteriormente mencionados
dentro de uma laguna (Suguio et al., 1981), não alcançando não tenham sido comprovados, não se pode, entretanto, ig-
diretamente o mar aberto e portanto não alterando a dinâmi- norar o fato de uma porção significativa dos terraços mari-
ca de sedimentação ao longo da costa. nhos holocênicos nesta região ter sido construído, em parte,
a partir de sedimentos Introduzidos na planície costeira pela
deriva litorânea, como atesta a primeira geração de cordões
DISCUSSÃO Embora não tenha sido possível determi-
holocênícos (Fig. 5A). Durante a construção desse sistema
nar em termos quantitativos a contribuição efetiva de deriva
de cordões, os aportes fluviais eram retidos dentro de uma
litorânea na construção das planícies costeiras aqui conside- laguna, não podendo portanto ser utilizados para promover
radas, ainda assim é possível demonstrar que o volume de se- a progradação da linha de costa.
dimentos carreados por este agente é de fato significativo,
podendo em alguns casos superar nitidamente os aportes flu-
viais. A progradação da linha de costa nas vizinhanças das CONCLUSÕES Inicialmente consideradas como deltas
desembocaduras fluviais estudadas neste trabalho é patroci- do tipo "altamente destrutivo dominado por ondas" (Ba-
nada por três fontes de sedimentos: a) aportes fluviais; b) se- coccoli, 1971), as planícies costeiras associadas às desembo-
dimentos expostos pelo abaixamento do nível do mar; e caduras dos grandes rios que deságuam na costa leste brasi-
c) sedimentos trazidos pela deriva litorânea.. Pode-se supor leira tiveram sua classificação como deltas questionada re-
que a contribuição devida ao abaixamento do nível do mar centemente por Dorninguez et ai. (1982a). Os trabalhos de-
seja idêntica nos dois lados da desembocadura e, portanto, senvolvidos por Bíttencourt et ai. (1982), Dominguez et ai.
Incapaz de promover velocidades de progradação diferentes (I 982a e c) e Suguio et ai. (1981) demonstraram o papel de-
nessas duas regiões. De outro lado, devido ao efeito de mo- sempenhado pelas variações do nível relativo do mar durante
lhe, o litoral a sotamar da desembocadura é alimentado pe- o Quaternário na construção dessas feições e mostraram ter
los apertes fluviais enquanto o litoral a barlamar é alimenta- sido o abaixamento de cerca de 5 m deste nível, durante os
do pela deriva litorânea. Assim, se os volumes de sedimentos últimos 5000 anos (Martin et al., 1980), expondo enormes
introduzidos por esses dois agentes forem equivalentes, po- quantidades de sedimentos na plataforma continental, o
dem-se esperar velocidades de progradação Idênticas para principal fator a alimentar a progradação na linha de costa
ambos os lados da desembocadura. Quando tal fato não nessas regiões. Neste aspecto, os rios São Francisco, Jequiti-
acontece, é evidente que existe então predomínio de um des- nhonha, Doce e Paraíba do Sul desempenharam um papel
ses agentes sobre o outro. A observação da Fig. 7B mostra secundário como supridores de sedimentos, durante a cons-
claramente que, no caso do Rio Jequitinhonha, durante os trução das planícies costeiras a eles associadas.
últimos 2 500 anos, a linha de costa a barlamar da desembo- A progradação não se deu apenas à custa dos sedimentos
cadura progradou aproximadamente duas vezes mais que a expostos durante a última regressão nas vizinhanças imedia-
sotamar (Dominguez, 1982; Dominguez et ai., 1982b). No tas dessas planicies costeiras. Importante papel pode ser atri-
caso do Rio Paraiba do Sul (Fig. 7A), embora não se dispo- buído aos sistemas de correntes induzidas por ondas, atuan-
nham de datações absolutas, é possível observar, se se consi- tes na zona litoral. Esses sistemas, responsáveis pela deriva
derar como referência uma linha de cerca de 10 km no inte- litorânea, podem introduzir quantidades significativas de se-
rior da planície costeira, que a linha de costa a barlamar da dimentos nas planícies costeiras aqui consideradas. A partir
desembocadura progradou de cerca de 1,5 vez mais que a li- da observação de feições geomórfícas presentes nas planícies
nha de costa a sotamar. Desse modo, pode-se afirmar que, costeiras em apreço, tais como pontais arenosos, esporões e
pelo menos durante a construção dos trechos acima mencio- ilhas lunadas, foi possível estabelecer o padrão do trânsito li-
nados das planícies costeiras associadas às desembocaduras torâneo dos sedimentos nessas regiões. O conhecimento des-
dos rios Paraíba do Sul e Jequitinhonha, o volume de sedi- te padrão permitiu demonstrar que a incorporação de sedi-
mentos introduzidos pela deriva litorânea superou por larga mentos transportados pela deriva litorânea se dá principal-
margem os apertes fluviais desses dois rios. mente pelo efeito de molhe, segundo o qual o rio funciona
No caso da planície costeira associada ao Rio são Fran- como um espigão hidráulico, retendo a barlamar da emboca-
cisco, verifica-se que a magnitude da progradação da linha dura os sedimentos mobilizados pela deriva lítorânea. O lito-
de costa, durante a construção da parte holocênica desta ral a sotamar é abastecido basicamente pelos aportes flu-
planície, foi praticamente idêntica nos dois lados da desem- viais, o que resulta em uma assimetria na distribuição das
bocadura. Ao mesmo tempo, constata-se a presença de uma fácies sedimentares entre os dois lados da desembocadura.
assimetria na distribuição das fácies sedimentares nos dois Enquanto no lítoral a barlamar da foz a progradação se pro-
lados da desembocadura, que persistiu também durante toda cessa pelo acréscimo sucessivo de cordões litorâneos, no lito-
a construção da porção holocêníca da planície costeira (Bit- ral a sotamar a progradação se dá pela incorporação de ilhas
tencourt et ai., 1982). Como esta assimetria é conseqüência arenosas. Essas ilhas protegem em seu lado interno zonas
direta do efeito de molhe, pode-se supor que os sedimentos a calmas, onde se instalam manguezais e que doravante pas-
barlamar da desembocadura foram trazidos pela deriva li- sam a captar os sedimentos finos trazidos pelo rio.
torânea enquanto a sotarnar a progradação se processou em Por fim, pode-se ainda acrescentar que a deriva litorânea
função dos aportes fluviais do Rio São Francisco, além da é capaz de promover uma migração da desembocadura flu-
contribuição daqueles sedimentos expostos pelo abaixamen- vial, concomitantemente com a progradação, fenômeno
to do nível do mar que, como se supôs anteriormente, deve constatado nas planicies costeiras associadas aos rios Jequi-
ser Idêntica para ambos os lados da desembocadura. Assim, tinhonha e Paraíba do Sul.
se se despreza o volume de sedimentos estocados na planície Apenas na planície costeira associada à desembocadura
costeira sob a forma de dunas, pode-se supor que durante o do Rio Doce os fenômenos anteriormente mencionados não
Holoceno a quantidade de sedimentos introduzidos pela de- foram comprovados, devido principalmente às diversas in-
riva litorânea na região foi equivalente aos apartes fluviais, versões sofridas no sentido preferencial da deriva litorânea,
Revista Brusiletra de Geacíéncias, Volume 13(2), 1983 105

e ao fato de este rio ter ocupado sua desembocadura atual Agradecimentos Os autores deixam aqui expressos seus
apenas muito recentemente. Ainda assim pode-se demons- agradecimentos, por intermédio do Programa de Pesquisa e
trar que uma porção significativa dos terraços marinhos ho- Pós-Graduação em Geofisica da UFBa, às entidades finan-
locênicos nessa região, como é o caso da primeira geração de ciadoras CNPq e Finep. Agradecimentos são extensivos à
cordões holocênicos, recebeu durante sua construção uma Profa. Zelinda Margarida de Andrade Nery Leão, pelas
importante contribuição dos sedimentos introduzidos pela criticas e sugestões apresentadas.
deriva litorânea.

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