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o PAPEL DA
DERIVA LITORÂNEA DE SEDIMENTOS ARENOSOS NA
CONSTRUÇÃO DAS PLANíCIES COSTEIRAS ASSOCIADAS ÀS
DESEMBOCADURAS DOS RIOS SÃO FRANCISCO (SE-AU, JEOUITINHONHA
(BA), DOCE (ES) E PARAíBA DO SUL (RJ)
ABSTRACT Wave-induced longshore drlft played an important role tn the construction of the
Quaternary coastal plains assocíated with the São Francisco, the Jequitinhonha, the Doce and the
Paraíba do Sul rivers. Geomorphic indicators shown on these coastal plains, e.g. spits, hooked
spíts, and tunate sandkeys.] were used to determine the patterns. of the littoral sand drift in these re-
gíons. It was possible to demonstrate, through the knowledge of these patterns, that the incorpora-
tion of litoral drifted sand sedíments to these plains cccurs mainly through a mecanism'named here-
in as the groin-effect. According to this mecanism the river acts as a hydrauiic groin, retainning,
00 its updrift slde, the littoral drifted sand sediments. As a consequence the updrift side progrades
more rapidly than the downdrift one, which is nourished mainly by the sediments carried by the ri-
verso An assimetry in facies distribution between downdrift and updrift sides rcsults. The updrift side
progrades through the addition of sucessive beach ridges, forming a continuous sand sheet,
whereas at the downdrift side the progradation is promoted by the incorporatíon of sandy islands
backed by mangrove swamps. The !ittoral sand drift can also promote an intermittent migration of
the river mouth in downdrift direction. .
INTRODUÇÃO As zonas de progradação associadas às tante papel na história evolutiva daquelas feições, embora
desembocaduras dos grandes rios que deságuam na costa les- não se tenham detido a analisar o assunto.
te brasileira têm sido objeto de uma série de estudos nos últi- Tendo em vista o fato de que as zonas de progradação
mos anos. Assim, Araújo e Beurlen (1975) e Bandeira Jr. et acima mencionadas se desenvolveram em ambiente domina-
01. (1975) estudaram, respectivamente, as planicies costeiras do por ondas, tendo estado portanto sujeitas à ação de cor-
associadas às desembocaduras dos rios Paraiba do Sul (RJ) e rentes litorâneas induzidas por este agente, acredita-se ser
Doce (ES) (Fig. I), caracterizando-as do ponto de vista sedi- oportuno analisar o papel desempenhado pela deriva li-
mentológico. A planície costeira do Rio Paraiba do Sul foi torânea de sedimentos na construção dessas feições. Serão
ainda estudada por Dias e Gorini (1980) e Dias (1981), que analisadas neste trabalho as planicies costeiras associadas às
identificaram suas principais províncias morfológico-sedi- desembocaduras dos rios São Francisco, Jequitinhonha, Do-
mentares. Bittencourt et 01. (1982), Dominguez et 01. (19820) e ce e Paraíba do Sul (Fig. I), escolhidas em função de já exis-
Suguio et 01. (1981), levando em conta as oscilações do nível tirem ai dados suficientes para se proceder a uma análise des-
relativo do mar durante o Quaternário na costa leste do Bra- ta natureza.
sil, mapearam e dataram os principais depósitos sedimenta-
res correlativas a esses eventos nas planícies costeiras asso-
ciadas, respectivamente aos rios São Francisco (SE-AL), Je-
quitinhonha (BA) e Doce (ES) (Fig. I). Esses autores estabe-
leceram as principais linhas da evolução quaternária dessas Foz Rio s. srcoctscc
zonas de progradação, sintetizadas em Dominguez et 01.
(1981), concluindo que o principal fator a controlar a sedi-
mentação nessas regiões foram as variações do nivel relativo
do mar. Desse modo, por ocasião dos eventos regressivos,
grandes quantidades de areia foram expostas na plataforma Foz Rio JOQUltintlontlo
• Programa de Pesquisa e Pós-Graduação em Geoflsica e Instituto de Geociências da UFBa, Rua Caetano Moura, 123, Federação, CEP
40000, Salvador, BA
•• Office de la Recherche Scientifique et Téchnique Outre-Mer (ORSTOM), França, e Observatório Nacional, Rua General Bruce, 586, CEP
20000, Rio de Janeiro, RJ
Rel'is/o 8rusileirtJde Geoaénctas, Volume 13(2), 1983 99
ç? Pontal Arenoso
~ Dunas Plefstocênlcce
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Holo,çsrucas
RIO SÃO FRANCISCO .,.)../ Falésia Morta
Figura 3 - Mapa geológico da planície costeira associada à desembocadura do Rio SOo Francisco (segundo Bittencourt et al., 1982) e indica-
dores geomórficos do sentido preferencial da deriva litorânea de sedimentos arenosos
100 Rt>visla Brast'/f'ira de Geccíêncías. Volume 13(2), 1983
duras de canais de maré. Essas flechas apresentam ao longo são ainda encontrados no interior da planície costeira teste-
de seus corpos feições geomórficas do tipo esporão, sugerin- munhos de antigos pontais arenosos imobilizados pela pro-
do que sua origem se deve a um processo de acréscimo lateral gradação (Fig. 3C).
de sucessivos esporões acompanhado pela migração, no mes- b) Pontais arenosos que crescem enraizados em saliências
mo sentido, da entrada do canal de maré associado. Tal da linha de costa (salient traps, Davies, 1972) (Fig. 2E). Este
acréscimo é alimentado pela deriva litorânea de sedimentos, tipo não é mais ativo na linha de costa atual das regiões pes-
conforme mostra a Fig. 2C I e 2, cujos sentidos, no que se quisadas, contudo foram encontrados alguns testemunhos
refere às planícies costeiras associadas aos rios São Francis- antigos no interior da planície costeira do Rio Paraiba do
co, Jequitinhonha, Doce e Paraiba do Sul, aparecem indica- Sul. Trata-se de diversos pontais arenosos que cresceram an-
dos nas Figs. 3A e B, 4A e B, 5A e 6B e C. corados no Cabo de São Tomé e que durante seu desenvolvi-
mento deram origem às lagoas Salgada, das Ostras, das Fle-
Pontals aranosos I spits, AGI, 1972) Trata-se de chas e Mololô (Fig. 6B).
linguas de areia que se desenvolvem a partir de um enraiza- O desenvolvimento desses dois tipos de pontais arenosos
mento num ponto de amarração situado na linha de costa. é alimentado pela deriva litorânea de sedimentos, e seu senti-
De forma diferente das flechas arenosas acima mencionadas, do de crescimento constitui portanto um bom indicador do
esses pontais não apresentam feições do tipo esporão em seu sentido da deriva (Komar, 1976).
corpo nem tampouco estão associados a entradas de canais
de maré. Em função do ponto de amarração, foram identifi- Ilhas lunadas arenosas (lunate sandkeys, AGI.
cados dois tipos de pontais arenosos nas planícies costeiras 1972) Estas ilhas, de forma em crescente, parecem estar
estudadas: relacionadas ao retrabalhamento pelas ondas de barras de
a) Pontais arenosos que crescem enraizados em uma ou desembocadura (Fig. 2F I, 2 e 3). A refração das ondas ao
ambas as margens da desembocadura fluvial (Fig. 2D), co- redor do obstáculo, representado por essas barras, faz com
mo é o caso das desembocaduras dos rios São Francisco que as mesmas adquiram extremidades recurvadas. Essas ex~
(margem direita, Fig. 3C), Jequitinhonha (margem direita, tremidades, por ação da deriva litorânea, tendem a aumen-
Fig. 4B), Doce (margem esquerda, Fig. 5B) e Paraíba do Sul tar em comprimento ao mesmo tempo que apontam no senti..
(margem direita, Fig. 6A). No caso do Rio São Francisco, do preferencial desta deriva. Atualmente, as ilhas lunadas
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Figura 4 - Mapa geológico da planiciecosteira associada à desem- Figura 5 - Mapa geológico da ptantcte costeira associada à desem-
bocadurado Rio Jequitinhonha (segundo Domingues; et al., 1982c) bocadura do Rio Doce (segundo Suguio et al., 1981) e indicadores
e indicadores geomárficos do sentido preferencial da deriva /i- geomôrficosdo sentido preferencial da deriva litorânea de sedimen-
torãnea de sedimentos arenosos tos arenosos
Revisto Brasileiro de Oeoctênctas, Volume 13(2). 1983 101
sociado à desembocadura do Rio Doce (Fig. 5B). Esta última ta a barlamar da desembocadura progradasse de uma magni-
mudança no sentido da deriva litorânea é provavelmente res- tude maior que a sotamar. Efetivamente não ocorre erosão
ponsável pelo importante truncamento na orientação dos no litoral a sotamar, visto o mesmo ser abastecido pelos sedi-
cordões litorâneos nas proximidades da Lagoa do Zacarias mentos carreados pelo Rio Paraíba do Sul, assim como pelos
(Fi,.5A). sedimentos trazidos pela deriva litorânea que ocasionalmen-
Medidas de orientação de ondas realizadas pela Petrobrás te ultrapassam a foz em períodos de estiagem; quando a efe-
durante o período 1972/1973 (Bandeira Jr. et al., 1975) per- tividade do fluxo fluvial como barreira ao trânsito litorâneo
mitiram a identificação, para a região, de dois sistemas de de sedimentos se vê grandemente reduzida. A observação da
ondas procedentes dos quadrantes NE-E e SE-S, com Fig. 7A mostra que, tomando-se como referência a margem
predominância do primeiro, o que geraria um trânsito li- inferior da mesma, que seciona a planicie costeira a cerca de
torâneo preferencial de sentido norte-sul, corroborando 10 km em seu interior, é possível constatar que a linha de
desta forma as observações de caráter morfológico meneio- costa a barlamar da desembocadura progradou cerca de 1,5
.nadas anteriormente. vez mais que a linha de costa a sotamar.
Para o Rio Jequitinhonha, onde predomina uma deriva
Rio Paralba do Sul Sentido preferencial da deriva li- litorânea de sentido S-N, pode-se constatar que, desde a
torânea: S-N, atuante provavelmente durante a construção instalação de sua desembocadura atual, por volta de 2 500
dos terraços marinhos pleistocênicos e holocênicos. Este sen- anos A.P., a planície costeira a barlamar da embocadura
tido, deduzido a partir de observações de caráter geomórfi- progradou cerca de duas vezes mais que a sotamar (Domin-
co, encontra-se em notável conflito com as opiniões de Dias guez, 1982) (Fig. 7B). Nas duas outras desembocaduras ocupa-
e Gorini (1980) e Dias (1981), que atribuem para a deriva li- das por este rio durante o Holoceno, entre 3 500 e 2 700
torânea um sentido inverso ao do aqui indicado. Esta con- anos A.P. e entre 5 100 e 3800 anos A.P., Dominguez (op.
tradição prende-se ao fato de aqueles autores terem dispen- cil.), por uma análise das orientações dos cordões Iitorâneos
sado demasiada importância aos ventos de NE que, embora a elas associados, igualmente constatou a existência de efei-
predominem nessa região durante a maior parte do ano, são to de molhe, com o litoral a barlamar da desembocadura
também os mais fracos, apresentando força inferior a 4 na tendo sempre pro gradado mais rapidamente que a sotamar.
escala deBeaufort (Araújo e Beurlen, 1975)e sendo, portan-
to, inapropriados para a geração de ondas capazes de exercer
trabalho geomórfico significativo (Davies, 1972).
Na planície costeira do Rio São Francisco, o efeito de b) Em época de estiagem, a efetividade do espigão
molhe não é tão evidente, devido principalmente à intensida- hidráulico representado pelo fluxo fluvial é grandemente re-
de da atividade eólica que tem afetado a região. De fato, os duzida. Como conseqüência, a meia-cúspide construída a
ventos, removendo sedimentos da praia e transportando-os barlamar, na fase anterior, experimenta um acelerado pro;
para o interior da planície costeira, impediram uma progra- cesso de erosão..Os sedimentos erodidos são deslocados para
dação mais acentuada da região a barlamar da desembo- sotamar, originando um pontal arenoso que obstrui parcial-o
cadura. mente a desembocadura. Este processo deixa como testemu-
Como conseqüência do efeito de molhe pode-se constatar nho sobre a planicie costeira uma linha de truncamento (Fig.
uma marcada assimetria na distribuição das fácies sedimen- 8B).
tares entre os dois lados da desembocadura fluvial, reflexo c) Se a estiagem é prolongada, o pontal arenoso irá con-
da atuação de diferentes mecanismos de progradação. En- solidar-se de tal forma a não poder ser mais erodido na
quanto a barlamar da desembocadura a linha de costa avan- próxima cheia. Ao fim do processo, com a retomada das
ça à custa da incorporação gradativa de sedimentos arenosos condições normais de vazão, a desembocadura ter-se-á des-
trazidos pela deriva litorânea, a sotamar a progradação se locado a sotarnar, onde irá mais uma vez desempenhar seu
processa em função principalmente dos apartes fluviais, seja papel de espigão hidráulico. Sobre a linha de truncamento
pelo desenvolvimento de pontais arenosos que crescem en- será construído a barlamar da desembocadura novo sistema
raizados na margem da desembocadura a sotamar, seja pelo de cordões arenosos, alimentado pelos sedimentos transpor-
retrabalhamento de barras de desembocadura que, pela ação tados ao longo da costa e retidos de encontro ao obstáculo
da refração das ondas, evoluem para ilhas lunadas.
meiro mecanismo parece predominar para o Rio São Fran-
° pri- representado pelo fluxo fluvial (Fig. 8C).
Na desembocadura do Rio São Francisco não foi detecta-
cisco (Figs. 3C e 7C) enquanto o segundo é mais caracteristi- do nenhum movimento de migração da foz, provavelmente
co do Rio Paraiba do Sul (Figs. 6A e 7A). Uma vez forma- devido ao fato de este rio apresentar vazões elevadas (média
das, essas ilhas e esses pontais abrigam em seu lado interno anual de 2 756 m' Is para o periodo 1929/1964, UNESCO,
uma zona protegida, rapidamente colonizada por mangue- 1971), se comparadas às apresentadas pelos rios Jequitinho-
zais, e que passa a captar os sedimentos finos carreados pelo nha (média anual de 434,68 m' Is para o periodo 1943/1969,
rio. Para o Rio São Francisco, esta diferença na dinâmica da UNESCO, 1971) e Paraiba do Sul (média anual de 902 m'ls
progradação persiste provavelmente desde o início da cons- para o periodo 1928/1964, UNESCO, 1971).
trução da planície costeira holocênica, uma vez que testemu- Para o Rio Doce, nenhum dos fenômenos anteriormente
nhos de antigas ilhas de areia e sedimentos de mangue a elas considerados foi verificado, seja o efeito de molhe e a con-
associados são encontrados nas porções mais internas da me- seqüente assimetria na distribuição das fácies sedimentares,
tade sudoeste da planície, o que efetivamente não ocorre pa- seja a migração da desembocadura. Duas passiveis causas
ra a metade a nordeste (Bittencourt et al., 1982). Para o Rio podem ser aventadas para explicar tal ausência: a) as sucessi-
Paraíba do Sul, a análise de fotografias aéreas mostra que vas inversões na deriva litorânea, em número de três, impe-
esta assimetria persiste até cerca de 10 km no interior da
planície costeira, o que representa aproximadamente metade
da largura total alcançada pela parte holocênica desta
planicie. Embora não tão marcante quanto nas demais
planícies costeiras, no Rio Jequitinhonha esta assimetria po-
de ainda ser percebida. De fato, enquanto a barlamar da de-
sembocadura o litoral exibe uma linha de costa contínua, a
sotamar esta continuidade é interrompida por uma série de
ilhas de areia que abrigam em seu lado interno, protegidos
da ação di reta das ondas, extensos manguezais (Fig. 7C).
diram a atuação desses fenômenos durante períodos de tem- visto que a progradação da linha de costa nos dois lados da
po suficientemente prolongados de maneira a se tornarem desembocadura foi aproximadamente idêntica.
notáveis; e b) durante a maior parte da construção da Ainda que na planície costeira associada à desembocadu-
porção holocênica da planície costeira o Rio Doce desaguou ra do Rio Doce os fenômenos anteriormente mencionados
dentro de uma laguna (Suguio et al., 1981), não alcançando não tenham sido comprovados, não se pode, entretanto, ig-
diretamente o mar aberto e portanto não alterando a dinâmi- norar o fato de uma porção significativa dos terraços mari-
ca de sedimentação ao longo da costa. nhos holocênicos nesta região ter sido construído, em parte,
a partir de sedimentos Introduzidos na planície costeira pela
deriva litorânea, como atesta a primeira geração de cordões
DISCUSSÃO Embora não tenha sido possível determi-
holocênícos (Fig. 5A). Durante a construção desse sistema
nar em termos quantitativos a contribuição efetiva de deriva
de cordões, os aportes fluviais eram retidos dentro de uma
litorânea na construção das planícies costeiras aqui conside- laguna, não podendo portanto ser utilizados para promover
radas, ainda assim é possível demonstrar que o volume de se- a progradação da linha de costa.
dimentos carreados por este agente é de fato significativo,
podendo em alguns casos superar nitidamente os aportes flu-
viais. A progradação da linha de costa nas vizinhanças das CONCLUSÕES Inicialmente consideradas como deltas
desembocaduras fluviais estudadas neste trabalho é patroci- do tipo "altamente destrutivo dominado por ondas" (Ba-
nada por três fontes de sedimentos: a) aportes fluviais; b) se- coccoli, 1971), as planícies costeiras associadas às desembo-
dimentos expostos pelo abaixamento do nível do mar; e caduras dos grandes rios que deságuam na costa leste brasi-
c) sedimentos trazidos pela deriva litorânea.. Pode-se supor leira tiveram sua classificação como deltas questionada re-
que a contribuição devida ao abaixamento do nível do mar centemente por Dorninguez et ai. (1982a). Os trabalhos de-
seja idêntica nos dois lados da desembocadura e, portanto, senvolvidos por Bíttencourt et ai. (1982), Dominguez et ai.
Incapaz de promover velocidades de progradação diferentes (I 982a e c) e Suguio et ai. (1981) demonstraram o papel de-
nessas duas regiões. De outro lado, devido ao efeito de mo- sempenhado pelas variações do nível relativo do mar durante
lhe, o litoral a sotamar da desembocadura é alimentado pe- o Quaternário na construção dessas feições e mostraram ter
los apertes fluviais enquanto o litoral a barlamar é alimenta- sido o abaixamento de cerca de 5 m deste nível, durante os
do pela deriva litorânea. Assim, se os volumes de sedimentos últimos 5000 anos (Martin et al., 1980), expondo enormes
introduzidos por esses dois agentes forem equivalentes, po- quantidades de sedimentos na plataforma continental, o
dem-se esperar velocidades de progradação Idênticas para principal fator a alimentar a progradação na linha de costa
ambos os lados da desembocadura. Quando tal fato não nessas regiões. Neste aspecto, os rios São Francisco, Jequiti-
acontece, é evidente que existe então predomínio de um des- nhonha, Doce e Paraíba do Sul desempenharam um papel
ses agentes sobre o outro. A observação da Fig. 7B mostra secundário como supridores de sedimentos, durante a cons-
claramente que, no caso do Rio Jequitinhonha, durante os trução das planícies costeiras a eles associadas.
últimos 2 500 anos, a linha de costa a barlamar da desembo- A progradação não se deu apenas à custa dos sedimentos
cadura progradou aproximadamente duas vezes mais que a expostos durante a última regressão nas vizinhanças imedia-
sotamar (Dominguez, 1982; Dominguez et ai., 1982b). No tas dessas planicies costeiras. Importante papel pode ser atri-
caso do Rio Paraiba do Sul (Fig. 7A), embora não se dispo- buído aos sistemas de correntes induzidas por ondas, atuan-
nham de datações absolutas, é possível observar, se se consi- tes na zona litoral. Esses sistemas, responsáveis pela deriva
derar como referência uma linha de cerca de 10 km no inte- litorânea, podem introduzir quantidades significativas de se-
rior da planície costeira, que a linha de costa a barlamar da dimentos nas planícies costeiras aqui consideradas. A partir
desembocadura progradou de cerca de 1,5 vez mais que a li- da observação de feições geomórfícas presentes nas planícies
nha de costa a sotamar. Desse modo, pode-se afirmar que, costeiras em apreço, tais como pontais arenosos, esporões e
pelo menos durante a construção dos trechos acima mencio- ilhas lunadas, foi possível estabelecer o padrão do trânsito li-
nados das planícies costeiras associadas às desembocaduras torâneo dos sedimentos nessas regiões. O conhecimento des-
dos rios Paraíba do Sul e Jequitinhonha, o volume de sedi- te padrão permitiu demonstrar que a incorporação de sedi-
mentos introduzidos pela deriva litorânea superou por larga mentos transportados pela deriva litorânea se dá principal-
margem os apertes fluviais desses dois rios. mente pelo efeito de molhe, segundo o qual o rio funciona
No caso da planície costeira associada ao Rio são Fran- como um espigão hidráulico, retendo a barlamar da emboca-
cisco, verifica-se que a magnitude da progradação da linha dura os sedimentos mobilizados pela deriva lítorânea. O lito-
de costa, durante a construção da parte holocênica desta ral a sotamar é abastecido basicamente pelos aportes flu-
planície, foi praticamente idêntica nos dois lados da desem- viais, o que resulta em uma assimetria na distribuição das
bocadura. Ao mesmo tempo, constata-se a presença de uma fácies sedimentares entre os dois lados da desembocadura.
assimetria na distribuição das fácies sedimentares nos dois Enquanto no lítoral a barlamar da foz a progradação se pro-
lados da desembocadura, que persistiu também durante toda cessa pelo acréscimo sucessivo de cordões litorâneos, no lito-
a construção da porção holocêníca da planície costeira (Bit- ral a sotamar a progradação se dá pela incorporação de ilhas
tencourt et ai., 1982). Como esta assimetria é conseqüência arenosas. Essas ilhas protegem em seu lado interno zonas
direta do efeito de molhe, pode-se supor que os sedimentos a calmas, onde se instalam manguezais e que doravante pas-
barlamar da desembocadura foram trazidos pela deriva li- sam a captar os sedimentos finos trazidos pelo rio.
torânea enquanto a sotarnar a progradação se processou em Por fim, pode-se ainda acrescentar que a deriva litorânea
função dos aportes fluviais do Rio São Francisco, além da é capaz de promover uma migração da desembocadura flu-
contribuição daqueles sedimentos expostos pelo abaixamen- vial, concomitantemente com a progradação, fenômeno
to do nível do mar que, como se supôs anteriormente, deve constatado nas planicies costeiras associadas aos rios Jequi-
ser Idêntica para ambos os lados da desembocadura. Assim, tinhonha e Paraíba do Sul.
se se despreza o volume de sedimentos estocados na planície Apenas na planície costeira associada à desembocadura
costeira sob a forma de dunas, pode-se supor que durante o do Rio Doce os fenômenos anteriormente mencionados não
Holoceno a quantidade de sedimentos introduzidos pela de- foram comprovados, devido principalmente às diversas in-
riva litorânea na região foi equivalente aos apartes fluviais, versões sofridas no sentido preferencial da deriva litorânea,
Revista Brusiletra de Geacíéncias, Volume 13(2), 1983 105
e ao fato de este rio ter ocupado sua desembocadura atual Agradecimentos Os autores deixam aqui expressos seus
apenas muito recentemente. Ainda assim pode-se demons- agradecimentos, por intermédio do Programa de Pesquisa e
trar que uma porção significativa dos terraços marinhos ho- Pós-Graduação em Geofisica da UFBa, às entidades finan-
locênicos nessa região, como é o caso da primeira geração de ciadoras CNPq e Finep. Agradecimentos são extensivos à
cordões holocênicos, recebeu durante sua construção uma Profa. Zelinda Margarida de Andrade Nery Leão, pelas
importante contribuição dos sedimentos introduzidos pela criticas e sugestões apresentadas.
deriva litorânea.
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