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Apostila de Estruturas Sedimentares - Sedimentologia/Estratigrafia/Geologia


Sedimentar

Technical Report · October 2021

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Francisco R. Abrantes Júnior


Universidade Federal Fluminense
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Universidade Federal Fluminense
Instituto de Geociências
Departamento de Geologia e Geofísica

ESTRUTURAS SEDIMENTARES

DISCIPLINA: ESTRATIGRAFIA (GGO00078)

Prof. Dr. Francisco R. Abrantes Jr.

NITERÓI - RJ
2021
Estratigrafia - Prof. Francisco Abrantes

ESTRUTURAS SEDIMENTARES
1 - INTRODUÇÃO
Esta apostila é uma tradução parcial de alguns livros escritos na língua inglesa,
como Sedimentology and Stratigraphy (Nichols, 2009), A Practical Approach to
Sedimentology (Lindholm, 1987) e Applied Sedimentology (Selley, 2000), focando na
descrição e interpretação das principais estruturas encontradas nas rochas sedimentares.
Esta tem como objetivo principal complementar o conhecimento sobre Geologia
Sedimentar dos alunos do Curso de Graduação em Geofísica da UFF, principalmente os
que ainda não tem domínio na leitura de textos em inglês. Infelizmente as figuras (livros
citados e outros referenciados no final da apostila) ainda não foram traduzidas, porém a
compreensão fica fácil pois ao longo do texto os principais termos sedimentologicos são
destacados em negrito com a tradução em itálico entre (parênteses). Boa leitura!

1.1 - Estruturas sedimentares


As estruturas sedimentares representam feições mega/mesoscópicas dos
sedimentos e rochas sedimentares, podendo ocorrer nas superfícies superior e inferior das
camadas, bem como dentro delas. São estudadas em diversos tipos de afloramentos como
penhascos, pedreiras, trincheiras, testemunho de sondagem e afloramentos naturais ao
longo de rios e falésias. As estruturas sedimentares podem ser usadas para deduzir os
processos e as condições de deposição, as direções de paleocorrentes que os sedimentos
foram depositados e, em áreas de rochas dobradas, o sentido de topo dos estratos. Elas
desenvolvem-se por meio de processos físicos e/ou químicos antes, durante e depois da
deposição, e por meio de processos biogênicos. As estruturas sedimentares são
arbitrariamente divididas em duas classes (Tabela 1): (i) primária e (ii) secundária. As
estruturas primárias são aquelas geradas nos sedimentos durante ou logo após a
deposição. Estas são formadas principalmente a partir de processos físicos e podem ser
divididas em estruturas inorgânicas, que incluem marcas onduladas, estratificação
cruzada, e escorregamentos (slumps), e estruturas orgânicas, como escavações,
perfurações e pegadas. Estruturas sedimentares secundárias são aquelas formadas após a
sedimentação. Elas são resultantes geralmente de processos químicos, como aqueles que
levam a formação diagenética de concreções.
Tabela 1 - Classificação das estruturas sedimentares.

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As estruturas sedimentares primárias inorgânicas são muito diversas e podem


ocorrer em quase todas as litologias. Três principais grupos podem ser definidos tomando
por base sua morfologia e tempo de formação. O primeiro grupo de estruturas é PRÉ-
DEPOSICIONAL em relação as camadas que estão imediatamente acima delas. Essas
estruturas ocorrem em superfícies entre camadas (também chamadas de estruturas entre
camadas / interbed structures) e foram formadas antes da deposição da camada
sobrejacente. Esse grupo consiste dominantemente por feições erosivas como scour-and-
fill, canais, marcas de objetos e turboglifos, que constantemente são denominadas de
marcas de sola ou estruturas de base. O segundo grupo tem origem
SINDEPOSICIONAL. Estas estruturas são produto deposicional de formas de leito,
podendo ser representadas por laminações cruzadas, estratificação cruzada e
estratificação plana. Este grupo também pode ser chamado de estruturas intracamadas
(intrabed structures). O terceiro grupo de estruturas é PÓS-DEPOSICIONAL aos
sedimentos, correspondendo a estruturas deformacionais que modificam e rompem as
estruturas pré e sindeposicionais. Este grupo inclui movimento de massas de sedimentos
(escorregamento e deslizamento) e estruturas de sobrecarga.
Tabela 2 - Classificação das estruturas sedimentares primárias inorgânicas.

As estruturas primárias orgânicas ou biogênicas estão relacionadas à perturbação


dos sedimentos por meio das atividades de animais e plantas. As estruturas produzidas
variam consideravelmente desde rupturas mal definidas e vagas da laminação e da
estratificação, até discretos e bem organizados vestígios de fósseis (icnofósseis).

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2 - ESTRUTURAS PRÉ-DEPOSICIONAIS (EROSIVAS ou INTERBED


STRUCTURES)
As estruturas pré-deposicionais ocorrem em superfícies entre camadas. Elas são
formadas antes da deposição das camadas que as sobrepõem. O principal fator que
permite a formação deste grupo de estruturas é a erosão. Antes de descrever este tipo de
estrutura, é importante notar dois pontos. Primeiramente a terminologia. Quando a
interface entre duas camadas está exposta, as estruturas convexas presentes na base da
camada superior a superfície são denominadas de marcas de sola (ou casts), enquanto que
as cavidades côncavas presentes na camada inferior a superfície são definidas de moldes
(molds). Em alguns casos o relevo é exagerado e a forma modificada pelo soterramento.

Figura 1 - Nomenclatura para ocorrência de estruturas sedimentares na interface entre camadas.

O segundo ponto a ser notado é que a facilidade e a frequência com que estas
estruturas de base são vistas está relacionada com o grau de litificação. Sedimentos
inconsolidados raramente se dividem em molds e casts devido a sua natureza friável. Essa
pode ser a explicação para a aparente falta de estruturas de base registrados nas areias
turbidíticas modernas de oceano profundo. Em outro extremo, metassedimentos muito
bem litificados em cinturões de dobramento tendem a se dividir melhor ao longo de
fraturas tectônicas subverticais do que ao longo dos planos de acamamento. Portanto, as
estruturas de base (sola) são mais comuns em sedimentos moderadamente litificados que
se dividem preferencialmente ao longo dos planos de acamamento.
Como essas estruturas podem ser formadas e preservadas? Um fluxo turbulento
sobre uma superfície de sedimentos depositados recentemente pode resultar na remoção
parcial e localizada de material. A escavação pode formar um CANAL que limita o fluxo,
mais comumente encontrado como rios na porção continental. Porém, fluxos confinados
semelhantes podem ocorrer em muitos outros locais de deposição, inclusive em ambiente
marinho profundo. Um dos critérios para o reconhecimento dos depósitos de fluxo
canalizado dentro dos estratos é a presença de uma superfície erosiva de escavação que
marca a base do canal. O tamanho dos canais pode variar de menos de um metro de
profundidade e apenas poucos metros de largura, a estruturas de grande escala com muitos
de metros de profundidade e dezenas de quilômetros de largura. O tamanho da estrutura
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normalmente distingue os canais de outras feições de escavação, embora o critério chave


para definir um canal seja o confinamento do fluxo, o que não ocorre nas demais
escavações.
As estruturas erosivas de pequena escala que ocorrem na superfície das camadas
são denominadas de MARCAS DE SOLA (sole marks). Elas são preservadas no registro
geológico quando outra camada de sedimento é depositada acima desta feição, deixando
a estrutura no leito plano. As marcas de sola são produzidas pela erosão de substrato
lamoso coesivo, seguida pela deposição de areia ou silte. Os eventos erosivos e
deposicionais são comumente fases da mesma corrente. A sedimentação episódica,
envolvida na formação de marcas de sola, é especialmente comum com correntes de
turbidez, mas também ocorre durante ondas de tempestade em mares rasos, enchentes em
lençol em ambientes semiáridos, e em planícies de inundação.

Figura 2 - Formação de marcas de sola na base de camadas de arenitos.

As marcas de sola podem ser divididas com base no seu processo formador: i)
como resultado da turbulência na água causando erosão (MARCAS DE ESCAVAÇÃO
- scour marks) e ii) impressões formadas por objetos transportados no fluxo de água
(MARCAS DE OBJETOS - tool marks) (Allen, 1982). Estas estruturas podem ser
encontradas em uma ampla variedade de ambientes deposicionais, mas são
particularmente comuns em sucessões de turbiditos onde as marcas de sola são
preservadas como moldes na base do turbidito sobrejacente.

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MARCAS DE ESCAVAÇÃO (scour marks): redemoinhos turbulentos em um


fluxo erodem o substrato e criam uma feição de escavação denominada TURBOGLIFO
(flute cast ou flute marks). Os turboglifos são assimétricos em seção transversal com uma
borda íngreme oposta a uma borda afunilada (adelgaçada). Visto de plano, são mais
estreitos numa extremidade, alargando-se para fora na outra. A extremidade íngreme e
estreita do turboglifo representa o ponto onde o redemoinho erode inicialmente a camada
e a borda afunilada e mais larga marca a passagem do redemoinho quando ele é deslocado
pela corrente. O tamanho pode variar de alguns centímetros a dezenas de centímetros de
diâmetro. Como em muitas marcas de sola, é mais comum encontrar esta feição
preservada pelo preenchimento da depressão (contramoldes de escavação), do que a
própria depressão. A assimetria dos turboglifos sugere que elas podem ser usadas como
indicadores de paleocorrentes quando preservadas como moldes na base das camadas.
Um obstáculo na superfície do leito, tal como um seixo ou uma concha, podem produzir
redemoinhos que escavam o substrato (MARCAS DE OBSTÁCULOS - obstacle
scours). As feições lineares na superfície das camadas causadas pela turbulência são
cristas e sulcos alongados (ridges and furrows) de escala milimétrica ou GUTTER
CASTS, caso os sulcos apresentam largura e profundidade centimétrica, estendendo-se
por vários metros ao longo da superfície do leito.

Figura 3 - Geometria dos turboglifos com indicação da direção da corrente e linhas de fluxo.

MARCAS DE OBJETOS: Um objeto transportado por um fluxo sobre um leito


pode criar marcas nesta superfície. Os sulcos (GROOVES) são marcas alongadas bem
definidas, criadas por um objeto arrastado ao longo da superfície. Os sulcos são feições
bem definidas que contrastam com chevrons, que se formam quando o sedimento ainda é
muito macio. Um objeto que salta no fluxo pode produzir marcas conhecidas de diversas
maneiras, como marcas de impacto, rolamento, saltação, ricochete ou roçamento,
relacionadas a forma como ele caiu. Estas marcas são frequentemente vistas como linhas
ao longo do plano de acamamento. A forma e o tamanho de todas as marcas de objetos
são determinados pelo objeto que os criou, e os fragmentos irregulares, como os fósseis,
podem produzir marcas distintas.

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Figura 4 - Geometria das marcas de escavação e de objetos.

3 - ESTRUTURAS SIN-DEPOSICIONAIS (DEPOSICIONAIS ou INTRABED


STRUCTURES)
As estruturas sin-deposicionais são aquelas formadas durante a sedimentação.
Elas são, portanto, essencialmente estruturas construtivas que estão presentes nas
camadas sedimentares. Neste ponto é necessário definir e discutir o que significa uma
camada ou um acamamento. Acamamento (bedding / layering) ou estratificação
(stratification) é provavelmente a feição mais fundamental e diagnóstica das rochas
sedimentares. O acamamento não é exclusivo dos sedimentos. Eles ocorrem em lavas,
rochas plutônicas e rochas metamórficas. Por outo lado, o acamamento as vezes pode
estar ausente em camadas espessas de diamictitos, recifes e algumas formações arenosas
muito bem selecionadas. Mesmo assim, algum tipo de paralelismo está presente nos
sedimentos. A visualização das diferentes camadas ocorre devido diferenças na litologia,
granulometria, ou, mais raramente, na forma, empacotamento ou orientação dos grãos.
Ao descrever camadas de rochas sedimentares é necessário indicar a espessura
dos estratos, utilizando medidas em milímetros, centímetros ou metros. Porém, isto pode
se tornar incomodo e ser mais fácil descrever como camadas “espessas” ou “finas”. Numa
tentativa de padronizar esta terminologia, foram definidos valores limites de acordo com
a espessura das camadas: muito finas (<1cm); finas (1-10 cm); médias (10-30 cm);
espessas (30-100 cm); e muito espessas (>100 cm). Para estratos menores que 1 cm,
geralmente é utilizada a terminologia LAMINAÇÃO (lamination). Uma CAMADA
(bed) é uma unidade de sedimento que geralmente possui carácter uniforme e não contém
quebras distintivas: pode possuir passagem gradual ou conter diferentes estruturas
sedimentares. A base pode ser erosiva se houver escavação (Ex: base de um canal), plana
ou, às vezes, gradacional. As alternâncias de camadas finas de litologias diferentes são
descritas como INTERCALAÇÕES e são geralmente consideradas como uma única
unidade, em vez de camadas distintas.

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Da mesma forma que em muitos outros ramos da geologia, há variações no uso


da terminologia para descrever formas de leitos e estruturas sedimentares. A abordagem
aqui utilizada segue a de Collinson et al. (2006). Estratificação cruzada é qualquer camada
de sedimentos ou rocha sedimentar que está orientada em um ângulo com a horizontal
(deposicional). Estes estratos inclinados se formam mais comumente em areia e cascalho
pela migração de formas de leito e podem ser preservados se houver acumulação de
sedimentos. Se a forma de leito for uma marca ondulada, a estrutura resultante será uma
laminação cruzada. O limite da altura da crista das marcas onduladas é de 30 mm, sendo
assim, as camadas de laminação cruzada não excedem esta espessura. A migração de
dunas produz estratificação cruzada, e pode ter dezenas de centímetros a dezenas de
metros de espessura. O termo estratificação cruzada é o mais geral e também é utilizado
em estratificação inclinada gerada por processos diferentes da migração de formas de
leito, por exemplo, as superfícies inclinadas formadas na margem interna de um rio por
migração de barra pontual. Uma única unidade de laminação ou estratificação cruzada é
referida como BED-SET ou SET. Quando a camada contém mais de um set com o mesmo
tipo de estrutura, esse conjunto é chamado de CO-SET.

Figura 5 - Diferenciação entre sets e cosets em arenito com diferentes tipos de estratificação cruzada.

Misturas da areia e lama ocorrem nos ambientes sedimentares que experimentam


variações na atividade da corrente/onda ou no fornecimento do sedimento devido à
mudança na força da corrente ou potência da onda. Por exemplo, os ambientes
influenciados por maré exibem mudanças regulares de energia em diferentes partes do
ciclo de maré, permitindo que a areia seja transportada e depositada em alguns estágios
energéticos e a lama depositada da suspensão em outros mais calmos. Isso pode levar a
simples alternância de camadas de areia e lama, mas se marcas onduladas são formadas
devido à atividade de corrente ou onda, uma série de estruturas sedimentares podem
ocorrer de acordo com as proporções de lama e areia. O acamamento FLASER é
caracterizado por finas e isoladas películas de lama (mud drapes) entre as laminações

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cruzadas de areia lâminas transversais de uma areia (proporção de areia > proporção de
lama). O acamamento LINSEN ou LENTICULAR é composto por marcas onduladas de
areia completamente cercadas por lama (proporção de areia < proporção de lama). A
forma intermediária é formada por proporções aproximadamente iguais de areia e lama,
e é denominada de acamamento WAVY (proporção de areia = proporção de lama)
(Reineck & Singh, 1980). Intercalações de camadas delgadas de arenitos e pelitos são
frequentemente referidas como FÁCIES HETEROLÍTICAS.

Figura 6 - Diferenciação entre os acamamentos flaser, wavy e linsen (ou lenticular).

3.1 - Fluxos, sedimentos e formas de leito


Uma FORMA DE LEITO (bedform) é uma feição morfológica gerada pela
interação entre um fluxo e sedimentos inconsolidados sobre uma superfície. Marcas
onduladas arenosas em um fluxo canalizado e dunas em desertos são exemplos de formas
de leito resultantes de fluxos de água e de ar, respectivamente. Os padrões das marcas
onduladas e das dunas são produtos da ação do fluxo e o desenvolvimento de formas de
leito cria camadas e estruturas distintas que podem ser preservadas em estratos. O
reconhecimento das estruturas sedimentares geradas fornece informações sobre a
intensidade da corrente, a profundidade do fluxo e a direção de transporte de sedimentos.

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Para explicar como as formas de leito são geradas, algumas considerações sobre
a dinâmica de fluidos são necessárias. Um fluido que escoa sobre uma superfície pode ser
dividido em um FLUXO LIVRE (free stream), que é a porção do fluxo não afetada pelos
efeitos da região circundante, uma CAMADA LIMITE DE FLUXO (boundary layer),
dentro da qual a velocidade começa a diminuir devido ao atrito com o leito, e um
SUBLEITO VISCOSO (viscous sublayer), região de turbulência reduzida, tipicamente
inferior a um milímetro de espessura. A espessura do subleito viscoso diminui com o
aumento da velocidade do fluxo, mas é independente da profundidade de fluxo. A relação
entre a espessura do subleito viscoso e o tamanho dos grãos sobre no leito do fluxo define
uma propriedade importante do fluxo. Se todas as partículas estão contidas dentro do
subleito viscoso a superfície é considerada como sendo HIDRAULICAMENTE LISA
(hydraulically smooth), e se existem partículas que se projetam para fora desta camada, o
fluxo é HIDRAULICAMENTE RUGOSO (hydraulically rough). Os processos dentro
do subleito viscoso e os efeitos das superfícies lisas e rugosas são fundamentais para a
formação de diferentes formas de leito.

Figura 7 - Diferença entre limites de fluxos lisos e rugosos.

Os fluxos no subleito viscoso estão sujeitos a irregularidades denominadas de


VARREDURAS TURBULENTAS (turbulent sweeps), que movem os grãos por
rolamento ou saltação, criando aglomerados locais de grãos. Estes aglomerados são
apenas um pouco maiores que os grãos, mas uma vez que eles se formam, criam barreiras
ou defeitos que influenciam o fluxo perto da superfície do leito. O fluxo pode ser
visualizado em termos de LINHAS DE FLUXO (streamlines) no fluido, que são linhas
imaginárias que indicam a direção do fluxo. As linhas de fluxo encontram-se paralelas a
um leito plano ou aos lados de um tubo cilíndrico, mas onde há uma irregularidade no
leito causada pelo acúmulo de grãos, as linhas de corrente convergem ocasionando um
aumento na taxa de transporte (aumento da velocidade). Na parte superior da
irregularidade, uma linha de fluxo separa-se da superfície do leito e uma região de
SEPARAÇÃO DA CAMADA LIMITE (boundary layer separation) é formada entre o
PONTO DE SEPARAÇÃO DE FLUXO e o PONTO DE FIXAÇÃO DE FLUXO
(flow attachment point) a jusante. Abaixo desta linha de fluxo encontra-se uma região
chamada bolha de separação ou ZONA DE SEPARAÇÃO (separation zone). A

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expansão do fluxo (redução da velocidade) sobre a irregularidade resulta num aumento


da pressão (efeito Bernoulli) e a taxa de transporte do sedimento é reduzida, resultando
na deposição no lee side.

Figura 8 - Relação entre linhas de fluxo e a morfologia das formas de leito.

3.2 - Estruturas formadas por correntes unidirecionais


3.2.1 - Marcas onduladas de correntes (Current ripples)
MARCAS ONDULADAS DE CORRENTES (current ripples) são pequenas
formas de leito geradas pelos efeitos da separação da camada limite em um leito arenoso
(Baas, 1999). O pequeno aglomerado de grãos cresce para formar a CRISTA de uma
ondulação e a separação do fluxo ocorre perto deste ponto. Grãos de areia rolam ou saltam
até a crista pelo STOSS SIDE da marca ondulada. Avalanche de grãos ocorre na face
LEE SIDE da ondulação, devido a acumulação de grãos na crista tornar-se instável. Os
grãos que sofreram avalanche no lee side tendem a depositar-se em um ângulo próximo
ao ângulo crítico máximo de inclinação para areia em torno de 30°. No ponto de fixação
de fluxo há tensões aumentadas no leito (aumento da turbulência), resultando em erosão
e formação de uma pequena escavação, a CALHA da ondulação.
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Figura 9 - Elementos de uma marca ondulada.

→ Marcas onduladas e laminações cruzadas


Uma marca ondulada migra para jusante à medida que grãos de areia são
adicionados à crista e ao lee slope. Esse processo move a crista e o ponto de separação do
fluxo para jusante, que por sua vez, também move a calha e o ponto de fixação. As
escavações que ocorrem na calha e na base do stoss side fornecem a areia que irá ser
transportada para porção superior do stoss side da ondulação seguinte, ocasionando a
migração de várias marcas onduladas (conjuntos de cristas e calhas) para jusante. A areia
que sofre avalanche no lee slope durante esta migração forma uma série de camadas com
o ângulo da inclinação. Estas finas camadas inclinadas de areia são chamadas de
LÂMINAS CRUZADAS (cross-laminae), que se acumulam para formar a estrutura
sedimentar denominada LAMINAÇÃO CRUZADA.
Quando vistas de cima, as marcas onduladas mostram uma variedade de formas.
Podem apresentar cristas RETAS ou SINUOSAS relativamente contínuas (ondulações
retas ou ondulações sinuosas) ou formar um padrão de formas curvadas descontínuas
chamadas ondulações LINGUOIDES. A relação entre as duas formas parece estar
relacionada com a duração e velocidade do fluxo, sendo que as marcas onduladas de crista
reta tendem a evoluir para formas linguoides com o passar do tempo e a velocidades mais
altas (Baas, 1994). As cristas retas e linguoides criam diferentes padrões de laminação
cruzada em três dimensões.

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Figura 10 - Variação na morfologia das cristas de marcas onduladas.

Uma ondulação com crista perfeitamente reta gera laminações cruzadas que
mergulham na mesma direção e que ficam no mesmo plano: esta é LAMINAÇÃO
CRUZADA PLANAR OU TABULAR. As ondulações sinuosas e linguoides possuem
superfícies de faces de avalanche curvas, gerando lâminas que mergulham com diferentes
ângulos ao do fluxo, bem como à jusante. À medida que as marcas onduladas linguoides
migram, laminações cruzadas curvas são formadas principalmente nas áreas baixas em
forma de calha entre as ondulações adjacentes, resultando em um padrão de
LAMINAÇÃO CRUZADA ACANALADA.

Figura 11 - Laminação cruzada tabular (ripples de crista reta) e acanalada (ripples de crista sinuosa).

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→ Criando e preservando laminações cruzadas


As marcas onduladas migram pela remoção de areia do stoss side
(montante/upstream) da ondulação e deposição no lee side (jusante/downstream). Se
houver uma quantidade fixa de areia disponível, a marca ondulada migrará sobre a
superfície como uma simples forma de leito, com erosão nas calhas e adição nas cristas.
Estas marcas onduladas famintas (starved ripple) são preservadas quando cobertas por
lama. Se a corrente estiver adicionando mais partículas de areia do que está retirando, a
quantidade de areia depositada no lee slope será maior do que a removida do stoss side.
Haverá então uma adição positiva de areia à ondulação e ela irá crescer à medida que
migra, mas o mais importante, é que a profundidade da escavação na calha será reduzida
e permitirá a preservação das laminações cruzadas criadas pela migração de marcas
onduladas anteriores. Desta forma é gerada uma camada de areia com laminação cruzada.
Quando a taxa de adição de areia é elevada, não haverá remoção positiva de areia
no stoss side e cada ondulação irá migrar sobre o stoss side da forma de leito a frente.
Estas são as MARCAS ONDULADAS CAVALGANTES (Allen, 1972). Quando a
adição de sedimento da corrente excede a migração da marca ondulada, a deposição irá
ocorrer tanto no stoss side quanto no lee side. As marcas onduladas cavalgantes são,
portanto, indicadores de rápida sedimentação, uma vez que a sua formação depende da
adição de areia ao fluxo a uma taxa igual ou superior à taxa de migração das formas de
leito.

Figura 12 - Laminação cruzada cavalgante mostrando diferenças entre o ângulo de cavalgamento (AC -
linha imaginária que corta as cristas sucessivas) e o ângulo do stoss side (S). Caso o AC seja maior que o
S, a estrutura é denominada LAMINAÇÃO CRUZADA CAVALGANTE SUPERCRÍTICA, preservando
o stoss side e o lee side. Por outro lado, se o AC for menor que S, a estrutura é chamada de LAMINAÇÃO
CRUZADA CAVALGANTE SUBCRÍTICA e apenas a face lee side é preservada. Se o ângulo AC for
igual a S, é uma LAMINAÇÃO CRUZADA CAVALGANTE CRÍTICA.

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→ Restrições na formação de marcas onduladas


A formação de marcas onduladas de corrente requer velocidades de fluxo
moderadas sobre um leito hidrodinamicamente liso. Elas só se formam em areias em que
o tamanho do grão é dominantemente inferior a 0,6 mm (areia grossa), devido a
rugosidade do leito criada por areias mais grossas gerarem uma mistura turbulenta que
inibe a separação de fluxo de pequena escala necessária para a formação da marca
ondulada. Como a formação das marcas onduladas é controlada por processos dentro do
subleito viscoso, sua formação é independente da profundidade da água e podem se
formar em águas que variam de alguns centímetros a quilômetros de profundidade. Isto
está em contraste com a maioria das outras formas subaquáticas (dunas subaquáticas,
marcas de onda), que dependem da profundidade da água.
As marcas onduladas de corrente podem ter até 40 mm de altura e os
comprimentos de onda (crista-crista ou calha-calha) variando até 500 mm (Leeder, 1999).
A razão entre o comprimento de onda e a altura está tipicamente entre 10 e 40. A relação
entre o comprimento de onda da marca ondulada e o tamanho do grão é aproximadamente
de 1000 a 1 (Leeder, 1999). É importante observar o limite superior das dimensões das
marcas onduladas e enfatizar que as ondulações não “crescem” em formas de leito
maiores.

3.2.2 - Dunas (Dunes)


Camadas de areia em rios, estuários, praias e ambientes marinhos também têm
formas de leito que são claramente maiores do que marcas onduladas. Estas grandes
formas de leito são chamadas de DUNAS: o termo "MEGARIPPLES" também é usado
às vezes, embora este termo não enfatize as distinções hidrodinâmicas fundamentais entre
marcas onduladas e dunas (geralmente o termo megaripple é utilizado para ripples com
comprimento de onda maior que 50 cm). A evidência de que essas formas de leito maiores
não são simplesmente marcas onduladas grandes, vem da medição das alturas e
comprimentos de onda. Os dados caem em clusters que não se sobrepõem, indicando que
eles se formam por processos distintos e que não fazem parte de algo contínuo. A
formação de dunas pode estar relacionada com a turbulência em grande escala dentro de
todo o fluxo. Novamente a separação de fluxo é importante, ocorrendo na crista da duna
e a escavação no ponto de fixação na calha. A profundidade da água controla a escala da
turbulência no fluxo e isso, por sua vez, controla a altura e o comprimento de onda das
dunas: há uma quantidade considerável de dispersão nos dados, mas geralmente as dunas
possuem dezenas de centímetros de altura em lâminas d’água de poucos metros, mas
normalmente possuem alguns metros de altura em profundidades de dezenas de metros
(Allen, 1982; Leeder, 1999).

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→ Dunas e estratificações cruzadas


A morfologia de uma duna subaquática é semelhante a uma marca ondulada: há
um stoss side levando até uma crista e avalanches de areia no lee side em direção a uma
calha. A migração de uma duna subaquática resulta na construção de uma sucessão de
camadas inclinadas formadas pela avalanche de areias na vertente do lee side,
denominadas de ESTRATIFICAÇÕES CRUZADAS. A separação de fluxo cria uma
zona na frente do lee slope que pode formar um RETORNO DE FLUXO (roller vortex)
com fluxo inverso. Em baixas velocidades de fluxo, estes retornos são fracamente
desenvolvidos e não retrabalham a areia no lee slope. As estratificações cruzadas
formadas simplesmente ficam no ângulo de repouso da areia e à medida que se
aproximam da calha formam um contato basal angular. Formas de leito que se
desenvolvem nestas velocidades geralmente têm baixa sinuosidade das cristas, de modo
a formar tridimensionalmente uma estrutura semelhante a laminação cruzada planar (ou
tabular). Trata-se da ESTRATIFICAÇÃO CRUZADA TABULAR e a superfície na
base das estratificações cruzadas é plana e aproximadamente horizontal devido à ausência
de escavação na calha. As estratificações cruzadas podem formar um ângulo agudo na
base da face de avalanche ou podem ser assintóticos (TANGENCIAIS) à horizontal. Em
velocidades de fluxo elevadas, o retorno de fluxo é bem desenvolvido criando uma contra-
corrente na base da face de deslizamento, que pode ser suficientemente forte para gerar
marcas onduladas (MARCAS ONDULADAS DE CONTRA-FLUXO / counter-flow
ripples), que migram uma curta distância em direção ao topo do lee side.

Figura 13 - Distribuição de sedimentos em uma duna subaquosa.

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Estratigrafia - Prof. Francisco Abrantes

Um efeito adicional do fluxo mais forte é a criação de uma intensa escavação no


ponto de fixação do fluxo. A face de avalanche avança sobre esta calha escavada de modo
que as bases das estratificações cruzadas são marcadas por uma superfície de erosão
ondulada. A crista de uma duna subaquática formada sob estas condições será altamente
sinuosa ou será descontínua em uma série de formas de dunas linguoides.
ESTRATIFICAÇÕES CRUZADAS ACANALADAS formadas pela migração de
dunas subaquáticas sinuosas possuem tipicamente contatos assintóticos inferiores e um
limite inferior ondulante.

Figura 14 - Mudanças na base do lee side com o aumento da velocidade do fluxo.

Figura 15 - Estratificação cruzada tangencial (A) e estratificação cruzada tabular (B).

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Alguns sets de estratificação cruzada são interrompidos por superfícies com


declividade suave, chamadas SUPERFÍCIES DE REATIVAÇÃO, que separam
foresets semelhantes. As superfícies de reativação são produzidas por mudanças nas
condições de fluxo que temporariamente param a migração de uma forma de leito de
grande dimensão (duna) e causa erosão da crista e do lee side. Isso pode acontecer em
sistemas de canais muito amplos quando uma forma de leito é exposta a ação de ondas
durante um fluxo de nível mais baixo ou simplesmente por mudanças na força do fluxo,
que modifica a morfologia da forma de leito (Harms et al., 1982). Em regimes de maré
onde uma fase da maré é dominante, formas de leito de grande porte podem migrar
somente durante a fase dominante e passar por pequena erosão durante a fase
subordinada.

Figura 16 - Formação de superfícies de reativação em dunas.

→ Restrições na formação de dunas


As dunas apresentam comprimentos de onda que variam de 600 milímetros a
centenas de metros e alturas de algumas dezenas de milímetros a até dez metros. As
menores dunas são maiores que as grandes marcas onduladas. As dunas podem se formar
em uma variedade de tamanhos de grão, desde areias finas a cascalhos finos, mas são
menos desenvolvidas em depósitos finos e não ocorrem em areias muito finas ou siltes.
Esta limitação granulométrica está relacionada com o aumento da carga em suspensão
quando a quantidade de grãos mais finos é dominante: a carga suspensa suprime a

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turbulência no fluxo e a separação de fluxo não ocorre (Leeder, 1999). A formação de


dunas também requer que o fluxo seja mantido durante tempo suficiente para que a
estrutura se acumule, e para formar estratificações cruzadas a duna deve migrar.
Estratificações cruzadas de dunas não podem ser geradas por eventos de fluxo de curta
duração. As dunas são mais comumente encontradas em canais fluviais, deltas, estuários
e ambientes marinhos rasos onde há fluxos relativamente fortes e contínuos.

Figura 17 - Relação comprimento de onda / altura em marcas onduladas e dunas.

3.2.3 - Barras (Bar forms)


As barras são formas de leito que ocorrem dentro de canais e possuem escala
maior do que as dunas: têm dimensões de largura e altura na mesma ordem de grandeza
que o canal onde se formaram (Bridge, 2003). As barras podem ser constituídas por
sedimentos arenosos, material cascalhoso ou misturas de grãos grossos. Em um canal
arenoso as superfícies das barras são cobertas por dunas subaquáticas (parasíticas), que
migram sobre a superfície da barra e resultam na formação de unidades de areias com
estratificações cruzadas. Um depósito de barra é composto por arenitos com
estratificações cruzadas organizados em estratos lenticulares. A borda a jusante de uma
barra pode ser íngreme e desenvolver sua própria face de deslizamento, resultando em
estratificação cruzada de grande escala em arenitos e conglomerados. As barras em canais
são classificadas de acordo com sua posição dentro do canal (barras laterais e alternadas
nas margens, barras de meio canal no centro e barras em pontal nas curvas; Collinson et
al., 2006) e sua forma (longitudinais, transversais, linguoides e compostas).

3.2.4 - Acamamento e laminação plana (Plane bedding and planar lamination)


Areias depositadas em acamamentos horizontais a partir de um fluxo são
designados como acamamentos planos em sedimentos e produz uma estrutura sedimentar
denominada LAMINAÇÃO PLANO-PARALELA ou planar. Como observado acima,
as marcas onduladas de correntes apenas se formam se os grãos forem menores do que a

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espessura do subleito viscoso: se o leito é rugoso, a separação de fluxo em pequena escala


necessária para a formação de marcas onduladas não ocorre e os grãos simplesmente
rolam e saltam ao longo da superfície. Os leitos planos formam-se em areias grossas
(grãos maiores que 0,6 mm) a velocidades de fluxo relativamente baixas (perto do limiar
de movimento), mas à medida que a velocidade de fluxo aumenta, dunas começam a ser
geradas. A laminação plano-paralela produzida nestas circunstâncias tende a ser mal
definida.
O acamamento plano também é observado a velocidades de fluxo mais altas em
areias de grãos finos a grossos (predominantemente areia média 0,25-0,5 mm): as marcas
onduladas e as dunas são ‘lavadas’ (washed out) com o aumento na velocidade do fluxo,
bem como a separação do fluxo é suprimida a velocidades mais elevadas. Estas
CAMADAS PLANAS produzem laminações plano-paralelas bem definidas, com
lâminas que são tipicamente de 5 a 20 grãos de espessura (Bridge, 1978). A superfície da
camada também é marcada por cristas alongadas com diâmetros um pouco maiores que
o dos grãos, separados por sulcos orientados paralelamente à direção do fluxo. Esta
característica é referida como lineação de corrente primária ou LINEAÇÃO DE
PARTIÇÃO (frequentemente abreviada como 'pcl' - primary current lineation) e é
formada por varreduras (sweeps) dentro do subleito viscoso que empurram os grãos para
o lado, formando finas cristas paralelas à direção do fluxo. A formação destas varreduras
é subjugada quando a superfície da camada é áspera, portanto, a lineação de partição em
areias mais grossas não é bem definida. A lineação de partição é vista nas superfícies dos
leitos planos como linhas de grãos paralelos que formam finas cristas, que muitas vezes
podem ser indistintas.

Figura 18 - Acamamento plano com lineação de partição.

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3.2.5 - Fluxo supercrítico (Supercritical flow)


O fluxo pode ser considerado SUBCRÍTICO, frequentemente com uma
superfície de água lisa, ou SUPERCRÍTICO, com uma superfície irregular ondulada de
cristas e calhas. Estes estados de fluxo referem-se a um parâmetro, o NÚMERO DE
FROUDE (Fr), que é uma relação entre a velocidade de fluxo (v) e a profundidade de
fluxo (h), com a aceleração da gravidade (g):

Fr = v / √ g.h
O número de Froude pode ser considerado como uma relação entre a velocidade
de fluxo e a velocidade de uma onda no fluxo (Leeder, 1999). Quando o valor é menor
que um (Fr < 1), o fluxo é subcrítico e uma onda pode se propagar a montante porque
está viajando mais rápido do que o fluxo. Se o número de Froude for maior que um (Fr
> 1), indica que o fluxo é muito rápido para que uma onda se propague a montante e o
fluxo é supercrítico. Em fluxos naturais uma mudança súbita na altura da superfície do
fluxo, um SALTO HIDRÁULICO (hydraulic jump), é vista na transição do fluxo
supercrítico fino (fluxo rápido) para o fluxo subcrítico mais grosso (fluxo lento).
Quando o número de Froude de um fluxo é próximo de um, ONDAS
ESTACIONÁRIAS podem se formar temporariamente na superfície da água antes de
inclinar e quebrar em direção a montante. A areia no substrato desenvolve uma superfície
paralela à onda estacionária, e à medida que o fluxo se inclina, os sedimentos acumulam-
se no lado a montante da forma de leito. Estas formas de leito são chamadas de
ANTIDUNAS, e, se preservada, ESTRATIFICAÇÃO CRUZADA DE ANTIDUNA
(antidune cross-bedding) com os foresets mergulhando a montante. No entanto, a
preservação é rara, pois à medida que a onda quebra, a antiduna é muitas vezes
retrabalhada e juntamente com a redução na velocidade de fluxo, o sedimento é
retrabalhado para leitos planos de fluxo subcrítico. Ocorrências de estratificação cruzada
de antiduna são bem documentadas em depósitos piroclásticos, onde o fluxo de alta
velocidade é acompanhado por taxas de sedimentação muito altas (Schminke et al., 1973).

Figura 19 - Foresets de antidunas migrando para montante do fluxo.

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3.2.6 - Diagrama de estabilidade de formas de leito (Bedform stability diagram)


A relação entre a granulometria e a velocidade de fluxo é resumida na Figura
abaixo. Este DIAGRAMA DE ESTABILIDADE DE FORMAS DE LEITO indica a
forma de leito que irá ocorrer para um determinado tamanho de grão e velocidade, e foi
construído a partir de dados experimentais (modificado de Southard, 1991 e Allen, 1997).
Deve-se notar que o limite superior do campo das marcas onduladas é agudo, mas os
outros limites entre os demais campos são gradacionais e há uma sobreposição onde
qualquer uma das duas formas de leito pode ser estável. Observe também que as escalas
são logarítmicas em ambos os eixos. Dois regimes de fluxo são reconhecidos: um
REGIME DE FLUXO INFERIOR onde marcas onduladas, dunas e leitos planos
inferiores são estáveis; e um REGIME DE FLUXO SUPERIOR onde formam-se
camadas planas e antidunas. O fluxo no regime de fluxo inferior é sempre subcrítico e a
mudança para o fluxo supercrítico encontra-se dentro do campo das antidunas.

Figura 20 - Diagrama de estabilidade de formas de leito segundo Southard (1991) e Allen (1997).

Os campos no diagrama de estabilidade de formas de leito abaixo são para uma


determinada profundidade (25 a 40 cm) em águas claras a uma temperatura específica
(10ºC). Os limites mudarão se a profundidade de fluxo for variável ou se a densidade da
água for alterada mudando a temperatura, salinidade ou por adição de carga em
suspensão. Diagramas de estabilidade das formas de leito podem ser usados em conjunto
com estruturas sedimentares em camadas de arenito para fornecer uma estimativa da

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velocidade ou reconhecer mudanças na velocidade do fluxo que depositou a areia. Por


exemplo, pode-se interpretar uma camada de areia média que possuía laminação plano-
paralela na base, estratificação cruzada na porção intermediária e laminações cruzadas na
parte superior, como relacionada a uma diminuição na velocidade de fluxo durante sua
deposição.

Figura 21 - Diagrama de estabilidade de formas de leito mostrando a relação energia / granulometria.

3.3 - Estruturas formadas por onda


3.3.1 - Ondas (Waves)
Uma onda é uma perturbação que viaja através de um gás, líquido ou sólido,
envolvendo a transferência de energia entre partículas. Na sua forma mais simples, as
ondas não envolvem transporte de massa, e a formação da onda envolve um
MOVIMENTO OSCILATÓRIO da superfície da água sem qualquer movimento
horizontal da água. A onda (waveform) se move através da superfície da água da mesma
maneira quando é deixado cair um seixo na água imóvel. Quando uma onda entra em
águas muito rasas, a amplitude aumenta e, em seguida, a onda quebra criando o
movimento horizontal das ondas vistas nas praias de lagos e mares.

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Uma única onda pode ser gerada em um corpo d’água, p.e. um lago ou oceano,
como resultado de uma entrada de energia causada por um terremoto, deslizamento de
terra ou algum fenômeno semelhante. Os tsunamis são ondas produzidas por eventos
únicos. Ondas contínuas são formadas pelo vento que atua na superfície de um corpo de
água, que pode variar no tamanho de uma lagoa a um oceano. A altura e a energia das
ondas são determinadas pela força do vento e o FETCH, que é a extensão de água que o
vento percorreu para geração de ondas. As ondas geradas em oceanos abertos podem
viajar muito além das áreas que foram geradas.

→ Formação de marcas de onda


O movimento oscilatório produzido por ondas na superfície superior de um corpo
d’água gera trajetórias circulares nas moléculas de água. Este movimento configura uma
série de células circulares em direção a porção inferior do corpo d’água. Com a
profundidade crescente, o atrito interno reduz o movimento e o efeito das ondas de
superfície é interrompido. A profundidade que as ondas de superfície afetam um corpo
de água é referida como BASE DE ONDA. Em águas rasas, a base do corpo d’água
interage com as ondas. A fricção faz com que o movimento circular da superfície se
transforme em uma trajetória elíptica, que é achatada tornando-se uma oscilação
horizontal. Esta oscilação horizontal pode gerar MARCAS DE ONDA no sedimento. Se
o movimento da água é puramente oscilatório, as ondulações formadas são simétricas,
mas uma corrente sobreposta pode resultar em marcas de ondas assimétricas.

Figura 22 - Base de onda, movimentação das partículas e formação de marcas de onda.

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Em baixas energias formam-se MARCAS DE ONDA POR ROLAMENTO DE


GRÃOS (rolling grain ripples). A velocidade máxima do movimento do grão está no
ponto médio de cada ondulação, sendo reduzida a zero nas bordas. Isso retira os grãos do
ponto médio gerando uma calha, depositando-os nas bordas construindo cristas. Marcas
de onda por rolamento de grãos são caracterizadas por largas depressões e cristas agudas.
Em energias mais elevadas, os grãos podem ser mantidos temporariamente em suspensão
durante cada oscilação. Pequenas nuvens de grãos são retidas das calhas para as cristas,
onde caem por decantação. Estas MARCAS DE ONDA EM VÓRTICE (vortex ripples)
têm cristas mais arredondadas e simétricas.

Figura 23 - Diferenças nas cristas das marcas de onda de acordo com a energia do fluxo oscilatório.

→ Características das marcas de onda


Vista em planta, as marcas de ondas têm cristas longas, retas a suavemente
sinuosas, que podem bifurcar (dividir-se). Essas características podem ser vistas nos
planos de acamamento das rochas sedimentares. Em uma seção transversal, as marcas de
onda possuem geralmente perfil simétrico, com as lâminas internas de cada ondulação
mergulhando em ambas as direções e se sobrepondo. Essas características podem ser
preservadas em laminações cruzadas gerada pela acumulação de sedimentos
influenciados por ondas. Marcas de onda podem ser formadas em qualquer sedimento
incoeso e são observadas principalmente em siltes grossos e areia de todas as classes
granulométricas. Se a energia das ondas é suficientemente alta para formar marcas de
onda em grânulos e seixos, são geradas ondulações com comprimentos de onda de vários
metros e alturas de dezenas de centímetros.

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Figura 24 - Morfologia simétrica das marcas onduladas formadas por ondas.

Figura 25 - Laminações cruzadas formadas ondas. (a) Agradação, sem migração; (b) migração e agradação
com baixo ângulo de cavalgamento e condições de onda constante; (c) migração e agradação com baixo
ângulo de cavalgamento e condições variáveis de onda; (d) migração, sem agradação.

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Figura 26 - Vários tipos de estruturas sedimentares formadas por marcas onduladas.

→ Diferenciando marcas de onda e marcas onduladas de corrente


A distinção entre marcas de onda e marcas onduladas de corrente pode ser
fundamental na interpretação dos paleoambientes. Marcas de onda são formadas apenas
em águas relativamente pouco profundas e ausência de fortes correntes, enquanto marcas
onduladas de corrente podem formar-se como resultado de fluxo de água em qualquer
profundidade e qualquer ambiente subaquático. Essas distinções permitem diferenciar,
por exemplo, depósitos de um lago raso ou lagoa de ambientes marinhos offshore ou
profundos. Esses dois diferentes tipos de ondulações podem ser distinguidos no campo
com base nas suas formas e geometrias. Em planta, as marcas de onda têm cristas
alongadas, retas a sinuosas, que podem bifurcar (dividir), enquanto as marcas onduladas
de corrente são comumente muito sinuosas com cristas descontínuas, curtas e curvas.

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Quando vistas a partir de seções transversais, as marcas de onda são simétricas com
laminações cruzadas mergulhando em ambas as direções das cristas. Em contraste, as
marcas onduladas de corrente são assimétricas, com laminações cruzadas mergulhando
apenas em uma direção, com a única exceção das marcas onduladas cavalgantes que
possuem lâminas com mergulhos assimétricos.

Figura 27 - Diferença entre marcas onduladas por onda (a) e correntes (b).

→ Ondas de tempestade
Além das formas de leito de ondas e correntes e das estruturas sedimentares
descritas acima, existem também estruturas denominadas de ESTRATIFICAÇÃO
CRUZADA HUMMOCKY E SWALEY. Essas estruturas são consideradas
características da atividade de tempestade nas plataformas continentais. A geração destas
estruturas é geralmente atribuída à ação de fluxos oscilatórios ou combinados (oscilatório
e unidirecional).
A ESTRATIFICAÇÃO CRUZADA HUMMOCKY (HCS) é caracterizada por
lâminas internas localmente convexas para cima que passam lateralmente para lâminas
côncavas para cima, imitando a morfologia da forma de leito que consiste em hummocks
mais ou menos circulares e depressões (swales). As características fundamentais de HCS
são: (1) as superfícies limitantes inferiores dos sets são erosivas e comumente mergulham
a ângulos menores que 10º; (2) as lâminas localizadas acima destas superfícies limitantes
erosivas são paralelas a estas superfícies; (3) as lâminas podem espessar lateralmente em
um set sendo geralmente mais espessas nas depressões (swales) e menos espessas nos
hummocks; e (4) os sentidos de mergulho das superfícies limitantes erosivas e lâminas
sobrepostas são dispersos.
A ESTRATIFICAÇÃO CRUZADA SWALEY (SCS) é semelhante a HCS, mas
falta o relevo positivo associado com hummocks. Em uma seqüência progradante
(shallowing upward), HCS aparece primeiramente em camadas discretas de arenito
circundadas por folhelhos que são comumente sobrepostos por camadas amalgamadas de
arenitos espessos apresentando HCS. Em algumas destas seqüências, SCS pode estar
presente acima das camadas amalgamadas com HCS.

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Estratigrafia - Prof. Francisco Abrantes

Figura 28 - Estratificação cruzada swale e hummock.

Três processos, com maior ou menor influência, operam durante tempestades para
produzir uma ampla gama de tempestitos (storm deposits), com HCS ou SCS,
encontrados no registro geológico: a) correntes geostróficas, b) fluxo oscilatório de ondas
e c) fluxo induzido pela densidade (density-induced flow). Assim, uma variabilidade
considerável de camadas tempestíticas pode ser produzida, embora a maioria apresente
graded bedding e evidência para desaceleração de fluxo, além de padrões de decréscimo
em espessura de camadas costa afora.

→ Estratificação cruzada swash e back-swash


A estratificação cruzada swash, formada na zona de swash da praia, é
caracterizada por estratos com mergulho em direção ao mar com baixo ângulo (2-10º).
Os sets tendem a ter forma de cunha devido às variações de declive (perfil de praia) da
face de praia, que muda com as condições variáveis das ondas. As lâminas são
subparelelas aos limites do set inferior e comumente mostram gradação textural inversa.

Figura 29 - Estratificação cruzada swash e back-swash.

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Estratigrafia - Prof. Francisco Abrantes

3.4 - Estruturas formadas por exposição subaérea


3.4.1 - Gretas de contração ou de dissecação (Mudcracks)
O sedimento rico em argila é coeso e as partículas individuais tendem a
permanecer juntas quando o substrato seca. À medida que a água é perdida, o volume
diminui e aglomerados de minerais argilosos separam-se originando rachaduras na
superfície. Sob condições subaéreas, um padrão poligonal de fissuras se desenvolve
quando o sedimento argiloso seca completamente: tratam-se de GRETAS DE
CONTRAÇÃO. O espaçamento das fissuras depende da espessura da camada de lama
úmida, com um espaçamento mais largo ocorrendo em depósitos mais espessos. Em
seções transversais, as gretas de contração inclinam-se para baixo e as bordas superiores
podem enrolar-se se toda a umidade na lama for removida (CURLED FLAKES). As
bordas das gretas de contração são facilmente removidas por correntes posteriores e
podem ser preservadas como lascas (mud-chips) ou flocos (mud-flakes) de lama no
sedimento sobreposto. As gretas são mais preservadas nas rochas sedimentares quando
as fissuras são preenchidas por silte ou areia oriundas de correntes subaquosas ou trazidas
pelo vento. A presença de gretas de contração é um forte indicador de exposição do
sedimento sob condições subaéreas.
Numa vista em planta as gretas de contração são descritas como ortogonais ou não
ortogonais, dependendo do ângulo de interseção. As GRETAS ORTOGONAIS são
geralmente normais umas às outras e limitam polígonos de quatro lados. Gretas de
contração ortogonais completas são o tipo mais comum (Allen, 1982), ocorrendo em uma
grande variedade de depósitos marinhos e não marinhos. Sistemas ortogonais orientados
completos se desenvolvem em leitos lamosos que engrossam em uma direção particular
ou repousam em uma inclinação maior que 5°. Exemplos são conhecidos de depósitos de
lama lacustres expostos próximos a margem do lago (Donavan & Archer, 1975; Leeder,
1982), ainda que outros ambientes deposicionais sejam possíveis. As GRETAS NÃO
ORTOGONAIS comumente delineiam polígonos hexagonais e se formam em sedimento
que é homogêneo e relativamente frágil, onde a contração é uniforme. Mesmo que
frequentemente ilustradas na literatura, elas são relativamente raras.

Figura 30 - Geometrias das gretas de contração.

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Estratigrafia - Prof. Francisco Abrantes

Os polígonos das gretas variam em tamanho de alguns centímetros até vários


metros e estão principalmente relacionados com a espessura da camada. Allen (1982)
sugere que o tamanho do polígono é 3 a 8 vezes a profundidade da rachadura ou espessura
da camada. Os polígonos são geralmente curvados com a concavidade para cima, embora
exemplos de gretas achatadas ou côncavas para baixo sejam conhecidas. A erosão em
polígonos grossos produz clastos lamosos.
As gretas de contração são geralmente preenchidas com sedimento relativamente
grosso depositado acima da camada dissecada. Algumas gretas continuam abertas e são
preenchidas com calcita espática após o soterramento. Isso ocorre principalmente em
gretas de pequeno porte com somente alguns milímetros de abertura. Em seções verticais,
as gretas de contração geralmente afunilam pra baixo, produzindo um perfil semelhante
a um V. Gretas com lados paralelos, podem ser mal interpretadas como perfurações de
organismos. A forma correta para evitar esse erro é observar as delineações poligonais na
superfície do acamamento. Compactação precoce (anterior a cimentação) da camada
lamosa gretada pode causar a deformação do preenchimento arenoso e não deve ser
confundido com deformação tectônica.
As GRETAS DE SINÉRESE (syneresis cracks) são fissuras de contração que se
formam em sedimentos argilosos sob a água (Tanner, 2003). À medida que a camada de
argila se deposita e é compactada, ela contrai para formar fissuras na superfície da lama.
Em contraste com as gretas de contração, as gretas de sinérese não são poligonais, mas
apresentam fendas simples, retas ou ligeiramente curvadas. Estas fissuras subaquáticas
foram formadas experimentalmente e têm sido descobertas em rochas sedimentares,
embora algumas dessas ocorrências tenham sido re-interpretadas como gretas de
contração (Astin, 1991). Tanto as gretas de contração e de sinérese se formam em silte ou
areia, porque esses materiais mais grossos não são coesos.

3.4.2 - Marcas de pingos de chuva (Rain prints)


Cavidades rasas, com bordas levemente elevadas, são atribuídas a gotas de chuva
ou granizo que caem nos sedimentos finos úmidos. A espuma da praia produz uma
estrutura semelhante, mas distribuída menos regularmente na superfície do sedimento e
não se sobrepõem. Moussa (1974) argumenta que muitas estruturas interpretadas como
marcas de gota de chuva são na verdade formadas por bolhas de gás que saem da lama
em processo de secagem para a atmosfera. Na verdade, o mecanismo exato não é muito
importante. A importância dessas cavidades rasas é que elas provem evidência de
exposição subaérea.
Um problema mais sério envolve a má interpretação dessas marcas como tocas de
animais que penetraram níveis argilosos nas superfícies do acamamento de algumas
rochas. Uma análise cuidadosa mostrará que tocas afetam a camada inferior de sedimento
e nas bioturbações as bordas elevadas estão ausentes na superfície do acamamento.

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Estratigrafia - Prof. Francisco Abrantes

Figura 31 - Características das marcas de pingos de chuva. (b) e (c) correspondem a marcas de pingos de
chuva e formação de bolhas, respectivamente. As setas indicam a sobreposição de marcas.

3.5 - Estruturas formadas pela ação de maré


Estratificações cruzadas podem ser produzidas em regime de marés através da
migração de grandes dunas (sand waves), mas geralmente existem características
adicionais que refletem as correntes de enchente (flood) e vazante (ebb). Se uma direção
de corrente de maré é dominante, então a estratificação cruzada pode se formar, mas pode
conter marcas onduladas de retorno (back-flow ripples) e superfícies de reativação a partir
de reversões na corrente e efeitos de tempestade. Se houver correntes de maré bipolares,
pode formar-se uma ESTRATIFICAÇÃO CRUZADA ESPINHA DE PEIXE. Esta
estrutura é representa por foresets bipolares com ângulo de 180° entre si, indicando
migração das formas de leito em sentidos opostos.

Figura 32 - Estratificação cruzada espinha-de-peixe.

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Estratigrafia - Prof. Francisco Abrantes

Películas de lama ou MUD DRAPES nas superfícies dos estratos cruzados


ocorrem durante o período de águas paradas (estofo de maré) com a decantação de
sedimentos finos. Em alguns depósitos de dunas formadas por correntes de maré, há
variações regulares no tamanho dos grãos, na espessura dos estratos cruzados e na
ocorrência de películas de argila, refletindo os ciclos lunares (Johnson & Baldwin, 1996;
Allen, 1997). Durante os períodos de lua nova e lua cheia, ocorrem as marés de sizígia
(spring), representadas por correntes de maré mais energéticas e a deposição de foresets
arenosos de maior espessura e películas de argila descontínua. Por outro lado, durantes as
fases de lua crescente e minguante, ocorrem marés de quadratura, com correntes de maré
menos energéticas e uma menor deposição de sedimentos arenosos e películas de argila
mais frentes e mais contínuas.

Figura 33 - Bandamento de maré (tidal bundle) em um set de estratificação cruzada.

3.6 - Acamamento maciço


Camadas maciças refere-se aos estratos sem qualquer estrutura interna aparente.
Embora muitas rochas sedimentares possam parecer maciças ou sem estrutura, uma
inspeção mais próxima pode mostrar que esse não é o caso. Se a camada é realmente
maciça, ela poderia ter se formado por meio de uma rápida deposição, um "despejo" de
sedimentos, a partir de fluxos de gravidade de sedimentos de alta densidade.
Alternativamente, as estruturas deposicionais internas originais poderiam ter sido
destruídas por bioturbação, desidratação ou recristalização.

3.7 - Estruturas formadas por fluxos de massa


As misturas de detritos e fluidos que se movem sob a ação da gravidade são
conhecidas como FLUXOS DE MASSA (mass flows), FLUXOS DE GRAVIDADE
(gravity flows) ou CORRENTES DE DENSIDADE (density currents) (Middleton &
Hampton, 1973). Vários mecanismos estão envolvidos e todos requerem uma inclinação
para fornecer a energia potencial que conduzirá o fluxo. Esta inclinação pode ser a
superfície sobre a qual o fluxo ocorre, mas o fluxo gravitacional também se moverá sobre
uma superfície horizontal associada a diminuição do fluxo descendente, caso em que a

32
Estratigrafia - Prof. Francisco Abrantes

energia potencial é proporcionada pela diferença de altura entre as partes superior


(montante) e inferior (jusante) do fluxo.

3.7.1 - Fluxo de detritos (Debris flows)


Os FLUXOS DE DETRITOS são misturas viscosas densas de sedimento e água,
nas quais o volume e a massa de sedimentos excedem o da água (Major, 2003). Uma
mistura densa e viscosa deste tipo terá tipicamente um número de Reynolds baixo, de
modo que o fluxo tende a ser laminar. A ausência de turbulência durante o fluxo não
permite a seleção dos sedimentos e o depósito resultante torna-se muito mal selecionado.
Alguma seleção pode desenvolver-se por sedimentação lenta e, localmente, produzir
gradação inversa pelo cisalhamento com o limite da camada. Sedimentos de qualquer
granulometria, desde argila a grandes matacões podem estar presentes.
Os fluxos de detritos ocorrem em terra (continentais), principalmente em
ambientes áridos onde o suprimento de água é escasso (como em alguns leques aluviais),
em ambientes submarinos com transporte de material para baixo dos taludes continentais
e, localmente, em algumas encostas de deltas compostos por sedimentos grossos. A
deposição ocorre quando a fricção interna se torna muito grande e o fluxo "congela". Pode
haver pouca alteração na espessura do depósito nas porções proximais para distais, e a
distribuição de tamanho dos clastos pode ser a mesma em todo o depósito. Os depósitos
de fluxos de detritos continentais são tipicamente formados por conglomerados
suportados pela matriz, embora também ocorram depósitos suportados pelos clastos
quando a proporção de clastos grandes for alta na mistura de sedimentos. Eles são mal
classificados e mostram uma fábrica caótica, isto é, geralmente não há orientação
preferencial dos clastos, exceto dentro das zonas de cisalhamento que podem se formar
na base do fluxo. Quando um fluxo de detritos viaja através da água, pode misturar-se
parcialmente com ela e a parte superior do fluxo tornar-se diluída. Os topos dos fluxos de
detritos subaquáticos são caracterizados por uma gradação de sedimentos que tornam-se
mais selecionados e que podem ter as características de um turbidito.

3.7.2 - Correntes de turbidez (Turbidity currents)


As CORRENTES DE TURBIDEZ são misturas turvas de sedimentos
temporariamente suspensos na água movidos pela ação da gravidade. Estas misturas são
menos densas que os fluxos de detritos, apresentando número de Reynolds relativamente
elevado e fluxos geralmente turbulentos. O nome deriva de sua característica de ser uma
mistura opaca de sedimento e água (turva), e não do fluxo turbulento. Elas fluem declive
abaixo ou sobre uma superfície horizontal, sendo a espessura do fluxo maior a montante
(upflow) do que a jusante (downflow). O depósito formado por uma corrente de turbidez
é um TURBIDITO. A mistura de sedimentos pode conter cascalho, areia e lama em
concentrações tão pequenas como algumas partes por mil ou até 10% em peso: nas altas
concentrações os fluxos podem não ser turbulentos e nem sempre são referidos como
correntes de turbidez. Os volumes de material envolvidos em um evento de fluxo único

33
Estratigrafia - Prof. Francisco Abrantes

pode ser qualquer coisa até dezenas de quilômetros cúbicos, que é espalhado pelo fluxo
e depositado como uma camada de alguns milímetros a dezenas de metros de espessura.
As correntes de turbidez e, portanto, os turbiditos, podem ocorrer em águas de qualquer
lugar que exista um suprimento de sedimento e uma inclinação. São comuns em lagos
profundos e podem ocorrer em plataformas continentais, mas são mais abundantes em
ambientes marinhos profundos, onde os turbiditos são o depósito clástico dominante. A
associação com ambientes marinhos profundos pode levar à suposição de que todos os
turbiditos são depósitos marinhos profundos, mas eles não são um indicador de
profundidade, pois as correntes de turbidez são um processo que também pode ocorrer
em águas rasas.

Figura 34 - Principais partes de uma corrente de turbidez.

O sedimento que está inicialmente em suspensão na corrente de turbidez começa


a entrar em contato com a superfície subjacente, onde pode depositar-se ou mover-se por
rolamento e suspensão. Assim, o sedimento sai da suspensão e a densidade do fluxo é
reduzida. O fluxo em uma corrente de turbidez é mantido pelo contraste de densidade
entre a mistura sedimento-água e a água, e se este contraste é reduzido, o fluxo diminui.
Na cabeça do fluxo a mistura turbulenta da corrente com a água dilui a corrente de
turbidez e reduz o contraste de densidade. À medida que mais sedimento é depositado do
fluxo em desaceleração, um depósito acumula-se e o fluxo acaba por parar quando o fluxo
se espalhou como um lençol fino e uniforme.

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Estratigrafia - Prof. Francisco Abrantes

→ Correntes de turbidez de baixa a média densidade


O primeiro material a ser depositado a partir de uma corrente de turbidez será o
mais grosso, uma vez que este é o primeiro a sair da suspensão. Portanto, um turbidito
apresenta gradação normal. As estruturas sedimentares dentro da camada com gradação
normal refletem os processos de mudança que ocorrem durante o fluxo e variam de acordo
com a densidade da mistura inicial. As correntes de turbidez de baixa a média densidade
formarão idealmente uma sucessão conhecida como SEQÜÊNCIA DE BOUMA, em
homenagem ao geólogo que as descreveu pela primeira vez (Bouma, 1962). Cinco
divisões são reconhecidas dentro da Seqüência de Bouma, denominadas de Ta, Tb, Tc,
Td e Te:
Ta) Representa a parte inferior do turbidito e consiste em areia mal selecionada e
sem estrutura: na base escavada a deposição ocorre rapidamente a partir da suspensão
com turbulência reduzida inibindo a formação de formas de leito;
Tb) É caracterizada por areia laminada com grãos normalmente mais finos do que
em ‘Ta’ e o material é mais selecionado: as lâminas paralelas são geradas pela separação
de grãos no transporte em regime de fluxo superior;
Tc) Areia fina a média com laminação cruzada, as vezes laminação cruzada
cavalgante, forma a divisão intermediária da sequência de Bouma: estas características
indicam velocidades de fluxo moderadas dentro do campo de estabilidade das formas de
leito onduladas e elevadas taxas de sedimentação. Laminação convoluta também pode
ocorrer nesta divisão;
Td) Areia fina e silte nesta camada são os produtos da desaceleração do fluxo na
corrente de turbidez: podem ocorrer laminas horizontais, mas a laminação é geralmente
menos definida do que na camada ‘Tb’;
Te) A parte superior do turbidito consiste em sedimentos finos de silte e argila: é
depositado da suspensão após a corrente de turbidez ter ficado em repouso e é, portanto,
um depósito hemipelágico.

Figura 35 - Empilhamento vertical da Sequência de Bouma.

35
Estratigrafia - Prof. Francisco Abrantes

Figura 36 - Empilhamento da Sequência de Bouma com escala vertical.

As correntes de turbidez são fluxos de desaceleração, isto é, diminuem a


velocidade ao longo do tempo e à medida que depositam material, mas isto também
significa que diminuem a velocidade com o aumento da distância da área fonte. Portanto,
há uma diminuição no tamanho do grão depositado com a distância (Stow, 1994). As
partes inferiores da sequência de Bouma estão apenas presentes nas áreas mais proximais
do fluxo. Com a distância, as divisões inferiores são progressivamente perdidas, uma vez
que o fluxo transporta apenas sedimentos mais finos e somente as partes ‘Tc’ a ‘Te’ ou
talvez apenas ‘Td’ e ‘Te’ sejam depositadas. Nas regiões mais proximais, a turbulência
do fluxo pode ser suficientemente forte para provocar escavações e remover
completamente as partes superiores de um leito previamente depositado. Portanto, as
divisões ‘Td’ e ‘Te’ podem estar ausentes devido a esta erosão e o sedimento erodido

36
Estratigrafia - Prof. Francisco Abrantes

pode ser incorporado no depósito sobreposto como clastos de lama. Por conseguinte, só
é provável que ocorra a sequência completa de ‘Ta’ a ‘Te’ em certas partes do depósito,
e mesmo assim, as divisões intermédias podem estar ausentes devido, por exemplo, à
deposição rápida impedindo a formação de marcas onduladas em ‘Tc’. As sequências
completas ‘Ta-e’ de Bouma são bastante raras.

Figura 37 - Distribuição lateral das fácies da Sequência de Bouma, incluindo diferenças nas estruturas
erosivas.

37
Estratigrafia - Prof. Francisco Abrantes

→ Correntes de turbidez de alta densidade


Sob condições em que existe uma densidade de material mais elevada na mistura,
os processos no fluxo e, portanto, as características do depósito são diferentes dos
descritos acima. As correntes de turbidez de alta densidade têm uma densidade aparente
de pelo menos 1,1 g.cm3 (Pickering et al., 1989). Os turbiditos depositados por estes
fluxos têm uma espessa unidade de granulometria mais grossa na sua base, que pode ser
dividida em três divisões: S1, S2 e S3. As divisões S1 e S2 são depósitos de tração de
material grosso, com a parte superior, S2, representando o "congelamento" do fluxo de
tração. Sobrepondo-se a estes estratos ocorre a unidade S3, que é caracterizada por
estruturas de escape de fluido indicando a deposição rápida de sedimentos. A parte
superior da sucessão é mais parecida com a Seqüência de Bouma, denominada Tt e é
equivalente a ‘Tb’ e ‘Tc’, recoberta por ‘Td’ e ‘Te’: esta parte superior reflete, portanto,
a deposição de um fluxo de menor densidade, uma vez que a maior parte do sedimento já
havia sido depositada na divisão ‘S’. As características dos turbiditos de alta densidade
foram descritas por Lowe (1982), nome dado às vezes a esta sucessão.

Figura 38 - Sucessão sedimentar em turbiditos de alta densidade.

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3.7.3 - Fluxo de grãos (Grain flows)


Avalanches são mecanismos de transporte de massa em uma encosta íngreme, que
também são conhecidos como FLUXOS DE GRÃOS. As partículas em um fluxo de
grãos são mantidas separadas no meio fluido por repetidas colisões de grão para grão e
os fluxos de grãos "congelam" rapidamente assim que a energia cinética das partículas
reduz até um valor crítico. Este mecanismo é o mais eficaz em materiais bem selecionados
que caem sob a ação da gravidade em um declive íngreme, como nas faces de avalanche
de uma duna eólica. Quando as partículas no fluxo estão temporariamente em suspensão,
existe uma tendência para os grãos mais finos caírem entre os mais grossos, um processo
conhecido como PENEIRAMENTO CINÉTICO (kinetic sieving), que resulta em uma
gradação inversa dos grãos na camada depositada. Embora ocorra mais comumente em
pequena escala nas areias, os fluxos de grãos também podem ocorrer em materiais mais
grossos, cascalhos em ambiente subaquático íngreme, como no foreset de um delta tipo
Gilbert.

3.8 - Estruturas deposicionais de calcários


Os calcários contêm muitas das estruturas sedimentares que ocorrem nas rochas
siliciclásticas (p.e., ripples, estratos cruzados e planos, HCS, marcas de sola, turbiditos),
mas algumas estruturas são encontradas apenas em sedimentos carbonáticos. Demicco e
Hardie (1995) apresentaram uma descrição de estruturas sedimentares em calcários.

3.8.1 - Planos de acamamento, hardgrounds, tepees e superfícies paleocársticas


Como nos sedimentos siliciclásticos, os planos de estratificação geralmente
representam uma mudança nas condições de sedimentação. As mudanças podem ter sido
sutis ou de curta duração. Os PLANOS DE ACAMAMENTO são principalmente o
resultado de mudanças no tamanho ou na composição do grão. Finas películas de argila
também definem o acamamento em sucessões carbonáticas. No entanto, com calcários,
não é incomum descobrir que os planos de acamamento foram afetados pela dissolução
como resultado da pressão excessiva. Através disso, os limites da camada originalmente
gradacionais, como um calcário passando para um argilito, ou um grainstone passando
para um argilito carbonático, podem tornar-se abruptos. Em muitos calcários de
plataforma, os planos de "acamamento" não são superfícies deposicionais primárias, mas
foram produzidos por dissolução por pressão durante o soterramento. Isto é mais óbvio
onde, por exemplo, uma superfície de "acamamento" ocorre dentro de uma camada
gradacional, ou onde ela corta, em um ângulo baixo, uma nítida superfície de acamamento
primária. Esses pseudoplanos de acamamento são responsáveis por grande parte da
estratificação em calcários de águas rasas e profundas (Simpson, 1985).
Um tipo particular de plano de acamamento é uma superfície endurecida.
HARDGROUNDS são horizontes de cimentação sinsedimentar, ocorrendo em ou logo

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abaixo da superfície do sedimento. No local onde uma superfície endurecida é formada


no fundo do mar, ela é comumente incrustada por organismos bentônicos sésseis, como
corais, serpulídeos, ostras, foraminíferos e crinóides, e perfurada por anelídeos
poliquetas, alguns bivalves e esponjas. Superfícies de hardgrounds podem cortar fósseis
e estruturas sedimentares. Dois tipos de hardgrounds podem ser reconhecidos: uma
superfície lisa e plana, formada por abrasão, e uma superfície irregular e angulosa
formada por dissolução (um hardground de corrosão). O primeiro tipo é mais comum em
sedimentos rasos de submaré, onde ondas e correntes são capazes de mover areias
oolíticas e esqueletais por sedimentos litificados, produzindo uma superfície erosiva
plana. Superfícies de hardground de corrosão são mais comuns em calcários pelágicos,
onde períodos de não sedimentação permitem cimentação e dissolução do fundo do mar.
A identificação de um hardground é importante porque demonstra a cimentação
submarina sinsedimentar. As superfícies de hardgrounds podem se tornar mineralizadas
e impregnadas com hidróxidos de ferro, óxidos de Fe-Mn, fosfato e glauconita. Os
hardgrounds se desenvolvem a partir de sedimentos soltos, passando para camadas firmes
(firmgrounds) e litificadas, e, associado a isso, pode haver uma mudança na fauna,
particularmente dos organismos de escavação, à medida que a taxa de sedimentação
diminui. Hardgrounds ocorrem em todo o Fanerozoico e os modernos estão se formando
atualmente no Qatar no Golfo Arábico e no Banco Eleuthera, Bahamas.
Uma característica distintiva dos calcários de perimaré é a estrutura em TEPEE.
Tepees são rupturas do acamamento em "pseudoanticlinais" e, em planta, as cristas do
tepee formam um padrão poligonal. Tepees ocorrem na escala de dezenas de centímetros
a vários metros de diâmetro. Eles se formam principalmente em planícies de supramaré e
intermaré, como resultado da cimentação e expansão da camada superficial de
sedimentos. O movimento ascendente (ressurgência) de águas subterrâneas, marinhas ou
meteóricas, é um fator que contribui em alguns casos. Cavidades alongadas (gretas em
lençol; sheet cracks) geralmente se formam sob as lajes soerguidas e, nestas, podem
formar-se pisoides, bem como cimentos vadosos, como dripstone e flowstone. Esses
tepees geralmente estão associadas a estromatólitos planares, gretas de contração e
conglomerados intraclastos. Exemplos modernos desses tepees, algumas com a
associação de espeleo-pisoides, ocorrem em planícies de supramaré e em torno de lagos
salinos no sul e oeste da Austrália. Tepees também se formam no ambiente submarino,
por exemplo, onde superfícies de hardground se expandiram através da precipitação de
cimento. Estes são bem desenvolvidos na península do Catar. Tepees são proeminentes
em muitas sequências de perimaré antigas; exemplos clássicos ocorrem nas fácies do
recife posterior do complexo de recifes Permian Capitan do Texas - Novo México e no
Triássico das Dolomitas do norte da Itália.
Outro tipo particular de descontinuidade em acamamentos nos calcários é a
SUPERFÍCIE PALEOCÁRSTICA. Quando os sedimentos carbonáticos se tornam
emergentes, a dissolução através do contato com a água meteórica produz uma superfície
irregular e perfurada. Esta dissolução geralmente ocorre sob uma fina cobertura de solo,

40
Estratigrafia - Prof. Francisco Abrantes

e o solo pode ser preservado como uma camada descontínua de argila imediatamente
acima da superfície de dissolução. O termo karst é aplicado a essas características de
dissolução, que são típicas de áreas climáticas mais úmidas. Em um sistema cárstico bem
desenvolvido, abaixo da superfície podem ser formados buracos e cavernas de dezenas
ou até centenas de metros. As brechas se formam por colapso de cavernas e deposição de
riachos subterrâneos; espeleotemas e flowstones são precipitados também. Cárstes
importantes ocorrem no Ordoviciano Inferior do Texas e Oklahoma, e na região central
da China (Bacia de Ordos) e são grandes reservatórios de hidrocarbonetos.
Crostas laminadas se formam sobre e dentro de sedimentos carbonáticos elevados,
como um tipo de calcrete ou caliche. Na maioria dos casos, eles são representados tapetes
de raízes calcificadas (Wright et al., 1988) e geralmente estão intimamente associadas a
pisoides vadosos e seixos pretos. Nos antigos calcários, as crostas laminadas podem ser
confundidas com estromatólitos, mas a sua associação com superfícies paleocársticas e
paleossolos indica uma origem subaérea e pedogênica.

3.8.2 - Estruturas de cavidade


Estruturas de cavidades eodiagenéticas e deposicionais são comuns em calcários
e apresentam diversos tipos. Alguns são parcialmente preenchidos com sedimentos que
foram transportados e depositados na parte inferior da cavidade, com o espaço acima
ocupado por cimento espático. Tais preenchimentos de cavidades são conhecidos como
ESTRUTURAS GEOPETAIS, e são um indicador útil de topo e base da camada (a
calcita espática no topo). Estruturas geopetais também registram a superfície horizontal
no momento da sedimentação (atuando como um nível de bolha) e, em alguns casos,
mostram que havia um mergulho da superfície deposicional original (como em calcários
de anterecife - forereef). ESTRUTURAS EM GUARDA-CHUVA (Umbrella
structures) são cavidades simples abaixo de conchas de bivalves e braquiópodes convexas
para cima, além de fragmentos de esqueletos. CAVIDADES INTRA-ESQUELETAIS
(Intraskeletal cavities) ocorrem em fósseis fechados ou compartimentados, como
gastrópodes, foraminíferos e ammonóides. CAVIDADES DE CRESCIMENTO
(growth cavities) são formadas abaixo de esqueletos de organismos construtores, como
corais e estromatoporoides, onde se formam acima do sedimento ou geram espaço dentro
do próprio esqueleto.
Cavidades fenestrais ou "BIRDSEYES" são pequenas cavidades que ocorrem
particularmente em mudstones peloidais de ambientes de intermaré e supramaré. A
maioria destas cavidades é apenas preenchida por esparíto, mas alguns podem estar
preenchidos por sedimentos. Três tipos principais podem ser distinguidos:
1) FENESTRAS IRREGULARES (irregular fenestrae), as típicas "birdseyes",
com vários milímetros de diâmetro, equidimensionais a irregulares;

41
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2) FENESTRAS LAMINADAS (laminoid fenestrae), com vários milímetros de


altura e vários centímetros de comprimento, sendo paralelas ao acamamento;
3) FENESTRAS TUBULARES (tubular fenestrae), cilíndricas, verticais a
subverticais, com vários milímetros de diâmetro.
Fenestras irregulares em abundância formam os chamados calcários birdseye. Eles
são atribuídos ao aprisionamento de gás no sedimento e ao ressecamento e, portanto, são
um indicador característico de fácies de intermaré. Estruturas semelhantes também
ocorrem em grainstones de submaré associados a cimentação precoce e hardgrounds. As
areias de praia também contêm fenestras irregulares, chamadas de "keystone vugs",
relacionada ao movimento de água e ar através do sedimento.
As fenestras laminadas desenvolvem-se em sedimentos laminados,
particularmente estromatólitos planos, a partir da decomposição da matéria orgânica, e ao
ressecamento e separação das lâminas. As fenestras tubulares são formadas
principalmente por organismos escavadores, mas as raízes das plantas produzem tubos
semelhantes. Embora comum em sedimentos de planície de maré, fenestras tubulares
também ocorrem em sedimentos rasos de submaré. Os calcários fenestrais ocorrem ao
longo do registro geológico; um exemplo notável é a loferite do Triássico Alpino.
Pequenos vugs a extensos sistemas de cavernas na escala de dezenas de metros
são formados como resultado da dissolução cárstica de superfície e próximo a superfície
em calcários. A dissolução também pode ocorrer durante o soterramento profundo
durante a formação do carste hidrotermal.
Um outro tipo particular de cavidade é a estromatática (stromatactis). Ela é
comum em lamas carbonáticas do paleozoico, como os "recifes" Waulsortianos e outros
do Carbonífero e Devoniano Europeu, o Calcário Tully do Devoniano de Nova York,
"recifes" esponjosos silurianos de Quebec e lamas carbonáticas ordovicianas de Nevada.
As CAVIDADES ESTROMATÁTICAS possuem um teto não suportado e um piso
plano irregulares, formados por sedimentos internos. O cimento é invariavelmente
formado por uma primeira geração de calcita fibrosa, seguida por uma drusa espática. A
maioria das cavidades estromatáticas tem alguns centímetros de comprimento, mas
podem chegar a dezenas de centímetros. A origem das cavidades levou a muita discussão
e especulação. Estromatáctes em lamas carbonáticas (mud-mounds) do Devoniano
Superior tem sido interpretado como o produto da recristalização de colônias de algas,
cianobactérias e bactérias. A calcita fibrosa, que é uma característica da maioria das
cavidades estromatáticas e normalmente considerada como cimento marinho, também é
interpretada como de origem microbiana. Várias origens inorgânicas estão disponíveis:
colapso de sedimentos e saída de água; separação de sedimentos não cimentados abaixo
de crostas litificadas ou tapetes microbianos gelatinosos; e dissolução durante o
soterramento profundo. Um mecanismo de formação popular é que o estromatacte se
forma dentro de um arcabouço esponjoso, a partir da queda de fragmentos da esponja não

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Estratigrafia - Prof. Francisco Abrantes

cimentado (Bourque & Boulvain, 1993; Monty et al., 1995). É provável que estruturas de
estromatactes possam se formar através de vários desses processos.
Dois tipos de cavidades que se formam em calcários parcialmente litificados ou
cimentado são GRETAS EM LENÇOL (sheet cracks) e DIQUES NETUNIANOS. As
gretas em lençol são cavidades geralmente paralelas ao acamamento, que possuem
paredes planas, embora algumas possam ter tetos irregulares. Os diques netunianos
cortam a camada e podem penetrar muitos metros a partir de um determinado plano. Tanto
as gretas como os diques estão preenchidos por sedimentos internos, em alguns casos com
fósseis um pouco mais novos que o calcário adjacente, caso as cavidades sejam abertas
no fundo marinho. Exemplos espetaculares de ambos os tipos, em calcários pelágicos e
truncando em profundidade os carbonatos de plataforma adjacentes, ocorrem no Triássico
e no Jurássico dos Alpes e da Espanha (Molina et al., 1995). Gretas em lençol e diques
netunianos se formam através de pequenos movimentos tectônicos durante a
sedimentação e/ou um leve movimento descendente de sedimentos, causando fraturas da
massa calcária litificada ou parcialmente litificada.
Fraturas e veias preenchidos por calcita, de vários tipos, são comuns em calcários.
Embora possam ser estruturas precoces, como os diques netunianos, a maioria forma-se
através de fraturas posteriores, e isso geralmente ocorre em resposta a estresses
tectônicos, e não a processos puramente diagenéticos.

3.9 - Estruturas biogênicas


Uma grande variedade de estruturas em rochas sedimentares pode ser atribuída a
ação de organismos. Essas estruturas são chamadas de biogênicas, em contraste com as
estruturas sedimentares inorgânicas. Estruturas biogênicas incluem raízes de plantas,
pegadas de vertebrados (trilhas), rastros (devido a invertebrados), tocas em sedimentos
moles e escavações de rochas duras. Esses fenômenos são coletivamente conhecidos
como traços fósseis e seu estudo é conhecido como ICNOLOGIA. Trabalhos
importantes sobre icnologia incluem os de Crimes e Harper (1970, 1977), Frey (1975),
Hantzschel (1975), Gall (1983), Brenchley (1990) e Bromley (1990).
Um tipo morfológico individual de traço fóssil é denominado ICNOGÊNERO.
Um dos princípios básicos da análise de traços fósseis é que um icnogênero semelhante
pode ser produzido por uma ampla variedade de organismos. A forma de um traço fóssil
reflete o ambiente e não o criador. Isso significa que os traços fósseis podem ser
indicadores muito importantes da origem do sedimento em que são encontrados, devido
ao seu controle ambiental. Além disso, os traços fósseis sempre ocorrem in situ e não
podem ser retrabalhados como a maioria dos outros fósseis. Os sedimentólogos, portanto,
precisam saber algo sobre traços fósseis. Os vários tipos de icnogêneros não podem ser
agrupados filogeneticamente porque, como já foi dito, diferentes organismos produzem
traços semelhantes. Os icnofósseis foram agrupados de acordo com a atividade em que

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Estratigrafia - Prof. Francisco Abrantes

foram construídos (Seilacher, 1964) e de acordo com sua topologia (Martinsson, 1965).
O esquema topológico essencialmente descreve a relação do traço com as camadas
adjacentes. O esquema descritivo de Martinsson é fácil de aplicar, enquanto o de Seilacher
requer alguma interpretação. A diferença entre um traço de alimentação e um traço de
habitação, por exemplo, é frequentemente sutil (Bromley, 1975).
Tabela 3 - Nomenclatura dos tipos de traços fósseis.

O aspecto mais útil dos traços fósseis é a ampla correlação entre o ambiente
deposicional e as assembleias de traço-fósseis características, denominadas
ICNOFÁCIES. Esquemas relacionando icnofácies a ambientes foram elaborados por
Seilacher (1964, 1967), Rodriguez e Gutschick (1970), Heckel (1972), Brenchley (1990)
e Bromley (1990). As icnofácies mais terrestres consistem em grande parte de trilhas de
vertebrados. Estes incluem as pegadas de pássaros e animais terrestres. Pegadas de
dinossauros são exemplos particularmente bem estudados (Lockley e Hunt, 1996).
Porém, o potencial de preservação destes rastros é baixo. Eles são mais comumente
encontrados em leitos de lagos secos, fundos de rios e planícies de maré. Os
orgasmoglifos são produzidos por dinossauros no período de acasalamento. Eles são
comumente encontrados nas partes superiores dos leques aluviais, onde os dinossauros
migraram para se reproduzir, onde o clima era mais frio.

Figura 39 - Tipos de icnofósseis de acordo com o posicionamento na camada.

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Estratigrafia - Prof. Francisco Abrantes

Figura 40 - As icnofácies e os ambientes de sedimentação.

Movendo-se em direção ao mar, uma icnofácies muito bem definida ocorre na


zona de intermaré. Esta é muitas vezes chamada de "assembleia Skolithos" porque é
dominada por escavações verticais profundas do icnogênero Skolithos (syn.
Monocraterion, Tigillites e Sabellarifex). Neste ambiente, o substrato sedimentar é
comumente submetido à ação de correntes que escavam e retrabalham os sedimentos.
Devido a isso, os vários invertebrados que habitam a zona de maré (vermes, bivalves,
caranguejos, etc) tendem a viver em tocas de habitação, moradia e de locomoção
(rastejamento). Essas escavações têm saídas na interface sedimento-água, mas descem
em profundidade para abrigar os organismos durante as fases erosivas. As escavações
podem ser simples tubos verticais, como os Skolithos, tubos verticais em forma de U,
como o Diplocraterion yoyo (assim denominado por causa de sua tendência de se mover
para cima e para baixo), ou complexas redes de passagens como Ophiomorpha.
Em ambientes de submaré e marinhos rasos foram definidas as icnofácies
Cruziana e Zoophycos, respectivamente. Nessas zonas mais profundas, onde a ação da
corrente marinha é menos destrutiva, os invertebrados se arrastam pelo leito do mar para
se alimentar fazendo escavações rasas. Eles também fazem perfurações, mas estas tendem
a ser mais rasas e orientadas obliquamente ou subhorizontalmente. As icnofácies
Cruziana são caracterizadas por trilhas bilobadas, geralmente atribuídas à ação de
trilobitas. A icnofácies Cruziana foi, no entanto, encontrada em estratos pós-paleozoicos
e foi registada a partir de formações fluviais (por exemplo, Selley, 1970; Bromley e
Asgaard, 1972). O significado ambiental deste particular icnogênero deve ser interpretado

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Estratigrafia - Prof. Francisco Abrantes

com cuidado. As moscas de camelos formam excelentes trilhas Cruzianas em dunas


eólicas modernas. Zoophycos são um traço fóssil com uma forma helicoidal característica
quando visto em planta. Geralmente, está presente na interface areia-folhelho. A
morfologia detalhada dos Zoophycos e a identidade do organismo que o gerou é um
assunto de debate (Crimes e Harper, 1970). No entanto, há um consenso geral de que
ocorre em depósitos de submaré e marinho raso. Outros traços fósseis que caracterizam
as icnofácies dos Zoophycos e Cruziana incluem as tocas sub-horizontais Rhizocorallium
e Harlania (syn. Arthrophycos; syn. Phycodes).
Movendo-se em águas calmas e profundas, uma icnofácies característica adicional
é nomeada de Nereites. Neste ambiente os invertebrados vivem, mas não no substrato
sedimentar. As escavações para habitação são praticamente inexistentes e as trilhas na
superfície predominam. Traços meandriformes característicos incluem Nereites,
Helminthoida e Cosmorhaphe. Trilhas poligonais reticulares como Paleodictyon,
também são características desse icnofácies. As icnofácies Nereites são comumente
encontradas em sequências de folhelho e arenito turbidíticos de fácies "flysch".

Figura 41 - Aspectos morfológicos das diferentes icnofácies.

Esta breve revisão das icnofácies mostra que o conceito de assembleias restritas
ao ambiente deposicional é de grande utilidade para os sedimentólogos. As formas são
encontradas in situ e são pequenas o suficiente para serem estudadas a partir de furos de
sondagem, bem como em afloramentos. Quando interpretados em seu contexto
sedimentológico, são uma ferramenta útil na análise de fácies. Um último ponto a ser

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observado sobre as estruturas sedimentares biogênicas é a maneira como elas perturbam


as estruturas sedimentares inorgânicas primárias. Intensa escavação, denominada
BIOTURBAÇÃO, leva à ruptura progressiva da camada até que uma areia
uniformemente mosqueada seja deixada. Isto é particularmente característico dos corpos
de areia intertidal e subtidal. Escavações verticais em intercalações de areias e folhelhos
podem aumentar a permeabilidade vertical destas camadas, sendo um ponto importante
cso estas sejam aqüíferos ou reservatórios de petróleo.

Figura 42 - Diferentes graus de bioturbação em depósitos sedimentares. (1) corresponde ao menor grau de
bioturbação e (5) os sedimentos mais bioturbados.

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4 - ESTRUTURAS PÓS-DEPOSICIONAIS (DEFORMACIONAIS)


O terceiro grupo principal de estruturas sedimentares é resultado de deformação.
Estes podem ser denominados pós-posicionais porque, obviamente, eles só podem se
formar depois que um sedimento for depositado. Existe uma grande variedade de
estruturas deformacionais, muitas das quais são mal definidas e estranhamente nomeadas.
Eles podem ser gerados por movimento de deformação verticais ou predominantemente
laterais, sedimentos deformados plasticamente em um estado não consolidado, ou
suficientemente consolidado para cisalhar ao longo de planos na rocha/sedimento.
O acúmulo rápido de sedimentos numa encosta pode levar a deformação da massa
sedimentar. A deformação de sedimento inconsolidado (soft-sediment) pode ocorrer
durante a deposição ou logo após. Ela pode envolver deslocamento lateral descendo a
encosta ou movimento vertical não relacionado à encosta.
As estruturas resultantes são úteis principalmente como guias para mudanças
pouco frequentes ou de curta duração no caráter do sedimento rapidamente depositado.
Como tal, eles permitem fazer um importante discernimento do ambiente sedimentar.
Algumas estruturas pontuam a deposição numa encosta e em alguns casos elas podem ser
usadas para determinar a atitude da encosta.
Existe uma grande similaridade entre certas estruturas produzidas por deformação
penecontemporânea e aquelas produzidas por deformação tectônica. A interpretação
correta é crítica para ambas as análises, sedimentológica e estrutural.
Tabela 4 - Diferença entre deformação sinsedimentar e deformação tectônica.

4.1 - Estruturas produzidas por sobrecarga (loading)


As estruturas de sobrecarga (LOAD STRUCTURES) são produzidas quando
uma camada relativamente densa afunda em uma menos densa. A superposição de
camadas mais densas no topo de camadas menos densas ocorre quando areia fina ou silte
grosso é depositado na argila. O contraste de densidade é causado por uma diferença na

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porosidade inicial, com a areia tendo porosidade mais baixa (aprox. 45%, mas variável)
do que a lama rica em argila (70-90%). Uma inversão na densidade (pesado no topo),
embora potencialmente instável, pode não resultar em sobrecarga, quando as camadas de
sedimentos são suficientemente fortes. Se a força de resistência for diminuída (ou
inicialmente baixa), o sedimento submete-se a liquefação e a deformação acontece. O
caráter da estrutura resultante da sobrecarga depende da densidade e espessura das
camadas envolvidas e do grau de sua liquefação.
A sobrecarga pode deixar a camada de areia intacta ou pode quebrar totalmente a
camada. Quando não quebrada completamente a sobrecarga é manifestada por
protuberâncias bulbosas na base das camadas de areia. Essas estruturas, chamadas LOAD
CASTS, são mais obvias quando a argila (folhelho) é removida pelo intemperismo. Elas
são vistas, em seções normais ao acamamento, como cunhas curvadas de folhelho que se
projetam para cima entre lobos de areia. Essa manifestação de load casts é chamada de
uma estrutura em chama (flame struture), da aparência de línguas de folhelhos curvadas
e adelgaçadas. O espaçamento entre os lobos é geralmente de 1-10 cm, mas pode atingir
10 m em casos raros (Allen, 1982). Irregularidades em um substrato lamoso podem gerar
sobrecarga localizada, como no caso de load casts com estrias (load-casted flutes), mas
isso não é necessário para o desenvolvimento de load casts.

Figura 43 - Estruturas de sobrecarga. (a) visão da base de uma camada de arenito contendo load casts e (b)
visão lateral de estruturas em chama (branco: arenito; preto: argilito).

Quando a sobrecarga quebra completamente a camada de areia, corpos arenosos


com forma elíptica ou de rim são formados pelo colapso com a camada subjacente de
argila. Em alguns casos, isso produz faixas lateralmente contínuas de fragmentos de areia
isoladas e circundadas por argila. Chamados de PSEUDONÓDULOS, elas lembram
muito um horizonte de concreções diagenéticas, mas são texturalmente diferentes da
rocha delimitante e podem ter laminações internas aproximadamente paralelas as ao
limite do corpo de areia. A estrutura em BALL-AND-PILLOW ocorre como extensos
lençóis compostos de “travesseiros” de areia pouco espaçados e, algumas vezes,

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empilhados em uma matriz argilosa. Essa estrutura pode resultar do afundamento de


camadas de areia ou repetida separação de areia liquefeita da base de uma espessa camda
de areia. Os “travesseiros” de areia individuais variam em tamanho de alguns centímetros
até muitos metros, e a laminação interna é semelhante àquela nos pseudonódulos. Alguns
autores sugerem que o movimento à jusante é importante na formação de estrutura em
ball-and-pillow, mas isso é questionável (Allen, 1982).
A deformação pode acontecer devido uma sobrecarga desigual e não por causa da
liquefação da argila. Como exemplo temos as starved ripples que podem afundar na lama
subjacente devido ao excesso de sobrecarga abaixo da crista. Isso distorce a forma da
ripple bem como sua laminação interna.

Figura 44 - Diferença entre (A) starved ripples, (B) pseudonodulos e (C) estruturas em ball-and-pillow.

4.2 - Laminação convoluta


A LAMINAÇÃO CONVOLUTA é caracterizada por um dobramento complexo
de lâminas dentro de uma camada não deformada de espessura uniforme. Ela ocorre mais
comumente em camadas de areia fina a silte grosso que varia em espessura de 2 cm a
muitos decímetros. As cristas anticlinais são pontiagudas em contraste com as sinclinais
que são relativamente amplas e abertas. O grau de deformação pode diminuir
gradualmente para laminação não deformada na parte inferior da camada. Embora a
origem da laminação convoluta seja incerta, liquefação, associada com deposição rápida,
é geralmente considerada como um mecanismo importante. Outros fatores que foram
sugeridos incluem: (1) cisalhamento causado pelo fluxo de fluido atuando na superfície
do sedimento, (2) expulsão da água dos poros, (3) sobrecarga contemporânea com
deposição, e (4) fluxo laminar lateral de camadas liquefeitas.

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Figura 45 - Camadas com laminação convoluta.

4.3 - Estruturas em dish-and-pillar


A estrutura em DISH-AND-PILLAR é produzida em areia e silte ricos em argila
depositados rapidamente e está relacionada ao escape ascendente de água durante a
consolidação. As estruturas em prato (dish) são pseudolâminas escuras formadas pelo
escape de água forçado a seguir o fluxo horizontal sob lâminas semipermeáveis. Assim
que a água se move através da areia, a argila e material orgânico são removidos e
redepositados produzindo as estruturas em prato que variam em espessura de 0,2 a 2 mm.
Essas pseudolâminas ricas em argila são côncavas para cima e são comumente penetradas
por pilares (pillar) verticais sem estruturas, que serviram como condutos para o
movimento vertical da água. Elas estão frequentemente associadas com acamamento
convoluto em camadas espessas de arenito (maior do que 0,5 m), onde os pilares e os
acamamentos convolutos são mais abundantes para o topo.

Figura 46 - Formação de estruturas em dish-and-pillar.

O principal processo que esta estrutura evidência é a deposição rápida de camadas


relativamente espessas de areia. Embora características de fluxos liquefeitos, elas
provavelmente não estão restritas a tais depósitos.

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As estruturas em prato (dish) lembram superficialmente muitas outras estruturas,


mas são prontamente identificadas sob exame mais próximo. Elas não apresentam
lâminas de foresets, como em estratificação cruzada de pequena escala e em bem
definidas lâminas de argila curvadas em sistemas gretados. Tocas verticais são
distinguidas de estruturas em pilares por terem margens retas e delineações circulares na
superfície do acamamento.

4.4 - Estratificação cruzada deformada


Dentro de um coset de arenito com estratificação cruzada, os sets individuais
podem mostrar deformação de sedimentos moles. A estratificação cruzada com
dobramento recumbente nos estratos frontais (overturned cross bedding), embora ausente
na maioria dos arenitos com estratificação cruzada, é localmente abundante. Ela pode
resultar da liquefação da areia em megaripples ou dunas ativas combinadas com tensão
de cisalhamento exercida pela água corrente. A deformação do foreset é maior próxima a
superfície por causa dos efeitos do cisalhamento decrescerem gradualmente para baixo.
Um segundo tipo de estratificação cruzada deformada ocorre em pequenas dobras que
não ultrapassam o foreset. Essa estrutura pode refletir o curvamento da forma de leito
liquefeita, possivelmente após ser sujeita a um choque de terremoto (Allen, 1982).

Figura 47 - Set contendo estratificaçãi cruzada deformada (recumbente).

Existe um consenso generalizado de que estas estruturas são causadas pela


passagem vertical da água através de areia fracamente compactada. Esta água pode ser
devida à frente hidrostática de água, por exemplo, como é visto em um leque aluvial.
Alternativamente, a água pode ser derivada do próprio sedimento. Uma areia não se
compactará significativamente na superfície, mas seus grãos podem cair em um
empacotamento mais fechado. Isso resulta em uma diminuição na porosidade. O excesso
de água dos poros será expelido verticalmente. Experimentos de laboratório mostraram
que esse processo pode de fato gerar camadas convolutas (Selley, 1969). Estas
experiências mostraram que as areias poderiam cair em um empacotamento mais fechado
tanto pela vibração como por redemoinhos turbulentos na água sobrejacente.

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Figura 48 - Sets contendo foresets (A) com dobramento recumbente e (B) pequenas dobras.

4.5 - Estruturas produzidas por transporte gravitacional (SLUMPS)


O transporte gravitacional pode envolver camadas de apenas alguns centímetros
de espessura ou unidades sedimentares de centenas de metros. Uma grande variedade de
estruturas é produzida. Um caso simples envolve falhas de gravidade desenvolvidas em
sedimentos adjacentes aos canais de rios ou marés. A deformação comumente produz
dobras (chamadas slump folds) e falhas, e a massa sedimentar se move lateralmente em
planos de escorregamento de baixo ângulo, que podem ser paralelos ao acamamento.

Figura 49 - Camadas deformadas por fluxos gravitacionais, apresentando dobras recumbentes, superfícies
de escorregamento e vulcões de areia.

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Figura 50 - Vários tipos de estruturas formadas por slumps.

A reconstrução da paleodeclividade usando slump folds intriga os geólogos por


décadas. Embora seja geralmente suposto que os eixos da dobra sejam normais a direção
da jusante, alguns estudos mostram que as dobras podem ser rotacionadas paralelas a essa
direção. Neste caso a direção de dobramento pode ser determinada usando o método do
“ângulo de separação” (Hansen, 1971). Em algumas situações as dobras podem ser tão
caóticas que a análise é impossível.

4.6 - Estruturas Produzidas por injeção de sedimentos


Os DIQUES DE ARENITO são corpos tabulares discordantes que variam em
espessura de alguns centímetros até mais de 10 m. Eles podem ser causados pela injeção
de areia liquefeita a partir da porção inferior da camada. Diques de arenito pequenos, que
podem mostrar forma poligonal em planta, não dever ser confundidos com gretas de
contração. Internamente o arenito pode apresentar uma laminação incipiente (paralela ao
contato com a rocha hospedeira) produzida pelo cisalhamento quando a areia foi levada
para cima. Em alguns casos, a areia pode ser injetada como lençóis paralelos ao
acamamento, chamados soleiras de arenito (sandstone sills). Uma variedade incomum de
diques de arenito ocorre como corpos pequenos, irregulares e sinuosos formados quando
camadas de argila e areia saturada de água são sujeitas a extensão (Selley, 1976).

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Aparentemente, o material hospedeiro era muito menos competente do que aquele


associado aos diques de arenito com paredes retas.
Os DIQUES E SOLEIRAS NETUNIANAS são produzidos pelo preenchimento
de fissuras submarinhas pela parte superior. Eles são associados com depósitos pelágicos
e são preenchidos com sedimento relativamente grossos, geralmente não apresentando
uma sequência estratigráfica normal (Jenkins, 1978). As fraturas podem ser abertas por
falha ou atividade tectônica penecontemporânea.

Figura 51 - Diques de arenito e dique netuniano.

4.7 - Nódulos diagenéticos


Muitas rochas pelíticas contêm nódulos, também chamados de concreções. Estes
são formados por corpos regulares a irregulares, esféricos, elipsoidais a achatados,
comumente compostos de calcita, siderita, pirita, sílex ou fosfato de cálcio, juntamente
com alguns sedimentos originais. Os nódulos crescem dentro do sedimento durante a
diagênese e isso pode ocorrer logo abaixo da interface sedimento-água ou muito mais
profundo na coluna sedimentar.
Os primeiros NÓDULOS DIAGENÉTICOS se formam em sedimentos ainda
moles e não compactados. Estes podem ser reconhecidos a partir da presença de fósseis
não esmagados dentro dos nódulos e do dobramento das lâminas no lodo ao redor do
nódulo, mostrando que a compactação ocorreu após o crescimento. Alguns nódulos
formados precocemente são retrabalhados em conglomerados e podem estar soterrados e
incrustados. Nódulos também podem se formar após a compactação do sedimento
hospedeiro durante a mesodiagênese, e com estes, as lâminas no sedimento passam
inalteradas através do nódulo. Nódulos contendo uma rede interna de fissuras,
particularmente aqueles que se estendem para o interior, são denominados nódulos
septários. As rachaduras se formam através da contração e excesso de pressão nos poros,
e geralmente elas são preenchidas com cristais grossos, comumente calcita (Hounslow,
1997).

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Figura 52 - Diferença entre nódulos formados antes e depois da compactação dos sedimentos.

O crescimento de nódulos surge da precipitação localizada de cimento a partir das


águas dos poros dentro do sedimento. A composição, Eh e pH dessas águas intersticiais
são importantes no controle da mineralogia e taxas de crescimento dos nódulos. Em
alguns casos, os nódulos se formaram em torno de um núcleo, um fóssil, por exemplo,
como resultado das condições químicas locais. Mais comumente, os nódulos não têm
núcleo e se formam ao longo de horizontes definidos ou em leitos específicos, refletindo
um nível em que a supersaturação das águas intersticiais foi alcançada. Nódulos
alongados podem mostrar uma orientação preferencial, refletindo a direção do
movimento da água intersticial (p.e., McBride et al., 1994). Descrições e discussões sobre
a origem dos nódulos incluem Scotchman (1991) e Cope & Curtis (2000). Uma estrutura
mal compreendida que ocorre em argilitos é a ESTRUTURA CONE-EM-CONE.
Consiste em cones agrupados de calcita fibrosa, raramente ankerita ou siderita, orientados
de maneira normal à camada, constituindo inteiramente um nódulo ou uma camada.
Muitas vezes há evidências de que a estrutura se formou por deslocamento. Cone-em-
cone pode ser análogo a gipsita fibrosa, sendo formado através do levantamento
hidráulico do sedimento, com a natureza fibrosa da calcita refletindo o crescimento sob
estresse e altas pressões de fluido poroso.

4.8 - Dissolução por pressão e compactação


Como resultado da pressão de soterramento e da tectônica, a dissolução ocorre nas
massas rochosas sedimentares ao longo de certos planos, produzindo uma variedade de
superfícies suaves a irregulares. Os efeitos da dissolução por pressão são comumente
observados nos contatos entre as camadas calcárias e dentro dos calcários. Esse processo
provavelmente começa logo no início do soterramento, mas torna-se bem-desenvolvido
depois do soterramento alcançar muitas centenas de metros. Existem dois estilos
principais de dissolução por pressão, levando à formação de níveis suturados e não
suturados. A dissolução por pressão pode resultar em um pseudoacamamento.

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Os tipos de suturados são mais conhecidos como ESTILÓLITOS, os quais


geralmente têm acamamento paralelo, embora também possam ocorrer em alto ângulo
com as camadas. Material insolúvel (principalmente argilo) é concentrado ao longo dos
níveis. Os estilólitos ocorrem como planos suturados únicos ou como zonas ou enxames;
formas de alta (vários centímetros) e baixa amplitude podem ser distinguidas.

Figura 53 - Geometria serrilhada apresentada nos estilólitos.

Os níveis de dissolução (DISSOLUTION SEAMS) não suturados com pouco


relevo também são comuns, embora mais frequentes em calcários argilosos. Eles são
ondulados, ramificados e anastomosados e também podem ocorrer individualmente ou
em níveis. Podem passar através de planos de clivagem em argilitos adjacentes. Texturas
nodulares, aglomeradas e pinch-and-swell podem desenvolver-se em escala centimétrica
ou decimétrica.
Uma extrema dissolução por pressão pode dar ao calcário uma aparência brechada
(brecha estilolítica) com uma fábrica bem ajustada aos clastos. O termo ‘calcário flaser’
tem sido utilizado para esse tipo de rocha. A ocorrência de dissolução por pressão pode
ser demostrada pela perda parcial de fósseis nos estilólitos ou em sua intersecção. Em
alguns casos, os contatos suturados ocorrem entre os fósseis ou clastos de um calcário.
Os estilólitos também podem ocorrer em arenitos, mas isso não é tão comum. Eles
podem ocorrer entre os seixos de conglomerados, deixando os seixos esburacados.
A compactação de sedimentos argilosos inicia logo após a deposição e os efeitos
principais são a fragmentação dos fósseis e a redução a espessura do sedimento
depositado por um fator acima de 10 (mais bem visualizado quando há nódulos da
diagênese precoce no argilito). A compactação associada à dissolução por pressão
também acentua os contatos calcário-argilito.

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4.9 - Brechas de colapso


Em sequências que contêm ou podem conter evaporitos, ocorrem ocasionalmente
horizontes brechados. Blocos angulares podem ser de qualquer tamanho, mas são
similares em composição a outros sedimentos da sequência. Frequentemente, os blocos
serão deslocados apenas ligeiramente um em relação ao outro, e é possível restaurá-los
mentalmente às suas posições originais, como em um quebra-cabeça. Tais brechas podem
frequentemente ser o resultado da remoção de uma unidade evaporítica por dissolução,
de modo que a única evidência que temos de sua existência anterior é a brecha causada
pelo colapso de estratos sobrepostos.

REFERÊNCIAS
Boggs S. 2009. Petrology of Sedimentary Rocks. New York: Cambridge University
Press, 600 p.
Collinson, J.; Mountney, N.; Thompson, D., 2006. Sedimentary structures. 3º ed., Terra
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Selley, R.C., 2000. Applied Sedimentology. 2º ed., Academic Press, 523 p.
Suguio, K., 2003. Geologia Sedimentar. Ed. Blücher, São Paulo, 400 p.
Tucker, M.E., 2001. Sedimentary petrology: An introduction to the origin of
sedimentary rocks. 3ª ed. London: Blackwell scientific publications, 262 p.
Tucker, M.E., 2014. Rochas Sedimentares: Guia geológico de campo. 4ª ed. Porto
Alegre: Editora Bookman, 324 p.

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