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“FILHOS ...

Filhos? Melhor não tê-los! Mas se não os temos Como sabê-los?”. Assim começou Vinícius de
Moraes seu Poema Enjoadinho. Recorro a ele para resumir o sentimento que emerge em cada
um que experimentou a paternidade, seja biológica, seja espiritual, como vivem os sacerdotes,
que podem ter não um, ou dois, mas centenas de filhos. Tenho visto muita preocupação com os
filhos. O que serão, o que têm, onde trabalham, onde moram, mas honestamente quase nada
ouço a respeito do que são de fato e menos ainda sobre sua fé, seu sentimento religioso. Como
se viver fosse uma estrada rumo ao topo, um cimo para o mundo, mas uma planura no espírito.

Tenho ouvido muitas manifestações acerca da ambição dos pais de que seus filhos vivam no
exterior, para que estejam a salvo do Brasil. Viva o patriotismo, não é mesmo? Provavelmente
esta seja a manifestação coletiva mais contundente de nosso fracasso. Nossa elite formal,
aquela que estudou e balbucia idiomas estrangeiros, sonha em ser subalterna em outro rincão
qualquer do planeta. Mas deixemos isto pra lá, ainda que tais fantasias deletérias só façam
retardar o futuro deste país, que segue sendo o paraíso maltratado.

Quero abordar o nhenhenhém com filhos, o exagero de preocupação com seu futuro, a
denunciar uma presunção paterna: a de que pais podem esquematizar a vida dos outros. Sim,
porque os filhos fazem parte do grupo dos outros. Se alguém me perguntar o que desejo para as
minhas três filhas, responderei de pronto que sejam católicas e caminhem com as próprias
pernas. O resto que venha por acréscimo. Lar é rampa de lançamento. Basta ver o que fazem os
pássaros com os filhotes que negaceiam na hora de pular do ninho. E se os filhos fracassarem?
Ora, terão as portas paternas abertas para novo período de preparação e lançamento.

A caminho de Jaguarão passamos por Arroio Grande, berço do maior empresário do Império.
Certa feita entramos na cidade à procura de algo sobre Mauá. Não há nada. Imperdoável
omissão. Órfão de pai muito cedo, lidaria com as adversidades com lendária coragem. Sua vida
é nada mais nada menos que um épico social e deveria inspirar os que olham para o alto
esperando que chova maná. Arroio Grande tem enorme dívida histórica. Ostentado portais
medíocres e caros, as cidades deveriam exaltar sua vocação e homenagear seus maiores.

Pois não muito longe de Arroio Grande, em Aceguá, nasceria, duas décadas depois de Mauá,
Gaspar Silveira Martins, protagonista de notáveis passagens e frasista de nomeada. Não ficou
órfão cedo, mas comportou-se como se o fosse. No livro “Silveira Martins e sua época” Osvaldo
Orico apresenta o personagem histórico com a tinta destinada aos legendários. Frequentou por
algum tempo escola em Cerro Largo antes de seguir para Pelotas. Teve um desentendimento
com um professor, trabalhou no comércio, mas logo solicitou permissão aos pais para embarcar
rumo ao Maranhão, sequioso por abeirar-se de poetas e oradores. O biógrafo informa que
Martins, autorizado pelo pai a perseguir seus ideais, não teria, então, mais de dez anos de idade.

Aos treze anos migra para o Rio de Janeiro e entra no “Colegio Vitorio”. Vitorio da Costa, seu
diretor, tinha o hábito de entrevistar os candidatos e registrar o que houvesse de mais
importante. Silveira Martins se apresenta sozinho, informa que dispõe dos recursos e que tem
liberdade para escolher o colégio que mais lhe convem.O que desejas ser quando fores homem?
Quero ser ministro de Estado! O professor repetiria a pergunta. Para ouvir a mesma resposta.

Silveira Martins tornou-se o melhor aluno. Certo dia Vitório perguntou o que faria, ministro de
Estado, de seu velho professor. O farei conselheiro de Sua Majestade, o Imperador. Em 1878 foi
chamado para a pasta da fazenda. Na primeira reunião do gabinete propôs a concessão do título
de Conselheiro ao professor Vitorio. E foi pessoalmente entregá-lo ao mestre. Figura marcante,
voltarei a ele, Gaspar Silveira Martins, no futuro, em outro texto. Por ora voltemos ao presente.

Será que filhos mimados poderiam lustrar a botina de um Mauá, de um Silveira Martins? Foram
exceções, dirão. Filhos mimados medíocres, retruco, são a regra. Os títulos e feitos, porém,
nada contam. Como Vinícius rematou seu poema “Chupam gilete Bebem xampu Ateiam fogo No
quarteirão Porém, que coisa Que coisa louca Que coisa linda Que os filhos são!”. Subscrevo.

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