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apresentação do livro
Publicado pela primeira vez em português, 35 anos depois de sua edição original, A
invenção da cultura de Roy Wagner é provavelmente o livro mais esperado pelo meio
antropológico brasileiro nos últimos anos. A obra radicaliza uma reflexão sobre o
polêmico conceito de cultura em antropologia: a partir da consideração dos modos de
conceitualização nativos, ela reformula a própria disciplina antropológica. Para
Wagner, não se trata de entender o que outros povos produzem como “cultura” a partir
de um dado universal (a “natureza”), mas antes, o que é concebido como dado por
outras populações. Com isto, a própria noção de “natureza” como dado universal e de
“cultura” ficam sob suspeição. Eis o que explica que o livro tenha sido tão lentamente
digerido pela disciplina, ainda que tenha influenciado antropólogos da estatura de
Marilyn Strathern e Eduardo Viveiros de Castro. Após um meticuloso trabalho de
tradução, a publicação finalmente é lançada, incluindo um post scriptum do autor
escrito em 2010 especialmente para a edição brasileira, que contém ainda um “sobre o
autor”, sua bibliografia completa e um índice remissivo de nomes e ideias.
Num intricado e complexo argumento, Roy Wagner apresenta uma leitura dos modos de
objetificação que supera a dicotomia entre ação e pensamento para propor uma
abordagem da cultura que se distancia de um posicionamento estritamente
intelectualista. Ao apresentar as culturas como inventivas, os modos de simbolização
assumem um caráter tanto intelectivo quanto prático. O autor desenvolve o argumento,
mostrando como o modo de ação generalizante ou convencional – ocidental – e o
diferenciante ou não convencional – dos Daribi da Nova Guiné e de outros povos tribais
– operam em sua relação com o mundo. Se o modo convencional opera estabelecendo
uma distinção entre o símbolo e a coisa simbolizada, o modo diferenciante assimila ou
engloba aquilo que simboliza. Entretanto, ambos os procedimentos – a diferenciação e a
generalização – são necessários para qualquer tipo de invenção: o que distingue as
culturas é a ênfase atribuída conscientemente a cada um deles na simbolização, com o
mascaramento do procedimento oposto. O procedimento mascarado é visto
culturalmente como pertencente ao reino do “inato”, ao passo que o outro é assimilado à
esfera da ação humana.
Em outras palavras, Wagner sugere que enquanto para “nós, ocidentais” o indivíduo, a
personalidade, o instinto são da ordem do inato, ao passo que as relações sociais, o
parentesco, a língua são produtos da ação humana, para os Daribi, essa ordem das
convenções é tomada como “dada”, e a partir dela ocorrem os procedimentos de
diferenciação – os Daribi aprendem a humanidade, e não as convenções sociais. No
entanto, tanto o reino do “inato” quanto o do “artifical” são igualmente “inventados”
pelo homem. É o fato de mascarar o procedimento de simbolização diferenciante (no
nosso caso) ou convencional (no caso melanésio) que cria a ilusão do “inato”. É com
base nessa sofisticada teoria que o autor coloca em xeque a distinção entre natureza e
cultura, contribuindo para a reviravolta que vem ocorrendo na disciplina antropológica
com os mais recentes estudos melanésios e americanistas.