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Oswaldo Luiz Alves, Iara de Fátima Gimenez e Italo Odone Mazali

Neste trabalho buscou-se abordar os aspectos históricos do desenvolvimento dos vidros enquanto materiais presentes
no cotidiano, nas artes e na tecnologia. Adicionalmente, procurou-se desmistificar a definição clássica de vidros, na direção
de abranger todos os exemplos conhecidos. Na seqüência, examinou-se brevemente os aspectos teóricos da formação
de vidros pelo método clássico de fusão/resfriamento. Finalmente, abordou-se a preparação de vidros, do ponto de vista
prático, suas aplicações modernas e, merecendo grande destaque atual, a questão ligada à reciclagem.

evolução dos vidros, teoria da formação de vidros, aplicações de vidros, reciclagem de vidros

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Introdução verdadeira de sua importância na so- feccionar ferramentas de corte para

O
ciedade moderna. uso doméstico e para sua defesa.
s materiais vítreos têm uma
Este artigo visa expandir os conhe- As características destes vidros
característica extremamente
cimentos sobre estes fantásticos mate- naturais fizeram com que logo alcan-
interessante: seja qual for a
riais, ao mesmo çassem alto valor ao lon-
nossa necessidade, quase sempre te-
tempo tão antigos Vidros naturais (obsidian e go da história, a ponto dos
mos a possibilidade de vir a utilizá-los
e tão modernos, tektites) podem ser egípcios os considerarem
nos mais diferentes contextos. Basta,
procurando con- formados quando alguns como material precioso,
para isto, olharmos ao nosso redor
textualizá-los den- tipos de rochas são sendo encontrados em
para verificarmos quão grande é a sua
tro da história, da fundidas a elevadas adornos nas tumbas e en-
onipresença. Certamente, e até por
ciência e da tec- temperaturas, como ocorre gastados nas máscaras
isso, muitas vezes os vidros passam
nologia relacio- em erupções vulcânicas, mortuárias de ouro dos
completamente desapercebidos, uma
nadas à sua fabri- por exemplo antigos Faraós.
vez que, naturalmente, fazem parte da
cação, aplicações Como ocorre com
paisagem.
e implicações, sejam elas do cotidiano, grande parte dos materiais ditos anti-
Muito desta situação vem do fato
da alta tecnologia ou da reciclagem. gos, o descobrimento de sua fabrica-
de que os vidros são materiais conhe-
ção é, geralmente, incerto.
cidos há bastante tempo. Alguns estu- A arte de fazer vidro Plínio, o grande naturalista romano,
diosos chegam mesmo a dizer que,
nascido no ano 23 de nossa era, em
provavelmente, estão entre os mate- Tempos antigos: da Idade da Pedra à sua enciclopédia Naturalis Historia
riais mais antigos feitos pelo homem, Renascença atribui aos fenícios a obtenção dos
sendo utilizados desde o início dos
Os vidros nem sempre foram fabri- vidros. Segundo o relato, ao desem-
primeiros registros históricos. Assim, é
cados pelo homem. Os chamados vi- barcarem nas costas da Síria há cerca
praticamente impossível falarmos de
dros naturais podem ser formados de 7000 anos a.C., os fenícios improvi-
tais materiais sem fazermos menção
quando alguns tipos de rochas são saram fogões usando blocos de salitre
à própria História da Civilização.
fundidas a elevadas temperaturas e, sobre a areia. Observaram que, passa-
Apesar desta convivência, desta
em seguida, solidificadas rapida- do algum tempo de fogo vivo, escorria
familiaridade, o que realmente sabe-
mente. Tal situação pode, por exemplo, uma substância líquida e brilhante que
mos sobre os vidros? Responder ape-
ocorrer nas erupções vulcânicas. Os se solidificava rapidamente. Admite-se
nas que são materiais frágeis e que,
vidros naturais assim formados, deno- que os fenícios dedicaram muito tem-
em alguns casos, são transparentes,
minados obsidian e tektites, permitiram po à reprodução daquele fenômeno,
não nos parece oferecer a dimensão
aos humanos na Idade da Pedra con- chegando à obtenção de materiais

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utilizáveis. Shelby, em seu livro Intro- de manganês nas com-
duction to Glass Science and Techno- posições e de melho-
logy (Introdução à Ciência e Tecnologia ramentos importantes
do Vidro), oferece-nos um cenário su- nos fornos, como a pro-
gerindo que a combinação de sal dução de altas tempera-
marinho (NaCl), e talvez ossos (CaO), turas e o controle da
presentes nos pedaços de madeira atmosfera de combustão,
utilizados para fazer fogo sobre a areia os quais tiveram marcada
(SiO2), na beira da água salgada do influência sobre a quali-
mar (o Mediterrâneo?), reduziria sufi- dade dos vidros e permi-
cientemente o seu ponto de fusão, de tiram uma fusão mais efi-
tal modo que vidro bruto, de baixa qua- ciente dos materiais
lidade, poderia ser formado. Posterior- constituintes.
mente, a arte vidreira teria sido difun- Desde o princípio, os
dida através do Egito e Mesopotâmia, vidros fabricados tiveram
sendo desenvolvida e consolidada em um caráter utilitário, per-
todos os continentes. mitindo a construção de
E o vidro segue seu caminho atra- ânforas, vasos, utensílios
vés da civilização. A ação do homem, para decoração etc. En-
agora, faz-se sentir O casamento entre tretanto, a idade do luxo
cerâmica e vidro data já do Egito antigo, do vidro foi o período do Figura 1: Vitral Oeste. Catedral de Chartres (França). A
dado que, quando as cerâmicas eram Império Romano. A quali- figura representa a genealogia de Cristo.
queimadas, a presença acidental de dade e o refinamento da
areias ricas em cálcio e ferro, combi- arte de trabalhar com vidro permitiam de diâmetro, rejuntados com tiras de
nadas com carbonato de sódio, poderia criar jóias e imitações perfeitas de chumbo e fixados nas construções for-
10 ter sido o resultado das pedras preciosas. mando janelas. O período de ouro des-
coberturas vitrificadas, Os primeiros vidros Recorremos à Tabe- ta técnica deu-se no século XV. Cate-
observadas nas peças incolores foram obtidos la 1 para continuarmos drais, igrejas, palácios, átrios e residên-
daquela época. São por volta de 100 d.C., em contanto esta história, cias tinham janelas decoradas com
também do Egito anti- Alexandria, graças à resumindo alguns as- vitrais. Na Figura 1 é mostrado um dos
go a arte de fazer vi- introdução de óxido de pectos apresentados e magníficos vitrais que ornamentam a
dros (isentos de cerâ- manganês nas composições avançando outros; tais Catedral de Chartres, na França. Al-
mica) e a adição de e de melhoramentos nos informações permitem- guns historiadores consideram que a
compostos de cobre e fornos, como a produção nos fazer alguns co- expansão e difusão dos vitrais tenha
cobalto para originar de altas temperaturas e o mentários adicionais sido conseqüência direta das altas ja-
as tonalidades azula- controle da atmosfera de sobre os vitrais. Tratam- nelas utilizadas na arquitetura das ca-
das. combustão se, em realidade, de pe- tedrais góticas.
Um desenvolvi- quenos pedaços de vi- Ao nos confrontarmos com a histó-
mento fundamental dro polido, de até 15 cm ria dos vidros, fica clara a importância
na arte de fazer objetos de vidro deu-
se por volta do ano 200 a.C., quando Tabela 1: Períodos e regiões onde foram desenvolvidas importantes inovações na arte
artesãos sírios da região da Babilônia vidreira antiga.
e Sidon desenvolveram a técnica de Período Região Desenvolvimento
sopragem Através desta, um tubo de
ferro de aproximadamente 100 a 8000 a.C. Síria(?) Primeira fabricação de vidros pelos fenícios
150 cm de comprimento, com uma 7000 a.C. Egito Fabricação dos vidros antigos
abertura de 1 cm de diâmetro, permitia 3000 a.C. Egito Fabricação de peças de joalheria e vasos
ao vidreiro introduzi-lo no forno conten- 1000 a.C. Mediterrâneo Fabricação de grandes vasos e bolas
do a massa de vidro fundida, e retirar 669-626 a.C. Assíria Formulações de vidro encontradas nas tábuas da
uma certa quantidade que, soprada biblioteca do Rei Assurbanipal
pela extremidade contrária, dava 100 Alexandria Fabricação de vidro incolor
origem a uma peça oca. Data desta
200 Babilônia e Sidon Técnica de sopragem de vidro
época, também, a utilização de moldes
de madeira para a produção de peças 1000-1100 Alemanha, França Técnica de obtenção de vitrais
de vidro padronizadas. Os primeiros 1200 Alemanha Fabricação de peças de vidro plano com um dos lados
vidros incolores, entretanto, só foram cobertos por uma camada de chumbo - antimônio:
espelhos
obtidos por volta de 100 d.C., em Ale-
xandria, graças à introdução de óxido 1688 França Fabricação de espelhos com grandes superfícies

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dos povos que habitavam o Mediter- este livro conter informações úteis, como a solidificação e a formação dos
râneo e o Adriático. Neste particular, comenta Michael Cable, não passava vidros não eram entendidos.
Veneza teve papel fundamental, sobre- de um “livro de receitas”, onde as
tudo na Idade Média, por contar com bases do entendimento da ciência do
Tempos Modernos: da Renascença à
um grande número vidreiros, fortemen- vidro só poderiam surgir se acompa- atualidade
te influenciados pela arte islâmica. Na nhadas de um melhor entendimento da Os séculos XVIII, XIX e XX marca-
Renascença, mais especificamente no química e da física. Desenvolvimentos ram importantes desenvolvimentos
século XVII, houve um declínio da arte da química eram necessários para per- tanto na fabricação quanto na aplica-
de fazer vidros atribuído, em parte, ao mitir a análise tanto dos vidros quanto ção dos vidros, os quais, por que não
aparecimento das técnicas de corte. das matérias-primas, e ainda o enten- dizer, experimentaram a sua populari-
Muitos dos artesãos venezianos da dimento das diferenças entre os ele- zação enquanto material de produção
época expatriaram-se para a Alema- mentos, tais como o sódio e potássio intensiva. Seria difícil e demandaria
nha, radicando-se nas florestas da Ba- ou cálcio e magnésio. Desenvolvimen- muito espaço a descrição destes avan-
vária e da Bohemia. Tais artesãos tos da física, por outro lado, eram ços. Por conseguinte, recorreremos à
passaram a produzir um vidro de cor necessários para o entendimento do Tabela 2, onde apresentamos aqueles
esverdeada que, depois de polido, que era o calor, por alguns intuído co- que, ao nosso juízo, constituem-se nos
recebia o nome de vidro florestal ou mo uma forma de elemento químico. pontos de destaque destes últimos 300
vidro da floresta, do alemão Waldglas. A esta altura, tanto o fundido resultante anos.
Na Figura 2 é mostrado um dos fornos
onde estes vidros eram fabricados, po- Tabela 2: Principais estudos e desenvolvimentos dos vidros nos últimos 300 anos.
dendo, inclusive, ser observadas algu- Data Estudos e Desenvolvimentos
mas ferramentas.
1765 Início da produção do vidro cristal
A arte da fabricação de vidros foi
resumida em 1612 por Neri, em uma 1787 Utilização de aparelhos de vidro para o estudo das propriedades físicas dos
famosa publicação denominada L’Arte gases: Lei de Boyle e Charles
Vetraria, traduzida para o latim e outras 1800 Revolução industrial abre nova era na fabricação de vidros. Matérias-primas
sintéticas são usadas pela primeira vez. Vidros com propriedades controladas 11
línguas vernaculares. Não obstante
são disponíveis
1840 Siemens desenvolve o forno do tipo tanque, para a produção de vidro em
grande escala; produção de recipientes e vidro plano
1863 Processo “Solvay” reduz dramaticamente o preço da principal matéria-prima
para fabricação de vidros: óxido de sódio
1875 Vidros especiais são desenvolvidos na Alemanha por Abbe, Schott e Carl
Zeiss. A Universidade de Jena, na Alemanha, torna-se o maior centro de
ciência e engenharia do vidro. A química do vidro está em sua infância
1876 Bauch & Lomb Optical Company é fundada em Rochester, Nova York. Tem
início a fabricação de lentes e outros componentes ópticos
1881 Primeiros estudos sobre propriedade-composição de vidros para a construção
de instrumentos ópticos, tais como o microscópio
1886 Desenvolvida por Ashley a primeira máquina para soprar vidro
1915 A Universidade de Sheffield, na Inglaterra, funda o Departamento. de
Tecnologia do Vidro, hoje chamado Centro para a Pesquisa do Vidro
1920 Griggith propõe a teoria que permite compreender a resistência dos bulbos
de vidro, o que levou ao entendimento e aperfeiçoamento da resistência dos
vidros
1926 Wood e Gray desenvolveram uma máquina que permitiu a fabricação de
bulbos e invólucros de vidro em grande escala (1000 peças/minuto)
1932 Zachariasen publica seu famoso trabalho sobre a hipótese da rede aleatória
e as regras para a formação de vidros no Journal of American Chemical Society
1950-1960 A companhia americana Ford Motor Co. funda o principal centro de pesquisa
em vidro. A Ciência do Vidro torna-se sua maior área de pesquisa
1960 Turnbull e Cohen propõem modelo para a formação de vidros, baseado no
Figura 2: Ilustração de um forno para a fa- controle da cristalização através da taxa de resfriamento
bricação de vidro segundo a Georgius 1970 A Corning Glass americana produz a primeira fibra óptica de sílica, usando
Agricola’s De Re Metallica (1556); (a) tubo técnicas de deposição de vapor químico para reduzir a atenuação e aumentar
soprador de vidro; (b) janela pequena mó- o sinal da transmissão
vel; (c) janela por onde era retirado o vidro;
1984 Marcel e Michel Poulain e Jacques Lucas descobrem os primeiros vidros
(d) pinça e (e) moldes através dos quais
fluoretos em Rennes, na França
as formas das peças eram produzidas.

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Atualmente as pesquisas estão comum consistindo de cristais alta- A
concentradas nos vidros à base de mente dispersos”. A hipótese de
óxidos utilizando processos tradicio- Lebedev levava em conta a inter-rela-
nais de fusão. Nos últimos 20 anos fo- ção entre as propriedades e a estrutura
ram desenvolvidos novos processos interna dos vidros, sendo proposta
de fabricação de vidros, como o pro- muito antes dos primeiros resultados
cesso sol-gel (totalmente químico em provenientes dos métodos estruturais
que não se usa a fusão) e os pro- baseados na difração de raios-X. Hoje
cessos baseados na deposição quí- em dia ninguém considera a Hipótese
mica de vapor. No que diz respeito às do Cristalito para explicar a estrutura
outras famílias de vidros que não os dos vidros; contudo, a mesma foi dis-
óxidos, têm sido objeto de estudo os cutida e amplamente considerada por
vidros haletos, calcogenetos e calco- vários anos.
haletos. Em 1932, Zachariasen publicou o
famoso artigo The Atomic Arrangement
Como são definidos os vidros? in Glass (O Arranjo Atômico em Vidros),
Do ponto de vista básico, os primei- e afirmava que “deve ser francamente
ros estudos sobre vidros foram reali- admitido que não conhecemos prati-
zados por Michael Faraday, em 1830, camente nada sobre o arranjo atômico B
o qual definiu vidros como sendo mate- dos vidros”.
riais “mais aparentados a uma solução A base estrutural para a formação
de diferentes substâncias do que um de vidros por fusão/resfriamento foi fir-
composto em si”. mada por Zachariasen, que propôs
Inicialmente, as definições de vidro que “o arranjo atômico em vidros era
basearam-se no conceito de visco- caracterizado por uma rede tridimen-
12 sidade de sólidos, ten- sional estendida, a
do em vista que, até Por definição, “vidro é um qual apresentava au-
então, os vidros eram sólido amorfo com ausên- sência de simetria e
preparados unicamen- cia completa de ordem a periodicidade” e que
te por fusão/ resfria- longo alcance e periodi- “as forças interatô-
mento. Segundo o cri- cidade, exibindo uma micas eram compará-
tério de viscosidade, região de transição vítrea. veis àquelas do cristal
um sólido é um mate- Qualquer material, inor- correspondente”. Ain-
rial rígido, que não es- gânico, orgânico ou metal, da segundo o pesqui-
coa quando subme- formando por qualquer sador, a presença ou
tido a forças modera- técnica, que exibe um ausência de periodi-
das. Quantitativamen- fenômeno de transição cidade e simetria em
te, um sólido pode ser vítrea é um vidro” uma rede tridimensio- Figura 3: Representação bidimensional: (a)
definido como um ma- nal seria o fator de do arranjo cristalino simétrico e periódico
de um cristal de composição A 2O3; (b)
terial com viscosidade maior do que diferenciação entre um cristal e um
representação da rede do vidro do mesmo
10 15 P (poises). Com base nesse vidro. composto, na qual fica caracterizada a
conceito, definiu-se vidro como “um A Figura 3a se vale de uma repre- ausência de simetria e periodicidade.
material formado pelo resfriamento do sentação bidimensional para apre-
estado líquido normal (ou fundido), o sentar o arranjo cristalino simétrico e
qual exibe mudanças contínuas em periódico de um cristal de composição sional estendida aleatória, isto é, com
qualquer temperatura, tornando-se A2O3, enquanto a Figura 3b mostra a ausência de simetria e periodicidade”.
mais ou menos rígido através de um rede do vidro para o mesmo composto, Relativamente a esta última defini-
progressivo aumento da viscosidade, onde fica caracterizada a ausência de ção, poderíamos fazer algumas impor-
acompanhado da redução da tempe- simetria e periodicidade. tantes indagações, cujas respostas
ratura do fundido”. Tal definição po- Englobando-se a Hipótese da Rede surgiram com o próprio processo de
deria ser assim resumida: “vidro é um Aleatória de Zachariasen ao conceito evolução do conhecimento científico:
produto inorgânico fundido, que atinge de vidro aceito na época da publicação • A sílica é um componente neces-
por resfriamento uma condição rígida, do trabalho, poderíamos chegar à sário para a formação de um vidro?
sem que ocorra cristalização.” seguinte definição: “vidro é um produto • Vidros são obtidos somente a par-
Na tentativa de explicar a estrutura inorgânico fundido, baseado princi- tir de compostos inorgânicos?
dos vidros, Lebedev propôs, em 1921, palmente em sílica, o qual foi resfriado • A fusão dos componentes é ne-
a Hipótese do Cristalito, a qual consi- para uma condição rígida sem cristali- cessária para a formação de um vidro?
derava os vidros como “um fundido zação, formando uma rede tridimen- Para as três perguntas, temos uma

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única resposta: não! Tabela 4: Definições de vidros encontradas em livros-texto publicados na década de 90.
Podemos formar uma número qua-
Autor [Ano] Definição
se ilimitado de vidros inorgânicos, os
quais não contêm sílica. Tradicional- Elliott [1990] “Vidros são materiais amorfos que não possuem ordem transla-
mente, a maioria dos vidros são forma- cional a longo alcance (periodicidade), característica de um cristal.
dos por compostos inorgânicos, po- Os termos amorfo e sólido não-cristalino são sinônimos nesta
rém, atualmente, os vidros metálicos definição. Um vidro é um sólido amorfo que exibe uma transição
vítrea.”
e os vidros orgânicos são bastante co-
nhecidos. É importante salientar que a Zarzycki [1991] “Um vidro é um sólido não-cristalino exibindo o fenômeno de tran-
sição vítrea.”
natureza química do material não pode
ser usada como critério para definir vi- Doremus [1994] “Vidro é um sólido amorfo. Um material é amorfo quando não
dro. Na Tabela 3 é apresentada, a título tem ordem a longa distância, isto é, quando não há uma regulari-
dade no arranjo dos constituintes moleculares, em uma escala
de exemplo, uma relação de compos-
maior do que algumas vezes o tamanho desses grupos. Não é
tos que podem ser obtidos no estado feita distinção entre as palavras vítreo e amorfo.”
vítreo, pelo processo de fusão/resfria-
Varshneya [1994] “Vidro é um sólido que tem a estrutura do tipo de um líquido, um
mento. sólido “não-cristalino” ou simplesmente um sólido amorfo, consi-
Como comentamos de passagem, derando a característica de amorfo como uma descrição da desor-
os vidros podem ser formados por um dem atômica, evidenciada pela técnica de difração de raios-X.”
grande número de processos: deposi- Shelby [1997] “Vidro é um sólido amorfo com ausência completa de ordem a
ção química de vapor, pirólise, irradia- longo alcance e periodicidade, exibindo uma região de transição
ção de nêutrons e processo sol-gel, vítrea. Qualquer material, inorgânico, orgânico ou metal, formando
entre outros. O vidro silicato de sódio, por qualquer técnica, que exibe um fenômeno de transição vítrea
por exemplo, pode ser obtido por eva- é um vidro.”
poração de uma solução aquosa de
silicato de sódio (conhecido como “vi- ções deixaram clara a necessidade de amorfo, material vítreo (ou simples-
dro líquido”) seguida, posteriormente, se adequar continuamente a definição mente vidro). Tais expressões são
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de tratamento térmico (eliminação da de vidros. Assim, novas e diferentes usualmente utilizadas como sinônimas.
água residual). O mais interessante definições têm surgido nos livros-texto Em 1995, Gupta publicou o artigo
desta situação é que o produto obtido e na literatura científica. A Tabela 4 traz, denominado Non-Crystalline Solids:
por este processo é indistinguível do de maneira resumida, algumas das Glasses and Amorphous Solids (Sóli-
vidro silicato de sódio, de mesma com- definições utilizadas. dos Não-Cristalinos: Vidros e Sólidos
posição, produzido pelo método clás- Nas definições modernas de vidro Amorfos), no qual mostra que cada
sico de fusão/resfriamento. identificamos o uso freqüente das uma dessas expressões implica num
As respostas dadas a estas indaga- expressões sólido não-cristalino, sólido conceito específico e, portanto, não
podem ser tomadas como sinônimas.
Tabela 3: Espécies químicas formadoras de vidro pelo processo de fusão-resfriamento. De acordo com Gupta, um sólido
não-cristalino pode ser dividido, do
Elementos S, Se, P, Te (?) ponto de vista termodinâmico, em
Óxidos B2O3, SiO2, GeO2, P2O5, As2O3, Sb2O3, In2O3, Tl2O3, SnO2, PbO2, SeO2 duas classes distintas: vidros e sólidos
Sulfetos As2S3, Sb2S3, CS2 amorfos. Sólidos não-cristalinos seriam
Vários compostos de B, Ga, In, Te, Ge, Sn, N, P, Bi todos aqueles materiais que apresen-
Selenetos Vários compostos de Tl, Sn, Pb, As, Sb, Bi, Si, P tassem uma rede tridimensional esten-
Teluretos Vários compostos de Tl, Sn, Pb, As, Sb, Bi, Ge
dida e aleatória, isto é, com ausência
de simetria e periodicidade translacio-
Haletos Vidros cloretos multicomponentes baseados em ZnCl2, CdCl2, BiCl3,
ThCl4
nal. Considerando-se o aspecto termo-
Vidros fluoretos à base de BeF2, AlF3, ZrF4, HfF4 dinâmico, um sólido não-cristalino
seria um vidro quando este apresen-
Nitratos KNO3–Ca(NO3)2 e muitas outras misturas binárias contendo nitratos
alcalinos e alcalino-terrosos tasse o fenômeno de transição vítrea.
Consequentemente, sólidos amorfos
Sulfatos KHSO4 e outras misturas binárias e ternárias
seriam sólidos não-cristalinos que não
Carbonatos K2CO3 – MgCO3 exibissem a transição vítrea.
Acetatos Na(CH3COO), Li(CH3COO) Segundo Gupta, as definições resu-
Compostos o-terfenil, tolueno, 3-metil-hexano, 2,3-dimetil cetona, etilenoglicol, midas na Tabela 4 apresentariam uma
orgânicos simples álcool metílico, álcool etílico, glicerol, éter etílico, glicose imprecisão, na medida em que consi-
Compostos deram como vidros os sólidos amor-
orgânicos Poliestireno (-CH2-)n fos. Os vidros e os sólidos amorfos
poliméricos seriam duas classes distintas de
Ligas metálicas Au4Si, Pd4Si materiais não-cristalinos, uma vez que

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apresentam diferenças tanto do ponto lhar um conjunto de objetos quaisquer. o líquido permanecerá no estado de
de vista topológico como do termodi- Um empilhamento organizado repre- equilíbrio metaestável, abaixo de TL.
nâmico. senta um melhor aproveitamento do Como já mencionado, conforme a
Feitas estas considerações, o que, espaço, fazendo com que o conjunto temperatura diminui, aproxima-se de
afinal, seria um vidro? Como resposta, todo “caiba” tranqüilamente no mes- uma condição em que a mobilidade,
poderíamos dizer que “um vidro é um mo, dentro de uma caixa, por exemplo. em nível atômico, dentro do líquido,
sólido não-cristalino, portanto, com Por outro lado, se todos os objetos fo- torna-se bastante reduzida e os áto-
ausência de simetria e periodicidade rem dispostos ao acaso, alguns fatal- mos fixam-se em suas posições. Tal
translacional, que exibe o fenômeno de mente ficarão de fora, devido a um fenômeno ocorre em uma faixa de tem-
transição vítrea (...), podendo ser excesso de espaço ocioso. Analoga- peraturas denominada transição vítrea.
obtido a partir de qualquer material mente, como pode ser verificado a Por definição, o ponto de interseção
inorgânico, orgânico ou metálico e partir da Figura 4, o arranjo cristalino das linhas extrapoladas, que definem
formado através de qualquer técnica que um fundido pode assumir, após o a região metaestável e a região de vi-
de preparação”. resfriamento, apresenta um volume dro, é o parâmetro conhecido como Tg
menor do que o estado vítreo. (temperatura de transição vítrea – ver
Formação de vidros Ao ser resfriado abaixo de sua quadro). A Tg é, mais rigorosamente, o
Neste tópico serão abordados temperatura de líquido (TL), um fundido intervalo de temperaturas em que tem
aspectos da formação de um vidro, a atravessa uma região de equilíbrio início a chamada relaxação estrutural,
partir de um fundido, dado ser este o metaestável, ou seja, uma situação de quando algumas propriedades como
método de preparação mais importan- equilíbrio termodinâmico incipiente, o viscosidade, capacidade calorífica e
te em termos práticos. Em seguida, as qual pode ceder frente a pequenas per- expansão térmica começam a mani-
teorias de formação vítrea serão breve- turbações podendo, por exemplo, festar um comportamento diferente do
mente examinadas, tanto pela pers- cristalizar-se. Durante o processo de padrão verificado até então. A relaxa-
pectiva estrutural quanto do ponto de cristalização, faz-se necessário um ção estrutural ocorre em conseqüência
vista cinético. certo tempo para que as pequenas uni- do desimpedimento dos movimentos
14 dades se orientem, até atingirem as das cadeias umas em relação às ou-
Formação de vidro a partir de um posições adequadas para formar o tras (movimento translacional). Reite-
fundido cristal. É por isto que um resfriamento rando: quando um vidro é formado a
Os vidros convencionais são pro- rápido faz com que as unidades per- partir de um fundido, o processo
duzidos tradicionalmente através do cam a mobilidade antes de se orde- envolve a homogeneização dos com-
método de fusão/resfriamento. Este narem. Se a cristalização não ocorrer, ponentes acima de TL, e o resfriamento
método envolve a fusão de uma abaixo de Tg. A velocidade de resfria-
mistura dos materiais de partida, em mento deve ser suficientemente eleva-
geral a altas temperaturas, seguida do da para que não se forme uma quanti-
resfriamento rápido do fundido. Quan- dade significativa de cristais, uma vez
do as matérias-primas de um vidro se que o vidro completamente não-crista-
encontram fundidas, suas estruturas lino é uma situação ideal. No outro
guardam grandes semelhanças com extremo, temos o cristal ideal. A veloci-
aquelas de um líquido. Contudo, à me- dade de resfriamento necessária de-
dida em que ocorre o resfriamento, o pende das cinéticas de nucleação e
arranjo estrutural interno do material crescimento.
fundido pode trilhar diferentes cami-
nhos, de acordo com a taxa de resfria- De onde viria a capacidade de formar
mento utilizada. Como mostra a Figura vidro? – Teorias de formação
4, um parâmetro conveniente para lan- Além da conceituação de vidro, da
çar alguma luz sobre o que ocorre inter- compreensão de sua estrutura e de
namente, durante tal processo, é a Figura 4: Mudança de volume durante o como ocorre sua formação a partir de
variação do volume. resfriamento de um líquido. Se o apareci- um fundido, outra questão que intriga
Quando se fala nos diferentes mento de cristais ocorrer facilmente, o volu- as pessoas, no que se refere à existên-
arranjos internos, eqüivale dizer que me diminuirá de maneira brusca na tempe- cia dos vidros, é por que certas subs-
existem várias maneiras de se empa- ratura TL. Por outro lado, na ausência de tâncias têm mais facilidade em se
cotar as unidades formadoras, incor- cristalização, o líquido permanecerá em apresentarem no estado vítreo do que
porando quantidades maiores ou me- equilíbrio metaestável até atingir a Tg, quan- outras. Para responder tal pergunta, vá-
do os rearranjos estruturais passarão a ser rias teorias foram desenvolvidas.
nores de espaços vazios, segundo as
cineticamente impedidos. Contudo, o volu-
orientações relativas das unidades. Levando-se em consideração que, nos
me abaixo da Tg continuará a diminuir, como
Para melhor compreensão, basta que conseqüência das menores amplitudes de primeiros vidros conhecidos, o compo-
se imagine a diferença entre os modos vibração dos átomos em torno de suas nente principal era a sílica, parece
ordenado e desordenado de se empi- posições fixas. bastante natural que as primeiras teo-

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4.2.1.1. Formação de vidros óxidos
Transição vítrea
Considerando-se que os vidros de
A temperatura de transição vítrea, Tg, é uma temperatura característica para os vidros, maior importância comercial são ba-
definindo a passagem do estado vítreo para o estado viscoelástico, através da chamada
seados em óxidos, as teorias estru-
relaxação estrutural. Os conceitos de estado vítreo e viscoelástico são emprestados da
Reologia (estudo das propriedades associadas à fluidez). O termo viscoelástico descreve turais mais difundidas são aquelas que
o comportamento de um corpo que responde elasticamente a uma força aplicada, conseguem explicar e prever, com
portanto, sem apresentar uma deformação permanente. Adicionalmente, tal resposta maior sucesso, a formação destes vi-
elástica não é instantânea, devido a um componente significativo de viscosidade. Em dros. A mais simples e mais antiga teo-
contrapartida, o comportamento vítreo está associado a um corpo que não pode ser ria de formação de vidros baseou-se
deformado nem permanentemente nem elasticamente, sendo mais propenso a absorver na observação de Goldschmidt, de
a energia e dissipá-la, quebrando-se. Quando se aquece um vidro acima da Tg, o que vidros com fórmula geral RnOm for-
comportamento viscoelástico tem início, devido à possibilidade das cadeias escoarem mam-se mais facilmente quando a ra-
umas em relação às outras, dentro do vidro. Sendo assim, quando uma força é aplicada,
zão dos raios iônicos do cátion R e do
as cadeias se movimentam, mas a atração que existe entre as mesmas as faz retornar
elasticamente à situação inicial, com uma velocidade relativamente baixa, devido à oxigênio se encontra na faixa entre 0,2
elevada viscosidade. Diz-se, neste caso, que ocorre um aumento na chamada entropia e 0,4. Uma vez que as razões nesta
configuracional do sistema, o que significa que, à medida que as unidades formadoras faixa tendem a produzir cátions circun-
do vidro adquirem a capacidade de escoamento, estas podem ser encontradas em um dados por quatro átomos de oxigênio,
número cada vez maior de diferentes arranjos relativos. em uma configuração tetraédrica –
característica comum a todos os vidros
conhecidos àquela época –,
Goldschmidt acreditava que tais requi-
rias se tenham baseado nos estudos repete) a médias e longas distâncias,
sitos seriam essenciais à formação de
de silicatos fundidos, sendo apenas apresentando apenas um ordenamen-
um vidro.
posteriormente estendidas aos outros to a curtas distâncias.
As idéias deste autor foram estendi-
tipos de vidros. Duas abordagens O conceito de ordem a curta distân-
das por Zachariasen (1932), em uma
diferentes governaram o estabeleci- cia pressupõe a existência de uma uni-
tentativa de explicar por que certas 15
mento das diversas teorias. A primeira dade formadora bem definida. em um
coordenações (número de oxigênios
buscou dar conta da capacidade de vidro de sílica, por exemplo, as cadeias
ao redor do cátion R) favorecem a
formação vítrea a partir de caracterís- constituem-se de unidades tetraédri-
formação vítrea. Essencialmente,
ticas químicas e estruturais dos forma- cas SiO4, todas muito parecidas entre
Zachariasen notou que aqueles silica-
dores clássicos (teorias estruturais). A si, e ligadas umas às outras formando
tos que formavam mais prontamente
outra, mais moderna, voltou-se para a cadeias. Entretanto, não é possível lo-
um vidro, ao invés de se cristalizarem,
formação vítrea como sendo a capaci- calizar cadeias de tetraedros SiO4, que
exibiam a capacidade de formar ca-
dade de todo e qualquer material, estejam dispostas todas da mesma
deias, na forma de conjuntos de
desde que hajam condições adequa- maneira, como se fossem repetições
tetraedros, conectados entre si pelos
das, de evitar a cristalização (teorias umas das outras.
vértices. Vale comentar que as formas
cinéticas). Muitas vezes, preparar um Uma analogia interessante seria
cristalinas também podem apresentar
vidro não-convencional implica no uso imaginar um átomo de silício “míope”,
tais cadeias; contudo, no vidro, estas
de velocidades de aquecimento e em um vidro de sílica. Tal átomo não
perdem a simetria e a periodicidade.
resfriamento muitíssimo elevadas, ou saberia dizer se está presente em um
Sendo assim, Zachariasen estabele-
mesmo no emprego de métodos de cristal ou em um vidro. Isto dar-se-ia
ceu que a formação de cadeias seria
preparação diferentes de fusão/resfria- porque, ao olhar ao redor, enxergaria
uma condição fundamental para a
mento. apenas os quatro oxigênios mais
existência de um vidro e extraiu, como
próximos, todos praticamente à mes-
4.2.1. Teorias estruturais conseqüência deste requisito, outras
ma distância e configurando um tetrae-
conclusões sobre o arranjo ao redor
Vislumbrando descrever os fatores dro. Todavia, talvez não percebesse a
dos átomos da rede. Em primeiro lugar,
químicos determinantes da tendência existência de variações muito sutis nes-
nenhum átomo de oxigênio deveria
a formar um vidro com maior facilidade, tes ângulos e distâncias, mas que são
estar ligado a mais do que dois cátions
o ponto de partida das teorias estrutu- suficientes para que o material como
da rede, posto que as coordenações
rais passa pela descrição da estrutura um todo perca o ordenamento. A capa-
de mais alta ordem impediriam as
vítrea de suas unidades formadoras, cidade de uma substância de incor-
variações nos ângulos das ligações
como resultante de pequenas varia- porar estas pequenas variações, em
cátion-oxigênio, necessárias à forma-
ções em ângulos e comprimentos das uma situação de viscosidade alta o
ção de uma rede não-cristalina. Notou-
ligações químicas. Ao se atribuir um suficiente para que as unidades não
se, entre os vidros conhecidos até
caráter não-cristalino a um vidro, o que se ordenem em um arranjo cristalino,
então, que sua estrutura era formada
se diz, na verdade, é que o material está diretamente ligada à facilidade de
apenas por cátions de rede em coorde-
não apresenta um ordenamento perió- formar vidro.
nação triangular (B2O3) ou tetraédrica
dico (uma porção da estrutura que se
(SiO2, P2O5, GeO2), e que havia uma

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tendência destas estruturas a que os ocorrer simultaneamente, mas são mento de um fundido, a estabilidade
cátions se localizassem tão afastados distintas com relação à lei de veloci- do vidro, por outro lado, é a resistência
uns dos outros quanto possível. Tais dades que obedecem. A etapa de à cristalização durante o reaquecimen-
observações sustentaram a raciona- nucleação é muito importante, pois se to do vidro. Esta última se torna
lização de que o número de oxigênios não houverem núcleos presentes a importante nos processos que envol-
ao redor do cátion deveria ser peque- cristalização jamais ocorreria. Por sua vem a remodelagem de um vidro já
no, e que os poliedros deveriam estar vez, o impedimento do crescimento pronto, tais como o processamento de
ligados entre si pelos vértices, nunca pode acarretar a existência de núcleos fibras ópticas. Embora estas duas
por faces ou arestas, a fim de distanciar com tamanho muito reduzido, a ponto propriedades não sejam idênticas, são
o máximo possível os cátions. Por fim, de não serem detectados, mas o ma- confundidas com uma certa freqüência
o caráter tridimensional da rede vítrea, terial, em termos práticos, ainda po- e, nem sempre, um vidro produzido a
ou seja, que pelo menos três dos vérti- derá ser considerado um vidro. Neste partir de um formador fraco será um
ces do poliedro de oxigênio sejam contexto, as velocidades de nucleação vidro com uma baixa resistência à
compartilhados com outros poliedros. e crescimento, juntamente com a taxa cristalização.
Finalmente, Stanworth procurou de resfriamento, determinam se um vi-
justificar o papel de diferentes tipos de dro é ou não formado. Como são preparados os vidros?
cátions em um vidro misto, com base Esta abordagem permite conside- Embora os vidros possam ser
na eletronegatividade dos mesmos. Os rar os fatores que conduzem à baixas produzidos por uma grande variedade
cátions, cuja ligação com oxigênio velocidades críticas de resfriamento, e de métodos, a maioria continua sendo
fosse algo em torno de 50% iônica e de que forma tais fatores se correla- obtida pela fusão dos seus compo-
50% covalente, atuariam como forma- cionam com as teorias estruturais, nentes, em elevadas temperaturas.
dores de rede. Outros cátions, com tratadas anteriormente. A viscosidade Este procedimento sempre envolve a
eletronegatividades muito baixas, e dos fundidos é claramente um fator seleção de matérias-primas, cálculo
cuja ligação com o oxigênio apresen- importante na formação vítrea. A das proporções relativas de cada
tasse um caráter fortemente iônico, cristalização será fortemente impedida componente, pesagem e mistura dos
16 causariam uma descontinuidade da se o fundido apresentar uma viscosi- componentes para obtenção de um
rede, ou seja, sua quebra, sendo bati- dade alta na temperatura de fusão. material de partida homogêneo.
zados de modificadores de rede. E os Alternativamente, se, ao invés de uma Durante o processo inicial de aque-
cátions que, por si só, não formam vi- viscosidade alta do fundido, este apre- cimento, as matérias-primas passam
dros com facilidade, mas que, mistu- sentar uma variação rápida da viscosi- por uma série de transformações físi-
rados aos formadores típicos, podem dade com a temperatura, um efeito cas e químicas para produzir o fundido.
substituí-los na rede, foram classifi- análogo àquele de uma viscosidade A conversão deste em um líquido ho-
cados por Stanworth como interme- alta será observado. mogêneo pode requerer outros pro-
diários. Dentre os outros fatores que favore- cessamentos, incluindo a remoção de
cem a formação dos vidros, merecem componentes não-fundidos, impure-
Teorias cinéticas de formação de vidros destaque os elevados valores da razão zas e bolhas e a agitação.
A habilidade para a formação de Tg/TL (Figura 4). Considerando-se que Os materiais constituintes de um vi-
vidro, do ponto de vista cinético, pode a formação de um vidro requer o dro podem ser divididos em cinco cate-
ser encarada como uma medida da resfriamento a partir de T L até T g, gorias, tomando-se por base o papel
relutância do sistema em sofrer cristali- valores grandes de Tg/TL são indica- que desempenham no processo:
zação durante o resfriamento do fundi- tivos de que uma composição pode formador, fundente, agente modifica-
do. Logo, a formação de vidro pode formar vidro com facilidade. A justifi- dor, agente de cor e agente de refino.
ser considerada em termos de uma cativa passa pela lembrança de que, Cabe salientar que o mesmo compos-
competição entre as velocidades de se Tg/TL é grande, o intervalo entre a Tg to pode ser classificado em diferentes
cristalização e de resfriamento. Não se e TL é pequeno e a perda da mobili- categorias quando utilizado para dife-
pretende, aqui, realizar um aprofun- dade das cadeias ocorre com bastante rentes propósitos. A alumina (Al2O3),
damento no formalismo matemático rapidez. Junte-se a isto, como outro por exemplo, atua como formador em
desenvolvido para quantificar estes fator importante, uma grande diferença vidros aluminatos, mas é considerada
processos. Tais deduções poderão ser de composição entre o cristal e o líqui- um modificador na maioria dos vidros
examinadas no corpo das referências do, o que irá dificultar a separação da silicatos.
bibliográficas sugeridas. fase cristalina. Aqui entra em jogo um Os formadores de vidro são os res-
Formalmente, o termo cristalização fator chamado tensão interfacial, que ponsáveis pela formação da rede tri-
se refere à combinação de dois pro- representa uma espécie de força de dimensional estendida aleatória; os
cessos: nucleação e crescimento. A repulsão, existente na fronteira entre principais formadores comerciais são
etapa de nucleação tem lugar quando duas fases quimicamente diferentes. SiO2 (sílica), B2O3 e P2O5. A grande
o sistema começa a se ordenar em Enquanto a habilidade para formar maioria dos vidros comerciais é, como
alguns pontos, chamados núcleos. Na um vidro é definida em termos da resis- vimos, baseada em sílica. Os vidros
verdade, as duas etapas podem tência à cristalização durante o resfria- puros de sílica são muito caros, devido

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ao fato de que o fundido é obtido so- ferir cor aos vidros. Os vidros coloridos uma camada uniforme sobre a super-
mente em temperaturas superiores a são, usualmente, produzidos pela adi- fície perfeitamente lisa do estanho
2000 °C. Os fundentes têm a função ção de compostos de metais de transi- fundido. O vidro solidifica-se a tempe-
de reduzir a temperatura de processa- ção 3d ou de terras-raras 4f. Contudo, ratura mais alta que o estanho, poden-
mento para valores inferiores a a cor final obtida depende do estado do, portanto, ser removido. O vidro
1600 °C, sendo os mais comuns os de oxidação do metal, da sua concen- obtido neste processo apresenta am-
óxidos de metais alcalinos (lítio, sódio tração, da composição do vidro e do bos os lados brilhantes, o que dispen-
e potássio) e o PbO. tratamento térmico ao qual foi subme- sa o acabamento por polimento.
Se, por um lado, a adição de fun- tido. Alguns dos óxidos normalmente De maneira geral, depois de molda-
dentes na composição do vidro de síli- utilizados para dar cor aos vidros são dos os vidros são submetidos a um
ca promove um decréscimo na tempe- apresentados na Tabela 5. processo denominado recozimento e,
ratura de fusão, por outro, a presença Após a obtenção do fundido como em alguns casos, também a um pro-
de grandes quantidades de óxidos um líquido homogêneo, a produção de cesso de têmpera. O recozimento tem
alcalinos provoca sérias degradações produtos comerciais requer a obten- por finalidade remover as tensões que
em muitas propriedades destes vidros, ção dos vidros em formatos especí- podem ser criadas na moldagem. O
dentre elas a durabilidade química ficos. Essa etapa do processamento é vidro não recozido pode estilhaçar-se
(estabilidade frente a ácidos, bases e denominada moldagem do vidro, a pela tensão resultante do resfriamento
água). A degradação das proprie- qual pode ser feita por quatro métodos desigual. O recozimento é feito em
dades é usualmente controlada pela principais: sopro, prensagem, fundição temperaturas inferiores à temperatura
adição de agentes modificadores, os e estiramento ou flutuação. de transição vítrea. A têmpera, por
quais incluem os óxidos de metais de Dentre os métodos de moldagem, outro lado, é um processo pelo qual
transição e de terras-raras e, principal- vamos nos ater ao processo de estira- um vidro já pronto é reaquecido até
mente, a alumina (Al2O3). mento ou flutuação, método mais tornar-se quase maleável. Sob condi-
Os agentes de refino são adiciona- usado na fabricação de vidros planos. ções cuidadosamente controladas, o
dos para promover a remoção de bo- Tal método foi desenvolvido e paten- vidro é subitamente resfriado por
lhas geradas no fundido, sendo utili- teado por Pilkington Brothers Co. rajadas de ar frio ou pela imersão em 17
zados em quantidades muito peque- (1959), cujo desenvolvimento revolu- óleo. Tal processo aumenta enorme-
nas (<1%mol). Incluem-se aí os óxidos cionou a manufatura dos vidros planos. mente sua resistência mecânica.
de antimônio e arsênio, KNO3, NaNO3, O vidro é moldado estirando-se uma
NaCl, CaF2, NaF, Na3AlF 3 e alguns larga lâmina de vidro derretido em um Aplicações dos vidros
sulfatos. tanque de estanho, também derretido. Quando olhamos ao nosso redor,
Os agentes de cor, como o próprio Esse tanque é chamado “tanque de flu- verificamos que vários objetos de nos-
nome sugere, são utilizados para con- tuação”, porque o vidro “flutua” em so cotidiano são fabricados com vidro.
Estando no interior de uma casa pode-
mos ver janelas, lâmpadas, lustres,
Tabela 5: Espécies químicas (agentes de coloração) utilizados para dar cor aos vidros. espelhos, vidros de relógios, objetos
de decoração, utensílios de cozinha
Agente Estado de Coloração
de coloração oxidação (copos, taças, xícaras, pratos etc.) e
diferentes tipos de recipientes (garra-
Cobre Cu2+ Azul claro fas, frascos de medicamentos, produ-
Crômio Cr3+
Verde tos alimentícios etc.). Alguns destes
Cr6+ Amarelo produtos estão ilustrados na Figura 5.
Manganês Mn3+ Violeta Além deles, os vidros também são utili-
Mn4+ Preto zados em diversos equipamentos
Ferro Fe3+ Marrom-amarelado eletro-eletrônicos, tais como televiso-
Fe2+ Verde-azulado res, microondas, fogões e monitores
Cobalto Co2+ Azul intenso ou rosa de vídeo, dentre outros.
Co3+ Verde Saindo à rua, podemos ver toda a
Níquel Ni2+ Marrom, amarelo, verde, azul a violeta, dependendo iluminação pública, vidros usados nos
da matriz vítrea carros, portas e janelas dos bancos,
Vanádio V3+ Verde, em vidros silicatos e Marrom, em vidros vitrines das lojas e até edifícios, cuja
boratos maior parte de sua superfície externa
Titânio Ti3+ Violeta é de vidro. Seria difícil, sem qualquer
Neodímio Nd3+ Violeta-avermelhado exagero, viver sem os vidros! Certa-
Praseodímio Pr3+ Verde claro
mente, apenas a menção destes
exemplos seria suficiente para dar a
Ouro Au o
Rubi (partículas coloidais dispersas na matriz vítrea)
dimensão exata da importância dos
Cádmio CdS, CdSe Laranja vidros na sociedade moderna.

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molar dos componentes • Aluminosilicato: fibras de vidro
majoritários é 53,3 SiO2 - (reforço de plásticos e concreto), iso-
9,1 Na2O - 5,8 K2O - 3,2 lamento com fibras de vidro resistentes
CaO - 20,7 Al 2O 3 - 5,3 à hidrólise (decomposição pela água),
FeO. Por sua vez, os vi- lã de vidro (isolante térmico), fabrica-
dros encontrados no Egi- ção de filtros, roupas e cortinas a prova
to, e datados de 1400 de fogo, tampos de fogões, invólucros
a.C., eram do tipo “soda- de lâmpadas de mercúrio de alta
lime” silicato, com com- pressão, vidros do tipo opalina (con-
posição 63,7 SiO2 - 20,0 tém 5,3% de fluoretos e apresentam
Na2O - 0,5 K2O - 9,1 CaO aspecto leitoso) usados como louças
-5,2 MgO - 1,0 Al2O3. e objetos de decoração e para visua-
Considerando as lizar chapas de raios-X;
composições da Tabela 6, • Silicato de chumbo: comumente
podemos associar estas chamado “cristal”, é utilizado em jogos
famílias a vários materiais, de utensílios de mesa e em peças
produtos e aplicações: artísticas, devido à facilidade para gra-
• “Soda”-silicato: age- vação e polimento; também emprega-
ntes complexantes em do na fabricação de instrumentos ópti-
detergentes sintéticos e cos (lentes, prismas), tubos de TV,
em banhos de limpeza anteparos para blindagem de radiação
para metais; γ e como vidro para solda;
• “Soda-lime” silicato: • Alta Sílica: vidros que apresentam
invólucros de lâmpadas um teor de SiO2 superior a 96% e que,
incandescentes, garrafas, devido a sua elevada resistência quí-
18 janelas, isolantes elétri- mica e térmica (fundem em torno de
cos, blocos de vidro para 2000 °C), são utilizados em equipa-
construção, embalagens mentos especiais de laboratório, cadi-
de alimentos e fármacos nhos, recipientes para reações a altas
etc.; temperaturas, invólucros para lâmpa-
• Borosilicato: instru- das de altas temperaturas e pré-formas
Figura 5: Objetos de uso diário fabricados com vidro: (a) mentos de laboratório para fibras ópticas.
utensílios domésticos; (b) diferentes tipos de embalagens
(béquers, pipetas, bure- Quando falamos de vidros e suas
(potes, garrafas etc.).
tas, kitasatos, desseca- aplicações, merecem destaque espe-
Levando-se em conta o fato do dores, tubos de ensaio) (Figura 6). As cial os vidros de segurança, as vitroce-
vidro ser um material transparente, denominações Pirex® e Kimax® são râmicas e as fibras ópticas, todos de-
geralmente brilhante, quebrável com marcas registradas de vidros borosi- senvolvidos nos últimos 30 anos.
facilidade, há uma tendência de se licatos, respectivamente da Corning e Dentre os vidros de segurança, sa-
imaginar que todos os vidros têm a da Owens-Illinois (USA); lientamos o vidro laminado, o vidro à
mesma composição. Certamente isto
não é verdade. As propriedades dos
vidros, as quais determinam sua Tabela 6: Composição das principais famílias de vidros a base de sílica.
aplicação, dependem diretamente de Tipo do vidro SiO2 Na2O K2O CaO MgO B2O3 Al2O3 PbO
sua composição. Assim, é muito I. “Soda”-silicatoa
comum serem descritas na literatura as Composição variável razão SiO2 – Na2O de 1,6 a 3,7
(water glass)
seis mais importantes composições
II. “Soda-lime”b silicato 72,1 21,1 – 2,8 – – 2,0 –
básicas de vidros à base de sílica (lime glass) 72,1 14,0 – 9,9 3,2 – 0,3 –
(Tabela 6), as quais permitem que
III. Borosilicato 81,0 4,5 – – – 12,5 2,0 –
estes apresentem as mais diferentes
IV. Aluminosilicato 54,5 – – 17,5 4,5 10,0 14,0 –
propriedades: ópticas, condutoras ou
59,0 11,0 0,5 16,0 5,5 3,5 4,5 –
isolantes, resistência mecânica e
65,8 3,8 – 10,4 – – 6,6 –
térmica, absorção de radiações de alta
V. Silicato de chumbo 56,0 2,0 13,0 – – – – 29,0
energia e ionizantes e resistência ao
3,0 – – – – 11,0 11,0 75,0
ataque químico, dentre outras. 5,0 – – – – 10,0 3,0 62,0
Os vidros naturais (obsidian),
VI. Alta sílica 96,7 – – – – 2,9 0,4 –
provenientes do Monte Vesúvio (Itália), 99,9 – – – – – – –
revelaram ser do tipo aluminosilicatos,
cuja composição em porcentagem
a
soda (do inglês) = Na2O; blime (do inglês) = CaO.

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parado através de suces- óptica. O desenvolvimento de fibras
sivos tratamentos térmi- ópticas e lasers causou um impacto
cos especiais (têmpera) absolutamente sem precedentes na
tendo como caracterís- sociedade moderna. A aplicação das
tica o fato de, ao quebrar, fibras ópticas dá-se nos mais diferen-
sofrer um processo de tes campos: telecomunicações (redes
“estilhaçamento”, produ- de transmissão de dados, Internet);
zindo pequenos frag- medicina de diagnóstico (endoscopia);
mentos não cortantes. microscopia e iluminação de precisão;
Portas de box para ba- detecção remota e sensoriamento; es-
nheiros e portas de segu- tudo de fissuras em componentes
rança são exemplos de estruturais (asas de avião), dentre ou-
sua utilização. tras. Muitas destas aplicações vêm se
As vitrocerâmicas são constituindo naquilo que hoje denomi-
materiais constituídos namos fotônica, ou seja, a possibili-
por uma fase vítrea e ou- dade de realizar com os fótons (paco-
tra cristalina. Como já co- tes de luz) tudo aquilo que é feito com
locado em sessões pre- elétrons (eletrônica) e a sua expansão
cedentes, na maioria dos para novos conhecimentos e aplica-
casos não queremos que ções. Dentro destas perspectivas, têm
o vidro cristalize (devitri- tido lugar de relevo novas funcionali-
ficação). No caso das vi- dades dos vidros, tais como os vidros
trocerâmicas, por outro fluorescentes de alto rendimento. Estes
Figura 6: Vidros de laboratório: (a) instrumentos de labora- lado, o crescimento cris- vidros podem emitir luz vermelha, ama-
tório; (b) vidros para armazenagem e embalagem de rea- talino (cristalização) con- rela ou azul, dependendo dos compo-
gentes químicos. A coloração escura (âmbar) é devida à trolado é deliberadamen- nentes utilizados na sua fabricação e 19
adição de óxidos de metais de transição. te estimulado nos vidros, do comprimento de onda da luz utili-
visando à obtenção de zada na sua irradiação. Na Figura 7b
prova de bala e o vidro temperado. O materiais com propriedades especiais são mostrados alguns exemplos des-
vidro laminado é constituído como um e bem definidas. Dentre tais proprie- tes vidros.
verdadeiro “sanduíche”, tendo cama- dades, destaca-se o coeficiente de Dentre as novas possibilidades de
das alternadas de vidro plano e mate- expansão térmica próximo de zero (o uso de sistemas laser-fibras ópticas,
rial polimérico (plástico). É usado nor- volume do vidro não sofre variação em destacam-se as aplicações em medi-
malmente em situações nas quais a uma ampla faixa de temperatura de cina (tratamento de câncer, tomografia,
quebra do vidro não pode dar origem utilização), o que lhe confere a capa- diagnóstico de lesões cerebrais,
a riscos de ferimentos graves. Quando cidade de resistir a choques térmicos cirurgia, análises clínicas), em análise
de sua quebra, ao ser atingido por um extremos. Objetos confeccionados
objeto, o vidro mantém no lugar os com este tipo de vidro podem ser reti-
pedaços (cacos) evitando assim que rados de um freezer e colocados dire-
os mesmos sejam projetados em to- tamente sobre uma chapa de aqueci-
das as direções. Tais tipos de vidro são, mento ou forno. Sem sombra de dúvi-
por exemplo, usados na fabricação de da, a utilização destes materiais tem
para-brisas de automóveis. modificado substancialmente as práti-
No caso do vidro à prova de bala, cas da cozinha tradicional.
tem-se também um vidro laminado, As fibras ópticas, por sua vez, são
porém mais espesso, constituído de filamentos finos e flexíveis de vidro,
camadas alternadas de vidro separa- com diâmetros da ordem de alguns
das por material polimérico. Alguns centésimos de milímetros e que podem
destes vidros podem absorver a ener- “conduzir” “guiar” a luz. Tal propriedade
gia de projéteis de grosso calibre, mes- se verifica pelo fato de que o “núcleo”
mo quando disparados a curta distân- da fibra é constituído por um vidro com
cia. Tal tipo de material tem sido utiliza- elevado índice de refração (esta gran-
do em portas de bancos, na blindagem deza está relacionada com a veloci-
de automóveis e lojas e para fins mili- dade de propagação da luz em um de-
tares. terminado meio) e, a “casca” é forma-
Finalmente, o vidro temperado. da por um vidro de baixo índice de Figura 7: (a) fibras ópticas guiando luz; (b)
Diferentemente dos exemplos anterio- refração. Na Figura 7a é mostrado o vidros emissores de luz visível (lumines-
res, trata-se de uma peça única. É pre- guiamento da luz através de uma fibra cente) após irradiação.

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química (sensores à fibra óptica para em conta os seguintes aspectos: que tem sido feito, com sucesso, em
controle de fármacos e alimentos) e em • recipientes de vidro são relativa- várias cidades do Brasil e do exterior.
meio ambiente (sensoriamento e aná- mente fáceis de serem limpos, este-
lise de emissões industriais), dentre rilizados e reutilizados; Oswaldo Luiz Alves (oalves@iqm.unicamp.br), doutor
em química, é professor do Instituto de Química,
outras. • vidros podem ser facilmente UNICAMP. Iara de Fátima Gimenez (gimenez@iqm.
É importante remarcar, neste parti- transformados em “cacos” e adiciona- unicamp.br), bacharel e mestre em química pelo
cular, a contribuição de pesquisadores dos aos fornos para a produção de Instituto de Química da UNICAMP, onde desenvolve
da UNICAMP nos estudos que culmi- novas embalagens (garrafas, vidros trabalho de doutoramento. Italo Odone Mazali
(mazali@iqm.unicamp.br), bacharel e mestre em quí-
naram com o desenvolvimento e con- para medicamento etc.). Este proce- mica pela UNESP – Araraquara, é doutorando no Insti-
solidação da tecnologia da fibra óptica dimento aumenta não só a vida útil dos tuto de Química da UNICAMP.
nacional. fornos, como leva a uma redução nos
custos de produção;
A questão ambiental: Reciclagem • vidros são produzidos utilizando-
Um ponto que atualmente vem me- se como matéria-prima areia, carbo- Referências bibliografias
recendo grande destaque está ligado nato de cálcio e outras substâncias,
CABLE, M. Classical Glass Technol-
à questão ambiental. Os vidros tam- extraídas da natureza por processos
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pações com o ambiente, dado o fato biente e causando o esgotamento dos R.W.; HAASEN, P.; KRAMER, E.J., eds.,
da indústria vidreira ser intensiva, o que recursos minerais; Materials Science and Technology. New
faz com que produza emissão de • reciclar e reutilizar vidros poderá York: VCH Publishers, 1991.
partículas sólidas e gases, além de contribuir para a matriz energética na- DOREMUS, R.H. Glass Science. New
subprodutos descartados na forma de cional através da economia de enor- York: John Wiley & Sons Inc, 1994.
lixo industrial. mes quantidades de energia, visto que ELLIOT, S.R. Physics of Amorphous
Além dos resíduos provenientes da para produzir 1 kg de vidro novo são Materials, Essex: Longman, 1989.
GUPTA, P.K. Non-crystalline solids:
indústria vidreira, as embalagens de necessários 4500 kilojoules, enquanto
glasses and amorphous solids. J. Non-
20 vidro utilizadas no cotidiano são des- que para produzir 1 kg de vidro reci-
Cryst. Solids, v. 195, p. 158-164, 1996.
cartadas juntamente com o lixo domés- clado necessita-se de 500 kilojoules! HILL, G. Science Matters: Materials,
tico. Um dado importante sobre recicla- London: Hodder & Stonghton, 1993.
Para se ter uma idéia da ordem de gem de vidro recentemente apresen- http://gom.mse.iastate.edu/
grandeza do problema gerado, os vi- tado, mostra que em 1999, de cada MAZURIN, O.V. and PORAI-KOSHITS,
dros constituem cerca de 2% do total 100 potes de vidro fabricado por uma E.A. Phase Separation in Glass.
de lixo doméstico da cidade de São companhia líder no Brasil, 38 já eram Amsterdam: North Holland, 1984.
Paulo, o que eqüivale a um descarte feitos a partir do produto reciclado PAUL, A. Chemistry of Glasses, Lon-
don: Chapman & Hall, 1982.
de aproximadamente 7.000 toneladas/ (cacos). Em fevereiro de 2000, a co-
PFAENDER, H.G. Schott Guide to
mês de vidro. tação da sucata de vidro era de Glass. London: Chapman & Hall, 1996.
Hoje, o vidro empregado nas emba- R$75,00/tonelada, e mostrava tendên- SHELBY, J.E. Introduction to Glass Sci-
lagens já pode ser classificado e intei- cia de alta. ence and Technology. Cambridge: The
ramente reciclado. Outros tipos de vi- Cabe aos pesquisadores desenvol- Royal Society of Chemistry, 1997.
dro, tais como tubos de lâmpadas ver novas tecnologias de reciclagem e TURNER, W.E.S. Glass Technology, v.
fosforescentes, tubos de televisão, encontrar novas oportunidades de 3, p. 201, 1962.
tampos de fornos e fogões etc., têm aplicação para o vidro reciclado. Aos VARSHNEYA., A.K. Fundamentals of
merecido grande atenção da pesquisa governos, sobretudo às Prefeituras, Inorganic Glasses, London: Academic
Press, 1994.
em vários países, visando ao desen- cabe encorajar os cidadãos a recicla-
ZACHARIASEN, W.H. The atomic ar-
volvimento de métodos adequados de rem o vidro, gerando inclusive verbas rangement in glass. J. Am. Chem. Soc.
reciclagem. A reciclagem de vidros po- extra-orçamentárias para a aplicação v. 54, p. 3841-3851, 1932
de ser considerada viável, levando-se em programas sociais, a exemplo do

CADERNOS TEMÁTICOS – QUÍMICA NOVA NA ESCOLA Vidros Edição especial – FEVEREIRO 2001

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