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XANGÔ-AGOJO RAÍZES DA CULTURA NAGÔ NO SEMI-

ÁRIDO NORDESTINO

Alexandro dos Santos Jesus1


UFERSA – Universidade Federal Rural do Semi-árido

Euclides Flor da Silva Neto2


UFERSA – Universidade Federal Rural do Semi-árido

Linconly Jesus Alencar Pereira3


UFERSA – Universidade Federal Rural do Semi-Árido

RESUMO

Ao som dos tambores, movidos pela vibração e sonoridade das canções e reunidos num grande
círculo onde a religiosidade afro-brasileira os envolvem; o Centro Espirita de Umbanda Xangô
Agojo surge como referência campo/cidade da religião de matrizes africanas, no Semi-Árido
Nordestino, na cidade de Mossoró-RN. O presente trabalho objetiva analisar e refletir sobre a
trajetória do Terreiro Xangô-Agojo, bem como realizar um diagnóstico a partir das vivências
tradicionais dos sujeitos. A metodologia empregada foi à pesquisa bibliográfica e exploratória
com entrevista semi-estruturada. Trata-se de um trabalho que estabelece um diálogo com a
religiosidade afro-brasileira, em específico a Umbanda; suas crenças, cerimônias, mitos, histórias
dos Orixás, culminando em um sincretismo religioso em que a comunidade se contempla, se olha
e se espelha na cultura nagô.4

PALAVRAS CHAVES: Terreiro Xangô-Agojo; Religiosidade; Cultura Nagô;

1
Estudante do LEDOC- Licenciatura em Educação do Campo, cursando o 1º período na Universidade Federal Rural
do Semi-árido (UFERSA). E-mail: alexandro7672@hotmail.com
2
Estudante do LEDOC- Licenciatura em Educação do Campo, cursando o 3º período na Universidade Federal Rural
do Semi-árido (UFERSA). E-mail: euclidesbudista@gmail.com
3
Prof. Linconly Jesus Alencar Pereira, doutorando em Educação na Universidade Federal da Paraíba -UFPB, possui
mestrado em Educação pela Universidade Federal do Ceará - UFC, licenciado em Pedagogia pela Universidade
Estadual Vale do Acaraú - UVA e em Física – UFC e atualmente professor da Universidade Federal Rural do Semi-
árido (UFERSA). E-mail: linconly.jesus@ufersa.edu.br
4
Uma versão inicial dessa pesquisa foi apresentada no II Seminário Internacional de Educação do Campo – II SIEC
XANGO-AGOJO: ROOTS OF CULTURE NAGO IN SEMI-ARID
NORTHEASTERN
ABSTRACT

through the sound of drums, moved by the vibration and songs sonority and mixed and mixed in
a big circle where the afro Brazilian religion is involved; the Xangô-Agojo Umbanda Spiritual
Center arises as a religion field/city reference form African roots in Brazilian semi-arid
northeastern in Mossoró City. These article goals to analyses and make a study about Terreiro
Xangô- Agojo trajectory, and to realize a diagnostics through the people experiences. The
methodology employed was based in bibliographical and exploratory researches trough
structured questionnaires. It is an article who try to establish a dialog with afro Brazilian
religiosity in especial the umbanda its beliefs, ceremonies, myths and orixás histories,
culminating in a religious syncretism where this community is contemplated e look for
themselves as a mirror in nagô culture.

KEYWORDS: Terreiro Xangô-Agojo; religiosity; Nagô culture;

1. INTRODUÇÃO

Esse artigo trata de uma pesquisa exploratória no Centro Espírita de Umbanda Xangô
Agojo foi fundado em 13 de maio de 1977 e apresentado em versão inicial no II Seminário
Nacional de Educação do Campo. Esse terreiro obteve sua primeira licença através da Federação
dos Povos e Tradições de Angola no Rio Grande do Norte 5, realizada pelo Babalorixá José Neto
de Almeida (pai de santo, pai de terreiro ou babá como é denominado o sacerdote das religiões
afro-brasileiras), atual presidente do terreiro, o qual iniciou seus trabalhos na Umbanda, com

5
Comunidades e povos de Matrizes Africanas são oficialmente reconhecidos por Decreto Federal n° 6.040 de 07 de
fevereiro de 2007, através da Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades
Tradicionais.
apenas 17 (dezessete) anos de idade, através de seus pais biológicos. Nesse sentido esclarece a
nação umbanda Nagô Juremeiro:

“Nagô Juremeiro é aquele que descende da Jurema, o culto a jurema sagrada. No Rio
Grande do Norte predomina a Umbanda Cruzada com Jurema e com o Nagô,
camdomblé Nagô, cultura que vêm do Recife, porém hoje não se vê o Nagô puro,
devido ter se misturado com o ketu e outras nações de camdombé. O nagô puro cultuava
apenas 10 Orixás, um ritual totalmente diferente”. (WELLINGTON, Juremeiro, em
entrevista concedida para a pesquisa sobre o terreiro Xangô Agogô, no dia 10 de junho
de 2015)

Mestre de cerimônias da “casa” (terreiro) e também considerado referência no que tange a


Umbanda Potiguar, José Neto de Almeida, popularmente conhecido como “Pai Neto”, dirige o
terreiro Xangô Agojo como forma de preservação da Cultura Afro brasileira dos ritos e da
religiosidade. O terreiro atualmente é composto por 40 (quarenta) filhos de santo6, que por sua
vez realizaram uma “obrigação” para o orixá, ou seja, foram batizados na Umbanda. Nesse
contexto o terreiro cultua 10(dez) orixás: Ogum senhor dos caminhos dominador do ferro, Exu
representando a dinâmica e o início de todas as coisas, Oxossi responsável pelas caças, fartura,
Obaluaye orixá da cura e das doenças, Nanã o orixá da vida, da criação, um orixá do mito da
criação primordial quem deu a lama para criar o homem, Oxum deusa do ouro, das águas doces e
da beleza, Iemanjá que na África é representada por um rio e aqui no Brasil representa a rainha
do mar das águas salgadas, Xangô que representa a justiça, o orixá da pedreira, Iansã orixá do
trovão, rainha dos ventos, raios e tempestades; os Erés que são as crianças que no sincretismo
são representados pelos santos católicos Cosme e Damião trazendo doçura e felicidade e Oxalá o
grande orixá senhor da criação, o supremo.

6
Ser filho de Santo é um processo, em que se morre para o mundano e se nasce para o divino. Como cada um
vivenciará esse processo é difícil dizer, mas de certo envolve uma grande jornada de auto-conhecimento e uma
profunda mudança no estilo de vida. Fonte: http://falandosobreumbanda.blogspot.com.br/2010/10/o-que-e-ser-filho-
de-santo.html Acesso em: 10 de junho de 2015.
O Terreiro trabalha numa perspectiva emancipatória onde se desconstroem mitos e
superstições sobre a religiosidade afro-brasileira. Desse modo trabalha-se interagindo com a
comunidade através de rodas de conversas nos finais de tarde, danças, música trazidas ainda do
tempo da escravidão na língua nagô, criando mecanismos de aprendizagem sobre a cultura e
ancestralidade, produzindo identidades sociais que abrigam saberes, poderes e resistências.

“As contribuições do Centro para com a comunidade reafirmam de forma sólida e


consolidada que ao bater do primeiro tambor, o sangue e a vibração despertam nestes o
pulsar da África, que não obstante se juntam e onde quer que estejam param e escutam
aquilo que faz seu corpo extremecer e adentrar em uma outra dimensão”. (ROBERVAL,
Juremeiro, em entrevista concedida para a pesquisa sobre o terreiro Xangô Agogô, no
dia 08 de junho de 2015)

Dessa maneira, o terreiro configura-se como um centro de resgate cultural, de promoção da


igualdade, de debate de oportunidades para aqueles que sempre foram oprimidos pela
intolerância religiosa, tendo como função principal a valorização da ancestralidade, da
preservação da cultura afro brasileira, na harmonia e na paz a qual prega. Percebe-se isto
claramente no hino da Umbanda de José Manoel e Dalmo da Trindade (1961): “Umbanda é paz
e amor, é um mundo cheio de luz é a força que nos dá vida e a grandeza que nos conduz. Avante
filhos de fé como a nossa lei não há levando ao mundo inteiro a bandeira de Oxalá”.

A umbanda torna-se então uma manifestação do povo, um ato de fé. Nesse sentido trabalha
com a religiosidade, que é característico do povo brasileiro. A exemplo desta característica tão
presente nas religiões de matrizes africanas assim como bem expressa Woodrow Wilson da
Matta e Silva (1988), mestre Yapacany ressalta:

“A Umbanda, tem uma espécie de “força misteriosa” no atrair e agradar as pessoas de


todos os entendimentos... Porque, já esta provado, é uma Religião genuinamente
popular, do “povo pobre” e isto se dá por vários fatores importantes, dos quais vamos
ressaltar apenas quatro: A) Pela absoluta tolerância e ausência de qualquer preconceito
de cor ou de raça, pois não se pergunta ao necessitado de onde vem ou a que religião
pertence etc., B) Pela riqueza de sua liturgia, ou seja, pela variedade de seus rituais de
terreiro a terreiro. Pelos quais cada um se coloca segundo seus graus de afinidade. C)
Pela dita manifestação dos fenômenos da mediunidade, que são o vértice ou a razão de
ser exterior, tudo isso a par com a fama que corre sobre tal e qual terreiro com seu
caboclo fulano ou preto velho sicrano. D) Pelos aspectos mágicos, isto é, pela
terapêutica astral com suas defumações, seus banhos, etc...” (WOODROW, p. 18, 1988)

A maioria desses aspectos faz com que a umbanda se torne hoje uma religião tipicamente
brasileira na sua essência, por ser popular, uma manifestação cultural, um movimento social,
onde o povo torna-se destaque.

Figura 1 e 2 – Festa de Ogum, no terreiro Xangô Agojo em 23 de abril de 2014.

Fonte: Foto concedida pelo Terreiro Xangô Agojo.

2. FESTAS COMEMORATIVAS DO TERREIRO

O Brasil traz em sua gênese as influências das várias matrizes culturais e não obstante a
umbanda e o candomblé que foram trazidos pelos negros da África. Nesse sentido além do
resgate cultural e o diálogo que o terreiro estabelece com a comunidade, ele também realiza as
festas dos orixás, as quais acontecem de acordo com um calendário de datas comemorativas dos
santos católicos, criando-se assim um sincretismo religioso, em sentido antropológico uma
junção de ritos e tradições. As principais festas que se realizam durante o ano são: em 20 de
janeiro onde se comemora o dia de São Sebastião representado pelo orixá Oxóssi.
No dia 23 de abril festa de São Jorge, representado por Ogum. No dia 13 de maio por ser
uma data da libertação dos escravos, data muito importante na Umbanda, pois comemora-se a
festa dos “pretos velhos” que eram espíritos de escravos que após a morte se evoluíram no plano
espiritual. No dia 23 de junho dia de São João a grande festa da casa do orixá do Ilê Xangô
Agojô a maior festa do ano para o santo dono do terreiro. Já no dia 16 de junho Nossa Senhora
do Carmo dedicado a Oxum, 23 e 24 de agosto a festa é para o povo das “encruzilhadas”, os
Exus, que são orixás da terra.
Durante a cerimônia antes de tocar para os orixás toca-se primeiro para Exu por que ele é
quem abre a gira, na linguagem nagô diz-se que ele é quem dá passagem para os outros orixás
chegarem, dono da “porteira”, o mensageiro dos orixás, tão importante quanto qualquer outro.
Dessa forma, através dos toques de tambores, vão se iniciando os trabalhos no terreiro.
Em 27 de setembro a festa é das crianças, chamadas de “Erés”, que para o sincretismo são
representados pelos santos Cosme e Damião, trazendo doçura e Axé. Na última semana de
novembro se comemora a Jurema chamados de senhores Mestres7. Nesse sentido no início de
dezembro no dia 4; dia de Santa Barbara, representada por Iansã, no dia 25 no Natal, Oxalá, e
dia 31 encerrando-se as festas do ano com Iemanjá, considerada pelos adeptos da Umbanda
como a Rainha do mar, onde as pessoas despacham flores, perfumes, pentes, joias e fazem suas
preces para o ano que se inicia.
Diante do exposto, pode-se perceber que o terreiro Xangô Agojô durante todo o ano,
estabelece um cronograma de eventos e festas, em que grande parte da comunidade participa das
manifestações fomentando, preservando e desmistificando mitos impostos pela sociedade. Por

7
Espíritos desencarnados os quais evoluíram para um plano espiritual.
outro lado, percebe-se também que o sincretismo religioso 8 é algo fortemente identificado nas
festas dos orixás e que para cada um dos santos cultuados no catolicismo existe um orixá
representativo na Umbanda. Vale ressaltar que dependendo de cidade para cidade, pode haver
variações quanto aos santos, considerando que o mais importante são as características e
natureza de cada orixá.

3. PRÁTICAS RELIGIOSAS E FUNCIONAMENTO DO TERREIRO

Dentro dos terreiros de Umbanda é responsabilidade dos sacerdotes/sacerdotisas o


desenvolvimento espiritual dos/as filhos/as de santo do terreiro, trabalhos espirituais realizados
para adeptos e clientes, podendo esses serem realizados, tanto a portas fechadas ou abertas. O
“Pai ou Mãe pequeno/a”, é a segunda pessoa do terreiro na hierarquia religiosa dentro de um
terreiro de Umbanda, seguindo a hierarquia com médiuns de trabalho que dão consultas, que já
foram batizados ou “feitos”, variando a nomenclatura de terreiro para terreiro. Médiuns em
desenvolvimento são aqueles que estão em evolução, mas ainda não dão consultas, apenas
recebem as entidades (orixás da umbanda). Médiuns iniciantes, são aqueles que adeptos a pouco
tempo na umbanda, ainda não recebem as entidades, porém tem funções específicas no terreiro
como: acender as velas, os charutos, cachimbos e orientar as pessoas que estão em consultas com
as entidades relatando o que elas desejam ou querem que elas façam.
Também existem outras pessoas como as Yabaces que são as pessoas que cozinham, as
Yabaces são as que cantam e que ajudam nos trabalhos. Os Curimbeiros, ou Ogãs que são as
pessoas que batem e/ou tocam os tambores. Os Cambones que são os que ajudam e auxiliam na

8
“O termo sincretismo etimologicamente significa “combinar”, do grego synketizou. Historicamente, remete-nos a
união dos cretenses numa espécie de república das cidades, somando forças para enfrentar o inimigo comum. Com
isso, o termo sincretismo passou para a história das religiões também para o estudo antropológico, indicando uma
combinação de ritos, procedentes de tradições não homogêneas, até atingir um conjunto de formas religiosas
comuns”. Disponível em: http://professorpauloandrade.blogspot.com.br/2011/12/resumo-de-sincretismo-
religioso.html. Acesso em: 10 de junho de 2015.
missão das entidades, distribuindo fichas e coordenando os atendimentos. E o Axogum que
realiza o sacrifício dos animais e despacha as oferendas.
Especificamente o terreiro de Xangô Agojô conta com toda essa hierarquia, sempre
funcionando com horários de atendimento ao público e consultas particulares. Partindo disto
outro importante aspecto no que tange aqueles que se iniciam na umbanda é a obrigação do
filho/a de santo no terreiro que ao passar por este processo, realiza sua primeira “obrigação”, ou
seja, recebe o Axé do santo, ou seja, o batismo ou renascimento.
Assim, pós a obrigação vem o resguardo de 3(seis) meses, de 1(um), 3(três) e 7(sete) anos
como Yaó, filho/a de santo, finalizando seu ciclo religioso até tornar-se autoridade perante a
religião. Depois de passar por todos estes processos o/a iniciado/a torna-se filho/a de santo,
período onde aprende as rezas, cantigas, preceitos e os segredos da Umbanda. Convém ressaltar
que no Candomblé se diz feitura de santo já na Umbanda obrigação, realizado como se fosse um
batismo do orixá no “Ori” do/a filho/a, Ori, região central da cabeça região de desenvolvimento
espiritual.
Neste contexto Wellington, filho/a de santo, tendo tido realizado três obrigações comenta a
respeito da umbanda do misticismo que envolve suas práticas e como acontece o processo para
que um/a filho/a de santo possa tornar-se um pai de santo e abrir um terreiro.

“O terreiro de Xangô agogô como trabalha na linda da jurema e com os mestres o


terreiro além de ter o santo da casa Xangô, quem manda tem o segundo regente que é o
mestre Antônio pelintra, que é o que toma de conta da coroa do babalorixá. Cada filho
de santo também tem um mestre principalmente os mais velhos que já tem obrigação
feita, é implantada nos braços do de cujos com um pequeno corte da semente da jurema.
É importante salientar que a jurema além de ser uma linha dentro da umbanda também é
uma árvore, sendo que no terreiro o pai de santo dá a chamada “mão de faca” significa
que é um corte para Exu (Orixá) e os senhores mestres. Isso no caso, os filhos que já
tem a semente da jurema no braço e depois com os segmentos das obrigações, quando o
filho de santo estiver bem preparado dentro da nação nagô, o pai de santo dá a mão de
faca novamente, só que dessa vez é para o orixá, isso significa que o filho está
totalmente preparado para abrir uma “casa”, isso se desejar. Lembrando que no terreiro
ainda não tem nenhum filho de santo preparado não tendo portanto a mão de faca para
o orixá”. (WELLINGTON, Juremeiro, em entrevista concedida para a pesquisa sobre o
terreiro Xangô Agogô, no dia 10 de junho de 2015)
Em linhas gerais a umbanda é fortalecida por diversos ritos os quais a consagram como
manifestação cultural tipicamente brasileira, ainda que mantenha fortes raízes africanas. Desse
modo ela abrange um “leque” de práticas, tanto para os iniciantes como também para aqueles
que almejam tornar-se pais de santo.

4. PRECONCEITO E INTOLERÂNCIA RELIGIOSA

É perceptível que a cada dia há um crescimento da diversidade religiosa, principalmente as


de matrizes africanas, com abertura de novos terreiros e casas religiosas. Por sua vez à medida
que existe esse crescimento, também há por parte dos fundamentalistas de outras religiões e/ou
matrizes ideológicas um sentimento de ódio que culmina na intolerância. É pertinente ressaltar
que o Estado se dando conta do problema criou o Dia Nacional de Combate à Intolerância
Religiosa através da Lei nº 11.635 de 27 de dezembro de 2007, sancionada pelo presidente Luís
Inácio Lula da Silva 9, comemorado no dia é 21 de janeiro. Não obstante, a própria Constituição
Federal define o Brasil como Estado laico, não confessional, onde Estado e Igreja são
oficialmente separados, onde há a liberdade de religião. Assim a legislação do Brasil, repudia e
proíbe qualquer prática de intolerância religiosa. No artigo 5°, inciso VI da Constituição Federal
(1988) traz o seguinte texto: “É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo
assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos
locais de culto e a suas liturgias”. Observa-se que ninguém pode obrigar ninguém a frequentar tal
crença ou até mesmo invadir os locais onde se realizam os cultos ou cerimônias religiosas.

9
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2007/Lei/L11635.htm. Acesso em: 10 de
maio de 2015
É lícito afirmar que ao observar nossa a história, até a década de 60 do século XX, em que
a maioria absoluta do país eram católicos, a umbanda e as religiões de matrizes africanas
sofreram perseguições pelas delegacias que tinham como objetivo resguardar os costumes
católicos. E duas décadas anteriores, a umbanda foi considerada inimiga do catolicismo,
chegando a criar-se em 1952 com a CNBB- Conferência Nacional dos Bispos do Brasil o
Secretariado Nacional de Defesa da Fé 10, como enfrentamento do crescimento dos fiéis da
umbanda. Uma prova desta intolerância que já remota há tempos passados foi a entrevista do
Arcebispo Dom Vicente Scherer concedida à Rádio Gaúcha de Porto Alegre sobre a Umbanda11:
“A Umbanda é a revivescência das crendices absurdas que os infelizes escravos trouxeram das
selvas de sua martirizada pátria africana. Favorecer a Umbanda é evoluir, é aumentar a
ignorância, é agravar doença”. Discursos como estes polarizaram durante décadas constituindo
um discurso hegemônico entre regiões que difundiam o cristianismo.

Figura 3- Integrantes da Igreja Evangélica Nova geração, invadiram o Centro de Umbanda do Catete no Rio
de Janeiro.

10
Disponível em http://bmgil.tripod.com/iac29.html. Acesso em 09 de junho de 2015.
11
Disponível em: http://profantoniomouradiversidades.blogspot.com.br/2014_07_01_archive.html. Acesso em 10 de
maio de 2015
Fonte: http://ebrael.info/2009/01/20/abaixo-a-intolerancia-religiosa/. Acesso em 07 de junho de 2015

Não obstante o Pai de Santo José Neto de Almeida constata que:

“A intolerância e o preconceito sofridos no terreiro do Rio de Janeiro, também permeia


todos os espaços em que existem centros de Umbanda. Aqui, por exemplo, no Rio
Grande do Norte mais especificamente em Mossoró existe um forte preconceito quando
se fala em Umbanda e em Macumba, a população logo associa a “coisa do Diabo,
satanás”. Este mito existe e ainda faz parte do imaginário das pessoas que não
conseguem perceber a Umbanda como uma religião autenticamente brasileira na sua
essência não consegue perceber que o sangue que corre nas suas veias é sangue de onde
todos nós viemos, sangue africano”. (JOSÉ, pai de santo, em entrevista concedida para a
pesquisa sobre o terreiro Xangô Agojo, no dia 08 de junho de 2015)

É perceptível segundo a fala do sacerdote José Neto que embora tenha acontecido o
preconceito e intolerância no Rio de Janeiro, de modo similar todos os terreiros estão sujeitos a
sofrerem uma intolerância religiosa desse tipo. Isso demonstra que o preconceito ainda continua
enraizado, incutido na sociedade, representados através de manifestações de intolerância, de ódio
e nas diversas práticas de violação de direito, como bem salienta Juliana Steck 12 (2013):

12
Disponível em: http://www12.senado.gov.br/jornal/edicoes/2013/04/16/intolerancia-religiosa-e-crime-de-odio-e-
fere-a-dignidade . Acesso em 10 de maio de 2015.
“O direito de criticar dogmas e encaminhamentos é assegurado como liberdade de
expressão, mas atitudes agressivas, ofensas e tratamento diferenciado a alguém em
função de crença ou de não ter religião são crimes inafiançáveis e imprescritíveis”.
(JULIANA, em entrevista ao jornal do senado em 16 de abril de 2013)
Assim constata-se que o que vem a “assegurar” que os inúmeros casos de intolerância
religiosa, possam reduzir-se são a rigidez e a dureza da lei que se apresenta de forma a proteger o
culto religioso e as religiões, principalmente as de matrizes africanas que na maioria das vezes
são as que mais sofrem com o preconceito.

5. DESAFIOS E PERSPECTIVAS DO TERREIRO XANGÔ AGOJO


Diferente de outros terreiros, embora não seguindo um padrão e fugindo inteiramente da
rotina religiosa cotidiana, o terreiro Xangô Agojo mesmo tendo seus preceitos fundamentais,
ainda assim enfrenta desafios no que tange aos/as filhos/as de santo:
“[...]a falta de compromisso, o pouco incentivo financeiro para custear as festas
realizadas pelo terreiro, e o preconceito das pessoas que quando refere-se as religiões de
matrizes africanas por ser pai de santo escuto muitas pessoas me agredirem verbalmente
xingarem de macumbeiro além de muitos confundirem macumba com a religião
sabemos que macumba é uma espécie de arvore africana e um instrumento musical
diferentemente de religião que as pessoas por preconceito e ignorância não sabe
diferenciar e usa a palavra para agredir. Além delas dizerem que não temos Deus que
usamos a religião para fazer o mal as pessoas que não temos conhecimento sobre a
religião”. (JOSÉ, pai de santo, em entrevista concedida para a pesquisa sobre o terreiro
Xangô Agojo, no dia 08 de junho de 2015)

Outro aspecto importante e desafiador para o terreiro Xangô Agojo diz respeito às
estruturas da “casa”, pois à medida que crescem os adeptos a Umbanda, o espaço da casa
infelizmente não cresce junto. O apoio que o Centro recebe é apenas dos/as filhos/as de santo,
não sendo o suficiente para arcar com muitas despesas.
Convém ressaltar que embora com muitas dificuldades físicas e humanas, de forma geral o
principal desafio enfrentado hoje tanto no terreiro Xangô Agojô, como nos terreiros de todo o
Brasil é o desrespeito à dignidade da pessoa humana e do direito à liberdade religiosa e suas
práticas, que mesmo num país democrático de direito e laico ainda existem barbáries que deixam
atônitos todos aqueles que fazem parte de algum segmento religioso, a intolerância é um grande
desafio.
Na medida em que há desafios também existem perspectivas de que a sociedade e a
umbanda possam caminhar juntas coexistindo a partir da compreensão das pessoas, do respeito à
crença e a fé. Desde que haja um respeito mútuo entre os praticantes de todas as religiões, só
assim poderemos construir uma sociedade verdadeiramente humana, uma cultura da paz,
servindo de luz e esperança para toda a humanidade. Educar para a paz é possível,
compreendendo as identidades sociais, os saberes dos antepassados, e entrecruzando esses
saberes, assim poderemos juntos gerir uma nova sociedade, aprendendo a amar, pois ninguém
nasce odiando ninguém, como bem destaca Nelson Mandela13 (2003):
“Somos todos iguais. Brancos, negros, pardos e amarelos. Pobres e ricos. Deficientes e
‘normais’. Somos todos um só. Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua
pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender,
e se podem aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar”. (MANDELA, discurso em
2003, durante recebimento do prêmio nobel da paz nos Estados Unidos)

A exemplo disso Shirin Ebadi14 (2003) escreveu um discurso sobre o respeito às culturas e
a diversidade:

“As pessoas são diferentes, ao igual que as suas culturas. As pessoas vivem de
diferentes formas e por igual diferem as civilizações. As pessoas comunicam-se numa
variedade de línguas. As pessoas regem-se por diferentes religiões. As pessoas chegam
ao mundo de diferentes cores e são muitas as tradições que matizam as suas vidas com
diversas tingiduras e tonalidades. As pessoas vestem-se de maneiras diferentes e
adaptam-se ao entorno de diversas formas. As pessoas expressam-se de maneira
diferente e assim mesmo a sua música, a sua literatura e a sua arte refletem modos
diferentes. Embora, a pesares destas diferenças, todas as pessoas têm um único atributo
em comum: todas elas são seres humanos, nada menos, nada mais. E não importa
quanto diferentes sejam, todas as culturas compartem alguns princípios: Nenhuma

13
Disponível em: http://pgl.gal/se-se-pode-aprendar-a-odiar-pode-se-ensinar-a-amar-segundo-o-filme-a-outra-
historia-americana/ Acesso em 11 de maio de 2015.
14
Disponível em: http://pgl.gal/se-se-pode-aprendar-a-odiar-pode-se-ensinar-a-amar-segundo-o-filme-a-outra-
historia-americana/ Acesso em 11 de maio de 2015.
cultura tolera a exploração dos seres humanos; Nenhuma religião permite a matança de
inocentes; Nenhuma civilização aceita a violência e o terror; A tortura é aborrecível
para a consciência humana; A brutalidade e a crueldade são detestáveis em qualquer
tradição. Dito mais sucintamente, estes princípios compartidos por todas as civilizações
refletem os nossos direitos humanos básicos. Estes direitos são tesourados e cuidados
por todos, em todas as partes. Assim, a relatividade cultural não se deveria utilizar
nunca como pretexto para violar os direitos humanos, posto que tais direitos simbolizam
os valores mais fundamentais das civilizações humanas”.

Nestes discursos podemos perceber que o respeito juntamente com o amor às pessoas
poderá criar uma civilização digna de se viver e de coexistir fraternamente. As manifestações
culturais existentes no Brasil e a religiosidade, em lócus a umbanda traz à tona uma luta para que
haja por parte da sociedade e principalmente do poder público o caráter laico15, garantido pela
Constituição Federal Brasileira, em que todos têm o direito a frequentar qualquer crença que
simpatize, sem ser descriminado ou massacrado por isso.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Toda a trajetória percorrida neste trabalho objetivou analisar e refletir sobre o Centro
Espirita de Umbanda Xangô Agojo, que se tornou referência no semiárido nordestino,
especificamente no Rio Grande do Norte, na luta pela dignidade do ser humano enquanto ser
religioso. Ficou demonstrado ainda que partindo de uma perspectiva emancipatória o terreiro
trabalha na construção de valores humanos, de uma nova sociedade, em que os sujeitos possam
ser respeitados nas suas diversas escolhas, principalmente no que tange a religiosidade,

15
Laico significa o que ou quem não pertence ou não está sujeito a uma religião ou não é influenciado por ela. O
termo “laico” tem sua origem etimológica no grego laikós que significa “do povo”. Está relacionado com a vida
secular (mundana) e com atitudes profanas que não se conjugam com a vida religiosa. Disponível em:
http://www.significados.com.br/laico/ Acesso em 16 de junho de 2015.
rompendo assim todas as formas de opressão e criando uma nova ordem social, onde impera a
isonomia, a fraternidade, a cumplicidade e a coletividade entre as pessoas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BANDEIRA, Cavalcanti, O que e a umbanda, Rio de Janeiro, Ed. Eco, 1970
BRASIL. Constituição (1988). CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO
BRASIL DE 1988. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 07 de junho de
2015.

CISNEIROS, I.Fundamentos de umbanda, Rio de Janeiro, Equipe Ed.


COSTA, Oswaldo, Umbanda, religião do Brasil, São Paulo, Ed. Obelisco.
Hino da Umbanda. Disponível em: http://senzaladeumbanda.blogspot.com.br/2014/12/hino-da-
umbanda.html Acesso em: 01 de maio de 2015.

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