A palavra veda em Sânscrito significa saber e definiu um período
de crescimento cultural, na história da Índia, durante o qual foi composta a maior parte da obra literária que tem como conteúdo o conhecimento dos drastâs, os videntes da verdade eterna. O saber denominado Cultura dos Vedas foi a semente de onde se originaram as grandes escolas de filosofia que se constituíram nos pilares de sustentação da cultura espiritual da Índia. A tradição védica criou um caminho psico-social da cultura do espírito e da linguagem da verdade e foi responsável pela formação da cultura indiana, cujos valores devem ser descobertos individualmente, por todos que desejarem encontrar novos valores e uma nova maneira de viver. As origens da civilização védica ainda estão envoltas em grandes mistérios, tanto sob o aspecto da arqueologia de escavação como da arqueologia lingüística. Com base no que sabemos, essa civilização foi o resultado complexo da miscigenação entre as tribos arianas, invasores nômades vindos da Ásia Central, e os povos autóctones da Índia, principalmente a civilização Harapênse, das cidades de Harappa e Mohenjo-daro, no Vale do Hindus, ao noroeste (Punjâb), e os povos Dravidianos,. ao longo da bacia gangética, em direção ao nordeste (Doâb) e ao sul da Índia, na região Tâmil. O período de tempo que durou a miscigenação, bem como o intervalo entre o início e o final da composição dos Vedas, não é conhecido com precisão. Podemos estimar, no entanto, que a cultura do Vale do Hindus (Punjâb) já existia por volta de 3000 a.C. e que os primeiros poemas védicos foram compostos a cerca de 1500 a.C, o que nos dá um intervalo de tempo de 1500 anos de civilização prévédica. Por outro lado, entre os primeiros poemas do Rig Veda e as últi¬mas Upanishads, há um lapso de tempo de cerca de 1000 anos, colocando o período védico entre os anos de 1500 a.C. e 500 a.C. Durante esse período, a cultura popular estava mais voltada para os valores espirituais que os materiais, o que contribuiu de forma decisiva para a formação do caráter, da personalidade e do comportamento do povo hindu. A análise de seus valores culturais mostra que a visão do mundo era fundamentada em uma profunda reflexão filosófica, conseqüência de uma metodologia de investigação própria e baseada na introspecção mística pela meditação, uma das formas de expansão da consciência para se atingir o necessário estado de percepção transensorial. Por estes caminhos eles transcenderam os limites do Universo sensorial, e penetraram em dimensões sutis, ou espaços- consciência hiperfísicos, e trouxeram a realidade oculta que re- side por trás da manifestação percebida pela cognição. Como resultado dessa catarse sensorial temos o nascimento de um novo ser, voltado mais ao saber das verdades eternas que às preocupações da vida cotidiana - como ocorre nos dias de hoje - quase sempre direcionadas à acumulação de riqueza. Sem pregar o afastamento ou a negligência dos deveres da vida social, o estudo védico propicia o conhecimento e o método que nos leva a vivenciar o pro¬cesso de transformação interior, na direção de um novo ser, mais integrado e consciente de sua relação com o Todo. A Cultura dos Vedas gerou uma grande obra literária, composta de uma coletânea de poemas, agrupados em quatro conjuntos denominados respectivamente: Mantra , Brâhmana Aranyaka e Upanishad. Entre a composição dos Mantras e as últimas Upanishads decorreram aproximadamente 1000 anos, período este em que o saber foi se consolidando e se depurando em sua essência, de forma que a religiosidade primitiva foi dando lugar a uma concepção filosófica altamente elaborada e voltada para o auto-conhecimento do Ser e sua relação com a Divindade. Sobre o aspecto literário esse conjunto recebeu o nome de Shruti, que literalmente significa: "a verdade revelada". Por isso, os Vedas são considerados escrituras reveladas por Deus e não o produto intelectual da mente humana (aparausheya). Os poemas contidos nos Mantras estão, por sua vez, divididos em qua¬tro coleções denominadas Veda Samhita : Rig Veda, Sama Veda, Yajur Veda. e Atharva Veda. O Rig Veda Samhita é uma coletânea composta por dez mandalas , num total de 1024 hinos . Cada mandala, constitui- se em um conjunto de poemas, em geral elaborados por uma família de brâmane, que se restringiu a uma tradição específica. O Rig Veda é consi-derado a exposição primária da verdadeira fé hindu, o Arya Satya Dharma , do qual todas as escrituras foram derivadas à medida que os ensinamentos contidos na revelação védica foram sendo assimilados com melhor clareza. Sua composição data de, pelo menos, 1800 a.C. e provavelmente foi produzido fora do subcontinente indiano, na atual região dos Bálticos, pelas tribos arianas em migração para a Índia. A segunda coleção é denominada Sama Veda e não tem interesse à parte do Rig Veda, por se constituir na mesma obra, reestruturada para ser entoada como canto devocional. A única exceção é o poema 75, que não consta do Rig Veda, e provavelmente foi acrescentado a posteriori. A terceira coleção é denominada Yajur Veda, o livro dos sacrifícios e contém elementos da liturgia védica. Sobre essa obra, Radhakrishnan escreveu: "No início do período védico, o sacrifício era um ato de devoção sem privilegiar os sacerdotes, sem normas explícitas, somente levados a efeito pelo impulso devocional dos oficiantes. Estes faziam suas oferendas acompanhados pelo canto dos hinos do Rig e Sâma Veda porque suas bocas não podiam ficar caladas enquanto suas mãos e corações ofertavam suas preces, com ardor às divindades". No Yajur Veda já encontramos elementos dos povos da Índia préariana. Portanto, grande parte desse conjunto de hinos, bem como a totalidade dos hinos do Atharva Veda, são a expressão pura da cultura Dravidiana. O Atharva Veda constitui-se na quarta escritura destina-se à codificação e explicação da liturgia dos brâmanes, contendo mantras, orações e encantamentos, muitos dos quais, vieram mais tarde a fazer parte das tradições tântricas . Os quatro Vedas constituem um corpo harmônico de conhecimento ainda não completamente apreendido. Infelizmente, sua linguagem apresenta sérias dificuldades ao leitor do nosso milênio, devido ao simbolismo hermético. A esse fato acrescenta-se ainda uma complexidade semântica, própria da evolução do processo da linguagem e do Sânscrito, que também evoluiu com o tempo. Muitos termos sânscritos do período clássico (500 a.C. - 500 d.C.), já não têm o mesmo significado que possuíam no período védico - quando os Vedas foram compostos - o que acrescenta dificuldades maiores, à interpretação e tradução de seus versos para outros idiomas. Ocorre que a interpretação contemporânea do Sânscrito é baseada no idioma clássico. Talvez tenha sido por essa razão que alguns indólogos e sanscritistas, após o estudo dos originais védicos, chegaram à conclusão precipitada de que aqueles textos seriam um amontoado de crendices e superstições infantis e infundadas, portanto, sem nenhum valor cultural em termos de conhecimento filosófico. Todavia, essa não pode ser a realidade, pois um corpo de crendices infundadas não iria suportar a evolução cultural e espiritual de uma nação, durante quase quatro milênios, sem ruir sob o peso de sua mediocridade. O próprio Srî Aurobindo teve, inicialmente essa percepção equivocada, ao ler em Inglês as traduções e os comentários de indólogos ocidentais. Mais tarde percebeu seu equívoco ao estudar os originais em Sânscrito . Por outro lado, os Vedas não seriam o suporte conceitual de seis escolas de pensamento filosófico , desenvolvidas e mantidas pelas mentes mais brilhantes da humanidade, se não fossem um rico manancial de saber. Portanto, em cada frase de um poema védi¬co, o significado esotérico tem que ser apreendido para correta compreensão do seu conteúdo, sem o que o conhecimento perde o seu significado . Como exemplo citamos alguns hinos do Rig Veda: "Quem é nosso pai, nosso criador, aquele que nos fez? Quem conhece a tudo e toda criatura? Quem é o único que nomeou todos os deuses? A quem todas as criaturas vão pedir graças? (R.V. 10, 82,3). "No inicio surgiu o ovo de ouro, nascido como o único Senhor de toda existência. Esta Terra e o Paraíso Ele criou e sustenta. A que deus devemos adorar em nossas orações? Quem nos deu o alento vital e a força? "A Ele todas as criaturas devem obedecer, inclusive os deuses. Ele, cuja sombra é a morte e cuja sombra é a vida imortal. A que deus devemos adorar em nossas orações? (R.V.10, 121). "Em que lugar Ele nasceu e de onde veio? Ele, o alento vital dos deuses, a grande nascente do Universo; um deus, através do qual Ele se move por prazer. Seu som é ouvido, porque não sua imagem? (R.V. 10, 168. 3,4)" . A evolução do pensamento védico foi fruto do trabalho dos brâmanes e sábios que escreveram comentários aos Vedas, inspirados em seus êxtases místicos (Samadhi), através dos quais eles atingiram profundos estados de consciência e vivenciaram as verdades por eles descritas. Esses comentários são denominados Brâhmanas, Âranyakas e Upanishads. As Brâhmanas são os escritos dos brâmanes, uma consolidação das práticas e interpretações ritualísticas. Elas foram compostas em prosa e explicam os significados sagrados dos diferentes rituais. Com o passar dos anos as ce¬rimônias foram ficando cada vez mais complexas, tornando o ofício religioso uma especia¬lização entre os sacerdotes, com o consequente crescimento do poder dessa casta. Das Brâhmanas, o pensamento védico evoluiu para os Âranyakas. Os Âranyakas são os escritos da floresta (aranya) e consistem na experiência dos sábios que, na terceira etapa da vida - denominada vanaprastha -, procuravam no retiro da floresta ou de um ashrama, um período de vida inteiramente dedicado à reflexão interior. Durante essa etapa da vida os rituais foram-se tornando sutilizandos, por imposição natural, devido à falta dos recursos materiais ritualísticos, que não sendo mais encontrados na floresta acabaram substituídos por visualizações mentais. Assim, o fogo sagrado passou a ser vivenciado, no corpo sutil, pela manipulação do Prâna; e o sacrifício do fogo foi interio- rizado como o sacrifício da inspiração e da expiração (khumbaka) que, sob o aspecto biológico, tem semelhança com o sacrifício da oxidação celular - tal como o fogo um processo de combustão. Dessa forma, o fogo exterior foi substituído pelo fogo interior. O material, o grosseiro, deu lugar à experiência mental, etérea, sutil. O período na floresta e a composição das Âranyakas foram uma etapa preparatória e necessária entre a fase sacerdotal bramânica e o período filosófico das Upanishads. Daí a frase: "Os Vedas para os sacerdotes brâmanes e as Upanishads para os filósofos". As Upanishads constituem a parte final do pensamento védico. O termo - Upanishad - tem pelo menos duas traduções consagradas. Segundo Max Müller é derivado das raízes sânscrita upa (ao redor), ni (no chão) e sad (sentar), com o significado de sentar no chão, ao redor do mestre, para ouvir e aprender. Já, de acordo com Shankara (788 - 820 d.C.), um de seus principais comentadores, é derivado de uma outra raiz: sad, aquilo que destrói a ignorância. Seu conteúdo é Brahmavidyâ, ou conhecimento divino; e Âtmajñâna, ou conhecimento do Ser. Segundo Shankara, para seu aprendizado é necessário estar preparado, o que significa possuir, além de inte¬resse intelectual, também qualidades espirituais, como valores éticos, morais e devocionais. Existem 108 Upanishads, de acordo com a relação denominada Mahâvâkhyaratnavâli, embora um número maior possa ser encontrado em outras relações. Quanto ao período de suas composições há uma incerteza, como em tudo que diz respeito à Índia védica, mas a maioria é pré-budista, ou seja, anterior a 450 a.C. Entre as principais Upanishads temos: Aitareya, Chândogya, Taittirîya, Katha, Brhadâranyaka, Îsha, Shvetâshvatara, Mundaka, Mândûkya, Prashna e Sarva. O valor das Upanishads está na capacidade de síntese dos ensinamentos védicos, pois sua linguagem é mais clara e precisa que a dos escritos védicos originais. Por outro lado, elas foram comentadas por mestres, como Gaudapada, Shankara e Râmânuja, o que sem dúvida trouxe maior clareza e segurança às traduções posteriores, feitas para as línguas modernas.
Resumo para Reflexão
As raízes do Vedânta estão muito mais ligadas à cultura dos povos dravidianos que à visão védica do povo ariano. Baseado nas Upanishads, - escrituras sagradas da Índia -, o Vedânta foi exposto por sábios e santos, a exemplo de Shankara, Râmânuja, Sadânanda, Vâcaspati Mishra, Vijñâna Bhiksu, além de tantos outros, como a melhor visão da verdade que o homem pode ter em seu estágio atual. Suas escrituras são revelações obtidas pela vivência da verdade. Portanto, seus autores ou compiladores transcenderam as limitações sensoriais, penetrando em novas esferas mentais ou espaços-consciência, de onde a Verdade foi apreendida pelo contato com ela própria.