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A Oração de Mathura

O sol nascente iluminou o horizonte com um suave matiz


alaranjado. Mathura, a cidade do Senhor Krishna,
acordava com o burburinho dos primeiros devotos a
caminho do local onde se acredita que o mestre nasceu há
alguns milhares de anos.
Mitra olhou a rua enlameada pela chuva, que caiu durante
toda à noite e vendo uma charrete de aluguel fez sinal ao
condutor. Cerca de vinte minutos depois elas chegaram à
casa de Sumitra, que ficava em uma praça com inúmeras
árvores seculares, entre as quais vários fícus, primaveras
em tons de vermelho, acácias e alguns deodares, que são
árvores da família dos cedrus.
Assim que Nirmalá tocou um sino pendurado na entrada,
uma criada veio recepcioná-las e as conduziu para uma
varanda, onde uma jovem senhora vestida com um belo
sári vermelho as esperava.
Nirmalá sorriu ao avistar sua amiga Jayaní Mallya que
veio ao seu encontro de braços abertos.
 Como você está linda! – ela exclamou olhando-a de
cima a baixo.
 Obrigado. – ela agradeceu sorrindo.
 Por favor sejam bem vindas, Sumitra estará ausente
pela manhã, mas pediu-me para recebe-las e acomodá-las.
A propósito, eu tenho uma correspondência para a doutora
Giovànna. Ah! Aqui está. – disse entregando um pacote.
 Ufa! Deve pesar uns cinco quilos. – comentou
Giovànna.
Mais tarde, ao abrir a correspondência ela encontrou o
dossiê enviado pelo filho de Arabella Stone, com os
relatórios médicos do Hospital Central de Asheville. Após
ler as duas centenas de páginas, contendo minucioso
detalhamento de todos os exames e os diagnósticos
radiográficos, efetuados antes e após as cirurgias, não
havia nenhuma dúvida, a lesão vertebral tinha provocado
uma paraplegia irreversível.
Por um momento Giovànna sentiu-se vazia e pensou:
“Então realmente foi um milagre? Meu Deus há quanto
tempo eu havia deixado de acreditar em milagres! - um
calafrio percorreu seu corpo. – Quem é essa mulher?”
Quando Manisha entrou no quarto, Giovànna olhou-a com
um olhar vago e sem nada dizer. Percebendo algo
estranho, Manisha perguntou:
 Você está bem?
 Manisha, você realmente teve lepra?
Manisha abaixou a cabeça constrangida, e Giovànna
acrescentou:
 Desculpe, eu não queria lhe ofender. Perguntei porque
estou perplexa com as curas que Nirmalá faz, mas agora
acredito que tudo foi real, tanto você quanto Arabella
foram curadas por ela. Lá no fundo eu ainda tinha dúvidas,
mas agora não as tenho mais.
Manisha olhou-a corada e com os olhos marejados
perguntou:
 Você não tem vergonha ou repugnância de mim, tem?
 Não minha amiga, eu não tenho vergonha de você,
perguntei porque tinha dúvidas, mas agora sei que sua cura
foi real como você me contou. Você estava doente de
verdade e Nirmalá a curou, tal como curou Arabella. Para
mim isto tudo é inusitado, creio que eu nunca acreditei que
um dia iria encontrar alguém com estes poderes.
Ramba e Mitra que acabavam de entrar no quarto,
escutaram a conversa sem fazer nenhum comentário.
 Não sei Giovànna, eu considero Nirmalá a encarnação
da Mãe Divina!
Giovànna olhou-a e deixou-se cair sobre a cama.  Meu
Deus, como você simplifica as coisas, isto tudo é demais
para minha cabeça! Encarnação da Mãe Divina ...,
encarnação de uma Deusa! O que isto significa? – disse
olhando-as de sobrancelhas erguidas.  Tudo isto está
além de minha compreensão, embora eu sinto ter sido uma
personagem ou testemunha de uma dessas histórias.
Então, para mudar de assunto, ela colocou o relatório
medico de lado e pegou um envelope de Bolonha, que
abriu sem ler o remetente. Ela sabia que era do professor
Martino. A carta era longa e elogiava seus relatórios
anteriores, mas ao mesmo tempo chamava a sua atenção
para o fato de que ela estava se afastando do objetivo da
pesquisa. Ela não pode deixar de concordar com Martino,
pois de fato ela estava afastando-se do objetivo, mas por
uma causa justa. Justa? Para quem? Ela sorriu e murmurou
em voz baixa: “para mim, claro”, afinal eu estou
descobrindo e vivendo algo que é mais importante do que
este estudo acadêmico. Após ler a carta várias vezes,
jogou-a sobre a cama murmurando: “minha nossa, eu
estou perdida!”
Em meio a tantos questionamentos de foro íntimo, ela
gostaria de ter alguém para dividir sua inquietude, ou ter
um pouco mais de tempo para conversar com Nirmalá.
Então pegou seu diário de anotações e começou a reler
seus apontamentos, lembrando do incidente da jovem
curada de um tumor no pescoço, bem à sua frente na casa
de Usha Rao. “Eu fui testemunha disto também!”

Após o almoço Giovànna encontrou Nirmalá sentada sob a


sombra de um fícus e aproveitou o momento para
conversar com ela.
 Nirmalá eu recebi o relatório médico do acidente da
senhora Arabella.
Nirmalá olhou-a com carinho esperando em silêncio o que
ela tinha a dizer.
 A lesão espinhal era clinicamente irreversível. No
entanto, você fez alguma coisa e acabou curando-a! Você
levantou-a e disse; anda. E ela trêmula manteve-se de pé, e
no dia seguinte já estava andando com auxílio de uma
muleta. Como foi isto minha irmã?
 Giovànna eu não posso explicar as obras da Mãe
Divina, Ela faz o que pode ser feito e a mim somente cabe
observar.
 Observar? Mas foi você que a curou dizendo; anda!
 Não, eu somente fiz o que Ela me inspirou para fazê-lo.
 Está bem, está bem, mas se você não estivesse lá, nada
teria acontecido, e Arabella ainda estaria paralítica, não é?
 Creio que sim, mas foi a Mãe Divina que me colocou
frente a ela naquele momento. Sua hora havia chegado e
eu estava ali para cumprir a vontade da Dela.
 Nirmalá, eu acho que você está me enrolando. – disse
com carinho. Eu não sei quem é esta tal de Mãe Divina
que você fala, mas se houve um milagre, e agora tenho
certeza que houve, foi você quem o fez!
Nirmalá sorriu.  Não importa como você vê as coisas
minha amiga, o poder da cura não está na minha pessoa, e
sim na presença da Mãe Divina em meu coração.
 Espera..., espera um pouco, então você concorda que
está encarnando um Ser Divino?
 Eu não sei bem o que você quer dizer por encarnando,
mas sinto que Ela sempre está comigo inspirando-me em
minhas ações.
 Nirmalá, sem mudar o assunto, mas o que é Deus para
você? Quem é este Ser que você diz somente
“representar”?
 Eu não sei. Existe um Deus?
Giovànna olhou-a surpresa.
 Não me diga que você não acredita em Deus! Esta tua
Mãe Divina não é uma Deusa?
 Giovànna eu não posso responder suas perguntas
simplesmente dizendo sim ou não, sem saber o que as
palavras significam para você. Em geral as pessoas têm
uma visão antropomorfizada da Divindade, que não é nem
Ele, nem Ela. Descrevê-La é impossível, porque Ela está
além da nossa compreensão e além de todas as referências
lingüísticas. O que eu posso lhe dizer é que Ela é a matriz
vibracional da qual todo o Universo surge para ser
apreendido pela subjetividade da cognição humana.
Giovànna escutava com admiração e humildade. “Como
gostaria que meu tio estivesse aqui para escutar esta
ragazza”, pensou esboçando um tímido sorriso.
Nirmalá devolveu o seu sorriso e disse:
 Creio que ele não iria querer escutar. Seu tio é um
sacerdote que cuida dos negócios da sua igreja e não creio
que ele esteja interessado em conhecer a Verdade tal como
ela é!
Giovànna deu um grito.  Mamma mia, você sabe o que
eu penso!
Nirmalá abraçou-a e beijou-a no rosto.
 Quem mandou você pensar em voz alta!
 Como você fez isto?
 Não importa. Talvez eu esteja brincando com você para
questionar a sua fé. Lembra quando você não se sentiu
bem durante o ritual na casa de Bakun Mahal?
Giovanna acenou com a cabeça confirmando.
 Tudo aconteceu porque você duvidou, e ao duvidar foi
seqüestrada por seres primitivos. Sua fé ainda é insipiente
e por isto às vezes você duvida e se abre para as vibrações
negativas.
 É, eu creio que minha formação foi alicerçada em
pressupostos equivocados. - disse Giovànna fazendo uma
careta. Tudo em minha religião lembra sofrimento, dor,
tristeza, amargura. Sabe, isto sempre me incomodou
muito.
 Minha amiga, a verdadeira busca de Deus é um
caminho de alegria, prazer e auto-realização. Não veja teu
Deus, como um indivíduo a quem você deve prestar contas
de teus atos. Ele não te vigia, nem te pede sacrifícios. Ele
é amor. Por isto, namore-O, sinta-O em você e saiba que
Ele ou Ela quer compartilhar com você a felicidade da
vida.
Talvez agora você compreenda porque não dei uma
resposta direta a sua pergunta sobre se eu acredito em
Deus, ou não. Eu acredito na Divindade mas Ela ou Ele
não é aquilo que as religiões ensinam. Eu entendo a
Divindade como amor prazeroso. A minha compreensão
sobre Ela não é de uma figura humana, com características
humanas, e sim de um Ser cósmico que a tudo vê como a
testemunha da sua própria manifestação. Confie em mim,
minha irmã, a Divindade não julga, nem distribui prêmios
ou castigos. A Divindade que alegra meu coração não é
isto. Ela é a inteligência, a consciência suprema por detrás
do véu da ilusão que cria a materialidade. Pensando Nela e
sentido Sua presença em mim, eu tenho vontade de chorar
de alegria, dançar e cantar, porque Ela me inspira com sua
alegria e sua feminilidade.
 Feminilidade! Então teu Deus é uma mulher?
Desculpe, quero dizer um Ser feminino?
 Giovànna, a rigor a Divindade está além das
dualidades. Mas eu a vejo como a Mãe Divina, porque
Dela emanam qualidades muito femininas, tais como
sensibilidade, doçura, compaixão, alegria, ternura e amor,
muito, muito amor.
 Mas você a vê como uma entidade feminina?
 O ser que eu vejo como uma jovem menina de olhos de
mel é a materialização em minha mente da Sua vibração
feminina. É sempre assim que as ilusões se fazem presente
em nós.
 Nirmalá, neste pouco tempo em que estou com você,
seguindo-a e escutando-a eu aprendi muito, mas a minha
mente tem ido a exaustão. Você faz coisas que até o Papa
duvidaria, e no entanto você é uma mulher simples, jovem,
alegre e sensual.
 Sensual? Porque você insiste nisto?
 Querida, eu vi você dançar..., e você o faz com muita
sensualidade, não negue.
 Sei, e o que isto tem de mais?
 Nada, mas na minha cultura nós aprendemos que
feminilidade e sensualidade, não combinam ou são
proibidas na vivência da religião e do sagrado. Mas você
concilia as duas coisas, sendo ao mesmo tempo sensual e
milagreira! Saiba que na minha religião as santas são
assexuadas! Nossa Senhora era virgem..., você entende?
 Eu entendo sua forma de pensar e nós até já
conversamos sobre isto, mas esta é uma maneira incorreta
de entender a vida, pois a sexualidade é uma dádiva divina
e como tal sagrada. Nós estamos aqui para viver uma
experiência, e esta experiência envolve também este lado
da vida. Assim, a Divindade nos fez machos e fêmeas para
vivenciarmos Seu poder em ação, e vivê-lo de forma
natural. Vivendo eu aprendi que tudo que a Divindade nos
outorgou é sagrado e por isto deve ser vivenciado com
respeito e sem sentimento de culpa.
 Então você acredita que a religião, a sensualidade e o
erotismo se combinam?
 Eu não diria que se combinam, diria que não se opõem.
O que você chama de sensualidade e erotismo é somente a
manifestação da natureza humana de maneira saudável e
lúdica. Nada mais, nada menos. Quem é saudável e ama a
vida, ama a si mesmo e a natureza como um todo. Por isto
eu digo que não se pode amar sem ser simples, natural,
sensual e lúdico.
 Nirmalá, esta conversa com você me faz pensar que
perdi grande parte da minha vida, sinto que tenho muito
que reciclar com você. Talvez o ocidente tenha muito que
aprender com a Índia.
 Querida, deixe-me lhe dizer uma coisa, não crie ilusões
quanto à Índia. A Índia é diferente do ocidente somente
nas aparências. As pessoas aqui também ignoram as
verdades eternas. Aqui também tem muito preconceito,
maldade, violência e crueldade. Nós tivemos e temos
mestres espirituais maravilhosos, mas a grande maioria
somente os reverencia, sem compreender seus
ensinamentos e sem procurar vivencia-los no dia-a-dia.
Aqui também tem escravidão, prostituição de crianças,
assassinatos de viúvas, pobreza e miséria.
 Mas a imagem que eu tenho da Índia é muito diferente.
Eu vejo a Índia como um país espiritualizado.
 Eu sei, a Índia é um país onde a religiosidade está
impregnada nas pessoas, mas isto também ocorre no teu
país. Tanto aqui, como lá, a compreensão da verdade é
lenta e o aprendizado é muito difícil. Em todos os lugares
vamos sempre encontrar uma minoria que vive a
espiritualidade da forma correta, seja aqui ou seja lá –
Nirmalá fez uma pausa e sorriu -,  Mas você sabe que
na Índia uma minoria é muita gente e equivale a uma Itália
inteira, não é? E você há de convir comigo que isto pesa
muito, independentemente do restante das pessoas não ser
diferente de nenhum outro lugar do mundo.
 Então, como você crê que a espiritualidade deve ser
vivida?
 Giovànna, a espiritualidade saudável é vivida quando
nós compreendemos que somos feitos à imagem e
semelhança da Divindade, e que Ela vive em nossos
corações sem se importar como vivemos nossa vida, pois
acreditar que a Divindade nos vigia, nos pune ou nos
premeia pelo que fazemos, são crenças que estabelecem
entre o devoto e o divino uma relação de troca que nos
afasta do amor incondicional, a única razão de procura-Lo
em nossos corações?
 Nirmalá, eu ainda tenho muito a aprender com você,
embora sinta que você já esteja mudando a minha vida.
Uma mulher aproximou-se delas e as cumprimentou com
um sorriso.
 Boa tarde! Você é Nirmalá, não é? Eu estou feliz em
recebe-la em minha casa.
Nirmalá levantou-se e sorriu para a recém-chegada.
 Sumitra, eu te agradeço muito por nos receber.
 Mais uma vez seja bem-vinda. Há muito queria
conhecê-la.
 Obrigada, mas deixe-me apresentá-la a doutora
Giovànna, que veio da Itália para estudar a nossa cultura.
Elas se abraçaram. Além de ser uma bem sucedida mulher
de negócio, Sumitra era uma fervorosa devota de Krishna
e sua casa era toda decorada com esculturas e imagens
Dele e sua consorte Radha.
Vendo-as, Jayaní veio juntar-se a elas.
 Vejo que já se conheceram, não é? Você sabia que
Sumitra é de uma família que descende diretamente de
Shrí Krishna?
 Desconfiei pelo sobrenome Yadavalí, que tem origem
no clã dos Yadas, não é?
Sumitra balançou a cabeça afirmativamente.  Sou muito
grata a Krishna por ter nascido no seu clã. Sou sua devota
e me considero uma de suas Golpis.
Todos riram, menos Giovànna que não entendeu o
significado do termo.
 As golpis foram as “namoradas” de Krishna, elas eram
milhares. Parece que Ele foi um apaixonado pela presença
feminina na criação! – disse sumitra.
 Daqui a três dias será celebrado um festival em louvor
a Krishna. Nós estamos preparando uma grande
comemoração e eu gostaria que você fizesse uma locução
durante a comemoração.
Manisha olhou para Mitra e sorriu. Nirmalá percebeu e
segurando em seu braço perguntou:
 O que foi minha irmã?
 Desculpe Nirmalá, mas eu tinha apostado com Mitra
que iríamos neste festival, e que você iria nos falar algo
sobre os ensinamentos de Krishna. Será que eu acertei?
Sumitra olhou-as e sorrindo disse:
 Acertaram sim! Eu acho que vocês leram as minhas
intenções, pois em verdade eu gostaria que Nirmalá
fizesse um tributo em homenagem a Krishna.
 Sinto-me muito feliz e agradecida em poder
compartilhar com vocês uma homenagem a Krishna.

Naquela noite Sumitra ofereceu-lhes uma soirée, alegrada


por um grupo de músicos que acompanhavam três
cantoras, interpretando várias melodias carnáticas.
Giovànna apreciava a comida e ao mesmo tempo se
deliciava com as entoações melódicas das vozes.
Olhando seu enlevo, Sumitra perguntou:
 O que você está achando da Índia?
Giovànna olhou-a de soslaio.  Nossa, que pergunta
difícil!
Sumitra riu.  É, para os europeus a Índia é um país
indefinível, mas minha pergunta tem mais a haver com seu
trabalho, o trabalho que a trouxe aqui. Você está
encontrando respostas para sua pesquisa? Está
encontrando o que esperava?
 Veja, meu estudo tem ou tinha, o objetivo de investigar
a influência dos místicos religiosos sobre a cultura
contemporânea da Índia. Mas, infelizmente para a
pesquisa, e felizmente para mim, eu encontrei Nirmalá que
está mudando minha visão do mundo e da vida. Afinal ela
é a filha da Mãe Divina, não é?
 É o que dizem e eu acredito nisto, embora seja a
primeira vez que a encontro pessoalmente. Minha amiga
Jayaní, que a conhece há mais tempo, fala de Nirmalá
como uma avatar, uma encarnação divina, uma deusa viva.
Giovànna ficou pensativa. “Se você estiver certa, eu não
sei o que será de mim e de meu futuro.”
Sumitra toucou-lhe as mãos, apertando-as com carinho. 
Sei que vocês no ocidente não estão acostumados com
nossa visão da religiosidade, mas para nós estas coisas são
normais e fazem parte do nosso dia-a-dia.
Giovànna quase esboçou um sorriso. “Meu Deus, como
alguém pode achar normal conviver lado-a-lado com uma
deusa?”
 Jayaní contou-me, que ela já ressuscitou um morto tal
como dizem que Jesus fez com Lázaro. – comentou
Sumitra com simplicidade.
Giovànna permaneceu calada olhando Nirmalá, que
ensaiava uma dança com uma das cantoras.
 Sumitra eu acredito, mas estas coisas estão além de
minha compreensão. Como alguém pode trazer alguma
pessoa de volta da morte?
 Sumitra voltou-se para Giovànna.
Você não deve teorizar e nem perguntar como.
Simplesmente aceite as evidências. – disse Sumitra. 
Você a vê como uma mulher, mas aceite que dentro desse
corpo feminino possa existir um Ser Divino para quem
nada é impossível.
 L'apparenza inganna!
 Como?
 Desculpe, eu estava pensando em voz alta e disse que
as aparências enganam. Vejo uma bela mulher, uma
mulher sensual, alegre, que dança e cantarola, mas em
verdade estou frente a uma Divindade! Para mim isto é
surreal!
 Talvez. talvez você tenha que rever seus estereótipos!
Mas, voltando ao seu trabalho....
 Eu tenho tido pouca oportunidade de constatar a
influencia cultural que ela exerce sobre as pessoas, embora
eu já tenha percebido que seus ensinamentos são
apreciados por todos, inclusive por mim mesma. Como eu
disse, ela está transformando minha vida e eu estou
descobrindo um mundo que antes não conhecia e nem
acreditava que existisse.
 Então, ai está à resposta da sua pesquisa. Ela está
mexendo com você, com sua cultura, com a sua visão da
vida e do mundo. Não era isto que você queria estudar e
entender?
Giovànna ficou pensativa. “Não é que Sumitra está certa!
Nirmalá estava exercendo uma grande transformação em
seu modo de ver o mundo e compreender a vida, e com
certeza isto deveria estar acontecendo com todas as
pessoas com quem ela tinha contacto”.
No dia seguinte pela manhã elas deram uma volta pela
cidade, e depois foram até o local onde estava sendo
comemorado o nascimento de Krishna. Giovànna ficou
surpresa com a quantidade de devotos e turistas que
cantavam e dançavam, sob o som desarmônico de
diferentes instrumentos musicais, A comemoração parecia
um carnaval, onde os membros das diversas seitas
vaishnavas chacoalhavam seus corpos num verdadeiro
frenesi. Ela já estava se acostumando com esse tipo de
demonstração de fé e por pouco não entrou no clima da
comemoração.
Mitra e Manisha batiam palmas e cantavam o maha-
mantras de louvor a Krishna, enquanto Sumitra e Jayaní
afastaram-se da multidão acompanhando Nirmalá e
Ramba até a entrada do templo.
Giovànna aproximou-se de Manisha e disse:
¾ Fale-me um pouco sobre a história de Krishna.
¾ Krishna é considerado o oitavo avatar do deus Vishnu,
ou seja, uma encarnação divina no mundo dos homens. Os
ensinamentos Dele estão em vários livros, mas eu somente
li a “Canção do Senhor”.
O barulho era tão ensurdecedor que estava difícil
conversar. Então Giovànna fez um sinal para Manisha,
dizendo que mais tarde elas falariam a respeito.
Sumitra avistou Shri Prema, a pessoa encarregada de
organizar a homenagem que Nirmalá faria ao entardecer.
Ela era uma mulher muito respeitada entre os vaishnavas,
principalmente aqueles ligados ao movimento de Krishna.
Há cerca de dez anos ela assumira a direção da Krishna’s
House em Mathura, e em menos de cinco anos ela havia
aberto dezoito casas em vários países. Em seu ashram à
beira do Rio Yamuna ela recebia mensalmente cerca de
quatro mil pessoas interessadas em meditação, e no estudo
da Bhagavad Gita.
¾ Bom dia Prema.
¾ Bom dia Sumitra.
¾ Esta é minha amiga Jayaní, que trouxe Nirmalá para
visitar Mathura.
¾ Namastê!
¾ Namastê! O prazer é meu. – disse Jayaní.
¾ Mas, onde está Nirmalá? Eu tenho ouvido tantas coisas
boas sobre ela que minha curiosidade é imensa.
¾ Venha comigo, ela está logo ali. Veja, é aquela de
lehanga vermelha.
¾ Aquela jovem? Eu tinha a imagem de uma senhora com
seus quarenta e poucos anos. Quantos anos ela tem?
¾ Não sei ao certo, mas creio que cerca de trinta.
¾ Muito bem conservada, eu não daria mais que vinte e
poucos anos!
¾ Nirmalá está é Prema. – disse Sumitra apresentando-a.
Nirmalá olhou-a e sorriu de mãos postas frente ao
coração. ¾ É um prazer estar aqui na terra de Krishna, e
poder participar das homenagens que você está
organizando.
O local estava repleto de pessoas, que em fila passavam
em frente ao piso de pedra que seria uma parte da cela
onde Krishna teria nascido. Giovànna tirou fotos de Mitra
e Manisha em frente à relíquia e em seguida Mitra
fotografou-a com Ramba.

À tarde Sumitra e Jayaní levaram-nas ao Krishna’s House,


uma herdade às margens do rio Yamuna, onde cerca de
umas três mil pessoas esperavam pela celebração do
aniversário de Krishna. Um coral de jovens entoava
mantras, acompanhado por um conjunto de músicos. A
assistência participava ativamente, cantando e dançando.
Prema veio ao encontro delas e disse:
¾ Mais uma vez sou grata pela presença de vocês. Nós já
iniciamos os festejos e daqui a pouco iremos acender a
pira sagrada, que dará inicio a sua palestra. Fique a
vontade para se expressar como quiser e sobre o que
quiser falar, porque sua presença já torna o dia de hoje
especial.
Nirmalá agradeceu com um aceno de cabeça e elas foram
para o local da celebração.
¾ Irmãos, hoje é para todos nós um dia especial, porque
temos a presença em nossa casa da jovem senhora,
Nirmalá Sundarí Deví, uma irmã que é conhecida por sua
espiritualidade como a encarnação da luz e do amor. Eu
pedi a ela que fizesse uma locução em homenagem a
Krishna, então vamos ouvi-la.
Sobre o palco uma pira em forma de lótus queimava lenha
de sândalo, que perfumava o ambiente com um aroma
suave e delicado. A um sinal de Prema três sinos de
bronze iniciaram a chamada para a celebração, que foi
acompanhada de uma distribuição de flores e prasad entre
os participantes.
Nirmalá dentou-se no chão do palco, pegou o lampadário e
elevando-o acima da cabeça fez circunvoluções no ar
olhando as pessoas, que em silêncio esperavam sua fala.
Depois tomou alguns bastões de incenso e acendeu-os na
chama, espetando-os em seguida no incensário.
¾ Meus irmãos, que a Luz Divina nos envolva, e que a
paz e a harmonia se faça presente em nossos corações. No
dia de hoje comemoramos o nascimento de Krishna, o
oitavo avatar de Vishnu. Eu sei que vocês sabem o que é
um avatar, mas mesmo assim gostaria de lhes falar um
pouco a respeito, pois um avatar é uma encarnação divina,
mas também sabemos que nós somos feitos à imagem e
semelhança do Divino, portanto nós também somos
encarnações divinas e por isto verdadeiros avatares do
futuro. Lembro que na ‘Canção do Senhor’, Krishna nos
diz:
Eu sou o Ser entronizado no coração de todas as criaturas.
Eu sou o princípio, o meio e o fim de todos os seres.
Por isto, todos nós somos encarnações Divinas. – disse
sorrindo e gesticulando como quem quisesse tocar seus
corações com seu amor e sua luz.
¾ Mas o que nos diferencia de um avatar?
Eu diria que é somente nosso grau de despertar
consciencial. Um avatar é um ser iluminado, um ser
desperto, um buddha, mas a maioria da humanidade ainda
vive sob as trevas da ilusão. A humanidade não está
desperta, somente à medida que formos despertando nossa
consciência, iremos nos tornando seres de luz, seres
iluminados, tal como os avatares, Rama, Krishna, Buddha
e Jesus...., além de muitos outros que se manifestaram em
todos os tempos, e em todas as culturas.
Eu digo isto como uma esperança para todos nós, no que
diz respeito ao nosso porvir. Nós também podemos vir a
ser mensageiros divinos, manifestando o Divino na
criação.
Gostaria de fazer justiça a um outro grande avatar, um
verdadeiro sábio, cujo nome também é Krishna. Eu falo de
Krishna Dvaipáyana Vyasa, o ser iluminado que nos legou
os Vedas, os Puranas, o Mahabharata e a própria canção
do Senhor, a Bhagavad Gitá, imortalizando em seus versos
a mensagem de Krishna para a eternidade. E, é sobre esta
mensagem de amor e verdade, que agora eu desejo vos
falar.
Sumitra olhou o semblante de Nirmalá, e teve a impressão
que ela estava envolvida em uma suave luminosidade.
¾ Krishna nos legou muitos ensinamentos através da
mensagem de Vyasa, mas sem duvida o mais belo de
todos está na Bhagavad Gitá, a Canção do Senhor, que
segundo a tradição é o colóquio que Ele teve com Árjuna
momentos antes da batalha pelo reino de Hastinápura, a
Cidade dos Elefantes.
É obvio que esta batalha é uma metáfora, pois um texto
espiritual da magnitude da Bhagavad Gitá não iria fazer
apologia a uma luta sanguinária. É uma história contada
para nos mostrar a luta interna que todos nós travamos,
dia-a-dia, entre nossa mente instintiva e nossa mente
espiritual. A primeira nós denominamos manas e a
segunda buddhi, daí a expressão buddha para todos
aqueles que atingiram a iluminação, vencendo a batalha e
sobrepujando os instintos e condicionamentos do corpo
material. No Gitá, Krishna nos ensina como devemos agir
no mundo para transferir nossa consciência da mente
instintiva para a mente espiritual, e seus ensinamentos
abordam três caminhos ou iogas para a auto-realização. O
primeiro caminho é o do conhecimento, que denominamos
Jñana Ioga. O segundo é o caminho do amor ou devoção
espiritual, que nós conhecemos como Bhakti Ioga e o
terceiro é o caminho da ação desinteressada, que
denominamos Carma Ioga. São três os caminhos, mas um
não exclui o outro, eles devem ser trilhados
simultaneamente, embora cada um de nós possa dar início
à sua jornada pelo caminho que melhor ressoa com seu
coração.
O primeiro caminho é importante, porque nos traz o
conhecimento da verdade espiritual. O conhecimento de
que não somos nem o corpo, nem a mente, mas sim
imagens da Divindade Suprema. Portanto somos seres
imortais, sem inicio e sem fim. Assim, nada nos pode
destruir, embora nossos corpos mortais sejam passíveis de
serem destruídos, e quando isto ocorre, a continuidade da
vida nos propicia uma nova experiência em um novo
corpo. É o que denominamos renascimento ou
reencarnação. Basicamente o caminho do conhecimento
nos mostra isto; não somos a mente, a personalidade,
tampouco o corpo que vestimos nesta vida. Somos seres
da Luz, emanados da Luz Divina para vivermos uma
experiência humana. Eu não sou Nirmalá, eu estou
vivendo como Nirmalá nesta vida, mas tive muitas outras
personalidades em vidas passadas, e tive muitos outros
nomes, embora em verdade aquilo que eu sou, é sempre o
mesmo, um Ser que espelha o Divino no seio da ilusão. A
segunda via, como eu disse, é o caminho da devoção
espiritual e eu gostaria de lhes falar um pouco sobre a
natureza da devoção. Ser devoto é amar a Divindade,
desejar estar com Ela e ser um com Ela, tal como o amante
ama e deseja estar com o ser amado. Entretanto nós
somente podemos amar a Divindade se A sentirmos e A
compreendemos no nosso dia-a-dia, porque eu não falo de
um Ser distante e imperceptível, falo de um Ser Divino
onipresente, que está aqui agora, entre nós, embora a
maioria de nós não O perceba, porque está com a
consciência voltada para fora, vivendo os sentidos e os
conteúdos de sua mente instintiva.
Nirmalá fez uma pausa. Em seguida, passou seu olhar
pelos presentes e estendendo seus braços em direção a eles
acrescentou:
¾ Façam uma inspiração consciente e sintam a vibração
do Divino que penetra em seus corpos. Isto é prana, a
presença do Divino em ação, a fonte da vida, que os
tântricos denominam a Grande Shakti, e que eu
carinhosamente chamo de Mãe Divina. Olhem a natureza
ao vosso redor e procurem enxergar a beleza e a harmonia
do Ser, que está oculto pela ilusão que vocês observam.
Então vocês entenderão que a pujança da vida ao vosso
redor, é somente um reflexo da presença divina. Olhem os
pássaros, as flores, as montanhas, o céu e as estrelas.
Olhem os rostos das pessoas e vejam que existe uma
pureza, querendo se manifestar através de um olhar e de
um sorriso. Toda essa beleza, essa pureza é a expressão da
Divindade onipresente na criação. Assim, vocês estão
flertando com o Divino e iniciando um namoro com Ele.
Isto é começo do amor e o começo do estado devocional
que denominamos Bhakti.
Krishna expôs o caminho da devoção, porque sem sentir o
amor pela presença Divina, não há como se afastar da
ilusão e atingir a iluminação. Vejam, eu estou falando de
uma competição entre a ilusão e a devoção. Pois, quando
vocês percebem que a atitude devocional está competindo
com os instintos e com os sentidos que buscam o exterior,
vocês optaram pelo amor e estão iniciando o caminho para
dentro de si mesmos. Assim, pelo tapete do amor vocês
estão indo ao encontro do Divino que é e a vossa origem.
O último caminho é a ação desinteressada, o caminho do
Carma Ioga. Mas antes de falarmos sobre este caminho, eu
devo lhes dizer que a palavra carma é o substantivo da raiz
verbal agir, que em sua forma substantivada significa tanto
ação como seus frutos e desdobramentos.
Os mestres nos ensinaram que tudo que fazemos ao
pensar, sentir, desejar e agir é uma ação e toda ação deixa
em cada um de nós um resíduo mnemônico da sua própria
natureza, com a intensidade da emoção que a motivou.
Este resíduo permanece na mente daquele que agiu e, mais
cedo ou mais tarde, influenciará suas ações futuras, frente
a situações da vida.
Assim, se amarmos remanescerá em nós um resíduo da
natureza do amor, se odiarmos, o resíduo terá a natureza
do ódio. Quais dos resíduos vocês acham que é mais
prejudicial para nossa vida, o do amor ou do ódio? Nem é
preciso responder, não é? O resíduo do amor nos traz
saúde, felicidade, jovialidade e alegria. O do ódio nos traz
rancor, conflito, desagregação e doenças. Carma é isto,
somente isto, tudo mais que dizem por ai é fantasia sem o
fundamento do Dharma.
Por isto, carma nada tem a haver com premiação ou
castigo. Ninguém é castigado pelas coisas que faz, mas
sim através delas. Quem poderia nos castigar se Nossa
Mãe Divina é Amor, equilíbrio e bem-aventurança?
Somente nossa mente pode, manifestando em nós seus
conteúdos que podem nos harmonizar ou desarmonizar.
Assim, tudo que você faz fica em você e acaba se
integrando na sua mente, acaba fazendo parte de sua
estrutura mental, seus pensamentos e seus atos. Por isto eu
digo; cuidado com seus atos, seus pensamentos, seus
desejos, porque eles mais cedo ou mais tarde acabam se
realizando em você e em sua vida. O que Krishna nos
ensinou como ação desinteressada, é agir sem nenhuma
motivação, fazer o que tem que ser feito, porque é o certo
naquele instante. Ação desinteressada é a ação que se
inicia e acaba no ato, não deixando expectativas
pendentes. Por exemplo, quando alguém ajuda uma
pessoa, sem esperar algo em troca, a ação se finda no ato
de ajudar. Se a pessoa que age espera algo em troca, esta
expectativa fica ativa em sua mente. Ela não se lembra,
mas seu inconsciente está esperando algo acontecer e desta
espera resulta um estado de aflição e ansiedade, que
mesmo a pessoa não saiba a origem, vai desestabilizando-
a aos poucos.
Mas o ensinamento do carma ioga é mais profundo, pois
também nos mostra um caminho para o esvaziamento da
mente, pois em verdade o que nós denominamos mente,
nada mais é que a soma de todos os resíduos que deixamos
em nós, vida após vida, desde o momento inicial da
criação. Assim, a nossa mente é composta tanto pelos
resíduos evolucionários dos animais que nos antecederam
na evolução, desde a primeira célula até os dias de hoje,
como pelos resíduos das ações executadas nas vidas
passadas e nesta vida, principalmente aqueles acumulados
na primeira infância. Juntos, estes resíduos formam os
nossos instintos e condicionamentos.
Nirmalá fez outra pausa e por um momento permaneceu
em silencio, de olhos fechados e com a respiração
praticamente suspensa. Então fez uma suave inspiração e
abrindo os olhos marejados de lágrimas, sentou-se sobre
os calcanhares, continuando sua preleção.
¾ Na Canção do Senhor, o mestre Shri Krishna nos
ensinou a meditar, um método para nos ajudar a conquistar
o despertar consciencial e aos poucos sairmos do mundo
da ilusão. Eu me lembro de uma passagem em que Ele
disse:

“Alguns dizem ser difícil dominar a mente porque ela é


instável, ora inclinando-se para um objeto, ora para outro.
Entretanto, quem fortaleceu sua vontade por meio dos
exercícios devocionais e da disciplina, tornar-se-á o senhor
de seu coração e de sua mente”.

Mas o que Ele quis dizer com exercícios devocionais e


disciplina? Ele quis nos alertar para a necessidade de
termos disciplina na vida espiritual, ou seja, criar o hábito
de meditarmos em momentos certos do dia, por exemplo;
ao alvorecer, ao meio dia e ao ocaso. Nesses momentos,
podemos nos sentar mesmo que seja por cinco minutos, e
com amor procurar a Luz em nosso interior, lembrando
que a Luz é a presença viva da Divindade em nós. Falando
nisso, eu lembro de uma outra passagem que diz:
“Eu amo àqueles que Me adoram com fé e a Mim dedicam
o interior de seus corações, pois neles transborda Meu
amor e a Minha presença. Assim, unido-se a Mim eles
atingirão a paz suprema.”
Por isto eu digo que a meditação devocional é um
exercício que ilumina o nosso coração com o amor e a luz
do Senhor. São somente quinze minutos por dia, divididos
em três momentos, mas são três preciosos momentos de
contacto espiritual com a Luz Divina, que habita nossos
corações.
Em outro verso Ele nos alertou dizendo que são poucos os
que, entre os milhões de nossa raça procuram com afinco
o despertar consciencial do espírito, e dentre estes,
pouquíssimos obtém a Luz com sucesso. Por que a maioria
fracassa? A resposta é simples, porque eles não têm
constância. Falta o método. Eu disse cinco minutos três
vezes ao dia, mas garanto que estes momentos se
constituem somente em um começo, pois com o tempo
vocês ficarão tão apaixonados pela Luz, e irão buscá-la
com mais freqüência.
Ame esta Luz, porque Ela é a fonte de toda a criação, de
onde tudo tem sua origem e para onde tudo retorna. Além
Dela não há nada. Tudo depende Dela e por Ela tudo é
sustentado, tal como as pérolas de um colar são
sustentadas pelo fio que as une. Ela é o fluir da água, o
calor do Sol e o brilho da Lua, ela é a sílaba sagrada OM,
e também o perfume da terra, o esplendor do fogo, a vida
dos vivos, o liame entre os mestres e a santidade dos
santos. Ela é a ciência eterna e imortal de todos os seres, a
sabedoria dos sábios e a nobreza dos nobres. Ela é à força
dos fortes que, livres de toda a paixão, exercem o puro
amor que lei nenhuma pode proibir.
Entretanto, ao falar em ritual eu gostaria de lembrar que
nós damos mais importância a liturgia que a sua essência.
Até que ponto os rituais que executamos nos levam até as
esferas conscienciais maiores? Krishna respondeu a esta
pergunta dizendo:
“Para quem Me adora e em Mim procura o refúgio, Eu sou
a Felicidade Suprema e a bem-aventurança eterna. Assim,
os que adoram os antepassados com eles se unirão, os que
adoram os seres inferiores, à suas esferas conscienciais
irão, os que adoram os deuses a eles chegarão. Mas, quem
adora a Mim, o Absoluto, vivenciará a felicidade eterna,
pois Eu sou a Luz Suprema”.
“Saiba que Eu recebo todas as oferendas que a Mim são
feitas com amor. Eu não olho o valor da oferenda, mas
somente o coração de quem a faz”.
“Quem a Mim se dirige, acha em Mim o refúgio e anda
pelo soberano caminho da Luz. E, mesmo um ser
mundano quando a Mim se dirige, dedicando o amor de
sua alma, é por Mim acolhido porque este ser procura a
verdade, e por isto é digno de louvor. Então, conheça-Me,
adora-Me e fixe sua mente em Mim, unindo a sua vontade
com a Minha, pois assim no fruto desta união você
encontrará a iluminação e a mais perfeita felicidade”.
¾ Meus irmãos saibam que quem vive na Luz e para a
Luz, Nela penetrará, toda vez que Nela se concentrar. Por
isto, eu lhes digo, direcionem todos os seus pensamentos à
Divindade que reside em vossos corações e lutem, pois se
suas mentes e seus corações estiverem fixos na Luz
interior, Ela vos guiará e vos iluminará pelos caminhos da
vida. Isto é um exercício que desenvolve a visão interior e
vos levará a contemplação da majestosa presença Divina
que está velada aos olhos materiais daqueles que ainda
vivem no mundo da ilusão.
Em síntese, Ele nos ensinou o caminho da imortalidade,
que é a iluminação através da qual nós permanecemos
num estado consciencial sem mente e acima do espaço-
tempo.
Nirmalá fez outra pequena pausa permanecendo por uns
segundos de olhos fechados.
¾ Meus irmãos, eu creio que nada mais precisa ser dito no
dia de hoje, além de lembrar que de fato Krishna
representa a mais pura presença da consciência divina, na
hierarquia manifestada e individualizada, pois viveu como
homem entre os homens. Por isto, no decorrer da Canção
do Senhor, Ele algumas vezes se apresenta como um Ser
Absoluto e transcendente por detrás da manifestação,
outras vezes como um Ser imanente na manifestação, e
outras vezes ainda como um Ser aparentemente
individualizado vivendo como um homem entre os
homens.
Agradeço a paciência com que vocês me ouviram, e peço
à Luz Divina que nos ilumine pelos caminhos da vida.
O silêncio e a emoção tomaram conta da audiência.
Sumitra olhou para Prema e ela estava cabisbaixa e
visivelmente emocionada, porque algo maior que Nirmalá
e sua fala podia ser sentido no local.
Então Nirmalá desceu do palanque e caminhou na direção
das pessoas que continuavam ainda sentadas no chão. Em
uma das primeiras filas havia um menino da casta dos
shudras, que tinha os olhos opacos devido a uma ulceração
de córnea. Ela foi até a criança, agachou-se e abraçou-a
com ternura, dizendo em seu ouvido; “Teu amor por
Krishna trouxe a luz para seu coração, agora Ele me pede
que traga a luz aos seus olhos”. Dizendo isto Ela o
levantou e colocou as mãos sobre os olhos da criança, que
se sentindo transpassado por uma energia dobrou os
joelhos e caiu ao chão com as mãos sobre a face.
¾ Mãe..., mãe. – gritou desesperadamente. ¾ Eu estou te
vendo, estou te vendo!
Um assombro correu entre a multidão. Sumitra foi até a
criança, que ela conhecia há algum tempo e olhando seus
olhos límpidos e sem nenhuma mácula, não pode conter o
espanto e as lágrimas.
Uma senhora de meia idade se aproximou, e ajoelhando-se
aos pés de Nirmalá pegou sua mão colocando-a sobre seu
seio direito. Nirmalá sentiu o tumor e se curvando beijou-a
na testa.
¾ Vá minha amiga, que a sua fé te curou.
A senhora desfaleceu ao sentir uma queimação no seio.
Nirmalá voltou para o palanque, estendeu as mãos para o
alto e abençoou a todos dizendo:
¾ Ó Luz, voz que sois a mais oculta salvadora, brilhe em
nossos corações trazendo a cura da alma e do corpo. Nós
agradecemos aos deuses e deusas, que sob a tutela da Mãe
Divina nos auxiliam no caminho do despertar espiritual.
Nós agradecemos aos Budas da Compaixão e aos Mestres
da Luz pela nossa proteção. Que a Luz Divina nos ilumine
e nos inspire pelos caminhos da vida.
Dizendo isto ela se retirou, seguida de suas amigas.
Dois dias depois elas partiram para Nova Delhi. Nirmalá
estava muito contente com a perspectiva de encontrar com
sua mãe e Giovànna também, porque teria a oportunidade
de passar no escritório do doutor Ram Das e lhe agradecer
pessoalmente pela gentileza, que ele estava tendo com sua
correspondência.

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