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Resenha de

“O Filme-ensaio” por Arlindo Machado

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE


INSTITUTO DE ARTES E COMUNICAÇÃO SOCIAL
DEPARTAMENTO DE CINEMA E VÍDEO
DISCIPLINA CINEMA E ESTÉTICA
PROF. CESAR MIGLIORIN
ALUNO FERNANDO ANTONIO MARQUES DA SILVA
Niterói, 03 de novembro de 2019
Arlindo Machado defende de forma enfática o filme ensaio como forma de
pensamento. O texto, dividido em quatro partes aborda o que seria um ensaio, as

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relações do filme documentário e o ensaio, as ideias dos pioneiros russos da
montagem e finaliza abordando o que seria o ensaio no cinema.
Machado inicia sua reflexão citando Jacques Aumont, que defende a ideia de
que o cinema é uma forma de pensamento, e Giles Deleuze, para quem alguns
cineastas, sobretudo Goddard, fizeram o cinema pensar com a mesma eloquência
que os filósofos de outrora o fizeram com a escrita verbal.
Para desenvolver seu raciocínio, Machado expõe o conceito de ensaio: “uma
certa modalidade de discurso científico ou filosófico, geralmente apresentado em
forma escrita, que carrega atributos amiúde considerados literários, como a
subjetividade do enfoque, a eloquência da linguagem e a liberdade de
pensamento”. Relembra Adorno que discute a “exclusão” do ensaio no pensamento
ocidental, que segue uma dicotomia entre saber científico e literatura. Seguindo
este pensamento o ensaio seria a negação desta dicotomia, “porque nele as paixões
invocam o saber, as emoções arquitetam o pensamento e o estilo burila o
conceito”.
Machado afirma que no cinema o documentário poderia ser considerado a
forma que mais se aproxima do ensaio se, no entanto, nos dissociarmos da crença
de que a câmera capta emanações do real, que vem desde o Renascimento e passa
pelas ideias de André Bazin, para quem existia no mundo um “super-discurso”.
Machado se opõe a este pensamento dizendo ser impossível acreditar na existência
deste discurso natural e o classificando como “panteísmo naif”, saudando as novas
gerações de documentaristas que “rompem com uma visão que o essencial do
documentário é não interpretar as coisas, não intervir nas imagens, não
acrescentar um discurso explicativo”. Os efeitos da sincronização do som,
exemplifica com o filme Letres de Sibérie (1957) de Chris Marker, e a teatralidade
de alguém que esteja sendo filmado constroem uma visão de mundo, a despeito
inclusive da vontade do realizador.
O documentário começa a ser interessante quando “se mostra capaz de
construir uma visão ampla, densa e complexa de um objeto de reflexão, quando
ele se transforma em ensaio, em reflexão sobre o mundo, em experiência e sistema
de pensamento”, tornando-se um “discurso sensível sobre o mundo”.
Avançando em seu raciocínio Machado aborda a Teoria do Cinema Conceitual
de Serguei Eisenstein, e as realizações de Vertov, em que a combinação de imagens
cria uma sintaxe, na qual com o uso de metáforas (imagens materiais articuladas
sugerindo relações imateriais) e metonímias (transferência de sentido entre
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imagens) se constrói um pensamento cinematográfico. Para validar este método
aborda a estrutura das línguas orientais e a larga utilização de figuras de linguagem
no discurso científico (ex. “caixa torácica”, “buraco negro”). Lamenta que o
cinema sonoro se distancie do uso de metáforas e metonímias visuais em razão da
“ditadura do realismo”, para a qual qualquer interferência na “naturalidade” é um
“desvio literário”, que tem em André Bazin um dos seus defensores.
O filme-ensaio pode ser construído com qualquer tipo de imagem: captadas
por uma câmera, desenhadas, geradas por computador, pesquisadas em arquivos ou
até mesmo imagens encenadas com atores. O importante aqui é o processo de
busca e indagação conceitual, o que o cineasta faz com estes materiais, a maneira
como constrói uma reflexão densa sobre o mundo, “como transforma todos estes
materiais brutos e inertes em experiência de vida e pensamento”. Neste tipo de
filme a montagem tem papel central. Para ilustrar este pensamente são analisados
os filmes Duas ou Três Coisas que Sei Dela (1967) de Jean Luc Goddard, e São
Paulo: Sinfonia e Cacofonia (1995) de Jean-Claude Bernadet.
Finaliza com uma provocação: “No futuro, quando as câmeras substituírem
as canetas, quando os computadores editarem filmes em vez de textos, essa será
provavelmente a maneira como escreveremos e daremos forma ao nosso
pensamento”.

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