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Bárbaros no século I

Durante o período em que a humanidade conhece como do Império Romano, a área a leste do
Reno e ao norte do Danúbio era habitada por certo número de tribos germânicas. Os romanos
nunca dominaram esses povos, que mantiveram constante pressão sobre as fronteiras
setentrionais do Império. Mais tarde, quando o poder romano se esfarinhou, os germânicos
conquistaram o oeste da Europa.
A maior unidade social e política entre os germanos era a tribo.
Entre essas tribos conhecidas dos romanos havia os alemanes, os godos, os francos, os vândalos,
os teutões e numerosas outras. Costumavam os romanos usar a palavra Germani para toda a
raça, compreendendo todas as tribos, e Germânia para sua terra. As várias tribos tinham uma
linguagem comum, que é um dos numerosos idiomas indo-europeus, e comum era também a
sua religião. Fora isso, os germânicos não eram unidos e havia diferenças entre as tribos.
Entre os germânicos, como em outros povos primitivos, a base da tribo devia ser um laço de
parentesco entre as famílias que ela compreendia. A base da lei tribal era pessoal e não territorial,
isto é, as leis da tribo governavam todas as pessoas que pertencessem ao grupo tribal e não
todas as pessoas que habitassem num local específico. Esse princípio da "personalidade" da lei,
derivado do costume germânico, teria muita influência na Era Feudal da história
da Europa Ocidental: só depois de muitos séculos foi suplantado pela idéia mais nova de
"territorialidade" da lei.
Algumas tribos, embora não todas, tinham reis, mas esse posto nunca era de ampla importância.
O rei não era o dirigente da tribo em tempo de guerra, pois, no começo de cada campanha, o
comando militar era confiado a um homem especialmente escolhido para essa honra em razão de
seu valor. Também o rei não era a fonte da lei, pois as leis da tribo baseavam-se no costume, que
ninguém podia alterar. Quando um homem agia mal contra a tribo - por exemplo, se mostrava
covardia em combate - era o sacerdote que o condenava e não o rei. E se alguém fazia dano a
outrem, cabia ao ofendido obter o desagravo, ou a seus parentes, se ele tivesse sido morto. O
costume da tribo previa o ressarcimento devido para quase todas as espécies de crimes, mas
também previa a morte, a tortura e o ordálio. A multa chamava-se wergeld.
Com relação à época em que nos referimos, século I, os bárbaros ainda não conheciam a escrita.
A primeira obra escrita em língua germânica conhecida é uma tradução da Bíblia feita no ano de
340 por um missionário chamado Ulfilas. O poder em geral, assim como os julgamentos, eram
exercidos verbalmente, como dito, na base do costume.
A importância que os germânicos davam à entidade familiar, única base de apoio e proteção, fez
com que a mulher recebesse um valor até então desconhecido por outros povos. Sendo tempos
conturbados em que a violência predominava, a virgem constituía o futuro da parentela e
a certeza da continuação da linhagem. O corpo feminino constituía-se em um tabu, o homem e a
mulher só podiam ficar nus num único lugar: aquele onde procriavam, o leito. O nu era sagrado.
O essencial do matrimônio consistia em sua consumação, bastava a coabitação para que
se considerasse constituído o casamento.
A violação de uma mulher era punida com uma multa, mas as mulheres nesses casos eram tidas
como "corrompidas", isto é, perdiam o seu valor, não podiam nem mesmo possuir bens. Nesses
casos acha-se que as mulheres passavam para a prostituição, proibida, mas usual.
Uma vez raptada a moça, mais ou menos com seu consentimento, e devidamente estuprada ou
deflorada, o casamento era um fato consumado. Nada mais restava senão se curvar e receber do
raptor o pagamento da multa estipulada. Convinha não provar que a moça consentira, pois, nesse
caso, ela se tornava escrava. Assim, salvava-se a honra e protegia-se a pureza do sangue. Se a
jovem voltasse à casa paterna "não corrompida", o raptor pagava um valor de multa
maior e se ele não tivesse a quantia exigida, quer ficasse com a moça, quer não, era entregue
aos pais, que podiam castrá-lo. Para a moça perdida ou desonrada, um eunuco ridicularizado e
sem herdeiro!
Era a autêntica pena de talião.
Ainda mais grave era a descoberta de um incesto ou de um adultério após a conclusão do
casamento. O "fedor do adultério", como chamavam os burgúndios em sua lei escrita depois de
mais de dois séculos desta época, era de tal modo reprovado que significava a expulsão imediata
da mulher casada, a qual era em seguida estrangulada e jogada num pântano lamacento. Ao
marido traído era permitido matar os culpados imediatamente, caso os surpreendesse. Também a
lei dos francos, escrita posteriormente, ratificou o costume de condenação à morte: não só o
marido com também sua família e a família da adúltera consideravam que tal ato constituía uma
verdadeira mancha sobre toda a linhagem e devia acarretar a morte da culpada.
É do século I o corpo dessa moça (Jovem de Winbeby), Alemanha Ocidental. Aos catorze anos de
idade foi afogada com os olhos vendados, um garrote ao redor do pescoço, provavelmente como
punição por adultério (Schleswig, Schleweig-Holsteinisches Landesmuseum).
Além de estrangulada, a mulher podia ser queimada viva ou submetida ao ordálio da água para
se inocentar. Com uma pedra amarrada no pescoço ela era lançada ao rio, se flutuasse, o que era
bastante improvável, era inocentada.
Os estrupadores e raptores eram punidos, mas os adúlteros não. Nos dois primeiros casos, o
criminoso afetava diretamente os poderes dos chefes da parentela, enquanto no segundo não
causa nenhum dano a sua própria parentela e os filhos que gerou na mulher adúltera pertencem
ao marido. Ele não se macula com a própria copulação. A mulher, por sua vez, é culpada de crime
pois prejudica o futuro. Contrariamente à do homem, sua vida privada é totalmente pública, por
causa das conseqüências que pode provocar.
Casos em que a família da mulher ia em sua defesa acarretava briga entre famílias, com morte
de ambos os lados. Os germânicos viviam de forma rústica e davam pouco valor à vida, umas
das razões pelas quais eram conhecidos como bárbaros. Além da composição, a vingança
privada era comum e os crimes de furto normalmente eram punidos com a morte.
O crânio ao lado também é do século I e foi encontrado no pântano de Osterby (Cabeça de
homem das turfeiras). Trata-se de um homem de cerca de cinqüenta anos que foi decapitado,
como prova a vértebra cervical subsistente. Tinha cabelos loiros habilmente presos no lado
direito, como os suevos. Após a decaptação, a cabeça teria sido lançada no pântano.

Fontes: - História da Idade Média, Textos e testemunhas, Maria Guadalupe Sanches, UNESP, 1999.
- "A Civilização Atlântica - História da Civilização", Max Savelle, Villa Rica, vol. 02, 1990.
- "História da Vida Privada", Philippe Ariès e al, Comp. Das Letras, vol. 1, 1985.
- "Criminologia", Álvaro Mayrink, Vol. 01, Forense, 3ª Ed, 1982.

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