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Os Templos

por Solange Lemaitre em O Hinduísmo (1958), Editora Flamboyant, São Paulo.

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Não existe propriamente Igreja constituída, hierarquizada, no Sanátana Dharma. Mas os


sacerdotes serventuários são afetados aos templos, servidos por numeroso pessoal. Se bem
que não hajam reuniões nos santuários em dias e horas fixos, é aí, entretanto, que se
desenrolam a maior parte das cerimônias religiosas. Os santuários têm um lugar
considerável na vida dos hindus.

Esses edifícios são às vêzes tão vastos que podem abrigar numerosos peregrinos e
viajantes, e comportam várias outras construções em seu recinto. Na Índia cada um é livre
para construir um templo. Não é necessária nenhuma autorização. Mas é preciso obedecer
a certas condições na escolha da orientação, do lugar, das dimensões, das portas, etc.

Os hindus possuem santuários onde se podem adorar diferentes deuses, e outros "vazios"
onde cada um pode orar ao "seu ichta". Encontram-se também altares fora dos templos,
nos caminhos, nas árvores e nas encruzilhadas. E neles são piedosamente colocadas as
estátuas da divindade para que o passante possa implorá-Ia.

O Culto

As formas essenciais do culto são a prece e o sacrifício. Mas o ritual dos cultos ou pujás,
celebrados nos templos, varia segundo os deuses. Podem ser feitos também mentalmente
(manasapujá); sua eficácia é a mesma. O culto interior (antaryaga) é o ato do crente que
busca a sua identidade com a divindade. Todos os rituais hindus compreendem a leitura
dos Livros Santos e as oferendas às imagens.

A Prece

A prece tem suas leis e suas exigências. Ela acompanha o ato religioso, o sacrificio ou a
oferenda. A prece ou mantra é uma "fórmula sagrada" que traz em si o poder da palavra.
"A prece é uma reunião de sílabas utílizadas para fins precisos, mas ela só se torna eficaz
quando pronunciada com a observância rigorosa do teor, do ritmo e do acento, e além
disso precedida da concentração mental requerida" (Idem).
Segundo os hindus, todo o ser possui em seu inconsciente certa palavra secreta, uma
palavra-mestra que lhe é própria e que lhe é revelada por seu guru. Essa palavra - raiz do
mantra junto a uma fórmula mística - constitui o seu mantra. A repetição piedosa do
mantra se chama "japa".

Pode-se, com essa repetição, despertar poderes extraordinários. No plano físico o mantra
pode provocar certos fenômenos, e pode também conduzir à "libertação". No plano
espiritual, o efeito é mais elevado, mais sutil. São necessárias certas condições para a boa
recitação dos mantras. É preciso que se tenha banhado, que as vestes e os cabelos estejam
limpos, o estômago leve; é preciso um ambiente tranqüilo, a fumaça do incenso, a posição
do lótus (padma- sana). Sem essa preparação os resultados seriam nulos. Os grandes
Bhaktas não cessam de repetir o seu mantra ao longo do dia, mesmo quando viajam,
andam ou assistem às festas religiosas, porque eles vivem em contacto perpétuo com o
Divino. Sri Ramakrichna costumava dizer que o nome de Deus se identifica ao próprio
Deus, de sorte que quanto mais se repetir o seu Nome, tanto mais depressa e melhor se
realizará a sua presença. O fiel repete os seus mantras de cento e oito a cem mil vêzes no
comêço, segundo as instruções de seu guru. Há três modos de praticar o japa: articulando-
o (em voz alta ou baixa); mentalmente, mas com ligeira contração física da garganta, e
finalmente, numa espécie de oração mental (sem nenhum reflexo físico) que permite a
concentração total [U. Chatterji, op. cit. 70].

Os mantras são sagrados e formam um dos maiores segredos da vida de cada um após a
iniciação. Eles têm um sentido esotérico e abrem ao inicado todo um campo de
significações espirituais. São um veículo do pensamento humano no plano espiritual e
criam em tôrno do recitante um ambiente particular. O som tem talvez tanta importância
como a luz para dissolver a obscuridade e suscitar fôrças positivas. Os mantras são
indispensáveis ao ritual e a tôda a disciplina religiosa.

O som "AUM" é o mantra original, é a palavra sagrada formada de três letras: AUM. Ele
exprime a Trimurti, ou Trindade hindu: Brama, o criador; Vichnu, o protetor; e Xiva, o
destruidor. Na realidade, os três são UM só.

O Sacrifício
O sacrifício é o ato religioso por excelência. Ele é um teste. munho de adoração sob a forma
de uma oferenda à Divindade, de uma "oblação". A verdadeira natureza do sacrifício
védico é antes de tudo uma "consagração de si-mesmo", a “transposição do profano para o
sagrado, que modifica a pessoa moral que serve de assunto à cerimônia, eventualmente
um objeto: flôres, frutos, arroz, etc”.

Todo o ritual védico repousava sôbre a instituição do fogo. O fogo serve de intermediário
entre o oficiante e a Divindade. O fogo artificial, agente de purificação antes de se tornar o
veículo da oferenda, é uma função dominante do culto. Havia uma distinção entre o
sacrifício de um só fogo (o mais antigo) para as cerimônias particulares do lar, exercidas
pelo chefe da família, e o sacrifício de três fogos para o culto solene, e sobretudo para o
sacrifício do soma (culto cada vez menos espalhado). O hotre é o "ministro" da oblação, o
recitante por excelência, aquele a quem incumbe dizer as estâncias do Rig- Veda, seja em
chastra, seja em versos ou em fórmulas sôltas.

Os Ritos Solenes

Na base do culto védico colocava-se o sacrifício do soma, sacrifício fundamental do "seu


Anjo" à Luz. Um ritual importante, minucioso, descreve com precisão as operações que
devem presidir à sua preparação. Primeiramente, a aquisição da planta, o transporte e a
medida da mesma, a busca de água para engrossar-lhe as hastes, e a espremedura; em
seguida coa-se-lhe o suco, e este e misturado com água e leite, às vêzes com mel. Essa
cerimônia é realizada uma vez por ano, dura cinco dias e termina pela oferenda do soma
aos deuses, pois essa bebida é considerada como um néctar purificador que dá a
imortalidade.

O sacrificante, se fôr brâmane, tem parte nas iguarias oferecidas, e os oficiantes repartem
os restos numa ordem determinada. O alcance do sacrificio é mais profundo do que julga
o profano. A fórmula sacrifical comporta uma absorção de fôrça, uma verdadeira
transubstanciação; muito mais, portanto, que uma simples comunhão.

A Oferenda

Nos sacrifícios em geral, as oferendas são parcialmente lançadas ao fogo e parcialmente


consumidas pelos oficiantes, que participam assim da vida dos deuses "o alimento é
divino", lembram a cada passo os Bramanas.
Deve-se oferecer aos deuses aquilo que se ama. Os produtos da cultura, o leite, a manteiga
derretida (ou ghita), a cevada, o arroz (em tortas), são elementos de oferendas descritos
pelo ritual, como também o incenso e as grinaldas de flôres que simbolizam os benefícios
desejados pelo doador àquele que ele quer honrar. Cada deus recebe as flôres que lhe são
especialmente consagradas: Vichnu, o jasmin branco; Xiva, as corolas azuis, e Káli, os
hibiscos vermelhos.

As oferendas podiam ser feitas em camadas, por terra, no ar ou na água.

A ”consagração" ou Diksa precede o sacrifício do Soma. O agnyadeva ou "lnstauração do


Fogo" é o prelúdio de tôdas as manifestações solenes do culto. O Agnihotra "oblação do
fogo" é um dos mais importantes entre os ritos solenes. Todo o chefe de família brâmane
ou vaixiá deve oferecê-lo pela tarde e pela manhã, antes ou depois do amanhecer e da
aparição da primeira estrêla. O darchapurnamasa ou sacrifício da "lua cheia e da lua
nova", dura um dia.

O Açuamedha "sacrifício do cavalo", um dos mais importantes ritos védicos, representava


a mais alta manifestação da autoridade real. É um sacrifício sômico que engloba uma série
de sacrifícios importantes.

Práticas Expiatórias

À margem do ritual, existe na religião hindu práticas expiatórias, constituídas em códigos


pelos fins da época védica. São oblações normais ou especiais, por vêzes abluções,
recitações ou oferendas destinadas a evitarem as conseqüências de uma falta, de uma
mancha. A prática expiatória pode realizar-se numa doação, numa fundação religiosa, ou
sob a forma de uma obra pia que acompanha o castigo legal do ato repreensível.

As faltas podem ser involuntárias, veniais ou graves; podem ser de ordem religiosa e
comportar às vêzes a queda da casta. A noção de impureza está às mais das vêzes na base
dessas "faltas", julgadas por um punidor que preside uma côrte de justiça em miniatura
(Renou).

Os Ritos Privados
Estes ritos obedecem aos ensinamentos dos Sutras ou Aforismos domésticos. O rito
cotidiano da sandhya é o da "junção" do dia e da noite, que substitui o antigo rito do
Agnihotra. Ele consiste numa ablução interna, seguida de uma aspersão sôbre a cabeça;
depois vem a recitação da gayarti, do mantra tirado do Rig-Veda, e de uma homenagem
de adoração quando o sol aparece no horizonte; segue-se nova ablução com a recitação da
gayarti, e após o pranayama a pronunciação de novas fórmulas ou preces, e as oferendas.
Esses ritos são realizados também ao meio-dia e à tarde. Os cinco grandes sacrifícios
(maha-yajna) cotidianos, são:

1) o vaichvadeva, oferecido a "todos os deuses": oblação ao fogo (homa), feita antes da


refeição do meio-dia, consistindo em partes separadas dos alimentos;

2) o bali, oblação no ar, dedicada aos "sêres";

3) o pitriyajna ou tarpana, libação de água misturada com sésamo, oferecida aos manes;

4) o alithi, rito da hospitalidade aos visitantes, especialmente aos ascetas;

5) o bramayajna, recitação de uma passagem do Veda.

Ao lado dêsses ritos coloca-se o culto às cinco divindades protetoras (pancayatana):


Vichnu, Xiva, Súrya, Párvati e Ganecha, simbolizadas por estatuetas que recebem
oferendas cotidianas na casa. Existem também ritos agrícolas, corporativos, ritos para o
momento da semeadura e da colheita. O lar doméstico é um centro de vida religiosa
entretida fielmente desde a cerimônia do casamento.

Os Sanskaras

Existem doze sacramentos principais. Em primeiro lugar, o nascimento. "Por um filho, diz
Manu, conquistam-se mundos; pelo filho do filho, adquire-se a imortalidade; pelo neto do
filho, ganha-se o mundo do sol". O nascimento é a ocasião de uma cerimônia que consiste
primeiro na introdução de uma bolinha de mel e de manteiga clarificada na bôca do
recém-nascido, com o auxílio de uma colher de ouro, e na "dedicação da criança a
Chachtni", deusa protetora. A "Imposição do nome" realiza-se no décimo dia.

Mais importante é a "Iniciação" que consagra a entrada da criança na comunidade


bramânica e lhe confere o título de "dvija", duas vêzes nascido. Essa cerimônia realiza-se
entre oito e doze anos, segundo as castas, e consiste no uso do cordão sagrado feito de três
fios de algodão branco, atados. O pai escolhe um guru e os estudos da criança começam.
Esse sacramento, importantíssimo, chama-se Upanayana, e o rito do nascimento
latacarma, consistindo êste último na ação de acender um fogo especial, do qual se deixa
espalhar a fumaça. Do nascimento à morte, as diferentes etapas da vida do hindu são
marcadas por cerimônias rituais.

O Matrimônio

Uma série de operações rituais figuram também nos textos da (revelação) çruti
concernente ao matrimônio. O exame das constelações permite fixar a data da cerimônia;
em seguida, após as oblações, vem o episódio dos "sete passos", que consagra o caráter
irrevogável do casamento. Ele consiste em que a noiva suba a uma pedra, dê uma volta ao
redor do fogo e dê em seguida sete passos, tendo o noivo pela mão. Durante a maior parte
da cerimônia as fórmulas sao tiradas do grande hino de Surya.

Os Funerais

A incineração é o modo habitual dos funerais na Índia. É descrito pelos Textos. O cortejo
fúnebre, precedido dos fogos, é acompanhado pelos parentes, sendo o defunto
transportado nos braços ou num carro até o local da cremação. As fórmulas religiosas
conjuram ao que abandonou o corpo a se unir aos manas e a Yama. Libertado o corpo de
todo o demônio, colocam-no numa pira entre três fogos e executam-se preces e oferendas
enquanto o fogo o consome.

Após a cerimônia, seguem-se ritos purificatórios pela família. O Shraddha completa os


ritos fúnebres. Trata-se de transformar o preta (o morto) num pitre ou pai, isto é, num
ancestral forte e amigo. Esse rito consiste em bolinhas de arroz, ou Pindas, que se colocam
no solo, com água, na intenção do morto, diante de três brâmanes que representam os
ancestrais.

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