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ALUNA: ANA CAROLINA LIMA CORRÊA

MATRÍCULA: 180157817
DISCIPLINA: TÓPICOS DE METAFÍSICA, VIDA E CONHECIMENTO

ATRÁS DAS JANELAS:


UMA LEITURA COM AUXÍLIO DA SEMIÓTICA PEIRCEANA

ANA CAROLINA LIMA CORRÊA


ATRÁS DAS JANELAS: UMA LEITURA COM AUXÍLIO DA SEMIÓTICA
PEIRCEANA
Ana Carolina Lima Corrêa

O presente artigo visa realizar a análise do trabalho ​Atrás das janelas (​ 2011), da
artista brasileira Regina Parra, em termos do seu "potencial comunicativo"
(SANTAELLA, 20, p.69) e dos seus elementos constituintes.
A análise será uma leitura de imagem aliada aos estudos da semiótica
peirceana, a partir da abordagem de Lúcia Santaella em seu livro ​Semiótica Aplicada
(2002). ​Santaella (2012, p. 12) comentando sobre leitura de imagem, destaca a
expressão em inglês ​visual literacy​, que pode ser traduzida por letramento visual. Seu
ponto de vista é que a imagem deve ser compreendida parte a parte para que possa
ser adequadamente decodificada. Autora também destaca que se faz preciso: "[...]
saber como as imagens e apresentam, como indicam o que querem indicar, qual é o
seu contexto de referência, como as imagens significam, como elas pensam, quais
seus modos específicos de representar a realidade"(SANTAELLA, 2012, p. 13).
Em suas recomendações percebe-se de maneira bem evidente a semiótica
sendo aplicado enquanto metodologia de leitura de imagem ainda que, evidentemente,
a autora não cite os conceitos desenvolvidos por Peirce no trecho do livro Leitura de
Imagens (2012).
Em termos de metodologias de análise e leitura de imagem em Artes Visuais,
comumente são contemplados três âmbitos. O âmbito da análise formal, o da
contextualização e a análise subjetiva. A ​análise formal diz respeito à: análise dos
elementos da linguagem visual da obra de arte/imagem (cores, formas, linhas, texturas,
representação do espaço, do tempo, do movimento, tratamento da luz) . A
contextualização compreende a análise do contexto de produção da obra de arte (título
da obra, autor, biografia, período histórico e movimento artístico etc.) A análise
subjetiva consiste na interpretação dos sentidos da obra, observando relações
simbólicas e buscando ser coerente com as informações objetivas disponíveis sobre a
obra.

Desejos adormecidos nas grandes cidades

Uma das principais características das obras de Parra é a utilização de letreiros


em neon. A artista possui trabalhos em grandes cidades brasileiras, como: “Chance”
(2105-2017) em neon vermelho instalado no meio de uma floresta no Rio de Janeiro e
“É preciso continuar”(2018), que consiste em um grande letreiro em neon instalado no
centro do Largo da Batata, em São Paulo.
A artista, desde 2005, vem elaborando pinturas, vídeos, performances e
instalações que examinam a opressão, a insubordinação e a resistência de grupos
contra-hegemônicos (imigrantes, negros e mulheres) inseridos na sociedade.

Regina Parra – ​Atrás da janela​ (2011). Luminoso em neon. Dimensões: 75 x 450 cm.
Disponível em: <​http://www.reginaparra.com.br/atras-das-janelas​>

A frase “Os desejos adormecem atrás das janelas” é escrita em letras


maiúsculas com um letreiro néon, sobreposto à paisagem de céu e prédios de São
Paulo, ​instalado no topo de um edifício na Avenida Ipiranga.
O luminoso reproduz uma um frase do poema "O jardim adormecido", do poeta
palestino Mahmud Darwich. Um trecho do poema é reproduzido a seguir:

“Nem adeus nem árvore.


Os desejos adormeceram atrás das janelas,
as histórias de amor e as traições
adormeceram atrás das janelas,
e os agentes de segurança também.
Rita dorme... dorme e desperta os seus sonhos.”
(trecho do poema ​O Jardim Adormecido​, de Mahmud Darwich).

O trecho do qual foi retirada a frase nos deixa entrever quais os possíveis
sentidos para os quais essa obra aponta. É importante destacar que elementos como o
contexto, o local, a frase etc, precisam ser estudados para a compreensão desse tipo
de obra contemporânea.
Faz-se importante destacar a citação de Santaella (2011, p.88), no que tange à
análise de uma pintura de Henri Matisse:

O que importa, no entanto, discernir é o modo como esta pintura


particularmente representa o que professa representar e, em função
disso, quais efeitos está habilitada a produzir em possíveis intérpretes.
(SANTAELLA, 2011, p. 88).

Segundo a autora, para realizar essa análise, deve-se compreender o processo


de representação e os elementos, que, articulados, produzem efeitos nos intérpretes,
compreendendo também de que maneira os sentidos são articulados na engenharia
poética da obra.
No caso de uma fotografia, Santaella pontua que "Quando olhamos para uma
fotografia, lá se apresenta uma imagem. Essa imagem é o signo e o objeto dinâmico é
aquilo que a foto capturou no ato da tomada a que a imagem na foto corresponde."
(2011, p.15). A fotografia, indiscutivelmente, guarda semelhança com o que representa,
inclusive possuindo uma relação de física óptica com o que é fotografado.
Em termos da subdivisão peirceana dos signos – imagem, diagrama e metáfora
– a fotografia seria uma imagem, pois essa guarda uma relação de similaridade com o
que representa (SANTAELLA, 2011, p. 18).
A obra de arte analisada é uma reprodução de uma fotografia, que não
conserva as dimensões "originais". Como pontua Santaella, "Esse aspecto é muito
importante para quem estuda arte, porque um sin-signo quadro apresenta quali-signos
que são diferentes dos quali-signos de um sin-signo reprodução." (SANTAELLA, ANO,
p. 89).
Sob o ponto de vista qualitativo-icônico, destaca-se na reprodução da fotografia
um fundo azul, cinza e preto do centro de São Paulo em alto contraste com dizeres em
vermelho neon. Pequenas janelas também compõem a paisagem, gerando uma
aproximação visual e de sentido com o letreiro.
O letreiro está na metade inferior da fotografia, escrita em um luminoso em neon
laranja. A parte abaixo das letras é iluminada pelo laranja da luz. O contraste do fundo
com o letreiro evidencia ainda mais o sentido de cada palavra, destacando, ao mesmo
tempo, seu aspecto visual. O tipo gráfico utilizado é homogêneo, sendo utilizadas letras
maiúsculas, em fonte sem serifas.
Os letreiros são comumente utilizados pela publicidade, o que torna seu uso no
presente trabalho algo incomum. A frase exposta por Parra difere bastante dos tipos de
frase geralmente exibidas em letreiros e outdoors, tendo sido retirada de uma poesia,
da qual a artista se apropria.
A contraposição entre adormecer e estar desperto suscitada pela imagem é
evidente, a frase é olhada pelas janelas e constitui o "fora". As janelas, por sua vez,
conectam-se com o letreiro, mas sugerindo diferença, tornando-se pontos, fagulhas
adormecidas. Há uma separação entre o "fora" e o "dentro", reelaborada na imagem
que a artista tece, na qual trabalha a ideia de "fora".

No nível do interpretante dinâmico, na sua subdivisão do interpretante


lógico, as regras interpretativas, os hábitos associativos que o intérprete
acionará dependem do repertório do intérprete, ou melhor, dependem da
experiência colateral que esse intérprete já teve com o campo contextual
do signo, dependem dos conhecimentos históricos e culturais que já
internalizou. (SANTAELLA, p.95)

A autora ressalta que as camadas de sentidos relacionadas ao interpretante


dinâmico estão necessariamente ligadas ao conhecimento e à experiência de
determinados intérpretes que dizem respeito ao âmbito cultural e social. Portanto, a
interpretação mais rica será aquela feita a partir de experiências relacionadas ao
mencionado "campo contextual" (SANTAELLA, p.95) do signo.
No caso dessa obra, o fato de ela ter sido composta a partir da apropriação do
trecho de um poema nos traz um caráter forte de intertextualidade. A frase apropriada
traz uma contraposição entre uma linguagem poética e um tipo de linguagem adequada
à publicidade, que é bastante direta e objetiva.
O letreiro está ali sendo observado pelas pessoas na janela de apartamento ou
por aquelas que olham para o alto no meio da cidade. O letreiro brilha à noite em cor
incandescente, sendo uma urgência.
O título da obra, "Atrás das janelas", por sua vez, já dirige o intérprete para um
importante significado: ela/ele é o alvo. A obra convida para o exame de uma vida não
realizada em seu potencial, cujos desejos estão adormecidos. A frase então é inscrita
em um letreiro laranja, primeiro como lembrete e quase uma denúncia.
O laranja da frase é vívido, como que preenchido da real potencialidade de
realização. Ainda é possível?
Os desejos adormeceram atrás da janela e o que fazemos nós? Acordar e
adormecer. O neon que queima é aquele visto pelos insones, à noite.
O local no qual o letreiro foi instalado é o Centro na Avenida Ipiranga, o que
adiciona uma outra camada de sentido à essa obra. O centro de grande cidade é o
local onde a vida segue em um corre-corre interminável, o curso da vida segue adiante,
atropelando os desejos na urgência.

Nesse nível do interpretante lógico, essa pintura foi feita para ser vista
por quem conhece arte, particularmente a história da arte moderna. Sem
isso, o observador poderá ficar apenas no nível do interpretante
emocional, exatamente como acontece na música. (SANTAELLA, p.95)
A autora salienta o fato de que, para uma compreensão mais profunda a nível de
interpretante lógico, são necessários conhecimentos acerca de arte. No caso da
presente obra, são essenciais os conhecimentos acerca da arte contemporânea. Caso
o intérprete não possua esses conhecimentos, o risco é que a análise reduza-se ao
nível de interpretante emocional, não conseguindo debruçar-se com profundidade para
a realização de uma leitura satisfatória daquele signo ou complexo sígnico.
Para finalizar, é importante ressaltar que, fazendo uso os conceitos da semiótica
peirceana e analisando os elementos da obra de arte é possível abarcar uma vasta
gama de significados da obra, percorrendo os sentidos explorados intencionalmente
pelos artistas.
A semiótica aplicada apresenta a possibilidade para os artistas, designers etc,
aprofundarem e refinarem – em termos de intencionalidade – os produtos ou obras arte
a serem criados.
Faz-se importante também o emprego da semiótica aplicada, tendo em vista o
fato da obra envolver uma frase escrita. Tal metodologia possibilita um auxílio no
estágio de análise dos elementos formais da obra de arte. No caso da referida obra, a
junção de palavra e imagem amplia enormemente as possibilidades, conectando os
sentidos suscitados tanto pelas palavras, quanto pelos elementos formais.
Referências Bibliográficas

SANTAELLA, Lucia. Leitura de imagens. São Paulo: Melhoramentos, 2012. (Coleção


Como eu ensino).
__________________. ​ emiótica Aplicada. Publicidade, vídeo, arte, literatura,
S
instituições. São Paulo: Thomson Learning, 2002.
SITE DA ARTISTA REGINA PARRA. ​Disponível em
<​http://www.reginaparra.com.br/atras-das-janelas​> Acesso em: 08 de jul. de 2019.
GALERIA MILLAN​. Disponível em:
<​http://www.galeriamillan.com.br/artistas/regina-parra/textos/paula-borghi Acesso em:
08 de jul. de 2019.

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