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1994
Resumo
Cézanne é considerado o tronco do qual nascem as grandes correntes da pintura no século XX. Mas essa
atual é tardia. Contemporâneos como Manet não aprovavam sua “pintura suja”. Com um temperamento
ciclotímico, duvidando do valor de seu próprio trabalho, Cézanne se distanciou de Paris (autoexilando-s
Provença natal), dos companheiros impressionistas (que se limitavam aos efeitos de variação de luz) e d
industrial da época (mudanças que reprovava com veemência). Segundo o filósofo Merleau-Ponty, para
emoção é possível, o sentimento de estranheza; e um único lirismo, o da existência incessantemente rec
que a pintura de Cézanne rompe com o universo da perspectiva renascentista e da representação ainda
Mesmo o abandono do ateliê pelo ar-livre, dos impressionistas, não satisfaz sua busca de uma nova post
diante do que é pintado. Nas suas naturezas-mortas e nas diversas vistas do Monte Santa Vitória, ele ata
problema da distância, dos volumes, da profundidade. A ação pictórica se reduz a uma bidimensionalid
o cubismo, e suas distorções (como em O grande pinheiro, do Museu de Arte de São Paulo) preparam o
O que lhe interessa é criar uma nova “natureza” e abrir aos nossos olhos o modo de produção pictórico.
resultado de uma dúvida cujo método não produz sistema, mas que emancipa a pintura e abre caminho
explorados depois.
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Acabo de receber A obra que você me enviou. Agradeço o autor dos Rougon-Macqu
testemunho de lembrança, e lhe peço a permissão de lhe apertar a mão sonhando c
Paul Cézanne[6]
Resta dessa vida anódina o gosto pela solidão propiciado pelo auto-exílio na sua Pr
angústia ciclotímica que o persegue todo o tempo. Esta ansiedade o faz se consider
até o único pintor de sua geração que tinha alguma coisa a dizer. Na carta a Monet
de 1895, deprimido escreve:
Tive que abandonar temporariamente o estudo que tinha começado na casa de Gef
livre à minha disposição, e estou um pouco confuso pelo pequeno resultado que ob
de tantas sessões, de entusiasmos e desencorajamentos sucessivos. Vejo-me de volta
talvez, eu nunca devesse ter me afastado para me lançar na busca quimérica da art
Em 9 de janeiro de 1903, dez dias antes de completar 64 anos, ainda escreve para s
Ambroise Vollard: “Realizei alguns progressos. Por que tão tarde e tão sofridamente
contrários compensam a depressão como numa carta a um jovem artista, amigo de
“Desprezo todos os pintores vivos, salvo Monet e Renoir, e quero obter sucesso atra
mais representativa dessas menos frequentes manifestações de exagerada auto-estim
carta de 1906, de Pissarro a seu filho Lucien, relatando uma conversa que Francico
Cézanne: “Pissarro é uma velha besta, Monet um finório, não têm nada dentro de s
temperamento, só eu sei fazer um vermelho!![12]
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Num dos mais belos estudos de um filósofo sobre um artista, Merleau-Ponty na Dúv
melhor que ninguém, extraiu as consequências dessa trajetória, deslocando seu inte
idiossincráticos da psicologia e do anedotário biográfico para a exigência construtiv
obra são vistas como necessidades recíprocas, onde uma não se faria sem a outra. N
vacilações do artista são as trilhas incertas traçadas no caminhar que recusa as estra
conhece a priori. “O pintor retoma e converte justamente em objeto visível o que se
encerrado na vida separada de cada consciência: a vibração das aparências que é o
este pintor uma única emoção é possível: o sentimento de estranheza; um único liri
incessantemente recomeçada.”[13] Estamos no centro de uma fenomenologia que se
da linguagem e de seus jogos especulares, por vezes tão poéticos quanto narcisistas
que se aventura no mundo percebido, abrindo mão da morada segura e bem constr
na fundação da verdade, o universo sensível e, com isto, acrescentar à própria lingu
a mesma após essa experiência.[14]
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Para Merleau-Ponty, essa investigação é necessária pelo seu moto próprio, a busca
no mundo, do momento imediato que antecede seu surgimento que se confundiria
da verdade:
Vivemos em meio aos objetos construídos pelos homens, entre utensílios, casas, rua
parte do tempo só os vemos através das ações humanas de que podem ser os ponto
Habituamo-nos a pensar que tudo isto existe necessariamente e é inabalável. A pint
suspende estes hábitos e revela o fundo de natureza inumana sobre o qual se instal
que suas personagens são estranhas e como que vistas por um ser de outra espécie.
Mas se o artista, para tornar visível o que olhamos e não vemos, necessita dessa est
distância diante do mundo, aparentemente familiar, no qual estamos mergulhados,
produzindo uma dívida que se estende além daquela que o filósofo nos expõe? Essa
tão inteligentemente apoiada na fenomenologia da percepção, expondo e exigindo
como momento necessário da verdade, não esconde parte do alcance gnosiológico d
estaria quase que exclusivamente reiterando o instante inaugural do ser que perceb
percebido? Não se trataria de uma dúvida que ultrapassa essa experiência e vai hab
própria obra como momento produtivo de seu conhecimento através de um feixe de
Não seria a dúvida a própria forma necessária à sua obra, não apenas como manife
sensorial, mas como reposição ou, se quisermos, retorno da dúvida cética necessári
diante do triunfo racionalista? Dúvida necessária à ruptura com um universo que tr
tradição renascentista e de seu acasalamento entre a arte e a ciência positiva, ao pr
conduz a este lugar de Cézanne, distanciado de tudo e de todos para o surgimento
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Cézanne vive uma época de muitos conflitos e grandes comemorações aos quais é c
Luta-se dentro e fora das fronteiras, nos combates a leste, quando a França derrota
prussiana (1870-1) perde a Lorena e parte da Alsácia, culminando com a queda do
ainda deve enfrentar o levante popular que resulta no governo revolucionário da Co
também na França da segunda metade do século XIX. Antes de tudo, as conquistas
progresso. O século dos enciclopedistas — herdeiros do humanismo da Renascença
trás com a Revolução. Agora era a época dos especialistas. Com a Revolução Indust
multiplicavam-se e o progresso da ciência e da técnica dividia e subdividia campos
pouco unificados. Os melhores espíritos da época aderem ao progresso. Um filósofo
insuspeito quanto a qualquer resignação diante do mundo em construção pelos suc
este mesmo progresso das forças produtivas como conduzindo o desenvolvimento c
impasse e como um dos fatores que colaboravam para a transformação numa socied
Os artistas se servem de maneiras diferentes destas conquistas. Os impressionistas s
teorias das cores, elaboradas, seja pela pesquisa acadêmica de um Helmholtz, seja p
sua aplicação na indústria, como as de Rood ou Chevreul. A pressão do novo cenári
paroxismo de um Seurat e seus seguidores neo-impres-sionistas proporem a subord
a métodos objetivos de construção, análise e síntese cromáticas.[19]
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Essa agitação se encontra no mundo, nas ruas, nas grandes exposições internaciona
comércio, às quais os artistas são chamados a participar com salas especiais. Na gra
comemorativa do centenário da Revolução, a torre Eiffel marca de forma emblemát
paisagem urbana parisiense reformada por Haussmann com o elogio do progresso.
ao novo não é projetado por um arquiteto — estavam todos seduzidos pelos efeitos
ecletismo acadêmico —, é obra de engenheiro. Esta agitação no mundo e no espírit
Ele não vê com simpatia as mudanças e as reprova com veemência, a exemplo do tr
cartas de 1902: “Eu me lembro perfeitamente do Establon e das margens, antes tão
Estaque. Infelizmente, o que se chama o progresso não passa da invasão dos bípede
até que não tenham transformado tudo em odiosos cais com bicos de gás e — o que
iluminação elétrica. Em que tempo vivemos!”.[20] 0 século dos engenheiros decidid
sobretudo quando perturba um de seus “motivos” preferidos, como relata Joachim
conversas: “Este velho caminho é uma via romana. Essas estradas dos romanos estã
admiravelmente situadas. Siga uma delas. Eles tinham um senso da paisagem; de to
cria um quadro. Nossos engenheiros pouco se incomodam com a paisagem”.[21]
Já estamos diante de três distâncias que Cézanne toma em relação ao meio em que
distância de Paris, centro da maior produção cultural do Ocidente no século XIX, tr
pela Provença. A distância dos companheiros impressionistas demonstrada, ainda q
em diversas das suas opiniões, mas acima de tudo pela sua própria pintura. Finalme
progresso tal como ele se expressa no processo de urbanização da sociedade indust
esses ingredientes, prontos para traçarem a existência de um artista reacionário, co
psicológico do responsável pelos fundamentos da mais profunda transformação da
a Renascença.
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pictórico do Ocidente, a partir da Renascença até, pelo menos, Turner. O que é form
resistência desse conjunto de regras que contraria os sentidos e como, apesar das va
chega praticamente intacto ao século XIX, até os impressionistas e Cézanne. Sem a
ascendente mundo da ciência e da técnica, não teríamos como explicar o prestígio d
arbitrárias. O Iluminis-mo consolida esta nova ordem:
Nos confrontos da ciência, que se torna atividade-piloto, a arte tem três possibilidad
seguindo e levando às últimas consequências as próprias técnicas tradicionais; 2) a
métodos de pesquisa de tipo científico; 3) basear-se ela mesma, como ciência autôn
belo, estética (um conceito e um termo que começam a existir justamente no século
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Figura 1 – Natureza morta com cestas de maças (1890-4). Instituto de Arte de Chicago
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A cesta está calçada por um livro de modo que, inclinada, ofereça um melhor ponto
amarfanhada, na sua desarrumação acrescenta riqueza plástica através de suas dob
branco as oposições cromáticas entre as frutas e a superfície da mesa. Quanto à luz
de Manet abandonada pelos impressionistas, emana do quadro, das coisas, dos próp
de suas cores, segundo exigências da estrutura interna da própria pintura, o que po
disposição arbitrária das sombras e até mesmo pela sua ausência em alguns volume
tão pequeno espaço. O tampo, a superfície da mesa, é descontínuo, aproveitando-se
interceptado pela toalha; à esquerda é uma massa de tons terra informe delimitado
que calça a cesta e, embaixo, por uma reta, enquanto à direita da toalha, já ilumina
outra fonte, tem marcados seus ângulos embaixo. Tampouco encontramos qualquer
em reproduzir uma continuidade entre a linha superior à esquerda e à direita da su
esta desordem é extremamente equilibrada no todo. Estamos diante de uma grande
invenção da perspectiva artificialis da Renascença. Não apenas a luz, mas todo o sist
as cores, a disposição dos objetos, tudo, obedece a exigências internas da estrutura
pintura deve habitar a própria pintura, e é a esta realidade que ela deve verossimilh
externa, anterior à percepção e, sobretudo, anterior ao trabalho do pintor. A Nature
laranjas (1895-1900) é ainda mais radical, há uma luxúria nas cores, sem nenhuma
forte e denso acentuado pelos contornos bem delimitados.
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Apesar da existência desta obra e de tudo o que ela continua a nos mostrar, ainda i
teorias espontâneas do artista como base para a reflexão sobre seu pensamento e tr
estas um estatuto exagerado. Na verdade, o que ele diz ou escreve está muito distan
o que ele faz, o que qualquer artista pinta, é seu pensamento visual objetivado no q
imitação é necessária, e mesmo uma pequena trapaça para o olho. Não há mal nisso
Como pode-se dar crédito às suas declarações sobre a imitação, se esta é apenas “al
quando sabemos que a representação mimética era a base do ensino acadêmico, o “
artista ao qual deveria ser acrescentado o “estilo”. É ao mesmo Émile Bernard que C
trecho conhecido e amplamente interpretado de suas conversas, seu desprezo por e
confessa quais .as “figuras” que tomava como modelo:
O estudo da arte é muito longo e muito mal conduzido. Hoje, o pintor deve descobr
só existem escolas muito ruins, onde ele se torna falso, onde ele não aprende nada.
início, estudar as figuras geométricas: o cone, o cubo, o cilindro, a esfera. Quando s
essas coisas nas suas formas e nos seus planos, saber-se-ia pintar.[29]
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[…] trate a natureza pelo cilindro, a esfera, o cone, o todo posto em perspectiva, de
de um objeto, de um plano, se dirija para um ponto central. As linhas paralelas ao h
extensão, seja uma seção da natureza ou, se você gostar mais, do Espetáculo que o
Aeterne Deus expõe diante de nossos olhos. As linhas perpendiculares a este horizon
profundidade. Ora a natureza, para nós, homens, está mais em profundidade que e
necessidade de introduzir em nossas vibrações de luz representadas pelos vermelho
uma soma suficiente de azulados, para fazer sentir o ar.[33]
Toda esta passagem, desde “trate a natureza” até “dão a profundidade” provocou in
comentários […] Agora, é geralmente admitido que ele remete, na sua primeira fra
de fuga nos procedimentos acadêmicos da perspectiva e às regras do ensino acadêm
dos volumes através do estudo de sólidos simples […] A reflexão sobre a perspectiv
entretanto, pois pode-se pensar que as segunda e terceira frases remetem à trama d
(perspectiva) formada pelas linhas horizontais e ortogonais que se encontra frequen
esquemas dos manuais de perspectiva. Não existe objeção real a interpretar as “linh
como ortogonais, pois no espaço “absoluto”, as ortogonais são perpendiculares à lin
o professor Reff propôs uma outra significação, muito engenhosa.[34] Entretanto, e
sobre o assunto se encontram, hoje, de acordo, o ponto mais importante da passage
sobre os volumes dos sólidos, e sobre o interesse de Cézanne pela profundidade.[35
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Figura 3 – Natureza-morta com cupido de gesso (1895). Londres, Courtauld Institute Gallerie
Num dos seus Monte Santa Vitória (c.1904-6) a natureza, reinventada como antítes
um conhecimento pictórico “absolutamente moderno”, como gostaria Rimbaud. Gow
organização desses seus últimos trabalhos:
Para Cézanne a realidade intrínseca da pintura era não só o sentido da cor inato e c
natureza, residia na lógica, na organização e na classificação às quais o sentido da c
A sexta “opinião”[38] a respeito da interpretação nas manchas de cor torna claro qu
consistia na ordem em que as manchas “seguem uma à outra”, conforme à “lei da h
cada sequência de cores que interpreta a redondez de um volume nos últimos traba
quase invariavelmente seguem uma à outra na ordem do espectro e consistem em m
bastante frequentemente ao longo desta. Pode ser que a “lei da harmonia”, como C
considerou, fosse simplesmente a sequência do espectro, e o posicionamento aprox
equidistante das notas numa dada clave formasse sua escala. Ele falava disto como
visual inata.[39]
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Figura 4 – Monte Santa Vitória (c. 1904-6). Filadélfia, col. sra. Carrol S. Tyson
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Interessa reter a existência de uma ordem que estrutura, uma lógica, uma –sintaxe
ser fundada somente nos aspectos puramente sensoriais, nas sensações, mas que ex
uma arquitetura capaz de, rompendo com a tradição da perspectiva, não ceder excl
do fenômeno à experiência perceptiva. Essa dialética entre Ideia e fenômeno visual
constituída pelos feixes de distanciamentos que se objetivam, através do trabalho, n
momentos do processo, muitos redutíveis a epifenômenos da produção artística. No
estamos diante de dois grandes espetáculos absolutamente novos que têm o poder
próximos, quando na verdade estão sendo conduzidos pelo trabalho, pela prática p
sistematicamente organizada, da inexistência na origem para a plenitude da presen
espetáculo é a nova “natureza” liberada por Cézanne como imagem generosa e com
modelo, mas, claramente, outra. O segundo é abrir aos nossos olhos o modo de pro
evidenciar os procedimentos e a trama que organiza e estrutura o todo, tornar evid
gesto da pincelada, na escolha do léxico cromático e formal, e exibir as três diferen
que se harmonizam, para oferecer o ato de realização da obra como espetáculo per
seu modelo externo — a montanha — quem se transforma em motivo é o próprio p
pictórico. Livre dos macetes da mimesis acadêmica ou de preocupações metalinguís
“natureza” se apresenta enquanto linguagem visualmente articulada em primeiro g
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Figura 5 – O grande pinheiro (1892-6). São Paulo, Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubri
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reter é o fato de essa realização, que joga a favor do mundo disperso e dividido com
acontecer através de um método que não produz um sistema. O momento cético, n
recusa de dogmas, impede o trabalho de gerar regras e critérios generalizáveis. Se C
método construído com rigor sistemático ao longo de décadas, seguramente não cri
viria a surgir a partir da estilização de suas descobertas. Existe “a dúvida de Cézann
perturbado pelas suas angústias e que o move para o trabalho no seu dia-a-dia, e pa
depois de Cézanne, a dúvida cética restaurada e embutida como momento da form
mortas, das suas paisagens, das figuras humanas de sua última fase, para que não s
nenhum saber acessório e externo à própria pintura. Dúvida que se instala na ruptu
continente da arte do século XX.
Notas
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1. Giulio Carlo Argan; L’arte moderna — 1770-1970, Florença, Sansoni, 2 ed., 197
tradução em português publicada pela Companhia das Letras, São Paulo. ↑
2. Clement Greenberg, Cézanne, em Art and culture — Critical essays, Boston, Bea
O texto sobre Cézanne foi originalmente publicado em 1951. ↑
3. E. H. Gombrich, A história da arte, trad. Álvaro Cabral da 13 edição publicada e
Janeiro, Zahar, 1981, p. 433. ↑
4. John Rewald, The history of impressionism, 4 ed. rev., Nova York, Morna, 1973,
Manet, Degas e Bazille representavam o mesmo tipo de burgueses ricos e cultos
companheiros vinha de camadas sociais mais baixas. Cézanne, apesar da fortun
pai — um ex-fabricante de chapéus — e a despeito de seus estudos de direito, g
maneiras rudes ou exagerar seu sotaque sulista em desafio ao estilo polido dos
não lhe bastasse mostrar seu desacato à arte oficial somente em seus trabalhos,
inteiro tivesse que expressar o desafio, para sublinhar sua revolta. Voluntariam
aparência e parecia sentir prazer em chocar. Monet, mais tarde, se lembraria, p
Cézanne apertou as mãos de seus amigos mas tirou seu chapéu diante de Mane
estendo a mão, senhor Manet, porque não as lavo há oito dias’ “(M. Elder, A Gi
Monet, Paris, 1924, p. 48, cit. por Rewald) (Existe tradução em português edita
Fontes, São Paulo.) ↑
5. Emile Zola, L’oeuvre, pref. Yves Berger, comentários e notas Thérèse loos, Paris,
Française, Le Livre de Poche, 1985, p. 422: “Claude s’était pendu à la grande éc
oeuvre manquée. Ii avait simplement pris une des cordes qui tenaient le châssis
monté sur la plate-forme en attacher le bout à la traverse de chêne, clouée par
consolider les montants. Puis, de là-haut, ii avait sauté dans le vide. En chemise
avec sa langue noire et ses yeux sanglants sortis des orbites, il pendait là, grand
raideur immobile, la face tournée vers le tableau, tout près de la Femme au sex
mystique, comme s’il lui eut soufflé son âme à son dernier râle, et qu’il l’eat reg
prunelles fixes“. Não custa lembrar que a narrativa naturalista de Zola, seguram
urna estética pré-cezanniana, era contemporânea das experiências poéticas de M
trabalhos seriam traduzidos para o inglês, sintomaticamente, por Roger Fry, em
8. ↑
6. Paul Cézanne, Correspondance, recolhida, anotada e prefaciada por John Rewal
ampl., Paris, Bernard Grasset, 1978, p. 225. Existe tradução em português publ
Fontes, São Paulo. Sobre o impacto do romance de Zola em Cézan-ne, melhor é
conversa com Émile Bernard: “Era uma inteligência bastante medíocre e um am
a si mesmo; foi assim que A obra, onde ele pretendeu me pintar, não passa de u
deformação, uma mentira dedicada à sua própria glória”. Cf. P. Michael Doran
avec Cézanne, Paris, Macula, 1978, ID. 56. De qualquer modo, Zola, sua precoce
consequente prestígio, bem como sua adesão na maturidade à arte convenciona
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sustenta: a chamada antigraphice (uma arte que ‘está antes’), isto é, o desenho.
espera de disciplina cética e independente; a perspectiva natural (óptica) ou a p
artística, que fixasse a trajetória dos raios visuais e inscrevesse, dentro deste cir
variado, mas graciosamente secundário, das cores, no qual, uma vez suprimido
perceptivo (esta também será a opinião de Galileu), não resta nenhum princípi
fenômeno desaparece e não se pode examiná-lo independentemente da sua apa
revelando-se assim acessório e secundário. A oposição, que se tornou um fácil l
o desenho e a cor, entre a escola florentina e a veneziana, é na realidade substa
tanto quanto, no final do século XVI, o eram as observações dos astros, feitas at
colocavam dúvidas concretas sobre o caráter real ou puramente artificial e apar
desenho do século XV, através da ciência geométrica da perspectiva, colocava n
a conduta da sabedoria e da verdade, enquanto que o mundo das cores se comp
um acordo dos elementos, sedutor e aparente. Mas não eram todas as artes per
do artifício, a pintura não era a macaca (Brusatin usa em italiano scimmia, trad
naturae na acepção de um Cícero, “macaco(a)”, e não na de um Plauto, Imitaçã
(simia naturae) e as operações plásticas não são na realidade todas elas fantást
era, ainda, a dissidência subterrânea, felizmente não resolvida, junto com um p
histórica das “artes do desenho” .diante de uma produção descontínua da cor, d
seguras e submetida ao destino incerto da vida e da fortuna do artista”. ↑
23. Giulio Carlo Argan, Storia dell’arte italiana, vol. 3, Florença, Sansoni, 1970, p. 3
24. L. Venturi, Cézanne, p. 30: “Era expressionismo antes de seu tempo, mais poder
expressionismo que emergiu quarenta anos depois na Alemanha”. ↑
25. M. Schapiro, Paul Cézanne, 2 ed. rev., Abrams, Nova York, 1962, p. 20: “Observ
ele frequentemente seleciona temas de pouca atração, representa objetos no es
reduzir a puxada da perspectiva para o horizonte; o mundo distante é trazido m
as coisas mais próximas de nós na paisagem são retratadas com poucos detalhe
diferença entre as texturas dos objetos próximos e distantes, como se todos esti
distância. A esta atitude descompro-missada correspondem também aquelas dis
reduzem a confiança nos eixos dominantes e causam uma expressão mais fria”.
que Schapiro chama de “atitude descompromissada” é um ato de radicalidade t
contemporâneos de Cézanne como incapacidade e incompetência. É bem mais
compromisso com as velhas regras, é a reinvenção moderna do espaço pictórico
26. Idem, ibidem, p. 90. ↑
27. Poder-se-ia chamar isto de “estrutura”, mas desde que essa não possa ser objeto
se manifeste em cada trabalho individualmente. ↑
28. Declaração a Émile Bernard, citada por Lawrence Gowing, “The logic of organiz
Cézanne — the late work, W. Rubin (org.), p. 63. ↑
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