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JOHN HEARTFIELD E A BELEZA
REVOLUCIONÁRIA
Louis
Aragon
Poeta, novelista e ensaísta, Louis Aragon
(1897-1983) foi, juntamente com André
Breton e Philippe Soupault, um dos
fundadores da revista de vanguarda
Littérature (1919). Foi um dos espíritos
animadores do movimento dada de Paris
e um importante membro do grupo
surrealista durante os anos 1920; suas
novelas Anicet (1920) e Lê Paysan de
Paris (1926) foram influentes trabalhos
experimentais. No início dos anos 1930
ele se transferiu do surrealismo para se
tornar um membro ativo do partido
comunista francês. Juntamente com
vários outros ex-surrealistas fundou a
Associação dos Escritores e Artistas
Revolucionários (AEAR), em 1932, e
serviu como editor de seu jornal,
Commune. A partir da metade dos anos
1930 Aragon se tornou um advogado
persistente do realismo socialista na
literatura e nas artes visuais.
Em abril e maio de 1935 uma exposição
organizado pela AEAR exibiu 150 das
fotomontagens antinazistas de John
Heartfield. Foi a primeira vez que o
trabalho de John Heartield foi mostrado
em Paris. Aragon preparou o ensaio que
se segue como sua contribuição para um
fórum público sobre a exposição. Nele ele
deixa claro sua fidelidade a uma arte de
realismo revolucionário, e retrata
Heartfield como o modelo de um artista
politicamente engajado.
Publicação original: Louis Aragon, “John
Heartfield et la beauté revolutionnaire,”
Commune, no. 20 (Abril 1935), pgs. 985-
91.
Para a pintura. Nas ruas de Paris,
1935, há milhares de pinturas montadas
em painéis, como se fossem pôsteres de
eleição: filhotes de gatos, vasos de flores,
paisagens – mas ninguém para em frente
a estes; então, subitamente, uma
multidão: figuras despidas de mulheres.
Elas me lembram, por razões óbvias, as
pin-ups nas trincheiras cobertas ... e
próximo a elas, em uma cadeira dobrável,
o pintor. É claro, esse dificilmente é o
lugar para buscar a história da pintura,
não aqui entre essas telas destinados a
serem pendurados em duvidosos e
indistintos espaços de solteiros, em salas
de jantar, ou nos quartos dos fundos de
lojas comuns. Esse dificilmente é o lugar
onde o jogo está sendo jogado – esse jogo
do espírito humano cujos jogadores são
conhecidos como Da Vinci, Poussin,
Ingres, Seurat, Cézanne. Mesmo assim,
tudo considerado, qual é a diferença entre
os problemas desses tristes artistas-
mendigos das calçadas e aqueles
problemas resolvidos pela vasta maioria
de pintores que tem sido colocada no
pedestal da aclamação crítica e da glória,
não é isto apenas uma questão de grau?
A angústia comum a todos os
artistas, aquela que Mallarmé chamou de
a solidão branca de nossas telas,
dificilmente torna os pintores
contemporâneos em mártires.
E poucos deles poderiam até
mesmo ouvir o que Picasso me falou certa
vez há muitos anos atrás: “A coisa
importante é o espaço entre a pintura e a
moldura.” Não, a maioria entre eles não
questiona a decadência de seus
pensamentos sobre onde a pintura
termina, esse escândalo de espuma e
enchimento, a confusão do pintor que vê
o sujeito a partir da periferia. Mas
quantos dos que perceberam esse “drama
da moldura” entenderam seu verdadeiro
significado? Tendo escapado de seu

criador, a pintura é inserida em uma
moldura – uma prática que geralmente
não diz respeito ao pintor – e não obstante
... e não obstante ele não é indiferente a
onde a pintura acabada termina e que
vizinhanças a expande ou a completa. Um
artista não é indiferente a se seu trabalho
é visto em uma praça pública ou em um
boudoir, em um porão ou na luz, em um
museu ou em um mercado de pulgas. E
independente de gostarmos ou não, uma
pintura tem sua moldura limitativas e suas
fronteiras sociais. Seus jovens modelos
femininos, Marie Laurencin, foram
nascidas em um mundo no qual o canhão
troveja; suas ninfas capturadas à margem
de um bosque, Paul Chabas1, tremem
quando desempregadas; suas fruteiras,
George Braque, ilustram a dança à frente
do bufê; e eu poderia, semelhantemente,
endereçar-me a qualquer um de van
Dongen, pintor do Lido, a Dali, pintor do
édipal William Tell, a Lucien Simon2 com
suas pequenas garotas de Breton, a Marc
Chagall com seus coelhos de cabeças
encurvadas.
Como a angústia poética, a
angústia pictórica assumiu formas
mutantes através das gerações e se
traduziu em um milhar de formas – das
preocupações religiosas dos pré-
Rafaelitas à obsessão surrealista do
inconsciente, do mistério dentro da
realidade dos pintores holandeses aos
perturbadores objetos colados dos
cubistas. O problema da expressão não
era o mesmo para o jovem Davi que era
para o jovem Monet, mas a coisa
extraordinária é que, além dos meios de
expressão, nós nunca examinamos
1
Marie-Laurencin (1885-1956) pintou retratos
decorativos, líricos; Paul Chabas (1869-1937) foi
um pintor acadêmico de retratos e nus.
2
Lucien Simon (1861-1945) foi um pintor e
ilustrador acadêmico francês conhecido por seus
retratos e cenas de gênero.
2
seriamente o desejo de expressão e a
coisa a ser expressada.
Esse desprezo, em si mesmo uma
estranha defesa – essa recusa de até
mesmo lançar um campo de debate –
tomou forma no princípio do século XX
através de um tipo de lógica que é
provocada pelo agravamento das
contradições sociais; alcançou seu ponto
culminante, por assim dizer, quando a
guerra de 1914 inaugurou uma nova era
de humanidade. Eu digo seu “ponto
culminante” porque desde então, até
mesmo nas manifestações extremas da
pintura, tal como dada e surrealismo,
signos violentos de uma reação surgiram
contra esse ponto extremo na arte ao qual
o cubismo está progredindo. Uma
negação do dada, uma tentativa de
sintetizar a negação dadaísta e herança
poética da humanidade no surrealismo –
arte sob o Tratado de Versalhes tem a
aparência desorientada da loucura. Ela
não é o resultado do desejo de um
pequeno grupo, ela é o produto
enlouquecido de uma sociedade na qual
forças opostas irreconciliáveis estão
colidindo.
Devido a isso, as lições de um
homem movido pelos eventos a um dos
pontos de conflito entre essas forças
rivais, onde um mínimo de liberdade era
permitido ao artista e ao indivíduo, são
ainda mais importantes hoje em dia.
Estou falando de John Heartfield, para
quem todo o destino da arte foi levado às
questões sérias pela revolução germânica
ao final da guerra e cuja oeuvre, toda ela,
foi destruída pelo fascismo hitlerista em
1933.
John Heartfield foi um daqueles
que expressaram as dúvidas mais
vigorosas sobre a pintura, especialmente
em seus aspectos técnicos. Ele é um
daqueles que reconheceram o
desaparecimento histórico daquele tipo de
pintura a óleo que tem existido por apenas

alguns séculos e nos parece ser a pintura
per se, mas que pode ser abdicada em
qualquer tempo por uma técnica mais
coerente com a vida contemporânea, com
a humanidade hoje. Como sabemos, o
cubismo foi uma reação por parte dos
pintores à invenção da fotografia. A
fotografia e o cinema tornaram infantil a
busca por uma semelhança exata. Os
artistas extraíram dessas novas conquistas
mecânicas uma concepção de arte que
levou alguns a atacar o naturalismo e
outros a tentar uma nova definição de
realidade. Com Léger, isso levou à arte
decorativa; com Mondrian, à abstração;
com Picabia à organização de soirées na
Riviera.
Entretanto, próximo do final da
guerra, muitos artistas, na Alemanha
(Grosz, Heartfield, Ernst), em um espírito
bem diferente dos cubistas que colavam
um jornal ou uma caixa de fósforos no
meio de uma pintura para dar a si
próprios um apoio na realidade, vieram a
empregar em suas críticas da pintura essa
mesma fotografia que havia desafiado a
pintura a novos fins poéticos – mas
desobrigada de suas funções miméticas e
empregada para seus próprios propósitos
expressionistas. Assim nasceu a colagem,
que era diferente dos papéis colados do
cubismo, no qual a coisa colada algumas
vezes misturava com o que era pintado ou
desenhado, e no qual a peça colada podia
ser uma fotografia bem como um desenho
ou uma figura de um catálogo – em
resumo, uma vernacular plástica do
mesmo tipo.
Face à decomposição das
aparências na arte moderna, um novo e
vívido gosto pela realidade estava sendo
ressuscitado sob o disfarce de um simples
jogo. O que forneceu o vigor e a atração
da nova colagem foi este tipo de
verossimilhança emprestado da figuração
dos objetos reais, incluindo até mesmo
suas fotografias. O artista estava jogando
3
com o fogo da realidade. Ele estava se
tornando, outra vez, o mestre daquelas
aparências nas quais a técnica do óleo
tinha pouco a pouco perdido-o e afogado-
o. Ele estava criando monstros modernos;
ele os mostrava a seu desejo em um
quarto de dormir, nas montanhas suíças,
no fundo dos mares. A tonteira
comentada por Rimbaud dominou-o3, e o
salon at the bottom of a lake de A
Season in Hell estava se tornando o clima
prevalente na pintura.
Além deste ponto de expressão,
além desta liberdade assumida pelo pintor
com o mundo real, o que havia lá? “Isso
aconteceu”, disse Rimbaud: “Hoje eu sei
como saudar a beleza.”4 O que quis dizer
com isto? Ainda podemos falar sobre isto
à exaustão. Os homens de quem falamos
encontraram destinos diferentes.Max
Ernst hoje ainda se orgulha de não haver
abandonado aquela margem do lago onde,
com toda a imaginação que alguém
poderia desejar, ele ainda combina
interminavelmente os elementos de uma
poesia que é um fim em si mesmo.Nós
sabemos o que aconteceu com George
Grosz. Hoje nos concentraremos mais
especificamente no destino de John
Heartfield, cuja exposição apresentada
pela AEAR na Maison de la Culture nos
proporciona algo para sonhar e para cerrar
os punhos.
John Heartfield sabe hoje como
saudar a beleza. Enquanto jogava com o
fogo das aparências, a realidade
incendiava ao seu redor. Em nosso
obscurecido país poucos sabem que tem
havido soviéticos na Alemanha. Muitos
poucos sabem quão magnífica e
esplêndida ruptura da realidade
3
Nos anos 1870 o poeta Rimbaud defendeu a
alucinação e o desarranjo sistemático dos sentidos
como método para alcançar uma renovação da
imaginária poética.
4
A referência é a uma linha de Rimbaud “Une
Saison em enfer” (1873).

significaram aqueles dias de novembro de
1918, quando o povo alemão – e não os
exércitos franceses – deu fim à guerra em
Hamburgo, em Dresden, em Munique, em
Berlim. Ah, se tivesse sido apenas uma
questão de algum delicado milagre de um
salão no fundo de um lago quando, em
seus carros com metralhadora, os enormes
marinheiros louros dos mares do Báltico e
do Norte estavam percorrendo as ruas
com suas bandeiras vermelhas. Então os
homens de terno de Paris e Potsdam se
encontraram; Clemenceau devolveu ao
democrata social Noske as metralhadoras
que posteriormente armaram os grupos
dos futuros hitleristas. Karl e Rosa
caíram5. Os generais re-enceraram seus
bigodes. A paz social floresceu negra,
vermelho e dourado nos necrotérios
boquiabertos da classe trabalhadora.
John Heartfield não estava mais
jogando. Os pedaços de fotografia que, no
passado, havia arranjado para diversão e
prazer agora, sob seus dedos, começaram
a significar. O proibido social foi
substituído rapidamente pelo proibido
poético; ou, mais precisamente, sob a
pressão dos eventos e no curso da batalha
na qual o artista se viu envolvido, estes
dois proibidos fundiram: havia poesia,
mas não havia mais poesia que não fosse
também Revolução. Anos de fogo durante
os quais a Revolução – derrotada aqui,
triunfante ali – ergue do mesmo modo do
ponto extremo da arte: Maiakovsky6 na
Rússia e Heartfield na Alemanha. E estes
dois poetas – um sob a ditadura do
proletariado e o outro sob a ditadura do
capital, começando daquilo que é mais
5
Gustav Noske (1868-1946) foi o ministro do
Interior alemão responsável pela supressão
sangrenta do Spartacist de 1919 em Berlim. Karl
Liebknecht e Rosa Luxemburg, líderes do grupo
revolucionário Spartacist, foram sumariamente
executados após suas prisões durante o levante.
6
Vladimir Mayakovsky (1893-1930) fou um
poeta russo e uma figura imprtante da vanguarda
soviética.
4
incompreensível na poesia e da última
forma da arte-para-poucos, vieram a ser
os criadores dos exemplos
contemporâneos mais surpreendentes do
que a arte para as massas, a coisa
magnífica e incompreensivelmente
condenada, pode ser.
Como Maiakovsky declamando
seus poemas através de alto-falantes para
dezenas de milhares, como Maiakovsky
cuja voz viaja do oceano Pacífico ao Mar
Negro, da floresta de Karelia aos desertos
da Ásia Central, o pensamento e a arte de
John Heartfield conheceu esta glória e
grandeza de ser a lâmina que penetra
todos os corações. É um fato conhecido
que foi a partir de um pôster
representando um punho fechado que
Heartfield criou para o Partido Comunista
Francês que o proletariado alemão tomou
o gesto da “Frente Vermelha”. Foi com
esse mesmo punho com o qual os
estivadores da Noruega saudaram a
passagem do Chelyuskin, com o qual
Paris acompanhou aqueles que morreram
em 9 de fevereiro7, e com o qual ainda
ontem no cinema eu vi uma enorme
multidão de grevistas mexicanos
emoldurar a imagem ilustrada pela
suástica de Hitler. É uma das constantes
preocupações de John Heartfield que os
originais de suas fotomontagens sejam
exibidos ao lado das páginas de A-I-Z, a
revista ilustrada alemã na qual são
reproduzidos porque, ele afirma, deve ser
mostrado como estas fotomontagens
penetram nas massas.
É por isso que durante a existência
da “democracia” alemã sob a constituição
de Weimar a burguesia alemã processou
7
Em 6 de fevereiro de 1934 grupos direitistas
tumultuaram o centro de Paris, e em 9 e 12 de
fevereiro enormes contra-ataques foram
encabeçadas pelos partidos de esquerda. Os
eventos galvanizaram e unificaram a esquerda,
levando eventualmente à formação da Frente
Popular.

John Heartfield no tribunal. E não apenas
uma vez. Por um pôster, uma capa de
livro, por falta de respeito para com a
cruz de ferro ou para com Emil
Ludwig8 ... Quando ela liquidou a
“democracia”, seu fascismo fez mais do
que processar: vinte anos do trabalho de
John Heartfield foram destruídos pelos
nazistas.
No exílio em Praga, eles
continuaram a perseguí-lo. A pedido da
embaixada alemã a polícia checo-
eslovaca fechou a mesma mostra que está
presentemente nas paredes da Maison de
la Culture e que constitui tudo feito pelo
artista após a ascensão de Hitler – este
show no qual podemos reconhecer
imagens clássicas como aquela série
admirável do julgamento de Leipzig que
os futuros livros de história nunca
poderão dispensar quando renarrando o
épico de Dimitrov9. (Falando aos
escritores soviéticos, Dimitrov
recentemente estava surpreso ao descobrir
que a literatura nem estudou nem
empregou”este formidável capital de
pensamento e prática revolucionária” que
constitui o julgamento de Leipzig.) Entre
pintores, Heartfield pelo menos é um
homem que esta repreensão não alcança e
que é o protótipo do artista anti-fascista.
Desde Lês Châtiments e Napoléon lê
Petit10 nenhum único poeta alcançou essas
8
Emil Ludwig (1881-1948) foi um prolífico autor
alemão de biografias populares de grandes
homens tais como Napoleão, Bismarck e o Kaiser
Wilhelm II.
9
Georgi Dimitrov (1882-1949), um comunista
belga, estava entre os acusados de
responsabilidade pelo incêndio do Reichstag de
Berlim de 1933. Ele foi levado a julgamento em
Leipzig no outono daquele ano. Sua defesa bem-
humorado de si mesmo e de seus companheiros
contra as acusações levantadas pelo líderes
nazistas como Goebbels e Göring atraiu a atenção
internacional.
10
Em dezembro de 1851, seguindo o golpe de
estado de Louis Napoleon, o poeta francês Victor
Hugo foi exilado em Bruxelas. Em 1852 ele
5
alturas onde encontramos Heartfield, cara
a cara com Hitler. Porque, na pintura bem
como no desenho, faltam precedentes –
não obstante Goya, Wirtz, e Daumier.
John Heartfield sabe hoje como
saudar a beleza. Ele sabe como criar
aquelas imagens que são a própria beleza
de nossa época, porque representam o
sofrimento das massas – a luta do povo
contra o carrasco oculto cuja traquéia está
entupida com moedas de ouro. Ele sabe
como criar imagens realistas de nossa
vida e luta que são incisivas e tocantes
para milhões de pessoas que são eles
mesmos uma parte desta vida e luta. Sua
arte é arte de acordo com Lênin porque é
uma arma na luta revolucionária do
proletariado.
John Heartfield sabe hoje como
saudar a beleza. Porque ele fala pelos
incontáveis povos oprimidos por todo o
mundo sem baixar por um momento o
tom magnífico de sua voz, sem degradar a
poesia majestosa de sua imaginação
colossal. Sem rebaixar a qualidade de seu
trabalho. Mestre de uma técnica de sua
própria invenção – uma técnica que
emprega para sua paleta todo o espectro
de impressões do mundo da atualidade –
nunca impondo uma rédea a seu espírito,
fundindo aparência à vontade, ele não tem
guia que não o materialismo dialético,
nenhuma a não ser a realidade do
processo histórico que traduz em preto e
branco com fúria de combate.
John Heartfield sabe hoje como
saudar a beleza. E se o visitante que
percorre o show da Maison de la Culture
percebe a sombra anciã do dada nestas
fotomontagens dos anos recentes – nesse
publicou Napoléon lê Petit, um panfleto
escoriando o futuro imperador. Em 1853 ele
introduziu uma coleção de poemas incisivos,
sarcásticos, Châtiments, em resposta à
proclamação do Segundo Império por Louis
Napoleon.
 6

Schacht11 com um colarinho gigante,

nesta vaca que está se cortando com uma
faca, neste diálogo anti-semita de dois
pássaros – deixe-o parar junto a esta
pomba empalada em uma baioneta em
frente ao Palácio da Liga das Nações, ou
esta árvore de Natal nazista cujos galhos
estão distorcidos para formar suásticas;
ele encontrará não apenas a herança do
dada mas também aquela de séculos de
pintura. Há naturezas-mortas de
Heartfield, tal como esta balança
deslocada pelo peso de um revólver, ou a
carteira de Papen12, e esse andaime de
cartas hitleristas, que inevitavelmente me
leva a pensar em Chardin. Aqui, com
apenas tesoura e cola, o artista excedeu os
melhores esforços d arte moderna, com os
cubistas, que se encontram naquele
caminho perdido do mistério cotidiano.
Objetos simples, como as maçãs para
Cézanne nos primeiros momentos, e a
guitarra para Picasso. Mas aqui há
também significado, e o significado não
desfigurou a beleza.
John Heartfield sabe hoje como
saudar a beleza.

Extraído de PHILLIPS, Christopher, (ed),

Photography in the modern era –
european documents and critical
writings, 1913-1940. The Metropolitan
Museum of Art/Aperture (Nova Iorque,
1989).

Traduzido por RUI CEZAR DOS

SANTOS

11
Hjalmar Schacht (1877-1970), um financista
alemão, foi presidente do Reichsbank no governo
de Hitler, 1933-39.
12
Franz Von Papen (1879-1969), um alemão
diplomata e figura política conservadora foi o
chanceler da Alemanha nos anos anteriores à
posse de Hitler em 1933.