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FOTOGRAFIA e FOTOGRAFIA E FOTOGRAFIA ARTÍSTICA O Intelecto Humano completou o círculo da Arte. Aqueles cuja
Marius de Zayas (1880-1961) obstinação os leva à busca do novo na Arte apenas seguem a linha da
circunferência, seguindo as pegadas daqueles que traçaram a linha
O escritor mexicano Marius De Zayas chegou a Nova Iorque em 1907 e fechada. Mas a fotografia escapa pela tangente do círculo mostrando um
se associou à galeria "291" de Stieglitz. De Zayas, como ensaísta da novo caminho para o progresso da compreensão da forma.
Camera Work, proclamou a destituição da arte como a expressão da morte A arte abandonou seu propósito original, substanciar a concepção
da fé religiosa na cultura ocidental. Ele reavaliou o papel da arte como religiosa, para devotar-se a uma representação da Forma. Pode ser
representação da forma e contemplou a fotografia como a mensageira de afirmado que a alma da Arte desapareceu, apenas o corpo permanece
uma nova era artística. De Zayas acreditava que através da fotografia o conosco e que, portanto, a idéia unificadora da Arte não existe. Esse corpo
artista poderia dissipar imagens do mundo atreladas à convenção para está se desintegrando e tudo que desintegra tende a desaparecer.
comunicar uma consciência fresca. Ele associou também a arte primitiva e Até o ponto em que a Arte apenas especula com a Forma, ela não pode
a arte infantil à essa nova visão. Defendeu os artistas de vanguarda de seu produzir um trabalho que realize completamente a idéia preconcebida,
tempo, viajando de Nova Iorque a Paris para manter-se atualizado com os porque a imaginação sempre vai além da realização. Mistério tem sido
desdobramentos mais revolucionários. Em 1913, ele e Paul Haviland suprimido e com o mistério desapareceu a fé. Nós poderíamos fazer um
escreveram A Study of the Modern Evolution of Plastic Art e em 1916 colosso de Rodes, mas não a Esfinge.
publicou African Negro Art: Its Influence on Modern Art. Cada época da história da Arte é caracterizada por uma expressão
De Zayas trabalhou como editor da publicação "291" em 1915 e 1916 particular da forma. Uma evolução peculiar da Forma corresponde a cada
quando ele, Agnew Ernst Meyer, Paul Haviland e Francis Picabia um dos estágios do desenvolvimento antropológico. Das raças primitivas
começaram sua aventura comercial, a Modern Gallery. Como modernista, às brancas, que são as últimas na evolução e, conseqüentemente, as mais
De Zayas apoiou de todo coração, naqueles anos, a mudança do avançadas, a Forma, partindo do fantástico, evoluiu para um naturalismo
pictorialismo para a abstração empreendida pela Photo-Secession e tentou convencional. Mas quando chegamos à nossa própria época descobrimos
tornar pública a mudança através do "291." Quando a Modern Gallery que uma Forma especial está ausente na Arte, porque a Forma na Arte
fechou, em 1916, De Zayas abriu sua própria galeria que durou até 1921. contemporânea não é nada mas o resultado da adaptação de todas as
Durante a década seguinte, organizou exposições de arte moderna e demais formas que existiram anteriormente às condições de nossa época.
primitiva para museus nova-iorquinos e começou a formar sua própria Não obstante, não podemos dizer corretamente que exista um ecletismo
coleção de trabalhos produzidos pelos artistas mais radicais dos séculos verdadeiro. Pode ser argumentado que essa combinação constitui uma
XIX e XX. forma especial mas, de fato, ela não constitui nada a não ser uma
deformação especial.
A Arte está devorando a Arte. Artistas conservadores, com a fé do
A Fotografia não é Arte. Não é nem mesmo uma arte. Arte é a expressão fanatismo, constantemente procuram inspiração nos museus de arte.
da concepção de uma idéia. A Fotografia é a verificação plástica de um Artistas progressistas retiram a última idéia dos museus etnográficos, que
fato. também devem ser considerados museus de arte. Ambos constroem sobre
A diferença entre Arte e Fotografia é a diferença essencial que existe o passado. Em nosso tempo, Picasso é talvez o único artista que trabalha
entre Idéia e Natureza. na busca de uma nova forma. Mas Picasso é apenas um analista; até hoje
A Natureza nos inspira uma idéia. A Arte, através da imaginação, sua produção revela apenas a análise plástica da forma artística sem
representa essa idéia para produzir emoções. chegar a uma síntese definitiva. Seu trabalho está na direção oposta do
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concreto. Seu ponto de partida é o mais primitivo trabalho existente e dele A imaginação, faculdade criativa, é a lei maior da Arte. Essa faculdade
se desloca na direção do infinito, di-solvendo sem nunca resolver. não é autógena, ela precisa da concorrência de outro princípio para excitar
No selvagem, análise e discriminação não existem. Ele não é capaz de sua atividade. Os elementos adquiridos pela percepção e pelas faculdades
concentrar sua atenção em uma coisa particular por qualquer fração de reflexivas, apresentados à mente pela memória, assumem uma nova forma
tempo. Ele não entende a diferença entre similar e idêntico, entre o que é sob a influência da imaginação. Esse novo aspecto da forma é
visto em sonhos e o que acontece na vida real, entre imaginação e fatos; e precisamente o que o homem tenta reproduzir na Arte. É assim que a Arte
é por isso que toma como fatos as idéias inspiradas pelas impressões. estabeleceu falsas idéias a respeito da realidade da Forma e gerou
Como vive na esfera da imaginação, para ele a forma tangível não existe sentimentos e paixões que influenciaram radicalmente a concepção
exceto sob o aspecto do fantástico. Tem sido repetidamente provado que humana da realidade. Para aqueles sob essa influência, suas falsas idéias
um desenho fiel à natureza, ou uma fotografia, são brancos para um da Forma são consideradas como dogmas, como verdades axiomáticas; e
selvagem e de que ele é incapaz de reconhecer neles seja pessoas ou locais para persuadir-nos da exatidão de seus princípios eles alegam seus modos
que lhes são mais familiares; a representação real da forma não tem de sentir. É verdade que a natureza nem sempre oferece objetos
significado para os seus sentidos. Os muitos experimentos que os europeus correspondendo, na forma, àqueles modos de sentir; mas a imaginação
fizeram com os negros africanos, fazendo-os desenhar a partir da natureza, sempre o faz porque modifica suas naturezas, adaptando-os à conveniência
provaram que os negros extraem da forma aquilo que os impressiona do artista.
apenas do ponto-de-vista decorativo, isso é, aquilo que representa uma Permita-nos entrar em algumas considerações sobre a imaginação, tantas
expressão abstrata. Por exemplo, ao desenhar um indivíduo, eles dão vezes mencionada neste trabalho. Deixando de lado todas as definições
importância capital a coisas tais como os botões das roupas distribuindo-os mais ou menos metafísicas propostas pelos filósofos, permita-nos
decorativamente, de maneira arbitrária, muito diferente do lugar que considerá-la pelo que é, isso é, faculdade criativa cuja função consiste em
ocupavam na realidade. Enquanto apreciam a forma abstrata, a linha produzir novas imagens e novas idéias. Imaginação não é apenas a atenção
abstrata é, para eles, incompreensível e apenas as combinações de linhas que contempla as coisas, nem a memória que as traz novamente ao
expressando uma idéia decorativa é apreciada. Conseqüentemente, o que cérebro, nem a comparação que considera o relacionamento entre elas,
tentam reproduzir não é a própria forma mas a expressão do sentimento ou nem o julgamento que profere sobre elas uma afirmação ou uma negação.
a impressão representada por uma combinação geométrica. A imaginação necessita do auxílio de todas essas faculdades, trabalhando
Gradualmente, à medida que o cérebro humano se aperfeiçoou sob a sobre os elementos que oferecem, coletando-os e combinando-os criando,
influência do progresso e da civilização, a idéia abstrata da representação dessa forma, novas imagens ou novas idéias.
da forma tem estado em desaparecimento. À expressão pelo elemento Mas a imaginação, na avaliação de suas características, sempre
decorativo sucedeu a expressão pela representação factual da forma. distanciou o homem da realização da verdade em relação à Forma, porque
Observação substituiu impressão e análise seguiu observação. no instante em que esta cai sob o domínio do pensamento se torna em uma
Não há dúvida de que enquanto o cérebro humano foi desenvolvido o quimera. A memória, essa faculdade concorrente da imaginação, não
elemento imaginativo foi eliminado da Arte. Também não há dúvida de retém a lembrança da representação substancial da Forma mas apenas sua
que todos os elementos para a imaginação criativa foram exauridos. O que expressão sintética.
é hoje produzido na Arte é o que nos despertou prazer em outros trabalhos. Para apreciar completa e corretamente a realidade da Forma é necessário
A Arte criativa desapareceu sem ser extinto o prazer da Arte. entrar em um estado de perfeita consciência. A realidade da Forma pode
A arte contemporânea que especula com o trabalho dos selvagens nada é ser transcrita apenas através de um processo mecânico no qual a maestria
senão a análise quantitativa e qualitativa daquilo que era precisamente o do homem não entra como um fator importante. Não há nenhum outro
produto da ausência de análise. processo para alcançar isso além da fotografia. O fotógrafo - o verdadeiro
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fotógrafo - é aquele que se tornou capaz de, através de um estágio de ciência deu e continuando dando tanto, para capacitar o homem a entender
consciência perfeita, possuir tal visão clara das coisas de maneira a a razão, a causa dos fatos - a Verdade.
permiti-lo compreender e sentir a beleza da realidade da Forma. A fotografia representa a Forma como é exigido pelo estágio atual do
Quanto mais refletimos sobre a fotografia tão mais convencidos estamos progresso da inteligência humana. Nesse período de fatos, a fotografia é a
de que ela veio para remover o véu de mistério com o qual a Arte representação concreta de fatos consumados. Nessa época da indicação da
envelopou a Forma representada. A Arte nos fez acreditar que sem o verdade pelo materialismo, a fotografia surge para fornecer a verdade
simbolismo inspirado pela alucinação da fé, ou sem o convencionalismo material da Forma.
inspirado pelas intoxicações filosóficas, a realização da psicologia da Esta é sua verdadeira missão na evolução do progresso humano. Não a
Forma era impossível; isso é, que sem a intervenção das faculdades de ser meio de expressão para o intelecto do homem.
imaginativas, a Forma não poderia expressar seu espírito.
Mas quando o homem não procura o prazer nas êxtases mas na
investigação, quando não procura a anestesia da contemplação mas o A Fotografia não é Arte, mas pode-se produzir fotografias para serem
prazer da consciência perfeita, a alma da substância representada pela Arte Arte.
surge como um fantasma daquela Alma Mater que é sentida, vibrando em Quando o homem emprega a câmera sem qualquer idéia preconcebida
cada coisa existente, por todos os que entendem a beleza da verdade real. dos resultados finais, quando ele usa a câmera como um meio de penetrar
Para nós isso foi demonstrado, de forma evidente, senão em relação à Arte a realidade objetiva dos fatos, para obter uma verdade, que ele tenta
pura ao menos em relação à ciência, pelos grandes geômetras como representar por si própria e não adaptando-a a qualquer sistema de
Newton, Lagrange e La Place; pelos grandes filósofos como Platão, representação emocional, então o homem está fazendo Fotografia.
Aristóteles e Kant; e os grandes naturalistas, como Lineus, Cuvier e A Fotografia, fotografia pura, não é um novo sistema para a
Geoffray Saint Hilaire. representação da Forma mas, ao contrário, a negação de todos os sistemas
A Arte nos apresenta o que podemos chamar de verdade emocional ou representativos, ela é o meio pelo qual o homem de instinto, razão e
intelectual; a fotografia a verdade material. experiência aborda a natureza para alcançar a evidência da realidade.
A Arte nos ensinou a sentir emoções na presença de um trabalho que A Fotografia é a ciência experimental da Forma. Seu objetivo é o de
representa as emoções experimentadas pelo artista. A fotografia nos ensina encontrar e determinar a objetividade da Forma; isso é, obter a condição
a compreender e sentir nossas próprias emoções. do fenômeno inicial da Forma, fenômeno que sob o domínio do cérebro do
Eu nunca aceitei a Arte como o infinito nem o cérebro humano como homem cria emoções, sensações e idéias.
onipotente. Acredito no progresso como uma lei constante e iniludível e A diferença entre Fotografia e Fotografia Artística é que, na primeira, o
estou certo de que avançamos embora ignoremos como, porque e para homem tenta chegar àquela objetividade da Forma que gera as concepções
onde; nem sabemos o quanto devemos progredir. diferentes que o homem possui da Forma, enquanto que a segunda
Acredito que a influência da Arte desenvolveu a imaginação do homem, emprega a objetividade da Forma para expressar uma idéia preconcebida
transportando-a ao seu mais alto degrau de intensidade e sensibilidade, para transmitir uma emoção. A primeira é a fixação de um estado real da
levando-o a conceber o incompreensível e o irrepresentável. Nem mesmo Forma, a outra é a representação da objetividade da Forma subordinada a
a imaginação havia levado o homem ao caos e ele já havia sentido um um sistema de representações. A primeira é um processo de digitação, a
novo caminho que poderia levá-lo àquele "onde" impossível de conceber e segunda um meio de expressão. Na primeira, o homem tenta representar
ele encontrou a fotografia. Descobriu nela um poderoso elemento de algo externo a si próprio; na segunda ele tenta representar algo interior. A
orientação para a realização daquela consciência perfeita pela qual a primeira é uma pesquisa livre e impessoal, a segunda é uma representação
sistemática e pessoal.
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O fotógrafo-artista emprega a natureza para expressar sua expressão da perfeita fusão do sujeito e do objeto. Levou ao seu ponto
individualidade, o fotógrafo coloca-se de frente à natureza e sem mais alto a expressão de um sistema de representação: o realista.
preconceitos, com a mente livre de um pesquisador, com o método de um Stieglitz começou com a eliminação do sujeito da Forma representada
experimentalista, tenta extrair dela um verdadeiro estado de condições. para buscar a expressão pura do objeto. Ele está tentando fazer
Em seu trabalho o fotógrafo-artista envelopa a objetividade com uma sinteticamente, com o auxílio de um processo mecânico, o que alguns dos
idéia, encobre o objeto com o sujeito. O fotógrafo expressa, até onde pode, artistas mais avançados do movimento moderno estão tentando fazer
a objetividade pura. O objetivo do primeiro é o prazer; o objetivo do analiticamente com os meio da Arte.
segundo, conhecimento. Um não destrói o outro. A subjetividade é uma Seria difícil afirmar qual desses dois lados da Fotografia é o mais
característica natural do homem. A representação se iniciou pela simples importante. Para um é o meio pelo qual o homem funde sua idéia com a
expressão do sujeito. No desenvolvimento da evolução da representação, o expressão natural da Forma, enquanto que para o outro é o meio pelo qual
homem tem estado abordando vagarosamente o objeto. A História da Arte o homem tenta trazer a expressão natural da Forma à cognição de sua
prova essa afirmação. mente.
Na subjetividade o homem exauriu a representação de todas as emoções
que são peculiares à humanidade. Quando o homem começou a ser extraído de CLASSIC ESSAYS IN PHOTOGRAPHY, editado por Alan
indutivo, ao invés de dedutivo, em suas expressões representadas a Trachtenberg.
objetividade começou a tomar o lugar da subjetividade. Quão mais
analítico é o homem, tão mais ele se afasta do sujeito e mais próximo
chega da compreensão do objeto. traduzido por RUI CEZAR DOS SANTOS
Tem sido observado que a Natureza é amorfa para a maioria das pessoas.
Grandes períodos de civilização têm sido necessários para levar o homem
a conceber a objetividade da Forma. Enquanto o homem se empenhar em
representar suas emoções ou idéias para transmiti-las aos outros, ele tem
que submeter sua representação da Forma à expressão de sua idéia. Com a
subjetividade o homem tentou representar seus sentimentos das causas
primárias. Essa é a razão porque a Arte tem sido sempre subjetiva e
dependente da idéia religiosa.
A ciência convenceu o homem de que a compreensão das causas
primárias está além da mente humana; mas a ciência possibilitou-o chegar
à cognição da condição do fenômeno.
A Fotografia, e apenas a Fotografia, iniciou o homem no caminho da
cognição da condição do fenômeno da Forma.
Até o presente, o mais alto ponto desses dois lados da Fotografia tem
sido alcançado por Steichen, como um artista e por Stieglitz, como um
experimentalista.
O trabalho de Steichen levou à sua expressão máxima o objetivo da
pintura realista da Forma. Em suas fotografias ele foi bem-sucedido na

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