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VERDADE E PAISAGEM e como fotógrafo de paisagem vejo-me perguntando se imagens construídas


sobre outros princípios podem ser melhor. Dada nossa geografia - aquela
Robert Adams real, mista, com árvores imensas e campos entulhados com Styrofoam, de
montanhas ainda maravilhadoras * e vales densos de casas condominiais ** -
é possível, à arte, ser mais que mentiras?
Quando os viajantes chegam ao sopé das montanhas a oeste de Denver, Imagens de paisagens podem oferecer-nos, imagino, três verdades -
eles freqüentemente param para serem fotografados contra os Great Plains geografia, autobiografia e metáfora. Se considerada isoladamente, a
ou a Continental Divide. Eles nos lembram, enquanto sorriem e olham para geografia é algumas vezes entediante, a autobiografia é freqüentemente
a distância, a admiração que os americanos têm tradicionalmente trivial e a metáfora pode ser dúbia. Mas consideradas ao mesmo tempo,
demonstrado por sua geografia. como no melhor do trabalho de Alfred Stieglitz e Edward Weston, os três
Há evidência, entretanto, de que a afeição pode estar terminando. Ao tipos de informação se fortalecem mutuamente e reforçam aquilo para o
longo do Front Range, por exemplo, as edificações têm sido atualmente qual todos trabalhamos para manter intato - afeição pela vida.
projetadas para proporcionar poucas vistas do exterior. Dizem-nos que isso Em primeiro lugar, como implica o nome, nós esperamos da arte da
protege os móveis de escritório do sol, cria espaço para anúncios de paisagem um registro do lugar. Com o auxílio da câmera podemos
propaganda e torna possível uma iluminação uniforme. Aparentemente, os reconhecer e apreciar uma mesa anônima do Novo México ou a represa do
negócios descobriram o lado escuro da consciência ecológica conseguindo, Delaware Water Gap. Embora não sejamos mais ingênuos como o fomos
como disse Camus sobre aqueles que construíram a cidade de Oran, um dia sobre a precisão das imagens, continuamos a valorizá-las
“exorcizar a paisagem”. inicialmente como lembranças do que está lá fora, do que é distinto de nós.
Hoje, reconhecidamente, a grandiosidade cênica é dolorosa. Os lugares Há uma certeza na geografia que é um alívio para o mundo de sombras do
maravilhosos para onde viajamos atrás de inspiração nos surpreendem pela egoísmo romântico.
melancolia que podem induzir. Ao norte da Long Island, por exemplo, no Entretanto, se a arte da paisagem fosse apenas reportagem ela equivaleria
final de um promontório onde estava vivendo - um mirante de onde podia a um ingrediente para a ciência, o que ela não é. Há sempre um aspecto
ver patos e cisnes selvagens e milhas de baía cintilante - estavam subjetivo na arte da paisagem, algo na imagem que nos diz tanto sobre
espalhadas centenas de garrafas de bebida vazias, um registro comum da quem está atrás da câmera quanto sobre o que está à sua frente. As imagens
tristeza em locais merecedores de cartões-postais. nunca são tão claramente tautológicas como, digamos, a descrição de uma
Nosso desespero na presença da beleza decorre, certamente, da forma rosa de Gertrud Stein. Uma das razões é que o sujeito é muito vasto; uma
com que estragamos o país, do que parece ser nossa inabilidade atual de objetiva normal, embora possa cobrir uma rosa, nunca pode cobrir toda uma
parar e do fato de que poucos de nós podem esperar possuir um pedaço de paisagem, tal como quando sem uma câmera permanecemos no meio de um
terra virgem. O que é o mesmo que dizer que a beleza primordial não é campo e após dar um giro completo devemos decidir para que parte do
mais característica. Lugares intatos nos entristecem porque, em um sentido horizonte olhar.
importante, não são mais verdade. O consolo de Thomas Gray - muitas
flores nascem para encarnar desapercebidas e desperdiçam sua delicadeza *
maravilhadoras: tradução dada ao termo awesome muito usado a partir
no ar do deserto” - tornou-se uma ironia; temos as flores contadas e do final do século XVIII para descrever a reação das pessoas frente a
cercadas. grande monumentos naturais, obras de Deus conotando reverência, respeito,
Parte do paliativo oferecido pelos construtores de Denver tem sido terror e maravilhamento
remover as janelas mas a outra parte tem sido, quase sempre, substituí-las **
tract houses: casas muito semelhantes umas às outras construídas de
por imagens de paisagens, monotonamente atrativas, de outros lugares. As acordo com um projeto de desenvolvimento ou de urbanização de uma
vistas não são convincentes mas endereçam uma necessidade que é humana determinada área.
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Fica evidente que é pouco provável que uma fotografia seja um registro cena importante ou não. Por exemplo, a fotografia de um pelicano morto
de laboratório quando pensamos sobre como é produzida. A maioria dos boiando entre algas e pedaços de madeira, de 1945, de Weston, é para mim,
fotógrafos são pessoas de entusiasmos intensos cujo trabalho envolve como para muitos, inesquecível porque é verdade. Ela registra precisamente
muitas escolhas - parar o carro, apanhar o filtro amarelo ao invés do verde, um mistério ao final de todo terror - a sobrevivência da Forma.
esperar que a nuvem se afaste e, no momento em que tudo parece Não surpreendentemente, muitos fotógrafos admiraram jardins, aqueles
inexplicavelmente perfeito, disparar o obturador. Atrás dessas decisões está lugares que Leonard Woolf uma vez descreveu como “o último refúgio da
a bagagem individual do fotógrafo, de lembranças e meditações sobre como desilusão”. Jardins são de fato impressionantemente semelhantes a imagens
percebeu esse lugar ou, no passado, lugares como esse. Sem tal experiência de paisagem, refúgios, não contra, mas da verdade. Um detalhe etimológico
não haveria discernimento sobre se a cena no visor era característica da que Kenneth Clark levanta em sua discussão da paisagem - paraíso é a
geografia e de sua experiência e intuição sobre ela - em resumo, se era palavra persa significando “um jardim cercado” - permanece, penso, como
verdadeira. talvez a melhor sinopse possível do que um fotógrafo vê através do visor de
Fazer fotografias tem de ser, então, uma questão pessoal; quando não o é sua câmera exatamente antes de disparar o obturador. Sua vista é a de uma
os resultados não são convincentes. Apenas a presença do artista no margem de caminho tranqüila para viajantes, construída a partir da
trabalho pode nos convencer de que sua afirmação resultou da e tem sido geografia local, mas calma e elucidativa.
testada pela experiência humana. A vista, sem o fotógrafo na fotografia,
não é mais comovente que o produto de alguma anônima câmera de Dag Hammarskjöld, secretário geral das Nações Unidas de 1953 até sua
registro, uma máquina capaz, talvez, de acidentes felizes mas não de morte em 1961, estava se preparando, quando faleceu, para aposentar e
resposta à forma. viver em uma fazenda na costa ao sul da Suécia. A casa, uma parte da qual
A arte afirma que nada é banal, o que é o mesmo que dizer que uma está hoje aberta ao público, é de um pavimento e construída de madeira e
imagem séria de paisagem é metáfora. Se uma vista da geografia não estuque e que, como muitas sedes de fazenda escandinavas, circunda um
implica em algo mais duradouro do que um pedaço específico de terreno jardim. Quando a visitei, em julho de 1968, os paralelepípedos estavam
então a imagem nos atrairá apenas brevemente; nós, provavelmente, iremos quentes ao sol, hollyhocks floresciam contra uma parede e o cheiro era do
preferir o próprio local que podemos cheirar e sentir e ouvir, bem como ver oceano e de feno recentemente cortado.
- embora nós também iremos, provavelmente, sair da cena real esperando Na casa, dois cômodos contêm os objetos pessoais de Hammarskjöld,
encontrá-la na arte algum dia. Isso é assim porque a geografia, por si só, é incluindo sua coleção de pinturas e esculturas. A diversidade é
difícil de ser precisamente avaliada - o que esperamos do artista é ajuda na impressionante - imagens rurais da Suécia por artistas regionais estão
descoberta do significado de um lugar. Nesse sentido nós, em muitos dispostas entre trabalhos de Picasso, Georges Braque e Barbara Hepworth.
aspectos, escolheríamos trinta minutos com a tela Sunday Morning, de É, fui informado, uma instalação concebida por amigos de acordo com sua
Edward Hooper à trinta minutos na rua que foi seu sujeito; com a visão de convicção de que se alguém amava a própria paisagem seria então, e apenas
Hooper nós vemos mais. O que é que ele nos ajuda a ver, precisamente, então, possível amar outras paisagens.
deve ser cuidadosamente discutido mas o pintor Robert Henri chegou muito Hammarskjöld era, e isso me agrada, um ávido fotógrafo. Muitas fotos da
próximo disso na sua descrição da descoberta a ser feita com o auxílio de mídia mostraram-no, quando em visita pelas Nações Unidas a países da
pinturas bem-sucedidas; em tais imagens, ele observou, “Parece haver Ásia e da África, sorrindo e vendo através de sua Hasselblad. Um dia,
momentos de revelação quando vemos a transição de uma parte para outra, quando estava em missão diplomática na Índia, de fato, seu anfitrião
a unificação do todo. Há um sentido de abrangência.” observou seu entusiasmado fotografar e lhe ofereceu para levá-lo em um
Dependemos da fotografia de paisagem, penso, para tornar inteligível para vôo ao longo do costado do Evereste (ele era também alpinista). Embora o
nós aquilo que já conhecemos. É a conformidade de uma paisagem à avião fosse um DC3 despressurizado, ele fez uso efetivo da oportunidade e,
experiência da condição de vida e suas possibilidades que, afinal, torna uma
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nas imagens resultantes, há elementos de geografia, autobiografia e e a hora.


metáfora. Mas é a mesma terra.
A última anotação nos diários de Hammarskjöld é um poema que reflete a E começo a conhecer o mapa
condição e a esperança de todos nós mas especialmente a condição de e a me orientar..
esperança dos fotógrafos de paisagem. Nele, ele descreve o fardo da visão Avaliado pela realização da vida de Hammarskjöld, o insight era
no mundo moderno, desfigurado, descreve memórias de uma geografia liberativo. E foi, penso, vitalizado por sua paixão pela arte da paisagem,
melhor, e chega a uma descoberta. O poema, “24 de agosto, 1961”, inicia cuja principal ocupação é uma redescoberta e reavaliação de onde nos
com uma descrição do caminhar na cidade, uma experiência de encontramos.
deslocamento e terror potencial:
Seria um novo país
em outro mundo de realidade Tradução de RUI CEZAR DOS SANTOS
que o Dia?
Ou vivi lá Ensaio extraído de: BEAUTY IN PHOTOGRAPHY Essays in Defense of
antes que o Dia existisse? Traditional Values, Aperture, 1981, New York.
Eu despertei
para uma manhã ordinária com luz cinza
refletida da rua.
Confrontado com aquele cinza, Hammarskjöld tenta, como nós todos
freqüentemente fazemos, escapar para as memórias de um lugar melhor,
que para ele era a Lapônia:
Mas [eu] lembrei
a noite azul-negra
acima das árvores,
o pântano aberto na noite,
o cume em sombras.
Relembrei outros sonhos
da mesma região montanhosa:
duas vezes estive em seus cumes,
estive no seu lago mais remoto,
e segui o rio
na direção de sua nascente.
Então, quando Hammarskjöld relembra chegar à origem do rio, ele é
levado a um reconhecimento. Sua memória de como o lago ou o campo de
gelo parecia - presumivelmente era uma paisagem em cinza glacial, alpino
- o traz de volta à rua cinzenta à sua frente:
As estações mudaram
e a luz
e o clima

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