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as ME aMORFOSES
L
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travestis e transformistas
na são paulo dos anos 70
33 Madalena Schwartz: a fotografia como hospedagem
GONZALO AGUILAR
SAMUEL TITAN JR.
SAMUEL TITAN JR. é professor de literatura comparada na Universidade de São Paulo, tradutor
e coordenador editorial do Instituto Moreira Salles.
Como se forja uma mulher 170 171 Duas respostas possíveis. Em primeiro Duas metades de coco foram meus primei-
lugar, não é preciso esforço para imaginá-las, nes- ros seios. Diante do espelho grande, Cícera
sa mesmíssima infância, proibidas de brincar de me surpreendeu e: outra surra. Eu cobria en-
boneca (ou duramente punidas por terem-no fei- tre as coxas com a mão para me ver como
to) sob a alegação de “não serem meninas”, forma Aparecida. Na minha fantasia, barriga redon-
bastante efetiva de se ensinar o que o conceito de da e fenda de menina.7
“menina” comporta. Além disso, seria necessário
conjecturar se, antes, ou mesmo junto, do desejo Fosse permitido a essa criança viver
de brincar de boneca, não haveria também o pro- como ela se entende, sem que o seu corpo fosse
pósito de sinalizar, por meio da brincadeira, como usado como argumento para deslegitimar a com-
a criança se entende. Para ilustrar esse ponto, con- preensão que ela faz de si, Fernanda jamais sentiria
sidere-se o seguinte trecho da autobiografia A prin- o desejo ou a necessidade de transformar seu cor-
cesa (1994), no qual a mulher trans Fernanda Farias po tão drasticamente. Mas ela conhece o mundo
de Albuquerque rememora a maneira como, desde em que vive e sabe que, numa época em que re-
a infância nos anos 60, no interior da Paraíba, ia cém se inventavam as narrativas trans, sua mulhe-
descobrindo e afirmando seu gênero: ridade com o corpo que tinha não passaria nunca
de um faz de conta entre quatro paredes. Para ela,
Fernandinho é melhor do que uma filha mu- isso não bastava, e não bastava, em especial, por-
lher; acorda cedo e me traz na cama café e que, desde inícios da década de 1970, começaram
AMARA MOIRA tapioca doce. Lava os pratos e já quer lavar a se popularizar no Brasil as tecnologias de trans-
roupa também. Nem mesmo Alaíde e Ade- formação corporal que revolucionariam nossas
História que ainda está por ser contada no formas mais frequentes e oprimidas da vivência laide aos sete anos faziam tanto. compreensões de masculino e feminino. 8
país é a das resistências que a comunidade trans/ homossexual”4 e, em “Escultura do sexo”, o psi- Guido Fonseca, delegado do 4º Distrito
travesti enfrentou por parte tanto do movimento cis canalista Fábio P. Lacombe aponta que “O ‘perso- Cícera falava de mim com dona Inacina. Eu, da capital paulista, e famoso por perseguir pessoas
feminista quanto do cis lésbico/homossexual, até nagem’ Lorys Ádreon em algum nível nos traz de ali perto, ouvia escondido, cheio de orgulho LGBTQIA+ durante a ditadura militar, testemunha a
chegar ao reconhecimento e visibilidade dos últimos volta Pigmalião”, figura que, sentindo “horror às e satisfação. nova era que essas tecnologias inauguram (era em
dez anos. Exemplos concretos disso encontram-se, mulheres”, por serem “todas pecaminosas e impu- que algumas conseguem, como ele mesmo nos diz,
dos anos 70 para cá, em diversas obras e declara- ras”, decide “esculpir a estátua de uma mulher tão […] “alcançar um dos seus objetivos mais caros, ou seja,
ções de figuras proeminentes desses ativismos. Um formosa, pela qual se apaixonou perdidamente, e uma semelhança quase perfeita com a mulher.
dos casos mais sintomáticos é o material paratex- acabou obtendo dos deuses que se tornasse viva Tinha sete anos e não sabia o que era peca- Chegam a enganar até o mais perspicaz obser-
tual que acompanha o livro Meu corpo, minha prisão e pudesse desposá-la” — a diferença consiste no do. Os grandes me escondiam as palavras, eu vador.”) 9 Ele sugere que tais tecnologias tiveram
(1985), de Loris Ádreon,1 primeira autobiografia es- fato de que Lorys, ao contrário do “herói lendário”, as roubava: vê como se comporta o Fernan- papel importante na forma como mulheres trans/
crita por uma mulher trans/travesti no Brasil. “pretende esculpir em seu próprio corpo a imagem dinho? Não brinca como os outros meninos, travestis passaram a ocupar o espaço público:
Nele, para além do relato autobiográfico, da mulher, cuja representação psíquica parece es- quer sempre se fazer de mulher para eles.6
temos o prefácio da “escritora e feminista” Rose tar no horizonte do impossível”.5 A prostituição masculina de então [antes da
Marie Muraro, responsável pela publicação da obra Os três textos criticam de forma contun- O que vem antes, o desejo por determina- década de 1970] era ainda uma prostituição,
e pela escolha dos três nomes que assinariam as dente, e com razão, a visão estereotipada de Lorys das práticas ou o sentido que essas práticas possuem, por assim dizer, envergonhada. Não tinham
notas posfaciais, todas elas unidas na deslegitima- sobre o que é “ser mulher”. O problema, no en- comunicam? Para quem observa de fora, a partir das os prostitutos a audácia dos atuais. Hoje,
ção da narrativa de Lorys: em “Brega delirante”, tanto, está em se valerem desses argumentos não identidades tidas por ilegítimas, nem sempre é per- não parecem sentir vergonha de sua anor-
a escritora Bernadette Lyra afirma que “a palavra apenas para problematizar a visão de Lorys, mas ceptível a diferença entre o que uma menina faz e o malidade. Acintosamente trajados como mu-
do texto resulta contraditória na medida em que, também para deslegitimar a reivindicação que o que faz uma menina, isto é, entre quando “menina” é lheres, fazem o trottoir pelas ruas, avenidas
se fazendo passar pela fala da fêmea, é, num jogo seu relato traz, isto é, de ser ela uma mulher. Um sujeito ou objeto desse “fazer”. Daí que, para Fernan- e praças da cidade, disputando os melhores
de inversos, uma fala do macho”; 2 em “Excesso falso paradoxo com que ainda hoje é comum de- da, não seja simples entender por que ela não pode pontos com as meretrizes e sempre levando
(ex-sexo) melodramático”, o revolucionário e gay 3 pararmos: mulheres trans/travestis associando sua ser “filha” de Cícera, se tem se saído “melhor do que vantagem.10
Herbert Daniel defende que a transexualidade rei- identidade feminina, por exemplo, ao fato de, na filha mulher”, e por que sua mulheridade é negada,
vindicada por Lorys seria uma tentativa de recusa infância, gostarem de brincar de boneca e, então, se se diz que ela “sempre se faz de mulher para os
da homossexualidade, o que configura “uma das vendo suas narrativas desacreditadas em função meninos”. Nessas passagens, o gênero é percebido
de brincar de boneca não ser considerado, intrin- como “algo que se faz” ou “que fazem com a gente”, 7. Ibidem, p. 29.
8. Nas coberturas do Carnaval do período, fotos desses
secamente (hipocritamente, se poderia também mas, na mesma página, vemos Fernanda a essa altu- novos corpos passam a rodar o país e divulgar a novidade. Cf. a
1. A capa e a contracapa do livro grafam o primeiro dizer), uma coisa “de menina”. Oras, se isso não ra também consciente de que gênero pode remeter a matéria “Enxutos: as bonecas são um luxo”, na qual, ao lado de
nome da autora como “Loris“, mas, dentro do livro, a palavra é algo intrinsecamente “de menina”, como foi que determinadas conformações do corpo: uma foto colorida com quatro travestis, duas delas nitidamente
aparece sempre com “y“. com seios, se escrevem observações como “eles vararam a noite
2. ÁDREON, Loris. Meu corpo, minha prisão: autobiogra-
lhes ocorreu a ideia? dançando, suspirando e gemendo, causando inveja a muita mu-
fia de um transexual. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1985, p. 133 . lher de verdade” e “não dá para entender o poder milagroso de
3. Palavras que o historiador James N. Green usou como certos hormônios” (Manchete, 17.03 .1973, p. 74).
título da sua biografia: Revolucionário e gay — A vida extraordiná- 6. ALBUQUERQUE, Fernanda Farias de e JANNELLI, Mauri- 9. FONSECA , Guido. História da prostituição em São
ria de Herbert Daniel, pioneiro na luta pela democracia, diversidade 4. ÁDREON, Loris. Op. cit., p. 136 . zio. A princesa: depoimentos de um travesti a um líder das Brigadas Paulo. São Paulo: Resenha Universitária, 1982, p. 229.
e inclusão (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018). 5. Ibidem, pp. 137-138 . Vermelhas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995, pp. 28 -29. 10. Ibidem, pp. 223 -224.
Se o corpo era o problema, agora era pos- Abelha, fazendo o papel de si mesma, passeia com 172 173 a determinadas figuras trans/travestis, como Rogé- desnecessária, “apenas serviu para mutilar um indi-
sível transformá-lo, e Fernanda especifica as três uma gilete pelo braço e explica as cicatrizes que ria, outros tantos textos veiculados nos seus quatro víduo do sexo masculino; transformou um doente
tecnologias que, para ela, seriam determinantes ali se veem: “Eu corto, o sangue sai, a polícia tem anos de existência revelam o quão incompreensível, mental em eunuco, satisfazendo seu desejo mórbido
nesse quesito: os anticoncepcionais (vendidos sem medo que eu morra na delegacia e me solta. Quan- e logo problemática, era essa experiência aos olhos de castração”,18 argumentando ainda que “a trans-
receita nas farmácias, mulheres trans/travestis ra- tas vezes eu já fui presa?”.12 O dispositivo legal para da militância cisgênera homossexual. Exemplo disso formação do sexo poderia ter reflexo na ordem ci-
pidamente descobrindo que, como efeito colateral, justificar essas prisões arbitrárias era a “contraven- é o artigo “Sobre tigres de papel”, no qual João An- vil, induzindo a erro sobre o estado do ofendido, até
eles produziam em seus corpos o crescimento dos ção penal da vadiagem”, lei que, à época, não era tônio Mascarenhas, depois de tachar como machista mesmo ensejando um simulacro de casamento”.19
seios e a redistribuição da gordura para partes do mais aplicada à prostituição de mulheres cisgêne- e errado o afeminamento em homossexuais, afirma A matéria que Aguinaldo Silva, um dos
corpo consideradas femininas), as próteses de sili- ras, por essa ser considerada “um mal necessário”, que o propósito das operações cirúrgicas realizadas mais destacados integrantes do Lampião, dedica à
cone nas mamas, para quem buscasse seios mais com “uma importante função social, qual seja, a de por mulheres trans/travestis seria ocultar suas verda- decisão judicial de Spagnuolo escancara o quan-
imponentes, e as injeções de silicone industrial, pe- preservar a moralidade dos lares, a pureza dos cos- deiras identidades e que: to a preocupação dos magistrados jamais foi com
rigosíssimas e dolorosíssimas, pois impróprias para tumes no seio das famílias”,13 mas que se mostrava a suposta vítima da “lesão corporal gravíssima”,
o corpo humano e aplicadas sem anestesia, mas ca- uma ferramenta bastante útil para inviabilizar a exis- os esforços que ele [a travesti] dedica — e mas sim com a possibilidade de cirurgias do tipo
pazes de criar da noite para o dia um corpo escultu- tência de mulheres trans/travestis, visto que, numa nunca com total êxito — para assemelhar-se (nas palavras de um editorial do jornal O Estado
ral, só comparável ao das mais cobiçadas modelos. sociedade LGBTfóbica como a nossa, o argumento ao que metade da população mundial é com de S. Paulo, que louvou a condenação) propicia-
O efeito dos hormônios em Fernanda é lento, mas do “mal necessário” jamais seria alegado para a naturalidade, francamente, para mim, signi- rem “alterações de registros de nascimento para
o dos silicones, sobretudo o industrial, é imediato: prostituição exercida por elas. Na entrevista con- ficam uma perda de tempo e de energia mui- que pudessem unir-se pelo matrimônio indivíduos
cedida por Guido Fonseca ao historiador James N. to grandes.16 do mesmo sexo”. 20 Após denunciar a hipocrisia da
Só depois das aplicações eu soube para va- Green, esse ponto é abordado explicitamente: Justiça, que trata essas operações como mutilação
ler o que significava ser mulher no meio de Na mesma direção, mas pelo menos sem somente por envolverem mulheres trans/travestis,
mil desconhecidos. […] Fui literalmente ar- Mesmo que ele [a travesti] ficasse quatro ou o recalque de Mascarenhas, vai o artigo “Vítimas da recusando-se a adotar o mesmo critério para cirur-
rastada para um outro mundo: o mundo das cinco dias no xadrez, ele sofria prejuízo, por- falta de espaço”, de Luiz Carlos Lacerda : “O travesti gias plásticas realizadas por pessoas cisgêneras, o
mulheres. que não ganhava o suficiente para pagar o é o fetiche de uma visão heterossexual da homosse- autor apresenta o que acredita ser “a única discus-
aluguel, a prestação do carro… Ele começava xualidade. O homossexualismo, para ele, não existe. são realmente válida em torno do tema”:
Uma mulher com pau, eu sei. Mas o que eles a se conscientizar de que aquilo que ele fazia Existem o homem e a mulher. O travesti acredita ser
não veem é o que não convém ver. E eu os não dava o suficiente para sobreviver. Ele ti- mulher.”17 Na sequência, à mesma página, o autor Não teria essa operação o objetivo de conse-
ajudo. Dou garantias. Sei escondê-lo com nha de ou sair da área do 4º Distrito e ir para expõe ainda o seu entendimento sobre cirurgias guir lucros às custas de homossexuais que,
habilidade e experiência sob a minissaia. outra área onde não havia repressão, ou ar- de redesignação sexual (CRS): “E há casos em que tendo aprendido desde cedo que em matéria
Apertado em calcinhas elásticas. Minguado rumar emprego e viver de outra profissão.14 essa crença chega às raias da castração física, numa de sexo só existem duas opções, e rejeitan-
pelos hormônios. Amassado de tal modo aceitação definitiva de abrir mão da sua sexualida- do aquela que a natureza supostamente lhes
que só quem procura encontra. (Sei que A perseguição policial direcionada a mu- de empírica (o pênis)”. Perceba-se que, apesar do destinou, procurariam na outra uma saída
talvez não seja assim. Muitos sabem, perce- lheres trans/travestis, assim como a conivência da “acredita ser mulher”, nada muda em relação ao para sua insatisfação?21
bem. Veem e mesmo assim se comportam mídia hegemônica em relação a tais violências, vem tratamento masculino imposto a elas. O curioso, no
como se eu fosse toda mulher. E este “como denunciada em várias matérias do Lampião da Esqui- entanto, é que, se, para a militância homossexual A reflexão é pertinente, pois pesquisas e
se” para mim é muito. Talvez tudo.)11 na, jornal que, com 40 números publicados entre 1978 cisgênera, as reivindicações trans/travestis repre- práticas médicas não se explicam apenas pelo al-
e 1981, revolucionou a luta de dissidências sexuais e sentavam uma ameaça de heterossexualização das truísmo de quem as realiza. Há obviamente outros
Quando “fazer-se de” já não era o bastan- de gênero ao reivindicar uma consciência homosse- relações e subjetividades homossexuais, da pers- interesses em jogo, mas isso não deve fazer com
te, foram esses procedimentos que permitiram a ela xual que não se contentasse com guetos nem tole- pectiva cisgênera heterossexual, a alegação era o que se ignore o efeito que essas cirurgias produ-
passar a um outro nível, o de existir “como se fosse”. rasse estereótipos.15 No entanto, apesar da empatia exato oposto, isto é, a de que a existência de pes- ziram na visibilidade de corpos e narrativas trans/
Talvez pareça pouco, ou problemático, da perspec- expressa diante desses abusos e do espaço que deu soas trans/travestis ameaçaria promover a homos- travestis. Daí que, enquanto a militância cisgênera
tiva de quem nunca precisou lutar pelo reconheci- sexualização da heterossexualidade. lésbica/homossexual denunciava a patologização
mento do próprio gênero, mas os esforços que toda É o que se observa, por exemplo, no pro- de suas sexualidades promovida pela medicina, era
uma comunidade faz e os riscos que aceita correr 12. JABOR, Arnaldo (diretor). Eu te amo. Embrafilme, 1981.
cesso movido em 1976 pelo Ministério Público do justamente nesta que pessoas trans/travestis se
em nome dessa legitimação deveriam deixar claro Trecho entre 75’ 42 ’’ e 75’ 51’’. Estado de São Paulo contra Roberto Farina, cirur- apoiavam para buscar reconhecimento. Importante
o peso que isso assume em suas vidas. Perceba-se, 13. FONSECA , Guido. Op. cit., p. 230. gião plástico que, desde 1971, vinha realizando a considerar, no entanto, que a comunidade trans/tra-
14. GREEN, James N. Além do Carnaval: a homossexuali-
além do mais, que as modificações encetadas por dade masculina no Brasil do século XX . São Paulo: Editora Unesp,
CRS em pessoas trans/travestis, apesar de não haver vesti só sai em busca do apoio da medicina em fun-
tais tecnologias são em boa medida permanentes, o 2019, pp. 414 - 415. legislação específica permitindo a realização de tais ção de ser essa praticamente a única instância que
que funcionaria como um poderoso aviso tanto para 15. No editorial “Saindo do gueto”, presente na edição operações no Brasil. Na decisão que condenou Fa- se dispôs a escutar e legitimar suas reivindicações.
inaugural, eles respondem da seguinte maneira à pergunta “um
si mesmas como para o restante da sociedade: “Eu jornal homossexual, para quê?”: “Nossa resposta, no entanto, é rina, por lesão corporal gravíssima, a dois anos de
não voltarei a viver como antes”. esta: é preciso dizer não ao gueto e, em consequência, sair dele. prisão (revertida em segunda instância), o juiz Adal-
Numa passagem do filme Eu te amo O que nos interessa é destruir a imagem padrão que se faz do berto Spagnuolo afirma que a dita cirurgia, além de
homossexual, segundo a qual ele é um ser que vive nas sombras, 18. Processo 199 / 76 , fls. 22- 3 . Observe-se, aliás, como a
(1981), dirigido por Arnaldo Jabor, a travesti Vera que prefere a noite, que encara sua preferência sexual como uma visão do magistrado é similar à de importantes lideranças ho-
espécie de maldição, que é dado a ademanes e que sempre es- mossexuais, no que diz respeito à CRS.
barra, em qualquer tentativa de se realizar mais amplamente en- 16. MASCARENHAS, João Antônio. “Sobre tigres de papel”. 19. Ibidem, fls. 30.
quanto ser humano, neste fator capital: seu sexo não é aquele Lampião da Esquina, São Paulo, n. 4, 25.08 -25.09.1978, p. 9. 20. Apud SILVA , Aguinaldo. “Transexualismo: um julga-
11. ALBUQUERQUE, Fernanda Farias de e JANNELLI, Mau- que ele desejaria ter.” Lampião da Esquina, São Paulo, n. 0 (edi- 17. LACERDA , Luiz Carlos. “Vítimas da falta de espaço”. mento moral”. Lampião da Esquina, São Paulo, n. 5, out. 1978, p. 5.
rizio. Op. cit., p. 82. ção experimental), abr. 1978, p. 2. Lampião da Esquina, São Paulo, n. 32, jan. 1981, p. 4. 21. Ibidem.
Com o genital sendo alegado, em todos de que ela é travesti, ela tira a peruca e diz: “Meu 174 175 de prazer, luxo e enfeite”. 28 Por fim, afirma que “a acaba levando-o ao suicídio. Mostram-se incapa-
os cantos, para deslegitimar a identidade de pes- nome é Patrícia, mas pode me chamar de Sandoval, homossexualidade não assumida [dos homens que zes de entender o que ele reivindica tanto amigos
soas trans, como não desenvolver uma relação e eu adoro rapazes curiosos como você”. A cena a desejam] fica perfeitamente protegida diante de próximos, como o deputado, quanto o feminismo e
conflituosa com o mesmo? Ninguém nasce que- acaba com Serginho gritando por socorro e tentan- Roberta Close. Afinal, aparentemente não se admi- a militância lésbica/homossexual cisgêneros de en-
rendo fazer cirurgia, ou desejando ter o genital x ou do fugir dos braços de Patrícia. 25 Mulheres trans/ ra um homem, e sim uma mulher.”29 tão. Marta é um exemplo apenas, mas observe-se
y, mas, quando se cresce ouvindo que ele é o pro- travestis, então, não só teriam pênis como também A crítica aos estereótipos empreendida o que diz o Galf (Grupo de Ação Lésbico-Feminista)
blema, difícil evitar o sentimento de aversão ou a estariam ansiosas por uma oportunidade para usá- pelo feminismo mascara o paradoxo da condição na carta que distribuíram no lançamento do livro
expectativa de “corrigir”, por meio de uma cirurgia, -lo, ainda mais contra homens indefesos. trans: como obter o reconhecimento do seu gêne- de Herzer, ocorrido pouco após sua morte:
esse “erro da natureza”, sobretudo após a inven- Nada mais distante da realidade, o que ro, senão apelando para os atributos que a própria
ção e popularização de cirurgias do gênero. Dizer a não impede que essa obsessão com os genitais de época entende como “femininos”? Não é Roberta O preconceito que empurra pessoas de cima
uma criança que ela não pode ser menina porque pessoas trans/travestis esteja sempre no primeiro quem os cria. Sua mulheridade seria mais facil- das pontes, como derrubou a jovem mulher
tem “pipi” não faz com que a criança se convença plano, mesmo para figuras que se destaquem em mente legitimada se, ao invés de depilação e ca- Sandra Mara Herzer de um viaduto para
de que não é menina: o que esse discurso faz é en- matéria de dissidência de gênero e sexual. Ou en- belos compridos, ela ostentasse barba e raspasse a avenida 23 de Maio, no dia 9 de agosto
sinar à criança que o genital que ela tem é o que a tão como entender as seguintes afirmações de Ney os cabelos? Além disso, é necessário perguntar por deste ano. Sandra Mara amava as mulhe-
impede de ter seu gênero reconhecido, momento Matogrosso: “A Roberta Close, por exemplo, des- que a crítica vai para uma das primeiras mulheres res numa sociedade ultramisógina, onde
em que se inicia um processo de rejeição ao pró- mascarou o machão brasileiro. Todo mundo sabe trans/travestis a obter reconhecimento, e não para apenas o masculino é positivo e tudo é fei-
prio genital e a tudo o que, em seu corpo, dificulte que é homem, e gosta. Ela é linda, mas é um rapaz. as Veras Fischers, as Luízas Brunets e as Moniques to para satisfazer as necessidades e anseios
a legitimação do que ela entenda ser. E esse toque masculino talvez seja o que mais atrai Evans que ocupavam posições similares à dela. As dos homens. Talvez por isso, supondo ser
A necessidade que Fernanda sente de nela.”26 Ney, que, na década de 1970, junto com as considerações de Marta sobre A queda para o alto incompatível a força e o feminino, o valor e o
esconder e anular seu pênis está nítida em vários Dzi Croquettes, balançaria as estruturas brasileiras (1982), de Anderson Herzer, primeira autobiogra- feminino, tenha se transformado em Bigode.
momentos de A princesa, revelando o peso sim- com a poderosa fusão de masculinidade e femi- fia publicada por um homem trans no Brasil, são Mas não cabe a nós criticá-la, pois Sandra
bólico que essa parte do seu corpo possui. Numa nilidade de suas performances, mesmo ele tinha igualmente reveladoras dessa incapacidade de Mara, o Bigode, tinha sua essência no femi-
das passagens de Meu corpo, minha prisão, Lorys dificuldade para entender uma narrativa que ques- compreender e aceitar uma noção de gênero não nino, não o feminino dos estereótipos, mas
chega mesmo a contar como, aos 5 anos, tentou tionasse o papel do genital na definição dos gêne- calcada no genital: aquele que transcende e não se conforma,
cortar fora o seu genital com uma tesoura, sen- ros. Reivindicava a androginia, o apagamento das preferindo até mesmo o suicídio. 32
do impedida pela mãe. 22 A descoberta da história fronteiras, mas não compreendia o gesto de quem, É o depoimento de uma jovem que en-
de Christine Jorgensen, mulher trans americana criada para ser homem, buscava o reconhecimen- trou com 14 anos, mulher, na Febem, e de E é Herzer quem nos conecta aos textos
que fez, com sucesso, a cirurgia de redesignação to de sua identidade feminina. Em outra entrevista lá saiu com 17 anos e meio, homem. […] O que abrem o presente ensaio, pois foi seu livro que
sexual no começo dos anos 50 e se tornou mun- concedida ao mesmo jornal, o cantor ainda afirma- que aconteceu com Sandra na Febem para pôs em contato Lorys e Rose Marie Muraro, edito-
dialmente famosa depois disso, faz com que Lorys ria: “Não preciso me cobrir de mentiras para poder mudar sua orientação sexual? Caso nunca ra de A queda para o alto. No prefácio de Muraro a
acredite que seu caso tem solução: “Eu não era passar por limpeza. A Roberta Close, por exemplo, tivesse ido parar na Febem teria mudado de Meu corpo, minha prisão, no entanto, vemos a cis-
o único no mundo a apresentar total disparidade deveria ser corajosa o suficiente para posar com- sexo? Foram as circunstâncias que a leva- generidade tanto se abrindo para dialogar com as
entre mente e sexo”. 23 Por não ter realizado ainda pletamente nua. Assim o povo iria enxergar de cara ram a se pensar como rapaz?30 reivindicações trans (ao problematizar, por exemplo,
a CRS, Lorys sequer se sente à vontade para se a realidade da coisa.”27 a negação da transexualidade por parte de um seu
tratar no feminino na narrativa. A incompreensão em relação a pessoas Marta ainda seguirá, por algumas linhas, amigo homossexual [Herbert Daniel?], e também o
Apesar disso, a maneira como persona- trans/travestis em geral, mas especificamente em problematizando a identidade de Herzer, descon- estereótipo propagado pela medicina de que a mu-
gens trans/travestis se fizeram presentes, à época, relação a Roberta, despontava também nos dis- siderando completamente o fato de que ele, da lher transexual precisaria, necessariamente, mos-
em produções audiovisuais demonstra que o peso cursos de importantes feministas cisgêneras do primeira à última linha do relato, se trata sem va- trar-se um ser “recatado, terno, discreto, submisso
dessa aversão era subestimado por perspectivas período, como por exemplo Marta Suplicy, que, cilações no masculino e por Anderson, ou seu àquele que ama”)33 quanto reproduzindo essa visão
cisgêneras. No já citado Eu te amo, por exemplo, a tentando entender “a irritação que ela (ele) causa apelido Bigode. Curiosamente, o mesmo proceder de gênero pautada pelo genital e pelo binarismo cis-
participação de Vera Abelha termina com ela rece- nas mulheres e o ‘encantamento’ que provoca em ocorre no próprio prefácio de A queda para o alto, sexista (nítida ao tratar Anderson no feminino e pelo
bendo sexo oral do protagonista Paulo (o ator Pau- muitos homens”, conclui que a razão é “porque se assinado pelo então marido de Marta, o deputado nome de registro ou ao falar do medo que sentiu ao
lo César Pereio) e, em meio a gemidos de prazer, coloca o falso como verdadeiro. O que não é como Eduardo Suplicy: “No dia 9 de agosto, Sandra Mara, encontrar-se pela primeira vez com Lorys, “um ser
mudando o próprio gênero e nome: “Paulo, eu me melhor do que o que é” e, pior do que isso, porque como eu sempre a chamara, embora ela preferis- indefinido, nem homem nem mulher, ambíguo por
chamo Paulo… Vai, Paulo, eu sou todo teu.”24 Outro “Roberta Close é o estereótipo levado ao quadra- se ser Anderson, conversou comigo sobre as suas dentro e por fora”34).
exemplo chocante ocorre em A mulata que queria do do ‘ser mulher’ na visão de uma sociedade pa- preocupações”. 31 Anderson descobriu, na Febem, Passagem que encapsula esses dois mo-
pecar (1977), de Victor di Mello. Nele, a persona- triarcal e subdesenvolvida onde a mulher é objeto que poderia existir como homem, mas, quando se vimentos é quando ela afirma que “Lorys como
gem Patrícia (a travesti multiartista Cláudia Won- vê livre da prisão, descobre que não poderia conti- mulher tem muito a dizer do mundo dos homens e,
der) fecha-se num quarto com um evidentemente nuar existindo da forma como se entendia, o que como homem, do mundo das mulheres”. 35 É como
bêbado Serginho (o ator Antônio Pedro) e come- se ela começasse a considerar a possibilidade de
ça a fazer um striptease. Quando ele se dá conta
25. MELLO, Victor di (diretor). A mulata que queria pecar. 28. SUPLICY, Marta. Reflexões sobre o cotidiano. Rio de
Di Mello Produções Cinematográficas, 1977. Trecho entre 63 ’ 40 ’’ e Janeiro: Espaço e Tempo, 1986, pp. 233 -234.
65’ 48 ’’. 29. Ibidem, p. 234. 32. “Carta por Sandra Mara”. Chana com Chana, n. 1, dez.
22. ÁDREON, Loris. Op. cit., p. 14 . 26. GROPILLO, Cilea. “Ney Matogrosso”. Jornal do Brasil, 30. Idem. Condição da mulher: amor, paixão, sexualida- 1982, p. 6 (itálicos do próprio texto).
23. Ibidem, p. 32. Rio de Janeiro, 08 .07.1984, Caderno B, p. 7. de. São Paulo: Brasiliense, 1984, p. 95 (texto originalmente publi- 33. ÁDREON, Loris. Op. cit., p. 6 .
24. JABOR, Arnaldo (diretor). Op. cit. Trecho entre 77’ 50’’ e 27. GRIZZA , Alice. “Ney Matogrosso”. Revista do Jornal cado no jornal Folha de S.Paulo, 21.11.1982). 34. Ibidem, p. 5.
78 ’ 10’’. do Brasil, Rio de Janeiro, 05.08 .1984 (itálicos do próprio texto). 31. HERZER . A queda para o alto. Petrópolis: Vozes, 1982, 35. Ibidem, p. 8 .
p. 13 .
uma mulheridade não calcada na vagina, mas não La Close não deu bola para sua genitália, que 176 177 LINN: … que nem toda mulher tem…
conseguisse esquecer do pênis com que Lorys nas- poderia impedi-la de ser mulher, e se cons- JUP: … barba! Mas é o meu caso…
ceu, o que só ajuda a explicar por que, para tantas truiu enquanto a imagem de mulher conven- LINN: … que nem toda mulher tem…
mulheres trans/travestis, a CRS se faz tão necessá- cional que circula por aí. Podemos questionar JUP: … chuchu! Mas eu tenho…
ria. Como nos esquecer desse genital ou reinventar essa imagem de mulher convencional que ela LINN: … nem toda mulher tem…
o que ele significa quando vivemos numa socieda- adotou, mas não a ela mesma. Sua criação é JUP: … cabelo seco, mas eu tenho!…
de que não sabe pensá-lo senão como sinônimo de muito particular e, embora parta da reprodu- LINN: … mas tem mulher que tem…
“homem” e que a todo momento tenta lembrar-nos ção do papel de gênero feminino, ao mesmo JUP: … pinto!…
de que nascemos com ele? tempo, rompe com ele, na medida em que o LINN: … olha só, gente!…
Conversando recentemente com Berna- subverte e modifica sua função principal, que JUP: … que novidade, pasmem!40
dette Lyra sobre o seu posfácio (e ela deixou claro é a de reprimir a sexualidade da mulher e a
que já não pensa daquela maneira), concluímos que sua autonomia em geral. No caso de Roberta Se, antes, identidades trans/traves-
sua crítica deveu-se ao fato de que, enquanto femi- Close, sua construção de mulher parece lhe tis incomodavam por, supostamente, se apegarem
nistas cisgêneras lutavam contra os estereótipos de dar bastante prazer e independência, e não a estereótipos de gênero, preparemo-nos agora
feminilidade impostos a pessoas criadas para ser dor ou opressão. 38 para, cada vez mais, termos que lidar com corpos
mulher (isto é, a quem nascesse com vagina), mu- dos quais nem será possível concluir se nasceram
lheres trans/travestis tentavam agarrar-se a esses Muito se pode ganhar com um resgate com pênis ou vagina. Por um mundo em que exis-
mesmos estereótipos num esforço de legitimar seu da postura contestatória de figuras como Dzi Cro- tências como essas não sejam possíveis apenas
gênero, a forma como se percebiam. De um lado, a quettes, Ney Matogrosso, Elke Maravilha e mesmo nos palcos.
pessoa obrigada a ser “mulher”, de outro, a proibida o andrógino Caetano Veloso dos anos de chumbo,
de sê-lo, o que não quer dizer que não existam pau- mas, se poucas pessoas trans/travestis do período
tas comuns a essas duas mulheridades, nem que costumam ser apontadas nesse tipo de lista, isso 40. PRISCILLA , Claudia e GOIFMAN, Kiko (diretores). Bixa
travesty. Válvula produções, 2018 .
elas não possam, juntas, construir uma luta pela su- talvez se deva menos à sua sujeição aos estereóti-
peração do sexismo. Essa união, no entanto, só faz pos e mais à dificuldade de perceberem o terremoto
sentido quando há abertura para o reconhecimento que nossas corporalidades antecipavam. Assegu-
do gênero de mulheres trans/travestis. rando-se mínimas condições de existência, como
Tal compreensão parece ser recente, mas agora começamos a ver, ainda há dúvidas de que o
brechas no pensamento hegemônico podem ser protagonismo na contestação dos padrões sexuais
encontradas, por exemplo, no já citado Chana com e de gênero é hoje encarnado por transvestigêneres,
Chana, jornal pioneiro nos debates sobre feminis- termo guarda-chuva criado por Indianare Alves Si-
mo e lesbianidade, editado pelo Galf entre 1981 e queira, que se autodefine como “nem mulher, nem
1987. No volume 6, do trimestre nov.-dez.-jan. de homem, pessoa de peito e pau”? O que, nos anos
1984-1985, Míriam Martinho publica uma intrigante 80, começava a se desenhar na vida e obra da “Diva
reflexão sobre a mulheridade de Roberta Close, de- da dúvida” Claudia Wonder, 39 assume agora o seu
fendendo que “ela é a prova mais contundente do esplendor em figuras como Linn da Quebrada e
que Simone de Beauvoir, autora do livro O segundo Jup do Bairro, que, no documentário ficcional Bixa
sexo, escreveu há quase três décadas”, isto é, que travesty (2018), de Claudia Priscilla e Kiko Goifman,
“ninguém nasce mulher, mas sim torna-se mulher”.36 protagonizam esse precioso diálogo:
O mais surpreendente, no entanto, é a maneira como
a autora constrói seu argumento. Após criticar a na- [Jup acaba de contar que o taxista a tratou no
turalização dos papéis sexuais, que teriam como masculino e ela precisou corrigi-lo, momento
principal objetivo “manter a dominação do homem em que elas começam uma a completar a fra-
sobre a mulher e o controle da sexualidade e do se da outra]
comportamento das pessoas em geral”, 37 e tachar
como “pseudocientífica” a noção de “configuração JUP: Eu tive que explicar pra ele…
cerebral feminina” (utilizada pela medicina para ex-
plicar a transexualidade), Martinho lança as bases
de um feminismo capaz de problematizar os essen-
38. Ibidem, p. 5.
cialismos de gênero sem que, com isso, se deslegiti- 39. Assim a define Caio Fernando Abreu, em sua crôni-
mem as identidades trans/travestis: ca “Meu amigo Cláudia” (O Estado de S. Paulo, 17.06.1986, Caderno
2, p. 2 .): “Para a maioria dos senhores do mundo, a presença de
Cláudia deve representar a suprema transgressão, a mais perigosa
das ameaças. Tanto que andam matando pessoas como Cláudia,
na noite negra e luminosa de Sampa. É que meu amigo Cláudia in-
corporou, no cotidiano, a mais desafiadora das ambiguidades: ela AMARA MOIRA é travesti, feminista, doutora em teoria e crítica literária (com tese sobre
36. MARTINHO, Míriam. “Roberta Close: homem ou mulher”. (ou ele?) movimenta-se o tempo todo naquela fronteira sutilíssima as indeterminações de sentido no Ulysses, de James Joyce) e autora do livro autobiográfico
Chana com Chana, São Paulo, n. 6, nov.-dez.-/jan. 1984 -1985, p. 2. entre o ‘macho’ e a ‘fêmea’. Isso numa sociedade em que principal- E se eu fosse puta (hoo editora, 2016) e do monólogo em pajubá “Neca”, publicado
37. Ibidem, p. 4. mente o genital é que determina o papel que você vai assumir.” na antologia LGBTQIA+ A resistência dos vagalumes (Nós, 2019).