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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS

ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: GEOGRAFIA HUMANA

NÍVEL: DOUTORADO

TESE DE DOUTORAMENTO APRESENTADA AO


DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA DA FFLCH/USP.
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: GEOGRAFIA HUMANA.

PAISAGEM NO KOSMOS DE HUMBOLDT: UM DIÁLOGO ENTRE A


ABSTRAÇÃO E A SENSIBILIDADE

ORIENTADOR : PROF. DR. HEINZ DIETER HEIDEMANN


ORIENTANDO: CLAUDINEI LOURENÇO

USP, VERÃO DE 2002.


SUMÁRIO

Apresentação: Paisagem, Teoria e Lembrança................................................01

Introdução: a Necessidade da Paisagem...............................................................09

Por que ler Humboldt hoje?...........................................................................11

O que ler em Humboldt?................................................................................13

Por que ler o Kosmos?...................................................................................14

Por que Paisagem?.......................................................................................16

Capítulo I - A tradição Cosmológica no Kosmos de Humboldt.......................21

O Kosmos de Humboldt.....................................................................................24

O Cosmo de Humboldt......................................................................................43

O Kosmos e a Geografia.....................................................................................47

Capítulo II - Paisagem e Ciência no Kosmos de Humboldt: a Abstração


Sensível............................................................................................................51

A produção cientifica de Humboldt: entre Galileu e Darwin................................54

Paisagem e Ciência no Kosmos..........................................................................75

A Abstração Real...............................................................................................83

Capítulo III - Paisagem e Arte no Kosmos de Humboldt: a sensibilidade


abstrata............................................................................................................90

A Arte na Ciência do Kosmos........................................................................91

Paisagem e Arte no Kosmos.........................................................................105

Arte e abstração: o Desvelamento da Paisagem................................................113


Considerações Finais: Paisagem e Geografia................................................123

Primeira Consideração: a Diacosmese de Humbodlt.........................................123

Segunda Consideração: Humboldt e a Paisagem..............................................124

Terceira Consideração: a Paisagem e o Empirismo.................. ....................126

Quarta Consideração: Paisagem e Geografia....................................................128

Quinta Consideração: o Observador ou o Guardador de Rebanhos....... .......129

Sexta Consideração: a Presença da Paisagem...................................................131

Bibliografia específica...................................................................................134

Bibliografia Geral..........................................................................................135

Anexos...........................................................................................................149

I- Cronologia...................................................................................................149

II- Documento Ordenando o Aprisionamento de Humboldt. ............................163

III- Esboço de Tradução. .................................................................................165

IV- Documentação Pictórica. ...........................................................................186


Wie von Göttern gesandt, fesselt’ ein zauber einst
Auf die Brücke mich an, da ich vorüber ging,
Und herein in die Berge
Mir die reizende Ferne schien,

(Friedrich Hölderlin – Heidelberg)

An Dieter.
“Ele aproveita essa oportunidade para extrair uma época
determinada do curso homogêneo da história; do mesmo modo, ele extrai
da época uma vida determinada e, da obra composta durante essa vida,
uma obra determinada. Seu método resulta em que na obra o conjunto da
obra, no conjunto da obra a época e na época a totalidade do processo
histórico são preservados e transcendidos.”

(Walter Benjamin – Sobre o Conceito da História)

A todos que fizeram a história desta Tese...


“Não andam muito, que no erguido cume
Se acharam, onde um campo se esmaltava
De esmeraldas, rubis, tais que se presume
A vista que divino chão pisava.
Aqui um globo vem no ar, que o lume
Claríssimo por ele penetrava,
De modo que o seu centro está evidente,
Como a sua superfície, claramente.”

(Camões – Os Lusíadas. Canto X, 77)

Para Humboldt.
APRESENTAÇÃO: Paisagem, teoria e lembrança.

“No instante, a paisagem se agita como um vento.”


(Walter Benjamin - A Imagem de Proust)

No princípio era o Liso! O resultado apresentado aqui como Tese de


doutoramento insere-se, para nós, num quadro, cujo ponto de fuga aponta para
dois momentos. Apontá-los ajudam a compreender o movimento que nos permitiu
chegar até aqui propondo uma tese sobre geografia, paisagem e Humboldt.

O primeiro, não cronologicamente, é explícito e reporta-se à primeira semana


do curso de graduação no antigo IPEA de Presidente Prudente, já então no seio da
UNESP (Universidade Estadual Paulista). Prepararam-nos, naquele verão
prudentino de 40º em 1985, um banquete geográfico com várias conferências. Lá,
compareceram o professor Milton Santos com sua bela camisa verde, o professor
Carlos Augusto de Figueiredo Monteiro com sua camisa branca de flores
amarelas e vermelhas, o professor Armando Correa da Silva sem o seu incorroível
paletó azul, o professor Carlos Antonio Robert de Moraes com seu “Tonico” à
frente. Esse é o quadro, não sei se fiel às lembranças ou memórias dos fatos,
inicial ao mundo do conhecimento geográfico.

Dois raios teóricos saltam-me no lusco fusco da lembrança desse quadro: o


método e a festa. A ordem da noite (fiz o curso noturno) era o debate teórico. A
aproximação da geografia ao marxismo solicitava sua própria gênese
epistemológica. A justificação e firmeza das posições necessitavam da âncora do
método para discernir o ego científico. Nesse reposicionamento da geografia
brasileira havia a premissa da releitura crítica dos clássicos, embora, diga-se, o
sentimento era o de não o fazer, tal o caráter destrutivo da crítica. Um movimento
ambíguo, portanto. Postulavam-se a necessidade do rigor metodológico e o
compromisso político, mas impossibilitavam-se as bases para esse salto nos
fundamentos do pensar geográfico. Mas, no princípio era a festa.

A festa foi anunciada pelo professor Carlos Augusto. Disse ele: Se eu fosse
vocês, estudaria menos e aproveitaria mais a vida. Para quem começava um
curso universitário era um conselho estranho. Só pude imaginar que a Geografia
era a madrasta e nós as cinderelas interditadas. Se havia, como se podia
suspeitar naquelas palavras, uma oposição entre viver e estudar geografia, para
qual Orco estávamos sendo levados? Das duas, três. Ou sairíamos correndo para
o parque do povo, como um boi em legítimo estouro, ou resignar-nos-íamos, tal e
qual o novilho na rampa do altar, ou vestidos á el Silverio, teríamos en el toro o
sentido da vida. Só o contato com o fazer geográfico permitiu-me encontrar a
possibilidade do terceiro termo da metáfora. Aí, muito contribuiu o sonho
chamado AGB. Enfim, a Geografia é um convite para a festa. Em tempo, a
metáfora bovina é tributária das colinas de capinzais do interior de São Paulo.

O segundo momento, mais afundado na lembrança, é um fato de paisagem.


Aliás, só essa pesquisa permitiu-me identificar aquela sensação estranha da
infância. Ao lado da casa onde vivi até os dez anos, havia um vale, que também,
só hoje, sei tratar-se por esse nome, coberto, quase perenemente, por capitães
multicoloridos e outras flores, igualmente coloridas, mas voadoras, chamadas
borboletas, as quais perseguíamos implacavelmente pelo vale adentro. Havia, na
vertente oriental do vale, um afloramento de arenito Bauru, cuja cor rosa não me
sai da lembrança e que me servia de promontório à imaginação. Pode-se dizer que
era o meu lugar, e agora sei que o é, pois o tenho, irremediavelmente. Nessa
penha rosa, passava horas sentado a ver não sei o quê. Não era uma flor ou
borboleta, mas o conjunto à frente que ia dos pés soltos no vazio até às nuvens
do semicírculo abobadado. Esse mar de capitães era a cada dia um novo sonho.
Fosse o pôr-do-Sol ainda abrasador ou o escuro barrado de relâmpagos das
frentes de convergência que o Oeste parecia enviar até ali para expulsar-me
daquele ócio estético. Aprendi, com Humboldt, que já existiu uma atividade, entre
os estruscos, de observadores de relâmpagos e raios: os fulguratores. Imagino que
fui um “fulgurator” amador na infância, tal é a impressão que aquele bailado de
fogo construiu na moldura do meu vale.

Hoje, esse lugar já não existe para mim. Tornou-se um amontoado de casas
com o vermelho dos blocos cerâmicos e o cinza da fibra de amianto das telhas.
Mas o fato do lugar já não existir para mim, não quer dizer que o lugar não
exista. Seria um conservadorismo impor ao mundo o meu estado de coisas. Que o
mundo já tenha de produzir-se em museus de lugares não é novidade, afinal para
onde iriam as musas? Mas fica sempre a pergunta: e as crianças, onde estão?

Procuramos, na forma aqui descrita, encontrar os nexos entre pensamento e


realidade. Para tal elegemos um movimento de descrição da paisagem no Kosmos
de Humboldt1. A pergunta posta questiona, não a forma da síntese ali exposta,
mas a implicações históricas das possibilidades ali colocadas. Logo, a crítica não
se restringe à obra de Humboldt, magistral em muitos os sentidos, mas dirige-se
ao mundo que a exigiu.2.

Com esse exercício, pretende-se que a exposição contribua para a compreensão


do nexo atual entre nossa forma de produção de conhecimento e sua
correspondência ao mundo colocado. Implica, portanto, em questionar o papel
das formas teóricas na constituição das nossas formas práticas.

Na introdução, perfilamos algumas questões que indicam a necessidade do


permanente refazer do conhecimento. Pergunta-se, fundamentalmente, porque ler
Humboldt. O documento que se segue procura responder a isso. Adiantamos que
a resposta dada é parcial; e não poderia ser de outra forma dado caráter da obra
analisada. Esperamos, e já nos daríamos por satisfeitos, contribuir para o
estímulo ao estudo de Humboldt.

No capítulo I, apresentamos a obra de Humboldt, sua vida e o Kosmos. Na


epígrafe dedicatória de Walter Benjamin procuramos encontrar a posição
adequada nesse desenvolvimento. Interessou-nos, mas não comparece aqui,
grande parte da vida privada de Humboldt. Buscamos saber, através da sua vida
cotidiana, a experiência do homem e a ciência no febril período em que viveu. É
isso que comparece em suas obras: pouco ou nada das agruras cotidianas
abalam a missão do novo herói das luzes. A análise de sua fecunda produção
epistolar mereceria um estudo aprofundado, o qual revelaria as condições do
pensar do século XIX, no âmago do seu núcleo. Localizamos, resumidamente, a
presença desse fazer científico no curso do próprio fazer científico e nas
correspondentes ilações da forma social moderna.

1
A figura que foi utilizada como capa da Tese é de W. von Kaulbach. Staatsbibliothek. Berlín Ocidental.
Fonte: BOTTING, op. cit.
2
Yeats, numa bela figura, pergunta-se: “como separar da dança o dançarino?”.
recebem o mesmo tratamento e devem ser cotejadas com a bibliografia
específica.

Pensamos que o resultado apresentado na forma desse documento participa


apenas uma pequena parcela do processo vivenciado. Somos várias frentes da
diacosmese moderna. O fato de não podermos “mundar” o Mundo atual na forma
da ordem desejada indica o pressuposto para uma nova condição: pervius Orbis.
INTRODUÇÃO: A necessidade da paisagem.

"Hast du Verstand und ein Herz, so zeige nur eines von beiden;

Beides verdammen sie dir, zeigest du beides zugleich."

(F. Hölderlin -1800)

"A las dos de la tarde iba a la vela el Pizarro". Assim Humboldt inicia o relato
da partida de sua viagem e de Bonpland para a América. A bordo da pequena
corveta, a ansiedade misturava-se à curiosidade sem tamanho gestada durante
muitos anos na fértil imaginação de um dos maiores cientistas vivos do século
que logo se abriria e que, em outros termos, apresentaria a consolidação do
processo de modernização. Nesses vários termos iniciais, temos, já, a
preocupação de alinhar alguns elementos do documento aqui apresentado.

Içemos nossas velas, pois!

Também aqui, o relato se fez durante a viagem e consolida-se agora também


como tal. Palmilhamos nas trilhas de Humboldt até onde nos foi possível
acompanhá-lo e, desse percurso, esperamos trazer elementos para uma melhor
compreensão da relação homem-e-mundo na aurora de um novo milênio e,
também, como momento crítico e limite do processo de modernização. Objetivo
mais geral que se complementa com outros mais específicos: a) didático- realizar
um exercício acadêmico de pesquisa que busca nos afeiçoar e aperfeiçoar na
compreensão da produção do conhecimento científico; b) pedagógico - ampliar o
conhecimento da obra de Alexander von Humboldt no Brasil; c) teórico -
investigar a permanência e atualidade da paisagem em sua obra e na produção
geográfica atual. d) historiográfico - analisar a produção de uma obra específica, a
saber, o "Kosmos"

Para tal, desenvolvemos um conjunto de atitudes e procedimentos teóricos,


metodológicos e técnicos que podem ser assim expostos. Incialmente os passos
operacionais: 1- uma pesquisa bibliográfica cujo detalhamento apresentamos ao
final desse texto, 2- leitura e análise da obra fonte de nossa pesquisa, o Kosmos;
3- leitura e análise de comentadores da obra de Humboldt, principalmente na
literatura específica da Geografia. 4- verificação da produção em curso sobre a
obra de Humboldt. 5- verificação do acolhimento da obra de Humboldt no Brasil,
principalmente nos periódicos geográficos.

Tais procedimentos permitiram à nossa pesquisa reconhecer uma vasta


produção de e sobre Humboldt e, além disso, reconhecer sua concentração pelos
diversos países e línguas.

Metodologicamente, alinhamos nossa pesquisa a um conjunto de


procedimentos que podem ser enquadrados nos procedimentos da história da
ciência com o objetivo de analisar o contexto específico da produção da obra de
Humboldt com as filiações históricas e sociais e elementos da filosofia da ciência
que permitiram um acompanhamento de termos essenciais e estruturais do
Kosmos.

Esse conjunto de procedimentos foi necessário à atividade de investigação do


Kosmos já que sua própria estruturação e abrangência temática solicitaram
níveis de análise diferenciados, demonstrando, em determinados momentos, uma
certa opacidade à análise com determinado instrumental.

Tal compromisso, no entanto, alinha-se no plano teórico mais amplo3 em que


situamos nossa pesquisa e que esperamos tenha nos possibilitado esse

No capítulo II, descrevemos a inserção do conteúdo do Kosmos no


desenvolvimento científico do século XIX. Para a compreensão dessa inserção
reconstruímos alguns pressupostos localizados na denominada revolução
científica do século XVII. Tal percurso, presente no Kosmos, revela, em algum
grau, a materialidade do fazer científico da primeira metade do século XIX: o
contato pessoal e bibliográfico, a forma de acesso ao conhecimento, a
institucionalização em desenvolvimento, a origem dos financiamentos, as idéias
em movimento, a concretização da técnica. Na descrição procuramos encontrar,
além da personalidade científica de Humboldt, os fundamentos do
desenvolvimento da sociedade moderna. A existência do Kosmos, enquanto
síntese, constitui registro desse processo.
No capítulo III, expomos a procura das aproximações, pistas, declarações que
tangenciam a produção científica de Humboldt. Em diálogo interno com o
capítulo II, demonstramos a verificação da presença de acolhimentos do
conhecimento disperso nas culturas, nos registros não-hegemônicos, na
encarnação material do fazer, etc. Destacamos o uso do conceito
Weltanschauung, presente no Kosmos, como forma sintética para a compreensão
do próprio Kosmos.

No capítulo IV, as considerações finais, condensamos alguns dos


desenvolvimentos presentes no texto e consolidamos o argumento central da tese.
Não se trata, porém, de estabelecer princípios de verificação, mas de trazer
aproximações que permitam, ao pensar, confrontar-se consigo mesmo, o que é,
aliás, a proposição inicial de qualquer percurso acadêmico.

Os anexos, compostos por quatro “documentos”, cumprem funções


diferenciadas no conjunto. O primeiro apresenta uma genérica biografia de
Humboldt, que pode, entre outras coisas, auxiliar na compreensão do longo
percurso individual que o mesmo tracejou nas folhas da história. O segundo,
mais do que uma curiosidade pátria, apresenta elementos do contexto da
produção científica do período, identificando, de forma crua, a máxima de que
conhecimento é poder. O terceiro anexo apresenta um esforço, em forma de
esboço, de “traduzir’” o texto Humboldtiano num de seus momentos mais
importantes. Por fim, o quarto anexo reúne um conjunto de imagens que são
indiciadas ao longo do texto. Deve-se observar que não se trata de análises das
imagens apresentadas, muito distantes do objetivo dessa pesquisa, mas de um
recurso demonstrativo no percurso da análise.

Finalmente, algumas observações sobre o processo de leitura são necessárias.


O Kosmos é uma obra de síntese no percurso intelectual de Humboldt. Foi
gestada e desenvolvida durante toda a sua vida e comporta, por isso, em diversos
momentos. Desde a intuição para tal composição até a incansável atualização das
descobertas científicas. Embora seja uma obra de “fácil leitura”, nosso
distanciamento em relação ao contexto da produção implicou dificuldades de
acompanhamento. O Kosmos apresenta, em suas páginas, uma síntese
significativa do conhecimento científico da primeira metade do século XIX. Mas
não só. O esforço didático de Humboldt leva-o a exercitar sua erudição a partir de
seu estado atual. Logo, temos uma obra que penetra profundamente na história
humana e que ajudou a definir a idéia de universalidade.

Utilizamo-nos para esse estudo, das edições que constam na bibliografia


específica. Optamos por citar a tradução espanhola, de Giner, já que o
documento que apresentamos encontrará no público da língua portuguesa a
maioria dos leitores. Mas tal opção não está isenta de dificuldades. Embora a
tradução de Giner consista num esforço dos mais admiráveis, tanto pela
vitalidade quanto pela oportunidade histórica, ela representa, sempre, uma
leitura datada, o que é importantíssimo para uma pesquisa como a nossa. Porém,
em momentos muito específicos da nossa leitura encontramos dificuldades que
poderiam sugerir uma interpretação distanciada da leitura do original,
especificamente quando queríamos determinar o uso do termo Landschaft.

Na tradução de Giner aparece, por exemplo, a expressão regiones montañosas


(C. T II p. 205), quando no texto original aparece Gebirgslandschaft (K. T II p.
185). Mesmo considerando a autonomia da leitura do tradutor, a opção de
traduzir Landschaft por regiones não se justifica, pois o termo correspondente
mais próximo, no caso, seria paisaje. Se no contexto, paisagem e região
concordam no sentido, deixamos à interpretação do tradutor. Porém, a polissemia
do termo paisagem poderia ser, em casos como esse, um importante elemento
histórico de análise3.

Optamos por citar, ao lado da tradução de Giner, mesmo em havendo


concordância, os termos e expressões originais que poderiam contribuir para a
leitura do texto em algumas passagens que necessitariam, em nosso
entendimento, de maior precisão. Nesse caso, aparecem os termos e expressões
do original em destaque. Nem sempre foi possível essa verificação dada a
liberdade, justa, do tradutor na inserção de uma terminologia de sua própria
língua. Aí, aparecem pontos de interrogação que indicam a dúvida pela presença
de alguns termos.
Optamos por relacionar a bibliografia específica e geral separadamente. Como fica evidente, não tomamos
contato com todas as obras de Humboldt, a não ser pelo trânsito de uma obra para outra ou pelas análises de
comentadores. Nem foi possível identificar todas as possíveis edições do Kosmos e sua historicidade. No
entanto, pensamos que o corpo bibliográfico apresentado é significativo para o movimento de pesquisa que
apresentamos. Quanto a ele cabem algumas observações. Indicamos ao longo do texto as obras seguindo uma
imbricamento. Trata-se, aqui, do que, em termos gerais, se convencionou chamar
de materialismo histórico e que responde pelo método de interpretação da
realidade, remetendo-nos ao posicionamento crítico frente ao processo de
modernização. Trata-se, não de um julgamento da história, mas do movimento
entre análise e síntese ou do movimento entre entendimento e compreensão dos
momentos singulares desse particular eregido como totalidade que consideramos
o objeto sensível e lógico da pesquisa: o surgimento e desenvolvimento da
moderna sociedade produtora de mercadorias

No entanto, algumas considerações são específicas aí.

Nesse conjunto de possibilidades é importante alinhavar algumas


considerações prévias acerca desta busca. Ficaremos aqui com as palavras de
Manfred Büttner:

“Las tareas del historiador de la Geografía presentan dos vertientes. La primera es la de


averiguar cómo funcionaba la investigación geográfica. Ello involucra los siguientes
aspectos:

a) Descubrir el principio fundamental en torno al cual se organizaban los hechos


conocidos en una época determinada.

b) Cuál el la concepción filosófica que se toma como base.

c) Cuáles eran las preguntas que se consideraban de mayor y de menor relevancia.

d) De dónde procedían las motivaciones.

e) Cuál era la idea central que se tomaba como punto de partida.

f) Qué cambios tuvieron lugar y de donde procedía el motor de los mismos.

g) Cuál fue la dirección que tomó la disciplina.

abreviatura. O K maiúsculo indica tratar-se da versão alemã. Optamos, nesse caso, por utilizar para os dois
primeiros tomos a edição mais recente. No caso da edição traduzida de Giner, as referências aparecem com a
indicação do C maiúsculo e seu correspondente tomo e paginação. Outra obras citadas de Humboldt 3 "A
primeira é a maneira como entendo o trabalho em história da filosofia, isto é, mostrando que uma filosofia
interroga a experiência de seu tempo, é constituída por essa experiência e é também constitutiva dela, de sorte
que a história não é um mero contexto externo à obra, e sim que ela precisa emergir da própria obra,
esclarecendo-se nela e a esclarecendo também." ( Chauí, Marilena: Folha de São Paulo. 1999. op. cit.
(...) Después de responder la pregunta del cómo, surge una segunda pregunta, de
enorme interés para o historiador de la ciencia: la cuestión del por qué, que personalmente
considero que es la más importante”4

Por que ler Humboldt hoje?

Aparentemente muito fácil de responder, devido ao número significativo de


exposições laudatórias da obra de Humboldt que encontramos em nossa pesquisa
e que poderiam dar uma amostra inicial do conteúdo do contato que muitos de
seus leitores têm apresentado, tal questão obriga-nos, se não a nos distanciarmos
completamente do reconhecimento desse grande espírito, pelo menos superarmos
esse caráter laudatório que muito pouco acrescenta ao entendimento e,
pensamos, seria de todo estranho à personalidade que em vida manteve-se
distante dessa forma de relação.

Assim devemos, em primeiro lugar, responder à questão básica da justificativa


do estudo de um pensador alemão do século XIX, na soleira do século XXI. Num
mundo de grande complexidade e velocidade, movido por energias e tecnologias
fantásticas, qual seria a contribuição possível de um homem do século XIX, como
Humboldt?

A resposta à essa questão remete-nos a problemas de conteúdo e de método na


ciência geográfica. A leitura de Humboldt, como esperamos demonstrar, oferece a
possibilidade de compreender um dos fatos mais importantes da história recente
da sociedade humana que foi a consolidação da ciência como forma de
conhecimento e como orientadora do pensamento e ação humanas. Em sua longa
vida de intensas atividades científicas, Humboldt estudou, produziu, coligiu,
sistematizou e aplicou um conjunto importante de teorias, leis, principios,
métodos, técnicas e resultados de várias "áreas" do conhecimento, tornando-se,
segundo vários comentaristas, o principal cientista da primeira metade do século
XIX.

Alguns aspectos dessa vida singular, tais como a intensa concentração e


comunicação das atividades, fazem da obra humboldtiana 5 um objeto exemplar

4
BÜTTNER. 1977. p. 5. op. cit.
para a análise do fato que investigamos. Em particular, Humboldt coloca-nos, ao
ser firmado como um dos "pais" da Geografia moderna, a tarefa específica de
situar a produção do conhecimento geográfico no mesmo fato investigado.

Pode-se, ainda, levantar como argumento à investigação da obra


humboldtiana, a revisitação atual, tanto comemorativa6 como investigativa, de
muitos aspectos da mesma e que nos cenários acadêmicos e culturais aparece
afirmando a atualidade desse pensamento para as questões do presente.

Tomar contato com a obra de Humboldt é tomar contato com a quase


totalidade da produção científica de seu tempo em diversos graus de qualidade e
gênero. Trata-se, portanto, como já afirmado, momento ímpar de aprendizado e
exposição do desenvolvimento do pensamento humano.

O que ler em Humboldt?

Da pequena parcela da obra que tivemos contato, poderíamos, aqui, extrapolar


para a necessidade do estudo de toda a sua produção, inclusive de sua intensa
atividade epistolar, na qual figuram um agitado mundo cotidiano da ciência do
século XIX e da própria vida de Humboldt.

Certamente, desde suas primeiras obras sobre os basaltos e sobre a flora até a
consolidação final no Kosmos é possível acompanhar a extrema diversidade de
interesses, como o próprio Humboldt afirmaria muitas vezes, a que sua
curiosidade o levava. Essa sua intenção e necessidade de estudar várias frentes
de expansão do conhecimento científico não impediram que suas preferências se
manifestassem e perdurassem na obra como as áreas, nas quais Humboldt se
sentia mais seguro, como por exemplo, nos estudos sobre o magnetismo terrestre.

5 Acompanhamos aqui, em mesmo sentido, o uso dos termos que Marilena Chauí utiliza no estudo da obra de
Espinoza: "Os leitores observarão que, no correr desse livro, empregamos três termos para nos referirmos ao
pensamento de Espinosa: espinosismo, espinosista, espinosano/espinosana. Espinosismo e espinosista são
empregados para significar: 1) as críticas e as imagens pejorativas realtivas à obra de Espinosa; 2) as
referências, também pejorativas, que autores fazem a outros para indicar sua suposta filiação ao pensamento
de Espinosa, seja do ponto de vista teórico, seja do prático; 3) a caracterização da obra de Espinosa como
doutrina. Espinosano/espinosana são empregados para indicar o que consideramos expressão do próprio
pensamento do filósofo, suas idéia e seus discursos." (CHAUÍ: 1999. p. 21. op. cit)
Além da diversidade de "conteúdo", pode-se afirmar uma variedade de gêneros
literários na exposição humboldtiana, indo desde o apurado relato de suas
viagens até os textos de divulgação científica sistematizados a partir de suas
conferências públicas. Nesse percurso, no qual os gêneros, muitas vezes,
misturam-se, chamou-nos a atenção a presença, quase sempre explícita, de um
estilo característico7 que acompanha todos os gêneros utilizados.

Trata-se, portanto, de inestimável exercício, acompanhar a obra de um


pensador do porte de Humboldt. No entanto, a pretensão dessa tese
circunscreveu-se ao específico de uma peça, que diga-se de antemão, pode ser
considerada uma síntese das demais, a saber o Kosmos. Pensamos que, ao eleger
para análise esta e não outras peças da obra, seria possível alcançar as demais
através dos elementos aí contidos. Fato esse comprovado durante o cotejamento
de algumas das peças específicas com o Kosmos.

Por que ler O Kosmos?

Uma obra monumental, grande obra, monumento ao saber, obra de síntese,


obra definitiva, obra de uma vida e outras expressões de mesmo sentido são
usualmente utilizadas para iniciar uma aproximação ao último esforço intelectual
de Alexander von Humboldt e pelo qual teria seu reconhecimento máximo. Talvez
essas afirmações já bastassem para responder à questão acima, porém nossos
objetivos levam-nos a descrever melhor a justificativa da opção.

Um rápido olhar a alguns comentaristas que analisaram essa obra pode


indicar-nos alguns elementos que fazem do Kosmos uma obra singular para o
estudo da produção do conhecimento científico8 e ao quais pretendemos
acrescentar alguma forma de contribuição.

6 Durante todo o ano de 1999, em comemoração ao bicentenário da chegada de Humboldt e Bonpland à


América aconteceram diversas exposições sobre a experiência da expedição e, particularmente, sobre a vida e
obra de Humboldt.
7
"PS. Los mayores defectos de mi estilo son una desgraciada propensión a las expresiones poéticas, un uso
demasiado frecuente de participios y adjetivos, y una concentración excessiva de opiniones y sentimientos en
una frase." Humboldt, in BOTTING: 1983. p. 237.op. cit.
8
Il Kosmos ottene un grande successo ed ebbe una grandissima diffusione e quindi influi moltissimo sulla vita
culturale de allora, e fu tradotto in molte lingue, anche in italiano. Quale é il valore di quest'opera?
Evidentemente, dopo cento anni di continuo progresso scientifico, essa é superata. Ma non è questo il destino
di ogni opera scientifica? Oggi il Kosmos há un valore storico, e soprattutto lletterario. Anche nell'attuale
epoca di crescente specializzacione, gli scienziati farebbero bene a leggerlo per ampliare il loro orizzonte
scientifico." STELEANU, A p.436. op. cit
Pode-se afirmar que O Kosmos é a execução de um projeto do inicio da vida de
Humboldt, o qual ganha, no decorrer da mesma, contornos particulares,
culminando, por assim dizer, numa corrida final contra a própria morte. Os
marcos desse processo de produção da obra podem ser assinalados em três
momentos:

O primeiro, ainda em 1796, pode ser demonstrado pelo o que o próprio


Humboldt escrevera:

"He ideado una descripción física del mundo. Del mismo modo que soy consciente de que
cada vez es más necessaria, también observo cuán pocos fundamentos existen para
semejante edificio.”9

Dessa idéia inicial difusa, ainda demarcada pelo contato com os gêneros da
literatura de seu aprendizado, o fundamental ficaria e só seria consolidado ao
longo de suas pesquisas: a convicção da necessidade de uma exposição síntese do
conteúdo e forma da dinâmica da natureza.

Tal projeto só começaria a ganhar a forma que nos chegou a partir das
conferências de Berlim, consideradas aqui o segundo marco na definição da obra
às quais nos referimos no anexo III. No processo de exposição da produção
científica, Humboldt convenceu-se, ainda mais, da necessidade de uma
divulgação para fora dos muros dos experts daquilo que para ele configurava-se
em conquistas para o homem. À medida em que os produtos da ciência e da
técnica começavam a fazer parte do cotidiano das pessoas, a justificação dessa
produção fazia-se urgente. Ainda mais, Humboldt convenceu-se da necessidade,
como ele afirmaria a partir de Bacon, da ampliação da produção científica para o
desenvolvimento de uma nação, que no seu caso, postava-se ainda na retaguarda
do contexto europeu.

O terceiro marco dessa produção pode ser assinalado com a própria redação
final da peça, cujo percurso10 e análise mais pormenorizada encontra-se no

9
Humboldt, in BOTTING. 1985. p. 234-235. op. cit.
10
"Puede asegurarse que el germen del Cosmos, el estímulo de su publicación, fueran las dos series de
lecciones y conferencias dichas. En el año 1845 se publica el primer volumen; los tres siguientes, en los años
1847, 1850 y 1859, respectivamente. Al año que sucede a la muerte de Humboldt se publica un quinto
volumen, que non es outra cosa que extenso registro de materias redactado por el doctor Buschmann."
MELON. p.417. op.cit.
capítulo I. Assim é que nos chega a obra: completa na “intenção” e fragmentada
no “gesto” de ampliação do que pôde ser consolidado, como não é de todo
estranho ao conhecimento científico.

Nesse percurso, que afirmamos ser o percuso de uma vida, Humboldt


acumulou conhecimento sobre fenômenos os mais diversos, que exigiam, cada
vez mais, um saber especializado e separado, o que demandou um esforço
gigantesco de sua parte para atingir aqueles propósitos declarados, afinal
coroados de êxito ainda em vida do autor.

"El propósito de Humboldt en Cosmos era ofrecer un pormenorizado retrato científico de


la estructura física del universo, de una forma que interessara al público instruído en
general y estimulara la afición por la investigación científica entre los jóvenes profanos.
Concebida a fines del siglo dieciocho, la obra de una idea general de todo lo que se conocía
a mediados de siglo sobre o mundo físico; recurre a los más eminentes especialistas y a las
más recientes investigaciones para explicar esse mundo ao hombre de la calle. Fue la obra
cumbre de un universalista en una época de especialistas, y aunque según nuestros
cánones dificilmente puede llamarse ciencia popular (sólo su volumen - casi 2000 páginas
en la edición inglesa coetánea - es suficientemente desalentador), en su día tuvo una
acogida impressionante: el primer volumen se vendió en dos meses, la obra fue traducida a
la mayoría de los ediomas europeos, y Humboldt observó com satisfación que hasta 1851
se habían vendido 80.000 ejemplares, una venta nada despreciable a todas luces.” 11

Por que paisagem?

Uma das mais correntes e permanentes definições da Geografia é a de ser a


ciência da paisagem. Tal definição, mesmo para aqueles que não a aceitam
integralmente, conduz, a priori, à aventura de posicionar-se em relação a ela e
por consequência à paisagem. Se podemos falar de um percurso dessa aventura,
ele passa aqui por dois pontos de capital importância. O primeiro é o ponto onde
se dá o diálogo com outras produções sociais do conhecimento, por exemplo, a
arte, seja com a literatura - poesia e prosa - ou, e principalmente, também com a
arte pictórica, aliás, é esta última que funda espistemologicamente a paisagem no
Renascimento. O segundo ponto consiste no estabelecimento de uma paisagem

11
BOTTING. 1985. p. 235. op. cit.
natural, no interior da própria transformação da forma como compreendemos a
natureza, não por acaso imbicando-se mutuamente.

Sauer define a paisagem geográfica como "o resultado da ação da cultura, ao


longo do tempo, sobre a paisagem natural". Nesta definição, importa reter o
procedimento que permite considerar, nos termos já expostos, o conteúdo e a
forma da paisagem natural e sua transformação em paisagem cultural. Ainda
segundo Sauer, a paisagem natural seria "o conjunto de fatos morfológicos
anterior à introdução da atividade humana", tendo nos elementos do clima, nas
formas do relevo e da vegetação a base desse conjunto morfológico, que se define
no tempo e no espaço na escala do indivíduo e da cultura. E mais, como conjunto
definido pelo estatuto do conhecimento científico.

Sauer constata que, como outros, Humboldt parece ter descoberto uma
qualidade sinfônica na contemplação da cena de uma área, desenvolvida a partir
de um completo noviciado em estudos científicos, mas afastando-se, depois,
desse campo para outros. Devemos poder compreender que esse afastamento, no
caso de Humboldt, significa em paralelo, aproximação ao empírico. Aproximação
essa que se qualifica em vários níveis, isto é, objetiva-se na paisagem cumprindo
um percurso que vai, por exemplo, no seu posicionamento escalar, do
microscópico ao descrever detalhadamente espécies vegetais e animais ao
macroscópico ao descrever planetas e constelações, passando pela escala
humana da paisagem geográfica ou da arte pictórica.

A paisagem pode ser considerada uma construção teórica para o olhar que se
lança de encontro ao mundo para contemplá-lo. Aqui, podemos fazer uma
indicação de que a palavra teoria, em um dos seus usos mais antigos, significava
também contemplação. Assim a paisagem que surge para nós, homens modernos,
equivale também à separação entre contemplação e teoria. Quando a paisagem
torna-se um objeto a ser contemplado, sua relação com o pensamento já está
cindida e deve ser apreendida apenas por uma parcialidade. O estabelecimento
da paisagem como referência escalar para o homem dá-lhe a dimensão que
Humboldt espera poder construir cientificamente, ou seja, a posição entre homem
e o mundo com o fim último da contemplação, logo, da teoria. Se podemos pensar
que o mundo moderno forma-se como representação através de uma estética
teórica, podemos pensar, num paralelismo, que a própria teoria tornou-se
estética. Para nós, a paisagem torna-se possível apenas na confluência do mundo
destacado esteticamente com o homem destacado teoricamente, portanto um
encontro do duplo destacado na forma da paisagem.

Daí que uma história da contemplação do mundo, presente no Kosmos importa


à ciência moderna e à Geografia. Podemos buscar alí, contribuições para a
compreensão do movimento que nos dá a forma humana presente.

Pode-se investigar a obra de Humboldt partindo-se da metáfora de uma


encruzilhada, para qual convergem como caminhos modernos as trilhas da
abstração e as trilhas da sensibilidade. Nossa tese central é mostrar como o
Kosmos coloca ao pensamento científico em nossa atualidade e, em especial, à
Geografia, a necessidade de pensar essa encruzilhada moderna e como nele, as
proposições de superação são incompletamente desenvolvidas.

Perante o exposto nesta introdução, pode-se justificar a necessidade de


atividades que contribuam para o avanço em tais questões. Buscar reflexões em
outros contextos históricos, problematizando-as em suas formulações e
confrontando-as com as necessidades do presente, é uma das tarefas que toda
ciência deve executar constantemente. Tal procedimento minimiza o impacto da
hegemonização de uma ou outra corrente de pensamento e também o risco da
perda histórica das contribuições não hegemônicas.

Nossa atividade pretende se alinhar à esta proposição e vir a ser uma


contribuição à discussão historiográfica na Geografia, tratando de um cientista
pleno como Humboldt, isto é, um cientista que produziu conhecimento empírico
de “mão cheia” através de suas viagens exploratórias, nas quais utilizava muitas
técnicas de coleta de dados, uso sistemático de instrumentos, demonstrações
conclusivas, descrições e linguagem científica apropriada. Mas Humboldt não é
apenas um cientista de campo, pois também avança no campo epistemólogico ao
discutir, no Kosmos, a sua matriz metodológica.

Assim, partindo de Humboldt, temos a oportunidade de discutir grande parte


das bases teóricas e metodológicas da Geografia, pois revisitando as técnicas, os
discursos, o conteúdo de sua obra e, também, a sua vida abrem-se inúmeras
possibilidades de discussão, como por exemplo, da sua concepção de paisagem.
Aí, especificamente, Humboldt tem muito a dizer para um homem do final do
século XX. Trazer, por exemplo, uma concepção de paisagem essencialmente
radical e produtiva. Radical por rejeitar qualquer simplificação no conhecimento
do mundo e lançar as bases de uma apreensão da totalidade desse mundo; e
produtiva no sentido da quantidade e qualidade de elementos que ele utiliza para
demonstrar e fundamentar suas concepções.

No entanto, pela própria complexidade de suas contribuições, Humboldt não


está isento de dificuldades sejam na sua própria produção ou ainda na de muitos
de seus comentadores. Traçar uma linha de pesquisa para Humboldt significa ter
clareza do emaranhado de possibilidades que se abrem. Nossa opção dirige-se
mais precisamente à discussão sobre a paisagem que Humboldt traz no Kosmos,
sua obra máxima.

Aqui pode se adiantar alguns de nossos questionamentos mais gerais a


Humboldt. Trata-se de perguntar-lhe como pretendeu e operou a síntese entre
homem e natureza, entre a natureza orgânica e inorgânica e entre todas as
conexões da natureza.

Deste questionamento emerge outro, no sentido da síntese entre a


epistemologia e a ciência humboldtiana. Aqui a indagação principal refere-se à
operacionalidade da obra de Humboldt, isto é, deve-se esclarecer de onde procede
o caráter que o Kosmos adquire. Se este procede das bases epistemológicas nas
quais Humboldt se filia ou se o mesmo procede do processo de investigação
científica empreendido ao longo da sua vida. Para este ponto convergem inúmeras
possibilidades de investigação, seja pela filiação literária, filosófica e artística, seja
pela filiação científica que Humboldt trava com sua época e com o passado da
humanidade.

As respostas às essas indagações passam pelo objetivo de nossa atividade,


procurando, nas palavras de Humboldt, as chaves para o entendimento, em
primeiro lugar, do seu Kosmos e, em segundo lugar, de muitas das características
da Geografia atual. O eixo dessa discussão materializa-se na discussão
teórica/metodológica, que aponta para um viés historiográfico, no qual se
consubstancia, afinal de contas, a discussão teórica.
Trata-se, portanto, de compreender o Kosmos em dupla via, a primeira, partir
de sua contribuição à ciência da época e, desta, ao nosso entendimento da
produção científica moderna 12.

Especificamente, partindo de Humboldt, tal abordagem pode interessar às


discussões presentes na Geografia, pois permite redimensionar a qualidade do
empírico e do teórico em diversas modalidades da produção atual.

12
"Trata-se, em suma, de uma história da semelhança: sob que condições o pensamento clássico pôde refletir,
entre as coisas, relações de similaridade ou de equivalência que fundam e justificam as palavras, as
classificações e as trocas? A partir de qual a priori histórico foi possível definir o grande tabuleiro das
identidades distintas que se estabelece sobre o fundo confuso, indefinido, sem fisionomia e como que
indiferente, das diferenças?"(FOUCAULT. 1999. p. XXI-XXII. op. cit.)
CAPÍTULO I: A tradição Cosmológica no Kosmos de Humboldt.

"As palavras são testemunhas que muitas vezes falam


mais alto que documentos."
(E. Hobsbawm - A Era das Revoluções)

Logo no subtítulo do Kosmos, há um termo que merece nossa atenção inicial.


Trata-se de Weltbeschreibung. Traduzida como descrição do mundo, a expressão
comporta pela sua filiação em ambas as línguas a aproximação ao verbo escrever,
do qual deriva descrever. Escrever, do latim scribere, é colocar em letras. No caso,
colocar o mundo em letras ou, como podemos pensar, uma tradução. Há,
também, no Kosmos uma outra expressão para descrição. Trata-se do termo
Schilderung, que poder ser traduzido por descrição, caracterização ou narração.
Nesse caso o sentido é outro. Schilderung vem de Der Schild, escudo ou brasão e
pode ser também, quando pendurado – aí Das Schild - letreiro, tabuleta ou placa.
Diferentemente da origem na escrita, a descrição que parte do termo escudo,
mesmo os decorados maravilhosamente, pressupõe a proteção, logo, a separação
entre homem e mundo.

Se o Kosmos é, como diz Humboldt, um ensaio, o mesmo torna-se um ensaio


de uma tradução, que no percurso da História torna-se meta-tradução, pois
relaciona-se com as múltíplas formas de escrever o mundo, seja nas diversas
línguas ou ainda no contato com outras representações, como a arte pictórica, a
música, a matemática, etc.

Tão múltiplas são as formas de escrever o mundo que as próprias letras e


palavras ganham tensões responsáveis, como sabemos, por tragédias e enigmas.
Não por acaso, a linguagem tornou-se, desde há muito tempo, assunto dos
lógicos e dos poetas.

Não sendo nem um nem outro, cabe-nos a tarefa de verificar e demonstrar e,


em alguma medida, explicar os usos que alguns termos tomam no conjunto da
obra que analisamos. Tais usos, além da forma discursiva, pertencem à história e
só podem ser explicados no contexto de sua enunciação, o que implica uma
necessidade constante de dar letras ao enunciador original dos termos.
Se para nós, o termo paisagem ou Landschaft, como será comum aparecer,
recebe vários usos na atualidade, devemos verificar além da historicidade de tais
usos, todos logicamente possíveis na tecitura da gramática, a necessária
correspondência entre os usos e uma possível originalidade do uso, ou o uso
original. Dessa postura, emerge a questão fundamental de saber, afinal, se ao
termo corresponde uma coisa no mundo e em quais circunstâncias emerge tal
correspondência.

Também é importante notar que ao longo do Kosmos aparece recorrentemente


o termo Weltanschauung, o qual pode ser traduzido, a depender do uso, por
contemplação do mundo ou por visão de mundo ou, ainda, concepção de mundo.
Todos estes usos podem ser encontrados no Kosmos. Como contemplação de
mundo aproxima-se do ato de descrever o mundo, pois ambos são movimentos de
aproximação ao mundo, portanto de uso metodológico. Como visão ou concepção
de mundo recebem a intenção de compor um conjunto, cultural ou social, de
uma forma de ver o mundo. Aqui, Humboldt pretende demostrar algumas
características específicas das concepções de mundo no ato de contemplá-lo,
logo, concepções de contemplações e representações.

A importância dessa posição para o desenvolvimento da nossa tese pode ser


melhor compreendida com o aporte de Michel Löwy ao tema.

“Parece-nos que o melhor conceito para designar o que Mannheim chama de ‘a ideologia
total’, quer dizer, a perspectiva de conjunto, a estrutura categorial, o estilo de pensamento
socialmente condicionado – que pode ser ideológico ou utópico – é o de visão social de
mundo. É permitido considerar arcaico, em desuso, ‘historicista’, ‘humanista’ maculado de
idealismo hegeliano, de filosofia do sujeito ou de outras heresias maiores, o conceito de
Weltanschauung. Em nossa opinião, ele constitui, em sua formulação ‘clássica’, através do
historicismo alemão (Dilthey), o instrumento conceitual mais apto a dar conta da riqueza e
da amplitude do fenômeno sócio-cultural em questão. Contrariamente ao termo ‘ideologia
total’, este não contém nenhuma implicação pejorativa e nenhuma ambigüidade conceitual:
o que ele designa não é, por si só, nem ‘verdadeiro’ nem ‘falso’, nem ‘idealista’ nem
‘materialista’ (mesmo sendo possível que tome uma ou outra destas formas), nem
conservador nem revolucionário. Ele circunscreve um conjunto orgânico, articulado e
estruturado de valores, representações, idéias e orientações cognitivas, internamente
unificado por uma perspectiva determinada, por um certo ponto de vista socialmente
condicionado. Acrescentando o termo social- visão social de mundo – queremos insistir em
dois aspectos: a) trata-se da visão de mundo social, isto é, de um conjunto relativamente
coerente de idéias sobre o homem, a sociedade, a história, e suas relações com a natureza
(e não sobre o cosmos ou a natureza enquanto tais); b) esta visão de mundo está ligada a
certas posições sociais (Standortgebundenheit) – o termo de Mannheim – isto é, aos
interesses e à situação de certos grupos e classes sociais.” 13

Embora Löwy não parta de Humboldt, parece-nos que no Kosmos já está


presente a noção da necessidade de posicionar-se perante as concepções de
mundo enquanto conjunto da forma social e cultural. Duas implicações
importantes podem ser destacadas aqui. A primeira, quanto à determinação do
conteúdo e forma do conjunto em questão, só parcialmente compreendida em
toda a sua complexidade. A segunda, refere-se à posição social e histórica que o
contemplador das concepções de mundo assume no ato de sua análise. É
interessante que a metáfora usada por Löwy para tratar dessa questão seja a da
paisagem.

“E que, por conseguinte, a verdade objetiva sobre a sociedade é antes concebida como
uma paisagem pintada por um artista e não como uma imagem de espelho independente do
sujeito; e que, finalmente, tanto mais verdadeira será a paisagem, quanto mais elevado o
observatório ou belvedere onde estará situado o pintor, permitindo-lhe uma vista mais
ampla e de maior alcance do panorama irregular e acidentado da realidade social.” 14

Embora Löwy, aparentemente, não conheça a técnica de pintura de paisagem a


partir de espelhos, permanece na técnica a postura do sujeito. Como observador
da paisagem das realidades sociais torna-se importante buscar a posição ideal,
no caso, um metafórico ponto de observação: uma montanha, uma torre, ou
ainda os ombros de alguém, dos quais pode-se divisar com mais perspicácia os
horizontes da própria realidade. Mas, e o observador?

“É evidente – para ficar no quadro de nossa ‘alegoria do mirante’ – que a paisagem como
painel não depende somente do observatório, mas também do próprio pintor, de sua forma
de olhar e de sua arte de pintar.”15

Ousaríamos, aqui, juntar, provisoriamente, as duas alegorias em apenas


uma. Ao subirmos nos ombros de Humboldt, contamos ao mesmo tempo

13
LÖWY, 1988. p. 12-3. op. cit.
14
LÖWY, 1988. p. 13-4. op. cit.
15
LÖWY, 1988. p. 204. op. cit.
com um alto promontório, o da própria história, e uma exuberante
capacidade de pintá-la.

O Kosmos de Humboldt.

Seguiremos para este ítem dois percursos. A demonstração dos fundamentos e


características da obra que analisamos16 e a inserção desta demonstração no
período histórico e na vida do seu autor.

O Kosmos apresenta-se ao leitor, em sua edição original 17, em cinco volumes,


sendo os quatros primeiros publicados durante a vida de Humboldt e o quinto
aparecendo postumamente. Os quatro primeiros volumes foram produzidos pela
editora Johann Georg Cotta de Stuttgart e Tübingen no formato 13,0 cm x 20,8
cm e o quinto, no mesmo formato, apenas por Tübingen.

O primeiro volume do Kosmos, publicado em 1845 com 494 páginas, está


estruturado em três ítens, além da dedicatória ao Rei Friedrich Wilhem IV e a
página de rosto epigrafada pela citação de Plínio 18: o prefácio, a introdução e o
conteúdo, propriamente dito, dividido em duas partes.

O prefácio indica os objetivos e dificuldades mais gerais da obra:"...reunir en


una obra especial [einzigen Werk], los fenómenos terrestres [tellurischen
Erscheinungen], y los que se efectuan en los espacios celestes [siderischen
Erscheinungen] [in ihren empirischen Zusammenhang]"(viii-ix). Aliadas a esse
objetivo aparecem outras duas preocupações. A primeira de produzí-lo com uma
opção textual [literarisches Vorzugs] que consiga aproximar-se, não apenas do
público "especializado", mas, e principalmente, de um outro público: "una
juventud ávida de saber y pronta á lanzarse á lejanas empresas".(ix).

16
As referências para a caracterização do Kosmos estão contidas nas edições analisadas e citadas na
bibliografia específica e cotejadas com o "comentário" da edição alemã de 1993 preparada pelo professor
Hanno Beck.
17
Há uma edição original completa, em excelente estado de conservação, na biblioteca do IAG/USP.
18
"Naturae vero rerum vis atque majestas in omnibus momentis fide caret, si quis modo partes ejus ac non
totam complectatur animo. (Plínio, o velho. Historia Naturalis, livro VII, capítulo 1.). "
Na versão alemã, mais recente aparece a tradução: "Das Wesen und die Hoheit der Natur offenbaren sich,
wenn alle ihre Teile auch als Ganzes begriffen werden"
A essência e a grandeza da Natureza manifestam-se, quando todas suas partes são compreendidas também
como totalidade".
A segunda preocupação refere-se à exposição do principio da unidade e
totalidade da Natureza, objetivo mais elevado e declarado dos estudos de
Humboldt:"el de compreender el mundo de los fenómenos y de las formas físicas
en su conexion y mútua influencia". Trata-se, no momento, de ultrapassar
[übergehen] a descrição fisica da Terra [physische Erdbeschreibung] para uma
descrição física do Mundo [physische Weltbeschreibung).

A Introdução, cujo subtítulo - Considerações preliminares sobre a diversidade


das satisfações naturais e uma investigação científica das leis do Mundo, é uma
das conferências oferecidas por Humboldt em Berlim, talvez seja, em nosso país,
o texto mais conhecido de Humboldt e no qual expressam-se algumas idéias
essenciais para a compreensão das intenções e realizações do Kosmos. Tais
considerações comportam uma subdivisão intitulada "Limitação e Tratamento
Científico de uma descrição física do Mundo", na qual define-se a concepção da
idéia de cosmo adotada na obra.

Das considerações preliminares passa-se, através de um novo título: Pinturas


da Natureza [Naturgemälde] ou pinturas naturais e de um sub-título - vistas
gerais dos fenômenos -, para as duas grandes partes desse primeiro volume: a
parte uranológica [uranologischer Teil] e a parte telúrica [tellurischer Teil].

A parte uranológica ou astronômica inicia-se, como conteúdo, considerando as


formas que assumem a matéria cósmica - em primeiro lugar, as nebulosas - para
depois situar a via láctea, o sistema solar, os planetas, a Lua, o Sol, os cometas,
estrelas cadentes, meteoritos, meteoros e as regiões desprovidas de estrelas.
Entremeando a descrição dos fenômenos celestes espraiam-se hipóteses e
explicações acerca das características, dos movimentos e das origens dos
mesmos, fixando-nos no estado da elaboração científica da primeira metade do
século XIX.

A parte telúrica inicia-se com a apresentação da forma e características gerais


do planeta para, em seguida, abordar a força magnética, o vulcanismo, as
formações mineralógicas e rochosas, elementos de paleontologia, as épocas
geológicas, continentes e suas formas, a esfera líquida e suas características. A
esfera gasosa - fenômenos e características - e já nas últimas páginas desse
primeiro volume, passa-se a caracterização da "vida orgânica" (animais e plantas)
e, por fim, considerações sobre as raças humanas. Quatrocentas e treze notas
acompanham esse volume.

Esta descrição do primeiro volume permite-nos alinhavar os demais quatro


volumes que a este se integram de forma mais ou menos precisa. Pode-se afirmar
que o segundo volume é um desdobramento das idéias contidas no prefácio e nas
considerações do primeiro volume; que o terceiro volume é, também, um
desdobramento da parte uranológica do primeiro; que o quarto volume é, por sua
vez, desdobramento e complemento da parte telúrica. Já, quanto ao quinto
volume, não se pode afirmar tal relação. Podia-se esperar, caso Humboldt
avançasse na sua produção, uma dedicação ao final do primeiro volume que trata
da vida orgânica e que não recebeu, pelo menos no Kosmos a "parte" que lhe
caberia como fenômeno. Ressalta-se, quanto a esse ponto, o tratamento que
Humboldt deu-lhe em outras obras.19

O segundo volume do Kosmos foi publicado em 1847 com 544 páginas e,


estruturalmente, divide-se em duas grandes partes: a primeira, de subtítulo
"Meios de Inspiração para o Estudo da Natureza" [Anregungsmittel zum
Naturstudium] aborda em três tópicos - A descrição da Natureza
[Naturbeschreibung]; a pintura de paisagem [Landschaftsmalerei] e a cultura de
plantas tropicais [Kultur von Tropengewächsen] - as possibilidades de ampliação
dos usos das representações oriundas das Artes e que se aproximaram, em maior
ou menor grau, das formulações científicas.

Na Segunda parte, de subtítulo: "História da visão/contemplação física do


Mundo [Geschichte de physischen Weltanschauung] desenrola-se através de oito
ítens alguns traços das representações do Mundo:

O mar mediterrrâneo como ponto de partida.

Expedições dos macedônios sob Alexandre, o Grande.

Ampliação da visão de mundo sob os Ptolomeus

O domínio mundial Romano

Invasão dos Árabes

19
Para uma vista geral, indicamos a referências contidas no anexo I.
Tempo dos descobrimentos oceânicos.

Grandes descobrimentos no espaço celeste por meio do telescópio.

Retrospecto e sequência dos períodos percorridos.

O terceiro volume do Kosmos foi publicado em 1850 com 645 páginas e


apresenta-se, além da uma introdução que também recupera o conteúdo dos dois
primeiros volumes, em duas grandes partes: "A parte uranológica da descrição
física do mundo" e "O Sistema Solar".A primeira parte divide-se em sete itens: I-
Espaços Celestes, II- Visão Natural e Telescópica; III- Número, Cor e Distribuição
das Estrelas; IV- Estrelas Novas; V- Movimentos Próprios das Estrelas; VI-
Estrelas Duplas e Múltiplas; VII- Nebulosas. A segunda parte divide-se em dois
ítens: O Sol; Os Planetas, incluindo-se, nesse segundo ítem, o exame dos
satélites, cometas, luz zodiacal e estelas errantes. Traz setecentas e seis notas.
Este volume atualiza e amplia o primeiro volume, principalmente pelo maior
número de informações e referências históricas.

O quarto volume do Kosmos foi publicado em 1858, com 650 páginas e volta-
se para a parte telúrica do cosmo, abordando em duas partes suas
características. A primeira trata da magnitude, forma, densidade, magnetismo e
outros fenômenos corrrelatos. A segunda parte examina "A reação do interior da
Terra sobre sua superfície". Compreende, também, setecentas e noventa e três
notas.

O quinto volume do Kosmos foi publicado em 1862 com 1297 páginas, três
anos após a morte de Humboldt, e foi preparado pelo Prof. Dr. Eduard
Buschmann, bibliotecário da Biblioteca Real e membro da Academia de Ciência,
através da reunião de vários fragmentos escritos por Humboldt e algumas notas
do próprio compilador assim dispostos:

Continuação dos Resultados Especiais da Observação no Campo dos


Fenômenos telúricos - Introdução, itens dispersos e notas correspondentes”.(K. T.
V. p. 3-98)

Comentários, por Buschmann, sobre as circunstâncias da conclusão desse


volume por ocasião da morte do autor. (K. T. V. p. 99-105)
Tabelas preparadas por Humboldt sobre os pequenos planetas do sistema solar
e nota explicativa do Prof. Dr. Carl Bruhns sobre as mesmas. (K. T. V. p. 106-
117)

Notas dispersas sobre elementos da parte uranológica. (K. T. V. p. 118-124)

Compilação introdutória, por Buschmann, de informações acerca do índice que


Humboldt preparara para o Kosmos. (K. T. V. p. 125-160)

Índice remissivo alfabético e dados suplementares para os quatro primeiros


volumes do Kosmos. (K. T. V. p. 126-1270)

Resumo esquemático indiciado do quinto volume. (K. T. V. 1271-1278)

Relatório e Correção do quinto volume. (K. T. V. p. 1279-1283)

Relatório e Correção dos quatro volumes. (K. T. V. p. 1283-1297)

Tal é, resumidamente, em sua edição original, o Kosmos, a partir da qual


muitas outras, em diversas línguas, foram sendo editadas, nem sempre fiéis ao
texto e forma originais. Na tentativa de tornar a obra mais acessível foram
produzidas edições em fascículos, em quatro volumes e, também, edições
contraídas com apenas os dois primeiros volumes ou mesmo em um só volume
com fragmentos dos quatro primeiro volumes. Há, ainda, excertos transformados
em livros. Apesar das justas intenções e dos cuidados necessários ao exercício
das contrações, quase sempre perde-se, às vezes de forma irreparável, algo do
original20.

Tornou-se corrente, no entanto, a partir da segunda edição alemã, corrigida em


quatro volumes pelo Dr. Buschmann, considerar o quinto volume do Kosmos
presente na edição original, apenas um grande anexo com dados e anotações
dispersas, já que Humboldt havia preparado parcialmente, somente as primeiras
89 páginas. Edições francesas21, inglesas e espanholas seguiram essa opção e
apresentam-se apenas com os quatro volumes, dando origem ao chamado
"pequeno Kosmos".

20
Tal é o caso da edição em um volume da Editorial GLEM de Buenos Aires, de 1944. Nesta edição,
provavelmente preparada pelo próprio tradutor ( J. A. P), de 604 páginas aparecem fragmentos dos quatro
volumes sem indicação da edição utilizada para a tradução, nem os critérios da contração.
21
A edição francesa foi acompanhada por Humboldt que sugeriu os tradutores para os dois primeiros
volumes.
Não foi necessário muito tempo para o reconhecimento da obra. Em vida,
Humboldt já colheria a fama e as críticas. O primeiro volume esgotou-se em dois
meses e até 1851, já havia 80.000 exemplares publicados. A penetração nos
círculos científicos da época foi imediato e de várias partes do mundo chegaram
sugestões, contribuições e críticas. O Kosmos já nascia destinado a marcar uma
época.

Levanta-se perante nós, portanto, aquela que será descrita como uma das
principais características do Kosmos: seu caráter compilatório de uma época. E
podemos acrescentar com Capel e Melon:

"Precisamente por este carácter ambicioso e integrador que posee, el Cosmos es una obra
importante de la ciencia europea del siglo XIX. Es la obra del que ha sido considerado el
último hombre enciclopédico de la cultura universal. En ella rebasó su antigua concepción
de una geografía física de la Tierra para abordar una descripción física del universo
(physische Weltbeschreibung), com la que de hecho culmina y se reformula la vieja línea de
la cosmografia".22

E:

"Es el Cosmos tanto el testamento científico de Humboldt como el testamento o herencia


de una época que con él termina. La ciencia de hoy acepta el Cosmos con respetuoso
entusiasmo que suscita un documento de tiempos idos."23

Tal conjunto pede e compõe uma peça de gênero e estrutura também


específicos cujos contornos mais gerais são descritos por Melon:

El primer tomo del Cosmos, com su introducción y tres partes, com sus cuatrocientas
notas y muchas más referencias bibliográficas, es un libro concluso en su totalidad, lo
mismo en contenido que como sistema; así lo considera su autor, que en ninguna de sus
páginas hace ilusión a los que le sieguen. Es el logro pleno del programa que se impuso
Humboldt al concebir la obra. Hasta tal punto es perfecta singularidad, hasta tal punto se
perfila su contenido en el trato de hechos y fuerzas de todo lo creado, que el lector non
prevenido, de antemano no puede suponer que el tomo dicho sea tan sólo la pieza inicial de
una obra más extensa. Non creo sea atrevida hipótesis la de considerar el primer tomo del
Cosmos como la decantación impresa de los dos ciclos de conferencias a que antes nos
referimos; por su sistematización y desarrollo completo del tema tiene la fisonomía de una
obra académica y formativa de orientación y estímulo. Los tomos segundo, tercero y cuarto

22
CAPEL. 1981: p. 27, Op. cit.
non son outra cosa que ampliación y expansión del tomo primero. Pero como esta
ampliación no afecta a todas sus partes, como esta circunstancia no conviene al cuadro del
mundo orgánico, se dá con el Cosmos esta curiosa paradoja: si sólo se hubiera publicado el
tomo primero, no dudaríamos en afirmalo como obra conclusa; con los cuatros que lo
constituyen no puede aseverarse lo mismo, ya que lo referido al cuadro de la vida vegetal,
animal y humana non es objeto de ampliación, a diferencia de lo que atañe a los fenómenos
celestes e fisicoterrestres."24

Tal empreita revelar-se-ia, em qualquer outro caso, talvez insustentável, mas


não para Humboldt que reunira as condições únicas para tal. Particularizar esse
esforço torna-se imperativo para qualquer análise, ainda mais quando se impõe o
diálogo com um volume considerado de outras avaliações.

Partindo desse painel inicial, podemos demarcar como interesse principal da


atividade aqui desenvolvida aquilo que é, na obra, também o principal, ou seja, o
conteúdo e fundamentação científica de uma visão de mundo que ali ganha
contornos nítidos, inclusive como objetivos:

"En cualquier caso, dirigirse hacia esse objetivo tratando de conocer la naturaleza exigía
desarrolar por igual todas las ramas de las ciencias matemáticas, físicas y naturales, y a la
vez suponías valorar la ciencia pura frente a la ciencia aplicada, una ciencia pura cuyo
objeto sería 'el ensanchar y fecundizar la inteligencia' y que también sería 'el término hacia
el cual deben tender las ciencias directamente, el descubrimiento de las leys, del principio
de unidade que se revela en la vida universal de la naturaleza. Este fue el objetivo que
Humboldt se trazó y al que trató de dar forma en su cosmos."25

Ao tratarmos, aqui, dos procedimentos de pesquisa científica que Alexander


von Humboldt desenvolveu e condensou no Kosmos, deve ficar claro que isto se
fará ainda com restrições, já que nos interessa apreender alí o fundamento da
composição da paisagem. Isto se impõe, não só pelo volume da obra, exposta em
quase três mil páginas, divididas em cinco tomos e 2446 notas, mas pela
complexidade das formulações aí presentes.

Acrescenta-se, ainda outro elemento de importância auxiliar ao nosso


questionamento, isto é, a presença de aproximações não estritamente científicas
no Kosmos, solicitando também uma investigação, principalmente no aclarar do

23
MELON. p.425. op.cit.
24
MELON. p.420-21. op.cit.
papel dessas aproximações para a consolidação do estatuto que a paisagem
ganha na obra.

Nesse duplo percurso, assilamos o fundamental na obra, isto é sua filiação


cientifica ao iluminismo26 e em seguida, o papel que cumprem aí as demais
contribuições.

A primeira vertente é explicitada em diversos pontos de sua obra e insurge de


forma, até de forma dura contra o caráter negativo das formulações "não
científicas":

“Ese conjunto de dogmas incompletos que un siglo lega a otro, esa física que se compone
de preocupaciones populares, no es solamente prejudicial porque perpetúa el error, con la
obstinacion que lleva siempre el testimonio de los hechos imperfectamente observados; sino
que tambien prohibe al espíritu elevarse á los grandes horizontes de la naturaleza”. (C. T.I.
p.15)27.

É característica da abordagem de Humboldt a constante defesa do


conhecimento científico e da razão como forma de explicação do mundo. Nesse
ponto, Humboldt reitera o “Zeitgeist” de sua época, marcado pela busca da
verdade através da razão e pela consolidação de diversos campos científicos:

“El ejercicio del pensamiento empieza á cumplir su alta mision; la observacion,


fecundada por el razonamiento llega con ardor á las causas de los fenómenos"(C. T I. p.14-
5)

Essa afirmação da razão será, em determinados momentos, extrapolada para


outros campos do conhecimento, ganhando aí um caráter normatizador Não
devemos, no entanto, tomar tais considerações desvinculadas do desdobramento
de outra característica marcante da obra de Humboldt. Trata-se da relativização
dos objetivos da ciência, frente aos objetivos maiores do conhecimento:

25
CAPEL. 1981: p. 32, op. cit.
26
"Dentro de esa totalidad concebida como un organismo, la actividad científica de Humboldt, y su misma
concepción del mundo, no tienen cabida. La obra humbolditiana no es uno de esos libros múltiples con los
que se integra la biblia romántica. Por el contrário, cremos que, en lo esencial, Humboldt se opone a la
desmesura romántica, a su amor por lo ilimitado, la oscuridad, el vitalismo energético, la idea de un Dios
animado de fuerza." LABASTIDA. 1983. p.136. op. cit
27
Optamos por diferenciar as citações do Cosmos de outras presentes no texto. Elas apresentam um recuo em
ambas as margens e vem acompanhadas da indicação do tomo e da página entre parenteses. Ainda acerca
dessas citações, aparecem, em alguns casos, expressões entre colchetes que referem-se à expressão como
aparecem no texto em alemão.
“Si se considera el estudio de los fénomenos físicos, no en sus relaciones con las
necesidades materiales de la vida, sino en su influencia general sobre los progressos
intelectuales de la humanidad, es el mas elevado é importante resultado de esta
investigacion, el conocimiento de la conexion que existe entre las fuerzas de la naturaleza, y
el sentimiento íntimo de su mútua dependencia. La intuicion de estas relaciones es la que
engrandece los puntos de vista, y ennoblece nuestros goces. Este ensanche de horizontes
es obra de la observacion, de la meditacion y de el espíritu del tiempo en el cual se
concentran las direcciones todas del pensamiento.” (C. T.I. p. 2).

Assim, Humboldt não poderá satisfazer-se apenas com o resultado da


produção científica, dirigindo-se para outros campos de conhecimento em busca
de contribuições que possam ajudá-lo a formular o seu cosmo. Os exemplos, que
arrolaremos em seguida, demonstram o grau de diversidade das filiações de
Humboldt, que atravessam a filosofia, a poesia, a pintura e a religião, entre
outras compartimentações.

“Lo que en la vaguedad de las sensaciones se confunde, por falta de contornos bien
determinados, lo que queda envuelto por ese vapor brumoso [Bergluft], que en el paisaje[?]
oculta á la vista de altas cimas, el pensamiento lo desarrolla y resuelve en sus diversos
elementos, desentrañando las causas de los fenómenos, asignando á cada uno de dichos
elementos, que concurrem á formar la impression total, un carácter individual. De aquí
resulta que en la esfera de la ciencia como en la de la poesía [Landschaftsdichtung] y la
pintura de paisaje [Landschaftsmalerei], las descripcion [Darstellung] de los parajes y los
cuadros que hablan á la imaginacion tienen tanta mayor verdad(Klarheit) y vida,
[Lebendigkeit] cuanto mas determinados están sus rasgos característicos".(C. T.I. p. 9-10).

Uma breve passagem pelos textos do Kosmos indica o leque de tais


aproximações.

É o caso da aproximação com a filosofia clássica. Dialogando com os gregos e


romanos, Humboldt pretende recuperar as cosmologias antigas, como por
exemplo, aquela formulada por Lucrécio:

La poesía desplegó todas sus riquezas en el poema de Lucrecio sobre La Naturaleza. El


autor, discípulo de Empédocles y de Parmenides, abraza em su obra el mundo entero
realzando aun mas la magestad de su esposicion por las formas arcaicas de su estilo.” .(C.
T.II. p. 16).
A aproximação com as religões também estará presente, seja ela de herança
judaico-cristã ou de outras matrizes, como hindus e muçulmanas.

El crisitianismo preparó los espiritus para que buscasen en el órden del mundo y en las
bellezas naturales, el testimonio de la grandeza y escelencia del Creador” .(C. T.II. p. 25).

Ou:

“Si me es permitido valerme de algunos ejemplos para hacer comprender el vivo


sentimiento de la Naturaleza que con frecuencia brilla en la poesía descriptiva de los Indios,
como ya lo intenté em mis lecciones públicas, aconsejado por mi hemano y otross
indianistas, empezaré por los Vedas, el más antiguo y mas sagrado de todos los
monumentos que atestiguan la cultura de lso pueblos de la Asia oriental.”.(C. T.II. p. 37).

Nas religiões, embora rejeite amplamente suas determinações morais,


Humboldt está interessado no grau de unidade que existe entre o mundo material
e o mundo das representações religiosas, conduzindo-o a reconhecer a
profundidade e beleza das formulações que o sentimento religioso oferece. Aqui
Humboldt tomará, entre outras, passagens do livro de Jó para demonstrar o grau
de aproximação entre o homem e a natureza e a importância da observação
profunda do mundo.

Essa mesma busca conduz Humboldt para outros campos, tais como Camões e
Shakspeare:

“Camöes es inimitable cuando pinta el cambio perpetuo que se verifica entre ele aire y el
mar, las armonías que reinan en la forma de las nubes, sus transformaciones sucesivas y
los diversos estados por que pasa la superficie del Oceáno.” .(C. T.II. p. 55).

E:

“Asi es, que parece que respiramos em medio de los bosques al leer el Sueño de una
noche de verano. En las últimas escenas del Mercader de Venecia, vemos el claro del
bosque iluminado por la luna en una tibia noche, sin que se hable en ellas ni de lunas ni de
bosque. Hay, sin embargo, en el Rey Lear una verdadera descripción de la montaña de
Douvres, cuando fingiéndose loco Edgardo y conduciendo á su padre ciego, el conde de
Glocester, por la llanura, le hace cleer que suben por la montaña.” .(C. T.II. p. 60).

O olhar dos poetas sobre a natureza fornece a Humboldt a impressão estética


da linguagem sobre a paisagem, bem como o grau de determinação do imaginário
sobre a realidade, transformada aqui, num sentido amplo, também em paisagem.
Pela poesia é possível vislumbrar uma síntese que não seria obtida apenas com a
ciência. Para Humboldt a poesia trará uma possibilidade de configurar, tal qual
na pintura, um quadro da natureza.

Por isso, também a pintura receberá de Humboldt uma atenção considerável,


principalmente aquela que toca diretamente no seu campo de interesse, isto é, a
pintura da paisagem. Através das pinturas, Humboldt procura encontrar um
momento de síntese entre arte e ciência, o qual, poderia conter e estar contido na
pintura da paisagem.

“El gran estilo de la pintura de paisage es el fruto de una contemplacion profunda de la


Naturaleza y de la transformacion que se verifica en el interior del pensamiento.” (C. T.II. p.
84).

Humboldt, no entanto, explicitamente destaca o papel que a pintura da


paisagem irá cumprir na sua obra, justificando-se, em parte, pelo teor que
pretendia atribuir a ela:

"No es menos á propósito la pintura de paisaje que una descripcion fresca y animada
para difundir el estudio de la Naturaleza; pone tambien de manifesto el mundo esterior en
la rica variedad de sus formas, y, segun que abrace mas ó menos felizmente o objeto que
reproduce, puede ligar el mundo visible al invisible, cuya union es el último esfuerzo y el fin
mas elevado de las artes de la imitacion. Mas para conservar el carácter científico de este
libro, debo sujetarme á otro punto de vista. Si de la pintura de paisaje há de tratar-se aquí,
es unicamente en el sentido que nos auxilia en la contempalcion de la fisionomía de las
plantas en los diferentes espacios de la tierra; porque favorece la afcion á los viajes lejanos,
y nos invita de una manera tan instructiva como agadable á entrar en comunicacion com la
naturaleza libre." (C. T.II. p. 72).

Podemos localizar no Kosmos essas duas contribuições da pintura de


paisagem. Contribuição essa que pode ser estendida à toda a contribuição que a
Arte poderia dar. Ser repertório de informações e promotora de sentimentos. Esta
última, presente, por exemplo, no elogio às obras de Ticiano

"En las obras maestras de Ticiano es donde aparece la Naturaleza por vez primera e
amplamente compreendida y representada á grandes rasgos" (C. T.II. p. 77).

Nesse sentido é que Humboldt aclama o desenvolvimento desse estilo da


pintura, colocando-o em posição priviligiada na formação do espírito humano:
"La pintura de paisaje non es tampoco puramente imitativa; tiene sin embargo un
fundamento mas material y hay en ella algo mas terrestre. Exige de los sentidos una
variedad infinita de observaciones inmediatas, que debe assimilarse el espírito para
fecundizarlas com su poder y darlas á los sentidos bajo la forma de una obra de arte. El
gran estilo de la pintura de paisaje es el fruto de una contemplacion profunda de la
Naturaleza y de la transformacion que se verifica en el interior del pensamiento." (C. T.II. p.
84).

Ao promover tais relações com outros campos do conhecimento, Humboldt


promove um exercício que trará reflexos na condução de sua obra científica. É
relativamente clara a influência dessas bissociações na exposição de conteúdo
científico presente no Kosmos. O olhar de Humboldt sobre a vegetação, relevo,
estrelas, etc., está perpassado de construções oriundas de tais campos, criando
uma forma, se não nova em seus pontos, diferente de qualquer outra pelo grau de
composição da representação. Voltaremos a esse ponto no capítulo três.

Poder-se ia resgatar inúmeras filiações e qualidades de gênero no Kosmos, sem


esgotá-las, tal o número de caminhos que, a partir dele, o leitor encontra. Opta-se
por expor, o que não é óbvio, mas evidente a partir do texto original e de alguns
de seus comentadores. Trata-se de expor ainda, as filiações do gênero
cosmológico.

A "nova" cosmologia, pressuposto para uma visão de um novo mundo,


encontra vários expositores e Humboldt é um dos últimos portadores dessa
pretensão, que ainda receberia, por exemplo, nos manuais de Geografia Física,
como caricatura, algum bafejamento. A geografia física presente no Kosmos
ocupa um momento da síntese e não o seu pressuposto.

“La enumeracion de los mas importantes resultados de las ciencias astronómicas y


físicas, que, en el Cosmos, converjen hácia un foco comun, legitima hasta cierto punto el
título que he dado á mi obra. Quizás sea el título mas temerario que la empresa misma,
circunscrita á los límites que la he fijado. La introduccion de nombre nuevos, sobre todo
cuando se trata de las miras generales de una ciencia que debe estar al alcance de todos,
ha sido hasta ahora muy contraria á mis costumbres; nada he añadido á la nomenclatura,
sino allí donde en las especialidades de la botánica y de la zoología descriptivas, objetos
reseñados por primera vez, han hecho indispensables nombres nuevos. Las
denominaciones de Descripcion física del mundo, ó Física del mundo, de que me valgo
indistintamente, estan formadas sobre las de Descripcion física de la tierra ó física del
globo, es decir, Geografía física, desde largo tiempo tenidas en uso.” (C. T. I. p. 51-52)

A transformação de aspecto em pressuposto, permitida por uma leitura parcial


do Kosmos, indica-nos mais o percurso que o conhecimento tomaria no seu
desenvolvimento 28 do que uma opção teórica de Humboldt 29, a qual, pensamos,
não pode ser destacada de seu contexto. Logo, a física da Terra, para Humbodlt é
um aspecto do Cosmo não sua realidade. Que o paradigma físico seja a cúpula de
bronze dessa posição parece-nos inquestionável. Trataremos desse aspecto no
capítulo II.

A compreensão dos “aspectos” que formam o Kosmos pode ser melhor


determinada a partir do princípio organizador da visão de mundo aí presente. Não
por acaso Humboldt procurou na História a história das possibilidades para
sintetizar seus conhecimentos. Por que o Kosmos cosntituiu-se assim e não na
forma de uma Suma, de um Prolegômenos, de um Tratado, de uma Memórias, de
um Sistema, de um Diálogo, etc.? A opção, mais do que uma solicitação histórica,
indica as posições teórica, ética e estratégica de Humboldt.

“En mi obra, la palabra Cosmos está tomada como la prescriben el uso helénico,
posterior á Pitágoras, y la definicion muy exacta dada en el Tratado del mundo que
falsamente se ha atribuido á Aristóteles; es el conjunto de cielo y de la tierra, la
universalidad de las cosas que componen el mundo sensible. Si desde largo tiempo los
nombres de las ciencias no hubieran sido apartados de su verdadera significacion
lingüistica, la obra que publico deberia llevar el título de Cosmografía, y dividerse en

28
Capel. 1995. p.248. op. cit. "Es sin duda en las cronicas de Indias, y mas concretamente en obras como las
de Fernández de Oviedo y Acosta donde se encuentra, según reconoció el mismo A. Humboldt 'el fundamento
de la física del globo'. Esta rama de la ciencia que muchos geógrafos há considerado en los últimos cien o
ciento cincuenta años como el origen de la geografia contemporánea."
29
“La parte terrestre de la física del mundo, á la que conservaria de buen grado la antigua y perfectamente
espresiva denominacion de Geografia física, trata de la distribuicion del magnetismo en nuestro planeta,
segun las relaciones de intensidad y de direccion; pero no se ocupa de las leyes que ofrecen las atracciones ó
repulsiones de los polos, ni de los medios de producir corrientes electro-magnéticas, permanentes ó pasageras.
La geografia física traza á mas á grandes rasgos la configuracion compacta ó articulada de los Continentes, la
estension de su litoral comparado con su superficie, la division de las masas continentales en los dos
hemisferios, division que ejérce una influencia poderosa sobre la diversidad de clima, y las modificaciones
metereológicas de la atmósfera; señala el carácter de las cadenas de montañas, que, levantadas en diferentes
épocas, forman sistemas particulares, ya paralelos entre sí, ya divergentes y cruzados; examina la altura media
de los Continentes sobre el nivel de los mares y la posicion del centro de gravedad de su volúmen, la relacion
entre el punto culminante de una cadena de montañas y la altura media de su cresta ó su proximidad á un
litoral cercano.” (C. T. I. p. 42-43)
Uranografia y Geografía. Los romanos, imitadores de los griegos, en sus débiles ensayos de
filosofía, han concluido tambien por transportar al Universo la significacion de sus mundos,
que no indicaba primitivamente mas que las compostura, el adorno, y no el órden ó la
regularidad en la disposicion de las partes. Es probable que la introduccion de este término
técnico en el idioma del Lacio, la importacion de un equivalente de la palabra Cosmos, en su
doble significacion, se deba á Ennio30, partidario de la escuela itálica, traductor de los
filosofemas pitagóricos compuestos por Epicarmo ó por alguno de sus adeptos.” (C. T. I. p.
53)

Um percurso mais detalhado e eclarecedor dessa opção, encontra-se na


extensa nota sobre a origem de sua concepção de Kosmos, complementada com
incursões filológicas.

" en su acepcion mas antigua y en el sentido proprio de la palabra, significa


adorno (ornato del hombre, de la mujer ó del caballo); tomada em sentido figurado por
 significa órden y ornamento del discurso. Por confesion de todos los antiguos,
Pitágoras fue el primero que empleó esta voz para designar el órden del universo y aun el
universo mismo. Pitágoras nunca escribió, pero se encontran pruebas muy antiguas de este
aserto en muchos pasajes de los fragmentos de Philolao ( véase Stobée Eglogae, p. 360 y
460, ed Hecren, y Boeckh, Philolaus, p. 62 y 90).Siguiendo el ejemplo de Naeke, no citamos
á Timeo de locres por ser dudosa su autencidad. Plutarco (de Placitis philosophorum, 1. II, c.
1) dice de modo mas claro que Pitágoras dió el nombre de Cosmos al universo, á causa del
órden que en él reina. (Véase tambien Galien, de Historia philosoph., p. 429. De las
escuelas filosóficas, esta palabra com su nueva significacion pasó al dominio de los poetas
y de los prosistas. Platon designa los cuerpos celestes com el nombre de Uranos; pero el
órden de los cielos es tambien para él el Cosmos; y en su Timeo (página 30, b), dice que el
mundo es un animal dotado de un alma(   ). Sobre el espiritu separado de
la materia, ordenador del mundo, véase Anaxágoras de Clazoméne, ed. Schaubach, p. 111,
y Plutarco de Placitis Philosoph., 1. II, c.3). En Aristóteles ( de Caelo, 1. I. c. 9) el Cosmos es
"el universo y el órden del universo; " pero tambien le considera como dividiéndose en dos
partes en el espacio: el mundo sublunar y el mundo situado sobre la luna ( Meteorol., 1. I, c
2 y 3, p. 339 a, y 340 b, ed Bekker" (...) (C. T I, p. 358)

Seguindo de perto a nota, encontra-se a continuidade dos usos do termo:

30
Humboldt acrescenta aí uma nota:
“Véanse, sobre Ennio, las ingeniosas invertigaciones de Leopoldo Krahner, en la disertacion titulada:
Grundlinien zur Geschichte des Verfalls der römischen Stadts-Religion, 1837, p. 41-45. Segun toda
probabilidad, Ennio no ha tomado nada de los fragmentos de Epicarmo, aunque si de los poemas compuestos
bajo el nombre de este filósofo, y concebidos en el sentido de su sistema” (C. T. I. p. 360)
"Tomada en acepcion mas restringida, la palabra Cosmos se há empleado tambien en
plural para designar la estrella, ó los innumerables sistemas diseminados como otras
tantas islas en la inmensidad de los cielos, y formados cada uno de un sol y una luna. (...)
Ya hemos indicado esta singular division de los espacios celestes en tres partes, el
Olimpo,el Cosmos y el Uranos (...) la cual se aplica á las diversa regiones que rodean este
foco misterioso del universo, '  ' de los Pitagóricos. En el fragmento que nos
há conservado esta division, el nombre de Uranos designa la region mas interior situada
entre la luna y la tierra; este es el dominio de las cosas variables. La region media, en la
que los planetas circulan com órden inmutable y armonioso, se llama esclusivamente
Cosmos, segun concepciones mui particulares sobre el universo. En cuanto al Olimpo, es la
region esterior, la region ígnea." (C. T. I, p. 358-9)

Após rastrear a origem do termo no sânscrito, no gótico e no próprio grego,


Humboldt chega ao idioma romano, no qual

"la palabra mundus, que tiene en su orígen la significacion primera de la palabra 
(adorno de mujer), sirvió para designar el mundo y el universo." (...) Por lo demás, la raiz
sanscrita mand, de la cual Pott hace derivar la palabra latina mundus, reune el doble
significado de brillar e adornar". (C. T. I, p. 359-60)

Completando seu percurso, Humboldt resgata o uso em línguas modernas:

"En cuanto á palabra de se sirven hoy los alemanes (welt, antiguo aleman wëralt, en
antiguo sajon worold y wëruld en anglo-saxon), su significacion fué, segun Jacob Grimm, la
de un intervalo de tiempo, una edad de hombre (saeculum), y no la de mundus en el
espacio." (C. T. I, p. 360)

Após recuperar a origem do termo e seu uso com o sentido aproximado do que
faz, Humboldt indica, precisamente que ouso que fez, de Kosmos está no pseudo
Aristóteles:

"La definicion del Cosmos que he citado anteriormente en el texto, está tomado do
Pseudo-Aristóteles, de Mundo”. (C. T. II, p. 391)

Com essa amostragem do percurso de Humboldt na determinação precisa do


título de sua obra pretendemos demonstrar dois fundamentos necessários para a
compreensão de suas opções. O primeiro refere-se à opção por Aristóteles, ou
precisamente, pelo pseudo-Aristóteles do “De Mundo”. Não se trata apenas da
definição do conteúdo do Cosmo como el conjunto de cielo y de la tierra, la
universalidad de las cosas que componen el mundo sensible”, pois aí temos tão
somente um príncipio de totalidade que não explica muito já que participa
de quase todas as cosmologias antigas e modernas. Sua opção, como lemos
na nota em grego, citada por Humboldt: “Kosmos é sistema”, indica mais um
princípio ordenador para a totalidade. Embora o sistema aristotélico em muito se
diferencie da forma moderna, podemos localizar lá seus pressupostos. Trata-se,
ao mesmo tempo, do arranjo das coisas e a idéia adequada para se referir à elas.
Diferentemente de outras opções, como por exemplo, as pitagóricas e platônicas,
a aristotélica31 pressupunha a extensividade da observação e da generalização
indutiva. Humboldt observa que importantes contribuições originam-se em todas
as proposições, com as de Platão, mas que só em Aristóteles o projeto do acúmulo
gradativo e sistemático do conhecimento tornou-se possível.

Parece-nos que não precisamos ir muito além do que Humboldt nos deixou
para compreender que o fundamento de seu Kosmos está na tradição clássica da
Ordem e na respectiva ordenação. Tata-se de uma “geodernidade”, como aparece
no pseudo Aristóteles. Constata-se que cosmos é diacosmese ou processo de
constituição do cosmo, o qual implica numa necessária separação (dia). Podemos,
atendo-nos ao texto humboldtiano, compreender que sua discosmese moderna
filia-se ao movimento tenso entre observação e contemplação, ou seja uma
possibilidade teórica de mundar Mundos. Não é de se estranhar que a postura
teórica de Humboldt trafegue amplamente pelas linhas da harmonia. É que teoria
aí, ainda pode ser entendida diversamente do processo abstrato da
indução/dedução. A palavra teoria deriva de theoria (olhar, contemplar - thea =
espetáculo – theoris = espectador, assistência). Mas no uso órfico, theoria veio a
significar um estado de fervente contemplação religiosa, no qual o espectador se
identifica ao deus sofredor, morre na morte dele, e ressurge na sua ressureição.

Portanto, cosmo, é antes de tudo, processo. Processo de diacosmisar o excesso


caótico e compor-se como possibilidade expressiva do que excede.

Eudoro Souza ajuda-nos a entender essa possibilidade:

31
Algumas dessas características podem ser observadas, de forma resumida, no anexo III.
“(...) Mas, aqui, achamo-nos, mais uma vez, diante de uma daquelas subitâneas
contenções do Caos, a que de Grande em Grande Ano se dá o nome de Kósmos, - o que, em
suma, faz parte de uma criação positiva, e não de uma criação negativa.” 32

Portanto, nesse percurso da história ocidental, Humboldt busca não só a


referência clássica para o seu projeto, mas a possibilidade de atualização do
mesmo perante os possíveis equívocos históricos, como, por exemplo, no uso da
palavra mundo para designar o planeta Terra, como vemos em mapa mundi ou
novo mundo. Trata-se, então, de consolidar e sintetizar a história da humanidade
e a história do mundo. Veremos que tal confluência, nesse momento, é parte
importante da visão de mundo que se constituia.

Reconhece-se, no entanto, que, da Antigüidade ao Renascimento, as oposições


entre as idéias foram sendo construídas e legadas como sistemas duplos de
compreensão do mundo.

Não é outra duplicidade a que vemos no centro do afresco “ A Escola de


Atenas” (1509-1511) de Rafel, obra marcante do Renascimento. No centro estão
Platão e Aristóteles. Platão, muito mais idoso, aponta o indicador da sua mão
direita para o alto e segura na esquerda o Timeo, enquanto Aristotéles, cheio de
vigor, espalma a mão direita para baixo, para o “mundo” e segura, na esquerda,
sua ética.

É essa a opção do Renascimento que vemos também em Galileu Galilei.


Detalharemos essa opção no capítulo II. Humboldt participa, em outro momento,
dos mesmos pressupostos dessa opção. Diferencia-se pelo conteúdo que sua
longa vida permitiu tomar contato.

O Kosmos pode, em síntese, ser definido como a atualização moderna da


diacosmese aristotélica. E sua forma demonstra o percurso histórico dessa
possibilidade.

Quanto à opção moderna para a forma, pode-se afirmar a filiação à Historia


Natural de Plínio. E, em muitas passagens do Kosmos, Humboldt afirma essa
opção e a sua apropriação dessa obra. Ficamos aqui com a reafirmação de Capel:

32
SOUZA. 1995. p. 52. op.cit.
La Historia Natural o descripción de la naturaleza de Plinio era, en efecto, además de lo
que su título habitual proclama, una verdadera enciclopedia geográfica e cosmográfica, una
auténtica Historia Mundi tal como correctamente se le tituló tamibén en algumas ediciones
del Renacimiento. Los primeros libros de la obra están dedicados directamente a la
cosmografia y geografia y constituyen modelos que fueron indudablemente tenidos en
cuenta ne la redacción de las geografias medievales y renacentistas, com influencia hasta
el siglo XVIII. El libro segundo sobre el mundo, los elementos y las estrellas, presenta el
cosmos y constituye a la vez un tratado de la esfera terrestre, estudiando las
consecuencias que la forma de la Tierra tiene en cuanto a la disposición de los climas
astrnómicos y de las regiones u su influencia en los habitnates, además de incluir nociones
sobre meteoros y terremotos. Los libros tercero a sexto tratan de las tres partes del mundo
dedicando especial atención a Europa, continente 'sustentador del pueblo vencedor' y el
mas hermoso de todos; trata de la orografia, las divisiones administrativas, las ciudades,
describe los pueblos qye habitan las diferentes regiones, se preocupa siempre de su latitud,
longitud e extensión, y ocasionalmente debate las razones geográficas de la grandeza de
una nación. La inclusión del hombre como ser creador, e inventor dentro de la obra, en el
libro séptimo, supone, finalmente, una atención hacia el campo de la moral y acaba de dar
a la Historia de Plinio un alcance que rebasa ampliamento de lo puramente natural” 33

Tomando em relevo as expressivas citações presentes no Kosmos, poderíamos,


se não relativizar a afirmação de Capel - pois concordamos com ela-, afirmar que
a leitura que Humboldt faz da “História Natural” de Plínio está cotejada pelo
amplo conhecimento do espólio humano fixado pela escrita. O conjunto das obras
e autores citados no Kosmos indica que Humboldt fez um proveitoso uso de seu
poliglotismo, de sua insaciável curiosidade e energia vital. Logo, o Kosmos acolhe
as intenções de Plínio, mas convive também com Hesíodo, Ptolomeu, Heródoto,
Estrabão, Platão, Aristóteles, Plutarco, Cícero, Tacito, Sêneca, Magno, Suetônio,
Da Vinci, Colombo, Post, Copérnico, J. Grimm, W. Grimm, Goethe, Reisch,
Ampère, Bacon, Ritter, Foster, Herschel, Galileu, Laplace, Linneu, Darwin, Rose,
von Buch, Cuvier, Dante, Camões, Arago, Gauss, etc.

Cada uma dessas “convivências” mereceria uma nova pesquisa.

O Cosmo de Humboldt.

33
CAPEL, 199. p. :252-53.
Mas, sob que condições foi possível idealizar e realizar tal empreendimento?
Como se realizaria a síntese entre um pensador que viveu seu próprio cosmo
como tal e realizou uma representação desse?

A primeira demarcação dessa realização está assinalada pelas possibilidades


do período histórico em que Humboldt viveu. A segunda pela trajetória que ele aí
desenvolveu e pelo o que é recolhido da História. Hobsbawm assinala alguns
elementos dessa primeira demarcação, constituinte do que ele periodiza como “A
Era das Revoluções”.

"A era revolucionária, portanto, fez crescer o número de cientistas e eruditos e estendeu
a ciência em todos os seus aspectos. E ainda mais, viu o universo geográfico das ciências
se alargar em duas direções. Em primeiro lugar, o progresso do comércio eo processo de
exploração abriram novos horizontes do mundo ao estudo científico e estimularam o
pensamento sobre eles. Um dos maiores gênios científicos de nosso período, Alexander von
Humboldt (1769-1859), contribuiu primordialmente desta forma para o progresso da
ciência: como um incansável viajante, observador e teórico nos campos da geografia,
etnografia e história natural, embora sua nobre síntese de todo os conhecimentso, a obra
Cosmos (1845-59), não possa ser definida dentro dos limites das disciplinas particulares.” 34

O fato de Hobsbawm incluir Humboldt e o Kosmos nesse ponto de sua análise


indica-nos a relação interna entre Humboldt, sua obra e seu tempo. A revolução
operada nos fundamentos da vida européia, particularmente da Inglaterra e da
França, onde, neste último, Humboldt viveria, de forma plena, entre 1804 e 1827
está presente no resultado do esforço final de Humboldt. Seu Kosmos, ligado à
tradição dos escritos do gênero, põe o novo conteúdo na velha forma. O Kosmos,
como documento, registra em grande parte essa revolução ao fixar o movimento e
estado do conhecimento, particularmente o científico, do início do século XIX, que
ainda apresenta uma Europa suspirando pelo "desconhecido":

A primeira coisa a observar sobre o mundo na década de 1780 é que ele era ao mesmo
tempo menor e muito maior que o nosso. Era menor geograficamente, porque até mesmo os
homens mais instruídos e bem-informados da época - digamos, um homem como o cientista
e viajante Alexander von Humboldt (1769-1859) - conheciam somente pedaços do mundo
habitado".35

34
HOBSBAWM. 1981. p.304 .op.cit.
35
HOBSBAWM. 1981. p.23 .op.cit.
Esse "pequeno mundo" que Hobsbawm caracteriza, também, com a população,
diminuta em relação ao presente era, em contraste, maior que o nosso. Realizava-
se ainda como lonjura, tais as distâncias e meios de transporte existentes para
transpô-las. Essa lonjura e lentidão constituem o fio da meada de um mundo
rural, entranhado aqui e ali por algumas grandes cidades 36 e pelas pequenas
cidades e vilas, muita vezes encaixadas, quase isoladas, em seus vales.

Esse pequeno mundo, como uma criança perplexa, interroga-se sobre suas
condições de existência na busca das origens. A questão primordial do processo
intala-se nas mentes e torna-se fundamento do pensamento ocidental.

"A quem jamais ocorreu furtar-se ao gosto de perguntar, decerto não deixou adiada a
questão e averiguar por que motivo a história ostenta, em certo ponto o início de uma época,
da qual, um dos traços mais vincados, é o fervor ansioso com que investiga o passado mais
remoto. Com efeito, desde algures, na vereda do tempo que passa por fins do século XVII e
início do século XIX, move-se aceleradamente a pesquisa e a especulação acerca das
'origens': a cosmologia, a geologia, a biologia, a antropologia não cessam de desenvolver o
que, antes, mais não foram do que capítulos prefaciais ou apendiculares, em disciplinas
especializadas na reconstituição do passado do universo, da terra, da vida e do homem"37

Não é outro o processo que Maximo Quaini apresenta n’ “A construção da


Geografia Humana”. Sua posição, no entanto, emerge de outro pressuposto: o de
que a preocupação pelas origens e pelos processos fundamenta-se na esfera do
pensamento social.

"As ciências do homem sem dúvida se beneficiaram do desenvolvimento das ciências


físicas e naturais - seria suficiente pensar na sociologia de Montesquieu - mas não por uma
troca unilateral, na medida em que é evidente que na origem da história natural e do
evolucionismo está o desenvolvimento da historiografia e das ciências sociais. Quem,
portanto, admite, como Claval, que a moderna geografia humana assim como a

36
"O mundo em 1789 era essencialmente rural e é impossível entendê-lo sem assimilar esse fato fundamental
(...) A palavra 'urbano' é certamente ambígua. Ela inclui as duas cidades européias que por volta de 1789
podem ser chamadas de genuinamente grandes segundo os nossos padrões - Londres, com cerca de um milhão
de habitantes, e Paris, com cerca de meio milhão - e umas 20 outras com uma população de mais de 100 mil
ou mais: duas na França, duas na Alemanha, talvez quatro na Espanha, talvez cinco na Itália (o Mediterrâneo
era tradicionalmente o berço das cidades), duas na Rússia, e apenas uma em Portugal, na Polônia, na Holanda,
na Áustria, na Irlanda, na Escócia e na Turquia Européia. Mas o temor 'urbano' também inclui a multidão de
pequenas cidades de província, onde se encontrava realmente a maioria dos habitantes urbanos; aquelas onde
o homem podia, a pé e em poucos minutos, vencer a distância entre a praça da catedral, rodeada pelos
edifícios públicos e as casas das celebridades e o campo" HOBSBAWM. 1981. p. 304. op. cit
37
SOUZA.1995. p. 1. op. cit..
geomorfologia são impensáveis fora do evolucionismo, deverá, portanto, como maior razão,
admitir que as condições de nascimento de uma e de outra devem ser procuradas, antes
demais nada, na história das ciências históricas e sociais do séc. XVIII, iluministas, ou
então na 'revolução historiográfica' do Renascimento. 38

O exato da afirmação de Quaini está em criticar a historiografia que não vê o


mundo como produto do processo social, mas absolutiza o estado vigente de um
mundo que é por necessidade histórico. Embora o processual acerque-se das
ciências físicas, esse ainda é processo limitado, estabelecido, a priori, no
entendimento, sem a sua causalidade material, a sua gênese. Não se trata,
portanto, de processo genético regressivo, mas abstrato e progressivo, cujas
noções de temporalidades são, não sem razões, abstratas.

"É este o projeto de uma nova história natural que foi fundada pelo iluminismo,
integrando historicidade social e historicidade natural e partindo do pressuposto da
centralidade do homem."39

Parece-me presente aqui um dos temas centrais na compreensão do


desenvolvimento da Geografia. Sua inserção interna ao projeto de história natural
e da história universal.

Como primeiro passo, constitui-se a partir do movimento da formação social a


compreensão de que o tempo escapa aos movimentos dos corpos, como estava
afirmado na compreensão aristotélica. A conexão entre tempo e movimento
alcança uma nova qualidade que permite ao pensamento abstraí-la como régua
abstrata dos processos. Trata-se do pressuposto da história natural que, por sua
vez, coloca-se, num segundo momento como pressuposto da história universal.
Tal é, em resumo, o

"... desenvolvimento daquela história natural do homem que nada mais é do que o
estudo positivo e experimental do homem em sua unidade de ser natural e social". 40

Ou, nos termos da Arte, tornou-se precupação no Renascimento, por exemplo


em Giotto, a busca pela representação do movimento na pintura, e, por
conseqüência a presença do tempo num modo de arte característicamente
espacial. A junção tempo e espaço na pintura torna-se possível somente a partir

38
HOBSBAWM. 1981. p. 70. op. cit.
39
QUAINI. 1983. p. 60. op. cit.
do pressuposto da perspectiva e do ponto de fuga, que não são outra coisa, senão
a representação do infinito e do eterno.

A dissolução das relações comunitárias baseadas na cultura e no tempo lento


da existência dissolve conjuntamente as representações dessa cultura e as põe
em movimento abstrato de reconstituição, logo independente de sua própria
formulação e ritmo. Nesse movimento abstrato de constituição da representação
encontramos a ciência e arte abstratas. A paisagem pertence,
indissocialvelmente, a esse processo. Seu momento como expressão desse
movimento pode ser considerado dialético na medida em que se põe como
expressão em movimento da afirmação e da negação da forma.

Torna-se compreensível por que Humboldt estivesse preocupado em expôr


suas idéias sob a forma de um Kosmos. Tratava-se de responder às questões
postas no desenvolvimento do pensamento científico, fundamento da visão social
de mundo burguesa. Essa composição que, enquanto gênero, resgata a
Antiguidade e a renova na tradição moderna das grandes sínteses põe-nos a
tarefa de explicar suas intenções internas. É o que esperamos demonstar no
capítulo II.

O Kosmos e a Geografia.

Em certa medida, um conjunto significativo de leituras do Kosmos partiu do


campo da Geografia e acabou por constituir-se em referências para a
interpretação da obra. Nos termos dessa pesquisa, interessa-nos, apenas,
algumas das interpretações formuladas. De antemão, não nos interessam, no
momento, os questionamentos que estabelecem o apriori das referências e das
influências, embora se reconheça o mérito delas.

O apriori das referências que busca, na obra de Humboldt, uma possível


gênese ou paternidade para a forma presente da geografia impõe uma leitura
particularizada e datada. Tal posição estreita a pergunta nos possíveis
fundamentos de um presente determinado. É a armadilha da idéia de precursores
com todas as consequências conhecidas. Não nos cabe, aqui, tal investida.

40
QUAINI. 1983. p. 71. op. cit.
O apriori das influências, fundamentalmente a mesma questão das referências,
persegue, com razão, o percurso das idéias no desenvolvimento do conhecimento.
Porém, justifica-se a partir de um equívoco. Trata-se da armadilha da fidelidade.
Também não nos cabe essa opção.

Pensamos que o mérito de uma leitura está na possibilidade de fazer usos,


independentemente da paternidade ou fidelidade, das idéias alí colocadas. Não
podemos pensar em abrir uma discussão para verificar quem é mais
humboldtiano do que outro, ou se Humboldt era geógrafo ou não, ou, se ele
funda a Geografia moderna ou não, ou ainda, se o Kosmos pertence ao
pensamento geográfico ou não. São questões que tangenciam a metafísica e
conduzem ao processo sem fim das perseguições e exumações.

O que buscamos, numa tese em geografia, foi verificar a possibilidade do


encontro de pensamentos para o homem de nosso tempo. Se ainda é possível
pensar em geografia usando o pensamento de Humboldt. Ou, ainda, quais usos
podemos dar ao pensamento de Humboldt na atualidade, independentemente de
estarmos fazendo geografia ou não. As apropriações, para os mais amplos fins, do
pensamento de Humboldt não constituem a essência da nossa pergunta.

Enfim, o que podemos dizer, a partir da leitura de Humboldt, é que a questão


que a Geografia moderna coloca a ele, não estava nele colocada. A idéia de uma
ciência específica, enquanto pressuposto da teoria tradicional na forma definida
por Horkheimer41, interessa apenas ao desenvolvimento particular de uma forma
de pensamento. E, para essa fonte de autodefinição histórica, pensamos, a forma
institucional é a mais adequada. Logo, a aparente indefinição normativa e
disciplinar da obra de Humboldt só comparece como questão quando a própria
normatização e disciplinarização estavam constituidas 42, portanto, trata-se de
uma solicitação externa aos fundamentos que produziram tal expressão. As
críticas e observações oriundas desse pressuposto devem, pensamos, ser
relativizadas.

41
“A representação tradicional de teoria é abstraída do funcionamento da ciência, tal como este ocorre a um
nível dado da divisão do trbalho. Ela corresponde à atividade científica tal como é executada ao lado de todas
as as mais demais atividades sociais, sem que as conexões entre as atividades individuais se torne
imediatamente transparentes.”HORKHEIMER, 1989. p. 37. op. cit.
Acerca da leituras que se originam no conjunto nacional, com as quais
travamos contatos, permanece ainda um distanciamento compreensivo das idéias
de Humboldt, o qual merece um rápido comentário. Ainda está por ser feita uma
leitura adequada dos pensamentos de Humboldt no Brasil, embora possamos
identificar importantes contribuições esparsas. A maioria delas, como afirmamos,
são fragmentárias ou laudatórias e situa-se no campo da generalidade o que
impede uma aproximação de fato aos termos das formulações humboldtianas.
Mesmo entre as investidas mais alentadas,43 nota-se esse distanciamento. São
características desse conjunto as formulações que procuram associar Humboldt
ao romantismo alemão, de Schiller ou Goethe e ao idealismo alemão, de Kant,
Fichte e Hegel. Não há, em nossa leitura, indicações seguras para tais afirmações.
Pode-se dizer que há relações de mútuas influências, mas que, no caso, partem
mais de Humboldt para outros, do que o contrário, como é o caso da relação
Goethe-Humboldt. Isso se explica, em parte, pelo próprio excepcionalismo de
Humboldt no contexto alemão do período.

O mundo de Humboldt, como esperamos demonstrar, insere-se no contexto


clássico universal, caldo dos mais sólidos pensadores do momento, e na
experiência científica específica e ainda embrionária para determinados
contextos.

Como afirmamos, são impressões parciais de leituras parciais. Humboldt liga-


se muito mais ao passado clássico e às formulações científicas de seu próprio
tempo do que a algum movimento específico de seu torrão natal. Tomar, para
uma análise, relações parciais, não significa poder extrair daí determinações.
Trata-se, evidentemente de um reducionismo. Compreensível, mas perigoso para
qualquer análise.

Pensamos poder dizer que em Humboldt não se encontra uma geografia como
genericamente se comprende esse termo no presente, apenas aspectos aqui e ali

42
“A consideração que isola as atividades particulares e os ramos de atividade juntamente com seus
conteúdos e objetos necessita, para ser verdadeira, da consciência concreta da sua limitação”
HORKHEIMER, 1989. p. 38. op. cit.
43
Entre essas, destacamos MORAES, 1983. op. cit., que apresenta um interessante panorama das
apropriações de Humboldt nas discussões internas à Geografia. Tal panorama, pautado pela busca dos
fundamentos da Geografia moderna, reconstitui o embate entre vários comentadores acerca das interpretações
de Humboldt e permite situar os rumos que tal discussão ganhou no século XX.
fixados. Logo, toda pergunta sobre a fixação dos aspectos deve ser dirigida ao
movimento que o determinou e não ao pressuposto que o possibilitou.

Se partimos de um pressuposto humboldtiano, este configura-se na


necessidade do encontro entre homem e mundo num processo de diacosmese 44.
As figuras que emergem lá e aqui são diálogos da história.

Apresentamos, portanto, uma questão acerca da paisagem em Humboldt e


esperamos, como isso, contribuir, de alguma forma, ao pensamento
contemporâneo.

No percurso desse capítulo, restar-nos-ia dizer algo sobre a individualidade de


Humboldt. Sua vida foi dedicada a Prometeu 45. Recebeu, em seu vaso sagrado,
com dedicação, o fogo eterno e deixou-nos o legado de uma época. O reencontro
na história pressupõe uma imensa disposição, afinal, somos herdeiros do mesmo
barco.

No início da tarde do dia 6 de maio de 1859, Humboldt partiu calmamente


para sua última exploração. O petit espirit malin que colecionava rochas, insetos e
flores enquanto perambulava sozinho pelos bosques e dunas de Tegel já sonhava
com viagens e aventuras. Os ventos que o levaram para a América conduziram
sua fragata além dos portos cinzentos. Seu último escrito, enquanto ainda
estudava granitos da Sibéria, tomado do livro do Gênesis quando Deus termina a
sua diacosmese, é ao mesmo tempo o epitáfio de sua obra maior e a saudação do
mundo que ele ajudara a produzir.

"Así fueron acabados los cielos y la tierra e todo su cortejo“46

44
"Man kann es kurz als eine Philosophie der Erde bezeichnen. Nur in Humboldt sind Geographie
Philosophie und Philosophie Geographie geworden." MEYER-ABICH, 1969. p. 155. op. cit.
Indicamos como tradução: "Pode-se, suscintamente, denominar como uma Filosofia da Terra. Apenas em
Humboldt, transformaram-se a Geografia em Filosofia e a Filosofia em Geografia."
45
“Diríase, valiéndonos de una bella frase de Lavoisier, que se renueva sin cesar á nuestra vista la antigua
maravilla del mito de Prometeo.” (C. T. I. p. 46)
46
BOTTING. 1985,. p. 162. op. cit.
CAPÍTULO II – Paisagem e Ciência no Kosmos de Humboldt: a
Abstração Sensível.
"Mas na próxima vez, vindo aqui procurar-me
Entenderás melhor! REDUZIR é iniciar.
Depois muito te empenha em bem classificar.”
(Goethe – Fausto)

A prática científica de Humboldt é quase sua vida como demonstramos no


capítulo antecedente. Mas a ciência ainda não é a prática da vida social.
Cientistas, no rigor do termo, ainda são personagens raros e de difícil demarcação
no mundo do século XIX. Se a materialização do conhecimento científico ainda é
precária, tanto mais é difusa sua demarcação institucional. O movimento das
idéias, embora lento para nossos padrões, é multidirecional e difuso. Os
portadores dessas idéias apresentam-se como sínteses enciclopédicas dos campos
em definição. Humboldt, como já consolidado pela tradição historiográfica,
pertenceu ao movimento de transição entre o mundo difuso do conhecimento
científico e a institucionalização incompleta da ciência. Iremos determinar esse
movimento como possibilidade de leitura da contribuição de Humboldt à
consolidação de uma forma de fazer ciência.

Essa vivência num mundo em transição aparece, por vezes, como ambigüidade
no Kosmos. Ao mesmo tempo em que Humboldt é um adepto praticante da
ciência moderna e sua história iluminista, convive em sua obra, também, aquela
necessidade pedagógica de fazer do saber o encontro do homem com o mundo.
Essa tensão entre o movimento da abstração moderna e as formas de contato
com o mundo é reconhecida amplamente por Humboldt, o que impede que a
ambigüidade transforme-se em contradição. Trata-se do esforço, ainda possível
como projeto naquele momento, de impedir que o fazer científico se descolasse
totalmente de um sentido humano.

Humboldt percebe o mérito e o risco que o pensamento formal impõe à


contemplação do mundo. Em todo o Kosmos aparece, aqui e ali, momentos de
reflexão sobre determinados procedimentos desse fazer conhecimento que
solicitam, quase sempre, o cuidado com os reducionismos.
“La ciencia de la naturaleza[eine philosophische Naturkunde], lo hemos recordado
muchas veces, no es una árida acumulacion de hechos aislados, ni está limitada por los
estrechos términos de la certidumbre matemática, antes bien debe elevarse á miras
generales[Naturbeschreibung] y concepciones sintéticas. ¿Por qué ha de prohibirse al
espíritu humano subir hácia el pasado arrancando del presente, adivinar lo que no puede
demostrar, y perseguir, en fin, la solucion del problema en todo tiempo planteado á su
actividade aun bajo las variadas formas de los mitos de la geognosia? Si los volcanes son
para nosotros fuentes intermitentes, pero irregulares, de donde salta una mezcla fluida de
óxidos metálicos, de álcalis y de tierra, bajo la poderosa presion de los vapores elásticos; y
si estos manantiales ígneos corren tambien tranquilos y apacibles, allá donde las masas
liquefactadas han hallado una salida permanente, ¿podemos olvidar cuan próximo estuvo
Platon á estas ideas, cuando aquel gran filósofo atribuia á las erupciones volcánicas y al
calor de las fuentes termales, una causa única, universalmente estendida por las entrañas
de la tierra, y simbolizada por un rio de fuego subterráneo, el Pyriphlegethon?” (C. T. I. p.
217-8)

Humboldt pertence ao momento da ciência em que o paradigma físico-


matemático ainda está sendo consolidado e permite a síntese entre suas formas
vigentes47. A análise de Foucault é elucidativa para esse período e aspecto.

“Pois o limiar de nossa modernidade não está situado no momento em que se pretendeu
aplicar ao estudo do homem métodos objetivos, mas no dia em que se constituiu um duplo
empírico-transcendental a que se chamou homem. Viu-se então aparecer duas espécies de
análises: as que se alojaram no espaço do corpo e que, pelo estudo da percepção, dos
mecanismos sensoriais, dos esquemas neuromotores, da articulação comum ás coisas e ao
organismo, funcionaram como uma espécie de estética transcental; aí se descobria que o
conhecimento tinha condições anatomofisiológicas, que ele se formava pouco a pouco na
nervura do corpo, que ele tinha talvez uma sede privilegiada, que suas formas, em todo o
caso, não podiam ser dissociadas das singularidades de seu funcionamento; em suma, que
havia uma natureza do conhecimento humano que lhe determinava as formas e que podia,

47
Um bom exemplo dessas ilusões está assinalado por Humboldt: “(...) el ingenioso Leslie se ha visto en la
necesidad de presentarno el interior del globo terrestre como una caverna esférica ‘llena por un fluido
imponderable, pero dotada de una fuerza de espansion enorme.’ Tan aventuradas concepciones dieron origen
bien pronto á ideas aun mas fantásticas, en espíritus verdaderamente estraños á las ciencias. Llegóse á suponer
que crecian plantas en aquella esfera hueca; poblósela de animales; y para disipar las tinieblas, díjose que
circulaban en ella dos astros: Pluton y Prosepina. Estas regiones subterráneas fueron dotadas de una
temperatura casi igual, y de un aire siempre luminoso á causa de la presion que esperimenta (olvidóse sin
duda la existencia de dos soles colocados allí para iluminarlas); por último, imaginóse que á los 82º de latitud
cerca del Polo Norte, se hallaba una inmensa abertura por donde debia salir la luz de las auroras boreales, y
que permitia bajar á la esfera hueca. Sir Humphry Davy y yo fuimos invitados públicamente por el capitan
Symmes para emprender esta espedicion subterránea.” (C. T. I. p. 154-5)
ao mesmo tempo ser-lhe manifestada nos seus própriso conteúdos empíricos. Houve
também as análises que, pelo estudo das ilusões da humanidade, mais ou menos antigas,
mais ou menos difíceis de vencer, funcionaram como espécie de dialética transcendental;
mostrava-se assim que o conhecimento tinha condições históricas, sociais ou econômicas,
que ele se formava no interior das relações tecidas entre os homens e que não era
independente da figura particular que elas poderiam assumir aqui ou ali, em suma que
havia uma história do conhecimento humano que podia ao mesmo tempo ser dada ao saber
empírico e prescrever-lhes suas formas.”48

Portanto, o homem moderno, nessa figura do duplo entre o século XVIII e XIX,
intensifica a busca das determinações da forma de conhecer. Pensamos que o
Kosmos, pelas suas características, permite perceber esse movimento do
conhecimento, pois alí está presente de forma clara e sólida a rede que Foucault
indica ser o elemento definidor para a análise da “arqueologia do conhecimento”.

“Pode-se perfeitamente escrever uma história do pensamento na época clássica,


tomando esses debates como pontos de partidas ou como temas. Mas não se fará então
mais que a história das opiniões, isto é, das escolhas operadas segundo os indivíduos, os
meios, os grupos sociais; e é todo um método de inquirição que está implicado. Se se quiser
empreender uma análise arqueológica do próprio saber, então não são esses debates
célebres que devem servir de fio condutor e articular o propósito. É preciso reconstituir o
sistema geral de pensamento, cuja rede, em sua positividade, torna possível um jogo de
opiniões simultâneas e aparentemente contraditórias. É essa rede que define as condições
de possibilidade de um debate ou de um problema, é ela a portadora da historicidade do
saber”.49

Indicamos que nesse contexto a forma paisagem ocupa um papel importante


na definição do empírico. Pode-se dizer que a pergunta humana transfigura-se no
empírico sob a forma paisagem.

Duas importantes questões devem servir como eixos para esse movimento.
Qual o papel da forma paisagem no modus operandis da ciência do século XIX?
Qual a relação da forma paisagem com o processo moderno de pensamento?

A produção cientifica de Humboldt: entre Galileu e Darwin.

48
FOUCAULT. 1999. p. 339-40. op. cit.
49
FOUCAULT. 1999. p. 103. op. cit.
Pode-se situar a produção científica de Humboldt entre vários marcos. Seu
interesse temático pelo conhecimento levou-o, como assinala o Kosmos, ao
contato com inúmeras obras e autores de sua época e da Antigüidade. Para os
fins da discussão da paisagem em sua obra, parece-nos conveniente demarcar o
trajeto entre dois marcos da ciência, com uma permissão de pausa no percurso
para uma olhadela ao redor: Galileu Galilei com o seu Diálogos de 1632 e Darwin
com A Evolução das Espécies de 1859. Pouco mais de duzentos anos que
poderiam ser um “século”: o século da transformação radical do homem e da
natureza. A breve suspensão é nas proximidades de Linnaeu com o seu Systema
Naturae de 1735.

Pode-se afirmar, na perspectiva da transição, que Humboldt liga Galileu a


Darwin. Mais o que isso. Pode-se afirmar, como já foi feito, que Humboldt como
vida e o Kosmos como texto, afirmam a urdidura desse “século” demasiadamente
humano.

Para compreendermos que a obra de Humboldt significou uma análise


sofististicada e superadora dos termos do Sistema da Natureza de Lineu e de
certa forma, contribui para o êxito de Darwin, será necessário verificar que a
síntese sistêmica movia-se hegemonicamente no afluxo neoaristotélico do século
XVII e XVIII que tem em Galileu Galilei a forma superada.
Para Humboldt prevalece ainda o movimento de unificação do
Cosmo desenhado pelo século XVII. Não se separa, como vemos hoje, os
interesses entre os fenômenos telúricos e siderais.

“Despues de la naturaleza celeste, vengamos á la terrestre. Un lazo misterioso las une, y


en el mito de los Titanes era el sentido oculto que el órden en el mundo depende de la union
del cielo con la tierra.” (C. T. I. p. 141)
Constitui-se a tensão entre o movimento do pensamento que se
encontra com um Mundus reduzido e sua expressão ampla e harmônica.
Nesse mundo, Humboldt joga um importante papel, pois recebe a
hegemônica tendência do pensar embrionário moderno e confronta-a com
os limites do seu Mundus, que ainda transita pela composição clássica.
Não serão poucas as tensões.
A análise genética desse processo impõe-se a partir de Galileu, não
só pelo peso que este tem na definição da forma científica do pensar
moderno, mas pela sua presença explícita e implícita observada no
Kosmos.

Como ya he dicho al ocuparme le las fases principales en que se divide la historia de la


Contemplacion del Mundo, las manchas del Sol no fueron reconocidas nipor Galileo, ni por
Scheiner, ni por Harriot, sino por Juan Fabrício, de la Frisia Oriental, que fué quien primero
las observó é hizo imprimir su descripcion. Juan Fabricio, lo mismo que Galileo, sabia ya
que esas manchas pertenecen al mismo globo solar: puede asegurarse esto leyendo la carta
de Galileo al príncipe Cesi, fechada en 25 de Mayo de 1612. Sin embargo, diez años
despues, Juan tarde, canónigo de Sarlat, y diez años mais tarde aun, un jesuita belga,
pretendieron casi al mismo tiempo que las manchas eran producidas por el paso de
pequenõs planetas, llamados por el primero Sidera Borbonia, y Sidera Austriaca por el
segundo (69). Scheiner fué quien empleó primero para observar el Sol, los cristales
preservativosverdes ó azules, propuestos 70 años antes en el Astronomicum Coesareum por
Apiano, llamado tambien Bienewitz, y de los que servian los pilotos holandeses hacia micho
tiempo La falta de uno de esos cristales contribuyó en gran parte á que Galileo perdiera la
vista. (C. T. III. p. 269)
A presença explícita50 de Galileu no Kosmos indica-nos, além do
conhecimento apurado51 da sua obra, a relação interna entre os interesses
convergentes de ambos e de quases todos os pensadores modernos: a
astronomia; e também a forma metológica da ciência experimental que se
desenvolvia desde Bacon52.
Pressupor Galileu Galilei é apresentar, a partir de uma discussão
específica, algumas considerações sobre a importância de suas
formulações, análises e sínteses. A importância das teorias sobre o

50
“¿Existirá quizás algun centro de accion magnética en los espacios interplanetarios, ó en cierta polaridad
del Sol y de la Luna? Estas últimas hipótesis nos recuerdan que Galileo en su célebre Diálogo, esplica la
direccion constante del eje de la Tierra por medio de un centro de accion magnética situado en los espacios
celestes.” (C. T. I. p. 170)
51
“Cuéntase que Galileu en su niñez, hallándose un dia en los divinos oficios, que indudablemente no debian
interesarle, reconoció la posibilidad de medir la elevacion de la cúpula de la iglesia por la duracion de las
oscilaciones de las lámparas suspendidas en la bóveda á alturas desiguales.” (C.T. I. p. 151-2)
52
“El poder de las sociedades humanas, Bacon lo ha dicho, es la inteligencia; este poder se eleva y se hunde
con ella. Pero el saber que resulta del libre trabajo del pensamiento no es únicamente un de los goces del
hombre, es tambien el antiguo é indestructible derecho de la humanidad; figura entre sus riquezas, y es
movimento, do papel da experiência e do experimento, do uso da
matemática geométrica, do papel da ciência em relação à fé, entre outras
contribuições, estão já amplamente debatidas e comparecem aqui
implícitas nas formulações de Humboldt como participante do movimento
de constituíção da ciência.
Nesse movimento, elegemos em Galileu a formulação sobre a
simplicidade e a ordem da natureza e desta para a reorientação do
pensamento científico, principalmente na redefinição do conhecimento
empírico. O postulado da simplicidade cumpre importante papel no jogo da
formação do pensamento moderno. Pode-se compará-lo ao
desenvolvimento da perspectiva para a pintura ao produzir um principio
de redução para a observação.
Colocar tal discussão requer alguns cuidados quanto ao
distanciamento entre o debate original e o debate atual, separados por
quase quatrocentos anos e, também, quanto aos possíveis problemas em
recortar de Galileu um aspecto de sua obra perpassado por elaborações de
várias matrizes.
Requer cuidados, também, e principalmente, ao fazer uso de um
conceito permeado de tantas controvérsias como o de simplicidade. Não
são poucas, e, é Popper53 quem afirma, nem claras. Vai desde a negação
completa da importância desse conceito para a epistemologia da ciência
até o seu uso de forma indiscriminada, imprecisa e pouco produtiva.
Ao falarmos de simplicidade, estamos referindo-nos a quê
precisamente? As possibilidades de respostas colocadas referem-se a um
conjunto plural formado por expressões de cunho pragmático, lógico,
estético e, mesmo, prático. Aqui, tomaremos como referencial de análise o
uso do termo em um determinado contexto, ou seja, o seu significado.
Portanto, a discussão, pertinente, que Popper coloca, não nos posiciona ,

frecuentemente la compensacion de los bienes que naturaleza ha repartido con parsimonia sobre la tierra.”
(C.T. I. p. 34-5)
53
POPPER. 1975. op. cit.
uma vez que o que estará em discussão é o uso que Galileu fez do conceito
de simplicidade e não, diretamente, uma ou outra análise do conceito.
A tentativa de elaborar essa discussão a partir de Galileu nos leva à
necessidade de estabelecermos, prioritariamente, em que bases ele faz uso
desse termo. Podemos formular em Galileu dois usos diferenciados para a
simplicidade: o primeiro, de uso ontológico, refere-se ao posicionamento de
Galileu em relação ao materialismo, que o conduz a considerar a
possibilidade de compreender a natureza em suas propriedades mais
íntimas e a aceitar, por exemplo, o sistema copernicano como a forma
verdadeira do movimento dos astros. O segundo, de uso metodológico,
refere-se à opção que Galileu faz, no estudo do movimento uniformemente
acelerado, em favor do isolamento de uma forma de movimento, o
uniforme, para demonstrar o comportamento de outros movimentos
acelerados, evitando, dessa forma, o problema da complexidade que
envolve cada um dos movimentos qualitativamente diferenciados. Objetiva-
se, então, demonstrar, apenas de forma exemplificativa, como Galileu fez
uso desse termo, sem a pretensão do esgotamento dessa discussão, o que
está além das possibilidades dessa exposição.
De início, podemos ficar com as palavras de Popper sobre a
importância de Galileu:

“Um dos elementos mais importantes de nossa civilização ocidental é o que posso
chamar de ‘tradição racionalista’ que herdamos dos gregos. É a tradição da discussão
crítica - não por si mesma, mas nos interesses da procura da verdade. A ciência grega,
como a filosofia grega, foi um dos produtos dessa tradição, e da urgência de entender o
mundo em que vivemos; e a tradição fundada por Galileu foi seu renascimento.”54
Portanto, discutir Galileu significa tomar contato com os
fundamentos da ciência moderna. Essa colocação remete-nos diretamente
para as bases do pensamento de Galileu e para os pontos que o tornaram
imprescindível para o conhecimento do mundo.

54
POPPER. 1975. p. 390. op.cit.
“Vale a pena, então, a pergunta: em que se baseia objetivamente este juízo? na obra
de Galileu como físico, isto é, na importância das leis físicas descobertas por ele ou, ao
contrário - como querem alguns, em sua obra metodológica, isto é, na contribuição dada por
ele à renovação do método científico? Creio podermos responder que a fama de Galileu se
baseia, a rigor, em ambos os aspectos de sua obra acima mencionados, aspectos esses
que, de resto, não podem ser compreendidos, em seu valor pleno, isoladamente um do
outro.”55
Dono de um interesse amplo pelas questões de seu tempo, Galileu,
como ele próprio afirmava, navegava no campo da filosofia, das
matemáticas, da astronomia, da engenharia, etc. Tal múltiplo interesse,
devia-se, em primeiro lugar, às próprias características do período no qual
viveu, marcado pelo imbricamento dessas temáticas e, em segundo lugar,
pelo caráter ainda muito tênue da especialização do conhecimento,
Desse amplo conjunto, resta-nos saber em que medida as
contribuições metodológicas e os estudos físicos de Galileu aparecem no
redesenhamento da concepção de natureza nos séculos XVI ao XIX, mais
precisamente, em Humboldt. Dito em outras palavras, qual o significado
da compreensão e da defesa da simplicidade da natureza para a destruição
do cosmos medieval e para a consolidação do novo cosmo defendido por
Galileu e depois, no Kosmos? A posição de Humboldt pode ser assim
resumida:

“Cuando mas tarde la filosofia aristotélica destronó al neoplatonismo, y decició


soberanamente del movimiento de los espíritus, su influencia se ejerció en dos direcciones
diferentes, aplicándose al mismo tiempo á las investigaciones de la filosofia especulativa y
á la prática [Bearbeitung] de la ciencia esperimental [empirischen Naturwissens]. Aunque
parezca que las meditaciones especulativas, van mas allá del objeto que me propongo en
este libro, no puden pasarse completamente en silencio, porque á ellas se debe el que, aun
en medio mismo de la escolástica[dialektischer Scholastik] , algunos hombres de grande y
noble inteligencia hiciesen triunfar en todos los ramos de la ciencia[Gebieten des Wissens]
la independencia do pensamiento[freien Selbstdenken]. La contemplacion del mundo y la
generalizacion de las ideas no solo tienen necesidad de una gran masa de observaciones,
les hace falta espíritus bastante fortificados de antemano para no retroceder en la eterna

55
GEYMONAT. 1997. p. 287-8. op. cit.
lucha de la ciencia[Wissen] y de la fé[Glauben], ante esas imágenes[Gestalten]
amenazadoras que pueblan ciertas regiones[Regionen] de la ciencia esperimental
[Erfahrungswissenschaft] como si quisieran cerrarnos sus portas.” (C. T. II. p. 240-1)
Não é outro, como sabemos, o enfrentamento de Galileu. Sabemos,
também, que a discussão a respeito da simplicidade ou da complexidade
da natureza e também da simplicidade ou da complexidade da exposição
científica aparece com o próprio conhecimento e precede Galileu.
Precede, por exemplo, com as formulações de Ockham e sua
“navalha da simplicidade”, afirmando que, entre duas hipóteses
igualmente plausíveis, mas de complexidade diferente, o cientista escolhe
necessariamente a mais simples, até que ela seja contrariada pela
observação ou pela experiência.
Portanto, é pertinente considerar que essa questão perpassa a
formação intelectual de Galileu:
“El ideal clásico del orden y la sencillez dominaba tanto la imaginación artística de
Galileo como su pensamiento científico.”56
Podemos, então, concordar com Shea sobre os compromissos de
Galileu com uma visão estética do mundo que implicava em concebê-lo
dotado de unidade, regularidade e perfeição.
“...pero no puede haber ninguna duda de su firme adhesión, desde el principio, a las
ideas de orden y sencillez.”57
Assim, Galileu herda e acolhe um postulado metodológico de
investigação pautado na busca da opção mais simples de demonstração do
conhecimento, que virá a ser, também, fundamental para a sua concepção
do mundo físico.
Mas a postura de Galileu não pode se reduzida à uma filiação
metafísica ou artística. Galileu recoloca o problema da simplicidade em
outro patamar. Trata-se do fundamento da razão, reiterado por Humboldt.

“En el órden mismo de los progresos científicos está, que hechos por largo tiempo
aislados y sin enlace vengan sucesivamente á ligarse con el conjunto, sometiéndose á las

56
SHEA. 1983. p. 164. op. cit.
57
SHEA. 1983. p. 89. op. cit.
leyes generales. Solamente indico aquí la via de la observacion y de la esperiencia, por
donde camino como otros muchos, esperando que llegue un dia en que realizándose los
votos de Sócrates, ‘sea la razon el único intérprete de la naturaleza.’” (C. T. I. p. 149)
Um dos muitos pontos em que Galilleu demonstra a adesão ao
princípio da simplicidade da natureza é o da defesa do sistema
copernicano contra o sistema ptolomaico, aliás, no qual comparece como
defesa, tanto para um quanto para o outro, o princípio de simplicidade.
A defesa de Galileu é bem conhecida e traduz-se no raciocínio
exposto aqui por Shea:
“Quién Creerá que la naturaleza (que, según acuerdo general , no hace mediante
muchas cosas lo que puede hacer con pocas) haya elegido que un inmenso número de
cuerpos vastísimos se muevan a velocidades incalculables para hacer lo mismo que se
hubiera conseguido con el movimiento moderado de un solo cuerpo cobre su propio eje?”58
Porém essa postura não é, ainda, conclusiva, pois dessa mesma
postura emerge, também, a defesa do sistema ptolomaico. O caso a seguir
torna-se interessante:

“Ainda em 1671, no seu manual intitulado Le Prince Instruit ou Le Philosophie, um


defensor atrasado das ideias antigas, o velho cónego Bézian Arroy, zomba dos astrónomos
ao novo estilo. Copérnico ‘dá-lhe vontade de rir’. Uma vez que os astros são archotes acesos
para iluminar a Terra, não será mais razoável, para explicar o movimento, crer que se
desloquem em redor da câmara que iluminam do que fazer girar a câmara em redor das
tochas”.59
Este é um bom exemplo dos argumentos contra os quais Galileu
deveria contrapor-se. A idéia de que os astros fossem tochas, isto é, pontos
de fogo no céu cuja finalidade seria iluminar a terra e esta, por sua vez,
uma imensa massa de rocha e água, inerte e pesada, ainda encontrava
adeptos.
O posicionamento de Galileu poderia, em princípio, ser colocado a
partir de Geymonat:

“Ou seja, estaria ele disposto a aceitar os princípios da própria dinâmica somente com
base nesta correspondência com os fatos ou as aceitava por outros motivos (por exemplo,

58
SHEA. 1983. p. 155. op. cit.
por sua simplicidade e pela hipótese metafísica de que a natureza faz sempre uso dos
meios ‘mais imediatos, mais simples, mais fáceis’)?”60
Daí, a importância de Galileu ter demonstrado, com seu telescópio, a
unidade e similitude entre o mundo supralunar e o mundo sublunar. Essa
é uma grande contribuição à destruição de qualquer tentativa, passada ou
futura, de construção de um mundo fora dos parâmetros da ciência. Não é
por acaso que muitos se recusavam a olhar pelo telescópio. O medo da
destruição de um mundo é algo a se considerar. Mas é isso que temos
colocado nessa polêmica. A simplicidade defendida por Galileu não é do
mesmo teor da simplicidade defendida pelo cônego Bézian, mesmo
utilizando-se do mesmo princípio lógico e estético. O argumento da
simplicidade, desenvolvido por Galileu neste caso, está fundamentado
num precioso trabalho de observação e investigação da natureza. E, nesse
ponto, reside a crucialidade do pensamento de Galileu, isto é, o de dar ao
seu discurso um estatuto de verdade de fato e não apenas o de verdade ex
suppositione, de natureza dedutiva:
“Creio que, observando bem as coisas, esta distinção entre verdade ex
suppositione e verdade de facto, já presente em outros trabalhos de Galileu, nos fornece
em última instância, a verdadeira chave para compreender o sentido profundo de toda a
obra que estamos examinando.”61
Esse posicionamento de Galileu frente ao mundo ficará melhor
explicitado na discussão sobre o movimento na terceira jornada dos
Discursos62. Galileu desenvolve e expõe, através de um conjunto de 22
teoremas, 38 proposições, 16 problemas, 3 escólios, 4 lemas e 9 corolários,
a teoria do movimento uniformemente acelerado e sua aplicações no
entendimento do fenômeno da queda dos corpos.
O significado dessa discussão para a apresentação do uso da
simplicidade está dado pela possibilidade de constatarmos em Galileu a
confirmação de sua busca pela correspondência entre suas formulações e

59
LENOBLE. 1990. p. 272. op. cit
60
GEYMONAT. 1997. p. 316-7. op. cit.
61
GEYMONAT. 1997. p. 252. op. cit.
a realidade, ou seja, a simplicidade não é apenas um recurso metodológico
(embora também o seja para Galileu) mas, a forma de existência da
natureza. Geymonat acentua apropriadamente essa questão:
“Consideremos, por exemplo, a definição do movimento naturalmente acelerado,
como movimento de um ponto cuja velocidade instantânea varia proporcionalmente ao
tempo. Sem dúvida, é verdade também que Galileu não a apresenta como definição
elaborada por via puramente convencional, como poderia fazer um moderno cultor de
mecânica racional: afirma, ao contrário, ter sido conduzido quase pela mão (“nos quasi
manu duxit”) a estudar justamente este e não um outro tipo de movimento pela
observação da natureza: natureza que, em todas as suas obras, faz uso dos meios mais
imediatos, mais simples, mais fáceis (“primis, simplicissimis, facillimis”). Alguém poderia
objetar que a hipótese de uma natureza que segue, em suas obras, o caminho mais
simples é, ela mesma uma hipótese matemática, não empírica. É fato, porém que Galileu
acredita ter constatado em milhares de casos esta simplicidade. Não lhe passa pela
cabeça que se trate de uma hipótese puramente teórica: o critério da simplicidade era,
para ele, um critério que se origina na própria observação da natureza e que é sempre
aceito pelos técnicos quando querem construir dispositivos capazes de dominar e
controlar as forças da natureza.”63
A partir da análise de Geymonat é possível destacar o uso
epistemológico da simplicidade em Galileu. A natureza é, para Galileu,
dotada de propriedades que o pensamento humano deve reconhecer. Uma
dessas propriedades da natureza seria a busca dos meios mais simples
para se realizar. Mesmo constatando a imensa diversidade do universo,
Galileu aponta o seu foco para a essência da natureza, isto é, aquilo que
ele afirma - suas teorias - deve estar referendado, mesmo contra as
evidências contrárias da superfície dos sentidos, no movimento da
realidade. Esse debate com os sentidos, já travado na defesa do sistema
copernicano, é também recolocado no debate com as evidências do
fenômeno da queda livre dos corpos graves. O trecho abaixo, dos
Discursos, já discutido por Geymonat, sintetiza essa posição.

62
GALILEI, 1988. op. cit.
63
GEYMONAT. 1997. p. 299-300. op. cit.
“Tendo tratado, no livro anterior, das propriedades do movimento uniforme, examinemos
minuciosamente o movimento acelerado. Antes de tudo, convém investigar e explicar a
definição que corresponde convenientemente a esse movimento, tal como a natureza o
utiliza. Sem dúvida, ainda que seja lícito imaginar arbitrariamente alguma forma de
movimento e investigar a seguir as propriedades que dela derivam (de fato, é assim que
alguns, imaginando hélices ou concóides originadas por determinados movimentos que a
natureza não faz uso, têm conseguido demonstrar admiravelmente suas propriedades com
argumentos ex suppositione), todavia, visto que a natureza se serve de uma forma
determinada de aceleração na queda dos graves, não é inconveniente estudar suas
propriedades, fazendo com que nossa definição do movimento acelerado corresponda á
essência do movimento naturalmente acelerado. O que acreditamos ter finalmente
descoberto depois de longas reflexões; principalmente se levarmos em conta que as
propriedades por nós demonstradas parecem corresponder e coincidir com os resultados da
experiência. finalmente, no estudo do movimento naturalmente acelerado, fomos, por assim
dizer, conduzidos pela mão graças à observação das regras seguidas habilmente pela
própria natureza em todas as suas outras manifestações nas quais ela faz uso de meios
mais imediatos, mais simples e mais fáceis. Pois penso que na verdade nenhuma pessoa
acredite poder nadar e voar com maior simplicidade e maior facilidade que os peixes ou as
aves, que se servem do instinto natural.” 64
Como na defesa do sistema copernicano, Galileu apoia-se numa
certa “sapiência” (instinto natural) intrínseca da natureza. Observando
peixes e aves, isto é, conduzido pela mão pela natureza, conclui que estes
possuem uma extrema aptidão para executar determinadas atividades.
Para Galileu não só aves e peixes seriam dotados dessa condição, mas
toda a natureza. Ao pensar o mundo pelo próprio movimento do mundo e
compreendê-lo Galileu inaugura um novo universo.

“En la naturaleza física, para los astros como para los séres organizados, el movimiento
parece ser una condicion esencial de la produccion, de la conservacion y del desarrollo.” (C.
T. I. p. 155)
Suas observações e raciocínio levam-no para um mundo organizado,
extremamente funcional e previsível, no qual o acaso, a espontaneidade e o
finalismo não existem mais.

64
GALILEI. 1998. p. 159-60. op. cit.
Aí reside a origem da idéia mecânica do Universo, somos todos,
peças de uma engrenagem que funciona sem um fim qualquer, que não
seja a ordem do movimento. Por isso Galileu foi tão combatido pela Igreja.
Soltos no universo sem um sentido qualquer a que se agarrar, cabe ao
homem, agora imerso em seu próprio destino, dar um sentido para todo o
universo. A tarefa é gigantesca. É isso, precisamente o que Galileu inicia: -
podemos até datar, 1632 - uma gigantesca odisséia humana65.
No que se refere à simplicidade metodológica de Galileu, parece não
haver a mesma tranquilidade, pois, concordando com Geymonat, é
possível afirmar a extrema complexidade das filiações metodológicas de
Galileu:
São prova disso as inegáveis oscilações de Galileu entre o recurso
ao mais puro método dedutivo (ex suppositione) e ao não menos enérgico
e freqüente recurso à observação empírica, confirmadas as atuais entre
seus intérpretes que encontram nos escritos de Galileu motivos

65
Humboldt acompanha atentamente o desenvolvimento do conhecimento científico e situa-se no conjunto
das questões que emergem desse percurso. A Ordem e as Leis físicas são um dos seus princiapais interesses
nesse movimento:
“Si las leyes de los movimientos planetarios fueron descobertas á principios del siglo XVII; si Newton reveló
primero que nadie la fuerza de que eran consecuencia inmediata las leyes de Keplero, á los fines del siglo
XVIII pertenece el honor de haber demostrado la estabilidad del sistema planetario, gracias á los nuevos
recursos que suministraba para a investigacion de las verdades astronómicas, el perfeccionamiento del cálculo
infinitesimal. Los principales elementos de esta estabilidad, son: la invariabilidad de eje mayor de las órbitas
planetarias, demonstrada por Laplace, por Lagrange y por Poisson; las lentas y periódicas variaciones que
esperimenta en estrechos límites la escentricidad de dos planetas poderosos y muy apartados del Sol, Júpiter
y Saturno; la distribuicion de las masas repartidas de tal manera, que la masa de Júpiter no escende en 1/1048
de la del cuerpo central, al cual se subordinan todas las demás; por último, esse órden en virtud de cual todos
los planetas conforme su orígen y al plan primordial de la Creacion, verifican en una direccion única su doble
movimiento de rotacion y de revolucion, describen órbitas cuya escentricidad poco considerable está sometida
á pequeños cabios, se mueven en planos próximamente igualmente inclinados, y verifican su revolucion en
tiempos que no tienem entre si medida comun. Esos motivos de estabilidad, que son la salvaguardia de los
planetas, dependen de una accion recíproca, que se efectúa en el interior de un círculo circunscrito. Si esta
condicion dejase de cunplirse por la llegada de un cuerpo celeste procedente de afuera y estraño á nuestro
sistema, ya determinara un choque, ya introdujera nuevas fuerzas atractivas, esta interrupcion podria ser fatal
al conjunto de las cosas que existen en la actualidad, hasta que al fin, despues de un largo conflicto se
restableciese un nuevo equilíbrio. Pero la llegada posible de un cometa, describiendo á través de los espacios
inmensos su órbita hiperbólica no podria, aunque la escesiva velocidad suplia á la insuficiencia de la massa,
levar la inquietud sino á una imaginacion rebelde á las consideraciones consoladoras del cálculo de las
probabilidades. Las nubes viajeras de los cometas de corto período no presentan mas peligros para el provenir
de nuestro sistema solarque las grandes inclinaciones de las órbitas, descritas por los pequeños planetas
comprendidos entre Marte y Júpter. Lo que no puede fijarse como posible debe quedar fuera de una
abundantes para atribuir-lhe concepções quase que antitéticas, como a
platônica e a materialista.66
Conjugando tais orientações, é de se esperar que Galileu apresente
ambigüidades e contradições quanto ao desenvolvimento metodológico.
Mas se essa característica pode ser vista negativamente, também pode ser
entendida como um grande esforço em busca da compreensão do mundo
num contexto marcado pela insegurança, própria dos momentos de
mudanças paradigmáticas. Assim, o mérito de Galileu, além de sedimentar
diversos elementos do método científico moderno, pode ser visto, também,
como um grande inovador no plano do pensamento, ao criar desde
experimentos muito simples até experimentos mentais muito sofisticados
que chegaram ao nossos dias com uma vitalidade surpreendente.
Além dessa importante característica da orientação do trabalho
intelectual de Galileu, é possível constatar, nesse mesmo rumo, a
valorização da simplicidade, nem sempre atingida, da exposição e clareza
dos argumentos.

“Sagredo - V. Sª. nos revela conclusões ocultas com muita evidência e facilidade. Esta
extrema facilidade faz que pareçam ter menor valor do que teriam, se fossem apresentadas
de maneira mais complicada. Penso que os homens estimam menos um conhecimento
alcançado com tão pouco esforço, do que aquele obtido mediante longas e incompreensíveis
discussões.

Salviati - Para os que demonstram com brevidade e clareza os erros de proposições que
foram tidas como verdadeiras por todo o mundo, seria um dano suportável serem tratados
com desprezo, ao invés de agradecimento, contudo, é muito mais desagradável e perigoso
verificar uma certa atitude que nasce em alguns que, pretendendo equiparar-se a outros no
mesmo campo de estudos, têm como verdadeiras conclusões que, posteriormente, vêm a ser
descobertas e declaradas falsas por outro com um raciocínio simples e fácil.” 67
Partindo da constatação e confirmação de que a natureza é
essencialmente simples, nosso método, para expressar essa simplicidade,

Descripcion física do Mundo: no es permitido á la ciencia el perderse en las regiones nebulosas de las
fantasías cosmológicas. (C. T. III. p.430-431)
66
GEYMONAT. 1997. p. 259. op. cit.
67
GALILEI. 1986. p.166. op. cit.
deveria também ser simples e, da mesma forma, nosso discurso deveria
ser o discurso da simplicidade.
Recoloca-se o papel fundamental da ciência para a formulação de
uma nova visão do universo e da natureza. Ainda, poderíamos citar o
importante papel de Galileu na introdução da instrumentação do
conhecimento. As observações telescópicas, ou seja, mediadas por um
instrumento auxiliar, fundam a intangível característica da crescente
tecnificação na produção do conhecimento. A análise do Kosmos e de
outras obras permite constatar que Humboldt fazia uso intensivo dos
instrumentos disponíveis em seu tempo e desenvolvia experimentos
constantes para a obtenção de dados.

“El hombre se pone en relacion con la naturaleza por medio de sus órganos. Así la
existencia de la materia en las profundidades del cielo, se nos revela por los fenómenos
luminosos; y puede decirse que la vista es el órgano de la contemplacion del Universo, y que
el descubrimiento de la vision telescópica, que data apenas de dos siglos y medio, ha
dotado á las generaciones actuales de una potencia de la cual todavía se ignoran los
límites.” (C. T. I. p. 69-70)
Uma segunda característica da filiação científica de Humboldt pode
ser destacada a partir de sua apropriação do sistema classificatório de
Linneu, um outro passo gigantesco na ordenação de um outro Mundo.

“E talvez a unidade recuada, mas insistente de uma Taxonomia universalis apareça com
toda a clareza em Lineu, quando ele projeta encontrar, em todo os domínios concretos da
natureza ou da sociedade, as mesmas distribuições e a mesma ordem. O limite do saber
seria a transparência perfeita das representações nos signos que as ordenam” 68
Essa fundamental característica, apontada por Foucault, reitera, em
nosso percurso, a posição que Humboldt ocupa. Herda a disposição, quase
unânime de seu tempo, da prática maciça das pesquisas e viagens
taxonômicas. Desde suas primeiras publicações, a Mineralogische
Beobachtungen über einige Basalte am Rhein e a Florae Fribergensis
Specimen até o Kosmos, passando pela viagem à América, a obra
Humboldtiana participa, em parte, desse movimento. A constante
preocupação com a coleta de espécimens, a formação de coleções de
plantas, rochas, animais, termos, etc., compõe a tarefa do conjunto dos
viajantes científicos do período na execução do grande projeto 69 ordenador
da ciência.

“Projeto de uma ciência geral da ordem; teoria dos signos analisando a representação;
disposição em quadros ordenados das identidades e das diferenças: assim se constituiu na
idade clássica um espaço de empiricidade que não existira até o fim do Renascimento e que
estava condenado a desaparecer desde o início do século XIX.” 70

A imensa capacidade de registro de Humboldt, uma quase obsessão, aliada à


sua formação universal, dá-nos a síntese do pensamento que emerge desse
contato entre a razão e o mundo. O empírico vai sendo produzido pelo
pensamento abstrato de corte sistemático.

68
FOUCAULT, 1999. p. 105. op. cit.
69
A influência da prática da herborização a partir do sistema classificatório de Lineu é tão onipresente que
torna-se procedimento universal da ciência e prática cotidiana de muitas pessoas, como por exemplo, o velho
Rousseau. Um exemplo chave pode ser o aparato linneano da expedição de Alexandre Rodrigues Ferreira,
considerado o”Humboldt brasileiro”.

SIMON. 1983. op. cit. Apendix II: 2. Museu Bocage (MB), maço 5, nº 7, inventory list of equipament for
Ferreira's expedition to Pará, wich departed Lisbon 14-vii-1783.

Expedição Filosofica do Pará de que hé Naturalista o Doutor Alexandre Rodrigues Ferreira, os Riscadores
José Codina, e José Joaquim Freire, e Agostinho do Cabo, Jardineiro Botanico, o qual partio aos 14 de julho
de 1783.
Relação do que Levou o ditto Naturalista deste Real Gabinete da Ajuda: a saber"
(Segue lista dos utensílios, instrumentos, ferramentas, armas, substâncias, etc. )
"Livros
Flora Guyana [Jean Baptiste Flora Guyana [ Jean Baptiste Aublet, Histoire des plantes de la Guiane
Française 4 vols (Paris, 1775)]
Margrav et Pison [Willem Piso, Historia Natvralis Brasiliae ... (Lvgdvn, Batavorvm apud Franciscum
Hackium et Amstelodami, apud Lud. Elzevirium, 1648]
Linnaeu-. Systema Naturae;Genera Plantarum; Especie Plantarum
Valério –
Chimica de Baumé [Antoine Baumé. Chymie expérimentale et raissonée, Paris 1773)]
Scopoli [Giovanni Antonio Scopoli, Principia Mineralogiae Systematicae et practicae, sucincte
exhibenltia...(Pragae, 1772)
Govan. Historia de Poison
Historia des Insectes
Fonte: Diario de Capitania de S. José do Rio Negro [Francisco Xavier Ribeiro Sampaio, Diario da Viagem
Philosophica da Capitania do São José do Rio Negro, (Lisboa, 1825)]"
70
FOUCAULT. 1999. p. 99. op. cit.
“A natureza desqualificada torna-se a matéria caótica para uma simples classificação, e
o eu todo-poderoso torna-se o mero ter, a identidade abstrata”.71

Porém, a síntese humboldtiana é mais ampla do que a tendência de síntese


vigente. Uma síntese que ainda permite, entre outros movimentos, a crítica do
descolamento abstrato do mundo e a presença de qualidades. E não se trata,
ainda é necessário afirmar, da recusa romântica ao moderno, mas da crítica, por
exemplo, ao reducionismo classificatório tão em moda no século XVIII e XIX.

Embora o Kosmos seja em parte um imenso sistema classificatório, não


significa que a forma que o conhecimento vai tomando na sua expressão possa
responder a toda a expressão que a diacosmese humboldtiana, moderna por
definição, assume como possibilidade.

“Humboldt não aceita o recorte estabelecido no cenário natural, visto e pensado por um
observador situado externamente a ele. Cria uma concepção paisagística de botânica.
Goethe, que reconhece a relevância da contribuição de Lineu critica a sistematicidade de
sua obra classificatória, que achava equivocada por fixar a forma e abstraí-la do Todo, por
negar a dinâmica e transformação da vida; saúda a circunstância que o teria feito viver no
tempo de Humboldt (Eckermann, s.d.; p. 123) Em ambos, o realce é dado à vida orgânica e
aos aspectos dinâmicos e vitalistas da existência. Goethe e Humboldt especulam sobre o
sentimento de conexão elementar do ser com o todo”. 72

Ao mesmo tempo em que exerce amplamente a possibilidade de nomear,


classificar o mundo e ainda discutir a própria etimologia da nomenclatura
existente73, Humboldt não pode se contentar com um fim em si mesmo do

71
ADORNO e HORKHEIMER. 1985. p. 24. op. cit..
72
BELLUZO. 1999. Parte II. P. 21. op. cit.
73
“Háse intentado con frecuencia, y casi siempre en vano, sustituir á las denominaciones antiguas, vagas
indudablemente, pero en general comprendidas hoy, nuevos y mas adecuados nombres. Estos cambios han
sido propuestos sobre todo por los que se han ocupado en la clasificacion general de los conocimientos
humanos, desde la gran Enciclopédia (Margarita philosóphica) de Gregorio Reisch (19), prior de la Cartuja
de Friburgo, á fines del siglo XV, hasta el canciller Bacon, desde Bacon hasta D’Alembert, y en estos últimos
tiempos, hasta el físico sagacísimo André María Ampere (20). La eleccion de una nomenclatura griega, poco
apropiada, ha podido ser quizás mas perjudicial aun á esta última tentativa, que el abuso de las divisiones
binarias y la escesiva multiplicidad de los grupos.” (C. T. I. p. 41-2)
“(19) Pág. 41. – La Margarita philosophica del prior de la Cartuja de Friburgo, Gregorio Reisch, apareció
primeramente bajo el siguiente título: Æpitome omnis philosophiœ, alias Margarita philosophica, tractans de
omini gennere scibili. La edicion de Heidelberg (1486), y la de Strasburgo (1504) llevan tambien este título;
pero su primera parte fué suprimida en la edicion de Friburgo del mismo año y en las doce ediciones
posteriores que se sucedieron en cortos intervalos hasta 1535. Esta obra ejerció gran influencia en la difusion
de los conocimientos matemáticos y físicos á principios del siglo XVI y Chasles, el distinguido autor del
Apercu historique des méthodes en géométrie (1837), hizo ver cuán importante es la enciclopedia de Reisch
sistema lineano. O encontro empírico com o mundo pressupõe e põe outras
disposições para o pensamento. A noção de Geografia das Plantas é uma dessas
disposições. Além da idéia abstrata de espécime e gênero interessa a Humboldt
compreender a situação de cada ser, mesmo abstrato, nas relações com o mundo
físico. A distribuição territorial horizontal e vertical, as relações entre os seres, o
movimento que anima estes seres no tempo e no território, Enfim, a existência
concreta das qualidades e das relações é o fundamento que permite colocar em
movimento o sistema de Lineu.

“No se trata en este ensayo de la física del mundo, de reducir el conjunto de los
fenómenos sensibles á un pequeño número de principios abstractos, sin mas base que la
razon pura. La física del mundo que yo intento esponer, no tiene la pretension de elevarse á
las peligrosas abstracciones de una ciencia meramente racional de la naturaleza; es una
geografia física reunida á la descripcion de los espacios celestes y de los cuerpos que
llenan esos espacios. Estraño á las profundidades de la filosofía puramente especulativa,
mi ensayo sobre el Cosmos es la contemplacion del Universo, fundada en un empirismo
razonado; es decir, sobre el conjunto de hechos registrados por la ciencia y sometidos á las
operaciones del entendimiento que compara y combina.” (C. .T. I. p. 29)

Não por acaso, será esse, um dos principais fundamentos da teoria da origem
das espécies de Darwin.

“O inesquecível Humboldt encontrou também, há muito tempo, na sila de caracas,


espécies pertencentes a gêneros característicos das cordilheiras”.74

O fato do estudo de Humboldt compreender, além do corte sistemático,


o encontro da qualidade dos seres no concreto de suas existências
pressupõe o contato empírico e vivenciado com as situações de existência,
logo, pressupõe a viagem. Pode-se dizer que será este um dos principais
legados de Humboldt à ciência e a Darwin.

para la historia de las matemáticas en la edad media. He sacado partido de un pasaje de la Margarita
philosophica que se encuentra solo en la edicion de 1513, para esclarecer la importante cuestion de las
relaciones de geógrafo de Saint-Dié, Hylacomilo (Martin Waldseemüller, el primero que dió al Nuevo
Continente el nombre de América), con Amerigo Vespucio, con el rey René de Jerusalem, duque de Lorena y
las célebres ediciones de Ptolomeo de 1513 y 1522. Véase mi Examen critique de la géographie du Nouveau
Continent et des progrés de l’astronomie nautique aux XVe et XVIe siécles, t. IV, p. 99-125.” (C. T. I. p. 355-
356)
“(20) Pág. 41 – Ampère, Essai sur la Philos. des Sciences, 1834, p. 25: Whewel, Induct. Philos., t. II, p. 277;
Parck, Pantology, p.87” (C. T. I. p. 356)
"Abandonando por algum tempo a costa, novamente penetramos na floresta. As árvores
que se viam eram de grande altura e bastante notáveis pela brancura do tronco, quando
comparadas às da Europa. Vejo pelo meu livro de apontamentos que os ‘maravilhosos
parasitos de belíssimas flores, invariavelmente me pareceram ser a nota culminante da
grandiosidade destas paisagens. Prosseguindo na nossa excursão, atravessamos extensas
pastagens que grande dano sofriam com a presença de enormes formigueiros cônicos
atingindo uma altura de quase quatro metros. Davam à planície a aparência exata dos
vulcões de barro em Jorullo, mencionado por Humboldt.”75

O relato de Darwin de 9 de abril de 1832 durante sua estada no Rio de


Janeiro, na célebre viagem do navio de sua magestade, o Beagle, é apenas uma
das muitas vezes em que Darwin cita Humboldt76. Sua relação com a obra de
Humboldt é visceral ao ponto de ter como “livro de cabeceira”, durante a viagem,
o relato da viagem de Humboldt à América.

Essa relação se faz por duas aproximações que nos indica a terceira
característica da produção científica do Kosmos. A primeira está no ímpeto
humbodtiano pela exploração científica de campo. Darwin decide-se a viajar após
ler os relatos de Humboldt. Apaixona-se, literalmente, pelos escritos sobre o
mundo americano e obtém dessa paixão os termos de seu olhar: as conexões
entre os termos da análise. Quem tem Darwin apenas como o teórico da evolução
das espécies esquece-se de constatar que o seu relato de viagens aproxima-se
daquele “olhar em trânsito” 77 consolidado por Humboldt. Suas observações e
registros compreendem fundamentalmente o que se vê. Toda a qualidade resulta

74
DARWIN. 2002. p.364. op. cit.
75
DARWIN. 1937. p.364. op. cit.
76
A relação é recíproca:
“Con una superficie menos variada que la de los continentes, encierra, sin embargo, el mar en su seno una
exhuberancia de vida, de la que ninguna otra region del globo basta á darnos idea. Cárlos Darwin nota con
razon en su interesante Diario de viaje, que nuestros bosques terrestres no abrigan, ni con mucho, tantos
animales como los del Océano.” (C. T. I. p. 291-2)
77
Essa abordagem está consolidada nas análises de Mary Louise Pratt n’ “Olhos do Império – Relatos de
Viagem e Transculturação op. cit; de Flora Süssekind n’ “O Brasil não é Longe Daqui”. Op. cit. e de
Luciana Martins “Cabe salientar que os momentos de ‘abertura’da América do Sul para os viajantes
estrangeiros com dois momentos essenciais da fundação da modernidade européia: a revolução nas
tecnologias visuais e de observação, acompanhada pelo que Michel Foucault, Jonathan Crary e outros,
identificaram como a emergência de um ‘observador moderno’, ou, como prefiro um ‘observador-em-
trânsito’, e o surgimento de um novo discurso sobre a paisagem baseado na medição, no mapeamento e em
ciências em formação com a Geologia, a Geografia e a Botânica que Susan Cannon denominou ‘ciência
humbolditiana”. MARTINS, Luciana: 1999 p. 122 op. cit
da capacidade de ver e compor o relato nos termos do registro da viagem
científica cujas características apenas tangenciam nossos interesses.

Embora esses relatos já estivessem amplamente disseminados como


literatura78, o horizonte da forma é construído por Humboldt através dos seus
trinta volumes de Viagens às Regiões Equinociais do Novo Continente em 1799,
1800, 1801, 1803 e 1804 redigidos em francês e publicados em Paris entre 1805
e 1834. A incursão de Humboldt nessa tradição é instrutiva enquanto motivação
e um convite ao contato com o mundo que se apresenta, naquele momento, como
mistério.

“Desde mi temprana juventud habia sentido el ardiente deseo de hacer un viaje a


regiones lejanas y poco visitadas por los europeos. Este deseo caracteriza una época de
nuestra existencia en que la vida nos aparece como un horizonte sin limites donde nada
tiene ya para alma y la imagen de los peligros físicos. Educado en un pais que no mantiene
communicación alguma directa com las colonias de las dos Indias, y habitantes luego de las
montañas apartadas de las costas y célebres por las numerosas explotaciones de minas,
senti desarrollarse progresivamente em mí una intensa pasión por la mar y por largas
navegaciones. Aquellos objetos que sólo por los relatos animados de los viajeros conocemos,
tienen un encanto particular: nuestra imaginación se place en todo lo que es vago e
indefinido; los goces de que nos vemos privado, parecen preferibles alos que diariamente
experimentamos en el estrecho círculo de la vida sedentaria. El gusto por las
herborizaciones, el estudio de la geología, una rápida expedición hecha en Holanda,
Inglaterra e Francia com un hombre célebre, el Sr. Jorge Foster, que habia tenido la dicha
de acompañar al capitán Cook en su segunda navegación en derredor del mundo,
contribuyeron a dar una dirección determinada a los planes de viaje que yo habia formado
a la edade de dieciocho años. Ya no era el deseo de la agitación y de la vida errante: era el
de ver de cerca la naturaleza salvaje, majestuosa, variada en su producciones: era la
esperanza de recoger algunas demonstraciones útiles a los progresos de las ciencias, lo que
reclamaba sin cesar mis anhelos hacia esas hermosas regiones situadas bajo la zona
tórrida. No permitiéndome entonces mi posición individual ejecutar proyectos que tan
vivamente preocupaban mi espíritu, tuve holgura para prepararme durante seis años en la
observaciones que había de hacer en el nuevo continente, así como de recorrer diferentes
partes de Europa Y estudiar la alta cordillera de los Alpes, cuya estructura he podido, en
consecuencia, comparar com la de los Andes de Quito y del Perú. Como trabajaba

78
Para uma visão de conjunto, consultar HAGEN. 1985. op. cit.
sucesivamente com instrumentos de diferentes construcciones, hacía mi elección en los que
me parecían a la vez los más precisos y menos sujetos a quebrarse en el transporte; y tuve
la oportunidad de repetir mediciones que habían sidu hechas según los métodos más
rigurosos, aprendiendo a conocer por mí mismo el limite de los errores a los que podia
exporme."(V. T. I. p.37-8).

Esse aporte emotivo e pragmático difere, em termos essenciais, das viagens


exploratórias antecedentes e postula um rigor paradigmático ao movimento de
observação do mundo. O ímpeto à viagem e à observação in situ partia da
atmosfera de aventuras, tragédias e glórias que tais empreendimentos quase
sempre evocavam. Porém, em Humboldt, esse ímpeto está subordinado a uma
preparação exaustiva e cuidadosa, tanto dos objetivos como dos meios para
alcançá-los, o que, registre-se, não foram suficientes contra os imprevistos, como
era de se esperar. Pela sua prática de viagem, Humboldt constitiu-se num
modelo, tornando a instrumentação na coleta sistemática de dados definitiva e
irreversível:

“La exploración Científica queda iniciada definitivamente com Alejandro de Humboldt,


quien em 1799 desembarcó em Cumaná (Venezuela), y acompañado Del botánico Aimé
Bonpland emprendió su memorable viaje, em el que se acredito como singular descubridor e
investigador, estableciendo los fundamentos de numerosas ramas de las ciências
naturales. La exploración de uma parte de la cuenca del Orinoco, el descubrimiento de la
bifurcación del Casiquiare, el recorrido por Colômbia y el estudio de los volcanes del
Ecuador y posteriormente los de la América Central, fueron los temas más importantes de
su vaije. Después de Humboldt, las exploraciones continuaron regularmente, aun cuando
algumas veces las agitaciones políticas provocarn suspensiones temporales.” 79

A segunda aproximação entre Humboldt e Darwin, indica-nos o que emerge da


disposição do contato com o empírico. Ao trazer de suas observações a noção de
conexão (Zusammenhang), como possibilidade teórica e ontológica de
compreender o Cosmo, Humboldt destaca a unidade territorial dos seres e
elementos como fenômeno. Parte-se, daí, para pensar a sua Geografia das Plantas
e desta para uma História das Plantas.

“La zona templada del hemisfério austral, cuyas innumerables islas, abundantes aguas
y maravillosa vejetacion que participa á la vez de la flora de los trópicos y de los países

79
KRETSCHMER. 1926. p. 172. op. cit.
frios, ha descrito Darwin con tanto arte [schönen], es la que ofrece ejemplares [Beispiele]
mas instructivos para la geografia de las plantas [Pflanzengeographie] modernas y para la
de las plantas primitivas, rama muy importante de la historia del reino vegetal
[Pflanzengeschichte].”(C. T. I. p. 261)

O postulado da viagem científica amplia-se da catalogação sistemática para a


observação das relações entre os seres no presente e na história. O acúmulo
dessas observações, como a historiografia da ciência nos permite dizer, prepara e
predispõe a teoria da evolução das espécies.

“Las descripciones de paises diversos ofrecen materiales muy importantes para la


composicion de una geografía física, sin embargo, la reunion de estas descripciones, aun
ordenadas en séries, no nos daria una imágen verdadera de la conformacion general de la
superficie poliédrica de nuestro planeta; como las floras de las diferentes regiones,
colocadas las unas á continuacion de las otras, tampoco formarian lo que designo bajo el
nombre de Geografia de las plantas. Por la aplicacion del pensamiento á las observaciones
aisladas; por las miras del espíritu que compara y combina, llegamos á descubrir en la
individualidad de las formas orgánicas, es decir, en la historia natural descriptiva de las
plantas y de los animales, los caractéres comunes que puede presentar la distribuicion de
los séres, segun los climas; la induccion es la que nos revela las leyes numéricas segun las
cuales se regulan la proporcion de las familias naturales con la suma total de las especies,
y la latitud ó posicion geográfica de las zonas donde cada forma orgánica alcanza en las
llanuras el máximun de su desarrollo. Estas consideraciones asignan, merced á la
generalizacion de sus miras, un carácter mas elevado á la descripcion física del globo; y es
efectivamente de esta reparticion local de formas, del número y crecimiento mas vigoroso de
las que predominan en la masa total, de lo que dependen el aspecto del paisaje
[landschaftliche Eindruck] y la impresion que nos deja la fisonomía de la vegetacion.” (C. T.
I. p. 44)

E, com essa disposição, relativiza-se o reducionismo da análise sistemática e


prepara-se para observar a natureza orgânica em movimento e os determinantes
de sua história.

“Los catálogos de los séres organizados, á que se daba otra veces el pomposo título de
Sistemas de la Naturaleza, nos ponen de manifesto un admirable enlace de analogías de
estructura, ya en el desarrollo muy completo de esos séres, ya en las diferentes fases que
recorren segun una evolucion en espiral,(...).pero todos estos pretendidos sistemas de la
naturaleza, ingeniosos en sus classificaciones, no nos hacen ver los séres distribuidos por
grupos en el espacio(...)”(C. T. I. p. 44-5)
Portanto, pensamos que no Kosmos, enquanto síntese do movimento do
pensamento de Humboldt, encontram-se dispostas as possiblidades da
compreensão do percurso histórico da formação da disposição para a teoria
evolucionista. Que Humboldt não tenha chegado a ela, parece-nos apenas uma
questão de explicitação.

“Las capas fosilíferas son las catacumbas donde yacen los faunos y las floras de las
anteriores épocas. Cuando descendemos de capa en capa estudiando sus relaciones de
superposicion, mundos sepultados de animales y vegetales se presentan á nuestra vistas y
retrocedemos realmente en la série de las edades. Cada cataclismo del globo, cada
levantamiento de esas cadenas de montañas cuya antigüedad relativa podemos
determinar, ha sido señalado por la destruccion de antiguas especies y por la aparicion de
nuevas organizaciones, quedando durante algun tiempo para indicar la transicion, algunas
especies antíguas entre las creaciones mas recientes.” (C.T. I. p. 249-50)

O que comparece nesse resumido percurso da ciência humboldtiana é a sua


inserção nos mais importantes movimentos da história científica moderna.
Portanto, uma síntese desse movimento. E qual seria a síntese operada no
Kosmos? O Kosmos é uma síntese histórica e deixa como legado o seu momento
possível. Podemos pensá-lo como uma forma esgotada, porém, permeado de
vários impulsos embrionários do movimento que se iniciava.

A forma do pensamento científico presente no Kosmos indica-nos que suas


possibilidades e características pertencem, como momento, ao processo
determinante da formação abstrata do pensamento que produz as possibilidades
e validades do conhecimento. No entanto, não se trata de tomar esse processo
como uma massa homogênea da História. Há muitas rupturas, superações,
supressões, novidades que dão ao processo as qualidades de seu devir e ajudam
a situar, em termos mais precisos, a presença do Kosmos.

“Ora, esta investigação arqueológica mostrou duas grandes descontinuidades na


epistemê da cultura ocidental: aquela que inaugura a idade clássica (por volta dos meados
do século XVII e aquela que, no início do século XIX, marca o limiar de nossa
modernidade.”80

Talvez Humboldt já tenha antevisto o mundo que, com sua colaboração,


desenhava-se. Apesar de suas intenções, não pôde deixar de participar do
movimento que colocou a ciência a serviço da conquista e da produção de um
novo mundo que agora põe como existente o seu pressuposto.

Paisagem e Ciência no Kosmos.


No amplo percurso histórico em que o Kosmos transita e no “ponto” onde está
posicionado, emerge, para nós, a questão da paisagem. O movimento tenso entre
os pressupostos abstratos da ciência moderna e seu desenvolvimento
contraditório nos interstícios da formação do indivíduo moderno configura o
processo no qual se insere a presença do homem no Mundo.

Como demonstramos no ítem anterior, a presença de Humboldt no mundo


transita em vários níveis da apreensão do pensamento. Importa-nos, agora,
destacar a presença da paisagem em suas observações. Tal constatação permite-
nos afirmar, mais do que um recurso conceitual ou estilístico, a possibilidade de
uma forma de encontro entre homem e Mundo que, aos poucos, se dissolve no ar.
No próximo capítulo, trataremos com mais detalhes essa questão.

Em primeiro lugar cumpre notar que a presença da paisagem no Kosmos está


internamente e textualmente relacionada aos aportes dos relatos de viagem que
Humboldt produziu durante a vida e que, como já afirmamos, perpassam o
Kosmos naquele movimento de síntese da obra. Portanto, é aí que afirmaremos
nossa análise. A paisagem aparece inserida no movimento do próprio discurso.
São momentos em que o observador assume determindadas posturas e o relato,
na forma do texto, ganha contornos nítidos.

Haveria, ainda, a possibilidade de ampliar essa análise para a evidência do uso


do termo paisagem em outras situações. Porém, nesse caso, o que temos são usos
metafóricos que ocupam, linguísticamente, o lugar de outros termos,
principalmente os relacionados às noções de área. Interessa-nos o movimento que
o termo ganha na obra e também, em algumas passagens, a opção da tradução
pelas correspondências das línguas. Logo, o que afirmamos refere-se mais ao
conjunto do texto do que simplesmente ao uso do termo.

De inicío, uma proximação ao que afirmamos pode ser demonstrada partir do


exemplo seguinte.

80
FOUCAULT; 1999. p.XIX. op. cit.
“La tentativa de descomponer en sus diversos elementos la magia del mundo físico
[Sinnenwelt], llena está de temeridad; porque el gran carácter de un paisaje [Charakter
einer Gegend], y de toda escena imponente de la naturalez[ [Naturerscheinungen], depende
de la simultáneidad[Fülle] de ideas [Ideen] y de sentimientos [Gefühlen] que agitan al
observador [Seele]. El poder [Kraft], de la naturaleza se revela, por decirlo así, en la
conexion de impresiones, en la unidad de emociones [Gemüt] y de efectos que se producen
en cierto modo de una sola vez [Totalgefühls].. Si se quieren indicar sus fuentes parciales,
es preciso descender por medio del análisis á la individualidad de las formas y á la
diversidad de las fuerzas. Los mas ricos y variados elementos [Stoff] de este género de
análisis se ofrecen á la vista de los viajeros en el paisaje [landschaftliche Natur] del Asia
austral, en el gran archipiélago de la India, y sobre todo en el Nuevo Continente, donde los
vértices de las altas Cordilleras forman los bajíos del Océano aéreo, y donde las mismas
fuerzas subterráneas que en otros tiempos levantaron cadenas de montañas, las
conmueven aun hoy, amenazan sepultarlas.” (C. T. I. p. 7)

Nos termos colocados nessa citação do Kosmos, podemos observar os


principais elementos definidores da paisagem em Humboldt, principalmente no
cotejamento com a leitura de Giner. Observa-se, inicialmente, que Giner lê o
termo “Gegend” como paisagem, quando, ao nosso ver, o termo mais adequado à
interpretação seria “região”. Mais à frente, na mesma citação, Giner, traduz o
termo “Seele” por observador, quando o mais aproximado seria “alma”, e, por fim,
transforma o adjetivo “paisagístico” que caracteriza o substantivo Natureza
(Natur) no próprio substantivo Paisagem. Independentemente da força das
expressões em uso na língua de Giner, pensamos poder afirmar que há diferenças
em ambos os textos. Com isso, perdem-se alguns elementos para a compreensão
do uso específico que Humboldt faz da paisagem, nesse caso, como qualidade de
um fenômeno e não enquanto tal, embora, em termos lógicos, a qualidade possa
ser considerada um fenômeno. A transformação de alma em observador indica
também outra perda. Para Humboldt, a observação é uma condição específica da
análise e se diferencia do ver e do contemplar.

Porém, o mais importante da nossa leitura recai sobre o alerta de Humboldt


sobre os riscos da análise. O texto, chama a atenção para a necessária unidade
entre o sentimento e a idéia como pressuposto para a apreensão da expressão
que o mundo pode nos revelar, de uma só vez. Logo, trata-se de uma posição
distanciada da forma restrita da análise. Nesse ponto, o fenômeno da paisagem
recai, como responsabilidade no ser que vê.

Outros exemplos podem tornar essa importante noção mais clara:

El aspecto de estas nubes, la brillante constelacion del navío Argos, la via láctea que se
estiende entre el Escorpion, el Centauro y la Cruz, y aun me atrevo á decir, el aspecto tan
pintoresco[landschaftliche Anmut] de todo el cielo austral, han producido en mi alma una
impresion que no se borrará jamás.” (C.T. I. p. 72-73)

Nesse ponto, Humboldt usa a expressão “landschaftliche Anmut”, que poderia


ser traduzido por uma beleza paisagística ou encanto paisagístico. Na tradução
de Giner, vemos “aspecto pintoresco”. A diferença fundamental para a análise
aqui é a constatação de que Humboldt faz uso, em várias passagens, da paisagem
como adjetivo de um fenômeno. O que notamos é que esse uso pretende dar a um
fenômeno, dentro de uma mesma classe de fenômenos, uma particularidade
específica que o distingue dos demais pela suas qualidades estéticas. Logo,
teríamos um uso qualitativo e não substantivo do termo. Haveria, nessa
perspectiva, lugares paisagísticos e lugares não-paisagísticos, cenas paisagísticas
e cenas não-paisagísticas. Podemos observar, em outras passagens sobre o
mesmo tema, esse uso:

“La zona del cielo, situada entre 50º y 80º de latitud Sud, donde se juntan en número
tan grande las nebulosas y los grupos estrellados, debe á la distribucion desigual de las
masas luminosas un caráter particular81[landschaften Charakter], un aspecto que puede
llamarse pintoresco, un encanto[Reiz] infinito debido al agrupamionto de las estrellas de
primera y segunda magnitud, yá su separacion por regiones que á la simple vista parecen
desiertas y sin luz. Estos contrastes singulares, el resplandor mas vivo con que brilla la via
láctea en muchos puntos de su desarrollo, las nubes luminosas y redondeadas de
Magallanes que describen aisladamente su órbita, y por último, aquelas manchas oscuras,
de las cuales la mayor está tan próxima á una bella constelacion, aumentan la variedad del
cuadro de la Naturaleza [Naturbildes], y encadenan la atencion de los observadores
[Beschauer] conmovidos á las regiones estremas que limitan el hemisferio meridional de la
bóveda celeste. (C. T. II. p. 284)

81
Nesse ponto a tradução de Giner não consegue, novamente, dar ao texto a posição e a importância que
assume o termo landschaftlichen, apesar de usar o termo pintoresco. Humboldt parece querer dizer que o céu
do Sul assume um caráter paisagístico. Alí, o contraste e posições das estrelas, as Nuvens de Magalhães e a
presenças dos “sacos de carvão”, principalmente o localizado na constelação do Cruzeiro do Sul, combinam-
se em uma visão em profundidade do céu, uma sensação de perspectiva tridimensional.
Portanto, uma aproximação permitida pelo texto é a de que paisagem é um
aspecto do mundo, no caso, do cosmo. Por isso não é de se estranhar que
Humboldt reconheça tal aspecto tanto nos céus82 quanto na Terra. Mas nem
todo aspecto é paisagem. O mundo expressa-se em múltiplos aspectos.

“Si es cierto que el verdadero carácter de cada region [Erdräume] depende á la vez de
todos los detalles esteriores; si los contornos de las montañas, la fisonomía de las plantas y
de los animales, el azul del cielo, la figura de las nubes, la trasparencia de la atmósfera,
concurren á produzir lo que puede llamarse la impresion total [Totaleindruck], es preciso
reconocer tambien que el adorno vegetal [Pflanzendecke] de que se cubre el suelo es la
determinante principal de esta impresion.” (C. T. I. p. 331)

Nesse sentido, homem e mundo jogam o jogo do mútuo reconhecimento que


depende das respectivas formulações. Em Humboldt essa relação apresenta-se
em vários níveis.

"Para compreender em uma olhada o caráter maravilhoso destes lugares selvagens, é


preciso situar-se no Cerrilo de Maními, fila de granito que surge da savana, ao norte da
Igreja da Missão, o que não é nada mais uma continuação dos degraus, de que se compõe o
randal. Visitamos muitas vezes este monte porque ninguém se cansava de ver o espetáculo
extraordinário oculto em um dos mais distante rincões do mundo. Já em cima do penhasco,
abarca a vista, subitamente, uma savana de espuma de uma milha de extensão. Do meio
dela surgem enormes massas de pedra, negras como ferro. Umas são extremidades

82
Sobre essa cosntelação, a do Cruzeiro do Sul, Humboldt informa-nos:
“La encuentro mencionada por primera vez como una cruz maravilhosa (croce maravigliosa) ‘mas bella que
todas las constelaciones que brilan en la bóveda del cielo’, por el Florentino Andrés Corsali en 1517, y algo
mas tarde, en 1520, por Pigafetta.Corsali, que habia leido mas que Pigafetta, admira el espíritu profético del
Dante, sin conocer que aquel gran poeta daba pruebas en ello de tanta erudicion como imaginacion. Dante
habia visto los globos celestes de los Arabes, y habia mantenido relaciones con gran número de Pisanos de los
que tenian visitadas las regiones orientales.” (C.T. II. p. 286)

A passagem de Dante citada por Humboldt aparece abaixo.

“Voltei-me à destra, dirigindo a mente


àquele pólo, e avistei quatro estrelas
não vistas mais fora da prima gente.

Gozar parecia o céu suas chamas belas:


Ó setentrional solo desprovido
Pois que impedido estás da vista delas!
(...)
As quatro santas luzes tão brilhantes
Davam-lhe adorno ao rosto reverendo,
Que o via como estivesse ao sol diante.”
(Dante – Purgatório – Canto I)
agrupadas de dois em dois, semelhantes à colunas basálticas: outras se assemelham à
torres, a castelos fortificados, a edifícios em ruínas. Sua fusca cor contrasta com o prateado
destelho da espuma das águas. Cada rocha, cada ilhote, esta coberto de árvores vigorosas
e reunidos em bosques. Do pé dessas extremidades, tão longe quanto se alcança a vista, se
suspende sobre o rio um espesso vapor; e por entre a branca neblina se destaca lá em cima
as altas palmeiras. Que nome dar a estes majestosos vegetais? Suponho que seja o
Vadyiai, espécie nova do gênero Oreodoxa , cujo tronco tem mais de 80 pés de altura. As
folhas penachudas desta palmeira têm um lustre brilhante e sobem quase endereçadas até
o céu. A cada hora do dia apresenta um aspecto diferente o sudário de espuma. Ora a ilhas
montanhosas e as palmeiras projetam nele sua grande sombra, ora os raios do sol poente
se interceptam na úmida nuvem que cobre a catararata. Formam-se, esvanecem-se e
reaparecem em arcos coloridos alternativamente; e como um joguete do ar as imagens deles
se mexem por cima da planura.

Tal é o caráter da paisagem que se descobre desde o alto do monte de Manimi, não
descrito ainda por nenhum viajante. Não temo repeti-lo: nem o tempo, nem a vista das
cordilheiras, nem a permanência nos vales temperados do México, tem apagado em mim a
viva impressão do aspecto das cataratas. Quando leio a descrição de lugares da Índia
embelezados por águas correntes e uma vigorosa vegetação, suplanta-me a imaginação um
mar de espuma e palmeiras cuja cima aparece sobre um estrato de vapores. Ocorre com as
cenas majestosas da natureza como com as obras sublimes da poesia e das artes: deixam
recordações que sem cessar despertam, e que durante a vida inteira se acrescentam a
todos os sentimentos do grande e do belo.”(V. capítulo XXI- livro sétimo)83

Está implícita, no texto a noção que, ao nosso ver, mais se aproxima do


conceito que define a paisagem. A noção compõe-se de dois pressupostos.
Primeiro, o pressuposto do indivíduo que vê. Define-se no momento em que se
pode contemplar o conjunto do lugar que alí se apresenta. Sua disposição e
capacidade de contemplação permitem tornar o ato em imagem composta.
Segundo, o pressuposto do lugar. Há um ponto privilegiado para a observação
situado num ponto acima do terreno à frente, uma planura. Esta diferença da
forma permite a distância da perspectiva entre o observador e o conjunto à frente.
Há também elementos verticais, as rochas e as palmeiras que se contrastam com
as linhas planas do terreno e da névoa.

83
Optamos por apresentar uma versão da tradução apresentada na bibliografia para o cotejamento com uma
outra passagem da tradução brasileira do “Quadros da Natureza”.
Portanto, dados os pressupostos, a paisagem pode ocorrer como relação entre
observador e o lugar, porém não necessariamente. Com isso, afirmamos que a
paisagem é uma forma visual de determinada relação entre um determindado
homem e um determinado mundo em um determinado momento de tempo.
Diferentemente do estatuto ontológico dos seus elementos, tais como homens,
montanhas, árvores, céus, rios, luz, etc. a paisagem não se referencia ao mesmo
nível do ontológico. Sua definição, nesse nível, dá-se no plano da efêmera relação.
Portanto, trata-se de um fenômeno da esfera da representação, no caso,
possibilitada por uma determinada forma social.

A compreensão da paisagem como um fenômeno dessa natureza requer,


também, uma maior aproximação com as formas de sua representação, no caso,
aquelas presentes na obra de Humboldt.

Um fato interessante, que ajuda a expôr essa posição, é que a passagem,


citada anteriormente, aparece, também, no “Quadros da Natureza”, porém com
algumas transformações. Há, nesse segundo escrito, apenas o relato já
transformado. Desaparece, essencialmente, a situação que permitia a paisagem.
O próprio texto perde em intensidade e adquire elementos mais abstratos.

“Hier ist der Punkt, wo man eines wundervollen Amblicks genieβt. Eine meilenlange
Schäumende Fläche bietet sich auf einmal dem Auge dar. Eisenschwarze Felsmassen ragen
ruinen – und burgartig aus derselben hervor. Jede Insel, jeder Stein, ist mit üppig
anstrebenden Waldbäumen geschmückt. Dichter Nebel schwebt ewig über dem
Wasserspiegel. Duch die dampfende Schaumwolke dringen die Gipfel der hohen Palmen.
Wenn sich im feuchten Dufte der Strahl der glühenden Abendsonne bricht, so beginnt ein
optischer Zauber. Farbige Bögen verschwinden und kehren wieder. Ein Spiel der Lüfte,
schwankt das ätherische Bild.“(AN. p. 47)84

84 Há ali um ponto do qual se descobre um horizonte maravilhoso. A vista abraça uma superfície de duas
léguas, cobertas de espuma. Do centro das ondas levantam-se rochas negras como o ferro, que parecem torres
já arruinadas: cada ilha, cada pedra, ostenta grande número de árvores de vigorosa produção; uma espessa
nuvem flutua constantemente sobre o cristal das águas e, através desse vapor espumante, assomam as altas
copas das palmeiras mauritia. Quando, já pela tarde, os raios ardentes do sol vem quebrar-se na névoa
húmida, tais efeitos de luz produzem um espetáculo mágico. Arcos coloridos aparecem e desaparecem
sucessivamente e as suas imagens vaporosas agitam-se ao impulso dos ventos. (QN; V. I. p. 226-227)
Podemos, a partir desse exemplo, apresentar dois movimentos diferenciados da
presença da paisagem na obra de Humboldt, mais especificamente, no Kosmos. O
primeiro abrange as passagens, nas quais Humboldt destaca determinados
aspectos de um fenômeno querendo indicar que o mesmo possui uma qualidade
estética que poderia, por hora, denominar-se de bela. Entre outros tipos, o prazer
da contemplação do belo natural, seria um dos mais intensos. Discutiremos esse
ponto, com mais detalhes, no capítulo III.

Por enquanto, pode-se adiantar que Humboldt não compartilha o ideal de


beleza romântico. O Belo, para ele, não é o Ideal, mas o profundo reconhecimento
da relação que pode se estabelecer nos mais diversos momentos e lugares.

“Si me fuese permitido abandonarme á los recuerdos de lejanas correrías, entre los
goces que presentan las escenas de la naturaleza, señalaria, la calma y magestad de esas
noches tropicales, en que las estrellas privadas, de centelleo, arrojan una dulce luz
planetaria sobre la superficie blandamente agitada del Océano; recordaria esos profundos
valles de las Cordilleras, donde los esbeltos troncos de las palmeras agitan sus cabezas em
penachadas, atraviesan las bóvedas vegetales, y forman en largas columnatas, ‘un bosque
sobre el bosque’;85 describiría el vértice del pico de Tenerife, en el momento en que una
capa horizontal de nubes, deslumbrante de blancura, separa el cono de cenizas de la
llanura inferior, y súbitamente, por efecto de una corrientes ascendente, deja que desde el
borde mismo del cráter, pueda la vista dominar las viñas del Orotava, los jardines de
naranjas y los grupos espesos de los plátanos del litoral. No es ciertamente, lo repito, el
dulce encanto uniformemente esparcido en la naturaleza, lo que nos conmueve ya en estas
escenas; es la fisonomía del suelo, su propia configuracion, la mezcla de las nuber, de las
islas vecinas y del horizonte del mar, que confunden sus formas indecisas en los vapores
de la mañana. Todo cuanto nuestros sentidos perciben vagamente, todo cuanto los parajes
románticos presentan de mas horrible, puede llegar á ser para el hombre manantial de
goces; su imaginacion encuentra en todo medios de ejercer libremente un poder creador. En
la vaguedad de las sensaciones, cambian las impresiones com los movimientos del alma, y,
por una ilusion tan dulce como fácil creemos recibir del mundo exterior lo que nosotros
mismos sin saberlo hemos depositado en él.” (C.T. I. p. 5-6)

85
A frase em destaque, segundo Humboldt foi “tomada de la preciosa descripcion de un bosque que se hace
en Pablo y Virginia, de Bernardino de Saint-Pierre” (C.T. I. p. 350).
Devemos, enfim, ressaltar que a paisagem ocupa apenas uma das
possibilidades dessas formas superiores de contato com o mundo. Para
Humboldt, os fenêmenos do cosmo revestem-se, a todo momento, dessa
possibilidade. É o caso das evidências da força da natureza, como por exemplo, a
demonstrada pelos vulcões, um dos seus temas mais caros.

“¡Magnífico espectáculo! Nunca se me ha presentado la naturaleza bajo un aspecto mas


grandioso que en los bordes del cráter de Pichinchada. En el intervalo de una á otra
erupcion puede suceder que el volcan no produzca ningun fenómeno luminoso, y sí solo
vapores de agua caliente que se escapan por las grietas; no siendo estraño encontrar en el
área recalentada del cráter, montecillos de escorias á las cuales podemos aproximarnos sin
peligro. En este último caso, es dado al geólogo viajero, entregarse sin temor al placer de ver
en miniatura el espectáculo de una erupcion: masas de escorias inflamadas, arrojadas sin
cesar por pequeños volcanes, caen sobre los lados de los montecillos, y cada esplosion se
anuncia regularmente por un temblor de tierra puramente local” (C. T. I. p. 210-211)

Enfim, a própria compreensão das leis e causas dos fenômenos e do Cosmo,


também são momentos de prazer para o homem.

“Del mismo modo que, en las elevadas esferas del pensamiento y del sentimiento, en la
filosofía, la poesía y las bellas artes, es el primer fin de todo estudio un objeto interior, el de
ensanchar y fecudizar la inteligencia, es tambien el término hácia el cual deben tender las
ciencias directamente, el descubrimiento de las leyes, del principio de unidad que se revela
en la vida universal de naturaleza. Siguiendo la senda que acabamos de trazar, los
estudios físicos no serán menos útiles á los progresos de la industria, que tambien es una
noble conquista de la inteligencia del hombre sobre la materia.” (C. T. I. p. 35)

Logo, não se trata, apenas de uma admiração pelo vísivel na forma da estética
ou do espetáculo, mas da possibilidade de um encontro entre homem e mundo
permeado, não pela genuflexão religiosa à natureza, mas pela elevação, sobre as
próprias pernas, ao próprio homem.

“Esta doble aspiracion hácia lo que desea y hácia lo que ha perdido, viene á ser
indudablemente lo mas bello [Schöne] y sublime [Rührende] que en el hombre [Menschen] se
dá, lo que le libra del riesgo de apegarse á la muerte de una manera esclusiva.” (C. T. I. p.
345)

A Abstração Real
Entendemos que o processo que produziu a possibilidade da ciência moderna,
na qual inserimos o Kosmos, pode ser, em termos amplos, definido pelo termo
modernização. Esse processo, novamente em termos amplos, pode ser
caracterizado pelos determinantes da sociedade produtora de mercadorias que,
na atualidade, define a totalidade da forma social. Para os interesses de nosso
argumento, tomaremos, dessa totalidade, o determinante, que pode ser o
elemento explicativo para a compreensão da existência da forma paisagem. Nesse
sentido, atribuímos à abstração86 um papel determinante.

De início, é necessário distinguir entre a abstração real e abstração enquanto


representação e a relação interna que as une.

“O que se deve estabelecer na análise da forma a seguir são os critérios pelos quais se
possam decidir quais dentre as abstrações que vivem na consciência remontam à abstração
real da troca e quais não. (...) Para provar a conexão de fundamentação deve-se poder
indicar de que modo a abstração real torna-se pensamento, qual papel ela joga no pensar e
qual tarefa socialmente necessária lhe cabe.”87

O que define a abstração real como forma fundamental da sociedade moderna


é o desenvolvimento, enquanto pressuposto, de uma forma específica de produzir
sua própria materialidade. Trata-se do trabalho abstrato88. Acerca dessa questão
ficaremos aqui com a leitura marxiana de Ruy Fausto.

“De alguns anos para cá, é cada vez mais freqüente, sobretudo entre os sociólogos e
economistas marxistas, uma concepção da abstração que constitui o trabalho abstrato e o

86
Abstrãhõ, is, ère, trâxi, trãtum, - verbo transitivo
I- Sentido Próprio: 1) Levar puxando, arrancar, retirar: ab matris amplexu (Cícero) "Arrancar dos braços da
Mãe) II - Sentido figurado: 2) Desviar, distrair, separar (Cícero).
87 SOHN-RETHEL. 1989. p. 17. op. cit.
88
“À primeira vista, o trabalho parece sempre ser concreto, pensando-se em determinada atívidade útil e no
caso do substantivo abstrato, na generalização dessa atividade. Mas nos sistemas produtores de mercadorias, o
‘trabalho’ como tal, sem conteúdo específico, torna-se como abstração real um poder material direto. O
abstrato nascido na mente, aparece frente a essa mente, na forma de dinheiro, como fenômeno real externo. O
dinheiro, a encarnação do trabalho abstrato não deixa transparecer nenhum conteúdo concreto; apresenta
sempre a mesma qualidade, sendo um fenômeno insensível com forma sensível, um paradoxo. Ali onde o
dinheiro, como imperativo social de fazer mais dinheiro (lucro absoluto), passa a trazer em si sua própria
finalidade, a abstração real, estende-se também ao próprio processo de trabalho material. Os homens, antes de
qualquer determinação concreta e substancial, transforma-se em mônadas do dispêndio de força de trabalho
abstrata. Em agregados altamente diferenciados cooperam de forma diretamente social, porém no grau mais
alto de indiferença e alienação recíprocas. Podem satisfazer suas necessidades apenas indireta e
posteriormente, mediante o processo abstrato de automovimento do dinheiro. Os projetos cada vez mais
valor, que rompe com a interpretação dada por certas leituras tradicionais. Ao contrário
dessas leituras vulgares, que identificavam ingenuamente trabalho abstrato e trabalho em
geral, o que nos remete ao nível fisiológico (o trabalho abstatro como gasto fisiológico de
músculos, nervos, etc) ou nos condena a uma subjetivação do conceito(o trabalho abstrato
como a representação abstrata do trabalho em geral), esses autores consideram com razão
o trabalho abstrato e o valor, como uma abstração (social) real.” 89

Logo, o trabalho abstrato constitui-se em forma social real de existência. Sua


definição, na forma do valor, requer o consórcio da existência da troca
generalizada como fundamento. Só no momento da troca estabelece-se a forma
abstrata do trabalho pressuposta no momento de sua fixação na forma
mercadoria. Portanto, o pressuposto da troca enquanto relação social entre coisas
é o fundamento da abstração real. Sua singularidade.

Não é a realidade biológica da universalidade do trabalho que constitui o trabalho


abstrato, mas a posição dessa realidade, e a posição não é mais biológica. A generalidade
em sentido fisiológico (não mais do que a generalidade abstrata e subjetiva) – retomamos o
problema num nível mais elevado- não constitui o trabalho abstrato: ela é apenas a
realidade natural pressuposta à (posição) deste. A realidade social faz com que valha o que
era apenas uma realidade natural. E que a abstração do trabalho em sentido fisiológico não
pode constituir o trabalho abstrato, é visível pelo fato de que lhe falta o momento da
singularidade.”90

Essa singularidade, na forma da troca generalizada, produz e põe em


movimento a própria sociedade. A externalização abstrata dos fundamentos
humanos da existência torna-se, dessa forma, pressuposto para o automovimento
social.

“Ora, nem o trabalho é abstrato por naureza, nem sua abstração para ‘trabalho humano
abstrato’ é seu próprio produto. O trabalho não se abstrai a si mesmo. O lugar da abstração
está fora do trabalho, na forma social de relacionamento própria da relação de troca”.91

Que isso ponha a abstração como realidade das coisas e dos homens, parece-
nos, já, amplamente consolidada pela literatura marxiana. O que nos parece

monstruosos de exploração do ‘trabalho sans phrase’ apresentam-se como algo que se independentizou de
seus autores.”(KURZ. 1996. p. 239. op. cit)
89
.FAUSTO, 1987. T. I. p.89. op. cit.
90
.FAUSTO, 1987. T. I. p.92. op. cit.
91
SOHN-RETHEL. 1989. p. 12. op. cit.
ainda mais notável é que a abstração real torne-se o fundamento e a forma das
representações e, particularmente, do próprio pensamento 92.

“Assim na constituição de formas históricas de consciência não se pode deixar de fazer


caso de processos de abstração, que lá se exercem. A abstração iguala-se à oficina da
formação dos conceitos, e se o discurso sobre a determinação social do ser da consciência
deve possuir um sentido que satisfaça à forma, então deve-se poder colocar no fundamento
dela uma concepção materialista da natureza do processo de abstração. Uma formação da
consciência a partir do do ser social pressupõe um processo de abstração.” 93

Com isso, torna-se possível verificar no movimento das representações e do


pensamento o desenvolvimento da sociedade enquanto tal. No entanto, esta
relação não está constituída por um movimento mecanicamente estruturado, mas
por uma descontinuidade da própria relação.

“O pensamento não é atingido diretamente pela abstração da troca, e sim primeiro


quando seus resultados se defrontam com ele em forma acabada, portanto, post festum, da
evolução das coisas.”94

Tal aspecto da relação manifesta-se em diversos movimentos da produção


social e constitui a existência das coisas, do homem moderno e de suas
representações. A forma desse desenvolvimento impõe-se, porém, como uma
totalidade cindida entre homem e produto.

"Os homens não são apenas um resultado da história em sua indumentária e


apresentação, em sua figura e seu modo de sentir, mas também a maneira como vêem e
ouvem é inseparável do processo de vida social tal como este se desenvolveu através dos
séculos. Os fatos que os sentidos nos fornecem são pré-formados de modo duplo: pelo
caráter histórico do objeto percebido e pelo caráter histórico do órgão perceptivo."95

A formação do homem moderno produz-se, portanto, como um duplo


movimento. Ao mesmo tempo em que entra em jogo a realização do mundo como
produto do sujeito, torna-se presente a produção do sujeito na forma do indíviduo
destacado do mundo. Esse caráter, ao atribuir a individualidade ao homem,
separa-o do próprio produto da sua produção, tanto material quanto espiritual.

92
“A sociedade burguesa está dominada pelo equivalente. Ela torna o heterogêneo comparável, reduzindo-o a
grandezas abstratas.” ADORNO e HORKHEIMER. 1985. p.23 op. cit.
93
SOHN-RETHEL. 1989. p. 8. op. cit.
94
SOHN-RETHEL. 1989. p. 16. op. cit.
95
HORKHEIMER. 1989. p. 38. op. cit.
Assim, a forma da totalidade apresenta-se distanciada da capacidade cognitiva e
sensorial do indivíduo.

"A oposição entre passividade e atividade que na gnosiologia surge como dualismo da
sensibilidade e do entendimento não é válida para a sociedade na mesma medida em que é
válida para o indivíduo.(...)Esta diferença na existência do homem e da sociedade é uma
expressão da cisão que no passado e no presente tem sido própria às formas sociais da
vida social"96

Verificam-se, então, os pressupostos da forma moderna de pensar e sentir. Ao


produzir o mundo na forma abstrata das relações de produção, o homem produz-
se como resultado externalizado de sua própria experiência. Assume-se como
distanciamento do seu produto. O resultado traduz-se como mundo destacado,
produzido e apropriado como fragmentos cindidos.

“A unificação da função intelectual, graças à qual se efetua a dominação dos sentidos, a


resignação do pensamento em vista da produção da unamidade, significa o
empobrecimento do pensamento bem como da experiência: a separação dos dois domínios
prejudica a ambos.”97

O caráter negativo desse processo expressa-se nas formas produzidas da


história moderna e tem seu núcleo na relação entre homem e mundo. A
mediação, na forma social moderna, assume o caráter da redução abstrata que
dá ao mundo a sua coerência e a sua identidade.

“Mas este pensamento, resguardado dos sonhos de um visionário nas diversas


disciplinas da ciência, recebe a conta: a dominação universal da natureza volta-se contra o
próprio sujeito pensante; nada sobra dele senão justamente esse eu penso eternamente
igual que tem que poder acompanhar todas as minhas representações. Sujeito e objeto
tornam-se ambos nulos. O eu abstrato, o título que dá o direito a protocolar e sistematizar,
não tem diante de si outra coisa senão o material abstrato, que nenhuma outra propriedade
possui além da de ser um substrato para semelhante posse. A equação do espírito e do
mundo acaba por resolver, mas apenas como mútua redução de seus dois lados. Na
redução do pensamento a uma aparelhagem matemática está implícita a ratificação do
mundo como sua própria medida. O que aparece como triunfo da racionalidade objetiva, a
submissão de todo ente ao formalismo lógico, tem por preço a subordinação obediente da
razão ao imediatamente dado. Compreender o dado enquanto tal, descobrir nos dados não

96
HORKHEIMER. 1989. p. 38. op. cit.
97
ADORNO e HORKHEIMER. 1985. P.47 op. cit.
apenas suas relações espaço-temporais abstratas, com as quais se possa agarrá-las, mas
ao contrário pensá-las como a superfície, como aspectos mediatizados do conceito, que só
se realizam no desdobramento de seu sentido social, histórico, humano – toda a pretensão
do conhecimento é abandonada. Ela não consiste no mero perceber, classificar, calcular,
mas precisamente na negação determinante de cada dado imediato.” 98

Se verificamos, nesse rápido percurso, a determinação social da produção do


conhecimento, podemos pensar as formas dessa produção como internas e
específicas da sociedade que as produziu. Da mesma forma, a determinação do
pensamento traduz-se como determinação dos sentidos e, não por acaso, do
olhar. A forma da representação multiplica-se em vários níveis de expressão.

“Os sentidos já estão condicionados pelo aparelho conceitual antes que a percepção
ocorra, o cidadão vê a priori o mundo com a matéria com a qual ele o produz para sí
próprio. Kant antecipou intuitivamente Hollywood realizou conscientemente: as imagens já
são pré-censuradas por ocasião de sua própria produção segundo os padrões de
entendimento que decidirá depois como devem ser vistas.” 99

A partir dessa constatação, aproximar-nos-íamos da característica que


Foucault atribui à nova estruturação do signo moderno: a liberdade da
representação do jugo do “velho parentesco com a divinatio’”. Toda representação
deve expor, então, a si mesma como realidade ou:

“E livre, enfim, dessa relação que a acorrentava, a representação pode se dar como pura
representação”.100

Não por acaso, Foucault inicia seu livro analisando um quadro, “Las Meninas”
de Velásquez. Trata-se de uma nova forma de ver o mundo.

A centralidade da visão e de seus produtos, tal como nos foi determinada,


encontra a forma expressiva da relação enquanto distância. Na pintura, abordada
no próximo capítulo, trata-se da perspectiva. Aqui aparece como objetividade. Tal
centralidade explícita, por exemplo, na excelente coletânea “O Olhar”, pode ser
sintetizada nas palavras de Adauto Novaes.

“Se a realidade é o domínio do impreciso, das sombras e das coisas ocultas, por que a
ciência – ou a precisão científica – passou a ter soberania tão absoluta sobre os sentidos? E

98
ADORNO e HORKHEIMER. 1985. P.38-9 op. cit.
99
ADORNO e HORKHEIMER. 1985. p. 83 op. cit.
100
FOUCAULT. 1999. p.21 op. cit.
por que, dentre os sentidos, ‘a vista é o que nos faz adquirir mais conhecimentos, nos faz
descobrir mais diferenças’? Ou é em virtude do prestígio que a visão passou a ter em nossa
cultura, concentrado em si a inteligência e as paixões? Por que o olhar ignora e é ignorado
na experiência ambígua de imagens que não cessam de convidá-lo a ver? Como o geômetra
que, despojando os corpos das qualidades sensíveis, tenta apagar as ‘imperfeições’ do
mundo real, a visão científica domina as coisas à distância, e, se cai sobre os homens,
‘transforma-os em manequins movidos unicamente por molas’”.101

Sendo possível pensar a paisagem como relação moderna entre homem e


mundo, mediada pela forma do ver, devemos poder encontrar as relações que
permitam afirmar os pressupostos sociais da forma que ora analisamos. Como já
afirmamos, a representação da paisagem é inaugurada como forma social pela
pintura. É nessa produção específica que podemos compreender de que forma a
pintura educa, de certa forma, o sentido da visão e também, de que forma a
representação alcança a expressão verbal e se entranha na forma discursiva da
ciência e, mais especificamente, da Geografia.

101
NOVAES. 1993. p. 9. op. cit.
CAPÍTULO III - Paisagem e Arte no Kosmos de Humboldt: a
Sensibilidade Abstrata.
"Com o céu todo, vista longe e ar claro - da estrada
suspensa no planalto - grandes horas do dia e horizonte:
campo e terras, várzea, vale, árvores, lajeados, verde e
cores, rotas sinuosas e manchas extensas de mato - o
sem-fim da paisagem dentro do globo de um olho
gigante, azul-espreitante, que esmiúça: posto no dorso da
mão da serrania, um brinquedo feito, pequeno, pequeno:
engenhoca minúscula de carro, recortado; e um palito de
vara segura no corpo de um boneco homem-polegar, em
pé, soldado-de-chumbo com lança, plantado, de um lado;
e os boizinhos-de-carro de presépio, de caixa de festa"
(Guimarães Rosa: Conversa de Bois - Sagarana

Colocar a relação entre paisagem e arte como momento da reflexão indica um


questionamento da constituição do processo de consolidação desse nosso
percurso. Se afirmamos que o percurso segue Humboldt a partir de suas “pistas”,
pergunta-se, em linhas curtas, qual a natureza da presença da busca da arte no
seu pensamento e documento. Logo, a pergunta, embora possível, não é nossa.
Pauta-se na instigante presença da relação entre paisagem e arte documentada
na obra de Humboldt.

Essa presença é documento para nosso argumento. E o fato de ser documento


ganha duas definições aqui.

A primeira, define-se como documento historiográfico, logo, fonte de uma


investigação de um processo, no caso, da constituição da sociedade moderna e
suas expressões.

A segunda, define-se como documento pessoal, que por sua vez remonta – em
parte - à primeira, isto é, ao percurso que todos nós fazemos do conjunto que a
constituição do mundo nos dá.

Como primeira documentação, devemos elaborar a investigação nos registros


da obra que nos indica o percurso e, nos moldes da necessidade, nos desvios
permitidos e possíveis. Tal documentação ganha maior evidência e consistência
no segundo tomo do Kosmos que trata de algumas formas de representação do
“mundo exterior” (Auβenwelt] como a literatura, a pintura e o desenho; e uma
abordagem histórica do desenvolvimento das “visões de mundo físicas” (physische
Weltanschauung]. Reconstruiremos, suscintamente, esse percurso e
localizaremos aí os momentos em que Humboldt utiliza-se do aporte das
“formulações artísticas” para sua descrição cosmológica.

A Arte na Ciência do Kosmos

Toda a segunda parte do segundo volume do Kosmos, denominada “Geschichte


der Physischen Weltanschauung” – História da Visão/Contemplação Física do
Mundo - desenvolve-se recolhendo cronologicamente as expressões de diversas
culturas. Como afirmamos na introdução, esta história da contemplação do
mundo permite-nos avaliar e compreender o surgimento de uma disposição para
a paisagem no mundo moderno.

“La historia de la contemplacion física del Mundo es la historia del conocimiento de la


Naturaleza tomada en su conjunto; es el cuadro del trabajo de la humanidad [Darstellung
des Strebens der Menschheit] que intenta abarcar la accion simultánea de las fuerzas que
obran en la tierra y en los espacios celestes [Erd- und Himmelsraum]”.(C. T. II. p. 101]

Humboldt alerta-nos, no entanto, que não se trata de uma história do


conhecimento científico, mas de uma história mais ampla que pretende,
diferentemente de outras partes da “doctrina del Cosmos” (Lehre vom Kosmos]
destinadas à descrição do Universo (Weltbeschreibung] baseada no escopo das
ciências naturais (Naturwissenschaften], uma aproximação com outros produtos
do conhecimento. Trata-se, aqui, de:

“La historia del conocimiento del mundo(...] que llamaré, ya historia del Cosmos
[Geschichte des Kosmos], ya historia de la contemplacion física del Mundo [Geschichte der
physischen Weltanschauung](...]” .(C. T. II. p. 102)

O alerta torna-se necessário para a compreensão dessa história que pretende


abarcar também aqueles pressentimentos (frühes Ahnen] que antecedem a ciência
e a perpassam continuadamente no processo da formação do conhecimento
científico. Tais pressentimentos são os fundamentos das visões de mundo das
culturas antigas e daquelas ainda não modernas. Estão presentes, também, nos
fundamentos da própria ciência. Importa, dessa forma, observar que ao lado de
sua explícita adesão ao método e conhecimento científico de sua época, convivem,
em Humboldt, o reconhecimento da parcialidade desse saber e o necessário
reconhecimento do impulso criador, mesmo que inconstante e gratuito.

“No es justo acusar á la imaginacion advinadora [ahnende Erfahrung], á esa actividad


vivificante del espíritu que animaba á Platon, á Colon, a Képlero, de no haber creado nada
en el dominio de la ciencia, como si por la ley misma de la Naturaleza debiera permanecer
siempre estraña á la realidad de las cosas” .(C. T. II. p. 103-104]

Esse reconhecimento vai mais além. A importância desse movimento para o


conhecimento científico está na sua capacidade de “abalar” determinadas
estabilidades na arquitetura dos conhecimentos que sustentam a visão de mundo
de cada época.

“(...] el período de las oscilaciones [Schwankungen] en el conocimiento del mundo ha sido


principalmente el de la advinacion [Ahnungen] y de los delirios [Phantasien] filosóficos sobre
la Naturaleza.” .(C. T. II. p. 106]

Longe de ser um “desvio romântico” para o obscuro, o inexplicável, a emoção,


esta postura indica uma observação precisa do ambiente científico e seus
processos de produção do conhecimento. Não seria de todo estranho aqui
estabelecer um paralelo entre a observação de Humboldt e algumas posições de
historiadores da ciência, como Thomas Kuhnn e Arthur Koestler. 102 A tese das
revoluções científicas de Kuhnn baseada em momentos de instabilidades
paradigmáticas e as teses sobre a criatividade na ciência de Koestler com suas
rupturas e superações indicam o grau de importância que as contribuições
“extra-científicas” assumem no desenvolvimento interno dos vários processos
científicos.

Nesse percurso, que toca o início das civilizações do vale do rio Nilo, Humboldt
transita do mito 103 à ciência com igual desenvoltura recolhendo contribuições
para construir o desenvolvimento das visões de mundo e sua própria visão de
mundo. Inicia, talvez pela ocidentalidade iluminista, pela civilização grega,

102
Também Poincaré poderia ser citado aqui: “Isso nos mostra que a lógica não basta; que a ciência da
demonstração não é ciência inteira, e que a intuição deve conservar seu papel como complemento, quase se
poderia dizer como contrapeso ou como antídoto da lógica”. POINCARÉ. 1995. p. 20 op. cit.
103
Um exemplo: “El poeta que bajo el nombre de Orfeo ha cantado la espedicions de los Argonautas (...)
habla de la division de la antigua Lyctonia en islas separadas, y dice cómo ‘Neptuno [Poseidon], el de negra
cabellera, irritado contra su padre Saturno [Kronion], hirió á la Lyctonia con su tridento de oro’.(...) Que el
desmembramiento de la Atlántide haya sido en Occidente un reflejo lejano del mito de la Lyctonia, opinion
que creo haber espuesto en otra parte con alguna verosimilitud (...)”.(C. T. II. p. 118)
tomada aí mais como centro de um processo territorial do que por uma pretensa
gênese civilizatória. Estabelece as relações com o mundo antigo e próximo que
produziu o “fato grego” para em seguida pensar o foco europeu do mundo.

“De tal suerte está organizada la inteligencia, que no puede sin estas dobles relaciones
del tiempo y del espacio, formar una idea clara y satisfactoria de los acontecimientos
históricos” .(C. T. II. p. 122]

Trata-se, portanto, de uma história centrada na relação entre povo e mundo,


cujo foco impõe a presença constante dos movimentos de cada cultura em relação
ao seu território, o que nos daria as possibilidades de pensar a formação das
visões de mundo (do mundo de cada cultura] e seus trânsitos. Pode-se, ainda,
afirmar que há, na história humboldtiana, o pressuposto material da cultura na
produção espiritual.

“No únicamente por su mediacion y por el impulso que comunicaron han suministrado los
Fenícios nuevos elementos á la contemplacion del mundo; sino que tambien ensancharon en
algunas direcciones particulares el círculo de la ciencia con sus proprios descubrimientos.
Su prosperidad industrial, fundada en el desarrollo de su marina y en la actividad con que
fabricaban los habitantes de Sidon objetctos de cristal blanco y de color, tejian las telas y
las teñian de púrpura,los condujo, como sucede siempre, á progressos en las ciencias
[Wissen] matemáticas y químicas, y sobre todo en las artes de aplicacion. (C. T. II. p. 126]

Toda a dificuldade, aqui, está na possibilidade de documentar essa relação no


plano da representação uma vez que são raros os registros que chegaram ao
mundo moderno. Mesmo para Humboldt, com sua voracidade e fidelidade
documental, tornou-se uma lástima essa escuridão histórica que se torna,
literalmente, passado.

“Estrabon dice de estos pueblos: ‘Son los mas civilizados de los Iberos; están
familiarizados con la escritura y tienen libros que se remontan á una alta antigüedad.
Poseen tambien poesías y leis redactadas en verso, que datan, segun ellos, de seis mil
años.’ Me he detenido en este ejemplo con el fin de indicar qué parte de la antigua
civilizacion, aun entre las naciones europeas, ha desaparecido sin dejar senãl aguna; y
cuán estrecho es el círculo de la contemplacion del mundo.” .(C. T. II. p. 135]

Para o estudo da paisagem o quadro é mais desolador. A dificuldade do registro


aliava-se à outra: as carências das observações empíricas. Além dos registros
serem esparsos, poucos dentre eles continham relatos de primeira mão
“Proponíanse los sábios de entonces no tanto observar [Beobachtung] directamente
[empirische] los fenómenos, como reunir con gran trabajo [mühevollen] los materiales
existentes, ponerlos en órden, compararlos y dar una aplicacion inteligente á elementos
acumulados por tanto tiempo. Duranche muchos siglos, hasta aparicion memorable de
Aristóteles, los fenómenos no habian sido objeto de una observacion penetrante;
continuaban sometidos al arbitrio de las ideas, al capricho de las advinaciones confusas y
de hipótesis contradictórias.” (C. T. II. p. 169]

Mas se Aristóteles é um marco de seu tempo, a continuidade de sua visão de


mundo104 não se consolida como cultura, antes, esvanece-se junto com a
derrocada do império de Alexandre. O conjunto de conhecimentos – métodos e
conteúdos – fundamentados por Aristóteles sofreria uma retração histórica que
atravessaria os tempos até ser retomado, em níveis significativos, no
Renascimento com o neoaristotelismo, por exemplo, da escola de Pádua.

Uma primeira observação de Humboldt aproxima-nos da antiguidade clássica,


particularmente do mundo grego e romano, nos quais é identificada uma
representação da natureza e do mundo pouco despregada do interesse maior da
vida cotidiana e das lendas. A constatação e explicação permitem-nos pontuar a
afirmação anterior da tese de que a paisagem como identidade da relação
homem-mundo pertence, na sua forma mais desenvolvida, ao processo de
modernização:

“Encuéntrase indudablemente en la antigüedad griega, em la flor de la edad del linaje


humano, um sentimiente tierno y profundo de la Naturaleza, unido á la pintura de las
pasiones y á las leyendas fabulosas; pero el gênero propriamente descriptivo, nos es nunca
entre los Griegos sino un accesorio, apareciendo el paisaje como el fondo de un cuadro en
cuyo primer término se mueven formas humanas. La razon de esto es, que en Grecia todo
se agita en el círculo de la humanidad. El desarrollo de las pasiones absorbia casi todo el
interes, y los accidentes de la vida pública pertubaban bien pronto lis silenciosos ensueños
en que no sumerje la contemplacion de la Naturaleza; búscabanse hasta em los fenômenos

104
“En la época de Aristóteles comenzó á usarse por primera vez esta menera de investigacion, si bien todavía
se limitaba por lo comun á la naturaleza orgánica. Hay ademas en el conocimiento progressivo de los hechos
físicos un tercer grado mas elevado que los otros dos, y es el estudio profundizado de las fuerzas de la
naturaleza, de la trnaformacion que operan estas fuerzas y de las sustancias primeras que la ciencia
descompone para hacerlas entrar en combinaciones nuevas. El medio de ralizarse esta disolucion es provocar
uno mismo á su arbitrio los fenómenos [Erscheinungen] en una palabra, es la esperimentacion [das
experimentieren].” (C. T. II. p. 211).
físicos algunas relaciones con la naturaleza del hombre; todos ellos debian suministrar
puntos de semejanza con su forma esterior ó con su actividad moral.” (C: T. II. p. 8]

Não poderíamos afirmar que os gregos não conheciam a paisagem ou a


contemplação da natureza ou do mundo, mas apenas que a expressão chegada
até nós não registra essa necessidade ou particularidade. A presença como pano
de fundo acessório das cenas humanas indica-nos uma separação incompleta
entre o observador e sua representação. O mundo sem o homem não existe no
processo mental que ainda não construiu a separação objetivada, tanto no
discurso quanto na imagem.

Essa “dificuldade” do homem grego escapa, no sentido mais determinado, a


Humboldt, que chama a atenção para a peculiaridade da terra grega:

“Es preciso no olvidar qu el paisage [Landschaft] griego ofrece el particular atractivo de


una íntima armonía entre la tierra firme y el elmento líquido, entre las orillas coloreadas por
el sol, tapizadas de plantas y de vegetales pitorescos, y el agitado mar, retumbante y
resplanceciente com multitud de reflejos.”(C. T. II. p. 11]

Seria possível ao homem grego não se maravilhar com semelhante terra? Aqui,
a resposta pede novamente a explicitação da confusão em Humboldt e na ciência
em geral, sobre uma suposta objetividade da paisagem, tomando-a como
identidade ontológica do lugar105. As formas da representação que o mundo
antigo concebeu e nos legou não alcançaram a paisagem e é essa a dificuldade
que Humboldt tem em analisar essas visões de mundo. Não é diferente a
constatação para o mundo romano:

“Sus elegias deben considerarse, á la verdad, como cuadros de costumbres em los


cuales el paisaje está relegado al último término.”.(C. T. II. p. 20]

Se a paisagem não aparece de forma explícita na literatura, novamente


devemos afirmar que não está ausente uma relação de composição estética entre
homem e mundo. A arquitetura, o armamento, a vestimenta, a decoração e a
jardinagem são as expressões da forma da relação entre homem e mundo. 106.

105
Pode-se dizer que não só a Geografia confunde-se com a paisagem. É o caso, também , de Fernando
Pessoa: “...entendendo por paisagem, para conveniência de frases, tudo o que forma o mundo exterior num
determinado momento de nossa percepção.” PESSOA. 1980. p. 73. op. cit.
106
“El nombre de Macio, amigo de Augusto, há llegado precisamente hasta nosotros, porque muy aficionado
á todo lo que era artificial y contrario á la naturaleza, fué el primero que introdujo el uso de podar com
simetria los árboles segun formas tomadas de la arquitectura ó de las artes plásticas.” ”(C. T. II. p. 23).
Esse cuidado com a estética do lugar é, para Humboldt, uma das provas, mesmo
com a preferência pelas artes, que os romanos cultuavam o gosto pela
Natureza107, podendo, em termos atuais, enquadradar-se na denominação de
“paisagismo”

Esta busca pelo “belo” e pelo conforto poderia ajudar a explicar a total
indiferença dos romanos para a paisagem suíça. Humboldt chama a atenção, algo
indignado, com essa falta de sensibilidade para o espetáculo de cores e formas
dos Alpes nevados:

“Todos estos viajeros limítanse solo a quejarse del mal estado de los caminos, sin
distrairse nunca com el romántico aspecto de las escenas de la naturaleza..(...]Sílio Itálico
[...] representa la region de los Alpes como um horrible desierto falto de vegetacion”. (C. T.
II. p. 24]

Para Humboldt, esse hiato histórico teria algumas exceções no mundo romano
e no mundo árabe, ambos marcados por expansões territoriais importantes.

“En todo el largo período en que el imperio romano conservó su integridad, durante un
espacio(?] de cuatro siglos, no vemos aparecer como observadores de la Naturaleza sino a
Dioscórides de Cilicia y á Galeno de Pérgamo.” (...]

Al lado de Dioscórides y de Galeno, hay un otro nombre, pero uno solo, de cierto
esplendor, y es el de Tolomeo. No le citamos aquí como geógrafo, ó como inventor de un
sistema nuevo de astronomía, sino que no vemos él ahora mas que al físico que por sus
esperimentos ha llegado á medir la refraccion de la luz, y puede se reputado como el
fundador de una parte considerable de la Optica.”.(C. T. II. p. 179]

A constatação feita por Humboldt indica que o grau de interesse pelos estudos
sistemáticos da Natureza e dos lugares não apareciam com suficiente
destacamento capaz de conferir-lhe autonomia nas formas de representação. Os
interesses expansionistas de Roma e sua geometria de poder burocrático
confinavam os interesses em círculos restritos e a representação em níveis
igualmente confinados. Tal é o que se pode observar, por exemplo, na obra de

107
Nesse ponto, a tradução de Bernard Giner, introduz, sem muitos cuidados, a palavra paisagem: (“Sentian el
encanto del paisaje” – p. 23) que não aparece no original, indicando uma tradução da plavra alemã “Natur”,
natureza na língua portuguesa.
Caio Valério Catulo 108. Nela, mesmo numa leitura superficial, constatam-se os
limites desse círculo: as peripécias das relações íntimas, o mundo burocrático, a
vida durante o momento do õtium e o entremeio da mitologia grego-romana. Não
se constata, por exemplo, preocupação com os “lugares sem homens”.

Já no mundo árabe em expansão no território europeu, Humboldt constata


uma certa disposição para a contemplação do Mundo. Esta disposição, fundada
na delicada síntese de uma cultura que se constituiu em própria síntese histórica
e num contato amplo com o mundo conhecido, aparece imbricada de elementos
científicos e metafísicos.

“Por incompletos que fuesen los conocimientos de los sacerdotes nestorianos109, su


particular disposicion para estudios médicos y farmacéuticos les permitia ejercer una gran
influencia sobre una raza que por largo tiempo havia vivido en el pleno goce de la
naturaleza libre y que conservaba un sentimiento mas vivo y verdadero de la contemplacion
del mundo esterior, en culquiera que se les presentase, que los habitantes de las ciudades
griegas é itálicas. (...] Debe considerarse á los Arabes, repito una vez mas, como los
verdaderos fundadores de las ciencias físicas, tomando esta denominacion en el mismo
sentido en que hoy se acostumbra.” (C. T. II. p. 210]

108
Catulo nasceu e viveu em Verona no primeiro século a.C. Uma importante visão de sua obra está na edição
da edusp “O livro de Catulo” com a tradução, introdução e notas de João Angelo Oliva Neto.
“Podeis chorar, ó Vênus, ó Cupidos
e quantos mais sensíveis vivam:
morreu o pássaro de minha amiga,
o pássoro, delícias da menina,
que bem mais que seus olhos ela amava,
pois era mel e tanto a conhecia
quantoa filha conhece a própria mãe
e de seu colo nunca se movia
mas saltitando em torno aqui e ali
somente a ela sempre pipiava.
Agora vai por via escura lá
de onde, dizem, ninguém voltou jamais.
Ah! Malditas, vós trevas má do Orco
que devorais as belas coisas todas:
um pássaro tão belo me roubastes.
Ah, que maldade! Ah, pobre passarinho!
Por tua culpa os olhilhos dela estão
vermelhos e inchados de chorar.
(Catulo)
109
Seita cristã condenada como herética pelo Concílio de Éfeso em 431. A Doutrina do século V, ligada ao
monge de Antioquia chmado Nestório, distinguia em Cristo as duas naturezas: divina e humana, sem a
deificação da humanidade. Ambas eram unidas pela vontade de Cristo. A teoria redundava na negação da
maternidade divina de Maria
Esse ressentimento pela ausência da contemplação dos romanos, mais
interessados em seu comércio e na vida íntima e política só encontrará, segundo
Humboldt, uma superação afirmativa na presença da contemplação cristã do
mundo. A exposição de uma carta de São Basílio à Gregório de Nacianzo é
exemplar da forma como o mundo exterior começa a ganhar forma na mente do
observador.

“Creo, en fin, haber hallado el término de mis errantes peregrinaciones. Renunciando con
pena á la esperanza de volver a reunirnos, mas exacto seria decir á mis suemos, porque
estoy conforme com el que llama á la esperanza el sueño de um hombre despierto, he salido
para el Ponto em busca de la vida que me conviene. Dios me ha hecho encontrar aqui110 un
lugar á propósito para mis gustos. Puedo ver em realidad todo lo que nos representaba la
imaginacion em nuestros juegos y em nuestros momentos de reposo. Una alta montana
rodeada de frondoso bosque, se vé regada por su parte Norte de aguas límpidas y frescas.
A sus pies se estiende uma llanura inclinada que fecundizan los húmedos vapores que se
exhalan de las alturas. El bosque que rodea á la montana y en donde se apiñan árboles de
formas y espécies diferentes, parece establecer um muro de defensa á su alrededor... Dos
barrancos profundos limitan mi soledad. De un lado, el rio que se Lanza de la cima opone
una barrera contínua y difícil de franquear; del outro, cierra su estrada um ancho pico de la
montana. La habitacion esá situada sobre la cresta de otro pico, de manera que consiente
abarcar la llanura en toda su estension, y contemplar desde lo alto la caída y el curso de
Íris, mas agradable para mi que el Strymon para los habitantes de Amphipolis. Este rio, el
mas rápido que conozco, se rompe contra una roca próxima y se precipita arremolinado en
un abismo, ofreciéndome como á todos los viajeros, un aspecto lleno de encanto; y es,
además, para los habitantes de la comarca útil recurso, por el infinito número de peces que
alimenta en sus espumosas ondas. Debo describirte los vapores que se exhalan de la tierra
ó las brisas que se levantan de sa superficie de las aguas? Admire otro la abundancia de
las flores y el canto de las aves; yo no tengo espacio de tiempo para aplicar mi espíritu á
tales objetos. Lo que me encanta sobre todo es la tranquilidad de la comarca; no la visitan
sino algunos cazadores, porque mi desierto da pasto á ciervos y rebaños de cabras
monteses; pero no á vuestros osos y leones. Como podria cambiar este sitio por otro alguno?
Cuando Alcmeon encontró las Echinades no quiso ir mas allá” .(C. T.II. p. 26-7].

110
O lugar, onde São Basílio está ao escrever a carta, localiza-se às margens do rio Íris, na Armênia, no século
IV.
Para Humboldt, está presente na carta de São Basílio, mesmo havendo a falta
de interesse por alguns objetos por falta de espaço de tempo, uma descrição da
paisagem (Schilderung der Landschaft] e da vida dos bosques.

“(...) sentimientos mas en armonía com los sentimientos modernos que todo lo que nos
queda de la antiguidad griega y latina.”.(C. T. II. p. 27]

Essa nova postura perante a natureza, com significativo distanciamento das


obras monumentais humanas presentes no exemplo de São Basílio que se “exila”
no alto de uma montanha da Ásia Menor, configura-se pela contemplação
(Anschauung] meditativa que o novo lugar do homem no mundo exige, como
observa Humboldt na carta de Gregório, irmão de São Basílio:

“Cualquiera que contemple este espetáculo con los ojos del alma, compreenderá la
pequeñez del hombre comparado con la grandeza del Universo” .(C. T. II. p. 28].

A generalização dessa contemplação não se realiza nas diversas culturas, pois


pressupõe o “afastamento” no alto da montanha. Essa limitação é observada no
Kosmos em várias passagens, inclusive no seio da cultura da Idade Média alemã
pelas letras de Wilhelm Grimm:

“Los poetas alemanes de esta época (...] no se cuidaron jamás de de describir la


Naturaleza [Naturschilderung] de una manera abstrata [abgesondert], es decir, sin otro
objeto que el de pintar [ Darstellen] con animados colores la impresion del paisage [Eindruck
der Landschaft] ”.(C. T. II. p. 32] 111

De passagem, Humboldt assinala, agora com Jacob Grimm, que, também nas
fábulas, a paisagem permanece colocada no plano menos importante :

“Las bestias (...] forman un elemento siempre activo destinado á animar el paisaje” [die
Landschaft belebendes Prinzip] . ”.(C. T. II. p. 35]

Segundo Humboldt, só com o avanço do Nominalismo frente aos realistas nos


séculos XIV e XV o apelo à experiência e aos fundamentos sensíveis do
conhecimento foi possível mudar gradualmente a disposição do homem em
relação ao mundo.

111
Uma antologia importante dessa produção pode ser consultada em “Oito Séculos de Poesia Alemã” de
Olívio Caeiro. Fundação Calouste Gulbenkian. Lisboa. 1983. Humboldt assinala vários desse poetas, entre
eles, pela sensibilidade e por ter viajado muito, Walther von der Vogelweide (1170-1230), o qual, segundo
Caeiro, introduziu uma autêntica poesia da natureza, sem continuação até ser recuperada e desenvolvida por
Goethe.
Esse renascimento do século XIII é destacado no Kosmos nas figuras de Ibn
Sina (Avicena], Ibn Roschd (Averroés], Alberto, o grande e Roger Bacon. A partir
da obra de Bacon, Opus Majus, abre-se um conjunto de interesses que indicam o
movimento do pensamento para o sensível do mundo e sua possibilidade de
representação112, principalmente a questão do foco e da perspectiva:

“Los trabajos [Versuchen] mas importantes de Bacon, son los que hizo sobre la teoría del
Optica, sobre la perspectiva y sobre la posicion del foco en los espejos cóncavos, juntamente
con sus esperiencias químicas sobre las mezclas inflamables y esplosibles.” (C. T. II. p.
244)

A partir desse “princípio”, Humboldt apresenta aquilo que se considera o


movimento que inaugura a transformação radical do mundo e sua
contemplação. De um lado, a expansão européia baseada nas grandes
navegações e de outro, o movimento intelectual solidariamente em
expansão.

“El descubrimiento de las regiones tropicales [Tropenländer] de la America por Cristóbal


Colon, Alonso de Ojeda y Alvarez Cabral, no puede considerarse como un acontecimiento
aislado en la historia de la Contemplacion del Mundo. La influencia de este hecho sobre el
desarrolo de los conocimientos [Wissens] físicos y sobrre el progresso de las
ideas[Ideenwelt] en general, no puede ser bien comprendida, sino á condicion de dirigir una
rápida ojeda á los siglos que separan el tiempo de las grandes empresas marítimas, de
aquel en que florecia la cultura científica de los Arabes” (C. T. II. p. 239]

Humboldt considera, não sem razão, a “descoberta” do “Novo Mundo” mais do


que uma aproximação territorial113, mas uma nova disposição do homem para
com o mundo. Daí a necessidade de verificar em que condições históricas esse
movimento se deu. A simples aproximação à novas qualidades do mundo não

112
Outro movimento interessante desse renascimento é o aparecimento das obras enciclopédicas, entre as
quais, “De Rerum Natura” de Tomás de Cambridge (1230), “Speculum naturale” de Vicente de Beauvais
(1250).
113
Essa afirmação é correta e está assim desenvolvida no Kosmos: “Por lo demás, si este primer
descubrimiento de la América, hecho en el siglo XI ó quizás antes, no tuvo la grande y duradera influencia
que ejerció en los progressos de la ciencia del mundo(physischen Weltanschauung) el mismo descubrimiento,
renovado á fines del siglo XV por Cristóbal Colon, esplicase esto por poca cultura [Unkultur] de los pueblos
primeros que descubrieron este continente y por la naturaleza de los lugares [Natur der Gegenden] en que se
encerró su esploracion. Ninguna educacion científica [wissenschaftliche Kenntnis] habia preparado á los
Escandinavos para estender sus investigaciones en el país que ocupaban, mas allá de lo que exigia la
satisfaccion de las necessidades mas apremiantes.” (C. T. II. p. 235)
implicou em outros momentos consequências como as do século XV. Isso, porém,
não deve servir para subestimar o impacto dessa nova possibilidade.

“Una cosa que contribuyó tambien de una manera notable al progresso de los
conocimientos acerca del mundo [Weltansichten], en esta época agitada, fue el contacto
inmediato[unmittelbare Kontakt] de un número considerable de europeos con la naturaleza
exótica que desarrollaba libremente sus magnificencias en los dos hemisferios. Es
espectáculo[?] que ofrecian las llanuras y las regiones montanhosas [Ebenen und
Gebirgsländern] de América, pudo á seguida de la espedicion de Vasco de Gama
contemplarse en las costas orientales del Africa y en la India Meridional.” [C. T. II. p. 271]

Esse encontro, pautando uma nova condição, necessita que o homem


que chega já venha imbuído, também, de novas qualidades. Se a conquista
das novas terras potencializa a formação da nova sociedade, isso só ocorre
por se tratar de sua própria expansão, inclusive enquanto formas
humanas. Daí, que a conquista implica não só a transformação do homem
europeu, mas daqueles que não se autodeterminavam como homens. É, ao
mesmo tempo, a conquista externa do mundo e a conquista interna do
homem.

“Si insisto nuevamente en hacer resaltar el atractivo que prestan á la imaginacion los
paises montañosos de la zona equinoccial, válgame de escusa la observacion ya indicada
muchas veces de que los habitantes de aquellas regiones [Länder] son los únicos á quienes
es dable contemplar [schauen] todos los astros del firmamento y casi todas las familias del
reino vegetal; pero contemplar [schauen] no es observar[ [beobachten], es decir, comparar y
combinar [vergleichend kombinieren].” (C. T. II. p. 269]

Logo, trata-se de um novo paradigma para o olhar. A observação instala-se


como pressuposto e produzirá seu próprio referente.

“A partir de esta época crítica es desde cuando el espíritu [Geistes] y el corazon [Gefühle]
ha vivido una vida nueva y mas activa, y atrevidos deseos y tenaces esperanzas han
penetrado poco a poco en todas las clases de la sociedad civil [bürgerlichen Gesellschaft].”
(C. T. II. p. 293]

Não é outro movimento senão aquele que será considerado uma ruptura
drástica com o passado histórico. Humboldt define o momento específico
como Revolução Científica.
“La revolucion científica [Die wissenschaftliche Revolution] que Nicolás Copérnico
produjo, ha tenido la rara fortuna, si esceptuamos la corta suspension que ocasionó la
hipótesis retrógrada de Tycho, de haber tendido constantemente al objeto [Ziel], es decir,
hácia el descubrimiento e la verdadera estructura del Mundo [Weltbaus]. El rico conjunto de
observaciones exactas que suministró el mimso Tycho, ardiente adversario de Copérnico, ha
servido tambien para descubrir esas leyes eternas del sistema planetario que han dado
mas tarde al nombre de Keplero imperecedero brillo, y que, interpretadas y demonstradas
por Newton, pasaron teóricamente, y como un resultado necessario, á la esfera luminosa
del pensamiento, fundando el conocimiento racional de la Naturaleza [eines denkenden
Erkennens der Natur]. Háse dicho ingeniosamente, aunque quizás sin hacer todavái
bastante justicia al libre genio que ha creado por sus proprias fuerzas la teorái de la
gravitacion: ‘Keplero ha escrito un Código [Gesetsbuch] y Newton El Espírito de las Leyes’
[Geist der Gesetze]. (C. T. II. p. 303).

Não é estranho a Humboldt que esse momento continha ainda as


permanências dos mistérios. Há, no movimento de racionalização do mundo e na
consequente matematização e formulação de leis, a presença das “fantasias,
delírios, revelações e outras estranhezas” que permeiam esse momento. Nesse
caso, Humboldt, como já havia afirmado, não vê uma incongruência, mas um
movimento duplo do próprio espírito 114 que se vê balançando entre as dúvidas de
seu tempo. Uma síntese desse período fantástico é Kepler:

“Si he citado Keplero con preferencia en estas consideraciones sobre os efectos sobre los
efectos de la contemplacion física [Sinnesanschauung], es con le fin de recordar cuán unida
se encontraba en este grande hombre, dotado de tan maravillosas facultades, la tendencia
hácia las combinaciones de la fantasía, con un talento notable de observacion, con un
método de induccion severa, con una fuerza de cálculo casi sin ejemplo, y finalmente, con
una profundidad matemática tal como manifestada en la Stereometria Doliorum, que influyó
felizmente sobre Fermat, y por medio de él en el descubrimiento del cálculo infinitesimal.
Por la riqueza y la rapidez de sus ideas, por lo atrevido de sus advinaciones [Ahnungen]
cosmológicas, un espirítu [Geist] como el suyo estaba formado principalmente para esparcir
la vida á su alredor y para acelerar el movimiento que empujaba sin descanso al siglo XVII

114
“Las conjeturas [Meinungen] propuestas por los alquimistas de la edad media acerca de la composicion de
los metales y de la alteracion producida en su brillo por la combustion al contacto del aire, es decir, por la
tranformacion en cenizas, en tierra ó en cales, dieron la idea de investigar las circunstancias que acompañan á
este fenómeno, y los cambios que esperimentan en ese caso los metales y el aire que se combina con ellos. Ya
Gerónimo Cardaño habia observado en 1553 el aumento de peso que recibe el plomo ao oxidarse, y penetrado
de la fabulosa teoría(Mythe) del flogístico, lo atribuyó al desprendimiento de una materia ígnea y celeste que
deberia tener la propriedad de aligerar los cuerpos”. .(C. T. II. p. 335)
hácia el noble objeto de la contemplacion y engrandencimiento del Mundo.” [C. T. II. p.
315].

Não por acaso, instala-se aí o novo paradigma técnico para o olhar e para sua
representação. A invenção de instrumentos ópticos, como o microscópio e o
telescópio,115 pertence ao processo técnico e intelectual no qual o ver torna-se o
centro do conhecimento. Experiência e observação confundem-se no plano da
visão além do olho. O “invisível” começa a ganhar status de realidade e impor à
realidade do humanamente visível um contínuo sobressalto.

“Hemos demonstrado ya, cómo el ojo, órgano de la contemplacion física [sinnlicher


Weltanschauung], habia tomado de la segunda vista del telescopio un poder cuyo limite
está lejos de alcanzarse”. (C. T. II. p. 296]

Os vários campos do saber ainda não estão, como a literatura historiográfica


confirma, totalmente separados e administrados. O conhecimento move-se em
vários níveis. Calcula-se, imagina-se, especula-se, mas, sobretudo, há um
movimento de superação constante que nunca havia existido. Tudo se move
rapidamente. Nunca tantos esforços em conhecer haviam sido colocados em ação.
Esse espraiamento do saber, em várias frentes, demonstra que, antes de
descobrir, tratava-se de produzir um novo mundo, uma nova arte e uma nova
ciência.

El arte reside en medio del círculo mágico trazado por la imaginacion, y tiene su fuente
en lo mas íntimo del alma; en la ciencia, por el contrario, el principio del progresso está en
contacto con el mundo esterior. A medida que se estienden las relaciones de los pueblos, la
ciencia gana á la par en variedad y en profundidad. L acreacion de nuevos órganos, porque
así puden llamarse los instrumentos de observacion, aumenta la fuerza intelectual del
hombre y tambien á veces su fuerza física. Mas rápida que la luz, la corriente eléctrica
encerrada en un circuito lleva el pensamiento y la voluntad á las mas apartadas regiones.
Dia llegará en que fuerzas que se ejercen tranquilamente en la naturaleza elemental, como
en las celdas delicadas del tejido orgánico, sin que hasta ahora hayan podido descubrirlas
nuestros sentidos, reconocidas por fin, aprovechadas y llevadas al mas alto grado de
actividad, tomarán puesto en la série indefinida de los medios, en cuya virtud haciendónos

115
Segundo Humboldt, apesar de controvérsias, o microscópio foi inventado, provavelmente, por Zacarías
Jansen y seu pai Hans Jansen em 1590. Já o telescópio foi conhecido pela primeira vez na Holanda no ano de
1608 e sua invenção pode-se atribuir à Hans Lippershey e Jacob Adriaansz.
dueños de cada dominio particular de el imperio de la Naturaleza, nos vamos elevando á un
conocimiento mas inteligente y animado del conjunto del Mundo.” .(C. T. II. p. 350]

Paisagem e Arte no Kosmos.

Ao continuar com sua demonstração, Humboldt extrai observações de várias


obras das culturas orientais indicando as formas predominantes dos reflexos do
mundo na imaginação. Embora algumas observações dos textos sagrados
indianos, persas, árabes, hebraicos e outros indiquem que a natureza é tocada
por alguma forma de contemplação, permanece, quase que como uniformidade, a
sua presença em segundo plano ou inseparável das preocupações com o sagrado
ou político.

“La descripcion del paisaje [Schilderung der Landschaft] rara vez interrumpe la
narracion en la epopeya nacional ó Libro de los Heroes de Firdusi. ”.(C: T. II. p. 40].

Tal constatação afirma-nos que o pressusto do destacamento, fundamento da


paisagem, não estava realizado nessas culturas, ainda presas demais ao
subjetivdo/objetivado do mundo rural. Esse destacamento aparece localizado no
Kosmos, quando a reflexão acompanha o desenvolvimento da pintura da
paisagem.

“En la antigüedad llamada por escelencia antigüedad clássica, las predisposiciones de


ánimo particulares á los Griegos e los Romanos no consentian que la pintura de paisaje
[Landschaftsmalerei], como tampoco la poesía descriptiva [dichterische Schilderung], fuesen
para el arte un objeto distinto; y de aquí que se tratara á las dos como acesorios.
Subordinada la pintura de paisaje á otros fines, no ha sido en mucho tiempo sino un fondo
sobre el cual se destacaban las conposiciones históricas, ó un adorno accidental en las
pinturas murales. No de otra manera el poeta épico hacia visible, por medio de una
descripcion pintoresca [malerische Beschreibung der Landschaft], la escena [Lokal] en que
se realizaban los acontecimientos, ó mejor aun, el fondo116 [Hintergrund] delante del cual
se movian sus personajes. La história del arte nos enseña el progresso en virtud del cual el
accesorio ha llegado á ser poco á poco el principal objeto de la representacion; cómo la

116
“En la Fassathal, la dolomia se eleva verticalmente á muchos miles de pies, formando paredes de blancura
deslumbradora que terminan en multitud de cimas agudas y muy próximas entre sí, aun que nunca llegan á
tocarse. Su aspecto (Gestaltung) recuerda el gracioso paisaje de montañas (Berglandschaft) fantásticas, con
que ha adornado Leonardo da Vinci el fondo del retrato de Monna Lisa.” (C. T. I. p. 242). Para esse aspecto
da formação da paisagem, vide figuras 16 e 17 do anexo IV.
pintura de paisaje, desligada del elemento histórico, ha tomado importancia y llegado á
formar un genero á parte;(...]

Háse observado con razon que lo que principalmente faltó á los antiguos(...] fué el
sentimiento del encanto particular [Gefühl für die lanschaftliche Schönheit] que vá unido á
la reproducion de las escenas de la Naturaleza por medio del pincel: este goce estaba
reservado á los modernos” (C. T. I. p. 72-3].

Nesse processo de contato e representação do mundo, Humboldt destaca,


desde a antiguidade, na Grécia, em Roma, na Índia e na China, representações
pictóricas em murais domésticos, livros, vasos, escudos que incluiam algum
aspecto do lugar, um bosque, um campo, montanhas, animais. No entanto, pelos
próprios meios que esta arte dispunha, como por exemplo, as regras da
perspectiva, a representação da paisagem sem um ponto focal tornava-se algo
caricatural. Além dos meios técnicos, Humboldt assinala também a predisposição
sentimental incongruente com a forma paisagem:

“Las composiciones en forma de arabescos, contra las cuales protestaba el gusto severo
de Vitrubio, contenian plantas y animales dispuestos armónicamente manifestando alguna
originalidad; mas para valerme de las espresiones de Ofredo Muller, ‘no creyeron los
antiguos que el arte pudiese nunca producir la presdisposicion melancólica ó la especie de
presentimiento en que nos sumerje la vista de un paisaje; [die Landschftliche un anspricht];
al pintar la Naturaleza [Landschaft], mas bien se propusieron esparcir el ánimo, que no
inspirar una séria emocion.”(C. T. II. P.75] 117

Desprende-se, dessa dupla citação, um elemento dos mais importantes para a


compreensão do processo de formação da paisagem no mundo moderno. Trata-se
da instituição, já na figura separado do duplo, de um sentimento moderno, no
caso, em relação ao mundo da natureza ou mesmo do território pátrio. O culto
sentimental do mundo conflue no homem moderno junto ao processo de
destacamento da abstração conduzida, na representação, pelo olhar em
perspectiva.

Segundo Humboldt, esse processo só ganharia sua forma plena no mundo


europeu do século XVII, quando a representação como paisagem ganha evidência
histórica inconfundível. É nesse período histórico, quando também se localiza a
forma científica moderna – assinalada no capítulo anterior – que as pinturas de
paisagem e, também, o culto à paisagem presente na poesia e outros escritos,
aparecerão difundidas no gosto geral, tornando-se prática sensível da burguesia
em consolidação. O que aparece, como pressuposto sentimental para a paisagem,
está identificado por Humboldt com o seguinte conteúdo:

“Si bien el siglo XV [Cinquecento] fué la época mas brillante de la pintura histórica
[Historienmalerei], hasta el siglo XVII no florecieron los grandes pintores de paisaje
[Landschafter]. A medida que se conocian mejor y se observaban con mas atencion las
riquezas de la Naturaleza, el domínio del arte iba ensanchándose; y por otra parte se
perfeccionaban de dia en dia los procedimientos materiales[technischen Darstellungsmittel].
Poníase mas cuidado en dejar aparecer al esterior las disposiciones del alma, llegando á
darse de esta manera á la bellezas naturalles una espresion mas dulce y mas tierna, á
medida que se iba aumentando la seguridad de la influencia que el mundo esterior ejerce
sobre nuestros sentimientos. El efecto de esta escitacion es producir lo que constituye el fin
de todas las artes, ó sea, la transformacion de los objetos reales[wirklichen Gegenstände]
en imágenes ideales [Objekt der Phantasie]; y es engendrar en nuestro interior una calma
armoniosa que sin embargo no carece de espresion.” (C. T. II. p. 78]

Esse objeto da fantasia capaz de unir a objetividade do olhar, milimetricamente


posto na tela, aos sentimentos da harmonia e grandiosidade da natureza ainda é,
para Humboldt, algo raro118. Ora falta a capacidade objetiva de representar a
Natureza como ela mesma, deitando na tela as formas, cores e disposições fiéis,
ora falta a grandiosidade da composição da cena. Rubens aparece aí com uma
distinção.

“Hay, sin embargo, un artista que debe distinguirse de todos los demas, por la variedad
de sus facultades y la liberdad de su genio: Rubens, que sumido en el seno mismo de la
Naturaleza, abraza todos sus aspectos, representando con una verdad inimitable, en sus
grandes cazas, la naturaleza salvaje de los animales del bosque, al mismo tiempo que

117
A nota de Humboldt destacando a obra de Otfried Müller, Archäologie der Kunst, 1830. p. 609 ressalva
“algunas raras escepciones, que son paisajes en el sentido moderno de la palavra (...) paisajes que sirven de
fondo á encantadoras conposiciones históricas.”
118
Humboldt elenca na nota 121 do tomo II os principais paisagistas desse período:
“El gran siglo de la pintura de paisaje reunió: Johann Breuguel 1569-1625, Rubens 1577-1640, Domenichino
1581-1641, Philippe de Champaigne 1602-1674, Nicolas Poussin 1594-1655, Gaspard Poussin 1613-1675,
Claude Lorrain 1600-1682, Albert Cuyp 1606-1672, Jan Both 1610-1650, Salvator Rosa 1615-1673,
Everdingen 1621-1675, Nicolaus Berghem 1624-1683, Swanevelt 1620-1690, Ruysdael 1635-1681,
Minderhoot Hobbema, Jan wynants, Adriaan van de Velde 1639-1672, Carl Dujardin 1644-1687.”(C. T. II. p.
375.) Optamos por elencar os nomes como aparecem no original e não na tradução de Giner.
haciéndose paisagista, reproduce con raro acierto la meseta árida y enteramente desierta
donde se destaca en medio de las rocas el palacio del Escorial.” .(C. T. II. p. 79-80]

A fidelidade da representação ao mundo é uma das características mais


louvada e pretendida por Humboldt. A eleicão positiva de uma pintura passa,
primeiramente, pelo crivo de uma objetividade estética que encontraria, nos
daguerreotipos,119 a forma embrionária da perfeição. Esta objetividade, no
entanto, deveria produzir no homem o sentimento de grandiosidade, beleza,
harmonia e conexão com a Natureza, instigando nele o contato e o interesse pelo
estudo e conhecimento desse aspecto do mundo natural e, também, humano.

A explicação que Humboldt oferece ao leitor acerca dessa “explosão


paisagística” concentra-se, em termos históricos, na expansão territorial das
grandes navegações. O contato com a Natureza “exótica” com suas formas, cores,
brilhos, forças, movimentos, causariam ao olhar europeu um deslumbramento
que a “Natureza do Velho Mundo” nunca foi capaz. Esse despertar estético para
a Natureza levaria ao desejo do conhecimento de suas leis e situações e da
representação de suas forças e grandiosidades, as mais exatas possíveis.

É dessa constatação que Humboldt parte para chamar a atenção para os


artistas viajantes, como Post, Eckhout 120, Hodges, Rugendas, Bellermann,
Hildebrant, e outros que, ao representarem através da pinturas a diversidade da
natureza do mundo, prestavam serviços inestimáveis à compreensão do Cosmo.
Há de assinalar que muitos artistas, entre eles Rugendas, viajaram instigados e
estimulados por Humboldt. Aproveitando da febril atmosfera intelectual durante
sua estadia em Paris, foram possíveis vários contatos com artístas,
principalmente jovens pintores, e a “cooptação” para o seu projeto de estudos 121.
Um dos alvos preferenciais era o Brasil, no qual Humboldt foi impedido de entrar

119
“Estudios característicos hechos en las laderas escarpadas do Himalaya y de las Cordilleras, ó en medio de
los rios que surcan las comarcas interiores de la India y de la América meridional, producirian un efecto
mágico si se cuidase sobre todo de rectificarlos segun imágenes sacadas al daguerreotipo, escelente para
reproducir; no la espesura del follage, sino los troncos gigantescos de los árboles y la direccion de sus ramas.”
.(C. T. II. p. 88)
120
Post e Eckhout acompanharam Mauricio de Nassau durante a ocupação do Brasil pelos Holandeses no
século XVII (1637-1644).
121
“Em cuanto a las ilustraciones para su obra, la misma formación artística de Humboldt le permitió
controlar la calidad de las mismas, todas en la técnica que mejor conocía: el grabado em cobre, as veces
coloreado a mano.” (Esteva-Grillet. 1999. p. 205 op. cit).
Apresentamos, no anexo IV, algumas das ilustrações de Humboldt.
pelas autoridades portuguesas122. Naquele momento, só o desenho ou a pintura
poderiam trazer aos olhos o conjunto das paisagens tropicais.

Esse mundo em aberto para os olhos dos paisagístas deveria ser amplamente
observado e registrado com competência, pois até então, salvo algumas exceções,
os pintores “careciam” da capacidade técnica do olhar objetivo capaz de observar
e distinguir espécies vegetais e animais. Era preciso que os artistas viajantes
treinassem o olhar para as formas e cores tropicais. E mais. Era preciso a
disposição de um naturalista para penetrar nas florestas, montanhas, caminhos,
rios. Enfim, Humboldt pretendeu formar artistas naturalistas capazes de
sair/entrar pelo mundo recolhendo, nas telas, os aspectos das terras distantes 123.

“El único medio de poder fijar el carácter de las comarcas lejanas [Weltgegenden] en
paisages [Landschaften] concluidos, ´la vuelta de un viaje, es bosquejar luego de
observadas las escenas de la Naturaleza [Naturszenen]. Los esfuerzos del artista serán
mas provechosos aun si poseido de emocion sobre los lugares mismos, hace un gran
número de estudios parciales, si ha dibujado ó pintado al aire libre, copas de árboles,
ramas frondosas cargadas frutos y de flores, troncos derribados cubiertos de photos ó de
orquideas, rocas, un precipicio, cualquiera parte de un bosque en fin. Trayendo así
imágenes exactas de las cosas podrá el pintor, de vuelta á su patria, dispensarse de acudir
ao triste recurso de las plantas conservadas en las estufas y de figuras reproducidas en las
obras de botánica.” .(C. T. II. p. 82-3]

Essa posição perante a pintura de paisagens sugere uma opção utilitarista


para a arte. Ao pretender determinar os fins e as formas para a pintura,
Humboldt exerce suas intenções na direção do objetivo mais imediato que seria a
obtenção de informações com o maior grau de fidelidade e objetividade à
realidade. Fica claro, também, que está posição, apesar de recorrente no Kosmos,
não é única. Há, em parelelo, também o desejo do belo e do sublime.

Embora possível, a posição utilitarista da pintura da paisagem assumida e


desenvolvida por Humboldt não está isenta de sérias dificuldades. O debate
estava em aberto no seu tempo, principalmente em Paris, através das
contribuições dos movimentos da Arte pela Arte, do qual tomou parte, em algum

122
A carta das autoridades portuguesas solicitando a prisão de Humboldt está no anexo II.
123
Incluímos, no anexo IV, alguns exemplos dessas obras.
momento de sua obra, Charles Baudelaire. Tal posição nega qualquer utilitarismo
da arte, a não ser a sua própria utilidade para o homem.124

Portanto, podemos afirmar que a dupla incorporação da arte, por Humboldt,


contém uma contradição. Ao mesmo tempo que busca e desenvolve nela uma
objetividade empírica, saúda e incorpora a força das expressões poéticas, por
exemplo, em Camões. O que justifica tal posição é o próprio fim que Humboldt
atribui, não só à arte, mas ao conhecimento. Tal é o seu argumento:

“Todos estos medios [Mittel], cuya enumeracion no podemos omitir en un libro tal como el
Cosmos, son muy apropósito para propagar el estudio de la Naturaleza; é indudablemente
se conoceria [Kenntnis] y sentiria [Gefühl] mejor la grandeza sublime de la creacion, si en
las grandes ciudades junto á los museos, se abriesen libremente á la poblacion panoramas
con cuadros circulares que representasen [darstellten] sucesivamente paisajes sacados en
diferentes grados de longitud [Höhezonen] y latitud [geographischen Breiten]. Multiplicando
los medios con cuyo auxilio se reproduce bajo imágens espresivas el conjunto de los
fenómenos naturales, es como mejor se familiariza á los hombres con la unidad del mundo,
haciéndoles sentir mas vivamente el armonioso concierto de la Naturaleza”125. .(C. T. II. p.
88-9]

Conhecimento e sentimento são, nesse caso, o fim da representação. Para


Humboldt, um sentimento vivo em relação ao mundo deve ser fundamentado na
compreensão de seus processos e formas. E, por sua vez, o conhecimento é nulo

124
Tal posição é defendida, por exemplo, por Fiódor Dostoiévski em um texto do final do século XIX –
“Acerca da Questão da Arte pela Arte ou G... bov e a Questão da Arte – do qual destacamos o seguinte
argumento: “Dizem e mantêm uns que a arte tem o seu fim em si mesma e que deve achar a sua justificação
na sua própria existência. Assim, não será já necessário falar da utilidade da arte, no verdadeiro sentido da
palavra, no momento atual. A Criação... princípio fundamental de tôda a arte, é uma propriedade íntegra,
orgânica, da natureza humana e desenvolve-se unicamente devido ao fato de ser uma faculdade indispensável
ao espiríto humano. É tão legítima no homem como a inteligência, como todas as faculdades morais, e pode
até dizer-se que como as duas mãos, os dois pés ou o estômago. É inseparável do homem, formando um todo
com ele. É certo que a razão, por exemplo, é útil, pois nós mal passaríamos sem ela. Também as mãos e os
pés são úteis ao homem. Neste sentido também a criação é útil ao homem.
Mas, como algo completo, orgânico, a criação desenvolve-se por si, independente, e exige desenvolvimento
pleno; sobretudo... exige plena liberdade no seu desenvolvimento. Por isso todo freio, toda coação, toda
missão subalterna, todo fim exclusivo que lhe imponham serão ilegítimos e absurdos. Se limitarmos a criação
e se proibimos aos anelos criadores e artísticos do homem que se consagrem... a quê, diremos? Pois a
exprimir certas sensações; Se vedamos ao homem tôda a atividade criadora que nele suscitam certas
manifestações da natureza: o nascer do sol, as tempestades marítimas, etc., etc., isso equivalerá a restringir de
uma maneira estúpida e ilegítima o espiríto humano na sua atuação e desenvolvimento.” DOSTOIÉVSKI,
1964. p.1242. op. cit.
125
“Der Begriff eines Naturganzen, das Gefüll der Einheit und des harmonischen Einklangs im Kosmos
werden um so lebendiger unter den Menschen...“ .(K. T. II. p. 80)
se não for vivificado pelos sentimentos de respeito e prazer. Os conceitos de
unidade, harmonia e totalidade estão no âmago dessa síntese múltipla entre
homem e mundo, entre conhecimento e sentimento, entre a essência e aparência,
entre o ínfimo e o infinito, entre o orgânico e o inorgânico, entre arte e ciência.
Todos os meios são assim justificados.

“Uno de los mas hermosos frutos de la civilizacion europea es el de haber hecho hoy
posible al hombre satisfacer, aun en las regiones menos favorecidas, y merced á las
colecciones de plantas exóticas, á la mágia de la pintura de paisaje y al poder de la
espresion pintoresca[Kraft des begeisterten Worts], una parte de los goces [Naturgenusses]
que va á buscar el viajero, á costa de grandes peligros muchas veces, en la contemplacion
inmediata[wirkliche Anschauung] de la Nauraleza.” .(C. T. II. p. 98].

Portanto, palavras, pinturas, desenhos, jardins, estufas, devem, com a força


expressiva de cada linguagem, testemunhar bela e harmoniosa unidade do
mundo. Há, nessa posição, um veio pedagógico que busca colcar em evidência a
necessidade de constituir uma massa de meios representativos capaz de produzir,
junto ao público, um processo de ensino/aprendizagem que não passa
necessariamente pela escola formal, mas inscrusta-se na vida cotidiana como
possibilidade. Essa relação pedagógica é, para ele, um dos indícios da forma
como cada povo relaciona-se com o Mundo.

A paisagem contém e é contida pela representação do mundo. Porém,


diferentemente, ela contém um movimento interno que a diferencia de outras
representações. O pressuposto do encontro entre homem e mundo funda uma
qualidade que só pode ser apreendida em ato. Toda representação duplicada é
natimorta. E a singularidade desse fato torna-se instranponível para uma
sociedade que vive da reprodução. Em Humboldt, comparecem esses dois
movimentos. O que nos dá a definição de paisagem são seus momentos de
singularidade e não de reprodução.
“É como se, por um momento, desarmado o olhar, tivesse de fato visto a paisagem.
E percebesse, não atemporalizada, como nas generalizações e sistemas de classificações,
mas presente, perceptível com aquela luz e aquelas cores exatas apenas naquele instante
preciso”.126

126
SÜSSEKIND. 2000. p. 120. op. cit.
Mas, insistindo, a paisagem não encontra-se apenas pressuposta no sujeito.
Ela manifesta-se como mundo. E, só nessa relação específica, o homem e o
mundo transformam-se em paisagem.
“Mas algo costuma realmente se alterar depois de tais ‘revelações’. Porque epifanias
e sensação de passagem rápida e irreversível do tempo parecem andar juntas. Se, por um
instante, sujeito e paisagem se redimensionam, alterada a luz, fica a impressão do
instante, do tempo que não pára de passar e modificar as tonalidades e sombras. E, assim,
não é só o observador que parece sujeito à movimentação, também a paisagem adquire
repentina mobilidade, imersa não no moto-contínuo das expedições, mas junto às demais
‘coisas do mundo’, no fluxo temporal. Capaz igualmente de, por alguns instantes, invadir o
vaivém espacial de um viajante.”127

Arte e abstração: o desvelamento da paisagem.

A paisagem é um fato humano que se torna primeiramente explícito, pelos


menos na forma documentada e apreendida aqui, como arte pictórica. Essa forma
artística que apreende o fenômeno da paisagem é a pintura e a explicitação do
conteúdo e das conseqüências dessa forma como produção social moderna é o
objetivo desse ítem.
“Na arte ocidental, a pintura paisagísta teve uma história curta e caprichosa. Nos
maiores períodos da arte europeia, o período do Parténon e o da Catedral de Chartres, a
paisagem não existia nem podia existir; para Giotto e Miguel Ângelo não passava de uma
impertinência. Só no século XVII os grandes pintores começaram a pintar paisagens para
uso próprio, tentando esquematizar as suas regras. Só no século XIX se tornou a arte
dominante, originando uma estética própria.”128

Reafirma-se, aqui, o que Humboldt havia constatado no percurso das


representações das visões de mundo. A paisagem, enquanto fato humano, tem
uma história efêmera e pertence a um momento específico da sociedade moderna.
Seu surgimento e desaparecimento como representação autonôma podem indicar
os pressupostos e limites de sua existência.
“A pintura de paisagem marca as fases de nossa concepção da Natureza. O seu
aparecimento e desenvolvimento desde a Idade Média é parte de um ciclo no qual o espírito

127
SÜSSEKIND. 2000. p. 122. op. cit.
128
CLARK. 1949.p. 164. op.cit.
humano tenta mais uma vez criar harmonia com aquilo que o rodeia. O ciclo precedente, o
da Antiguidade mediterrânica, estivera tão profundamente impregnado do sentido grego de
valores humanos, que este conceito de natureza tinha desempenhado um papel secundário.
O pintor helenístico, com sua visão penetrante dirigida para o mundo visível, desenvolveu
uma escola de pintura da paisagem; mas até onde podemos julgar, pelos poucos
fragmentos que chegaram até nós, a sua habilidade para registrar efeitos de luz era usada
principalmente para fins decorativos. Apenas a série de Odisseu, no Vaticano, sugere que a
paisagem se tinha tornado um meio de expressão poética, e até nesse caso os elementos de
paisagem são simples cenários, como o é a paisagem na própria Odisseia.”129

O aparecimento da paisagem130 está, segundo Clark, fixado em algum


momento da Idade Média, mas como vimos, só no século XVII ela irá
ganhar autonomia. Logo, estamos falando do surgimento de uma forma
embrionária em desenvolvimento. O detalhamento da origem desse
processo indica-nos as condições em que foi possível ao homem defrontar
com o mundo na forma da paisagem.
“Mas cerca do ano de 1420, uma mudança na acção da mentalidade
humana,exigindo um novo sentido de unidade, fechou o espaço. Dando grande amplitude
ao sentido do termo ,podemos chamar científica a esta nova maneira de encarar o mundo,
pois implica um sentido de relação e comparação, assim como de medida, sentidos esses
em que se baseia a ciência. Mas antecipa-se em quase duzentos anos ao verdadeiro surto
da ciência, e encontramo-la na obra de artistas que não parecem ter-se preocupado com as

129 CLARK. 1949.p. 19. op.cit

130
Rilke compartilha dessa diferença entre nós e a Antiguidade:

“Man wei so wenig von der Malerei des Altertums; aber es wird nicht zu
gewagt sein anzunehmen, da sie die Menschen sah wie spätere Maler die
Landschaft gesehen haben”.RILKE. 1965. p.516. op. cit.

“Sabe-se tão pouco sobre a pintura da Antiguidade, mas não constitui uma
aventura supor, que ela viu o homem como, posteriormente, o pintor viu a
paisagem.”
matemáticas da perspectiva, em Fra Angelico e nos iluministas do Norte. E então está
combinado com outro meio unificador a luz.”131

Enquanto expressão, a paisagem pertence ao movimento da própria


totalidade social em constituição. Seu pressuposto matemático está ligado
ao desenvolvimento da perspectiva e à compreensão do fenômeno da luz.
Imbricam-se, aí, o fenômeno do posicionamento do homem no mundo e as
regras para sua visão. Que essas regras recaiam sobre a matemática
geométrica indica-nos que foi preciso um processo de educação desse
sentido.
“E sempre de novo, mostra-se a grande utilidade da matemática para a formação
espiritual e para a arte desses Mestres. Um exemplo destacado disso é Piero della
Francesca, o artista que deve er sobretudo mencionado depois de Brunelleschi e Alberti. ‘Il
monarca della pintura dei nostri tempi’, assim o denomina Luca Pacioli. Ele é o pintor que se
aproxima ao máximo a Leonardo da Vinci em profundidade e nível espiritual. Pela metade
do Quattrocento ele apresentou um tratado sobre a perspectiva.”132

Mas não podemos reduzir a paisagem à perspectiva. Duas observações


indicam isso. A primeira, refere-se ao fato de que nem todo fenômeno em
perspectiva torna-se paisagem, pois se assim o fosse, o interior de uma
catedral ou de uma casa poderia ser considerada enquanto tal. A paisagem
requer o mundo ao “ar livre”. Sua existência possível está em
determinados lugares do mundo e, só nesses lugares, pode o homem
alcançá-la. A segunda observação indica-nos o pressuposto do observador.
Só a internalização da abstração permite ao homem produzir-se como
paisagem. Esse pressuposto coloca-nos frente à necessidade de localizar
melhor essa condição.
“Ruskin, no terceiro volume de Modern Painters distingue três classes de percepção:
‘o homem com uma percepção perfeita, porque não sente, e para quem um miosótis é muito
concretamente um miosótis, porque não o ama. Em segundo lugar, o homem cuja percepção
é errada porque sente, e para quem um miosótis é algo mais do que um miosótis: uma

CLARK.
131 . 1949. p. 3
4. op. cit.
estrela, um sol, o esconderijo de uma fada, ou uma donzela abandonada. E finalmente, vem
o homem cuja percepção é correcta apesar dos seus sentimentos e para quem um miosótis
não é mais que um miosótis: uma pequena flora apanhada numa campina e elemento dela,
quaisquer que sejam as associações e paixões que possa sugerir’”133.

Nesta formulação que Clark nos apresenta, verificamos que a postura do


observador está diretamente ligada à sua sensibilidade. Essa condição
indica-nos uma transformação no âmago do homem, em seu núcleo
sensível. Essa nova disposição para o encontro do mundo está ligada,
internamente, ao que afirmamos no capítulo precedente. Trata-se da
formação de uma sensibilidade abstrata, de uma possibilidade de ver e
sentir de forma totalmente diferente.
“Noch hat niemand eine Landschaft gemalt, die so ganz Landschaft ist und doch so
sehr Geständnis und eigene Stimme wie jene Tiefe hinter der Madonna Lisa. Als ob alles
menschliche in ihren unendlich stillen Bildnis enthalten sei, alles andere aber, alles was vor
dem Menschen liegt und über ihn hinaus, in diesen geheimnisvollen Zuzammenhängen von
Bergen, Bäumen, Brükken, Himmeln und Wassern. Diese Landschaft ist nicht eines
Eindrucks Bild, nicht eines Menschen Meinung über die ruhenden Dinge; sie ist die Natur
die entstand, Welt die wurde und dem Menschen so fremd wie der niebetrene Wald einer
unentdeckten Insel.“134

Para que essa misteriosa conexão estética das coisas tomasse corpo na
mente do homem foi preciso que a nova sensibilidade ganhasse forma
estética também. A contemplação estética do mundo exige que o homem se
produza como possibilidade estética e isso impõe uma profunda
transformação na forma de pensar e sentir. Podemos tentar, então,
estabelecer uma correlação entre a noção do belo natural e da paisagem.

132
SOHN-RETHEL. 1989. p. 61. op. cit.
133
CLARK. 1949. p. 45. op.cit
134
“Ninguém havia ainda pintado uma paisagem que fosse toda paisagem e, ainda mais,
confissão e voz própria. como aquela profundidade atrás da Mona Lisa. Como se toda
humanidade em sua ilimitada figuração fosse contida e acalmada, mas, sobretudo, tudo o
que estava perante o homem e além dele, nessas misteriosas conexões da montanhas,
árvores, pontes, céu e água. Essa paisagem não é uma imagem de impressão, não uma
opinião do homem sobre as coisas silenciadas, ela é a natureza que surge, mundo que
torna-se ao homem tão estranho como a floresta impenetrável de uma ilha misteriosa.”
RILKE. 1965. p. 520. op. cit.
“O que na natureza surge como subtraído e rebelde à história pertence
polemicamente a uma fase histórica em que a trama social era tecida de modo tão denso
que os vivos temiam a morte por asfixia. Nos períodos em que a natureza se contrapõe com
sua omnipotência aos homens, não há nenhum lugar para o belo natural; as ocupações
agrícolas, para as quais a natureza presente é objecto imediato de acção, têm, como se
sabe, pouca sensibilidade para a paisagem. O belo natural, pretensamente a-histórico,
possui o seu núcleo histórico; isso legitima-o tanto como o relativiza o seu conteúdo. Onde a
natureza não era relmente dominada, a imagem da sua não-dominação suscitava o terror.
Daí, a predilecção durante muito tempo surpreendente pelas ordenações simétricas da
natureza.”135

Encontra-se o pressuposto material de toda representação que temos


pensado: a dominação da natureza. Só essa determinação permite que a
contemplação ganhe dimensão na totalidade social e figure-se, por
exemplo, no belo natural e, também, como paisagem. Essa relação interna
entre sociedade moderna e natureza desenvolve-se aparentemente como
separação e distanciamento. A separação implica a forma do domínio, seu
contrário como maior dependência e, na forma da contemplação, seu
distanciamento e formalização. Trata-se, portanto, de forma contraditória.
“Pois, em qualquer experiência da natureza está envolvida toda a sociedade. Não só
ela desenvolve os esquemas da percepção, mas estabelece de antemão, por contraste e
semelhança, o que se chamará respectivamente de natureza. A experiência da natureza
constitui-se simultaneamente mediante o poder de negação determinada. Com a expansão
da técnica, e mais ainda com a propagação da totalidade do principio de troca, o belo
natural torna-se cada vez mais sua função contrastante e integra-se na essência reificada e
combatida.”136

Essa confluência moderna entre homem e natureza na forma do belo natural


implica uma dificuldade para a análise, pois escapa ao movimento de definição
objetiva da percepção subjetiva. Embora possa ser definida no movimento
histórico da sociedade moderna, tal noção leva-nos a intuir, junto com Adorno,
que sua realização aparece mais como generalização da experiência do que uma
experiência generalizada.

135 ADORNO.1982. p. 81. op. cit.


136
ADORNO.1982. p. 84. op. cit..
“Quanto mais intensamente se contempla a natureza, tanto menos se penetra na
sua beleza, excepto se ela expontaneamente já coube em sorte a alguém. Vã é, quase
sempre, a visita intencional de pontos de vista famosos dos miradouros do belo narural. A
eloquência da natureza é prejudicial a objectivação, que a contemplação atenta leva a
efeito; no fim de contas, o mesmo vale também pra as obras de arte, que só são
inteiramente perceptíveis no temps durée, cuja concepção provém, em Bergson, da
experiência artística.”137

Assim, ao mesmo tempo em que afirma a precedência do belo para a


contemplação da natureza, o mesmo movimento nega sua possibilidade, a não ser
como simulacro ou representação figurada. Antes de ser uma experiência do
sujeito contemplador, o belo transfigura-se no movimento de negação do próprio
sujeito. O irreconhecível do mundo como paisagem deve-se à ausência
dessa “durabilidade do tempo” destruída na qualidade abstrata do ritmo
burguês. Homem e mundo não se encontram mais como paisagem ou não
se paisagiza mais o mundo, a não ser como toda representação duplicada.
“Belo, na natureza, é o que aparece como algo mais do que o que existe literalmente
no seu lugar. Sem receptividade, não exisitiria uma tal expressão objectiva, mas ela não se
reduz ao sujeito; o belo natural aponta para o primado do objecto na experiência
subjectiva.”138

Daí, repetimos, a dificuldade de sua definição, caracterização e


experimentação. Toda pretensão de fixar o belo na natureza, seja com quais
critérios, esbarra na impossibilidade do corte objetivo. As definições que se
apresentam movimentam-se entre os pólos da relação sujeito-objeto, mas
dificilmente fixam-se como qualidade da própria relação.
“Quem fala do belo natural coloca-se à beira da pseudopoesia. Apenas o pedante se
atreve a distinguir na natureza o belo e o feio, mas sem tal distinção o conceito de belo
natural tornar-se-ia vazio. Nem as categorias como as de grandeza formal - que contradiz a
percepção micrológica do belo na natureza, mesmo a mais autêntica - nem como imaginava
a estética antiga, as relações matemáticas de simetria fornecem critérios do belo natural” 139

Novamente compartilhando a leitura de Adorno, o que pode ser fixado como


belo natural e, por correlação, como um momento da paisagem, situa-se nos

137
ADORNO. 1982. p. 86. op. cit.
138
ADORNO. 1982. p. 87. op. cit.
139
ADORNO. 1982. p. 87. op. cit.
interstícios dos resíduos da forma social moderna, isto é, numa forma produzida
só capturada, plenamente, como redução da representação. Trata-se de uma
relação que permanece difusa no movimento da história e resiste à tentativa de
domesticação que suas próprias possibilidades pressupunham. Daí sua
existência aparecer como raridade e potência inconclusa.
“No entanto, não se condena sem mais a categoria do belo natural. A tendência para
falar da natureza é mais forte onde sobrevive o amor por ela. A expressão ‘Que Belo’
perante uma paisagem fere a sua linguagem muda e diminui a sua beleza; a natureza
fenomenal quer silêncio, enquanto este impele aquele que é capaz da sua experiência a
proferir palavras que, momentaneamente, libertam da prisão monadológica. A imagem da
natureza sobrevive, porque a sua perfeita negação no artefacto, a qual salva esta imagem,
torna-se necessariamente cega quanto ao que estaria para lá da sociedade burguesa, do
seu trabalho e das suas mercadorias. O belo natural permanece alegoria deste para-lá,
apesar da sua mediação através da imanência social. Mas, se esta alegoria for
erradamente considerada como o estado de reconciliação alcançado, degrada-se em meio
de emergência para mascarar e justificar o estado irreconciliado em que, no entanto, tal
beleza é possível”140

Portanto, distingue-se a existência enquanto tal do fenômeno do belo e, para


nós, da paisagem, e suas formas representativas, como por exemplo, as
apropriações artísticas. Tais representações da forma que situam-se no âmbito da
representação moderna implicam a necessária redução que ganha várias
tonalidades.
“A arte representa a natureza mediante a sua eliminação in effigie; toda a arte
naturalista só falaciosamente se aproxima da natureza porque, tal como a indústria, a
reduz a matéria prima”141

A tonalidade falaciosa da representação da natureza assume um caráter


caricatural, quando pretende tornar-se uma mercadoria capaz de
comunicar o belo. Toda pretensão de identidade desaparece e torna a
separação absoluta. Reaparece, apenas, como reprodução ou imagem
espetacular do impossível.
“O ponto de fuga deste desenvolvimento, sem dúvida apenas um aspecto da nova
arte, é o conhecimento de que a natureza, enquanto bela não se deixa reproduzir. Pois, o

140
ADORNO. 1982. p. 85. op. cit.
141
ADORNO. 1982. p. 82. op. cit.
belo natural enquanto fenómeno é ele próprio imagem. A sua representação tem algo de
tautológico que, ao objetivar o fenómeno, o faz simultaneamente desaparecer.”142

É diante dessa constatação que comparece, no próprio movimento da


pintura, a necessária ultrapassagem da paisagem. Se foi em meados do
século XV que a paisagem fixou-se como possibilidade, podemos verificar
que sua impossibilidade começa a ganhar forma no século XIX143.
“Foi Monet, o verdadeiro inventor do impressionismo, que teve a coragem de levar as
suas doutrinas até às últimas consequências. Não contente com o brilho da paisagem da
Riviera, tentou provar que o objecto pintado não tinha importância e que o único tema
verdadeiro era a sensação de luz.”144

A paisagem começa a perder sua importância. O mundo torna-se mais abstrato


que sua representação e necessita de outra expressão. A paisagem já não figura
como possibilidade. Torna-se Sua existência futura, enquanto representação,
torna-se caricatura e, enquanto relação, raridade. Enquanto momento do
processo de abstração, a existência da paisagem em sua efemeridade,
indica-nos que esse processo esteve e está em movimento. Não por acaso
desenvolve as representações que tomarão o abstrato como realidade.
Antes de ser uma fuga para frente, pensamos trata-se do encontro da
expressão com sua própria realidade.
“E embora Mondrian, o pintor que atingiu a mais pura de todas as abstracções, nos
diga que elaborou algumas das suas obras originais a partir de ondas e praias, não
podemos considerar sèriamente as formas mais austeras da arte abstracta como uma base
possível para a pintura de paisagens.” 145

Logo, não se trata de um movimento isolado de grrupos ou de genialidades


dispersas, mas do movimento dos fundamentos sociais que relaciona-se, por

142
ADORNO. 1982. p. 83. op. cit.
143
“mas o verdadeiro domínio da especialização era evidentemente a ciência. Tomemos um exemplo da
própria ciência. Até cerca de 1820 os livros científicos eram belamente impressos e as suas ilustrações
destinavam-se tanto a agradar à vista como a esclarecer o texto. Então, gradualmente, à medida que os
problemas da ciência se tornavam mais rigorosos, as gravuras transformaram-se em diagramas. A decoração,
que agrgadava à vista, era supérflua e portanto inútil nas considerações científicas.” CLARK. 1949. p.
173. op. cit.
144
CLARK. 1949. p. 122. op.cit.
145
CLARK. 1949. p. 172. op.cit.
exemplo, com o surgimento das técnicas de uma forma geral e da
fotografia, como técnica da produção de imagens.
“Características estruturais, tecidos celulares, com os quais operam a técnica e a
medicina, tudo isso tem mais afinidades originais com a câmara que a paisagem
impregnada de estados afetivos, ou o retrato que exprime a alma do seu modelo.” 146

Esse “amadurecimento” da percepção indica que o movimento iniciado no


alvorecer do renascimento ganhava novas qualidades que pressupunham a
destruição de outras. A filiação solidária desse novo momento ao conjunto de
seus pressupostos parece indicar que se trata de uma nova adequação, tanto do
homem quanto do mundo.
“No momento em que Daguerre conseguiu fixar as imagens da câmera obscura, os
técnicos substituíram, nesse ponto, os pintores. Mas a verdadeira vítima da fotografia não
foi a pintura de paisagem, e sim o retrato em miniatura.” 147

Novamente, podemos afirmar que o movimento atinge amplamente os


fundamentos da concepção de mundo. A afirmação de Benjamin é instigante. A
primeira vítima da fotografia é o próprio homem. A paisagem tornar-se uma
impossibilidade é fácil prever a partir deste fato.
“A difusão da fotografia, que, como disse, não teve influência positiva no nascimento
do naturalismo, pode ter representado uma certa influência negativa na sua morte. É
verdade que no período em que a paisagem fotográfica se tornou uma prática usual, todos
os impressionistas haviam deixado de pintar à meneira fotográfica”148.

A transformação na disposição do observador indica que o mundo já se


distanciava daqueles pressupostos que Humboldt ainda cultivava. O olhar já está
frio para a paisagem. Benjamin comenta a partir de Goethe que há uma forma de
observação terna149 que se “identifica intimamente com o objeto e com isso
transforma-se em teoria”. Que outra postura para o observador que queira

146
BENJAMIN. 1993. p. 94. op. cit.
147
BENJAMIN. 1993. p. 97. op. cit.
148
CLARK. 1949. p. 167. op.cit.
149
“Antes de baixar dessas magnificas alturas para o lago e a cidade graciosamente situada, devo fazer
ainda alguns comentários sobre as minhas tentativas de tirar proveito daquelas paragens mediante desenhos
e esboços. O hábito, que eu tinha desde a infância, de encarar a paisagem como um quadro, levava-me – já
que, na natureza, eu percebia uma região sob a forma de imagens – a procurar fixá-las e guardar uma
lembrança exata desses instantes. Mas, como até então só me exercitara em temas limitados, não tardei a
sentir a minha insuficiência em face de um mundo como aquele.”(Goethe: 1986, 2º vol. p. 566.op. cit.)
encontrar-se com uma paisagem que não essa. A observação terna torna-se
contemplação que torna-se teoria que torna-se paisagem.

Como afirmamos, esse movimento da paisagem é histórico e pôde ser datado


em limites amplos. Isso não impede que sua forma permaneaça no conjunto das
representações. Ainda hoje, podemos acompanhar autores que se dedicam à
paisagem. Muitos a procuram no passado e tentam atualizá-la como esperança150
ou produzí-la segundo outras determinações.
“Para Coimbra, interessa construir uma situação plástica em a paisagem dialóga
diretamente com a construção da imagem. Entretanto, ,movendo-se além do simples
registro, a imagem liberta-se de seu referente (o lugar original, ‘único’, vivenciado] para
originar uma espécie de objeto geológico construído a partir da multiplicação das formas de
olhar. Suas light boxes apontam para uma paisagem que contém sua própria luz (e que não
é passivamente iluminada por ela], o que permite lançar-se virtualmente como novo objeto
no espaço”151

Independente das releituras e das novas leituras da paisagem,


pensamos poder afirmar que tal permanência indica, de vários modos, a
importância que ainda essa questão suscita em quem se defronta com o
mundo. O esforço da representação ou mesmo da desconstrução da
paisagem152 indica-nos, também, que seu enigma permanece latente e
coloca a antiga questão da esfinge a Édipo no cerne do problema.

Podemos afirmar, sem receios, nossa posição: a paisagem é silêncio.

150
Ver as pinturas Zavagli no anexo IV.
151
BASBAUM.1999. p. 5. op. cit.
152
Ver, no anexo IV, a obra “Asteróide #3, de Coimbra.
CONSIDERAÇÕES FINAIS: Paisagem e Geografia.

“Apenas a representação pode dar à realidade um


aspecto real, uma vez que a realidade não está embutida
em si mesma, mas no interior da representação. A
realidade é muito mais abstrata que a representação.”
(Yukio Mishima – Cores Proibidas)

Primeira consideração: a diacosmese de Humboldt.


A proposição de uma diacosmese, na forma do Kosmos, possibilitou-nos
verificar as intenções, interesses e possibilidades de um momento da
produção do conhecimento moderno. Este é o terreno onde, pensamos,
situa-se a determinação da obra de Humboldt. As leituras particulares,
imputativas, regionalistas, laudatórias que, em alguma medida,
contribuem para o contato com a produção de Humboldt, contém uma
tensão latente. Não alcançam o estatuto da Obra. Independentemente das
particularidades presentes e das interessantes produções derivantes,
registra-se, apenas, um encontro interno à obra.

Defendemos que o contato entre leitor e obra passa pela externalidade


presente. A obra identifica-se com seu leitor no encontro da unidade dos
contextos que pressupõe a disposição e a possibilidade da escrita e da
leitura. Vivemos, ao que parece, um período de supressões: produção de
supressões. Nossa diacosmese, se assim ainda pode ser denominada, não
encontra, na forma humana, a possibilidade da ordem, mas as caricaturas
formal, autoritária e abstrata. Como conectar dois movimentos tão
distintos e tão iguais da diacosmização humana? Iguais nos pressupostos
abstratos da perspectiva e distintos na qualidade da figuração. Iguais nos
pressupostos do ritmo e distintos na qualidade da composição. Iguais e
distintos em tantas determinações.

Nesse sentido, o Kosmos apresenta-se, para o leitor contemporâneo,


com três características fundamentais. Em primeiro lugar, trata-se de um
registro atualizado do seu tempo cuja função era compilatória: reunir as
informações do devir científico. A segunda característica apresenta-se na
forma da síntese. Superando a forma compilatória, o Kosmos estabelece
um quadro de referências teóricas e metodológicas para o posicionamento
das informações. Derivam dessa característica as proposições éticas,
metafísicas e morais. Como terceira característica, o Kosmos agrega uma
função pedagógica. Humboldt participa, não só do fazer científico, mas do
movimento de sua divulgação e popularização153. Embora nunca tenha
sido professor no sentido institucional, Humboldt exerceu uma forte
influência na forma da produção do conhecimento. Suas incontáveis
conferências a públicos diversos penetram o caráter do Kosmos e deita aí o
teor da preocupação em alcançar o maior número de pessoas e em ensiná-
las uma forma de ver o Mundo.

Trata-se, portanto, de ler o Kosmos como leitura de seu próprio tempo.


Só assim, podemos encontrar as contribuições para a leitura de nosso
tempo.

A antiga proposição de cosmo desafia-nos. Humboldt ousou realizar


uma tentativa, bem sucedida, de encontro entre Homem e Mundo.
Podemos dizer que, alí, a presença humana, na forma da escala, era o
termo definidor da relação. Que esta possibilidade fosse parte do
movimento da própria sociedade moderna, só o seu devir poderia indicar.

Segunda consideração: Humboldt e a paisagem.


Constatamos duas possibilidades interpretativas na obra de Humboldt,
as quais são, em síntese, as opções modernas para a compreensão da
paisagem. Ambas, como demonstramos, pertencem ao mesmo processo e
só aparentemente configuram-se como contrárias no plano da

153
Nesse sentido, Humboldt compartilha das aspirações, por exemplo, de seu irmão Wilhelm em promover
o ensino científico na Alemanha. Wilhelm von Humboldt criou, em 1810, a Universidade de Berlim, em que
se realçava a importância da investigação científica.
representação fenomênica. Como formas do processo cindido, participam
do movimento moderno de formação do sujeito e do mundo.

A forma central da abordagem da paisagem em Humboldt é a conceitual


abstrata. Caracteriza-se pela hegemonia da análise, pela interpretação
conceitual científica, pela presença da nomenclatura classificatória e
sistemática, pela decomposição em elementos, pela subordinação do belo
ao pragmático, da arte à ciência, tal como foi apresentado no capítulo dois
e na questão da subordinação da pintura da paisagem à ciência no
capítulo três.

Porém, essa forma convive com aqueles momentos em que há a


suspensão da atividade da análise para o encontro estético com o mundo.
Aí, configura-se uma outra representação da paisagem, caracterizada pelo
impulso emotivo154 que alcança e produz outras formas de representação,
inclusive o contato sensível com a paisagem. Tais momentos, pela própria
característica do período e da obra são mais raros no Kosmos, mas
possibilitam a constatação de que Humboldt não desconhecia a
possibilidade da paisagem na forma sensível, mediada pela contemplação,
pelo vislumbre, pela estase e pelo êxtase. Apresenta-se, esta, sob a forma
da descrição, em ato, na figura da narrativa em primeira pessoa.

Em qualquer forma, temos a representação da representação. A


paisagem só surge no mundo como forma de representação. A
representação da paisagem em sua forma original pertence ao mundo da
sensibilidade e constitui parte integrante da formação do observador
moderno, daí sua mais presente figuração, como segunda representação,
ser a pintura. Seu caráter mais envolvente é o pedagógico.

Mas, mesmo como representação, a paisagem resiste ao movimento de


dupla representação. Todo movimento da segunda representação da

154
"Nada conseguirá apagar jamais a emoção que me fizeram sentir as noites serenas dos trópicos, nas
margens do mar do sul, quando, do azul vaporoso do céu, a alta constelação Argus e a Cruz, inclinada
paisagem significa a ausência de sua primeira representação. Portanto, a
paisagem é irredutível e só pode se constituir como relação e movimento
da efêmera contemplação. Pode-se pintá-la, descrevê-la, cantá-la, analisá-
la, mas não, torná-la presente. As formas da segunda representação são de
caráter pedagógico ou de caráter metafórico e tornam-se mais próximas ou
não da forma da primeira representação na medida da conveniência e do
suporte da linguagem.

Terceira consideração: a paisagem e o empirismo.

Encontramos, com mais freqüência, a associação, por conveniência


metodológica, da paisagem ao empírico e vice-versa. Porém, cabe ressaltar
que se trata do empírico enquanto produto do empiricismo. Aí, a paisagem
subordina-se ao nível do empírico apenas por conveniência e não por ser
determinada no nível empírico enquanto objeto individualizado passível de
ser sentido, visto, tocado, cheirado, etc. Aqui, defendemos que a paisagem
é um fato do nível empírico: uma representação empírica. Mas, para a
compreensão dessa consideração, devemos indicar que o próprio nível do
empírico transformou-se radicalmente no mundo moderno. Restaria,
finalmente, constatar a produção da paisagem como fato empírico e a sua
transformação no devir do próprio empírico.

A antiga definição de Empireo155, tal qual a vemos no Paraíso de Dante,


caracteriza-se por ser um “lugar” separado qualitativamente do mundo
terreno, a morada dos deuses e santos. Suas qualidades diferem tanto da
nossa que, em Dante, vemos que o poeta precisa permanecer cego durante
um tempo para se acostumar ao que iria ver, já que a luz alí resplandece
com a presença do divino.

relativamente ao horizonte, despediam a sua luz doce e planetária, ao mesmo tempo em que os delfins
traçavam a sua esteira brilhante nas ondas do mar espumante."( QN – v. II. p.278)
155
“Empíreo. [do gr.empeirikós, do lat. empiricu.] S. m.
Mitol. 1. Morada dos deuses. 2. A morada dos Santos e Bem-aventurados; o Céu; adj. 3. Pertencente ou
relativo ao Céu; celeste. 4. Supremo, superior.
Se observarmos a definição usual e atual de empírico 156, notamos que a
forma terrena ocupa o conteúdo do termo e mais, não como se os deuses e
santos resolvessem, de repente, migrar para estas plagas, mas pela
consideração de um nível da realidade sem qualidades importantes, pelo
menos para a ciência. Daí, comportar, entre outros, o significado de
charlatanice.

O movimento de tal processo, como já afirmado, define-se no


aprofundamento da abstração real e suas formas representativas. Nesse
processo, tomou-se, em amplo termo, o mundo como um dado objetivo e
transparente para apreciação, consumo, observação, deleite pelo sujeito,
igualmente objetivo e transparente. Tanto o mundo munda em homem
como o homem munda em mundo. Essa proposição é mais afirmativa
quando pensamos na constituição da moderna sociedade. Aí, encontram-
se produzidos e desenvolvidos pressupostos que estavam apenas
rascunhados nas culturas. Tais pressupostos constituem as possibilidades
de pensar e sentir. A idéia de um mundo transparente constitui-se apenas
em articulação ideológica que faz do conhecimento indefinição pendular
entre homem e mundo.

As proposições objetivas ou perceptivas que vão do mundo ao homem ou


vice-versa sem a compreensão do “termo-médio”, ignoram que é daí que
todo conhecimento emerge. Essa terra média do conhecimento, para o
mundo moderno, é a abstração. Só quando o filho se vê despojado da mãe,
funda-se naquele o conhecimento edipiano, macho e adulto, da fundição
cindida com o mundo. A constituição do pensamento abstrato é
fundamental para a sociedade moderna e tem seu percurso previsível. O
que é notável, para alguns inconcebível, é a constituição de uma

156
Empírico. [do gr. Empeirikó, pelo lat. empiricu.] Adj.
1. Relativo ao, ou próprio empirismo. 2. Baseado apenas na experiência e, pois, sem caráter científico. 3.
Filos. Diz-se do conhecimento que provém, sob perspectivas diversas, da experiência. 4. Indivíduo empírico
(2); charlatão.
sensibilidade igualmente abstrata. E se formos decididamente rigorosos,
havemos de decidir que a segunda formulação funda a primeira. Isso só foi
possível quando uma forma cultural se desenvolveu contra si mesma
tornando-se forma social.

Emergem daí, duas formas abstratas de representação da representação


na forma paisagem.

A forma sensível abstrata como conjunto das representações que se


distanciam do Mundo pela aproximação relativa às qualidades do
fenômeno, por exemplo, a pintura de paisagem na forma clássica.

A forma conceitual abstrata como conjunto das representações que se


aproximam do Mundo pelo distanciamento relativo das qualidades do
fenômeno, por exemplo, a ciência moderna.

Quarta consideração: Paisagem e Geografia.

No encontro com as formas contemporâneas do uso da paisagem na


Geografia observamos que suas características estão circunscritas no
limite do conceitual abstrato de pretenso caráter empírico-visual,
cumprindo funções metafóricas ou didáticas no plano metodológico. Os
usos metafóricos aproximam-na das noções de região, área, lugar, sistema,
território, meio, ambiente, espaço, natureza. O uso didático aparece,
muitas vezes, imbricado aos metafóricos e pode ser resumido na definição
de paisagem como tudo o que se vê. Seu uso torna-se base de um
procedimento de interpretação semiótica de caráter indicial, isto é, trata-se
de um conjunto de signos que devem ser interpretados a partir de um
sistema de referência. Nesse caso, muitas vezes, compreendido como
relação entre essência e aparência, a paisagem ocupa o momento da
aparência, resultado do processo no plano da essência. Em ambos os
casos157, o compromisso do termo com o conceito no plano ontológico e
histórico desaparecem.

Poderíamos, ainda, considerar a aproximação fenomenológica como uma


tentativa de relativização desse pressuposto “concreto” da paisagem a
partir de uma perspectiva culturalista que atribuiria valores ao “meio
físico” constituindo assim a paisagem como relação homem-mundo.158
Nesse caso, ignora-se que a paisagem não é um fato de qualquer cultura
ou de indivíduos perceptivos isolados, mas produto específico e
característico da sociedade moderna e de alguns indivíduos da forma
sujeito moderna.

Embora possíveis e legítimos, tais usos revelam que o uso conceitual do


termo paisagem na geografia não foi reconstruído a partir de sua presença
na história. Revela-nos, também, que entre as opções modernas, o
encontro da Geografia com o mundo da sociedade caminha na direção da
supressão das qualidades sensíveis e na adequação do mundo abstrato ao
conceito abstrato de sujeito.

Quinta consideração: o observador ou o guardador de rebanhos.

Se considerarmos a posição do conceito pelo estatuto da presença da


dominação do senhor, tal e qual considera a “dialética do esclarecimento”,
devemos poder, também, considerar o observador na forma visual do
dominador. Se a forma do conceito pressupõe o destacamento do poder, a
forma do observador pressupõe a elevação “topográfica” do indivíduo. Em

157
Um quadro resumido desses usos pode ser observado n'A Natureza do Espaço, de Milton Santos:
“Paisagem e espaço não são sinônimos. A paisagem é o conjunto de formas que, num dado momento,
exprimem as heranças que representam as sucessivas relações localizadas entre homem e natureza. O espaço
são essas formas mais a vida que as anima.(...)
A palavra paisagem é freqüentemente utilizada em vez da expressão configuração territorial. Esta é o
conjunto de elementos naturais e artificiais que fisicamente caracterizam uma área. A rigor, paisagem é
apenas a porção da configuração territorial que é possível abarcar com a visão. (...) A paisagem é, pois, um
sistema material e, nessa condição, relativamente imutável; o espaço é um sistema de valores, que se
transfoma permanentemente.”(SANTOS:1997. p. 83. op. cit.)
termos modernos, tal elevação torna-se abstração, isto é, reunem-se
conceito e realidade na figura do observador. A hegemonia do olhar aponta
para isso.

Os sistemas de observação, desde a prescrição analítica até o constructo


semiótico pautam-se na autonomia do observador. Mas, se como
demonstramos, o observador moderno carrega em sí a forma abstrata do
ver, sua possibilidade de representar o que vê está pressuposta. A
paisagem, produto desse processo, não encontra mais lugar no olhar do
observador moderno, a não ser na forma da segunda representação.

Mas o observador não é um ser etéreo, autônomo e disciplinador, como


gostaria de ser. O resíduo sensível do mundo contém sua própria
disciplina, forma e lei. Suas quadrículas, na forma de objetos, se
ordenaram, temporalmente, antes do sujeito observador.

Essa forma anterior perpassa o produto da materialidade espacial e


transforma-se em conteúdo para a forma pressuposta que conforma a
figuração. Essa diacosmese de caráter abstrato-estético, em seu
movimento de permanente auto-superação sem limite, dissolve as “velhas”
formas. Coloca, como realidade espetacular, sua própria forma de
realidade. Produz o visível, a didática do ver e a expressão do visto.

Portanto, trata-se de corresponder o visível ao ver. A forma do


observador, derivada da forma sujeito, é a forma didática da sociedade
moderna se ver.

Não por acaso, o debate sobre a posição do sujeito, enquanto


observador, ganha evidência no cenário contemporâneo. A emergência dos
instrumentos de sensoriamento remoto, atualizações do telescópio,
implica, no âmago do sujeito, a sua própria redefinição. É interessante que
o encontro de vinte estudiosos de vários campos do conhecimento, num
esforço interdisciplinar, tenha confluído para as questões epistemológicas

158
Uma perspectiva dessa posição pode ser observada em HOLZER, W.; Um Estudo Fenomenológico da
da observação e estabelecido a centralidade do conceito de co-
emergência159 para essa reflexão.

Se acrescentarmos que a co-emergência está inserida num determinado


movimento de pensamento e conhecimento, torna-se mais plausível
afirmar que a paisagem tem seu núcleo ontológico na forma moderna de
pensar e sentir. Portanto, o estatuto ontológico empírico da paisagem,
como já demonstrado, não está no mundo pressuposto como real nem no
homem pressuposto como sujeito, mas na conexão (Zusammenhang) ou
síntese (Zusammenschau) entre as possibilidades de ambos na forma de
uma sociedade específica.

Mas nem o observador e nem a paisagem são formas necessárias160


desse processo. O desaparecimento de seus pressupostos indica isso. E
podemos dizer que o desaparecimento dos pressupostos localiza-se,
predominantemente, no pólo humano da relação, portanto no
desenvolvimento da forma sujeito da sociedade produtora de mercadorias.
Isso implica dizer que a forma abstrata da sociedade moderna se
desenvolveu dissolvendo algumas das qualidades que seu processo havia
posto, no caso, as do sujeito.

Paisagem e do Lugar: A Crônica dos Viajantes no Brasil do Século XVI. Tese de Doutorado. USP. 1997.
159
“Para a crítica de uma epistemologia que confere ao observador externo a autoridade de ‘impor’ sua
própria visão do mundo dos objetos, para o nosso movimento intelectual, por assim dizer, longe do
observador, foi sintomático que nos tenhamos concentrado, desde o começo, em uma possível transição entre
o conceito de ‘emergência’ e o conceito que representa a posição oposta à do observador, ou seja, o conceito
grego antigo de ‘fenômeno’ (de ‘phaineim’ que significa ‘aparecer, mostrar’). Que processos, perguntamos,
estão em ação quando sentimos que um fenômeno se nos demonstra? Pode-se de fato dizer que um fenômeno
é por definição algo emergente, no sentido de que adquire aparência e emerge como presença material e
espacial? E será que isso implicaria que o processo de produção do conhecimento, ao contrário de nossa
posição atual predominante, começa na ponta do objeto e se desenrola a seguir como processo de emergência,
e não de produção? Alguns de nós queríamos chegar ao ponto de dizer, talvez, que os fenômenos pelos quais
nos deixamos fascinar sempre nos elegeram, em lugar de nós os termos construído. Mas havia um consenso
muito mais amplo quanto à premissa de que os fenômenos têm tanto impacto sobre seus observadores quanto
a observação, por estes, inevitavelmente altera o fenômeno. Isso significa, no entanto, que qualquer produção
de conhecimento ocorre como uma co-emergência do fenômeno em questão e de seu observador.” McLEOD.
2002. p. 6. op. cit.
160
‘”Necessidade é uma categoria abstrata que indica uma relação necessária e essencial entre dois termos”.
(Hegel: 1966. p.86 op. cit.)
Sexta consideração: A presença da paisagem.

Há duas possibilidades para o encontro da paisagem no seu plano


ontológico. A primeira situa-se ao nível da segunda representação e figura
através dos mais diversos meios de expressão. Apresentamos, em anexo,
algumas cópias de pinturas de paisagem que contém alguns dos seus
pressupostos. Pode-se constatá-la, também, na literatura de uma forma
geral. Em romances, poesias e contos aparece a possibilidade de
composições em que autores e personagens demonstram tal encontro.
Também na filosofia e ciência tais possibilidades e presenças podem ser
constatadas. A análise do Kosmos permitiu demonstrar isso.

Em se tratando da paisagem ao nível da primeira representação, apenas


observador e mundo podem realizá-la. E para tal, só o homem que se
disponha a tal pode realizá-la e, se quiser, representá-la. Aí, pensamos,
Humboldt161 e o Kosmos podem ter algo dizer ao homem contemporâneo.

Uma das mais arraigadas práticas de se fazer ciência na Geografia é a


prática de campo, ou, de excursões, ou ainda, de viagens. Embora não seja
prática específica da Geografia, mas, também de outros campos do
conhecimento científico, é nela que tal tradição foi incorporada como
fundamento do campo de saber.

161
“Considerando o gênero de investigações a que se dedicara com preferência antes de ingressar no Instituto,
e inclusive antes de sair de França, nota-se, antes de mais nada, uma grande predileção por tudo que é
referente à refração, isto é, a tragetória dos raios luminosos e às causas que alteram sua velocidade. A origem
dessa predileção – disse-me muitas vezes o senhor Arago – está na assídua leitura das obras sobre ótica de
Bourguer, Lambert e de Thomas Smith, que ainda muito jovem, cairam-lhe nas mãos. Poderia, por acaso,
passar despercebido, durante os três anos empregados em operações geodésicas, o aspecto da natureza,
fecunda nas planícies selvagens e freqüentemente grandiosa nas montanhas; o colorido das agitadas águas do
oceano, a variável altura das nuvens, a miragem nas praias áridas e nas camadas atmosféricas, cujos sinais
pela noite se multiplicam e oscilam verticalmente? Enfim, a vida ao ar livre, benéfica sob tantos aspectos,
deve ter ampliado seu pensamento, comovido sua imaginação, e excitado, ainda mais, sua curiosidade em
meio às continuas pertubações que, apesar de tudo, se produzem na sucessão regular dos fenômenos. Um
viajante cuja vida está consagrada às ciências, se tem uma alma sensível ás grandes cenas da Natureza, traz de
uma viagem tão grande e aventureira, não somente um tesouro de recordações, como também um bem ainda
mais precioso, uma disposição de alma para alargar os horizontes e contemplar, em suas múltiplas relações,
uma grande quantidade de objetos ao mesmo tempo.”(Humboldt: Arago. p. 3-4. op. cit.)
Ainda poderíamos dizer que viajar e construir um relato dessa
experiência é parte constituinte da própria experiência humana, como a
ampla bibliografia que se espraia pelos relatos de viagens nos indica. Não
são poucos os pensadores que colocaram em algum momento de sua
existência a necessidade de empreender uma viagem pelo mundo, muitas
vezes tendo como meio de transporte, as próprias pernas. Dessas
experiências tomamos contato com relatos, diários, poesias que procuram,
em ato, dar expressão aos momentos da vivência.

Não sendo o mundo monopólio da Geografia, o conjunto dessas obras


participa da forma moderna de se aperceber dos fatos do mundo. Propõe-
se, assim, não parar para pensar, mas pensar enquanto anda. E pode-se
dizer, há várias formas de andar. A máxima de Nietzsche: “ambulo ergo
sum ou ergo est”, um “andarilho” convicto, tanto como Estrabão, Heródoto,
Hölderlin, Thoreau, Schelle, Humboldt, Rousseau, Goethe, Rosa, e outros
de mesma cepa, indica-nos que a transformação da paisagem e do
empírico está na transformação do homem e do mundo.

Entre as inúmeras experiências do movimento pelo mundo, desde o


flâneur até o derivante, passando pelo caminhante solitário em devaneio, o
migrante em desespero e o turista em comoção monetarizada, há aquelas
em que o objetivo do andar encontra-se nesse próprio fundamento. Trata-
se, portanto, da produção de ritmos. Ritmo que se relaciona,
essencialmente, ao movimento de abstração. Não se trata de propor uma
prática estilista162, embora haja aí algo a ser considerado, mas de dar voz
aos fatos da história.

162
“O fundador da seita dos estilistas, Simeão Sisanites, filho de um pastor sírio, passou, diz-se trinta e sete
anos da sua vida abismado numa contemplação mística e sucessivamente sobre ofuste de cinco colunas ia em
progressão ascendente. A última, sobre a qual se estabeleceu, tinha 80 pés de altura. Morreu em 461. Durante
700 anos, houve fanáticos, chamados sancticolumnares, que seguiram esse género de vida. Na própria
Alemanha, no país de Treveris, intentou-se o estabelecimento de claustros aéreos, mas os bispos opuseram-se
a estes excessos perigosos”.( QN. p. 192. op. cit)
A compreensão da paisagem como um fato empírico moderno da relação
homem-mundo qualifica o entendimento da posição humana frente a seu
produto. A paisagem esconde-se na noite do moderno. Somos, em algum
momento, possibilidades da paisagem. A possibilidade da paisagem, para o
ser que não a encontra, pode ser a possibilidade do sensível e do visível
para o Mundo que se estranhou como humanidade. Dizemos, em fatos,
que o visível de toda existência é produto. Tal produção renuncia ao
humano e coloca-se junto ao fato da humanidade produzida como relação
dissolvida da existência. Audãcter, commite, viam vorabit!
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2001.
ANEXO I

Cronologia163

Vida e obra de Alexander von Humboldt

1769 - Nasce Friedrich Wilhelm Heinrich Alexander (14/09) em uma casa da


Jägerstrasse de Berlim, no seio de uma família prussiana nobre e abastada;
seu pai, Alexander Georg von Humboldt é comandante do exército da
Prússia e Camareiro do Príncipe Imperial; sua mãe Marie Elisabeth von
Humboldt pertence a uma família de refugiados protestantes de origem
francesa e escocesa. É o segundo filho do matrimônio, seu irmão mais velho
Wilhelm von Humboldt em Potsdam (22/06/1767); tem um irmão materno,
H. F. L. Fernand von Holwede (1763-1817), nascido do primeiro casamento
de sua mãe. É batizado na catedral de Berlim, seus padrinhos foram: o
futuro rei da Prússia Friedrich Wilhelm II, o Príncipe Henirich da Prússia, o
Duque von Braunschweig e o Ministro Barão von Finkenstein.

1770 – 1772 - Começa a educação dos irmãos Humboldt com preceptores:


Joachim Heinrich Campe (fundador da filantropia), a quem o pai chamou de
mestre, principalmente, de seu enteado F. von Holwede; com este preceptor,
Wilhelm aprendeu a ler e escrever e um pouco de história e geografia.

1773 - H. S. Koblanck substitui Campe como preceptor dos irmãos Humboldt;


com este Alexander aprendeu a ler e escrever.

1774 - 1776- Novamente J. H. Campe é preceptor em Tegel e começa a educação


formal de Alexander. Campe sentia grande simpatia pela geografia,
sobretudo porque na época as expedições de exploração adotavam o caráter
de viagem de estudos.

1777 – 1779 - Chega a Tegel o principal preceptor dos irmãos Humboldt: Gottlob
Johan Christian Kunth, que os ensinou latim, francês, teologia, filosofia e
história.

1779 - Morre em Berlim na idade de 59 anos seu pai Alexander Georg von
Humboldt; o magistrado do Tribunal Supremo, Weisbeck, se encarrega
inicialmente da administração da fortuna familiar e depois dispõe que essa
tarefa será confiada ao preceptor Kunth.

163
A composição dessa cronologia teve como base as informações da obra “Imagenes de Humboldt”
preparada por Oscar Rodrígues Ortiz. Optamos por ampliar, suprimir e corrigir algumas informações baseadas
em algumas biografias sobre Humboldt, entre elas :
Meyr-Abich, Adolf.; Alexander von Humboldt. Rowohlt Taschenbuch Verlag. Hamburg. 1967.
Botting, Douglas; Humboldt y el Cosmos. Ediciones del Serbal. Barcelona. 1985.
1780 – 1781 - O médico Ernst Ludwig Heim explica aos irmãos as 24 classes do
sistema das plantas de Lineu.

1782 – 1783 - Kunth se estabelece com seus alunos na casa familiar da


“Järgerstrasse” em Berlim; a família se relaciona com famosos “Aufklärers”
da capital.

1784 – 1785- Segue cursos com Löffler, J. J. Engel, David Friedländer e W.


Dohm. Começa a freqüentar os salões judeus ilustrados de Berlim e conhece
Nicolaï, Mendelssohn e Herz.

1786 – 1787 -Começa os estudos na Universidade de Frankfurt am der Oder,


onde faz amizade com W. G. Wegener. Segue cursos ditados por J. F.
Blumenbach.

1788 - Vive em Berlim, onde recebe aulas de botânica de Carl Ludwig Wildenow;
estuda também a tecnologia aplicada para a indústria. Presencia (27/ 09) a
ascensão de Jean Pierre Blanchard num balão.

1789 - Estuda na Universidade de Göttingen: “Estou disposto a dar os primeiros


passos pelo mundo, sem guia e como homem livre. Aguardo isto estando
cheio de serena confiança... Temas sérios e sobretudo o estudo da Natureza
constituíram uma barreira contra a sensualidade” (carta a Wegener 27/03).
Em companhia de seu irmão Wilhelm, que já se encontrava em Göttingen,
conhece as famílias Forster, Jacobi, Stieglitz e outras. Segue cursos de
literatura com Gärtner, Schmidt, Ebert e Jerusalém; de arqueologia com
Heyne; de história do comércio com Spittler; de eletricidade com Lichtenberg
e de ciências naturais com J. F. Blumenbach. Viaja pela Alemanha (24/09)
com o médico e naturalista holandês Van Geuns.

1790 - Em companhia de seu amigo Georg Forster realiza sua primeira viagem
fora das fronteiras alemãs (25/03 – 02/07): Reihn inferior, Holanda,
Inglaterra e França; reside uma semana em Paris (07), se mostra
profundamente impressionado pelo entusiasmo revolucionário dos
franceses; presencia os preparativos da Festa da Federação: “O espetáculo
dos parisienses, sua reunião nacional, do seu Templo da liberdade, ainda
inacabado, e para o qual eu transportei areia, tudo aquilo tremula em
minha alma como uma sonho” ( carta a Fritz Jacobi 03/01/1791). Estuda
na Academia de Comércio de Büsc, em Hamburg, onde trabalha em Direito
Comercial, estatísticas econômicas e legislação financeira. Faz seus
primeiros contatos com muitos estudantes estrangeiros, principalmente
ingleses e espanhóis. Publica seus primeiros trabalhos científicos no
Magazin für Botanik e no Chemische Annalen. Publica o Tratado:
Mineralogische Beobachtungen über einige Basalte am Rhein ( Observações
Mineralógicas sobre alguns basaltos do Reno).

1791 - Finaliza seus estudos em Hamburg, retorna a Berlim e realiza,


acompanhado de Willdenow, excursões botânicas e experiências sobre
fitofisiologia. Ingressa (14/06) na Academia de Minas de Freiberg, segue
cursos com o célebre geólogo Werner e com a geômetra Freiesleben, faz
numerosa excursões geológicas e mineralógicas; inicia a amizade com o
jovem J. K. Freiesleben, Leopold von Buch, Lampadius e Andrés Manuel del
Río. Em agosto viaja à Boêmia acompanhado de J. K. Freiesleben.

1792 - Finaliza os estudos em Freiberg (27/02) e retorna a Berlim. É nomeado


“Assessor cum voto” no Departamento de Minas e Fundições da Prússia
(06/03). Realiza viagem de inspeção a Erfurt, Jena e Saafeld (26/06).
Viagem de inspeção por Franconia (12/07 – 23/09) e ainda desde Bayreuth
até Breslau, por Munich, Berchtesgaden, Viena.

1793 - Em meados de Janeiro finaliza sua viagem de inspeção e retorna a Berlim


onde reside por quatro meses. Nova viagem de inspeção (13/04/1793 –
05/1794); itinerário: Berlim, Kolberg, Thorn, Strzelmo, Gnesen, Poses,
Glogau, Praga, Eger e Bayreuth . Recebe as seguintes nomeações: Membro
da Sociedade Lineana de Leipzig (25/05); Membro da Academia de
Naturalistas Leopoldina Carolina (20/06); Engenheiro Chefe das minas de
Franconia (06). Funda uma escola livre de mineração em Bad Steben (11).
Publica Florae Fribergensis Specimen.

1794 - Visita seu irmão Wilhelm em Jena; é nomeado Conselheiro de Minas; viaja
(12/07 – 10), acompanhado de Hardenberg ao Reihn e a Brabante. Se
encontra com Goethe em jena. Publica Aphorismen aus der chemische
Physiologie der Pflanzen.

1795 - Não aceita a nomeação de Diretor Geral das Minas de Silesia (03/02); é
nomeado Conselheiro Superior de Mineração (05). Viaja (17/07 – 20/11), ao
norte da Itália e à Suíça acompanhado de Reinhard von Haeften e J. K.
Freisleben. Realiza com seu irmão Wilhelm, em Jena, experiências sobre
galvanismo. Publica Die Lebenskraft oder der rhodische Genius (A força vital
ou o Gênio de Rodhes).

1796 – “Concebi a idéia de uma física do mundo (geografia física)” (carta a M. A.


Pictet, 24/01). É enviado pelo príncipe de Hohenhole a Ingelfingen para
negociar, com o general Moreau, chefe das tropas francesas, a neutralidade
das províncias prussianas de Würtemberg e Franconia, (07). Morre sua mãe
Marie Elisabeth (19/11). Abandona a administração prussiana de minas;
anuncia seu desejo de viajar: “Minha viagem está definitivamente decidida.
Me preparo ainda em alguns anos e reúno todos os instrumentos; fico na
Itália um ano ou um ano e meio para me familiarizar com os vulcões; depois
à Inglaterra passando por Paris... e depois saio como faziam as Índias
Ocidentais, em um barco inglês” ( carta a Wildenow, 20/12). Publica Vários
estudos sobre as condições de trabalho nas minas (gases, respiração, luz,
etc).

1797 – Em fevereiro, renuncia definitivamente ao seu trabalho na mineração.


Reside em Jena; Cursa astronomia com Franz von Zach e química, botânica
e mineralogia com Batsch; colabora com os trabalhos dos irmãos Keustsch,
originários de Santo Tomás nas Antilhas; freqüentes encontros com Goethe,
sobre o qual disse: ”O que pode fazer pela ciência é incalculável”; realiza
novas experiências sobre galvanismo. Em junho, acompanhado de seu
irmão Wilhelm chega a Dresden onde Kunth reparte a herança familiar, sua
parte 90000 táleros (312000 francos em ouro), compra custosos
instrumentos para sua viajem. Publica Ensaios sobre a irritação das fibras
musculares e nervosas. Viaja a Viena e Salzburg; projeta, com J. van der
Schott, Diretor dos jardins imperiais da Áustria, uma viagem ao Brasil, e
com Lord Bristol, uma ao Egito.

1798 - Em fevereiro publica o segundo volume de suas experiências sobre


galvanismo. Sai de Salzburg (04) para Paris, Munich, Stuttgart e
Estrasburgo; assim começou sua grande viagem para a América; em paris
se reúne com seu irmão e reside até outubro; conhece o velho navegante
Bougainville; inicia amizade com sábios franceses, sobretudo com Bonpland
que o acompanhará à América; lê dois trabalhos no Institut de France. Sai,
acompanhado de Bonpland, (20/10) para Marselha, objetivo: embarcar para
África do Norte ou Egito; seu projeto fracassa e decidem ir à Espanha
(15/12); aproveitam a estadia em Marselha para herborizar e fazer uma
visita aos estaleiros de Tolón.

1799 - Entram na Espanha (05/01) por Peretús, chegam a Gerona (07/01) e


depois a Barcelona (08/01); excursão o Montserrat. Estadia em Madri
(22/02 – 13/05); são apresentados pelo cavalheiro Urquijo ao rei Calos IV
em Aranjuez; encontro com o abade Cavenille, Juan B. Muñoz, etc; obtêm
permissão para ir à América (15/03); no final de maio chegam a La Coruña
e saem (05/06) para Venezuela na corveta “Pizarro”, apesar do bloqueio
inglês; chegam a Tenerife (19/07), sobem o pico do Teide (21/06); saem de
Santa Cruz (25/06) com destino a Cumaná, passam a linha do Trópico de
Cancêr (27/06), atracam em Cumaná (16/07); excursões: às salinas da
península de Araya (19/08), às Missões capuchinas dos índios Chaimas
(04/09), à Missão de San Fernando (5 e 6/09); subida ao Turimiquire e
exploração do monte Cuchivano e do rio Jagua (10/09), às Missões de Santo
Antônio e Guanaguana (14/09), convento de Caripe e Cova do Guácharo
(18/09), retornam a Cumaná por Cariaco; presenciam em Cumaná um
eclipse solar (28/10), um terrremoto (04/11) e uma chuva de meteoros (11 e
12/11); saem para La Guaira e Caracas (18/11), escalas: em Nova
Barcelona e visita ao Morro (19/11), Higuerote e Cabo Codera (20/11);
chegam em La Guaira (21/11), pernoitam em Maiquetía para evitar a
epidemia de febre amarela que assola o porto de La Guaira; fazem a pé o
trajeto entre Maiquetía e Caracas (22 e 23/11).

1800 - Excursão à Silla de Caracas (02/01) com um grupo de 18 pessoas,


alcançam o topo às três e meia da tarde do dia seguinte; excursão a Cabo
Blanco (23 a 27/01). Saem de Caracas para o Orinoco (07/02), itinerário: La
Victoria, lago de Valencia, Nueva Valencia (23/02), Puerto Cabello (27/02),
de novo a Nueva Valencia (06/03), Villa de Cura (09/03), Calabozo (14 a
24/03), entrada nas Planícies (los Llanos): durante este trajeto passa pelas
fazendas de F. Key Muñoz, D. José de Manterola, D. Francisco Montera,
família Ustáriz, Conde Tovar, Marqués del Toro e família Arambary;
adimiram o Samán de Güere, árvore gigante nas proximidades de Turmero.
Em Calabozo saúdam o gênio inventivo de “sabio de los Llanos”, D. Carlos
del Pozo, que construiu instrumentos elétricos sem nunca haver visto um;
“nossos instrumentos, disse Humboldt., pareciam cópias dos seus”;
realizam experiências com os pés tremedores. Chegam a San Fernando de
Apure, capital das Missões Capuchinas de Barinas (27/03), viajam pelo rio
Apure até sua confluência com o Orinoco e sobem este rio de canoa: Missão
de La Urbano (06/04), Pararuma (09/04), confluência do rio Meta (12/04),
montes de Tabajé, Atures e Maipures, Missão de San Borja e de San José de
Maipures (13 a 18/04), San Fernando de Atabo (24/04), Missão da Divina
Pastora de San Baltasar de Atabapo (29/04), entrada no rio Temi (30/04),
rio Tuamini, Missão de San Antonio de Jávita (1 a 05/05), transporte por
terra da canoa até a fonte Pimichiín (06/05), navegação por este até o rio
Negro (Guainía), Missões de Maroa e San Migul Davipe, Forte San Carlos de
Rio Negro, ponto mais meridional da viagem (08/05), navegam o Rio Negro
acima até a confluência com o Casiquiare, Missão de Mandivaca (12/05),
Missão de Vasiva (14/05), La Esmeralda, Orinoco acima (21 a 23/05);
navegam o Orinoco abaixo: San Francisco de Atabapo (26 e 27/05); montes
de Maipures e Atures, La Urbina (30/05 – 06/06), San Rafael de Capuchino,
Cabruta e Angostura (13/06) onde finaliza a viagem de 75 dias pelo Orinoco
(2250 Km em canoa; foi uma viagem de extrema dificuldade pelo calor,
mosquitos, jaguares, jacarés e pela pequenez da canoa). Residem em
Angostura, Bonpland adoece de febre. Saem para Nueva Barcelona (23/07 a
23/08), hospedando-se na casa do francês Lavié, envolvido na conspiração
de Gual e Espanha. Humboldt é elegido Membro da Academia das Ciências
de Berlim (04/08); saem de lancha para Cumaná (24/08), são recebidos pelo
Governador Vicente Emparan; Segunda excursão à Península de Araya
(03/11), partem de novo para Nueva Barcelona e de lá para Cuba (24/11);
fazem a travessia com Fray Juan González, amigo de H., que os
acompanhará na ilha: “Este estimável jovem, escreve Humboldt., nos
acompanhou a Havana para retornar à Espanha. Deixou a ilha de Cuba um
pouco depois de nós; mas o navio que ele embarcou naufragou,
desaparecendo todos os homens e a carga, em uma tempestade perto das
costas da África. Perdemos no naufrágio uma porção equivalente ao dobro
dos nossos herbários e todos os insetos que Bonpland havia reunido, nas
circunstâncias mais difíceis, na nossa viagem ao Orinoco e ao Rio Negro” (
Relation hist. Du Voyage, 1825, Tome III, p. 459 Ch XXVIII). Chegam a
Havana (19/12): é sua primeira estadia nesta cidade.

1801- Em Havana se hospedam na casa do Conde de O`Reilly e são recebidos


pelo Conde de Jaruco, pelo Marquês do Real Socorro, pelo Marquês de
Someruelo, Capitão General de Cuba, pelo Intendente D. José Pablo
Valiente, pelo Marquês de Casa Calvo, etc; excursão ao interior da ilha (1 a
21/02): Hacienda del Fondeadero, de Rio Blanco, do Almirante, de San
Antonio. Humboldt acumula dados estatísticos sobre: população, classes e
castas, extensão, divisões administrativas, climas, agricultura, comércio,
finanças, etc., faz observações geognósticas e astronômicas e uma pitoresca
descrição de Havana e do porto; horrorizado pela escravidão demonstra que
o cultivo de cana-de-açúcar pode ser feito sem escravos: ” O tratamento não
só é bárbaro como também irracional... É como um curso d’água que se
trouxe de muito longe e mais da metade do qual, nas mesmas colônias, é
desviada por outros terrenos que deveriam ser seu destino. Os que repetem
sem cessar que o açúcar não pode ser cultivado senão por negros, parecem
ignorar que o Arquipélago das Antilhas possui 1.148.000 escravos, e, que, a
massa da renda colonial produzida nas Antilhas não se deve mais do que ao
trabalho de quinhentos ou seiscentos mil”. Saem de Havana (05/03) em
direção a Cartagena de Indias (Nueva Granada); itinerário: Batabanó, onde
embarcam (09/03), Cayo Flamenco, La Trinidad, chegam ao rio Sinú (20-
21/03) perto da Punta de Zapote: “Tudo indicava que desembarcaríamos em
uma região selvagem e escassamente visitada por estrangeiros”; em Punta
Gigantes tem um encontro, na praia, com uma tropa ameaçadora de negros
cimarrones; chegam a Cartagena (30/03), fazem amizade com D. José
Ignacio de Pombo e com os membros da comissão científica comandada por
D. Joaquín F. Fidalgo ( M. del Cadtillo, Churruca, etc.); estadia na fazenda
de Pombo em Turbaco: selva e “vulcãozinhos”; abandonam o projeto de
viajar pelo Panamá e decidem fazer a viagem a Lima por terra; saem de
Cartagena (19/04); em Barrancas Nuevas (21/04) embarcam no rio
Madalena em direção a Santa Fe de Bogotá, desembarcam em Honda
(15/06) e seguem por terra, chegam a Santa Fé de Bogotá (06/07), são
recebidos pelas autoridades e principais pessoas da cidade, se encontram
com D. José Celestino Mutis, Diretor da expedição botânica; excursões pelos
arredores: salinas de Zipaquirá, salto de Tequendama, lago de Guatavita,
campo de gigantes perto de Suacha; saem de Bogotá (08/09) pelo difícil
caminho de Quindío; itinerário: Contreras (21/09), Ibagué, Cartago (20/10),
Popayán, excursões pelos arredores desta cidade, subida ao vulcão Puracé
(18/11), saída para Pasto (29/11); nesta cidade passam o Natal; excursão ao
vulcão de Pasto e ao povoado indígena de Voidaro.

1802 - Chegam a San Miguel de Ibarra (Audiência de Quito) (02/01) onde


encontram o jovem sábio neogranadino F.J. de Caldas; chegam a Quito
(06/01) onde residiram até 09/06; são recegidos pelo Governador D. José
Carondelet y Calderón e pela família do Marquês de Selvalegre (Montúfar),
subida ao Pichincha (26-28/05); ao final de maio Humboldt desenhou o
mapa completo dos vulcões desta região: Pichincha, Antisana, Tunguragua,
Cotopaxi, Cayambé-Urco, Nevado del Corazón, Cerro del Altar, Chimborazo,
etc.; saem para Riobamba (0906), sobem o Chimborazo (22-23/06)
acompanhados de C. Montúfar, chegam a 4585 m; saem de Riobamba
(03/07) pelo sul, pelo planalto de Azuay, no caminho fazem observações
sobre a cultura Inca: Inga Pirca, Inga Chungana e Piedra del Inti Guaicu;
chegam a Cuenca (13/07) onde residem 10 dias e saem para Lima:
itinerário: Loja, entram no Peru por Lucarque e Aybaca (02/08),
Huancabamba, Pomahuaca, Ingatambo, Chamaya, onde embarcam pelo rio
Marañón até Tomependa; daqui continuam a pé : Jaén de Bracamoros,
Cabico, Montán (05/09), Micuipampa (06/09); visita às minas de prata e
estudo mineralógico da região; Ynahuanca, Cajamarca, ruínas do palácio de
Atahualpa; encontro com Astorpilco, descendente dos Incas, continuam
viagem a Lima; itinerário: Pultamarca, Huangamarca, Contumazá, Chorillos,
Cascas Chala, Chicamae Trujillo; no alto do Huangamarca Humboldt
escreve: “Víamos enfim, pela primeira vez, o Mar do Sul; o víamos
claramente, fazendo resplandecer perto das costas uma enorme massa de
luz e elevando-se em sua imensidão até o Horizonte” (Quadros da Natureza);
em Guamán, Humboldt mede a temperatura da água do mar e determina a
presença de um corrente de água fria que mais tarde levará seu nome.
Chegam a Lima (02/10), são recebidos pelo Vice-Rei D. Gabriel de Avilés e
pelas principais famílias da cidade; em El Callao (09/10) observam a
passagem de Mercúrio; embarcam em Lima (24/12) na corveta “La Castor”
com destino a Guayaquil.

1803 -Chegam a Guayaquil (03/01); travam amizade com D. Juan Taffala;


excursão a Babahoyo; Humboldt faz um esboço da Geografia das Plantas;
saem para Acapulco (Nueva España) (15/02) onde chegam em 22/03; depois
de receber permissão do Virrey Iturrigaray partem para a capital (27/03);
itinerário: Mexcala, Taxco, estudo das minas da região, Puente de Ixtla,
Cuernavaca e Huitzilac, chegam a Cidade do México (11/03) onde residem
até 13/05; são recebidos pelo Virrey, encontro com Andrés Manuel del Río,
Fausto d’Elhúyar, V. Cervantes, Monseñor Lizana y Beaumont, Costanzó,
etc., em abril visitam com o Virrey o deságüedo México, a fábrica de pólvora,
Chapultepec, etc., excursão às minas de Pachuca, Regla, Atotonilco,
Morán,Real del Monte e Cerro de las Navajas, encontro com D. Pedro
Terreros, Conde de Regla “um dos homens mais ricos de seu século”;
excursão a Guanajuato (01/08); itinerário: Huehuetoca, Tula, San Juan del
Río, Querétaro e Salamanca; excursão à serra de Santa Rosa, Cerro del
Gigante, Comanjilla, etc; saem de Guanajuato (09/09) por Irapuato, chegam
a Valladolid de Michoacán (14/09) onde se encontram com o bispo Fray
Antonio de San Miguel; visitam o túmulo de Vasco de Quiroga em Pátzcuaro,
sobem o vulcão Jorillo (19/09), e realizam um estudo completo deste vulcão
surgido em 1759; vão de novo à Cidade do México (22/09), passam por
Toluca e fazem uma excursão ao Nevado de Toluca (Pico del Fraile); Chegam
ao México (03/10) onde Humboldt participa no Tribunal do Colégio de
Mineração; ali pronuncia três conferências (17-18-21/10).

1804 - Saída para Veracruz (20/01); itinerário: Puebla (22-25/01), onde estima a
altura real do Popocatépetl e do Iztaccihuatl, visita a pirâmide de Cholula e
sobe ao Cofre de Petoté. Humboldt é nomeado correspondente da Section de
Physique générale de I classe do l’Institut de France. Chegam a Veracruz
(19/03); Humboldt realiza um quadro dos climas e da fitogeografia desde o
México até Veracruz (geografia tridimensional); saem para Cuba (07/03)
onde chegam em 29/03 e residem até 29/04. Humboldt redige uma breve
nota à Sociedade Econômica Amigos do País, avaliando se, no Cerro de
Guanabacoa, haveria ouro e outros metais preciosos; conclui
negativamente; só encontrou cobre e pirita de ferro; finaliza declarando: “Os
montes não me haviam parecido dignos de maiores investigações; em um
país cuja a verdadeira riqueza consiste na agricultura, e no qual o trabalho
nas minas convidaria à preguiça de buscar o que se deve produzir” (Informe
apresentado a Sociedade em 31/04, dois dias depois da saída de H.). Saem
de Havana para os Estados Unidos no correio “La Concepción”, chegam a
Filadélfia (20/05) e partem para Washington (29/05); itinerário: Chester,
Wilmington, Charleston, Baltimore e Blandensburg; chegam a Washington
(01/06). Freqüentes encontros com o presidente Jefferson; regressam a
Filadélfia (18/06) e saem para França n”A Favorita”; chegam a Burdeos
(03/08) e continuam até Paris (25/08). Humboldt se encontra com Simón
Bolívar nos salões parisienses. Lê várias conferências científicas no Institut
de France; colabora com os trabalhos de Gay-Lussac; em outubro é recebido
por Napoleão.
1805 - Segue colaborando com Institutos científicos e sábios franceses, enquanto
prepara a edição de sua viagem; é nomeado membro da Academia de
Ciências de Berlim (19/02); viaja para a Itália com Gay-lussac e Leopold von
Buch (02/03) para visitar seu irmão, embaixador em Roma; itinerário: Lyon,
Chambéry, Saint-Michel, Madame, Mt. Cenis, Turim, Gênova, etc.; em Roma
residirá até 12/07. Viaja a Nápoles e sobe o Vesúvio (20-28/07 e 04/08):
observa a erupção do vulcão (12 e 13/08). É eleito Dr. Em Filosofia pela
Universidade de Frankfurt am der Oder. Sai de Roma com Gay-Lussac e
Buch com destino a Berlim; itinerário: Florencia, Bolônia, Parma, Milão,
onde encontra Bonpland; San Gotardo, Zurich, Basilea, Tübingen, Heiilbron
e Gotinga, onde visita Blumenbach, chegando a Berlim (16/11), onde recebe
uma pensão de 2500 táleros por ordem do Rei, como membro da Academia
de Ciências de Berlim (19/11), é nomeado Camareiro do Rei da Prússia (12);
cai doente.

Começa em Paris a publicação em francês, da edição monumental da viagem com


o título: Voyage aux régions équinoxiales du Nouveau Continent, fait en 1799,
1800, 1801, 1802, 1803 et 1804, par Alexandre de Humboldt et Aimé
Bonpland, rédigé par Alexandre de Humboldt, 35 volumes. O último volume
será publicado em 1834.

1806 - Reside em Berlim até 10/1807. Apresenta várias conferências científicas


relativas a sua viagem para a Academia Filomática (16/01) e para a
Academia de Ciências (30/01 e 20/03) e prossegue fazendo observações
astronômicas e geomagnéticas; realiza uma curta viagem a Jena e Auerstedt
(14/10).

1807 - Continua apresentando congressos na Academia de Ciências de Berlim;


recebe a visita de Bonpland; é nomeado membro da Academia Sueca
(23/04), membro da Société d’Arcueil (09/07), encarregado de uma missão
diplomática em Paris (04/10) e membro de uma comissão de reorganização
da Academia de Ciências de Berlim (29/10); sai para Paris (13/11) aonde
chega em 08/12. Publica em alemão e em francês a obra Ideen zu einer
Physiognomik der Gewächse (Ideias para uma Geografia das Plantas).

1808 - Reside em Paris até o outono de 1809; participa das negociações de paz
com o Príncipe Wilhelm da Prussia; apresenta várias conferências científicas
no Institut de France; projeta uma viagem ao Tibet. Pública “Ansichten der
Natur (Quadros da Natureza).

1809 - Inicia sua grande amizade com François Arago, encontros freqüentes com
este, Bonpland e Gay- Lussac; não aceita o cargo de Ministro de Cultos que
lhe propõe o Ministro Hardenberg; projeta viagens a Samarcanda e ao Cabo
de Boa Esperança para o ano de 1811.

1810 -É nomeado associado estrangeiro do Institut de France (14/05); reside


com Leopold von Buch em Paris (17/12).

1811 - É nomeado membro da Real Academia Espanhola (02); apresenta várias


conferências científicas no Institut de France; viaja à Áustria (10/10) com o
filólogo C. B. Hese para visitar seu irmão Wilhelm, embaixador da Prússia
em Viena, chega à esta última cidade em 21/10; parte para Paris (24/11)
passando por Munich e Stuttgart; reside novamente em Paris: rue d’Enfer,
No 67, até abril de 1813.

1812 - Continua planejando uma viagem à Índia e à Ásia Central, seja por mar
pelo Cabo de Boa Esperança ou via terrestre passando por Constantinopla
até chegar a Bombay. Apresenta várias conferências no Institut de France
(4-25/05 e 23/11).

1813 – 1814 - Intervêm diante do Comandante Chefe das tropas coligadas que
entram em Paris para a proteção do Musseum d’Histoire naturelle; se reúne
com seu irmão Wilhelm e são apresentados na Corte de Luís XVIII; partem
para Londres no séquito do Rei da Prússia Federico Wilhelm III (04);Wilhelm
ficará um tempo em Londres, Alexander regressa a Paris e apresenta várias
conferências no Institut de France (3 e 10/10).

1815 - Intervêm novamente a favor da proteção dos estabelecimentos científicos


franceses, devido à Segunda ocupação de Paris pelas tropas da última
coalizão contra a França (07). Seu irmão Wilhelm retorna a Paris. Alexander
não aceita o cargo de embaixador da Prússia em Paris que lhe oferece o
Ministro Hardenberg.

1816- Continua colaborando com o Institut de France. É nomeado membro da


Royal Society de Londres (06/04).

1817 -Apresenta novas conferências no Institut de France relativas a sua viagem


à América (03-10/03, 26/05 e 30/06). Viaja a Londres com seu amigo F.
Arago para visitar seu irmão Wilhelm que tinha sido nomeado embaixador
da Prússia na capital inglesa. Desenha o primeiro mapa de linhas
isotérmicas.

1818 - É nomeado membro de honra da Academia de Ciências de São


Petersburgo (23/02); novas conferências no Institut de France (03/03 e
29/06). Viaja para a Inglaterra com o sábio francês Valenciennes (14/09 a
08/10). Participa do Congresso de Aquisgrán (10-11) e logo retorna a Paris,
em preparação da sua viagem à Ásia.

1819 - Prepara sua obra Ensaio sobre a física do mundo. Recebe a quantidade de
12000 táleros para sua viagem à Ásia; apresenta conferências no Institut de
France sobre o sistema numérico dos mexicanos, dos egípcios e de outros
povos (09).

1820 - Prossegue colaborando com o Institut de France, enquanto planeja sua


viagem à Índia e à Pérsia. Recebe em Paris Lucas Alamán e o marquês de
Fagoaga, assim como a vários deputados mexicanos às Cortes de Cádiz.

1821 - Participa da criação da Société de Géographie de Paris (01/10) e


apresenta novas conferências no Institut de France.

1822 - Na primeira sessão da Comissão Central da Société de Géographie (18/01)


é nomeado presidente da seção de correios. Mantêm conversa com Lucas
Alamán e outros deputados mexicanos para a criação de uma Compania de
Minas no México com capitais franceses. Acompanha Friedrich Wilhelm III à
Itália para assistir o Congresso de Verona (13/09) e depois acompanha o Rei
a Roma (05/11); viaja a Nápoles (20/11) onde residirá por 15 dias, sobe ao
pé do Vesúvio (22-25/11 e 01/12); regressa a Roma no séquito do Rei e
continua na companhia deste até Berlim (11/12) passando por Florença,
Innsbruck e Dresden. Em Verona havia planejado a criação de um
estabelecimento científico nas Cordilheiras dos Andes ou no México.

1823 - Chega a Berlim (03/01) depois de 15 anos de ausência e reside com seu
irmão no castelo de Tegel. Retorna a Paris (10/02) e segue trabalhando na
edição da Viagem americana; colabora com o botânico Carl Sigismund
Kunth, sobrinho de seu preceptor.

1824 - Idealiza a criação de um semanário geográfico; projeta e residir


definitivamente no México.

1825 - Continua colaborando com o Institut de France; viaja à Bretanha (07) em


companhia de C. S. Kunth; em seu retorno a Paris começa um ciclo de
conferências sobre o Cosmo no salão da Marquesa de Monteauban.

1826 - Viaja a Berlim (09) acompanhado de Valenciennes com a intenção de


radicar-se definitivamente nesta cidade, mas decide retornar a Paris
(03/12). Publica em Paris seu Essai Politique sur l’Isle de Cuba (1826-27).

1827 - É eleito Presidente de Honra da Société de Géographie de Paris (23/03);


viaja para Berlim onde chega em 12/05 e realiza uma intensa atividade
científica; preside uma comissão real destinada a ajudar os jovens artistas;
começa a dar uma série de cursos sobre a descrição física do mundo
(cosmos) (13/11); estes cursos formaram mais tarde o núcleo da grande
obra do final de sua vida; nesta mesma data é nomeado membro associado
do Instituto de Ciências, Letras e Belas Artes dos Países Baixos. Começa um
ciclo de conferências sobre o Cosmo na Universität e Singakademie de
Berlim, destinadas a um público mais amplo.

1828 - Aceita o convite do Ministro russo, Conde de Cacrin, para fazer uma
viagem à Rússia e à Ásia Central no ano seguinte (26/02); acompanha o
Gran Duque Carl August Weimar que reside em Potsdam e Berlim (31/05 a
13/06); acompanha o Rei Friedrich Wilhelm III aos banhos de Teplitz (07) e
realiza uma curta viagem a Praga; visita a Academia de Minas de Freiberg
(30/07); regressa a Berlim (05/08) onde preside a sétima reunião da
sociedade dos naturalistas e médicos alemães; pronuncia o discurso
inaugural (18/09); recebe em sua casa o matemático C. F. Gauss.

1829 - Apresenta conferências na Academia de Berlim. Morre sua cunhada


Caroline em Tegel (26/03). Começa sua viagem à Rússia e à Ásia
Central(12/04); itinerário: Königsberg (16-18/04), Riga (24/04), São
Petersburgo (01/05 a 20/05), Moscou (24-28/05), Nijni-Nowgorod (31/05),
Kazán (5-9/06), Ekaterinburg (15-25/06), Tobolsk (24/07), Barnaúl,
Schlangenberg, Ust-Kamenogorsk (13/08), Semipalatinsk (22/08), Omsk,
Miask (03/09), excursões pelos arredores desta cidade (lago Ilmen);
Orenburg, Uralsk (28/09), Saratow (3-5/10), Sarepta (9-10/10), Astrakhán
(12-21/10) , excursões ao delta do Volga e ao Mar Cáspio. Retorna por
Sarepta, Voronej (28/10), Tula (1-2/11), Moscou (3-9/11), e São
Petersburgo (13/11 a 15/12), onde apresenta à Academia de Ciências uma
conferência sobre esta viagem de 15000 km. Regressa a Berlim (28/12).

1830 - Acompanha o Príncipe da Prússia e futuro rei Friedrich Wilhelm IV à


Varsóvia para a inauguração da Dieta polaca (21/06); sai para Paris (28/09)
encarregado de uma missão diplomática ante o governo francês; entre
outubro e dezembro apresenta três conferências no Institut de France.

1831 - Retorna a Berlim (17/01) passando por Weimar onde visita Goethe (26-
27/01). Novamente em Paris (21/02), continua colaborando com o Institut
de France.

1832 - Retorna a Berlim (07); acompanha o Rei da Prússia aos banhos de Teplitz
onde fica até 16/10.

1833 - Em Berlim, colabora com os trabalhos da Academia, apresentando várias


conferências. Vai a Breslau (15/09) com C. S. Kunth para participar da
reunião da Associação de Naturalistas e Médicos Alemães;e apresenta várias
conferências.

1834 -Reside em Berlim e começa a trabalhar em sua obra monumental: Cosmos


e segue colaborando com a Academia de Ciências de Berlim. Viaja a Stéttin,
Dantzig e Könisberg (08).

1835 - Morre seu irmão Wilhelm em Tegel (08/04); realiza uma nova viagem a
Teplitz com o Rei da Prússia (30/06), vai a Paris em uma missão diplomática
(08) e regressa a Berlim (28/12) passando por Frankfurt.

1836 - Novamente em Teplitz com o rei da Prússia (07); assiste o XIV Congresso
da Sociedade de Naturalistas e Médicos Alemães, que se realiza em Jena
(09) e apresenta uma conferência sobre “a variedade dos prazeres que a
Natureza proporciona, e o desenvolvimento científico das leis do mundo
físico”. É publicado em Paris, em francês, Examen critique de l’histoire de la
géographie du Nouveau Continent et des progres de l’astronomie nautique aux
XV et XVI siécles, 5 vol, 1836-1839.

1837 - Viaja a Teiplitz (03/07); participa das festas do centenário da


Universidade de Göttingen; colaboração ativa na Academia de Ciências de
Berlim.

1838 - Apresenta vários trabalhos científicos na Academia de Berlim, na


Sociedade de Geografia, etc., acompanha o Rei da Prússia a Teplitz (06). Vai
a paris em missão diplomática (13/09).

1839 - Retorna a Berlim (03/01); nova estadia em Teplitz com o Rei (08). Ë
consultado a propósito de uma excursão inglesa ao Antártico (10). Apresenta
na Academia de Ciências uma conferência sobre o terremoto de Riobamba
de 1797 (28/02).
1840 - Viaja a Könisberg. Participa das festa de coroação do novo Rei da Prússia
Friedrich Wilhelm IV (25/08); reside por uns dias em Dantzig (13-17/09). É
nomeado Conselheiro de Estado (08/12).

1841 - É nomeado membro da Académie Royale des Sciences et Belles Lettres de


Bélgica (03/04). Redige seu testamento (10/05); parte para Paris em nova
missão diplomática (18/05), agora a serviço de Friedrich Wilhelm IV.
Retorna a Berlim (08/11).

1842 - Acompanha Friedrich Wilhelm IV à Inglaterra, ao batizado do futuro rei


Eduardo VII (15/01). Regressa a Berlim (02/02). Protesta contra as leis
discriminatórias contra os judeus preparadas pelo ministério prussiano (03).
É nomeado Canciller del “ordre pour le Mérite” (arte e ciências) (30/05).
Novamente em missão diplomática em Paris (16/09).

1843 - Publicação em Paris, em francês, da viagem à Ásia com título: Asie


Centrale. Recherches sur les chaînes de montagnes et la climatologie
comparée, 3 vol., com 5 mapas. Edição alemã, Berlim, 2 vol. (1843-1844).
Retorna a Berlim (28/02). Visita a mina de sal de Salzberg e dirige um
colóquio aos estudantes (06).

1844 - Recebe a máxima condecoração da Ordem da Águia Vermelha (21/01). A


Academia de Ciências de Berlim oferece um banquete para festejar o 40 o
aniversário de seu regresso da América (05/08). Escreve a introdução do
Cosmos (11). Nova missão diplomática em Paris (28/12).

1845 - Chega a Paris (04/01) havendo passado por Bruxelas onde lhe recebeu o
Rei Leopoldo I; reside em Paris até o dia 19/05; assiste aos cursos de seu
amigo F. Arago. Retorna a Berlim (26/05). Se reúne com Friedrich Wilhelm
IV em Stettin (16/07). E lhe acompanha em sua visita a Copenhague.
Participa, na presença da Rainha Vitória da Inglaterra, da inauguração da
estátua de Beethoven em Bonn (12/08). É eleito Dr. Ph. H. C. pela
Universidade de Tübingen (31/10). Começa a publicação do Cosmos, Ensaio
de uma descrição física do mundo edição alemã, Stuttgart (1845-1862), 5
vol.

1846 - Segue cumprindo com seus deveres cortesãos no séquito do Rei da


Prússia. Atravessa dificuldades financeiras devido aos enormes gastos com a
edição de suas obras, sobretudo a Viagem a América. Pede crédito a um
banco prussiano.

1847 - Recebe a Ordem da Águia Negra, a condecoração mais elevada da Prússia.


Vai a última missão diplomática em Paris (04/10). Publicação em francês do
Cosmos, 4 vol. (1847-1859).

1848 - Regressa a Berlim (16/01). Participa dos funerais das vítimas da


revolução de março em Berlim (22/03). Viaja à Kohl acompanhando o rei
Friedrich Wilhelm IV (12/08), vai a potsdam (24/08). É eleito Dr. Ph. H. C. e
Dr. Em Medicina pela Universidade de Praga (28/08).

1849 - Celebra seus oitenta anos em Tegel, na presença da família real (14/09). É
nomeado Membro de Honra da Royal Irish Academy (30/11).
1850 - A Academia de Berlim celebra os oitenta anos de Humboldt (4/08). Viaja
com o rei a Paretz (15/10).

1851 - Apresenta na Academia de Berlim uma conferência sobre astronomia.


Recebe a visita de amigo do sábio francês Valenciennes. Trabalha na
preparação de outros volumes do Cosmos. Expressa a seu amigo
Boussinggault sua grande tristeza pelos acontecimentos políticos na
Alemanha e no resto da Europa: “Vivemos, ou melhor vegetamos,
atrozmente enganados em nossas esperanças mais íntimas (falo das
minhas)” (Carta de 15/04). “Você conhece o fervor e a invariabilidade de
minhas simpatias pelas liberdades públicas. Essa pouca liberdade que a
Alemanha esperava gozar foi ameaçada desde o final do ano 1859 e a reação
mais atroz encontra por todas as partes um apoio.” (Carta de 30/12).

1852 - Viaja com o Rei da Prússia para visitar a Duquesa Dorotea von Sagan.
Reside em Paretz (10). É condecorado pela Royal Society de Londres e
nomeado membro de honra da Academia Austríaca (31/12).

1853 - Expressa seu desengano a seu amigo Varnhagen: “E em que estado


deixarei o mundo, eu, que em 1789 compartilhava as ilusões da época; mas
os séculos não são mais do que segundos no grande problema do
desenvolvimento da humanidade. No entanto, a curva que se estende sofre
pequenas inflexões onde é desagradável deter-se”(Carta de 03/03). Escreve o
prólogo para a edição dos sonetos de seu irmão Wilhelm (08). Completa seu
testamento (20/09).é nomeado correspondente da Academia Pontifícia de
Nuovi Lincei (24/09). Escreve a introdução das obras de seu amigo F. Arago
(24-28/12). No curso do ano, recebeu o enviado de Bolívar, General Daniel
Florencio O’Leary, o qual havia feito uma importante declaração sobre
Bolívar.

1854 -Já não participa nos trabalhos do Conselho de Estado. Acompanha o Rei
em nova viagem a Paretz.

1855 -Apresenta uma conferência na Academia de Berlim sobre a luz animal; os


dados procedem de seu Diário de viagem à América (ano 1803). Recebe em
sua casa o egiptólogo Auguste Edouard Mariette (12).

1856 -É nomeado cidadão de honra da cidade de Berlim. Participa nos trabalhos


da Academia com uma conferência sobre os mais recentes aparatos
fotográficos. Publica um protesto enérgico contra uma supressão, em uma
edição norte americana, do capítulo de seu livro sobre a Ilha de Cuba, em
que ele denunciava a escravidão dos negros ( artigo na Spersche Zeitung de
25/07).

1857 - Sofre um ataque de apoplexia (24/02). Apoia com força a lei que declara
livre todo escravo que pise em solo prussiano (24/03). Redige instruções
para a expedição austríaca de Novara ao redor do mundo (07/04).

1858 - Realiza sua última visita ao Observatório Astronômico de Berlim. Se


despede, em Potsdam, de Rei Friedrich Wilhelm IV, doente do cérebro e que
havia sido substituído em poder desde o ano anterior, por seu irmão.
1859 - Faz a entrega do último manuscrito do Volume V do Cosmos. Reitera o
pedido, pela imprensa, a seus correspondentes que não lhe escrevam tanto,
porque é obrigado a responder mais de 1600 cartas por ano, o que não o
permite trabalhar corretamente. Cai doente (21/04), suas forças se
debilitam rapidamente. Morre em 6 de maio às 14h30’ em seu apartamento
da Oranienburgerstrasse, na presença dos sobrinhos Gabriele von Bülow e
August von Hedemann. Celebram-se os funerais solenes na catedral de
Berlim (10/05) e um ato oficial de duelo. O caixão é sepultado (11/05) no
cemitério familiar no parque do Castelo de Tegel.

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