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Rio de Janeiro
2019 | 1a Edição
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81 Somos milhões!
88 ¡Somos millones!
Laís Amorim
En Tudo que é sólido se desmancha no ar [Todo regresivas. El artista puede entonces leer la historia de
lo sólido se desvanece en el aire], Marcela Cantuária una manera sin precedentes.
aborda dos conceptos: ruina y transformación. Los Minha era, minha fera [Mi era, mi bestia] de
tanques militares y el contexto de la posguerra retratan Marcela Cantuária, también se ocupa de este tiempo
la destrucción inherente a las políticas imperialistas dividido. En lo contemporáneo, la artista identifica
y al sistema capitalista, mientras que, a través de la síntomas sobre las relaciones entre el país y la frontera:
pintura, la construcción de una línea de tren habla la ola migratoria en Europa, la cuestión de Palestina, la
sobre de la imaginación de un futuro; un futuro que es crisis en Venezuela y las políticas contra la inmigración
engendrado por la gente que, con sus manos, articula de Trump. En la tela, los refugiados buscan el cielo, se
las piezas de lo nuevo y ve desde las zonas más grises enfrentan al océano, se vuelven clandestinos, ocupan
el destino utópico. el extremo de una cuadrícula apoyada por personal
En el curso de su investigación teórica y poética, militar. Es el poder militar-imperialista el que mantiene
basada en registros personales e históricos como las barreras y marca la oposición a los cuerpos que se
fotografías, manifiestos y periódicos, Marcela recopila encuentran en la parte superior de la red: cuerpos que
imágenes de guerras revolucionarias y situaciones de huyen de la violencia, la guerra y la crisis política de sus
explotación estructural a través del trabajo productivo y países de origen.
reproductivo que desencadenan las tensiones dialécticas La acción de la artista de suturar las vértebras del
individuo/colectividad y capitalismo/socialismo. De este tiempo también puede entenderse como parte de un
modo, la artista captura imágenes para articular otra proceso revolucionario. Suturar el pasado es corregir
narrativa del pasado, presente y futuro, tiempos que se las desigualdades resultantes de las opresiones
barajan constantemente en sus lienzos. estructurales a las que están sometidos los grupos
A través de las obras presentadas aquí, se entiende minoritarios; es curar las heridas de las dictaduras
que el proceso revolucionario de transformación de lo militares latinoamericanas; es condenar a los asesinos y
instituido no supone una tabula rasa lineal de la historia. líderes; es recordar a las víctimas. Marcela, consciente de
En su articulación de los tiempos, Marcela revela que su compromiso, pone en práctica estas acciones en O Sul
es necesario, desde el presente, suturar el pasado sin nunca morre ou Onde se cai uma heroína, levanta-se um
cesar la memoria y liberar el tiempo presente para la povo [El sur nunca muere o Cuando una heroína cae, un
construcción del futuro. pueblo se levanta]; Fantasmas da esperança [Fantasmas
de la esperanza]; y Futuro do pretérito [El futuro del
La sutura y la libertad pretérito] por Marielle Franco, Matheusa, Mestre Moa do
Katendê y muchas otras presencias de resistencia.
“Reúna las partes nudosas de los días: / La flauta suena, En Minha era, minha fera [Mi era, mi bestia],
y el mundo es liberado, / La flauta suena y la vida se recrea.” se ve el escape que es el abandono y la evasión. Sin
La Era | Ossip Mandelstam embargo, es posible pensar en una brecha de escape,
una búsqueda de desmontes. En Gigantes pela própria
En su análisis de La Era de Ossip Mandelstam natureza [Gigantes por su propia naturaleza] y À
(1923), Giorgio Agamben habla de una bestia del revelia das grandes cidades [Al margen de las grandes
tiempo — la época del poeta lo contemporáneo — ciudades], la selva incluye el ejercicio de la libertad y la
que tiene la espalda fracturada. El poeta (el artista) posibilidad de un camino hacia la reconstrucción. “La
está ubicado en la fractura y mira desde dentro a la pelea es una grieta en la pared del sistema”, declara
bestia débil y atrofiada o el tiempo que se interrumpió; una frase zapatista; es necesario, por lo tanto, crear las
su tarea es soldar las vértebras, suturar el tiempo brechas, cortar las grietas y liberarse, para descargar
histórico colectivo. Actuar en la fractura significa, el tiempo presente y liberarlo para la invención de un
por tanto, entenderla como lugar de compromiso y futuro. La pared no es indestructible; después de todo,
encuentro entre los tiempos, en una relación singular todo lo sólido se desvanece en el aire.
que aprehende la articulación de las temporalidades en Joyce Delfim,
una forma desplazada, inadecuada a las pretensiones Curaduría.
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Marcela,
Carta de Adriana Varejão
à Marcela Cantuária, Quando vi seu trabalho pensei: que pintora feroz! Que não teme
o excesso e a intensidade. Suas pinturas me remeteram ao vigor das
julho 2019 pinturas dos anos 1980, quando comecei a pintar e fui pela primeira
vez na vida à então monumental 17ª Bienal de São Paulo, em 1983.
Era bom sentir o que estava acontecendo pelo mundo. Era bem mais
difícil e caro viajar ao exterior. Os anos de ditadura militar, e o sis-
tema de créditos na faculdade que passou a vigorar na década de
1970, haviam tirado toda a força política do movimento estudantil.
Se podemos afirmar que nos anos 1980 sobrava intensidade e ex-
pressão, também podemos admitir que faltava política.
Nas Bienais de São Paulo de 1983 e 85, curadas respec-
tivamente por Walter Zanini e Sheila Leirner, a gente via pela
primeira vez Chia, Lüpertz, Scharf, Keith Haring, Fluxus, Kiefer,
Dokoupil, Dumas, Middendorf, Paula Rego, Grupo CoBra… A pin-
tura parecia tomar fôlego. A gente ouvia falar da Transvanguarda
italiana e do Neoexpressionismo alemão. No Parque Lage, se fa-
zia festa e espetáculo com a Geração 80. Estávamos na época do
hedonismo pós ditadura.
Na década seguinte, o exercício autônomo de desenvolver uma
linguagem nas artes plásticas parecia predominar. Muitos, no en-
tanto, se alinhavam às ideias do Movimento Neoconcreto surgido
na década de 1960. De certa forma, a pintura passou a estar forte-
mente associada à ideia de mercado, dos mecanismos opressores
do capital. Havia também o debate sobre estarmos trabalhando
com uma linguagem “morta”, evocando um retorno ao objeto, lon-
ge do corpo e dos sentidos. Foi em meio a esse contexto que optei
por teatralizar a morte da pintura, numa série intitulada “Extirpa-
ção do Mal”, que apresentei na Bienal de São Paulo de 1994.
A arte brasileira de então se alinhava à linguagem de dois de
seus grandes expoentes, Hélio Oiticica e Lygia Clark, que haviam
rompido as barreiras nacionais. Dar continuidade ao legado ne-
oconcreto era a preocupação preponderante da minha geração.
A pintura figurativa parecia anacrônica. Mesmo a figuração pop
mais visceral de um Antônio Dias dos anos 1960 não encontra-
va muita reverberação entre meus colegas de geração. O rótulo
“latino-americano” remetia mais a Botero e a um circuito de ga-
lerias, coleções e instituições que do que à ideia de vanguarda in-
ternacional. Como reescrever uma história latino-americana, de
forte carga política por outro viés, falando de outras tradições?
Então olho pra você, vestida com uma camiseta onde está
escrito “latino-americana”, e fico refletindo sobre o que é ser
latino-americano? E nós brasileiros, o que temos em comum com
nossos Hermanos?
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Vamos seguir com um pouco de história já escrita. A arte lati- À medida que escrevo essa carta para você, ainda não sei se
no- americana colonial se constitui a partir da retórica de dominação imaginamos uma América, forjamos sua identidade e construímos
religiosa. Seus temas e sua expressão plástica eram importados de sua história a posteriori, costurando relações; ou se vamos nos cons-
acordo com as necessidades dos colonizadores, que pouco incorpo- truindo a partir da confluência de nossa experiência enquanto nos
raram a enorme e diversa arte dos povos originários, cujos impérios enxergamos como parte de um só bloco. Onde surge “Nuestra Amé-
foram sepultados ou reprimidos. Surgiram forças artísticas como a rica”? Provavelmente no início do século XX, quando as vanguardas
Escola de Quito e a Escola de Cuzco. Aqui no Brasil, tínhamos alguns modernas discutem sobre Indianismo. O Muralismo foi outro movi-
pintores estrangeiros como o Frans Post e Eckhout, e desenhistas mento que abarcou todo o continente, procurando aliar a poética e a
como Codina e Freire, da missão comandada pelo português Alexan- magia indígena ao desejo de revolução social, política e econômica. E
dre Rodrigues Ferreira. Sem falar nos gênios Ataíde e Aleijadinho, as- você me diz que, em sua obra, revisita o Muralismo. Não à toa, você
sim como o Barroco Guarani no território das Missões, configurando me falou que “bateu a cara no muro” na sua viagem ao México - Dr.
o nosso barroco mestiço pelo qual sou apaixonada. A arte acadêmica Atl, Siqueiros, Rivera, Orozco... Me admira seu exercício no sentido de
e neoclássica, importada da Europa, emergiu com várias representa- reimaginar uma identidade comum, fazendo reverberar em pintura
ções de temas da independência e seus heróis, demonstrando alguma o Barroco, o Muralismo e a figuração, retomando o viés político e
reação à turbulência da vida política na América Latina. revolucionário que sempre nos uniu como latino-americanos. Nas
Depois disso, expedições se espalharam por todo continente com suas pinturas, também se enxerga a história política do Brasil re-
artistas estrangeiros viajantes que viviam o desafio de explorar e de re- cente, num viés feminista e revolucionário, e o resgate de heroínas
presentar o que se apresentava à sua frente; de decifrar a paisagem e a latino-americanas que a história contada a partir do ponto de vista
cultura locais. Debret, Taunay, Humboldt, Langsdorff, Rugendas, Velas- dos vencedores apagou.
co… Muito do que sabemos da beleza das paisagens e das atrocidades Trazer à tona os nomes esquecidos, relegados à invisibilidade, e
da vida colonial vem daí. Em todo o continente se iniciou o movimento reimaginá-los tão próximos da nossa história recente, é querer res-
modernista, rompendo com a tradição acadêmica europeia. gatar e reivindicar nossa identidade revolucionária, nossa capacidade
de imaginar a um só tempo, política e sensivelmente, uma América
Latina indígena ligada à terra, à cultura ancestral. Nada mais urgente
do que falarmos disso hoje. Precisamos tocar nossas feridas, las ve-
nas abiertas de América Latina.
Como você mesma me disse: “Juana (Azurduy) também é his-
tória nossa. Pensando em geopolítica, é importante reconhecer que
o bioma amazônico se estende em território peruano, boliviano,
equatoriano e por aí vai. É a natureza, a fúria e a política intrinse-
camente conectadas”.
Adriana
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Marcela,
¿Cómo reescribir una historia latinoamericana, de fuerte carga en América Latina. Después de eso, expediciones se dispersaron
política por otra vía, hablando de otras tradiciones? por todo el continente con artistas extranjeros viajeros que vivían
Entonces la veo a usted, vestida con la camiseta donde está el desafío de explorar y de representar lo que se presentaba frente
escrito: latinoamericana, y me pongo a pensar sobre lo que es ser a ellos, de descifrar el paisaje y la cultura locales. Debret, Taunay,
latinoamericano. Y, nosotros brasileños, ¿qué tenemos en común Humboldt. Langsdorff, Rugendas, Velasco… mucho de lo que
con nuestros hermanos? sabemos de la belleza de los paisajes y de las atrocidades de la vida
Vamos a seguir con un poco de historia ya escrita. El arte colonial viene de ahí. En todo el continente se inició el movimiento
latinoamericano colonial se constituye a partir de la retórica modernista, rompiendo con la tradición académica europea.
de dominación religiosa. Sus temas y su expresión plástica eran A medida que escribo esta carta para usted, todavía no sé si
importados de acuerdo con las necesidades de los colonizadores, imaginamos una América, forjamos su identidad y construimos
que poco incorporaron la enorme y diversa arte de las pueblos su historia a posteriori, costurando relaciones, o si vamos
originarios, cuyos imperios fueron sepultados o reprimidos. construyéndonos a partir de la confluencia de nuestra experiencia
Surgieron fuerzas artísticas como la Escuela Quiteña y la Escuela en relación a que nos veamos como parte de un solo bloque. ¿Dónde
Cuzqueña. Aquí en Brasil teníamos algunos pintores extranjeros surge “Nuestra América”? Probablemente al inicio del siglo XX,
como Frans Post, Eckhout y dibujantes como Codina y Freire, de la cuando las vanguardias modernas discuten sobre Indianismo.
misión comandada por el portugués Alexandre Rodrigues Ferreira. El muralismo fue otro movimiento que abarcó todo el
Sin mencionar a los genios Ataíde y Aleijadinho, así como el continente, buscando aliar la poética y la magia indígena al deseo
Barroco Guaraní en el territorio de las Misiones, configurando de la revolución social retomando la vía política y económica. Me
nuestro barroco mestizo, el cual me apasiona. El arte académico dices que, en tu obra, revisitas el Muralismo. No en vano me dijiste
y neoclásico importado de Europa emergió con varias que “te diste en la cara con el muro” en tu viaje a México — Dr. Atl,
representaciones de temas de la independencia y sus héroes Siqueiros, Rivera, Orozco…
demostrando alguna reacción a la turbulencia de la vida política Me admira tu ejercicio en el sentido de reimaginar una identidad
común, haciendo reverberar en pintura el Barroco, el Muralismo, la
figuración, retomando la vía política y revolucionaria que siempre
nos unió como latinoamericanos. En tus pinturas también vemos
la historia política reciente de Brasil por una vía feminista y
revolucionaria y el rescate de heroínas latinoamericanas que la
historia, contada por el punto de vista de los vencedores, borró. Traer
a la superficie los nombres olvidados, relegados a la invisibilidad
y reimaginarlos tan cerca de nuestra historia reciente, es querer
rescatar y reivindicar nuestra identidad revolucionaria, nuestra
capacidad de imaginar en un tiempo política y sensiblemente una
América Latina indígena ligada a la tierra, a la cultura ancestral.
Nada más urgente que hablar de eso hoy. Necesitamos tocar
nuestras heridas, Las venas abiertas de América Latina.
Como usted misma me dijo: “Juana (Azurduy) también es
nuestra historia, pensando en geopolítica, es importante reconocer
que el bioma amazónico se extiende en territorio Peruano,
Boliviano, Ecuatoriano y por ahí va. Es la naturaleza, la furia y la
política intrínsecamente conectadas.”
Adriana
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A opção
É possível identificarmos nas obras atuais de Marcela
Cantuária uma interlocução direta com algumas das tradições
mais importantes do pensamento latino-americano do século
passado que, na era atual de desrecalque dos porões, torna-se Considerado em Cuba o precursor da Revolução de 1959,
um farol a ser guiado. Martí propunha a unidade das nações latino-americanas, a
Nosso intuito é trazer à tona algumas experiências de soli- superação dos atritos políticos e a eliminação dos resquícios
dariedade na América Latina, para ampliar o horizonte de análi- coloniais, pensando novas formas de reorganização interna.
se das pinturas de Marcela Cantuária e suturar algumas pontes Sobretudo, como estratégia de interromper as ambições ex-
fragilizadas entre o passado e o presente de nosso continente. pansionistas da América Anglo-Saxônica, que desde o século
Assim, propomos uma volta ao começo da década de 1970, no XIX, intensificava as intervenções na região7. “O perigo maior
Chile de Salvador Allende, o primeiro governo socialista demo- da nossa América é o desdém do vizinho formidável, que não
craticamente eleito na região3. a conhece; e urge, porque o dia de visita está próximo, que o
À medida que a América Latina foi limada por regimes mi- vizinho a conheça, a conheça logo, para que não a desdenhe”8.
litares, o país andino tornou-se um ponto de refúgio de perse- Historicamente, todo o continente americano foi submetido
guidos políticos. No Chile, a aspiração terceiro-mundista foi um à colonização, contudo, os Estados Unidos e o Canadá industria-
quadro de referência fundamental. Os sentidos de solidariedade lizaram-se, enquanto os países do Sul seguiram submersos em
e cooperação entre os países de Terceiro Mundo e a unidade uma economia colonial. Desde então, a dicotomia entre América
latino-americana foram disparadores comuns que permearam Anglo-Saxônica e América Latina acentuou-se. De acordo com
tanto os pressupostos da política internacional da Unidade Po- Paul Singer, a primeira se transformou em potência hegemôni-
pular4, quanto os seus programas culturais. ca, enquanto sobrou à segunda um lugar periférico no sistema
A dimensão fraterna caracterizou a fundação de entidades capitalista mundial. A nomenclatura também revelou destinos
diplomáticas dentro desse contexto de aproximação e rees- distintos, segundo o economista. Os Estados Unidos se autode-
tabelecimento de vínculos políticos. A Organização Latino-A- nominaram “A América” e seus cidadãos “americanos”. Logo,
mericana de Solidariedade (OLAS), por exemplo, foi um órgão à outra parte americana restou a alcunha “latinos”9.
proposto por Allende, em 1967, para coordenar as lutas contra Todavia, a América Latina surgiu como símbolo de integra-
o imperialismo em escala continental5. A união da África, Ásia ção cultural e de identidade política em contraposição à ofen-
e América, selada pela fraternidade tricontinental, zelava pela siva imperialista norte-americana. Esse sentimento de união
compreensão dos problemas, assim como das aspirações con- seria renovado após a Revolução Cubana, de 1959. Nesse viés,
vergentes. Esses correlatos históricos possibilitaram o elo soli- as políticas socialistas empreendidas em um pequeno e longín-
dário como forma de liquidar o colonialismo e afirmar o direito quo país latino-americano, representado por Salvador Allende,
de livre determinação dos povos6. alteraram profundamente o tabuleiro geopolítico do cone sul.
A iniciativa artística mais importante da época, o Museu da Os quase mil dias do governo Allende representaram um sopro
Solidariedade, concebido pelo crítico brasileiro Mário Pedrosa, de esperança para muitos latino-americanos que lá buscaram
a convite do próprio Allende, recebeu esse nome para refor- abrigo e uma possibilidade potente de renovação política em
çar o gesto de fraternidade dos artistas de todo o mundo ao um continente que estava sendo gradualmente minado pelos
povo chileno. O empenho coletivo dessas contribuições globais militares, com o evidente apoio dos Estados Unidos.
transcendia o mandato de Allende, ao cruzar fronteiras e con- O golpe do Augusto Pinochet, de 11 de setembro de 1973,
gregar lutas similares contra o imperialismo norte-americano e não só sepultou a promessa de um governo socialista e demo-
a dependência econômica e cultural. crático na região, como produziu uma diáspora de exilados que
Em sintonia com essa vocação solidária, a ideia de “Povo Con- tiveram que sair às pressas do Chile. A estratégia da ditadura
tinente” também fez parte do quadro de utopias latino-americanas, de expatriação como fragmentação política gerou a perda de
sendo utilizada para acentuar a unidade continental, sempre em raízes, traumas e o sufocamento das esquerdas.
benefício coletivo da região. Salvador Allende, em visita diplomáti- Resgatar essas histórias de solidariedade hoje, mais de
ca aos países vizinhos, frequentemente empregava o termo em seus quarenta anos depois, num momento de tantas adversidades
discursos públicos para se referir ao conceito de homem americano, políticas, é crucial para ativar o alcance da nobreza desse es-
nas condições culturais e políticas que fortaleciam o vínculo entre pírito coletivo e popular de outrora. Não obstante, as rupturas
os povos. O viés latino-americanista do presidente fazia alusão a um políticas evidenciam as páginas infelizes de nossa história, in-
sonho antigo de integração do continente, demanda presente desde dicando como os erros do passado podem ser atualizados no
o período das lutas pela independência das colônias, no século XIX, presente de maneira perversa.
passando por Simón Bolívar e pelo poeta cubano José Martí.
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La opción tercermundista como gesto solidario Después de siglos de dependencia asfixiante, fruto del peso de
la política colonial y posteriormente, del imperialismo económico
Luiza Mader Paladino y cultural, figuras esenciales de nuestro continente movilizaron
un fértil aporte teórico, impactando no apenas el campo de las
Es posible identificar en las obras actuales de Marcela Cantuária una ciencias humanas, como también el de las artes visuales.
interlocución directa con algunas de las tradiciones más importantes Siguiendo esa línea, hay en los trabajos de Cantuária un diálogo
del pensamiento latinoamericano del siglo XX. Esas pinturas repercuten abierto con la historia del continente, en el cual la artista expone un
ideas valiosas a las reflexiones tercermundistas e, inclusive, de la Teoría nuevo camino. Al evidenciar narrativas subterráneas, ella expone
de la Dependencia cuyos parámetros fueron forjados en un periodo de traumas, concediendo color y carne a los personajes inviabilizados y
turbulencias políticas, entre las décadas de 1960 y 1970. a las voces sofocadas por los actos de la historia oficial. Su discurso
La primera se convirtió en un marco discursivo fundamental poético se integra a las tradiciones que reivindicaron el desarrollo
al fomentar una aproximación solidária con los pueblos que de una conciencia geopolítica anclada en el Tercer Mundo. En
comparten herencias coloniales análogas. La ideología que vino su obra pictórica, ese cambio de latitud es as señalado por la
del Tercer Mundo prevaleció como un diagnóstico apoyado en la movilización de un vocabulario crítico e de imágenes aliado a las
tesis de que la revolución mundial estaba en marcha y sus ecos pautas tercermundistas, en las cuales se comprende la emergencia
más concretos vendrían de los pueblos condenados de la tierra, de un reordenamiento geográfico y la inclusión de otros puntos de
siguiendo la expresión empleada por Frantz Fanon1. partida epistemológicos.
La segunda fue elaborada por sociólogos y economistas, que Es a partir de ese momento que adentramos en el terreno de
sistematizaron metodologías propias para interpretar las raíces la solidaridad y del gesto de empatía como eje de articulación
del atraso y del subdesarrollo en América Latina, en vista de la fundamentales del pensamiento tercermundista. La noción de
inadecuación de proposiciones europeas para la comprensión de la unión fraterna integra el rol de las inúmeras historias adormecidas
coyuntura histórica de la desigualdad y de la sumisión económica y del pasado que, en la era actual de abrir sótanos, se convierte en un
política a los países metropolitanos2. un farol a ser guiado.
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Nuestra intención es traer a la superficie algunas experiencias correlatos históricos posibilitaron el vínculo solidario como
de solidaridad en América Latina, para ampliar el horizonte de forma de liquidar el colonialismo y afirmar el derecho de libre
análisis de las pinturas de Marcela Cantuária y suturar algunos determinación de los pueblos5.
puentes fragilizados entre el pasado y el presente de nuestro La iniciativa artística más importante de la época, el Museo de
continente. Así, proponemos una vuelta al comienzo de la década la Solidaridad, concebido por el crítico brasileño Mario Pedrosa,
de 1970, en Chile de Salvador Allende, el primer gobierno socialista invitado por el propio Allende, recibió ese nombre para reforzar
democráticamente elegido en la región3. el gesto de fraternidad de los artistas de todo el mundo al pueblo
A medida en que América Latina fue limitada por regímenes chileno. Empeño colectivo de esas contribuciones globales
militares, el país andino se convirtió en un punto de refugio de trascendía el mandato de Allende, al cruzar fronteras y congregar
perseguidos políticos. En Chile, la aspiración tercermundista fue luchas similares contra el imperialismo norteamericano y la
un cuadro de referencia fundamental. Los sentidos de solidaridad dependencia económica y cultural.
y cooperación entre los países del Tercer Mundo y la unidad En sintonía con esa vocación solidaria, la idea de “Pueblo
latinoamericana fueron disparadores comunes que impregnan Continente” también hizo parte del cuadro de utopías
tanto las presunciones de la política internacional de la Unidad latinoamericanas, siendo utilizado para acentuar la unidad
Popular, como a sus programas culturales. La dimensión fraterna continental, siempre en beneficio colectivo de la religión. Salvador
caracterizó la fundación de entidades diplomáticas dentro de Allende, en visita diplomática a los países vecinos, frecuentemente
ese contexto de aproximación y restablecimiento de vínculos empleaba el término en sus discursos públicos para referirse
políticos. La Organización Latinoamericana de Solidaridad al concepto de hombre americano, en las condiciones culturales
(OLAS), por ejemplo, fue un órgano propuesto por Allende, y políticas que fortifican el vínculo entre los pueblos. La vía
en 1967, para coordinar las luchas contra el imperialismo en latinoamericanista del presidente hacía alusión a un sueño antiguo
escala continental4. La unión de África, Asia y América, sellada de integración del continente, demanda presente desde el periodo
por la fraternidad tricontinental, velaba por la comprensión de de luchas por la independencia de las colonias en el siglo XIX,
los problemas, así como las aspiraciones convergentes. Esos pasando por Simón Bolívar y por el poeta José Martí.
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Considerado en Cuba el precursor de la Revolución de 1959, “Un Pueblo sin memoria, es un pueblo sin futuro”.
Martí proponía la unidad de las naciones latinoamericanas, la
superación de las fricciones políticas y la eliminação dos Esa frase estampa una de las pinturas de Marcela Cantuária,
resquicios coloniales, pensando novas formas de reorganización cuyo personaje principal es la concejala Marielle Franco, asesinada
interna. Sobre todo, como estratégia de interromper las por “profesionales de la violencia”, en 2018. Negra, periférica y
ambiciones expansionistas de América Anglosajona, que desde lesbiana, el legado de Marielle hace eco en el título de la obra:
el siglo XIX, intensificaba las intervenciones en la región6. Voltarei e serei milhões [Volveré y seré millones]. Ella aparece
“El mayor peligro de nuestra América es el desdén del vecino sentada en una suntuosa silla de mimbre sobre un tapete de
formidable, que no la conoce; y urge, porque el dia de visita piel de animal y una imponente pantera negra. Ella sostiene una
está cerca, que el vecino la conozca, que la conozca luego para estaca con la cabeza de un do sus verdugos. Cantuária hace
que no la desdeñe”7. alusión a la icónica foto de Huey P. Newton, fundador del Partido
Históricamente,todo el continente americano fue submetido de los Panteras Negras.
a la colonización, con eso, los Estados Unidos y Canadá se Esa silla, que simboliza los movimientos de resistencia negra,
industrializaron, mientras que los países del Sur siguieron adquiere nuevos estratos de significación en la pintura de Cantuária.
submersos en una economía colonial. De acuerdo con Paul Marielle grita contra todos los tipos de golpe, los del pasado y los
Singer, la primera se transformó en potencia hegemónica, actuales. La exuberancia de la silla trenzada de mimbre nos hace
y ya la segunda un lugar periférico en el sistema capitalista regresar a Chile, una vez más. El respaldo del asiento también
mundial. La nomenclatura también reveló destinos distintos, representa el Estadio de Chile, zona deportiva que se volvió un
según el economista. Los Estados Unidos se autodenominaron “A centro de exterminio de presos políticos, aún en la primera semana
América” y sus ciudadanos “americanos”. Luego, a la otra parte del golpe militar chileno. Víctor Jara, gran exponente de la Nueva
americana le restó el apodo “latinos”8. Canción Chilena, movimiento musical de recuperación de la música
No obstante, América Latina surgió como un símbolo de folclórica de raíz popular y de fuerte contenido social, fue torturado
integración cultural y de identidad política en contraposición a la y asesinado en el Estadio, por el régimen dictatorial de Pinochet.
ofensiva imperialista norteamericana. Ese sentimiento de unión Hoy, el lugar se llama Estadio Víctor Jara, en homenaje al músico.
sería renovado después de la Revolución Cubana, de 1959. Por Esos “profesionales de la violencia” inauguran un nuevo
esa vía, las políticas socialistas emprendidas en un pequeño y capítulo en la historia política de América Latina. Las nociones de
lejano país latinoamericano, representado por Salvador Allende, solidaridad, cooperación y fraternidad entre los países del Tercer
alteraron profundamente el tablero geopolítico del cono sur. Mundo y la unidad latinoamericana, a bases centrales de Unidad
Los casi mil días del gobierno Allende representaron un soplo Popular, así como el ambiente de pluralidad intelectual, propicio
de esperança para muchos latinoamericanos que allá buscaron para florecer la Teoría de la Dependencia fueron brutalmente
abrigo y una posibilidad potente de renovación política en un solapadas. Tomó su lugar un régimen autoritario y brutal, que
continente que estaba siendo gradualmente minado por los sirvió como laboratorio de políticas neoliberales implementadas
militares, con el evidente apoyo de los Estados Unidos. por los Chicago Boys9, grupo de economistas que favoreció a la
El golpe de Augusto Pinochet, del 11 de septiembre de 1973, no especulación y la fuerza del dinero, en detrimento del bienestar
solo sepultó la promesa de un gobierno socialista y democrático en social. No es por acaso, que los Chicago Boy son referencia para el
la región, como produjo una diáspora de exiliados que tuvieron que choque neoliberal impuesto por los “profesionales de la violencia”,
salir de prisa de Chile. La estrategia de la dictadura de expatriación del presente, confirmando que la historia se repite, la primera vez
como fragmentación política generó la pérdida de raíces, traumas y como tragedia, la segunda como farsa.
el sofocamiento de las izquierdas. Por lo tanto, “suturar el pasado”, conforme las obras de
Rescatar esas historias de solidaridad hoy, más de cuarenta Marcela Cantuária apuntan, se convierte en una reflexión cada
años después, en un momento de tantas adversidades políticas, vez más de emergencia. Suturar es una de las formas de “reparar
es crucial para activar el alcance de la nobleza de ese espíritu las desigualdades fruto de las opresiones estructurales a las
colectivo y popular de antaño. Sin embargo, las rupturas cuales los grupos minoritarios está subordinados; es cicatrizar las
políticas evidencian las páginas infelices de nuestra historia, heridas de las dictaduras militares latinoamericanas; es condenar
indicando cómo los errores del pasado puede ser actualizado en los matadores y mandantes; es recordar a las víctimas”10.
el presente, de manera perversa. Definitivamente, un pueblo sin memoria, es un pueblo sin futuro.
33
1
GILMAN, Claudia. Entre la pluma y el fusil. Debates y dilemas del escritor revolucionario Conferência de Solidariedade dos Povos da África, Ásia e América Latina, 1967. Arquivo
en América Latina. Buenos Aires: Siglo XXI Editores Argentina, 2003, p.45. CEDEM - Centro de Documentação e Memória da UNESP. Fundo Mário Pedrosa.
2
Ligada a economistas de tradición marxista, La Teoría de la Dependencia fue una 6
Paul Singer apunta que la acción imperialista norteamericana empezó mucho antes
interpretación sociológica y política de América Latina asociada a nombres como André de la Doctrina Monroe, de 1904. El economista cita el anexo de una parte del territorio
Gunder Frank, Theotônio dos Santos, Vânia Bambirra y Ruy Mauro Marini (ambos mexicano por los Estados Unidos, por la mitad del siglo XIX. Los Estados Unidos
recibieron exilio en Chile, durante el gobierno Salvador Allende). La cuestión central también anexaron Puerto Rico a su territorio y mantuvieron a Cuba bajo protección por
de esa Teoría era apuntar la responsabilidad de las elites locales por la dependencia casi 25 años. En 1903, promovió la separación de Panamá de Colombia, para facilitar
sistémica y por el subdesarrollo. El economista Bresser-Pereira escribe que el principal la construcción del canal en el país, al inicio del siglo XX. Y, por fín, mantuvieron al país
argumento de la Teoría de la Dependencia para explicar el atraso económico de los panameño bajo su tutela. In: SINGER, Paul. América del Sur 2006: de la geografía a
países subdesarrollados era la incapacidad de las elites locales de ser nacionales, o la historia. In: GONZÁLEZ, Helena & SCHMIDT, Heidulf. Democracia para una nueva
sea, de articularse a favor de los intereses. In: BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. As sociedad (modelo para armar). Caracas: Nueva Sociedad, 1997, p.168-169.
três interpretações da Dependência. Perspectivas, São Paulo, v.38, p.17-48, jul/dez. 7
MARTÍ, José. Nossa América – Nuestra América. Brasília: Editora Universidade de
2010. Ver também: WASSERMAN, Claudia. A teoria da dependência: do nacional- Brasília, 2011, p.32.
desenvolvimentismo ao neoliberalismo. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2007. 8
SINGER, Paul. América del Sur 2006: de la geografía a la historia. In: GONZÁLEZ,
3
El dia 3 de noviembre de 1970, Salvador Allende asume la presidencia de la Helena & SCHMIDT, Heidulf. Democracia para una nueva sociedad (modelo para
República de Chile. El día 11 de septiembre de 1973, fue asesinado durante un armar). Caracas: Nueva Sociedad, 1997, p.158.
bombardeo al Palacio La Moneda, en el golpe militar que implantó una dictadura en 9
Para combatir la hegemonía de las políticas nacional-desarrollistas, la Universidad
el país por 17 años. Católica de Chile creó un convenio con la Universidad de Chicago, en 1956. Se trata
4
FERRERO, Mariano. Salvador Allende: su mundo, su época. La Política Internacional de un programa de becas de estudios para los estudiantes chilenos en los Estados
del Siglo XX y sus encrucijadas en la Guerra Fría. In: AMAR, Mauricio; VÁSQUEZ, Unidos, cuya misión fue construir una tradición de defensa del libre mercado. De este
David; RIVERA, Felipe [Org.]. Salvador Allende: Vida Política y Parlamentaria – 1908- acuerdo, surgieron los Chicago Boys, que contribuyeron con la política económica
1973. Santiago: Ediciones Biblioteca Del Congreso Nacional de Chile, 2008, 231. oficial de la dictadura de Pinochet, después de 1973.
5
Opor ao inimigo comum a união dos três continentes. Resolução da Primeira 10
Ver texto SUTUR|AR LIBERT|AR, de la curadora Joyce Delfim.
40
nasce, ou melhor, renascem as filhas e os filhos das lutas antico- volvimento do corpo. O terceiro eixo é o tempo, entendido como a
loniais. Desse ventre, renascem os espíritos conscientes de que as própria vida e percebido pelos movimentos da natureza, no qual se
linhas que dividem os estados modernos são geradas pela violência deposita a memória e a mudança. Já o quarto eixo é o movimento, a
e devem ser combatidas. Ela está protegida por trincheiras ami- partir do qual se possibilita a organização e a construção do corpo
gas, guardada por ancestrais que conhecem bem o poder da terra social que luta, para além de sobreviver, por um bem viver. O quin-
em que pisa; está às margens do oceano de trocas, onde houve- to e não menos importante eixo é a memória, sendo fundamental
ram migrações involuntárias e voluntárias, refugiados e cativos seguir os passos já percorridos pela nossas mais velhas, “seiva de
que encontraram no chão em que pisamos a força para viver. “A raízes das quais procedemos”8.
surpresa para os colonialistas e a felicidade para nós (pretos em A batalha contra-colonial e suas consequências abrange a
diáspora) é que, quando nós chegamos ao território dos indígenas, contribuição de milhares de descendentes dos povos expropria-
encontramos modos parecidos com os nossos”3. O vai e vem das dos da África e trazidos em tumbeiros para as Américas. Em
embarcações trouxeram saberes que, aliados aos já existentes, são Voltarei e serei milhões, Quando secundarista é sinônimo de
capazes de resistir à lógica imperialista colonial. Aliados de lon- heroína e À revelia nas grandes cidades, Marcela Cantuária re-
ga data, originários da terra e afrodiaspóricos somam forças para trata mulheres negras que, desde que chegaram ao continente,
encarar sua aniquilação, guardando a chave para a reconstrução constroem, praticam, e são a própria resistência. Lélia Gonzalez9,
de si e do mundo por meio dos conhecimentos que preservam nos feminista preta, filósofa e antropóloga, conceitua o termo Améfri-
círculos de seus corpos. ca como possibilidade e problematização para estudos de gênero
Já em Filhas do vulcão: Mamá Dolores y Mamá Tránsito Ama- em contextos latino-americanos. E aponta a impossibilidade de
guaña, é revelada a força das mulheres originárias do continen- entender resistências e ações políticas em nosso território sem
te. Dolores Cacuando e Tránsito Amaguaña são duas mulheres interseccionar categorias como raça, classe, capacitismo, etaris-
que muito contribuíram para a luta anticolonial e antipatriarcal mo e outros dispositivos de hierarquização de poder, herdados
no Equador. Juntas, lutaram por melhores condições no trabalho pela invasão européia e pela expropriação do corpo preto.
agrícola e pela preservação e ensino da língua quíchua. Na tela se Ao transparecer para o mundo tais mulheres negras, Marcela
misturam o vulcão e a lava — fogo que gera solo para se pisar, e faz o gesto de também pensar o continente latino-americano como
quando se “segue as pegadas dos mais velhos se pisa melhor”4. É Améfrica, incorporando ao seu trabalho a força de guerreiras que,
dessa lava que despontam os ensinamentos para trilhar o caminho apesar de muitas vezes invisibilizadas, são os verdadeiros assen-
da resistência, assim como as heranças civilizatórias que o sistema tamentos que firmam esse território. Em Voltarei e serei milhões,
colonial tenta constantemente apagar. Marielle Franco é transportada como a grande líder preta que é e
O feminismo comunitário, termo cunhado por Julieta Paredes, que já se faz presente no imaginário de luta por todos desse con-
mulher aymara, na Bolívia, segue os passos herdados pelas com- tinente. Aproximando-se, assim, dos pensamentos cunhados por
panheiras Mamá Dolores e Tránsito Amanguaña. A vertente do fe- Jurema Werneck10, feminista preta brasileira que elabora sobre as
minismo surge das particularidades da condição de ser mulher em Ialodês, mulheres africanas que resistiram a qualquer pretensão de
um contexto latino-americano e descendente de povos originários domínio e submissão. Herança que todas nós, pretas, recebemos
da terra. Essa corrente feminista social e política se congrega na e compartilhamos nas lutas que travamos contra a colonização, o
necessidade de formação e fortalecimento de comunidades, “prin- patriarcado, o racismo e o capital.
cípio de inclusão que cuida da vida”5. Para as adeptas do feminis-
mo comunitário6, é importante que as mulheres latino-americanas
criem suas próprias lutas a partir do seu local de vivência, recusem
o nome de América e resgatem o nome de Abya Yala, dado pelos
povos da etnia Kuna, do Panamá e Colômbia, para o continente,
afinal, “não somos filhas do Iluminismo europeu”7. O feminismo
comunitário segue cinco eixos centrais de ação, a partir das he-
ranças dos povos mesoamericanos e andinos. Um deles é o corpo
como uma unidade energética, sensível e espiritual, que não separa
a alma do físico, em contraponto direto à cosmologia euro-cristã.
O segundo eixo é o espaço, entendido como local para criação e
manutenção da comunidade e território indissociável ao desen-
43
1
CESAIRE, Aimé. Discurso sobre o colonialismo. Lisboa: Sá da Costa, 1978.
2
FANON, Fanon. Os Condenados da terra. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1968.
3
BISPO, Antônio. Colonização, quilombos: modos e significações. 2 ed.
Brasília: AYÔ, 2019.
4
GONÇALVES, Ana Maria. Um defeito de cor. Rio de Janeiro: Record, 2007.
5
Ver Julieta Paredes, em sua definição de comunidade e feminismos. PARE-
DES, Julieta. Hilando fino desde el feminismo comunitario. La Paz, 2010.
6
Ver também NETO, J. Feminismo Comunitário: Uma resposta ao individua-
lismo. Diálogos do Sul.
Disponível em: <https://dialogosdosul.operamundi.uol.com.br/mulhe-
res/51908/feminismo-comunitario-uma-resposta-ao-individualismo>
Acesso em: 10 jul. 2019.
7
Por Evelyn Rodriguez, feminista comunitária.
8
Idem.
9
GONZALEZ, Lélia. Por um feminismo afro latino americano. Caderno de
formação política do Círculo Palmarino. Disponível em: <https://edisciplinas.
usp.br/pluginfile.php/271077/mod_resource/content/1/Por%20um%20
feminismo%20Afro-latino-americano.pdf> Acesso em: 10 jul. 2019.
10
WERNECK, Jurema. De Ialodês e Feministas: Reflexões sobre a ação polí-
ticas das mulheres negras na América Latina e Caribe. Nouvelles Questions
Féministes – Revue Internationale Francophone, vol.24, n.2, 2005.
CURIEL, Ochy. Crítica poscolonial desde las prácticas políticas del feminismo
antirracista. Revista Nómadas, 2007. Disponível em: <http://www.redalyc.
org/articulo.oa?id=105115241010> Acesso em: 10 jul. 2019.
45
Todo no se puede, pero yo puedo con todo: ya trae consigo la violencia de dominación de una tierra que no tuvo
contra-colonização e resistências sus nombres originarios respetados.
En Juana Azurduy, la pintura de Marcela Cantuária, el proceso
Walla Capelobo de descolonización se materializa en tinta al retratar esta líder
guerrillera que dedicó su vida a la liberación del poder colonial
Las resistencias en el territorio latinoamericano datan de español. Juana fue una agente fundamental en los procesos de
fechas distantes, siendo prácticamente imposible atribuir un independencia de Perú y de Bolivia. De su vientre, en pleno conflicto,
punto inicial de reflexión sobre las diversas formas de luchas nace, o mejor, renacen las hijas e hijos de las luchas anticoloniales.
y opresiones sediadas en un continente tan diverso. En las De ese vientre, renacen los espíritus conscientes de que las líneas
sociedades llamadas precolombinas, ya existían formas de que dividen los estados modernos son engendradas por la violencia
dominación entre grupos étnicos, guerras por territorios y y deben ser combatidas. Ella está protegida por trincheras amigas,
disputas políticas y religiosas que engendraran también grupos resguardada por ancestros que conocen bien el poder de la tierra
de resistencias a las formas de soberanía. Y donde hay disputa, en que pisa; está a las márgenes de los océanos de intercambios,
hay resistencia. Pueblos como los Incas ampliaron su dominación donde hubieron migraciones involuntarias y voluntarias, refugiados
política por casi toda la cordillera de Los Andes, en conflictos y cautivos que encuentran en el suelo en que pisamos la fuerza para
en mesoamérica que involucraron centenas de etnias de aquella vivir. La sorpresa para los colonialistas y la felicidad para nosotros
región. En el territorio que hoy es conocido como Brasil, ocurrieron (negros en diáspora) es que cuando nosotros llegamos al territorio
disputas similares entre los pueblos originários de la tierra, que de los indígenas, encontramos modos parecidos con los nuestros”3.
también viabilizaron modos de resistencia. El vaivén de las embarcaciones trajo saberes que, aliados a los ya
La historia del continente fue profundamente alterada a partir existentes, son capaces de resistir a la lógica imperialista colonial.
de año de 1492, cuando Cristóbal Colón desembarca en Santo Aliados desde hace mucho tiempo, originários de la tierra y afro
Domingo, América Central, patrocinado por los reyes católicos diaspóricos suman fuerzas para encarar su aniquilación, guardando
españoles. De ese hecho deriva una serie de acontecimientos la llave para la reconstrucción de sí y del mundo por medio de los
que son sentidos hasta el momento que escribo este texto. El conocimientos que preservan en los círculos de sus cuerpos.
colonialismo desembarca en estas tierras y con él la destrucción Ya en Filhas do vulcão: Mamá Dolores y Mamá Tránsito Amaguaña
de todo y todos los que están de acuerdo con sus objetivos. Aimé [Hijas del Volcán] son dos mujeres que contribuyeron mucho en la
Césaire, en su célebre texto Discurso sobre el colonialismo1, lucha anticolonial y antipatriarcal en Ecuador. Juntas, lucharon por
nos trae reflexiones importantes sobre las consecuencias de mejores condiciones en el trabajo agrícola y por la preservación de la
los esfuerzos colonialistas. La primera de ellas es la idea de que enseñanza de la lengua quíchua. En el lienzo se mezclan con el volcán
Europa es indefensible, tanto sobre la perspectiva moral como por y la lava — fuego que engendra suelo para ser pisado, y cuando se
la espiritual. El sistema colonial fue — y aún es — el mayor crimen sigue las huellas de los más viejos se pisa mejor4.
de la humanidad, resultado del genocidio inmediato de millones de Es de esa lava que surgen las enseñanzas para recorrer el
personas del continente americano, en la esclavitud moderna de camino de la resistencia, así como las herencias civilizatorias que
los pueblos africanos, en el mercantilismo y posteriormente, en el el sistema colonial intenta constantemente borrar.
capitalismo. No es posible disociar la historia de la acumulación de El feminismo comunitario, término acuñado por Julieta
capital con la historia del racismo y la esclavitud. La civilización Paredes, mujer aymara, en Bolivia, sigue los pasos heredados de
(blanca, cisgénero, heterosexual, europea, e imperialista) no supo las compañeras Mamá Dolores y Tránsito Amaguaña. La vertiente
cómo resolver dos de los grandes problemas que ella misma generó: del feminismo surge de las particularidades de la condición de ser
el problema colonial, que engloba el racismo y sus derivaciones y, mujer en un contexto latinoamericano y descendiente de pueblos
en la era moderna, el problema de la exploración de la fuerza de originarios de la tierra. Esa corriente feminista social y política
trabajo del proletariado. Frantz Fanon en Los condenados de la se congrega en la necesidad de formación y fortalecimiento de
tierra2 afirma que la situación colonial no admite conciliación: es comunidades, princípio de inclusión que cuida da la vida5. Para
fundamentada en la violencia directa entre agentes del colonialismo las adeptas del feminismo comunitario6, es importante que las
y los colonizados y se sustenta por la mantención de las asimetrías mujeres latinoamericanas críen sus propias luchas a partir de su
entre los dos grupos. Pensar sobre los medios de resistencia en local de vivencia, que rechacen el nombre América y rescaten el
América Latina es simultáneamente pensar en los medios de nombre de Abya Yala, dado por los pueblos de la etnia Kuna, de
resistencia al sistema colonial. El propio nombre “América Latina” Panamá y Colombia, para el continente, al final, no somos hijas
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47
48
corre para fazer vigorar a hipótese de que não há libertação indivi- Portanto, se a pátria é fundamentada por um modo de se
dual e que a luta pela emancipação das mulheres só será efetiva se relacionar a com terra que envolve exploração, fragmentação e
estiver implicada na luta pela libertação dos povos escravizados e alienação das potências férteis; a mátria há de ser uma revolução
colonizados, dos animais e da própria terra. que tenha em seu cerne um outro modo de relação com o que
São alguns os indícios que sustentam essa hipótese. O primeiro gera e mantém a vida.
está no nome da série Mátria Livre e nas pinturas que a compõe. Na pintura de Marcela Cantuária, a relação entre mulher e
Pensar a mátria implica, primeiramente, em investigar o sentido e natureza é posicionada como uma instância repleta de potência
a história da noção de pátria. No ensaio Os involuntários da pátria, crítica. Na pintura Banho de Sangue, por exemplo, vê-se uma
Eduardo Viveiros de Castro menciona dois modos distintos de se mulher de joelhos, com sangue escorrendo pelo rosto, descendo
relacionar com a terra. O primeiro seria através de uma aliança em direção ao seu peito e indo até seus quadris. De um vermelho
com a pátria, entidade abstrata que confere identidade, registro, análogo ao da cor do sangue são preenchidas as suas mãos, suas
vigilância e controle aos cidadãos. O segundo é apresentado em pernas, o solo sobre o qual se apoia e o próprio céu. As árvores
contraste a este: “(...) essa condição de súdito (um dos eufemismos a sua volta, ressequidas e desfolhadas, dialogam com a expres-
de súdito é “sujeito [de direitos]“) não tem absolutamente nada são de lamento do seu rosto. Há, portanto, a sugestão de uma
a ver com a relação indígena vital, originária, com a terra, com o dor partilhada por todos os elementos da cena: terra, natureza
lugar em que se vive e de onde se tira seu sustento, onde se faz a e mulher. Essa cumplicidade também comparece em À revelia
vida junto com seus parentes e amigos”1. das grandes cidades, na qual uma mulher nua conduz uma onça
A ideia de Estado-nação nasceu na Europa entre final do século pela mata, que surge através de uma espécie de fenda em um
XVIII e o início do século XIX, portanto, no contexto da revolução espaço urbano entrevisto ao fundo da tela. A parceria entre selva
industrial. O Estado é uma entidade geopolítica e a nação é o que se e mulher é o que esgarça o tecido urbano à revelia das grandes
dá no compartilhamento de códigos culturais por uma comunidade. cidades que se proliferam e se impõem.
A pátria, por sua vez, é o que amarra essas duas instâncias, ou Em Gigantes pela própria natureza a relação está dada no título,
seja, é o que oferece um sentimento de pertencimento cultural em mas também na própria pintura. Mulheres do exército cubano são
troca da constante manutenção das fronteiras. O contexto em que figuradas em grandes proporções. Altivas e combatentes, ocupa-
o Estado-nação foi criado revela sua profunda conexão com os mo- riam o quadro inteiro não fosse por uma floresta que se entrevê na
dos compartimentados de produção e o trabalho focado na criação base de suas pernas. São figuras monumentais, mas também uma
de excedentes a serem comercializados. Contrário a esse modo de espécie de bosque, conjunto de árvores e trilhas por onde adentra
produzir é os dos povos originários, fundamentalmente centrados um pequeno grupo de pessoas dando-se as mãos. São, portanto,
na subsistência: os trabalhos que garantem e mantêm a vida. também um local aonde ir, uma rota migratória, um destino. Essa
Para existirem, os Estados-nações se apropriam dos meios de rota é feminina, múltipla, socialista, mas é também uma floresta.
subsistência, o que significa tanto privatizar a terra quanto fazer Mais do que uma paisagem, a floresta é um território cosmológico
consistir a ideia de que gerar vidas e cuidar das condições mais bá- habitado e mantido pelas populações originárias que, a despeito de
sicas de sobrevivência não configuram como trabalho e, no pior dos suas singularidades e diferenças, guardam uma crença em comum:
casos, são tarefas consideradas compulsórias. É nesse ponto em a de que a terra não é um conjunto de recursos a explorar, mas um
que a pátria se revela uma entidade sustentada sobre a supressão ser com quem é preciso se relacionar.
e a exploração das forças que garantem a vida: a terra, os modos Se o socialismo é a aposta de que o futuro será mais jus-
originários de viver e os trabalhos historicamente destinados às to quando socializarmos os meios de produção, as cosmologias
mulheres. A ecofeminista Maria Mies analisa: da floresta atentam para o fato de que é preciso acrescentar a
essa aposta uma reformulação do que é produzir, posicionando a
As mulheres tem sido colonizadas desde o início do moderno conservação da vida como um valor central. A esse conjunto de
Estado-nação (as pátrias). Isto significa que o moderno Es- valores originários, que tem potência para nortear a criação de
tado-nação controlou necessariamente a sua sexualidade, a um ecossocialismo latino-americano, chamamos de bem-viver. Os
sua fertilidade e a sua capacidade de trabalho ou força labo- Aimara da Bolívia falam de Suma Qamanã, os Quechua da Bolívia
ral. Sem esta colonização, nem o capitalismo nem o moderno e do Equador falam de Sumak Kawsay, os Guarani do Brasil e do
Estado-nação poderiam ser sustentados. E é esta colonização Paraguai dizem do Teko Porã, termos que dão conta de expressar
que constitui o fundamento do que hoje é designado por ‘so- o ideal de um viver pleno de vida. Os valores que recorrem entre
ciedade-civil’ 2. essas noções são: a não-distinção entre humanidade e natureza e a
65
crença de que só se viverá bem se essa for uma condição partilhada na mesma cadeira na qual está sentado Huey Newton, fundador do
por todos que vivem juntos. Nesse sentido, ao vermos sobrepostos sig- Partido dos Panteras Negras, em uma icônica fotografia. A imponente
nos do socialismo cubano, a imagem da mulher e da floresta, podemos pantera negra deitada aos seus pés reafirma a relação entre a luta de
vislumbrar uma síntese orientada por essa noção: uma socialização que Marielle e a luta pela libertação negra, que também está exposta na
inclua a solidariedade entre todas as formas de vida. estampa que recobre seu peito: a imagem de uma favela sitiada por um
Posicionar valores indígenas no cerne de uma aposta de futuro helicóptero da polícia militar. Em sua mão há uma haste na qual está
é recriar a própria ideia de origem. Se a história oficial faz crer que fincada a cabeça de um homem branco, semelhante a de um político
nossa origem foi forjada por homens europeus, é porque tem como que recentemente sugeriu lançar mísseis e explodir favelas inteiras
referência absoluta a história de um mundo específico. A obra de como medida de segurança pública para o Rio de Janeiro. Sobre sua
Marcela Cantuária apresenta uma série de heroínas apagadas pela cabeça, há uma frase em espanhol cuja tradução é: um povo sem me-
história que deram suas vidas na fundação de outros mundos. Com mória é um povo sem futuro.
Filhas do vulcão/Mamá Dolores y Mamá Tránsito ficamos conhe- Quando Marielle foi assassinada a metáfora da semente foi
cendo Dolores Cacuango e Tránsito Amaguaña, militantes socia- bastante evocada para tratar do fato de que seu assassinato
listas que lutaram pelos direitos das mulheres e fundadoras da Fe- ativou uma série de forças latentes. A noção de que um trauma
deração Equatoriana de Índios. Ambas nascidas aos pés do vulcão possa deflagrar uma luta dialoga com a ideia de um futuro que
Cayambe, em Quito. Em Juana Azurduy reconhecemos a imensa se constrói junto do reconhecimento de uma memória. Dar cor-
força dessa mulher de origem indígena que participou das lutas po aos apagamentos históricos e à constatação da aniquilação
pela independência da América Latina, tendo alcançado a patente material sistemática de determinadas existências é condição
de tenente-coronel no exército guerrilheiro. Na pintura é retratada fundamental para a criação de outros modos de narrar e viver.
dando à luz, em referência à lendária história de que teria parido Quando um grupo de pessoas é sistematicamente aniquilado,
em pleno campo de batalha. Seu recém-nascido é posicionado so- entende-se que sofrem genocídio e também epistemicídio, já que
bre uma bandeira do Brasil, como se ali houvesse o indicativo de o ataque a uma população é também um ataque a um modo de
uma origem pouco visitada. ver e criar o mundo. Silvia Federici apresenta a ideia de que o
A pintura Jovita Feitosa retrata a jovem cearense que com de- sistemático assassinato de mulheres, conhecido como caça às
zessete anos se fez passar por um homem para poder se alistar no bruxas, foi motivado pela necessidade de controle das capaci-
exército. Tendo seu disfarce descoberto, Jovita insistiu que seu lugar dades (re)produtivas das mulheres para a formação do Estado
não era na enfermaria, como queriam, mas nas trincheiras de bata- capitalista, mas também por outra condição crucial para essa
lha. Em Quando secundarista é sinônimo de heroína, há uma cena fundação: o desencantamento do mundo. Ela escreve:
avermelhada e esfumaçada, na qual se distinguem algumas figuras
humanas com os punhos em riste, sugerindo um cenário de batalha. Ao tentar controlar a natureza, a organização capitalista do
À frente e em destaque vemos uma jovem empunhando uma cadeira, trabalho devia rejeitar o imprevisível que está implícito na
objeto amplamente utilizado pelo Movimento Secundarista durante prática da magia, assim como a possibilidade de se esta-
resistência à política de austeridade, imposta pela gestão Alckmin. belecer uma relação privilegiada com os elementos naturais
Usualmente utilizada no processo docilização dos corpos dos alu- e a crença na existência de poderes a que somente alguns
nos, a cadeira foi manejada pelos secundaristas como instrumento indivíduos tinham acesso, não sendo, portanto, facilmente
de resistência e de luta contra a precarização da educação pública generalizáveis e exploráveis. A magia constituía também um
brasileira. A silhueta da secundarista em destaque remete a uma fo- obstáculo para a racionalização do processo de trabalho e
tografia, amplamente reproduzida na ocasião, na qual os alunos apa- uma ameaça para o estabelecimento do princípio de respon-
recem sentados em cadeiras enfileiradas no meio de uma via pública, sabilidade individual. Sobretudo, a magia parecia uma forma
tendo à sua frente essa jovem de pé. Nesse caso, não se trata de uma de rejeição ao trabalho, de insubordinação, e um instrumento
mulher esquecida pela história, mas de uma heroína do nosso tempo. de resistência de base ao poder. O mundo devia ser “desen-
A construção de outros mundos implica não somente no importante cantado” para ser dominado3.
trabalho de recuperação das genealogias perdidas, mas na constru-
ção de outras narrativas para o presente. Não por acaso, o ataque à natureza, às mulheres e às popu-
É o que se vê em Voltarei e serei milhões. Marielle Franco, mu- lações originárias é acompanhado de um ataque ao pensamento
lher negra periférica, feminista, vereadora e defensora dos direitos mágico durante a formação dos Estados-nação, como ainda é hoje.
humanos, assassinada em 2018 por motivações políticas, é retratada Isabelle Stengers posiciona o pensamento mágico, ou o animismo,
66
como o principal elemento diferenciador entre o colonizador e o Muito se fala sobre uma pré-história matriarcal e, por ve-
colonizado. O colonizador se tem como esse que, a um só tempo, é zes, a construção de um matriarcado é referida como a recu-
dotado de saber e tem alma. Do lado oposto estariam os seres sem peração ou rememoração dessa antiguidade perdida. Isabelle
alma e/ou sem possibilidade de acessar a verdade racional. Nesse Stengers, porém, utiliza o verbo reativar para abordar esse
sentido, negar a potência animada — o ponto de vista consciente tipo de reivindicação. Propõe: “Reativar o passado não é uma
— da natureza se constitui tanto como a base de um pensamento questão de ressuscitá-lo como ele era, de sonhar em tornar
científico racional como a premissa fundamental para justificar a realidade uma dada tradição ‘verdadeira’, ‘autêntica’”6. E in-
dominação colonial. forma aquilo que considera ser um processo de recuperação
O pensamento mágico é o que quebra com a divisão entre os de uma potência roubada:
criadores de mundo e a matéria-prima dessa criação. Na bruxaria,
tudo se cria e se influencia mutuamente. “A premissa da magia é Reativar significa reativar aquilo de que fomos separados,
que o mundo está vivo, que é imprevisível e que existe uma força mas não no sentido de que possamos simplesmente reavê-lo.
em todas as coisas” . Em Sutur|ar libert|ar, também a presença do
4
Recuperar significa recuperar a partir da própria separação,
pensamento mágico é sustentada pelas mulheres. Na série Rainhas, regenerando o que a separação em si envenenou. Assim, a
quatro mulheres representam as quatro damas do baralho, cada qual necessidade de lutar e a necessidade de curar, de modo a
relacionada a um naipe: copas, paus, ouros e espadas. Na cosmologia evitar que nos assemelhemos àqueles contra os quais temos
do tarot, como em outros saberes mágicos, cada um desses naipes é de lutar, tornam-se irremediavelmente aliadas. 7
associado a um elemento da natureza e cada um deles é conectado a
uma esfera da experiência humana e da vida em geral. Sutur|ar libert|ar parte da ferida e, com ela, reativa um mun-
As Rainhas de Marcela destoam em tudo da imagem conven- do feminista, socialista, mágico e selvagem. Do modo como o faz
cional de uma rainha: portam armas e ferramentas de trabalho, e apresenta, Marcela Cantuária cumpre com as duas tarefas pro-
se vestem de modo comum, assumem que estão em luta. Apre- postas por Stengers: ela luta e ela cura.
sentam os seus aliados: serpentes, pássaros, terra, fogo, água
e ar. A força que incorporam em nada tem a ver com a força
aristocrática ou colonial, é a força que há no reconhecimento da
conexão entre as formas de vida e na possibilidade de transfor-
mar realidade através do manejo dessas conexões. Se a pátria
advém da alienação e da exploração do que gera e mantém a vida,
a mátria há de ser o insurge quando a relação com essas potên-
cias é de mútua metamorfose. Essa, afinal, é a lógica da magia
simpática, do feitiço, da experiência xamânica: mudar a forma do
mundo é ativar a própria vocação metamórfica. Bruxaria, como
afirma Peter Gray5, é a conexão íntima com a teia da vida.
Nesse sentido, quando propus que a figura da mulher, em
Sutur|ar libert|ar, deflagra a impossibilidade da libertação in-
dividual é também porque noção de individualidade, centrada
nas ideias de racionalidade e separação, é uma construção que 1 CASTRO, Eduardo Viveiros de. Os Involuntários da Pátria. Belo Horizonte:
fundamenta e propaga a exploração sobre os corpos femininos e Edições Chão da Feira, 2017, p. 4.
os outros corpos colonizados. Contra essa noção, o pensamento 2 MIES, Maria; SHIVA, Vandana. Ecofeminismo. Lisboa: Instituto Piaget,
mágico propõe: só há libertação quando há criação de alianças. 1993, p. 160.
A obra Corpo fechado, que ocupa o centro da sala de Mátria Li- 3 FEDERICI, Silvia. Calibã e a Bruxa: mulheres, corpo e acumulação primiti-
vre, é constituída por uma composição com cartas de tarot e um va. São Paulo: Elefante, 2017, p. 373.
círculo feito de sal grosso e ervas. Tanto a forma circular, como a 4 Ibid., p. 312.
lógica que orienta a construção da mandala, remetem à potência 5 GREY, Peter. Bruxaria apocalíptica. São Paulo: Penumbra, 2017.
da aliança. Contra todas as fragmentações, feridas, fronteiras e 6 STENGERS, Isabelle. Reativar o animismo. Chão da feira. Caderno de Lei-
segregações que sustentam a pátria, a força das alianças é aqui turas N.62, 2017, p. 9.
reativada sob o signo da mátria. 7
Ibid., p. 8.
68
69
Ativação da obra Corpo Fechado por Michelle Exu da Lapa.
72
Reactivar la matria personificadas. Tal recurrencia podría ser pensada por una lógica
de reparación, teniendo en vista el hecho de la historiografía
Priscilla Menezes oficial ser narrada por el punto de vista de los hombres y haber,
mayoritariamente, hombres como personajes. Sin embargo,
Sutur|ar libert|ar aborda la hipótesis de que liberación implica para más allá de esa importante recuperación, creo que hay una
trabajar con la herida. De ahí que Marcela Cantuária nos invita a especificidad en la recurrencia de la imagen de la mujer en Sutur|ar
que miremos aquello que hiere, ya que reconocer la fractura es liber|ar: la figura femenina recurre para hacer vigorar la hipótesis de
condición fundamental para la transformación. Trabajar con la que no hay liberación individual y que la lucha por la emancipación
herida incluye un esfuerzo de distinción: entre las fisuras que de las mujeres sólo será efectiva si está involucrada en la lucha
mortifican y las que rompen con las hegemonías opresoras y por la liberación de los pueblos esclavizados y colonizados, de los
crean vías para el contraflujo. De todos modos, sus pinturas dan animales y de la propia tierra.
cuerpo a fuerzas cortantes, las que hieren y las que transgreden, Algunos indicios sostienen esta hipótesis. El primero está en el
presentándose como campos donde fisura tiene poder de sutura nombre de la serie Matria Libre y en las pinturas que la componen.
y lo macizo de la historia es atacado por fuerzas punzantes que Pensar la matria implica, primeramente, en investigar el sentido y
producen liberación. la historia de la noción de patria. En el ensayo Los involuntarios de
A la artista le interesan los fenómenos estructurales, la la patria, Eduardo Viveiros de Castro menciona dos modos distintos
constatación de la genealogía de opresiones y el reconocimiento de relacionarse con la tierra. El primero sería a través de una alianza
de los modelos de relaciones que las sostienen. Trabaja con la patria, entidad que confiere identidad, registro, vigilancia y
yuxtaponiendo imágenes y modos figurativos oriundos de control a los ciudadanos. El segundo es presentado en contraste
geografías, medios y tiempos distintos haciendo recorrer a este: “(...) esa condición de súbdito (uno de los eufemismos de
una fuerza que no se acaba: la fuerza de choque. La pintura súbdito es “sujeto [de derechos]“) no tiene nada que ver con la
de Marcela Cantuária todo lucha, ya sea empuñando armas, relación indígena vital, originária, con la tierra, con el lugar en que
atravesando territorios hostiles, tramando alianzas peligrosas, se vive y de donde se saca su sustento, donde se hace vida junto
evocando memorias o imponiendo presencias. La lucha es lo que con sus parientes y amigos”1.
transforma la vida y nada le parece interesar más a la artista La idea de Estado-nación nació en Europa entre el final del
que la transformación. En sus trabajos, fronteras son deshiladas, siglo XVIII y el inicio del siglo XIX, por consiguiente, en el contexto
mártires están vivos, detentores del poder son derrotados y el de la revolución industrial. El Estado es una entidad geopolítica y
futuro gana nuevas hipótesis. La transformación que propone una nación es lo que se dá al compartir códigos culturales por una
tiene que ver con una profunda reviravolta en el estado de cosas; comunidad. La patria, por su vez, es lo que amarra esas dos estancias,
no una simple reforma de lo que está dado, pero sí una sacudida en osea, es lo que ofere un sentimiento de pertenencia cultural a
las estructuras que sostienen ese mundo capitalista y patriarcal. cambio de la constante manutención de las fronteras. El contexto
El capitalismo es colonial por origen y por fundamento. La en que el Estado-nación fue creado, revela su profunda conexión
lógica colonizadora es, sobretodo, la que divide el mundo entre con los modos compartimentados de producción y el trabajo
los recursos y las fuerzas racionales y atribuye a los primeros enfocado en la creación de excedentes para ser comercializados.
una naturaleza servil. Está lógica, por ejemplo, que sustenta la Contrário a ese modo de producir es el de los pueblos originarios,
creencia de lo que la tierra y los animales tendrían como sentido fundamentalmente centrado en la subsistencia: los trabajos que
existencial el servicio, pese a sus propias vidas. También de que, garantizan y mantienen la vida.
entre los humanos, habría aquellos más aptos al trabajo brazal o Para existir, los Estados-naciones se apropian de los medios de
doméstico, mientras que otros serían destinados, por naturaleza, subsistencia, lo que significa tanto privatizar la tierra como hacer
al trabajo intelectual. Esas ideas, cuyo lastre aún vigora, fueron consistir la idea de que generar vidas es cuidar de las condiciones más
cruciales para justificar la explotación de la naturaleza, de los básicas de sobrevivencia no configuran como trabajo y cuidar de las
pueblos colonizados y las mujeres — factores fundamentales en la condiciones más básicas de sobrevivencia no configuran como trabajo
transición del feudalismo para el capitalismo. y, en el peor de los casos, son tareas consideradas compulsorias. Es
Lo que es considerado recurso natural o mera fuerza de en ese punto en que la patria se revela una entidad sustentada sobre
trabajo aparece como sujeto histórico en la pintura de Marcela. la supresión y la explotación de las fuerzas que garantizan la vida: la
Entre esos sujetos, se destacan las mujeres, que son exaltadas tierra, los modos originarios de vivir y los trabajos históricamente
como trabajadoras, guerreras, militantes o fuerzas cósmicas destinados a las mujeres. La ecofeminista Maria Mies analiza:
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Las mujeres han sido colonizadas desde el inicio del valores originarios, que tienen potencia para nortear la creación
moderno Estado-nación (las patrias). Esto significa que de un ecosocialismo latinoamericano, llamamos de bien vivir. Los
el moderno Estado-nación controló necesariamente su Aimara de Bolivia hablan de Suma Qamanã, los Quechua de Bolivia
sexualidad, su fertilidad y su capacidad de trabajo o y de Ecuador hablan de Suma Kawsay, los Guaraní de Brasil y
fuerza laboral. Sin esta colonización, ni el capitalismo ni el Paraguay dicen del Teko Porã, términos que expresan el ideal de un
moderno Estado-nación podrían ser sostenidos. Es esta la vivir pleno de vida. Los valores que recurren entre estas nociones
colonización que constituye el fundamento de que hoy es son: la no distinción entre humanidad y naturaleza y la creencia de
designado por ‘sociedad civil’2. que solo se vivirá bien si esa es una condición compartida por todos
los que viven juntos. En ese sentido, al ver signos sobrepuestos del
Por lo tanto, si la patria es fundamentada por un modo socialismo cubano, la imagen de la mujer y de la selva, podemos
de relacionarse con la tierra que involucra la explotación, vislumbrar una síntesis orientada por esa noción: una socialización
fragmentación y alienación de las potencias fértiles; la matria que incluya la solidaridad entre todas las formas de vida.
ha de ser una revolución que tenga en su cerne un otro modo de Posicionar valores indígenas al centro de una apuesta de
relación con lo que genera y mantiene la vida. futuro es recrear la propia idea de origen. Si la historia oficial
En la pintura de Marcela Cantuária, la relación entre mujer hace creer que nuestro origen fue forjado por hombres europeos,
y naturaleza es posicionada como una instancia repleta de es porque tiene como referencia absoluta la historia de un mundo
potencia crítica. En la pintura Banho de Sangue [Baño de sangre], específico. La obra de Marcela Cantuária presenta una serie
por ejemplo, se ve una mujer de rodillas, con sangre escurriendo de heroínas borradas por la historia que dieron sus vidas en la
por el rostro, bajando en dirección al pecho y yendo hasta sus fundación de otros mundos. Con Filhas do vulcão/Mamá Dolores
caderas. De un rojo análogo al del color de la sangre son cubiertas y Mamá Tránsito [Hijas del volcán] conocemos Dolores Cacuango
sus manos, sus piernas, el suelo donde se apoya es el propio cielo. y Tránsito Amaguaña, militantes socialistas que lucharon por
Los árboles a su alrededor, resecas y deshojadas, dialogan con la los derechos de las mujeres y son fundadores de la Federación
expresión de lamento de su rostro. Hay, por lo tanto, la sugerencia Ecuatoriana de Indios. Ambas nacidas a los pies del volcán
de un dolor compartido por todos los elementos de la escena: Cayambe, en Quito. En Juana Azurduy, reconocemos la inmensa
tierra, naturaleza y mujer. Esa complicidad también aparece en À fuerza de esa mujer de origen indígena que participó en las luchas
revelia das grandes cidades [Al margen de las grandes ciudades], por la independencia de América Latina, habiendo alcanzado la
en la cual una mujer desnuda conduce un jaguar por la selva, que patente de teniente-coronel en el ejército guerrillero. En la pintura
surge a través de una especie de grieta, en un espacio urbano es retratada dando a luz, en referencia a la legendaria historia de
visto al fondo del lienzo. La unión entre selva y mujer es lo que que habría parido en pleno campo de batalla. Su recién-nasci e
deshila el tejido urbano al margen de las grandes ciudades que se posicionado sobre una bandera de Brasil, como si allí hubiese el
proliferan y se imponen. indicativo de un origen poco visitado.
En Gigantes pela própria natureza [Gigantes por la propia La pintura Jovita Feitosa retrata a la joven cearense que con
naturaleza] la relación está dada en el título, pero también en diecisiete años se hizo pasar por un hombre para poder entrar
la propia pintura. Mujeres del ejército cubano son figuradas en al ejército. Siendo descubierto su disfraz, Jovita insistió que su
grandes proporciones. Altivas y combatientes, ocuparían el cuadro lugar no era en la enfermería, como querían, y sí en las trincheras
entero si no fuese por una selva que se se entrevé en la base de sus de batalla. En Quando secundarista é sinônimo de heroína,
piernas. Son figuras monumentales, pero también una especie de [Cuando secundariana es sinónimo de heroína], hay una escena
bosque. Más que un paisaje, el bosque es un território cosmológico enrojecida y ahumada, en la cual se distinguen algunas figuras
habitado y mantenido por las poblaciones originarias que, a pesar humanas con los puños al aire, sugiriendo un escenario de batalla.
de sus singularidades y diferencias, guardan una creencia en Al frente y en destaque vemos una joven empuñando una silla,
común: la de que la tierra no es un conjunto de recursos a explotar, objeto ampliamente utilizado por el Movimiento de Estudiantes
pero sí un ser con quien es necesario relacionarse. Secundarios durante resistencia a la política de austeridad,
Si el socialismo es la apuesta de que el futuro será más justo impuesto por la gestión de Alckmin (gobernador del estado
cuando socialicemos los medios de producción, las cosmogonías de São Paulo entre 2005-2018). Usualmente utilizado en el
del bosque atentan para el hecho de que es necesario aumentar a proceso de docilización de los cuerpos de los alumnos, la silla fue
esa apuesta una reformulación de lo que es producir, posicionando manejada por los estudiantes de secundaria como instrumento
la conservación de la vida como un valor central. A ese conjunto de de resistencia y de lucha contra la precarización de la educación
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pública brasileña. La silueta de la estudiante secundariana en No es por un acaso que el ataque a la naturaleza, a las mujeres
destaque remite a una fotografía, ampliamente reproducida en y a las poblaciones originarias es acompañado de un ataque
la ocasión, en la cual los alumnos aparecen sentados en sillas al pensamiento mágico durante la formación de los Estados-
alineadas en medio de una vía pública, teniendo en frente esa nación, como aún es hoy en día. Isabelle Stengers posiciona el
joven de pie. En ese caso no se trata de una mujer olvidada por la pensamiento mágico, o animismo, como el principal elemento
historia, y sí de una heroína de nuestro tiempo. La construcción de diferenciador entre el colonizador y el colonizado. El colonizador
otros mundos implica no solamente en el importante trabajo de es tenido como ese que, en un único tiempo, es dotado de saber
recuperación de genealogías perdidas, y sí de una construcción y tiene alma. Del lado opuesto estarían los seres sin alma y/o
de otras narrativas para el presente. sin posibilidad de acceder a la verdad racional. En ese sentido,
Es lo que se ve en Voltarei e serei milhões [Volveré y seré negar la potencia animada — el punto de vista consciente — de
millones]. Marielle Franco, mujer negra, periférica, concejala la naturaleza se constituye tanto como la base de un pensamiento
y defensora de los derechos humanos, asesinada en 2018 por científico racional como la premisa fundamental para justificar la
motivaciones políticas, es retratada en la misma silla en la cual dominación colonial.
está sentado Huey Newton, fundador del Partido de los Panteras El pensamiento mágico es lo que quiebra con la división entre
Negras, en una icónica fotografía. La imponente pantera negra los criadores del mundo y la materia-prima de esta creación. En
acostada en sus piés reafirman la relación entre la lucha de la brujería, todo se crea y se influencia mutuamente.
Marielle y la lucha por la liberación negra, que también está “La premisa de la magia es lo que el mundo está vivo, que
expuesta en la estampo que cubre su pecho: la imagen de es imprescindible y que existe una fuerza en todas las cosas”4.
una favela sitiada por un helicóptero de la policía militar. En En Sutur|ar Libert|ar, la presencia del pensamiento mágico es
su mano hay una vara en la cual está clavada la cabeza de un sostenida también por las mujeres. En la serie Rainhas [Reinas],
hombre blanco, semejante a la de un político que recientemente cuatro mujeres representan las cuatro damas de la baraja, cada
sugirió lanzar misiles y explotar favelas enteras como medida de una relacionada a un naipe: copas, bastones, oros y espadas. En la
seguridad pública para Río de Janeiro. Sobre su cabeza, hay una cosmología del tarot, como en otros saberes mágicos, cada uno
frase: un pueblo sin memoria, es un pueblo sin futuro. de esos naipes es asociado a un elemento de la naturaleza y cada
Cuando Marielle fue asesinada la metáfora de semilla fue uno de ellos es conectado a la esfera de la experiencia humana y
bastante evocada para tratar del hecho de que su asesinato de la vida en general.
activó una serie de fuerzas latentes. La noción de que un trauma Las Reinas de Marcela difieren en todo de la imagen
pueda provocar una lucha dialoga con la idea de un futuro que se convencional de una reina: portan armas y herramientas de
construye junto del reconocimiento de una memoria. Dar cuerpo a trabajo, se visten de modo común, asumen que están en lucha.
las supresiones históricas y a la constatación del aniquilamiento Presentan a sus aliados: serpientes, pájaros, tierra, fuego, agua y
material sistemático de determinadas existencias es la condición aire. La fuerza que incorporan no tiene nada que ver con la fuerza
fundamental para la creación de otros modos de narrar y vivir. aristocrática o colonial, es la fuerza que hay en el conocimiento
de la conexión entre las formas de vida y en la posibilidad de
Al intentar controlar la naturaleza, la organización capitalista transformar la realidad a través del manejo de esas conexiones.
del trabajo debería rechazar lo imprevisible que está Si la patria proviene de la alienación y de la exploración de lo
implícito en la práctica de la magia, así como la posibilidad que genera y mantiene la vida, la matria ha de ser una queja
de establecerse una relación privilegiada con los elementos cuando la relación con esas potencias es de mutua metamorfosis.
naturales a la creencia en la existencia de poderes a los que Esa, al final, es la lógica de magia simpática, el hechizo, de la
solamente algunos individuos tenían acceso, no siendo, por experiencia chamánica: cambiar la forma del mundo es activar la
lo tanto, fácilmente generalizables y explorables. La magia propia vocación metamórfica. Brujería, como afirma Peter Gray5,
constituía también un obstáculo para la racionalización del es la conexión íntima con el tejido de la vida.
proceso de trabajo y una amenaza para el establecimiento del En ese sentido, cuando propuse que la figura de la mujer,
principio de responsabilidad individual. Sobretodo, la magia en Sutur|ar libert|ar, deflagra la imposibilidad de la liberación
parecía una forma de rechazar el trabajo, de insubordinación, individual es también porque la noción de individualidad, centrada
y uns instrumento de resistencia de base al poder. El mundo en las ideas de racionalidad y separación, es una construcción
debería ser “desencantado” para ser dominado3. que fundamenta y propaga la exploración sobre los cuerpos
femeninos y los otros cuerpos colonizados. Contra esa noción,
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Somos
Começo meu texto com algumas indagações. Afinal, o
que queremos preservar e salvaguardar para as futuras ge-
rações? O que nos é precioso e caro de cuidado e atenção?
milhões! Qual a história que queremos contar aos nossos filhos, para
que contem aos seus netos e assim por diante? Qual o papel
de Marcela Cantuária, ou ainda, qual o nosso papel frente à
essas perguntas e à sociedade contemporânea?
Laís Amorim Vivemos imersos em um contexto político, cultural e social, no
qual enfrentamos a deslegitimação e o silenciamento de memórias,
de espaços e de corpos dissidentes. No atual contexto brasileiro, o
conservadorismo vem se intensificando, influenciando narrativas po-
líticas e censurando expressões artísticas. A onda reacionária fragiliza
o sistema democrático e contribui para a polarização de grupos com
manifestações cada vez mais violentas e enfáticas. A frente política
neoliberal vem demonizando processos micropolíticos de afirmação
progressista em níveis representativos, em que corpos minoritários
são alvos de violência, de silenciamento e de invisibilidade.
Estes ataques, munidos de discursos de ódio e políticas de
controle, estão intrinsicamente contextualizados à história de
ocupação das terras brasileiras, que tem como herança a inva-
são colonial e a perpetuação violenta e opressora das narrativas
contra-hegemônicas. A estrutura desse regime pós-colonial é
destaque no contexto atual, ao passo que cunha hierarquias e co-
loca os corpos masculinos, brancos e cis-heteronormativos como
detentores de privilégios e poderes em detrimento dos demais.
A artista e escritora Jota Mombaça, que se identifica como
bicha racializada não binária, investiga as bases do sistema
pós-colonial brasileiro, a começar por entender que os corpos
inscritos socialmente como “o outro” são invisibilizados como
sujeitos e expostos enquanto objetos. Assim, esta realidade que
legitima um grupo em detrimento de outro “está exposta como
ferida na paisagem das cidades, na densidade dos muros, cercas
e fronteiras. Está exposta também na coreografia das carnes, na
intensidade dos cortes e na ancestralidade das cicatrizes”1.
Na recente história política do Brasil vem se evidenciando
a invisibilidade e ataques de censura não só a grupos identitá-
rios, mas também ao que é produto do meio cultural e artístico
contrafluxo, além da deslegitimação de pensadores como Paulo
Freire e da desvalorização do patrimônio brasileiro.
Assistimos noticiários de desastres envolvendo patrimônios
culturais, acervos e memórias, como os casos do incêndio do
Museu Nacional, na cidade do Rio de Janeiro, em 2018, e da
Catedral de Notre-Dame em Paris, em 2019. Percebemos a
diferenciação dos tratamentos em ambos os casos. Se, por um
lado, as labaredas destruíram um monumento do trópico sul
que abrigava a história de um país emergente e subdesenvol-
vido, por outro, as chamas que atingiram a opulenta edificação
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Em suas pinturas, presenciamos uma obsessão pela memória e gada de responsabilidades, assim como os artistas e as instituições
pelo não-silenciamento de personalidades, recordações e histórias. culturais. De nada adianta preservarmos um patrimônio de ruínas
Como exemplo, as representações de Mamá Dolores, Mamá Trán- se não priorizarmos a memória por trás dessas ruínas.
sito e Marielle Franco, lideranças latino-americanas expostas em Finalizo com uma frase do documentário Democracia em Ver-
Sutur|ar libert|ar. Estas pinturas envolvem a imaginação política e a tigem, filme de Petra Costa (2019): “Como lidar com a vertigem
construção de imagens da artista sobre esses corpos invisibilizados, de ser lançado no futuro que parece tão sombrio quanto nosso pas-
a partir da conexão e aproximação da história dessas três mulheres. sado mais obscuro? O que fazer quando a máscara da civilidade
A obra Voltarei e serei milhões – a última frase do guerreiro cai e o que se revela é uma imagem ainda mais assustadora de
peruano Tupac Amaru, antes de ser assassinado – retrata Ma- nós mesmos? De onde tirar forças para caminhar entre as ruínas
rielle Franco e, além de falar sobre a liderança negra brasileira, e começar de novo?” Não tenho resposta para nenhuma destas
fala também sobre a resistência no Chile e sobre o movimento perguntas, a coisa que sei é que juntxs resistiremos.
dos Panteras Negras nos Estados Unidos. Marielle, representada
de forma forte e empoderada, senta sobre um trono, carregando
a favela em seu peitoral e uma frase acima de sua cabeça: “Un
pueblo sin memoria, es un pueblo sin futuro”.
Para a artista, a pintura tende a eternizar momentos e imagens
em tela, que são como rachaduras ou vértebras quebradas da História.
Artistas e poetas, por sua vez, são os remédios cicatrizantes dessas
feridas. Marcela nos cura e nos liberta, ao mesmo tempo em que nos
torna cúmplices da história e da memória que fingimos esquecer.
Cantuária é provocadora e utiliza a arte como estratégia de
resistência e subversão. De forma expressiva e forte, não se cala
frente aos absurdos aos quais hoje nos condicionamos. Armada por
seus pincéis, entende exatamente o lugar que ocupa. Suas obras
são agentes essenciais ao não esquecimento, são legados memo-
riais, e suas imagens nos arrebatam como balas de canhões.
Vejo Marcela como uma artista de guerrilha de alta responsabili-
dade política e social e lembro de Julio Le Parc, artista argentino, que
diz que o que importa hoje em uma obra não se restringe somente à
qualidade de expressão do artista, mas também no poder questionador
ao sistema: “o que conta não é mais a arte, é a atitude do artista”2.
Fica evidente que Marcela Cantuária questiona certos privi-
légios. Consciente do sistema vigente, entende estratégias de
dominantes sobre dominados e, pictoricamente, conta com a
ironia como aliada em suas composições. Não trata somente de
questões dissidentes, corporais ou identitárias, mas também de
aproximação, recordação e empatia.
A escolha curatorial de Joyce Delfim e da própria artista Marce-
la Cantuária para esta exposição, realizada no Centro Municipal de
Arte Hélio Oiticica, não retrata somente o Brasil, mas um caldeirão
da América Latina. A artista testa como tentativa em suas obras a
cicatrização de algumas feridas expostas. Destaca que nós, bra- 1
MOMBAÇA, Jota. Rumo a uma redistribuição desobediente de gênero
sileiros, esquecemos dos países fronteiriços e somos muito mais e anticolonial da violência!. São Paulo: Oficina de Imaginação Política,
influenciados por países europeus e pelos Estados Unidos do que 2016, pp. 3-4.
pelos nossos próprios vizinhos e hermanos. 2
LE PARC, Julio. Guerrilha Cultural?, 1968. In: FERREIRA, Glória;
Concluo pensando nas próximas caminhadas. Aqui não fala- COTRIM, Cecilia (Orgs.). Escritos de artistas:
mos só de arte, entendemos que arte é sim resistência, e é carre- anos 60/70. Rio de Janeiro: Zahar, 2016, p. 202.
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¡Somos millones! casos del incendio del Museo Nacional, aquí en la ciudad de Río
de Janeiro, en 2018, y de la Catedral de Notre-Dame en París, en
Laís Amorim 2019. Notamos las diferencias de los tratos en ambos casos. Si, por
un lado, las llamaradas destruyeron un monumento del trópico sur
Comienzo mi texto con algunas indagaciones: ¿Al final, que abrigaba la historia de un país emergente y subdesarrollado,
qué queremos preservar y salvaguardar para las futuras por el otro, las llamas que afectaron la opulenta edificación de
generaciones? ¿Qué nos es precioso y estimado de cuidado y carácter religioso fueron cesadas por la amplia divulgación en lo
atención? ¿Cuál es la historia que queremos contar a nuestros medios internacionales, por la conmoción de miles de personas y
hijos para que cuenten a sus nietos y demás? ¿Cuál es el papel por las estratosféricas donaciones para su reconstrucción.
de Marcela Cantuária, o aún, cuál es nuestro papel frente a esas ¿Pero qué es lo que hace que una brasileña se solidarice
preguntas y a la sociedad contemporánea? con el desastre en en la Catedral y donar 44 millones de reales
Vivimos inmersos en un contexto político, cultural y social, para su restauración? ¿Por qué en apenas dos días la Catedral
en el cual enfrentamos la deslegitimación y el silenciamiento francesa recaudó 3.76 billones de euros, mientras que el Museo
de memórias, de espacios y de cuerpos disidentes. El en Nacional, en ocho meses, recaudó 1.1 millón de reales? ¿Qué
contexto brasileño, el conservadurismo se viene intensificando es lo que estamos haciendo mal? ¿Qué es lo que ellos están
influenciando narrativas políticas y censurando expresiones haciendo bien?
artísticas. La onda reaccionaria fragiliza el sistema democrático y Francia fue la pionera en las discusiones acerca de la
contribuye a la polarización de grupos con manifestaciones cada importancia de preservar determinado património histórico
vez más violentas y enfáticas. El frente político neoliberal viene cultural. Si consideramos la Historia reciente de nuestro país,
demonizando procesos micro políticos de afirmación progresista bien como su trayectoria patrimonial, entenderíamos el por qué
en niveles representativos, en el que los cuerpos minoritarios son de los tratamientos distintos y hasta los grados de repercusión
las víctimas de la violencia, de silenciamiento y de invisibilidad. diferenciados en esos dos casos. En Brasil, estas discusiones
Estos ataques, cargados de discursos de odio y de políticas se inician con la creación de Servicio de Patrimonio Histórico y
de control, están intrínsecamente contextualizados a la Historia Artístico Nacional (SPHAN), en el año de 1930. A pesar de diversos
de ocupación de las tierras brasileiras, que tienen como herencia intelectuales involucrados en su creación, fue Mario de Andrade,
la invasión colonial y la perpetuación violenta y opresora de las escritor en unos de los componentes de la Semana de Arte Moderno
narrativas contrahegemónicas. La estructura de ese régimen en 1922, quién elaboró su acto de creación. Creo que el movimiento
poscolonial es destaque en el contexto actual, al paso que contribuyó para la materialización de un servicio responsable por la
establece jerarquías y coloca los cuerpos masculinos, blancos y preservación y por la identificación de nuestros principales bienes
cis-heteronormativos como detentores de todos los privilegios y materiales, una vez que el propósito era una identidad artística
poderes en detrimento de los demás. propiamente brasileña. La creación del Ministerio de Cultura en
La artista y escritora Jota Mombaça, que se identifica como nuestro país ocurrió el año de 1985 y en 1991, la Ley de Incentivo
una marica racializada no binaria, investiga las bases del sistema a la Cultura, conocida como Ley Rouanet, fue promulgada. En
poscolonial brasileño, comenzando por entender que los cuerpos nuestro actual gobierno, la Ley Rouanet por algunas restricciones
inscritos socialmente como “el otro”, son invisibilizados como y el Ministerio de Cultura acabó siendo incorporado al Ministerio
sujetos y expuestos como objetos. Así, esta realidad que legitima de Ciudadanía junto a otros dos Ministerios. El hecho es que
un grupo de detrimento de otro “está expuesta como herida en la cultura está lejos de ser una propiedad en este gobierno. Ella
el paisaje de las ciudades, en la densidad de los muros, cercos y es fundamental para que quebremos paradigmas y para que
fronteras. Está expuesta también en la coreografía de las carnes, en respetemos la más variadas manifestaciones existentes, sean,
la intensidad de los cortes y en la ancestralidad de las cicatrices”1. disidentes o no, además claro, de contribuir para a supervivencia
En la reciente historia política de Brasil se viene evidenciando de nuestra memória histórica, política y cultural.
la invisibilidad y ataques de censura, no sólo a grupos identitarios Dicen que los museos son espacios democráticos al
pero también a lo que es producto del medio cultural y artístico servicio de una comunidad, de un país, o de un público objetivo
contestatario, además de la deslegitimación de pensadores como predeterminado. ¿Pero entonces, porque son espacios que
Paulo Freire y del irrespeto a los ciudadanos y al patrimonio al mismo tiempo son excluyentes? En la propia lógica de
brasileños. En los noticieros vemos sobre desastres que adquisición y de incorporación de acervos institucionales, cuando
involucran patrimonios culturales, acervos y memórias, como los seleccionamos un objeto, automáticamente excluimos tantos
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otros. El acceso a los museos, galerías y espacios culturales cuestiones disidentes, corporales o identitarias, pero también
continuará restricto a las élites mientras que no haya un cambio de aproximación, recordación y empatía.
efectivo en la política de ocupación de esos territorios. El mu seo La decisión curatorial de Joyce Delfim y de la propia artista
es visto como algo viejo, como el guardián de las memorias que Marcela Cantuária para esta exposición realizada en el Centro
cuenta una historia de pasado. Pero es en esos mismos lugares, Municipal de Arte Hélio Oiticica no retrata solamente Brasil, y sí el
que de forma crítica, observamos y discutimos nuestra historia caldero que es América Latina. La artista prueba como tentativa en
actual y que artistas guerrilleras como Marcela Cantuária se sus obras la cicatrización de algunas heridas expuestas. Destaca
pronuncian artísticamente. En sus pinturas, presenciamos que nosotros brasileños olvidamos de los países fronterizos y
una obsesión por la memoria y por el no silenciamiento de somos mucho más influenciados por países europeos y por los
personalidades, recordaciones e historias. Como ejemplo, las Estados Unidos de que por los propios vecinos y hermanos.
representaciones de Mamá Dolores, Mamá Tránsito y Marielle Concluyo pensando en las próximas caminatas, aquí no
Franco, líderes latinoamericanas expuestas en Sutur|ar hablamos solo de arte, entendemos que el arte sí es resistencia
Liber|tar. Estas pinturas involucran a la imaginación política y está cargado de responsabilidades así como los artistas y
y la construcción de imágenes de artista sobre esos cuerpos las instituciones culturales. De nada sirve que preservemos un
invisibilizados, a partir de la conexión y la aproximación de la patrimonio de ruínas si no priorizamos la memoria por detrás de
historia de esas tres mujeres. esas ruinas. Finalizo con una frase del documental Democracia
La obra Voltarei e serei milhões [Volveré y seré millones] em Vertigem película de Petra Costa (2019): “¿Cómo lidiar con el
la última frase del guerrero peruano Tupac Amaru, antes de vértigo de ser lanzado en el futuro que parece tan sombrío cuanto
ser descuartizado — retrata a Marielle Franco y además de nuestro pasado más oscuro? ¿Qué hacer cuando la máscara de
hablar sobre la lideranza negra brasileña, habla también sobre civilidad se cae y lo que se revela es una imagen aún más temible
la resistencia en Chile y sobre el movimiento de los Panteras de nosotros mismos? ¿De dónde sacar fuerzas para caminar
Negras en los Estados Unidos. Marielle, representada de forma entre las ruinas y comenzar de nuevo?” No tengo respuesta para
empoderada, sentada en un trono cargando la favela en su pecho ninguna de estas preguntas, lo que sé es que juntxs resistiremos.
y una frase arriba de su cabeza: Un pueblo sin memoria, es un
pueblo sin futuro. Para la artista, la pintura tiende a eternizar
momentos e imágenes en el lienzo que son como rajaduras o
vértebras quebradas de la historia. Artistas y poetas, remedios
cicatrizantes de estas heridas. Marcela nos cura y nos libera, al
mismo tiempo en que nos vuelve cómplices de la historia que
fingimos olvidar.
Cantuária es provocadora y utiliza el arte como estrategia de
resistencia y subversión. De forma expressiva es fuerte, no se
calla frente a los absurdos a los cuales hoy nos condicionamos.
Armada con sus pinceles, entiende exactamente el lugar que
ocupa. Sus obras son agentes esenciales para no olvidar, son
legados, memorias, sus imágenes, Marcela, nos arrebatan como
balas de cañones.
Veo a Marcela como una artista de guerrilla de alta
responsabilidad política y social y recuerdo a Julio Le Parc,
artista argentino, que dice que lo que importa hoy es una
obra que no se restringe solamente a la calidad de expresión
del artista, pero también en poder cuestionar el sistema: “lo 1
MOMBAÇA, Jota. Rumo a uma redistribuição desobediente de gênero
que cuenta no es más el arte, es la actitud del artista”2. Es e anticolonial da violência!. São Paulo: Oficina de Imaginação Política,
evidente que Marcela Cantuária cuestiona ciertos privilegios. 2016, pp. 3-4.
Consciente del sistema vigente, entiende estratégias de 2
LE PARC, Julio. Guerrilha Cultural?, 1968. In: FERREIRA, Glória;
dominantes sobre dominados y, pictóricamente, cuenta con la COTRIM, Cecilia (Orgs.). Escritos de artistas:
ironía como aliada en sus composiciones. No trata solamente de anos 60/70. Rio de Janeiro: Zahar, 2016, p. 202.
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carrega coquetel artista Marcela Cantuária busca o fragmento de real que sobra ou
que escapa a essas imagens amontoadas, buscando o local da pos-
molotov
sibilidade de discursos não submetidos à lógica funesta do arquivo
morto ou àquela das efígies publicitárias. Seu gesto procura trans-
por o mal d’archive (Jacques Derrida1), tornando-se mecanismo an-
ti-amnésico, desejo de vida traduzido na possibilidade de conferir
novos sentidos à imagem. E mais.
Alice da Palma Os quadros de Marcela posicionam-se na atualidade política do
nosso tempo: a arte inclina-se na direção do engajamento. Temas
Ana Elisa Lidizia como sexualidade, autonomia do corpo, agitação política e social
são vertiginosamente estampados nas telas de Marcela, tornando-
-se turbilhão, i.e., impelem, arrastam e excitam irresistivelmente
seus observadores. Sopram, tempestuosamente, os ventos passa-
dos, presentes e futuros de revoltas, insurgências e resistências.
Suas telas, repletas de gestos fortes, cores vibrantes e cenas
intensas, são agentes provocadores que atiçam no espectador um
estado de atenção, vigilância e iminência. Apresentam-se por ve-
zes complexas, com várias camadas simbólicas, quando em escala
monumental. Outras, de dimensões pequeninas, são o discurso em
forma de disparo, direto e perturbador.
Os instantes captados pela artista são postos em suspensão
pelo dispositivo mesmo da pintura, que congela, estaciona e perpe-
tua. Transformam-se, por este dispositivo, em censuras no tempo
e no estatuto de verdade, abrindo-se para o passado — tornando-o
contemporâneo — e para discursos silenciados ou não ditos. Pro-
duz, portanto, pontos de contato, a partir do fragmento instante,
entre o passado representado e o presente sendo vivido agora, de
forma a abrir possibilidades de futuros.
Nesse sentido, a arte de Marcela é verdadeira vanguarda. Van-
guarda tem origem no termo militar que designa a posição diantei-
ra no front de batalha. Marcela se coloca exatamente neste local,
a dianteira, suas telas como batalhão do primeiro enfrentamento.
Para além da estratégia militar, o termo vanguarda vai ser usado
primeiro na política para depois se tornar um termo estético. Até
1870, com Baudelaire, escritor de vanguarda é sinônimo de es-
critor comprometido. Vanguarda política e estética é, então, tudo
aquilo que se compromete (e a todos quer comprometer), e que, si-
multaneamente, se pretende projetar como futuro. O gesto criativo
se propaga no tempo como contemporaneidade perpétua.
Sua pincelada, segura e vigorosa, é gesto de resistência e de
afirmação da luta — ou das lutas, plural, já que identificamos vá-
rios fronts nas pinturas dela —, é tomada de armas. A sua pintura
é feita com consciência revolucionária, compondo discursos visuais
políticos, exorcizando emoções, agitando consciências, sem medos
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Alice da Palma
Ana Elisa Lidizia
Es artista radical. No tiene miedo de enterrar las manos para lo real. Entre lo que somos y no somos, la grieta los códigos de
tocar la raíz. Tampoco teme a los cuerpos que este gesto exuma, enunciación y visibilidad, el arte se instala como potencia de
antes, escancara-os. Notamos la fuerte relación que mantiene imaginación y libertad, despertando en los otros el deseo de operar
con la historia del arte (feminista) brasileña, en el uso de frases su propia ficción creadora. Apareciendo, quien sabe, no apenas en
como subtítulos, el mismo gesto disparado por Anna Bella Geiger resistencias pero, y principalmente, nuestra capacidad de mudar el
en Declaração em retrato No.1 [Declaración en retrato No.1], mundo. Los lienzos de Marcela Cantuária, elocuentes, se encuentran
videoarte de 1974 donde dice: “Yo soy latinoamericana. Yo soy en este umbral, en este instante cintilante y posibilidad después del
brasileña. Ellos tomaron la posición de colonizarnos. Ellos siempre lanzamiento inicial. Pero no son suficientes, es necesario como la
vienen a dictar las reglas.” Recordemos que en 1974, Brasil vivía propia artista insiste, ir a las calles, nuestro front de democracia,
la Dictadura Militar (1964-1985). Los cuerpos en detalles, en portando bomba molotov.
perspectivas destruidas, con cuerpos retorcidos, nos recuerdan a
Sonia Gutiérrez, artista colombiana que se opuso al régimen. O aún
Wanda Pimentel y su visualidad por superposición coqueteando
con el pop, tratando del cotidiano doméstico y de signos femeninos.
Al mismo tiempo, aunque, Cantuária parece distanciarse de la
tradición de la tradición de la pintura brasileña de los años 1980
y 1990. Las pinturas gigantes, son matéricas, coloridas en neón,
hay uso de pegamento, spray, brillantina. Son figurativas, directas
e imponentes. Nada temen. Nada esconden. La historia está por ser
revisitada, recontada. Enfrentan nuestros demonios autoritarios,
nuestros asesinos, nuestros fantasmas.
Sus mujeres guerreras, representación social y mística, que
llevan hoz, fusil, granada, bomba molotov, recuerdan una escena
escalofriante del documental Democracia em vertigem (2019).
Petra Costa registra un encuentro entre su madre y la ex-presidenta
de Brasil Dilma Rousseff conversando en un estacionamiento. El
anonimato proporcionado por aquél lugar, Rousseff confía a la
madre de la documentalista que habría una relación conturbada
con la libertad, que necesitaba, ansiaba por ella. Libertad real,
según ella, como aquella vivida en la guerrilla, nunca comparada a
ninguna otra experiencia.
Y aún complejidad, paradojas. Como en Jovita Feitosa. Antónia
Alves Feitosa, conocida por el apodo de Jovita, fue militar brasileña.
Se convirtió en celebridad nacional en el año de 1865, por se se
involucrado al Ejército Brasileño como una Voluntaria de la Pátria, 1
DERRIDA, Jacques. Mal d’archive. Paris: Éditions Galilée, 1995.
atendiendo a la campaña de reclutamiento de las plazas para 2
hooks, bell. Talking Back: thinking feminist, thinking black. Boston: South
Guerra de Paraguay. Y a los 19 años se suicida por una desilusión End Press, 1989.
amorosa. Utopía al revés. Cupidos bañados de sangre.
Entre servidumbres (al mercado, a la propaganda, al DIDI- HUBERMAN, Georges. Sobrevivência dos vaga-lumes (trad. Marcia
espectáculo) y resistencias (contra la propaganda, al estatus quo), Arbex e Vera Casa Nova). Belo Horizonte: Editora UFMG, 2011.
el arte necesita encarar sus contradicciones, dice Marisa Flórido DUARTE, Luisa (organização). Arte censura liberdade: reflexões à luz do
Cesar. Debe resistir a sí misma y a su modo de estar en el mundo, presente. Rio de Janeiro: Cobogó, 2018.
porque tal vez el lugar del arte sea aquél muy sensible y dudoso FAJARDO - HILL, Cecilia. GIUNTA, Andrea. ALONSO, Rodrigo. Radical
entre la servidumbre y libertad. En el punto crítico, peligroso, en Women: Latin American Art, 1960 - 1985. Los Angeles: Hammer Mu-
que el arte debe instalarse, aquel de la insistencia e intermitencia seum, 2017.
luminosa en el momento de la amenaza, es que ella puede ser ROLNIK, Suely. Esferas da insurreição: notas para uma vida não cafetina-
capar de des-secuestrar nuestra pulsión de vida, ficcionalizando da. São Paulo: N-1, 2018.
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Performance de Dora Selva em ativação da obra Corpo Fechado.
Rolezinho-ativação das pinturas de Marcela Cantuária
na Praça Tiradentes.
Página de abertura
Poema publicado originalmente no livro Para curarse el encierro | Once poetas oaxaqueñas.
Colectivo editorial Pez en el Árbol, 2019.
AGRADECIMIENTOS
Ademar Britto, Adriana Varejão, Agrippina R. Manhattan, Alexis Vidal-Quadras, Alexandre Lucidi, Alice da Palma, Aldones Nino, Aline Motta,
Alejandro Bonetta, Alex Nistal Daisson, Ana Elisa Lidizia, Anis Aura Yaguar, Antonio Fernández, Amanda Accioly Videira, André Ebert, Antônio
Castellar, Bernardo Mosqueira, Bukki, Cadu Messina, Camila Chrispim, Camila Soato, Carolina Torres, Cibelle Arcanjo, Daniela Ramírez, Dora
Selva, Douglas Pedroza, Edju, Edzita SigoViva, Felipe Sosa, Fernando Novis, Flávio Cerqueira, Francisco Gracindo, Fred Piñon, Gustavo Barrese,
Gustavo de Jesus Cantuária, Helena Borges, Herbert De Paz, Isabel Ebert, Elilson, Isabella Aurora, Isabella Daemon, Isabella Rjeille, Isabelle de
Jesus, Jarbas Veloso, Jefferson Maier, Jéssica Sol, Jéssica de Jesus, Josi de Paula, Joyce Delfim, Júlia Gonçalves, Kaaysa Art Residency, Katia
Fiera, Laio Terra Nova, Laís Amorim, Leandro de Jesus, Lourdes Barreto, Lucas Assumpção, Lucas Guimarães, Luciana Antunes, Luiza Mader,
Luque Abdallah, Manuela Cantuária, Maria Helena de Jesus, Márcia Mendes Ribeiro, Marco Aurélio Madeira de Ley, Maria Estephania, Marina
Harter, Marlon Amaro, Mateus Lucena, Marcos Pavão, Michelle Exu da Lapa, Naná Matos, Vó Nancy, PAOS Guadalajara, Rafael Zacca, Rapha
Leite, Rede Nami, Renato Morcatti, Revista Crise & Crítica, Ruan D’Ornellas, Rubens de Andrade, Sandra Sotolongo Iglesias, Pablo Meijueiro,
Pedro Benetti, Patrícia Boechat, Peter Lucas e os estudantes da College of Arts & Science NYU, Prepara Nem, Pri Fiszman, Priscilla Menezes,
Katharine Alden, Sérgio Carvalho, Thamires Ribeiro, Thiago Hortala, Terremoto Magazine, Tio Bibi, Tio Betinho, Tia Ana, Victor Mattina,
Vinícius Gerheim, Walla Capelobo, e Yhuri Cruz.
Dedico este livro, assim como as pinturas aqui expostas, a todas as pessoas que libertaram forças para a imaginação política.
Marcela Cantuária
EXPOSIÇÃO
CURADORIA [Curaduría]
Joyce Delfim
PRODUÇÃO [Producción]
Marcela Cantuária
Joyce Delfim
MONTAGEM [Montaje]
Thiago Hortala - Los Montadores
MEDIAÇÃO [Mediación]
Agrippina R. Manhattan
Herbert De Paz
DIRETORA [Directora]
Alice Alfinito
CURADOR [Curador]
Alexandre Silva
REALIZAÇÃO [Realización]
Ateliê Marcela Cantuária
ORGANIZAÇÃO [Organización]
Marcela Cantuária
Joyce Delfim
Herbert De Paz
TEXTOS [Escritos]
Adriana Varejão
Alice da Palma
Ana Elisa Lidizia
Joyce Delfim
Laís Amorim
Luiza Mader Paladino
Priscilla Menezes
Walla Capelobo
FOTOGRAFIAS [Fotografías]
Vicente de Mello p. 7, 9, 10, 11, 12, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 25, 27, 28, 29, 30, 33, 34, 35,
36, 37, 38, 40, 43, 45, 47, 49, 50, 52, 54, 56, 58, 61, 62, 64, 67, 69, 70, 71, 74, 77, 78, 80,
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116, 117, 119, 120, 121, 122, 123, 124, 125, 126, 127, 128, 130, 131, 138, 139, 140 e capas.
Bernardo Feitosa p.136, 137.
TRADUÇÃO [Traducción]
Herbert De Paz
FICHA CATALOGRÁFICA
Nara Ferreira Oliveira
IMPRESSÃO
Alphagraphics
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