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4.

11 Determinação de estruturas: métodos de difração

Os químicos dependem de métodos de difração para a determinação estrutural de sólidos


moleculares (isto é, sólidos compostos de moléculas discretas), de sólidos não
moleculares (por exemplo, materiais iônicos) e, em um menor grau, de moléculas gasosas.
À medida que a técnica foi desenvolvida, sua variedade de aplicações se expandiu
incluindo polímeros, proteínas e outras macromoléculas. As técnicas de aplicação mais
comuns são a difração de raios X de cristal e de pó. A difração de elétrons é importante
para a elucidação estrutural de moléculas em fase gasosa e para o estudo de superfícies
dos sólidos. A difração de nêutrons é utilizada para a localização exata de átomos leves
(por exemplo, H, D ou Li), ou se há necessidade de distinguir entre átomos de números
atômicos semelhantes, como, por exemplo, o C e o N, ou o Ni e o Cu.

Difração de raios X (DRX)

Na difração de raios X (DRX), os raios X são difratados pelos elétrons que circundam os
núcleos em átomos em um sólido cristalino ou policristalino.

O comprimento de onda dos raios X (≈10–10 m, isto é, ≈100 pm) é da mesma ordem de
grandeza que as distâncias internucleares em moléculas ou em sólidos não moleculares.
Como consequência disso, é observada a difração quando os raios X interagem com os
elétrons em um conjunto de átomos no sólido cristalino. Isso permite atingir resolução
atômica quando é determinada uma estrutura a partir dos dados que são coletados da
difração de raios X. Um difratômetro de raios X (Fig. 4.30) normalmente consiste em
uma fonte de raios X, uma base para o cristal, mesas rotatórias que permitem ao operador
alterar a orientação do cristal com respeito ao feixe de raios X incidente e um detector de
raios X. A fonte fornece radiação monocromática, isto é, raios X de um único
comprimento de onda. O detector registra os raios X que são dispersos pelo cristal. Os
difratômetros modernos incorporam detectores de placa de imagem ou detectores de área
com dispositivo de carga acoplado (DCA) que tornam o processo de coleta de dados
muito mais rápido. Para esses dois detectores, a radiação deve ser convertida em luz antes
que possa ser registrada. Atualmente, estão sendo desenvolvidos detectores de pixel que
detectam radiação diretamente, e seu uso vai evitar a etapa de transformação da radiação
em luz.
Os raios X são dispersos pelos elétrons que cercam os núcleos nos átomos no sólido.
Como o poder de dispersão de um átomo depende do número de elétrons, é possível
distinguir diferentes tipos de átomos. No entanto, é difícil (frequentemente impossível)
localizar átomos de H na presença de átomos pesados.

Fig. 4.30 Um difratômetro Kappa-DCA equipado com um criostato de gás nitrogênio de


baixa temperatura (centro superior da fotografia). A fonte de raios X e o detector ficam
nos lados esquerdo e direito da fotografia, respectivamente. O cristal é montado na cabeça
do goniômetro (centro). O “tubo” preto mostrado à esquerda superior é um microscópio.

A Fig. 4.31 mostra um conjunto ordenado de átomos com os átomos representados como
pontos negros. Os átomos são dispostos em camadas ou planos de rede.
Considere o caso no qual as duas ondas de radiação incidente estão em fase. Imagine uma
onda sendo refletida por um átomo no primeiro plano da rede, e a segunda onda, refletida
por um átomo no segundo plano da rede (Fig. 4.31). As duas ondas dispersas (refletidas)
estarão em fase somente se a distância adicional percorrida pela segunda onda for igual a
um múltiplo do comprimento de onda, por exemplo, nl. Se o espaçamento de rede (a
distância entre os planos de átomos no cristal) é d, então, por trigonometria segue que a
distância adicional percorrida pela segunda onda é 2d × sen θ. Para as duas ondas
(originalmente em fase) ficarem em fase à medida que são dispersas, a Eq. 4.23 deve se
manter válida. Essa relação entre o comprimento de onda, λ, da radiação de raios X
incidente e os espaçamentos de rede, d, do cristal é a equação de Bragg e é a base das
técnicas de difração de raios X e de nêutrons.

O ângulo θ na Eq. 4.23 é metade do ângulo de difração (Fig. 4.31), e os dados de difração
frequentemente são referidos em termos de um ângulo 2θ. Os dados de dispersão são
obtidos em uma ampla faixa de valores de θ (ou 2θ) e para diversas orientações do cristal.
Cada configuração resulta em um padrão de difração diferente, conforme se discutirá a
seguir.

Difração de raios X de monocristal

A análise por difração de raios X de monocristal leva à completa determinação da


estrutura de um composto.

Os monocristais adequados para difração de raios X podem ser crescidos por uma série
de métodos,† todos eles diminuindo a solubilidade do composto em solução:

• evaporação do solvente a partir de uma solução do composto;

• resfriamento de uma solução do composto;

• difusão de um solvente no qual o composto é insolúvel ou fracamente solúvel em uma


solução do composto em um segundo solvente;
• permitindo ao vapor de um solvente volátil difundir-se em uma solução do composto
em um segundo solvente.

Além disso, pode ser possível crescer cristais por sublimação ou a partir de um fundente.
Às vezes, ocorrem problemas com o intercrescimento de dois cristais (geminação de
cristais). Cristais grandes não são necessários para o uso com difratômetros modernos, e
as dimensões ideais do cristal são de 0,1 a 0,3 mm.

Um monocristal dá origem a um padrão de difração consistindo em pontos bem definidos.


A Fig. 4.32a mostra o padrão de difração em um fotograma registrado durante uma coleta
de dados de um monocristal de 4'-azido-2,2':6',2"-terpiridina (4.14). Trata-se de um
exemplo de um ligante orgânico usado em química de coordenação de metais.

Fig. 4.31 Representação esquemática da interação de raios X com as camadas de átomos


em um cristal. Isso leva à obtenção da equação de Bragg (Eq. 4.23).

Fig. 4.32 Resolução da estrutura do ligante 4'-azido-2,2':6',2"-terpiridina. (a) Um


fotograma da coleta de dados de raios X de cristal mostrando pontos de difração.
Desenhos ORTEP da estrutura molecular da 4'-azido-2,2':6',2"-terpiridina a partir de
dados coletados em (b) 123 K e (c) 293 K com elipsoides representados graficamente a
um nível de 50% de probabilidade. Os átomos de H foram refinados isotropicamente (veja
o texto). Código de cores para os átomos: C, cinza; N, azul; H, branco. [Dados: M.
Neuburger and N. Hostettler, Universidade da Basileia; R, Al-Fallahpour et al. (1999)
Synthesis, p. 1051.]

Para obter um conjunto completo de dados (isto é, dados de reflexão suficientes para
resolver a estrutura do composto sob investigação), são registrados muitas centenas ou
milhares de fotogramas. Cada fotograma contém dados de difração de diferentes
reflexões, e, ao final do experimento, os dados são extraídos e reunidos para produzir um
arquivo de dados numéricos. Os métodos de resolução de uma estrutura de cristal a partir
de dados de reflexão estão fora do escopo deste livro, e mais detalhes podem ser
encontrados nos textos listados ao final do capítulo.

Compostos como o 4.14 consistem em moléculas discretas, e os resultados de uma


determinação estrutural geralmente são discutidos em termos da estrutura molecular
(coordenadas atômicas, distâncias de ligação, ângulos de ligação e ângulos de torção) e
em termos do agrupamento das moléculas na rede. O agrupamento envolve interações
intermoleculares (por exemplo, ligação de hidrogênio, forças de van der Waals,
empilhamento π de anéis aromáticos). As estruturas moleculares são representadas
rotineiramente na forma de diagramas ORTEP (Fig. 4.32b e c),† nos quais os átomos são
desenhados como elipsoides. Cada elipsoide delineia o volume no espaço em que há uma
probabilidade de se encontrar um átomo particular e indica o movimento térmico do
átomo. Como esse movimento depende da quantidade de energia que a molécula possui,
a temperatura da coleta de dados de raios X é importante. As distâncias e ângulos de
ligação exatos só podem ser obtidos se os movimentos térmicos forem minimizados. Uma
comparação entre as Figs. 4.32b e c revela as diferenças do movimento térmico dos
átomos no composto 4.14, a 123 e 293 K. Atualmente, a coleta de dados a baixa
temperatura é uma parte rotineira da determinação de estruturas por raios X de cristais
simples. Observe que os átomos de H nas Figs. 4.32b e c são desenhados como círculos
(isotrópicos) em vez de elipsoides (anisotrópicas). Isto é porque os átomos de H não são
localizados diretamente. Em vez disso, as posições deles são fixadas em sítios
quimicamente sensíveis com respeito aos átomos de C que tenham sido localizados
diretamente com o uso dos dados de difração de raios X. Não é incomum estruturas no
estado sólido sofrerem de desordem (veja o Boxe 15.5).

No Capítulo 6, discutimos as estruturas do estado sólido de metais e compostos iônicos,


e detalhamos as células unitárias de uma série de estruturas protótipo. A célula unitária
é a menor unidade repetidora em uma rede cristalina, e suas dimensões são características
de um polimorfo particular de um composto. Uma célula unitária é caracterizada pelos
comprimentos das três arestas da célula (a, b e c) e por três ângulos (α, β e γ). As distâncias
frequentemente são dadas em ångström (Å) (uma unidade que não é do SI), pois 1 Å =
10–10 m e as distâncias de ligação normalmente se encontram na faixa de 1-3 Å; neste
livro empregamos picômetro (1 pm = 10–12 m), uma unidade do SI.

A menor unidade repetidora em uma rede no estado sólido é a célula unitária.

Polimorfos são diferentes fases do mesmo composto químico com diferentes estruturas
cristalinas.

Difração de raios X de pó

Um pó é uma amostra policristalina; os dados de difração de raios X de pó são


rotineiramente utilizados para a identificação de uma amostra macroscópica de um
material, e para examinar as diferentes fases de um composto.

Os pós (diferentemente dos materiais amorfos) consistem em grandes números de


microcristais e são classificados como materiais policristalinos. Quando os raios X
interagem com os pós, eles são dispersos em todas as direções porque os microcristais
ficam em orientações aleatórias. Isso oferece simultaneamente todos os dados de reflexão
que são produzidos em um único experimento com cristais realizando variações da
orientação do cristal em relação ao feixe de raios X incidente. Como consequência, e ao
contrário do experimento de difração de monocristal, são perdidas todas as informações
a respeito das orientações relativas dos vetores de dispersão no espaço, e os dados
consistem em intensidades dispersas em função do ângulo de difração (2θ). A saída de
um difratômetro de pó vem na forma de um difratograma de pó (Fig. 4.33) e se trata de
uma impressão digital do composto policristalino. Diferentes fases do mesmo composto
exibem diferentes difratogramas de pó e a difração de raios X de pó é uma poderosa
ferramenta para a distinção entre as fases. Em certas condições, é possível resolver uma
estrutura molecular usando dados de pó. Isso pode ser obtido para moléculas
relativamente simples,† mas não é a finalidade da maior parte dos experimentos de
difração de pó. Por outro lado, se uma estrutura monocristalina é conhecida, pode ser
calculado um difratograma de pó, e a Fig. 4.33 mostra o difratograma de pó calculado do
composto 4.14. Com esse difratograma nas mãos pode-se combiná-lo com os
difratogramas obtidos para novas amostras macroscópicas do composto que são
sintetizadas, fornecendo um meio de fazer rapidamente uma triagem de materiais. Isto é
particularmente importante na indústria farmacêutica, em que diferentes fases de um
medicamento exibem diferentes propriedades farmacológicas.

Fig. 4.33 Difratograma de pó calculado para a 4'-azido-2,2':6',2"-terpiridina (composto


4.14) usando dados de difração de raios X de monocristal. O difratograma é uma
impressão digital do material em pó.

Difração de nêutrons de monocristal

Na difração de nêutrons, o espalhamento Bragg de nêutrons ocorre quando os nêutrons


interagem com os núcleos dos átomos em um monocristal; os átomos leves e pesados
podem ser detectados de forma direta.

A difração de nêutrons é de uso menos comum do que a difração de raios X por causa das
limitações e custos das fontes de nêutrons. No entanto, como a técnica depende da
difração de nêutrons pelos núcleos atômicos, a difração de nêutrons tem a vantagem de
poder localizar com exatidão átomos leves, como o H. Antes de um feixe de nêutrons de
um reator nuclear poder ser empregado para um experimento de difração de nêutrons, sua
energia deve ser reduzida. Os nêutrons liberados da fissão de núcleos de perdem a
maior parte de sua energia cinética pela passagem por um moderador, como a água pesada
(D2O). Segue da relação de de Broglie (Eq. 1.11) que a energia dos nêutrons térmicos
assim produzidos corresponde a um comprimento de onda de 100-500 pm (1-5 Å), isto é,
apropriado para difração por um sólido molecular ou iônico. O espalhamento de nêutrons
segue a equação de Bragg, e o experimento de difração é semelhante ao da difração de
raios X.

Difração de elétrons

Na difração de elétrons em fase gasosa, os elétrons são espalhados pelos campos


elétricos dos núcleos atômicos nas moléculas em fase gasosa; são determinados os
parâmetros de ligação intramolecular.

Os elétrons que são acelerados por uma diferença de potencial de 50 kV possuem um


comprimento de onda de 5,5 pm (a partir da relação de de Broglie, Eq. 1.11). Portanto,
um feixe monocromático de elétrons de 50 kV é adequado para difração por moléculas
em fase gasosa. Uma aparelhagem de difração de elétrons é mantida sob alto vácuo e o
feixe de elétrons interage com uma corrente de gás que vem de um bocal. Diferentemente
dos raios X e dos nêutrons, os elétrons têm carga, e o espalhamento de elétrons é causado
principalmente pelas interações dos elétrons com os campos elétricos dos núcleos
atômicos de uma amostra. Como as moléculas da amostra estão em fase gasosa, elas estão
continuamente em movimento e, portanto, estão em orientações aleatórias e bem
separadas umas das outras. Assim, os dados de difração fornecem principalmente
informações a respeito de parâmetros de ligação intramolecular.

Os dados iniciais de difração de elétrons relacionam o ângulo de espalhamento do feixe


de elétrons com a intensidade. Devem ser feitas correções para espalhamentos atômicos,
inelásticos e irrelevantes, e, depois disso, são obtidos dados de espalhamento molecular.
A transformada de Fourier desses dados produz dados de distribuição radial que revelam
as distâncias interatômicas entre os pares de átomos ligados e não ligados na molécula
gasosa. A conversão desses dados em uma estrutura molecular tridimensional não é
trivial, particularmente para moléculas grandes. As curvas de distribuição radial
experimental são comparadas com aquelas calculadas para estruturas modeladas. Isto é
mostrado para o SiMe4 na Fig. 4.34, em que é encontrada a melhor combinação entre
distribuições radiais experimentais e calculadas para uma molécula com uma simetria Td,
distâncias de ligação Si–C e C–H de 187,7 e 111,0 pm, e ângulos de ligação Si–C–H de
111,0º.

Fig. 4.34 Distribuições radiais experimentais (pontos) e calculadas (linha sólida)


para o SiMe4. A escala vertical é arbitrária. As menores distâncias (C–H e Si–C)
correspondem a contatos ligados, e as restantes, a contatos não ligados. [Redesenhado
com a permissão de I. Hargittai et al. (2009) Encyclopedia of Spectroscopy and
Spectrometry, Elsevier, p. 461.]

Exercício proposto

Os resultados de dados de difração de elétrons para o BCl3 dão distâncias de B–Cl ligadas
de 174 pm (todas as ligações são de igual comprimento) e distâncias Cl...Cl não ligadas
de 301 pm (três distâncias iguais). Mostre que esses dados são consistentes com o fato do
BCl3 ser plano triangular em vez de piramidal triangular.

Difração de elétrons de baixa energia (sigla em inglês, LEED)

A difração de elétrons não está confinada ao estudo de gases. Elétrons de baixa energia
(10-200 eV) são difratados da superfície de um sólido e o padrão de difração assim obtido
fornece informações a respeito da disposição dos átomos na superfície do sólido.

Bancos de dados estruturais

Os dados estruturais estão armazenados em três bancos de dados principais, e podem ser
acessados a partir deles, que são continuamente atualizados. Os dados para compostos
orgânicos e organometálicos e boranos são compilados pelo Cambridge Structural
Database (www.ccdc.cam.ac.uk), enquanto os dados cristalográficos para compostos
puramente inorgânicos (por exemplo, haletos e óxidos de metais e não metais) são
depositados no Inorganic Crystal Structure Database (www.fiz-karlsruhe.de). Os dados
estruturais para macromoléculas biológicas são colecionadas no Protein Data Bank
(www.rcsb.org/pdb).

(E.)

E., HOUSECROFT, C., SHARPE, G.. Química Inorgânica - Vol. 1, 4ª edição. LTC,
09/2013. VitalBook file.

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