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ENSAIO
SOlHtE

o DIREITO ADMINISTRATIVO
PELO

« lL ne surlit pas d'élablh' tlans un pays des élections, dcs


ch:1mbl'CS, et le gouvcl'nc mc nt parlcmentairc p OUl' te deli-
... vrer de scs n1ame, Lui donne .. tous lcs bicns qu'oo lui promet,
ct le soustrairc aux fnnestcs co nséCJucnces de Ul ules les f'aules
I")U'OI1 y C".ommet. Lcs condilions du hon gouve rn ement u e~
pcuples 50Ut plus compliquées ; ou ne satisfait pas a tous les
in té rêts , ou ne garantit )las tous les droÍts en meltanl un e
constilutio ll a la plac.:c d ' un \'ieux pou \foir, et ou pc ut 3" 011'
institue a Tudn uu parlemont italicn s::m s :l\'oir fondi! eu
lI a lic la liherté. »
I/ Rglisc c l la Sociclé Chl'ec:lir nllcs c n J361 p ~n' )f. GllisGf.

RIO DE JANEIRO,
T\' POGRAPIIIA ·:~ACIONAL.

,
.
'

..
PREAMBULO.

Como, POf(lUC ecom que fiDl eSCI'evi este lh'l'o.

Na viagem que ultimamente fiz á Eu-


ropa não me causárão tamanha impressão
os ;monumentos das artes e das sciencias,
a ri ueza, força, e poder material de duas
grandes nações a França e a Inglaterra,
quanto os resultados pralicos e palpaveis
da sua administração. Os primeiros llhe-
nomenos podemos nós conhecê-los pelos
escriptos que delles dão larga noticia. Para
conbecet~ e avaliar os segundos não bastão
descripções. ~udo alli se move, vem e .
chega a 110nto com ordem e regularidade,
quei~ na administração llublica, quer nos
, . estabelecimentos organisados e dirigidos por
companhias particulares. Nenl o publico
toleraria o contrario.

As relações enll'e a administração e os


a(lministrados são faceis, simples, benevo-
las, e selnpre corte.zes. Não enconh~ava na ~: ,
Imprensa, nas discussões das Calnal~as, nas

IJ


r--- . \

IV

conversações particulal~es essa infinidade de


(Iueixas e doéstos, tão fl~equentes entre nós,
contra verdadeiros ou suppostos erros, des-
cuidos e injustiças da administração, e mes-
mo contra a justiça civil e criminal. A
população tinha confiança na justiça quer
administrativa, quer civil, quer criminal.
E he sem duvida por isso que a França
teIn podido supportal~ as restricções que
sotl're na libenlade politica.

. Infelizmente o pouco tempo que alli me


demorei , a obrigação {le occupar-me de
outros assumptos, não me permittirão estu-
dar, quanto desejava, ás causas do pheno-
Dlcno que. mais Ine impressionára.

Convenci-me ainda mais de que se a liber-


dadc política he essencial para a felicidade
de uma Nação, boas instituições adminis-
tr'ativas apl~opl'iadas ás suas circumstan-
, cias, c convenientemente {lesenvolvi{las não
o são Dlcnos, Aquclla sem estas não póde
produzit' bons l~esultados.
O que tive occasião de observar e estudar
produzio uIna gran{le revolução nas Ininhas
idéas e modo de encarar as cousas. E se
~ ~quando' parti ia cansado e abOl'fecido das
nossas lutas politicas pcssoaes, pouco con-


, I

v
fiado nos resulLados da política que acabava
de ser inaugurada, regressei ainda mais fil'-
memente resolvido, a buscar exclusivaulente
no estudo do gabinete aquella occupação dá
espirito', sem a qU!l1 uão podem viver os que
se habituárão a· trazê-lo occupado.

COlnecei, a reunit' e a 1161' em Ol'deul


nmnerosos documentos, e correspondcncia
Inesnio particular que possuo, (dá muita
luz sobl'e os factos) com o fim (le eSCl'evCl'
ulnas Mcmorias sobre a nossa 110lítica exte-
rior, eSl1ccialmente dos tempos em que tive
a honra de dirigit' a Repartição (los Nego-
cios Estrangeiros.

Encontrei 110rénl difficuldades que lue fo-


Tão inclinando a adiar esse pt'ojecto. A bis-
toda de taes acontecimentos escripta 1101'
queul foi nelles, ha pouco tempo, taIllbCl11
actor, e teve nas luãos o fio (los segt'edos da.
época, llóde fazer algulll l11al, quando os
factos não mallifestárão ainda to(las as con-
sequcncias qJle os pejão. Rel1ugnava-lne
alélu disso, entrar em cel'tas apreciações,
as quaes lloderião talvez lllolestar pessoas,
ás quae~ consagrei e consagro respeito e
atl'cição, e quc ului bons serviços tcm pres- ··
lado ao paiz. ~


VI

Achava-me eu entl"~gue a essa llerplexi-


dade quando o honrado Marquez de Olillda,
então Presidente do Conselho de Ministros,
me encarregou da solução de alguns quesitos
relativos á nossa organisação adluinistraliva.

A solução dada mereceu a mui honrosa e


competente approvação do illustl"ado an-
cião, que a fez juntar ao Relatorio que,
como Ministro do Impedo, apresentou á
Assembléa Geral Legislativa. Satisfez-me
muito a approvação; não o trabalho, pÔ-lo
achal' IQuito perfunctorio, visto que, como
devia. ser, limitava-se aos quesitos llostos em
lnateria vastissima, "que se liga e prende
toda, como uns aos ou11'os se prendem os
anneis de longa cadêa. Não be possivel im-
primit' lnovimento a um sem que se faça
sentir em todos. .

Af{uella 110nl'osa incumbencia suggedo-


lue o desejo de organisal' e I) ubli c ai" UIU
tl'abalho mais completo, e por fim a J'eso-
lução de entregal"-mc a um estudo cons-
ciencioso e aprofundado ao Direito athui-
nistt"ativo, do qual sómente possuia as noções
que não póde deixar de ter quenl estudou
- .,-. a jurisprudencia, e tem exercido por algUln
tempo altas funcções adnlinistl'ativas.
\

r
Vil

Pl~opuz-me colliglr, coordenar, classi-


fical~,e analysar a nossa legis~ação admi-
nistrativa, de modo a poder formar um
juizo claro sobre o seu todo, sobre cada
uma de suas partes, sobre a sua ligação e
jogo, sobre seus defeitos, imperfeições e la-
cunas.

Algumas notas "possuia eu que colligka


para meu uso, desde que tive a honra de
administrar (de 1836 a 18ltO, tempos para
mim saudosos) a briosa Provincia do Rio
de Janeiro. Pensava possuir um bom pe-
culio. Revendo-o todo, achei-o muito in-
completo, e deficiente. A nossa esphera
administrativa tinha-se alargado conside-
ravelmente.

Posto que distrahido frequentemente pelo


cumprimento de deveres publicos e parti-
culares que me absorvião muito tempo, en-
cetei , em meiados de 1858, a tediosa e
pesada tarefa d.e colligir, completar e dispór
materiaes.

Examinei, uma por uma, artigo por ar-


tigo, para que nada ou o menos possivel "
escapasse, pela ordem chronologica em que ..
as trazem as Collecç"ões, todas as nossas


VIJ( t •

IAeis, Resoluçües, Decretos, Pl'ovisões, Or-


dens, Avisos ou Decisões, para extrahit', elll
apontamentos, tudo quanto IDe pareceu de
natureza administt'ativa .

. ExalDinei, para o lDesmo fim, os volu-


mosos lt'abalhos do nosso Conselbo de Estado
desde 18lJ2, época em que começou a func-
cionar, até 1860, faltando-me sómente,
I)ara concluir, o exame dos assumptos que
tem corl'i(lo especialmente pelas.Secções {le
Mal'inha e GUel'ra. Copiei ou extractei todas
aquellas Consultas, que IDe llal'ecêrão esta-
belecer regra ou doutdna.

Procurei, sellarei e exalninei, l)ara dellas


nle serv ir 0lllJortunamcnte, algumas das
principaes discussões, que sobre certos as-
sUlnptos tem ti{lo lugar na nossa Tribuna.

Tive muitas vezes occasião de del)lorar o


(leSanlor com que tl'atamos o que be nosso,
deixando de estuda-lo, para ~ómente ler su-
l)erficiãlmente e citar cousas alheias, des-
prezando a experienciã que tl'ansluz em
opiniões e apreciações 4e Estadistas nossos.

~, fo". Organisei em gt'os?o, para depois, repi-


sando-a e dt'sellvolven{lo-a, aperfeiçoa-la,
~.
IX

a classificação dos Il'lateriaes assinl ..-euni-


dos, a fim de podel' facilmente encontrar
cada Uln na oecasião em que me fosse pre- ·
cisú.

Reuni e estudei, senão todos, quasi todos


os escriptores que escre,'êrão sobre o Di-.
reito administrativo da Fran(;a , que he o
mais completo e desenvolvido.

. Procu.rei , para comparar, inteirar-me


das principaes feições e do jogo das insti-
tuições administrativas em Portugal, na
Hespanha, na Belgica, na Inglaterra , e nos
Estados~ Unidos. .

Reunidos e dislJostos assim esses ma t~


riaes, faltando-me sómente a mais miuda
- investigação de um ou outro ponto, que r e-
8er'Vei para a occasião, dei principio ao
lneu trabalho , isto he comecei a organ'i-
sar e a, desenvolver o plano, até então
mental e geral, dando a preferencia á syn-
these, isto he descendo das theses e prin-
cípios geraes l}al'a as applicações par1icu-
lares.
. Ca.da uma das peças da nossa organisação
adlninistrativa iria collocar-se no lugar que
..
lhe corresponde, (le modo a deix.ar ver bem
2
o modo pelo qual funcciona, como joga no
systema, com que outras peç~s se liga e
prende, a influencia e defeitos que tem.

Be porélD este Ull) trabalho todo positivo,


q~e ~xige e admiUe na analysê, em notas,
de cada uma de suas partes a invocação de
doutrinas e principios sabidos, mas que não
tolera a intercalação de theorias, doutrinas
e exposições, que llie destruirião o nexo e
seguimento, produzindo confusão; por 'exem-
plo, eu não poderia, sem confusão, cortar
a exposição do nosso conte~cjoso adminis-
trativo positivo, e pratico segundo a nossa
legislação, para expÔr as suas regras geraes
e theoria. E com tudo sem o conhecimento
dessas regras e theoria, alguns .leitores não
comprebenderião, e não poderião formar
um juizo claro, sobre as imperfeições e la-'
cunas da nossa legislação nesse r~mo.

Para bem comprebender a exposição po-


sitiva e pratica que tenbo de fazer, be pre-
ciso, pelo menos, conbecel~ os rudimentos
da sciencia.

Porquanto os rudimentos, isto he as defi-


nições, as divisões, as classificações, certas
noções .p r,i mordiaes, aliás simples e claras}
Xl

desprezadas pelos espiritos levianos e super-


ficiaes, são tudo nas sciencias, porque he
dellas que partem, he nellas que se basêão.
As complicações apparecem no desenvol-
vimento, nas applicações.
-
De seln duvida por isso que gt'ande parte
dos autores que escrevêrão sobre o Direito
administrativo, reunirão (se bem que alguns
com extremá parcimonia e incompleta-
mente) debaixo do nome de Prolegomenos,
Noções preleminares, elc., no principio de
suas obras, algumas definições, divisões e
noções geraes que habilitassem o leitor
menos experimentado a entrar no estudo do
livro.
Poderia o meu leitor ir buscar essas
noções em livros eleom entares, principal-
mente françezeso, methodicos e claros, que
abundão.
Mas ahi he que está o mal que eu d-ese-
jára evitar.

Nem sempre, nem em tudo, podem os


autores francezes ser nesta materia °guias
segUl'os para nós.
1. o Porque imprimem nas suas doutrinas •
o typo de suas instituições peculiares, e por-
tant() daqu~lla centralisação, exceSSIva e
ln

minuciosidade regulamentar que tanto a's


caracterisa.
2: o Por(IUe val'Íos desses 'autores, espe-
. cialmente os primei~os que escrevêrij.o,
commettem er'ros, descobertos e demons-
trados por outros que se lhes seguirão .

.Quem, por ' exelnplo, fÓt' -buscar' noções.


do contencioso administrativo em Macarel"
.em Degerando e outros,- aliás escriptores de
grande nota, ficará fazendo {lesse ramo im-
portantissimo do Direito administrativo uma
idéa erronea, ou obscul'a, confusa e illCOlIll:
, pleta.

Ser-Ih e-h a necessario ler quem o guie?,


pondo-a logo no bom caminbo. Aliás terá.
de re:unir uma bibliotbeca, e conlpulsando.
gl~aÍl~e nUlnero de autores, compar~ndo:-osr'
inteirar-se dos prog.ressos da sc~encia, ~'
pÓr:-se com difficuldade ao nivel do estado
ao qual ~hegou nos nossos tempos (1) ...

« (l) Parece-me muito e~aciU a seguinte apreciação que faz um escript'or'


(Batbie) que muito recentemente escreveu sobre o DireIto administrativo ..
« Les ouvrages qui ont étó pulJliés jllsqu'à present peuvent etre divisés eri.
deux cathégories. La premiere comprend ceux dans lesquels les matieres
se succedent par ordre alphabetique, sans Iien 10giqJle entre !lHes, ét sim,
plement juxtaposées par le hasard des initiales, com me duns· un Diction-
naire. Cette absence de plan D'a même pas I'escuse de la facilité· des re-
cherches; car sous ce rapport, iI serait' préferable; de recourir a uo
pictionnaire d'administration, ou les mots sont .plus nombreux, et les.
matieres, par consequent, plus divisées ét plus racHes a retrouver. Les
ouvrages aus quels je fais allusron sont des reuuions de monograllWes.
plutêt qu'ih ne sont des traités de Droit administratif.
XIÍl

.Demais a maior parte dos 't~i~atádos e


'obras existentes, forão escriptos llor Pro-
·-fessores de Dit~eito .administrativo, mui VCl·...
sados enl theorias, I)Ól~énl faltos da(iuella
pratica que sómente póde ser adquil'ida na
'ádnlinistração (1) : .
E quem fÔr procurar. aquellas noções do
'contencioso administrativo nas instituições
'Inglezas e Americanas, reconhecerá, depois
de haver procurado é estudado muito, qUé
:não conhecendo essas OI'ganisações aquelle
contencioso, sUl'prem-no pOl' outro meca-
nismo incompativel com a nossa organisação
constitucional.

Para livrar o leitor fie tão labor-iosas in-


vestigações, pareceu-me util fazer .e expÔr

. .
• « Dnns' In secorid'e cnthegorie se' tl'ouvent res écrivnins, appnrtenant
,presque tous a I'çpseignement des fncultés de Droit, qui ont tenté d'etnblir
un peu d'ordre einre des '1:Iispositions divetses par leur origine et par leur
date M. M. Laferriere, Foucart, Chauveau, Cabantous, Trolley, Serrigny~
ont presenté des synthéses de Droit admioistratif, qui 50nt toutes faites 8>
des. points de vue ditTElrents ••••••.• Lewr diversité m'a paru resulter de ce-
-que tous avaient tiré lewrs divisians de Leur esprit, plutiJt que du suje'
~i m~me.))

(1) Já possuimos duas 'obras 50õrê o E>ireito administrativo, a saber:


Os Elementos de Direito admioistraH,-o comparados com o Direito admi-
nistrativo Fi'ancez, segundo ,o methodo de "Pradier Fodeté, pelo Dr. Vicente-
Pereira do Rego, Lente' da Faculdade de Direito do Recife.
- Neste trabalho. que não deixa de ter merecimeóto, « tomou Seú antor-
por modelo (são s\las expl'essões) o Direi.to administrativo Francez, porque-
he principalmente· 'nos hvros franeezcs onde se podem por ora colher os'
prinçipios ~eraes do nosso, compilando a summa das nossas principaes leis
administrativas.)) He v.erdacfeiramente um compegdio organisado pelo dis-
tincto Professor para uso dos seus discipulos, e, como tal, não podia deixar- •
lIe ~er, c.omo a obra i1e Pradicr, .que seguio, bãstnutemente r"esumido.
O Direito administrativo Brasileiro pelo finado Ce.nselheiro Veiga Cabral,
o qual foi meu Leotcde Direito Patrio na Academia de S. Paulo. Abi-
tenho-me- por isso ~e obseryações. -
XIV

aquelle trabalho, que elle sómente poderia


fazer com grande dispendio de tempo, e
sem os recursos que eu já tinha reunido, e
·de que já dispunha: .' ..;.

l\esolvi portanto qu_e o Ipeu trabalho fosse


precedido por uma especie de prolegomenos
ou introducçã,o, na qual expuzesse, separa-
(lamente, com a possivel clareza e desenvol-
vimento, os principios e a theoria do "Direito
administràtivo, com algumas applicações
praticas, cOlno exemplos, para ser melbor
comprehendido.

Interrompendo o longo, difficil e tedioso


,t rabalho da apuração methodÍca, e coorde-
nação nlais desenvolvida e definitiva dos
vastos materiaes que reunira, comecei; no
meio de frequentes interrupções, em Janeiro
do anno passado, a escreve~aq1lella intro-
ducção, que he este Ensaio. .
O receio de cabir na obscuridade levou-
me a desenvolvimentos que se não compa-
decem com simples noções ou prolegomenos.
Umas considerações forão puxando outras
COllI que estão ligadas; o correr da penna
foi alargando o meu quadro, e terlninado o
( trabalho, confirmei-me, repassando-o, na
persuasão de que não ~he cabia o nome e
xv
destino que qnizera dar~lhe de sim-pIes pro-
legomenos ou introdueção a oub'a obra.

Podendo essa intr\jducção ser considerada


como obra destacada, deliberei antecipar a
sua publicação â da grande, dando-a ao prélo
separadamente com o titulo de Ensaio. Nem
por isso deixa de ser introducção áquel-
la, e póde dispÔr a opinião para recebê-la.
Demais ~o acolhimento que o publico fizer a
este Ensaio me poderá servir de governo,
para continuar ou deixar de continuar o
outrn trabalho.

o estudo' das nossas instituições tem-me


convencido de que, felizmente, as largas e
liberaes bases em que assentão são excel-
lentes: Quantas nações se darião por muito
felizes, possuindo a metade daquillo com
.que nos favoreceu a mão amiga da Provi-
dencia. O desenvolvimento que temos dado
áquellas instituições, mais theorico do que
práctico; he -que tem sido defectivo, inçado -
de lacunas, pouco accommodado mesmo, a
certas circumstancias (algumas tempor arias)
do paiz. -

'r em-se cuidado e estudado pouco as ma- •


terias administrativas; não se tem tI'atado
"

de colligir-e aquilatal~ os elementos practicos


que fornece a eXllcriencia das nossas cousas,
e (Iue são os mais seguros para h~ corrigindo
.
e melhOl~ando a nossa administração (1 ). -
.

Não se teln procurado esclarecer e inte-..


· ressar a opinião do publico, cbalnando a sua_
attenção sobre esses assumptos que tão de· '
perto o tocão, preparando-o pela imprensa
e pela Tribuna, pal~a formar o seu juizo, e
auxiliar com a força que este tem, quaesque~~
reformas e melhoramentos que possão: ser
necessarios. - /

, Sómente as reforü1as assim feitas são se-


guras e assentão, porque quando são sanc-
cion~das -pelos Poderes . publicos já tem
raizes.

. Porque assentão tão bem, porque são tão


seguras, tão vivazes na Inglaterra as refor-
m·as abi emprehendidas?
. Porque existeo1 abi no espirito ·publico.
antes de serem convertidas em lei. ;\.opinião
be que as faz romper: os que as propõem
e votão são meros instrulnentos. · Mas não

(1) Les precautions de la I~gislation De . naissent presque jamllis que de


I'experience des abuso Lesl0l5 50nt plus 50uvent des remedcs que des pré-
v-isioos. -Cormcnin . Droit Adruil\i5tr~tif. . '
falta úa Jl1g)aICl"'a qunil, selll iJahão e cons-:
eiel1ciüsaniente, i)lustre o eSI)il'ito publico
S()bl'e todas as con~eniel1cias verdulleira-
mente publicas.

t\. Inglaterra be o 11aiz no qual as reformas


encontrão lnais obstaculos 11ara prevalece..
- i'eJD. Mas he, talnbeUl aqucllc no qual ellas
mais, infaUivclmente vingão, trhlml1hando
dos 1uaióres obstaculos" quando . 'm nadureJ.:
cidas pela l~eflexão e llelo leInpo, e he isto
ceni.ãmente õ 'q ue assignala ' á Inglaterra lhu
'tão' bello lugar entre as nações .livres. O,
r<?speito pelo pas~ado d~jga sujlsistir 'r.nuitas
vezes, entre , s_uas '.leis, , textos que , indjcãQ
atrazo de alguns seçulos, mas uma inteqJre..
ta:çi\o . Hbei~al e pratiéa os vai, pouco a IJOUCO,
apagando ~ Acontece alli o conli'ario ~d~ que
e~n -outras nações', nas quaes ó espidto daS'
leis be luais. liBeral , do que o espir'ito dos
hOlnells. E as refonuas lentas e tanHas que
05 'Ingl~zes' lJref~renl tem llIila grande van-
fagmn:, São as prQp.rias para rCl110Ver o mal;
e ,uiUa', \'ez ' feitas ficão assentadas soli(la e
~leQílitivanlen.tt. ',.

Estou convencido de que as nossas insti. • 1IL~


tukões'alhninistrativas requerClu, sobre D1Ui..,
tos pontos, sem alleracão lle bases consti~
~--.. • 3
XVIII

tucionaes , desenvolvimentos e melhora- ·


mentos consideraveis, preenchidas muitas
lacunas que apresentão.

Creio que, pela escassez de estudos e de


. conhecimentos administl'a'livos, não está
uma grande parte da nossa população em
estado, (le formar uma opinião conscien-
ciosa sohre (IuaesqueI' reforInas que sejão
Íl'llenla(las.

He preciso primeiro que tudo estudar e


conhecer bem as nossas instituições, e fixar
beln as causas porque não -funccionão, ou
porque funcciollão mal e imperfeitamente.

Convêm muito o estudo e o conhecimeQto


do que sobre ellas pensárão os nossos bo-
lnens de Estado, e o das factos proprios elo
paiz que podem esclarecer o assumptq.

< Tambem muito convêm o estudo e conhe-


cimento do que se observa em outros paize~,
com o devido 4esconto de. causas especiaes
que alli produzem resultados que a falta
dessas causas póde negar ou mudar entre nós.
- (
. Eln ulna palavra be preciso estudar
:anuito, meditar ,nuito sobre o assumpto,
XIX

d:espel'1ar, dispôr e assgciat' a opinião nessas


in vestigações..
Foi o fim' que tive e'm. vista nos trabalhos
que emprehendi. Procurarei consegui-l()r
não com: generalidades, não .com: declama-o
ções., mas classificando, e desfiando prati-.
camente a nossa legislação administt'ativa.,
pondo cada peça da lnacbina no seu lugar ,_
analysando o modo pelo qual fun~ciona o.
todo e cada uma das' SH:as-partes ..
-
Hei de esf-orçar-me para que' o tt'àballio-
,q ue. vou continuar tenlta a dupla vantagem:
l.a De conter a exposição positiva e me-
thodica, a mais completa possivel, de to.da
a nossa legislaç.ão administrativa, de modo·
qu.e possa .servjr'de. guia aos que se occup.ã o,
de admiriistração"
2. a De comprehender-, separadamente do
textQ~..Qbserva'Ç.ões~_aDalyticas 'q ue indiquem
e demon&trem os defeitos e lacunas daquella
legislação, e os· melhoramentos- e reformas;
{lU e me parecem lnais convenientes:.
Esta ~ltima: parte terá ao menos-o mer.e-
cimento de provocar' a díscussão sobre pon-
tos forlnulados, fi'xos· e certos ..
' . ..
Uc ' d.e crê.' que haja. (lU em-fàça reparo em. ..-
q.ue (leten(lo.sc mai~ es~e Ensaio sobl'e certos>
:xx

11SSlunptos, ~oque. tão de pa~~agc.m. e tilio de


leve llas Assembléas P!.'ovinciaes e Munici-
paliil(Hlc~, corporaçõ2s tão jmpo~' h~ntes, e
'flue tão ' col1sideravel ' llapd l'elwcsentão, e
dcvCln rep i'es-ent.:tl' na no:;"sa admJnistração
local:

,Nã? ha (lua si 'al!ri~tlição a.Igu1I1a elas


~~s~nlbléas . li)['ovi~ciaes, c~jo e\ êl'cicio não
tenha dado lugar a um "em nUlnero de
• _ ~ ~ .. ~.r ~

llrccc(lentcs diversos, ele duvidas e questões.


São inutuum'os .:sohre cstas..os pareceres,
ás v~zes encolltr.ados,. das Secções do .Co....-
~rlhü- de .Estado. São innuallel'as as, duvidas
c flucstõrs . sujeitas á decisão do CQJ'pO . Le..
gislaLiv..o, que não lhes tcm .. d2H.l o,. e nem
"lclI! tempO~l)al'jl dar~Jhr.:-s,. solu.('..ã(]I . . :... >-

, ~,O~, luatel'iaes_ qu.~ . tenho . ~eunido . sobre


este assum·p to avul.t ão muit(). Apresentão
um vCl'dadcü'o cbá.os~ ... , ... - . " "

lIe' assmnpto que não. 'IJódd~ se!' tratado


em grosso e· .p pr alto. ,
- .
/ Ué preciso expól' e cxruninal' cada aUd-
o r ..... • .J

( buição dc pC!' si, analysa-Ia-, chanlar para


CC> essa analyse" todos os IJrccetlentcs, duvidas,
qlLcstõcs c soluções que lhes sejão l'elativHS.?
,XXI

e fazer saIih' de ' todos esses elementos


a 'luz que ellcerrão e 11()(I~m dar.
L

Eln senlelbantê assumpto não he possi...


vel, nenl convém generalisar, e a sua ex-
posição aqu'i ou seria incompleta e super-
ficial, obrigalulo-nle -depois a repetições 7
au alo~)garia demasiadaUlente este Í['abalho
preleíninar e genei'ico.

'o :lulguei dever occupar ...me d'esta .materia


na occasião em .que expozer luetbodica ~
DliudmneHte -o °q;ue, ba de positivo e pratico
501u""; 'este hnporlâutissilno ralUO do-nosso
,Dit'eito administrativo.

< O mesmo farei quanto ás vat'iadas . e


extensas attribuiçijes . dos Presidentes das
Provindas, 'e quanto ás Camaras Muni..
clpaes. '. -- - ~ ,

Da vicios .C: ,gl:andes ~ vici,os na organi...


sação das nossas 1\lunicipalidades, as quae3
não t-eln acção, nCln nleios sume' entes,
eest~o eni - d~lnãzlà ' pea(las pela -estreita
tutela enl que vivem. Aquelles "idos estão,
a nleu ,'er, no todo da Su(\ inexperiente • •,
organisação. Be preciso expô'-la toda pai'a
belll os descobrÍl" e 1)61' patentes. J 'ulgnei
XXll

lambem deveI' reSeI'Val~ completamente esse


exalne . pal~a o oulI~(} tl'abalho, o qual, por
seI' mais extenso e niiudo, dá lnais ensanchas
para Ulna analyse.

Não sei se conseguirei o meu .fim. Infeliz-


Jneute he pa.l'a mi~ mais provavel que
não. Em todo o caso hei de trabalhar para
conseguil-o, e o Ineu trabalho, ' quando
para m~i; não sit'va, poderá provocar o
exame e a discussão, os qllaes sómenle
podem trazer lnelhoramento.s reaes e sérios.
He preciso pensar, Jlleditar, trabalhar séria..
mente para melhOl'armos as nossas insti-
tuições e estado, e ter bem preséntes as pala-
vras de M. Porcio Calão no Senado Romano;
« Vigilando, agen.do, bene consulendo pros ..
« pera onLJ:ti{( cedunt: :ubi seú)'rdite te alq,ue
( ignaviro tradideris, 'I1equidquam Deos inl __
« plores, - irati infestique sunt.»

{( Aitle toi, le Ciel t'a.idera.»

PetrOl)olis, 8 de Fevereil'o de 1862.

(



ENSAIO
SOBRE .0 ,DIREITO ADMINISTR~JIVO"

'COM REFERENCll 10 EST1DO EINSTITUIÇÕES


PECULURES DO BR1SIL.
CAPI')'ULO I.

Deftnl~6e•• -Divisões.- Di.tinc~ões •


.
Pour comprendrc les choscs iI faut, Hre d'ac-
cord SUl' la signifl ca tion des mots. En matiere
administrati ve l'aosence de toute explication de
mots occasionne de séricuses difficultés.
Chauvçau'Adolphe,-Introd. Du langage admi-
nistratif.

Vejamos primeiramente a maneira pela qual o Direito


administrativo entronca na grande classificação do Direito.
O Direito tomado na accepção (1) de Collecção de leis
relativas a certo ramo de materias, ou de leis de certo
paiz, e em relação ás suas fontes e origem, divide-se em
natural e positivo.
(1) São muitas as definições de Direito, porém as qu e o tomão Da mesma
, accepção, exprimem todas, mais ou menos, a mesma cousa. Dependem as
accepções do ponto de ,vista debaixo do qual os autores dessas definições
o considerãrão. Não he meu proposito apurar aqui definições, que podem
dar e tem dado lugar a muita ·controvcrsia. Como Virgilio, Pr o r e pauca
!oqua!:. Podem 'ver Dalloz Repertoire de Legislatíon de Doctrine et de •
Jurisprudence, verbo Droit.-HeiDeccii Elementa juris civilis, &c. L. 1.0 Tit 1.0
De Justitia et Jure.-Dupin Notions sur la Justice le Droit et les Lois. Ma-
gnitot Dictionnaire de Droít Public et administratif.-Foucart ElemeDts de
Droit Pllblic et adminísfratif.- :Ahrens Philosophie du :Qroit, e muitos outros.
- 2-
o Direito natural, o ' qual con~Lilue o que se chama
philo ~ ophia .do direito, he a collecção das regras que a
razão revela a todos os homens, e que são consideradas
como gravadas no nosso ser pela mão de Deus.
Sem duvi~a que h'a noções prip1arias de direito que a
razão sãa p6de por si s6 descobrir sem o auxilio da
SClenCla.
Constituem eltas o direito de todos Qshorriens e de
todos' os povos, fl são uma parte necessaria e indelevel de
todas as legislações, que não forem absúrdas. Essas no-
ções, essas leis s~.o i~JI11J.tavt;is,;:e~ não p6d!) a, sociedade
civil subtrahir-se:lhes,: nem. muda-Ia~ irI!punemente. Ci-
vilis mtio, diz a Lei 8." Dig. de Capo min., rlCttumlia,jura
corrt~rnpere non potest.

o Direita natural appli"cado ás nações,- consideradas


como entes .moraes e conectivos,
. toma a denominacão .
de Direito das gentes, ou internacional, absoluto.
I

o Direito positivo he o instituído pelos legisladores


. humanos. E quando vem de Deus chama-se Divino.

Os Romanos chamavão Direito civil (jus civitatis) ,


("

em contraposição ao Direito das gentes (jus gentiurn), o


direito interno e proprio de eada povo, de cada cidade..
Era essa accepção mui larga. Comprehendia as leis pe::
culiares a cada povo, quer tratassem da organisação do
Estado, e das relações dos governantes e governados,
quer tivessem por fim reger as relações dos'membros da
sGciedade entre si, e os interesses privados. São tomadas
(" porém modernamente, como vamos ver, as palavras Di-
reito civil, em sentido mais' stricto, e como synonimas
de Direito privado.
3 -
Chama-se Direito civil ou privado, em contraposição
ao natural li ao publico, aquelle Direito que tem por ob-
jecto immediato o interesse individual, e comprehende
as 1(1is que regem os contractos, as doações, successões;
os differentes modos de adquirü' ou perder a propríe-
dade, o poder ill.arital e patrio, e geralmente todas as
relações entre as pessoas.

o Direito peculiar a um paiz, o jus civitatis Romanó,


toma a. denominacão
. . de civil, criminal, maritimo, com-
mercial, militar, &c., &c. segundo a diversa natureza das
acções, direitos e interesses que tem por fim regular e
resguardar. A' medida que uma sºciedade se desen-
volve, que os interesses augmentão, e tomão novas e
maiores proporções, alegislação que os rege, deseuyolve-
se, destacà-se, aclaFa-se e classifica-se. Vão se separando
os Tamos que adquirírão' importancia, tomando denomi-
nação á parte, e codificando~se. Entã0 he que as raias que
os separão tesaltão, e se tornão bem distinclas e patentes.

A~ontece o mesmo 'que nas sciencias naturaes, nas


. quaes certas noções, ao principio ·apoucadas e envol"idas
com outras, se .forão, cóm os progressos das · socie-
dade~ humanas, desembrulhando, e separando, a ponto
de constituírem depois .ramos com denominação dis-
tincta.
-
Não he possivel porém estabelecer entre aquelles ramos
de direito uma separação completa e absoluta, por-
quanto ligão-se eHes, prendem-se, e jogão uns com-os
outros. Referem-se á mesma sociedade, considerão os •
mesmos direitos, as mesmas acções, os mesmos inte-
resses, 'embofél debaixo de pontos de vista diversos. O
-4-
Direito criminal por exemplo relaciona-se Gom o Direito
o
oivil e privado e com Direito publioo. O Direito mari-
timo faz parte do Direito publico, quando tem por fim
immediato o interesse da nação; do Direito das gentes
quando regula as relações maritimas entre dous e mais
paizes; e finalmente do Direito privado quando rege in ..
teresses particulares.

O Direito. não privado, e em relação a caua sociedade,


divide-se em Direito publico interno, e em Direito pu-
blico internacional ou exlerno .
,
. Em Direifo publico internacional ou externo, porquo
constituidas as nações, em vista umas das outras, como
entes moraes, tem relações que são reguladas por trata..
dos e usos, e a reunião das regras assim estabelecidas
constitue aquella espeoie de Direito que se chama Di1
reito das gentes convenoional, ou Direito publico
externo, ou internacional, e que tem por bas~ o Di-
reito das gentes natural ou absoluto. O uso moderno
porém dá a esse Direito os nomes de Direito internacio-
nal ou das gentes positivo ou convencional, reservando
o de Direito publico para designar o de Direito publico
interno ou constituoional de cada-Estado. (i}.

Direito publico interno ou Constitucional, pro..,.


pl'iamente Direito publico, he aquelle que tem por fim
regular direcla e principalmente a orgahisação de t~m
Estado, e as relações entre o governo·, e os memBros
do mesmo Estado' Ad statum nnpublicre spectat. (2).
(1 ) Dalloz.-Repel'toil'c de Legislation de Doetl'ine ct de Jllrisprudence
verbo Droit Publico
(2) Dallo~ ' citlldo.- Laferriere. - COUI'S Theol'iquc de Dl'oit Public et
admiuistratif. '
5

Todas essas especies de direihJ tem a sua fonte e


base scientifica no Direito natural ou na Philosophia
do direito, e dftvem conformar-se com as aprecia-
ções da razão, sobre a natureza do homem, da e
sociedade; sobre' as relações moralmente necessariás
que dessa natureza decorrem; sobre a obrigação ~e
proteger a condição moral do homem, e da socie-
dade; e de d esenvolver s~us elementos de progresso,
por meio de fórmas governativas appropriadas ao fim
social. (1) .

Finalmente, e he este o ponto ao qual eu queria che-


gar, o Direito publico interno ou constitucional sub-
divide-se em Direito constitucional ou politico e ein
Direito administrativo.

Alguns, como Demolombe, Duranton, e Serrigny Traité


du Droit public, dividem-n' o em Direito publico propria-
I mente dito, em Direito constitucional ou politico, e em Di-
reito administrativo, chamando Direito publico propria-
mente dito o que comprehende os direitos indiVlduaes.

Os direitos individuaes tem sido garantidos espe-


cialmente por declarações que precedem certas cons-
títuições, e forão consagrados pelas Cartas Francezas
d ~ 1814 e 1830 em titulo separado, debaixo da ru-
brica-oDireito publico dós Francezes-,-. Forão de povo _
assim garantidos pelas' Constituições dé 1848 e' 1852.
(1) P6de-se ver, e os autores que cita, o excellente capitulo, sobre a
Philosophia do Direito publico , de Laferriere na ohra acima citada, e o
§ 1.0 da Introducção - Idée generale sur la Philosophie du Droit, E tambem •
}'oucart- Elements du Droit Public et administratif. Cap, 1.0 Base Phi-
losophique du Droit Public, Cumpre nunca perder de vista a fonte raci onal
e moral do Direito. Por isso Macarel - Elemeuts de Droit Poli tique - definio
o Direito publico - O Direito natural appli cado á orgánisaçao particular e
interior de cada sociedade civil.

, '
-6-
Como porém a nossa ConstituiçãO no seu ultimo
titulo, debaixo da rubrica- Das disposições geraes. e
garantias dos Direitos civis e politicos dos Cidadãos
Brasileiros-, garante a , inviolabilidade dos direitos
civis e politicos, que tem por base os direitos abso-
lutos que derivão da mesma natureza do homem, e
se reduzem a ' tres pontos principaes, a saber liber-
dade, segurança ' individual . e propriedade (I) ~ isto
no mesmo titulo em que, de envolta, trata de dis-
posições geraes, preferirei a mais simples divisão
de Direito publico interno ou constitucional, em Di-
reito constitucional ou político e em Direito adminis-
trativo, comprehendendo o Direito constitucional,
ou político i,lquellas nialerias que constituem o cha-
mado Direito publico propriamente dito. (2) .

o Direito constitucional ou polilico he aquella parte


da legislação de uni povo, que regula a fórma do
(1) São estes, com a igualdade perante a Lei, consagràda uo ~ 13 do mesmo
art. 179, os direitos natura es do home.m, e que perteucem li cada um como
individuo e cidadão, Chamão-se por isso iudividuaes e civis. Pertenccm
a todos independentemente de condiçõcs de capacidade e aptidão.
Os direitos politicos são aquelles em virtude dos C1uaes -participamos, mais
ou menos directamcnte, no governo do paiz (arts, 71 e 90 da ConstituiçãO
~ 1.0 do acto addicioual). Suppoem capacidade, isto he certas condições" como
Idade, renda, &c.
« Deux idées, diz Guizot, (e não o traduzo para lhe não lhe desbotar a
eloqnente energia) sont Ics grands caractéres de la civilisation mode~ne, et
lui impriment son redoutable mouvement; je les resume en ces termes ;-
iI y a des droits universels iohérents à la scule qualité d'homme, et <Iue nul
régime ne peut légitimement refuser à nul bomme ;-il y a des droits indivi·
duels, que dcrivent du seul mérite personuel de chaljue homme, snns égard
aUI circonstances exterienl"cs de la naissance, de' la fortune ou du rang, et
que tout bomme qui les porte en lui même doit être admis à deployer. Le
respect légal des droits generaux de I'bumanité, et le Iibre dévelloppement
des supériorités naturelles, de ces deux principes bien ou mal compris, oot
découlé, depuis pres d'un siec\e, les biens et les maux, les grandes actions et Ics
crimes, les progres et les égarements que tantót les révolutions, tantÓt les
gouveroements eux mêmes ont fait surgir au seio des Societés Européennes.
Guizot-Memoires pour servir à l'bistoire de moo temps. Tom 1.0 f5. 169.
(" (:'» Esta divisão be adoptada por escriptores notayeis como Laferriere, Dalloz
Foucart, Cabantous, c outros, posto que alguns separem o que chamão
Direito publico propriamente dito. Em todo o caso nenhum deixa de con-
' siderar o Direito admioistratiyo como uma dh~sao, ou ramo -do Direito publico
interno ou constitucional.

.,
7-
seu governo, a extensão, límiles e lIarmoIüa dqs Po-
deres politicos, e as garantias dos Direitos civis e poli-
ticos do cidadão.

As raias do Direito administrativo, o qual, como


veremos, he uma sciencia muito nova, não estão ainda tão
claramente fixadas, que não comprehendão nella uns
autores mais, e outros menos. Por isso as definições
que della derão, são umas mais e outras menos amplas;
e fie por isso mais ou menos restricto o circulo das
malerias que abrangêrão. Cada um seguio seu syste-
ma, o que produz grande confusão no espirito daquelles
que
. - na sciencia daquelle Direito.
procurão iniciar-se ,

Demais conformão-se esses autores com o typo da legis-


lação especial que ti.verão em vista. O Direito administra-
tivo da França, o da Hespanha, o de Portugal, o da. Bel-
gica, o nosso mesmo, tem muitos pontos de semelhança
entre si, mas diversifica completamente do da Inglaterra,
e dos Estados-Unidos, como teremos occasião de observar.

Adoptarei a definição que .dá Laferriêre, a qual me


parec~ mais comprehensiva e satisfactoria, mediante al-
gum desenvolvimento. .

O D'ireito administrativo propriamente dito, diz elle .


he a sciencia da ' acção e da competencia do P0ger
Executivo, das administrações geraes, e locaes, e dos
Conselhos ádministrativos, em suas relações com os
interesses ou dú'eitos dos administrados, eu com o
interesse geral do Estado. (1) . •

(1) Adiante se I'crá a importancia das palul'r:ls em grifo.-Por ora limito-me


8 chamar sobre ellas a attençào do Leitor. .

. i
-8-
Se ha grande eentralisação administrativa no pUlZ ,
prepondera, ainda nas localid'ades, a acção -e a com-
petencia do Poder administrativo geral.

Se ha gránde- decentralis-ação avulta: nellas a acção


e- competencia das autoridade~ locaes.

As definições adaptadas por Degerando, Cabantous,


:6lanche, Gandillot et Boileux, Chantagrel, Colmeiró,
posto que mais laconicas, coincidem co"m a que fica dada.

Definem o Direito administrativo - O comple:x:o --


das regras ou leis que determinão as relações entre -
os administradores e administrados.

Foucart define-o :-Aquella parte do Direito pu-


blico que tem principalmente por fim a gestão dos
interesses collectivos, em vista do bem ser social.

Macarel diz que o Direito administrativo se compõe


das leis de interesse publico, as quaes, em uma
nação dada, regulão os direitos e deveres respectivos
da administraçãO e _dos cida~ãos, co~o membros do
Estado.

Essas differenças e as do modo pelo qual diversos


autores tem ti'atado do Direito administrativo, tambem
se explicão pelo maior ou menor alcance da dis-
tincção que estabelecêrão, entre a sciencia da admi-
nistração e o Direito administrativo.
(

O que he porém certo he que a sciencia do Di-


reito administrativo não póde absb:ahir do que se chama
apartEi organicã, regulamentar e " technica "da" "admi-
"nistração.

Cumpre, como diz o citado J. .aferriere, distinguir no


todo da administração dous objectos principaes.

o 1. 0 he a disposiçãO e o mecanismo dos serviços


publicos, o deserlv01vimento da sua organisação inte-
rior, as relações respectivas dos agentes superiores
com os inferiores, a execução material, o lado pu-
ramente technico
, dos differentes servicos. .
, 2~ ° As relações da administração com o cidadão
'para ' a execução das leis e regulamentos, isto he os
direitos e deveres reciprocos dos administradores e
administrados.

- O Lo he o que se' chama a parte organica, regu-


'lamentár e technic'a da adminisrtração. '

O 2.°, que he propriamente o Direito administrativo,


iórna-se efrecÍivo no momento em
que a acçãó ' do
a'~ID:inlstracior se dirige ao administrado~

" Ném he possivel separar a acção da organisaçãQ. Não


he, possivei' conhecer a acção de:um poder , sem :co-
nhecer esse poder; e para o conhecer he precisoes-
tudar a sua organisação, suas attribuições, e relações
geraes com os outros Poderes do Estado.
. . .........

O Direito administrativo porém não se contém, nem e


póde ser contido, nos estreitos limites de uma laco-
nica definicão
• . 2
- 10-
o Direito administrativo, como observão Dalloz o
outros, en!ra nos pormenores e nas numerosas appli-
cações dos principias estabelecidos pelo Direito cons~
titucionalou politico, ao qual he subordinado; occu-
pa~se do interesse geral, e applioa .... o aos casos espe-
ciaes; regula e assegura a boa execução dos servi....,..
ços publicas, como por exemplo: provendo á justa
repartição e cobrança dos impostos; fiscalisando as
despezas publicas; protegendo e fiscalisando certas
corporações, e estabeleoimentos de benefioencia e soc~
corros publicos; tomando medidas de polioia admi-
nistrativa e preventiva, que tendão a assegurar aos
cidadãos os beneficios da ordem, segurança e salu~
bridade publica; provê á segurança do paiz, e de~
cide as questões contenciosas que surgem das medidas
administrativas, &c., &c.

De "materias tão vastas, _tão minuciosas, tão complica-


das, tão praticas não póde uma simples definição dar
idéa completa e perfeita. '
-
Algumas breves indicações sobre os limites e diffe-
renças que distinguem o Direito administrativo de
outros ramos e de outros Poderes, e sobre as rala-
ções que com elles tem, darão uma idéa mais com-
pIe.ta, e suppriráõ a d"eficiencia de uma definição.

,.
(j&PITÚLO ·1 '.

nurerefieas- e relaéões entre a Seiencia da


administração, Oli Sciencia admiQistratlva,
e o Direito administrativo. - Não são só-
Inente as Leis administrativas as que cons-
t ituem o direito adlninistra tivo.

te Droit administratif n'est point la science


de I'administration; mais il emprunte à cette
&cience de nombreux elements; iI lui scrt de
régulateur.
Macarel Cours (]'administration et de Droit
administratif.

Ha em todas as sod.edades um humero de necessi-


dades communs; maior ou menor segundo o seU des- '
envplvimento e civilisâÇão, as quaes o Poder publico
deve satisfazer. lIe o fim da administraçãO publica
provêr a esSas necessidades collectivaS, e dirigir os in-
teresses sociaes, quer geraes quer locaes.

A Sciencia administrativa he a Sciencia dé~àS ne-


cessidades e interesses, e do modo de os satisfazer
convenientemente. .

Chama-'-se administração o complexo dos âgentes de


ordens differentes; hierarchico ou não, Iiomeados pelo e
Governo, ou de eleição pôpu.!ar, espalhados por todo
o territorio nacional, aos quaes incumbe tUidar da-
12 -
quellas necessidades, direitos e interesses que não per-
tencem á ordem politica ou ao Direito civil, e que não
são da competencia do Poder judicial.

Macarel, Caban~ous, Vivien, Trolley, Pradier, La-


ferriere e outros, distinguem entre a Sciencia da ad-
ministração, e a do Direito administrativo .

. A 1.& he com effeito mais vasta, e essencialmente


especulativa. Comprehende as regr~s da vida pratica
das nações, os 'principios sociaes -que as devem reger,
o estudo de suas :p.ecessidades .e interesses, e o dos
meios de os satisfazer, bem como o dos grandes me-
lhorament<?s sociaes. Comprehende não sómente a
parte organica, regulamentar e technica da admini~­
tração, como taPlbem o próprio Direito administrativo.
Perscruta mais os phenomenos sociaes do que. as leis '
eseriptas, e apoia-se sobre todas as sciencias que se
relacionão com a sorte do homem. .Vai beber na Phi-
losophia principios, na Moral regras de proceder,' na
Ristoria lições uteis, na Economia Política a solução
de . grandes problemas, a theoria dos impostós, as leis
da população, e da riqueza. ~ Illustra as discussões das
Assembléas politicas e os Conselhos dos Governos. Fórma
homens de Estado, e Legisladores. Póde dizer de si,
. como a Sabedoria. - Per me Reges 'regnant et legum
cQnditores justa decernunt.

A 2.&, a Sciencia do Direito administrativo, he um


ramo da 1. a He por isso mais circunscripta, mais po-
( sitiva e practica. Dirige os aetos dos administradores,
resolve as difficuldades que na pratica surgem dos
negocios, e~ guia as júrisdicçôes que conhecem 'elas ques-
13 -
. tõcs assim suscitadas (1). Fórma simplesmente admi-
nistradores.

- He precisá não restringir ·o Direito administrativo


ao conhecimento e applicação das leis propriamen~e
administrativas, que regulão pontos da organisação,~u
acçiio administrativa. Supposto estas leis sejão o prin-
cipal elemento daquelle Direito, não o constituem ellas
exclusivamente. Por quanto ha leis de natureza mixta,
cuja applicação, pelo que respeita a questões de pro-
.priedade, ou penalidade-, he dé!. competencia do Poder
judicial, e as quaes comtudo fazem pade do Direito
administrativo, pelo que respeita ás relações da admi-
nistraçãu com os administrados. Taes são por exemplo
as nossas leis so15re a desappropriação por utilidade
publica. Tal.he, por exemplo, a nossa lei n.O 601
de 18 de Setembro de 1850, que manda dispôr ad-
ministrativamente das terras devolutas do Imperio, e
autorisa o Governo a comminar, no respectivo Re-
gulamento, penas de prisão, despejo e multa, as quaes
são impostas pelo Poder judicial.

Póde . estabelecer-se éomo regra, que todas as leis


ou disposições, qualquer que seja a sua natureza, são
materia de Direito administrativo, em tanto quanto
podem servir de base ás relações respectivas entre a
autoridade administrativa e os administrados.

(1) Para nllo tornar em demasia extenso e enfadonho este meu trabalho,
Iimitar-me-hel, sobre muitos pontos, a considernçoes geraes, coibidas e
substancindas de muitos autores; porque nllo invento. Podem ver:
Macarel Cours d'administration et de Droit odministratif Tom. I.er Livre
Ler, e Tom. 3. Observations Préleminaires-Laferriere Cours de Droit Public •
et administratifTom. 1.er Livre Préleminnire-Cabantous Répétitions écrites. - ,
Notions Préleminaires Si 3 - Troller Traité de In hiernrchie administrative
Tom. Ler Chap. ;.)":"Vivien Etudcs administrativc5, Préface-Pradicl' Précis
. de Droit administratif, &e.
-(
JlJl.PIT"tJ~O 111 ,

DlfI'eren~asc rclaç4ies entl'8 Q Direito cons"


titucional 011 politic9 c o Dil'ci*o adminis ..
trativo. Ditre.·cnças c rela~98s entl'c 60 ..
verp., e 4dminist.·a~u.

Lil IcgisllltiQll administrativo vit ot se rpeut


cn ilchprs !los principes poli tiques ,
ChlluVea\l Adolphc.

A organisação, fórmas e acção administraHvas estão


intimamente ligadas com a organisação. fórmas e
ficção dos Poderes Poli~icos. São portanto, ainda que
vivão e se movão separadainente, inseparaveis e de~
pendentes dos principios em que se basêa a orga ....
nisação politica.

Separar completamente o Direito administrativo do


constitucional, diz Laferriere,. fôra tirar-lhe a sua
razão de existencia.

He por isso que são tão differentes as instituíções admí"


nistrativas,da Inglaterra. dos Estados-Unidos e da França .

He por isso que varias providencias lo gislativas na
França. sobre o ensino do Direito administrativo,- e
16 -
varios cscriptores tem lentendido que não se p6de en-
sinar e estudar esse Direito, sem comprehender maior
ou menor numero de noções do constitucional e politico .

Pelo que, no decurso do trabalho que vou encetar,
ser-me-ha muitas vezes preciso recorrer, se"bem que li-
geira e succintamente, aos elementos deste ültimo Direito.

Todavia, se he impossivel, tratando do Direito adminis:'


trativo, abstrahir com pletamente do constitucional e poli-
tico, não o he, por certo, distingui-los e assignalar a cada
um a sua natureza, as suas funcções e os seus limites.

o Direito constitucional e politico regula as grandes


feições da organisação politica, isto he a f6rma de go-
verno, as attribuições dos Poderes políticos, e as ga-
rantias do cidadão. Tem por fim principal a ordem
política e "a direcçao do paiz nas ,vias geràes dá. con-
servação e do progresso. '\ "

o Direito administrativo refere-se mais proprià-


e
mente á autoridade administrativa á administração.
Suppõe uma organisação política á qual. se accQmmoda,
e que eUe não regula. Tem por fim principal a ap-
plicação das " leis dê ordem publica, 'a gerenciae di-
recção de" interesses que não são meramente "políticos";
I :

Não se p6de dar organisação politica solida e du-


radoura sem cen"tralisação. A organisação a'dmínistra-
tiva porém p6de dispensa-la mais ou menos. " "
(

. O Poder Executivo, como ver"emos, obra como Poaer


Executivo puro, politico, ou governamintál, ou, como
- 17
Poder ndministrativo, e dahi a distincção entre Gov~rno
e Administração{1').

Como ,governo t o Poder Executivo applica por si


'Só e directamente as leis de otd,ePl politica. Como
tal he o promulgador e o executor das leis, por meio
de regulamentos e providencias geraes; he o encar-
regado e o depositario do pensamento politico, e da
direcção moral dos interesses geraes da Nação, e das
suas relações com as outras.

Como administrador, o Poder Executivo: não applica,


nem lhe he possivel applicar, por si só e .directamente,
as leis da ordem administrativa, mas sim por meio
de um complexo de agentes de ordens diversas, dis-
seminados pelas ãifferentes circumscripções territoriaes.
Esta appiicação póde ser feita, até certo ponto e com
vantagem, por autoridades electivas.

A acção governamental do Poder Executivo deve


ser livre, e ' o seu poder mais ou menos discricionario,
sujeito sómente ás leis (em cuja confecção intervêm),
. á opinião ,e á RepresentaçãJ Nacional.

A acção administrativa do Poder Executivo, como


Poder administrativo, sómente ' he discricionaria em
Jquanto grnciosa. Como contenciosa não. Pelo menos
não o deve ser.
"
'O Poder Politico Teparte-se mais ou menos, nos •
Governos Hepresentativos, entre o Poder Executivo

(1) Este ponto lerá para diante o maior desenvolvimento, que exige a
SU~ i~portaDcia. .
3
- 18-
-
e as Camaras Legislativas.. . O Poder ádministràtivo não.
As C~maras Legislalivas não administrão. .

As funcções do Poder Executivo, .cÇlmo governo, são


mais propriamente -de iniciativa, de apreciação e
<lirecção geral, de conselho. Cabe-lhe imprimir na
administração o seu espírito geral, e o seu pensa-
mento.

O Poder administrativo he portanto secundario e


subordinado ao Poder político. Organisa o pensamento
deste e o põe por obra. .

Pelo que, a autoridade administrativa be, especial-


·meJ?te nos paizes centralisados, o attributo essencial,
.0 instrumento principal do Poder Executivo governa-
mental. He por meio do complexo dos agentes que
formão a administração que se põe elle erp Gontacto
com os particulares, que lhes transmitte as suas ordens,
que estiIda as suas necessidades e recebe as suas re-
. .
clamacões.

A administração he portanto a acção vital do Poder


politico e o seu indispensavel complemento. O Poder
politico he a cabeça, a administração o braço. O Poder
politico serve-se da administração para fazer preva-
lecer .o·.seu systema, e dar aos serviços publicos um
impulso em harmonia com suas vistas.
. ,
Nos paizes decéntralisados po m, distingue-se entre
administração geral e local. Sómente a administração
geral he que se pó de rigorosamente chamar instru-
mento do Poder executivo central.
- '1 '9--'
o PoderExecutivó govcrriamen(al 'e politico não ad-
mitte porém essa separação sem imminente perigo de
ruina, como em outro lugar veremos.

Em todas as medidas geraes a administração deve


conformar-se, no cumprimento de seus deveres offi-
ciaes, com as vistas do Poder politico, por quanto
seria a sp.a resistencia, e má vontade uma fonte de
desordens. Mas se assim he no que diz respeito á
marcha e pensamento geral, devem comtudo os dous
Poderes ser considerados como separados, não para
se contrariarem, mas sim para contêr-se cada um nos
seus limites e condições respectivas, todas as vezes
que se tratar da execução das leis, de pormenores, e das
relações entre os administradores e os administrados ..

Posto que a administração seja instrumento do Poder


Executivo politico egovernamentál, póde dar-se essa -se-
paração c tem se dado. Assim foi que a vigorosa e
bem combinada organisação administrativa da lfrança,.
soffrendo apenas modificações, servio a primeira Re-
-publica, o primeiro Imperio, a Restauração, a Monar-
chia de Julho, a segunda Republic~, 53 serve o segundo
Imperio, resistindo a todas as tempestades revolucio-
narias, sobrevivendo ás muitas Constituições Republi-
canas e Monarchicas, que aquelle paiz tem tido, du-
rante os ultimos 70 annos, lançando, preservando
e fazendo fructificar ' as sementes de muitos melhora-
mentos, ' mais ou menos estranhos á politica (1).

( 11 "Plus 00 étudie le Dl'oit admioistl'atif, et plllS on se seut pé nétré


d' udmira tion cu eontemplunt eNte m erYci!lcllsc orgu ni sation , qui répand

la ,'ic et le mOll"cmcnt dnns tout le corp s so cial; orgun isation, tcll emcnt
)luissuntc, 1I11'cllc l'ésistc à tous Ics chan gcmcnts poli tiql1cs ... Lc prin cipe •
Iibéral du gou "ern cmcnt fpndé éll 1830 cst en tré ua ns Ics institni tions
20 -
Quando uma Nação tem instituições admi!1istrativas
conformes com os bons principios, uleis, protectoras,
arraigadas nos habitos da populaçã'o, os novos governos,
dada uma mudança politica, servem-se della!,? apenas
modificão uma. ou , outra base', um ou outro prin-
cipio, mas não as destroem, nem podem destruir.
Servem comtudo de garantias. Quando o paiz não tem
essas instituições, ou as tem mal concebidas, mal
assentadas, mal desenvolvidas, cada mudança politiea_
traz completa mudança administrativa, e o arbitrio
revoluoionario não encontra empecilho algum.

Taes são as Republicas Hispano-Americanas. Tem


organisação política constantemente mudaveL Quasi não
tem órganisação administrativa. Tudo he precario e
depende do arbitrio dos chefes das revoluções.

A organisação administrativa, ti sua hierarchia nas


administrações centralisadas, as regras pelas quaes se
rege, o exame, a discussão~ o conselho, as tradições"
os reoursos, a publicidade .. são garantias que obstão
ao:~rbHrario, cujos saltos, pOl' cima de tantas barreiras,
quantas ,lhe oppuzer uma organÍsação ' administrativa
pm:feita, ,completa e previdente, darão mais nos olhos
de . todos. Embora o Poder politico prescreva certa
marcha, certo pensamento, a administração na exe-
cuçã,o ,e applicação aos casos,. terá de dar aos cidadãos
as, garantias que o systema administrativo tiver con-
sagrado.
! '

(
imperiales administratil'es' conservées sous la Res tauration; il les a t em pc-
rées sans detruire cette forte cenLl'ali sation qui a sa u \'é le pou vo ir au mi·
licu, de n~s rél'~lu~io ns réce D t~s , et qui le maintient encore, Sel'ri gny,
o Trullé de IOl'gamsaLlOu de la competence eL de la procedu!'e cu mutic!'c
contcntieuse admiuislrative. "
A, circumstancia, aliás ineVitavel, de se achar o Poder
administrativo, pelo menos o geral~ reuni~o ao poli-
tico e gov:el'namental~ nas mesmas mãos" as do Poder
Executivo, traz. com effeito o cóntinuado perigo: da in-
vasão dos interesses politicos na administração. A
tentação, he frequente e frequentemente os governos
sacrificão cOhsiderações e vistas administrativas impor-
tantes a conveniencias pessoaes e,politicas passageiras.
A administração torna-se o vasto campo dos favores,
e Q meio de procurar e firmar apoio politico, ás
vezes momentaneo, com grande pi'ejúizo dos servi-
ços administrativos~ e. ás v.ezes com grande: desmora-
.
lisacão. .

A responsabilidade. Ulinister~al, que póde ser um


freio quando se trata de grandes. principios e de
grandes interesses políticos, he illusoria po·r nego-
cios meramente administrativos, mórmente quando
só dizem respeito a direitos de individuos. Qual he
a maioria parlamentar q1lle, por ques~ões,· dessas, se
presta a sacrificar um Ministerio que sustenta, a dar
razão aos seus adversarios, e lugar a que suba a op-
posição 1

Assim os desvios administrativost a offensa a direitos


em qu~stões administrativas não tem cmrectivo efficaz,
sufliciente, e real na responsabilidade dos Ministrós.
principalmente quando a injustiça recahe sobre indi-
viduo- que n~o tem importancia politica.

O unico efficaz que pode ter encontra-se na se- •


paração pratica. possivel, entre o . que he político e
administrativo.
Essa separação não consiste, nem poderia consistlr,
em tirar a administração ao Poder ,Executivo. Fôra
o mesmo que supprimi-Io. Não póde consistir tambem
em sujeita-lo a outro Poder, ou em fazer depender
deste a soluÇãO das duvidas que por ventura se sus-
, citem sobre os actos administrativos do Executivo,
porque fôra isto annulla-l~, e abrir larga fonte de des-
ordem e de conflictos.
-
Consiste em uma boa organisação administrativa,
isto he, em garantias de audiencia, exame e conselho;
na organisação do contencioso; na boa co~posição de ,
Tribunaes administrativos; na fórma do processo; nos
recursos para a revisão e reconsideração dos casos;
em uma justa e razoaveI decentralisação, de modo
que, sem que fique pêada a acção do Executivo, seja
estorvado o abuso, e aquelle arbitrio que he dispen-
saveI.

Nos paizes que não possuem instituições similhantes,


completa e praticamente desenvolvidas, cada mudança
de Minislerio, e de administradores, como são os
nossos Presidentes, traz uma inversão ás vezes com-
pleta não só no p~ssoal administrativo, como no modo
de encarar e decidir as questões administrativas. O
administrador que começava ~ tomar pé nos negocias
da Provincia he mudado, leva com sigo o que a custo
aprendeu, e ahi vem outro, o qual, apenas concluidas
as primeiras apalpadelas, he tambem mudado. Et sic
( de cmtm'is. He assim que somos administrados I A
cada mudança tudo fica suspenso, posto em duvida"
para começar a ser examinado de 'novo, com grande
desanimo, desespero, e prejuizo das partes. Assim
-, 23-
todqs os grandes interesses a cargo da administração
es~o sujeitos a uma constant~ instabilidade, e a admi-
, nistração torna-se, como tem sido entre nós, uma ver-
,dadeira teya de Penelope (1):

Estas rapidas considerações baslão, por ora, para


dar uma idéa geral da distincção que cumpre fazer
entre o Poder politico, ou governamental e a Admi-
nistração (2).

_ Cabantous, _Repetitions écrites sur le .Droit public et


administratif, nega a utilidade desta distincção, entre
a autoridade governamental e a administração, a qual
distincção, diz elle, não he fundada em texto algum
legislativo, ou regulamentar.

« As relações internacionaes, ou de ordem puramente


política, accrescenla elle, são, sem duvida, estranhas
ao Direito administrativo propriamente dito, porém a
autoridade que as dirige, he a mesma que aquella que
·provê sobre as relações com os particulares. Em verdade
podem as diversas funcções incumbir a pessoas diffe-
rentes, porém todas essas funcções partem do mesmo
principio, I~ do mesmo espirito, e são todas ellas ema-
'nação do mesmo Poder, o Executivo.»
-
(1) A qual, segundo o testemunho de Homero e do Padre Guardillo <lo
Hyssopc,
u ............................ extremada
u Entre as mais do seu tempo tecedeirn,
N'uma teyn gastou mais de dez nnnos.
• • • • . • . • . . . . . •• . • • •• pois que de noite,
O Que obrava de din desmanchava. •
CANTO V.

(2) P6de vôr-se, com proveito, sobre este assumpto, o cxcellente Capitulo
4.° Tom. 1.0 dos Estudos administrativos do Mr. Vivien, intitulado -A nd ·
~.inistração ~ o Poder, PoHticÇ). .
- ~4-

Da porém muitas distíncçoos, as quaes, embora não


expressas nas leis, porque - Lex debet esse j'Ubens 1W1t
40ceRS - , r.esullAo da natureza das causas, e do complexo
e jogo da legislaçãO. A dístinCÇão da qual se tràta,
não se dará por certo em um paiz onde a falta de
conveniente desenvolvimento da parte administrativa,
deixa a administração completamente confundida com a
política, como acontece entre nós, por quanto entre
nós a mesma administração he apenas méro instru-
mento nos calculas de parcialidades políticas pessoaes,
e reduz-se a machina de eleições, o que he um grande
mal (1).

(I) N1Io ha talvez paiz em qlle a admioistraçllo esteja mais confundida


com a politica do qU:J o Brasil, e onde menos tenha feito a legislação para
distingui-Ias e separa-Ias. Tudo he politica, principalmente pessoal; tudo
resumbra politicn, e he considerado pelo lado politico. A imprensa sómellte
se occupa de política; toclas as discussões nas Camaras o fóra dellas silo
politicas, ou tem relação com a politica. As grandes questões economicas,
e ad,t1inistrat.iyôls que tanto importão ao futuro do Imperio, s:Io postas do
lado, excepto qUUUCJ'(i accidental e occasionalmente, se manifesta a urgellcia
da solução de algum caso especial.
Em um paiz cuja .administraç1l0 está, para assim dizer, no cabos e na
infaucia, pass1l0 sessües e sessões legislatlvas sem que sej~ adoptnda me-
dida admiuistratiya do alguma imporlaucia, exceptuadas as qne süo de expe-
diente, e tendem a satisfazer vagamente, em uma especie, alguma necessidade in-
dcc.linavel que urge, alguma prctenção que aperta, pondo a faca na gar-
ganta.
A administraç:Io htl por muitos considerada como \ll!l simples e cego ins-
trumento da po\i~i ca para montar c desmontar partidos e influencias elei-
torlles. O. Presidentcs são por "ia de regra escolhidos e dcmittidos por
considerações meramente políticas. Por isso os que presidirúo du.rante urna
eleiçãO ficilo g.:l·s tos e são logo retirados.
A nomeação dos Presidentes e outro3 funccionarios administrativos, c, o
que hc mais, dos Juizos, he unicamente considerada pelo lado politico. Os
que pertencem fi mesma parcialidade a eMo·u'a sempre excellente. Os ad-
versarios políticos sempre pessima.
Não ha, sobretudo agora, verdadeiro espirito publico. As antigas ban-
deiras qnasi que desapparecÔrão. Prellonder1l0 as pahões e os interesses
na IU.:Iior parte dos lugares. Nno se lucta por principios ~.Iaros e definidos.
Lucta·se por pessoas, por posições, influencia. e p~lra grangear patronos que
obtenh3o favores. « BOI~um pub/licwn toi,mdalltcs, como diz 1hllustio, pro
ma qUiSqllB patentia ccrtalll.»
Quem nilo tem importaneia eleitoral, quem nllo se occupa de política
he uma espccie de Hole. I-Ie ('ttremamente dimeil avantajar-se alguem, em
qualquer carreira, por outro meio que nno seja a politica.
Tem·se inrelizmente arrtlÍgado no geral da nossa populaç1l0 a crença de
que cousa alguma se obtêm, sen1l0 pelo empenho, c que he o mais forte
o que provêm da influencia el~itoral. Governa a sua localidade quem dispoc
dos seus votos. Muitos Mo rscrupulis:Io quanto aos meios para gauharem
essa influencia, contando que pUl' meio dtllla farllo Juizes Municipaes, Vi-
<i1'"
... a -' .
A.quellq. <,listillcção he mais pratica do que tJleodca;
he mais dependente do desenvolvimento da organisação
administrativa, da instituição de conselhos e de t,ribunaes
administrativos, do que de uma consagração theorica em
um texto de lei. Tudo a final emana ~e um s6 Poder, o
E.xecutivo, he ve~dade, mas a acção .politica deste, he,
e deve ser, filha de uma apreciação larga, livre, imm.e-
diata e directa, e, para assim dizer, discricionaria. A
administração he mais restricta, mais positiva, sujeita
11 f'egras e dependente de muitos executores e auxiliares,
cuja acção não ,deve' ficar entregue ao mero arbitrio.

Demais Cabantous, como quasi todos os autores da


escola franceza, refere-se ao typo da organisaçãO fran-
ceza extremamente centralisado.

ga rios, Collectoresj Escrivães, Delegados, Subdelegados, Contadores, Distri-


buidores, Partidores, &c., &c., em uma palavra governarãO a terra, e po-
tleráo nullifi t'ar os seus emulos.
Tudo isto estraga, corrompe e desmol'alisa.
- Accresce pat'a augmentar essa desmoralisaçllo o emprego do dinheiro nas
eleiçoes, em Uma época na qual ~e póde dizer com Ennio-Unde habeas
nemo qurerit, opor:tet habere.-(1 Nas épocas passatlas, (dizia, ullo ha muito
tempo, o Presidente dos Estados-Unidos Duchanan, em uma carta na qual
se desculpava por nllo assistir li celebração do centcsimo anniversario da
tomada do forte Duquesne), posto que nossos pais, bem como nós, estivessem
divididos em partidos politicos, que tiver1io tle luctal' fre(lne ntcmente uns
contra os outros, não consta que a~é um período recente, l'( corressem ao
tlinheiro para fazel'em as suas eleiçOes. Se essa pratica tem de continuar cres-
cendo, até o ponto de infectar os eleitore,;, e seus representantes uas le-
gislaturas dos gstados, e na Nacional, achar-se-ha infectada a fonte do go-
verno tine, c iremos dar, como a historia o prova. no despotismo militar.
Todos concord1io em pensar que uma Repubtica democratica nlIo póde durar
muito tempº sem virtude publica. Quundo esta se corrompe, e o povo se
torna venal, um cancro de"ora as raizes da arvore da liberdade, e a Ca.z
deperecer e morrer. "
Os partidos entre nós vivem accllsando·ge reriprocamente dos mesmos
uetos, ('\ encobrindo·os e juslificando-os quando s1lo seus, o que dcsLróe as
nOÇÕes do justo e honesto~
Cada um pretende que o funccionario administrativo lhe preste aquelle
auxilio contra o qual lel'untará celeuma, se fór dado ao adversario. A in-
terveuçfio do Governo em nosso favor he justa; he um crime se a bem do •
nosso contrario , •
Na minha humilde opinillo a just!ça e a estabilidade na administraçllo .
a sua separaçllo, quanta seja possivel, da politica, silo meios poderosos qu ~
muito poderãO contribuir para pOr um paradeiro ao damno, que o modo
pelo qual se tem feito nestes ultimos tem!Jos as c lei~oes entre n6s, tem cau-
sado, e estK causando ao paiz.
-!() -

Que aquella distincção he real e dá-se, provão:as ins-


I tituições ,da Inglaterra i dos Estados-Unidos, como para
diante 'se verá. -

E sendo, como he, inulto pratica essa. distincção) e


-difficH explica-la com palavras vagas, deix,emos qlle
res1alte 'mais pàtente e clara 'do 'todo deste meu trabalho .

(
I •

..
f1A.PITULO IV.

Dlft'e!"enças e relações entre o Poder legIs-


lativo e o administrativo.

Essas differenças e relações são salientes, pelo que


pouco dellas me occuparei.

, O Poder administrativo está essencialmente subordi-


nado ao legislativo. Os seus actos não tem valor senão
emquanto são consequencias, ou estão conformes com
as leis que emanão desfe ultimo.
O Poder legislativo actúa por meio de prescripções
geraes e permanentes. Os actos do Poder administra-
tivo, são, por "via de regra, medidas especilles e locaes,
relativas a circumstancias, e necessariamente asslgna-
ladas por alguma mobilidade.

o Poder legislativo consiste todo em deliberação.


O administrativo consiste mais em acção. O legisla-
dor dispõe. O administrador applica.

A administração he a força viva -que torna a lei
activa e sensivel. He o instrumento org;anisado que dá
- 28
á lei o poder exterior, . e que imprime o movimento
nos negocios publicos.

Os actos que emal)ão do Poder legislativo, isto he,


as leis, tem um caracter de soberania que exclue re-
clamação ou recurso para superior (e nem o ha), ainda
(lue as mesmas leis firão interesses ou direitos. Dum
l,ex, sed lex. Não ha hierarchia,. nem incompetencia.
Não assim quanto I;l.OS actos do Poder administrativo,
como para diante veremos .

. .

(
t:::APITlJLO V.

DlfI'el·e.~all e l·ela~iJes entre ~ Peder Judlel.1


- e o administrativo.

A principal e mais simples divisão de Poderes na so-


ciedade he a seguinte;- Poder que faz as leis.- Poder
que as faz executar. .

o Poder que faz executar a~ leis chama-se privativa-


mente Poder Executivo; porém o Poder chamado Ju-
dicial as faz executar tamb,em.

He por isso que alguns, como Chantagrel, dividem


o Poder que faz executar as leis em Poder Executivo
'propriamente dito, e em Poder Judicial.

He por isso que alguns publicistas e algwnas consti-


.
tuicões considerão . o Poder chamado Judicial como um
.

ramo do Poder Executivo, embora o constituissem in-


dependente deste (1) .

(1) ~(Eu tl}éol'ie il .est ~I'és di~ficile d'adme~tl"e ~l~s . de deuI vou \,oil's: celu-
(IUI falt la 101 et c.eIUl qUi I'apphque. Eu drOlt posltlr 11 est certam que la Cons i
tituition en "igueur ne donne pas a l'outorité judiciaire la qualitlcation de
pou \:oir. Les constituitiõns eUes mêmes Qui 1'oot ainsi qualiflé, ccUe de
,18(8 Dotamment, I'ont presqoc toujours rattachée 8U pouvoil' exeeotif. )
·Cabantous. Rcpetitions écrites. Notions Préleminaires.
"

- 30-
Co.mtudo., po.stas de parte as "'cir.cumstancias de ser o.
Po.der judicial. tambem executo.r das leis, e de serem
o.s Magistrado.s no.m~ado.s pelo. Po.der Executivo." he
aquelle distincto. deste.

A no.ssa r.o.nstituição. não. co.J;lsidera o. Po.der Judicial


co.mo. ramo. do. Executivo., mas co.mo um Po.der distincto.,
separado. e independente. Arts. 10 e 151.
. -
Mas o. Po.der administrativo. fa.z parte do. Po.der ~xeoufivo .
Dahi se o.rigina' a primo.rdial differença entre o. Po.der
Judicial e o. administrativo., differença que se deriva da
Co.nstituição.; po.rquanto.:

o art. 9. 0
da Co.nstituição. estabelece que a divisão. do.s
po.deres he o. principio. co.nservado.r d'o.s direito.s do.s ci-
dadão.s, e o. mais seguro. meio. de fazer effectivas as ga-
rantias que a mesma Co.nstituição. o.fferece.
O a1't. 10 separa e declara poderes distinclo.s o. Exe-
cutivo. e o. Judicial. O Po.der administrativo. faz parte do.
Executivo. L,o.go. a Co.nstituição. separa e'declara distinc-
to.s o. Po.der Iudiciál e o. Administrativo..
Mas, pelo. art. 178 da mesma Co.nstituição., he co.ns-
titucio.nal o. que' diz respeito. ao.s li~tes e attribuições
do.s Po.deres po.lítico.s. Logo. a distincção. entre o. Po.der
Iudicial e o. administrativo. he co.nstitucio.nal, embo.ra
este não. seja pro.priamente po.litico., mas po.rque per-
. tence e faz parte do. Po.der po.lítico., o. Executivo.. · Be
o. instrumento. de que este se serve, e do. qual não. ·
( pó de prescindir (1).

(i) A Assembléa Constituinte da f'rança estabeleceu na Lei de 24 de


Agosto de 1790 o seguinte principio fundament!ll, qur. resalta da nossa
Coustituição.-Á nutQridllde administrativa, e iI autoridade judici<\1 ~i1Q ip-
- 31-
!Esta (geparação entre a autoridade administrativa ' e
a judicIal nã@ existe, ou dá-se mui pal!cial B confusa-
lJ'Rente naqueUes paizes cuja ol1gamisação lilão admitte
li di:VÍsão dos Poderes. E entretanto a orgarnisação po-
litica a mais perfeita he aquella em que os P(')deres se
achão distinctos e separados.
Assim aco1l!lecia pela antiga (Qrganisação Portugueza,
á qual' 'Vi~einQs sujeitos até e ainda depois da Inde-
pendencia, na parte que a legislação ulterior não tem'
alterado. Incu.mbia li autoridades judiciarias 8 admi-
nistração d~ muitos Tamos, e a ·solução de 'muitas
questões de natul'ez'a contenciosa admi.nistr.ativa. Reu-
' nidos nas mãos do mesmo poder não se discriminava o
-contencioso judiciario do administrativo . .tE ainda hoje,
'Como teremos occasiãó llle observar, não estão esses dous
tãB ·düversos ramos pratica e completamente separados.

Tanto o 'Poder judicial como o administrativo estão


dependentes.-Este princ.ipio, diz Chauyeau Adolphe, atravessou, sem pereGcr,
as tormentas revolucionarias; foi creado debaixo da Monarchia de 1789 ;
foi . desenvolvido debai:.:o do Imperio; permaneceu em pé no tempo da
Restauração, e depois da Hevoluçao de Julho.
Aquella mesma Lei de 24 de Agosto de 1700, no titulo 2.° Si 13, diz-
As funcções judiciarias são distinctas, e permanecerão sempre separadas
das funcções administrativas.-A Lei de 14 de Juuho de 1793, accresccnta-
Nenhum cidadão poderá exercer ao mesmo tempo as funcções de juiz c
administrador de Departamento.
Em Portugal, n independencia das autoridades administrativas em relação
ás judiciarias, _acha-se garantida por ditrerentes meios; ' 1.0 pelo art. 301
do Codigo Penal, que pune toda a iugerencia das autoridades nos outros
Poderes políticos, a que ellas não pertenção'; 2.° pelo art. 356 do C9digo
Administrativo, que estabelece que nenhum Magistrado, ou fuuccionario
administrativo pôde ser perturbado no exerci cio de suas funcçoes pela au-'
toridade judicial, nem por qualquer outra; 3.° porque pertence ao Con-
'selho de Estado levantar os conaictos, que se derem entre a autoridade
·administrativa e judiciaria. Decretos de 16 de Julho de 184.& e 10 de Ja-
neiro de ·1850, e .4.0 pela prohibiçãO á autoridade judiciaria de intentar
acçilo civil ou criminal contra a autoridade administrativa, por factos rela-
tivos ás suas funcçOes, sem lIutorisação prévia do Governo. Codigo admi-
nistr:ltivo art. 357.-Instituições de Direito administrativo Portuguez por
Justino Antonio de Freitas. /
Entre nós he a esse respeito: deficiente o Codigo Penal, e está ainda por
fazer a legislação que deve garantir 10 ,Poder administrativo contra as in-
v/J~õ~s do. judicial! Verdade he que ainda nlIo está líquido o que he_ad-
-mllllslrativo.
32 -
sujeitos ao poder Legislativo, de cujas .leis são ambos
executores, com a differença de que o adminístrativo
faz parte do Executivo, o qual, pela proposição, tem
·quinhão na confecção das leis, art. 53 da Constituição.
O Poder judicial não tem.

o Poder judicial' e o administrativo . tem cada um


uma ' esphera de llCçãO inteiramente diflerenle. :
,.
o Poder judicial tem por missão punir os crimes,
e regular os direitos privados, por meio da applicação
especial das leis da ordem penal e civil.

o Poder a,lministrativo applica as' leis de ordem


publica, e de interesse mais ou menos geral. Procede
por meio de execução geral e provi_dencia~ geraes, salvo
quando decide sobre difficuldades especiaes que oppõe
o direito dos particulares á execução de medidas de
interesse geral, o que dá "lugar ao conlencioso admi-
·nistrativo.

A Justiça tem por fim o direito privado. A admi-


nistraçáo a conveniencia e interesse geral (1).

(I) o Senador B. P. de Vasconcellos dizia na sessão do Senado do 1.0 de


Julho de 1841: u Nno temos bem comprehendido o que comporta a cada um
dos Poderes do Estado; nno temos bem reconhecido o que é propriamente
executivo, administrativo ou judiciario. He por I'Stll rllMo que o mesmo
Corpo Legislativo tem adoptado leis, passando cousas propriamente admi-
nistrativas para o Poder Judie·iario. Citarei uma lei (por não ser muito
exteuso, pois outras muitas poderia citar) a lei de 9 de Setemhro de 1826,
que marcou 08 cas08 'em que póde . ter lugar a desappropriaçllo. Essa lei
entre outras disposiçoes, diz quo terá lugar a desappropriaçao no caso de
( dereza do Estado. Supponhamos que o Governo precisa, pOl' exemplo, da
Ilha da Lage, que se acha na embocadura. desta bahia (presupprlDdo que
he de propriedade particular) porque quer lauç.al· mao della para ahi cons-
. truir uma fortaleza, Recorro ao juiz ordinario para Ih'a mandar deSappro-
prior, a fim de fazer lelantar ulOa rortaleza destinada a impedir que o
inimigo entre no porto do Rio de Janeiro; mas o juil. entende que nao
fie ueCt'SSario este terreno para o que ~e tem em Yista, e por . sentença de-
- 33
A autoridade administrativa orqena, dispõe, regula, por
meio de prescripções, com certo caracter de generalidade.

A autoridade judiciallimi.ta-se a declarar que' existe


este ou aquelle facto, e a applicar-lhe rigorosamente
a disposição da lei; a declarar que tal ou tal direito
da ordem civil pertence ou não ao que o reclama;
que tal ou ta I obrigação, da mesma ordem, incumbe
ou não ao que a contesta.

As decisões do Poder administrativo são dispositivas,


mais ou menos g.eraes e mudaveis; as do Poder judicial
são declarativas, com referencia especial a uma lei I

a um caso dado, e irrevogaveis, passando em julgado.

o P.Qder judicial sómentc 'procede, sendo provocàdo,


sobre contestações existentes, em processos que nascem

clara que não tem lugar a pretenção da CorÔa, por isso que não julga in·
dispensavel para a segurança do porto que se elfectue tal construcção.»
" Parece portanto que esta he ~ma das leis em que o Corpo Legislativo
tem cúnferido ao Poder Judiciario attribuiçOes administrativas, Por isso digo
que ternos feito leis que olfendem os direitos e pl'erogativas do Poder Exe-
cutivo ••••.
O Sr, Alves Branco, - Apoiado.
O Sr. Vasconcellos. - •.•• e hoje devendo estabelecer uma marcha mais
regular, mais dé accordo com a Constituiçilo do Estado, não podemos deixar
de p.rjncip~t, na lei em que- se estahelece o Conselho de Estado, a revogar
alguns desses actos, para que o Poder ElCecutivo possa exercer suas func-
ções em toda a plenitude, e com toda aquclla liberdade que he indispen-
savel que tenha.»
Na sessilo de 7 de Julho seguinte dizia o mesmo Senador: te T('mos outras
attribuições proprias do Poder E~ecutivo, e que nilo silo exercidas pelos
agentes do Poder Executil'o. »
O Senadol' Vergueiro, na sesslIo de 2 do mesmo mez e anno, tambem
reconhecia que estavão mui conlundidas as raias dos Poderes. Dizia elle.
« Com elfeito achão-se mui confundidas as raias dos Poderes politicos, prin-
cipalmente do Judicial; reconheço isso; mas ninguem duvidará que o Go-
verno podia Imr si só fazer o que se determina neste projecto (do Conselho
de Estado) ..•• « Entendo que he muito necessario um Couselho de Estado.
O que jUlgo, corno disse, he que não havia necessidade de lei para o formar.»
O Senador Paula Souza, accrescentava na sess1io do Senado de 9 do mesmo
mez e anno. « Eu ,csrou concorde com elle (o Sf~nador Vasconcellos) deve
haver esta separaçJo (do administrati)'o e judiciario) separaÇllo que entre
nós nlIo tem havido •..• eu concordo que entre nós nilo ha essa deyida
separaçãO, e concordo . em que se deve razer. II
5
- 34-
de um direito litigioso, ou de um facto que prejudica
um individuo conhecido e determinado, que interessa
a sociedade secundariamente, e tem apenas uma m-
fluenci~ indirecta sobre a ordem publica (1).

~ão assim o Poder administrativo cuja esphera de


actividade he mais extensa. Póde obrar sem ser pro-
vocado. Póde providenciar para o futuro com lar-
gueza, sem restringir-se a um facto, e caso dado e
, ás suas circumstancia~. PÓ de tomar medidas de pre-
venção, que não lhe são requeridas, sobre assumptos
que interessão a totalidade " ou grande numero de
cidadãos.

o Juiz não tem, ou pelo menos não deve ter, poder


discricionario. Limita-se a applicar as leis em sen-
tido stricto e rigoroso; prescinde da equidade, ainda
que a applicação rigorosa da lei a fira. Os Juizes
são ou· devem ser inan;lOviveis, perpetuos e indepen-
dentes, e as suas decisões quando passão em julgado
são irrevogaveis e soberanas.

A administração, pelo contrario, atlende á equidade.


ás circumstancias, tempos, lugares e interesses, e não
póde deixar de ter, até certo gráo, e estabelecido pelas

(1 ) Os Juizes sómente podem manifes~ar oflicialmente o seu juizo qnando


applícllo a lei ao caso, isto he, quando julg1io. O Poder judicial nos Es-
tados-Unidos he um grande Poder político, e tem o direito de declarar as
leis inconstitucionaes. He assim fiscal e superior ás Legblaturas. Mas o
Juiz nllo póde alli exercer esse direito senllo quando he chamado a appli-
car essas leis aos casos occorrentes; quando he a isso prorocado na fórma
das mesmas leis. Sômente pôde pronunciar-se quando ha processo e no
( llrocesso. De outro modo o Juiz sahiria da sua esphera e invadiria o Poder
Legislativo ou Executivo. Story Commentaries on the ConsLitution tom. 3.•
Judicial organisation and Power. Cousulta da Secçllo de Justiça do Con-
selho de Estado de 3 de Abril de 1860, Relator Visconde do Urugllay, com
llesoJuçllo Imperial do H de Julho Elo mesmo anno.
- 35-
leis, um certo poder discricionario (1). O interesse
publico he a sua lei suprema. Dá conta de seus
actos que podem ser modificados · e revogados. Seus
agentes não são inamoviveis, nem perpétuos, nem
independentes, podem ser mudados e demittidos. Be
portanto de sua natureza movediça, e sujeita a variar
á medida que varião os objectos e interesses dos quaes
se occupa.

A qualidade que tem a justiça de applicar as leis


segundo as regras st1'icti jur'Ís, sempre com o mesmo
pens.amento, e com o mesmo espirito; de não se re-
gular e deixar levar por considerações geraes de in·
teresse publico, torna-a incompativel com a natureza
das necessidades sobre as quaes deve provêr a admi-
nistração.

Por outro lado, se a -administraçãO pertencesse á


justiça tenderia esta a subordinar os direitos privados
a considerações de interesse publico, 11 desconhecer,
tendo em vista o bem geral, a propriedade, ~ a li-
berdade individual, substituindo o Direito pelo arbi-
trio.

Tome o leitor nota, e tenna bem presente, que são


numerosos os contactos da ordem publica com a ordem
privada; que he extremamente difficil, senão impo~­
siv-el, estabelecer entre ellas uma linha divisoria com-
pleta, e perfeita, para não concluir de um ou outro caso,

(I) Régler les intérêts 'publics, et tout en les faisant préV/lloir sur les
intérêts privés, concilier leurs exigences respectives, autant que le compOl"
tent les circonstances et les nécessités sociales; telle est la mission de J'ad-
ministratioD. Pour remplir cette mission l'administration a besoin d'air,
et d'espace, la liberté est sa vie. Vivien . Etudes administrativas.
- 36-
~m que mais ou menos se confundem, que Sã0 inu-
teis ou erroneas as distincções e doutrinas que tenho
exposto, as quaes sómente podem ser bem entendid'as
pela leitura e combinação de l@do este tuabalho. Me
um systema cujas partes se ligão, auxilião, modificão
e explicão umas pelas outras.

(
Cil.PITULO "lo

Durcl"cnCaS c .oclacõcs cnt."c o Oh"cito ch'U


011 p.:ivado, C O Oh"cito ad.Dlinist.~ntivo.

Le Dl'oit commun s'exerce entre personncs


privées. La Societé cst toujour~ cn ca~I?~
dans tc Droit administratif.
Dcgcrando.

o Direito. administrativo. rege direito.s e interesses


so.~iaes .. O Civil
o.U privado. direito.s e interesses pr~vado.s .
O Direito. administrativo. versa em geral so.bre interesses
de o.rdem publica. O civ.il o.U .privado. so.bre .titulo.s,
co.nvenções e pro.vas authenticas. :

O primeiro. presta-se a considerações de equidade e


utilidade publica; o. segu'ndo. attende sómente ás re-
gra~ po.sitivas da justiça e ao. rigo.r de Direito.,

Sendo. o.s interess~s so.ciaes mui variaveis, segundo. as


cÍFcllmstancia~ do. tempo. e do. lugar, o. Direito.' admi-
nistrativo. assume po.r isso. o.Si caracteres de diveIlsicl.ade
e mo.bilidade.

O. Direito. civil, pelo. co.ntrario., tende a to.rnar-se cada


vez mais uniforme e permanente ~ < •
- 38-
1. Legislação civil de quasi todas as nações e épocas,
principalmente depois dos Romanos, descança sobre
e
bases communs, sobre aquelles grandes, eternos e in-
contestaveis principios, que constituem a sociedade de
familia, a propriedade e as convenções.

Não he assim o Direito administrativo o qual se


liga mais ás instituições politicas; que he diverso e
variave.l como ellas, e que não tem bases tão' uni-
formes, e tão communs. O Direito administrativo toma
muito mais a côr das instituições políticas, resente-se
muito mais do estado da sociedade do que o Direito
civil (1).

A Sciencia do Direito civil he muito mais antiga,


perfeita e completa. O Direito Romano expurgado e mo-
ratisado pelo Christianismo, despido das engenhosas fic-
ções de seus ~dmiraveis Jurisconsultos, transmittio aos
seculos passados thesouros inestimaveis, e quasi que
fixou a SClenCla que cada seculo . foi, e vai aperfei-
çoando.

(1) Les Lois civiles destinées à régler les J'apporls de famille et lés con-
veotions privées, qui constituent l'état social, ont quelque chose de la
stabilité du principe qui leur sert de base. Malgré..les difl'érences des temps,
des lieux, des institutions elles conservent chez tous les peuples des res-
semblances générales et nécessaires. Les plus beaux titres de notre Code
civil, sont une rédaction rnjeunie de nos vielles coutumes, ou meme une
beureuse trarluction des Lois Romnines. Les Lois ndministratives qui ré-
gissent les relations de la puissance publique avec les intérêts privés, se mo·
difient, s'étendent, se compliquent suivant les vicissitudes des institutions,
le progres de In civilisation, l'nccroissement de la richesse. ElIes varient
d'uo peuple à l'nutre; elles varient chez uo même peuple. Les sources des
Lois administratlves se tnrissent pour ninsi dire et se retrouvent snns cesse:
un chnngement de In poli tique, une decouverte de la science, un perfec-
( tionnement de !'industrie, créent, modifient, ou détruisent même'toute une
matiere administra tive . Les questions des rlomaines nationaux, autrefois si
oombreuses, sont maintenant epuisées; l'extension du systeme électif a
crée le contentieux electoral: le gáz et la vapeur ont déjà leur Code .....
Mr. Dumoo Ra{lporr.eur de la Commission chargée d'examiner le projet
de Loi du Consell d'Etat, aprés converti en Loi du 19 Juillet 1845.)) .

'.
- 39-
He muito recente a data desde a qual o Direito admi·
nistrativo procura extremar-se de outros ramos, e aspira
aos fóros de sciencia.

o antigo Direito Portuguez, que herdámos, contém,


quanto ao civil, mui sãas doutrinas, "e quasi o que he
necessario para, com não muitas alterações e accres-
cimos, reger uma sociedade livre e moderna.

As particulas que encerra de Direito administrativo,


espalhadas, confundidas com outras materias, sem clas-
sificação, e sem nexo, serião sufficientes para reger uma
sociedade d'aquelles tempos, sujeita ao regimen abso-
luto, mas estão em opposiÇãO manifesta ao que nos rege
hoje, o qual consagra a divisão dos Poderes, e as ga-
rantias do systema representativo.

Assim a legislação civil codificada desde o tempo dos


Romanos, o tem sido especialmente em muitos paizes.
A legislação administrati~a formada successivamente
como que por camadas, ainda o não está. A mesma
França berço d' essa nova sciencia, e onde tem sido
..
mais cultivada, ainda não tem codigo administrativo (1) .

"(1) « Formée successivement ct par couches, à tra\"ers mille incidents et


mille cl'ises, la législation administrative n'est pas codi6ée. Un eode au-
rait eependant pour le Droit administraLif plus d'importanee que pour le
Droit eÍl'il. li distinguerait les regles législatives, ct ccs détails d'exécution
abandonnés à I'arbitraire du Pouvoir exéeutif.
" 11 rejeterait ees mesures transitoires, révolutionuaires, qui, Dieu merei,
ont rait leur temps. Ne dites pas qu'clles sont tombées en désuétude, que
personne n'y songe plus. 11 faut, ne fut ce que daus uu intérét de mora-
Iité, les retraneher du Recuei! de nos Lois. Et puis ne craignez vous pas
qu'à une heure donnéf.', les partis ue soient tentés de les exhumer, et de
leur demander le secours de mesures exceptionuelles? "
" II rassemblerait ces arlicles que rattache uu Iien neccssaire, qui de-
vraient former un tout indivisible, et qui SOl1t epars les uns dans un Decret
de la Convention, les autres dans une loi ou un Decret de l'Empire, une
loi ou une ordonllaoce de la Restauration, ou de la Révolution de Juillet.
DéJllorable pêle méle qui trompe les citoycns et décourage quicllnque ne
- 40-
Nada, .diz Trolley, tem feilo parar a marcha e.o desên-
volvimento
, livre e normal do Direito civil- a influencia
politica porém paralysou até 1815 (em França) o Direito
administrativo.

'E he isso natural. O Poder pouco interessa em re-


gular d' este ou d'aquelle modo as tutelas, o patrio poder,
os cOI;ltractos, e outros assumptos ' meramente civis. Pelo
contrario, interessa muito em não com'ctar o seu pro-
prio arbitrio na administração.

. t.

s'est pas Iivré à I'étude patiente des textes. Troller. Trnité de la lJierar-
( chie administríltive', PreCace.
Portugal tem o seu codigo administrativo decretado pelo Governo em 18
de Março de 18-i2, por bem de autorisaçilo legislativa. He porém mais pro-
priamente um Codigo de organisaçilo administrativa, do que um Codigo, no
sentido rigoroso, de Direito administrativ.o.

"
t::i\.PITULO 'VII.

Da. fontes, limites, e das 8clenclas -a uxlUarett


do Dia'cUo Administrativo.

§ 1.°

FORtes tio nosso Direito admlnlstratl'Yo.

As fontes do nosso Direito Administrativo são:

A antiga Legislação Portugueza até a nossa Indepen-


dencia, que se encontra nas Ordenações, Leis Extra-
vagantes, e mais disposições legislativas, compatível com
a nossa -organisação politicB;, e que não tem sido revo-
gada ou alterada ' pnr leis posteriores, e regulamentos,
na parte regulamentar.

A nossa Constituição (1}.

As disposições, sobre a_ssumptos administrativos espa-


lhadas nas leis do Imperio.

Os Decretos, regulamentos e decisões do Governo


sobre -a mesma materia.

(1) Póde-se considerar a Constituição como uma das tontes do nÓsso Di-
reito administrativo. 1.0 Porquo constitue a nossa organisaçft()' constitncio-
nal e polilica, da qual parte a organisação administrativa. 2.° Porque contém
algumas bases especiae8 dessa o-rganisaç!o administrativa, como opportu-
numente veremos.
6
- 42
As Resoluções Imperiaes tomadas sobre çonsulta do
Conselho de Estado, ou de suas Secções.

Os assumptos administrativos não estão porém discri-


minados, nem coordenados e classificados. Achão-se
pelo contrario confundidos com outros de diversa na-
tureza.
Non bcne jllnctarum discordia scrnina rcrum.

O,idio. -

Llmft.es do Direito administrativo.

O Direito ~dministrativo he limitado p,elo Direito cons-


titucional ou político. Tambem o he pelo Direito civil
ou penal; e por isso a juriidicção administrativa deve
parar no ponto em que começão a acção política, e a
applicação do Direito commum civil ou penal, quer ás
propriedades, quer ás pessoas.

Não se occupa da ordem judiciaria, -salvo mui acci-


• dental mente, e quando esta se acha em contacto directo,
e em conflicto com a autoridade administrativa.

§" a".
o

Selenelalil auxiliares do Direito administrativo.

(
Todas as sciencias mais ou menos se ligão, derra-
mando umas luz sobre as outras, e auxiliando soluções
mais proprias e especiaes de outras. Comtudo, são mais
- 43- •
especialmente auxiliares do Direito administrativo, a
Economia politica e a Estatistica.

A primeira fornece as noções indispepsaveis sobre os


principios que regulão a riqueza publica, e os impostos.
A segunda dados exactos sobre o territorio, distribuição
da riqueza, população, recursos, e productos do traba-
lho social. He somente esse inventario do Estado, como
lhe chama Macarel, que póde fornecer os meios seguros
de apreciar um paiz, e de ordena-lo segundo as suas ne-
.cessidades. Serve tambem, em muitos ~asos, para in-
dicar praticamente os VlCIOS da legislação. He pedra
de tocar, ou aferidor.

A apreciação pelas aütoridades administrativas das


necessidades locaes, que lhes cumpre remediar, quer pro-
videnciando dentro dos limites de sua jurisdicção, quer
informando e propondo ao Governo, deve assentar sob.re
noções precisas e exactas, sobre dados estatiscos (1).

(1) Vide Forjaz de Sampaio. Novos Elementos de Economia Politica e


Estatistica. Tom. m.

(

t:l&PITULO Vlllo

o Dhoclto a(lmIDlst.'ativo COJlstitu~ sciencia"

Toda a sociedade suppõe uma organisação adminis-


trativa boa ou má; mais ou menos desenvolvida, se-
gundo o Sf'U estado, illustração e necessidades; suppõe
relações entre o seu governo e os governados.

o exercicio da administração, o Direito administrativo,


he portanto uma condição essencial ·de toda a existencia
collecti va (1) .

. Existe em emhryão, confundido; imperfeito e sem


desenvolvimento na infancia das sociedades, nas que
vivem em alrazo, e tem poucas necessidades e meios;
mas existe.

Existe indiscriminado, confundido, naquellas socie-


dades, onde os poderes políticos tambem estão indis-
criminados e confundidos; mas existe; ainda que seus

(1) « L'administration est aussi ancienne que les gouvernements, puis qu'jJ
a toujours été impossible de gouverner sans administrer; mais la scienco
de I'ndministration proprernent dite est nonvelle, c'est à dire qu'avant la
révolntiou elle n'ayait jamais fait dans sou ensemble l'objet des écrils Di
même des eLudes des publicistes.» Macarel. Des Tribunaux administratifs.
- 46-
elementos, espalhados, pareção, pela isolação em que
vivem, não ter caracter e natureza especial e propria (1).

o espirito de analyse dos tempos modernos, as ne-


cessidades da civilisação, a divisão dos Poderes, a ne-
cessidade de procurar garantias para os direitos, trou-
xêrão, com o andar dos tempos, a <iiscriminação e
a classifiéação das attribuições relativas á execução das
leis e á administração das sociedades; e portanto a
creação de uma sciencia distincta e separada, chamada
- Direito administrativo.

Succedeu com a administracão, diz Colmeiro, o mesmo


que com a Economia politica, cujas maximas, ainda
antes de ser conhecido esse nome, erão postas em
pratica, com mais ou menos acerto.

A Sciencia do Direito àdministrativo com as feições


e organisação que apresenta hoje entre os povos da
raça latina, e lambem entr_e nós, nasceu na França,
e tem principal origem nos trabalhos da Assembléa
Constituinte, e na divisão que estabeleceu dos Poderes.

E comtudo a distincção entre a administração gra-


CIOsa, e o contencioso administrativo, distincção capi-

(1 ) o que no paragrapho seguinte diz Colmeiro, Dc'recho administrativo Es-


TJuiiol, com referencia á Hespanha, he inteiramente applicayel a Portl1gul e a
nós qne herdá mos a sua antiga legislaçllo. cc Por eso las leres administrativas
se hallan mescladas y confundidas con las ciyiles hasta el extremo de ser ne-
cesario cOl1sultar nuestros primitivos codigos, si hemos de adquirir un perfecto
• (
conocimiento dei derecho administrativo, r asi, por no incurrir en graves er-
rores, ai hojear las voluminosas collecciones de nuEtstras leres, debemos tener
presente a cada instante, que unas son relativas ai estado r cualidad de las per-
ionas, a la propriedad privada, a la represion r castigo de los delictos, curo
conjunto forma el derecho civil; r otras tiencn por objeto el poder, la or-
ganisacion, los deberes, r 1115 ntribucioncs dei gobierno en negocios de in-
terés ,publico, las cunlcs constituyen el derecbo administrativo. li
- 47-
tal, difficuldade maior dessa sciencia, jazeu confundida
. até o anno 8. da Republica Franceza. As leis adminis-
0

trativas as mais importàntes são, para assim dizer, de


hontem.

Foi no principio deste seculo que o Barão Degerando,


tendo reunido e coordenado para cima de 80 mil textos
de leis e regulamentos sobre assumptos administrativos,
tirou-os, por meio de classificações scientificas, do cháos
em que jazião, e publicou as suas admiraveis institutas
de Direito administrativo (1).

Degerando reunio as leis e textos espalhados, e su-


jeitou-os a classificações. Cormenin, que alguns con-
siderão como o mestre e creador da sciencia, reunio
em feixe os grandes principios encerrados nos textos,
e que constituem os laços invisiveis que os unem.

Seguirão-se os trabalhos de Macarel, de Prondhon,


de Foncart, de B01l1atignier, de Solon, de Laferriere,
de Serrigny, de Chauyeau, de Dufour, de Cabantous, de
Troliey, de Vivien, e muitos outros, que apurárão
mais certos principios ; que aperfeiçoárão certas classi- '
ficações; que extremárão melhor o Direito adminis-
trativo de õutros ramos e derramárão sobre elie grande
luz (2).

(1) De enUlo para cá, em pouco mais de 30 annos, quantos progressos


tem feito essa sciencia!
(2) He s6mente' pela reunião dos dous methodos principaeli da PhiloBo-
phia, consorciados pelo genio Allemão, que esta e outraH sciencias podem
allingir a possivel perfeição, a saber, pela reunião da analyse e da syn-
these, Pela analyse indagando a diO'erença das diversas OI dens de cousas
e noções; pela syntbese cbamando e subordinando lodos üs ractos e todas
as noções para debaixo daquelles principios qu e os abrangem e domina0.
A nnalyse aquilata, distin gue, separa. A synthese, ilIuminada pela luz quo
lhe fornece a, analyse, coordena o classifica,
- 48 - '.
Ao Conselho de- Estado da França sobretudo, observa
Trolley, cabe a honra de have~ .!ixado, e feito" progre""
dir o Direito administrativo.' ··.Jporquanto: .

Definio os limites da competencia administrativa, e


da competencia judiciaiia.
. "

Encheu as lacunas da legislação, contribuindo assim


para fechar a porta ao arbitrario, ou para restr~ngi-Io.

Résolveu clara e felizmente os proble~as os màis


difficeis.

Não falta quem pretenda que o Direito administra-


tivo, pela sua mobilidade e variações, não póde aspirar
aos fóros de sciencia, màrchar com ~uas theorias e
principios proprios, visto que depende, he influido e
limitado por outro, o politico",

Esta opinião he sobretudo seguida por aquelles que


entendem que o arbítrio e convenienc'ia politica devem
ser o unico guia dos administradores. Com tanto que
terihão uma maioria parlamentar tudo irá bem.

Comtudo, no que fórma a sua essencia, he o Di-


reito administrativo tanto, ou póde ser tão separado:
he tanto ou mais simples, quanto as outras partes da
legislação, . "

Ha com eIfeito regras dé administração as quaes


devem ser apropriadas ao caracter nacional, aos
costumes publicos, aós habitos religiosos, á natureza
do clima, ás producções do solo, aos recursos da in-
dustria; á posiçtío topographica do pàiz, finalmente a
·todas as circumstancias que caracterisão a existencia
de uma nação.

~ Grande patte dessas differenças porém, vão, com o


.pogresso da civilisação, com a maior facilidade e fre-
quencia pas communicações entre os povos, desappa-
. reeendo,
. .ou piminuindo
.
consideravelmente.

Demais as leis adminilitrativas mais variaveis são,


.em quasi toda a parte, - de interesse· secundário, e
não se póde contestar que, he grande o numero dos
principios de adíninistra~ão publica de ordem superior.
o,s quaes são applicaveis em, todos os paizes civilisados~ :

lIa portánto na administração, bem como em todas


J!S outras sciencias múraes e politicas, principios de
eterna ve:.;dade, fixos e de applicação universal, cor-

respondentes a certãs necessidades sociaes, e que for-
'mão um corpo de doutrina applicavel a tódos os paizes,
.
embora varie o modo de execucão, altentas as cireums-
laneias e meios de cada um.

'. Taes são as regras que regulão a protecção e soc-


corro -aos -infelizes; os estabelecimentos de beneficen-
cia e instrl!cção , publica, os meios de communica~,ão.
o' exame · e solução das questões administrativas, a
organisação do Exercito e Marinha, &c. &c.

A Screncia administrativa moderna, na parte relati-


va ao Direito administrativo, nasceu na França, e ;
tem sido quasi exdusi vamente tratada pelos ~us es-
'criptores •.. muitos dos quaes impri~em nella o type
'1

..
,- 50 ~

:de suas iristihiições peculiares, e portanto' dlúluella


,exaessiva centralisação e ~uciosidad6 regulamentar
e fiscal que as caracterisa. -}

, Escrevêrão tratados elementares, ,diccionariOs, ma-


nuaes ,(1) que facilitão muito o estudo superficial dessa
o

-sc~e.ncia, e esse estudo superficial induz a ' muitos


I

erros, principalmente quando se' trata da applicaçãó


a outros paizes.

o Direito administrativo de outros paizes como por'


,exemplo da Inglaterra e dos Estados-Unidos, não está
.separado" 'colligido e classificado do meSmo modo, 'e
he 'muito mais djfficil separa-lo, colligi-Io, e sujeita-lo
a classificações. Porquanto he muito decentralisado e
especial; depende a sua execução e jogô de umá edu-
cação e habitos especiaes, e está muito ligado com a
'organisaçãD e com os Tribunaes judiciarios. '
" Para ter ~ma idéa, como para adiante veremos, do Di-
reito, .admi~~tr.ativo da Inglaterra e dos Estados-Unidos,.
he preciso estudar e conhecer toda a sua. organisação po:-
litica e judiciaria, a histo'ria, educação e habitos desses
paiz~. He preciso um estudo mui va!Íado e profundo-,
ou ,a gré!nd~ pratica que elles" tem de seus ,"nego cios.
"

• o 'Demais não possuem eUes tratados elementares claros


e . . os Francezes.
didacticos como .

(1) Taes silo os Manuaes de Gandillot e Boileux, de Vau~illiers de


-Pradier, Íl Preeis de Droit public et' 'a dministratil de Bátbie, verdadeiro
extracto, de Larerriere, (1860) e uma .i nfinidade de pequenos ,tratados e de
Üicoiónarios, que facilita0 o estudo, e · servem para qúem, nao tendu elÍpi:
rilo de iMdagação, e o habito do estudo, satisfaz-se com DoçGes s\lperficiaes.
.. Porlu~al possuç um bom compendio do' seU ' Diréiio ad'minislrátivo
,nas InstItuiçGes de Direito administrativo Portuguez, . ~or Justino Antonio
de. frei tas, lente deue Direito na Unive.rsidalÍe dé ColÍn'bra. -'
~A.P'TULO IX.
"

InAuencla da divisA0 te....lto..lal,


popula~o e ..Iq~eza.

'. , L;t premiere bóso 'd'un boo sJllt~mé admi.


nistratif, c'est UDe bonne division du territoire.
Leí circoliscriptioDS administrative. sont, en ell\lt,
.los ipheres dans lesquelJes il est d<.lnné aux 8uto-
rités locales de BC mouvoir et d'agir 11 - Trolley-
Da la I!iérarchie admioistrative. .

Póde copsiderar-se como axioma, que a orgamsação


politica, adminislr~tiva' e judiciaria de,um paiz depende
muito, e está ,na mais eslreita relação ,como . a sua di-
visão política, administrativa e judiciaria.

Igualmente que essas divisões prestão mutuas faci-


ijdades ás a~ministra.ções de diversa n'atur~za;' e'dão lugar
a que se auxi!i~rp. reciprocamente, 'uma :vez 'que estejão
em harmonia. Deve portanto' cada uma das ditas di-
visões coincidir o .mais possivel ~om as outras ..

: l'pdas ellB.$ deve'Ql,SerJo.rmadas em attenção ao tetri-


tpr~Q, ~ po.pqla.ÇãQ, .aos impostos que paga, ~ aôs meios
de comínunic8;çãô: .conibinados esses elementos ~Ianto
~ej~ possjv~l. c~mliina-lo.s ...
- 52....:;...
A extensão territorial he por si só uma base insufIi-
ciente, porquanto uma porção de territorio, por ventura
o mais consideravel, pó de estar coberta de matas ou
pantanos; outra porém, insignificante pela exLensão,
povoada toda, de modo ql!-e não haja compensação.

A igualdade da população formaria divisões, de uma


desigualdade exLraordinaria, quanto á extensão, e seria
uma base extremamente variavel, que exigiria con-
tinuas modificações, á medida que augmentasse ou
decrescesse sensivelmente a população.

, A proporção dos impostos faria depender sómenLe


da riqueza as commodidades e o direito dos c.idadãos,
e constituiria uma base tão [yariavel como a precedente
e como as condições economicas dos povos.

Sendo cada um desses elementos por si só insuf-


ficienie, he preciso combina-los,' O territo'rio, natin:al-
mente invariavel, fixa a mobilidade dos outros dous'
elementos, riqueza e população, que varião continua-
mente, porque a massa da Tiqueza e da população
raramente he estacIonaria. Augmenta ou decahe.

~ Ás divisões politicas, administrativas e judiciaÍ'Ías~­


e a organisação politica, administrativa e' j'udiciaria são '
cousas que tem entre si a~ ligação a ' maiS intima, e
devem estar em completa harmonia.

A organisação administrativa' da rFrança, em perfeita


harmonia com a 'sua divisão política e judiciària, e
que coosultou aquellas regras, foi 'de proposito feità
.
para a organisação que tem. Não se fez ~ma organisaç~o:
- 53-
administrativa accommodada a uma divisão preexistente'
e viciosa, que regia um systema administrati vo difl'erenle.
A um systema novo, a idéas novas, deu-se uma base
territorial tambem nova · e em concordancia com ellas.

Classificar . as funcções administrativas por serviços


e por districtos, diz Colmeiro, he applicar o methodo
á. administração, e simplificar o seu mecanismo, assig-
nalando a cada autoridade o circulo do seu poder e
os limites da sua júrÍsdicçãO ..

Se applicarmos· ao mesmo tempo o mesmo meca-o


nismo administrativo a circunscripções terriloriaes muito
extensas, populosas e ricas, e a outras pequenas, pouco
povoadas e pobres, esse mecanismo será sufficiente para
urnas; desproporcionado e muito pesado para outras.
Seria o mesmo que se applicassemos a mesma machina
de vapor a barcos de dimensões desproporcionada-
mente differentes.

Quaes são porém as nossas divisões administrativas,


e portanto a base da nossa organisação administrativa?

v A Carta Regia de El-Rei D. 10ão o 3. de 28 de


0
,

Setembro de 1532, dividio o Brasil em porções irn-


mensas, dadas de juro e herdade, sob a denominação
de Capitanias, aos respectivos Donatarlos.

Essas grandes divisões revertêrão para a Corôa em


diversas épocas; e, com .modificações pouco conside-
raveis, são, quasi trés seculos depois.! e tendo a socie-:
~ade soffrido uma transformação completa, o que a
Constituição . denomi~~u ~r~vincias do Imperio, ~ su-:-
- 54-.
jeitou a um regimen inteiramente diverso-daquel1e' que
~s regêra desde seu descobrimento até a época dá In-
.dependencia. O· art. 2. da Constituição diz.- «( O seu
0

territorio he dividido em Provincias. na fórma em .que


actualmente se acha. as quaes poderão ser subdivididas
como pedir o bem do Eslado) (1).

He portanto a antiga divisão das Capitanias. divisão


do tempo em que o Brasil era colonia, e administra-
do pelos CapiLães Generaes, Ouvidores, Juizes de
Fóra, Provedores, &c. ainda a principal base da nossa
organisação administrativa.

A Provincia de Minas Geraes, com mais de um"milhão


de habitan.tes, e de 15 mil legoas quadradas, a irrimensa
.
de Mato Grosso tem a mesma divisão e organisação
administrativa que a do Espirito Santo. ~ qual pouco
mais poderá ~er de 49 mil almas. e de 820 legoas
quadradas (2). Iguaes desproporções se dão ientre a
Provincia da Babia. e as do Rio Grande do Norte e
Santa. Catharina. As discrepancias são ainda maiores"
se attenderinos ás rendas publicas de-cada uma. Ha por."
tanto desproporções enormissimas .... quanto á extensão
de território. quanto á peplllação .quanto ~ á renda, e
quanto aos meios de augmentar esses elementos.
., .
. .
' ( 1) o Projecto de Constituiçao apresentado li. Asserftbléa Constltuinte~
peto~ Srs. Andrada Machado, José Bonifado de Andrada, Pedro de Araujo
Lima (com restricçOes) e ~.utr!ls, nlIo adoptava a divisllo por Provindas.
Mandava dividir o Imperio em comarcas, ,estas em.districtos e os diíJ.rictos em
termos. Art . •. 0 Cada comarca tinha um Presidente, e um Conselho Presideal
e~ectivo. Cada. districto um Sub-,presideote, j e um Conselho dll.districto.
Cada termll .um Administrador e Executor que seria o Presidente da Mu-
nicipalidade ou Camara do -termo; arts • .209, 210 e 211. ;
Com semelhante base, seria. hQje mui diverso o estaao dai cousas.
(2) De o que dá o Ensaio Estatistico .sobre essa Provincia, publicado em
'1858 pelo 'Sr. J~sé. MattCllillo. &lteira de Vuconc.ellos. '. ~ ..;
.- 55-
A prova de que' não temos uma divisão territorial
,conforme aos principios que as deyem regular, está nas
leis dos circulos e dos' districtos eleÍloraes. Essas
leis não adoptárão nenhuma das divisões territoriaes
existent~s, . e, sem . attenção ás' mesmas, mandárão
fazer ~di visões especiaes. Do mesmo modo procedêrão
.as leis sobre a Guarda Nacional, e a de 3 de De-
ze~bro de 1841. Cada uma dellas procurou es-
quivar-s,e aos inconvenientes das divisões exiStentes, por
meio de divisões ad, hoc.

A dispersão da população. dispersão cuja tendencia he,


na phrase de um escriptor Americano, barbarisadôra
{1), he um dos maior~s o~st~culos com que temos de
lular, na organisação das nossas'divisões políticas, admi-
nistrativas e judiciarias.

- A população que temos, correspondente á de Reinos


medianos da Europa, está espalhada por um ter-
ritorio, _muito maior que os mais extensos e po-
puJQSOS Imperios daquéUa importantíssima parte do
'mundo. , ..
-
Se a população que hoje possue o Imperio estio
vesse concentrada em uma das suas mais ferteis e
mais bem collocadas Provincias, posto que mediana
em extensão, he fóra de duvida que o Brí;lSil teria
tido dObrado. adiantamento, e possuiria mais que do..
brada força.. Vis unita fortior, e he difficil unir forças
disper~as: e . separadas por , immensas extensões quasi
,desertas.

(1) 'YbAkefied, Apology' rer tbe 'AmericaD tarllf.


,- 56-
' Antigamente, nos tempos coloniaes, a -nossa popu-
lação attrabida pela industria das minas, e aetuada
pelo systema da ~Ietropole, que conSeI~vava os nossos
portos fechados ao commercio estrangeiro, affluia e dis-
persava-se pelo interior, o qual assim foi povoado;
bem como as nóssu3 mais longinquas fronteiras: Tende
hoje a refluir para o li toral, e a approximar-se :de lugares
(lnde possa permutar, e d'ondé lhe seja possivel expor-
' iar os próductos da lavoura que ' constituem- a riqueza
do paiz. Isto explica ,o atrazo em que vão cahifido
algumas Provincias do interior, cobertas de povoações
,decadentes, ou ·estacionarias.

Póde se dizer que a população do interio~ nao se


·fixou bem ainda.

o nosso systema de agricultura tambem não con-


corre pouco para a dispersão da população. llerriba- .
das e queimadas as florestas, aproveitada a uberdade
das camadas superficiaes da terra, estrumadas pelo tempo,
o agricultor considerando esterilisado o terr~no, porque
exige maior trabalho, e outro systema para recuperar
a fertilidade, muda-se em busca de terrenos vlfgen~,
e portànto dispersa-se.

Em lugar de se haver formado um systeína de


.estradas, e de se gruparem os nucleos de população
,ao longo 'dellas, ou nas suas immediatas proximida-
des, forão-se esses nucleos disseminando
. em direccões .
.dive,rsas e desencontradas. A~ estrada~ como que an-
dárão, e andào procurando esses nucleos, ás vezes
insignificantes, pàra liga-los:; cada um puxa para
seu lado, quer seu caminho, e he attendido segundo
- 57-
a sua influencia e protectores; [não ha portanto syg·
tema. Todas essas estradas juntas apresentão uma ex..
tensão extraordinaria, com a qual não estão em pro~
porção os recursos de que podem dispôr os cofres
publicos para mantê-las. Extremamente divididos esses
meios nada aproveitão.

A dispersão da população he assim aggravada por


grandes difficuldüdes de communicações .

. Nada embaraça mais os melhoramentos das nossas


divisões territoriaes, e da nossa administração.

A maneira pela qual essas divisões sã.o feitas ainda


aggra va mais o mal.

o acto addicional art. 10 § t." declarou (e he exclu-


siva essa attribuiçãO) que compete ás Assembléas Pro-
vinciaes legislar sobre a divisão civil, judiciaria e ec-
desiastica da respectiva Provincia.

-" Não estabeleceu para isso ( nem' a Constituição era o


lugar proprio ) bases ou condições algumas.

As.sim uma Assernbléa Provincial faz divisões maiores


e mais ou menos populosas; outra de outra Provín-
cia adopta um systemaiI).tciramente differente. En~
tretaÍlto grande parte da legislação geral tem de re-
ferir-se a ' essas divisões e de ' partir denas, como de
nases indisp.ensaveis . Ora a organisação tantó admi~
nistrativa como judiciaria be, e deve ser diversa f
segundo são maiores ou menores as espberas dentro das
quaes. tem de mover-se as respectivas auteridades.
8

..
..
- 58-
Todos sabem como, pelas Assembtéas Pl'ovinciaes, são
feitas entre nós essas divisões. São completamente ar-
bitrarias, porque não tem padrão e condições que -
lhes ~irvão de base, e mais ou menos as barmonisem,
tanto quanto podem, sem inconveniente, ser harmoni-
sadas.

Uma influencia eleitoral quer segurar a sua domi-


nação, e enrraquecer o adversario. Convém lhe ad-
quirir uma. freguezia com cujos votos conta, e passar para
um municipio ou freguezia vizinha in~ividuos com
cujo auxilio se avalltaja o adversario, o qual ficará
inutilisado com a nova divisão. Dispõe de votos suf-
ficientes na Assembléa Provincial, em troco de votos
dados a candidatos. Promove uma nova divisão ter-
ritorial, ou a conveniente modificaçaoda existente.
Lá vão, de envolta, os cidadãos indifferentes a essas
lutas de influencia, para' onde não querem, não lhes
convém e ' não devem ir.

E com effeito avultão extraordinariamente, nas col-


lecções, as leis Provinciaes sobre divisões de terri-
torio . .

. Procede-se a uma nova eleição. -Prepondérão na


nova Assembléa os outr' ora vencidos. Desfaz ella tudo
quanto a outra fizera, accrescentando os competentes
barbicachos para bem sujeitar os recem-vencidos.

As influencias eleitoraes fazem, desfazem divisões,


~egundo as allianças que contrahem e defecções que
soffrem; 'dividem, subdividem, tornão a dividir a seu
talante, e conforme lhes vai melhor nos seus calculas
59 -
eleitoraes. Os partidos Iocaes batem-se com essas
divisões e a organisação e leis geraes que com ellas
se avenhão como podérem.

Não ' poucas vezes tem sido creadas comarcas, e


municipios, para serem acommQdados individuos certos
nos novos lugares.

E as leis pelas quaes as Assembléas Provinciaes fazem


essas divisões não podem ser revogadas pela Assem. .
bléa Geral, porqu anto ainda que taes divisões sejão
pessimas, não podem ser em si mesmas contrarias á
Constituição, aos Tratados, aos direitos de ou trás Pro-
vincias, e aos impostos geraes, casos unicos, nos quaes,
segundo o art. 20 do acto addicional, p6de a Assembléa
Geral revogar os actos legislativos das Provincias.

O que he certo he qu e o exercicio da attribuição


conferida pelo acto addicional ás Assembléas Provinciaes
sobre a divisão territorial, vago e desacompanhado da
indispensavel lei regulamentar, que fixe certas con-
dições, tem produzido males gravissimos, e dilliculta
cada vez mais uma boa divisão territorial do Imperio,
base de todo e qualquer melhoramento na sua orga-
nisação adminislraliva e judiciaria (1) .

(L) Cem o prova do qU'l acabo de dizcr, mencionarei a Consulta da Secção


dos Negocios do Imperio do Co nselho de Estado, de 15 de Novembro de
1852, sobre as leis da Assembléa Legislativa ria Provincia de Minas Geraes
do anno de 1850 , assignada pelos 51'S. Maia ( Relator ), Araujo Vianna e
Visconde de Ulinda. Diz ella- « Nestes actos legislativos de avultado nu-
mero que o Presidente da Provincia de Minas fez chega r á Augusta Pres~nça
de V. M. I., sem alguma observaçUo a favor ou contm qualquer das
disposiçoes n ell es contidas, com grande desprazer leve a 5ec~ao a nolar tanto
quanto vai orrerecer ã Imperial consideraçuo . »
« Nos de n. OS 464, 471, 472, 485, 486, 487, 497, 507 e 512, se apresenta
uma revoluçlio tal na di visa0 civi l, judiciaria e Ecclesiastica da Provincia,
~ que notarei por extraordinnria, ainda mais que notavel pOI' ser operada cm
- GO-

Não me demorarei, dissertando sobre as difBculdades


que similhante estado de co usas traz cornsigo. São
patentes.

Para remediar os inconvenientes que resultão da falta


de acção dos Presidentes nas localidades remotas ele ex-
tensissimas Províncias, e para collocar mais proximo um
centro de acção que melhor possa conhecer, e remediar as

uma s6 sesslIo, a ninguem ·pod erá pareccr diclada por umn bem asscntada
conveniencia; e a Secção persuadidu de que tantas disposições du AsSllm~
bléa Provincial, decretando, a um mesmo tempo, a creução de novas Villas
e Paroehias em não pequcno num ero, e n altc ra~ão nus denominações, nas
sédes, nos limites das Comarcas, dos Municipios, dos Districtos e das Pu-
rochias da maior parte da Provincia, devem de aca·\'I·ctar grandes ~mhu­
raços nas relações entre os particulares, e nno pouco difficultar a ncÇao da
publica administraçao, &c.))
Parece que essn inversão territorial tinha por fim dcsfazcr outras, feitas
pelo partido opposto.
NUo achei que se désse providencia alguma, por virtude daquella Consulta;
cer'Lamente porque não esLava o remedio nas mãos dos Poderes Geraes rio Estado.
A discusSão que tcve lugar no Senado, na sessllo de 10 dc Juuho prox}mo
passado (1 861 ) e segu intes, sobre um projrcto da Camara dos Doputados,
o qual aúgmentava os vencimentos dos Magistrad os, coucorre para pôr
patentes os inconvonien tes do modo vngo e arbitrario, com que as Assernbléas
Provinciaes exercem a attl'ibuição de fazer as divisões territoriaes das Provincias.
Receinva-se, e com todo o fundamento, á vistn do que tem mostrado a
clperiencia, que verificado aquelle augmento se tornasse elle em demasia.
oneroso, sem necessidade publica, aos cofres geracs, augmentando as As-
sembléas Provinciaes abusivamente o numero das Comarcas, l\'IuGicipios e
Fregllezias, e portanto dos Juizes e Vigarios, pagos pelos ditos cofres.
Para contrastar essc abuso foi proposta a seguinte emenda. - Nenhuma
Comarcn, Termo, ou Freguezia será provida com funccionarios de ordem
civil ou Ecclesiastica, sem que tenha sido competentemente decretadu a
especial verba, de dcspeza a fazer-se com os mesmos funccionarios.
Foi essa emendu depois substituida, na sessão de 18 de Junho citado, pela
segninte - A. despeza que requer:a creaçãe de novas Comarcas, Termos e
Parochias s6 poderá ser feita com prévia nutorisação do Poder legislativo
e expressamente votadn.
Essa emenda cabio, com o projecto, na 3. a discussão, na sessão de 27 do
mesmo mez. .
Esse correctivo era, ao menos na minha opinião, sonilo inconstitucional,
em extremo inconveniente.
Uma medida similhnnte já fól'u proposta, por omenda apresentada pelo
Presidente do Conselho, na sessão do Senado de 16 dc Agosto de 1859, e
remetLida, na de 11, a uma eommissão, para indicar o meio que julgasse
mais conveniente, em ordem a evitar os abusos praticarlos.
Póde ver-se, sobre este assumpto, a Consulta ..ta Secção da Justiça do
Conselho de Estado, de 12 de Setembro de 1860, llelator o Sr. Eusebio de
Queiroz, e que, impressa se acha j unta ao llelatorio do Ministel'Ío da J us-
tiça de 1861-
Nilo querendo alongar muito mais esta nota, que já vai extensa, limi·-
\.nr-mc-hei ás seguintes mui .breves observações . .
EstariilO 8S Assembléas ProvinciaCS no seu direito creallrlo as novas Co-
marcas, Termos ou Freguezias?- Sem duyidn; que o ncto addici1loullíc clarO".
61 -

suas necessidades e dar mais prompto e facil desenvolvi-


menlo aos melhoramentos que seu estado reclama, tem
occorrido a idéa da creação de circu mscripções territoriaes,
ad instar dos chamados territorios dos Estados-Unidos.

- Chama-se territorio nos Estirdos-Unldos uma parte


do paiz separada do resto, e sujeita a uma jurisdicçiio
particular . .Bouvicr's Law Dictionary, ve:r:bo Territories.

Arrogar-se-l;ia portantfl a Ásscmblén Geral o dircito de inutilisar aquelle direito.


Nilo ha direito contra direito. A Assemhléa Geral nilo podendo reYogar o
a eto, inutilisava-o indirectamentc. Teriamos o espcctaculo do Poder Geral
inulilisando, pOI' virtude dc urna lei, aetos legitimos e competentes, em-
bora muito inconvenientes, de outro poder, o qual, posto que secnndario,
11110 seria subordinado áquelle na hY[Jothrse ! Dar·se-hia um conflicto creado,
ulltorisado pela lei, cuja unira solUÇão seria a não excwção !egal de outra
lei .fI qual c.onstitucionalmente nada faltaria, para por ella se fazer obra!
Teríamos uma lei autorisando a não exec.utar outra lei! Que exemplo! o
(IUal ullo pOderia senão contribuir para tirar ainda mais força moral ás
Assembléás Provinciaes. •
Eu adoptaria out~o remédio que me parece mais simples, mais completo
e regular. .
Não tem o Poller Legislativo Geral o inquestionavel d:reito de legislar
Sobre a dl'ganisação jndiciaria, sobre a das Munir.ipalidades, sobre a da Guarda
NacIOnal, sobre eleiçues, &c., &c.? Nesse direito está essencialmente com-
prehendido o de definir e marcar o que he urna Comarca, um Termo,
uma Freguezia. - Cui jurisdictio data cst, diz a Razão pelo orl?ão de uma
lei Roma~a, ea quoque concessa e$se vid'entur sine quibus jun$dictio cx-
plicari nequit_-
Ninguem póde fazer para outro roupa que sina, sem tomare dispôr da medida.
Pois bem, faça o Poder Lr.gislatÍl'o Geral, com a possivel largueza, uma
lei fixaudo uma escala de condiçoes de extensão, de população, de renda
municipal necéssaria e outras circumstancias que forem essenciaes, para à
existencia de cada um_a daquellas incorporações territoriâes.
As Assembléas Provinciaes, verilicada a existencia dessas circumstancias,
formárão llquellas divisues na fórma do acto addicional.
Se pOI" suas leis violarem aquella geral, estará o Poder Legislativo Geral
no seu direito revogando-as.
Avento simplesmente, e de passagem, a idéa i nno be este lugar proprio
para desenvolvê-Ia.
A Legislação Franceza he sobre este assumpto mui justa e providente.
Nuo se procede á divisão, reunião ou formação de Municípios sem que pre-
ceda um inquerito feito pclos Membros dos ConscllJos MUl1idpaes, auxiliados
por numero igual de Cidadãos que pagão maior somma de tmpostos, e sem
que sejão ouvidos com seu parecer os Conselhos de arrondissement, e o Geral,
a fim de se verificar· se a nova divisão territorial está nas condiçues requeridas
pela lei. Vide a lei sobre a administração Municipal de 18 de Julho de 1837.
A Legislação dos Estados-Unidos, por exemplo a do Estado de Nova York,
adoptou as necessarias cautelas para evitar as divisOes tel'ritoriu('s inconve-
nientes, feitas por sorpreza, e para fins especiaes, e pessoaes. Vide Revised
Statutes of the State of New York VoL 1 Chapter U Tit. 7. General pro-
visions concerning the erection and alteration of Countics, Citics Villages,
and TOWIlS, - e legislaçllo á quul se refere.
Note-se que nos Estados-Unidos !Ia recenseamento.
Entre nós não ba senão o arbitrio, e dahi bc. que vem o mal.
62 -

Os territorios não são desmembrados de nenhum


Estado pelo Congresso. São terre110s cedidos aos Es-
tados-Unidos por conquista ou por Tratados, cujos ha-
bitantes não eslavão no gozo dos direitos e garantias
que possuem os Cidadãos dos diversos Estados. Story
on the Constitution Vo1. 3 Chapt. 31. Powers of Con-
gress. Territorial governments. Kent's Commentaries,
Vo1. 1.

A constituição dos Estados-Unidos regulou o assump""


to dos territorios. A nossa porém não suppôz, antes
repelle taes creações (I).

Os lerritorios entre nós terião de ser desmembrados


das Provincias. A não serem desertos, 'caso em que
a medida seria inulil, a sua 'população passaria a ser
privada de certos direitos, e a viver sujeita a uma
legislação política excepcional.

Pelo . acto addicional, excepluado o mUlllclplO da


CÔrte, não póde haver ponto algum do Impel'io, que
não esteja sujeito ás Assembléas Provinciaes. Uma le-
gislação que subtrahisse qualquer parte do Imperio á
autoridade dessas Assembléas envolveria reforma do

(1) Rawle.- A vir.w of the cousl.itution-explica claramente o aSSlllllpto


nas seguintes palavras, capo 26 « •.• , a general jurisdiction apper~ains to lhe
United States ovel' ceded . territories, OI' districts. »
« lf the land, at thll time of cession, is inhabited, except by the lndians, of
whose polity we take DO aeeollnt, it is in the power of congress to make sueh
regulations for its gOl'el'UmenL as they mal' think proper. Whoever subsequen-
tly becomes au inhabiLant, is of eoul'se bound to confol'm to the system
wlJich may be there established; if there be 11 numbcr of civilised inha-
bitanls previously settled here enjoyin~ the advantages of a particular cQde
of laws, they l1ave a just right to claim a continuanee of those laws. ))
« With tl1ese restl'ietions Congress has always been considered as entiLled
not only "to regula te the form of government but also to reserve to Lhe
themsehes lhe approbation OI' rejeetion of sueh laws, as mar be passed
by the legislative power, whieh tl1ey may be cstablished. "
. Nada semelhante ha, nem pó de dar-se entre nós, nela nossa ConsUtlliç.iIo.
- G3-
acto addicional, isto he da ConstituÍç.ão. Privaria os ha-
bitantes desse territorio de elegerem e serem eleitos De-
putados Provinciaes, c portanto de um direito politico
constitucional. Se _uma legislatura ordinaria podesse
priva-los desse direito., ainda em uma parte diminuta
do territorio, poderia priva-los em uma maior, em
uma Provincia, em duas, &. c. porque se a Constituição
não concedeu essa faculdade, se sobre e11a nada disse,
não a limitou, e uma vez que as legislaturas (jrdinarias
se apoderem della, não encontrão restricção e limite
em parte alguma.

Demais a creação de alguns territorios, deixaria a


organisação administrativa das Provincías no mesmo
estado, e, pelo que lhes diz respeito, não remediaria
o mal.

Be geralment~ considerado como remedio aos in-


convenientes . ponderados, a creação de novas Pro-
vincias, com lerritorios desmembrados das maiores.

Be sem duvida muito conveniente uma nova divisão


de Provincias, que faça desapparecer, quanto as cir-
cumstancias permittirem, a immensa desigualdade
que existe, pelo menos entre as maiores e as mais
pequenas; porém devendo essa medida fazer parte
da reorganisação do nosso systema administrativo, só e
destacada não remediaria o mal senão em parte.

Não he possivel subdividir as Províncias de modo


que a acção do Presidente, independentemente de agen-
les inlermediarios seus, chegue efficaz a lodos os
pontos. '
- 64-
Porquanto a nossa organisação c0l1stÍtucÍonal e ad~
ministrativa, pelo menos em quanto o Imperio não
estiver muito povoado, não he compativel com pe-
q uenas circu mscri pções terr.itoriaes.

Segundo essa organisaçilo caua Provincia deve (er:

Um Presidente.
Seis Vice~Presidentes.
Um Secretario da Presidenciu.
Uma Assembléa Provincial.
Uma Secretaria da Assembléa.
Uma Thesouraria Geral.
Uma di ta Provincial.
'-
Um Chefe de Policia.
Uma Secretaria da Policia.

_ São mais GO ou 70 funccionarios reduzindo muito l


pela maior parte de ordem elevada, e 'um avultado
accrescimo de despeza.

A creação de uma nova Provincia importa a de


mais Comarcas, Municipios e Freguezia~, porque . hé,
essa a inevitavel tendencia das Assembléas Provinciaes.

Portanto, além do pessoal que o novo territorio ar"


vorado em Provincia já tem, como Juízes de Direito!
Municipaes, de orp1ãos e Supplentes, Escrivães e Ta-
belliães, Promotores, Vereadores, Secretarios, Fiscaes,
Collectores e seus Escrivães, Delegados e Subdelegados,
$upplentes, Juizes de Paz, Escrivães, Jurados, &c.
não i'allando nos Officiaes da Guarda Nacional, tem de
accrescer 60 a 70 funccionarios acima nomeadoS, com
65 ~

o considcravel sequito de despeza que trazem, e isto


em um paiz no qual a escassez de um pessoal ido-
neo, mórmente em Provincias centraes e pobres, he
um graVIsslmo obstaculo para uma boa adminis-
tração,

Essa organisação he mui pesada e incompativel, em


. um paiz pouco povoado, com pequenas circumscripções
territoriaes. Assim ainda que se faça uma nova di-
visão de Provincias, n:unca poderá ser tal o seij. ter-
ritorio, que"a acção administrativa do Presidente possa
chegar bem, independentemente de agentes adminis-
h'ativos auxiliares, a todos os pontos.

Será conveniente fazer uma nova divisão territorial,


reorganisar em harmonia com ella a nossa actualorga-
nisação. administrativa? He esta uma questão vastíssima, -
de tanto mais alta importancia porque muito entende
com politica, e que não póde ser bem tratada senão
depois de uma analyse minuciosa e ponderação accu-
rada da nossa organisação administrativa actual, e dos
seus inconvenientes praticos. Talvez me .occupe deste
assumpto em outro, que não neste tão perfunctorio
trabalho, que considero preludio d'outro maior,
'I

/
DivisA0 do Pode.' Execldlv•.

o Poder Executivo-dividé-se em Põder executivo' puro


e em Poder administrativo. O Poder executivo purG
tambem se denomina
,
politico e governamental.

Dahi a distincção entre governo e administração. Go-


verrro ' e governar 'referem-se an PadeI' executivo puro,
politico e governamental: ·e·as palavtas administração e
tldministrar ao Poder administrativo ' (1).

(1) Que o Poder admiuistrativo he um ramo distincto ou divismo do Exe-


cutivo reconhecem e ensina0 Serrigny, Traité de la competence et de I'or-
i;8nisation administra tive, Foucart Elements de Droit public et administratif,
Laferriere cours théorique et pratique de Droit pllblic et administra ti f, -yi-
vien Etudes administratives, e o Conselheiro . Pimenta Bueno uo seu Direito
publico Brasileir.o, Tom. l.o ~ 318. Chauveau Pri(lcipes de competence et de
jurisdiction administrative divide o Poder Exeoutivo em Poder executivo
pur(. IpoJitico e governamental) e em a!lministraçao activa (Poder admi- .
llistrativo). . . . -
(( En examinant, les hautes et nGmbreuses .attribuitious du Pouvoir Exe-
• cu.tif, diz Dalloz Repertoire. de Legisliltion, de Doctrine et de Jurisprudence,.
(verbo Competence n. 6) on voit qu'eJl('s se preteri t à une raciJe division: ·

• ainsi les unes ont un caraetere essent!el.lement politique; ce sont ceJles qui,
consistent à régl er les rapporls de la France avec les nations étrangeres, et
à diriger à l'iotérieur la marche générale des alfaires publiques; elies cons-
tituent la portion de la puissance exécutive qu'on a appeJlé !e pouvoir gou-
vernemerital. -Les autres se rápportent à J'administration proprément dite;
ce sont ceUes qui. consistent à proteger les personnes et les pl'oprietés, /to.
gar.antir l'usage des choses com munes, à faire executer les mesures d'intéret
général, à gérer la fortune de I'Etat; et à surveiller la gestion des intéretl
coJlectifs. Leur eusem ble constitue le pouvoir administratir.))
Em um relatorio apresentado á Camara !los Pares de França, em 25 de
Janeiro de 18H4, por uma commissão composta de AlIent, Conde Berenger,
Girod de L'Ain, Barão Monnier, Conde de Portalis, Conde Roederer, Barao.
Silvestre de Sacy, Conde Simeon, e Barllo Zalliiacomi Pares, juriseonsult*.
68
o Poder executivo puro, politico ou governamen-
tal, isto he o governo, he exercido pelo Che(e do
Poder Executivo e seus Ministros, directa e indirec-
tamente.

o Poder é'dminlstra'tivo, 'isto he a administração,


tem por orgãos uma sene de agent?s responsaveIs e
amOVIVeIS, . ~

Esta divisão tende a determinar de um modo claro e


exaoto a natureza do Pode~ Exeoutivo, o m<!ldo e limites
da s~a acção,

o estudo da organisação ingle~a e americana faz 50-


bresahir a distincção entre governo e administração.' POI'
quanto, como adiante veremos, ha nesses paizes uma
forte .centralisação governament~l, a par de uma grande,
decentr&lisarão administrativ.a. Essa distincção tem me-

abalisados, conselheiros e homens de Estado, dizia o relator Conde de Por-


talis. -Decompondo o Poder executivo, vê-se que comprehende duas grandes,
diyisões; a direcçllD dos ne"ocios politicos propriamente ditos ou o goyerno;
e o regulamento interior da cidade ou a administração. A adminislracao he
subordinaria. ao goverqo; he o mesmo governo applicado ás diversas locali-
dades, que desce até os individuos, &c., &c.
Macarel, Cours d'administration et de Droit administralif; tambem dis~
tingue entre goyerno e admini stração, porém define goyer·no no seu sen~
tido o mais largo.-O Poder que faz as leis, e que tem por missão especial
dirigir 'a sociedade nas "ias do seu desenvoh'imento, e provêr incessante-
mente á sua con~ervaçào e felicidade. - A administração, diz elle, he por~ •
tanto o governo do paiz, meno.s a confecçãO das leis e a acção da justiça
entre os particulares.
Assim o que l\Iacarel ch(lma administração ho propriamente o Poder Exe, O
cutiyo, comprehendendo tanto o puro, politico e gOl'ernamental, como a
parte ,administrativa. ,
Da confusão q.ue assim resulta, pela falta de uma distincçao clara entre
esses dous r!lmos, resente-se todo o, aliás excelleute, trabalho de Macarel.
Os primeiros escriptores de Direito administrativo, conheciao mal, confun-
di1io certas divisões e distincções fundamentaes, r-eyeladas depois por uma
accurada ana lyse dos que se lhes seguirão.
A distincção de Macarel não he pralica, e nilo p6de senilo confundir.
Força he reconhecer qne as distincções, dj'lisões e classificações, quando
praticas e conformes á natureza das consas, de.scobertas e verificadas peli!
ana~yse, são a chave das sClencias qner physicas, quer· moraes,' ':

,.
- ' 69 -
nos imporlancia naquellas organisações que centralisão
nas mãos do Poder executivo não sómente o governo,
como toda ou quasi toda a adnünistração, não só geral,
como tambem local (1),

(1) A falla desta di stin cção (lI'atican1cnte nas nossas leis e systell13, tem
levado homcns eminentes como que a desconhecê-Ia. O Senador D, p, dc
I Vasconcellos dizia na scssilo do Senado de 15 de Setembro de 1841, op-
pondo-se á divisilo do Conselho de Estado em dnas corporaçúes, uma polí-
tica, e outra administrativa. « Nao sei como se pó de comprebender o Po-
der execntivo separado do Podei' administrativo. Eu sei que hn actos do
Poder executivo que nilo estilo rigorosamente no caso de se chamarem actos
administrativos, Mas isso n:lo quer dizer que he real a existencia desses
dous Poderes, Poder executivo e Poder admlDistrativo; e como se póde ad-
mittir a creação destes dous Conselhos, s~m que se marque"" Linha divi-
saria do trabalho de um, e do trabalho de out'r o?) Com elTeito, nlIo em
these, mas em relaç:lO ao estado da nossa legislaç:lo, era verdadeira a as-
serçllo do iII11stre estadista, o qual accrescentava - sem que se marque a
linha diviso1'ia, &c.
.I

.!
C::&I-ITIJLO XI.

De Poder e:s.eelltlvo puro, polltleo e governa-


mental, ou Governo.

o Poder executivo, como Governo, applica por si só e


directamente as leis de ordem pàlitica, constituindo a
acção governamental. Quasi nunca, excepto quando no-
mêa, se occupa de individuos; e procede regulando e
decidindo generalidades. Provê, por medidas geraes, á
segurança interna ~ externa do paiz, e á execução das
leis; completando-as quando he isso indispensaveI pàra
lhes dar vida e execução, por meio de .regulamentos e
medidas geraes, co~"caJ'acter ill1~itas vezes pérínarieIlte . .
• Dá o impulso geral aos melhoramentos moraes e ma-o
teriaes que convém introduzir nos negocios public.os;
nomêa para os diversos ' cargos, demitte, , aposenta, e
exerce certa disciplina sobre seus agentes. Exerce certas
delegações que lhe dá o PoJer legislativo.

Esse Poder não pó de deixar de ser centralisado, e de


ter, porque he responsavel, certa largueza e liberdade de
ac~o para mover-s.e, , ,com tanlo gue se , contenha nos
seus limites constitucionâes, .e dentro - do . circulo 'das
leis. O exerci cio de suas attribuições, depende d~ cix:-
cumstancias qúe não he sempre possivel 'prevêr e fixar,
72 -
de uma apreciação larga de grandes interesses sociaes,
que não 'póde ser sujeita a regras minuciosas, nem a
uma marcha complicada e morosa, e á fieira de uma
hierarchia de funccionarios.

As seguintes aUtibuições conferidas pela nossa Cons-


tituição ao Poder Executivo, constituem entre nós o
Poder Executivo puro, politico ou. governamental, ou
@ Governo.

Art. 102 § 1.0 Convocar a nova Assembléa Geral.


§ 2.° Nomear Bispos e provêr os beneficios Eccle-
siasticos.
§ 3.° Nomear Magistrados.
§ 4.0. Provêr os mais empregos_civis e politicos.
§ 5.° Nomear os Commandantes dàs forças de terra
e mar e remove-los quando assim 'o pedir o' serviço
da Nação. ,- .
§ 6.° Nomear Embaixadores e mais agentes diplb-
maticos e commerciaes.
§ 7.° Dirigir as negociações. políticas com as Nações
.Estrangeiras.
§ 8. 0 Fazer tratados, &c. •
§ 9.° Declarar a guerra e fazer a paz.
§' 10. Conceder carta de naturalisação na fórma da Lei.
§ 11. Conceder titulos, honras, ordens e distincçoes.
§ 12. Expedir os Decretos, instrucçõEs e regula-
men tos adequados a boa execução das leis (1).

(1) o Poder administrativo tambem faz regulamentos, mas a diJI'erença


consiste, observa Chauveau principes de competence et de jurisdiction admi"',
distratives, em que os re~ulamentos e instrucçOes do Poder governamen~al,
SlIo primordiaes e generaltsadores, e os , da lidministraçllo secundarios e' os-
p,eciaes. Tal será, por exemplo, o regulamento que provide.nciar sobre o
Uso e distribuiçllo do aguas entre alguns Municipios ou_particulares. '
- 73

§ 13. Decretar a applicação dos rendimentos desti-


nados pela Assernbléa aos yarios ramos da publica ad-
ministração.
§ 14. Conceder ou negar o beneplacito aos Decretos
dos Concilios e I-etras Apostolicas, e quaesquer outras
Constituições Ecclesiaslicas .
§ 15. Prover a tudo quanto fór con~ernentc á se-
gurança interna e . externa do Estado, na fórma da
Conslituição.
Todas essas aHribuiçoes pertencem pela sua natureza
e alcance ao Poder Exe~utiyo puro, politico e goYer-
namental, isto he ao GOyerno.

Em outro trabalho me occuparei dellas mais dilata-


damente, pela ligação que tem com o Direito admi-
nistratiyo, e aqui as aponto sómente para tornar mais
saliente a differença que se dá entre' o Poder goyer-
namental ou Goyerno, e o Poder administrativo ou
Administração .

10
.

fJAPITULO XI'.

Do Podei' adUlinistl'ativo ou da Athnini.tl'a-


~ão, Sua divisão. (1)

A parte do Poder Executivo chamada Poder adminis-


trativo, ou Administração, não applica, como já vimos,
por si só e directamente, as leis da ordem administra-
tiva, mas sim por meio de um complexo de agentes
de ordens differentes, disseminados pelas diversas
circumscripções territoriaes.

(1) Não falta qu em acredite que tudo quanto hc necessario, para que 11
50ci~dade viva e marche, está JiLleralmen te na Constituicllo. Medem li e x~
tensllo do mundo pelos horisontes que seus olhos alcança0.
" C'es t prendre l'horison pour les boroes du monde. »
Não faltará quem diga. Que Poder administrativo, que dirisões s:Io essas
das qu aes a Constitui çãO não falia ? Que atlribu içúes são essas que ella.
uno mendona? Tudo isso são excrcscencias inconstitucionacs.
Nenhuma ConstituiçãO, ao menos de que cu tenha co nhecimento, regulou
a orgaui sação admi:1 istratil'u do paiz para o qual foi feita . Nem he isso pOo -
sivel, porque os assumptos adm inistl'ativos são essencialmente minuciosos, .
e co mprellCndcm disposições e medidas, pela maior parte sujeitas a mo-
bilidade, e que exigem grande desenvolvimento.
As Constituições, as quaes são essencialmente politicas, Ihão, quando
muito, uma ou outra feição especial da organisação administrativa, e dei -
Xa0, com razão, o seu desenvolvimen to á legislação regulamentar. Esse deli-
envolvimento deve conformar-se com as grandes fciçoes políticas que a
ConstituiçãO debuxou.
O capitulo mais pequeno da nossa ConstituiçãO he o que sc imitula-Da ad-
ministração.
Seguir-se-ba dahi que nao del'e baver administração uo paiz; que tanto
importa limita-la ao pouco que a Constituicão diz? Ha espiritos tllo su-
perficiaes, para nno dizer tão ignorantes, quê acrediLilo que um paiz pÓde
viver c marchar sómcnte com organisação política, e ullla vez que ná()
faltem discursos 1) artigos de jornaes sobre politica.
Non solum pane vivit /tomo. E, como diz Guizot, li sociedade não vive
unicamente de liberdade. (L'E'glise et la societé cbrétienne, en 1861.)
Para que haja Grdem e garantias para o cidadão, hc indispcnsavel qUI!
a legislação regulamentar decomponha o Poder Exccutivo, separe, clasSIfi-
que e cxplique suas attribui çOes, e regule con\'cllientcmente o cxercício
de tarJa UOla das administrativas.
- 7()

Applica o interesse geral a casos especiaes, pondo-se


em contacto com o cidadão individualmente, e vê-se
muitas vezes na necessidade de sacrificar o interesse par-
ticular deste e mesmo o seu -direito ao interesse geral.

(j Poder administrativo,ou a Administração dividem-se


em Poder administrativo gracioso. e contencioso, ou em
administração graciosa e contenciosa. A jurisdicção, isto
he o modo de acção, que corres ponde a cada um, he
tambeI:9- gracioso ou contencioso ( I ).

( I) As atlribui , úes tia administração gmciosa não deixão de confund ir-se,


ate certo po,nto, com as do Poder executivo puro . Porém esta c istincçíIo
doll tt ina l tem â grande vantagem, como diz Chauvean Adolphe, de dar
um caracter di stincto e proprio, por uma denominação sepa rada, a cada
um 'dos attributos da administração, os quaes a falta desta distincção nàu
pode ria deixar de confundir. E tem ella uma utilidade pratica, po rque he se-
gunilo essa divisão - gra cioso e contencioso - que os negocios süo mbmet-
tidos em França, Portuga l e outros paizes ao Conselho de Estado, a saber -
na rúrma administrativa ou graciosa, e na rúrma c(lntenciosa.
Os autores nUo adoptão essa distincção co m os mesmos termos, o que
produz grande confusão, posto que, a unal, qnerem e exprimem a mesma cousa.
Macare l, nas suas lnstitutas, não faz distincção alguma clara e pratica,
para uns praticos, como convin ha para bem extremar as matcrias. Apenas,
na sua obra sobre os Tri bunaes administrativos, divide a administração em
vo luutaria e contenciosa . Trolley, Traité de la hiel'archie administrative,
divide a administra~ão em activa e em contenciosa. Chauvean em admi -
nistração acUva au p1'emier cher et au second cher ; o qne, por outras pa-
Invras quer dizer o mesmo que graciosa e conte nciosa . Elle mesnlO , Chanveau
diz (il) 1I2).- A administraçüo activa au premieI' cher toma a qualiucação de
Poder gracioso, e a administraçüo activa au ucond clter a de Poder contencioso .
Serrigny, Traité de I' organ isatio n, de la competence et de la procedure
administrativc, e Dalloz, Repertoire - verbo Competence - dividem a admi-
ni stração em pura e coutenciosa. A pura vem a ser - a graciosa, activa,
actil'a au prem'icl" cher (rórma administrativa).
LarelTicrr., Cours de droit public et administratif, divide a administração
em actLva e coutenciosa; chamando activa a que procede por via de ap-
plicaçno geral; contenciosa a qlle procede por viu de applicaçüo particular
aos individuos que oppuzerão á acção administrativa seus direitos ou in-
teresses preexistentes. Comprehende portanto na administração contenciosa
os interesses, que nüo lhe pertencem.
Acompanhando aquelles que, como Vivieu, Cabantous, Durour adoptão as de-
nominações graci o~o e contencioso, dividirei o Poder administrativo, ou a admi-
nistraçãO em graciosa e conteuciosa, e ajuri sdi cção e nctos que della emanão em
graciosos e contenciosos, adoptando uma só denom ina ção pôlra evitar confusão.
Muitos cbamao Poder administrativo, jurisdicçãO administrativa, o que
be Poder gracioso, jurisdicÇãO graciosa . Silo denom ina çõe~ diversas que ex-
primem o mesmo, mas que confundem, e tanto mais porque a palavra -
admiuistmtivo -he applicavel tanto ao administrativo não contencioso, como
ao contencioso . Nem se pó de dizer administração administrati,'a, em con-
traposição a administração coutenciosa , ,
. Alguns, como Blanche, Pradier, Cabantons, Chuntagrel dil'idelIl a ndmi-
Ul struçãO em tres rumos, em aetiv:! (que he a pura, aclivn GIL p" emier cher,
- 77-

A administração he graciosa quando os seus act0s,


fundados em , interesse geral, sómen'te podem ferir ou
ferem o interesse particular, dada a collisão entre esses
dous interesses.

He contenciosa quando fere direitos .

Quando a autoridade exerce actos de administração


' graciosa he a sua jurisdicÇãO graciosa. He contenciosa,
quando exerce actos de administracão
, .
contenciosa.

Os recursos são graciosos quando se dão de aetos gra-


ciosos. Contenciosos quando de actos contenciosos .

Esta distincção, diz Chauveau, he a chave da compe-


tencia administrativa.

He uma distincção eapital e a grande difficuldade da


sciencia moderna, diz TroIley.

graciosa, jurisdicção admini strativa, f6rma administrativa), em consultiva, c


em contenciosa.
A consu ltiva porém, que se f6rma dos conselhos administrativos, não póde
rigorosamente ser considerada como ramo distincto, porque refunde-se na
aCeão das autoridades que auxilia com seus conselhos,
O Senador B, Pereira de Vasconcellos na sessão do Senado de 2 de Ou-
tubro de 18 li dizia. « Eu considero a administração dividida em tres classes-
administração activa, administração deliberativa, e adminstração conten-
ciosa. - A administração activa, na minha opiniãO, deve estar a cargo dc um
s6 . individuo, porque hc indispcnsavel no seu exerci cio rapidez e cnergia.
A administração delib erativa, c a admini stração contenciosa devem scr en-
cârre;mdas a muitas pessoas, porque essas admini strações tcm de qua lilicar
factos, tem de examiuar leis, tem de combinar os factos com as leis; e estas
func(:ües são muito melhor desempcnhadas por muitos do qUtl por um s6.
Isto posto se n6s quizermos que a administração activa não funccione sem
- audien cia do Conselho de Estado, não scrá possivel o expediente dos negocios;
nem a administra ção pod eria des empanhar scus devcrcs, ncm o Conselho
úc Estado podcria consultar sobre todos os objectos da administraçfio activa."
Parc(c que o que o illusLrudo Senador chamava administração dcli-
bcrativa, he aqu clla quc outros chamão consultiva. Convêm muitas vezes
que os conselhos admini stra tivos scjãO oU.vidos sobrc assumptos de admi-
ni ~ tr(lc<lo acti va, pura ou graciosa, para maior acerto . O qu e cumpre , quanto
a essc r3~O, he não impÔr á administração a obrigação de ouvi-!os sempre
e de segUIr os scu s pareccres,
tJAPITULO XIII o

Do Podei' 011 A("nillist.·a~iio g.oaeiosa (1). .

A administração graeIOsa, attributo e instrumento


essencial do Poder Executivo, procede discricionaria-
mente, e com arbitrio; o que não quer dizer que o
seu poder he absoluto, -porquanto tem por limites as
leis, e os direitos.

Toma, dentro do circulo de suas altribuições e na


conformidade das leis, as medidas que julga conve-
nientes ao interesse geral da sociedade. Ninguem as
pó de atacar ou discutir quer · perante os Tribunaes
0rdinarios, quer perante os Tribunaes administrati-
vos. Das decisões da administração graciosa, ha só-
mente o recurso gracioso, como adiante veremos. No
momento porém em que foi ferido um direito tor-
na-se o negocIO contencioso, e ha recurso conten~
CIOSO.

Em matE'ria de interesse, e no caso de collisão


entre os dos particulares e os da Sociedade, não pó-

(1) Graciellse pOUI' indiql1er que toute conccssion est puremcnt chose de
grace, et de bon veuloir. VivienEtudes admini!"tratives.
- 80-
de deixar de haver na administração certo poder
discricionario para resolver. A lei não póde prevê r e
regular com anticipação a sua "applicação a cada um
dos casos que se hão de apresentar, avaliando, com
prevenção, os interesses , que, em cada hypothese par-
ticular, hão de surgir e entrar em jogo.

o Governo, por exemplo, he autorisado a man-


dar· fazer, por empreitada, uma obra publica , ou a
"conceder minas para exploração , com taes e taes
. condições. São pretendentes Pedro, João e Antonio, e
. satisfazem as condições da lei A administração pre-
fere Pedro. Fere os interesses de João e Antonio,
mas não o seu direito. Nem a lei podia prevê r o
caso e determinar que, apresentando-se os tres, fosse
a concessão feita, por exemplo, a João. Se fosse pos-
sivel fazê-lo e o fizesse, o Poder legislativo invadiria o
o executivo e administraria.

Chauveau Adolphe, no Tomo 1. dos seus princi-


0

pios de competencia e jurisdicção administrativa, enu-


mera e classifica os actos da administraç.ão activa au
ler chef ou graciosa, na França. Taes são, -por
exemplo, as licenças ou aetos de permissão ou to-
lerancia; as concessões de minas, ou privilegios (em vir-
tude de autorisação geral legislativa); 'as indemnisa-
ções, gratificações; os actos de tutela administra-
tiva, e outros, para' os quaes a administração está au-
torisada discricionariamente, e que póde praticar fe-
rindo interesses, mas não direitos de individuos.

Não posso entrar aqui em um desenvolvimento


miudo, que excederia muitos os limites que tr'acei pa-
- 81
ra este Ensaio. Em outro trabalho mais minucioso
apontarei aquelles actos da nossa administraçãO, ' os
quaes, segundo as nossas leis, podem ser c<.msiderados
graciosos. Não tenho em vista fdzer aqui classificações
minuciosas; mas sim expôr divisões e principios geraes,
_ para dar uma idéa geral da materia.

I,
I

. .

' fi
...
...

~iO'el·enças entre a ftdtnini§tl'a~t\O gracio$a e


cOlltenciosa (1).

As principaes differenças que se dão entre a admi-


nistração graciosa e a contenciosa são as seguintes:
A administração graciosa póde ferir interesses. Para
que seja contenciosa he indispensavel que fira di-
. reitos.
A administração graciosa obra muitas vezes ex-officio,
esponlaneamente; a contenciosa dá-se quando he ro-
vocada por uma reclamação que produz litigio.
A administração graciosa obra pelo interesse geral;
a contenciosa decide sobre especies. A sua decisão só-
mente tem autoridade de caso julgado entre as
partes.
Assim o contencioso administrativo participa muito
do judicial.

A administração graciosa está, como vimos, essen-


cialmente reyestida de um certo poder discricionario.

(1) Caberia tratar antes da administração contenciosa, e deduzir depois


as dilferenças como corollarios. Porém como aquella materia exige maior
desenvolvimento, a reservo para ao diante, até porque as consideraçOes que
vao preceder servem para esclarecê-la.
-! 84-
A contenciosa porém está encerrada nos timites da
applicação de uma lei, de um regulamento, de um
contracto, quando lhe pertence a solução das duvidas
que se levantão.

A administração graciósa tem sempre o direito de


rdo~mar espontaneamente a deliberação que tômou.
A contenciosa não, porque, pela decisão tomada depois
de um litigio administrativo, em um caso dado, ficou
liquidado e firmado o direito da parte .

. ,

l'
eJAPITULO X V.

O.oigeJn c fUD(lalnento da distiuccão cnt.oc o


A;l"acioso c o contencioso. ·0 quê Ile conten-
cioso?

V.ejamos porém qual he o fundamento e impor-


tancia desta distincção, que está na natureza das causas,
que as nossas leis e organisação admittem (1) e que he
essencial em um systema administrativo, no qual não es-
tiver<>m os direitos de cada um á mercê de mero arbitrio.
O Poder Executivo obra debaixo de tres qualidades
differentes:
Como Governo.
Como Administrador.
Como Proprietario.

(1) Esta distincç!o entre o gracioso e o conten!!Í<t~o estA admi~tida entre


nós, se bem que confusamente e sem , desenvolvimento, e o mais 1Ie sem
consequcncias distincta8, como "eremos em outro lugar,
O Capitulo ! .• do Regulamento do Conselho de Estado, n.· 124 de 5
de Fevereiro de 18U, intitula-se - Dos objectos nao contenciosos, - isto be,
simplesmente administrativos, de arlministraçllo pura, activa, ou gracios/J,
segundo as expres80es techniCll8. O Capitulo 3.· - Dos objectos conten-
ciosos. - O art. 45 dá recul'so das resolutOes dos Presidentes das Pro-
vincias em negocios contenciosos . Temos leis, regulamentos e avisos, como
por exemplo o Aviso n.· 268 de 3 de Outubro de 1859, que reconhecem e
declarllO a incompetencia do Poder Judicial Jlara o conhecimento e de-
cisllo de certas Questões de natureza contencIOsa administrativa.
As leis e regulamentos do Thesouro tem reconhecido e dado a este a
attribuiçllO de julgar certos caSos contenciosos administrativos de Fazenda.
Mas o que he entre nós o contencioso administrativo? Onde e COIDO
está elJe organisado? Ric opus, lIic uwor esl. Nilo anteciparei Q 'este assumptQ
do qual tenho· de oCCUpar-me mais para ao diante.
- R6 '--
Como Governo, governa, he o Poder ExeClltivo puro,
político e governamenta1.
Como adminislrador pratica actos administrativos, e
tem jurisdicção graciosa e contenciosa.
Como proprietario e pessoa moral, possue, bem como
as Prov.incias e Municipalidades, edificios, terrenos, e
outNs bens, contracta, &c., &c_

PÔ-lo-hei de parte como Podt>r Executivq p,UfO, po-


liticQ e. governamental. Esse assumpto he da alçada
do Direito constitucional e político.

Como proprietario e pessoa moral o ,Estado he con-


siderado corno parte e simples particular. Acciona e
he accionado perante os Tribunaés judiciaes, salva
excepção especial da lei em contrario. Figura com0
simples particular ainda que a lei lhe tenhÇl. dado juizo
especial e privilegiado. Os cÓiltractos, q·ue como tal ce-
lebra tem o caracter de convenções particulares. O con-
tencioso he então o contencioso judicial, e, como tal,
pert~nce aos Tribunaes judiciaes.
Assim todas as causas civeis da Faz~nda Nacional,
em que ella. fÓr interessada, por qualquer modo, e
em que, por conseguinte, houverem de intervir s.eus
Procuradores, CO~Q autores, réos, assistentes e oppoentes
são processadas ~ julgadas em primeiro instancia no
Juizo priva~ivo dos f~ilos da Fazenda, e em segunda
nas Relações. Lei n.O 242 de 29 de Novembro de 1841.
Essa lei diz causas civ.is, o .que exclue, as questões
administrativas.

Porei tambem de parte esse assumpto que he da


alçada dos Trib~n~es civis ,e. dI? Direito . civil.
87 , ~

FiniüIUtnte, como'administrador, o Estado tem Exer-


cito, tem Marinha, tem finanças; arrecada, despende.,
contractá, promove e executa grandes trabalhos , publi-
cos, vigia e provê sobre a policia geral, sobre a segu-
rança e salubridade publica, promove e fiscalisa a instruc-
'Ção, personifica ó interesse publico, e tem de absol'ver,
ou modificar u'ecessariamente certos direitos e certos
interesses individuae.s, sacrificando-os aos geraes.

Querer applicar, diz Chauveau Adolphe, ao Estado


assim considerado, as maximas do Direito civil, os em-
pecilhos da jurisdicção ord.inaria, seria desconhecer as -
regras as mais vulgares da consM'taçã(); Iga 90ói~dad~:
seria pnra cada um 'de nós, tão ~stó á1ndivid1íalisat. .
se, tão inclinado 'ao esteril egoismo, sacrificàr a nossà
grandeza nacional, a nossa força interior, e a nossa
posição exteri0r.

Para satisfazer os fins que lhe incumbem as leis, a


administração emprega a acção que se ~hama adminis-
trativa. Obra, manifesla essa acção por meio de actos
administrativos.

Essa àcção, esses actas administrativos, em relação


aos particulares, podem encontrar e ferir Séus meros
int~resses, ou. seus direitos (1).

(1) Mt. DOinon, no seu rellitorio sobre a lei do ConselhO ~e Estado,


a.presentado na sessilo da Camara dos De[/Ut:ldos de 6 de Julho de 1843
em França, !Iiz o seguinte.. (( Le gouvemcrneut administre. Si les rn csurcs
, qu'il li pre'scrites lésent des droits qui réclament, il examine ccs réclama-
t:jons et Ics juge. c'est à dirc que tôur à tour, iI use du pouvoir adminis-
tral.ir (gracioso ) et exerce une jurisdietion contencieuse. Qlloique fond ée sur
la nnture des choscs cette dislínction ne peut être 1'3>]}rimée par une simple
'ilefinitíon léga!e : tme langue jurisprudence altentive IJ. chaque esp ~ce a sufll
à pe'ÍITIe pOUI' l'établir. Si nous "oulions en indiquer le principe. nou s dl-
rious que le pouvoir administratif (gracioso) prononcc sur des iDtérêts, et la:
. jurisdiction contencieuse sur des droits; que l'uDe consulte la raison et
88 -
Se o aeto, administrativo fere interesse <* direito e
não levanta recla!p.ução alguma de particulares, está
visto que com elle se conformão, e que a respeito delles
he innocente.

Se he evidente que a administração não d-eve ficar


pêada quando na promoção do bem publico e no cum-
primento dos deveres que lhe impõem as leis, encontra
obstaculos nos interesses e em certos direitos dos par-
ticulares, he tambem ev{dente que esses interesses e di-
reitos nlio devem ficar abaildónados á mercê de mero
arbitrio. Devem a (lrganisação e as leis administrativas
dar-lhes garantias de audiencia, de discussão, de exame,
~ de conselho, de publicidade e de recurso, para a consi-
deração, e reconsideração dos assumptos.

Nesta parte a nossa legislação he extremamente de-


ficiente e arbitraria, e não offerece garantias sufficientes,
como teremos occasião de observar.

Vamos fixar porém, antes de passarmos adiante, o


sentido e alcance de cada uma das duas palavras-in-
teresse e direito-que são a base da importantissima
distincção entre a administração graciosa e contenciosa,
entre a junsdicção graciosa e contenciosa, entre o re:-
curso gracioso e contencioso, expressões todas corre-

l'équité, et a pour objet l'intérêt general, que l'autre consuliC lé droit acquis
a chacun et a pour objet la justice. » .
Dallol, em 18~O, como Relator de um projecto de Ici sobre a competencia
e jurisdicção em materill contenciosa administrativa, dizia perante a Camara
dos Deputados de França. « A un partage d'atlributions péniblement for-
mulé et pour ainsi dire impossible, il faul préférer un principe nel et précis.
La distinction entre 11.' droit légal et le simple interêt _étllblit cn dellnitive
une ligne stlre de démarcation entre l'administration proprernent dite et le
contenLieux de l'administration. ..\vee cc fIl conducteur l'erreur est difficile,
et la jurisprudence du Conseil d'Etat laisse désormais peu d'incertitudes
daus l'application.
- 89 -

btivas, e que suo a chave da competencia adminis-


lrati va (I).

l utCl'esse.

o interesse, qttod in lGl'est, he o que he util , o que


importa, a vantagem que resulta para este ou aquelle
individuo de que seja ou não adoptada esta ou aquella .
m~ dida administrativa pela administração.
He porém preciso, em Direito administrativo, qu e
esse interesse não seja reconhecido, e consagrado na
lei, ou por um aeto administrativo. Aliás assumiria
a categoria de direito .
Exemplos.
Tem de ser aberta uma estrada. Um ~I unlcipio que
se acha na sua direcção, pede que essa estrada passe
pela sua Villa. Tem nisso interesse porque a passagem
dos viandantes, e tropas , &c. poderá concorrer para
augIIieutar a industria e commercio deHa . A admi-
nistração decide que a estrada ha de passar por outro
lugar que julga mais conveniente. 'Foi ferido um in-
teresse importante, talvez justo, mas não foi ferido
direito algum. A ad minis tração es tava no seu direito,
usou de uma faculdade discricionaria, não estando
ind~cados por lei os pontos pelos quaes havia de passar
a estrada.
Uma lei autorisa o Governo a fazer concessões de
terrenos, de minas, &c. A administração indefere um

(1) Cbauveau Ad'olpbe observa que esta d istincção entre o interesse e o


direito he o fio conductor que serve para di lferença r o gracioso do conten-
cioso, mas que não presta utilidade al gu ma para discriminar os nego cios
cuja cssencia he administ rati\'a , daCju ellcs cuja essencia he judicial.
12
90 -
pretendente, ou d'entre dous ou mais prefere um. Fere
o interesse dos outros, ma.s não o direito, porque o
direito s6mente poderia resultar da concessão. Além de
que a autoridade adminis trativa he então discriciona ria.

Dh'elt(p~

o direito, em materia administrativa, p6de ser en-


carado ou com<? direito propri!l.mente dito, chamado
tambem primitivo, ou como direito adquirido (I).

o direito propriamente dito he nquelle que está


inherente a alguem por ,'irtude da lei. Tal he o
que está inherente ú q ualidade de p roprieta rio , ou
cidadão.

Em todo o governo regular não deve a administração


alterar ou modificar esses direitos, por via graciosa
ou discricionaria. E quando o fa ça, deve essa ma-
teria ser consi<lerada contenciosa, e ter lugar o · re-
curso contencioso.
Alguns desses direitos não podem ser, por modo e
em caso algum, pelo governo alterados ou modificados.
Taes são os politicos e individuaes garantidos pela
Constituição. Estão f6ra do alcance da administração·,
e não ha portanto a respeito deUes, nem gracioso, nem
contencioso. Sómenle deve pertencer ao Poder judi-

(1) Úm direito , diz Troller Traité de la hierarcllie administrative, he um

Ir interesse garantido por um titulo ou por uma lei.-O direit(}, diz Dufoor
Traité general de Droit administratif appliqué, corresponde a Ilm interesse ,
mas ( e he isso o que o co ustitue ) tl. um interesse reconhecido e consagra-
do pela lr i.
- 91 -
cial decidir quaesq,!er contestações que os possão pre-
judicar.

Chama-se direito adquirido, em maleria administra-


tiva, e em contraposiçãO ao propriamente dito, aquelle
que tem sua origem em actos administrativos pura-
mente discricionarios. Feita uma co essão pela admi- \
nistração Q_ gbjec!9_ ..cop.cediqo tor'pa:s~ propriedade
QQ. Qutorgado. A violação ou revogação desse acto
administrativo constitue a violação de um direito adqui-
rido, e a reclamação e discussão torna-se então con-
teÍ1ciosa.

Esta distincção he de grande alcance. Os direitos


propriamente ditos, ou primitivos nascem da lei. Ora
_em geral as questões que se suscitão sobre a interpretação
. e applicação da lei são mais proprias dos tribunaes or-
clinarios. As que versão porém sobre a interpretação
ou applicação de a~tos administrativos não pode.m,
sem gravissimo inconveniente, deixa,r de ser da com-
petencia clos Tribunaes administrativos.

Esta mesma distincção e a clareza e desenvolvi-


mento que deu ao Direito administrativo, he moderna.
Os primeiros escriptores a. conhecêrão mal e a con-
fundirão.
-
CORMENIN.-O Visconde de Cormenin, o qual póde
ser considerado como o Principe da Sciencia do Direito
administrativo, escrevendo em 1822 as suas questões
de Direito administrativo, reproduzidas e accrescentadas
em ires edições successivas, e ultimamente em 1840
com o titulo de Direito administratiyo, não resolveu.
- 9'2-
clara e doulrinalmcnte a importante questão-O que
he contencioso administrativo? Parece distinguir os
interesses dos dÜ'eitos em uns lugares, mas em outros
os oonfunde ou assemelha.

l\lAcAREL.--O Conselheiro de Estado M:acarel nos seus


Elementos de j urisprudencia administrativa, define
assim a jurisdicção graciosa e contenciosa.-A juris-
diCÇão graciosa comprehende tudo quanto he puro favor
do Soberano, tudo quanto emana do seu puro arbitrio.
g da sua vontade espontanea . A contenciosa abrange
tudo quanto põe um obstaculo légal á administraçao,
quando no seu curso fere os interesses dos particulares.
Na sua obra posterior- Des Tribunaux administra-
tifs-, apoiado na autoridade respeitavel de Henrion .
de Pansay, vai buscar a origem da divisão do gracioso
e contencioso na lei 3." Dig. de jurisd., na qual diz o
Jurisconsulto Ulpiano - Imperiu111J aut merum aut mixttt1n
est. Merwn est impcrium . .... quod etiam potestas appel-
lctttw. Alixtum ' est impcrium cui eti~m jur'isdictio incst.

Assim Macarel e os escriptores chamados da Escola


de Dijon, como Serrigny, pondo de parte a distincção
capital entre interesses e direitos', dividem a adminis-
tração em pura (graciosa) que consiste no imperittm
merun~, e em contenciosa que he o imperium mi:1itum.
Chamão portanto contenciosa a jurisdicção que fere
tanto os interesses como os direitos.

DEGERANDO. - Segundo a doutrina do Barão' Dege-


rando o simples interesse produz o contencioso. .
A expressão-Direito - , diz e11e , no Direito admi-
nistrativo, não se toma em sentido rigoroso, e refere-se
- n3-
mais á noção de equidade. do que á da justiça. Dessas
idéas resulta grande vago e confusão.

SIREY. - Na sna obra, Le Conseil d'Etat selon la


Charte, parte, para estabelecer o contencioso, da distinc-
ção entre interesses e direitos, mas não a formula, de-
senvolve e applica com clareza e precisão.

FOUCAR'f. -Elements de Droit public et adminis-


_tralif. - Admitte a dislincção entre interesses e direitos,
isto he, direitos que a razão de Estado, diz elle, submetle
excepcionalmenle ao juizo da autoridade administra ti va,
e os direitos adquiridos, exclu idos assim os primitivos,
os qlÍaes (em casos que devem ser restriclos) tambem
podem produzir o contencioso administrativo, e por isso
a sua theoria tem imperfeições que produzem confusão.

LAFERRIERE.-COurS theorique et pratique de Droit


public et administratif. - Ensina que o contencioso ad-
ministrativo suppõe uma reclamação fundada em um
direito adquirido. Não distingue com sufficiente clareza
entre interesses e direitos', e restringe estes aos adqui-
ridos.

PnoUDHoN. - Traité du domaine public. - Remonta


ao principio constituçional da competencia constitucional
do Poder Executivo, e estabelece que quando a admi-
nistração ordena uma cousa, que não depende senão
do mando do qual está constitucionalmente revestido
o Poder Execútivo, não ha lugar o contencioso, pois
não se lhe p6de contestar o direito que exerce.
Pelo contrario quando o facto administrativo está,
.
para sua legalidade,. suhmeUido á condicões fundadas
-
94 -

sobre direito~ adqüiridos por alguns particulares, tem


lugar o contencioso, porque estes devem ter a facul-
dade de se opporem á violação de seus direitos.
Da doutrina de Proudhon parece derivar-se a conse-
queneia de que a materia he contenciosa, quando ha
viola ção de um direito propriamente dito ou adquirido,
porém a maneira pela qual elle a expõe dá lugar a
confusão, e não subministra uma luz qt~e possa guiar
com segurança.

l\lodernamente porém Chauveau Adolphe, .Principe~


de competence et de jurisdiction administratives, Solon
Co de ad ministraLif annoté, Dufour Trailé géneral du
Droit administratif appliqué, Cabantous Repetitions
écrites, Dalloz Repertoire de Legislation de Doctrine et
de Jurisprudence, além de out.ros, pondo de parte 8S
hesitações e incertezas dos que os precedêrão, consa-
grárão e desenvolvêrão practicamente a distincção clara
e positiva entre o interesse e o direito, e d' ella partirão
para discriminar a administração graciosa da conten-
ciosa, a jurisdicçãO, os actos e os recursos graciosos
dos contenciosos (1).
A jurisprudencia do Conselho de Estado em França
tem eonsagrado essa importantíssima distincção.

(!) "Daus qu cls cas ya-t-il lieu de se pouTYoir par la voie gracieuse, et
daus quels autres cas peut-ou prt>udre la voie couteucieuse? Celte qucstion
cs t l'uue des plus ópiueuses du Droit administratif. Ou peut dire en gé-
lIé.'al , (Iue la voie gracieuse est seul e onverte ponr attaquer les actes
émJués du pouvoir discrétionuaire de I'administration, et qui, des lors,
blessent 1I0 U pas lcs d"oils, mais seulement les intér~ts des réclamants;
tandis qu 'il y 11 Iicu d'agil' par la voie coutentieuse toutcs les fois qu'il est
ljucstion de faire valoir une réclamntion fondée sur nn véritable droit
resultant d'une loi, d'une ordonnance, ou d'un contrat, OlJ bien encore lors
que, dans une matiàre qu,elcon,que le poul1loi contentieuP'$ est speéialelMnt
atltorisé par nn texte formeI. li
Dalloz. - Repertoirc verbo Competence adm. n .• 26.
Dá portanto lugar ao contencioso a violaçllo não só do direito propria-
mente dito, on primitivo, como do adquirido.
- 95 -
f:.:ondiçoes l,ara que se vCI'lOque o contencioso
atlmlnlstl'ativo.

Para qu e se dê o contencioso admÍnisLrati \"0 nüo


basta que seja ferido um direito qU1l1quet', he essen-
cial que se verífiquem certas condições.

1. a He necessario, primeiro que tudo, que haja


um acto especial., ou um facto particular adminis-
. trativo.
N. B. Para que um aeto ou facto tenha caracter
administrativo, no sentido jurídico dessa palavra, he
necessario. J.O Que emane de uma autoridade da
ordem ·administ.ratÍva. 2." Que diga respeito a um
assumpto administrativo. Dalloz verbo Competence
adm. n. 6.
O

2. a He necessario que a questão não se funde em


titulo que pertença ao direito commum, isto he que
o direito ferido não pertença á ordem civil Ou penal,
ou que o seu conhecimento não esteja affecto por lei
a outra autoridade.

3. a He necessario que a collisão se dê en lre o in-


teresse publico por um lado, e o direito do particular
por outro.

4." He necessario que o acto administrativo não


emane de uma autorisação tão positivamente discricio-
naria conferida pela lei, que importe necessariamente
o sacrificio dos direitos que possão ser oppostos aquelle
aGto.
9G
Quasl contencioso 011 mlxto.

- "

.os autores ele Direito administrativo 17rancez admittem


uma "terceim especie de materias, as q ua es , segundo u
sua legislação, não são graciosas nem contenciosas.
Chamão-lhes, como Cormenin quasi contenciosas, e,
como Chauveau, mixtas.

o que porém distingue essas mater;as quasi con-


tenciósas das' contenciosas, be que o recurso, ainda
que interposto na fórma contenciosa, não he comtudo
julgado em audiencia publica.
Essas materias são:
As autorisações para demandar, solicitadas pelás
~Iunicipalidades e estabelecimentos publicas.
Os pedidos de autorisação para accusar os funcc!ona-
rios e agentes do governo .
Os Recursos á Corôa.
As contestações sobre a validade das presas marítimas.

Não se dá entre nós a .necessidade de autorisação


para que as Municipalidades e estabelecimentos publicos
possão demandar, nem para. accusar funccionarios e
agentes do governo.

As tres ultimas materias ehamão-se na França quasi


contenciosas porque tem um processo particular, e por-
que o seu caracter político as subtrahe á publicidade das
audiencias.

Be portanto evidente que essa classificação - quasl


contencioso e mixlo -não póde ter lugar entre nós,
- 97-
á vi 'ta da nossa legislação, como em lugar proprio
, vercmos.

Excesso fIe l,oflcr e Illegalldatle.

Pelo Direito a.dministrativo Francez o excesso de


poder ou a illegalidade constitue contencioso, ainda
mesmo quando se dá em materia administrativa graciosa.

o excesso de poder, em sentido geral, he o facto de


tomar a autoridade administrativa um,a decisão, ou
praticar um acto excedente das attribuições marcadas
pelas leis. Se a autoridade invade um poder de na-
tureza díffereHte, ha usurpação de poder. Se perturba
a ordem estabelecida pela lei na divisão das attribuições
entre os agentes do mesmo poder, ha incompetencia.
Se desnatura, sem invasão, os poderes que lhe são
confiados, ha excesso de poder propriamente dito. Tudo
porém constitue illegalidade e excesso de poder, no
sentido geral.

Os recursos contenciosos que então se Jão, são para a


emenda dos actos administrativos que excedem, e são
illegaes, os quaes sómente pela autoridade administra-
tiva, e pelos meios administrativos podem ser emendados.

As decisões do Poder judicial sobre os casos com-


prehendidos na Secção 5. a do Til. 5.° Parte 2. a do nosso
Codigo Penal, que trata do excesso ou abuso da au-
toridade , não podem, attenta a independencia dos
Podercs, importar a revogação daquclles actos, mas
'úlllenle a imposi.~,â o das penas alli estabelecidas.
ia
- 98-
. Em conformi<lade com a dout.rina acima exposta
dispõem os arts. 28 e 29 do Decreto n." 2.34.3 de
29 de Janeiro de 1859:
Que as decisões do Thesouro em materia conten-
ciosa põderáõ ser annuIladas pelo C~nselho de Estado
a requerimento de parte, ou quando o Ministro da
Fazenda devolvê-las ao seu conlíecimento, a· bem dos
interesses da Fazenda Nacional, sómenle nos casos de
incompetencia, excesso de poder, e violação de lei ou de
, f'o1'ma lidades.
Que as decisões administrativas em materia conten-
ciosa proferidas pelo Tribunal do Thesouro, ou pelos
Chefes de Repartições fiscaes, poderáõ ser annulladas p(!}o
Conselho de Estado nos casos de i'itcompetencia, . emcesso de
poder, e violação da lei ou de formulas essenciaes, sem que
todavia a Resolução Imperial aproveite ás partes, que,
pelo seu silencio, tiverem approvado a decisão anterior.

E note-se que se tl!ata de casos em que o Thesouro


tem .voto 5leliberatívo e nos quaes, por virtude da
Resolução Imperial, sobre Consulta da Secção de Fa-
zenda do Conselho de Estado, d~ 17 de l\laio de 1851,
não ha recurso para o mesmo Conselho de ·Estado.
Os artigos acima citados o estabelecem porém restric-
tamente para os casos de incompetencia, excesso de poder
e violação de lei ou de formulas esscnciacs.

IDcitlentes.

Eoi uma questüo administrativa podem appatecer


incidentes cujo conhecimento e solução seja da compe ...
- 99-
tencia do Pod6r judicial. Como o Poder administra-
tivo ~ o judicial são separados e independentes, não
póde aquelle conhecer do negocio, e deve sustar o
seu procedimento, até que o competente conheça e
resolva sobre o incidente, quando as circumstancias
do caso não permittão uma decisão, que não preju-
dique e deixe salva a do outro Poder.

Esta doutrina acha-se reconhecida e consagrada pelos


arts. 41 e 4'2 do Regulamento do nosso Conselho de
Estado.
,
f:: l~ .ITULO X VI,

Re;...·as e fo.·uudos 1'0.·0 disce."lIit· o g.·OCi080


do contencioso.

Os autores que escrevêrão sobre o Direito admi-


nistrativo têm-se cançauo para acharem ' formulas e
regras, que fixem com clareza e exactidão o conten-
cioso administrativo.

Semgny., Traité de }:organisation de la competenee


et de la procedure -en matiere oontentieuie admi-
nistrative, eslabelece (as regras seguintes:

La regra.-Os nctos que são de pu'ro mando fazein


parte da admimistração activa{ graciosa); aquelles que,
pelo contrario, estão comprehendidos no -imperiU1n
mixtum, cui inest jurisdictio - pertencem ao conten-
cioso administrativo.

2,- regra.-As ordenanças (f) ou decisões regulamen-


tares f2) ,que prescrevem medidas de admjnistraÇão

(t) Ordenança.- Resolução que emana do Poder Real ou Imperial, cor


rE!Sponde aos nossos Regufamenlos e Decretos hi:lperiaes .•
(2) Arrêtés réglementaires. - Decis!íes adniinistrativas regulando algum.
obJecto, e que emana0 do Ministr(\, Prefeito, áas Camaras Municipaes, & •
102 -

publica ou de policia, não são sujeitas a recurso na


, fórma con lenciosa.

3. a regra.-Se o acto emanado da autoridade exe-


cutiva ou administrativa o he no exercicio de um poder
discricionario, que lhe he' confiado, não póde dar lugar
ao recurso contencioso, ainda que, considerado em si
mesmo, pareça ser-magis juriSdictionis quam impcrii.-

.4.' regra.-Conhece-se que um aeto emana do poder


.discricionario da administração quando fere não um
direito consagrado pela lei, mas sim um simples inte-
resse do reclamante. ' .
(Aqui Serrigny recorre á distin ~ção entre interesse
e direito.)

5.· regra.-As questões que se ligão a Tratados e a


Convenções diplomaticas; ou a actos do GoverilO que
tem um caracter essencialmente politico, não podem
ser levadas 'ao conhecimento do Conselho de ,Estado,
pela via contenciosa, ainda que participem mais juris.
dictwnis,' quam imperii.
, (Isto he f6ra de duvida porque diz respeito a uma
attribuição do Poder Executivo puro, politico' e gover-
namentaL)

- 6. a regra.-Os actos que pertencem á tutela que a


administração exerce sobre os departamentos, muIiici-
pàlidades, é estabelecimentos publicos, não podem ' dat
lugar a recursos perante o Conselho de Estado.

Estas regras contém muita cousa boa e aproveitavel,:


!fias 'plirecem-me deficientes.
. ..

. /
103
Se a Administração no uso de um poder discricio-
nario, do merU/n impcrium, que aliás póde não importar
'n ecessariamente a necessidade do sacrificio do direito
de um particular, o sacrifica, porque hão de ser nega-
das a este as garantias do exame, discussão, decisão e
recurso contencioso ? Não poderá elle dizer como o
illustre Atheniense, -dá mas escuta ? Não p6de a me-
dida tomada pela Administração ir por diante, e ser ao
mesmo tempo reconsiderada com as garantias do con-
t~ncioso ? Não he a final,' reconsiderada a materia, a
Administração quem decide?

Serrigny e oulros da escola chamada de Dijon, a


qual adoptou o pensamento de Macarel, que o tirou
de Henrion de Pansay, derivão e baseão principalmente
a distincção ~ntre o gracioso e o contencioso na lei
Romana que acima citei ..

. Quando a Administração, dizem el1es, exerce actos


de puro mando, e faz a applicação aos casos part.icula"
res que se apresenlão, exerce o impcr'iU1n merum. He a
graciosa. Quando resolve sobre as · reclamações que
Jevanlão interesses oRPostos, exerce o imp.erium mixtum,
cui etiam inest j U1'·isdictio. Usa eu tão do poder de julgar,
ou da jurisdicção ligada ao seu direüo de mando, e he
nesse caso contenciosa.

Chauveau Adolphe porém e outros, partem, toman-


do-a como base, da simples e clara distincção entre
interesses e direitos .

. Porém como muitas vezes se procede na fórma con- -


tenciosa a resp~ito de interesses, e na fórma graciosa. a

.
- 10\ -
respeito de direitos, e isto em virtude de disposições
especiacs de lei, aliás fundadas em razões de monlenlo,
foi Chauveau levado LI estabelecer a.sua theoria de des-
classificação (declassemcnt) e a uma nomenclatura ex-
tensa e complicada, da qual não me occuparei aqui;
nomenclatura possivel na tão rica e desenvolvida legis-
lação administrativa da França, e impossivel no eslado
em que se acha a nossa.

Em todas as legislações, observa o mesmo Chauveau,


não são as regras .por tal modo gemes que não soffrão
certas excepções aconselhadas pela razão de Estado.
Ha questões de natureza graciosa ás quaes com tudo
a lei app1ic~ a fórma de proceder e os recursos conten-
ciosos. Ha questões por sua natureza conleneiosas ás
quaes a lei applica a fórma de proceder graCiOsa, e
nega os recursos conten~iosos.

Ha questões por sua natureza judiciaes que . a lei


comtudo sujeita a autoridades administrativas, e questões
de natureza administrativa, que ella sujeita a aúto-
l'idades judiciaes.

Depende isso porém de lei expressa fundada em uma


razão de Estado.

Chau veau chama isso declassc'lncnt, desclassificação (1).

Temos na nossa legislação exemplos dessa desclassi-


ficação. As questões relativas a presas pertencem, pela
sua natureza, á ordem judiciaria . . Entretanto o art. 32

(1) FoucarL diz que isso não he declasscmcnl. He questão de palavras.


105 -
do Regulamento do Conselho de Estado dispõe que
serão decididas pelo Governo em primo.ira e ultima
instal1cia. Razão de Estado. Considerações di plo-
maticas.

o apresamento de embarcações empregadas no tra-


fi co e a liberdade dos Africanos appl'ehendidos, súo
questões da ordem judiciaria. Comludo o Conselho
de Estado as julga em segunda instancia, por virtude do
art. 8.° da lei n.O 581 de 4 de Setembro de 1850. Razão.
de Estado . Era preciso atacar vigorosamente o trafico .
A morosidade e o rigor das f6rmas judiciarias, tornavão
os Tribunaes judiciarios menos proprios, para conseguir
.esse fim com o vigor e presteza que cOl1Yi,"!bão.

o mesmo Cbauveau AJolphe estabelece uma propo-


sição, por meio da qual entende que poJem ser re-
solvidos quasi todos os casos de competencia admi-
nistrativa, e he a seguinte:

.« O caracter dominante e distinctivo do contencioso


administrativo, resume-se nesta proposição - O inte-
resse especial que emana do interesse geral, discutülo,
em contacLo com um direito privado - (I).

1/1leresse especial que emana do interesse geral, diz


Chauveau, pOTque o interesse de todos f6rma o direito

(I) Dalloz Repertoire de Legislation de Doctrinc ct de Juri sprlldencc,


verbo Com peten ce adminis~rative, diz fallaodo dessa proposiçãO " Le mê/llc
auteur ( Chauveall Adolphe ) s'cst elTorcé de cara ctériser, pnr une dellnilion
rigou reu se, le contcnticux administraLif, pour aidcr a le disti ngucr, soit
dcs matieres admioistrati\cs 000 cootcotlCUSCS, soit dcs malicrcs contcll -
cicuses non administratives ; mais la dcfioition qu'il propose, assez obscure,
ali premier abord, ne saurait êtrc bico comprisc qu'au moyen d'exp licatiom,
a u xt(ucllcs leur eteodue oous iuLerdit de dooocr pInce ici. ))
14
106

e mais positivo e o mais imperioso, que he o direito


social. O interesse geral portanto não póde entrar
em discussão perante a autoridade administraliva, com
um direito privado. Ao Poder Legislativo e ao Poder
Executivo puro compete regular esse interesse geral,
que gyra em uma esphera inaccessivel ás reclamações
individuaes.
Na applicação especial ao indi~iduo o interesse geral in-
dividualisa-se, e torna-se especial. Permanece interesse
geral como principio, torna-se especial como applicação.

Discutido, accrescenta Chauveau, poque a discussão


nasce do desaccordo, e se não ha desaccordo, e por-
tanto discussão, não póde haver contencioso.

Todavia essa formula, posto que subministre grande,


luz não he, na minha opinião, completamente satis-
factoria. D.ltvido de que uma materia tão vasta e
complicada como he o contencioso administrativo,
possa ser perfeitamente encerrada em uma breve for-
mula, e definida cm 'poucas palavras.

Por via de regra, to~o o acto administrativo que


fere um direito, deve dar lugar, havendo reclamação, a
uma discussão e recurso contenciosos.

Mas como quasi" não ha decisão administrativa que


não fira mais ou 'menos remotamente um direito,
aquella formula não he, por si só, sufficienle. CO)ll
a simples formula de Chauveau e o alcance que se lhe
pó de dar, a- administração graciosa e discricionaria,
ficar~a extremamente reduzida, o que empeceria muilo
.
a marcha. da. adminislracão.
"
, - 107 -

« He preciso não acreditar, diz Foucart, que are·


clamação he fundada em um direito e portanto con-
tenciosa, sómente porque se levanta por occasião _de
um direito que he ferido; por quanto quasi não h(l,
decisão administrativa que não fira mui legalmente,.
quer um direito real, quer: um direito. pessoal. Assim.,
por exemplo, uma decisão do Maire mandando varrer
as ruas, fere a liberdade individual; uma decisáo do
Prefeito que estabelece um caminho de sirga na margem
, de um rio navegavel, f~re o direito de propriedade.
ComtudQ esses actos emanão do poder discricionar~o..
e não podem _ser atacados por via contenciosa. Isto
Riio ' he, como se disse, uma excepção, uma desclas-
sificação. (declassement) he uma applicação. do princi".
pio fundamental, o qual dá ao poder Executivo uma
autoridade discricionaria, que não póde ser exercid(l
senã-o sobre as: pessoas e as cousas, e cons~guint~­
mr.nte deve modificar a liberdade e a· propriedade,
Mas o· poder discricionario he neste caso autorisado
pela lei, e s6mente he exercido dentro dos limites
que ella fixou. Quando o ~faire toma uma medida
de policia municipal, qual a varredura das ruas, obra
em virtude do art. 11 da lei de 18 de Julho de
1837. Quando o Prefeito estabelece o caminho de
sirga, usa do direito que lhe dá o Decreto de 22 de
Janeiro 'de 1808: (1).

(1) Foucart- Elcmcots de Droit public et adm. Tqm. 3.0 0.° 5 1791
e 1792-.
Por isso dizia o Sr. Marqucz de OIinda, na sessllo da Camarll dos Depu-
tados de 7 dc Agosto de 1857, « Mas. qual hc o direito? He o direito
commum que tem todo o cidadllo, quc lhe coocede a CoostituiçllO, &c.?
Se se entende assim, se ha questllO cobteociosa só por essa ralao, eotlllJ
digo que nllo ha questllo em que não deva dar-se recurso para o Conselho
de Estado. . • . Não sllo esses os direitos que constituem a materia co -
tenciosa; este elTeito só o produlcm os direitos positivos, ou declarados
na lei, ou deduzidos de conlractos, &c., &c.
108 -
Ill'osegue Sel'l'jgny. « Sómente ha realmente con ~
tencioso no caso em que a reclamação he apoiada
sobre um direito que a admll11stração tem oLrigut;ão
de respeitar, por exemplo - Um Ministro nega' apo~
sentadol'ia a um antigo empregado. Não obra em virtu~
ele de poder discricionario, havendo sobre a matel'ia
lei que he obrigado a respeitar. S6mente podia negar
t\ aposentadoria, não estando satisfeitas as condiçôes
exigidas pela lei. Se forão preenchidas, não póde
recusa-las. Se recusar, o empregado póde recorrer ao
melO contencioso, &c. )}

Na minha opInIãO convém modificar, ou -limitar a


Hase e a formula de Chauveau, pela doutrina de Serrigny,
}i'oucart, e outros, e combina~las.

Assim eu diria-'He contencioso ou dá lugar ao


contencioso o acto administrativo fundad-o em um
interesse '- especial, que emana do interesse geral, dis-
cutido, em contacto com um direito privado, com tanto
que aquelle acto administrativo não emane de um
poder discricionario especialmente conferido peJa ·lei,
porque então he a lei que autorisa a ferir ou mocli~
ficar o direito. E não ha direito contra direito.

Tentou-se em França em. 1833, a apresentação de


um projecto de lei que marcasse com precisão os li-
mites que separão as materias puramente administra~
tivas ou graciosas das contenciosas. Para esse fim
preparou uma Com missão tirada do seio do Conselho
de Estado, um projecto que continha 246 artigos.
Entendeu-se por6m depois que não era chega40 o mo-
mento de emprehcndcr uma tarefa tão difficil e perigosa.
- 10n

o contencioso administrativo, diz Vivi en, compõe- e


.
de - todas as reclamacôes fundadas na violacão das .
qbrigações impostas li administração pelas leis ou
regulamentos que a regem, e pelos contractos que
subscreve. I

Tratou-se muitas vp.zes, accrescenta elle, de or-


ganisar a nomenclatura ( I) dos negocios contenciosos,
mas esse trabalho seria impossivel. Seria necessario
_~_ó mB:r uma por uma todas as leis administrativas, para
procurar em cnda uma dellas as disposições que
conferem direitos aos cidadãos e declarar qual a ju-
risdicção administrativa competente para delles lomar
conhecimento. Suppondo que não fosse inutil essa
investigação tornar-se-ma logo incompleta a lei que
consagrasse o seu resultado, visto que cada lei ad-
ministrativa superveniente , junta novas pedras ao
edificio do contencioso administrativo. Seria portanto
impossivel form ar a lista dos negocias que lhe pertencem.

«( A verdadeira definição do contencioso administra-


tivo acha-se na jurisprudenéia do Conselho de Estado,
o qual, desde 50 annos, exerce a alta jurisdicção ad-
ministraliva, e foi essa longa e escrupulosa elaboração
q ue reUl1lO todos os elementos dos quaes se compõe. »)

(I) Essa nom enclatura todavi n ex iste orgall i,:ndn pOl' ,-arios escriptorcs,
q ue fi ze rão o apu ll hnnw ll tlJ, llIais ou menos cO lll pleto, dos nc.gocios dl'-
darados contenci osos por Leis, Hcgulalll cn tos e lJecisües do Conselho de
Estado . São nomenclaturas scecas e aridas, com I'ererencia li Il'g is l <l~~io
especial da Fra nça, Tal he, pOl' exempl o, a nomcnclatura qu e se co n L(~ m
no Direito admi nistrativo de Co rmen iu no C3 1lit ulo intitulado-Ou rejet des
- rcq uetcs , .
Não hu materia entre nós para semellla ntc nomenclatu ra, Nada está dis-
criminad o c IcU! (úrma Ilropria, como n o chúos qu e descrere Oyidi o,
•, , " ' ull i sua rorma manebut.
Obs lubalquc aliis aliud .. &r,
no
({ o Conselho de Estado encerrou-se sempre nos dous
caracteres que constituem exclusivamente o contencioso
administrativo; nunca, salvas as disposições excepcio-
naes que dispunhão . expressamente o contrario, ad-
mittio elle recursos, uma vez que não se tratasse de
uma reclamação fundada em um direito, e que não
dependesse esse direito da acção administrativa. »)

{( Assim repellio sempre toda e qualquer pretenção


fundada em um interesse; mandou que fosse apre-
sentada á administração pura (graciosa) e r-ecusou co-
nhecer della por via contenciosa.») ·

(~ Restituio cuidadosamente aos Tribunaes judiciaes


todas as questões do direito commum, ou aquel1as nas
qllaes estavão sómente empenhados interesses. privados.
Nos negocios contenoiosos que lhe erão regularmente
apresentados, separou todos aqueUes inciden tes que
não tinhão caracter administrativo, e absteve-se de
julga-los. »)

« Distinguio entre os aetos do governo, aquelles ql1e


dizião especialmente respeiJo ao Poder administrativo,
dos que pertencião, ás outras altribuições do Poder
Executivo. »)

{( Recusou conhecer de questões relativas a Tratados,


ou negociações diplomaticas, deixando ao governo s6
a regulação dos interesses que podem affectar as nossas
relações internacionaes.»)

« Recusou entrar em questões relativas a regula:'


mentos de finanças, deixando ao Poder legislativo o seu
- 111-

direito de- exàme, e a sua jurisdicçãO política sobre


essas materias.»

« Recusou mais conhecer de discussões relativas a


medidas de alta policia tomadas pelos ~finistros no
interesse da segurança publica, deixando á ' respúnsa~
bilidade o seu júgo livre e inteiro . »

« A jurisprudencia encerrou assim o contt'ncioso ad-


ministrativQ em limites claramente fixados, e separou
o que não devia fazer parte delle. »

D'onde se vê que s6mente a pratica, a jurispruden-


cia, a reunião e a elaboração dos elementos de que se
p6de em um paiz compõr, á vista ~a sua organisação
política, o contencioso administrativo, o pódem formar.
Be preciso para isso trabalho, ordem, melhodo, estudo
muito persistente, e tempo. Não he possivel oI'ganisar
bem a complicada e desenvolvida administração das
sociedades motlernas, tão cheias de exigentes necessi-
dades, sem trabalho, sem ordem, sem melhodo, sem
estudo, sem persistencia e sem tempo (1).

(1' A jurisprudencia ndmini~trati va contenciosa da Fran~a en COntra- se na


vasta collecçllO denominada -lIecueil gé néral des Arrêts du Conseil d'Etllt
statuant au contentieux-. Essa colleCÇliO começada em 1808, fórmo até a
'anno de 1860 (ultimo que recebi) 45 grossos volumes. O qu e hl' do tempo
de Napoleao I e da RestauraÇliO avulta meno&. Cada onno sao publicadas
as deciSões do antecedente.
Depois da ementa de cada quesUlo, segue-se a Ordenança, ou Decreto
que contém: 1.0, em resumo claro, que comprehende sómente o necessario,
li exposiçao do pedido e do caso. 2.° a indicatno da legislaÇlio res pectiva.
3.° 8S consideraçoes e motivos da Resoluçao. 4.° fin almente, em artigo ou
artigos, a ResoluçlIo do Governo que sempre se conforma com o Conselho
de Estado, tendo aliás o direito de nno se conformar. Fica assim estabe-
lecida uma regra, um precedente, uma jurisprudencia, que regula os casos
futuros similhantes , e rcmovc o arbitrio. Liquidlio-se as questoes por
uma "Cf.
O Indice publicado em 1859 comprebende os nltimos 10 annos decorridos
de 1849 a J858, ('spaco durante o <Iual proferio o Conselho de EsLado no
contencioso seLe wil decisoes.
- 112-

Se qunndn, em 1841, foi instituído entre nós o noyo


Conselho de Estado, se houvesse ordenado que a" res-
pectivas Secções examinassem prévia mente, antes de
interpôr parecer sobre o merecimento da questiío, se
era ella de natureza graciosa ou contenciosa'- possui-
riamos hoje, classificadas, matérias de '20 annos, que
poderião dar alguma luz sobre o nosso contencioso ad-
ministrativo, que tfl ffi(jS , e não podemos deixar de ter,
embora não saibamos bem o, que QUe he.

Não se fez isso, e não he de admirar que não oc· -


corresse a necessidade de fazê-lo, porque a defectiva
e imperfeilissima lei do nosso Conselho de Estado, não ',

Na introducç1io a esse ludice lê-se õ seguiute, que confirma o que já tive


occasião de observar.
" LorsllU'à la suite d'études judicinircs, on arrive au Droit administratif,
on se trouve préparé par la jurisdictiou dtl~ Com. Impel'iales à cO Ill(lrendre
celle du Consei! d'Etat tribunal d'appel. La Com de Cns.atioo réglaut la
compétence entre les pouvoirs judiciaires, prépare à compl'cudl'e le Consei!
d'Et.1 t jnge des conflits. 00 a plus de perne à bico saisir le rôle du Conseil
d'Etat traçant ã I'admínistratioll active los limites de soo pouvoir discrétioo-
naire, ou (pour employer I'expression du Droit admioistratif) decidant en
nuel cas le recours au conteotienx est ouvert cootre les aetes admioistratifs. II
" Le Législateur n'a pas défini le principe du récours contentieux, et o'a
pas (au moios eo géoéral) iodiqué les cas dnns les quels ~e recours s-erait
ouvert. Ce n'a poiut été lã uoe omission, uo oubli. 11 y a eu mteotioli
de ne pas défioir, de ne pas tout préciser. »
. "Quand on discuta ã la Chambre des Députés, la lei du 19 Juill~t 1845
SUl' le Cooseil d'Etat, M. Dufaure exprima (seaoce du 27 Fevrier, lIiortitew·.
du 28) I'opioion qu'il fallait, autaot que possible, indiquer par la loi la oa-
ture des atraires cootencieuses,,,
" M. Odiloo l3arrot repoodit-Avez vous la prétention de détermioer,
par votre disposition de loi, cc qlÚ s'uppolle couteotieux dans notre
Irgis lation? Ave~ vous la préLeolion, par votre dispositioo de loi, de régler
cette limite entre ce qui est ndmioistratiC, eL ce qui esl cooteotieux, de
réso udre le plus \'aste probléme qui se soit peut ~tre préseoté aux I'egards
nou sculemeot des légistes, mais de tous les publicistes; uu probleme qui
ne se resollt que par les queslions mêmes, par le seos intime du jugc, par
la uature qui se modifie a I'infiui, des coutestatioos et des Iitiges admiuis~
tratifs? ..
Em Portugal acha-se 11 jurisprudencia contenciosa administrativa do seu
Conselho de Estado, colligida e explicada pelo Sr. José Silvestre Ribeiro, de,
bai~o do titulo- Resoluções do Cooselho de Estado na Secçll.o do contencioso
administrativo-o Infelizmente pouca utlenção se tcm dado entre nós a esses
assumptos. Todo o tempo he. pouco para 11. poUtica,. para disputar sobre
programmas, sobre eleições, entradas e sahidas de MiRisterios, sobre Con-
servadores, Liberaes, Ligueiros, &c., sem que fique liquida consa alguma, e
SC~l q lIe de tão raga e emmaraohada palrice colha vantageos reaes o
palzl
- 113-
deu, como veremOil, quando nos occUpai'mOil dessa ins-
tituição, alca~ce algum á importantissima dislincção
entre o gracios0 e o con{encioso, posto que a con=-
sagrasse.
Cuidou-se mais d'o Conselho de -Es-tado 'como político
do que como adm-inis-tralivo-.

.-

15
C::.~P.TULO XVII.

Necessidade do contencioso administ.oativoo-


Quem deve exercer a JUloisdiccão conten-
. ciosa admioist.·ativa? (1) ~

« A necessidade que os Publicistas tom iUS-


« tentado do juizo administrativo provém da
« iudel1endencia em que o Poder Supremo do
« Estado deve estar de outro qualquer, ou
« obrando por si directamente, ou indirecla-
« mento por meio de ~ens delegados. »
MarquEz de Olindn, na sessllo da Camara
dos Deputado& de 1 de Agosto de 1857.

o contencioso administrativo nasce da mesma na-


tureza das cousas, uma vez que a Constituição estabelece
e se basêa na divisão dos Poderes.

Porquanto o contencioso administrativo nasce neces-


sariamente das consequencias, resultados e interpre=-

(l) « 11 est devenu nécessaire d' instituer une justice administrative, qui,
oyant plus de latitude, puisse tout balancer, former nn droit miste dl's
regles du Droit public, et de celJrs du Vroit pril'é, et faire préval oir au
besoin, I'équité et I'intérêt de I'Etat, qui est I'intér~t de tous, sur les dis-
positions inflexibles et plus etroites de la législati un positive.» Locre, Du
Conseil d'Etat.
O Duque de Broglie contestou, 'em um escripto notal'cl, ,a necessidade de
uma jurisdicção administrativa. Porém o desenvolvimento da sua opinião
que ninguem adoptou, excepto Bavoux, vem por fim a admittir essa juris-
dicçãO. Póde se ver em Cbauveau, Principes de competence et de jurisdic-
tion administratives, a completa e vigorosa refutação d'aquella opinião
tambOOl refulada por Henrion de Pausay.
- '116
tação dos actos administrativos. A administração não
deixa de administrar ainda mesmo quando resolve sobre
materias contenciosas administrativas. Os actos de ju-
1;isdicção que então. exerc~e, são o complemento da acção
~dminis tru tiva.

Portalis e Hennon de Pansay, ambos primeiros PrQ-


sidentes , do Tribunal de Cassação na França, observão
que, em materia administrativ.a, traIa-se "sóbr~ttiao de
consenrar e proteger os Íl!teress&s gemes, communs e
collectivos, e qu~ se he mister- vigiar co.m cuidado para
que os interesses e direitos privados não sejão sacrifi-
€ados pela acção administrativa, não he menos neces-
sario impedir- que a acção administrativa seja pêada
na sua maroha, e sacrifi.cada ao in teresse particular.

Asgitn para não, se cahir na confl1'são e na anarchia.


he indispensavel, que os actos administrativos, isto he
que os aetos que em~'1não da autoridade administrativa
sobre assumptos administrativos, não fiquem por m~do.
algum. dependentes de outro Poder., .

A atlribuição do G'Overno·; como,Poder' ad'ministtativo,~


dê decidir cert-as questões contenciosas administraHvas,
he constitucionat, no sentido o mais lato d'essa pnlavra,
porque llão p&de haver adminis~ração, em um regimen
que sebasê'a na divisão dos poderes, estundoo Executivo
privado d~aquel1e direito .. N.as Monarchias puras não he
necessario.que.esteja bem disLincto, p0rque está confun-
dido na somma do\poder. E aInda assim, na antiga Uo-
narchia Porttlguezu,. que confundiu o contencioso admi-
nistrativo com,ojudiciario, dava-se aquelle a certos respei-
tos, posto que nuo.caraderisado como tal e discrimin~dj):f.
-117 -
:.:Não !he possivel, dada a nossa organisação politica.
sujeitar, ou tornar dependente a nossa administração
de outro Poder, em todas as questões que nascem de
regulamentos e providencias geraes, da suà irrterprelàção
e "applicação; em questões de fornecimento do Exer-
cito· e Marinha; de trabalhos e obras publicas; de
" cOhl.àbilidade do Thesouro;" de liquidação de divida
publica; e nas deriv.adas de providencias em assum'ptos
de saude publica, agricultura, artes, industria, & c.
·qúe 'podem mais ou menos ferir um direito, e sus-
citar "uma reclamação.

A Administração, a qual faz parte do Poder Executivo


constitue um poder independente, em quanto gira no
circ~lo' das "Suas altribuições. Movendo-se dentro "d' esse
circulo p6de ferir um' direito, e produz-se, como vimos,
uma questão administrativa contenciosa, uma recla-
-mação contenciosa.

" ;Ou o Poder "administrúlivo vai por dianle, sem dar


ouvido a essa reclamação, ou tem ella de ser considera-
,da, e áttendida. A reclamaçüo he um obstaculo ou nüo .

.Se não he, -torna-se o" Poder administràtivo com-


plelamente arbi~rario' e póde cerrílr os ouvidos a todas
(llS "reclamaçÕ'es, fundadas ou infundadas, sobre .seus
'actos. Isto porém não p6de ser: porque seria absur-
'd(\mente injusto.

Se porém a reclamação" da pade que allega haver


sido ferido seu direito por um aclo administrativo,
suspende e. embaraça esse nclo, vêl'·se-ba a adminis-
ka"ção cqustanLemente pêl1.da no exercicio de suas allri-
'- 118

buições, e não poderá marchar. Uma organisação· ·si-


melhante tambem seria absurda.

He necessario, diz Serrigny, que @ Poder Ex~cutivo


ache, em si mesmo, a força necessaria, para remover
os obstaculos que se oppõem á sua marcha. De outro
modo seria apenas uma metade de Poder; não se-
ria um Poder inteiro. Seria nada .

. A"sim a base inabalavel do poder que tem a adminis-


tração de julgar o contencioso administrativo, está na
indivisibilidade d' aquelle mesmo poder com a admi-
nistração (1).

o já citado Henrion de Pansay, -De I:autorité judi-


ciaire en France, apresenta o seguinte exemplo, que,
por frisante, prefiro. O Exercito está em marcha e
vai entrar em operações. Uma associação ou parti-
cular contractou com o governo o seu fornecimento.
Cumpre porém tão mal o contracto, que aos soldados
fallão as cousas as mais necessarias. O unico meio de
salvar,o Exercito c o Estado he annuHar aqueHe con-
traclo. Mas esse contracto he synallagmatico, e todos
esses contractos estão debaixo da guarda dás leis, c:ujos
orgãos são os l\lagistrados. Se porém o negocio fôr
entregue aos Tribunaes judiciaes, ás suas lentas e
solemnes fórmas, a seus· recursos ordinarios, tudo se
perderá, e quando fôr proferida sentença exequivel
não haverá mais Exercito. Que responsabilidade po-
derão ter o Governo e o General?

( I ) cc Cui jllrisdiclio dala esl, ca quo que concessa essa vidculur, sioo
qUlbu:; i urisdic tio cXlllicari Dcquit.))
L. 2.. o Dig. de i\lrisdiel.
119
, Em taes circumstancias, accrescenta Henrion de
_Pansay, he necessario para o exame e processo de simi-
lhantes nego cios um modo especial e particular, uma
especie de Tribunal, o qual, ' como o Conselho de Es-
tado, exista e viva com ' o governo, que esteja imbuido
e conheça o espirito d'este, e algumas vezes o seu
segredo, e cuja marcha rapida esteja sempre de accordo
com . o que exijão a segurança do Estado e as ne-
cessidades da sociedade.

A liquidação das dividas do Estado póde envolver


q.uestões que, dependão de apreciação judiciaria. En-
tretanto exige principalmente o exame de um sem
número de actos administrativos, que he necessario
interpretar e apreciar. Entregai-a ao POder judicial e
ao. administrativo conjunctamente, cada um na sua
parte. Dar-se-ha uma confusão e uma serie de con-
flictos inextricavel, e taes liquidações serão eternas. En-
tregai-a exclusivamen'te ao Poder judicial. Terá for-
çosamente de invadir um poder independente, de fis-
calisar, interpretar, e modificar os actos d' este, de exigir
delle esclarecimentos, de chama-lo a contas, de torna-lo
s.l3u subordinado, e de dar lugar a repetidos conflictos.

He indispensavel portanto um contencioso adminis·


trativo que aliás existe em toda a parte, e tambem
entre nós, posto que em estado de embryão.
-
He tambem indispensavel que perlença ao Poder
administrativo, que conhece melhor os motivos que
Q movêrão, ou seus agentes, as causas que determi·

nárão seus actos, e fizerão dar preferencia ao inte·


res~e socia! sobr~ ~ interess~ ou direito privado.
120.: -
. Não tem faltado· ,qaem lqueita enlr-egar.:a sb-
luÇãÓ das questões contenciosas adrniBis.h:ativas ao Po..
der judicial. Mas esse' modo (de proceder traria as 1se-;\ i
guintes coosequencias. "
f ;o Violaria o grande ·principio. da divisiíe, .d@s .Bo~, ;
deres. '
2.,0 Faria intervir o Poder judiciál na adminis.lráçã(). ,
3.~o Embaraçaria :a cada pa~so a adJninistr~çã(j).
4.° Mataria a sua responsabilidade .eml(j)h;endo: a )
mesma administração com o Poder judicial.

Nem e contencioso administrativ(j) :podecia .per:tel)cer 1


U(j) Poder judicial sem ~ue ,este administrasse,.

Se .o Foder Jud,icial ptl,desse conheoer dos .actQ~ da'


administração, :poderia anmllla,..lms, porque de ,outro
modo seria inuLil a sua :inteI1Yenção~ .podeJliu .sujeitar
o Poder EXieoutivo, .do ,qual faz Ipa~'e '8. 'mesma ,fad..
ministração, a 'uma fiscaIlsação 'geral .e 'illimitada; :te.. ,
l'i-lo de inercia: contrariar a ,cada pass'Ü 'as -saas viSi-
tas geraes,' e a sua acção, que de"e 's'er unifOI;me e
"prompta, e s6mente .sujeita aos aornecti:vos .da :i:espon~
sabilidade, dos recursos, da 'fisca1isação ,da: ,impr.t1ns8; ,
da opinião, e das Camaras Legislativas.

lNQ aonten.ci'oso administrativo a .luta ,dá-se ;entr.e ú:


interesse publico e social, eum dir~ito pnivado; el1~
tre a administração como administração e o parti·
cular ...

, O .Poder judicial he ÍnslLtuiqo para tenninar, pOfJ


meio de sentenças, .os debates enlre ,particulares. ,Lo~
go que a dj.scussão se abre .entre Al. ~dminiskaçãn
'121
como orgiio da Sociedade, e um particular, por mo-
Livo de collisüo entre o interesse geral e um direito
pl'i vado . que não pertence a ordem civil ou. penal,
cessa a competencia do Poder judicial.

Accresce que o Poder judicial não está habilitado


para bem apreciar razões de Estado, e de interesse
publico, que devem dominar n03 assumptos adminis-
trativos.

o Poder Judicial tambem he improprio para decidir


questões administrativas, porque está acostumado a
uma morosidade, a um rigor inflexivel, e a fórmas
que a mesma natureza da sua inslituição o obriga a
observar. Não julga senão pelas regras stricti juris.
Procederia com o mesmo espirito, levaria os mesmos
habitos para as questões administrativas (1) .

Tem-se õbjectado que, competindo á administraçãõ


a decisão das questões administrativas, torna-se ella
juiz e parte ao mesmo tempo, porquanto a adminis-
tração pertence ao Poder Executivo, debaixo de cuja
dependencia estão os Tribunaes adq~linistrativos .

(1) « He preciso que se saiba, diz Cormeuin , que se a perfeição dajusti ça


consiste na sua promptidão e ecouomia, eSlá a justiça administrativa mais
em via de progresso do que a jurisdicçãO civil. He preciso que se saiba que
nada lucrarião as partes em pleitear perante os Tribunaes jndiciaes, por-
que serião os processos mais longos e di spendiosos. Nada tambem lu craria
o Governo porque s~ia preciso que continuam ente chamasse a si pela
avocação, nm sem numero de questões puramente administrativas, ou po-
liticas que se misturarião por um modo quasi inextricavel , com as tbeses
-co utenciosas tornadas judiciarias. A separação dos poderes estabelecida
pela Assembléa Constituinte ficaria em breve confundida e destrnida. Mul-
plicar-se-hião infinitamente os conflictos com suas inevitaveis demoras e
escandaloso O curso da justi ça que, em taes casos, deve ser prompto para
ser emcaz, seria a cada instante illterromllido e embaraçado. Haveria con-
fusão de mnterias, lutas de jurisdicção, perigo nos julgamentos, negatil'as
inveu civeis de documentos ministeriaes , e imposibilidadcs de toda a es-
pecie. »
16
- 1'22-
.
Sem duvida que podem d"uhi resultar algu'l1sincon- :
ycnientel:i. . .

« Quid quisquc vitet, nuúquam homiui sati\;'


" Cu'utum cst in' horas . . ,
Hurat. L. 2. Ode 10.

Não serão maiores os que terão de provir de ser


privada a administração da jurisdicçãO f~ ntenciosa
administrativa? Não resulLaria d'ahi o gravissimD in-
conveniente de uma administração fraca, manca, de-
pendente, eonstantemente interrompida, e embaraçada
na sua acção (1)?

Supprimi .0 contencioso administrativo, os Tribu-


naes a:lministrativos. e tudo vir~ a pertencer ao poder
discricionario da administração. Entregai aquelle con-
tencioso ao Poder judicial e .desapparecerá a inde-
pendencia do ExecutivQ.

He aquella uma objecção, observa Foucart, que tem


mais apparencia, ,d.o que realidade.
,
Quando se diz que o Poder he juiz na sua propria
causa exprime-se uma idéa inexacta e incompleta, visto
que o Poder he juiz, porque não pódp, deixar de sê-lo,
e sob a sua responsabilidade, e de seus agentes.
Seria absurdo ser a parte juiz com responsabilidade.

Exaggera-se um inconveniente inherente á natureza


dils cousas, e parte-se necessariamente da supposição de

(1) « Ceux qui aiment le plus la liberté sé ricu se 'et devellupée, sont ce UI
qui aiJUout lo plu.; aussi uu pouyair rég uliel' eL fort. »- COl'lllcniu.
._ . 123
flue O Góverno tem interes~es contrarios aos Jos go-
vernados ; os administradores aos dos administrados.

Não levão em conta a responsabiIiJade, a censura.


a fiscalisação da opinião. dá imprensa e das Camaras, a
vigilancia e má vontade daopPQsição.

Não levão em conta as garantias que deve orrerecer


o processo administrativo, a publicidade que deve
haver; e que os recursos;que necessariamente orrerece
o contencioso aclministrativo, são levados perante homens
indepenJentes de influencias locnos. e mesmo do PoJer,
pelo seu caracter e posição, e dotados de luzes superiores,
como são os que devem compõr o Conselho de Es-
tado.

Nem a administração quando decide uma questão,


na qual está um inleresse geral - em op.posiÇão com
um direito privado, ho parte no sentido e extensão
em que o he 'o particular que litiga com outro sobre
um direito privado. não entrando então na luta nenhum
interesse geral (1).

Não se podendo contestar a existencia e necessidade


de um contencioso de natureza administrativa, tem
alguns sustentado a conveniencia da creação de Tri-
bunaes administrativos, não sujeitos ás regras slricli
y"uris que ligão o Poder judicial, e compostos de
Magistrados inamoviveis QU quasi inamoviveis. Esta
id6a porém não foi por diante e tem sido combatida

(1) L' Elat dan s l-cs contestation s dont se composc le contcnti Clll IIdmi-
ni strnlif, n'cs t point un e par ti!', rl ans ' Ie se ns ordinaire et usuel de cc U1 ol.
V il ien . Eturlr s adm inislralil'cs.
por quasi ·lodos os Dutores de Dil'eito adminislruti vo,.
porque acabaria com a administração, e crearia ~ous pó-
deres judiciaes . Outras combinações, maIS ou menos ·
engenhQsas, tem sido abandonadas apenas nascidas , 1'e- .
conhecendo-se, que ho impossivel deixar de con-
ceder ti administração a attribuiç.ão de decidir certas
questões administrativas contenciosas, e que o que
cumpre he rouear as suas decisões, de certas cautelas
e garantias, que embaracem e evitem a abuso (1 ).

Póde se restringir mais ou menos essa atlribuição,


reservar maior numero de casos ao Poder judicial,
mas não he poss.ivel entregar-lhe. a administração .

Demais na nossa organisação actual a administração


funcciona com o contencioso administrativo. O sys-
tema contrario eXlgll'la ·uma reforma radical nas nossas
instituições.

(1) Vivien, quo he in contestavelme nte nm dos primeiros esc rip to res de
Direito administrati vo, entend e qu e as questões que sus oita o con te ncioso
admini strativo constituem verdad eiros processos, e devem pOI' isso ser sub ·
mettid os a u ma jurisdicçãO, devendo perteucel' sómeute á autoridade admi-
nistr'ltim as reclama ções que dizem rcs péito ao exercicio do seu poder
rli scriciouari o. Nilo poderia cu , sem me al ongar mui to, ex pÔr as suas razões,
e a fllfut acão que se póde vêr em Chauvcuu Adolph e, Principes de compe-
tence ol dc junsdiction admini slruliycs . Tom . 3."
t::.t\.PITULO X VIII"

.Necessidade de usua. OI"ganbH.~iio adminis-


t."ativa contenciosa flue dê gn,"a.ntias. Quaes
d~viio ser?

Os inconvenientes que podem resultar de conceder


a legislação exclusivamente ao Poder administrativo,
a attribuição de decidir as questões adminislrativas
contenciosas, podem e devem ser contrabalançados
pela adopção de certas garantias .

A administl'ação deve ler agentes para a acção;


conselhos para o exame, discussão, fiscalisação, e maior
acerto; e Tribunaes administrativos para o julgamento,
dependente porém este, em certos casos, da homo-
logação do Poder Supremo .
He. mais difficii uma decisão injusta do Governo,
quando tem de ser lançada em seguimento á demons-
tração da injustiça.

O interesse dos administrados he melhor garantido


quando o agente administrativo não he o incumbido
de decidir as questões suscitadas pelos seus proprios
{tetos, embora o agente que praticou o aelo, e aquellc
- 126 -"
que conhece da reclamação, pertenção ambos á ord e~
a.dministrativa .

A aüdiencia ela parte, ele um conselho, e o exam~ de


um Tribunal administ.rativo. são garantias importantes.

Tambem o são:
Uma fórma de processo administrativo que esta-
beleça as formalidades substanciaes, para a defeza e o
descobrimento da verdade. "
A publicidade da discussão e das decisões con-
tenciosas administrali vas.
A hierarchia, os recursos e novo exame por um
Conselho ou Tribu nal administra ti vo SlJ perior.
A reunião, publicidade, e conhecimento das tr8.-
dicções e dos precedentes, ou por outra, a org~\DisaçãO
da jurisprudencia ad ministraliva.
Certo grão de independencia, ou a independencia
possivel, nos Conselhos e .Tribunaes administrativos,
especialmente nos que consultão em ultima instancia,
Qomo o Conselho de Estado.

Para garantir essa independencia. concedeu o art, "


2.° da lei n.O 23 11 de 23 de Novembro de 1841 a
vitaliciedade aos Conselheiros de Estado, podendo-os
PQr6m o Imperador dispensar d.e' suas fun cçõe~, por
tempo indefinido.

o nosso contencioso administrativo não offerece todas


essas garantias.

Entre nós não he indispensavel em materia conten-


ciosa é\. nudiencin das
. Seccões
~. ou do Conselho de Es-
1 ... 1
i)~
-

rÉú]o, nem mesmo no caso de recrii'so das uecisões dos


"Ministros de Estado. Diz o al'l. 46 do Regulamento
provisorio do Conselho de Estado n. O 124 de 5 de
Fevereiro de 1842.-Tambem terá lugar recurso das
decisões dos Ministros de Estado em maíeria conlenciosa, .
e tanto este como o do arligo antecedente, poderá ser
decidido por Decretu Imperial sem se oUrJir, ou ou vindo-se
ás respeclivas Secções ou o Cor~selho de Eslada.

Assim, enlre nós, o contencioso administrativo póde


. ser decidido pelo Poder Executivo puro, e pelo dis-
cricionario e gracioso. A distincção enlre o gracioso e
conlencioso fica por esse modo sem alcance algum, e
sujeita a um méro arbilrio (1).

o nosso processo adminislralivo he muito deficiente


c petfunclorio como veremos opportunamente.

( t) Na Frauça e em Portugal o Conselho de Estado, e na Hespanba o


c.onsejo Real, que he o mes mo, he ouvido e intervêm necessariamente para
a soluÇilo das questoes coutenciosas administ rativas.
O Decreto ele 18 de Fe"ereíro de 1 85~ sobre a ultima organisaçllo do
C.onselho de Estado em França art. 17, diz-La Section du contentieux est
chargée de diriger l'instruction écrite et de prrparer le rapport de tontes
les atraires co uten ti cuses ain si que des conllits d'atlribnitions entre I'au-
torité administl'ative et l'uutorité judiciaire. Regulamento interno do mes-
mo Conselho <le Estado, da mesma data.
O nrt. 31 do Regulam en to do Conselho de Estado de Portugal de !) d e
Jan ci ro de 1850, diz: -O Conselho de Estado delibera e propõe os Decretos
que tcm de estatuir: '
1, o Sob re os recursos interpostos das decisiies administrativas em materla
contenciosa.
2.° Sob r!' os conflictos Il e jurisdicçno e competencia entre as autoridades
admini strativa s e entre es tas c as judici adas.
3.° Sobre os recursos qu e SP. interpuzerem por incompetencia e Cl.CCSSO
de poder, de quaesquer autoridades administrativas. -
4 ° Sobre todos os ol'gocios do contencioso administrativo em geral, qu r ,
por virtude de disposiçues legislativas ou regulamentares tiverem de ser
<lircctamente submeLlidos ao Co nselho de ESlado.
5." Sob re os rcc urso~ do Tribunal do Conselho Fiscal de contas, nos casos
de illcompetencia, tl'ansgressão de formulas, ou viola(iDo de lei.
Quanto á Hespanba veja-se Colmeiro, Derecho administrativo Espanol Livro
5.0 Cal).7.0
A organisaçãO admi ni strativa o'esses paizes não admittc que os n ~oci os
conlenciosos possao ser decididos pelo Governo sem o exame c audlcncia
do Conselho de: Estado.
:- 128
A publícidade, garantia importantissima, não está
organisada e desenvolvida como na França. E de
pouco serviria uma vez que ' o Governo tem o ar-
biLrio de subtrahir as questões contenciosas e de
decidi-las .pdo meio discricionario.

As Consultas das Secções e do Conselho de Estado,


não tem a força e import:mcia que tem , por (}xem-
pIo, na França.

Não tem sido colligidos, nem se trata de colligir, as


tradições e arestos, que podem servir, como na França
servem, de regra e guia, pelo que a juri'sprudencia
administrativa contenciosa he entre nós muito arbi-:-·
traria e obscura, e apenas accessivel aos que tem en-
trada nas Secretarias, e coragem bastante para desem-
poeirar massos de papel enormes, onde tudo jaz
sepultado no pó do esquecimento.
I'

r.

~A.PITULO XIX.

Da I'esl,ollsabilidade Illinistel'ial ,no


contencioso.
, (

- Se o contencioso administrativo fosse decidido pelos


l'ribunaes administrativos, sem intervenção, e decisão
final dos Ministros, deveria a' respeito de taes nego-
cios ,eeSS/;,lr completámente a responsabilidade minis-
terial. A responsabilidade , suppõe liberdade de acção.
Ninguem póde S8i responsavel por aclos nos quaes
não .intervem, quê não pratica e não póde embaraçar.'
, "

Segundo a nossa organisação politica e administra-


tiva, nenhurp. 'acl.o administrativo que prenda e jogue
com as attrihuições do Poder Executivo e administrá-
tivo, póde .estar fóra da responsabilidade dos Ministiros,
á vista dos ' arts. 132 e 133 da ConstituiçãQ.
Quanto por6m ao contencioso administrativo he essa
responsabilidade, na maxima parte dos casos, de facto
quasi illusoriu.

Primmramente. a decisão da maior parta dos. neg@~


ci-os _contenciosos r administrativqs he verdadeiramente
uma apreciação juridica, uma sentença. Or~ (!) prinoi·
17 '
- 130-
.
pio da responsabilidé\de he de mui difficil applicação
á maior pade das apreciações juridicas, sobre tudo
em hypotheses complicadas, e de interpretação dou-
trinaI de lei. Diz·se que ha erro na apreciação, mas
esse erro póde ser commettido de boa fé; p6de ser
filho de convicçp.o; póde fundar-se em razões espe-
ciosas; p6de o' Ministro sustentar de boa fé, havendo
muitos que o acompanhem, que o erro está da parte
dos que o arguem.

Demais tendo a responsa bílidade dos ~linistros de


ser levada perante as Camaras Legislativas, são estas im-
proprias para a avaliação de interesses e direitos de
particlilares, para a solução de questões íniudas e com-
plitadas, que dependem do minucioso exame de nu-
merosos documentos; incompetentes para applicar as
leis aos factos, e reformar a decisão contenciosa. Re-
forma-la-hião por uma lei? Essa lei seria uma in-
\'asão do Poder Executivo. Por meio da approvação.
de . um parecer _de commissão? Mais flagrante, pefl-
gosa e inconstitucional seria essa invasão.

As' Cumaras Legislativas levão-se por :grandes con-


siderações deI conveniencia política. Uma ou outra
decisao errada ou injusta, em relaçãÇ> a um caso ou
direito privado, não as p6dc ou deve desviar da linha
e marcha política que adoptárão. .
l, . _

Ou os Ministros "tem. maioria nas Camaras ou não.


Se a não tem não podem ser Ministros. Se a tem, como
já observei, não he de crêr que por elIa sejão sacri-
ficados li I opposição, ~por uma simples questão sobre
um Ct\so particular. .
- 131-
Estas considerações realção as garantias que orre-
recem Tribunaes administrativos bem organisados,
ainda que consultivos, compostos de homens illustrados
e considerados; .o processo, as formulas, o exame, a
discussão, os recursos, e sobre tudo a publicidade.
Quando o exame e a discussão dos Conselhos' ou Tri-
bunaes administrativos demonstra e põe patente a
justiça do caso, ' he difficil aos ~Iinistros pronunciarem:-
se contra e11a, e impossivel escurecê-la.

Chauveau Adolphe Principes de competence et de juris>-


diction administralives, Tomo 3. ','explica tão bem,'a mel}.
ver, em que serilidú está a distribuição da justiça adminis-
trativa, collocada debaixo da responsabilidade ministerial,
que não duvido transcrever' aqui as suas palavras.
« Se a decisão de todos os casos conteneiosos, que
respeitão aos interesses do Estadq, descansassem ain ..
da sobre o simples exame das Secretarias, de modo
que fosse tudo resolvido por uma simples deci&ão 'mi-
nisterial; se não houvesse garantias algumas, de"moda
que a intenção da mesma decisão pudesse incorrer
em suspeita, a responsabilidade do Ministro seria'.apre-
sentada ás Camàras que lhe pedirião contas 'do exer-
cicio do Poder Executivo. Mas ' outra cousa ' h~
quando os Ministros dizem ou podem dizer; »
« Nós dividimos ' a acção do Poder Exeoutivo 1.°
em parte politica, sobre a qual podemos pedir pa.-
receres, na qual podemos resolver como bem se nos
afigurar; 2.' em parte administrativa:})
« 9uanto á parte administrativa, distinguimos os
actos que sómente ferem interesses, e a respeito dos
quaes sómenle permittimos ás partes o meio da pe-
tição e da supplica ' (actos de j urisdiCção gr~ciosa;
132 -
recursos graéiosos} d'aquelles outi'os a'ctos, ,mais gra-
ves, mais importantes" ([ué ent~ndcm ' cóm dÍ>Ileilos
primitivos, ou adquiridos (act0s de jurisdicção conten-
ciosa, recursos contenciosos). » , " J
. «( Pelo 'que respeita á parte politica, e ,aos 'aetos
de jurisdtcção graclosa, he a nossa ' vontude a 'regra,
:estamos promptos para responder ' a toda e qualquer
'ibterpellação, visto que a ~ossa respo~sabilidade ' est'á
essencialmente empenhad.a. »
« Pelo que toca porém aos aclos de jurisdieção con-
rendosa, todas as garantias ' orôiiiariâs são guardadas.
1\s partes são ouvidas, os debates são publicos. Uma
Teunião de homens illustradDs redige a Becisão, qtl~ 11,e
aceita por nós., As nossas intenções estão resguarda:das
de toda é qualquer incriminação, A nossa responsabili-
dade não deixa por isso de existir, PQrqíJé pérteneêndo a
decisão do contencioso ao exercício do Poder Executivo,
a nossa, assignatura deve oobril'cada u~ dos aetos d'esse
·Poder. Porém essa assignatul'a he ahi ' sómente~ uma
ficção, fic<gão feliz, e que nãg offereee perigo; porquânto
tem-se reconhecido que não existe um só pr-écédente de
'ha~er sido modificada uina decisão do -Conselho de Es-
tado, cuja sabedoria e independencia confessão ás pro-
piios :p.ovadores (1 )~}) . r)

« Mas se o Conselho de Estado, Gom cüjos pareceres


sempre nos temos conformado, se , d~sviásse '<te sua~ ,ver-
dap.eiras funcções, e s,e quizesse tornar uin 'Poder, 'Üppôr;
lhe-hiamos o veto, porquanto 'se o :p.ã? fizessemos,,: seri~­
mos responsaveis peraQte às 'Camaras, 'por não o' havel'-
mos feito. }) , ,

(1) « J'amrmerais voÍontiers qu'i1 nr a }làs 'de 'Dribunál en' Frall'êe qn i


jll~e'IIvec plus d'indépendence, .de caractere e~ de tConscience ,que le Con!
seil d' Etat. I> Cormeni ". - , '
- 133-
« E como he mlü grave, quando certos direi los estão
collocados sob a protecção de uma corporação impor-
tante e consideravel, não seguir a decisão d' essa corpo-
ração, deveriamos, para não empenharmos a nossa res-
ponsabilidade, por um aclo tão irritante, pedir ás Cama-
ras um bill de indemnidade. )} -
« Assim permanece inteiro, em seu principio e acção,
o direito absoluto (1) do Poder Executivo, ao passo que
os direitos dos individuos são protegidos por uma ins-
tituição sufficientemente independente, preservada a exis-
tencia da responsabilidade ministerial com todas as suas
consequencias. })

( I ) Absoluto aqlli n1l0 quer dizer dcspotico , e desarrazoadamcnte arbi-


trario, mas sim independente e livre.
"
llA.PITULO xx.

Do nosso contencioso adlllinlstrativo.

o nosso contencioso administrativo tem apenas alguns


vislumbres de desenvolvimento e de regularidade no
tocante aos negocios da Fazenda.

Na ~lotiarchia Portugueza absoluta, á qual vivemos


sujeitos até a independencia, não era conhecido o con-
ten~ioso administrativo de hoje. Nem era necessario.
Pela sua fórma de governo absorvia o Executivo'em si
todos os poderes, ou, para melhor dizer, havia um só.
Podia o Rei avocar as cãusas que pendião perante juizes
e'Tribunaes judiciaes, e pro.vêr como entendesse con-
veniente (1). Nem qualquer autoridade ia ou podia ir
de encontro ao que o Governo julgasse de interesse
publico. Tinha este muitos meios para a fazer embicar
no caminho que convinha, e era tão forte que não
podia ser, e não era contrariado. Erão os juizes seus

(1 ) A Constituição proscreveu esse procedimento no art. 179 ~ I!. « Será


mantida a indt!pendeucia do Poder Judicial. Nenhuma autoridade poderá
avocar as causas pendentes, sustá-las, ou fazer reviver os processos findos. »
~ 136 - '

delegados e instrumentos e niío havia divisão entre


o Poder judicial e administrativo, que jazião confun-
didos (I).

Por muito tempo foi o conhecimento das questões


enh'e a Fazenda Real e os particulares, da exclusiva
competencia' dos . Tribunaes judiciaes.

Reconhecendo porém o genio do Marquez de Pombal


(são expressões da Lei as que seguem) que - a divisão

(1) Não bc meu ptoposlto cxpÔr a organisaçiío adminIstrativa da antiga


Monarcbia Porlugueza, c que foi nossa. Lembrarei sómente, para exemplo,
algumas attribuiçües administrativas incumbidas a Juizes.
, 9s Juizes territori.aes arrecadál'ilo' impostos até 1831. Foi o lltt. 54 da
Lei de 1-1) de Novembro de 1831, que 'd eterminou que todas as arrec'adaçlles
Qe impostos, quo até então tinljilo estado a cargo dbs Juizes, territori~es,
serião desde já feitas e fiscalisadas pela Mesa de Di versus Rendas, ou por
CoIlectores Cotnmissarios. • '
Aos Corregedorcs de Comarca competia:
PromoveI' a população. Ord. L.o 1. 0 Tit. 58 Si 42.
, P'romover as obras pubHcas. Ord. L.O 1. 0 Tit. 58 § 43 ,:\,it. 66 §§ 40,
42, 44 e 53. ~Lei de 14 de Abril de 1524. Provisão de 18 de Junho
ge 1806. .
Promover a cultura das terras. Ord. L.o 1.1> Tit. 68 § 46, Tit. 60-
~ , 15, Tit. GG § 26; Tit. 65. Alvurás de 30 de Março dc 1'623, dc 29 de ~[u~Q
ae 1633, de 19 de Janeiro de 1756, de 30 de Março dc 1773, &c., &c. '
- l)roce.~I· á e~~i9ócs yarf' 'o governo ;lrtuniC'Írpa~ das terl'a-s. 0rd. L.o ~.o
Tit. 58 § 4. 0 , Tlt. 67 § .~.o . '
· Prov~I' s.obre a~ contendas dos OonseLh.os. ,Osd. 1... 1.,\> Tit. 58 Si / ~ .
'Visitar .os CusteUos e FortaLe.zas. Ord. L.o 1.0 Tit. 58. Si 13, TIt. 'U
§ /4. ' .
· P?'qv~r sobre a boa artecada~ão dos bens dps COIl.sc.1Jlos,. Org. 1. 0 1.0
Tit. 58 § 16, Til. 66 S)§ 2, 11 e 1~. •
· Ewaminm' as Posturas, Est~tutos e ReguLamento$ r~itos pelas C;am·ar~.
Ord. L.o 1.0 Tit. 58 §' 42. .
, Aos Provedóres . inç llmbi~, por exemplo, conhecer das rendas dos
Con~clhos, fazer a reparti,.liO c a cobrança das fintas, inspeccioonr os
tl9spitaes c ·~lborgaria1) &0., &c. (Nilo cito a legisla~ã(Í por ser mui nu-
merosa.) .•
, Note-se qua.o to esta systema allivi~va ' os encargos da a\!t/lrid'lIge ceo.ral
nas Provincias, os Governadores e Capitães Gcncracs. Hoje os Presidentes
(Ias Provincias, ommisso medio, c consideravelmente augmentadn a < po~ui
laç.ão e a affiuencia dos negodos, fiscalisUo e ententlem-se immcOlata e
directamente com as Camaras Municipaes. Que tarcfa não será essa, por
cxemplo, na Provincia de Minas Geraes I .
A Lei do 1.0 de Outubro dc 1828 teve por fim separar o administrativo
do judicial, quando disse no sen nrt. 65, que no que pertence ás en-
maras, e desempenho de suas a,ttribui.ÇOes, nenhuma jurisdicçao o ingerencia
teriao os Corregedores <lo . Gomarca. '
- 137-
e dilacerações das rendas separadas em muitos e
muitos differentes ramos, e em muitas e muitas diversas
Repartições, só servia de as anniquilar, evaporando-lhes
toda a força, por mais quantiosas que fossem; que a
sujeição, em que a arrecadação das mesmas rendas se
achava aos meios ordirtarios dos p1'Ocessos e delongas dos
pleitos, havia reduzido os paizes em que prevalecia tal
sy!'tema a impossibilidade physica, e por si manifesta;
que sendo todas as entradas de seus Erarios litigiosas
e.ditferidas para termos tão incertos, como o são sempre
os fins dos pleitos; e ao mesmo tempo as sahidas dos
mesmos Erarios tão promptas e etfectivas, como o são
necessariamente os pagamentos das despezas, que de
sua natureza tem tracto successivo, que não admitte
a menor suspensão, era preciso que d'essa desigualdade
resultassem no seio da mesma abundancia, mui to fre-
quentes faltas em commum prejuizo; forão extinctos
o emprego de Contador-mór, os Contos do Reino, a
Casa dos Contos, com todos os offieios e incumbencias,
e com todas as lórmas de arrecadação que n'elles se
exercitavão, e Cl'eado pela primeira lei de 22 de De·
zembro de 1761 o Thesouro Geral e Real Erario,
no qual foi cenlralisuda toda u administração de Fa-
zenda. }) .

Pela segunda lei da mesma data (2 '2 de Dezembro


de 1761) foi organisado o Conselho da Fazenda, ao
qual foi confiada toda a jurisdicção voluntaria e con-
tenciosa, em todos os requerimentos, causas, e depen-
denciQs que vertessem sobre a arrecadação das rendas
de todos os direitos e bens da Coroa, de qualquer
natureza que fossem. Esse Conselho conhe,;ia em uma
-só instancia, e tudo determinava definitivamente, sem
18
-138 -
outro reCUrso que não fosse o de Consulta a El-:-Rei, nos
casos que o mesmo Conselho achasse que erão dignos
d'isso.

A jurisdiCÇão contenciosa que tinha não era juris-


dicção contenciosa administrativa, restricla ao sentido
em que o Direito administrativo toma hoje 'essa pa-
lavra. -

, Os nossos antigos Reinicolás e leis tomavão as pa-


]avráS -jurisdiçCãO voluntaria e contenciosa - no sen-
tído em que a empregavão os Jurisconsultos Romanos.
Chamavão jllrisdicÇãO voluntaria a que se exercia sobre
objectos em que não havia contestação entre partes.
Contenciosa a que se exercia sobre objectos que as
. partes contestavão entre si.

O Direito administrativo porém, como vimos, faz as


distincções fundamentaes seguintes.
Ou os actos e objectos são da competencia adminis-
trativa ou não.
Ou os actos administrativos ferem um interesse ou
' um direito.

Sómente quando taes actos e objectos são da com-


petencia administrativa e ferem um direito, he que se
dá o contencioso administrativo.

Fica assim restricto, e de um modo compatível com


o systema constitucional e com a divisão dos Poderes,
o o contencioso administrativo. Ficão completamente se-
paradas e resguardadas as raias que separão a aulo-
o ridade ad IDÍnistrativa da judicial.

,
139
Aquella noção amplíssima de jurisdicçãO contenciosa
deduzida da jurjspruden..:ia Romana, a qual não co-
nhecia o Direito administrativo moderno, applicada a
este, sem aquellas distincções, confunde tudo (1).

(1) A lei do L. de Outubro de 1828 diz no art. 24. « As Camaras silo


corporaçOes meramente administrativas, e nilo elerceráO jurisdicçllo alguma
contenciosa . »
Que jurisdicçJo contenciosa he essa, á qual se refere essa lei? Será a
jurisdicçãO contenciosa, segundo a definiçllO \{olpana?
EntlIo di go que ullo podem aquellns corporaçlíes marchar. Como aquellc
artigo contém um preceito absoluto e nllo admitte excep~.lIo, apenas a
acçilo administrativa das Camaras Mun iciplles no exercicio de suas attri-
buíçOes sobre objectos administrativos, f'ôr contrariada e contestada, ,terlio
de parar e do recorrer á autoridade judicial.
Será a jurisdicçilo contenciosa uo sentido em que hoje a toma o Direito
administrativo? Todas as vezes que a/guem contestar o mais insignificante
acto administrativo das Colmaras l\lunicipaes, 'em negocio administrativo
de sun competencia, fundando-se, bem ou mal, çm que esse :wto fere o
seu direito, terijo as mesmas Colmaras de recuar, cruzar os braços e re-
correr ao Poder j\!dicial. FiclIo sem acçllo propria, c sómeute podol'áo
administrar por meio de demandas demoradas e dispendiosas, ainda nos
negocios os mais triviaes.
Por exemplo. O art. 41 da lei citada incumbe ás Camaras fazer repôr
no aptigo estadu os caminhos publicos, nilo consentindo de maneira alguma
que .os proprietarios dos pre4ios usurpem, tapem, estreitem ou mudem <1
seu nrbitrio as estradas.
Um inllí"iduo tapa uma estrada. A Camara manda-a repôr no nntigo
estado. Esse individuo contesta-lhe o direito de o fazer, pretendendo que
o terreno be seu, e que a decisilo da Camara fere o seu direito. O ne·
goci o lIe contencioso, e a Camara nlIo exerce jurisdi cção alguma contenciosa,
como diz a lei. O unico remedio que tem lIe o de propôr urna demanda,
Mais judiciosa ~ pro"idente era a legislaçlIo de 1603, a Ordenaçao do
Liv. L· Tit, G6 SI I J, que diz « Se os Vereadores acharem que algumas
pessoas alarçl!o os "cllados de suas herdades e com elles torna0 dos cami-
nhos e servidões dos Conselhos alguma parLe, eHes logo por si, com alllllf!l.
summario conhecimento de testemunhas, perante as partes. ou seus caseiros,
ou mordomos, sem mais putra citaç:Io de mulheres, tornaráO os caminhos
ou sel'vidGes ao ponto que d'antes cstavilo, sem appellação ou nggravo;
licando porém resguardado aos senhorios, se entenderem que 5110 aggra-
vados, poderem demandar o ConselhO sobre a propriedade ordinariamente.»
Referir-se-ha o art. 24 citado ao contencioso judiciario? Para que so
a lei nBo dá ás Camaras attrilJUiçllo alguma judiciaria, e se o art. 90 da
lTIesma lei, diz que ficilo revogadas todns as que dllo ás mesmas Camaras,
outras attribuiçOes diversas das que lhes ella dá?
O que he uma administraçllO que nllo tem llleio algum proprio de re-
. moycr os obstaculos que sllo postos aos actos que lhe incumbe a Ici?
E ainda ~r. odmirllo de Que as nossas Camaras, mesmu as zclo~as c intel-
\igentos, nada façl!o e nada possjIO fazer!
Que idéa fariAo os autore,; da lei do 1. 0 de Outubro de 18~!l do con-
tencioso administral;\'o?
As Cnmaras Municipaes da França tem seu oonLcncipso administratil'o,
como ~c póde nw no cXCjlllcntc Manual do contencioso administrativo
municipal do Visco nde de Cormenill.
CUllsf:f\'adas no estado em que estilo a3 nossas Colmaras MUllicipaes, torna·se
indis pCBsa\'el, para que sejão assim proficuas, que haja quem, com em-
eacia divina, lhes pOiS a dizer COI1)O Je~us a Lazaro morto.-To!le !/raoatum
IlltIm el ambukl.
- 140-
A jurisdicção voluntaria que tinha o Conselho da
Fazenda era relativa a habilitações, administrações e
rendas em que se devião praticar arrendamentos do~
bens, direitos que devem ser arrematados por con-
iractos, &c,

o flnado Senador Bernardo Pereira de Vasconcellos foi sem duvida d'entre


os nossos Estadistas o m ais versado em m at erias de admiOl straçllo. Com-
tudo na discussllo da lei do Consel ho de EstadQ, n u qua l, como eostum av" ,
proferio lucidos e admiraveis diseursos, prc()ccllpado, sem duvida da signi-
fiC3Cllo exclusÍ\'u que dava a anti ga juriS(lrtldencla á pnlavl"i1 - contcncioso- ,
e ' pelas dOlltrinas dos primeiros escriptores de Direito administl'nti,'O,
deCinia assim o contencioso a dmini strati vo na sessão de 12 de Julho
de 1M l.
« O Sr. Vasconcellos .••• . •• Ora qual p6de ser o objecto deste Tribunal
administrativo? Segundo o nobre Senador he resolver as questoes conten-
ciosas administrativas. Mas o que signiflca questües contenci osas? Nno
h e senno impu gnações aos aetos administratÍ\'os. Assim se expli cito vari os
autores que tem t ratado da m ateria , e en tre es tes • ••• • .•. ( nilo ouvim os
o nome, diz o taehygrapho. ) Este l'scriptor alarga-se mui to sob re o objecto,
e creio que nenh um outro tomou tanto a peito o expli car as rai as cio
admini strativo e do Pod er Judicial. Cun tencioso administrativo nilo he
ou tra cousa mais , senão cont.estações, ou decislles de contestaç(jes que hou ve
uos a etos dc pura adminisLra<;lIo. A admillistraçil o, por exemplo, resol ve
a abertlll'a d e um caminho, ali nha-o ; apparecem depois intcI ~ssado s, qu e
a \legão qu e a abertura daque ll e caminh o os prejudica, c he nestes casos
que ha de dar-se a cste T!'ibunal a autoridade de di ze r á uclministra çilo :
nllo : vós tendes decretado a abertura do caminh o por ulli , mas n6s decla-
ramos qu e o caminho não lia de ser ab erto por alli, mas sim por aqui •...
He a,ioma de direito segund o a minha lemb l'an ça,-jur 'isdict'io vo<unta ria
Imnsit in contentiosam i nterventu jusl'i adve r§l~ri i,- Ora desle axioma se
conclue que a jurisdicçlio con tencio sa he a muiGr parte das vezes a mes ma
Yolun tnrla , quaudo os actos da administração pura e yolulltaria são con-
trariados ; quando apparece m terceiros qu e a impugnllo, . esses actos passão
a ser debatidos, c eis a administração pura passando a ser conten ciosa. "
Na sessllo de 15 de Sete mbro de 184 t dizia o mesmo ;lInstre Estadista.
« O principal trabalho do Consclho de Estado consiste no qne se chama-cou-
tencioso da adminis trução-, e isto nllo tem lugal' senllo quando o acto vo-
luntario da administrpçllu he contrariado. Sem que isto aconteça, raras
vezes será chamado o Gonselho de Estado; he s6 quando os actos da admi-
nistl'açllo encontrllo opposiçao d() interesse particutar, que o Conselho de
Estadu he ouvido.))
Na sesslIo de 2 de Outubro do mesmo anno, mencionava o mesmo iIIns-
trado Senador a idéa de direito, mas ainda o confunde com o inter esse.
Diz elle « Quando porém esse acto assim expedido pelo Governo ache op-
' posiçilO fi O i nteresse particutar~ no direito dos particulares, que se considera0
lesados pela decisao ministerial, /lpparece então o Conselho de Estado a
examinar o contencioso. A regra do Direito administ.rutivo he que os ne-
gocios da alçada da administraçilo activa que forem decididos pelo Ministeri o
se tornão contenciosos, quando são contrariados pelos direitos particulares.
Eu já aqui citei o axioma de Direito-Jurisdiclio voluntaria in conte)},-
tiosam transit, i ntervlI1ttu jtlsti adversarii ,-Esta regra s6 he excepçáo dos
negocios que se podem qnalificar por technicos do ~ove\'no, ou dos negocios
que 11 politica obriga a classificar entre os deliberatiVos, ainda que de sua
natureza seJão contenciosos, como, por exemplo, as presas. Parece que poderia
aqui com este mesmo autor, mostrar que 11 minba opinillo t em, ao menos,
- 141
A jurisdicção contenciosa que tinha aquelle tribunal
dizia respeito á divida activa, ou á cobrança e arrecada~,ão
da renda do Estado. O que dizia respeito á di vida passiva
llCOU pertencendo aos Tribunaes puramente judiciaes,
embora fossem privilegiados, ou ·privativos da Fazenda.

por si a legislaçllo (le algum paiz. Diz elle-« Em materias coutenciosas,


o Conselho conhece dos recursos interpostos das decis(íes rriinisteriaes. })
Esta con fn são he aqn ella mesma que se encontra em quasi todos os antores
que escre\'êrão até essa época, e por ella sé pódé avaliar quanto he defectiva
11 OI'ganisação do nosso Conselho de Estado. Cumpre notar que os ad \"er-
sarios do illustre Estadista nITo contrariárão na discussllo essas -doutrinas.
Nüo disserilo sobre ellas palavra. O uni co que so occupou de nssumpto
tllo importante, dessa base principal e que chamou sobre elln a discussllo,
foi o Sr. B. P. de Vasconcellos.
Essa hléa do contenciosil administrativo confunde os interesses e os di-
reitos, (l o grac.ioso com o contencioso. Se sujeitarmos sein distincç30
alguma ao contencioso, ao seu processo e formalidades o que he gracioso,
s6mente pelo facto de apparccer reclamação, empecel'emos extraol'dinaria-
mente a marcha da administraçllo.
A applicação ao direito administrativo da distincçao que fazia o Direito
Romano (I-leineccius Elementa juris secnndum ordinem Paudectarum L,
2.° Tit. 1.°) eutre jllrisdicção voluntaria e contenciosa, adoptada por Hcnrioll
de Pansay, e por Macarel, Des Tribunaux administratifs, não· prevalece para
fixar o contencioso, e tem sido abandonada.
Não basta que haja contestaçãO para que a materia seja contenciosa admi-
nistrativa, como demonstra perfeitamente Chauveau Adolphe; Principes de
Competence et de jurisdi ction administratives, H~ um erro suppOr que o
gracioso e voluntario se pó de tornar contencioso sómente pela reclamaç3.o.
Uma matcria he graciosa ou voluntaria, em si mesmo. He lambem de si
mesmo contenciosa. '
Se o acto administrativo he gracioso, sómente fere interesses, e emana
de um poder discricionario, pelo que nunca põde dar lugar ao contencioso. Se
fere direitos, o assumpto he contencioso, e a parte tem direito aos meios
e recursos contenciosos . Nfio usa delles ·? Convém no acto administrativo?
Dá-se o-dlwmm ill ide!n p!acitum conscnsus.-He o. mesmo que um cou-
traclo, e não ha gracioso nem contencioso .
Nilo tem portanto applicação ao direito administrativo a regra-Jurisdictio
vohmtaria transit in coutcntiosal1l illterventu justi ad·vcrsarii,
Trata-se de uma conccss3.o de terrenos ou minas pelo Governo, cm I"ir-
tu de de autorisllc3.o legislativa. Assumpto de jurisdicçllo graciosa. A admi-
nistraç,üo indcfCl·à o postulante. Nnl) tcm lugar o recurso contencioso da
denegação dI) terreno ou minll pedida.
A ad'!1inistração concede, A parte adquiri0 direito pela concessão, -,\
administração ullllulla ou retira a concessfio feita, O negocio he entM
contencioso por si mesmo, ex vi do direito adquirido pela concessão. Nno
he negocio voluntario ou gracioso tornado contencioso. A concessãO e o
direito adquirido por meio della constituem desde logo o negocio COIl-
tencíoso.
A simples reclamação nunca p6de tornar contenciosa uma materia que he
graciosa .
Estes assumptos não estavão em 1841 tão esclarecidos, romo o forão pos-
teriormente, e inOuio muito essa circumstancia para as imperfeiçOes da lei
c regulamento do nosso Conselho de Estado, imperfeicúes que nuo se CIlCOIl-
tl'!10 nos actll~es ·da França, Hespanha e Portugal! orsanis"dos ou reorsa-
Dlsados postenormen tc. .
- 142 -:
Permaneceu es~~ organi~aç.ã,o no :Sra~il depo~s <le pro-
clamada a Independencia, até a. lei de 4 de Outubro d,e
1831 a qual organisou o ThesOQfo Puphco Nacional ~
dispÔz no art'. 91- que a jurisdic~,ão contençiosa que
exercitava .o extincto Conselho da Fazenqa ficaria per..
tencendo aos Juizes territoriaes, com recurso para a
. .
-H.elacão do Dislricto.

Pelo art. 6." § 8 .. da mesma lei passou para o Tribunal


do Thesouro toda a jurisdicção yoluntaria, que exercià
o dito extincto Conselho dq Fazenda.

Por eS~a maneira retrogradámo~ para 9s tempos ante-


rior~s á lei de 22 de Dezembro de 1761. Ohra de pro-
gressistas. Que progresso I Exceptuados os negocios inti-
tulados de jurisclicção voluntaria, pela nova lei do
Thesouro fica vão c(mhecendo exclusivalllenle de todas as
questões da Fazenda os Tribunaes judiciaes, extincto o
fôro privativo que d/antes tinhão. Não havia então conten ..
cioso algum administrativo para os negocios de l{azenda.

~1aisum exemplo do espirito nivelador dos tempos que


precedêrão e seguirão o 7 de Abril, e que sómente se
preoccupava dos interesses e direitos do individuo, não
dos da sociedade, e que embellezado nas lheorias sobre
a independençia do Poder judicial, que aliás violava,
não via fóra delle nem garantias nem justiça.

Assumptos de natureza contenciosa administrativa


erão levados ao Poder Judicial, e este, até porque não
linha outras, os decidia segundo as regras e doutrinas,
pelas quaes resolvia os casos ordinarios, seeundwn aela et
probatu, unicamente.
- U3_ o

D'ahi tesultávão' décísôes que verificavão ú summurn


o jus summa injuf'ia, e <lue não podéndo levar em conta
consideràçôes de convéniencia e interesse publico, erão,
por aquelles que não cútlhecÍãO OU abstrahião do direito
stricto, havidas como hostis á nova ordem de cousas, e
como óbstaculos póstos á administração.

D' ahi nascêtãó tantas, tão considei'aVeis e iaes con-


demnaçôes dà Ftlztmda Publica (1) que li Assembléa Gerál
eI1~ét1deu, pára fazer parar a torteI1le, dever ad~ptar
contra o Poder judicial, ao qual cdhtradictorÍaméIlte
entregava todo o contencioso administrativo, a di.sposiçãO
do art. 31 da Gartá d'e Lei d'e ~4 lTh Outtibtó de 1832, o
qual dii àssim '- Nãcr será inscrl}:Jtá, nem: pága dividá
alguma que respeite a petda dé particulares por motivo
de guerra interna e e.xterna, sem auto tis ação da Assem-
bléa Geral (~).

(1) o mesmo aconteceu D'lI Fraú,a, No aDl~ o 8,0 ' da Republica Francl'za,
o COriselheil'o tle Estado RocdCl'cr, expondo, como ol'âdor do Goyerno pe-
rante o Corpo Legislativo, os principios da nOVa orgallisação administratiYa~
dizia: « Sous le régime qui a pl'ecédé la Hcyolution une grande parti c dll
contentieux de I'administrafion etait porté devant les Tribuuallx, qui s'élaient
fait uh j:)sprit contraire a l'intél'êt du Trésor public, Leur partialité deter-
mina l'Assemblée Conslituante à rennir le contentieuI ,de I'administration
avec I'aaministration elle même, &c, &c, ))

(2) Dumesnil Traité de la legislation specinle du Trésor publie en ma·


ticre contencieuse ~ 85 estabelece a seguinte distiricção: /( Dàns I'exercice
iles dl'oits dés créanciers de l'État, iI faut distingner la faculté qu'i1s ont
d'obtenir eontre le Trésor public une condamnatioh en justice, et les actes
(J,ni ont pour bul de meltre leur titre a exccution, Pour I'obtention du
Litro, iI est hol's .de doute que lout créancier d'une somme peut s'adresser
aux. 'fribunaux, clnns tous les cas qni ne 60nt pas spécialement attribués a
I'a.dminislrlltion; mais pour obtenir un payemellt fotcé, le crélIncier de
FEtal ne penl jamais s'adresser qu'a I'administration , CeUe dibtinction,
cónstàmmcnt suivie par le Conseil d'État, est fondée SUl' ce que d'nne
pnrt les ordonnateuors ou payeurs des dépenses de I'État Dl'! peuI'ent faire
ilUcunes dépeuscl;, sãns y Mre autorisés; ode 1'1Intre que l'État l1'a que la
disposition dcs funds, qni Ini 80nt attribués par le budget et qlli ont tOllS
une destiu atioll dent I'ordrc ne peut être inten-el'ti.» Isto he que be regu-
lar, e dilfere ruuilo do artigo acima citado.
O RI'L. 2,0 Si 10 do Decreto n, 136 de 20 de Novembro de 11150, in cul\1-
bio ao Tribunal do TilCSOllrO - deliberar s<fbre o pagamento das dividas pai-
Si"8S do Tlresonro, e sua ibscripção no grande Ii\'ro da Divida PubliCá.
_ -" 144-
Esta· disp0siçãO era um atteI1tado contr.a o Poder judi-
cial, cuja independencia violava abertamente, arro-
gando-se o Legislativo a facu~dade de revêr e inutilis.ar
decisões soberanas e independentes.

Em lugar de reconhecer-se a impropriedade do Poder


judici"aI para decidir certas questões, de sujeita-las ao
contencÍoso administrativo rodeado de certas garantias e
formalidades, mais sujeito á fiscalisação das Camaras,
procurava-se o remedio na violação flagrante da inde-
pendencia de outro Poder!

Entretanto anteriormente á lei citada de .&. de Outubro,


a de 27 de Agosto de 1880, nos arts. 7.° e 8.° havia de-
terminado que as reclamações que competião tanto aos
collectores como aos colIectados contra o lançan1ento da
Decima (contencioso administrativo) serião feitas perante
o J~izo de Paz, e decididas por arbitros, dando-se recurso
dos arbitramentos, nesta Provincia para o Thesouro, c
nas outras para as juntas ou administrações de Fazenda,
e o Decreto de 7 de Outubro do mesmo anno tinha re-
gulado a fórma desse processo administrativo. Por certo
que não erão esses negocios de natureza voluntaria,
. r
- Os Decretos de 28 de Janeiro de 1832 art. l1, de 3.1 de
. .
Marco do mesmo anno art. 11, de 28 de Marco de 1833
art. 18, estenderão aquelle modo de proGeder ás imposi-
ções sobre as casas de leilão e de modas, á eobrançados
dizimos e ás apprehensões de generos feitas pelos con-
ferentes nas Mesas de administração das diversas· rendas.

Embora esse modo de proceder (depois abando.;


nado) fosse de feituosissimo , porque collocava as ne-
- 145 .......

partições de Fazenda na d~pendencia de Juizes de Paz,


e de arbitros, muitas vezes hostis aos interesses Jls-
eaes (I), comtudo, porque a final dava recurso para
a mesma Fazenda, era de natureza adminis~rativo.
E como as reclamações não podião deixar de ser fun-
dadas em um direito, era de natureza contenciosà admi-
nistrativa, aquelle mesmo procedimento.

Foi esse o primeiro ehfesado e illegal ensàio do


contencioso administrativo entre nós.

Illegal, porque de certo não crâo os Decretos acima


citados, conformes' com o aTt. 91 dá lei que creára
o Thesouro Publico, a qual, corrio vimos, pass-áva: toda:
a jurisdicção contenciosa exercida pelo Conselho da
Fazenda ,p ara os Juizes. territoriaes, com recurso para
as Helações.

Foi portanto necessario que a Provisão de 24 de Ou-


tubro de 1834, viesse salvar para as' Repàrtições de
Fazenda aquelle pobresinho rachitico contenciosa que
acabo de mencionar,. declarando':

Que a disposição do art. 91 da lei de 4 de Outubro de


1831, não obstava á execução e cumprimento da -lei de 27
de Agosto de 1830, art. 7.°; do Regulamento de 7 de
Outubro de 1831 art. 15; dos' de 28~ de laneil"O de 1832
art. 11; ne 13 dê N'1arço do mésn1o' anno a'rt. 11; de 28'

(1) Pela citada lei de 27 de Agosto de 1830 e Decre(o de 7 d'e Outubro


de 1831 erao os Collectores e Escrivnes da decima, nas cidades onde nao
)lavia juntas, ou administrações de Fazenda, e nas Villas, nomeados sobre
propo.sta das Camaras Municipaes em listas triplice~ . Era o tempo da ma-
nia das listas tfipliees apresentadas pelas- €amaras Mnnicipaesf• Mania igual
houve em França em cert'O tempo, e depois ~e ahi a abandonárno pelos
seus resultados, passou pará nós. Aindà bem que já nos' desenganamos.
19
- 146-
de M.aio de 1833 art. 18: e de outros, em que se tem com':'
mettido á definitiva decisão do Thesouro, e das Thesourarias
Pl'ovinciaes as reclamações dos Collectores das reudas nacio-
naes, e dos collectados; porque a citada lei de 4 de Outubro
que tinha organisado o Tribunal do Thesouro e as Thesou-
rarias, confol'mando-se com o que está expresso no art. 170
da Constituição, attribuio a este Tribun.al e mais Repartições
fiscaes, com a denominação de jurisdicção voluntaria, o que
be relativo ao contencioso administrativo que d'antes era exer-
citado .pelo Erario, e, na maior parte, pelo Tribunal do Con-
selho da Fazenda, na fórrna da lei de 22 de Dezembro de
1761, e vem a ser tudo o que versa sobre a inlelligcncia ~
cumprimento das leis da Fazenda, e o que diz respeito á re-
ceita c despeza nacionaes, . arrecadação e contabilidade das
rendas publicas, sobre a Hquida-ção c ajustamento de contas
do Thesouro Publico com seus respon?aveis, e sobre a fixação
das respectivas quotas de direitos e impostos que devem sa-
tisfazer os contribuintes e collectados; e declarou pertencer
aos Juizes territoriaes com recurso para as Relações o conten-
cioso judiqiario, comprehendido na especial denominação de
jurisdicção contenciosa.

Finalmente, concluia a mencionad~ Provisão declarando


de jurisdicçãO volunlaria ou simplesmente administrali va,
a decisão definitiva do Thesouro e Thesollrarias de Fa-
zenda sobre os recursos dos Collectores e coUectados, para
fix~r a quota de quaesquer direitos ou contribuições.

He em verdade noLavel prevalecer assim li jurisdicção


creada pela lei de 27 de Agosto de 1830, e Regula-
mentos citadf>s, pelo unico curioso fundamento de que
essa mesma jurisdicçãO, evidentemente de natureza (,On-
lcnciosa, era volunlaria I

Não havia porém outro meio de salva-la, á vista


da generalidade do art. 91 da lei de 4 de. Outubro.
147 -

Não podião continuar as cousa.s no -estado em que


estavão sem grave ,jactura da Fazenda.

A experiencia de 10 annos mostrou a necessidade-


de restaurar õ Juizo privativo dos feitos da Fazenda r
e com effeito foi restabelecido pela lei de 29 de NovembrO'
de 1841, pura as causas cíveis, expressões que exduem
as questões administrativas,.

o brt. 79 do Decreto TI. 736 de 20 de Novembro de


O

1850, o qual, por bem da autorisação concedida pela lei


fi.O 563 de 4 de Junho do mesmo anno, reformou ()
.Thesouro Publico Nacional, e llS Thesourari3s das p'ro-
vincias, m'andou observar ' no prúcesso executivo- pelas
dividas , activas da Fazenda Nacional, no que fossem
applicaveis, as, assim restauradas, disposiçÕes do Titulo
3. o da lei de 22 de Dezembro de 1761, que creára·
Q extincto Conselho da Fazenda ~

Essa lei ordena:-


Que em todas .
. as causas de execucões da 'Fazenda Pu-
~lica se proceda verbal e mercantilmente', de plano e pela
verdade sabida.
Que com as contas correntes extrahidas do ThesoufO'
entre sempre a Fazen.da com a sua intenção, fundada·
e liquidada: .
. Este fundamento e liquidação' são portanto mera-
mente administrativos. A execução he que he do con-
tencioso judici~rio.
. He tãú indispensavel na administração o contenciosO'
administrativo que força foi ir alargando e desenvol-
vendo o embryão que acima descrevi.
- 148
Pelo arl. 51 da lei de 18 . de Outubro de JR45 foi
determinado que os documentos comprobatol'ios das
dividas militares provenientes de vendas de generos
c foroeGimentos á Tropa, fosse~ apresentados ás Es-
tações fiscaes, dentro de um anuo da data do con-
tracto, e que a sua liqu,ida~:ão se fizesse administrali-.
vamcntc, com recúrso para o Conselho de Estado.
Este assumpto portanto passou do coutem:ioso j u-
diciQ~ para . o administrativo.

Todas as out.ras dividas passivas do Thesouro ficárão


sendo exigiveis pelo contencioso judicial (1).

(1) « li est de principe, diz DumesniJ, Traité de la législation speciale du


Trésor public en matiere con\entieuse, que ·Ie&. Tribunaux ne peuvent con-
naitre des Ilctions qui tendent a fl\.ire. t1eclarer I'Etat debiteur; ce principe
resulte de I'article 13 Tit~e 2, de la loi du 24 Aout 1790, qui établit en
régle générale que -Ies fonctions judiciaires sont distinctes et demeureront
toujours separées des fon,ctions administrativl's-et de la loi du 16 frnctidor
an 3, qui fait defenses itératives aux Tribunaux de connaitre des acles d'ad-
ministration, de quelque espéce qu'i1s soient, aux peines de droit. Ce prin-
cipe a été expliqué par 1'lIrreté du Directoir.e executif du 2 germinai au 5.»
Dumesnil transcreve essa decisllo motivada.
Com relaçllo a esse assumpto e ao Brasil faz a Consulta da Serção de
Fazenda do Conselho de Estado de 22 de Abril de 1856, Rehitor o Sr. Vis·
conde, hoje Marquez de Abrantes, as seguintes observaçoes:
" Longe está n Secçno de contestar a sabedoria da legislação . fiscal da
França, e a solidez das doutrinas de nrios expositores' do Direito adminis-
trativo Francez, mas acredita que em quanto as nossas circumstancias forr.m
°
diO'erentes das daquelle paiz, 0110 podemo~ admittir ~rineipio do seu Co-
digo administrativo, e as opiniOes de seus Publicistas.. »
" AIIi se acha estabplecido ha 60 annos, e tem sido organisado e melho-
rado por I'8ria.s leis, um juizo administrativo "oluntario e contencioso, com
attribuições mais ou menos definidas, com processos e instancins proprias
e distinctas dos Tdbunaes de Justiça."
« Aqui porém em ,'ez d'isso, ainda nos achamos no difficil trabalho dessa
Qrganisllçllo, tanto assim que, á excepçllo de varias disposiçOes incompletas
dos Regulamentos das Alfaudegas, Consulados e Recebedorias, a respeito de
contrabandos e tomadias; do contencioso das RepartiçOes Fi~caes nos limites
tio Titulo 3.° da Lei de 22 de Dezembro de 1761 , e do art. 51 da lei de
18 de Outubro de 1845. e das attribuiçoes conferidas modernamente ao Con-
selho de Estado sobre presas e indemnisaçOes. conOictos entre as autoridades
e abusos do Poder Ecclesiastico, quasi nada mais ha que dê fé entre nós
de um juizo administrativo regular.»
(( Em França as leis nao permittem que os Tribunaes de Justiça possiIo
conhecer das causas que envqlvllo interesses. da ordem u.dmiuistrativa, ou
versem sobre questões relativas ao dominio ou · proprios do Estado, ás eon-
tribuições, e conta,bilidade publicas, ás dhidas em geral, &c. Entre nés,
como já se demonstrou, os Juizes e Tribunaes de Justiça pela legislaçóio
ainda existente, podem conhecer das cansas da Fazenda, salva a Itmitaçllo
já notada das leis de ~2 de Dezembro e 18 de Outubro.»
- 149

o Decreto n: 73G ue 20 de Novembro de 1850


cilado, que reformou o Thesouro Publico Nacional,
regulou com algum desenvolvimenLo, e alargou o
conteucioso administrativo do mesmo Thesouro (1).

o Decreto de22 de Novembro de 1851, o qual tambem


por virtude da autorisação eoncedida pela lei n.O 563 de
.& de Julho de 1850, deu Regulamento ás Thesourarias
de Fazenda, regulou iguálmente, com algum desenvol-
vimento, e alargou o seu contencioso 'administrativo.

Por esses Regulamentos forão conferidas a essas Re-


partições attribuições que envolvem contencioso admi-
nistraliv,o, como por exemplo:
Julgar os recursos interpostos das Repar,lições fiscaes.
Determ~nar a prisão e sequestro dos que não apre-
sentarem contas. •
, Impôr multas nos casos , em que as leis e regula-
mentos lhes conferem essa attribui~ão, & c. (2).

o Decreto n. 2. ::143 de 29 de Janeiro de 1859,


O

o qual, ail'lda por virtude da auLorisação concedida


pela lei 11.° 563 de " de Julho de 1850, fez diversas
alterações nos Decretos n.O 736 de 20 de Novembro
de 1850, e 870 de 22 de Novembro de 1851, e alargou

(1) Note-se que esse Decreto n1l0 se serve ainda da denominoção - con-
tencioso adminislrativo.-O seu Capitulo 6.° organisa a Directoria Geral do
contencioso, porém ahi essa palllvra - contencioso -refere-se' ao judiciario,
Clomo mostra0 as do art. 24-promover e dirigir a cobrança da mesma di-
vida em todo o Imperio, por meio do Juizo dos Feitos na Côrte e Provin-
cias.
(2) Tr.,to aqui destes assumptos em geral, e aponto esses e outros casos
exemplificativolllente. A Illlumeraç30 completa dessas attribuiçúes a sua
dassificaçilo, desellvolvimento, o processo, &c., &c., fkllo reservados pm'a o
olltro trahalho, mais posiLivo que tenho entre maos, (' que será o comple-
mento deste.
- 150-
e desenvolveu ainda mais o contencioso adminislra-
tivo da Fazenda, dispondo:

_« Que além das altribuiçõcs conferidas ao ~finistrcy


e Secretario de Estado dos Negocias da Fazenda, Chefe .
Superior da administração de l"azenda em to.do o Im-
perio, pelas leis, regulamentos e ' instrucções, e das
definidas no art. 5.° do Decreto n" 736 de 20 de
Novemhro de 1850, lhe competissem tambem exclusiva-o
mente as seguintes:
1. o Conhecer, quer em primeira instancia, quer em gráo
de recurso, das reclamações sobre Q conlcnc·ioso adminis-
trativo da Fazenda Nacional, salvo nos casos, em que
o Tribunal do Thesou1'o tem voto deliberativo.
2. Conhecer das questões que versarem sobre o
0

cumprimento, interpretação, validade, rescisão e effeilos


das fianças e dos con lmctos celebrados com a admi-
nistração da Fazenda, que tenhão por objecto quaesquer
rendas, ·obras ou serviços publicos, a cargo da mesma
administraeão. . .
3.· Applicar as leis' e disp9sições concernentes á pres-
crlpção quinquennal ou annual, ás reclamações contra o
Estado por dividas passivas, seja qual fóI' a natu-
reza do titulo em que se fundarem, e tambem a pres-
cripçi'ío 'dos quarenta annos quanto ás dividas activas do
Estado (1).

(I) Dumesoil, no já citaclo- Trai'é de la legislation speciale du Tréso r


public cn maticre contClltieuse, res ume assim as attribuiçücs contencios.ls
do l\linistro das fin anças cm França.
cc Pour naus en tcnir aux attribllitions specialcs Que le Ministre eles fi_ o
nauces possede co mmc charge de la defense eles droits du trésor nOlls
nous bornerons a dirc quc cc lIIiuistre est competeot pour statuer par la yoie
cou tculicusc. 1. SU l' toules les ré clamatioo~ qui auraicnt pour objet
dé con~tilupr l'Elat delJitcur d' uoe sommc, et par cxelOple SUl' la liqllida-
lIoo de tOlltes crcanccs portan t sur ('excrcice courant de sou Ministcre, et
• SUl' Ics cxercices dus cl llon périmés ues aulres d:õpartemcnts mi nisle ricls i
L51 -
Declarou mais o mesmo Decreto (llrt. 2.") que nos
casos em que a deliberação pertence ao Ministro da
Fazenda, he tambem elle competente para decidir os
recursos que pelas leis e regulamentos em vigor podem
ser ·interpostos das decisões das Thesourarias de Fazen-
da, e dos chefes das Repartições Fiscaes da Côrte ' e
Provincia do Rio de Janeiro .

Além d'isso o mesmo Decreto no capitulo 5:- Da


administração da Fazenda nas Províncias - lam-
bem alargou e desenvolveu mais o contencioso admi-
nislrativo das Thcsourarias de Fazenda nas Pro-
vmClas.

Fixou por modo mais conveniente os casos em que


o Tribunal do Thesouro, como Tribunal adminislra-

2. Sur la Iiquidation des pensions a la charge soit dcs fonds generaux de


I'Etnt, soit des caisses de retenues, en cc qui concerne les diverges admi-
nistrations financiCres; 3. Sur I'application des déchénnces et prescriptions
purticuliCres établies au profit de I'Etat, pour toutes les anciennes detLes et
eréances qui n'auraient pus été liquidées, ordonnancées et payées duns les
dclais prescrits par les lois et re~lements; 4. Sur la fixatiou des décomptc5
des prix des biens nationaux SI aucuns etaient alienés e sur la fixation
defini tive des sommes a payer par les detenteurs actuels, pour être declarés
proprietnires incommutables des anciens domaines engagés, conformement
à la loi du 14 ventôse an 1; 5. Sur la fixation provisoire des debéts de
tous les comptables de denicrs publics; 6. Sllr la delivrance aux uynnt
droit des certificnts d'inscription des diverses especes de rentes de la dette
publique et sur la delivrance des bons du tresor, et autres valeurs de 14
dette flottante, ainsi que sur la delivrancc aux parties prenantes de man-
dnts et ordonnances de payernent qui se rattachent· nUI divers services de
la trésorerie, et du mouvement général dt's fonds . l)
« En outre, comme chef et administrateur supreme des produits et re-
venus publics le Ministre des finançes est invesj.i du droit de statuer, au
contentijilux, sur une Coule de contestations, qui peuvent s'ólever enlre les
pnrticuliers et les diverses administrations annexes au ministere des finallces. l)
« Si 46. 11 est a remarquer que le Ministre dcs finances, n'a pas plus Que
ses collegues, le droit de réformer Ics décisions, ou arrctés des autorités
lliérarchiquement inférieures, si les lois 00 réglements ont dooné a ces
autorités le pouvoir de rendre sur la matiere des décisions eootcntieuses,
soumises directement en appel au Consei! d'Etat. Tels sont, par exemple,
les arrctés des Cooseils de Prefecture, rendues en malil~re de contribuitions
directes. "
« Si 41. Mais d'une par!, le 1I1inistre des finances pellt appeller de ces
décislOos devant le Consei! d'Etat, si le trésor est intcressé dans l'instance
et que ·Ies délnis du pourvoi ne soicnt pus expirés.l) _
15:2
tivo, tem . voto deliberativo, e aquelles em que he .
corpo meramente consultivo (I).

Alargou as altribuiçõt:'.s do Conselho de Estado, alar-


gando o contencioso administrativo e creando novos
recursos.

Finalmente declarou que as decisões dos Chefes das


Repartições de l"azenda, do Tribunal do T~esouro~ e
do Ministro da Fazenda, nas materias de sua compe-
tencia de nalureza contenciosa, teriáo a autoridade
c a força de Sentença dos Tribunaes de Justiça (2).

Á jurisdicçãO administrativa contenciosa, c respectivos


recursos dos Inspectores das Alfandegas e Adminis-
tradores de nesas de Rendas, estão hoje refundidos'
e fixados nos Titulos 8: e 9.° do novissimo Regula-
mento d' essas Hepartições de 19 de Setembro·de 18(}O (3) .

A" dos Administradores das Recebedorias, das Mesas


de Rendas (relativamente a certos impostos) e a dos
Collectores, ~tá estabelecida nos divers'Os Decretos,
regulamentos e ordens, que regulárão a arrecadação'
e fiscalisação de cada uma das renda's á cargo d'essaS"
Reparti~ões. Aquelle contencioso adminislrativo não

(1) A Resoluçlto fmperial de 17 de Maio de 185f, tomada sobre coímittá


da Secç~o de FazeD!la do Conselho de Esfado' de 15 de' Maio do mesmo
anno, Relator o Sr. Visconde de Albuquerque, declarou que nlIo ha recurso pará
o Conselho de Estado, do Tribunal do Thesouro nos caso! em · que' este
tem voto deliberativo. Vide Ordem n.O 136 de' 8 de Maio de 1857.
(2) He identica a disposiçllO' do al't •. 51 do Regulamento do Conselho
de Estado; n.O !2( . de 5 de Fevereiro de 1842.
(3) Aponto aqui s6mente fontes principaes. NlIó he este o lugar proprro
para reunir todas as fontes de 11m contencioso cspnlhad9 por muifas leisl
regulamentos e ordens, ~rqne a sua elposiçlIO ' e cFa'ssilical,lllO seria ,"~i
tonga-. Reservo, como já disse, essa tarefa parn lugar mais' tomp~left'te. PaTa
o fim que aqui tenho em vista, basta-me dlli" uma idéil geral.
- 153

está cOlligiu@, mas sim espalhado por todos aqúelles


regulamentos e em grande numero de ordens do The-
souro, relativas ao processo administrativo, aos recursos,
e ás, duvidas qu~ se tem levantadp.

A base ' que o nossQ contencioso administrativo de


Fazenda e das outras Repartições te01 em legislação
directamente emanada do Corpo legislativo he insigni-,
ficantissima. O contencioso administrativo que temos
resulta, senão todo, quasi todo de regulamentos do
Governo, feitos em virtude de ll11torisações do Corpo
legislativo, '0 qual nem ;equer deu para isso as bases
convenientes.

Em virtude de autorisação do Corpo legislativo digo


eu, e com efl'eito essa autorisação era indispensavel.
O Governo não Pt>de, por virtude da simples facul-
dade, que lhe confere o art. 10:2 § 12 da Constituição,
de expedir Decretos, instrucções e regulamentos adequa-
dos para a boa execução das leis, crear jurisdicções,
nem alterar as existentes creadas por lei.

O contencioso administrativo da França foi crendo


por leis, que estabelecêrão e fixárão as largas bases,
em que assenLão o seu posterior desenvolvimento, e
os consideraveis melhoramentos que depois recebeu.
Taes forão as leis de 22 de Dezembro de 1789. de
24 de Agosto e 11 de Setémbro de 1790, de 22 fri-
maire, e 28 pluviose do anno 8: da Republica.

O contencioso administrativo que temos nasceu prin-


cipalmente: 1. Do art. 8. da lei que creou o Con-
0 0

selho dê Estado, e que aulorisou o Governo ' a de-


20
..... 154 =-
terminár em regulaniéntos qúatlta fossé netessário patâ
a boa éxééüçáó d'essa lei; aútórisãçaõ a qual &V1deríte M

mente éómprebende níàis; e' issO' mesmó se 11lóska da


sua larga discussãd no Senado, do que a simples e ordi'"
~aria, conferida pelo art. 102 § 12 da Constituição.
2. o Da vaga e generafissi.ma aútótisaçãO' concedida ao
Governo pela lei n.O 563 de " de Julho de t856,. para
reformá r ó ThesO'uro PublicO'., e as Thesour'anas da~
provincias. 3. De oull;as iguaes e div~rsas áutO'risáÇões
0

pata reformar varias outras Repartições; que hO'je tem


seu contencioso admimstrativo.
Nén~U1'n:a d' essas leis indica sequer à idéá de con-
tenciO'sO' administrativo, de julgamento adtninistrá:LÍvô.

Poderia 'entrar em duvida se essàs autorisaçoes, não


O'bstante a. sua generalidade. cO'mprehendiàO' a faculdade
de crear nO'vas jurisdicções descDnhecidas pelas nDssas
leis, e de destacar dO' Podet judicial aHribuições que,
pela legislação então em vigor, lhe pertenciãO'. Seja
pO'rém o que fór, O' certO' 110 que o GO'vernO' se apro-
veitO'u d'aquellas vagas autorisüções, para crear, cO'm
grande vantagem para O' serviçO' publicO', O' cO'ntenéiDSO
administrativO' que temos.

Porém, cteado assim, nãO' pO'dia deixar dê sê-lo


a medo,. ê de sahir pO'rtanto éhfezadO' e inCO'mpletO'
comO' he.
\ .
Talvez pO'rém que mais enfelado e incompleto fO'sse,
".
se sahisse, ou as bases em que devia assentar, d~s
mãO's do Corpo legislativo. Poucas pessoas O' cO'nheciãO'.
AcO'stumados muitos á antiga organisaç~O' judiciaria
ndtnihlstraliva-Portugueza que nO's regêra e regia, iín . .
- 155-
buidos na idéa de que não póde haver justiça senão
na Uagistratura togada e perJlletua; receiosQs do que lhes
pareceria auúnento de influencia ao Governo, esse mesmo
eflfe~ado contencioso .administrativo, creado em regu-
lamentos, conLra o .qual nada depois se disse, .encon-
traria oppO~iÇãO vivissima, daria lugar a discussões
interminaveis, e, se passasse, passaria ainda mais en-
fezado ,e incompleto do qu.e he.

As Camaras são pouco pr.oprias para enlr.ar.em em


minuciosos .àesenvolvimentos administrativos. O exempla
de Portugal e d'a &s(ilunha, ,fi) mesmo da França o
provão, como ter.eIlil(i)S .o~easião de ver. A reGlrganisação
administrativa de Portugal e da Hespanha foi feita pelo
Governo com autorisação das Camaras. A França sómen-
te tev.e uma lei do Conselho de Estadél em !l845, depois
de repetidas e infruduosas tentativàs feitas perante
as Camaras, e depois de haver o G.overno organisad@
e reorganisado essa instituição, por differentf',s vezes,
por meio de ordenanças. -

.o que até agora tenho exposi(i) .~ mais especialmente


respeito ao oonten,eióso adrnilinistramvo ma Rep~rtição da
Fazenda.

Que os outros lIinistros de Estado e os Presidentes


das Províncias tem entre nós juri~dieção contenciosa
administrativa, reconhece-o, e declara-o o.Regulamento
do Conselho de Estado n.O 124 de 5 de Fevereiro de
1842.
Diz o art. t\5....,..Dp.s resoluções dQs Presidentes das
Províncias .em negocios contenciosos poderão as partes
interpôr recurso dentro de 10 dias, & c.
156 -
« Art. 46- Tambem terá lugar recurso das decisões
dos ~1inistros de Estado em mate ria contenciosa, e ,
• tanto este como o do artigo antecedente, poderá ser ,
decidido por Decreto Imperial, sem se ouvi?" . ou
ouvindo-se as' respectivas Secçõ~s e o Conselho de
Estado. »

Esse Regulamento serve-se simplesmente das palavras


-negocios contenciosos- materia contenciosa. - ~las
esse contencioso. não póde ser o judicial que pertence
a um l)oder independente. Não pó de portanto deixar de
ser o administrativo, qualquer que seja o maior ou me-
_ nor alcance que derão a essas palavras os autores do
,mesmo Regulamento.

Actos posteriores deixão porém bem claro que he a6 .


.contencioso administrativo, que devem ellas ser refe-
ridas; por exemplo.:

A ordem n.· 268 de 3 de Outubro d~ 1859 declarou


que he incompetente o Poder judicial para conhecer e
decidir de materia pertencente ao 'contencioso adminis-
trativo, qual o do lançamento dos impostos.
A ordem n.· 160 de 5 de Julho de 1859, declara
que aos Presidentes de Provincia compete deliberar
ácerca das reclamações contenciosas administrativas,
sobre assumpto que não pertença ao Minislerio da
Fazenda (1 l..

(1) Nessa ordem considera-se contenciosa administrativa a reclamação óo


'Viga rio Coitado da Freguezia de Caethé sobre o pagamento da Congrun, que
por direito julga pertencer-lhe, contestando a deducção da terça parte em
'favor do Vigaria Encom,mendado da mesma Freguezia, E com elTeito nin-
guem dirá que esta questão he da competencia do Poder judicial, e que
a solu~ão Mo rerirlt um direito, se não rôr justa.
- 157
o que be porém que constitue entre nós. o conten-
cioso administrativo a cargo dos'Ministros de Estado, e
dos Presidentes das Provincias?

Excluido o que he exclusivo, e muito' exclusivo, do


Ministro da Fazenda, do Thesouro e das repartições que
lhe estão sujeitas, be o contencioso administrativo, . pelo
que respeita aos outros Ministerios, e ás Presidencias um
verdadeiro chãos. no. qual ainda não penetrou um só
ralO de luz (I).

(t) o Theso.uro. he entre nós um yerd·mleiro. status i n stallt. Kstado. cen-


tralisa:dissimo., que- tem attrahido, e attrahe tudo a si! Em outro. lugar e18-
minarei co.mo. e po.rque, e se isto. tem feito bem o.u mal. Po.r o.ra incli-
no-me a crer que tem feito. bem,-po.rq.ue he a Repartição. que, em geral r
mais te!fl zelado. o.s dinheiro.s pulJlico.s. He certo. que he a Hepartiçllo. que
melho.r funccio.na, que co.nserva mais tradiçoes, que mais pro.cura desen-
vo.lver-se e aperfeiço.ar-se, que tem melho.r esco.la, em geral empregado.s
mais zelo.so.s e habeis, que po.ssue ho.je uma o.rganisaçllo. mais vigo.ro.sa co.n-
quistada co.m o. tempo. e perseverança. He tambem aquella que o. patro.-
nato- e a politica meno.s tem estragado.. Assim não. pro.cedesse ella co.m tanta
moro.sidade, co.m espirito. fiscal tão. exagerado., e co.m fo.rmalidades tllo. ve-
xato.riàs!
Tem repellido. sempre to.da a acção. de o.utras auto.ridades que possa o.
mais levemeote mingo.ar a tutela c subo.rdinaçãO' em que conserva o.S seM
subalterno.s.
Os Presidentes de Pro.vincia nUo. co.nhecem de recurso. algum das Theso.u-
rarias e Alfandegas, e a sua ingerencia nellas tem sido. repeli ida em repe-
tidas o.rdens. Ordem n. 11'7 de 21 d'e Outubro. de 1845, 0-, 149 de 5 d'e
Dezembro. de 1846, n. 126 de 25 de Setembro. de 1847, n. 212 de 12 de
Ago.sto. de 1851, n. 230 de 20 de Setembro. de 18st, n. 68 . do 1.° de Março
de 1852" n. 365 de 5 de No.vembro. de 18"0,, n. 32. de 28 de Janeiro. de
llf57, n. 23 de :tÜ' d'e- Fel'ereiro. de 1859.
Os Presidentes 0110. tem faculdade para conhecer e meno.s para decidir
dUI'idas acerca da intelligencia e execução. das leis, ·regulamento.s e instruc-·
çoes relativas a administraç;lo. de Fazenda. Ordem n. 178 de H de Maio.
de 1856, n. 32 de 28 de Janeiro. de 1857, n. 259 de 28 de Setembro. de 1859.
A o.rdem ja citada n. 100 de 5 de Julho. de 1859 declara que o.s Presi-
denl'(,'S n:ao. pooem (lGoheçer· de rec:lamaçOes co.ntencio.sas administrativas,
so.bre assuropto.s que pertencem á Fazenda.
Os Presidentes sllo. mero.s intermcdiario.s da co.rrespo.ndencia das Theso.m-
rari'lls co.m o. Ministro. da Fazenda, e sómeote' lhe po.em o. seu visto o.u
fl!Zem Gbservaç.Oes. Ordem n. 113 de 21 de Outubro., de, IS4ü, n. 10 de 1l
de Janeiro. de 18~.
Os Presidentes não. tem direito de reprehender o.s Inspecto.rcs de The-
souraf'ias. Ordem n. 29 de 20 de Março. de 1846.
A França he- inco.ntestavelmente o. paiz o. mais centralisado.. Entretanto.
a sua administração. de Fazenda, nllo. o. está tanto. co.mo. entre nós. Ulti-
mamente O' Decreto de decentralisaçllo. de 25 de Março de 1852 deu ao.s
Prefeito.s (co.rrespo.ndem ao.s· no.sso.s · Presidentes), em assumpto.s to.cantes ao.
Ministerio. das finanças, attribuiçúcs importantes, antes co.ncentradas Ila.-
q uellc. Ministerio..
1~8
I

- Mui poucos são os pontos definidps.e fixa~os, nãQ direi


em leis, mas em Regulamentos (I). O mais .depende da
applicação das attribuições administrativas daqueUes
funccionarios, e das
.
circumstancias que revestem os casos.
.

Nos casos que nascem da applicação das attribuições


administrativas dos Ministros de Estado, e dos 'Pre-
sidentes de P'rovincia. e das circumstancias que 're-
vestem os mesmos cases, he e~traordinaria entre nós
a confusão.

Quando a I egisl,nção, o.s arestos, a prQ.ticfI, ~ ~ Pl-


l'isprudencia que de tudo isso resulta, tem fixado
princípios e ,regras, he facil applica-Ios aos casos Decor-
rentes.

A nossa legislação quasi nada tem feito .ness.a ,parte~


Os arestos não tem caracter e
natUl'eza propria, não
fixão principios claros; ' são as mais das vezes .t an-
gentes para escapar a uma difficuldade,t adiando uma
solução clara e franca. N~o est.ão .coll~gidos e classi-
ficados. l\luitas sol.uções nem est~,o impr,esséts.. NJl.o
ha propriamente pratica e juri'sprudencia adminis-
ti'ativa.

(I) Em Jugar compcl.cole e em ouLro LI'1(baijlO, ~erúo ,eSSJ;ls ;C outrll6 .as-


~crçõe~, a demonstrac·ão e dcscu\"oh'iOlcnto positiv,o e p~at,il,'O .que req~e-.I',e'!l,
Limitar-me-hei aqui a dous o.u tres el.emplos. ,
O art. 47 e seguintes do .Regulament-o n. 1.318 de 80 ,de Janeiro l,Ie ,1 SM,
para a exeeução da -lei n, 601 de 18 de SetCl;obrp de 1850, dá MS P-resi ...
dentes fIe Proyincia a attribuição de conhecer dos recur.so's das ,decisilfl6 d.9.s
juizes commissarios rle medições. '
Por virtude do Aviso Circular D. 397 de " ,de :Dezembro dil 1-l1.56, ~
ordem n. 73 ile 2i de Fe\'ereiro de 18b7, conhecem 'os Presiden.te~ ,de Pro-
vincia das reclamações .ap,·escntadns contra as multos 'impostlls plllo, V;igll-ri.o&,
na conformidade do ar.t. 115 do llegulamentiÍ de 3.0 tle Jan~o 1Al' 18r.~, ,
Pelo Decreto n. 1.88li de 7 de Fevereiro de 18M', suspendllJll 1IS I{lesrops
Presidentes provjsoriamente, os prov,imentos jl(ldps Il~ (19I'rc~o peh.ls · Jl{i-
les de Direito, que versarem sobre materia administrntÍ\'ll.•


15Ú
,
• SãO' conitudo contenciosas administrativ{ls as decisões
proféridas pelos nossos 'Ministros de Estado, e Presi-
dentes de' ProvillGia, soJ;yre reclamações contra aetos
administrativos' seus, relativos a negocios de sua com-
petencia, e que ferem um direito.

,Não proferem frequentemente . os nossos Ministros


e Presidentes decisões dessas? E se não as proferissem
não poderião administrar, embora não sé dê a essas
decisões o nome de contenciosas administralivas ou
outro algum nome (f).

-' Não tem essas Çlecisões uma importancia é alcance


muitO' maior, do que as que prejudicão sómente in-
teresses?

, Pois 'são as que constituem o contencioso adminis-


trativo.

~ão se dá geralmente a esses. actds essa denominação


e caracter entre nós. Não offerecem gàrantias, não tem
processo algum nus Provincias. Estão essas decisões com·
pletamente confundidas com as de natureza diversa.

Não são Os Presidentes de Provincia pura proferirem


iaes deoisÕes obrigados a ' ouvir alguem e a sujeitar-se
a ~ertas formalidades. Os lfinistros podem deixar
de tmvÍr o Conselho de Estado, nos proprÍos recursoS
delIes interpostos.

(1) He tal a confusão que negocios da mesma naturcza são ora sujeitos
á deéi.llo do Poder administrativo, óra a,) Judicial, ora ás ASsembléas
Ptoviooldes, As jurlsdicçOes c as competeoéias sOo completainente cónfun-
didas, é cada um vai conbecénd6 do negoció. Citarin exemplos se 0110 fÓl5e
tào longn a sua cxposiçllB.
- '160
Pela nossa organisação a distincção ' entre o gra-
cioso e o contencioso, admittida em principio não tem,
em grande numero de casos, desenvolvimento e al-
cance pratico. A nossa administração he absoluta.

He sem duvida por isso que são rarissimos os casos .


em que o Conselho de Estado qualifica a maleria como
graciosa ou contenciosa. Para que,. se essa qualificação)
não tem entre nós alcance? (1)

Os Presidentes são os uilicos JUIzes nas Provincias'


dó contencioso administrativo de sua competencia.
Nesse julgamento não ha processo : garantias e for-
malidade alguma. Ha sómente o recurso do art. 45
que dá o Regulamento n.O 124 de 5 de Fevereiro
de 1842, para o Conselho de Estado.

Julgão porém não sómente o contencioso admi-


nistrativo que resulla da applicação de attribuiçges
administrativas conferid.as por leis geraes, como lam-
bem pelas Provinciaes.

(1) Apezar de haver compulsado com muita attenção os volumosos tra-


balhos do nosso Couselho de Estado desde a sua creação até 1860, sómente
me recordo de uma Consulta que declara um caso não contencioso, fixando
e declarando assim a natureza do negocio. He a Consulta da Secção de Fa-
zenda de 19 de Maio de 18~7, Relator o Sr. Marquez de Olinda, com ResoluçllO
Imperial de :12 de Dezembro do mesmo anno. A hypothese he a seguinte.-
Tendo Antonio Esteves de Magalhnes Pnsso sido condemnado a pagar á Fazenda
Publica urna somma, em que ficára alcançado um collector que afiançárIJ,
pedio ao Governo Imperial ser admittido a pagar em prestações aquella
somma. Desattendida essa pretenção, recorreu para o 'Conselho de Estado.
A Secção de Fazenda foi de parecer que o objecto nllo -era dos conten-
ciosos, de que falia o art. 46 do Regulamento de :. de Fevereiro de 18t2,
sendo a concesslio de prazos para pagar em prestações deixada ao prndente
arbitrio do Governo. Assim foi resolvido. ,
Essa Consulta e ResoluçllO estllo conformes com as doutrinas que tenho
expendido. .
A faculdade que tem o Governo de conceder aquelles prazos he discri-
cionaria e graciosa. NlI\1 ferio direito do Recorrente aquella decisllo. NlIo
bavia portanto contencioso administrativo, ('mbora houvesse contestaçllo C'
reclamaçllo departe. A reclamaçl\o era meramente graciosa.
- 161
o art. .4.5 do Regulamento n. ° 124 citado compre-
·bende lambem as resoluções tomadas pelps Presidentes
em virt.ude e na conformidade das leis Provinciaes?
Dá-se tambem recurso dessas resoluções para o Con~
selbo de Estado?

Quaesquer lei., e regulamentos que faça o Poder


Geral para regular o contencioso administrativo com-
prebende o que be provincial; ou compete ás Assem-
bléas Provinciaes regular o seu contencioso adminis-
trativo, pelo que respeita a negocios puramente
provlllClaes, e instituir Tribunaes adminisJrativos para
os decidir?

São questões complicadas e espinhosas que por ora


sómente avento, reservando o seu' exame, para quando,
em outro trabalho, me occupar da administração das
Provincias.

A orgímisação Franceza, Portugueza e Hespanbola


offerece mais garantias. Na França não são os Pre-
feitos juizes, em todos os casos, do contenciosu ad-
- ministrativo. De muitos o são os Conselhos de Pre-
feHura, Tribunaes administrativos, revestidos nesses
casos de jurisdicção propria, com voto deliberativo,
e recurso para o Conselho de Estado (1).

Pelo Codigo administrativo Portuguez não compete


ao Governador civil, como aos nossos Presidentes,
julgar s6 o contencioso administrativo, mas tambem

~1) Sobre a organi ~ açlio e attribuiçõcs dos Conselhos de ~rereit~r~ ci~­


rei, com JlreCerencia a outros, DuCour Traité général du Drolt admlDlstratlC
appliqué. Tom. 2.0 Capo 6.0 - •
2l
- 16.2
'fiOs Conselhos de Dislricto, presididos pélos .ditos Go-
'vernadores, éom recurso para o Conselho de Esladó,
o

o qual lem uma Secção especial ·do contencioso (1).

(1) Art. 280 do Codigo administrativo POI'tu guez. te Como Tribunal


administrativo compete ao (:onselho de Districto julgar sobre o contencioso
da administraçãO co m recurso para o Conselho dI> Estado. Assim além
'das attribuiçúes contenciosas, que por leis especiaes lhe competem, o COll-
selho julga: -
- 1.0 As reclamaçúes, e recursos contra posturas, regulamentos e delibe-
rações das Camaras II'Iu nicipars.
• 2.0 Os ' recUl'sos das insinuaçõe. de escripluras de doa ções feitas pelos
Administradores de Conselhos .
• ' 3.° Os reGu rsos' em materia de recenseamento.
4.° As reclamações tauto ol:TIciaes como particulares, relativas ás decisúes
'das mesas eleitol'aes e á validade das eleirOes das diversas autoridades e
corpos electi vos. . ,
5.° Os recuri.OS de particulares para descargo, .ou reducção de sua quota
no lançamento ou repartiçãO das contribuiçúes directas do Esta4o.
6.° Os recursos dos que se julgarem prejudicados na repartiçãO da con-
tribuição directa muuicip.al.
7.° As ditnculdades e questões, que sobre o sentido' e execuçãO das
çlausulas dos ('o ntractos se suscitarem entre a admini stra çãO do bistricto,
Municipio ou Parochia e os emprehendedores e arrematantes de quaesquer
rendas, obras ou fornecimentos publicos, relativos ao sentido e execução
das clausulas dos seus con tractos.
8.° As rec'amaçúes ' de p'articúlares contra damnos ou aggravos causados
por facto )Jessoal dos emprehClldedores ou dírectores de olJras pulJIicas, ou
por quaesquel' fornecedores. Esta disposiçUo não comprehende o facto da
concessão das empreolls ou fornecimentos, a qual he da competellcia da
respectil'a administra ção , nem o processo para a verificaçãO e liquidação
das indemnis acúes, o ql1al pcrtence a autoridade judicial.
D.O As reclallla ções e r ecursos sobre quesLúes de sel'l' idúes, distribuição
d'aguas e usufru clo de terrenos baldios ou arvoredos, e pastos do lo gra-
,d ouro COllJmum dos viziuhos do Conselho que til'erem por fim a utilidade
geral, e por fundamento algllm acto da autoridade publi ca , ou érn que
esta seja parte : salvo quando s.e tratar da ,'erificação e liquidaçãO de in-
demnisações.
10. As q ~~estües que se ·suscitarem sobre o cumprimento de contractos
e arremata ções de bells e rendas . pel'tcnceutes aos Conselhos.
. 11. As tluesLües e duvidas que se suscitarem solJre as obras feitas pelas
Camaras Mlluicipaes.
12. As dilliculdades que se suscitarem em quaesquer pontos de estradas,
canaes ·c outras vias )JulJlicas. .
13. O contelltioso da administração de todos os estabelecimentos de
piedade e bcneficencia.
14. Os recursos das senten~as dos Conselhos de ' disciplina da Guarda
Nacional. '
15. Os recursos inferpostos pelo Administrador do Conselho na appro-
vaçilo d,IS contas das Juntas de Parochia pelas Camaras Municipnes.
16. As dbci!,õcs das Camaras Municipaes tomadas sobre reclamaçúes de
pCSSOllS que se julgarem lesadas 1101' alguma deliberaçUo das Juntas de
Parochia.
Em geral o Conselho julga todas as reclamações contra os actos da admi-
nistra~ilo fundados nas !.eis, e regulamentos administrativos.
Art. 287 . Os accc róUos dos Conselhos de Districto em materias con- _
. t enciosas devem cOlHei'; o objecto da contestaçUo, - os nomes e qualidades
das parlcs, - o extructo de suas allegaçoes,-e 11 declaraçãO dos motivos
de c1luidade, 011 disposição de Direito, em que se . fundarem.
- lG3 -
Na Hespanha pela lei de ~ de Maio ue 184 5, não
são os Governadores das Provincias unicos .juizes do
conlencioso administrativo. São os Conselhos Provin-
ciaes, Tribunaes administrâtivos, presididos pelos mes-
mos Governadores, com recurso para ·0 Conselho Real.
(Co nselho de Estado) (1 ).

Art. 289 . Um regul amento do Governo estabelecerá, em conformidade


com o clue acima fi ca disposto, o modo, [leio qual as partes dCYCID deduzir
justificar, c scguir as suas reclamaçõcs c recursos; o processo das infor-
mações e diligeucias, com audicncia de terceiros interessados, bavendo-os;
e a fórma das decisões, notificaçãO e execução dellas .
Toda essa massa de negocias co ntenciosos administrativos cuidadosamente
discriminados na organisação Franceza e Portugueza, está entre nós con-
fusamente entregue ao Poder judicial e ao Presidente da Provincia só .
(1) Colmeiro. Derecho administrativo Espano\. Livro 5.0 Capo 5.0 De
os Tribunales administrativos de primera instancia.
(:~PITUILO XX!.

Dos TI'ibllloacs luhuinista'ativos.

Se, ,como temos visto, existe e he indispensavel um


contencioso administrativo; se não deve, nem p6de
pertencer ao Poder judicial; se he inseparavel do
Poder administrativo, e portanto do Executivo que
o comprehende; se he indispensavel que as decisões
contenciosas sejão cercadas das garantias que offerecem
Tribunaes, com certa fórma de processo e recursos;
he irrecusavel consequencia que deve haver, e ha,
em todos os paizes que vivem debaixo de um governo
regular, Tribunaes administrativos com maior ou menor
desenvolvimento.

Nós os temos, e indicarei os principaes, reser.vando


tratar mais de espaço e praCicamente deUes em outro
trabalho. São Juizes e Tribunaes do contencioso admi-
nistrativo entre nós.
Os Ministros de Estado.
O Conselho de Estado.
O Thesouro.
Os Presidentes de Província.
,_ !s ThesQujiârias.. .
16G
Os Inspectol'es das Alfündegas
Os Administradores dos Consulados.
As Receoedoriôs, Mesas de rendas, e as Colleclorias.
O Provedor da Casa da Moeda.
O Jnspector Geral dos Diamantes .
. As Capitanias de Portos.
A Autlit aria da Marinha.
Os Administradores dos Correios.
Os Juizes Commissarios na medição de Sesmarias e
outI'as concessões do Governo, com recurso para os Pre-
sidentes de Provincia, e d' estes para o Governo Imperial.
A Commissão de julgamento Cl'eada pelo art. 27 do
Regulamento n.O 2.168 do 1.0 de Maio de 1858, para
julgar as infracções d'esse Regulamento sobre o trans-
porte de emigrantes.
As Congregações dos :Lentes nas Faculdades' de Di-
reito e Medicina.
Os Tribunaes do Commercio na parte administrativa.
Os Juizes de Direito em correição, na parte adrrii- '
nistrativa.

Em França são Juizes e Tribunaes do coritencioso-


administrativo:
Os Conselhos de Prefeitura.
A Com missão de üabalhos de utilidade publica.
Os Conselhos de revisão para o recrutamento.
Os Tribunaes da Guarda Nacional.
Os Maires.
Os Subprefeitos.
Os Prefeitos (1).
- .
(I) oS Prefeitos tambem são em certos casos juizes no contencioso admi-
nistrativo, e então nll0 ba termos e fórma de proceder marcada. Sómente
sao obriga~os a motivar as suas decisOes. Esta attribuiçao tem -excitado

- 167-
Os Trilmnaes de presas maritimas.
Os Bispos.
Os Tribunaes Universitarios.
O Tribunal de contas.
O Conselho de Eslado.
Os Ministros.

Tribunaes adminislwtivos são os que julgão ou con-


sultão sobre as questões contenciosas adminislrativas.
Podem ter a fórma conectiva ou unitaria.
Póde dar-se-Ihes o nome de Tribunaes porque Tri-
bunal -he o lugar onde se reunem juizes para decidirem
as causas, ou aS.pessoas ou reunião ue pessoas que admi-
nistrão justiça.

Ora no contencioso administrativo ha administração


de justiça, ha processo, formulas e recursos. ' A justiça
não lW sómenle civil e criminal; he tambem administra-
tiva. Não são sómente Tribunaes os que administrão
~ justiça civil e criminal. As nossas leis consagrão a
appiicação contraria quando chamão Tribunal o Tri-
bunal administrativo do Commercio, Tribunal o Tribunàl
do Thesouro, que não se occupão de materias civis e
criminaes. O Desembargo do Puço, a lVIesa da Cons-
ciencia e Ordens, o Conselho da Fazenda erão Tribunaes.
Essas corporações erão consultivas.

o _noss9 Conselho de Eslí.ido, quanto ao contencioso,


hc um Tribunal administrativo, embora consultivo. Se-

na França vivas rcchimaçúes, não obstante rstilr confiada muito consideravel


c importante parte do contencioso administrativo aos Conselhos de Prefeitura.
Entre nós porém está todo o contencioso adrllinistrativo, excepluado o da
Fazenda, vaga e indefinidamente cOllllado ao arbilrio dos Pl'e~idelll('s. du
I'rol'Íucias.
168 -

gue-se ne11e um processo marcado pelo seu regulamento,


são ouvidos os Advogados das partes, ha inquirição de
testemunhas, certas diligencias, termos fataes, & c.

Já vimos os inconvenientes que resultarião de per-


tencer o contencioso administrativo ao Poder judicial,
ou a Juizes completamente inamovíveis. Os mesmos se
darião se, por via de regra, os Tribunaes administra-
tivos julgassem sempre definitivamente, e se não fosse
reservada ao Governo a faculdade de conformar-se ou
não com as suas decisões ou pareceres, por meio da
homologação.

Embora diga lei, como por exemplo a de n.O 581


de 4 de Setembro de 1850 art. 8,°, que o Consr.lho de
Estado julga, tem-se sempre entendido, á vista da lei
da sua crcação, que el1e sómenLe consulta, e que o
Governo póde sempre divergir do seu parecer (1),

(1) A Secção de .Tustiça do Conselho de Estado, em Consulta de 28 de


Outubro de J 850, Relator o Sr. Carneiro Leão, depois Marquez de Paran4,
examinou e resolveu " seguinte questão.-Se o Conselho de Estado deveria
julgar os apresamentos das embarcações, bem como a liberdade dos escravos
apprehendidos, como Tribunal de Justiça, procedendo com jurisdicção pro-
pria, la Hando sentenças, não revogaveis pelo Governo; ou se, pelo contrario,
deveria proceder na f6rma ordinaria, nos termos da Lei e do seu Regimento,
formulando pareceres que serião resolvidos pelo Governo Imperial, como
entendesse de jnstÍt:a ou de conveniencia .
" Ventilando esta questãO, dIz a citada I.onsulta, a Secção se via obrigada
a reconhecer que os termos pelos quaes o art. 8.°, da mencionada lei de
4 de Setp.mbro do corrente anno, estabelecia a competencia do Conselho de
Estado erUo equivocas, e, litteralmente e[]tendidos, favoreeião a primeira
hypothese da questãO suscitada. Todos os ap l'esamentos de embarcações, &c"
assim como a liberd ade dos escravos' apprchendidos no alto mar serão pro-
cessados e juLgados em primeira installl:ia pela Auditoria da Marinha, e em
segunda pelo Conselho de Estado. - Taes são os termos empregados pelo
art. 8,°, e sem duvida estas palavras, littcralmellte entendidas, ou isolada-
mente consideradas, constituem o Conselho de Estado Tribunal para li
decisão em seguuda instancia das causas e processos dos apresamentos das
embarcações que se occupão do trafico, hem como para o da liberdade
dos escravos apprebendidos; e o'esta consideração forçoso seria admittir o
seu julgamento em srgunda instancia, como o exerci cio de uma jurisdicção
pro(Jl'ia, que não seria suscel1tivel de revogação ou modificação por pal'te
do Governo Imperial. Se a letra do art. 8." citado favol'ece a opiniãO de
ser o Conselho de Estado chamado pela lei a constituir Tribunal para julgar
169 -
E se os Tribunaes administrativos, quanto ao con-
tencioso, salvos certos casos de menor importancia, jul-
gassem definitivamente, desappareceria a responsabili-
dade ministerial quanto a esses julgamentos. O Ministro
não poderia ser responsa vel por uma decisão na qual não
interviéra. Dar-se-hião actos que pela sua natureza
estão; comprehendidos no circulo das altribuições do
Executivo~ e pelos quaes não serião todavia os Ministros
responsaveis, porque esses actos emanarião completos,
perfeitos e exequiveis, de ~unccionarios que lhes são
todavia inferiores na hierarchia administrativa.

essas causas ' de processos de sua competeucia, com jurisdicção propria,


proferindo sentenças; o espirito de toda a lei de 4 de Setembro do corrente
anno, e a combinaçãO da disposição do art, 8.0 com a do 9.°, inclina0 a
Secção a adoptar a opinião de que o Conselho de Estado llaO he chamado
a prorerir sentenças como Tribunal de Justiça, mas sim a dar pareceres,
que, resolvidos pelo Governo Imperial, se tornem decisões, »
cc Esta opinião da Secção se justifica com as seguintes considerações.-
Os Âuditores da Marinha são chamados a processar e a julgar em primeira
instancia. 1." os apresamentos das emharcaçues que se oecupITO do trafico
de escravos, e a liberdade dos escravos apprehendidos. 2,0 os réos men-
cionados no art. 3.° da lei.-Estas duas jurisdicçoes ' são divenas, e sem
duvida a lei considerou dilIerentes as naturezas d'ellas, porquanto estabe-
leceu a competencia do Conselho de Estado para jul ~a r em segunda ins-
tancia as causas do n. O 1, entretanto que estabelece a' competencia das
Relações para o julgamento dos recursos, e apellações interpostas nas causas
do n. O 2. Se o Conselho de Estado devesse decidir' as causas do n.O I, do
mesmo modo constituido em Tribunal, e procedendo segundo as mesmas
regras, e. principios de Direito com que devem proceder as Relações, seria
incompl'ehensivel a diversidade de competencia estabelecida para o julga-
mento em segunda instancia das causas do n. O 1 e do n. O 2. Ou todas
ellas deverião ser julgadas pelo Conselho de Estado, ou todas pelas Rela-
çues, e o art. 9.0 se tornaria inutil, e sua disposição se addiria natural-
mente á do art, 8.C!. Nilo sendo pois admissivel que a lei creasse duas
jurisdicções diversas para julgar em segunda instancia causas que são de-
cididas em primeira por uma s6 jurisdicção, sem que um principio, uma
razão reguladora qualquer lhe tivesse servido de guia; incontestavel parece
que este principio regulador se deve achar na natureza diversa das causas
a julgar por uma ou outra jw'isdicçao, e na influencia maior que na de-
cisão d'aquellas, que são submettidas ao Conselho de Estado, quiz a lei
que tivesse o Governo Imperial, a razão de Estado e a politica. li
"Além disso a lei de 23 de Novembro de 1841 já havia apontado as
questões de presas e indemnisações como um dos principaes negocios em
que incumbia ao Conselho de Estado consultar quando Sua Magestade Im-
perial Honvesse por bem Ouvi-lo; e pois a disposição da lei de 4 de Se-
tembro deve ser entendida em conformidade da já citada de 23 de Novembro
de 1841. " .
Sobre este parecer foi ouvido o Conselho de . Estado, cuja maioria com
elle se conformou em Consulta de 14 de Novembro de 1850.
Foi resolvida em conformidade pela ResoluçãO Imperial da mesma data,
de 14 de Novembro de 1850.
22
- 110 ..-
. Seria isso, ao menos em principio, contrario á nossa
Constituição. Estamos sempre na hypothese e nem 'OU-
'tra he admissivel, de que o contencioso sómente versa
sobre negocios da competencia do Poder administrativo,
o qual faz parte_do Executivo. Ora,-pelo-art. 32 da Cons-
tituição, os Ministros d,evem referendar ou assignar todos
'Os aclos do Poder Executivo, sem o que não poderão
ter execução.

Dir-se-ha. Se os Tribunaes administrativos são com-


postos de ftÍnccionarios nomeados pelo 'Governo, depen-
dentes e amoviveis; se as suas deeisões não prevalecem
por si, mas são dependentes da homologação (1) do Go-
verno, não podem semelhantes Tribunaes offerecer ga-
rantia alguma.

Offereeem as garantias que dão a audiencia das


partes, a producção de testemunhas e provas, o processo
-administrativo, o exame, informação e discussão, a pu-
blicidade, quando a ha, a opinião escripta de funcrio-
narios praticos, e de uma ordem superior, que tem
uma reputação feita, que não querem perder, como são
por exemplo, 03 Conselheiros de Estado . Tudo isso as-
segura um exame mais accurado, e uma decisão justa e
.illustrada.

Ordinariamente são Tribunaes do contencioso admi-


nistrativo os mesmos Conselhos administrativos, isto he
a mesma corporação tem voto consultivo em uns ne-
gocios e deliberativo n'outros. . ,

( 1 ) Tomo a palaua - homologaçiIo - no sentido de ratificar, dar força


para que possa ter execuçüo. .
Em ambos os casos essas corporações tomão a de-
nomina~,ão de 'fribunaes, com a differença de que
em uns são Triliunaes com voto simplesmente consul-
tivo, em outros com voto deliberatIvo.
As decisões deliberativas, se a parte não recorre,
prevalecem por virtude de propria autoridade conferi-
da pela lei; as consultivas porém dependem de ap-
provação e homologação do superior, e prevalecem por
força da autoridade d'este.
Na França os Conselhos -de Prefeitura, em Portu-
galos Conselhos de Distri,Cto, na Ilespanha os Con-
selhos Provinciaes (1 l, tem voto deliberativo e juris-
dicÇãO propria em casos marcados na lei, especial-
mente de natureza contenciosa administrativa, e em
todos os mais voto puramente consultivo. Porém como
ainda mesmo nos casos em que essas corporações tem
voto deliberativo ha recurso para o Conselho de Es-
tado, tendo este voto meramente consultivb, prevalece a-
fina! a decisão que o Governo toma sobre a consulta, e
a responsabilidade do Ministro que referenda a decisão.

Pelos Decretos n. os 736 de 20 de Novembro de 1850 e


2.3.43 de 29 de Janeiro de 1859, oTribunaldo-Thesouro
Publico entre nós he considerado como Tribunal adminis-
trativo com voto deliberativo e como Tribunal consultivo,
nos casos e pela ~órmii marcada nos mesmos Decretos.

Nos casos em que tem voto deliberativo prevalecem


as suas decisõ,es por virtude de sua propria a~toridade.
Nos outros casos he simplesmente ouvido com o seu
parecer sobre o qual decide o Governo.

(1) Não temos entre "nós, como veremos, instituições semelhantes a essas.
172 -

Póde convir em muitos casos que os Tribunaes ad-


ministrativos tenhão voto deliberativo ,em casos de con-
tencioso administrativo mínimos, ou de expediente fre-
quente e que não admitta delongas, mas cumpre, a meu
ver, que fique sempre salvo recurso ao Conselho de Es-
tado, e por eUe ao Ministro, para que a final possa ser
observado o preceito da responsabilidade; e isto muito
principalmente, quando não póde vir inconveniente da
demora, por se achar estabelecido, como entre nós o es-
tá, pelo Decreto n. 542 de 3 de Dezembro de 1847, eu: '
O

virtude de Resolução Imperial, tomada sobre Consulta


da Secção de Fazenda do Conselho de Estado, que as de- .
cisões do :rrihl,loal -do Thesouro, mesmo no caso-em que
d'ellas se recorra para o Conselho de Estado, deve-
ráõ ser executadas pelas Thesourarias e Repartições com-
petentes, salvo se receberem ordem do Ministro e Se-
cretario de Estado Presidente do mesmo Tribunal para
sobr'estarem na execução d'ellas.

1
C&PITULO XXII.

Do l,rocesso e recu."SOS adminlst."ativos.

o processo ou instrucção administrativa, isto he o


complexo das formalidades necessarias para pôr um ne-
gocio em estado de ser decidido, reunidos todos os es-
clarecimentos e provas necessarias para o descobrimento
da verdade, e da justiça, he tambem gracioso ou con-
tencioso (1).

A instrucção graciosa, salvo quando as leis e regu-


lamentos prescrevem alguma fórma especial, he pura-
mente discricionaria, enão he portanto regida por prin-
cipiÇ>s certos e invariaveis.

Existem comtudo algumas regras geraes prescriptas


pela razão, pela equidade, pela prudencia e interesse
publico, e que farão mui bem resumidas por Degerando :

(1) Chauveau Adolphe Code d'instrution administrative, e Dalloz Reper-


toire, verbo Instruction administrative, dividem a instruccllo administrativa
em graciosa e contenciosa. Geralmente nfio damos á palavra - instrucçllo-
a mesma significaçllo que lhe dá a lingua franceza, com referencia aos
Tribunaes. Com tudo a palavra - instruir - tambem significa entre nós-
ajuntar provas ou documentos na causa -, e por isso me parece adopta-
vel a palavra - instrucçllo - no sentido de processo, modo de proceder para
avel'iguar uma causa, quer judicial, quer administrativa.
- 174-
A instruéção graciosa tem tres phases distinctas.
1. a A informação ·que corresponde ao processo em
materia contenciosa.
2. a O exam~ que COlT\'!sponde á discussão.
3.' A resoluçãO que corresponde ao julgamento. \

A instrucção graciosa, ou modo -de proceder nos ob-


jectos não contenciosos, está regulada mui genericamente
no capitulo 2. que se in titula - Dos objectos não con-
0J

tenciosos-, do Regulamento do nosso Conselho de


Estado (1).

O proc~sso ou instrucção contenciosa he estabelecido


por leis e regulamentos, e exige a observancia de certas
formalidades, cuja violação déve importar a nullidade
do procedimento havido.

O processo ou inslrucção contenciosa está regulada


entre nós no capitulo 3.° do Regulamento do nosso Con-
selho de Estado.

Não he este o lugar proprio para entrar em desenvol-


vimentos sobre esta materia, que os requer minuciosos.
Reservo para ,outro trabalho a exposição e exame do
nosso ainda incompleto processo administrativo.

Uma das principae's garantias que deve apresel~tar


úm system~ administrativo bem organisado he o dos
recursos (2).

(I) Em França cstá regulado muito completamente. Pódc-~e VCI· em De-


gcrando e em Chauycau Adolphe, Gode d'lnstruction administra tive o que
sc comprehende na informaçllO, no exame, e na resolução.
(2) Ce n'est pas parcequ'i1~ jug~nt mieux qu'il y à d,es jug~s d'appel, c'est
afill""que le juge de la premlere IDstance fasse plus d attentIon a 5es cau-
ses, de pcur de se voir reformé. Cormenin.
I •

175

Sendo os actos ou a jurisdicção administrativos gra-


ciosos ou . contenciosos, participãO os recursos da natu-
reza dessas duas especies, isto he ha recursos por via
~raciosa, e recursos por via contenciosa (1).

Portanto, pelo que respeita aos recursos, cumpre


igualmente distinguir se foi lesado um interesse, se um
direito.

o recurso dos actos graciosos po~ém não he rigorosa-


mente um recurso; he mais propriamente uma simples
reclamação, uma simples applicação do Direito geral de
petição, e não está sujeito a regras. Tem entre nós o seu
fundamento no art. 179 § 3.° da Constituição .. que o
consagra sem restricção.

o recurso contencioso dá-se dos actos administrativos


que ferem um direito, ou quando a lei o dá expressa-
mente, nos casos e pela fórn:;ta marcada nas leis e re-
gulamentos. Tem uma organisação especial.

orecurso contencioso he expressamente admittido pela


nossa legislação.
He julgado dentro da esphera administrativa, e suppõe
nella superior hierarchico.

Releva observar que as regras que regem o processo


e os recursos administrativos- c(,ntenciosos são menos
rigorosas do que aquellas que regem o processo e recur-

(1) Les plaintes suscitées par un froissement d'intéret ne peuvent donner


lieu qu'a un appel nu bou vouloir de I'autorité; on la supplie de prendre
en consideration des explications ou des rcnseignements nouveaux pour re-
venir sur sa dcterminatiou: c'est le recours par la voie gracieusc. Dufour,
Traité général de Droit administratif appliqué. .
176 -
sos judiciaes. A iimplicidade e a celeridade, observa
Cha1.lveau Adolphe, formão o seu caracter dfstinctivo; uma
grande largueza he deixada ao Poder discricionario, e as
fórmas substanciaes são em geral as unicas cuja prete-
rição traz comsigo a pena de nullidade.
f::A.PITULO XXIII.

UOlno exel'ce suas funccõcs a auto.'idade


admioist.'ativa.-Sepa.,âçiio ent.'c a dclibe-
.
racão e a accão. .
~
~
1.o

C omo cxcrce suas Cuncçües a autoridlule administrativa.

Para que a administração possa .preencher bem os


seus fins deve:
: Illustrar-se sobre o, alcance e consequencias de seus
actos. -
. Obrar, isto he, deve ter uma acção ~lluslrada, prompta,
seguida, energica e homogenea.
Remover os obstaculos que a execução de seus aclos
encontrar nos direitos dos particulares, ouvir, examinar
e decidir, com as necessarias garantias, as reclamações
que esses aclos levantarem~

Âadministração illustra-se pela deliberação e conselho.


Obra por meio de seus agentes .....l....Âcção.
Removê, por meio do contencioso e dos Tribunaes
administrativos, os obstaculos provenientes de recla-
mações fund adas em direito, oppostos á sua acção.
23
- 178
Assim o Poder Executivo preenche a sua missão
administrativa por meio de:
Agenles administrativos.
Conselhos administrativos.
Juizes e Tribunues administrativos.

Separação entre a (leliberação e a a .e ç;\o.

Posto que os agentes, os Conselhos e os Tribunaes


administrativos, devão pertencer Jodos á ordem adminis-
trativa, he util e conveniente que sejão, quanto fôr
possivel, distinctos enh'e si. He uma garantia não ser
o mesmo agente encarregado de fiscalisar-se a si mesmo,
e de resolver as reclamações ás quaes dérão lugar os
seus proprios aclos.

Comtudo a acção e o julgamento nãO' estão sempre


separados. Por excepção á regra ha certos adminis-
tradores, aos quaes pertence o julgamento de certos
negocias contenciosos.

Pela Constituü;ão da Assembléa 'Con5tituinte da França


de 1791, a acção, bem como o julgamento dus questões-
administrativas, estavão accumuladas em Corpos collecti-
vos electi vos (1). Este systema infelizmente prevaleceu

(1) Duvcrgier de Hauranne, Histoire du Gouvcrnement Parlementaire-


cn 17rancc, Introtluction, diz, Callando do plano administrativo d'essa Assem-
bléa II Le vice radical de cc plan, tout le monde le comprend aujourd'hui,
c'est qu'i1 créait dcs administrations collcctivcs. Mais l'idée drUil adminisLra-
tem unique, sun'eillé, controlé, dirigé par uu Consei! multi pIe, cttle idéc-
179 -
"~ntrenós 110 principio. Pelo que respeita aos negocios
mUDicipaes ainda a aeção, o conselho e a deliberação,
estão accumulados confusa e indistinctamente nas nossas
Camaras Municipaes. Os nossos legisladores deixárão·se
dominar muito pelas inex perien les lheorias d' aquella
Assembléa, as quaes já muito havião influido nas Côrtes
Constituintes da Hespanha e de Portugal.

No anno 8.° da Republica Franceza começou-se a


distinguir com precisão e clareza entre o conselho ou
deliberação, e a acção e julgamento das questões
administrativas. O Conselho ou deliberação, e o julga-
mento forão entregues a corporações, a acção a funccio-
narios individuaes .•

Ainda mais; os funccionarios aetivos da administra-


.1ião, e as corporações encarregadas do julgamento das
questões contenciosas, que erão antes electivas, passárão
iI. ser da nomeação do Poder Executivo.

A Republica deu assim mais força, mais centralisação,


mais homogeneidade á acção do Poder Executivo, de> que
lhe déra a Monarchia Constitucional.

He um axioma, que cumpre ter bem diante dos olhos,


~obre tudo em ma leria administrativa, que-a delibe-
ração e conselho devem pertencer a varios, a acção a
um só.

-Si simple, et si feconde, n'ctait pas née sons l' aucien rcgíme, eL le Roi lui-m A~c ,
cn organisaut, eu 1787, les administrati ons provincialcs, u'avail pas éVlté
la coufusion ou. "tombait, a son tOUI', l'Assemblée Coustituante. Malbeureu-
sement le sys lêmc des administrations coll eclives nc devait pas sculement
'Causer quclques froltemeu ts, produirc qu elq ues tlon flils, N los consequence,
les plus fuu@ stfs etaieat a I"a v~ill c d'cu sortir. »
- 180-
.A deliberação e o conselho por varios he uma garan-
tia de acerto. Nao se póde a1legar ignorancia do mal qu~
foi demonstrado. Os negocios são vistos debaixo de dif-
ferentes faces; cada um concorre com o seu contingente
para esclarecer o assumpto; são produzidas razões di-
yersas, e do embate das opiniões rebenta a luz..

A acção por um só he uma garantia de força, de ho-


mogeneidade, e de responsabilidade.

Foi sobre aquel1e axioma que a França assentou, de-


senvolveu, c aperfeiçoou o systema administrativo qu-c
li rege.

Não ha garanti~ real e pratica quando se incumbe a


acção e a execução a muita gente simultaneamente. Ne-
gocios de todos são negocios de- ninguem. A respon~a­
bilidade de todos, principalmente a moral, he, por via
de regra, respo.n~bilidade de ninguem. Reparte-se,
enfraquece-se e nu1lifica-se.

Não· he sómente na organisação élC-;ministrativa da


França que prevalece aquelle grande axioma. Encon-
tra-Io-hemos mais adiante nas instituições administra-
tivas Inglezas e Americanas. Os Inglezes, e Amerjcanos
homens praticos por excellencia. não podif\O deixar de
adopta-Io.

- '1
CJA.PITULO XXIV.

Dós Agentes adulinist.·athros (1 ).

Como vimos, o Poder Executivo preenche a sua mis·


são administrativa, por meio de tres e.species de instru-
mentos, -Agentes administrativos; Conselhos adminis-
trativos e Tribunaes administrativos.

A acção administrativa he. confiada a uma serie de


agentes, dispostos em uma subordinação bierarcbíca,
em barmoni~ com as divisões territoriaes.

No centro e nas grandes circumscripções territ.oriaes


ha agentes superiores que imprimem o movimento.

Nas subdivisões das grandes circumscripções territo-


.riaes ha tambem agentes administrativos inferiores,

(1) Os Franceies distinguem entre agentes do Go"erno e (unccionaríos.


Os funccionarios silo em geral os qu e e~e rce m uma porça:o de autoridad e
IlUblica. Agentes do Governo aquelles funccionarios que estão debaixo da
de(lendencia directa do Governo. Nem todo o fun ccionario he agente do
Governo. O Magistrado be funccionario , e não he agente do Governo. Esta
palavra - fun ccionario - tomada moderna mente do fran cez para significa r,
em geral , qualquer pessoa que exerce oficio, emprego ou ministerio pu.-
hlico, tem sido empregada em leis nos~as moderna s. O Cardeal e celebre Phl-
lologo, D. Fran cisco de S. Luiz, no seu Glossario de ga llicismos, diz que eHa
tcm boa origem c deriyaçilo, c nuo desdiz da analogia.
- 182

apropriados ªos diversos ramos de serviço, e que reaehem


o impulso dos superiores, os quaes não podem ver tudo
por si, e executar ou promover por si a execução das leis
e regulamentos em todas as localidades.

Dahi a divisão em agentes directos ou auxilia.res, adop-


tada por Macarel e outros.

São agentes directos administrativos no centro do Im-


perio os l\'linistros. São agentes direclos nas Províncias
os Presidentes. Chamão-se agentes directos porque estão
em immediato contacto com o Chefe do Poder executivo
ou com seus Ministros.

Os que recebem o impulso dos agentes directos, com


elles estão em contacto e'os auxilião, são agentes auxi-
liares .
. ES'ses agen tes ordinariamente corresporidem a 'certas
circumscripções territoriaes.

?tracarel considera agentes dil'ectos na França.


Os Ministros.
Os ,Prefeitos dos Depâi'tamentos.
Os Subprefeitos dos afrondissements.
Os Maires nas crnnmunes.
Os Commissarios de Policia.
Os Agentes Coloniaes.
Os Commandantes das Divisões Militares.
Os Prefeitos dos arfondissements maritimos.
Os Procuradores Geraes Imperiaes (Ministerio publico)
nos distl'ictos dos Tribunaes Imperiaes.
Os Bispos nas Dioceses, pelo que respeita á adminis-
tra-ção temporal do culto e das "f'abricas.
- 183 -
.- O serviço dos agentes auxiliares pó de ser interno e ex-
~erno; por quanto cumpre distinguir na administraçãO
duas especies de serviço, interior e exterior.

o serviço interior tem por fim coordenar e preparar


03 aetos da administração. Tem portant0 um caracter
~specialmente sedentario. O seu trabalho consiste sobre
~udo em estudos, em combinações, exames à.e papeis,
re®cções, relatorios, expedição de ordens, &c.
Tal he por exemplo o caracter do serviço das Secreta-
rias de Estado e das Presidencias. Essas Repartições
não tem acção propria e distincta da .dos agentes aos
quaes auxilião. A que tem refunde-se na d' esses mes-
mos agentes.

o serviço exterior tem por fim realizar a execução das


concepções assim elaboradas. O seu caracter principal
he o movimento e actividade. O seu trabalho, que não
exclue o de gabinete, tem um 'caracter de especialidade,
e he, para assim dizer, technico.
Consiste principalmente em oper:.ações que os. agentes
executão nas localidades, sobre os assumptos que lhes
são incumbidos. Taes são; por exemplo, os Engenheiros
addidos a certas Repartições .

.. O serviço interior e exteri~r ligão-se e são correlati-


vos. Reunem os seus productos, combinão-os e os poem
em harmonia.

Já se vê que o serviço interior deve estar em harmo-


nia com o exterior, que he principalmente de acção.
Aliás o serviço interior será puramente theorico, e inexe-
quivel se o exterior lhe não correspofider.
- 184-
- He este o'grande defeito das nossas administrações.
Tem grande luxo de pessoal. Tem cabeças enormes,
quasi não tem braços e pernas. Compare-se o serviço
interno de grande parte das nossas Repartições com o
externo. Quaes são os meios e auxiliares que tem fóm?
Gasta-se muito papel, discute-se ~uito, theoricamente,
e o resultado, que se vê e se apalpa, he quasi nenhum.
Temos infelizmente grande tendencia para o apparato.
Uma grande parte dos nossos regulamentos de Sp.creta-
rias, e outros são mais apparato que realidade, porque
não correspondem a essas Repartições meios externos de
acção suflicientes.

São agentes auxiliares todos os que auxilião os agen-


tes directos da administra~1ío.

Para que uma Repartição possa funccionar bem, he


indispensavel que tenha auxiliares e meios suflicicntes,
não só para organisar e dispôr a sua acção, como para
leva -la eflicazmente aos pontos onde tem de tornar-se
effectiva.

Não farf::i aqui a enumeração dos agentes auxiliares


que he mui longa e variada. Reservo essa materia
para outro trabalho. Entao veremos quaes são -os
agentes directos e auxiliares que tem a nossa adminis-
tração.

, Ver-se-ha que a nossa organisação administrativa pec- I

ca pela falta de meios e de acção.

. He uma cabeça enorme em um corpo entan-


guido.

."
185 _ .

A organisação dos aúxilios da administração apre-


senta grandes difficuldades.,

1. o He necessario que o serviço interno esteja em pro-


porção com o externo.
2. o He necessario que os agentes directos tenhão suf-
ficientes auxiliares, e ao mesmo tempo que não se ele-
ve muito o seu numero, principalulente em paizes, nos
quaes não he avultado o das pessoas habilitadas, e
que sirvão com zelo, impaL'cialidade, e desinteressa-
damente.
3: A nomeação d'esses auxiliares he tambem uma
difficuldade. Cumpre não centralisar muito, e ao mesmo
tempo deixaT aos agentes direclos a acção indispensa-
vel sobre os seus -auxiliares e subordinados.

Nos lugares onde cada ramo especial de serviço of-


ferece pouca occupação, e onde he deficienle o pessoal
habilitado, cumpre accumular diversos ramos, tanto
' quanto não forem absolutamente incompativeis. He
indispensavel que a legislação dê alguma largueza ao
Executivo e de modo que a possa accommodar ás cir-
cumstancias.

Sendo os agentes administrativos, agentes da admi-


nistração a qualfaz parte do Poder Executivo,he fóra de
duvida que he este quem os deve nomear, quando são
destinados a levar a effeito atlribuições relativas a ne-
gocios e interesses geraes.
Primeiramente porque esses agentes são os instru-
mentos da administração, e não deve ella ser privada
de escolher os instrumentos, por meio dos quaes ha de
satisfazer a tarefa da qual be incumbida p~las leis.
24
-
- ,186 -,
Em segundo lugar porque he necessario que esses
agentes esf.ejão imbuidos do pensamento do Governo e
lhe sejão leaes. Não he possivel attingir bem esse fim
não sendo taes agentes escolhidos e demittidos pela
mesma administração cujos agentes são.
Em terceiro lugar porque esses agentes obrão debaixó
da responsabilidade, pelo menos moral, do Poder Exe~
cutivo e podem empenha-la e compromettê-Ia. He por-
tanto de rigorosa justiça, que, salvas certas excepções,
lhe pertença nomea-Ios e demitli-los. '

Não devem portanto os agentes administrativos ser


perpetuos e inamoviveis.

São estas as regras geraes, as quaes comtudo soffrem


excepções, porquanto as garantias necessarias á socie-
dade, a importancia de certas funcções, a difficuldade de
certas habilitações e o tempo que requerem, sobretudo
em paizes onde são raras} deternlinão certas restricções
e regras, que limitão e coartão o direito de demittir em
certos casos. Tal he, por exemplo, a inamovibilidade dos
Professores de instrucção, a estabilidade das patentes no
~xercito e na Armada, &c.

Ü3 Agentes administrativos devem pertencer, quanto


fôr possivel, sómente á ordem administrativa, para que
possa ser exercida sobre elles, por em cheio, a acção
administrativa superior.

Na verdade a mistura de attribuições administrativas


e judiciarias no mesmo agente, tem graves inconvenien-
tes. Esta mistura. desde os tempos em que vivemos su-
jeitos á Monarchia Portugueza, tem se dado, e ainda se
dá entre nós, e repugnil á di"Visão dos Poderes.,
- 187
03 antigos Juizes de Fóra, e Ouvidores de Comarca
accumulavão attribuições de natureza administrativa e
judicial. 03 Juizes de Paz. Delegados, Subdelegados,
Juizes Municipae~ e de Direito as tem accumulado e
accumulão.

Provêm isso primeiramente de que não temos uma


organisação administrativa completa e perfeita, nem
agentes administrativos distinctos nas localidades, aos
quaes podessem ser incumbidas attribuições de na-
. tureza meramente administratiya e geral (1). E mesmo
em alguns lugares não ha pessoal sufficiente e sufficientes
negocios para uma completa separaç' o; .

Provêm em segundo lugar de não haverem sido ainda


bem analysados. extremados e classificados os assumptos
na nossa legislação.

Na França, por exemplo, foi estabelecida uma no-


menclatura pratica, exacta e minuciosa ,dos negocios e
aUribuições administrativas, classi.H.cadas segundo a sua
natureza e alcance. Por meio dessa nomenclatura se-
parou-se e definio-se pratica e minuciosamente o que
constitue o governo economico das municipalidades, o

(I) Cada Mun icip io em Portugal (Conselho) tem um administrador do Con-


selho nomeado por Decreto do Rei. Este agente administrativo he enc.'\rregado,
sob a autoridade e inspecção do Governador Civil, da execução immodiata
das leis e regulamentos da administrat·l1o, sem prejuizo das attribuiçOes
das Camara·s Muuicipó.es e SeUS Presidentes.'
Tem attribuiçoes reliotivas ao "boletan:.ento ou transporte de Tropas .c
bagagens, á administra~llo militar. a c~lDtraÍ}andos, legitimações. ao rccm-
tamento, a impostos e bens da Fazenda, &c. Compete-lhe a vigilancia e ins-
pecção, na conformidade das !eis e r~gulame~tos, dos diversos estabel,cci-
mentos de piedade, beneficencla e enslDo publIco, e a exccuçl10 das Lp,ls e
regulamentos de poticia geral administrativa.. ...
He o administrador do ConseLbo a autOridade admlDlstratlva que leva
a acçilo administrativa geral ás localidades. He o braço do Govern"dor Civil,
e reune certas attribuiçOes administrativas que ainda estilo entre n9s con-
fiadas a autoridades puramente judiciaes e policiae5.
-188 -
que he policia municipal, policia administrativa e pre-
ventiva, e a judiciaria. Estas classificações forão postas
em harmonia com as dos Codigos e outraf\ leis, e estas
com aquellas, formando 11m todo completo, ligado e
homogeneo.

Assim, quando o Decreto de 30 de Março de 185'2


(chamado de decentralisação) tratou de decentralisar
mais, na França, a acção administrativa, devolvendo ás
localidades maior quinhão della, realizou essa impor- ·
tante mudança simplesmente por meio de quatro tabellas,
as quaes referindo-se ás classificações existentes compre- -
hendem miudamente os negoClos e attribuições de-
volvidas.

Reformámos a nossa antiga legislação, a Portugueza, e


acco~modámo-Ia ás nossas novas instituições políticas'
por meio de leis,que contém algumas theses e proposições
muito geraes . A legislaçãO que regula a nossa organisa-
ção e hierarchia administrativa, a que creou as filunici-
palidades, os Juizes de Paz, o Co digo Criminal, o do
Processo, o Acto addicional, a lei de 3 de Dezembro de
1841, a do Conselho d'Estado, &c. tudo isso foi feito aos
pedaços, sem verdadeiro nexo, em épocas diversas, nas
quaes domina vão vistas e idéas desencontradas, e não
tem portanto, nem outra cousa podia .ser, aquelle nexo,
aquella previsão, aquella harmonia, aquelle desenvolvi-
mento que uma boa, completa e perfeita legislação
deve ter.

Tem-se clamado pela reforma da Lei de 3 de Dezem-


bro de 1841, especialmente e cõm paixão. Mas quem não
vê que os defeitos principaes de que a arguem e tem, sào
- ' 189 .-
os mesmos da legislação anterior, da lei do: Juizes de
Paz de 1827, . e do Codigo do Processo de 1831 ? Como
era possivel em 1841 tentar uma reorganisação comple-
ta e mais vasta na presença de uma opposiÇão forte e
numerosa, em uma lei urgente, simplesmente judiciaria,
e instituir ne11a a separação da Policia administrativa e
judicial, a da geral da Municipal, quançlo as leis é a orga-
nisâçãO administrativa não estavão em harmonia, quando
as classificações do Codigo penal, feito antes do Co digo
do processo e do acto addicional, não se prestavão a uma
reforma ampla, e devião tambem ser, em conformidade
e em harmonia com esla modificadas? E quando não
faltava quem acreditasse que havia uma Policia Provin-
cial que ningJlem ainda definio, e que impossivel he
definir. E se a lei de 3 de Dezembro encontrou tamanha
opposição nas Camaras, se a sua discussão foi tão demo-
rada, o que aconteceria .se a reforma, abandonando o
systema da legislação existente, comprehendesse tambem
modificações .profundas na parte administrativa.

Tudo que diz respeito á organisação das sociedades


liga-se e prende-se intimamente, e portanto às partes da
legislação que as regem ligão-se, prendem-se, influem
e, mais ou menos, dependem umas das outras. Para
que um paiz seja bem governado e administrado, he
preciso que todas as suall instituições se liguem e se
coadjuvp,m mutuamente, que joguem certo, e estejão
em harmonia.

Aquella lei não pó de ser bem reformada emquanto


não tivermos agentes administrativos nas localidades,
aos qu~es sejão confiadas certas attribuições que não
são judiciarias, e emquanto as classificações do Co-
-190 -
digo Penal não forem postas em harmonia com o novo
systema (1).

Reflectindo-se sobre a nossa actual organisação ad~i­


nistrativa reconhece-se que eUa não consultou quanto
convinha os principios que ficão expendidos. O mal não
vem da Constituição. .

Aorganisação administrativa he a' organisação dos ser-


viços de que se compõe a administração; he a organisa-
ção da sua acção, dos seus agentes e das funcções destes.

Já observei que he essa materia essencialmente mi- .


nuciosa; que se compõe de disposições e medidas, pela
maior. parte sújeitas a alguma mobilidade, e que he sem
duvida por isso que nenhuma ConstituiçãO regula a 01'-
ganisação administrativa. Murcão as grandes feições po-
liticas do Poder Executivo, suas attribuições, seu jogo
com os outros Poderes. Não entrão na miuda desl'ripção
dos meios e instrumentos de que se deve servir para
administrar. Deixão isso com razão á legislação organica
e regulamentar.

o capitulo 1.° do Tit. 7.° da Constituição, intitulado


- na administração - e o Capitulo 2", intitulado - Das
Camaras- deoorminão sómente, que haverá em cada
Provincia um Presidente nomeado pelo Imperad{)f, e em
todas as Cidades e Villas Camaras electivas, ás quaes
competirá o Governo economico e municipal das mesmas
Cidades e VIllas.

(1) Foi. em parte, com esses fundamentos mais desenvolvidos que im-
pugnei na sessão do Senado de 24 de Julho de 1858, o projecto de reforma
da Lei dll 3 de Dezembro de 1841, que então se discutia.
- 191-
A. Constituição referio-se ás divisões então existentes,
sujeitas a modificações; quiz que o primeiro agente ad-
ministrativo nas Provincias fosse da nomeação do Im-
pera dor, e que o Imperador o podesse demittir quando
entendesse conveniente; que fossem electivas as Cama-
ras Munrcipaes, e lhes , competisse o governo eco-
no mico e municipal. São estas as bases que estabeleceu
para a nossa organisaçâo administrativa, e são esses os
unicos pontos constitucionael). O seu desenvolvimento
, foi deixado ' ás leis organicas e regulamentares. Não ve-
dou a Constituição a creação de outras autoridades"
salvos aquelles pontus, e nem o Imperio poderia ser ad-
ministrado só mente com aquellas. Tão; pouco vadoll
outras divisões administrativas, dentro das quaes se
movessem aquellas autoridades.

São estas as unicas ,bases constitucionaes da nossa or-


ganisação administrativa. Presidentes de Provincia-
Camaras Municipaes.-A legislaçãO regulamentar to-
rnou-as muito ao pé da letra; não as alargou e desen- •
volveu como cumpria; isto he não lhe encheu as lacunas,
- não separou devidamente a administração da justiça, o
que era administrativo puro ou gracioso do contencioso,
não creou agentes administrativos propriamente auxi-
liares dos Presidentes das Provincias nas localidades.

N0S lIunicipios não tem o Governo Geral, nem seus


Presidentes agente algum administrativo de sua norriea·
ção que exerça ahi a sua acção e fiscaIisação, visto que
as Cu-maras Municipaes são de eleiçãO popular, bem como
seu Presidente, e devem restringir~se a negocios e inte-
resses municipaes. Entretanto ha nos municípios nego-
cios c interesses de outra natureza.
_. 19~

Não tendo os Presidentes auxiliares naturaes seus


ordinarios administrativos que levem a sua fiCçãO aos
pontos remotos de extensissimas Provincias, servem-se
das Camaras Municipaes com existencia propria e inde-
pendente, dos Juizes de Direito, Municipaes, dos em-
pregados de policia. Por isso tem se visto o recruta-
mento incumbido a juizes nos municipios de fóra,
bem como outras diligencias e averiguações estranhasllos
seus officios, e improprias do seu caracter official.
A1gumas Assembléas Provinciaes tem procurado sup- .
prir essa lacuna, creando agentes administrativos, de-
nominados Prefeitos, creação que não cabia nas suas
attribuições (1).

Toda a gerencia da administração das Províncias está


amontoada nas mãos dos Presidente~, por modo que
não ha talvez um paiz constitucional, onde tenha lugar
.
uma tão forte concentração administrativa, e ao mesmo

(1) A necessidade de agentes proprios e especiaes dos Presidentes, que


levem a acçtio destes ás localidades, demonstra-se tambem pelas repetidas
tentativas feitas para estabelecê -los.
Os arts. 209 () 210 do projecto de Constituição apresentado á nossa As-
sembla Constituinte, crea,'ilo em cada Comarca um Presidente, e em cada
districto um Sub-Presidente. E note-se que as Comarcas serião mais pe-
quenas que as actuaes Provincias.
. O projecto apresentado na Camara dos Deputados em ti de Julho de
1826 pelo Sr. Diogo Antonio Feij6, para a administração e economia das
Províncias, creava no Tit. 9.°, com a denominaçao de Com mandantes das
Villas, ou Sub-Presidentes, Delegados dos Presidentes das Provincias nos
Municipios. Verdade h~ que esses Delegados do Presidente erão propostos
pelas eamaras Municipaes em lista triplice, da qual o Presidente rscolbia um.
O projecto apresentado [la mesma Camara em 27 de Setembro do dito
atino pelo Sr. Vergueiro para a organisaçã<>-. das Camaras Municipaes, art. 17
e seguintes, continba disposição identica, com a ditrerença de que a Ca-
mara Municipal propunha ao Presidente quatro individuos. Esse Delegado
denominava-se lntendcnte Municipal.
O Si 1'.1 do alt. unico do projecto que mandou couferir poderes aos
Deputados para a reforma de "arios artigos da Constituição, remeWdo
pela Camara dos Deputados ao Senado em 14 de Outubro de 18 31, dizia
a s~ im: - os Municipios haverá um Intendente, que será nelles o mesmo
que os Presiden tes uas Provincias.
Já se vê portanto que a e~istencia de agentes administrativos subordi-
nados aos Presidentes das Provincias nos Municipios, he reconhecida como
util e admittida por opinioes não suspeitas de pouco liberacs.
- 193-
tempo uma tão grande falta de auxiliares naturaes do
centro-. E não clmhecendo nós bem o contencioso ad-
ministrativo, apezar de o termos, (nem poderi~mos dei- •
xar de tê-lo); não fazendo a nossa legislação distincção
efficaz entre elle e o gracioso, de modo que tudo quanto
. não ··he judicial, he puramente discricionario, todas as
decisões ou, para melhor dizer, todos os julgamentos
administrativos que, em outros paizes, por perten-
cerem ao contencioso, competem a Tribunaes adminis-
trativos, são entre nós decididos por um homem só,
o Presidente.

Todos os negocios e interesses administrativos nos


l\lunicipios, que não são da competencia das Camaras
Municipaps, e ainda os que o são, por via do art. 73 da lei
do 1.0 de Outubro de 1828, ficárão assim immediata e
directamente dependentes do Presidente da Provincia
unicamente, o que dá lugar a uma accumulação de
negocios e a uma centralisação exlraordinaria j a uma
instabilidade e a delongas perniciosissimfls, para o ser-
viço publico, e aos direitos e interesses dos particulares;
sobretudo em Provincias faltas de meios de communi-
cação e muito extensas.

A nossa .lei das Camaras Municipaes do 1.0 de Ou-


tubro de 1828, ainda hoje em vigor, foi um verdadeiro
embryão filho da inexperiencia. A sua pessima dispo-
sição e redacção a torna demasiadamente confusa. Lan-
çou alguns traços geraes que nunca forão desenvolvidos
por bons regulamentos praticos, que lhe terião feito
sobresahir os defeitos e a necessidade de eme.nda. At-
tendeu sómente á deliberação e não á aoçãQ, porque
confiou esta a uma corporação com reuniões p~riodicas.
. 25
-_ 194-
Cuidou sómente de marcar attribuições, esqueceu-se
dos meios necessarios para as levar a effeito. Esqueceu
completamente o axioma -a deliberação deve perten-
cer a varios, a acção a um só-o Esqueceu-se de que a
acção a um sÓ he que torna a responsabilidade legal
e moral uma realidade~
tU&.PITULO XXV.

Dos Conselhos admlnlsit"a.tivos.

Já vimos em outro lugar que os Conselhos ad-


ministrativos são tambem Tribunaes do contencioso
administrativo. Vou considera-los simplesmente como
Conselhos.

Para qUfl a deliberação e a: acção que d'ella resulta


seja illustrada e acertada; para que esta melhor possa
ser fiscalisada.; para que a responsabilidade seja mais
patente e justa, convém que certos agentes adminis-
trativos, pelo menos os superiores, sejão auxiliados
por Conselhos bem organisados. Já Camões tinha dito,
não me lembro em que Canto dos seus Luziadas.

Os mais éxperimentados levantai-os,


Se com a experiencia tem bondade,
Para o vosso Conselho, porque sabem
O como, quando e onde as cousas cabem.

Estes Conselhos porém devem ser organisados de


modo, que não pêem a acção dos agentes da admi-
nistração e não a compliquem.
- 196
Refiro-me a certos actos da administração pura e
graciosa e ao contencioso, e não a at~ribuições e me-
didas de natureza politica, e puramente discricionarias,
as quaes cumpre que sejão promptas, independentes,
se o caso assim o pedir, de ' formalidades, revelações
e delongas.

A organisação Fl'anceza proveu ao acerto da acção


cercando certos agentes administrativos de Conselhos,
os quaes, sem embaraçarem a acção administrativa,
a illustrassem, preparando e estudando as questões,
conservando as tradições, uniformando a marcha ad-
ministrativa, contribuindo para que tivesse segui.mento,
fiscalisando··a por esse modo e tornando mais claros
e patentes a responsabilidade e os desvios.

A organisação Franceza collocou perto de cada agente


principal da administração um Conselho destinado e
sempre prompto para illustra-Io, sobre as difficuldades
que póde encontrar, e para dar-lhe pareceres sobre os
melhores meios de provêr á execuç~o das leis.

. Os Conselhos administrativos alli, em relação aos


agentes directos junto aos quaes estão collocados,
dividem-se em geraes, departamentaes, municipaes e
coloniaes, segundo estão. ligados ams agentes directos
da administração geral, nos departamentos, municipios
e coloriias. E isto pelo modo seguinte:

No centro da administraçãO', junto ao Imperador


Chefe Supremo d' eUa, existem:
O Conselho dos Ministros.
O Conselh') Privado.
O Conselho de Estado
- 197-
Junto ao ' Ministe'rio de Estado (1):
O Conselho Geral dos edificios civÍs .

Junto ao Ministerio do interior:


O Conselho dos Inspectores geraes dos estabeleci-
mentos debeneficencia, ' das prisões e asylos de alie-
nados.
O Conselho geral da administração, das linhas tele-
graphicas.

Junto ao Ministerio da Agricultura, Commercio e


trabalhos publicos.
O Conselho' Geral da Agricultura.
A Commissão consultiva das artes e manufacturas (2).
O Conselho Geral ' do Commercio.
O Conselho superior do .commercio, da Agricultura
e da industria. '
O ConselÇ.o ge~aI- das , pontes e calçadas.
;0 das minas.
A Commissão consultiva dos caminhos de ferro.

(1) Não he minha intençllo fazer aqui , uma nomenclatura completa e


perfeita dos Conselhos admiuistratiyos Francezes, nem consignar aqui 8S
modificações, aliás nilo essenciaes, que modernamente tem som~do, o que,
com pouco proveito em geral para o leitor, ,tomaria Ilqui muito espaço.
A enumeraçilo que faço he sómente para exemplo, e para dar uma idéa
geral. .
(2) Esta Commissilo acaba de SCI' reorgallisada e, representa um papel
muito importante. Procede a um inquerito, para assim dizer permanente,
sobre todas 115 questoes que pertencem aos dominios do commercio, da
industrill e das fabricas. Nilo tem propriamente iniciativa, mas dá pare-
ceres, os quaes muitas ,'ezes tem serv,ido de base ou fornecido elementos
para leis, ordenanças, decretos e decisocs. Entre outras attribuiçOes per-
. tencem-lhe a c1assificaçilo c . regimen ,dos estabelecimentos insalubres, o
cxame ,Ias questOes relativ8s aos processos industriaes, das invençlles, o
que respeita a pesos e medidas, A importaçao de metaes e de machinas,
ÓlC. , &c. Finalmente consulta so bre as questOes e litigios que nascem da
aPlllicnC1iO das tal'ifas a productos novos, questoes sobre as quacs as scien'
cias chi'micas, mecaniclls e metaJlurgicas tanto podem esclarecer ou regular
a ace1io do fisco, ou das Alfandegas. Este Comelho tem contado no seu
seio as maiores iIIustraçoes como Montgolfier, Am pere, Gay Lussac, The-
nard, Seguie!' e outros que brilbúrno na carreira das sciencius, dn industria
e dus artes.
- 198-
A Commissão consultiva de Hygiene publica.
A Commissão permanente das Caudelarias.

J unto ao Ministerio da instrucção publica :


O Conselho Imperial da instrucção publica.
- O Conselho da administração do~ cultos.

Junto ao Ministério das finanças:


O Conselho de administração da direcção geral das
contribuições directas.
O Conselho de administração da direcção geral das
Alfandegas e das contribuições indirectas.
O Conselho de administração dos Correios,
O Conselho de administração das florestas .
A Commissão das moedas.

J unto ao Ministerio da Guerra:


A Com missão consultiva do Estado Maior.
A Commissão consultiva da Artilharia.
A Com missão consultiva da Cavallaria.
Dita da Gendarmerie.
Dita das fortificações.
nita da saude dos Exercitos.
Dita de Hygiene- hippica.

Junto ao Minislerio da Marinha:


O Conselho do Almirantado.
O Conselho dos trabalhos da ~iarinha.
O Conselho Imperial das presas.

Junto aos Prefeitos:


Os Conselhos geraes.
Os Conselhos de Prefeitura.
199 -
Os Co.nselho.s das Faculdades o.U Academias, o.nde
as ha.
O Co.nselho. departamental da instrucçAo. publica.
A Camara do. Commercio., o.U Camara co.nsultiva das
artes e manufacturas.
O Co.nselho. de recenseamento. (\u revisão. para o.
re.crutamen to..

Junta ao. Subprefeito.:


Os Co.nselhos de arrondissement.
A Camara de Agricultura.

Junto. ao. Maire :


Os Co.nselho.s Municipaes, para parte de suas attri-
buições.
A Co.mmissão. administrativa do.s Ho.spicio.s.
As Mesas de beneficencia.
O Co.nselho. das Fabricas o.U da administração. das
Paro.chias.

Não. menclo.no o.S Co.nselho.s de administração. das


Colo.nías po.rque as não. temo.s.

Os Agentes administrativo.s tendo reso.lvido. á vista


do. parecer do. Co.nselho, no.S caso.s em- que he requerido.
po.r lei o.U co.nvém, executão., debaixo. de sua respo.nsabi-
lidade, o. que reso.lvêrão..

A organisação administrativa da Hespanha rodeo.u


do. mesmo. mo.do. de corpo.s consultivoS' as adminis-
trações Pro.vinciaes e Municipaes, separando. a acção
da deliberação.. Os seus Chefes po.lítico.s o.U Go.verna-
dores de Pro.vincias, estão. ro.deados 'não. ' s6mente de
- 200-
Conselhos Provinciaes, como tainbem" de certas com-
missões ou juntas incumbidas de os auxiliar com suas
luzes e experiencia, na direcção de éertns ramos do
serviço publico.
,
. Na orgánisação de seus ayuntamientos (Camaras Mu-
nicipaes) está separada a deliberação da acção e entregue
esta aos seus Alcaides, autoridade exe~u!iva do~ mes-
mos ayuntamientos.

A a~ministração municipal, diz Colmeiro, Derecho


administrativo Espanol, divide-se, á. semelhança da do .
Estado, em deliberação e acção. Aquella está a cargo dos
ayuntamientos, e esta incumbe ao AlcaIde, significa-
ção do Poder Execu livo no seio dessas corporações,
conforme a regra constante- o que o deliberar he pro-
prio de muitos e o executar de um só. .

Portugal seguio os mesmos princlplOs, no seu "


codigo administrativo de 18 de Março" de 1842. O
Reino está dividido em Districtos administrativos, que
correspondem ás nossas Provincias, "administrados por
um Magistrddo da ordem administrativa com a denomi-
nação de Governador civil, e em Conselhos (Municipa-
dades) administradas por outro ~Iagistrado, denominado
Administrador do Conselhoo:-

Junto ao Governador civil ha o Conselho de Districto,


composto do mesmo Govj3rnador, que he o Presidente,
e de quatro vogaes nomeados pelo Rei, sobre proposta
da Junta Geral. Esse Conselho he corp.o consultivo,
e deliberati VQ nos casos marcados no Codigo "adminis-
trativo.
- 20L-

'. A Belgica, cuja organisação administrativa he muito


especial por circumstancias .peculiares , tem as. 'suas
Deputações permanentes, compostas' de seis Membros
tirados dos Conselhos Provinciaes, com voto consultivo
e deliberativo em certos casos, presididas pelos Gover-
nadores das' Províncias, e que constituem o seu Con-
selho. Lei Provincial (isto he lei da organisaçúo Pro..
vincial Belga) de 30 de Abril de 1836. .

Ao passo que a nossa lei das Camaras l\iunicipaes


altendeu quasi exclusivamente á deliberação, a insti:
tuição dos Presidentes de Provincia nao tem a·ttendido;
como convinha e devêra, á deliberação e ao conselho;

A lei de 22 de Outubro de 18.23, primeiro e muito


defectivo regimento que tiverão os Presidentes de Pro~ .
vincia, confiou provisoriamente o governo das Provin-
cias a um Presidente e Conselho.

O Presidente despachava por si só e decidia todos os


negocios em que se nüo exigia especificadamente a
cooperação do Conselho.

Nas materias da Gompetencia necessaria do Conselho


tinha este voto deliberativo, e o Presidente o de qua-
lidade.

Com tudo não estando reunido o Conselho (qu~ aliás


o Presidente podia reunir extraordinariamente) facul-
tava a lei ao mesmo Presidente provêr por si só, sobre
materias da competencia do Conselho, sujeitando de-
pois o que houvesse feito á deliberação do mesmo
Conselho-o
26
- 202 ' -
"E quaes erão as aUribuições da n~cessaria compe-
tencia deste. -Enumerarei algumas.
Fomentar a agrictdtura, commercio, industria, artes"
salubridade e commodidade geral.
Promover a educação da mocidade.
Formar o censo e a estatística' da Província. (Con-
selhos formando censos e estatisticas I)
Cuidar em promover o bom tratamento dos escravos,
e propõr arbítrios para facilitar a sua lenta emancipaçtlO.
Promover as missões e catechese dos Indios, a co-
lonisação dos estrangeiros, a laboração das minas, o
estabelecimento de fabricas mmeraes nas Províncias
~etaniferas, & c.

Palavrões, e nada de positivo e pratico. Erão como


diz Camões:

« Nomes com que se o POI'O nõscio engana. II

Engana-se, mas desengana-se depois, e a decepção


desmoralisa as instHuições.

Conselhos organisados por similhante modo não po-


• dião ser e não forão de utilidade alguma. Em épocas
de partidos e de paixões pÇllilicas sobretudo, filhos da
eleição popular ou estorvavão a marcha do Presidente,
agente do Poder Executivo, ou servião-Ihe de escudo
para se acobertar da responsabilidade, ou erão convo-
cados depois de tomada a medida, para a , desmorali-
sarem, se lhe erão avessos. '

, E tinhão esses Conselhos attribuiçõespoliticas, e pu-


ramente executivas. Era, por exemplo, da sua privativa
- 203
,.competencia suspender Magistrados . e o 'Commandanle
' Militar da força armada, instando a causa publica:.
Nestes dous casos nãÚ' se podia prescindir da deliberação
prévia ' do Conselho.. .

,Essas instituições desacreditárão-se, e, como todas


as que não são pralicas, positivas e applicayeis, nãe
produzirão fructo e cahirão na nullidade. A lei de 3
de Outubro de 1834, que deu novo Regimento aos
Presidentes de Provincia em conformidade do acto ad-
dicional; em lugar de melhorar essa instituição, emen--
dando-lhe o vago e os defeitos, tornando a pratica,
extinguio-a. ' Não foi extincta pelo acto addicional,
mas p'or essa lei, a qual declarou que -as attribuições
que pertencião aos Presidentes em Conselho serião exer-
cidas pelo Presidente só.

Essa lei de 1834 não attendeu portanto á regra acima


estabelecida - a deliberação deve pertencer a varios.

Âssim a nossa legislação tem concentrado nas mãos de>


Presidente dá Provincia, ás vezes novel, ao menos nos
negocios locaes, sem assistencia de Conselho algum, sem
{) auxilio de agentes intermediarios, directa e immedia-
!amente, todas as aUl'ibuições graciosas e contenciosas.

_ Pelo que, 'por falta de conselheiros naturáes e pro-


prios, tem sido alguns Presidentes de Provincia le-
yados a consultarem os Presidentes das Relações, Juizes
de Direito 'e outras autoridades sobre assumptos alheios
ás' aHribuições destas, e sem que por taes conselhos
merámenle officiosos., possúo incorrer em alguma res.~
p'onsabilidade.
20-4 - .

Qual tem sido o resultado de similhante estado de


cousas?
:Tudo quanto he administrativo he entre nós arbi-
trario. moroso e precario. A attenção dos Presidentes
de Provincia apenas póde fixar-se no manejo politico
das Provincias, sobre a intriga eleitoral, que em tudo
influe,' e no mero expediente. Ha Províncias nas
quaes ' o Presidente mantem correspondencia direcla
e immediata com 600 a 800 funccionar.ios, ainda
sobre a~ mais in significantes miudezas da adminis-
tração. He elle uma machina de assigríar o nome.

, .Os "negocios não podem ser devidamente esclarecidos,


sobretudo faltando aos Presidentes quem os prepare, e
QS eluçide com o conselho e com as luzes das tradiçóes.

As continuadas e inev itaveis mudanças de Presidentes,


resultado do estado politico do paiz, e de outras causas,
aggravão o mal. Tem-se julgado necessario escolher
homens políticos, membros ' do Corpo Legislativo que
servem por pouco tempo .e dão lugar a periodicas in-
terinidades . '

. Dahi e da falta de vitalidade na acção administra-


t~va, provém uma extraordinaria lentidão na expedi! _
ção dos negocios administrativos, grande falta de co-
hesão e systema, e' uma notavel esterilidade, senão
de projectos, ao menos de melhoramentos, r~ae.s. ' · . .
. .
Pensou-s~ que o acto addi'cional introduzindO .0 ele ..
mento federativo, ,e o sel( go-vernment nas Províncias
remediari~ 0 mal, porém' os 27 annos decorridus desde-
1834 .devem ter trazido o, desengano. r'
205 ~

o aelo addicional lal qual tem sido exeeulat,lo, sem


o auxilio de outras . instituições, que aliás não lhe re-
pugnA0, decentralisando as Provincias da Côrte, cen-
tI'alisa nellas o poder nas mãos das Assembléas Pl'O-
vinciaes e na dos Presidentes unicamente. O poder
municipal foi reduzido e sujeito a uma rigorosa tutela
·das mesmas Assembléas e uos Presidentes.
A acção administratiya fortificada sómente no centro,
inteiramente discricionaria, sem· conselho, e sem · au-
xiliares proprios e naturaes nos differenles pontos de
extensas Provincias, mal póde fazer chegar ahi a sua
acção efficaz . São ellas corpos cuja circu1ação não
chega ás suas extremiuades .
Não he portanto de admirar que as co usas lenhão con-
tinuado pouco mais ou menos no mesmo estado, quanto á
administt'ação das Províncias, e que muitas permaneção
illtanguidas em uma e.specie de marasmo administrativo.
Demais o self govcmment não he um talisman de
que possa usar quem quelra. O sel{ govcrnment he
o habito, a educação, o coslume. Está na tradição,
na raça, e quaQ.do faltão essas condições, não póde ser
estabelecido pelas leis, porque como, ha tres seculos,
dizia Sá de Miranda
Não valcm leis scm cos tumc,
Vale o costlllliC sem Ici.

Assim, não obstante o aeto addicional, a nossa organi-


sação administrativa produz quasi os mesmos resultados,
que produzia antes delle. A acção administrativa pouco
mais efficaz e extensa he. Não provém o mal do aeto
addicional, mas das causas já apontadas e outras.

(!~PITIJLO XXVI.

no (!onselho de Esta(lo.

L'expericnce des generations prom'e que le


Conseil d'Etat est compatible ayec toutes les formes
de gouvernement, pourvu que son instituition
soit mise en harmonie avec le principe politique
de chaque regime particulier.
Vidaillan - De la jurisdictioll directe du Conscil
d'Etat.

Pareceu-me conveniente, depois de 'ter tratado dos


Consélhos administrativos, fazer algumas considerações
especiaes sobre o Conselho de Estado, e particularmente
sobre o no~so. Sendo, como he, meramente consultivo,
por isso e por outras razões, prepondera mais nelIe o
caracter de Conselho, de instrumento (1) do que o de
Tribunal; pelo que he este o lugar onde a materia que
vou expôr tem mais azada collocação.

Conse.lho de Estado, em geral, he uma corporação


composta de homens eminentes collocados junto ao

(1) « Dans la verité le Conseil d'Etat n'est point par lui mcme nn pouvoir
public, ce n'est que l'instrument d'un des pouvoirs .publics definis par la
Charte." Comte de Portalis. Rapport a 11\ Chambre de Pairs sur la loi de
I'organisation du ComeiJ d'Etat.
- 208
.
Governo, para o aconselhar, c cujas aÜribuiç'ões tem
variado segundo os tempos, e as circumstancías po-
líticas ( I).

Não ha um só typo para esta instituição. Depende


da organisação, côr, altribuições, e desenvolvimento que
a Constituição " e muitas vezes s6 as leis ordinaritis '

. -
lhe dão.

Ilistorico.-ConselJlo ),)'h'atlo lia IlIg)atm')'a.-ColIselbo de Es.


tado na F)'~\n ...a, lia ,Hesl,anba, em POI'tuga) e no Brasil.

Eskl instituição do Conselho de Estado remonta a


teQ1pos antiquissimos e he muito geral. A. Escriptura nos
ensina que Esdras foi mandado para a Judéa em nome
e pela autoridade do Rei Artaxerxes, e de seus sete
Conselheiros. Os Conselheiros dos Reis da Persia devião
conhecer a fundo as leis, as maximas do Estado, os
antigos costumes, e acompanhar por toda a parte o
príncipe, o qual nada fazia que importante fosse, ~em
os haver consultado.

Solon estabeleceu o Areopago em Athenas.


Augusto creou um Conselho em Roma. Adriano
dividío-o e~ duas Secções, uma para os negocios go-'
vernamenlaes chamada Consúlorium, e outra para, os

(I) Ou como diz Sire)'. Du Conseil.d'Elat selon la Charle. «Un Con.seil


d'Etat, dans l'acception la plus générale, est une reunion d'hommes d'Etat
et de Jurisconsultes chargés d'aider, de leurs lumieres et de leurs travaux,
le Chef suprem e de I'Etat dans I'cxercice de tous ses pouvoirs légiti~es;
principalement, pour la préparation' des lôis ou réglements, et pour toutes
les décisions de justice qui ne sont pas du ressort des tribunaux ordinoires,
ou deleguées à ql1elque grande mo gistralure extraordinaire. »
- 209-
negocios juridicos e contenciosos denominada "Audito-
1'ium, presidida pelo Prefeito do Pretorio.
Os Governos do Oriente, as Republicas da Grecia e de
Roma, o Imperio Romano ou o Baixo Imperio, e as
Realezas delle desmembradas, offerecem o mesmo modo
de discussão, de preparação e sancção de seus actos.
Estes Conselhos tinhão grande semel hança com os
Conselhos'de Estado modernos (1).

Ao mesmo tempo que vou dar, para que melhor


seja comprehendida e,ssa instituição, algumas idéas dos
principaes Conselhos de Estado modernos, juntar-Ihes-
hei algumas noções historicas, que, a meu vêr, muito
illustrão o assumplo. Começarei pelo Conselho Privado
de Inglaterra, instituição, como todas as Inglezas, ·muito
especial. Por isso, e porque muitos fal1ão nella e a
citão sem a comprehenderem. talvez sobre ella me
demore mais do que permilte o meu plano.

Be preciso partir das seguintes considerações.

O Direito administrativo, como vimos, he a sciencia


da acção e da competencia do Poder Executivo, das
administrações geraes e locaes, e dos Conselhos adminis-
trativos, em suas relações com os direitos, ou interesses
dos administrados, ou com o interesse geral do Estado.

Ora um uos caracteres mais importantes e especiaes


do governo inglez, consiste em que o ~oder adminis-

(1) Vidaillan. Histoirc dcs Conscils du Roi.


27
- 210
trativó nao póde executar as leis a respeito de pessoas
privadas, senão com a acquiescencia d' estas, ou senão·
depois que a mesma lei lhes foi applicada por uma ' de-
cisão judicial. Por outras palavras, como diz Cox, an-
tes que qualquer procedimento do governo, affectando
{)essoalmente um subrlito inglez, possa ser levado a
effeito, tem este, pela lei ingleza, recurso para o Po-
der Judicial (1).

" Assim a jurisdicção administrativa na Inglaterra he


necess·ariamente volunlaria. Logo que ha' contestação do
partícular, e he portanto contenciosa no sentido lato
d' essa palavrll, pó de o mesmo individuo recorrer pura
o Poder Judicial.

D'ahi se segue:
Que a' organisação ingleza repelle o Lypo dt> con-
tencioso administrativo que apresentão a l<'rança, a Hes-
panha, Portugal e o Brasil.
Que não póde ter Tribunaes administrativos orga-
nisados no mesmo sentido, e pelo modo pelo qual 9S
tem esses paizes.
Que o Poder Judicial he na Inglaterra uma impor-
tantíssima mola da administração, e que esta não pó de
funccionar sem ella.

Mas se o Pode~ Judicial intervem na Inglaterra para


remover os obstaculos que se oppõem á acção da ad-
ministração sobre objectos de natureza administrativa,
o Parlamento e a Corôa intervem depois em aclos ju-

- ( 1 ) Thc British Commoowcnlth by Homershnm Coxo Chapler 29. The


roynl ndmiuistrntivc prerogative.
-211
diciaes. Os diversos Poderes tocão-se e chegão a con-
fundir-se .

Note-se que hc a Inglaterra o paiz onde semelhante


systema menos inconvenientes póde encontrar. O In-
glez pende muito mais para aU}iiliar a administração
do seu paiz do que para embaraça-la. -

A lei ingleza, diz Btackstone (1), assiste o Soberano ('2)


no desempenho de seus deveres, na manutenção de sua
dignidade, e no exercicio da sua prerogativa, dando-lhe
differenles Conselhos para aconselhá-lo.

O primeiro qUE} enuméra , e com elle outros autores


he o Parlamento .
O segundo sã.!) os Pares do Reino, Membros da Ca-
mara alta.

Os Pares de Inglaterra são pelo seu nascimento (úy


lheir birth) Conselheiros hereditarios da Corôa ,-e po-
dem ser chamados po~' ella para a aconselharem so-
bre todas as materias de importancia para o Heino,
quer o Parlamento esteja reunido, quer não. Os an-
tigos livros da: lei ingleza dizem gue · os Pares forão
creados por duas razões. 1. a ad cons'ulendurn, 2. a ad
de{endendum regem. (3)

(1) Commentaries of the law or Englaud. vo l. 1. Chapter 5 or Lhe


Uoyal Councils.
(2) He n exp ressllo que empreg50 com prererencia os escriptores inglezes,
( 3 ) Estes Conselhos dos Pares reunidos (together) para aconselhar, fúra
do Parlamento, tem cahido em desuso, segundo attesta Mac Culloch, 13,'i-
tish Empire. vol. 2.° Constution. The Ring, (4,a ed ição l. Os exemplos ([lIe
cita Blackstone de reunioes d'esses Conselhos slio antigos. ,
- 212-
Tem além disso cada Par a faculdade de pedir ao
Soberano uma audiencia, e de fazer-lhe n'ella respeito-
sas ponderações sobre o que julga mais importante ao
bem publico.

Tambem os juizes são conselheiros do Rei em ma-


terias de legislação, e obrigados por Estatutos a assis-
ti-lo em todos os negodos em que as leis apresentão
difficuldades (1).

Porém o principal Conselho do Soberano he o Con-


selho Privado (Privy Councü) ,geral, e simplesmente
denominado o Conselho (The Council i.

Carlos 11, em 1679 limitou a 30 o numero de seus


Membros. Foi depois augmentado, e he illimitado hoje.

São nomeados á vontade do Soberano, e á sua von-


tade dcmittidos, (at pleasu1'e) posto que q uasi sempre
gozem do cargo por toda a vida. Não são exigidas quali-
ficações. Basta ser Inglez. natural born, e estar prompto
para prestar juramento.

Ordinariamente u lista dos Conselheiros Privados corp.-


prehende a família Real, os Arcebispos, alguns Bispos,
muitos dos principaes juizes, o Presidente da Camara
dos Communs, os Embaixadores da Rainha, e aquellas
pessoas que forão nomeadas para os principaes cargos
administrativos (2).

(1) Cnbi Det Lnwyer.


(2) Homersham Coxo The British' CommoDwealth. ConstitutioD of Prin
CouDcil. · •
- 213-
o numero dos Conselh'3iros Privados he mui crescido
para ser compativel com o governo pratico, muito prin.
cipalmente tendo sido, e sendo eonferida essa nomeação,
como entre nós a Carta de Conselho, sómente como
honra e distincção (1). Assim ha muito tempo que 11
pratica de convocar todo o Conselho Privado se tornou
obsoleta.

Hoje cada Conselheiro Privado só mente comparece


para .aconselhar, quando he individualmente convocado
(summoned) para cada occasião especial (:2).

o Conselho Privado he presidido pelo Lord Presidente


do Conselho, o qual faz parte do Ministerio (3).

o mesmo Blackstone, o Principe dos Jurisconsultos


Inglezes, acha muito difficil definir a jurisdicção pri-
mitiva desse Conselho, o qual exercia, e ainda hoje
exerce, com modificações, funcções judiciaes, legisla-
tivas e administrativas. As suas attribuições criminaes,
em outras épocas mUl amplas, achão-se agora mui re-
duzidas (4).

(1) Os Conselheiros Privados tem o titulo de righL honorahle . A Carta


de Conselho entre nós he meramente um titulo e distincçllo honorifica, o
qual confere o tratamento de Senhoria , e certas precedencias. O· Alvará
de 20 de Novembro de 1786, e outros chamno-Ihe titulo, exprimindo-se assim-
as pessaas condecoradas com este titulo. Andava e anda ligado por lei · a
certos cargos como por exemplo: aos Deputados do Ultramar, aos Conse-
lheiros do Conselho do Almirantado, aos Membros do Supremo Tribunal
de Justiça, &c. &c. O art. 163 da Constituição diz que estes serão conde-
corados com o titulo de Conselho .
(2) Cabinet lawyer Chapter 3. The Sovereign-Creasy. The rise and progress
of English Constitution.
(3) The Lord President of the COllucil (Privy Council) nn office of great
antiquity, revived in the reilín of Charles II, and since continued. Its duties
are Iittle more than nominal; but it attendecl, lJy custom, with a seat in
the Cabinet. Mac Cullocb. British Empire.
(4) Fonblanque. How we are governed,

.
· ~2U-

As obrigações do Conselheiro Privado. decorrem do


juramento que presta, e que comprehende sete pontos.
Jurão: 1. Aconselhar o Hei o melhor que lhes per-
0

mittirem sua intelligencia e discrição. 2: Aconselhar '


para a honra do Rei, e bem do Publico, sem parcia-
lid ade por affeição, recompensa ou temor. 3: Con-
servar o segredo do Conselho do Rei. 4: Evitar a cor-
rupção. 5. 0 Auxiliar a fortalecer a execução do que
houver sido resolvido. 6.° Resistir a todas as pessoas
que emprehenderem Q contrario. 7.° Finalmente e em '
geral, observar, conservar, e fazer Ludo aquillo que um
bom e leal Conselheiro deve fazer pãra o seu Soberano.

Seria impraLicavel, diz Cox, enumerat' todas as aLtri-


buições exercidas pelo Conselho Privado, quer relativas
á prerogativa Real, quer em virtude de attos do Par-
lamento.

A regra parece ser, accrescenta elle, que aquellas.que


são de um caracter mais importante e geral, são desem-
penhadas em Conselho. Apontarei algumas para exemplo .

Relativas á prerogativa Real.

A prerogativa Real de expedir proclamações h~ fre-


quentemente exercida em Conselho (1).

o Parlamento he reünido e dissolvido por proclamação.


As declar~ções de guerra, de bloqueio, de embargo ,
são feitas por proclamação. '

(t) Chama-se proclamação na Inglaterra a declaração official e publica


da vontade do Rei, sobre assumpto de sua cGmpetellcia. Equiyale á Or-
dOlluance franccza e aos nossos Decreto ~. '
- 215-
A observancia de jejuns, e as acções de graças são
determinadas em proclamações.
As falIas da Rainha ao Parlamento são preparadas
em Conselho (1) .

A Rainpa em Conselho faz leis e decretos para as


Colonias que não tem Assembléas legislativas, approva
ou rejeita os acto:'! legislativos das legislaturas Coloniaes.

Em virtude de actos -do Parlamento.


Por exemplo :
As altribuições que tem a Rainha, pelo acto de na-
vegação de 1849, de collocar o cOffimercio entre duas
ou mais Colonjas no pé de navegação costeira; de
regular por uma proclamação a tripolação necessaria
para qu e um navio seja considerado Britannico, para
os fins daquelle acto; de estabelecer certas reslricções
e direitos sobre navios estrangeiros que navegão para
dominios inglezes, são -exercidas em Conselho por vir-
tude de Estatuto .

~'luitas
_atlribuições do Conselho Privado tem sido,
com o andar dos tempos, distribuídas por commis-
sões do mesmo Conselho .

As appella ~ i:íes dos Tribunaes Ecclesiasticos, e do
Tribunal do Almirantado (2) passárão para a com-
~issão judicial (,juclicial cOJnmittee) do Conselho Privado .

(1) Homersham Cox - The British Commonwealth Chapter 30. Pal':ia-


ment.-Privy Council and his CommitLees .
(2) o Tribunal do Almirantado (Cour t or Admiralty) tem jurisdieçfio nas
causas maritimas, civis e criminaes. Divide-se em dous, o Jmlance Cou1"t,
que conhece de contractos, reclamações, offcnsas, &c., c o Pri.;:e Court
(Tribunul de presas).
- 216

Essa commissão tam~em , conhece de appellações


das Colonias, e he composta de ·certos altos func-
ClOnarlOS e de ~lagistrados provectos. ,.

Outras commlssoes tem sido tirada~ do Conselho


Privado, para o exercicio de certas ' funcções admi-
nistrativas do Governo; cbmo paru" superintenderem
a educação publica, para a distribuição de sOÍllmas
votadas pelo Parlamento para a construcção de casas
para escolas, para a formação e animação de escolàs
normaes.

O Board of tt'ade, Mesa, Junta ou. cO'(omÍssão que


'-
tem a seu cargo todas as ma,tPrriasr~lat~vas. ao 'com-
mercio e navegaçãq, - e ' cujQ:: ·Pr,e.~Qepté faz -'parte do
Ministerio, he unia commissãó do ' Cônselho Privado.
<!lo , .... ~ •• ~ ~ -

Igualmente o Board' of Healih (Mesa:' ou G~mmíssão


de saude pub\ica" &-c (1). "

O Conselho Privado não deve ser confundido


com o que 'se chama Conselho de Gabinete. (Cabinet
Council) . ~ _.

Na organisação de cada Ministerio, o Rei com


o parecer do primeiro Ministro encarregado de for-
ma-lo, determina o numero e escolhe d'entre os

(1) Nilo obstante, dizia o Senador Paula Souza, nn sessão do Senado de ,


14 de Setembro de 1841: "Logo a unica Naçno que tem um Conselho de
Estado propriamente, he a Inglaterra, porque o Conselho Privado de In-
glaterl'a r;lãO he Conselho administrativo. Na Inglólterra s1l0 Conselhos ad-
ministrativos dilferentcs Tribunaes, por exemplo o Almirantado, Junta
do Commercio, &c. Estas diO'erentes institnições he que são Conselhos
adminis trativos. Portanto o Conselho Privado na Inglaterra nlIo tem (unc-
Coes administrativas.» Nilo pude descobrir onde o ilIustrado parlamentar
Coi beber essas noções. A organisaç1io Ingleza s6mente pôde ser estudada
conscienciosamente nos escriptores lnglezes.
217

Conselheiros privados os que devem formar a admi-


nistração. (I )'. Esta reunião yoluntaria destes membros
do Conselho' Privado fórma o Conselho de Gabinete. O
Rei não assÍste ás suas reuniões, porém os Ministros
lhe communicãd em audü~ncia particular, e lhe dão
conta do que ne11a8. se passou.
,
Com effeito a organisação mínislerial ingleza não he
consagrada nem na Constituição nem nas leis (2).

(1) AinlJll ciuc, diz o Parlianient ComjJanion, este 'Conselho escolhido (Mi-
nisterio; t('lIha sido considerado, durante dirersas geraçües, como fazendo
parte da orgauisação politica ingleza, com tudo ainda continúa a seI' des·
conbecido Ilelas nossas leis. .
ereasl' diz - O Gabinete dos Ministros Ile desconhecido nas nossas fórlÍla9
constitucionaes. , •
COl, já citado, acetesoonta: « o primeiro l'IIinistto hC geralmente primeiro
Lord do Thesouro. Estas palavras - Primeiro MinistrO-hão um gallicismo
e desi~não um ca~ que não tem autoridade legal. Be com satisfaçno
que digo que as .palavras - Ministroj primeiro Ministfl'j Gabinete, e a sy-
nonima adminislraçllo, - 8lio estranhas á nossa IingUa, e ás nossas leis.»
« Le Roi, snivlInt notre constitution, est supposé preseut au Conseil, et
~tait cu erret ordinairemeilt, ou 'tres souvent, présent, tant que le Consei!
continua d'être nn corps deliberant sur les matieres de poli tique intérienre
et- eltericnrc. Mais quand une junte ou cabinet 1-int à supplanter ce corp!
am:ien et responsable, le Roi lui-même cessa de présider et reçut sépa-
remmen! les avis de ses Ministres, suivant leurs fonctioDs r'espectivcs de
trésorier, secrétaire, ou chancelier, ou I'avis do tout le cabinet j de la bou-
cbe d'un de ses priocipaux membres. Ccpcndant cc cbangement se fit par
degrés;' ear les Conseils du cabiUl.'t se tinrent quelques fois el.! Ilresence
de Guillaume et d'Anne, el, dans quelques oceaslOns, 00 r appella d'autres
Conseillers, qui n'appartenaient pas au ministére proprement dit."
(I Mais a l'avénement de la maison de Hanovrc, ceUe survciIJance pel"-
sonnelle du Souverain cessa nécéssairement. Le fait est 11 peine croyable,
mais G-eorge 1.er etant incapable de parlcr anglaisj comme Sir Robert
Walpole de converser eo français, le monorque et son ministre s'entrete-
naieot eo latin. 11 est impossible qu'avec nn mol'en de communication
si defedueux ••. George ait pu s'instruire 11 fond des arrairell domestiques, ou bien
connoitl'e le caractére de ses sujets. Nous sovons dans lco fait qu'jJ renonça
prcsqne cnliérement 11 s'cn occuper, et confiait ases minilitres l'entiere con-
duite de cc rol'aume.-Hallam. Historia ConstituícionaJ de lnglaterra, tradue\i!o
de Mr. Guizot. Vol. 5.0 Reinados da Rainba Anoa e de George I e 11.
(2). « The portioo af the Privy Council nsually denominated - Tlle
Cabinct - doei not properll' form a recognised part of the ancient Constitu-
lioo of England - " Cabinellawyer. Chapler 3. The Sovereign.
" In Ilractice, diz Blackstone, tbose privy Councillors onll' are summooed
who ho~d for the lime being the Feins or governement, 01', in other words,
the ·Mioislers or the Crown, the most important proceedinga in CounciJ
I:onsist in layiug before, and advising tbe sovereign on those measures
wbich Lbe Councillors bave previonsly discussed and determined upon in
Lheir own Cabinet Couocils; and for- wbich, altbougb sanccioned, ado pted,
and oUen subsequenlll' carried out in Lhe name of tbe Sovereign, thel'
;t'one IIre accountable to Parliament», Commentarics uf the law of En-
glaud, Vol. 1, Chnpter 5, of the Royal Councils.
28
Deve buscar-Se a sua origem no Conselho Privado.

A corperllção que a Constituição e as leis conhecem


be o Conselho Privado. A porção delle destacada e cha-
mada para formar ~Iinisterio não he declarada e reco-
nhecida pela ConstituiçãO (1). He uma porção de Conse-
lheiros que o Rei chama, por depositar nenes. maior con-
fiança, e porque tem o apoio do Parlamento, para a ge-
rencia dos negocios.

Na pratica porém, e a pratica he tlldo na Inglaterra,


he esta porção do Conselho Privado, 'esLe' Conselho de
Gabinete (Ministeriol o mais importante tamo do Go-
verno, e comprehende os grandes OfficiaeS'Publicos, os
~Iihistros, que são os Servidores e Conselheiros da Corôa
effectivos e responsaveis. Sã.o de facto o Poder Executivo
do Reino pelo te.mpo que sêrvem, e dura erÍHluanto tem
uma maioria na Camara dos Communs. E para isso
exercem o que 'os Inglezes e Americanos chamão·-
exccutit,c patronAge {2), patronado executivo.

(1) « Its duties (do Conselho Privado) of advising lhe crown and con~
dncting lhe governemenl of lhe counlry are almost elclusively performed
by the principal ministers of state who formed another sectioll of it, called
the Cabinet Council. This is so termed ou account of ils beiug originally
composed of such membe~s of the Privy Gouncil as the kiug placed most
trust in, and coufel'red with a part from lhe others in bis Cabinet or
privale room.» Fonblanque. How we are gov!,\rned.
(2) Permilta-sc-mc que traduza e ponha aqui, .como nota, o seguinte
curioso trecho de um escriptor grave e muito acreditado, lIIac Cnlloch,
lia sua excellente obra: « The British Empire ». .
« Geralmente fallando, diz- !ille, o patronado em paizes semelbantes á
Inglaterra, he sempre exercido com vi ~ tas de adquirir ou conservar o apoio
parlamentar. Monarchas absolutos como Napoleão, o Rei da Prussia( no
tempo em que escrevia Mac Cullocb) e os Imperadorcs da Austria e da
Russia, podem escolher indÍ\'iduos para exercerem empregos, unicamente
movidos pela capacidade que elles tenMo para os desempenbarem. Em
um paiz livre porém. a capacidade para exercer um cargo nllo he a 'unica
consideração a que cumpre attender, para decidir sobre os direitos dos
pretendentes. Se possuem elles essa capacidade, tanto melhor; porém a
consideração prinCIpal be, como ha de o Governo marchar e ir po r dian le ?
Certamente segurando o auxilio activo de seus amigos, e enfraquecendo o
partido da opposiçllo. Ora 11 distribuiçi10 do patronado he o principal meio
- 219' -
Durante algum tempa foi eslylo apresenlàr o Conselho
de <lahinete ao Conselbüo Privado~ as medidas que havia
adoptad'Oi,. para obter o- seu assl;lntiment{}~ Ill{lS ~ra essa
ratificação, uma méra formalidade.

pelo qual" póde 'isso ser- conseguidO-. O Governo' que se descuiáar em


aproveitar-se deste poder pouco poderá dUl·ar. Por isso acontece na In-
glaterra que dentro de' dez posiç.oes ou. empregos, nove sllo dadas por amoe
de recommcndaçOes. de influencias· parlamentares. Esta he de facto a es-
trada real para as pronWçOes. e para as distincÇ.Oes. No preenchimento das
mais consplcuas posiÇ.()es, os talentos e as habilitaçOes dos cand,idatos, bem
tomo as recommendaÇ.()es Q.ue tem, devem necessariamente ser levados em
conta, porém na grande maioria dos casos o patronado parlamentar he o
sim qua nono Se a fórma de governo fO'r mais popular que a iugleza, ainda
mllis avultará! esse rcsultlldo ~ Um homem habil na Prussia sem ,rclaçoes
tem ma~s probabilidade de adiantamento, se se dedicar ao serviço publico,
do que' em Inglaternl'~' porém abi essa probabilidade be infinitamente maior
do que nos EJtad,os.uoidos. Ahi tudo he sa.crificado a consideraçOes de par-
tido, e os máis 'e!fplcndidós talentas e capacidades para prestarem serviços<
publicos nllo .adiantarllo. a quem os possuir um só passo na escala da pro-
moç:lo, se forem ae-pllrtido di.verso. do q,ue então estiver no poder, ou se
n3:o· tiverem paI;tido queos,sustente. A razlIo da diO'erenca he porque na In-
glaterra a influencia. ' parlamentar simplesmente predomina, emquanto que
nos Estados,.Uni os be tudo, e tudo, serve por' consequen.cia para sustentá-Ia.»
Entre nós acontece- o mesm~ com; a diO'erença de que na Inglaterra e
nes Estados-Unidos, silo esses. factos considerados como resultados de uma
triste e indeclinavel n~cessidade do- systelll8, que· nllo póde ter só lados.
bons. Resignão-se, ulIo fazem hypocritameóte escandalo, e apenas se occu-
pllo de um ou outro 'caso inquinado de iIIegáli'dade ou de notorÍ« corrupçlIo.
Entre .nós cada um fl!z o que pôde quande póde, mu nlJ:o quer que Eeu
adversario ,faça o mesmo. Uma grande parte do tempo das Camaras gasta-se
em exbibir ao publico, e em sujar ainda ~ais a rouPll suja eleitoral e par-
lamentar. He quasi permanente o escan4alo, e desmoralisa profundamente.
O Partamentary Companion, livrinho mu.i curioso, especie de folbinha,
ou almanack parlamentar, que ha perto: de 30 annos be annualmente pu-
blicadô na Inglaterra, e que contém, em um pequeno ' vocabulario, ,IIlgumas
mui Tesumidas, claras e ell.actas explicaçoes sobre "'afios pontos da orga-
nisaçlIo politicae par,\amentar ingleza, diz fallando do primeiro Ministro:
" fie mais propriamente designado pomo a cabeça do governo de Sua Ma-
gestade. He com sua: immediata recommendação que seus collegas Sllo no-
meados, e quem, com rara e difficil excepç,ão, distribue o patronado da CorÔa, »
Entendem por patronado uma protecçlIo, favor, /Ijuda dada para coadjuvar
as vista~ de uma ressoa, ou para promover um fim. (Webster. Dictionary.)
O patr.onado InglE)z he mais largo. menos pessoal, e portanto menos pre-
judiCIal que o noss!'. FormlIo a administraçlIo homens que tem um nome
feito, opiniOes fixas e conbecidas, força .propria, e que por ella e pela do seu
partido slIo levados ao Parlamento e nelle sustentados. O patronado ge-
ralmente he exercido em favor do partido, de suas vistas e idéas, e com
,!:erto recato. Em lugar de concentrar-se no Primeiro Ministro para dadorça
a toda , a adminis~ração e auxiliar os seus planos e vistas, he entre nós exer-
cido especial e pessoalmente por cada Ministro. Ora' como entre nós são
frequentemente chamados ao Poder bomens novos, que nllo teem força
propria, como os partidos estao quasi desreitos, cada um vai açodada
e desencontradamente, aproveitando a curta peregt'inaçlIo pelas regiOes do
;Poder, para montar-se a si e adquirir, clientela, para quando cabir. Por
isso muitos Ministros preoccupão-sc quasi exclu&ivamente da Provincia ou
do Districto da sua eleição. Tudo isso, p!,rém, be muito epbcmero, e muitos
.escrevem na area. He mui faci! aos succcssores apagar quauto aquelles
assim" escreverão e escrever ri Gontrario.
- 220-
Não he sómente·· para o Conselho Privado e patá a
ltainha que se da appellaç&o em negOéios de natureza
judicial. A Camara aos Lords~ ·ramo do Poder legis-
lativo, he, em mais larga escala, Tribunal de appellação
em certos casos cíveis e crimes (1).

A pratica porém"corrige na Inglaterra os graves in-


convenientes qúe poderião res~ltar de sereip confiadas
altribuições judiciaes a uma nu~erosa Camara legisla..'
tiva dividida ·em partidos. .
Todos aquelIes Lords que não são, segur\do a expres~ão
ingleza,-law lords-, isto he que não·servirão elevados
cargos' 'de Magistratura, abstem-se de tomar párte 'na
decisão daquellas appellações (2).

Toda essa. organisação ingleza he muito especial, ori-


ginal e cortlplicada para outros, muito siPlples para elles,
e não dispensa, para ser comprehendida, o conheci-
mento da historia de cada instituição, das modificações
e transformaçÕés, pelas quaes a fez passar a acção do
tempo. Depende muito de estylos e practíc~~, ás ql1aes
cada uma dessas mesmas instituições deixou largas
ensanchas.

(1 ) c; They have, (the lords) at present time, a jurisdiction over causes brought
on rights of error, from of Courts 01 law, originaJly derived from the Crowu
IInd confirmed by Statutc, and to hear appeals from Courts of eqnity on
petition; but appeals on Ecclesiastical, murilime. or prizes causes, and
Colonial appeals, both at law and in cquity, are determined not by them,
but by the Privy Conseil. cc El'skine May. Law, privileges, procecdings, and
usage of Parliament. Buok 1 Chapter 2. Judicature uf the lords.
(2) (C But the Peers very wisely have in practice abandoned this right,
and Icft their whole judicial business in the bauds of some five on six of
tbeir number, professional lawyers, who have filled, or continue to fiJlthe
highest judicial offices in the State. There have only been two instances
of the Pecrs at lurge interfering in such questions for lhe last hundred years;
ouly one within lhe memory of the present gencration, and that above
fifty ~· ears ago. II Lord Brougham - Thc Bl'ilish Constitution- (obra llubli-
t'udu cru 186t).
- !21 -
o seu. jogo h incomprehensi vel sem um estudo pa·
ciente '.~ aprofundado" principalmente para quem está
costwnadC? com á organisação dos paÍ1.es de raça latina,
os quáes tem mais analogias entre , si (l).

Assim se a . Inglaterra não tem certos Tribunaes ad-


ministrativos, ~e não conhece o contencioso adminis-
trativo, suppre -essa falta por outro mecanismo original,
e proprio de' . suas i~stjtuições e praticas especiaes,
inapplicaveis a outros paizes que partem de bases diffe-
rentf.'s, .. ~tJ'o~· ,lla Ing1àterra a base da completa se-
parjJÇão dos ..~o~fefe~ Legisl~tivo, Executivo e Judicial,
e t~!eis ~, conf~~(r das.,.linguas da ' Torre de , Babel.

o que pretend~maquelles que quere~ riscar da


nossa legislação o conlencioso administrativo? O que
lhe hão de substituir? O systema Inglez? 'foiS bem.
Comecem p.ela reforma da nossa ConstitulçiÍó,' assen-
Jem-n'a sobre outras bases. Deem-nos juize§ jnglezes;
naturalisem entre nós a legislação desse paiz, e o seu
espirito eminentemente positivo, moral, religioso e pra-
ticC? Fação entre nós de um jacto, por encanto, o
que na Inglaterra flzerão seculos. Feito isto proscrevão
então a nossa legislação administrativa.

Pelo que respeita á Inglaterra póde-se, até certo


ponto, considerar como correspondente a um Conse-
lho de Estado o seu Conselho Privado, assistido pelo
Judicial Committec.

(1) o Sr. B. P. de Vasconcellos dizia na s~ssllo do Senado de 1 de Julho


de 1841, discutindo-se o projecto de lei do Conselho de Estado. (C Um
Nobre Senador citou o Conselho Privado da Inglaterra. Eu já disse que nilo
comprehendo bem essa legislaçilo; por mais que a queira estudar, cooresso
(Iue menos li comprehendo.» Me porque esse homem eminente e profundo,
mIo se contentava com idéas superficlacs.
- 222-
He difficil comprehender em um resump essa ins:
tituição especial '_e - original ' desse ; pairo ' PQr isso me
demorei mais sobre o ConseJho Privado do que preten-
dia,e porque o que acabo de expôr ' me servirá ,de
'auxilio, quando no ultimo capitulo deste trabalho me
occupar dA applicação que alguns querem a trôxe môxs.
fazer das instituições inglezas ao Brasil.

, ., \

t::~nselho de Estado em França .


.'
.
O paiz onde ', ri Conselho de Estado tem , adquirido
mais desenvolvimento e proporções, onde temrepré:'"
sentado um papel mais importante, e prestado mais
'assignalados serviços, ~lle iqcbntestavelmente ,a França.
'Be tambem aquelle nó qual tem ella passado por JIlaís
diversàs 'e repetidas ' vicissitudes:' e' apresentado pha-
ses mais difl'erentes. E he sem ' duvida por isso qu~ ,
'be aquelle o paiz no qual melhor se póde éstudar' se-
melhante instituição.

A historia do Conselho de Estado da França divi-


de-se nos seguintes periodos: ~ Periodo da primeira
. Monarchia. -Periodo revolucionario que começa em
1789.-Periodo do Consulado e do Imperio. -Periodo
da Restauração. - Periodo da Monarchia constitucional
de 1830. -' Periodo da RevoluçãO de 184.8.-E creio
poder accrescenlar-Periodo do 2." Imperio~

Todas essas épocas, exceptuada somente . a revolu-


eionaria, tão diversas pela côr política, .pelos interes-
ses e paixões que as dominárão, conservárão em prin-
'cipio a insiituição do Conselho de Estado.
- 223 -
, ,No principio da época revolucionaria passárão as
attribuições do Conselho de Estado. e outras admi-
nistrativas para a autoridade judicial, e para o Con-
selho do Rei e dos Ministros, que conservou o 'nome
de Conselho.de Estado. Decreto de 27 de Abril de 1791.

Extinctos depois os Ministerios, e portanto o Conse-


lho de l\linistros, substituídos aquelles por commis-
sões da Convenção Nacional, não teve o Poder admi-
nistrativo limites e quasi absorveu o judicial.

. No periodo do Consulado e do J~pcrio rcstabele~


ceu Napoleão o Conselho de Estado meramente con-
súUivo. Fez delle o fóco de todas as luzes, e a reunião
de todas as illustrações civis e militares que a revo-
lUÇãO fizera rebentar d'entre as suas procellas (1).
Fez dene a alma da administração, a fonte das leis,
e absorveu neIle toda a importancia política, que a
Constituição dessa época tinha retirado da. Represenla-
ção Nacional. Collocado, de facto acima dos Minis-
tros, que fiscalisava, ainda que privad@ de poder
proprio, tomava o Conselho de ES,tadG uma parte ta-
manha, tão continua, tão intima em tQdos os actos do
governo, que era verdadeiramente a primeira. corpo-
ração do Imperio.

(I) Póde ~er \'ista, em RegnanlL Histo-ire du Conseil d'Et.at, a relaç40 40s
bomens eminentes com que foi organisado e progredia. Diz Regoault.-
(( Le Conseil d'Etat sortant de la Ré\'olution francaise si réconde eu graods
bommes, composé de noms aussi distingués, dc talcns aussi réels et aussi
divers, Dlonta rapidement avp.c sou glorieu'X protecteur, et Oeurit enfio
.sous lc patronngc d'uo président imperial, dont iI fut, lui present, I'aido
comme le br.as droit, et, eo son absence, le substitut ou Ie ",icaire; mais,
,par un retour subit, descendant 'de 'cet npogée, 00 le vit pàlir avec le
soleil couchant, et n'être plus qu'une ombre de 5a grandeur '}las9ée, ué
.anmoins, nprés ce choe, toujours vivace et anns s'éteindre jamais, il .. tra-
versé les vicissitudes et les ré\'olutions des tourbillons politiques, et \I eat
demeuré un tribunnl d'élite composé jusqu'ici des illteUigencc& émérites~
.
spécialement .administra.tives, ~)
- 224 - '
A reproducçtu.l de um semelhante Conselho de Es-
tado ndo he possivel, porque seria necessario que se
reproduzissem todas as raras ' circumstancias que ca-
racterisárão aquella época. O Conselho de Estado de
Napoleão não pó de portanto servir de norma, él.té por-
que o que foi não o deveu elle á sua organisação
simplesmente, ruas ao genio, ao prestigio, ao poder
do seu chefe, ao seu pessoal, e a uma reunião de
circumstancias, que não he possivel reproduzirem-se
mais todas conjunctamente.
A Carta Constitucional, q1)C a Restauração trouxe
.comsigo, nem sequer fez menção do Conselho de Estado .

.\. razão pela qual o Conselho de Estado foi suppri-


mido na Carta, diz Cormenin, foi porque não era um
Poder constitucional, não fazia parte da fôrma do go-
verno., e pc>rque entendia-se que não deixava os Mi-
nistros sós em face das Camaras e suffieientemente
responsa:Vels.
. .
Passados porem poucos .dias foi logo sentida a ne-
cessidade de não conliar aos Tribanaes judiciaes a
expedição dos negocios con.:leRciGs~ da administração.
qu~se accuD.1uJavão ·e atrazav.ão, e .a ülconveniencia
de entregar exclusivamente á. :rotina .e.ã incuna das
Secretarias a preparaçã@ de @rdenançás c regulamentos
de administração pnblica, que Bellas se amantoavão.
RecIDnheceu-se que não lendo o ConselhG de Estado poder
proprio, não era incompativel com a n(Jva ConstituiçãO:
Foi pm:'tanto restabelecido e reorganisadG o Conselho
de Estada, por meio da Ordenança Real de !9 de lu-
nho de 1814, porém sem a importancia e o esplendor
que tivera debaixo do Imper.io, e sem aLlribuiçóés poli-
- 225 ·-
ticas incompativeis com a responsabili<lade dos Ministros
no systeina constitucional.

Pouc·.o depois foi a organisação do mesmo consemo


ue Estado modificada pela Ordenança de 23 de Agósto
°
.de 1815, a qual estabeleceu sobre bases diversas da
Ordenança precedente. .
Outras ordenanças se seguirão, que não enumerarei
por amor da brevidade, e que fizerão naquella ins-
tituição, áccre~centamentos e moaifié;lêõês .mais ou
menos' i.m~o.rtantes. :: "
Tinha ella um caracter meramente consultivo, sem
juris~i~wo propria, e .01' issq entendia o Governo,
poder creá-Ia, e modIfiqa-la corrio ",entendesse. Accresce
que as jurisdicções administrativa e judiciaria estavão
discriminadªs e . fi~adas na legislação. .
. :Talvez. por }sso ~ por ser creação do governo, em
época alguma foi essa instituição do Conselho de Estado
mais atacada.

Esta orga,nisaçao; di~ Dalloz, não podia satisfazer os


espiritos, que des<l~. JD\lito te~po rée1amavão, para o
julgamel~to dos llegocios contenciosos, as gar:antias da
justiça delegada, da publicidade, da discussão oral,
e mesmo de inamovibilidade, mais ou menos analogas
ás que o Cidadão encontrava nos Tribunaes judiciaes.
De toda a parte era o governo solicitado para que
aprésentasse uma lei que satisfizésse essa necessidade ge-
ralmente sentida, e para que assim fizesse sahir de uma
situação precaria e contestada uma corporação, cuja
audiencia e exame prévio he sem duvida uma garantia
nas materias administrativas as mms .importantes, e
em todas as contenciosas.
29
226

!'T No periodo da l\'Ionarchia constitucional de 1830,


foi o governo levado naturalmente, pela sua origem
liberal, não só a conservar o Conselho de Estado, como
a procurar os meios de melhorar essa instituição.
Nada menos de sete projectos forão apresentados ás
Camaras, a saber, . nos annos de 1833, 1834, 1835,
1836, 1837, 1840 e 1843, os quaes derão lugar a
luminosos relatoriof, e discussões. A final o projecto
de 1843 foi convertido na lei de 19 de Junho de
1845 (1).

o Titulo 2.° d'essa lei, que trata das funcçóes do


Conselho de Estado, contém as seguintes d~sposições : ~
« Art. 12. O Conselho de Estado póde ser chamado a
dar o seu parecer sobre os projectos de lei, ou de orde-
nanças, e em geral sobre todas as questões que lhe
forem submettidas pelos ~Iinistros.
« He neces$ariamente chamado a dar o seu parecer
sobre todas as ordenanças que contém regulamento de
administração publica, ou que devem ser feitas na
fórma d'esses regulamentos.
« P'ropôe as ordenanças que estatuem ~obre negocios
administrativos gra ciosos ou contenciosos, cujo exame
lhe he encarregado por virtude de disposições legis-
lativas e regulamentares.
«( Art. 18. Independentemente das Commissões (Secções)
estabelecidas em execução do art. 13, uma commissào
(Secção) he encarregada de dirigir a instrucção escripta ·

(1) No entretanto ruuccionava o Conselho de Estado organisado por orde-


nanças. Assim quando a nossa lei do Conselho de Estado roi apresentada,
discutida e approvnda, quando foi o seu l'egulamento publicado, a organi-
saçllo do Conselho de Estado em França, o qual nos servio mais ou menos
de modelo, ainda existia por virtude de ordenanç81i, e nil8 por lei. Era um
Conselho de Estado enfeiado e mal desenvolvido, simples creaçilo do Poder
Executiyo.
- 227
e de preparar o relatorio de todos os nego cios con-
tenciosos.»

Estas disposições resolvêrão a maior e mais grave


difficuldade que se havia apresentado, e que por tantos
annos retardára a adopção da lei, a saber, se o Con-
selho de Estado uevia julgar em materia contenciosa,
ou propôr s6mente, apresentando pareceres.

Assim quando foi feita a nossa lei do Conselho de


Estado de 23 de Novembro de 1841, ainda esse ponto
não estava liquidado em França.

Durante o periodo da Revolução de 1848 não foi


supprimida a instituição -do Conselho de Estado, mas
soffreu modificações profundas. Nem era possivel que
ella progredisse no pé em que estava, conservando
aquella organisação, altribuições e f6rmas com que exis-
tira debaixo da Monarchia, em uma Republica demo-
cratica, com uma s6 Assembléa Legislativa , com um
Poder Executivo, cujo chefe era temporario e respon-
savel.
A nova Constituição Republicana de 4. de Novembro
de 1848 no Capitulo 6. o,. creou um IConselho de Estado,
cujos membros erão nomeados, por seis annos, pela
Assembléa Nacional, renovados por metade, nos dous pri-
meiros mêzes de cada legislatura, por escrutinio secreto,
e maioria absoluta: Podião ser reeleitos .
O art. 75 dizia :«0 Conselho de Estado he consultado
sobre os projectos de lei do governo, os quaes, segundo
a lei, devem ser submetlidos ao seu exame prévio. e
tambem sobre os projectos de iniciativa parlamentar
que a Assembléa lhe mandar. Prepâra os regulamentos
- 228

de administra.ção publica; fa~ eUe só aquelles regula-


mentos para os quaes a Assembléa Nacional lhe 'der
delegaçãQ especial.. Exerce a respeito das administrações
publicas todos os poderes de fiscalisação e inspecção
que lhe são conferidos por lei, A lei regulará as suas
outras nttribuições,»

Não era portanto este Conselho de Estado um auxi-


liar do Governo. Era um corpq inlermedio, cóllocado
entre a Assembléa e o Poder Executivo, que fiscalisavu ;
era uma má compensação de uma segunda Camara,
que a Constituição não tinha ("1). Ressumbrava n' esta
instituição aquelle espirito democral~co desconfiado e
cioso, que por mais que sangre o Executivo õ acha
sempre pletol'ico.
Esta instituição foi desenvolvida pela lei de 3 de ~larço
de 1849 e Regulamentos de 26 de - ~Iaio .do . mesmo
anno; e de 15 de Julho de 1850.

Ultima época, O famoso golpe de Estado (Decreto de


2 de Dezembro de 1851) que dissolveu a Assembléa
Nacional, dissolveu lambem fi Conselho de Estado.
O Decreto de 9 do mesmo mez e anno proveu sobro
os conflictos e recursos contenciosos pendentes, em
quanto não era reorganisado o Conselho. de Estado,

Foi-o pouco mais de um mez depois, pelo Decreto


o,rganico de 25 de Janeiro de 1852, e Regulamento

(1) MI'. Vivien no Relatorio e exposição de motivos que acompanhou a


Ilpresentação da lei regulamentar dizia:" La premiere, la pl'incipale fonctiOD
du Consei! d'Etat est la pal'tieipation à I'reuvre de la loi. 1\ est ainsi assoei é
dans une cerLaine mesure à la Souveraineté de l'Assembléc Nationale, et tient
une place eOllsiderable dans I'ELat. La Constitution a voulu que ceUe place
lui rut assurée,. qu'i1 I'occupât réellement, sérieusement. »
229 -
de 30 do mesmo mez e anno. He a organisação actual-
mente subsistente.
Esse Conselho de Estado redige debaixo da direcção
do Presidente da. Republica, hoje do Imperador, os
projectos de lei, e sustenta a sua discussão perante
o Corpo Legislativo. E esta disposiçãO não he simples-
mente do ~eCl'eto organico do Conselho de Estado.
He da Constituição arts. 50 e 51.
Propõe os Decretos _que eslatuem:
1.0 Sobre os negocios administrativos, cujo exame
lhe he encarregado, por virtude de disposições legjs-
lativas ou regulamentar~s . 2.° Sobre o contencioso
administrativo. 3.° Sobre conflictos de attribuições en-
tre a autoridade administrativa e a judicial .
. He necessariamente chamado ·a dar o seu parecer
sobre todos os Decretos que contém regulamento de
administração publica .
C.onhece dos negocios de aHa policia administl'alriva
a respeito de funccionarios, cujos actos são levados.
ao 'seu conhecimento pelo Imperador.
"Finalmente dá. o seu parecer sobré todas as qu es-
tões que lhe são submettidas, pelo Imperador ou pelos
M.inistros.
He portanto um valioso auxiliar do Poder Executivo
para o bem, um empecilho para o mal, porque
tUustra cúm suas luzes e experiencia. ~ão pó de em-
baraçar a sua acção justa, púrque he meramente con-
sultivo. Faz sobresahir ~ a responsabilidade daquel1e
Poder} se diverge do justo, porque demonstra e põe
patente essa justiça . ,He portanto o Conselho de Es-
tado uma importante garantia, principa"lrnente sendo
composto de homens illustrados, praticos e indepen-
dentes por caracter e posiÇão.
230 --
Os Conselhos de Estado de Portugal e da Hespanha
tem muita semelhança com este da França. Não lhes
he porém incumbido redigir os projedos de lei de-
baixo da direcção do Rei, e sustentar a sua discussão
perante o Corpo Legislativo.
Esta disposição he especial da actual orgarusação
constitucional franceza. Pela sua Constituição de ,22
de Janeiro de 1852, modificada pelos Senatus-con-
sullos de 7 de Novembro do mesmo anno, o Impe-
rador he responsavel perante o povo, os ~iinistros
sómente delJe dependem, não são solidarios, e cada
um he sómente responsav.el pelos actos do Governo,
no que lhe diz respeito.
Por Constituições como a nossa, como a portugueza.
e hespanhola, &: c., pelas quaes o chefe do Estado he
irresponsavel, pelas quaes são os Ministros immediata
e directamente l'esponsaveis perante as Camaras, não
he admissivel uma corporação intermedia, entre elles
e as Camaras, com as quaes devem achar-se em di,.
recto e immediato contado (1).

«Jonselho ~le E8tatlo _na Hespanha.

A antiga ~lonarchia Hespanhola teve o seu Conselho


de Castella, decretado por João I. em Côrtes celebra-
das em 1385, e que subsistio até 1812. Em virtude da

(1) Na discuss1!o do projecto da nossa lei de Consr.lho de Estado, foi


apresentado no Senado, pelo Senador B. P. de Vasconcellos, um artigo
additivo que dizia assim. « Ao Conselheiro de Estado que róI' designado
pelo Imperador, bem como 80S Ministros de Estado, incumbe sustentar,
uns eamaras Legislativas, as propostas do Goyerno, &c.)) Combatido esse
artigo additivo pelos Senadores Paula Souza e Vergueiro, apesar de sus-
tentado pelo Senador Vasconcelh,ls com fundamentos plausiveis, foi, a meu
ver com razão, rejeitado.
- 231 -
Constituição d' essa época, foi separado o Poder Judicial
do Executivo, e creado um Conselho de Estado, subs-
tituido depois .pelo Conselho Real de Hespanha e In-
dias por Decreto Real de 24 de Março de 1834.
A nova Constituição Hespanhola de 1837, diz Col-
meiro, não pI'escrevia em sua letra a creação de ne-
nhum allo corpo consultivo do Governo, mas o geu es-
pirito a reclamava, porque 'somente com seu auxilio po-
deria manter-se a reciproca independencia dos Poderes,
e dirigir-se a acção administrativa com acerto. Assim o
governo, pouco depois de publicada aquella Constituição,
nomeou uma com missão para preparar um projecto de
lei, creando um Conselho de Estado.
Sendo apresentado ás Camaras na legislatura de 1838,
e reproduzido na seguinte, não chegou a ser convertido
em lei, até que autorisado o governo para organisar a
administração porlei do 1. de Janeiro de 1845, foi 01'-
0

ganisado o actual Conselho Real ou de Estado pelos Reaes


Decretos de 22 de SeLembro de 1845, de 29 de Setembro
de 1847, e 24 de Junho de 184.9.

(1oDselho (Ie Esta(lo de Portugal.

A existencia do Conselho de Estado de .Portugal re-


monta além de 1385, porquanto então, em Côrtes de
Coimbra, e antes de acclamadú Rei, obrigou-se o ~lestre
de Aviz a ouvir o seu Conselho em todos os negocios que
fossem graves.
A Ordenação Affonsina L. o 1. Til. 58 trata dos Con-
0

seUlOs do Rei, e das qualidades e condições necessarias


-papa semelhante caTgo.
- 232-
Por Alvará de 8 de Setembro de 1569 deu EI-Rei D.
Sebastião Regimento ao seu Conselho de Estado.
, EI-Rei D. João IV deu-lhe outro Regimento em 31_
de Março de 1645. .
l';ssa instituição por essas leis estava muito longe do
desenvolvimento que veio a ter nos tempos modernos.
Limitava-se o Conselho de Estado a examinar os papeis
e nego cios que EI-Rei mandava Vêl', a fazer as lem-
branças que parecião necessarias e a dar conta. EI-Rei
mandava pôr á margem a sua ResoluçãO. Lê-se no ul-
timo Alval'á citado.« ... e porque os Conselheiros de Es-
tado, que o Direito chama a mesma cousa com os Reis,
e verdadeiras partes do seu corpo' tem mais precisa
obrigação, que todos os outros ~1inistros meus de me
ajudar, servir e aconselhar com tal cuidado, zelo e
amor que o Governo seja mui to o que convém ao S~r­
viço de Deus, conservação de meus Reinos, e beneficio
commum e particula!' de meus VassaUos, lhes enc-om-
mendo mais apertadamente que posso, me advir tão com
toda a liberdade tudo quanto lhes parecer necessario
para se conseguir esse fim, que summamenle desejo
guardar no em que hoje se puderem accommodar os Re-
gimentos antigos do Conselho de Estado. &c. & c. »

Esta instituição porém: principalmente nos ultimos


tempos, ia se tornando quasi obsoleta, á vista do
desenvolvimento que forão tendo certos Tribo.naes que
consultavão em certos ramos, como 'o Desembargo 'do
Paço, a Mesa da ' Consciencia e Ordens, o Conselho da.
Fazenda, o Conselho Ultramarino, o do Almirantado,
o Conselho Supremo Militar, a Junta do Commercio,
Fabl'icas, &c. Ninguem p6de contestar que a antiga ~fo·
narchia absoluta Portugueza se havia cercado de cor-
- 233-
poraçôes prestigiosas. compostas de homens eminentes.
e antigos servidores do Estado, para aproveitar os con-
selhos de sua sabedoria e experiencia.

Apparecendo pela primeira vez em Portugal estabe-


lecido o principio da divisão dos Poderes no Decreto
da~ bases da Constituição de 9 de Março de 1821, creou
o art. 3:3 d'esse Decreto um Conselho de Estado, ao
"qual deu Regimento o Decreto das Côrtes Geraes de 22
de Setembro do mesmo anno.
Ficou tudo isso'sem effeitoem virtude da restauração
do (;overno absoluto em 1823.,
Seguio-se a Carta Constitucional de 29 de Abril de
1826, a qual determinou "no art. 107, que haveria um
Conselho de Estado, composto de Conselheiros vitalicios
nomeados pelo Rei. O Decreto de 19 de Novembro de
1833, creou 12 Conselheiros, com o ordenado de 2:400:tft,
dos quaes era Presidente o Rei, e na sua falta o Conse-
lheiro mais al!tigo, com as attribuições marcadas no
art. 110 da dita Carta.
Tornando a experiencia necessaria a reorganisação
e desenvolvimento dessa instituiçáo, estabeleceu "a lei
de 3 de Maio de 1845, as bases para essa reorga-
nisação, e forão ellas desenvolvidas /no Regimento de
16 de Julho do mesmo anno.
Exigindo a experiencia novos melhoramentos, e sendo
m~l difficil, que estes em materia tão complicada, •
sujeita a levantar tantos e tão confusos debates, par-
tissem directa e immediatamente das Camaras, foi o
Governo autorisado pela Carta de Lei de 11 de Julho
de 1849 a rever o Regulamento de 16 de Julho de
1845, organisado para a execução da Carta de Lei
de 3 de Maio do mesmo unno, c a fazer nellc [lS
30
alterações quo julgasse mais convenienles, e confor~
mes com aS' bases da referida leI. D' ahi resultou a
organisação actualmente em vigor, e que se contêm
no ,Regulamento de 9 de Janeiro de 1850.
A instituição do Conselho de Estado está inquestiona-
veImente muito mais desenvolvida em Portugal do que
entl'e nós, e por 11m modo muito preferível ao ROSSO (L).

Conselho .Ie Es~a"o no U.-asil.

Ainua anles de proclamada a nOSS1 Independenciíl,


e. portanto antes de proclamada a Constituição, reco-
nheceu o Sr. D. Pedro l, então Príncipe Regent.e, a
necessidade de rodear-se de uma corporação que o
auxiliasse com seus conselhos, e désse maior força m-<)ral
nos seus actos. Pelo Decreto Je -16 de Fevereiro de
18~'2 crcou um Conselho de Procl11'adores GerllAS das
Provincias, nomeados pelos eleitores das parochias, '
cujas attrihuições erão as seguintes:
Ser"-o as att.ribuições deste Conselho (diz o Decrelo): '
1.° Aconselhar-me t.odas üs vezes, que por mim lhe
(I) A Belgica não tcm Conselho de Estado. A cxiguidade do seu terri-
torio, e a sua organisaçllo especial o podem dispensar. Os Estados-Unidos
tambem não o tem, porque a sua orgauisaçfio especial e original, tambem
o dispensll, como mais para dillOte vcremos.
Pelo Ukase de [) de Junho dc 1861 acaba o Imperador da Russia de cr-
ganisar um Conselho de Estado pam o neiuo da Polouia. Esse CO\lselho
de Estado 'he presidido pelo Governador do Reioo ou seu lugal' tenente.
Compoe-se: 1.0 de membros do Conselho de admini.tração. 2.° de Con-
selheiros de Estado nomeados pelo ImJlerador, e que fazem parte do Con-
selho como mcmbros permancntes. 3.° de pessuas que f:lzem parte do
Episcopado, ou do alto clero, dos Conselhos do GO\'erno, das associaçOes
do credito a!\ricola, ou que a confiança do Imperador chama para servirem
(;()mo mcmbros temporurios ou permauentes.
Esse Conselho he dividido cm Sccções, uma das quaes he encarregada
da legislacno; a segunda do coutencioso; a terceira dos negocios fiscaes e
admiuistrathos (graciosos); a quarta das queixas e peliçOes. , Trabalha em
Sccçoes ou em Assembléa Geral, e fórma uma com missão pennanenLe a
lIual funcciona como autoridade judiciaria. As Secçoes preparilo o tra-
lialho para II Assembléa Ger:ll. São compostas eada uma úe um Presi-
dellt e Ilol1lrn,lo pelo ]rnllerador, e de mai s dons II1rlllhr(ls pelo 1111'1I 0 S.
- '2 ;];) - ,

fôr mandado em todos os negocios mais importantes


e difficcis. 2.° Examinar os grandes projeclos de re-
formas que se devão fazer na administração geral e
particular 0.0 Estado, que lhe forem communicados ..
3. o Propôr-me as medidas que lhe parecerem mais
urgentes e 'vantajosas ao bem do Reino Unido, e á
prosperidade do Brasil. 4.° Advogar e zelar cada um
o..os seus membro~ pelas utilidades de sua Província
respectiva.
Este Conselho reunia-se no- 11aço , ·e os seus mem-
bros gozavão do tratamento de Excellbl1cia, e de todas
as preeminencias de que gozavüo os Conselheiros de
Estado em Portugal.
A falIa do Sr. 1). Pedro I que acompanha .o De-
Cl'eto do 1. 0 de I ulho ' de 1822 chama-o Conselho de
Estado (1). Os Decretos de 13 de Agoslo do mesmo
Ulll10 e outros o choll1ão Conselho de Etitado.

A Assembléa Constituinte, por Carla de Lei de <20


de Outubro de 1823, exlinguio esse Conselho; decla-
1'0U que Procuradores dos povos erão unicamenle os
seus respectivos.Deputados em o numero que a Cons-
tituição determinasse, e que emquanto a Constituição
nüo decretasse fi existencia de um Conselho do Im-
perador, erão tão sómenle Conselheiros de Estado os
·l\Iiuistros.

Dissolvida a Constituiu te em 12 de Novembro de


1823, creou o Sr. D, Pedro T, por Decrelo de li:! do

(I ) Diz rlla: cc:\s rrprrsenlaÇÕcs de S. Paulo, !lio de Janeiro e ~IiDa s Ge-


racs em que mr prdi~o que fica sse no "Brasil lambem me drllrcra' iio iI
l'fcaçaO de um Con selho de Estado . Detcrmillt i-mc a crea-Io lia r,írUlél
ordenada uo lUtU Real Decreto de 16 L1e l'cycrciro deste aUD o, &c. I)
- 236-
mesmo mez e anno, um Conselho de Estado; no qual
devião ser tratados os nego cios de' maior monta, e espe-
cialmente para organisar o projecto da Constituição
que nos rege. Esse Conselho de Estado erq composto
'de 10 membros, comprehendidos os seis então Mi-
nistros, já Conselheiros natos pela lei acima citada
da 20 de Outubro. Forão esses 10 Conselheiros os
.
collaboradores da Constituicão .

Finalmente a ConstituiçãO, no Capo 7.... do TiL 5. 0

creou um Conselho de Estado, composto de 10 Conse-


lheiros vitalicios, nomeado~ pelo Imperador, não com-
prehendidos neste numero os Ministros,

O art. t 42 da mesma Constituição marcou a natu-


reza e attribuições desse Conselho de Estado, pelo se-
guinte modo: «Os Conselheiros de Estado serão ouvidos
em todos os negocios graves, e medidas geraes da
publica administração; principalme11te sobre a decla-
ração de 'guerra, e ajustes de pa'z, negociações com
as nações estrangeiras, assim como em todas as oc-
casiões, em que o Imperador se Pl'oponha exercer
qualquer das attribuições proprias do Poder ~10derador,
indicadas no art. 101, á excepção da 6. a »

Como sómenle aQ Governo competia ajuizar sobre·


a gravidade e generalidadE; das medidas sobre as quaes
poderia ser ouvido o Conselho de Estado, "está visto
que, na maior parte dos casos, poderia deixar d~
ouvi-lo .

Não tendo todas as medidas administrativas o carac-


ter de gravidade e generalidade 1 como não tem a maior
- 237 -
parte das queslões contenciosas provenientes de recla-
mações de parte por um direito seu ferido, está visto
que não era esse Conselho uma instituição, um Tri-
bunal propriam1:!nte administrativo.
Devia porém ser necessariamente ouvido sobre a de-
claração de guerra, ajustes de paz, negociações com as
Nações Estrangeiras; assim como em todas as occasiões
em que '0 Imperador se pro'puzesse exercer qualquer
das attribuições do Poder Moderador.
Posto que fosse uma corporação meramente consul-
tiva e sem jurisdicção propria, não era todavia um au-
xiliar administrativo perfeito e completo, um Conselho
de Estado semelhante ao da França, de Portugal e da
Hespanha, e aé> nosso de hoje. Não era dividido em
Secções. Não trabalhava com os ~1inistros. Era uma
creação tão especial, tão original, como a do Poder
~Joderador, suscitada pela idéa d'este.
D' aqui, para o dian te, tirarei argu I?en to para te-
forçar a opinião que hei de sustentar, que o Poder
Moderador não póde ser resguardado pela responsabili-
dade dos ~linistros do Executivo. A Constituição deu-lhe
um antemural proprio, o Conselho de Estado que creou,
do qual excluio os Ministros, e o qual, como que ar-
redando a responsabilidade d' estes, solemnemente de-
clarou responsavel.

Este Conselho de Estado tinha senões consideraveis.


Era ao mesmo tempo polilico e administrativo, mas
preponderava n'elle em demasia a côr politica. Como
corpo administrativo era manco, porque era sómente
ouvido em nego cios graves e medidas geraes, de modo
que ou se havia de crear outro Conselho para as me-
didas não graves ou geraes, CJue avultão, ou ficaria a
uumillislraçuo privada de auxilio para desbastar a massa
enorme de negocios administrativos, de nego cios seCUll-
ual'ios, mas .lambem importantes, que sobre ella pesa,
e que se liga mais ou menos com os graves e geraes,
sendo mui difficil discriminar bem, nos calios super-
venientes, o que he grave e geral do que o não he.

Esse Çonselho de Eslauo nunca foi desenvolvido por


uma lei regulamentar, nem pOL' meio de regulamentos,
na parte administrativa, Nunca funccionou como Tri-
bunal administrativo. Nem para elle havia recursos
marcados.

t:ompullha-sc UO lil1lilauo 11 umero de 10 Membros


e vitalícios. As cirwnslancias do pail, as con veniencias
ua politica, o espirito publico, podião mudar, e não
mudarem os Conselheiros. :rodiüo emperrar em certas
iuéas que não conviessem mais. Podião tornar-se impo-
pulares. Podia-se errar em algumas nomcações. Uma
yez feitas não havia remedio tl) .

l\ão tinha essa instituiçuo aquella ílexibilidady que he


indispensavel para que se podess,~ nccoml11odar ao irresis-
tível impcrio das ciscullislancias e ás ll1udan~as, e novas
exigencias do espirito publico (2).

(I ) Por exelllplo os Conselheiros de Estado do lNlIlJO do SI', D. Pcdro t ,"


n1lo podiilo senil' com proveito, por hastante tempo, depois do 7 de Abril .
Estou persuadido de que o pessoal do Comelbo de Estado concorreu para
11 sua suppress1lo. Uma corporacAo rOOlposta de cr.,utUrRS de um Reinado
IIno pôde scrvir a rcn(:çAo (I"C lhe pÔz termo. e dar ('onsclhos que inspirel1l
confiança, e dcem força moral aos actos do novo POller. A Rcgeucia ol1\'ia
o Conselho de Estado, mBS flor formalidad~, 11 quando a (;on~titl1içAo fi
exigia etpressamelltc. Os verdadeiros Conselheiros erno extra-offidacs, c,
para mc sCn'ir da expressa0 da moda, erfio os homens da situaÇào.
í21 P"la lei I:omrnum da Inglaterra o Consolho Pri\'udo fira (li550h id'l
iJf'o r(l~ lu pela morte do Soberano, como deriy,llldo dellc toda a sua au-
A lei di\ Regoncia de 14 de .T unho de 1831, ' no
art. 1~ dispõz que nüo podrria a mesma Regencia
nomea~ Conselheiros de Estado, salvo, no caso em que
ficassem menos de tres, quantos bastassem pnra preen-
cher esse
. numero. Esta delerminacão estava em har- .
monia com as consideraveis reslricções que essa lei
fi~era ao poder exercido pela Regrncill.

o Decreto de 12 de Abril de 1832 que mandou que


os Eleitores conferissem aos Deputados especial faculdade
para reformarem os artigos da Constituição que indica,
especificou todos os que formão o Capitulo intitulado
-Do Conselho de Estado-do- Titulo 5.° da C'Dnstiluiç,üo,
para o fim de ser snpprimido o mesmo Conselho de
l~sttldo (I).

o arligo' 3:2 do aeto addicional realizou essa sup-


pressão.

Assim o Poder ~'Ioderador e Executivo flcavão comple-


lamente isolados, sem abrigo, privado o primeiro de
outro clualquer Conselho que nito fosse o dos ~linistros,
nté a creação do nclual Conselho de Estado. Os recursos
que para elle se d~o hoje n:1o exisLião .

.toridadc. o seu successor faz novà nomraçllo. Comtudo para que nllo
titlllC est.l', por illgUIll tempo, sem Conselho, continúa o I'xistente por St'IS
mezes, se nao fOr antes dedurado dissol.l 'ido, e sulJstituido. Blackstonl'.
'01. 1. Chapter &. of the Royal Couucils.
, (1) He notaveJ a ogerisa que tinhilo tomado os reformadofl's desses tempos
1\ tudo quanto era COLlsdho! Parece que eiltt'Lldillo que tlldo qllanto era
cXilme, deliberação e Conselho era prejudicial á liberdade I Quasi todos os
Tribunaes de Consulta d. Monarchia I'ortugut'za ba"ião sido extinctoi sem
que lhes fosse suIJ.tituida cousa alguma. Não descançárao em quanto n80
úerão cabo do Conselho de Estado meramcnte consultivo, creado pela Cons-
tituição. que podiao reformar e melhorar, h(,1Il fomo dos Conselhos úe
I' residenci1l, ereados. pcla Constituinte, I'UI r.arta !le lei ele 20 de Ootuhrll
d~ 1823, eleitos pelo pO\'o, e tlOl e \1odi30 SI'I' tambeOl melhorado s e 1ItJro-
, citados!
.'
- 240-
Na Sessão de 13 de Maio de 18.iO, foi, conjuncta-
mente com outro que declarava o Imperador maior
desde já, apresentado por cinco Senadores um projecto
que creava um Conselho Privado (1) ..

Na falla com que em 3 de Maio de 1841 abrio a


sessão legislativa, dizia o Imperador ás Camaras: - « Devo
chamar a vossa aLtenção sobre a necessidade de' um
' Conselho de Estado, que eu possa ouvir em todos os
negocios graves, e principalmente nos relativos ao exer-
cicio do Poder Moderador.}>

Com effeito logo no principio daquella ses.l!ão foi apre-


sentado no Senado o projecto ' para um Conselho de
Estado, hoje convertido na lei n. O 234 de 29 de No-
vembro de 1841.

Ningucm na discussão contestou a idéa e a neces-


sidade da creação de um Conselho de Estado. O pro-
jecto passou na 1. a dis~ussão sem debate, bem como
na 2. a , o art. LOque diz. - « Haverá um -Conselho
de Estado. -}> A divergencia foi toda sobre o modo
da organisação.

A discussão que durou no Senado desde fins de


Junho até meiados de Setembro, com interrupções
pouco consideraveis, he por certo uma das mais bri-
lhantes e aprofundadas que tem honrado a nossa tri-
buna. Nella distinguirão-se principalmente os Srs.
B. P. de Vasconcellos, Alves Branco e Panla Souza.

(1) Este projecto, que foi rejeitado na primeira discussão, dizia assim.
« Artigo unico-Logoque o Sr. D. ,Pedro li fôr declarado maior, nomeará
um Conselho Privado da Corôa, composto de 10 Membros, que terão os
mesmos ordenados que tiohão os antigos Conselheiros de Estado. Paço do
::;eoad9 em 13 de Maio de 1840. li
- 241
.Porém se foi assIm brilhante e profunda na parte
politica, força he reconhecer qué quasi nenhuma luz
subministrá na parte administrativa; attestando assim
a pouca attenção que teIl!0s dado a esse ramo impor-
tan tissimo da gerencia dos nego cios publicos ('I).
'J
Algumas breves obse vações. resumidas ou c01bidas
daquella longa c volumosa discussão muito podem,
na minha opinião, concorrer para esclarecer este as-
sumpto. • I

Mas antes que passe adiante quero deixar já aqui


consignada uma distincção mui simples, qué está na
'natureza das cousas, e sobre a qual chamo muito par-
'ticularmente a attenção do leitor, pelas importantes
consequencias, que na applicação ella tem, como adiap tc
veremos.

A distincção he a seguinte: .
Os Conselhos ' que dá o Conselho de Estado podem
referir-se ao ex~roicio das attribuições: .' '
1. o Do Pod.er ~loderadot. ,
, 2. Do Poder executivo politico ou governamental.
0

3. Do Poder administrativo gracioso. ,


0
..:
4. o Do Poder adininistrativo contencioso.
n"
(1) A disc'ussão d~ projecto de Lei do Conselho de Estado na Camara
dos Deputados Coi JllUito curta. e de nenhum interesse. Sendo remeltido li
Commissão de Constituição. Coi es ta de parecei', de que o mesmo projec to
era util c vantajoso, c nada continha que fosse contrario li Constit.liição; c
propôz que, "isto estar a sessãO assaz adiantada para se presumir que, se-
guindo-se na discussão a Córma ordinaria, não poderia o mesmo projecto
ser adoptado na sessãO, tendo aliás passado POI" um circum specto exame na
. Camara dos Senadores, onde oh tivera consideravel maioria, entrasse em dis-
cussão com urgencia, dando-se-Ihe preferencia a qual(IUer outra maleriu ,
fi cando dispensada a segunda discuss30.
Sendo este parecer approvado depois de . algum debate, em sessão de 11
de Novemhro, c entrandó logo em terceira di scusslio o projecto, fói adopta ·
do, tal como viéra do Senado, na sessão de 12 por g..andc maioria.
31
- 242
Ficando assim estabelecida essa distincção, que muito
nos ha de servir, passarei adiante.

C~eaçuo de Conselho de Estallo pelo Governo.-Constltneiona-


lidade do que temos.

o Senador VergueirO' e outros entendião que .o pro-


jecto do Conselho de Estado era escusado, e sust~n­
tavão qu~ o Governo podia creur um Conselho de Es-
tado tal como o creava o mesmo projecto, compondo-o ' .
de cidadãos que tivessem Carta de Conselho. Sendo
grande o quadro destes, poderia o Governo escolher
doze para o serviço effectivo e permanente, ficando-lhe .
livre consultar os mais extraordinariamente,. quagdo
lhe parecesse util (1).

Uma organisação semelhante amesquinhava e des-


botava a -instituição do Conselho de Estado, a qual ,
não poderia ter prestigio maior do que aquelle que já
possuiãO .aquelles que tinhão Carta de Conselho, titulo,
que, por ser simplesmente honorifico, havia sido mais
ou menos barateado. Uma simples creação do Go-
verno não podia extremàr as raias dos Poderes, crear
jurisdicções, ou passa-las de um para outro. Deix!l-
ria a administração no mesmo estado, o que era em
summa o que então queria a oppºsição recelOsa de
fortalecer os seus ad versarios.

(1) Vide a discussão da Lei nas sessões do Senado de 1 e 26 de Julho


de 1841.
- 243 .-
Uma instituição semelhante não deve ser simples
feitura do Governo. « He conveniente, observava o Se-
nador B. P. ue Vasconcellos, na sessão de 26 da Ju-
lho. que uma instituição de tanta transcendencia na
ordem social, repouse sobre principios fixos e não va-
riaveis, e não fique abandonada ao capricho de quan-
tos ~inisterios se organisarem no Imperio. Um ~1i­
nisterio organisaria o Conselho de Estado de um modo ,
o que lhe succedesse dar-Ihe-hia nova organisação.
Viria outro que destruiria a obra do segundo e assim
por diante. Um Conselho de Estado semelhante não po-
deria ser proveitoso. »

Ao mesmo tempo era o projecto do Conselho de Es-


tado, o qual soffreu poucas alterações, e mui pouco
se ,differençava da Lei actual, atacado por outros como
inconstitucional.

A pécha de inconstitucionalidade que lhe punhão


era derivada 'de que, tendo o Conselho de Estado da
ConstituiçãO sido supprimido pelo aclo addicional, não
se podia restabelecer aquillo que assim fôra abolido
senão por outra reforma Constitucional. Reconhecia-se
em these' que era necessario crear um Conselho de
Estado, mas objectava-se que uma legislatura ordinaria
não o podia fazer reviver com qualidades e altribuições
semelhantes ás que tinha o antigo da Constituição (1).

Ora este era vitalicio.


O numero dos Conselheiros era limitado.

(l) Discursos dos Senadores Paula Souza e Vergueil'o nas sessões do Se-
nado de 6 de Julho, 13 e H de Setembro de 1841.
- 244
Logo o novo Conselho de Estado nãó' podia ser · vi-
I

talicio, nem tão p0!1co ser limitado o 'numéro dos


Conselheiros.
, ,f

.' O Senador Vergueiro na sessão ,do Senado, de 13 de


Setembro de 1841 dizia:
- I ~\ t • fi

, «( Entendo . t~mbe~ que ,quando·o a~to addic!onal abol.io ~stc


80nsolho' de Estado, não teve para isso outra razão senão b.
d.o querer doixar o Monarcha livre em toda a sua esphera~
Iivl'a-Io de ser obrigado a consultai; pessoaS detel'minadas ; qu"iz
(Jal'-l~e toda a amplidão; quiz que elle podesse consultar com
quem bem lhe parecesse, Eu julgo que não' foi ou.lra 'a ' ra-
zão por que se abolio ú Conselho de Estado; foi sómente esta
-tiral' ao Monarcha essas .sentinellas vitalicias.-Mas o pro-
jecto' apresentado restitue' esse Conselho de Estado vitalício,
restitue ás sentinellas do Monarcha, qUe estava abolido pelo
aclo addicionar. POl'tanto não posso admi~til' o Conselho de
Estado do projecto, porque entendo que esse Conselho he o da
Constituição, he aquelle que está abolido pelo acto addicional. »

O Senador Paula So~zà abundava nas mesmas idéas,


c dizia na sessão de 14 de Setembro do mesmo anno :
« ... ,. he evidente que se havemos de creal' outl'O Consel~o
de Estado, não ha de ser , aquelle da Constituição, porgue
aquelle que j.l foi abolido, não póde ser restaurado' senão poi'
um dcto ' Constitucional. Ora o Conselho de E~tado 'deste pt·o-
jeclo tem alguma diversidade, mas 110 essencial he o mesm~,
O Conselho de Estado da Constituição sendo vitalicio, rlendo
por dever· aconselhar ao Monal'cha, no exerci cio de seus po-
deres principaes, quando se abolio, sem duvida a razão mais
forte foi por ser vitalicio, foi porque deste mod,o. inha~i1ilava
o Monarcha de preencher devidamente . as attribuiçCíes que
lhe são conferidas pela Constituição. Ora êste ~icio existe no
projecto; logo parece que o Senado oªo deve querer que passe
uma lei ordinal'ia alterando a Constituição, isto he, revalidando
o que o ncto addici<;mul desLl'Uio, anniquilou. »
- 245-
o Senador ·B. P. de Vaséoncellos l\as sessões de 5, .
7 e 9 de Julho, e 15 de Outubro de' 18B, combatia
ess;ls idéas pelo modo seguinte;
'. « Quanto á inconstituciopalidade da lei n,ão sei c,omo se
possa sustentar. A Constituição reformada não prohibio a ins-
tit~ição de um Conselho de Estado, antes como que o pro-
mette, quando se serve das expressões - Fica supprimido o
Conselho de Estado de que tmta o Titulo 3. 0 Capittllo 7. 0 .da
Constituição.-Nito diz-não haverá mais Conselho de Estado.-
Têm' . divel'sa Iingoagem, exprime-se assim - Fica supprimido
o Conselho de Estado da Constituiçãó,.- Pol' consequencia julgo
eu que se pode estabelecer um Conselho de Estado, e que
até a Constituição' refol'mada o pl'Ometteu. Nem era possivel
que de outl'U sorte procedesse, ,quando ella reconheceu o Poder
Moderador independente dos Ministros."," O Conselho de
Estado de que ~e trata não seria c()ntrario á ConstituiçãO ainda
que uma grande parte, ou quasi todas as att.ribuições do an-
tigo Conselho de Estado fossem adoptadas 'na presente lei;
"l. porque- a Constituição reformada não expõe o rn~tivo pelo qual
foi abolido o Conselho de ;Estado da Constit\liçãO, Podia ser
õ Conselho de Estado da Constituição abolido pOl' não con-
sagraI' os verdadeiros principios da Sciencia, ou ' mesmo por
se entender que essa instituição não devia fazer parte da Cons-
muiÇã9' e· que erâ óbjecto proprio 'de lei regulamentar, Todas
essas razões podião mover o legislador, e se houvesse duvida
a tal respeito, eu fundado no art. 25 do aeto addicional, que
aulorisa o Poder legislativo a interpreta-lo, diria que o Con-
s~lho de Estado foi abolido, por motivo de não dever fazer
1:>art6 da Constituição do .Estado, c porque devia ser cstabe-
Icemo em lei regulamentar que pudesse receber as modificações
que as necessidades publicas reclamassem",.", Podia a As-
sc~bléa Geral ler muitas razões para isso; pol' não estar o
Conselho de Eslado ·bem organisado, por dever sei' uma ins-
tituição sujeita ao imperio das circumstancias, como devem ser
todas as instituições de um paiz constitucional. »

' Sendo porém exequiveis os acLos do 'Poder 'Mode-


rador sem a referenda dos 'Ministros, e, ~ão- ~stal1(}O
- 246-
estes sujeitos a responsabilidade por taes actos, como
pensava o Sr. Vasconcellos, não procedem sós as ra-
zões apontadas. Em tal caso o Conselho de Estado
politico, ouvido sempre, he o antemural que tem o
Poder Moderador, e como tal deve ser uma instituição
~onstitucional, como o fizera a Constituição pri-
mitiva.

Eu explico a suppressão do Conselho de Estado da


Constituição pela seguinte maneira.

o projeclo de lei adoptado pela Camara dos Depu-


tados em Outubro de 1831 para a reforma da Cons-
tituição,. continha as disposições seguintes:
§ 2.° (Artigo unico). A Constituição reconhecerá só-
mente tres Poderes Políticos; o Legislativo, o Executivo
e o Judicial.
§ 6.° Passarão para o Poder Executivo as altribui-
ções do Poder Modera4.or, que fôr conveniente con-
servar; as outras serão su pprimidas.
§ 8.° Será supprimido na Constituição o Capitulo
relativo ao Conselho de Estado.

Era essa suppressão, segundo esse projecto, perfei-


tamente logica. A suppressão do Conselho de Estado
da ConstituiçãO era inevitavel consequencia da sup-
pressão ao Poder Moderador. O Conselho de Estado
ficava, extincto o Poder Moderador, sem feição alguma
constitucional. Ficava sendo uma instituição unicamente
dependente das legislaturas ordinarias.

Porém os tres paragraphos acima trélnscriptos (2.° ,


6.° e 8.°) forão supprimidos pelo Senado.
- 247
As emendas do Senado, cuja redacção foi approvada
apressadamente em sessão extraordinaria e permanente
do dia 3 L de Julho de 1831, passando o mesmo Se-
nado por baixo das Forcas Caudinas, forão remellidas
á Camara dos Deputados nesse mesmo dia (1).

Voltando assim o projecto com as emendas do Se-


nado, e portanto com aquellas suppressões, para a
Camara dos Deputados, foi ahi approvada a suppr~ssão
dos citados §§ 2. e 6. Não o foi porém a do §
0 0

8. (2).
0

Ficárão portanto consideradas não reformaveis as


disposições da Constituição relativas ao Poder Mode-
rador, prevalecendo ao mesmo tempo a idéa da sup-
pressão do capitulo da ConstituiçãO relativo ao Conselho
de Estado, o que certamente era illogico. A Corôa
ficava descoberta quanto ás attribuições do Poder ~Io­
derador.

Não tendo a Camara dos Deputados approvado va-


rias das emendas, do Senado, e julgando o pl'ojecto
vantajoso, requereu a reunião das duas Camaras, a
qual teve lugar nas onze sessões decorridas de 17 a 28
de Setembro de 1832.

o resultado
da discussão e da votação em Assem-
bléa Geral, pelo que respeita aos pontos dos quaes me
estou occupando, foi a confirmação da ultima votação
da Camara . dos Deputados, a saber, ficou intacto o

(1) Aclas respectiyas.


(2) Actas respectinls .
- 248-
Poder Moderador, e prevaleceú a ' suppress'ão do Con-
selho de Estad0 ~ '

Com eft'eito o aclo ' addicional não tocou no Poder -


Moderador., Supprimio porém ó Conselho de Estado.

- Assim a primitiva ,suppressão do ' Conselho ' de _Esta-


do, a qual prevaleceu definitivamente, rteve por causa
a. suppressão ,do Poder ~Ioderador', a qual a final não
prevaleceu. Não 'se lhe póde assignalar uma causa 0ri-
ginaria diversa, que não foi indic~da, nem na , dís-
cussão nem na lei. Nem seria possível averIguar, '
dadas diversas razões pQr diversos, -qual ou quaes e
em que grão, movêrão os espiritos na votação. O que
he fóra de duvida he que" a letra e e,spirito do acto
addicional não exclue a creação de outro Conselho de
Estado, que não seja o da Constituição, Cl'eado pela
eonstituicão.

A Assémbléa Geral, unica competénte I
para resolver esse ponto 9 pôz fóra de duvida, crean-
do o actual Conselho de Estado.

Em toda a discussão da Lei do Conselho de Estado;


por parte da opposição de então, ressumbra muito
menos a"proficiencia dos argumentos, do que o cioso~
receio de que o partido enlão no poder 'se podesse'
fortaleger por meio dessa instituição. Esse sentimento,
é as odiosidades que explorava, liverão uma inbuen-
ci~ extraordinaria sobre a lei, e contribuirão podéro-
~àmente para torna-la manca e acanhada, como, pelos
mesmos motivos, tem acontecido ~~m muitas outras.
L r,

') . .}
249 -

\3g •'3 ,o

Olygal'chia - Coacção lIa Cm'fla. ,

A opposiçüo considerava a lei 00 Conselho ele Es·,


tado como um Monstro (assim o chnmava) que ia
mudar e lranstornar inteiramente 11 fórma de Governo, e
passar o , poder das mãos do lHonurcha pura as de
uma olygarchia (J).

Cheios de santo zelo pela liberdade e prcrogativas


da Corôa, aquelles mesmos que a querifío despojar
das attribuições do Poder Moderador, fulminavão o
projecto de Conselho de Estado, porque (dizião clles)
peava e coarctava o Poder do Monarcha, ' impondo-
lhe certo numero de Conselheiros vitalicios ; obrigan-
do-o a consultar sempre as mesmas' pessoas .-

o Senador Paula Souza dizia na sessão de 9 de


Julho:

« Um a lei. .. que impõe ao l\Ionarcha a obrigação de ouvir


só a taes e tacs pessoas, força o Monal'cha a não tomar ~on­
selho com quem quilel', mas só de taes e tacs pessoas, e duo
.rante a vida dellas; que til' a o Podei' Supremo das mãos do
Monarcha para o entregar a uma olygarchia! Eu não posso

(IT Palavras textuaes. Discursos dos Senadores Paula Souza e Vergueiro,


nas scssões de 26 de Julho e de 15 e 28 de Setembro de 184 1. Data dessa
época a invençllO da olygarcbia, desse novo Minotauro ria nova fabula raso
teira, ignobil e odienta, não poetica, engeuhosa e risonha como u antiga .
Jú se vê portanto que o Monstro não hc crian ça .
« La Camal'illa ! Jamais je n'cn entend is autant pnrler que depui s quc jc
su is nux Etats Unis, ' Ou l'apelle ici Kitchen (cuisine), el, cn n'admettant
quc le quart de cc que dit l'op position, iI est dim cilc de ne pas croire <IUC
l' influcuce du Kitchen cabinet sur les afl'ail'cs publiques surpasse l'influenr.e
<lu cab inet minislcricl. » i\l ich cl Chcral icr leltrcs SUl' I' Amel'iquc du ' ord
Tom 1. 0
32
250
julgar uma tal lei ulil ao paiz; julgo sim que ell.) mais
aproximará a ~ação do abysmo. As tendencias que apparecem
são, não para ceollocar o Poder nas mãos do Monarcha, mas
nas da olygarchia; toda a tendencj.a he, com o nome de for-
. tiflcar o poder llas mãos do Monarcha, fraquea-Io para o pas-
sar ás mãos da olygarchia. Poderei estar em erro, mas' me
I
parece que esta lei he uma daquellas que mais nos empur-
rão para o abysmo. »

Dizia o Senador Vergueiro na sessão ue 2G de


Julho:

« Vamos pêar o l\Ionarcha, tirar-lhe toda a liberdade de se


aconselhar, pois he- talo resultado da vitaliciedade do Conse-
lho de Estado, c numero limitado de seus Conselheiros. Re-
jeito o projeclo, porque me parece que isto he mui pouco
delicado, & c. »

As repetidas asseverações de que a lei do Conselho


de Estado violava a Constituição, e de que a Corôa
ficava sem liberdade e coacta, calárão em grande parte
<la população desprevenida e incauta. Era apresen-
tada como um dos motivos para as rebelliões de
S. Paulo e Minas em 1842, a violação da Constituição
pela lei do Conselho de Estado, hem como ~ coacçãe
em que, por ~eio della fôra posto o Imperador pela
olygarchia. Um dos fins da revolução era a annulla~
ção da lei do Conselho de Estado, contra a qual não
se disse palavra depois, e que dura ha 20 annos. A
representação da Assembléa Provincial de S. Paulo
de 18 de Janeiro de 1842 (denominada mensagem ao
Imperador) dizia assim:

« Â. Assembléa Provincial de S. Paulo, em cumprimento de


seus d('veres os mais sagrados, "em ante o throno de V. ~f. J.
251

pedir a sustação Jias duas denominadas leis das reformas
do ' Codigo, e creação de um Conselho de Estado, até o tempo
em que a nova Assembléa as possa rever e revogar, como he
de esperar, attenta a sua inconstitucionalidade, &c, »

o Manifesto official aos Mineiros, com o qual ronl-


peu a revolução em Barbacena, dizia:

« E pOl'que não bastasse a escravidão de povo, o anniquila-


mento das garantias constitucionaes, para que mais se forti-
ficasse a olygarchia que hoje domina o paiz, essa facção atten-
tou contra a Coróa, escravisando-a por meio de um Conselho
que so denominou ~o Estado, e que reduzio o Monarcha a
ouvir só c unicamente os Membros dessa mesma facção, que
~ todo o custo quer conservar o seu dominio exclusivo. Ha-
vendo chegado as cousas a esse pouto, não era possivel que
a população se conservasse inditTerente, O c1amol' publico
échoou os gritos da opposi ção vehemente que no Senado fi-
zerão a essas duas leis da reforma e do Conselho de Estado,
alguns de sous mais mustrados membros. »

Os adversarios do projecto, como que consideran-


' do-a facto verificado e inconcusso, partião da sup-
posiçãO, de que o partido que executasse a L~i faria
nomear de uma assentada os 1':2 Conselheiros ordinll.-
rios, e os 12 extraordinarios (1). 'Assim, mudada li.
politica por conveniencia publica, a nova administra-
ção eneontraria s6mente adversarios nos auxiliares que
lhe devia dar a lei. E ainda que fossem dispensados
um ou mais Conselheiros ordinarios, não melhoraria
o estado das cousas, porque os substitutos, os Conse-
lheiros extraordinarios, serião da mesma facção.

(I) Discursos du Seuador Paula Souza na sessão de 12 de Julho e outras,


de I S).1.. I
252

o Senador B. P. de Vasconcéllos impugnava essa
supposição infundada e odiosa, na sessão do Senado do
1.0 de Outubro e nos ter~os seguintes .. (1).

« O.1'a eu nüo posso figurar a hypotbese de que o Ministerio


executor dessa lei ha de nomear todos os Conselheiros de
Estado, Lanto ordinarios-como extraordinarios, ao mesmo tempo_
porque lenho para mim que o Ministerio ha de nomear -12
Conselhei ros ordinarios, e que sómente nomeará os extraor-
dinarios qqando houver necessidade urgente; e o que justifi-
caria um Ministerio que cre~sse o Coóselho ordinario, e ao
mesmo tempo o tlxtraordinario, se o ext~'aordinario tem de
substituir o ordjnario; quando nelle se apFesentem faltas?
Este argumento do nobre advers.ariQ do projecto de que o.
Ministro ha de sempre abusar da autoridade discricionar.ia que .
fi ' Iei lhe confere, que n&o ha de interessar-se pela liberdade .
do paíz, he tàI _que çu peço-licença para nã.o compartir essas.:
apPl'ebensõcs. »

Demais he esse um dos casos em que o ·Poder Mo-


derador deve intervir, porque he da sua missão não
eonseniir que o partido que está no governo ponha
tropeços Íl'lVenciveis ao outro para governar, quando
as circunstancias e as conveniencias publicas o chama..,
rem ao governo. Á . Sabedoria da Corôa tem compre..,
llendido perfeitamente entre nós .essa necessidade in..., ·
... declinavel do systema representativo. .
Aquellas sinistras previsões forão porém completa-
mente desmentidas. Durante
. o Ministerio de 23 de ~

Março ele 184.1, ao qual a lucla armada que teve de


. suslentar contra as rebelliõ~s de S. .Pau] o c Minas, não

(I) Quand o acima tli ssc lJu c a di scussiio do projccto do. Conselho de Es-
lallo durou no Scnado dcsde fin s dc Junho até Illciad os dc Setembro, refe ·
.-i-lIlc Ú 2." A 3.a llisf ussõ10 L'O lll cç6 u (\In melados -de Sctcmbro e find ou CI)1
6 de Outubro) se nd o nppro\ado o pi"lljccto co mo pass;í ra cm ~..".
- 2·53
pódia deixar de dar apparencias .de violento e par-
tidario, foi organisado o Conselho' de Estado, e com-
posto de 7 Membros ordinarios e de 5 extraordi~larios.
Nem todos erã'o homens de partido. Ficou uma mar-
gem de 12 Conselheiros, isto he .de 12 vagas, para
seus ·successores, que forão seus adversarios. De então
por diante tem sempre existido um numero de vagas
igual, pouco mais óu menos, ao terço do numero to-
tal dos Conselheiros de Estado. No caso em que
circumstancias imperiosas o exigissem, seria faci) , sem
sahir da lei, por meio de algumas dispensas, e pelo
preenchimento de algu~as vagas, modificar a maio-
ria que apresentasse o Conselho de Estado. He esta
uma das grandes vantagens da sua organisação.

Entretan-to o Conselho de Estado existe ha 20 an-


Ílos, e nunca se revelou a necessidade de semelhante
procedimento . Tem estado no Ministerio homens de dif.,.
ferentes partidos, e nenhum deixou de reconhecer o
valioso e leal auxilio que o Conselho de Estádo tem
prestado á administração. Os factos tem desmentido os:
declamatorios e apaixónados vaticinios, com que foi
ácolhida e praguejada essa instituição. O que mais en-
carniçadamenté a combateu, fez depois parte d' essa Cor-
poração! e havia de reconhecer em sua consçienciu
'(faço-lhe essa justiça) a sem razão das suas prevenções.
ror certo que não encontrou lá aquella o]ygarchia que
pinlou com tão negras côres.

As difficuldades, quanto á organisação de um Con-


selho de Estado, versão principalmente sobre dous
pontos.
Deve ser vitalicio, ou não 1
- 254-

.
Deve ser limitado, ou illimitado o numero dos Gon-
selheiros?

Ha razões que ,militão pró e contra cada uma d' essas


alternativas, ' e essas razões ' forão bem expostas e con~
sideradas na discussão do Senado sobre a lei do nosso
C0l'!selh() de Estado. Eu reproduzirei, a substançia das
prmClpaes ..

§ 4.·

Vitaliciedade cios Conselheiros de Estado.-Limitat;ão do


numeró.

Os que combatem a vita1iciedade observão que Cl'eado


o Conselho 'de Estado em uma época, representa cértas
opiniões, está de accordo com a que então domina.
Essa opiniã.o póde deixar de dominar. Ora clevendo o
nIonarcha e o Governo, nas fórlllas representativas,
conformarem-se com a opinião nacional, não poderão
ser então conformes com esta os conselhos que lhe
der aqueHa Corporação, a qual, em lugar de pres~ar
auxilio, sómente servirá de estorvo (1), _

Para que o ~Ionarcha possa conhecer sempre, e na


actualidade, os interesses reaes do paiz; para que não
possa ser illudido pelo que llle disserem os Ministros,
que podem não estar a par das necessidades publicas.
deve o Conselho de Estado representar á. opiniãO da
actualidade, lUas se os Conselheiros de Estado ordi-

( I) Discurso do Senador Paula So uz,i upcssão de 3 de Julho de 1811 .

.'
• 255 -
nal'ios e extraordiFlarios forem vitalicios, sómente po-
derão representar a opinião do tempo em que forã()
nomeados. O Monarcha não póde ouvir outros Con- .
selheiros que não sejão os d'essa opinião, e sendo á,
mortalidade lenta, segue-se que em um grande de-
curso de annos, não póde o mesmo 'Monarcha estar
em contacto com a Nação (1).

Não se darião esses inconvementes se os Conselheiros


de Estado fossem amoviveis. Então, mudada a opinião
politica debaixo de cujo dominio houvessem sido no-
meados, serião díspensados, e chamados outros que
partilhassem a novéL Não se veria a nova administração
violentada a ter no Conselho da Corôa pessoas que
pensassem differentemente, e estorvassem o progresso
de suas medidas administrativas. A vitaliciedade des-
natura o systema representativo, crêa um status in
stalu, o que infaUivelmenle ha de produzir grandes
perturbações no paiz (2).

Esses inconvenientes l'esuHão da vitaliciedade, prin-


cipalmente quando o numero dos Conselheiros he li-
mitado, e são tanto maiores quanto m~is he restrict()
esse numero.
Então a atlribuição de aconselhar a Coroa, obriga'--
da a consultar sempre as mesmas pessoas, constitue'
uma especie de monopolio (3) .

( 1 ) Discurso dO' Senador Paula Souza na sessãO' de H de Setembro de-


1841.
( 2 ) Discursos dos Senadores Paula Souza, e Hollanda Cal'alcàn ti, nas ses-
sões de 30 de Junho, e 6 de J ulho de 1841.
(3) Discursos do Senador Paula SOll7.a na s scss1Jes de 30 de Junho e de
l de Julho de l Si l.
- 256- •
Taes i nconvenientes subirão de ponto se o Conselho
de Estado hou"-er sido composto de homens de um
só partido e se tiver voto deliberativo .

Essas considerações forão expostas e desenvolvidas


na discussão da nossa Lei do Conselho de Estadq,
especialmente pelo Senadqr Paula Souza, e- prendem
estreitamente com as- idéas dcmocraticas e de movi-
mento, não reflectido, segmo e pausada, mas accele-
rado e por saltos (I}.

(1) Não sou inimigo da Democracia.· Tem ella muitas co usas bOll's, mas
he preciso não a exa gerar, _e conse.rva-ia nos seús justos limites ; aliás póde
produzir, como tem produzido, grandes males. Pel'mitta o leitor que chame
a ·sua atten ção sobre o seguinte profuudo trecho de um excellente lino, ha
pouco publicado, e que tem por titulo.-Thomas Jell'e rsou, ctude histori-
que SUl' la democratie amcricainc, par Cornclis de vVitt.- cc Les fruits de la
-democratie ne SOllt pas tous amers: elle en fait naltre sous nos 1'eux de trús
bons, -Ia dilfusion du bien être ct dcs lumi eres dans les classes inférienres,
le progres des sentiments d'équité ct d'humanité dans Ics classes supérieures;
cn bas plus d'intellige nre, plus d'aclivité, plus de force productive, plus
d'independence, plus de dignité ; cn haut, une préorcupatron plus constante
tlu sort des masses; la ricbesse publique accrue en même temps que le rcs-
pcct pour la qualité d'homme ce sont lá de grands et précieux bienfaits
dont les coeurs généreux doivcnt se réjouir, ce sont là les reuvres de la dé-
mocratie moderne qu'ils doivent seconder. "
« Mais eu même temps que la démo cratie travame utilement et justcmcnt
à relever la cODllitiou dos ma sses, clle leur inspire dcs prétr.ntions iniques,
éga lement destructives de I'ordre et de la liberté; elle les expose à des tcn-
tations périlleuses centre lesquclles Icur bous sens et leur moralité ne peu-
,'eut Ics défendre que si cc bon sens et cctte moralité sont soutenus à la
tois par la fermeté dc's gens de bien dans los classes sup érieures , et par la
force dcs iustituitions. Quul1d le- graod nombrc s'abandool1e, et qu'ou I'a,.
bandonnc à ses mauvais il1stiucts, ql1and il u'es t plL1~ 50umis à d'autres
lois que sa volonté, i1. devient uo tyrau imprevoyant et fantasque. La sou-
veraincté absolue ne convieot poil1t à la faiblesse humaine; les meillel1l's
sont eDe,lins à en abuseI' et n'y ont uucuu titre; le vulgaire ue sauroit en
être plus chgne, et en eU'et, partout Oll il exerce son cmpire, il pretel1d
domineI' à lui seul; iI se eroit dispell$é d'avoir raisou et droit; iI iubol'-
donne ses intérêts ml\mes ases fantai sies; iI s'babitue à u 'accepter pour
chefs que ceUI qui obéisscot à sou bOIl plaisir, et iI eu vient alors à se
cbo isi r des gouvernants méd iocres ou iudignes, à baonir de ses €onseils Ics
illtelligeoces et les existences qui dépasscnt la taille Illo yenoe, à peseI' SUl'
ellcs de 5a masse écra sa nte al1 risque dc les énel'\'cr assez complétement
pour qu'ellcs lui fa ssent défaut le jOlll' Oll, dalls un acclls de bon sens pro-
voqué par llO grand péril pl1hli c, iI sen tim le beso in d'etrll couduit pur dês
homm es sl1 périeurs . Une po!itiqlte sans mite et sans souci de !'avenil', des
lois instab!es, 1m pOllvoil' mcpl'isé, unr. societé a la (ois agitlfo oi uni(ol'lno,
las e,~prits nive!és encore phls qlW les condi/ions, tels SOllt Ics manvais erreIs
qlle t'e Lat social clemocl'otiqllc JICI!l cli/raln a)', qll'il doU rnll'nll1er partollt
0 /1 il 11C I/'ouve liaS UI/. p uissa nl cOI'I'ecti( dans lcs l/l O'lIn cl dnll s los lois. »
257
Dizia esse illustt'ado Senador na Sessão <lo Senado
de G de Julho de 1841 :
« Fallando em geral da necessidad ll de corpos ou instituições
Hxas lia Sociedade, reconheço e acato todos os principios ; po-
rém se estivesse formando uma Constituição talvez tivesse ou-
tras opiniões, e não adopLasse a id6a de fixura senão a res-
peito do Monal'cha. Be opinião minha particula/" que ti ex-
cepçao ao Monarcha· não haja vitaliciêdade em outro corpo
do Estadõ; mas não he disso que se trata; não estamos or-
ganisando a Sociedade. O que devemos fazer he desenvolvei'
as leis da Sociedade, em virtude dos principios estabelecidos
na Constituição do Estado.
« Pela nossa ConstituiçãO he vitalício o Monarcha, o Poder
Judicial'io e o Senado; ,são estas as bl!&cS que devemos reco-
nhecer, e não outras; e como entãó querer estabelecer um
novo corpo com caracter de vitalício, como um centro de re ~
sistencia, e meio de conservar tradições? A antiga Constitui-
ção do paiz reconheceu esse corpo, mas a nova Constituição
rejeitou-o, Logo deve ser liquido que não con vém a existen-
cio de um corpo fixo e vitalício. .
« Não -temos já CSf>e corpo fixo e estavel, que serve de cen-
tro de resistcncia, e de propagar as tradições que he o Se-
nado? Não he esse um corpo fixo que deve conservar as tra-
diçÕes govenlativas por via de su'as deliberações (i)? Não p6de
elle ser considerado o primeil'o Conselheiro do Monarcha? Não.
a'conSelha o Monarcha por meio de suas discussões? Eis pois
esse cotpo que os honrados. membros querem,
« O tribunal ~upremo de Justiça não be tambem uma ins-
tituição do mesmo caracter, que serve para transmittir as tra-
dições judiciarias (2)? O Supremo Conselho Militar não he da,
mesma natureza? Não temos tambem no Ecclesiastico corpos
fixos para transmittil' as tradições da Religião?

(1) O Senado he- um ramo do Poder Lcgi lativo, nüo goveroa, oão he
corporaÇllo admioistrativa , mas sim corpo politico. Como pôde ser eon er-
vador de, tradições administrativas pOI' meio de ua dclibcraçõ ?
(2) O nosso Supremo Tribunal de Jo tiça será, eomo I tudo quant o qui-
zerem, mcnos um meio de uniformnr l\ jurisprud o in, d crn.r lrlldit;Oc '
0 11
juditinrins.
33
~58

(C Temos pois na [lOSSa organisac;ão social ditreI'Cntes corpos


que concorrem para que se obtenMo essas idéas do ordem .
A ditrerença que ha he que em vez de estarem centralisados
em 'um só ponto, estão repartidos em difTerentes, a fim de me-
lhor fiscalis81'em o!i principios de ordem, Mas creat' um corpo
de mais ,cujo uuico fim seja pôr obstaculo 'ao desenvolvimento·
das idéas novas que possão apparccer, he o que acho que a
nossa COllstituição nãQ quiz, e muito hem, P(}l'quc o Goveí'no
Representativo !le um Governo em que predomina o governo
(la Sociedllde, e se houver esse COl'po fixo que sempre resista,
sem que para vencer essa resistencia as pessoas que professão
a opini'â'o contraria . possão lançar mão d'c algum dos méios-
que a ConstituiçãO do paiz permitte, dahi resultal'á u'm mar
exhaordinario, Com clfeito pôde a Sociedade inteira por seus
órgãos legitimos, exigir uma medida de ~econhecida utilidade,
e esse corpo a isso se opp(k, e dalli resultaria uma lucta de- ..
'sastrosa, »

A essas considerações oppunha o Senador José Sa-


turnino da Costa Pereira (1) est'Otltras, na sessão de 15
de Setembro do mesmo anno:

« Eu busco pois a vitaliciedade do Senado em oU,tra origem,


c seguirei os mesmos principios que adopta o Nobre Senador
li quelll combato, que hc a rhaneira de não eternisar os ar-
gumentos: Diz o Nobre Senado)' que, segundo a indole do '
nosso systema be necessario que as pessoas illcumbidas 'dos ne-
goclos publicos esfeJão em dia .com as idéas do tempo, que
c.oiitinuamente consultem a opinião do dia, pam que, possão
apmveitát' todos os progl'eSSOS d.a novfdade; mas o Nobre Se-
nador accrescenta que deve haVei' muita circumspecção ~m a
opinião publica numerica com a opinião razoavel; estou muito

(1) Conheci-o no SenadQ, Quando ahi fui assistir em. 18.iO e 18H, comp
Ministro da Justiça, á porfiada e longa discussão «;Ia lei de 3 de Dezembro
de 181.1, Era homem modesto, sem preteO~ijes, de 'Dão vulgar instrucllno
em
e merecimento, de idéas mui slIns, e vigoroso (Jialectico, Tcnlio prazer
pre6~r esta humilde homenagem li. sua memoria . . '
_- 259 -
pm' iS5(,>. e ' he d"hi que cu deduz9 a necessidade de ulJl Corpo
·Conserv:ador., que rÓI'a dessas opiniões yal'iaveis ele dia a dia,
q·ue tendo mesmo tidG h~l~pO e occas,ião de c(,ITlparar essas
Qiv·ersas opiniões variaveis, possa discernir maduramcllte, e fóra
d6 turbilhão das paixõ~s .que essas novidades cI'eão, qual das
ca~sas prodl~z essas opiniões que parecem geraes, se o numero.
so a ra'zão, corno o Nob~'e Senador quel" Eis-aqui a origem,
no meu entendei', da vitaliciedade do Senado; eis a índole d~
nosso systema repI'escntativo,
cc E não he da indole do nosso systema que os di[erentes
Poderes do Estado se c<}\lservem em barmonia? He sem duvida.
A nossa Constituição o declara positivamente, e tanto que creou
um Poder expressamente para a conservar, Ora, digo eu, ha-
verá harmonia entre o Poder Legislativo e Executivo, quapdo
cada um delles he fundado em maximas heterogeneas, e q\le
estcjão em contradicção?
(Ç QUCl' a Constituição que o vôo rapido, que a novidade de
opiniões da Camara do~ Deputados seja modificado pela inercia
do Senado, para que não appareção os abusos que podem
nascei' dessa rapidez, E não será consentaneo, não será da
indole do nOSSG governo que o Poder Executivo se fun~e ,em
principios analogos aos em que se funda o Legislativo? Será contra
a indole que, succedendo-se os Miuisterios rapidamente, não
tendo mais qU'e durações ephemeras, l1aja ~m corpo estaval,
que eonsene as tradições govemativas, q\,le dê estabilidade 4s
disposições dos dilferentes Ministerios, que faça desapparecer
essa politica variavel de dia a dia, que faz perder toda a con-
fiança aos servidores subalternos, que, por uma parte, não.
vêem segurança alguma em seus empregQ~, e por outra pada
adiant~o dG que restrict.amente lhes marcãQ suas obrigações,.
l'coeiosos, e com razão, de que o Ministro futuro desapprove.
quanto o actual approva '1
« Que Ministro de Estad~ póde tentar um estabeleoimento..
para cujo pomplemento tenha d~ empregar-se talvez UIIl; anuo,.
()om a quas~ certeza de qlle se o não concluit', como será pos-
sivel. o seu successor não deite abaixo o seu pl'Ojecto? Nenh~m
outro temediose póde dar a este mal destmidof de nossas
instituições, que aquelle mesmo que a Constituição dá ao dç~
- 260 ~

sejo que pôde dominar e de facto tem dominado a outra


Camara, do desejo de in novações , ~realldo um corpo debaixo
dos mesmos fundamentos, e com a mesma estabilidade do Se-
nado . . Como pois se affirma que o Conselho de Estado he um
Corpo em contradicção com a indole do governo representativo
cuja norma eu não conhéço; mas com o nosso, com o que
jurámos observar, longe de estaI' em conLl'adicção, está muito
em harmonia, pois he tirado do seu espirito.
« O Sr. Paula e Souza:-E a lucta com a Camara dos De-.
putados?
. « O Sr. Saturnirw da Costa Pereira: - He nessa lucta 9ue
cu vejo a maior necessidade do Conselho de Estado. He então
que o Monarcha necessita ouvir outro Corpo cujas opiniões
não sejão suspeitas, nem de seguir com paixão i,ls da Camara,
nem as do Ministerio; he pl'eciso que ouça um terceiro que
lhe compare umas opiniões com outras, que lhe faça vêl' no
'pass1J.do as consequencias que pôde ter li medida, ou de dis-
solver a Camara, ou de demittir o Ministerio: que finalmente,
usa:ndo da phrase do Nobre Senador, lhe mostre a verdadeira
distlnclião entre a maioria numerica, o a razoavel, e para tudo
isto ' he necessario um Cqnselho de Membros conhecedores das
tradições governativas. »

o_Senador fi. 'P. de Vasconcellos respondia a outras


ponderações acima apontadas nos' termos seguintes.
(Sessão do 1. o de Ou tubro. )
« Outra hypothese dos nobres adversarios he que o Conselho
de , Estado fique condemnado a professar sempre as idéas que
tinha no tempo em que foi nomeado; que o Conselheiro de
Estado, homem político, não acompanhe as circumstancias do
paiz; que não saiba obedecer ao seu impcrio; que não he
perfectivel, não he capaz de desenvolver a sua razão, de se
'esclarecer'. Ora este .argumento tem contra si a opinião de todos
que tem escripto sobre a Phílosophia do Direito; todos os pu-
bUcistas tem reconhecido quo nenhum homem pôde ser immu-
tavel, áinda os que mais se inculcão por taes; que tudo muda
no homem , e em torno do homem; por conseguinte. sua in-
- 261

telligencia está sujeita a essa lei de mudança, Eu com isto não


justifico a versatilidade no homem; uma cousa he abandonar
a OplDJaO sem motivo, pOl' uma inconsistencia inqualificavel.
l( O homem politico que facilmente abdica as suas idéas, ou

revela a sua incapacidade, ou más intenções; e outra cousa he


modificar as suas idéas, segundo o estado social, fazê-las servil'
ao bem do paiz; he ' por isso que nós compomos a sociedade
á imagem do homem, Toda a sociedade bem organisada deve
ser composta á 'sua semelhança, e Ílma das principaes obriga-
ções he a de desenvolver a qualidade de homem que he a de
serperfectivel. Ora õ Conselheiro de Estado posto no meio da
administração publica, observando todos os dias o estado da
opinião do paiz, já no meio da discussão official, Já pelo da
cspontanea, ha de emp9rral' sempre na idéa que tinha ao tempo
em que foi nomeado Conselheiro? Eu considero que nenhum
homem póde conservar-se estacionario quando tem de volar,
de deferir negocios de alta importancia que estão a seu cargo;
póde pOl' algum tempo, pOl' muito, ou pOl' toda a vida, con-
servar-se estaciona rio o homem que abandona a vida política,
que della nada mais quel', mas ' nunca aquelle que tem obri-
gação de votal' todos os dias, de ouvir as reclamações, de atton-
der ás representações, e que sobre todos os objectos importantes
Le obrigado tQdos os dias a dar o seu parecer, Póde-se entender
que a intellígencia não se move, que não compara as necessi-
dades do paiz, para se accommodar á marcha e movimento
social; poderá ser, mas a minha convicção he mui diversa, e
felizmente em abono del1a tenho aulüridades respeitaveis,
. , , " « Quel'-se que o Conselheiro de Estadõ seja da opinião
e sentimento do Ministerio, e por consequencia que seja no-
meado e demittido livremenle, Esta opinião não he admissivel.
Póde convir um Conselheiro de Estado de opiniões diversas do
Ministerio, e muito interessará á CorÔa em ouvir o pró e o
, ,
contl'a em uma discussão conLradictoria. Se o Conselheiro de
Estado se servil' do seu lugal' pam revelar os segredos, para
contrariai' por todos os meios as medidas ministeriaes, não
deve continuar mais a servir com esse Ministerio. Em caso algum,
'que!' seja vitalício, quer amovivel, deve ser dispensado sómen-
te pelo facto de não ser da opinião do Ministerio. De que
- 262
sel've um Conselho quê não deve discl'epar da opinião daquellé
que o consulta? De um semelhante Conselho, em tudo e por
tudo sempre da opinião dos Minislros he que se poderia dizer
que, de algum modo, coage o Monarcha, e que, em muitos
casos lhe ha'de encobrir a verdJde.
« Cada adtninistração, principalmente entre nós, tende a
desrazel' o q~lC rez a anlerior. O Conselho de Estado vitalício
e limitado, tende a modificar o movimento inverso de uma
administração que succede á oulra. Se cada Minislel'Ío trouxer
comsigo o seu Conselho de Estado, teremos não só o Ivliniste-
rio, como o novo Conselho de Estado, a desrazerem po' prin-
cipio de contradicção ou novidade o que fizerão os seus an-
tecessores. »

Nu sessão de 5 de Julho accrescentavu o mesmo


Sr. B. P. de Vasconcellos:
« O nobro 'Senador quel' que esses Conselheiros de Estado
,sejão, como os Ministms, nomeados e demittidos livremente
como aprouver á CorÔa; e pela emenda do 2. 0 Sr. Secretario
acontecCl'á que todos os Ministerios appareção acompanhados
do seu Conselbo de Estado. Ora sendo muito rrequentes as
mudanças de Ministros entre nós, o que acontecerá he qu~
dentro de 10 ou 12 annos teremos um immenso numero de
Conselheiros de Estad'o. . E o qu~ admim he que outro Se-
nador, que em outra occasião declamu qüe esta opinião não
podia ser admiUida,jã não qUCl' fixar o numem de Conselheiros
extraordinarios, quer que a Coroa vá nomeando quantos Con-
selheiros julgar conveniente. Ora figuremos uma hypoth~se:
fórma-se hoje um Cqnselho de Estado proprietario, isto he,
ordinario, de 12 membros, amanhã vem um Ministerio e pede
á Corôa que dispense os Conselheiros actuaes; são dispensados,
c vem outros 12 Conselheiros; em outro dia succede oO'VO Mi-
nisterio, c estes novos Ministros instão por novo Conselho, e
dest'artc dentro de pouco tempo, talvez toda a população do
Imperio seja composta de Conselheiros de Estado.
« Como poderá um tal ConselhO servir á CorÓa pelo · que
respeita ás attribuições do Podei' Model'adol'? Sende cteatura
,dos Ministros, dellcs inteiramente dependente, ligado á sua
sorte, como poderá aconselhar o Imperador em assumptos nos
quacs são os mesmos Ministros interessados? Trata·se por
exemplo de dissolver uma Camara, convoca o Imperador o seu
Conselho de Eslado; se esle Conselho he creatura do Minis-
terio, s~ he seu orgão, he provavel que diga - dissolva-se a
Camara, e consene-se o Ministerio - ; e assim reunlIo-so
embora 4.0 ou 50 Camaras, esse Conselho composto de homens
, obstinados aconselhal'á sempre áo Imperador que tendo de es-
colher elltl'e os Ministros e a Camara, prefira os Ministros.
Com tudo póde acontecer que a dissolu<;ão do Minislerio seja
reclamada pelo voto nacional, seja uma necessidade publica.
Eis-aqui os effeitos dessa amovibilidade, da creação desse cir-
culo immenso de Conselheiros de Estado extraordinarios. »

E na sessão de '7 de Julho dizia o mesmo illustra-


do Estadista ('1):
II Havendo um numero detel'minado de Conselheiros extraor-
dinarios, a administmção nova não será tão exigente, não porá
á Corôa ,como primeira condição a demissão destes e daquel-
les Conselheiros; lia de .procurar que entrem os Supplentes
que mais os pO,d em auxili'al'. Deste modo se consegue mais al-
'guma estabilidade na administração. Mas se a Corôa puder
chamar ao seu Conselho quaesquer cidadãos indefinidamente,
então . alenta-se o movimento. Qualquer administraçãQ que en-
trar ha de -ser acompanhada do seu Conselho de Estado. Eis
portanto alimentados, sem nenhum obstaculo, a innovação e o
movimento. Por isso me parece preferivel a doutrina do pro-
.tecto, que declara quantos Conselheiros de Estado p6de ha-
ver '.•.• 'fodas as vezes, repito, que o numero dos Conselh eiros
extraordinarios fôr limitado, a administração obrigada a esco-
lher nesse numero ha de comedir mais as suas pretellções, não

.(1) Poderia eu, sempre', colher os argumentos empregados pelos iIIulilrcs


oradores que cito, resumi·los, e exprimi-los ao meu modo. Prefiro porém ,
quando nao sao diO'usos, transcrever o que disserllo, para lhes nao desbo-
tar a autoridade. Demais folgo cm sacudir o pó do esquecimento a tantas
co usas b03'S e sensatas que disserilo, no occaso da vida , iIIustres fina-
-dos que rÓrilo meus mestre:;, quando cu me acbava em toda a for ça c vi-
gor da idade.
2G4
lia de sel' -lão exagerada, 'não lia de procurar coagir LI CorÔa a
frequentemente demittil' seus Conselheiros, e chamaI' outros;
haverá mesmo a maior economia em preencher qualquer .im-
pedimento; achar-se-ha muita resistencia, por isso que se re-
con hece a importancia de taes nomeações. Mas a liberdade il-
limitada ha de afastar todos esses motivos, e ha de pesar na .
consideração da administração, para proceder como lhe con-
vier.
« A favor do artigo ha outra consideração; consagra-se na
emenda a faculdade i!limitada de nomeaI' Conselheiros Sup-
plentes j se dentro de 3, 4 ou ;) nnnos, pelos males que tivel'
solfrido o paiz, ['econhecennos que essa disposição he pre-
judiciaÍ haverá remedio? Quando seréÍ elle applicavel? Quando
são já Conselheiros Supplentes 100. 200, ou 400. pessoas? Li-
mite-se pelo contrario o numero; se a experiencia mos~rar
que o numero limitado prejudica o serviço, faci! he extender
mais o circulo, ou não haver limitação alguma em Laes no-
meações. »

Quanto ao movimento natural e regular do espirito


humano, não he, principalmente em um paiz que tem
liberdade de imprensa e elege seus representantes, um
Conselho de Estado vitalício, e limitado quanto ao
numero, meramente consultivo, que o póde embara-
çar (1). As idéas, os sentimentos e os interesses- mu-
dão irresistivelmente as instituições, e conseguem sem-
pre accommoda-Ias ao estado social. O que he preciso _
he que estas não acoroçoem movimentos prematuros
e desordenados. Devem ser por tal modo combinadas,
que sem obstarem ao movimento o moderem, e resis-
tão a innovações rapidas e precepitadas, que podem
abysmar o paiz. Não se devem os reformadores pare-

(1) Dizia o Senador Vasconcellos na sessão do Senado de 6 de Julho de


1841 « A idéa do mundo n1lo hc a do movimento, c melhor lhe p6de ca-
ber a dcnominação de idéa de rc,istencia, li .
- 265-
cer com aquelles estonteUllüs, que, para - chegarem
mais depressa" correm por tal modo ú redea solta.
filie ou levão treme.nda rodada que lhes quebra o pes-
coço, ou cansão o animal de rlt,meirn que não podem
depoi;; progredir na viagem,
A Inglaterra tom chegado á maior perfeição pratica
conhecida a muitos respeito~, porque illuminfl-se mais
com a experieocia do que com vagas theorias; mar-
cha no caminho .d03 melhoramentos com pausado
exame, com tranquilla e vagarosa reflexão, é portanto
com muita segurança,' As reformas que faz existem' no
espirito p~blico ante3 de serem convertidas ém lei,
- O movimento reaccionario e precipitado que se se-
guio 'ao 7 de Abril, nlt'oencontrou instituições bastao-
temente fortes, não direi para o fazer parar, o que não,
era possivel nem talvez con.vinha, mas para o dirigir e
moderar. O Senado encolheu-se, certamente porque,
atacado em sua propria o.rganisação, reconhecia que
não tinha força moral para resi~tir efficazmente. O
Conselho de Esk'ldo não a tinha tambem; e, mal .or-
.ganisado, mal composto, e mal visto, não passava de
um inutil phantasma.
Foi necessario depoi.s desfa7.er em parte, e modíO.-
. car n'outra os r~suItad0s daquelle movimento.
Dizião, na sua discussãó, os adversarios ~tl. lei do
Conselho de Estado, que um Conselho de Estado vr-
talicio, ~ com ,numero de Conselhe.iros 'lirriitqg.J, cons-
titue um monopolio.
'. .. O argumcntG do ~~nopolio, rcspor.din-lhes o Scnndor José
Salumino da Costa Pereilla í prova de mais, o consequ en te-
34.
m31)le Ill.lçla prova. MO,nopoliod.everia tamhem, chamar-sa ()
~1T:l,prego de julgador, pOf(ifue 5'10 vÍ<tal,i~i Qs os l;>e s'~,li!~llrgadiQ"
res e J qi,zes de Djreito; rr:ot)opolio lje .o, en1Prqgo de, , ot.ljci1,I,l
-do Exercito de már .e telT,) que, nuO-, .
póde fel' n'rivado
l< , / l (
da( Isua
~
patente; monopolio he o inagisterio porque .1\ lei ' faz 0& pro-
fessores vilalicios; final me nto monopolio he
o lugar déSéna-
dor, porque só cllcs podem fazer por todp a sua vida leis.
r ' f
Julgar dos erimcs _da: Família Impcr:al, dos Min:srro~ ilc Es,-
tado, &€. 1

• « Ha: monopnlios nattltacs, diz.ia o Senador B. p. de iy11S'-


,conccllos, qUe o Lt.>gisla<lPF não pódc alterar. Q.s homens d,(t
grande jn~elligencja nãn são tão frequentes cPl tod9s o~ pa·i -
zes, nã,o se encontrão a çada pa,Sso; ,el!rs tem p ~ la ,ltature~q
um 1l10nopolio que o Legislador llti,o FÓ.de aIteral'. ~) -

Os homens, accrcsceptarei, qp:e e1).c;qfiCc.erfr9. no es-


~udõ; . qQe apr.ofund6rão per.to~ ramoi.. de Scie~1Çia; que
p.elles ;.td,qujrirã.o fo.nga pratica e e.xp.erie~sia, gFqRrl~
'facilidade e tino, PQssueIIl UQ1 roonopolio qU~)1~fl~U­
ma ,Legislação lhes pó de lira~,)1em Çlqr a que,I;U qVér
que seja. que não tivesse ' o . 91eSmo '~mPalh.o, ~ ~~CP;
se ac}1e em iguaes circuinstanci~s. < : ;' (.,,,,

1
A vi laliciedade oITerece garantia~ qe inckpenil~J:lÇ,ip.
de luzes de experiimcia, de justiça, ile jmpaf.eiaí~dÚd~
e cle segredo. .'
O Conselho de Est.ado he l)lemménte consultivo.. ~ão
lhe c011lpeto fe;solver os negocios sobre ;os qQaes ,Con.-
sulta, e que são decididos pelo Poder Moderador ou:
Executivo. . ' '-I

As vantagens e garantias qne póde trazer .e traz eS,sa


instituiçãO consistem na independencià, acerto, justiça c
imparcialidade dos c:lonselhos e opiniões que iHuminão I

e. podem ser\'ir <;lo- estorvo a desacertos. e injustiç&s,


' ~JSpecif.\lmcntC' [,lO contencioso administ,l'o:livo.
Todás as vezes que fôr posto o Conselho de Estado
ã merç'ê dos l\Iin~~tros e dos pa"rtidos" não pod~rá ter
a indi&pensavel indepelldellcia. Não he possível que
debatão com liberdade il1feI'iores e dependentes com
superiores.

Como ha de o Conselheiro ' de Eslado inlerpôr e sus -


t.~nt?r opín~ões contr~rias ás dos , Ministros; como, em
reC!1rso ü1terpo$to destes, ha de opinar.li vremen te, e
demonstrar que dévé seT refOTmada a decisão mi.nis-
terial; como, no caso de contlicló entre a Câmara dos
Deputãeiós 0 " 0 1'linisteriu, ha dp, aconselhai' livremente
;í Cor6a que ~emitta este, se he deste creatura e de-
pendente?
IIe sómente na vitaliciedade dos Conselheiros de Es-
tado que se pócle fundar a indepel1dencia deste Corpo
para poder resguardar e sustentar a indepcndencia do
Poder ~fodel'ador.

o Direito administrativo, c sobretudo o conlencioso,


s6mente p6de fundar-se e desenvolver-se em um paiz
por meio d~ arestos' e tradições, que formem o que se
chama jurisprudencia administrativa. Exige luzes, certo
traquejo dos negocias, que s6tnenle longos estudos e
longQ. , pratica podem fornecer. E isto muito princi-
palmente em um paiz como o nosso, onde a sciencia
administrativa ainda está na infancia, e onde á.s dis-
posições de Direito administrativo exislentes não estão
colligidas e coordenadas, mas sim espalhadas, e con-
fundidas por toda a legislação.

A amovibilidade do Conselho de EstadQ Tribunal


admitliiLrativo supe;ior e de recurso, e que tão pode-
- 268-
rosa mente pode concorrer para fundar a nossa juris-
prudencia adminislrativa, núo póderia contribuir senlío
para embaraçar ainda mais esse resüHado. Para crear
ho preciso tempo, ~estabilidade e perseverança.
« Be preciso observar, dizia o Senador n. P. de Vascõu-
, cellos na sessão ,de 3 de Julho de 1841 , que entre nós os
conhecimentos adlJli'nistrativos, não estão disseminados por
todas as classes, de maneira que seja facH achar homens feitos
em administração; to:1os estamos aprendendo. Ora sendo limi-
ta,do o numero dos Conselheil'Os de Eslado cl.traordinarios, ha
mais probabilidade de que elles sejtio chamados frequentemente
aos Conselhos da CorÓa, por isso hão de procurar habilitar-se
para bem desempenhar seus dev ~ res; mas ampliando-se muito
cssn numero hayorá probabilidade de não serem chamados, por
exemplo, em 2, 3 e 4 annos aos Conselhos da Corôa, e não
terão lanto 'estimulo para se dedi carem a um ramo de conhe-
çimentos rarissimos enlrll nós, e talvez em todas as nações ....
a profusão não ha de influir no v110r, no credito, nl impor-
tancia dessas funcções? Quem quererá fazel' os sacrificios ne-
cessa rios para bem aconselhar o MODllrcha; havcndo um grande
num ero de pessoas que sem isso gozem das mesmas prcro-
gaLivas?' »

E nas sessões de 5 c fi de Julho acrescentava :


« Eu disse que entre nós l'rão tão raros os conhecimentos
administrativos, que o Il,esmo , COI'PO Legislativo tinha confun-
dido o direito de admiriistl'al' com o exercicio de funcções que
são inherentes a autoridades judiciariiJs ... e que era conveniente
(lUC se désse um estimulo para a'profundar esse importante' ramo
da administração.
« Os Conselhei ros de Estado extraordinal'ios que houvcrem entre
nós prccisi10 formar-se, islo he adquirir aquelles conhecimentos de
politica, admiuistraçuo e 1l1ais materias a que não d'CveID ser cs-
I ran hos aqu ellcs homens que tem de aron jelhur um dia, ror quanto
n sciencia de go ycrnar he dimcillima, mormente entre nós, onde a
torm a' de governo monarch ic'o r('prese n lali \'0 . he ainda no\'a .
269 -
« Eu até sustentei a vitaliciedade dos Conselheiros de Estado;
pela necessidade e conveniencia de haver certeza nos Conselhos
e pela consideração de que o aconselhar seria sua profissão
logo que fossem nomeados, e por isso se havião de esmerar
em adquirir os conhecimentos proprios para preencherem seus
deveres. He natural que aquelle que tem de praticar certos
actos procure aperfeiçoar-se. »

Em 'todos os paizes tem o cargo de Conselheiro de


Estado sido revestido de certa imporlancia e brilho,
que dão, como tanto convém, ' força moral aos seus
conselhos. Todas as nações tem procurado reunir nessa
corporação as suas maiores ill us trações , 'c os homens
mais distinclos pelo seu caracter.

(~ Huma razão para que o numero dos Conselheiros de Es-


tado seja muito limitado, dizia o Senador Francisco Carneiro
de Campos na sessão de 3 de Julho de 184.1, he que se devem
escolher os homens de mais merecimento, que tenhão prestado
serviços, & c. Se o numero me indefinido; quando todos, por
assim dizer, com muita facilidade puderem obter o titulo de
Conselheii'o de Estado, ninguem ambicionará esse titulo, e
como convém que . esta especie de emprego seja muito res-
peitavel, parece, mesmo pela natureza das cousas, que deve ser
pouco vulgarisado. »

o Senador Alves Branco, depois Visconde de Ca-


ravellas, observava na sessão de 5 do mesmo mez
que:
« Os partidos não se sacião, suas exigencias são iucalcula-
"eis, infinitas mesmo, e por conseguinte ha de acontecer que
o titulo de Conselheiro de Estado será dado a muitas pessoas
e perderá por isso todo o seu brilho, toda a sua importan-
eia, toda a sua consideração, que hll precisamente o que eu
pão quero que aconteça, porque não convêm, A Sociedade tem
necessidades \'éll'ia\'cis, mas tal.nbem as tem inval'iavcis de alto
- 270-
valor; a fé religiosa, a fé milHEir de h ~m~'~ e brio, o senti-
mento da gloria, os principios de justiQa estão nessa olasse.
O Monarcha ,be o symb610 commum desses -objectos; o Con-
s~lho de Estad'() que o ajuda na cOllservaçãl) deHes, de~e ser
cercado de todo o respeito e . ~on5tdcl·!tÇão. IPOI' isso' ha q,ue
tambem votei . para qu,O fosse vit~li:cio·" • ,
« Certamente o clero gual'da da. fé be Vih!ici9 '; a ' '!lHicia,
de mar e terra, guarda dos sentimentos de honra he vitalícia;
os Ju~ies e 11I'i1}una:es, guardas , dos principies de justiça são
vita1licios. O Conselho de Estado- devia pois ser vitalicio CJ)ffiO
elles, para poder tambem COIIl vantagem repellir ~ imp~to do
espírito mercantir, que tnvaàe por toda a ' parte, os governos,
das Sociedades actuaes. Esta vitatici'edade tho ' necessariá àQ'
Cansemo de Estado, tambem IIe felizmente muito iÍloorilpati-
,'oi com a vulgarisação .,desse titulo. REfjeito tal vu1}garisa(;ão ..
cujo resultado não seria outro senão der>reciar titulos, e func-
cionarios encarregados da alta missão de conservarem tratlições
e sentimentos tão , gl'andes e subli'mes.... aqui jll foi eitadl
uma lei das Côl'tes de Lisboa ~1), que declarou que os uni-
cos Conselheiras do El-Uei (aliás do Imperador) erão seus
Ministros; lei revogada, ~ evide'ntemento filha dps pai'~ões da
época, que querião luoibir El-Rei (aliás o Imperador) 'de vêr
por outl'OS olhos que não. fossem os de , seus chere's e Dil'cc-
lores. Sim. porque eu considero, em geral, os Ministros do
Executivo os chefes dos partidos que e~istem na Socieda'do, o
que constantemente procurão rodear o Monarcha, egevernal'
<l Sociedade segundo suas vistas, e paixões. Semelhante lei
era má, porque punha o principio conservador isolado em
frente dos principios de movimento quo dominavão a época,
o que tendião a destruir tudo quanto se oppuzesse á torrente
Curiosa, á torrente devastadora. »

o project.o e a lei do- Conselho de Estado porém


conciliárão a vitalici~dade, eom a amovibilidade.

(1) o ilIuslrado Spuador equivocou-se. ESSll lei nãn be. das Côrlcs de
Lisboa, adoptada pela nossa Constituinte. He a Carta de lei de 12 de No -
'~mbro de 1S:!.J , simples e unicamente tIa nossá Constituinte.
271
ti. ?tfostrou... sc, -dizia o Scnador B, p, de Vascóncellos ija 5es-
silo de 5 de Julho, que a vitaliciedade era muito cO!lveniente,
pnrq. que !J Imperadol' fosse bem aconselhado, ,mas lambem
s,e relJectio que cQnvinha conciliar essa vitaliciedade ou ina-
movibilidade com a amovibilidade de parte ou ainda de todo
o Conselho, por quanto ponderou-se que poderia em um ou
o'ub'~ caso, hílveL' um', COllselllo de Estado· qtie não só prorcs-
Sü5se (j)pinião to.lalmente diwersa do, Gabtnetf}, 111M que b tra-
hisse, e em caso tal o Gabinete tinha todo o direito de re-
pr.esentar á Corôa a conyel'lie,ncia (le dispensai' (termo polido,
paq não dizer slls.pender), dispensar por termo indefinido, os
Con~clheiros que puzessem obstaculo li marcha dos negocios
publicos. »

Na sessão ele 7 de Julho a0crcscentava O mesmo 11-


lustre Estadista:
'. l'

I « A Corôa, diz o pl'ojecto, nomêa doze Conselh.eU'(')s de E.S"I

tado .orl:linarios que 'são vitalicios; mas. nem sempre estes Con-
selheiros acompanharáõ' o movim~nto social; algpm haverá
que entenda que deve resistir, quando a resistencia P9de ser
perigosa, algum ha:ve/"á ,que não possa servir COI11 a adminis-
traçlio~ Oríl se n\io houve~se romedio algum no projccto, devi,fio
seguir-se tristes resultados; mas o project~ attende'ndo á pos-
sil?i1idade ou prob<lhil~da.de !le tim tal acontecim,ento autorisa
<l CorÔa a d.ispensar algl,lns Conselheiros, ou a todos .
.« ~~as quem ha de ~lJbstiluir esses Cónselheiros dispensa-
dos? Será qt1alqueJ,' ci(ladão q.ue mereça n.aquelle momento a
con.fiança da CorÔa, ou 'haverá numel'o fixo e determinado de
Conselheiros Supplentes que vão Substituir ill1mediatamentc as
faltas dos ordinarios. Eis as questões que se otTercçem; c cu
estou convencido de 9ue he pr!~ferivel marcar o circulo d~n­
tro do qual se tire.m esses Conselheiros Supplentes; c lIe isto
o que cçmsagra o projcclo, »

Em conformidade com essas icléas dispõé a lei 01'-


giluica do Con~elho de Estado:
. Art. 2." O Conselheiro de Estado será vitulicio; o Tm-
pcrador porém o poderá Jispensar de suas funcções
por tempo indefinido.
_Art. 3. Haverá até doze Conselheiros de Estado-
0

extraordinarios, e tanto estes como os ordinarios se-


rão .nomeados pelo Imperador.
- Compete aos Conselheiros de Estado extraordinarios:
§ 1. o Servir no impr.dimento dos ordinarios, sendo
para esse fim designados, &c. _
_ Estas concessões feitas ás idéas com que a opposi-
ção combatia o projecto, e que removião razoavel-
mente os inconvenientes que ella apontava, não a des-
armiÍrão. Dizia o Senador Paula Souza:
c( Se ho preciso para ser o Conselheiro independente que seja

vitalicio, esta regra deve subsistil' sempre; não se deve dize!'


que he vitalicio, e não he ,-italicio, pOl'que, ao mesmo tempo
qno se diz que he vilalicio, se dá a faculdade de se poder-
suspender por tempo indefinido. »

- De modo que não havia meio termo I Ou vitaliciedade


completa
.
e pura, ou completa e pura amovibilidade
.
I
Era em verdade inexplicavel o procedimento da op-
posição. O Senador Vergueiro propunha a seguinte
emenda na sessão de 2 de Julho :-0 nUJ:Qero dos
Conselheiros de Estado será in~efinido; d'entre elles
escolherá o Imperador annualmente, ou quando lhe
aprouver, os membros ordinarios, sendo esta quali-
, dade amovivel, e a de Conselheiro perpetua.

E o Senador Paula SouzQ. dizia na sessão de 14 de


Setembro:
« Logo que um homem fór no'meado Conselheiro de Estado
l1a de ser sempre Conselheiro. Se acaw o projeclo qu e as-
- 273
!àignei (1) não he claro nesta parte, eu me explico :-0 Conse-
lho de Estado he vitalício, o exercicio he que não he vitali-
cio. . .. toda a vez que o Monarcha reconhece, por meios
omciaes, que estes Conselheiros não estão de accordo com a
opinião do paiz, não conhecem as necessidades publicas, elles
deixá o de ter ' exercicio, conservando o titulo e honras pelos
seJ:viços feitos, e são chamados outros que o Monarcha julga
mais apropriados. »

Portanto era a questão da vita1icieuade por parte


da opposiçãO, como soem dizer, de lana caprina.
Porquanto pelo projeclo. e pela lei o titulo e as hon-
ras de Conselh,úro de Estado são vitalicios. O excr-
cició póde deixar de sê-lo pela dispensa. A opposição
queria que a qualidade de Conselheiro fosse vitalicia,
o exerClClO não.
E posto o projecto e a lei dessem mais importan~
. cia á vitaliciedade, firmando-a como regra, e pare-
cessem as emendas sustentadas pela opposiÇão dar
maior influencia á amovibilidade, na pratica o resul~
tado tinha de ser o mesmo (2).

(I) o Senador Alves Branco opinou e votou para que a vitaliciedade fosse purá
c oompleta • . Queria que se dissesse sómenle - O Conselheiro de Estado será
"Vitalicio. (Sessão de 26 de Agosto) Achava inconveniente que os Conselhei.
ros de Estado, os quaes tambem aconselhilo o Poder Moderador, esth'essem
assim debaixo da influencia do Poder Executivo. Entendeu-se na discnssão
que, pero projecto originario, os Consellieiros exttaordinarios n:io erão vita~
Jicios. O Senador Vascollcellos em um projecto substitutivo que apresentou
na 3.' discussão propunbn- Art. ~ .0. Os Conselbeiros de Estado serão vita-
Iicios, á excepção dos extranumerarios, que serão amoviveis ad nutum e
se entenderão demittidos sempre' que o fôr o Ministerio ou li maioria detle
mas poderãO ser rcnomcados.-O mesmo Senador conveio depois que fosse~
lambeU! vita,licios, mas q.ucria que sómente.o fossem depois d~ algum tempo
de serVIço, Isto he 'depoIs de algum ensaIO, e de darem provas de que
possuiãO as qua\id~des precésas. Esta idéa Dão prevaleceu.
(2) O projecto. ao qual aqui .se allude compõe-se de um~s emendas olTe-
recidas na 3.a diSCussãO, e asslguadas pelos Senadores Marquez de Barba-
cena, Paula Souza e Vergueiro. Para melhor intclligencia do assumpto e
porque são hoje. docum~n.lOs .rAros, eu .3S j.unlarci. n? fim deste volu~e,
bem como o proJeclo orlglDarlO, o substttutlvo alTereCldo pelo Senador B
P. de Vasconcellos na 3." discussão, e finalmente o projecto apresenlad~
pelo Senador Paula e Souza em 18%ô, e que nãG tele andamento. São pc-
~as curiosas para quem quizcr aprofulldar es~a materia. /
35
- 274-
Permitta-se-me q\:le conclua este_parágl'8pho repetind'0
que o resultado pratico justificou plenamente os argu"
mentos e as previsões dos sustentadores da lei; redu~
zio a uma riJicula nullidade os argumentos de seus
'adversarios. O Conselho de Estado existe ha vinte an-
nos, mais da metade do tempo da nos&a existencia
nacional; tem vivido no meio das lulas, e das pai-
xões de partidos, e ainda se não manifestou a ne-
cessidade de uma só dispensa. A celeuma que contré:\
elle sa levantou na época da sua creação amainou
logo depois. No que he administrativo tem leal e igual-
mente auxiliado a administração, qualquer que s,ejâ
11 sua côr politica, o que tem sido 'por todós reco l
nhecido ('I) .

(1) o Senatus Consulto orgauico que estabeleceu em Frânça o Illl,rerno


imperial de Napolello I, datado de 23 floreai anno 12 (18 Maio l!i04) deter-
minou no Titulo 9.° art. 77 - que o membro do Conselho de Estado que
houresse sido incluido durante cinco annos na lista dos membros do Con-
selho em serviço ordinario, teria a nomeaçllo de Conselheiro de Estado vi-
talicio.
Deixando de ser incluido na lista do Conselho de Estado em serviço or!
dinario ou extraordinario, sómente tinha direito ao terço dos ,'encimeatos
de Conselheiro de Estado.
Sómente podia perder o seu titulo, e os seus direitos por um julgamento
da - Haute Cour lmperiale - impOI'lando pena affiictil'a nu infamante.
O Conselho de Estado era no tempo de Napoleão I, pelo menos de, fàeto,
uma corporação politica. TinIJa, debaixo de um regimen o qual p~I" certo
11110 era liberal, posto que "Com certas condiçoes, a garantia da I'italicie-
dade. . •
Com à restauração, e com o systema Constitucional, passou a ser QUllsi
exclusivamente administratil'o. A ordenança de 31 de Agosto de 1824, a
qual novamente modificou a orgu\'lisaçllO do Conselho de Estado, dispÓa no
art. 6.°, que os Conselheiros de Estado nlio poderilio ser demittidos sen~o
em virtude de uma ordenança individual e especial, resolvida sobre pro-
posta do Guarda Sellos (Ministro da Justiça).
A ordenança de 21 Ile Setembro de 1839, de EI-Rei Luiz Philippe, dispOz
no art. 7.° que os Conselheiros de Estado em srrviço ordinario nllo prydc-
rillQ ser demittidos senão em virtude de lima ordenança especial e indil'i-
dual, resolvida á vista de um Relatorio do Ministro Presiden'te do Coose"
lho, e com o pareceI' do ConseVlo dos Ministros. '
Essa disposição passou para a lei de 19 de Julho ,de 1845, que organisou
definith'ameute o Conselho de Estado da Monarchia, e deterininou no'art.'
6.0, que o Conselheiro de Estado em seniço ordinario sômente poderia ser
demiLLido Ctn virtude de uma ordenanc:a ,individual deliberada, em Conse..!
lho de Ministros, e referendada pelo Guarda Sellos.
O Decreto organico do Conselho de Estado de 1,8 de Fevereiro de 1852,
actllalmente em I'igor, \imita-~e simplesmente a dizer, no ar~. 4;0-,que o
,
- . 275 -

§ 5:

A.c-cunmlação (le funcçõcs 1.oUtlcas c admlnistl'at'vas;

A lei do Conselho de Eslado foi vigorosamente im- .>

pugnada no Senado, porque accumlllava, nas mesmas


pessoas, funcções politicas e administrativas.

Na' minha opinião tinhão razão os que por esse mo·


~ivo combatião a lei. He um dos prjncipaes senões que
élla tem.
Dizião:
« Que "sendo o Conselho político de uma esphera su-
perior não podia ser ao mesmo tempo, Conselh0 ad·
Ín~nistrativo, que he de uma esphera inferior.
« Que as funcçóes. politicas do Conselho 'de. Estade
erão muito distinctas das administrativas. Que o Con-
selho de Eslado político tinha por fim auxiliar.o ~fo­
pprcha e não , auxiliar o Mipislerio (1).
« Que no systema da ~lonarchia representativa era
essencial .~ exislencia de um chefe não s6 vitalício ,.

presidente da Republica (hoje o Imperador) nomea e demitte 'os membros


do Conselho de Estado. •
Na Hespanha, onde o Conselho de Estado he uma corporação puramente
administrativa, o Conselheiro de Estado he amovivel, dependendo porém
a pUa demissão, bem oomo n sua ·nomeação d'l proposta do Conselho de
Ministros, de Decr.eto especial, e de refrrenda do seu l)residentc.
,Em Portugal, onde o Conselho de Estado he corporação politica lambem,
porquanto deve ser ouvido sobre o exercicio das altribuições do Poder
MOderador, (a audiencia nuo he facultativa) os Conselbeiros de Es~ado ef-
fectivos (ordinarios) são yitalicios pura . e simplesmente. Não podem ser dis-
pens.ados como os nossos.
( I ) He preciso distinguir. Como corpo politico auxilia o Monárcba sepa-
radamente, quanto ás attribuiçües do Poder Moderador, como, por exemplo,
quando se trata dll dissolucuo da Camara, ou do Ministerio. Auxilia o Mi-
nis~erio quanto ás attribuiçbes politicas do Poder Executivo. Q que não com-
prehendo be como os homens que se seryião dos argumentos que acima ex-
ponbo, os combinavão com . SU<lS dou~rinas ~obre o Poder Moderador. Mas
não anticipemos.
- 276· --
como hereditario, o qual, representando a Nação, sup-
põe-se que toma o maior interesse por ella, e trabalha
para que seu governo se haja pelo moda mais condu- -
cente para fazer a sua felicidade, procurando que o
mesmo governo se conforme com a opinião dominante;
e que o modo ' pelo qual esse 'chefe exercita .0 ' governo
he por meio dos Ministros.
« Que segundo essa organisação política a corporação
politica dos Conselheiros da Corôa devia ser conside-
rada como fiscal do Ministerio, por isso que o ~io­
narcha a consulta para não ser sómente dirigido pela
acção ministerial.
« Que essa mesma Corporação he destinaqa a j ul-
gar os conflictos que muitas vezes se dão entre os Re-
presentantes da Nação, e os Ministros que representão
o governo. Em tal caso aquella Corporação auxilia o
Monarcha nas funoções que tem a desempenhar, e por
consequencia um Conselho tal não deve s.er subordinado
aos Ministros, porque os seus Membros tem em certas
circumslancias de ap'resentar a sua opiniãO, e seu voto
em opposição ao ·Ministerio, para o que, como Conselho
administrativo tambem, não podem· ter a necessaria:
independencia.
« Que outro tanto não acontecia a respeito do Con-
selho de Estado como corporação administrativa, por~ ' .
que como tal não póde deixar de ser subordinado ao
Ministerio, visto que póde ser considerado como uma
Estação 'por meio da qual o Ministerio . elabora as pro-
postas que o Poder Executivo tem de apresentar á As-
sembléa Geral, os Decretos Regulamentos e instrucções
que. o mesmo Executivo tem de dar para a boa ex~­
cução das leis. Tem mesmo a seu cargo o desempenho
.
de outras fun ccões administrativas, e até o conheoi~
- 277-
meI).to de julgamentos, de maneira . que casos ha em
que o Conselho de Estado tem ao mésmo tempo de
se constituir Tribunal de julgação, pois pelo projecto se
lhe dá 'a attribuição de ser ouvido sobre questões de
presas, indemnisações, sobre conflictos de jurisdicção
em autoridades administra.tivas e entre estas e as ju-
diciarias (1) :
« Que o Conselho de Estado he -a fabrica onde os
Regulamentos, Decretos e instrucções são .elaborados, ·
más quem dá as bases, e queni os publica he o Mi-
nisterio~ Que na França o Conselho de Estado não
tem por missão aconselhar o Monarcha. nos grandes
negocios políticos dp Estado, e não he mais do que
um Conselho administrativo ' que ·obra como auxiliar e
agente do ~Iinisterio. Que aquelles Regulamentos antes
de referendados pelo Ministro competente, são méros
projeétos como os poderia fazer qualquer particular,.
ao qual fosse incumbida semelhante tarefa. Mas em
vez de confiar-se essa missão ~ um particular, era
preferivel entrega-la a um Corpo experimentado e tra-
quejado em materias de administraçii.o (2). )

( 1) Discursos do Senador Paula Souza, nas sessões de 3 e 12 de J uiho e


de l i de Setembro de J 841-
NlIo posso conciliar essas doutrinas com outras sustentadas por esse il-
lustre Senador, que acima ficárão apontadas.
Entendia elle que o Conselheiro de Estado devia ser independente; que sendo
subordinado ao Ministerio era improprio para aconselhar o Poder Moderador.
Entrétanto queria estabelecer como regra a amovibilidade. Se o funccionario
"italicio nfio be independente sê-lo ha amovhel ?
Tamhem. 11110 as posso conciliar com as ~uas opiniOes, &c., &c., a respeito
do Poder Moderador. Sustenta elle, como ao diante "eremos, que os actos
do Poder Moderador dependem da rererenda dos Ministros, por elles respon-
saveis. Confundidos os actos do Poder Moderador e os de Executivo, fá-los
passar uns e outros pelo mesmo cadinho do Ministerio. e ao mesmo tempo
separa-os quanto ao Monarcha e ao Conselho de Estado, fazendo este, quanto
aos primeiros, auxiliar do Monarcha sómente. Este assumpto terá em lugar
competente mais desen volvimento. Repito, não anticipemos.

(~) Discursos do Senador Paula ~o uza nas sessões de 6 e 7 de Julho.


., - 27~-

A reunião das funcções pOli,l.icas (Gomprehendidas-


as relativas ao Poder Moderador) com as administrativas,
era justificada pelos sustentadores do projecto com as
seguintes razões. Diziãó:
« Que para bem aconselhar o '~'[onarcha nos graves
negocios- do Estado, que entrão na esphera da au·
tO,ridade politica~ importa ter conhecimento dos _que
interessão a ordem. e tranquillidade publica, dos que
fazem objecto da. sciencia administrativa. He conhe~
eendo perfeitamente o paiz que 'se pó de dar conselhos
Q.cert~dos sobre a sua politica (1). }}

. DO\l porém pouço valor a esse fundamento . . O que


delle se póde -seguir, he que para bem acoriselhar o
Monarcha no exercicio do Poder lUoderador são ne-
cessarias mais habilitações do que para aconselhar
simplesmente o Poder Executivo no exercicio 'de suas
funcções administrativas. Para bem aconselhar o Poder
Moder~dor he preciso ser Estadista. Para bem acon-
selhar o Poder Executivo no exercicio de suas funcções
simplesmente administrativas, basta ser versado na
sciencia e pratica do Direito administrativo, que he
apenas. como vimos, um ramo da Sciencia da admi-
nistração. Os bons administradores são menos raros
que os Estadistas, e he extremamenle dífficil compôr
um Conselho de Estado, ainda pouco numeroso, de
Esln.distas exclusivamente.

'Por certo que o Conselheiro de Estado deve ter


eonhecimento de tudo quanto interessa? ordem e tran-
quillidade publica, e da Sciencia do Direito adminis-

(I) Discnrso do Senador B. P. de Vasco ncellos na sessão de 5 de J uIlJO.


279
trativo, -mas quando tem de aconselhar o Poder Mo·
derador e de entrar portanto em largas apreciaçõ{·g
e juizos poHticos, he-Ihe precisa máis alguma cousa.
Não lhe basta ser Administrador, he necessado que
seja homem politico, que tenha largas vis las polilicas.
Não basta o tino administrativo, o conhecimento das
leis e interesses administrativos, he-lhe indispensavel
o tino politico, o conhecimento dos interesses e pai-
xõe~ políticas. Urna eousa he difl'erenle da outra.

« Dizião mais os sustentadores do projeclo que a


sujeição do ConselheirQ de Estado ao Ministro não
póde chegar ao ponto de destruir a sua independeneia.
O Minist~o não tem acção alguma sobre o Conselheiro
de Estado; a responsabilidade deste ha de verificar-se
perante o Senado, juizo ,.em que não he provavel que
possa iFlfluir o Ministro. O Conselheiro de Estado
apenas emitte a sua opinião, e porque o Conselheiro
de Estado emitte sobre este ou aquelle objecto a sua
opinião, segue-se que he um sub dito fiel do Ministro?
que fique peado n9s outros aetos de sua compe-
lencia?
« ~ subordinação que se receia que o Conselheiro
de Estado lenha ao Ministerio, suppondo-se que chegarA
ao ponto de lhe ser tirada a independeacia, he muito
mingoada pela :vitaliciedade, e pela maneira por que
serão suppridas as faHas no Conselho (1). »
Comtudo por varias razões que me parecem pon-
derosas. . inclino-me muito á separação -pela qual pugnou
a opposição na discussão da lei.

(1) Discursos do Senador B. P. de Vasconcellos nas sessúes de 5 e 7 de


Julho.
280
Eu teria Cl'cado um Conselho Privado e um Conselho
de Estado. O Conselho Privado para aconselhar o Im-
perador no exercicio das funcções do Poder Moderador,
e o Poder Executivo no exercicio das aUribuições de
dirigir as negociações polilicas com as Nações EstFan-
geiras. de fazer Tratados de alliança offensiva e de-
fensiva, ,e de subsidio, de declarar a guerra e faz'cr
a paz (1).

O Conselho de Estado auxiliaria o Poder Executivo


no exercicio de todas as outras allrib'uições políticas,
e em todas as administrativas.
Digo em todas as outras atlribuições políticas, porque
algumas prendem por tal modo com o administrativo,
que não he possivel instituir uma separação completa
e mmUClOsa.

As aUribuições do Poder Moderador, e as. do Exe-


cutivo que dizem respeito a relações com o exlérior,
á paz e á guerra, tem um caracter político tão 'pro-
nunciado, tão extremado, prendem a eonsiderações tão
vastas, que muito bem podem formar um grupo se-
parado, muito mUlS desligarlo do que he puramente
administrativo.

(1) o art. 142 da Constituição havia de algum modu consagrado esta idéa.
O Conselho de Estado que creou era principalmente politico, se hem que
com attribuições administrativas, quanto aos negocios administrativos graves
e geraes, sobre os quaes era o Imperador obrigado a ouvi-lo. A gra,'idade
porém depende de circumstuncias que nem sempre he possivel avaliar e
prevêr logo. As palavras-graves e geraes-são tBo vagas que nada fixão.
Era o Imperador obrigado 'a ouvir o Conselho de Estado, composto de 10
Couselheiros de Eslado sómente, inamo,'iveis e sempre os mesmos, sobre
todos os uegocios graves e geraes, quer fossem politicos, quer administrativos,
e aiuda qu'" fossem estes de natureza graciosa, pois a mesma ConstituiçãO
não distinguia. Ficavllo excluidas, senllo t.odas, quasi todas as questões con-
tenciosas, que não sllo gemes e graves. Esta organisnção era, nesta parte,
extremameute defeituosa. Nem no tempo em que a CoustituiÇ<10 foi feita
estava conhecida e estudada, como o está hoj!', a instituição do Conselho de
Estado. .
- 281-
'Julgo conveniente a sep.aração indicada.
1. o Porque cO!lvêm separar o político e o ad'minis~
tratiY0, tanto quanto f~r possivel sem inconveniente,
ao menos nas grandes medidas, pelos motivos já em
outr(j) lugar expostos. .
2: Porque o Direito administrativo he positivo e
determinado pelas leis administrativas, e os assumptós
que ficarião reservados ao Conselho Privado são jus-
tame-nt~ aquetles que não podem ser prevenidos por
leis, mas dependem qUl\Sl exclu·sivamente. de vasta,
larga e pratica apreciação das circumstuncias, que
actuão na occasJão, em g.eral, ou a respeito de uma
'hypothese.
3: Porque o ConseUlO Privado, attenta u vastidão
e ·u importáncia das apreciações que he chamado li.
fazer, deve ser composto, de Estadistas, dos homens
politicos mais eminentes pela sua posição, pel<>. inte-
resse que tenhão pela estabilidade das instituições, pela
força moral que a·s suas luzes, posição, caracter e
se,rviços possão dar aos seus conselhos, 'sem differença
de opiniões, uma vez que não sejão exageradas, e
poss-uão elles a indispensavel qualidad(} da prudencia.
, 4. Porque, comquaflto convenha que essas qua.....
0

lidades se dêem, quanto fôr possível, tambem nos


Conselheiros administrativos, não he tão necessario que
-as teu hã-o todas, . bastand~que, além .da considera~o
_ -publica que póde dar força moral aos seus consel40s,
e mais l:'equisitos que a lei exigir, .sejão versados nQ
conhecimento e· prãtic,a da~ rnaterip.s adr;niqistrativas.
. '5. Porque devendo ser escolhidos, sobretudo para
0

'aconselharem a Corôa no exercicio das attribuiç.ões


do ,Poder Moderador, os homens .mais respeitaveis ·e
-versados .:no manejo ,pratico dos ,negocios poJitic0S e
36
- 282-
que tenhão occupado os mais /lHos cargos do Estado,
não podem estes deixar de serem avançados em idade,
e portanto menos proprios para o aturado, ,e ás vezes
quasi material, trabalho que ás vezes exige o exame
~ solução de miudas e numerosas questões adminis-
trativas, que o Conselho de Estado em França faz
examinar e desbastar pelos Ouvidores e Maitres ,des re-
quetes, e que muitas vezes versão sobre negocios de uma
importancia muito secundaria para o bem do Estado (1).
6. o Porque o homem politico e de partido, o Se·
nador, o Deputado, he o menos proprio para auxi-
liar na administração o 'seu emulo, o seu adversario,
que subio ao poder. Embora não o traia, não o
hostilise no que he administrativo, mas será muito
exigir que o ajude a brilhat" a fazer servir certas me-
didas a uma politica que pondemna, a uma admi-
nistração que combate, e quer 'derribar para subir (2) .

(1) Homens que já forlIo Regeutes do Imperio, Presidentes do Conselho,


e Ministros muitas "ezes, que tem feito parte de todas as nossas Assemblé3s
Politicas, encanecidos no serviço, maiores de 60 annos, sao, pela actual
organisaçllo do Conselho de Estado, emprep.ados nas !Secções no exame de
enormes e indigestas papeladas, por esemplo sobre trivial questao da elei-
~no de um Juiz de Paz de insignificante aldêa, e sobre uma infinidade de
insignificantissimas questões, que os nossos Ministros, com prefereneia, em-
,purrno pal'a o Conselho de Estado, deixando muitas "ezes de consulta-lo
sobre negocios graves, receiando uPl parecer que demonstre os inconve-
:llÍentes do que já resolvêrilo fazer.
(2) A cumulação das altas questões politicas, exclusivamente politicas, e
das administrativas no mesmo Conselho, collocllo o Conselheiro de Estado
homem politico, em grandes difficuldades, porque nllo :eódc ser tlio des-
apaixonado e imparcial como conviria. O Conselho de Estado na França
tem sido, e he muito mais administrativo do que politico, e he sem du-
,'.da por esta razilo qne ha incompatibilidade entre os cargos de Senador,
Deputado, e Conselheiro de Estado.
He por isso que eu dizia, na sessão do Senado de 24 de Jnlho de 1858,
,o seguinte:
« O Conselho de Estado entre nós, pela lei que o creou, he um corpo
ao mesmo tempo poli ti co e administrati"o. Como corpo politico o Con-
selho de Estado he :lll'liliar da CorOa (quanto ás attribuições do Poder Mo-
,derador), e 0110 dos Ministr<.s; e nem de outra fôrma o Conselho de Estado
se poderia compOr de homens politicos e que ti"essem assento oas Ca-
maras, porque se o Conselho de Estado tivesse de acompanhar a . politica
de todos os l\finisterios, teria de mudar todas as vezes que estes mudassem,
e o homem que assim mudasse de opini80 nllo poderia ser homem poli-
283
Um Conselheiro de Estado, dada collisão entre a Ca-
mara. dos Deputados e o Ministerio, acaba de acon-
selhar o Imperador 'para que dissolva o , Ministerio,
cuja continuação sustenta, no Conselho de Estado e na
Camara á qual pertence? ser perniciosa e fatal ao paiz.
Não prevalece essa opinião. Irá no dia seguinte esse
Conselheiro, muito fiel e lealmente, fazer o papel de au-
xiliar daquelle Ministerio em negocios administrativos?

tico; portanto o Conselheiro de Estado nllo he obrigado a seguir a poli-


(ica de todos os Ministerios. A SOlUÇa0 da tllo debatida questao da vita-
liciedade resolveu esse ponto. '
:< E se o Conselho de Estado tivesse de ser composto sempre de homens
que seguissem a politica do Ministerio, a CorOa nllO poderia aproveitar-se
du luz que rebenta do contraste e choque das opinioes, e que a póde au-
xiliar no descobrimento da verdade.
« Como corpo administrativo, nas quesLOes administrativas, o Conselbo
de Estado he auxiliar do Ministerio, que p6de, por meio delIe, elaboraI'
Decretos, e Rl!gulamentos para a exeeuçllo de leis, e proferir certos jul-
mentos administrativos. Mas por ventura porque o Conselheiro exprime
em absoluto uma opinillo sobre uma ftledida administvativa, he elIe obri-
gado a f3zer senÍl' essa medida, para fins de uma politica que condemna,
como Representante da Naç.ão, e p6de condeOlnar mesmo como Conselheiro
de Estado,
, « O Senado conhece perfeitamente a distiucção queha entre o Poder
Politico e o Administrativo. He segundo essa distincçllo que eu entendo us
obrigações do Conselheiro de Estado membro das Camaras; e se a qualidade
de Conselheiro me privasse da liberdade e independencia das minhas opiniões
politicas como Senador, eu nllo serviria aquelIe cargo um s6 momento. "
E na Sessão de 27 de Julho accrescentava eu :
« Eu penso ha muito tempo, e desde que se discutio a lei do Conselho
de Estado uo Senado em 18H, que a accumulaçllo das funcçOes politicas
com as administrativas no Conselho de Estado, composto de Membros vi-
talicios, póde trazer comsigo graves inconvenientes.
« Não tenho idéa de uma organisaçllo de Conselho de Estado, que mis-
turasse tanto como a nossa o politico e o administrativo, a não ser (e de
facto) o Conselho de Estado de Napoleão I. Mas esse Conselho de Estado
era um mero instrumento, não s6 administrativo, como politico. Nllo erllo
homens politicos membros de Camaras onde procurassem fazer prevalecer
suas idéas sobre as do Ministerio. Nas Monarchias Constitucionaes porém
a separação.!ie torna mais necessaria,
« Reconheco que entre n6s não be facil estabelecê-la (ao JIlenos por ora)
porque não '!Ia grande amuencia de ' nego cios de cada uma das especies,
nem abundancia de homens praticos na politica e na administraçllo par~
comporem os dous ramos, Mas o que digo e repito he que não he possivel
eJÍgir que homens politicos, membros das Camaras se abstenhão de fazer
prevalecei' os seus principios e convicções, que renunciem a certo modo de
proceder politico, pela consideração de que forão ouvidos sobre taes e taes
medidas administrativas.
« E partindo da separação que existe entre a politica (La administraçllO,
direi que o Conselheiro de Estado, consultado em abstracto sobre uma me-
'dida administrativa, sem relação a considerá~ões politicas, não he obrigado,
'como Senador, nem como Deputado, a fazer servir essa medida a uma po-
lítica que condemna. » , ,
- 284
, ,O .Con$elho q.e Estado 'na Ftanç,a desde a Restau·
raçãQ, no ,tempo de EI-Rei Llliz Feli.ppe, e ainda hoje, ,
~e ,uma .Qorporação em que predomina muito mais a
CÔr administrativa do que a política. Na França não
tem lilavjdo, nelll ha Poder Moderador distincto e se-
parado. O Conselho de Estado tinha e tem outrQ
~r~sidente, qu~ não o Imperador. lJe auxilip.r do Poder
Executivo. As suas principaes attribuições são pura-
mente administrativas. São importantes, muito bem
definidas, explicadas e desenvolvidas, muito principal-
mente as que ?izem respeito ao contencioso (1).

Esta 'minha opinião causou estranheza a algumas pessoas que lue a ma-
ni.festúrilo. Suppunhilo que eu considerava o Conselheiro de Estado como
úma espede de Jano, do qual conta a fabula que tinha duas caras.
Póde-se dar collislio entre os deveres do homem politico, membro das
Oainaras, e os do Conselheiro de Estado, O modo de a resoher pareee-me
ser o que indico. De outro modo a qualidade de Conselbeiro de Estado
nbsorrcria ou inutilisaria a de Representante da NaçilO. O Governo no-
meando Conselheiros de Estado 10 ou 12 Senadores, em uma corporaçilo pouco
numerosa como o Senado, tornaria ahi muito diffir,il, senilo impossivel, uma
opposiçilo. Porém o meio mais eficaz e completo de evitar aquella colli~ão seria
som duvida, como na França, a incompntibilidade dns funcliões adminis-
trativas do Consellio de Estado, com o r,ai'go de Representante da NaçãO.
Na França (nllo fallando na le~islação anterior) pelo art. 5,0 da Lei de 19
de Julho de 1845, as funcções ae Conselheiro de Estado, em serviço 01'-
dinario, erno ÍDcompatil'cis com outras qnaesquer funcções publicas. Pela
legislnç110 actualmente em vigor, Decreto organico do Conselho de Estado
de 18 de F!l"erei·ro de 1852 art. 6.°, os Conselheiros de Estado em serviço
ordinario nilo podem ser Senadores, nem Deputados ao Corpo Legislativo.
As' suas funcções silo iucompativeis com todas quaesquer outras funcções
assalariadas.
Na Hespánha, pelo art. 5.0 da lei organica do Conselho de Estado l o cargo
de Conselheiro ordinario he iúcómpativel ÇOnt qUlllquer outro emprego
eITectiyo. , '
Tambem o devêra sei', accresCenta Colmeiro Derecho administratiyo Es-
panol, com a qualidade de Depütado e SeJlador, porque n110 convém que
o Conselho Real (de Estado) participe - dei yeleidoso y talves agresivo de
la politica - mas sim que seja de indole essencialmente administrativa.
Assim seus trabalhos sei"i30 constantes, seus estudos escrupulosos, &c.
Assim respeitados os Conselheiros por sua imparcialidade no meio das con-
tendas politicas, poderião oppõr ao espirito de novidade uma resiste.ncia
passiva, certa força de inercia, que, sem embaraçar a ' marcha do Governo,
lhe servisse de contrapeso.
'(1) Regnault Histoire du COllseil d'Etat, l'ercl'e que o Consel~o de Estado
em França tinha deliberado desde 1814 até 1844, sobre 496.331 ncg.()cio~,
mais de 16 mil por anr~o. De certo tempo p8ra cá, com o maior deseu:
volvimento da industria, das obras publicas e da riqueza nacional, tem
augmentado muito a sua tarefa no contencioso, como se vê compulsando-
~e a pu)llicaçlio annual denominada - Recucil dcs ArJ'êls du Coo.seil d'Etat-
statuaot au cQntentieux.
- 285

Na Hespanha o Conselho de · Estado não he uma


instituição politica, m~s sim puramente administrativa.
« Extranho á política e tambem á justiça ( isto he ao que
pertence ao Poder judiciario ), diz Colmeiro Direito admi-
nistrativo Hespanhol, não participa nem das velleidades
daquella, nem da mobilidade desta, porém obedece
ao espirito de transformação lenta e gradual que do-
roma no maior numero dos actos administrativos. )}
o Conselho de Estado de Portugal he porém, como
o nosso, e como já vimos , politico e admiI).istrativQ.
Provém isso de que lendo li s.ua constituição um Podef
Real ou Moderador como a nossa, accumulárão como nós
'no mesmo Conselho as attribuições de aconselhar o Poder
Moderador e o administrativo . COQsas tão differenles I
Um Conselho de Estado em uma Monarchia repre-
senta,liva ·deve ser uma corporação exclusivamente ou
quasiexclusivamenteadministrativa. A corporação que
aconselha o PGder Moderador e que he politica deve
ser distincta, chamem embora a · esta Conselho de Es-
tado e áquella o que qmzerern.

-~
~
6 .o

Diljtincção .i~J.l0J·tant.c.

Consinta o leitor que eu chame vara aqui e repita


a distincçi'io que acima deixei estabeleCida.
Os .conselhos podem referir-se ao exercicio das atlri-
buições:
1,-0 Do Poder ~10.derador.
-" 286-
2: Do Poder Executivo politicQ ou governamental.
3,0 Do Poder administrativo gt'acioso,
4, o Do Poder administrativo contencioso.

l\'lilitão razões e considerações de natureza e alcance


diverso a respeito de cada uma dessas especies.

o Conselheiro que aconselha o Poder Moderador)


como já obset'vei, gyra ~m uma esphera muito superior.
Deve ser homem de Estado, independente, pela sua
posiçãO e caracter, do Ministerio e quanto ·fôr possivel
dos partidos. Deve ter adquirido longa experiencia
dos homens e das cousas no exercício dos cargos pu-
blicos, e um modo de ver os negocios largamente.
Não he o homem mais proprio para empregar G resto
,da sua vida no laborioso e miudo exame de questões
administrativas, ás vezes muito secundarias. Convém
que tenha assento no Parlamento. He presidido pelo
Imperador, a quem se dirige e aconselha directamente.
Para que aconselhe bem a Corôa he-lhe precisa
uma independencia, a qual, salvo algum .correctivo,
sómente a vitaliciedade lhe póde dar. Os motivos po-
Jiticos que podem ser' sufficientes para a sua dispensa,
devem ser mui graves.

Essa vitaliciedade ou quaesquer outras garantias não


são porém tão necessarias, quando o Conselheiro sim-
plesmente auxilia o Poder Executivo politico e gover-
namental, ' ou o Poder administrativo gracioso. Ahi
ha mais movimento, mais transformação; o Conselheiro
deve estar mais em harmonia com o Ministerie cujo
auxiliar he, e com as variações da opinião. Deve cin,.
glr-se, tanto quanto lhe fôr possivel, na organisação
- 287 ,-
das propostas, regulamentos e instrucçàe:;, (lue lhe forem
encarregados, ao pensamento ministerial. O Ministerio
he quem defende esses actos perante as Camaras, he
o responsavel por elles. Não deve encontrar nos seus
Conselheiros, em vez de auxiliares, emulos e adver-
sarlOS.

, No tocante ao contencioso administralivo, adopto in-


teiramente, e transcreverei a observação que na Ca-
mara dos Pares de França fazia Mr. Girod ( de l'Ain )
na discussão que teve lugar em 1884, sobre um novo
projecto ol'ganisando o C~nselho de Estado. Dizia elle.
« A necessidade de distinguir entre as materias puramente
administrativas e as contentiosas, ainda faz sentir aqui
a sua influencia. Se se tratasse de materias puramente
administrativás ( graciosas) nenhuma consideração po-
deria ser imposta; a 'demissão do Conselheiro deveria
ficar ao arbitrio do Ministro. Em materia conlen-
.ciosa porém, nessa materia tão qelicada, na qual os
actos do Conselho de Estado, sem deharem de ser deli-
berações e conselhos, assumem um caracter particular,
por' causa dos direitos sobre os quaes se questiona, e
parecem portanto ter o effeito de julgamentos, sem serem
todavia julgamentos propriamente ditos, he necessario
que a le,i dê garantias reaes aos Conselheiros.

Se a lei as dá ao Juiz do Poder judicial, porque


não as ha de dar a quem tanto influe para o julga-
mentp administrativo 1

Se o Conselho de Estado, como entre nós, conhece


dos recursos contenciosos interpostos dos Ministros,
n&o deverá ter d'elIes, por isso, certa independencia?
,...... 288 = .-
A dislíncção qu.e aoima eslabeleéi he tafinem muito
Qmportante debaíxo de outro p'Onto 'de vista.

Se 'Os âGtos do Polier ~foderador não depencl.'em para


iI. sua validade e execução da i'eferenda dos Mini.stros,
( e não dependem, como em outro capitulo mostrarei) ;
se os Ministros não são, por taes actos, legal e effecli-
vamenle responsllveis~ e não (:) são, 'como mos'trarei) ;
iI. audiencia do Ctll'llselho de Estado sobre os mesmos
aot0s deveria ser obrigada, e não facultativa~ Por-qlil'8n~o '
\Será elil~ão (1) Conselh0 de EstaQl0 o antemmal que sem-
pre c@btirá a Coroa, que d~ve ~s~ar sempre Q'0nerta,
'como u 'cabria >sempre fi Constituição, como a oobre
sempre (i) <Conselho de Estado em P<0ttllgat Be do maior
interesse da Nação, e nã@ s@ da CQrõa, que esta eslej-a
sempre ·coberta.

. Pel0 q1!le lUlOa ao e)kf}rcicio das funcções do Poder


ENecutivo politico @ll governamental, ou do Poder admi- _
nistrativ@ gracioso, a audiencia do Conselho de Estad0
deve ser meramente facultativa.
São actos mer.amente p0liticos Ol!l puramente admi-
liI.~stra:livos, que muito tem de disericiona-rios, em €f'Ue
a responsabilidade pesa toda inteira sÜ'bre os 'Min~stros,
e pelos q.uaes tem estes de responder imme<1iuta. e
directamenle perante as Camaras; pelo que devem
1er t~a a 'taJFgue~a ~ liberdade, apenas limitada pela
lei. A lei dá-lhes um Gonselh@ . Se o não ouvem., e
errão, são por isso tanto mais .dignos de oensura.
Não assim, quanto ao contencioso administra li vo.
Forma-se de questões em que estão envolvidos direitos
de 'partes. 1]Ia am prooesso, am julgamento que deve
sempre .offerlreer garantias. Essas 'ga-rarrtiasoonsistom
,
-'- 2S-9 -
em regras que regulem o exame, o mesmo 'processo
a audiencia das partég perante o Conselho de Estado,
a exposição e parecer do mesmo Conselho.

Não deve depender do Ministro conceder ou retirar


essas garantias, a quem bem lhe parecer, em cada
hypothese que se apresentar.
Pois he o que- acontece entre nós, e o que he ainda
mais notavel he que. nos recursos que as partes in-
terpõem do Ministro póde este deh:ar de ouvir o Con-
selho de Estado. •
A audiencia do Conselho de Estado nos negocios
contenciosos' nãO' deve P9rtanto ser facultativa, mas
sim necessaria, como o he na França} em Portugal
e na Hespanha.
. He portanto preciso distinguir, separar, e considerar
destacadamente cada uma d' aquellas hypotheses. Cada
uma se rege por motivos e considerações differentes.
A sua confusão sómente póde confundir mais o politico
e o administrativo. . .

A discussão da nossa lei do Conselho de Estado con-


fundia-as eompletamente, e por' isso núo dá uma luz
suffieiente. Os argumentos applicaveis a uma hypothese
erão nas conclusões applicados a todas. A lei parti~
cipa d'essà confusão.
A' discussão do Senado versou quasi exclusivamente
sobre attribuições do Poder Moderador, e sobre grandes
questões politicas; Os .assumptos administrativos apenas
farão tocados de leve e incompletamente. .
A nossa lei nada distinguio, englobou tudo na regra
geraI meramente faeultativa.- Incumbe 9-0 Conselho
37
290 ~

de Estado consultar ' em todos os nego cios em que o


Imperador houver por bem' ouvi-lo. -E por isso o
Regulamento dispôz no art. 46 - que o recurso das
decisões dos Ministros de Estado em materia conten-
Ci-osa, poderá ser decidido por Decr~to Imperial sem
se ouvir, 0U ouvindo-se as respectivas Secções ou o
Conselho de Estado.

'Foi isto sem duvida devido ao constrangimento em


que pôz os sustenladores ~a lei" a celeuma que se
levantou contra a coacção em que o .Conse1ho de Es-
tado e ti olygarchia ião pÔr a Corôa e o Governo!
S.lGcedeu o que sempre ·acontece. As meias concessões,
consideradas como filhas de fraqueza e medo, pro-
duzem o mal que em si encerrão, e não .evitao aquelle
que .por meio d' ellas se procura evitar.
, Respondia-se. Á olygarchia ' não pÓ,de coagir por
meio do Conselho de Estado por,que a sna audiencia
he meramente facultativa. Erão vozes perdidas. Os
im'pugnadores da lei ainda repetião mais alto-Coacção.
Coacção --- Olygarchia. Olygarchia. . '

Talvez mesmo 'as nossas circumstancias não per-


mittissem cousa melhor. Ha ,cert(!.s instituições cujos
erros, cujos melhoramentos, cujo desen~olvimento
devem ser indicados pela pratica .

. O Varão illustre cuja alta razão' e eloqnencia mais


c.onlribuio 'na Tribuna para fazer adoptar a lei. do
Conselho de Estado, o Sr.. B. P. de Vasconcellos,
reconbec<?u as imperfeições da mesma lei e as lançava
em conta de nossas circu.mstancias.
, « Estou certo, dizia eUe nas sessões de 7 de 1ulho e de
,H) de Setembro de 184.1, que o projccto poderá admittir
- 291 - '
mais aperfeiçoamentos, porém devemo~ esperar pelo tempo e
pela experiencia; ella he que nos poderá dar alguns melho-
ramentos. Se passar o projecto principial'emos então a extremar
essas autoridades, com grande interesse publico; quando a
pratica tiver demonstrado defeitos estará em nossa faculdad e
remedia·los.". Mas ainda que o Conselho de Estado da França
não se occ'upasse com cousas governativas nem por isso deixaria
de pensar que as no,;sas circumstancias exigem que o Conselho
de Estado seja polltiao e administrativo.
« E na sessão de 2 de Julho dizia que o projeelo era
incomplet.o~ e acrescentava -E não podia deixar do sê-lo,
por isso que tendo havido se~pre confusão entre attribuições
dos Poderes Executivo e Judicial, não podiamos em uma lei
de urgencia extremar perfeitamente as attribuiçaes dos diversos.
Poderes politicos, e até accrescenlarei que ao temp~ se deve
~ixar esse aperfeiçoamento. »

Ao tempo sem duvida; .mas os 20 annos decorridos.


já são · algum teql.~o .

§ 7 ..•

Cempetenela (lo Conselho de Estad·o. Ife IIwramclltc consultive.

o art. 7,0 da lei do Conselho de Estado estabelece,.


como vimos. a sua competencia nos termos seguintes:
<. Incumbe ao Conselho. de Estado consultar sobre
todos os nego cios em que o Imperador houver por
bem ouvi-lo, para resolvê-los. »
, .Está visto que esta regra, por si SÓ, não alterava as raias.
que então separavão as jurisdicções, e a competencia
administrativa da j udiciaria a qual então como que absor-
via tudo. Não alargava portanto a jurisdicção e a com-
petencia' administrativa, então extremamente limitada.
292 -
o Conselho de ~stado, quanto ao administrativo, tinha
de ser ouvido unicamente sobre .aquelles nego cios cuja
solução pertencia então ao Poder administrativo, segundo-
a legislaçãO existente. Era mui pouca cousa.

A lei accrescentou porém ao art. 7. que acima deixo


0

transcripto, e depois das palavras-para resolvê-Ios-


o seguinte:
-e principalmente:
§ 1. o Em todas as occasiões em que o Imperador
se propuzer exercer qualquer das attribuições do Poder
Moderador, indicados no art. 101 da Constituição.
§ 2. Sobre declaração de guerra, ajustes de paz e
0

negociações com as Nações estrangeiras.


§ 3." Sobre questões de presas e indemnisações.
§ 4." Sobre conflictos de jurisdicção .entre as auto.-
ridades administrativas, e entre estas e as judiciarias.
§ 5.° Sobre abusos das autoridades Ecclesiasticas.
§ 6. Sobrê Decretos, . Regulamentos, e instrucções ,
0

para a boa execução das leis e sobre propostas que o


Poder Executivo tenha de aprese.nta,.r á Asse.ml?léa Geral.

Esta enumeração ou especificação, por elles quali:"


ficada de casuistica ' e redundante, fOI muito combatida
no Senado pelos Oradores da opposiçãO, ao prinC"ipio
com o fundamento (1) de que-era inutil, por se achar

(1) Quando porém se patenteou que erão attribuições que passav1ío. para
() Poder administrativo, e portanto que não estavão comprehendidas na
regra geral do artigo, combatêrllo entllo directamente os impugnadores
aquillo que figuravão inutil por comprehendido. O Senador Paula Souza
queria que as decislles sobre presas e indemnisações continuassem ,a per-
1.encer ao Poder Judicial, porque Tribunaes estaveis, dizia etle, erão pará
isso mais aptos, do que Ministerios que não tem permanencia. Sustentava
que a decisao dos recursos dos abusos das Autoridades Ecclesi-asticas devia
continuar a pertencer aos Tribunaes judiciaes, como Corpos independeutes.,
mais versados nessas materias, e visto que o l\linisterio não era obriilldo
- 293-
virtualmente compteheIidida na géneralidadé da regia.
Accrescentavão que não devia fazer-se semelhante enu-
meração, porque podia nella ser esquecida alguma ma·
teria importante (1). .

. Aquella especificação tinha porérp. maior alcançe .


.A opposição tenaz que se esperava, e se fazia á lei,
o pouco conhecimento que havia desses assumptos fize7
rão com que fossem encapotadas certas materias que
seria preferível fossem enunciadas .clara e francame.nte.

Algumas especificações continhão roateria nova e


tinhão por fim alargar a esphera administrativa.

a estar pelas Consultas do Conselho de Estado. (Discursos do Senador PaullJ.


Souza nas sessões do Senado de 7 e 12 de Julho de 1841.)·
Com tudo no project,o apresentado pelo mesmo Senador na sesslIo do Se."
nado de 3 de Agosto de 1846 (vide o Appendice no fim deste volume)
, propunha elle no IIrt. 12, o mésmo que tanto censurava. - ')
O Senador Vergueiro admittia a doutrina dos {laragraphos acima transcriptôs,
IDas repellia-os por outros fundamentos. DizIa elle na sessllo de 13 de Julho.
"Eu entendo que pertence ao Poder Executivo o conhecimento destas
questões, e que mal eoIlocado está elle no Poder judicial. Disse-se que
he uma usurpaç1l0, e eú tambem assim o considero. Está usurpada pelo
Poder judicial esta attribuiçuo. Na verdade vê-se que o Poder Executivo
.desde o seu principio tem tido muito pouco cuidado em sustentar as suas
attribuições; n1l0 só tem consentido usurpações do Poder Judicial, mas
tambem do Legislativo. o que já algumas ,'ezés tenho feito vêr na Casa.
O Poder Legislativo tem entrado na applicaç!lo da lei ao facto, o Que lhe
nllo {lertence; mas, com ({uanto rer,onheça que tem havido usurpação a
respClto dessas attribuiçõés, nem por isso digo que o Poder Executivo as
deve exercer arbitrariamente ••.••.•• Parece que se Quer que o Governo lá
já julgar as presas, e indemnisaçõe~; a isto nilo posso dar o meu assenso,
por enteJ;lder que sendo negocio grave tratando-se de interesses individuaes,
he necessario estabelecer as comenientes regras para o e.xercicio dessa at-
-tribulção •••••• Quizera que bouvesse Tribunaes administrativos para tomar
conhecimento desses negocios, mas em quanto a lei os nuo estabelece o
que cumpre fazer? O Poder Judicial está neSia posse vai continuando;
por assim pmticar nao se lhe póde fazer increpaçilo; a omissilo tem sido
do Corpo Legislativo, que não tem feito lei que extreme esses negocios.
Entre nós el<tÁ muito pouco cxtremado o Direito ' Civil do administrativo,
c por eu reconhecer isto, he que propuz a creaçllo de cadeiras de Direito
administrativo nos Cursos juridicos. » ' -
Notarei s6mente 1.0 que o fim do projeclo em diseuss:lo era principiar
a extremar esses negocios: 2. 0 que o Governo no solução dessas questoes
. linha de regular-se pelas leis eXIstentes: 3. 0 Que sendo a materia conten-
ciosa, @ devendo ser ouvido o Conselho de Estado, deveria ser observada
a fórma de processo estabelecida no seu Regulamento. O Poder adminis-
trativo nllo decidia -portanto arbitrariamente. '
(1) Discursos do Senador Paula Souza nali sessões de 7, 9 elO de. Julh o
e outras.
« EU seria tambem da oplni~o' de rejeitar a especitlcaQã(l do -
artigo, âMá' o Senador B. P. de Vâsconcellos na sessão de ' 7 de
Jtilbó, se' 'não attendesse ' ao nosso aclual estado. Temos cOllfun:,'
di do alguma vez as attribuigões do Poder Executivo com a~
dos Tt'ibunaes, flor exemplo: entra outra vez em duvida a quem
compete a decisão das causas de presas. Temos outI'as attri-
buições proprias do Poder Executivo que não são elr.ercidas pelo
Poder Executivo. Importava muito n' esta lei aclarar todas essas
materias. He o fim do artigo, e a razão pela qual eu julgo que
deve ser apptovado. »
.'
E com effeito assim era. Pelo ,que respeita ás presas -
havia a Resolução da Assembléa Geral de 18 de Setembro
de 1827, determinado que ' p.s Revistas ·de graça espe ..
de
cialissima sobre ~,eIJ.ténç~s presas profE-:ridas pelo Con-
selho Supremp d<? ~lr;n~r~~~~do, continuassem a ser con-
cedidas e decididas pelo Governo, do mesmo modo por-
que erão d'antes, nos termos do Decreto de 5 de No~
vembro de 1799 que ficavli'em seu vigor. Porém tendo
posteriormelÍte a lei dncreação do Supremo tribunal
de Justiça, de 18 de Setembro de 1828, e o Decreto
de 20 de Dezembro de t828, determinado que com-
petia ao Supremo Tribunal de Justiça conceder Revistas
em todas as causas, de qualquer natureza que fossem ~
uma vez que fossem arguidas as sentenças de mani-
festa nullidade, ou injustiça notoria, podia com sobeja
razão entender-se, que ficára revogada ' aquella Reso-
IU9ão de 1827.

Ora as presas não devem ser da ,competencia do Po-


der Judicial. Pertencem ás Nações belligerantes; pro'"
vém de actos de hostilidade, que só podem e devem
ser avaliados pelos Governos, e que dão occasião a graves
contestações internaciona'es, a guerras ruinosas e re ~
nhidas, ou a satisfações e indemnisaçõ,es d~sairosas.
~ 295-
lt Quantos contOB, dizia o Senador B. P. de Vasconcellos, não pu-
gámos pelas presas do Rio da Prata em que se respeüou muito
reverentemente o principio da autol'idade judiciaria, o casojul-
gado! Passámos pela humilhação, _vimo-nos na necessidado de
discutir em iegredo, e de autorisal' o Governo a resolver essa
questão. »

. As indemnisações pedidas á Fazenda Publica prove-


nientes de actos administrativos, o erão perante os Tri-
bunaes judiciaes, inconvenientes e improprios (1.) para
~ apreciação d'esses actos e para as averiguações in-
~spensaveis, abrindo-'se aSSIm larga brecha ao The-
souro.

Diziâ a esse regpcito o SenadorB. P. de Vaséon-


cellog, na sessão do Senado de 9 de Julho: -
( « .•. Julgo que a nossa administração não vai bem, que lhe
faltão muitos meios para desempenhar seus deveres. Eu _peço
~o Senado que aUenda á grande divida que todos os dias se vai
al'lgmentando pelas Sentenças dos Tribunaes, sem cq]pa delles.
Eu já disse; ~ão muitas vezes obrigados a julgar pelo allegado
e provado, c vão,condemnando a Fazenda Publica. Ora em 1:) ou

(1) Pelas consultas de 13 de Dezembro de 1844, das Secções de Fazenda


e Justiça do Conselho de Eitado, de 24 de Outubro de 1845, e 3 de Janeiro
de 1846, e outras da Secçfto de Fazend'a e Resoluçúes Imperiaes sobre el/as
tomadas, reconhr,ceu-se, que ao Governo, ouvido o Conselho de Estado, com-
petia decidir sohre outras indemnisaÇúei, que nUo as provenientes de presas,
A lei diz-sobre quesuies de presas, e indemnisaçúes.- -
Entretanto uma simples ordem do Ministro da Fazenda (que fllra ,'oto
em uma d'aquellas Consullas) dando explicações a um Procurador Fiscal
(ordem n. O 211 de 22 de'Setembro de 18&3), decidio-se que o art, 7.° Si 3.° da
lei do Conselho de ~tado só trata das indemnisações que resulUlo de presas
e. q.ue .he fóra de du\"ida que o Juizo dos Feitos he o competente para co-
nhecer das causas sohre indemnisações, que não versarem sobre presas.
: Assim um Ministro por uma simples ordem interpreta lei, nu1li6ca Re-
soluções de Consulta, coarcta a competencia de uma das mais altas Corpo-
raçiles do Estado, e do proprio Poder Executivo! Tal he o estado de con-
fusão em que vão as nossas cousas!
:. Em outro trabalho voltarei a este ponto. O projecto acima citado do pro-
prio Sr. Paula Souza, apresentado em 1846, era mais largo e esplicito. Por
elle (art. 12) incumbiria ao Conselho de Estado-decidir sobre presas, e in-
demnisaçúes de qua lquer natureza, reclamadas contra o Thesouro, ficando
"O Pod ~r Judicial inbibido de conhecer d'ellas.
- 29G -
6 causas, que neste momento me occorrem á memoria he a Fa-
zenda Publica condemnada a pagar perto de 2 mil contos. Quando
apparecerem essas reclamações de tomadas feitas no Rio Grande,.
Pará o Maranhão, haverá Thesouro que pague todas essas con-
demnações? Havemos esperar que passe uma lei que remedeie
este mal, e entretanto hão de os Tribunaes il' julgando. e de;-
cidindo? »
, « O Corpo Legislativo já reconheceu isso, mas o remedio que
applicou não tem sido efficaz ; tem chamado a si essas qUllstões,
que lhe tem roubado um tempo muito precioso e as partes vem
~empre a alcançar aquillo que pretendem.
« E qual tem sido o resullado? He duas ou tres vezes terem
sido desattendidos os pretendentes depoi!i de discussões calorosas,
em que muitos não tem querido tomar partI}; a final sempre
se manda cumpri!' LI, Sentença, sempre se manda pagar aquillo
'que o Tribunal julgou . .
. « Em outro tempo não havia tanto perigo, porque os que
julgavão as causas da Fazenda Publica, póde-se dizer que o
fazião administrativamente. Hoje parece que o mesmo espil'ito
não rege nos liUgios desta natul'eza, e por isso a divida pu-
blica vé)i se' aggl'avando de maneira, que eu não sei qual será
o lermo. »

Quanto aos contlictos de jurisdicção, pelo art. 164


§ 3.° da Constituição, c art. 5: § 3. da lei de 18
0

de Setembro de 1828, compete ao Supremo Tribun'al


.de Justiça conhecer e decidir sobre os de jurisdicção e
.competencia das Relações Provinciaes.

A lei de 22 de Setembro de 1828 art. 2: § 6.° e


() Hegulamento das Relações do Imperio no art. 9. 0
§ 10, e art. 61, havião dado a esses Tribunaes a
.attribuição de-decidir -os conflictos de j urisdicção entre
.as auroridades, nos t@rmos da lei de 2ô de Outubro
de 1823. - O art. 24 § 12 dessa lei, incumbia ao Pre-
sidente da Provinci.a em Conselho - decidir tempora..
- 297 -
riam ente os conflictos de jurisdicção, entre as a.utori-
dades. Mas se o conflicto apparecer entre q Pré~~dente
e outra qualquer autoridade, será decidido pela Relação
do Districtu.
O art. 5.° § 1l da lei de 3 de Outubro de 1834,
novo Regimento dos Presidentes de Provincia, incum-
bia·lhes-decidir temporariamente os conflictos de ju-
risdicção que s,e suscitassem entre as autpridades da
Provincia.

Não entrarei na demonstração, p0:,f inutil, da confusão


que resultava dessa legislação, em materia de competencia
que deve ser tão clara. Quem resolvia definitivamente
o conflicto, quando a aUribuicão de d decidir era con-
ferida temporariamente? '·'.~"; •.' .. "<.

Competia á Relação decidi'r os conflictos entre o


Presidente e outra qualquer autoridade da Provincia,
isto he, ainda mesmo entre autoridades administrativas.
Á Relação da Côrte, onde reside o Governo central,
pertencia resolver um conflicto entre o Presidente e o
Commandante das Armas da Provincia de Mato Grosso!
Nem ao menos se dava a consideração de que, por
estar mais perto, podiá a Relação andar mais de pressa I
{( Quando houver duvida, se um objecto pertence á admi-
nistração ou aos Tribunaes, dizia o Senador B. P. de Vasconcellos,
na sessão do Senado de 7 de Julho de 1841, quem decidirá ?
Os Tribunaes? Lá passa a administração para os Tribunaes. Mas
dirão: - Tambem, conferida ao Governo essa faculdad e, passa o
Poder Judicial para a administração (1l.
« Todas as cousas, accrescentava elIe, podem encontrar ' seus
inconv.e nientes; a habili'dade está em escolher os que menos

(1) 'Na hypothrse de ser o conflicto entre a autoridade administrativa e


jndiciaria.
38
- 298-
cóntém. Ora a doutrina do .artigo mc pal'ece preferivel, porqu e
o Poder Executivo he rigorosamente vigiado pelo Podei' J~ c­
gislativo ; qualquer pequeno abuso, qualqucl' pequena usurpalião
ha de ser logo accusada nas Camaras; o Ministerío ha de tcr
o maior cuidado em nunca saltar as raias dc sua autoridade ;
quando pelo contl'Urio o ' Podfl~ Judici~l não está sujcito a tal
fiscalisação, . ou a tão exacta fiscalisa~ão. »

E .na sessão de 9 accrescentava ;

« Entre nós quem fiscalisa o Podei' Judicial? Ninguem :


çntretanto as Carnaras se empregão em averiguar como marchflO
os Ministros; e o Poder Judicia.l decide os conITic.tos adm i-
nistrativos e judjciaes sem haver quem ofiscalise. E . h-a
de o Imperador ficar.- sujeito á decisão desses Tribunaes, já
não digo quando se (rata de questões judiciaes, mas quando
~e trata das regalias do Poder Executivo, e quando d<1 exer-
cicio desse direito' usurpado podem seguir-se graves transtornos.
Entendo que convém que cesse essa desordem. »

Pelo qúe toca aos recursos dos abusos de au.toridades


~cclesiasticas, conhecia delles o Poder Judicial, por
yirtude de legislação anterior e do De,creto de 17 de
~aio de 1821 das· Côrtes Constituintes de Portugal,
mandado observar pela nossa lei de 20 de Outubro
de 1823.
A le~ de 22 de Setembro ~ 828 no art. 2. § 6. 0 0

encarregou o seu conhecimento ás Relações provinciaes.


-O Regulamento de 19 de Feyereiro de 1838 pres-
crevêra o modo de interpôr esses recursos para as
Relações.

Este remediO' do recurso á Corôa foi instituido 'para


conter nos seus justos limites a jurisdicção dos Eccle~
siasticos, e 'pura manter illesa a autoridade do Rei e
dos Magistrados civis.
- 2DU -
{( Todo o G'overno, diz Port<llis no seu H.claLorio sobre a
lei ol'ganica de 18 germinaI anllO 10, excrce duas cspec!es de
poder em materia religiosa, o que compele essencialmente ao
Magistrado político em tudo o que interessa a sociedade, e o
de protector da Heligião,
.. Pelo primeiro ~es5es poderes o Governo tem o direito de
r c:pl'imir qualquel' ataque á ternpol'alidade, e de impedir que,
debaixo de pretextos religiosos, seja perturbada a policia e a
tl'anquillidade do Eitado; pelo segundo, cumpre-lhe fazer com
que .os Cidadãos gozem dos bens espirituacs, que lhes são ga-
rantidos pela lei que autorisa o culto que professão,
« He assim que entre todas as Nações policiadas os Governos
se conseTvárão na posse constante de vigiar sobl'o a admi-
oistl'ação dos cultos, e de escolher debaixo do denominação e
fórmas que tem variado, segundo -os tempos e lugares, os re-
01]rSO_5 aprellentados pelos interessados contra os abusos dos
Ministl'os da Religião, e que so veferem ás duas especies de
poderes acima mencionados.
« He portanto esse r ecurso um remedio de sua natureza
administrativo, e não judiciario. O direito de manter a juris-
dicção civil insepar3vel da Soberania, e os actos pelos quaes
he mantida, não são de natureza judiciaria. »

o conhecimento dos 'recursos dos abusos -das auto-


ridades . Ecclesiasticas pertencia portanto indevida e
Inconvenientemente ao Poder Judicial, e com razão
. a lei do- Conselho de Estado o passou para o Poder
administrativo (1) .

(1) Ainda depois da lei do Conselho de Estado entrou em du vida se, por ella,
fi cou implicitamente derogada a jurisdi cção que sobre este objecto fôra confe-
rida ás Relaçúrs, segundo o Decreto de 19 de Fevereiro de 1838.
Sendo consultada sobre este ponto a Secção de Justiça do Conselho de
Estado, Relator Paulino Jo sé Soares de Sousa, foi ella de parecer, em
Con sulta de 10 de Abril de 1854 , de que a lei - a lei Que creon o Conselho
de Estado, e attribuio ao mesmo o l'ecurso á Corôa ou o conhecimento
dos abusos das autoridades Ecclesiasticas, - derogára implicitamente a juris-
dicção que fóra co nferida ás Relações pela legislação anterior. Assim foi
decidido pela Resolução Imperial de 28 de Junho do mesmo anno, scudo
em conformidad_e eX(ledido o Decreto de 3 de Julho de 1854, o qual declarou
se!n elfeito aq uclle de 10 de Fevereiro. -
,..... 300 -
J~ se vê portanto que a especificação feita nos §§
do art. 7 .. da lei · do COBselho de Eslado, tinha pOl'
fim crear ou determinar a compelencia administrativa
em certas materias.

Essa especificação importava a dêcluração de que


as materias especificadas erão administrativas.

« Não era então nece5sario, dizia o Senador B. p, de


Vasconcellos na sessão de 9 de Julho, determinar que ellas
devião ser decididas pelo Governo, porque a administração
não he outra cousa mais do que o Podei' .Exe·cuti vo em
acção, e se a Constituição confere ·o Poder Executivo ao
Imperador, a .ello compete decidir esSas questõcs. Mas (accre~­
centava o orador) se essa opposição ao artigo ho fundada- na
obscuridade em que ene está concobido, não duvido otTe-
recer uma emenda, d~olarando que incumbe ao Consclho de
Estado, r.ara final Resolução Imperial, consultar sobro taes
e taes objeclos; assim se removem todas as duvidas, que se
tem offerecido até o presente. »

Com effeito forão acrrdscentadas no principio do


artigo as palavras-
, para resolvê-los-, que não tinha.

o que o artigo quer dizer portanto he que - com-


pele ao Governo, que não a outro Poder, a decisão
das questões de presas e indemnisações, sobre conflictos.
de jurisdicçãO, e sobre abusos das autoridades Ecde-
siasticas.. Sendo a solução d'essas questões da compc-
tencia do Governo, incumbe ao Conselho de Eslado,
consultar sobre eHas, quando o Imperador Houver por
bem ouvi-lo.

Essa maleria Coi dcpois regulada pelo Decrcto n. O 1,911 de ~8 de Março>


de 1857, o qual, declarando que era s6 competente para conhecer dos
recUl'sos á Corôa o Conselho de Estado, regulou a competrncia, intcr-
posiçiIo, c[cilos e fórma do julgamento d'esses recursos.
- 301 -
Essa maneira de exprimir seria mais franca e clara.
mas sendo logo comprehendida por todos. indepen-
dentemente de explicações, e maior conhecimento da
materia, teria excitado mais opposição. A's vezes he
preciso esconder o bem que se quer fazer.

Do . que tenho exposto verifica-se que segundo a


organisação e natureza que a nossa lei do Conselho
de Estado deu a essa Corporação, he e11a meramente
Gonsultiva e não tem jurisdicçãO prop~ia.
« Eu entendo, dizia o Senador B. P. de Vasconcellos na
sessão do Senado de 7 de Julho, que a este Conselho não
pó de competil' senão a faculdade de consultai', isto he de
emittir a sua opinião sobre os negocios a respeito dos quaes
se lhe pedir o seu parecer, quando o Imperadar Houver
pOi' bem ouvi-lo. Se -a este Conselho competisse alguma decisão
definitiva, elle seria contrario á Constituição do Estado, porque
então esses negocios administra tivos, esses lIcgocios da alçada
do 'Poder Executivo e do Poder Moderador serião decididos
por um · Tribunal, ao qual a Constituição não conferio tal
autoridade; a responsabilidade passaria do Ministerio para
o Conselho de Estado; emfim subverter-se-hia toda a nossa
ordem constÚucional. Portanto eu julgo que o projecto ex-
primio perfeitall~ente a idéa que se desejava _vêr consignada
em lei, isto he, que a este Conselho compete consultar. »
E na sessão de 12:
« Se estabelecermos um Tribunal administrativo com au-
toridade definitiva, p.assará a administração do Governo, a
quem a Constituição a conferio, para esse Tribunal; estabele-
ceremos um quinto poder no Estado, contra o voto da Cons-
tituição, o que não he conveniente (1).»

( 1 ) O Senador Paula Souza pretcIHJia quc houvesse um Tri bunal que


j ul"asse definiti vamcnte as questões adm inist rati vas, como se vê de seus
dis~ursos no scss30 do Senado de 9 de Julh o, e outras. Citava o exempl o
do Co nselho dc Es tado da Fra nç.a no contencioso ad ministrati vo, mas
o Conselho de Esta do da Fran~a ncm cntão, nem ago r a, proferia Julga mcntos
definil iyos . O GOyeruo era, c he, qucm, como en trc nós, rcsolYlu e resolve.
302 -

Demais a Resolução Imperial de 14 de Novembro


de 1850, -que em outro lugar já cilei. tomada sobre ·
Consulta do Conselho de Estado, deixou perfeitamente
liquido esse ponto, a saber que, em caso algum deixa
o nosso Conselho de Estado de ser simplesmenl~
consultivo.
§ 8:

A amliencla ,lo Conselho de Estado be ltclà lei de sua creação


JllCl'aJl.cnte -racultativa. Não assim em casos deelal'ados na
lesgislação l)Osterior.

Tambem, pelo que mais aci:na ficou deduzido, se


verifica que, segundo a organisação e a natureza q!1~
u nossa lei do Conselho de Estado deu a essa corporação,.
he a sua andiencia meramente facultativa, isto he, livre
ao Poder Moderador, e.ao Poder Executivo quer politico,
quer administrativo, om;il-la, ou deixar de ouvi-la,
A audiencia do Conselho de Estado he porém uma
garantia de que a decisão não se ha de tornar definitiva,
senão depois de haver sido o negocio sujeito ao exame e
discussão de uma Corporaçã_o illustrada, e pela sua
posiÇãO e reputação, independente, justa e respeitavel (1),

o ilIustrado Senador expressava-se assim- « Quanto ás questões 'admi-


nistrativas, dizia eu que se houvesse um Tribuual que julgasse definitivamente;
então bem; mas um Nobre Sr.oador disse, qur. se houvesse um Tribunal
para julgar definitivamente questões que possão haver sobre administracão,
era isto mutilar o Poder Execut.ivo. Creio que nãõ havia mutilaç'lo' al-
guma, e, se a minha memoria não me engana, o Conselho de Estado
de FI'anca toma decisOés defini Uvas sobre o contencieso da .administração,
e o Poder Execntivo não fica anniquilado ; antes pelo contrario o Conselho
de Estado a'li he um auxiliar poderosissimo para . a administração do
paiz. Por isso parece-me- que eu não disse uma blaspbemia polilica
on administrativa,»
(1) L'existence du Consei! d'État est une garantie accol'dóe par le Pouvoir
Executif que la decision ne sel'a difinitive, qu'aprés avoir ótóe soumise a
un Conseil uombreux et eclail'ó. Chaveau. Principes de compe1ence e1 de
jurisdirtiou administratives, - ln1roduction.
- 303-
Be portanto justo e conveniente que, ao menos
em questões nas quaes estão em jogo direitos de partes,
seja essa audiencia determinada por lei. He uma garantia
importante para as partes, que não deve ficar ao
arbitrio do Governo, e que as legislações Franceza,
Hespanhola e Portugueza concedem sempre. Por ellas
he sempre o Conselho de Estado omido nos negociCts
contenciosos administrativos. .
4. mesma nossa legislação, posterior á lei do Con-
selho de Estado, divergindo della, adoptou esse prin-
cipio, ainda que casuisticamente.

POI: exemplo:
1.° O art. 51 da lei n. d 369 ae 18 de Setembro
de 184.5, mandando fazer administrativamente a liqui-
dação das dividas militares provenientes de vendas de
generos, e de quaesquer fornecimentos a tropas, deu re-
curso . dessa liquidação para o Conselho de Estado,
_ quando a parte se julgar prejudicada, precedendo,
porém a revisão do Thesouro Publico Nacional.
Neste caso o recurso para o Conselho de Estado
esua audiencia são necessarios, e nâo facultativos.
. Se essa aud'iencia dependesse do arbitrio do Go-
verno, estaria o caso comprehendido na regra geral
da lei organica do Conselho de Estado, e seu regu-
lamento. Especificando assim esse recurso quiz' a lei
de 1'84.5 que o Conselho de Es"tado não pudesse deixar
de ser ouvido ém tal caso. A falta dessa audiencia
constituiria violação de lei e nullidade .
. 2.° A lei n!· 581 de 4 de Setembro de 1850 art.
8.° respectivos regulamentos n.O 708 de 14 de Outubro
- 304-
a1'ls. 10 e 13, e n.O 731 de 14 de ' Novembro do dito
anno, arts. 2, 3 e 4, incumbem ao Conselho de Es-
tado, julgar em 2. m inslancia (isto he consultar) sobre
a confirmação ou reforma das sentenças da Auditoria da
Marinha, sobre os apresamentos de embarcações empre-
gadas no trafico, e.1iberdade dos escrávos apprehendidos.
A audiencia .do Conselho de' Estado, não he por-
tanto facultativa nesses casos, e a sua falta tambem
imp.ortaria violação de lei e nullidade. Apeza"r da in-
declinavel necessidade de ouvir o Conselho de Estado,
não deixa porém o seu volo de ser meramente con~
sull~vo.

Estão nas mesmas circumstancias os 'casos seguintes;

3."'- Os recu~sos interpostos para- o Conselho de Es;*


tado, por bem dos regulamentos n.O 738 de 25 de
. Nov~mbró ,de 1,850 art. 18 § 6.°, n.O 806 de 26 d~
Julho de 1851, ' arts. 16 e 21, n.O 1.597 do 1.0 de
Maio de 1855 art. 8.°, elas decisões dos Tríbunaes de
Comniercio.
1.° Concedendo moratorias ou a rehabllitação do fal-
lido.
2. ° Prohibindo ou annullando o registro dos conlrac-
tos de sociedades commerciaes. .
3.° Multando, e suspendendo ou demittindo os Corre-
tores e demais agentes auxiliares do commercio.
4. ° Multando os administradores de trapiches alfan-
degados e Capitães de na'.'ios (art. 18 §§ 8." e 12 do
Regulamento n~o 738 de 1850).
Estes actos são exercidos pelos Tribunaes de Com-
mercio como Tribunaes administrativos. Os recursos
são para um corpo administrativo, o Conselho de Estado
- 305-
, 4 ..0 Os recursos interpostos por bem do art. 92 § 2. 0
do Uegulamento ~." 681 de 10 de Julho de lX50, para
o Consp,lho de Estado das decisões do Tribunal do The-
souro e das Thesourarias, sustentadas 'por esse Tri-
bunal, ' l'elalivas a duvidas suscitadas entre as Partes
e os .,Agentes fiscaes, sobre a taxa do sello, revali-
dação e multas incorridas.

5." Os recursos interpostos, por bem do·art. 49 do


ltegulamento n. d ~28 de 29 de Novembro de 1851,
para o Conselho de Estado 'das decisões da Junta Cen~
traI de Bygiene pública, I1cs termos do dito -artigo.

6." Os TeCUrSOS interpostos, . por bem da condição


5. do art. 1.0 da Resolução da Assembléa Geral Le-
a

gislativa n. 630 de 17 de Setembro de 1851, para


U

o Conselho de Estado, da decisão do Governo que


manda fechar uma escola ou collegio.

7. o Os recursos interpostos, por bem do art. 129


do Regulamento n.O 1.386 de 28 4e Abril de 1854,
para o Governo (1), das penas de prisão correccional
por mais de dous mezes, da retenção dos diplomas, da
suspensão do aelo,. da perda do anno, e de excl!1sfío,
impostas aos Estudantes p~las Congrrgações das Fa-

(1) Os Regulamentos citados senem-se umas ,"ezes das expressões - re-


curso para o Conselho de E~tado, e o.utras dest~s - recurso para o Gover-
no, que resolverá por Decreto, depOIS de ounda a Secçllo respectiva do
Conselho de Estado. .
He uma regra de Hermeneutica que quando a lei se serre de expressões
dilTerentcs he porque quer dizer cousas dilTerentes tamhem.
Ora no recurso para o Conselho de Estado, este arenas consulta e a
iluestllo be resohida flor Decreto ou Resoluçllo Imperia. O resultóldo' he o
mesmo em um e outro caso. Para que pois empregar diversas expressões
(recurso para o Conselho de Estado, recurso para o Governo, ouvido o Con-
selho de Estado) quando he a mesma cousa ? Serve sómente para crear con-
fUSãO, e dar lugar a pensar-se que se trata de cousas clifTerentcs.
. 39
,,- - - - -

- 30G-
culdades de Direito, nos quaes recursos manda aquelle
artigo que seja ouvida a respectiva Secção. do Conse-
lho de Estado.

8." Os recursos interpostos, por bem do art. 164 do


Regulamento n." 1.387 de 28 de Abril de 1854, para
o Governo, d~ penas de prisão correccional para mais
de dotIs mezes, de retenção de diplomas, de suspensão
do aeto, da perda do anno e de exclusão, impostas
aos Esll:ldantes pelas Congregações das Faculdades de
Medicina; n03 quaes recúrsos manda aquelle artigo
que seja ouvida a respectiva Secção do Conselho de
Estado.
,
9. o Os recursos interpostos, por bem do art. 3'2 do
Regulamento para as aulas preparatorias das Facul-
da'des de Direito de 5 de Maio de 1856, para o Go-
verno, das penas de multa até 50!tt>OOO, de suspensão
do exercicio, e vencimentos de 8 dias até '2 mezes, e
de perda da cadeira, impcstas pela Congregação
aos professores; nos quaes recursos manda aquellc
artigo que seja ouvida a Secção do 11?perio do Con-
selho de Estado
Os recursos para o Conselho de Estado de que tratít
o art. 43 do mesmo Regulamento, no caso de demissão
de um Professor vilalicio.

10. Os recursos interpostos, por bem dos arts. 28 ,


e 29 do Decreto n." 2.343 de 29 ~e Janeiro de 1859,
para o Conselho de Estado, a fim de que sejão annul-
ladas as decisões administrativas em materia conten-
ciosa do Tribunal do Thesouro e dos Chefes das Re-
partições Fiscaes, nos casos de incómpetencia, excesso
de Poder, c violação de leis ou de formulas essenciaes.
- B07-

11. Tambem não p6de o Governo prescindir da au-


diencia do Conselho de -Estado, na remoção de Juizes
de Direito, para a classe anterior, ou para a mesma
classe, como he expresso na Resolução da Assembléa
Geral Legislativa n.O 559 de 28 de Junho de 1850.

Em todos esses casos não he facultatiYa a audien-
cia do Conselho de Estado. mas sim obrigada, alte-
rada a respeito -de todos elles, a regra da lei orga-
nica- o Governo p6de ouvir ou deixar _de ouvir o
Conselho de Estado.
Parece ~que o J?1edo da coacção e da, olygarchia se
tinha desvanecido.
,
- Note-se que quasi todos os casos. apontados perten-
cem ao contencioso administrativo.
Pondo-se porém de parte esses acerescentamentos
casuisticos, que forão sendo feitos á lei do Conselho
de Estado á medida que se ia provendo ao melho-
.
ramento de. um ou outro ramo de serVico, nenhum
outro melhoramento tem sido feito naquella impor-
tante instituição, a qual se acha no mesmo estado
em que se achava na época da sua creação, isto he
ha 20 annos.

Senões do nosso Conselho de Estado. A.lguns m e lhora-


mentos que reclama.

Não tem nexo nem centro, qué lhe dê uma direcção


uniforme nas matcrias administrativas.
- 308-
o Imperador, segundo a nossa lei preside 0 Con-
selho de Estado reunido, e c@nvém que sempre o pre-
sida, quando consuHa sobre o exercicio das atlribujções
do Poder Moderador, e sobre outras politic.as impor-
tantes do Poder Executivo, como por e~emplo fazer

a paz e declarar a guerra. As Secções são presididas
pelos respectivos Ministros.

Porém o Imperador devia ter quem o substituisse ~


presidencia do Conselho de Estado-, quando se tratasse
de questõés simplesmente administrativas, que são nu-
merosas, muitas vezes secundarias e' miudas e reque-
rem prompta expedição. Da minimis non, curat Prrotor
diz a Lei Romana. Nem póde o Imperador ter tempo
para isso, mórmente quando o expediente administra-
tivo fôr crescendo com o tempo, .como sóe acontecer (1).

Um Presidente ou Vice-Presidente do Conselho de


Estado, quando se trata do expediente ordinnrio dos
negocios administrativos incumbidos a essa Corporação,
,não deve ser Presidente sómente, quando, sentado no
topo da meza, ouve e dirige a discussão e colhe os
votos. Deve occupar-se d'aquelles negocios exclusiva-
mente ou quasi, distribui-los, e saber em que mãos

(1 ) E m França nno preside o Imperad or sempre o Conselho de Estado


Preside-o quando julga conveniente .
Tem o Co nselho de Estado um Vi ce-Pres idente norr.eado pelo Imperador
que pres ide a Assembléa Geral do mesmo Conselho, qnando a nlio preside
Q Imperador.
Cada uma das SerMes tem o seu Presidente nomeado pelo Imperador
d'entre os Conselheiro's de Estado ordinarlos.
Em Portugal o Conselho pe Estado formado em Assemblra Geral he
presidido pelo Rei, porém, como adianle veremos, divide-se em duas grandes
Secçoes, a admini strati va e a conten ciosa, que expedem os negocios ordi-
nados e de cada uma das qua es hc Presid ente um t:onselheiro de Estado
efTcctivo nom ead o pelO Rei.
Entre nós o Co nselho de Estado reunido n:1o tem quem o presida senão
o Impe rador.
309 -

párão, o andamento que tem, governar a Secretaria,
informar o Conselho sobre as tradições, precedentes e
arestos, em ordeín a manter a coherencia e uniformi-
dade nas decisões, e imprimir não só na discussão,
mas ainda fóra d'ella a regularidade e a ordem nos
trabalhos .

.Estas funcções, pmno que muito altas e nobres, não


são porém compativeis com a alta Dignidade Imperial,
nem com as gra'.:es e vastas occupações da Corôa.

Os MinistrJs são mios Presidentes de Secções, e só-


m~nte entre nós he que presidem Secções que deliberão,
e a~onselhão diractamente o Chefe do Estado.

S10 má03 ·Presidentes porque 1." l\iuitos são levados


á almi[)istraçl0 por conveniencias exclusivamente po-
liticas, e parlamentares, sendo inteiramente noveis Das
materias administrativas da Repartição, em que vão
começar a apprerider.

2. ~ Porque sendó frequentemente mudados, e não


tendo portanto tempo de adquirirem a pratica dos ne-
gocios, não podem servir para aquiUo para o que be
mais necessario um Presidente, manter o fio dos ne-
gocios e das tradições, o que he sobretudo indispen.-
saveI, quando o pessoal das Secções soffre alterações.

3. Porque não tem tempo (mórmente em época de


0

Camaras) para presidirem regularmente as Secções, pelo


que o Regulamento do nosso Conselho. de Estado, no
~ que respeita ás reuniões das Secções, tem, ao menos
quanto a algumas, cabido em desuso. A algum Mi-
- 31°-
nÍstro mesmo poderá repugnAr achar-sli em imme:
dillto contacto, na presença das questões, c.om homens
mais praticas, mais versados n' ellas, e, tornar patente
a sua inexperiencià.

Nem he possível dividido como o está. pelo B.egu-


lamento, o nosso Conselho de . E.stado que sirva parà
crear tradições, e estabelecer precedentes e arestos,
em uma palavra, uma jurisprudencia administrativa,
principalmente pelo que respeita ao contencioso.

Nem he possivel estabelecer raias claras e distinctas


em certas ·materias e hypotheses complicadas e mixtus·.
Os principios que regem uma jogão m.uitas vezes e
tem aflinidade com os que regem outra.

Vai um caso a uma .Secção que o resolve por certos


principios, que entende de um modo. Vai outro caso
que tem relações com aquelle a outra Secção, que in-
voca para o decidir aquelles, ou algum d'aquelles prin-
cipios entendidos d'oulra maneira.

Apparece, por exemplo em um juizÓ', uma questão


que tem relação com a Fazenda. O Juiz (pois o .Mi-
nistro da Justiça he o assessor do Poder Judicial in-
dependente) pede a solução de uma duvida sobre aquella
questão á RepartiçãO da Justiça. O Collector tem a mes-
ma duvida sobre a qual pede esclarecimento á Fazenda.
Cada Ministro ouve separadamente, ignorando a duvida
que pende perante o outro; a Secção respectiva do Con-
selho de Estado. Os pareceres são desencontrados. São
apresentados em Conselho de Ministros em épocas dif-
ferentes, ou um durante um ~liniste.o, e outro du-
- 311-
rante outro. Nada mais facil do que haver decisões
contradictorias, ainda na mesma Secção, qu'ando ha mu-
dança de pessoal, do que ha exemplos.

He muilo difficil dar-se esse inconveniente n-os Con-


selhos de Estado da França e de Portugal, attento o
modo de distribuição do pessoal e do serviço que adop-
tárão. .

He verdade que, o Ministro, entre nós, póde reunir


duas ou mais Secções, mas isso he e~cepção, e 'nem
sempre occorre. A regra he ser ouvida cada Secção
sobre 0S assumptos da Repartição á qual pertence.

, Como são resolVidas entre nós as questões conlen':


ciosas administrativas, as quaes tem uma só natu-
reza, regras uniformes e um só processo? Por todas
as Secções, 'segundo se suppõe pertencer a materia
á Secretaria de Estado á qual anda cada uma ligada.
Este modo de proceder parece a primeira vista o mais
curial, mas não o he, como veremos. A solução não
he d'esta ou d'aquella Repartição destacadamente, mas
sim do Ente .moral chamado Governo.

o que se segue d 'ahi be que as' materias são, as


mais das vezes, casuisticamente consideradas debaixo
de um porrto de vista especial da Repartição, e que
he mui facil ' haver desharmonia no serviço. Cada
SecçãO, cada Rep'artição obra destacadamente. Não
ha um cadinho que refunda e ligue as decisões.

o Conselho de , Ministros não póde sempre servir


para isso, porque são frequ entemente mudados; porque
312 -
lhes 'falta o tempo para co1ligir e conservar o fio .
de precedentes administrativos, e evitar contradicções,
filhas de apreciações differentes, faceis sobretudo
quando ha mudanças no pessoal das Secções, e de
umas para outras Secções, em ma te rias que tem
affinidade, que jogão e dependem, mais ou menos
proxima Oll remotamente, dos mesmos principios.·
,

A tudo isso accresce que as Secções geralmente ignorão


não só o que se passa nas outras, como o que o
Governo resolve sobre as suas proprias Consultas. Essas
Consultas são raras vezes publicadas. ,São sepultadas
no archivo da S~cretaria ú qual anda ligada a Secção,
do qual sómente são desenler,radas pela curiosa re-
miniscencia de um ou outro Conselheiro ou de um
ou outro Official d~ Secretaria. E sabe Deus quantas
andão por ahi perdidas ou esquecida') em casa de
quem as pedio para ver I

Nada portanto se liquida. Passad03 temp:)s apparece


a mesma ou analoga questão. Suppõe-se nova; tratl-se
d'ella com~ se apparecesse pela- primeira vez, e de-
cide-se ás vezes contradictoriamente ( 1 ).

Cada Secretaria de Estado archiva as Consultas


que lhe pertencem. Nem ao menos o Conselho. de
Estado tem :uma modesta Secretaria que sirva. de centro.
á sua escripturação, e de deposito dos seus trabalhos,
que os guarde, relacione, classifique e registre. que
Ínforme, concentrando a sua attenção e memoria sobre
este objecto. E s~ria facil formá-la sem augmenlo de

( 1 ) Poderia aponlar exemplos; mas pôr-me·hião clles na necessidade


de indicar nomes lIroprios, que muito respeilo e considero.
313
despêzíl, contribuindo cada SecretarÍa de Estado (al-
gumas. das quaes, pi'incipalmente se fosse simplificado
-o serviço, tem pessoal superior ás guas neccssid'adés
reaes) com um empregado.

Não tendo o Conselho de Estado Secretaria, nãO '


tem Seeretario. lIa n'isso ao menos cohetenCia. A
lei e o Regulamento não lhe derão nem uma, nem
outra cousa. Parece que a violenta celeuma é()m que,
pela oppo~tÇão de entãn, foi acolhida a instituição do
Conselho âe EtitadJ, acobardou de tal modo ás seJls
defensores que receiÍFão eUes que a outras arguições
accrescesse a de grande despeza. :Nem vencimefitos
propôz o projeclo para os Conselheiros de Estado.
Cousa nofaveÍ I Os que tem'forão:lhes dados púi' uma
emenda do Sr. Paula Souza, o · Senador q~e mais
hostilisou a lei, e cóns(aptemen(e votou contra ella I

Be sóment~ de praticá servir nas reuniões do Con-


selho de Estado presididas pelo Jmperador , corno
Secretario, um Conselheiro de Estado, o qual faz fi ada,
e a registra ho livro competente, bem ~omo as Con-
sultas, por sua propria mno, ainda que á matéria
seja simplesmen le administrativa e não reservada.. '

. Os Conselhos de Estado de França e de Portugal


tem seus' Secretarios especiaes, os quaes, posto não
sejão CopselheÍros de Estado, são funccionarit:ls de
ordem eleva.da.

A, redacção das Consultas do nosso Conselho de


Estado, pautada sobre a das Consultas dos antigos
Tribo rul es cons'Ulrivos de -Portugal, ainda mnis eon=-
40
- 314
corre para a confusão. Erão aquellas antigas ' Cons~llàs
uma prolixa exposiçao do negocio, e a recopilação
de todas as peças que lhe erão relativas, não termi-
nando muitas ve,zes com conclusões formuladas de
modo, que pudessem ser hem entendidas, sem a leitura
e estudo de toda a Consulta, ás vezes muito com-
plicada e volumos{l. A Resolução Imperial, copiada
da antiga formula Por'lugueza - Como parece-, nada
indica por si. .

Taes Consultas pres~ão-se mal á publicação, e com-


,tudó he ' preciso estuda-las .por inteiro, para se saber
bem o que decidem.

. Conviria, a meu ver, antes imita.r o modo de pro-


,ceder do Conselho de Estado e do Governo em França.
Ahi as Consultas terminão sempre (ao menQs no con-
tencioso) por um projecto de Ordenança (Decreto) que
formula de uma maneira precisa e clara, colligidas
todas as circumstancias cssenciaes, a resolução que
convém tomar.

Essa resolução reduzida a Ordenança, precedida


(como Já notei) de uma resumida exposição do caso,
e da indicação da .legislação relativa, he c01ligida e
publicada na respectiva collecção. Todas as aulori-
,dades e o publico estão em dia ~om os trabalhos e
decisões tomadas sobre as Consultas do Con,selho de'
Estado sobre o contencioso administrativo, e que são
entre nós uma especie de ]iv~os sybillinos.

Grande parte ' dos inconvenümtes ponderados, aos


guaes não darei .maior desenvolvimento, provêm prin-
- 315-
cipalmente_ da viciosa divisão do nosso Conselho de
Estado, mais devida ao Hegulamento do que á lei (1).

Uma rapida 9lhada · sobre a organisação e divisão


de _outros Conselhos de Estado, fará sobresahir esse
defeito do nosso.

A nossa lei do Conselho de Estado, no art. 8:,


manda-o dividir em Secções.

O Regulamento no art. 1. adoptou como unica base
0

da divisão das Secções a divisão dos l\Iinisterios, éom-


pondo cada Secção de tres Conselheiros.

Resulta dahi que urnas Secções estão muHo sobre-


carregadas, emquanto outras intervêm em um mui
limitado numero de negocios. Como o f.onselho de
Estado raras vezes trabalha reunido, os Conselheiros
das Secções pouco pensionadas, raras occasiões tem de
trabalhar e emittir o seu voto.
Quanto menos numeroso fór um Conselho de Estado,
menos convém fracciona-Io por semglhante modo. O

(1) o Regulamento de 5 de Fevereiro de 18'02, tem o titulo de proviso-


rio, porém todos sabem que o pl'Ovisorio tende entre nós a tornar-se sy-
nonimo de permanente_ Dura esse Regulamento ba 20 annos, sem o mi-
nimo retoque, apezal' de defeituoso_ O Decreto n.O 222 de 9 de Setembro
de 184.2 encarregou a Secção do Imperio do Conselho de Estado de propOr
as alterações que a expel'Íencia mostrasse necessarias no mesmo Regula-
mento. Essa Secção emittio parecer em Consulta de 8 de Agosto de 1842,
Relator o Sr. B- P_ de Vasconcellos, dizendo que nada encontrou no Regu-
lamento que merecesse mndança, parecendo-lbe ser indispensavel esperar-se,
para que possa ter lugar a proposta de qualqqer alteração, que a pratica
revele os dofeitos que existão no mencionado Regulamento e tenhno esca-
pado ao simples exame especulativo. Este parecer foi dado ha 20 annos.
Verdade he que nlio be possivel um bom Regulamento sem modificaçllo na
lei.
Portugal está melhor servido, quanto ao seu actua I Conselho de Estado,
que Ol'ganisou depois de nós, e em geral quanto a ir stituições IIdministra·
tivas, das quaes se tem occupado mais do que nós, cuja atlençlio se ba
voltarJo mais para 8 política tbeorica. O Regulamento do Conselho de Por-
tugal póde, a muitos respeitos, servir de modelo. (
316' -
maior numero de Conselheiros a ' votarem he umá gêi-;
f4n,tii:l de acerto e de coherencia nas soluções dadas.
por semelhantes corporações.
. .
~ (} Conselho de Estadd e~ França compõe-se actunI-
mente (Decreto organico de .1852) :
De um Viee-Presidente.
De 40 a 50 Conselheiros de 'Estado em serviço ordi-
narlO.
De ConseI eiros de Estado em serviço ordinario fóra
das Secções, e cujo nu~ero não póde exceder a 15.
'. De Conselheiros de Estado em servico extraordinario~
cujo numero 'não p6de exceder a 20. ·
, .
De 40 Maitres des requêtes, divididos em dtúJS ~lasses.
de 20 cada uma (1).
. De 40 Ouvidores (Auditeurs) divididos \ em duas
cla~ses, cada uma de 20 (2).
, De um Secretario Geral com o tit1l1õ de l\'Iaitre des
requêtes,

Póis . bem, apezar de' tão numeroso, a sua ' divisão


não ' o fracciona tanto como o ' nosso, e dá-lhe muito
mais cohesão (3).

, (1) o ,cargo de Maitre des requétes não tem algum que Ibe, corresl'0ndiJ
lín~..e nós. e Jlor isso não traduzo essa denominação. lIe uma segunda es~
pecie, <)0 l:;oQ.selheiro .de Estado. Tem voto consulLivo em todos os n egoeios;
é Q deliberativo s6mente naquelles em que são Relatores. Bem como os
éOil.Selbeiros de Estado não podem ser Senadores e Deputados, e SlIO suas-
~ºccaes .incompativeis com outras quaesquer publicas assalariadas. .
. (2) Os Ouvidores são moços addidos ao Conselho de Estad~, como auxi-
I,iarcs 'para os trabalhos secundarias, e forma0 uma c5col1\ preparatona pará
os cargos da administração. " .
!
'3) ~ao se póde considerar Il\uilo nume~os(), attenta a eluaordip:Jria
;tmuenoia d~ nego cios em um Palz tão populoso, oude. a· a~inistraçlio tem
adquirid9 tamanhu desenvolvimento, c onde as gafanL,ias administrllHya~
como que tom substituido ,!S politi~as . .
- 317. -
. O~ Conselhos .de Estado exercem trcs especies d<3
funcções de natureza distiocla. 1.0 políticas. 2. 6 pu-
ramente administrativas. 3 .. contenciosas adl11if\istra-
tivas. He preciso ' não dividir cada uma dessas espe-
ciElS de ·modo que se faça desapparecer a unidade e
cohel'encia que deve haver na jurisprudencia adminis-
t.rativà, e nas vistas políticas, consultando cada divisão
do Conselho de Estado destacada, cumulativa e simul-
taneamente sobre cada uma daquellüs materias.

. O Conselho de Estado em França divide-se actual-


mente em seis Secções a saber:
Secção de legislação, Justiça e negocios estrangeiros.
Secção do interior, da ínslrucção publica e dos cultos.
Secção dos trabalhos publicas da Agricultura e do
commercio.
Secção da Guerra e da Marinha.
Seccão das financas.
o o

Secção do contencioso .

._ N.ote-se porém: ~
Que essas Secções, á excepção da do contencioso,
constituem como taes um Conselho particular para
cada Ministerio. A sua audiencia, como tal, he me-
ramente fac~ltativa para o Ministro.

Que" por via de regra, fi . divisão em Secções tem,


por fim _o exame e preparo das questões que tem
de ser. levadas ao conhecimento do Conselho de Es-
tado. . . São portanto as mesmas Secções. pelo que
:respeita ás attribuições do Conselho de Estado, con-
sideradas ,como auxiliares e preparadoras da A.ssem-
bléa ..Geral do· mesmo Conselho.
- 318 -

Que essa Assembléa não p6de deliberar com _um


numero menor de vinle Membros com voto delibe-
rativo.

Que pelo, art. t 3 do Regulamento do Conselho de


Estado de 30 de Janeiro de 195'2, eslão marcados
os negocios que não podem deixar de ser sujeitos á
Assembléa Geral do Conselho de Estado, e nos quaes a~
Secções são meras preparadoras. Sómente os negocios
aJli nüo contemplados são os que pertencem simples--
mente ás Secções, podendo acabar nellas a Consulta.

Que para que um negocio ~ remettido a uma Seo-


ção, não comprehendido no art. 13 do Regulàmento
que acabo de citar, seja sujeito á Assembléa Geral do
Conselho de Estado, basta que o Presidente da Secção
ex-omeio, ou a pedido da mesma Secção, assim o
requeIra.

. 'Entre nós acontece o contrario. A regl'a he que


as Secções deliberão, e consultão sos e sobre quaesquer
questões. ;

Pelo nosso Regulamento para que sejà ouvida mais


de uma Secção, ou o Conselho de Estado reunido,
he preciso que um Ministro ou o Imperador assim o
ordene expressamente em cada, caso emergente.

He isso inteiramente arbitrario, e na pratica dão-


se, por falta 'de regras, manifestas incoherencias. Vão
"
ás vezes a varias Secções, ou ao Conselho de Estado
negocios de pouca im]3ortancia. Outras vezes são
decididos nego cios graves, ouvida uma s6 Secção.
- 319 -
Á quasi totalidade dos negocios he decidida, ouvida
a respectiva Secção, isto he tres Const.lheiros de Es-
tado s6mente, que ás vezes divergem.

. .
A Seccão do contencioso na Franr.a não anda li-
gada a UinisLerio algum especialmente. Abrange os
, negocios conlenciosos de todos.

He o contrario entre n6s. Cada Secção consulta


sobre ,o contencioso do respe"ctivo Ministerio. Dahi
a desharmonia e a impossibilidade de fundar uma
jurisprudencia administrativa. Dahi falta de garantia
para o direito das partes.

A Secção do conteucioio na França compõe-se de


seis Conselheiros de Estado, comprehendido o Presi-
dente, de sete Maitres de requêLes, e de cinco Ouvi-
,dores.
Tem além disso tres l\Iaitres de requêtes que exer-
cem as funcções do Ministerio Publico.

. Essa Secção examina, inslrue, prepara o negocio


segundo a ordem do processo estabelecida, formula o
projeclo de resolução, e he tudo depois submettido
com um Rela torio á Ássembléa do Conselho de Estaao
deliberando no con tencioso.

A Assembléa do Conselho de Estado deliberando no


contencioso, compõe-se 1.0 Dos membros da Secção
do contencIoso·. De mais dez Conselheiros de Es-
tado, nomeados pelo imperador, tirados em numero
igual de cada uma das outras Secções, e renovados
por metade de 2 em 2 annos.
- 320-
o cxame do 'negocio perante a Assembréâ. da COI1-
'Selho de Estado deliberando no cohlencioso abre-se
em sesstio publica. Lido o Relatorio os Advogados .
das partes são admillidos a fazer observações orues, e
o Ministerio publico responde. Fechada depois a ses-
são' publica, tem lugar a deliberação do Conselho, to-
rnando por base o projeclo de resolução p.roposto
pela Secção (I).

o Conselho de F.stado em Portugal 1em o mesmO


numero de . Conselheiros. que o nosso; ' a saber doze
effectivos, e doze ex1raordinarios. ·

Tem porém mais dezoito 'Pratic;w1es, com a deno-


minaçãó de Ouvidores e UIlil Secretaria Geral.

A,sna divisão' he muito- preferivel á nossa,. e força


he reconhecer que aproveita melhor o seu pessoal e
offere~e _mais garantias. Tem -mais cohesã:o, e. não he
tão fraccionado como o nosso. "'

. O Conselho de Estado em Portugal divide-se. em


duas grandes Secções que são:
Secção adminishrativa.
Secção do cantencÍoso administrativo.

A secção administra1iya compõe-se de sete Conse-


lheiros de Estado effeclivos, dos quues um he Presi-
dente, e de sete Ouvidores.

(1) Estes :)ssumptos tem um d('s('O\lolvimento extraordinario na legislaçã:o


Franccza, Não he possivcl resum i-Ia. Indico apenas algumas feições pal'a dar
uma idéa muito geral. - ,
- 321 ---,.
, A 'Secção do contencioso administrativo co'mpõe-se
de cinco Conselheiros de Estado effectivos, dos quaes
um he Presidente, e de dous Substitutos permanentes,
nomeados por Decrelo d' enlre os Conselheiros de Es-
tado extraordinarios, e de cinco Ouvidores.
Dous Ouvidóres exercem -perante essa Secção ,as
funcções do Ministerio publico.

O contencioso tem portanto em Portugal como em


França, um só centro. Oadministrativo a certos respei-
tos tambem.

Estão marcados claramente os casos em que o Couse-


,lho de Estado e as suas duas Secções devem ser ouvidas.
Nüo depende isso de mero arbítrio como entre ,nós.

Portugal não teve medo de olygarchias que coagissem


a Corôa com seus conselhos.

Alem d'isso está alli dividido o Conselho de Estado em


quatro com missões ligadas aús respectivos Ministerios, c
form.ando Conselhós especiaes para cada Ministro e são:
1 .a A. Commissão dos negocios do _'Reino e dos da
Guerra.
2. a A Commissão dos,negocios da Justiça e Ecclesias-
ticos e Estrangeiros.
3." A dos negocias da Fazenda .
. 4. a A dos negocios ,da Marinha e Ultramar.

Essas Commissões são ouvidas nos nego cios em que


o Uinistro as quer consullar. e são por elle presididas.
_ Cada uma cornpõe-se~de tres Conselheiros de Esta-
~o, que são os mesmos que formão as duas Secções
administrativa e contenciosa.
41
322 -
I Prepárão essas Commissões as propostas de lei, ou
projectos de regulamento, Decretos e outras medidas
geraes, que o Governo lhes incumbe, e tem de ser su-
jeitos ao Conselho de Estado. -

Assim os Conselheiros de Estado trabalhão nas res-


pectivas commissões de tres ~Iembros, e, em commum ,
na Assembléa Ger.al do Conselho de Estado, e nas duas
grandes Secções em que he dividido. •

Pela nossa organisação o Conselheiro de Estado que


pertence a uma Secção, na qual não ha amuencia de
nego cios , altenta a raridade das reuniões do Conselho
de Estado , nada tem em que se occupar, e nenhuma
pratica geral pó de adquirir dos negocios.

o nOSSQ Conselho de Estado he mui susceptivel de


importantes melhoramentos, com o mesmo pessoal, ou
com muito pequeno augmento, e com o de pequena des-
peza ( 1 ), mas para que esses melhoramentos sejão
proficuos, he indispensavel que lh'es correspondão ou-
tros na legislação administrativa com que se relaciona
. .
e Joga.

Tenho-me alongado mais sobre essa materia do que


pretendia. Umas considerações forão puxando pelas
outras. Procurei resumir uma materia que he mui diffi-
cil resumir sem cahir na obscuridade.

( 1) Máo he or ganisar Reparti ~ ões com appnl'ato e dispendiosas. MlÍo lJe


tambem organisa-las ml'squinllamente, de modo que, por essa mrsquinhez,
nlio preenchao ou preenchao mal o seu fim. Despende-se e nao se colhe pro-
nito.
O Conselho de Estado de Portugal he proporcionado á irnndezn e nego-
cios desse Reino. Despende mais que o nosso.
- 323-
Quando em outro trabalho, do qual tambem ~e oc-
cupo, apparecer classificada e exposta, com as compe-
lentes observações, a nossa legislação administrativa,
ficará mais claro e completo o que acabo de es~oçar, e
_que não passa de um simples preambu]o. Facil será
então 'deduzir, como corollarios, as reformas e melho-
ramentos administrativos, que o estado actual reclama.
He -sómente uma analyse minuciosa, accurada e pra-
tica que pó de descobrir, indicar e justificar esses me-
lhoramentos, e matar declamações com que os espiritos
superficiaes ou confusos os só em acolher. .

Nem nos pejemos de imitar, com criterio, o que


houver de bom e applicavel em outros paizes.
Ninguem imitou mais do que o primeiro povo da an-
tiguidade, o Povo Rei, e he essa certamente uma das
causas da sua grandeza. Ncque sttperbia obstabat, põe
Sallustío na boca de Cesar, quominus aliena instituta.
si modo probm, imÍlamntu1': arma alqtl.e tela militaria ab
amnit'ibus, insignia militarút ab Tttscis pleraque sumpse-
1'unt; postrcmo, quod ttbique al1tHl socios at6t hostes ido4
newm 1)idebatur, W7n summo stud'io (lomi exseqtwbant'ur ;
únitcwi quam invidere bonis 1nalebant.
)
APPENDICE
. AO .
,

1.° VOLUME,
Sessão do Senado de :1.& (te Junllo de t.S ~:I..

PROJECTO.

A Assembléa Geral Legislativa Decreta:

Art. 1. 0 Haverá um Conselho df1 Estado, composto de doze


membros ordinarios, além dos ~finistl'Os de Estado, que, aind a
não O' sendo, te rão assento nelIe.
O Conselho de Estado eXe!'cerá as suas funcções, reunido~
os seus memhros, ou em secções.
Ao Conselho l'eunido presidirá o Imperador; ás secçõe' os
Ministros de Estlldo a que pertencerem os objectos das Con-
sultas.

Art. 2. 0 O Conselheiro de Estado será vitalício; o Impe-


l'a~or, porém, o podel'á dispensar de suas funcções, pOl' tempo
indefinido.

Art. 3. 0 Haverá até doze Conselheit·os de Estado extraor-


dinarios, e tanto estes, como 03 ordinarios, serão nomeados
pelo Imperador.
Compete aos Conselheiros de Estado extraordinarios:
§ 1.0 Servil' no imp'edi menlo dos ol'dinarios, sendo pal'U
esse fim designados.
§ 2. 0 Ter assento e voto no Conselho de Estado, quando
forem chamados pal'a alguma Consulta,

Art. 4. o Os Conselheiros de Estado se rão responsaveis pelos


conselhos que derem ao Imperador, oppostos á Constituição,
o aos interesses do Estado, nos nego cios relativos ao exercicio
do Podel: Moderador, devendo Sel' julgados, em taes casos,
pelo Senado, na fórma da Lei da responsabilidade dos Mi-
nistros de Estado.
- 328-
Pal'a SOl' Conselheiro de Estado se requerem as me.smns qun-·
lidades, que devem concorrer para ser Senadol·.
Art. 5.° Os conselheiros antes de tomarem posse, prestarão
juramento, nas mãos do Imperador de manter a ReJigião Ca-
tholica Apostolica Romana, observar a Constituição e as Leis,
ser fieis ao Imperador, aconselha-lo- segundo suas conscien-
cins, nttendendo sómente ao bem da Nação.

Art.. 6.° O Principe Imperial, logo que tiver 18 annos com-


,. pletos será de . Dil'eito uo Conselho de Estado: os demais
Principes da Casa Imperial, para entrarem no Conselho de Es-
tado, ficão dependentes da nomeação do Imperador.
Estes e o Principe Imperial, não entrão no numero mal'-
·cado 110 art. 1.° .
Os membros do extincto Conselho de Estado poderão' entrar
no Ilumero dos Conselheiros ordinarios, ou 110 dos extraor-
dinarios; aquellcs porém, que não forem comprehendidos nem
entro os primeiros, nem entre os segundos, terão assento, e
voto no Conselho, quando forem convidados.

Art. 7.° Incumbe ao Conselho de Estado consultar em todos


05 negocios, em que o Imperador houvêr por bem ouvi-lo; c
principalmente:
1.° Em todas as occasiúes, em que o Imperador se pro-
puzer exercei' qualquer das aHribuições do Poder Modera~Ol',
indicadas no art. 101 da Constituição, li exc~pção da sexta .
2.° Sobre ~eclaração de guerra, ajustes de paz, e negociações
com as Nações Estrangeiras.
3.° Sobre questões de presas e indemnisações .
1.,° Sobre confiictos de jurisdicção entr~ as autoridades ad-
lI1inistmtivas, e entre estas e as judiciarias.
5. o Sobre abusos das Autoridades Er.clesiasticas .
6. o Sobl'e Decretos, Regulamentos e Instrucções para a boa
execução das Leis, e sobre Propostas que o Podei' Executivo
tenha de apresentar ti Assembléa Geral.

ArL. 8. 0 O Governo determinará em Regulamentos, o nu-


mero das secções em que será dividido o Conselho de Estado,
- 329-
ü maneira, o tempo 'd'é trabalho, as bom'as e <lis"tinéçõ'éS, q'uc
ao mesmo e a cada um de seus membros competir, e quanto
rÓI' necessario para a boa execução da presente Lei.

Art 9,0 Ficlio rcvogadas quaesquer Leis,. é disposi';Óes em


contrario.

Paço do SMado, em 14 de Junbó de t841.-Caetana Maria


Lopes Gama.-Cassianv Speridíão de Mello e Maltos.-Vis-
conde do Rio Vermellw.-Lui:: José de Oliveira.-José Sa-
turnino da Costa Pe1'eira,. -Fran'éis·co de Paula Albuquerque.-
Antonio Augusto Monteiro de Bàrros.

Emendas ao projecto creando um Conselho de Estado, apre-


sentadas na sessão do Senado de 25 de Agosto 'de 184.t, na
3,a discussão do mesmo projecto, •

1. a Haverá um Conselho de Estado composto de seis Mem-


bros designados pelo Imperador, d'entre os Conselheiros de
Es~do que elIe houver pbr bem nomeai'. O exercicio no Conselho
de Estado durará em quanto aprouver ao hnperador.

2. a Só poderá ser nonieadó Conselheiro de Estàdo quem póde


ser Senadol', e além disso tiver oito aunos de exerci cio efTectivo
de Membro da Assembléa Geral., ou quatro annos de Ministro
e Secretario de Estado. Embaixador ou Ministro Plenipoten-
ciario, de Presidente de Provincia, ou tiver patente de Marechal
de Campo., Chefe de Esquadl'a; ou maior.

3, a O art. 5. 0 cio projecto, accrescentand<r-se-e guardando


inviolav-el segredo,

4.· O art. 4. 0 do proJecto, nienos a uitima parte, que fica sup-


primida, que começa-Para ser Conselheiro de Estado.

5. a Os' Co~selheiros de - Estado terão as honras dos antigos


Conselheiros de Estado ; e quando estiverem em exercício 01'-
42
- 330-
~jnario, terão uma gratificação jgual ao terço dos vencimentos
df)s Ministros e Secretarios de Estado.

6. a Q árt. 6. 0 do projecto até as palavras - marcado no


art. 1. o-sqpprimido tndo o mais~
7. a Os Ministros e Secreta rios de Estado terão assento no
Conselho para' prestarem informações; e quando sejão Conse-
lheiros de Estado, deixarão este exercicio, em qúanto Ministros,
sendo substituidos por outros Conselheiros de Estado. Elles
poderão. -requerer a convocação ' do Conselho de Estado, quando
entenderem conveniente.

8.' Os Conselheiros de Estado sem exerci cio poderão ser con-


vocados ao Conselho extraordinariamente quando o Imperador
assim o julgar convenieate.
9. a Incumje ao Conselho de Estado consqltar $obr~ toqos os
negocios em que o Imperador houver por bem ouvi-lo, tanto
nos que dizem respeito ao Poder Moderador, como ao do Poder
Efleeutivo.
~Q, JIa,yerá um C~mselhQ de a,d!ninistrMão composto de sçis
Membros., que terão carta de Conselho; e cada IJm delles será
ao mesmo tempo Fiscal de uma das Secretarias de Estado;
t~Xª9 de Rrdepíldo a quan~~\l de 2:4QOi'POOQ.

1t. ~stes Conselheiros serão amoviveis, nomeados e demit-


tidqs pelo Imperador. São habeis para este emprego os que
tiverem servido eITectivamente, por mais de quatro annos, como
Membros da Assembléa Geral, ou dous de Ministro de Estado,
Presidente de Provincia, Encarregados de Negocios, ou Diplo-
matas de. maior categoria, Membl'os do Tribunal do Thesouro,
ou tiverem Patente de Brigadeiro, Chere de Divisão ou maiol·.
Não poderão accumular emprego de Justiça ou 'qualquel' outro
'Jue os estorv~ em suas funcções.
12. Este Conselho será presidid.o p~lo Ministro a Guja B;~par­
tição pertencer o negocio a tratar, e em sua allsencia, por um
Vice-Presidente nomeado pelo Im.p.e.rador d'sntre 9S seus M!?m-
bros.
- 331
13. Cada um dos Conselheiros, na qualidade do Fiscal, ' he
obrigado a fazer os exames, planos, projectos e pareceres que
lhes forem incumbidos pelo respectivo Ministro de Estado, e
a levar ao con~lecimento deste quaesquei' outras observaçtles ou
factos que lhes parecerem ute'is ao serviço.

14. Compete a este 'Conselho consultar sobre todos os negocios


pertencentes ao Podei:' Executivo, que não forem, pelas Leis
actuaes, da exclusiva competencia do Tribunal do Thesourd,
ou do Supremo Cons~lho Militar, ~u da Junta 110 Commercio,
quando lhe forem incumbidos por qualquei' Ministro de Es-
tado, que os tem de resolver, e principalmente sobre: '
1.0 Indemnisações de qualquer natureza reclamadas contra o
Thesouro, ficando as Justiças inhibidas de conhecer denas.
2.0 Conflictos de jurisdicção entre aS Autoridades administra-
tivas, e entre estas e as judiciaes.
3. o Abusos das Autoridades Ecclesiasticas.
4. o Projectos de Decretos, Regulamentos e Instrucções para
boa execução das Leis; bem como de propostas quo tenMo de
ser apresentadas á 'Assembléa Geral.
15. Artigo ultimo, _o ultimo do projecto.

Marquez de Barbacena. -Paula Souza.-Vergulliro.

Pro/ecto substitutivo do Projecto ,do Conselho de Estado~ apre-


sentado nQ Senado pelo Senador B. P. de Vasconcellos, na
sessão de 26 de Agosto de 1841.

A Assembléa 'Geral Legislativa Decreta:

Art. 1. o Haverá um Conselho de Estado composto de 12


Conselheiros ordinarios, além de 6 extraordinarios, que lhe
serão addidos quando convier. ' -
, O Imperador, ou quem o Imperador designar prosidit:á ao
Conselho do Estado, e ás secções em quo fÓr dividido o Con-
selho, os Ministl'Os do Estado a que pertencerem os objectos
das consultas.
, .Art •. 2. o Haverá até 1.2 Co.nselheiro.s de Estado extraordina~
rio.s, ao.s quaes cümpele: .
, ~ 1. 0 Servir no. impedimento. do.s ürdinariüs.
§ . 2. o Ter assento. e vütü, no. Cünselhü quando. fürem cha-
madüs para alguma cünsulta.
§ 3 ..0 Entrar n.as vagas do. Cünselhü. de Estado. na razão. de
um terÇQ dellas.
Passará a extraürdinariü o. Cü,nselheirü de Estado. ürdinario.
que fôr nümeado. Ministro. üu Soorotariü de Estado., üu dis-
pen8~dü. de suas funcções.

A.rt. 3. o Não.. ontrão. no. numero. düs Cünselheirüs düs ar-


tigüs antecedentes o.S {>rincipes da Casa Imperial, que püderãü
ser nomeadüs Cünselheirüs de Estado. lügü que tiverem 18
annüs co.mPletüs, e só seJ:ão. convidadüs para üs CünselhQs, .que
fo.rem presididüs pelo. Imp!'lrado.r. Os Ministro.s e Secretario.s
de Estado., bem que de direito. Co.nselheiro.~ do. Im.peradür, não.
cntrão. no. numero. marcado. no.s arts. 1.0 e 2.·, salvo. se fürem
o.rdinariüs o.u extrao.rdinariüs.
Os ' membro.s do. extincto. Co.nselhü de Estado. po.derãü entrar
no. numero. düs c.ü.ns~lheiro.s ürdinario.s o.u no. dos extraürdina-
rio.s; aquelJes pürém que não. fürem cümprehendidüs nem entre
o.s primeirüs nem entre üs segundüs terão. assento. '. e vütü no.
Conselho. quando. fürem cünvidadüs •.

Art. 3. 0 Os Çünselheir.üs de Estado. serão. vit~lic:io.s á el;cep.-


çliü dos extranumeral'iüs" que s.erãü ~müviveis ad nutum~ e se
entenderão. demittidüs sempre que o. fOr o. Ministerio J üu a
maio.ria delle, mas püderãü ser renümeadüs.
O Imperadür püderã dispensar o. CÜJ;lselheirü ürdinariü do.
exerciciü de suas funcçôes pür tempo. indefinido., e apüsentar
co.m o. titulo. de hüno.rario. o. Conselheiro. maiür de 70 annüs"
oU fmpossi.l>ijit~dü de servir em cünseq\lenci(,l de molestias ..

Art. 5.° :ae o. 4.° do. Prüjecto.~

Art. 6; ° lIe o. 5.° do. Prüjectü.


Art. 7.° Incumbe ao. Cünsolhü de Estado- cünsultar, para 0..
lt:J:I~erad,ür re~o.lver,
tüdüs o.s negüci.üs em que elIe. Hüuve~ J?o~'
- 333 --
bem ouvi-lo, da competencia do Poder Moderador e do Poder
Executivo, em cujo numero são comprebendidos.
§ 1. o Conflicto de jurisdicção entre as autoridades adminis-
tmtivas, e entre estas e as judiciarias.
§ 2. o Questões dOe presas, abusos das autoridades Ecclesias-
ticas, e indemnisações, a que a Fazenda Publica possa ser obri-
gada por actos de seus agentes, ou por contractos celebrados
com os fornecedores das estações publicas, e desapropriação
por utilidade publica.
Art. 7. o (Additivo). Ao Conselheiro de E;slado, que fôr
designado pelo Imperador, bem como aos Ministros de Estado,
incumbe sustentar nas Camaras legislativas as propostas do Go-
verno, e aos Ministros e Secreta rios de Estado he permittido
assjstir ás discussões de quaesquer materias em cada urna das
Camaras, e discutir, podendo ser presentes ás votações, se o con-
sentirem os respectivos Regimentos.

Art. 8. 0 O Governo determinará em Regulamentos quanto


fôr necessario para a boa execução da presente lei, e a gratifl- ·
cação de cada Conselheiro, em elTeclivo exerci cio, a qual não
excederá ao terço dos vencimentos dos Ministros e Sccretarios
de Estado •

. Art. 9.° Be o 9. 0 do Projecto.

Paço do Senado de Agosto de 184.1 .-Vasconcellos.

Sessão do Sena.do de :I de Agosto de :l8~8.

o Sr. Paula Souza.-De accordo çom a opinião que emittio


Senado em outra occasião, ácerca da organisação do Conselho
de Estado, opinião em que mais se tem firmado dépois que
tem assento n'esse Corpo, torna a apresentar o projecto que
otIereceu então, e que era tambem assignado peJos Srs. Ver-
gueiro e Marquez de Barbacena.
O Con~elh o de Estado polilico só deve servir para aconselhar
o MQnarcba nos altos negocios, quando este suspeite que a
marcha seguida não 110 a melhor, e nunca a essas fu ncçõos
- 334-
politicas devo reunir as que são propriamente administrativas;
cumpre que para estas haja um outro Corpo, que póde ser
como um viveiro de homens para exercer os altos cargos do
Estado, como os de Ministros, Presidentes. de Provincia. He
neste sentido que redigio o projecto de que faBo.

A Assembléa Geral Legislativa Decreta:

Al't. 1. o Haverá um Conselho de Estado, . e um Conselho


de Administração. O Conselho de Es~do será composto de oito
membros, designados pelo ImperadOl', d'entre os Conselheiros
de Estado, que houve ou houver por bem nomear. O Con-
selho de administração será composto de 12 membros desig-
nados pelo Imperador d'entre os Conselheiros de administração
que elIe houve.' por bem nomear, O exercicio em um ou
outro Conselho durará ernquanto aprouver ao Imperador,

Art, 2. o Só poderá ser · nomeado Conselheiro de Estado,


quem póde ser Senador, e além disso tiver seis annos de exer-
cicio elTectivo de membro da Assembléa Geral, ou tres de
Ministro e Secretario de Estado, Embaixador ou Ministro Ple-
nipotenciario, de Presidente de Provincia, ou tiver patente
do Marechal de Campo, de Chefe de Esquadra ou maior, e
só poderá ser nomeado Conselheiro de administração quem,
quando não tenha as condições para Conselheiro de Estado
tiver dous annos de exercido elTectivo de membro da Assem-
blé!l Gllral, ou um de Presidente de Provincia, Encarregado
de negocios, membro do Tribunal do Thesouro, ou tiver pa-
tento de Coronel, ou "capitãO de Mar e Guerra, ou maior.

Art. 3. 0 Os Conselheiros de Estado antes de tomarem posse,


prestarão juramento nas mãos do Imperador, de observar a
Constituição e ás Leis, ser fiel ao Imperador, aconselha-lo se-
gundo suas consciencias, attendendo sómente ao bem da Nação,
não só quando forem consultados, como quando o julgarem
necessario.

Art. 4.° Os Conselheiros de Estado serão responsaveis pelos


conselbos que derem ao Imperador oppostos á Constituição.
- 335-
ás Leis e aos interesses do Estado, devendo ser julgados em
taes casos pelo Senado, na fÓl'ma da Lei de responsabilidade
dos Ministros e Secreta rios de Estado.

Art. 5. o O Principe Imperial logo que completar 18 annos


de idade, será de direito membl'O do Conselho de Estado; os
demais Príncipes da Casa lloperial, para o serem, dependem de
nomeação do Imperador, estes e o P rincipe Imperial não entrão
no numero marcado no art. 1. o

Art. 6. 0 Os Ministros e Srcretarios de Estado, terão assento


nQ Conselho para exporem as questões, e prestarem informa-
ções, não podendo porém ílssjstil' ás votações, quando se tratar
de dissoluÇão de Camara-ou demissão de minislerio. Quando
elIes. forem membros do Conselho de Estado, deixarão de o ser,
sendo substJtuidQ p?r outro Conselheiro de Estado, emquanto
mjnistros forem elIes poderão requerer ao Imperador a convoca-
ção do Conselho de Estado quando entenderem conve\1iente.

Art. 7. 0 Os Conselheiros de Estado em exercicio poderão


ser convQcados extraordinariamente ao Conselho de ;Estado
quando O lmperador, attenta a importancia. e gravidQ.de dos ne-
gocios. assim Q jQIgíl!' cQnvenil;mte.

~l,'t. a.
o .p.cumb~ ao Conse\ho (le Estado, consultar sobre
todo~ os negocios, em que o Imperador houvl;)r por bem ouvi-lo,
tanto aos que dizem respeito ao exercicio do Poder Moderador, -
como ao do Poder Executivo .

.~rt. 9. 0 O Conselho de Estado hc presidido pelo Imperador,


e em sua a~sellcia ou impedimento por aquelle de seu~ membros
que o Imperador houver por bem para isso designar.

Art. 10. O Conselho de administração será dividido em


quatro secções, que serão: dos negocias do Imperio, dos da
Fazenda! qos dQ Ju~ti~ e Estrangeiro~, e dos de Guerra e
Marinha, a cada um dos quaes compete examinar e preparar
os negocios que lhe forem remettidos pelos ministros, e que
tem de ser decidiltoli pelo Conselho .
336
Att . ti. O Conselho de administração, quando lt.lUnido" será
pr~sidido pelo Minislro da Repartição a que pertence a materia,
que tem de tratar-se, e em sua falta, por um de seus membros,
que elle pam isso designar; e as sessões serão presididas por
quem [(li' o relator designado para a materia a trataNe.

Art. 12. Incumbe a este Gonselno ~ 1. 0 consultar sobre lodos


os nego cios telativos á administração, que lhe forem commet-
tidos pelos ministros, embora já examinados pOI' outras cor-
porações. 2. 0 Decidir sobre presas e indemnisações de qualquel'
natureza reclamadas contm o Thesouro, ficando o Poder J udi-
ciario inhibido de conhecer dellas. 3, o Decidir sobre contlictos
de jurisdicção' entre as alitoridades administrativas, e entre estas
c asjudiciarias. 4. 0 lJecidir sobl'e abusos das autoridades Ec-
clesiasticas. 5. o Formular projcctos de Decretos, regulamentos,
instrucções para boa execução das leis, bem como de propostas
quo lenMo de ser apresentadas á Assembléa Geral toda a voz
que lhe fÓr ordenado pelos ministros. 6. o Satisfazer a quaes-
quer outras obrigações que por lei lhe forem determinadas.

Art. 13. Os Conselheiros do Estado terão as honras dos an-


tigos Conselheiros de Estado, e vencerão mensalmente, quando
em exercicio, o terço do que vencem os Ministros e Secreta rios
de Estado; os Conselheiros de administração terão as honras
dos membros do antigo Conselho da Fazenda, e vencerão men-
salmente quando em exercicio, o mesmo que os Conse!heiros de
Estado.

Art. 14. O Gtlverno fica autorisado a dar as providencias e


regulamentos necessal'ios, para o completo desempenho e boa
execução 'tlesta Lei.

Art. 15'. Ficão revogadas todas as disposições legislativas em


contrario.

Paço do Senado, 28 de Julho de 1S&.6.-Paula Souza.

FUI DO I'RIl\fEIRO VOLUME .


INDICE.
DOS
.
CAPITULOS E PARAGRAPHOS

CONTIDOS NESTE PRIMEIRO VOLU11E.

PnEAlIBULO . • • • • • • • • • • • • • • • • • • • .• • •••••••••••••• • .• 11 I

CA PITULO I.-Definições.-Divisões .-:Qistincções . . . .. 1

CAPITULO 1I.-Difl'e renças e relações cntrc a sciencia da


administração, ou scicncia administrati-
va; e o Direito' administrativo. _ . Não são
sómente as leis administrativas as que
constituem o Direito administrativo.... 11

CA PITULO Ill.-Difl'erenças e relações entl'e o Direito


Constitucional, ou político, e o Direito
administrativo. Dilfel'enças e relações
J en.tro Governo e Administração. ..... Jã

CAPrfUL O lv.-Ditrerenças e relações entre o PodeI' le-


gislª~ivo ~. ? ~dmi~istrativo. . . . . • . . . . . 21

CAPITULO , v.-D.itrerenças e relações entre o Poder judi-


cial e o adnlinistrativo ..•.•. :. ... . .. .. 29

CAPITULO vI.-Ditrcrenças e relações entre o Direito civil


ou privado, e o Direito admini strativo. 37


-2
Pags.
CAPITULO YIL-Das fontes, limites, e das sciencias au xi- '
liares do Direito administrativo·.. . .... 41

§ 1." Fontes do nosso Direito adminis-


trativo ........•..•. ......... •. . . . .. '1
§ 2.° Limites do Direito administrativo. 42
• ~ 3." Sciencias auxiUares do Direito ad-
ministrativo ........•-. . • • . • . . . • • • . . . . 42

CA PITULO l'lll.-O Direito administrativ.o constitue scicn-


. 'I
ela ............................ . .. .

CAl'ITULO Ix.-Inf1uencia da divisão territorial, popula-


'" ção e riqueza, • , ... , , . .. . . . . . . . . . . . . 51

CA I';rruLO x.-Divisã.o d.o Poder Executivo., . • . . . • . . . . 67'

C APITUJ,O xL-Do P.oder' Executivo puro, p.olitico e· g.o-


vernamco tal .ou G.overn.o, -;- ..•• , ... , .. 7t·

C APITULO xU.-D.o Poder administrativo,.ou da Admi-


nistração. Sua divisã.o. ~ ••..••...• . , . . 75

CAPITULO xur.-Do P.oder ..oU administra~ão graci.osa.... 79

C AP ITULO Xlv.-DitTerem;as entre. a ªdministraçã.o gra-


eiosa e contenciosa ......... , . • . • .. ... ss
CAPITULO xv,-Origem e ru'ndamento da distinc.çã.o entre
.o graci.oso e .o c.ontenci.oso. O que be
contenci.o,s.o ?. , . , .. . .• , ... , .. , . . . . . . 85
1
Intel'esse . , • • " , ... , •.. , , • , .• . ..... .' . . 89
Direil.o •. ; ..••.......•....•.......... , 90 )
C.ondiçlíes para que se verifique .o conten-
cioso administrativ.o...... . •......... " 95
Quasi c.ontenci.os.o ,.ou mixt.o ....•...•.... , 96
~~cess.o de poder e illegalidade..... .. . . 97
lncid,enles. , -..... , , . • . . . . . . . . . • . . . . . . • . 98
-3-
Pags.
CAPITULO 'XVI.-Rcgtas o formulas para discernir o gra-
cioso do contencioso .. ................ 101

CAPITULO xYIl.-Nccessidade do contencioso ndminislra-


tiTO. Quem deve exercer a jurisdicção
contenciosa administrativa?.......... 115

CAI'IIULO XYIII.-Ncccssidadc de uma organisação admi-


nistrativa contenciosa que de garantias.
Quacs devão ser? ................... 125

CAl'nULO xlx.-Da responsabilidade ministerial no con-


te.ncioso . . . • . . . . . • . • • . • • . . . . . • . • . . .• 12!)

CAPITULO x'X.-Do nosso contencioso administrativo ..• 135

CAPITULO XXI.-DOS Tribunaes administrativos .......• 165

CAPITULO x'xlI.-Do processo e re!:ul'sos administmtivos .• 173

CAPITULO XXIlI.-Como exerce suas funoções a autoridade


administrati-va.-Separação entre a deli-
beração e a acção ..•...••...•.•.•..•. 177

~ 1. 0 Como .exerce as suas fuucçôes a auto-


ridade adminislrati.va.. . • • • . . . • . . • • . .. 177
§ 2. 0 Separação entre a deliberação e a
acção ., .••.••• ~ " ••.••.•.••.••••••• 178

CAPITU~O 1'xly. -Dos Agentes administrati-vos ••••.••••• 181

CUITULO xxv.-Dos CORsclhos .administratiVoS •......• 1!)5

C.U'ITULO XXV1.-Do Conselho de Eitaoo •.••.....••... 207

§. 1.0 -Hist{)rieo.- Conselho Privado na


lnglatt~rl'a.-Conselho de Estado na }<'ran-
ça, na Hcspanha, em Portugal e no
Drasil ' .........•.•• , ....•... • ..... 208
-4-
Pags.
Conselho privado na Inglaterra .......... 209,
Conselho de Estado em França ........• 22'2
Conselho de Estado na Hespanhá ......• 230
Conselho de ES,tado de Portugal ........ " 23'1
Conselho de Estado no Brasil........... 2a[~
§ 2.° -Creação de Conselho de Estado pelo
Govemo. - Constitucionalidade do que
temos .......•. < • • • • • • • • • • • • • • • • • • " .242
§ 3.° Olygarcbia.-Coacção' da Corôa ..... 249
~ 4.° Vitaliciedade dos Conselheiros de
Estado. Limitação do numero ........ 25!~
§ 5.° Accumulação de funcções políticas
c administrativa:; .........••......... 275
§ 6.° Distincção importante ..•.......... 285
~ 7.° Competencia do Conseth'o de Estado.
He meramente consultivo .........,,.. ' 291
§ 8.° A audiencia do Conselho de Estado
he pela le~ de sua Cl'cação meramente
facultativa. Não assim em casos decla-
rados pela legislação posterior........ 302
§ 9.° Senões do nosso Conselho de Es-
tado. Alguns melhoramentos que re-
clama .••..••...•.........•......•.. 3p7

Apl,eõdice.

Projecto origina rio de Conselho de Estado............. 327


Emendas apresentadas pelos Senadores Marquez de Barba-
, cena, ' Paula Souza e Vergueiro ...... : .....•......... 329
Projeçto substitutivo apresentado em 3. a discussão peJo
Senador Vasconcellos .....•...•. " ...•.........•..• 331
Pl'o.jccto apresentado em 1846 pelo Senador Paula Souza.. 333

.
I
ENSAIO
SOBRE

o DIREITO AD)IINISTRATIVO
PELO

TOMO lI.
-vV\ F'ú\ fVV\r-

u Jl oe suffii pus d'établir <l ans UD pays des élcclions, lle.


chambl't;s, ct te sou\'cfnClUcnt parlcmcntairc pour Ir. tlcli-
"fer do scs mau x, lui donn Cl' tOU5 Ics Licns fJu'on l ui prol1lcl,
ct le so ust r .. ire au:<- flln cstcs conséCJucn ccs de toutc:s Jcs faulcs
quton y com mel. Lcs cOl1uitious du bon go u,'crncm ent dcs
pcuplc:s sont plus complirJu rcs; ou ll C satisfait )las ia tc us Les
illté rê ls, ou \lC S31'antil pOIS tous lcs c.lroits cn mcttanl tln c
constil utiun a 13 placc (P un \ ' l CUX }lO u\' o ir, ct ou pcut 3voir
instituc à Tul'Ín un parlcm cnt italicu sans avo lr funde c u
ltalie la lihcl'tt!.
L'ESlisc ci la Sociclé Chrélieoncs co 15G I :par M. Guizot.

RIO DE JANEIRO,
T\'POGRAPHIA NACIONAL.

ENSAIO .
I

SOBRE O DIREITO, ADMINISTRATIVO .


CO~I REFERENCIA AO. ESTADO E 'INSTITUIÇÕES
PECULIARES DO :BRASIL. '
. )

fJ&,.PITULO XXVII . .

Do Pode." Mode."ado.".

o .assumpto do Poder Moderador não he por certo


administrativo, mas sim polilico. Parecerá portanto.
e com alguma razão, que não he este o lugar proprio
para agita-lo, e com algum desenvolvimento.

Com tudo como nosso Conselho de Estado não he


s6mente administrativo, mas lambem politico e desti-
nado a aconselhar o Poder l\1Ç>derador, a exposiçãO e
considerações em que vou entrar, e que procurarei
e
abreviar resumir quanto me fôr possível, farão melhor
comprehender o que expuz antecedentemente ~ e a ne-
cessidade, importancia e organisação de uma corpo-
ração, á qu al confiou a lei a alla iricumbencia de
aconselhar a Corôa no exercicio da6 altas
. . do
f únccões
Podei: Moderador.
11 . 1
-2-
Accresce que a questão do Poder Moderador, por
vezes agitada entre nós, sem que se chegasse a uma
solução definitiva que de-uma vez lhe puzesse termo,
tem se tornado, para assim dizer, uma questão de
actualidade. Cuido que tendo acabado de · tratar do
Conselho de Estado, não me levará a maIo leilor, se,
como espero, fÔr benevolo, que enxerte essa questão -
em um trabalho, ao' qual se não pertence, não he, pelo
menos, totalmente estranho.

Antes de entrar na analyse da questão, que só mente


a analyse póde resolver, permitta-se-me que, á guisa de
preambulo, eu lance uma rapida olhada sobre as dis-
cussões ás quaes aquella questão tem dado lugar entre
nós nas Camaras Legislativas. Parece-me que esse li-
geiro exame nos fornecerá muita luz, quando chegar-
mos á analyse da mesma questão.

Questão do Poder Moderador lia Camara ,los Deputãdos em


i 83i. por occasião ,la ,lisclIssão da lei ,la Regencia.

o art. 9.° do Projecto da lei da Regencia (he o art.


10 da Carta de lei de 14 de Junho de 1831) dizia:-
« A Regencia nomeada exercerá com a referenda do
'Ministro competente, todas as attribuições que pela
Constituição do Imperio competem ao Poder Mode-
rador, e ao Chefe dQ Poder Executivo, com as ex-
'Cepçõ,es e limitações seguintes, &c., &c., ».
Este artigo não teve larga discussão na Camara dos
Deputados. Foi discutido nas sessões de 19 e 20 de
-3-
~Iaio. A idéa que dominava nessa discussão era de que
os actos do Poder Moderador, · exercidos pelo Impera-
dor, não exigião referenda, mas que era necessario
coarctar esse poder, quando exercido pela Regencitl, e
exigir portanto referenda para taes actos d' ella.

Transcreverei do resumo que então se publicava


d'essas discussões, sómente as palavras que se referem
ao P0J.lto da questão que lenho em vista analysar.

« O SfI. Evaristo notou que, segundo as expressões da Cons-


tituiÇão, havia uma especio de irresponsabilidade do Poder
Moderador, que se remediava (para a Regencia) no artigo em
discussão, o qual sujeitava os netos do Poder Moderador (exer-
cidos pela Regencia) á referenda do Minislro. »

« O Sr. Carneiro da Cunlta lembrou para desvanecer a duvida


que parecia ter sua origem nji palavra-privativamente-, o
sentido que se lhe tinha dado na sessão passada; e vinha a
ser, que os actos do Poder Executivo, que he exercido pelos
Ministros carecião de referenda, mas que os do Poder Mode-
rador não precisa vão d'ella, para poderem ter execução. »

« Ó Sr. Perreira França mostrou a dilfereuça entre os


actos do Poder Moderador e os do Executivo, porquanto o 1.°
tinha discrição, e' o 2. 0 não, ou se a tinha era muito pequena
a sua latitude, visto que não podia exercitar-se, sem serem _
ouvidos os Minist.ros, e consultados os Conselheiros de Estado,
fazendo-se os primeiros responsaveis pelos seus actos, e os
segundos pelos conselhos que dessem.
« Disse mais que sendo distinctos os Poderes Moderador e
Executivo, não podião seus actos ser referendados pela mesma
pessoa, e se os Ministros o tem feito tomárão voluntariamente
uma responsabilidade que não lhes toca; e citou por exemplo
que a convocação extraordinaria da Assembléa, e a prorogação
della, &c. erão actos discricionarios do Imperador, aconse-
lhado pelos C9nselheiros de Estado, e continuou -o Poder
-4-
Moderádol' 'moâerll os excessos de todos ·os outros' Poderes; e.
não era ,pqssivel indicar pJl' !eis'fixas o mo~o de o,fazer, porque
qe iIripossivel re$ular n'elIas todas as cousas. »

" .
O Sr. Lino Coutinho ponderou qúe não convinha que, sé
(I

exigisse ' referenda em todo's os actos do podel' Modérador,


porque o Ministro li podia negar, e oppÔr-se a que se désse
sancção' a uma , lei quando o PodeF Moderàdor ' a quizesse sQnc-
cionar:. e adyertio que alguns actos do Poder Moderador admittião
responsabilidade~ mas não a sancção das leis, e tahez outros
mais; lembrou qué esta disposição ia fazer mal mesmo á no-
meação de Senadores, pois se o Ministro fosse obrigado a re-
feren!la-la, era o Ministro quem escolhia; porque nãO querend.o
611e referendar, não se nomeava e ficava a seu arbitrio aiio-
meação, expressamente oontl'a o que manda a Constituição" U"
qual quiz que esta escolha a , fizesse o Poder Moderador. )l,

« O Sr. Rebouças sustentou que as referendas dos Minis-


tros de Estado em actos do Poder Moderador erão contra a
Cónstituiçãó, e s6 poderão admittir-se quando se tratas:;e de
a .reformar; que se tratava agora só de limitar o exerci cio
~os PO,deres. Moderador e Executivo, confiados á Regencia,
quanto fosse conveniente, & c. »

" « Q Sr. Ernesto França sust~ntou a emenda que requeria


~os actos do Poder Moderador a r,efcrenda dos ,Conselheiros,
de Estado, para ' terem execução. »

.' Certamente entendia que a COllstituição não .exigia


t\ dos ' Ministros. '

« O Sr. Araujo Lima (hoje Marquez de · O~inda) disse, que,


a ficar' a: Regencia sómente com o exercicio do Poder Exe-
cutivo, não haveria quem nomeasse Senadores, MiQistros.,.
quem convocasse 'a ,AssembLéa , -extraordinariamente~ & c.. , e
que portanto erà forçoso . confiar-5e-Ihe . algu!Da das attri:-
buições der Poder Moderador; que sem :embargo de., não mflrt)ar,
expressamente 'a' Constituição , que ' os actó$ do . poder . Mõde..,
-5-
rador precisassem de ·referenda,. para serem executados, elIa
todavia era indispensavel, porque todas as vezes que o exer·
cicio de , qm poder está sujeito a regrall, fazia-se precisa uma
garan,tia da execução dessas regras; e que O' Poder Mode"
rador esta,va sujeito a regras via-se de que a Constituição.
encarregando-o da escolha dos Senadores, designava as qua-
lidades que elIes devião . ter nos §§ 1.0, 2. 11, 3.° e 4.° do
a1t. 45; aUribuindo-lhe a nomeação dos' Ministros, na qual
parecião improprios os limites, exige que não sejão naturali-
sados; dando-lhe a prerogativa de perdoar, requer qu~ tenha
havido prévia . sentença (§ 8.° do art. 101); mostrou que
não podia admittir-se que a referenda fosse dos Conselheiros
de Eslado f ~rque os dous Poderos se embaraçarião, e porião
em connicto; pois que além dos outros inconvenientes o Exe..
cutivo teria sempre meios de obsLar á execução, ou aos seus
bons etreitos,; e concluio que era portanto necessario sujeitar
á referenda dos Ministros tudo quanto pertencia ao cxpe ....
diente, e que tinha de ser por elIes executado. »

Os unicos que na discussão sustentárão clara e aber-


tamente, que a Constituição exigia a referenda para
os actos do Poder Moderador, forão os Deputados
Feijó e Paula Souza.

« , Dizia o Sr. Feijó (1) que, por mais simples e claro qU?
fosse qualquer negocio, era desgraçadamente objecto semprç

(1) Os i\lustres Senhores Feijó e Araujo Lima, vir:lo-se nas suas RI)-
gencias embaraçados com as dema6iadas restriccOes postas ao exercicio do
Poder Moder.ador pela lei da Regencia. O Sr. Alves Branco o attestava no
Senado, nestas eloquentes palavras. « Pela historill contemporanca do DOSSO
paiz tenho observado !.Iue grandes desvantllgens ,tivemos com, o amalgama
dos Poderes Moderador e Executivo. Sabemos que pela lei da Regencia
foi eUa limitada no exercicio do Poder Moderador, mandando-se .que todos
os seus actos fossem referendados, e não vi que d'abi 6e segui ~sem van-
tagens; pelo .contrarjo os embaraços de quasi todas as crises do paiz du-
rante Oi 10 annos do interregno, forão !,or mim considerados como prove,
nientes da confusllo de Poderes. Não mO ' cxtenderei a fazer o desenvol-
vimento desta prpposição, mas este foi o meu Pllns.a.J'llento, o unico por que
sempre pude explicar os factos que observa~a; factos que fizerão em mim
mui prorunda im!lre!são. Nestas occasiões uma só cousa me consolava, e
era que g. conrusllo dos dous Poderes tinha de acabar, porque a sua se-
paração completa estava cODsagra~a na lei fundamental, e não era já um"
-6--
de grande questão i e que elle não podia convencer-se de
quo não se quizesse hoje uma 'condição, em que havia con- ,
sentido o Governo antigo, a quem não faltava ciume da sua
autoridade. Ajuntou que não tinhlC visto acto algum do Poder
Moderador que não fosse referendado, como por exemplo as
nomeações de Ministros, convocações extraordinarias da As-
sembléa, &c. e por isso não achava que pudesse entrar em
duvida uma cousa tão natural, que o Governo passado julgou
indispensavel, e que era ordenada pela Constituição; Q con-
cluio que sendo o artigo a confirmaçãO do que era usado,
e não uma cousa nova, devia passar. »

" O Sr. Paula Souza.-Passou a' falIar sobre referendã e


disse:-A questão, Senbores, he de summa importanciá, e foi
grande fortuna para a Nação o apresentar-se esta occasião de
fazer-se uma lei para marcar-se as attribuições da Regencia,
em que póde emendat·-se este equivoco da Const-ituição; -por-
que não ha Governo Representativo, em que os aetos do Poder
Moderador não levem referenda. Felizmente não tem havido
enlre nós até aqui acto algum, que não fosse referendado, e não

tbeoria de livros. Sim, Senhores, a Constituição quer a independencia do


Poder Moderador do Executivo, e t:1o independente que o ft<z supremo, g
fez chave de toda a nossa organisaçllO poHtica, delegando-o privatlvamente
a S. M. o Imperador, como está claramente estabelecido no art. 198 da
Constituiçlio. Sesslio do Senado de .8 de Julho do 1641. I)
Durante a Regencia do Sr. Feijó declal·ava o Correio Officialr-que o Go-
verno se havia de re60lver a nilo observar a lei da Regencia; a exercitar
quantos poderes a ConstituiçliO attribue ao Poder Moderador.
« Por consflquencia, exclamava com vehemencia, o Sr. Carneiro Leilo (de-
pois Marquez de Paraná) na sessllo da Camara dos Deputados de 9 de Junho
de 1837, nos ameaça de ser a Camara dis~oIvida. Eu nllo ,sou inimigo
dessa faculdade constitucional, todavia eu nilo quererei que um governo
que a nlio possue a exercite, (numerosos apoiados) e como o actual go-
verno nlio possue essa faculdade, protesto que hei de resistir a qualquer
Decreto que se apresentar neste sentido (numerosos apoiados); he o meu
dever como representante da Naçllo; e o poder que se arrogar tal Direito
por-se-ha fóra da lei.
« O Sr. Goncalves .lfartillS. He traidor ao paiz.
« O Sr. Cai"Ílei'ro Leão. Quem apregoa taes principios apregoa os prin-
cipios da traição. E he um periodico do Governo, um pcriodico pago á
custa da Nação que propaga estes principios I II
O Senador Vergueiro, que fOra Regente, dizia na sessllo do Senado de
9 de Julho de 1stl ({ •••••• a Regencia foi um Poder fraco e vacillaute, por
isso que lhe for:1o coarctadas attribuições que lhe erão necéssarias. para
bem governar; mas como se faz applicação de um Poder tal, a quem se
cercearão todos os meios de acçno forte, para com um governo que os
tem? D
-7-
convirá de certo agora retrogradar. Ainda que a Sancção das leis
não tem referenda, ellas na promulgação não passão sem eBa,
c tem grande inconveniente o distinguir os actos que não
tem referenda daquelles que a tem; porque seria preciso
entrar para isso em um exame muito minucioso. Quanto mais
que eu entendo que nunca deixará de ser responsavel o Mi-
nistro que não sanccionasse as leis uteis e necessariaso Leiilo-
se as discussões das Camaras Francezas e ver-se-ha que im-
põem responsabilidode por essa omissão aos Ministros, e até
por deixarem de apresentar os projectos para semelhantes leis.
He ' preciso tambem notar sobre ' a responsabilidade do Con-
selho ' de Estado lembrada, que um corpo, o qual apenas
tem voto consultivo, . [lão póde rererendUl', e no caso de que
o. Monarcha fizesse o contrario do que se .delibemsse no Con-
~elho de Estado, resultaria grande mal de semelhante rereI'enda.
Todos os Publicistas que tenho lido são de opinião que todos
os aclos do Poder em uma Monarchia Hepresentativa rertencem
aos Ministros os quaes são os escudos com que o Monarcha
se acoberta0 Não ha ordem, providencia, ou disposição exe-
cutiva nos Governos Constitucionacs, que não seja sujeitá á
referenda, até mesmo naquelles em que o Chefe he respon-
savel, e com muito mais razão se deve assim praticar a res-
peito do nosso, que he uma Monarchia Representativa, nem
devemos perder o direito já adquirido o »

Vê-se portanto que a grande maioria dos oradores


na Camara dos Deputados entendia que os actos do
Poder Moderador, exercidos pelo Imperador, não tinhão
pela Constituição, necessidade de referenda, e era jus-
ta~ente . por isso que, a respeito delles, se tratava
de limitar o Poder da Regenciao

Note-se mais que aquelles oradores erão liberaes,


.sinceramente liberaes, e exprir:r;rião as suas convicções.
Por qua~to a discussão tinha lugar pouco mais de um
mez depois da revolução de 7 de Abril, e em uma época
na qual, como ent~o se expressava o illustrado e ani-
-8-
moso . Visconde de Cayrú .··no Senado,-as eITervescen-
cias populares, as facções insurgidas, incutindo pu-
blicos terrores, não deixavão deliberar as Camaras
com plena serenidade e segurança-.Aquelles oradores
terião armado melhor á popularidade sustentando a'
QpiniãO .contraria.

Pretendeu-se depois que o artigo cilado da lei da


Regencia interprelára a Constituição, e que, retra-
hindo-se a esta, envolvia a declaração de que os actos
do Poder Moderador emanados do Imperador exigião
tllmbem referenda. Esta exolica pretenção, a qual tem
mais apparencias de jocosa do que de séria, em va-
rias oCGasiões repellida pelos Senhores Alves Branco,
Carneiro Leão e outros, cahe redondamente, com a
simples leitura do art. 10 da lei, que torno a trans-
crever, para maior gloria dos que tiverão a feliz .lem-
brança.

, « A Regencia nomeada exercerá com a referenda do


Ministro competente, todas as aUribuições que pela
Constituição dO'Imperio competem ao Poder .Moderador
.
e ao Chefe do Poder Executivo, com as limitacões e
excepções seguintes, &c., &c.»

Não se tratava de limitar o Poder do Imperador~


então em minoridade, e nem isso poderia ter lugar se-
não por uma reforma da Constiluição.

A única conclusão Iogica, a unica admissivel da lei


da Regencia _he a .que. tirava o' Sr. H. H. 'Carneiro
Leão' (Marquez de Paraná) na sessão da Camara dos
Deputados de U. de Junho de 184L-;-« Se por ventura
-9-
não fosse claro na €onstituição que os aotos do Poder
. Moderador não precisão de referenda, nós não teriamos
necessidade, quando fizemos a Lei da Regencia, que ..
rendo limitar o poder della, de declarar que os actos
do Poder Moderador serião tambem referendados -.
Veja o nobre Deputado que uma das disposições dessa
Lei he que precisarião de referenda tanto os actos do
Poder Executivo, como os do Poder Moderador. })

Para não ser mais extenso, não mencionarei o que


se passou no Senado, o qual approvou a lei. ))emais
o Senado era então suspeito e mal visto, e como que
reconhecendo a sua falta de força moral, não exercia
nesta e outras graves questões a influencia que deve
ler, e que , a Camara dos Deputados concentrava toda
em SI.
§ 2.°

Questão do Poder Uoderador no Senado em t 832, por oeca-


sliío da dlseussão do ProJeeto tle Lei da reforma da Cons-
titulçiío, do qual, emendado, resultou a Lei de t.2 de Outubro
de t.832, e 8nalmente o aeto addicional (t.).

Aquelle projecto, como já vimos, continha os seguin-


tes paragraphos que reproduzirei:
§ 2. A ConstituiçãO reconhecerá só mente tres Po~
0

~eres políticos; o Legislativo, o Executivo e o Iudicial.

(1) Bste projecttl que alterava tllo profundnmente a nossa organisaçllo


constitucional, passou, depois de decidida a sua preferencia sobre outros,
na Camara dos Deputados, no fim da sess:!o de 1831, em 2. a e 3.& dis-
cussllo em 5 dias, 7, 8, 10, 11 e a de Outubro. A discuSSllo foi tllo in-
significante que nada encontro nella que mencione.
A re\'olta da Ilha das Cobras entlIo em acçllo, e os perigos que corria a tran-
quillidade desta Capital preoccupav1l.0 exclusivamente os espiritos. A discuss!o
d'aqueJle projecto ero interrompida por communicaçoes do Sr. Feijó Minis-
n. 2
10 -
§ 6. o Passarão para o Poder Executivo as attribui-
ções d9 Poder Moderador que fôr conveniente conservar:
as outras serão supprimidas.

Se os actos do Poder Moderador dependessem pela


_Constituição, para a sua validade e execução, da refe-
renda dos Ministros do Poder Executivo, as aUribui-
ções daquelle Poder confundir-se-hião com as deste.
Tudo dependeria da referenda dos Ministros do Poder
Executivo. Para que pois passar as attribuiçõe's do
Poder Moderador par~ o Executivo, por uma reforma
da Constituição (1)? Acl quid perdi tio hrec? Hc cerla-
ment~ porque a Camara dos Deputados (era a mesma
Camara) continuava a entender, como tinha entendido
na discussão da Lei da R~gencia, que os actos d9 Poder
- Moderador, exercidos pelo Imperador, não dependião
pela Constituição da referenda dos Ministros.

tro da Justiça, as quaes pintavão o perigo imminente que ameaeava esta


Capital, c fazião sobresahir a necessidade de remedios fortes c promptos,
O Senado declarava-se em sessao permanente, nomeava uma Com missão
de cinco membros, e convidava a Camara dos Depntados para que no-
'measse outra que se reunisse áquella, a fim de proporem o que fosse mister
para a salvaçno da ' Patria. Foi nesses dias e debaixo dessas impressões,
quasi sem discussão, que passou na Camara cios Deputados o referido pro-
jecto para a reforma da Constituição, o qual tinha p6r fim reduzÍt' o Go- _
verno do Brasil a uma Monarchia federativa, acabar o Poder Moderador,
'ornar o Senado temporario, a Camara dos Deputados biennal. supprimir
o Conselho de Estado, &c. O altar em que se oll"erecia esse holocausto es-
tava sendo iIIuminado pelo facho da anarchia, que a energia do Sr. Feijó,
homem de caracter austero e virtudes a ntigas, que un ia 0111 boa fé a theo-
rias anarchicas instinctos de ordem, soube conter e reprimir.
~l) Por isso dizia o Senador Alencar na sessão do Senado de S_de Junho
de 1841- cc ••••••••• quando na outra Camara se tratou das reformas da
ConstituiÇllo. entre algumas emendas que olfereci, nllo toquei nesta m!lteria,
porque me pareceu que a questão era simplesmente de nome. O Poder
que o Rei exerce nos Governos representativos ' he o Poder Executivo, c
como os Ministros do Brasil assignllo indistiuctamente todos os aetos do
Governo, eu assentava flue a divisão dos dous poderes na mesma pessoa
era puramente nominal. Já disse que tiuha votado pela suppressiio da
attribuiçãO de dissoh·er a Camara dos Deputados, quando se fez i Lei da
Regencia que feli~menle passou..... Eu estava convencido de que nalla
se tirava do G<1verno Imperial, ou antes tio poder dos Ministros, ponlue
entre "?S o Imperador. he impeecavcl, e\1e .nada faz, e quem nada faz . nno
-11-
Ap~zar de estar então nó ·Senado a opinião reaccio-
naria e hostil ao Poder Moderador em insignificante
minoria, erã auxiliada pela opinião da Camara dos
Deputados e pelo movimento da reacção que tro~xera
o 7 de Abril. O projecto de reforma da Constituição -
que continha os dous paragraphos acima, encerrava
outro que dava cabõ da vitaliciedade do Senado. O
mesmo Senado sentia-se, ameaçado como estava na sua
existen~iu, com falta d,~ força moral para arrostar aber~
lamente c de frente o impulso revolucionario.

A demonstração, ali~s
então dispensave}, de que os
aelos do Poder l\'Ioder{ldor: erão exequiveis sem refe-
renda, sómente poderia servir para auxiliar: a adopção.
d' aquelles paragraphos e para aggravar a posi~ão dos
Senadores que se esforçavão para que fossem sup-.
prirnidos,:

pôde pecear; quem reSP9Ilde por cllc são os Ministros de Estado, tanto
nos actos do Poder Exeéutivo, como nos do Moderador. Hontem disse, e
muito bem, um nobre Senador, qne se os aetos erilo do Poder Executivo,
os Ministros responllião por elles, e se erilo -do Poder Moderador referen-
dav.ilo os Decretos; para o que logo he esta palavra (Moderador)? Disse
um nobre Senador que se oppõe ao paragrapho, qu e esta pala\'ra (Mode-
rador) se deve conservar, po rque assim o exige o progresso das luzes; eu
estou de opinião contraria, porque assento que á medida que se augmentllo
as luzes, as materias se vão simplifi cando, e desprezando as palavras ocio-
sas, que não exprimem idéas distinetas. Todo o mundo sabe que o Poder
Moderador he uma autol'idade que a Naç.lo estaheleccu g-ozando de todas
as prerogativas de respeito e homenagem, mas tambem he a unica auto-
ridade que n.a da governa no systema representativo. Clama-se pela exis-
tencia do Poder Moderador, porque elle he a sentinella de todos os Pode-
res; mas as idéas hoje são outras, depois que se fi xou bem a id éa de Sobe-
rania Nacional; a sentiQel'a dos mais Poderes hc o Legislati\'o, que nno só
faz as leis conjuuctamente com os outros Podere,s, como vigia incessa n-
temente se a Constituição he guardada, e tem a seu cargo accusor os Minis-
tros de Estado, e ainda os membros dos outros Poderes..... Tambem se
disse que erno heterogeneas as attribuiçOes do Poder Executivo e Modera-
dor, mas ao dep9is. se. d~s:;e que o Ministro referenda todos os aetos I Como
se póde casar isto? Não ha tal. sno de facto os Ministrps de Estado o
PodeI' Moderador e Exeentiyo. »
Tndo isto he perfeitamente logico. São consequencias francas e irrecu-
sav~is da opilli:lo que iguala, pela referenda, os actos do Poder Executivo.
e. Moderador: . Se, .a ~guem qwzessjl fazer a satyrn dessa opinino nilQ a P.odll:
ria faECr mais elipmtuosa.
- 12-
Se exceptuarmos o Visconde de -Cayrú, o qual directa
e calorosamente investio aqueHes paragraphos, e o
Senador F. Carneiro de CampDs, o qual fez sentir que
o Poder Moderador podia obrar só por SI, seguirão os
outros Oradores diversos rumos.
Os Senadores Marquez de Caravellas e Almeida Al-
buquerque procurárão salvar o Poder JUoderador, sus-
tentando que seus actos estavão sujeitos á referenda
dos Ministros, e confundindo-os com os do Executiv(').
Se estavão sujeitos á referenda dos Ministros, e por-
~nto dependentes d'estes a sua exeoução, não valia a
pena extinguir o Poder Moderador, e passar as suas
attribuições para o Executivo, isto he, fazer, com -o
nome de reforma, o que já existia. Sustentavão assim
aquelIes Senadores a emenda dQ suppressão dos paragra-
phos acima citados, proposta pelo primeiro 'Marquez de
çara.vella,s) e que foi qepois adoptada, ficando a questão
da referenda sem soluÇãO positiva, por não haver vo-
tação que sobre e1la especial e qesigQadarqent~ re~abisse.
Era a fracção reaccionuria . que queria dar cabo do
Poder MQderaqor, representada no Senado pelo Senador
Vergueiro auxiliado pelo Senador José Ignacio Borges,
a que sustentava com mais tenacidade que os actos
do. Poder. rt{oderador 1 pela Const\íuiç&o não tinbão
refereJ;}da, e isto nos termos que o Leitor vai vêr.
Dizia o Senador Vergueiro nl\ sess.ão 4e 5 de Junho
4e 18~2:.

( .... não se podem supprimir as attribuiçõcs concedidas


ao Poder Moderador. A questão he se deve ou não contÍnuar
na Constituição a palavra-Moderador- ; he uma questão no-
minal, ~ão se t~ata d,e ex.tinguil· ~m Pode~. fortanto os que
- lJ
seguem a opinião não ent'!ndcrão bem o argumellto; mas agora
fazer passai' estas attribuições ao Poder Executivo, lIe o quo
requer a utilidade publica e o amor da liberdade. Separar
e.itas allribuições he justamente' estabelecei' um despotismo
legal, pois não são ellas tão pouco ponderosas exercidas sem
responsabilidade. Mas dizer-se que os Ministros são óbrigados
a referendarem os actos! Eu quero que se me mostre isso em lei.
« Eu vejo que no Capitulo- Do Ministerio- art. 132 da
Constituição, se diz- ( Os Ministros de Estado referendaráõ,
ou assignaráõ todas os actos do Poder Executivo, &c . .( Logo
os Ministros não são obrigados a referendarem outros aetos
seuão os do Poder Executivo, e os aelos do Poder Moderador
não dependem "da rerel'enda dos Minisll'os de Estado, Ora
faz-se grandes elogios ao Poder Legislativo, por accrescentar
mais esse Podei', porém não se lembrão que ei'ta distincção
he doutrinaI, e nrio de facto, porque se quer esta distinc«;âo
de Poderes para não serem exercidos pelo mesmo individuo,
e bastará que se escreva no papel, que estes Poderes são
distinctos, se elles são exercitados pela mesma pessoa? Parece
que não; he um absurdo, he querer iIIudir com a letra, ao
mesmo tempo que o facto he contrario, Ora que abusos não
póde CQmmetter o Poder Moderador, sendo depositado em mãos
independentes? . , , , Ora se se quer conservar o Poder Moderador
diga-se: -este PodeI' será exercitado com a referenda do Minis-
tro de Estado-, Eu, Senhores, olho para a substancia da cousa.
c não para a cousa nominal. Vejo que o Poder Moderador, tal
qual existe na Constituição, póde de~truir todas as liberdades
da Nação (1), e o modo de remediar isto he fazê-lo passat'
para o Pode~ Executivo, ou determinar que elIe seja executado
com a referenda do Ministro de Estado, »

o Senador José Ignacio Borges dizia, em seguimenlo,


na mesma sessão:

« Quero fazer desapparecer a palavra- Poder Moderador-,


e que pertençãO aquellas attribuições ao Pod~r Executivo, ao

( 1) Não b,a tal. Quando chegarmos á analyse veremos,


Poder Executivo, e porque? Porque este tem responsabili-
dade nl pessoa dos Ministl'Os, c o Poder Moderador não tem;
porque a Constituição diz no art. 132 - (I Os Ministros de
Estado referendaráõ os actos do Poder Executivo. ' » Logo
como so ha de obrigar' o Ministro a referendar os actos do
PodeI' Model·ador?... Portanto torno a dizer o' argumento'
Ile • este; e a isto não se respond l, he que não se' quer des:
truir o Poder, não se quel' que passe a diffm'entes mãos, quer
so conservaf no mesmo homem, porém com uma responsabi-
lidade que a Nação conheça que tem garanllas naqüillo,e se
acaso pudesse addicionar um artigo, cu o faria como disse o
nobre Senador( o Sr. Vcrgueiro)- « 03 actos do Poder Mo-'
deradol' serão referendados pelos Ministros, »

Os dous paragraphos em questão forão supprimidos


pelo Senado; c, fundidas as Camaras, na fórma do
art. 61 da Constituição, a Assembléa Geral manteve.
essa decisão, fundindo-se uma' minoria consideravel
da Camara dos Deputados que vo!ára contra oS ditos-
paragrClphos, com a maioria consideravel do Senado
que os repellira lambem.

Não era porém possivel salvar tudo. Era precIsa


alguma viclima expiatoria. Salvo o Poder Moderador,
foi sacrificado o Con~elho de ~stado da Constituição:
A Assembléa Geral não approvou a emenda do Se-
nado que supprimia o paragrapho do Projeclo da Camara
, dos Deputados, o qual supprimia o Cons~lho de Estado,
deslinado pela Constituição a auxiliar -e a cobrir a
CorÔa no exerClClO das atlribuições do Poder Mode-
rador.

Vou formular e pÔr mais clara a conclusão, que ',


se encerra no que acabo de escrever neste para-
grapho.
-----------------------------------------------------.

- 15
A opmlao chamada liberal, de então, forcejava para
fundir o'_ Poder Moderador com o Executivo.

Porque? Porque entendia que pel~ Constituição


os nclos do Poder Moderador não tem referenda, e
que por eUes não são responsaveis os ~linistros. (A
. çpinião chamada liberal, de hoje, sustenta o diame-
tralmente contrario) (1).

Mas a Assembléa Geral rejeitou a disposição que tinha


por fim consagrar essa referenda e responsabilidade.
. Sómcnte dous Senadores pretelldúrão que ella se
dava pela Constituição. Forão opiniões singulares.

J..ogo a Assembléa Geral sustentou por uma votação


solem.ne, posto que tacitamente, a verdadeira intelli-
gencia da Constituição.- Os aetos do Poder ~loderador
são exequiv~is sem dependencia de referenda. - Os
~inistros não : são po~ elles responsaveis.

Comtudo suspenda o leitor o seu juizo. Ainda ha


muito ,que dizer sobre este vasto e complicado as-
sumpto, para que fique completamente esclarecido.

§ ~l."

Questão do Poder Moderador em iS4i, e posterIormente.

Esta questão foi levantada de passagem, e agitada


perfunctoriamente e sem resultado, na Camara dos

(1) Digo a opinillo cll3lnada liberal, porque estou proruOllamente con


vencido de quc hc a oontraria a verdadeira mente liberal.
16 -
Deputados, em Junho de 1841, por occasião de haver
sido cita~a a celebre maxima-o Rei reina e não go-
, verna - da qual me occuparei mais para diante. O· de-
baté teve lugar entre os Senhores Andrada Machado,
H. H.Carneiro Leão, e J. Clementé Pereira. Menciono-os
porque, em maleria tão momentosa, importa conhecer
as opiniões de homens tão notaveis no paiz, pela' sua
illustração, serviços e longa experiencia.

« NQs Governos Repre3entativos, dizia o SI'. Andrada Ma-


chado, na sessão de 12 do dito mez, o Monarcha he invio-
laveI. Ora a inviolabilidade não póde existir quando elle go-
vema; nos Governos Representativos o Rei nunca faz mal, e
elle não póde deixar de fazer mal alguma vez se se quer que
elle governe (1). Nos Govcmos Representativos he principio
certo que quem obra responde. Se S. M. pois houvesse de
governar, se obl'asse perdeI'Ía parte de sua inviolabilidade; se
S. M. governasse, como disse, se sua acção fosse nociva ao
paiz, viria S. M. a fazer mal, e isto não se dá no Governo
Ropresentativo, onde o Rei nunca faz mal. ' A pessoa do
Rei he inviolavel. Para sê-lo he preciso que se siga esta
opinião. .
« Mas disse-se que a Constituição diz que o MOllarcha he
Chefe do Poder Executivo, e assim como não executará, se elle
he Chefe? Senhores, a Constituição foi feita ás carreiras; quanto
mais n'ella medito, mais me persuado que quem a fez Qão en-
tendia o que fazia (oh! oh I). Eu provarei que não entendeu
em parte... \
O Sr. Carneiro Leão. Mas V. Ex. já nos disse aqui, em
uma occasião, que ella era obra sua:
O Sr. Andrada Machado. A que eu projectava não tinha
Poder Moderador (2). .

(1) Estas proposições sertio analysadas e aquilatadas com outros, Quando


eu entror na onolyse da questlio. Por ora limito-me a expÔf opinioes.
,(2) Com elleito nlio só nllo havia nella Poder Moderador, como talIlbem
não se dava a attribuiçlio de dissolver a Camara dos Deputados, a Qual
- 17
o Sr. Carneiro Leüo. Mas lmta-se tlo Poder Executivo.
O Sr. Andrada Machado. Tambem disse que fiz as bases
da Constituição; que reconheci, quando apresentei o projecto
que era elle muito defeituoso, e esperava qué na discussão se
modificasse; mas o:; Senhores Conselheiros de Estado que en-
tl'árão a fazer a Constituição não fizerão senão inserir Poder
Moderador, elemento federativo, collocar artigos ditferentemenlo
e no mais copiárão o meu projecto. Mas para que se veri-
fique que S. l\f. possa ser chamado Chefe do Poder Executivo
não he preciso que g?verne; basta que nomeie os que go-
vernão.
« O Nobre Deputado por Pernambuco trouxe pam contesLm'
a minha opinião o Poder Moderador. Isto de Poder Mode-
rador para mim he doutrina de Escolas> Em nenhuma Nação
do Mundo existe isto; rr.as os Senhõres Conselheiros de Estado
tendo lido Benjamin, entendêrão que devião seguir esla dou-
trina. De f~cto olhaQdo para as attribuições do Poder Mode-
rador, vejo que exist~ em todos os Estados um Podei' Mode-
rador Conservador; mas isto pertence aos Corpos, a cada um
deUes; todo o mur,do tem o direito de conservar-se, e esse di-
reito que tem os individuos tem os Corpos collectivos. Por
is~o repare V. Ex. que dizendo-so que o Poder Moderador he
só privativo do Monarcha, ficárão nas duas Camaras algu!nas
pártes do Poder Moderador. O que he senão Poder Moderador
o direito de verificar diplomas dos Membros das duas Camaras?
ne direito conservador; e eis--aqui está nma parte do rodeI'
Moderador ou Conservador. Eu agora ainda creio mais. Do
que serve esta distincção? He exequivel algum aclo do Poder
Mo~erador ~em aJgumà referenda? Não: todos são referell-
dac)os: as dissoluções da Camara são referendadas; são referen-
dadas as ,nomeações de Senadores, as Cartas Imperiaes, emfim
não ha acto ~Igum do Poder Moderadol' que não seja refe-
rendado. Assim pois se he privativo do PodeI' Real não de-

tinha a de requerCl' ao Imperador a demissão dos i\iiuibtros. Por aquelI e


projecto ficava o imperador quasi equiparado ás nossas !legeudas na mi-
noridade. Com tal Constituição não durariUo os Imperadores mais do que
duráriio as nossas Regencias. Por isso estou persuadido que um dos
maiores serviços, entre muitos, que prestou o Senhor D. Pedro I ao Brasil ,
foi o da di ssolução da Constituinte .
11. 3
, .--:. 18 -
lJião ser re{erer.dados (1). Mas não se examinanuo bem a ma-
teria, foi se mcHendo isto a troxc moxe:

o Sr. Carneiro Leão respondia nos seguintes termos.


(Sessão da Camara dos Depulados de 14 de Junho 18& 1.)
... o Imperador tem o Poder Moderador, poder que he a chave
da organisação politica estabelecida, porque incessantemente
vela sobre o equilibrio e -manutenção dos outros Poderes. Orá
como quer o Nobre Deputado reduzir o papel de Monarcha, re-
vestido das attribuições do Poder Moderador,' como qUCl', digo,
reduzi-lo ao ponto do não poder fazer senão nomear e domittir
os Ministros? Alguma cousa mais póde fazer. O -Nobre De-
putado sustentSl que os actos do Poder Moderador devem ter
referenda,
« O Sr. Andrada Machado. Tem.
« O Sr. Carneiro Leão. Nilo tem. O Poder l\-fodorndor ho
dolegado privativamento ao Imporador, e por coJsoquf'ncia os
actos do Poder Moderador não procisão de referci1'da. O fJcto
do se terem referendado os· actos do Poder ~f(;deJ'Udor não
prova a necossidade do referenda. )

Esta questão do Poder Moderador foi porém ,tratada


mais larga e profundamente no Senado, ·pesse mesmo
anno de 18-H , quando se discutio a lei do Conselho
de Estado.
Foi provocada peta seguinte emen,da ao art. 7.'° §
1. o do projecto, proposta pelo Senador Alves B-ranco
(Visconde de Caravel1as), na sessão de 7 oe Julho. Dizia
el1a assim - ({ Nestes casos poderá o Imperador ouvir

(1) Não se pôde concluir do facto para o direito. Demais o eminente


Orudor reconhecia que, sendo taes actos priv,otivos cio Poder Real ou Mo-
derador, 11110 dcvião ser rcferendudos. Mas a Constituiç1lo diz expressamente
no art. !lS, que o Poder Moderador he delegado prh'atil'amente ao Impera-
dor. Logo, &e. Não se trata de jure conslituendo, mas liim de jure cons
titulo . .
Note-sc que elle não sustenta directamente e claramente que a Cousti-
tuiç:lo exige a rercrcnda. -Julga,a defcituosa, e põe a eulpa nos COllse-
lh eiros de Estado que nella collaborár~o.
- lU-

o seu Conselho, e expedi.r suas Resoluções, sem assis-


tencia ou dependencia dos Ministros do Executivo (1). »

.0 Sr. Alves Branco explicava-a assim na sessão de 12


de Julho.
« A cmenda prcsuppõc que os actos ao Poder Modcrador
são il'l'csponsavcis, c quc esta opinião )ámais tem dCÍlwdo de
scr à de todos os homens quc tC{Il qucrido rcgular as suas
opiniges pela Conslituição do Estado, e não por principios
que não são a Constituição do Estado. A minha cmendll_
prcsuppõe quc , o. Podcr Moderador he irresponsavel, porque a
Constituição diz que esse Poder he privativamentc delegad(!)
ao l\1onarchu, c que o Monurcha hc invioluvci .c sagrado. »

Já observei em outro lugar que a discussão da lei


do Conselho de Estado, no Senado em 1841, he, na
,parte política, uma das mais brilhantes e profundas
que tem honrado a nossa Tribuna.
Os Seaadores Alves Branco, B. P. de Vasconcellos;
LOpl~S Gama, F. Carneiro de Campos, sustentavão a
opinião de que os aclos do Poder não exigião referenda.

Os Senadores Paula Souza e Vergueiro a conlrurÍão.

. Êu nu~ possó di~er me!hof nem tão' bem como aqucllc.s


_disserão.
Vou portanto reproduzir aqui alguns treéhos dos seus
discursos, esquecidos nas raras collecções do Jornal o

(~ ) o § L ° do art. 7_° do pl'ojecLo (que he o § 1.0 do art. 7.° da lei,


sUPIlrimid as as palavras -á excepção da 6.- . e accrescentadas depois de -
-1luvi-Io-esL'ouLras- para resolvê-las, - dizia ass im - « Incumb e ao Conselho
de EsLado consulLar em Lod os os ncgocios, em que o Imperador Hou ver
por hem ouvi-lo; e- princi palmenLe :
§ 1.° E m Lodas as occusiOcs em qu e o Imperador se propu l er cxe rcill'
qu alqucr das aLLl'illuiçücs d o PodeI' i\lodCl'udor, indicadas DO art. 101 da
Consti tuiçãO) Ú exc,cpçãO du JjI;a
- 20-
Desperlador, na parte em que elles contém considerações '
J geraes, que muito illustrão a materia. E quando entrar
na parte propriamente aualytica da questão, apinhoarei
descarnados, UQS lugares cor~espondentes, os argu-
mentos dos quaes se servirão e aqueUes que eu puder
accrescentar.

o Senador ALves 'Branco uma das cabeças mais pro-


fundamente conservadoras que tenho conhecido, de
quem sómente pelas suas allianças, nos tempos em que
eu militava, não fuiamigopolitico, empregou os recursos
- da sua formosa intelligencia em levar a questão á sua
mai,)r altura.

Dizia elle na sessão do Senado de 8 de Julho;

« O Sr. Alves Branco: - Pela minha emenda pretendo que o


Imperador tenha, indopendentemente do Poder Executivo, todos
os meios de publicar suas resoluções como Poder Moderador. Se
aCI)SO o projecto creasse um Secl'etario 40 Conselho de Esta4ó, que
fosse encarregado de lavrar as actas, expediente, &c" cu o faria
orgão do Poder Moderador; mas, como se não creou, entendo que
qualquer dos Conselheiros que o Imperador designar póde ~er
disso encarregado.

« Em poIitica eu não posso considerar um poder, indepen-


dente, s.enão Slquelle que delibera e faz obrigatorias suas deli-
berações serp dependencia de outr.o poder, O Poder judicia-
rio, que tem por :objecto applicar as leis que regulão as
contendas entre os cidadãos, delibera, decide e faz obrigato~
rias suas decisões pelas sentenças, cuja força de obrigar não
depende do ' mais ninguem, ' ninguem a pôde impedir legal-
mente; a execução depende ás vezes do auxilio de força
material publica para as levar a execução, mas esse auxilio
nada aITccla a indcpendencia do poder, porque a força
-21-
material publica hê essencialmente obedienle. O mesmo acon-
tece ao Poder Executivo; elle tambem applica a lei a certa
ordem de factos occorrentes na sociedade, torna suas decisões
obrigatol"ias, sem que para isso necessite da cooperação de
outro poder. Se assim acontece a respeito destes poderes poll-
ticos, como não acontecerá o mesmo a respeito do Poder
Moderador, constituido não só independente, como lambem
supremo regulador de todos? Elle não deve, por principio
algum, estar sujeito a outro qualquer poder que possa pôr
obstaculo ás suas resoluções, a ponto de impedir que ellas
se manifestem, que ellas se tornem obl·igatorias.
« Esta he a theoria da Constituição, lheoria sustentada por
grandes publicistas de nossa idade, e publicislas praticas ou
homens de Estado, como Guizot e outros, e que só precisa
entre nós de uma ~ei régulamentar; por minha parte, de-
claro que acho tudo isto muito justo e necessario, porquo
considero o Poder 1\foderador não como um Poder do partido,
um Poder de movimento, como he ordinariamente o Poder
Executivo, expressão da maioria da Camara dos Deputados,
mas um poder de conservação, de neutralidade, expressão de
necessidades. fundamentaes, direitos adquiridos, interesses
creados, tradições, glorias, e que vigia para que a sociedade
não seja todos os dias subvertida dando tempo á meditação
fria, e cedendo sómenle a necessidades reaes e profunda-
mente sentidas.
« As Camaras são a tribuna dos partidos, e he por ahi
que ellas procurão elevar seus pensamentos á soberania, ao
governo do Estado; ellas o discutem, regisUio-n'os, ou os
approvão em sua maioria; e só depois disto he que elles
são apresentados ao Grande Poder; que nllo be, nem pQde
ser com vantagem, nem o Executivo, nem o Judiciario, para
que elle a examine e a mande executar Se lhe parecer util
e vantajosa a marcha regular da sociedade, e a rejeite ou
antes appeUe para as duas legislaturas na fórma da Cons-
tituição, se entende que q lei ne má, e póde trazer a des-
ordem á associação. Dada a sancção á lei passa aO Poder
Executivo, ou ao Poder Judiciario segundo sua natureza, c
eila vai servir a esses dous Poderes de principio, para a
avaliação dos factos · occorrentes na sociedade, ficando suas
- 22-
discussões, juizos e decisões livres o ind(~pendentes alé ' se
tornarem obrigatorios e excquiveis, -com ou sem auxilio da
força essencialmente obediellte. Depois de a lei assim p'assar
para os seus applicadores, o Poder Modérador fica sempre
vigilante, como fiscal e conservador da lei, pois que os dous
poderes que a applicãG podem ou viola-Ia -ou 'applica-Ia .com
severidade a cirCUlnstancias que não poderão ser previstas e
exceptuadas.
_ « No p'rimeim caso ~lIe suspende os agentes do Poder Judi-
ciario o ,os manda responsabilisa~ nos tribunaes competentes,
ou dissolve o Ministerio, ,se o , violadol' da lei ou dos bons,
principios de ordem publica he o grande agente do ~oder
Executivo: e como póde acolltecer que ,o Poder Moderador
deixe de fazer isso, por qualquer motivo, deixando-o sempre
illeso a lei deu a Camara dos Deputados o dirctto de pro-
nunciai' e suspender o Ministerio, de negar-lhe os meios
J;lecessarios ao serviço, & c: ; e ao Poder Moderador tambem o
direitp de dissolver as Carnal as, porque ellas tambem podem
~er ' caprichosas, appellando _para toda a nação constituinte, a
que ,sómente cede esse grande ddegado, Vê-se por estas con-
siderações q quanto quiz a Constituição que esse Poder fosse
independente de tüdQS os outros ' poderes dçlcgados, tle só a
nação que, pelos orgãos, legaes póde pôr impedimento a
esse Poder,- Poder da mais alta confiança nacional.
« Eis aqui o Poder Mod,erador pelo que diz . respdto á vio-
laçãO das leis, ou pelos jui,;es, ou pelo executivo, Vamos agora
ao segundo caso, pelo que diz respeito á austera applicação
das mesmas leis, poder todo de .equidade e de clemeIlcia, Se
(}S individuos a quem 50 applicárão as leis escriplas ·tem em
seu fa vor razões de equidade e merecem clemencia, o Poder
Moderador perdoa as' penas impostas pelos juizes, sem os man"
dar responsabilisar; se mesmo nas grandes lutas dos 'pal'tido,s
ha razões de polilica OH de clemencia, que aconselhão o aclo,
como, por exemplo, quando os partidos trillmphanles c eleva-
dos ao poder pretendem levar muito longe suas vinganças, o
lloder Moderador llmnistia.
, « A Constituição, senhores, desenvolveu perfeitamente bem
as attribuições deste P,)del'; entre ellas ha uma concatenação
logicil admiruvcl: seu exerci cio foi delegado privativamente a
- 2il -
S. -M. o Imperador, para que incessantementrr vele nrrharmo-:,
- nia e cquilibrio de todos os outros poderes. Este Poder he o
supremo do Estado, não porque possa fazer tudo, mas porque
póde conservar todos- os direitos, todos os interesses, todas 09
instituições até o tempo em que possão- sem damno destrui-
rem-se, e porque tambem p6de suspender, responsabilisar e
annullar m~smo aelos do Poder judiciario, c finalmente, mu-
dar e appellar para a opinião napional contra- os agentes dos
outros poderes. »
«( Ora, sendo isto assim, convirá que esle poder seja exercidg
sob -a influencia de outro poder. Eu estou persoodidó de que
em al guns -casos- isso não faria mal; mas, como não se podem
marcar precisamente esses casos, que podem s6 bem determi-
nar-se nas diversas occurrencias que tiverem lugar Te ninguem
se acha em melhor posição, para bem descrimina-Ias, do que
S_ M. o Imperador, que aoliás raras vezes terá interesse em
deixar de ouvir seus Ministros, convém que fique isso- á sua
discrição, principalmente quando pela Constituição lhe foi pri<-
vativamente delegado esse poder. A Constituição quiz que este
poder fosso independente,- cõmo o mostra a sua propria natu-
reza, e por conseguinte, que tivesse dentro de si mesmo todos
os meios de deliberar e obrar, com. tem todó o poder que
he o que eu quero estabelecer pela minha emenda. Este po-
- der devia ser Stti generis, na soo propria indole mostra que
seria muito prejudicial que elle fosse exercido por qualquer
dos outros ; o Executivo com elle derri~aria tudo; o Judiciario
deixari a tudo immovel na sociedaue, porque, acostumado ás
regras estabelecidas de ordinario, ooda aclla melhor do que
cllas; qualquer desses dous Poderes se tornaria absoluto.
« Dir-se-ha, que esse- perigo hc maior quando exerça I:)
Imperador, que he inlViolavel, um poder de tanta importancia ;
~ eu responderei que MO, porque a COllS~ituiçãa tudo previo-,
tudo providenciou a este respeito-. Pol' duas maneiras se evi-
tão ns aberraçõcs dos poderes: uma directa e repressiva :
out.ra directa e proventiva: isto he pec0nhecido por todos.•
.o Poder Judiciario e o Executivo são obrigados a marchar na
orbita marcada pela repressão; o Poder Moderador, porém,
pelo systema da prevenção. A lei elevou este poder tão alto,
-ench eu-o. d ~ tanlos bens da fortuna, f~- lo guarda de: tão. rico
- 24-
palrimonio a t.ransmiti1; a sua successão, pÓ-lo tão illaccessivel '.
á ambição e ás vicissitudes da vida, ' que não lIe possivel, em
boa razão, que se aCI'edite que essa personagem ponha em
risco tudo isto para ter o gosto de subverter a sociedade, ou
praticar actos ilIegaes, A tYI:annia, senhores, he já,llOjO um
anachropismo nas monarchias, cujo governo · tem chegado a
sua ' posição .regular; só nas republicas, nesses governos do
eternas e encarniçadas lutas, he que eu ,vejo agora que não
cessão actos horriveis e monstruosos, necessarios aos homens
novos, nos ambiciosos que se elevão, e que se vcem forçados
a sustentar-se a todo o custo contra seus contrarios.
« Por outro lado, que mal póde fazer o exercicio çtc qual~
quer das attribuições do Poder Moderador; c, ' quando possa
fazer algum mal, quem ha o responsavel por clle quando ne-
nhuma lei estabeleceu essa responsabilidade, e he impossivel
que a estabeleça para o exercicio de attribuic:ões que não
podem deÍllar de ter muito .de vago? Não argumentemos,
porém, sobre esta base, porque, senhores, he impossivel que
possa haver um pensamento dó Crime na realeza, tal como
deve ser constituida, tal como está constituida entl'e nós; taes
supposições só cabem aos chefes' de republicas, aos Jack:ions o
outms, qJle, por agradatcm á multidão frenetica ·de que depen-
dem, atacão as forlunas e credito de seus éoncidadãoa e do mundo
,Inteiro: que Monarcha faria isto, senhores? Certamente nenhum.
« Sobre este ponto cu poderia dizer muito; mas escusó
referi\" factos notorios de chefes cbamados responsaveis, e que
se passão, e telJ) passado, diante de nossos olhos e em nossa
idade, Ha actos e ha autoridades que não podem ser respon-
saveis, e só a mOl'\a1'chia, com a instituição da realeza here-
ditaria, he qUe póde estabelecer isso sem damno algum de
sociedade;. e por isso he que eu creio vê~la no futuro levan~
tada por toda a parte, Se o Pod~r Moderado I' deve ser inde-
pendente, perguntarei: então quem ha de expedir os actos
do Poder MOdOl'adQr7 dependerá do Puder Executivo, de sua
refenlnda? Â lei da Regencia as~m o determinou para ena ;
mas, o que se obssrvoi,l '? UlDa ".tta constante, a_ Regencia
constantefllente confundida COql o seu Ministerio: isto!le facto
historico do Brasil; sempre con(undida com o seu Ministerio ;
porque sempre ·se entendeu que, como não havia poder stlpa~
~ 25-
rado que deliberasse por si, a Regenciil c o l\1inislorio cr1.io
uma e mesma cousa, sendo tão culpados uma como o outro
aos olhos do.; partidos contl'arios ao Ministerio; isto ho, dI}
IIluila e muita desvantagem.
« Ora, se acaso o Podor l\'Jodemdor dependei', na expedição
de seus Decretos, da .'efereoda do Ministerio, tle evidente que
elle perue o caracter que lbe ho garantido pela lei; em se-
gundo l11g31', creio que o Poder Moderador fica inteiramente
annnllado, e a razão he porque, pela Constituição, o Poder
EXCCllli\'o }lUO ~em obrigação de assignar nulros actos que n1\o
scjão os seus, tOmo se vê no art. 132 (lê), podendo portunto
recusar-se légalmente a outros. Eis-aqui a obrigação dos
Ministros; elies não tem obrigação de referendar actos do
Poder Moderador; ainda pela lei da Rcgencia tin hãO, mas boje
não: logo, o que acontecerá he que se succeder que algum
. Ministerio procure subverter a ordem publica e desorganis3l'
tudo, não buvel'lí moio legal de o fazer pal'al' em sua car"'"
rcim; não vejo meio legal para isso, Supponbamos agora
que por um acaso, como muilas vezes acontece, 'o crime se
!lão consumma, o Minislerio cabe; que lerá elIe ensinado ao
Poder Moderador? He evidente que lhe ensinará a necessidade
de prevenir que no futuro se não veja na mesma posiç.ão
violenta; e para isso não terá remedio senão organisar Minis-
terios fracos, desunidos, impossibilitados de fazel' o bem; c
teremos continuamente repetidas essas longas crises de des-
organisação e organisação de Ministerios, que talvez sejão sem
ex.emplo entre nós, Que dous resullados da necessidade da
referenda dos Ministros nos actos do Poder Moderador,-
impossibilidade de fazer pal'ar o mal, impossibilidade de fazer
o bem--; cu não quero, nem já mais quererei tal. Mas, sup-
ponhamos que o Poder Moderador lolem semelhante syslema,
que 'vantagens virão dalli á nação? ror minha parte, bem
longe de vantagens, eu vejo um grande mal, e he dar por
movei a toda a acç~o govcrnativa do Estado as paixões c
illteresses dos partidos, excluindo tudo quanlo costuma obrm'
elll um coração elevado, superior a tudo, qual o do Impe-
rador; uma semelhante disposição converte a monal'chia em
republica, anniquilla as intenções da Constituição, que quiz que
IIÓS foss emos governados tambem por uma ordem de idéas
Ir, 4
':'(j

independentes e estranhas ao espirito mercantil e apaixon,ido


da época, a quem a mesma Constituição den tambem o de-
vido lugar no governo do paiz.
« Ora, na fiepul'a,;ão perfeita dos dous poderes, cu não vejo
nenhum desses inconvenientes, vejo sim muitas vantagens: °
ninguern tem oO'e recido ohjecção, senão- cssa do reccio do po-
deI' irl'CSpOllSavel, receio que cu não partilho, nem he possivel
partilhaI' considenllldll-se bem as cousas. Veja-se outra co~se­
quencia pu confusão 'do3 dous Poderc5 : In uma questão que
divide decididamente um Minist.erio de modo que não podem
todos continuar mais; o negocio lia de seI' de necessidade
decidido por uma terceira entidade. J-T lIyendo urll Consel ho
de Estado, a quem neste conllicto possa consultar o Impera-
dor para resolyer, a elte imputará o partido vencido sua rc-
tirada; como po\'ém o não lia, imputa-se ao Imperador.
Além disto, vem uma Camal'a (!L1e sustenla esse mesmo l\Ii-
nisterio dissolvido; ei-h\ em conllicto ffente a frente com o
Imperador; o que não ucontece havendo um conselho a flu em
o Imperador consulte separadamente do l\1inisterio; ou por
outra, havenuo inteira independencia do Poder l\'lotl ~ I'ador,
« Este systell1il he mesmo benefico para o i\Iinisterio novo,
pois que, se o Poder Moderador resolve dissolvor a Camara,
o Ministcrio fica abrigado de :lrguil;ões a esse respeit:1, sem
damno do Poder l\loderado\', que o resoll'e em seu Conselho, -o
que toma a responsl\bilidade 111 ora I. Sim, o Podei' Executivo
ficad menos cxposto aos odios dos parlidos contrarios, que
attribuiniõ tudo ao Conselho de Estado, c serilo por isso os
l\linisterios mais duradouros do que silo, Não vejo pois mo-
tivo algum sol ido para n50 fazermos completa essa separação,
salvo sómenle o contacto que tem os dous PO(\l'l'es na p'es'ioa
do .Imperador chefe do ]~XCCLltíVO,
O Senador B. P. ele Vasconcellos exprimia assim a
sua opinião na sessão de 9 de Julho, em dOlls valen-
tes discursos, Dizia cUe:
«( O SI'. Vascollcellos.
..... .. . . . . . . . . . . . . . .
« Quanto Ü oulra qucstão sobre Poder ModeradO\' e Execu-
tivo, direi só duas palavras. Eu entendo que os aetos do
- c:!7 -
Podei' Moderador são ,"alidos independenle da referenda, nem
os Ministros são J'esponsaveis por elles. A lheoria eonslilueio-
Iwl, quanlo a mim, he que, qualldo um Minislro ellLenda. qtle
uma delibera ção do Podei' Moderador cOlllprometto o paÍ"l,
nesse caso deve pedir licença ao Monar<.;ha para se retirar do
gabinete, a filll de que ·Q l\Ionarcha mand e executar a sua de-
liberação conrorl11o julgar proprio e rol' reclamado pelas ne-
cessidades publieas.
" Eu tenho para min', que essa theoria nã o solfr'e objecção
alguma í.Í visla da Co nsliluição . Ponho de parle tudo quanto
podem dizer os pul>licisl.as a lul respeito; quando a lei lIe
daru, ainda qu e as theorias dQs pubJicislus scjão sa nccionad as
pela razão c expcri enci:l dos seculos, nuo devem ser preferidas,
develll se r subordinadas li lei. Por essa razão, nuo examina -
rei se foi 011 n;Í o hem di ctado pela Conslituição que os aclos
do Pode r Mod erador não careção de re/'erenda . Enlendo que
o· Pod er ~rorlCl'iJ(]or delibera em Con~e1ho, e que seus actos
podem ser execuLados pel05 mes mos Ministros do Podor Exe-
wlivo, 03 quucs deVe[1l adoplar uma denomi'nação apropri:ld:l
pára osses a<.; los, a fim de fi c" r ontendido qne tal ou tal deli-
heru çúo roi tOlllada pelo Im perad or em Conscl ho, o não lIe
lIlinisterial. E, se algu m l\Iinistro livr'r escrupuIo na sua exe-
cução, lelll relllcdi o, que lIe pedir ao NIo narcha a graç,a do o I

dispensar de Minislro de Estado. 1\ deliberaç,ão do . C0I1-


selho de Es tado lIe valida, e sua execução não respon sabílisa '
pessoa alguma na I'ú rm él da Conslituição, qu e para mim ho
dara.
" Como ludo iSl(l , no fll eu ontender, hc inco nteslavel, IlÜO
quizera qu e se dedarasse na L ·i. Estou cOllvencido que lIe
ponto de direilo recon hecido pelo Pod er Legislativo que os
ados do Poder Moderador não precisãü de rererenda, · o a
esse re3peito tCll\OS li vola{:ão de UrlHl As embl éa, qu~ não podia
ser suspeita de servilismo, que 1'1 1:10 obrava debaixo de rorça , a
Assernbl éa rle 31,32 e 33. Na Lei da Hegencia, reita nessa
úpo(;J, se determ inou que ella podia exerce r os actos do Poder
~loderad ')r co m rcfe1'0!lda dos Ministros. Logo, he evidenle que
o Imperador póde exerce r taes aetos em rererenda dos Mi-
nistros de Estado. Orll, como o nobre Senador hontem mos-
trou 'desej o de qu e contillu;,Isso m as cousa') como tem estado
- 28-
até o pl'QscnLe, sa tisfeito deve ficar não se exigindo nos actos
do Poder Moderador a l:efcl'enda,

« O nobre Selladol' profess:l a opirl:luo de qu e os actos do


Poder Model'aàor não J90dem seI' execu.Lad05 so·m a mferend!il
dos Ministros; ou,' p:>r oatra, que os l\linistl'6S são responsa-'
veis executando os actas do Poder Moderada\', Sendo esLa a
opülião do 1l0bre Senador, hc pO\ll:O importante" sem dnvid.a ,.
a existencia do Consel'ho de Estado, q::tanto a esses actos,
porque o Impel'adol' Ila, di) ouvir mais a05 ~'linistros do' Exe-
cutivo do qHe ao Cotlse!·!1o d.e Estaào; por i,sso que, pa·1'a a
execução, desse.; Ul)"to.; d t)i>c n~c dos Mini·strQs. Sendo assim,. o
nobre Senadol' entel'l;àe, com muita razão, o a.cto add.idonal
_ de divrel:sa maneira do q,llie Ctt e ou,tros, que j<ulgamos que
o Poder l\Iodera.dor roi privativam ente conferido ao Imperadol·.
E note-se qlle este art. 93 ·da Constituição está em rel.a.ção
com o art. 102 qu.e trata do Poder Executivo, o qual di~:
- O, Imperador he o ,Cllcfe do Poder Executivo, e o exer-
cita pelos seus l\1inistl'Os de Eilado-. Vê-se, portanto, q,u e a.
Constituição faz grande di.fferenç~ entre o Poder ' l\1oderal!lo l' e
0 , Peder Executivo.
« Eu disse, q uandú sustentei a emenda do nobl'e Senador
o SI'. Alves Bmnco, que dev.ia haver dellorninaçQcs di.versas
p,am <lctos diversos ; que as delibe,rações do 1rrr;: e ra.d oI' sobre
acLos do Poder Moderador devião ter a nomeação de - I'CSO-
Juções em Conselho -, a. fim à,e qll'l r.stas resoltlÇões podessem
se r executadas sem referenda· dos Min.istros, 01:11. êsta dQu-
trina he sem du.vida,. muito sustcntav,el á visfa da. Censtituição,
Mas disse o nobre Senador: - \dmiWda esta doutrinar" I1ÜO
se guarda o grande pl'incipio Constitucional de que o Pl'in -
cipe he só. fonte de bens, he impeccav.el, não póde ca usal'
males ; não se cobre o Monarcha: -. Eu entendo qu e· o Mo-
narcha, estií coberto co m o seu Conselho de ]~stado. Dclmais a
Constituiçã':l faz ditrerença entm o, Fodel' E ~ec lltivo e o Podei'
Moderador: ú Poder Moderador he privaU.vamenle delegado ao
Monarcha, e não ha. artigo algum na Constit uição qae exija qu e
os actos do Poder MO.d..Cl:a.dor sej~o rercrel~d.ad os pelos l\H nistros.

29 -
« Um nobre Senador disse em outra oC-(jas-ião: - POI'4UO
Ilão havemos de proccder da mcsma maneil'u I}OI' €Iue l'~I'tlOS
procedido até o presente? Porqu.c l~ão havemos de exigir re-
ferenda nos actos do Poder Mo erador, como se exigio sempre?
~Eu respondi que, segundo o que tinham os até o ()tI(:'sellte
seguido, não obrigavam05 os mnislros a referenda'f os actos
do Podei' Modemdor; e como o demonstl'lli eu? Não
apL'Csentando factos, PQrq'ue os l\Ji.I~·istt'(:)3- tem a mte J'~peito
praticada diversamente; mas pre.du.zindo um. acto legislativo,
que não. pôde seI: suspeito de (lue f()sse dictado- pelo terror,
Olll por circulmtun.cias · mon05 dig;nt\s, que Ilão< fosse a propl'ia
co-nv.icção,
« Este aelo he a L\,l~ da RCóeaciu: esLa L/'i diz que a He-
geacia continuará ü exercer u<ctos d@ll?oder Moc\cnadol' aom a.
reCel:en.da dos Mi.nistros,- Pam que esta <1eclal'ü<tüo, se os mesmtlS,
aetos do M0na~cha: à~vião ser refere!ldado5? Se 03 legisladores
estivessem convencidos de qu~ os actos d:o, P(}(ter Modemdor
devião ser referendadós pelos- ~HnisLros, fie certo não farião U
deelaraçü(j) que IizC'llãO, de que, dUl'as,te a Re'gen-Cia, esses actos
fossem referendados pelos Ministros; esta- declaração cra' eS'-
cusada., Eu não entro no. exame da dmotri-ria; o· que cu qui-
zel'll Iw que se decicHs;c. esta. questão, questão importante,. Até
o presente, pa.l'cce q,l:le o· qlW e3tá deei<:J.ido be que, pelos netos
do Poder Moderadol:, são l'Cs~0usavei5" 1 não 0& CODseLhei,cos
de Estado, mas os Ministros, que sã1J os, que se suppõern Con-
seUleiros do Imperadol',
« As cenSUl'as pois que: se I1zeFiío, ú arnnistia de C{lie falloa·
° nobre 5enad'()1~ se cHl'igião nos Miltis~ws Consellleil'os. Eu
llã.o sei se alguns dos nobres ex-Ministros que se achão pl'C-
SClltes poderá'Õ' contestar quO' eHes ('ossem. Con.s~lhei:ros . .Eu
supponho ql:le nunca o Imperadar: Flócle' concede!' uma ulull'is-
tia que não seja l'cclamada pela humanidadc e bem do Estado,
com9 prescreve a Constituição, Disse cu, quando faUei a pri-
mcit:a. vcz, quc' esses actos· não el'ão cxecutados sem l'ofel'enda :
os MillistJ:os nUo se tornão 1:espoD3avcis pela rcferendo dcssf!s
nctos, pOl'qU3 são ilctos <:lo PodeI' rI-odcl'adol' ; o l\Ji'nislro, sim,
p0de entendel' que, provind0 dac1uello acl0 calamidade geral
ao EsLado, eHe não dcve ser OI execu tor, e pód-c reti rar-so da
admjn~stra<}ào. Mas- <:) nobre Scnaüol. julga qQc ni to ho rcs~
- 30-
ponsabilidade; não lia senão aquella que se dá em todas a{
cousas, a responsabilidade moral.
« Sr . Presidente, eu supponho o Ministerio um corpo soli:'
dario, e cu desejarei sempre que todo o Ministerio seja soli-
daria, que um por todos e todos por um seja a maxima que
pmsida Ú organisação de todos os l\Iinisterios. Mas, a que res-
ponsabilidade se \ sujeitão esses Ministros? A uma, á respon-
sabilidade moral. Poderá um Ministro dizer: - Eu niio devo
ser censUl'ado por actos do meu collega, a eHe cabe só a cen-
°
sura, assim como a eUe cabe . castigo; -:- o Ministro, neste
caso, ainda que não seja auJol' da medida, ainda que não
srja criminoso perante a Lei, he responsavel perante a opi-
nião publica. Eis a responsabilidade que cabe ao Ministro que
manda executar um aeto do Poder Moderador, do qual vem
males publicos; mas não póde s~r accusado perante tribunaes; .
ao menos, esta lIe a Illinha opinião, e cl'eio que tenho em
meu apoio a de muitos jurÍsconsulLos dislinctos.
« Não me lembro que tenha ainda lido lno caso figurado de
um Ministerio solidario) que um Ministro, ainda sendo o Mi-
nisterio solidario, fosse accusarlo perante os tl'ibunaes por actos
pl'illicados POI' outros Ministros. A puniçUo, neste caso, he só
iJ censma, he só a indignação do paiz. Se elle executa um

<lcto do Poder Moderador, sn na execuçüo commette excessos,


então he criminoso; mas lIe criminoso, não pela execllção t mas
pelo excesso que commeUell .
« Eu, pois, julgo que a regm he que 'o Poder Moderador
exercita a sua auloridade pelos Ministros, mas f{l!e, segundo a
Constituição, para os aclos do Poder l\'Iodel'adol' terem validade,
não precisão da refeI'Cnda do Ministro. EiLa he a minha opi-
nião. Se o Imperador nomear qualquer pessoa, o Ministro, man-
dando escrever, ou cscrevcndo mesmo - N.omêo para Ministro
e Secretario de Estado dos Negocios dc tal a fufio de tal; °
mesmo Ministro o t 'lha assim entendido, e faça publicar na
rÓl'lna do costume - assignando Pedro 11, eu enlendo que esla
nOllleíl(:ão, as-;ign3da simplesmente pelo Imperador, lIe tão va-
lida como se estivesse rcferendada por UIl1 ~Iinistro ,
« Ol'a, o nobre Sen:Hlor que hoje fallou , admillio este casú,
co 111 o cxcep~.ão; mas, pergunto eu, qual lIe o artigo da COll5i-
Lituição que o llutoris:l a aclmittir Cita excep\~ão? Se a Cons-
- 31-
tituiç,ão exige a referenda dós Ministl'os para ú " aelos do Podtlr
Moderader, como neste particular a dispensa?
« Entretanto, eu reconheço a dificuldade da quesLão , Des('jo
que a materia seja ventilada. que se tome sobre ella uma
decisão, a 11m de que em nossos juizos, nas censuras que fizer-
'mos á administração, saibamos como .nos devemos compol'lar.
ALé o presenle parece que os Ministros respondem pelos aclos
do Poder Moderador, nuo como Ministros, mas como Conse-
lheiros, por isso 'que ha a presumpção de que o Monal'dta não
púde fazer mal; mas, póde muit~ bem acontecer que o Cou-
sei ho todo seja Opp05tO ti delibera~ão do Monarcha ; neste caso,
cabe ainda ao Conselho demitLir,sc, e se se não dernitte, a
elle cabe toda a responsabilidad e de que (I aclo he suscrp-
'tive!.
. « Eu julgo pois, como já disse, . que os aclos do Poder Mo-
derador não dependem de referenda para terem validade; e
se os nobres Senadores julguo que casos ha em que preci~ão
<le referenda, eu desejo sabel' qual he o artigo da Constitui-
ção que apadrinha e3ta excepçãe.
cc O nobre Senador uccrescentou que - a Lei da Regencia in-
terpretou a Constituição -; mas interpretou como? Inlerpre-
tou a Constituição para o eITeito de declarai' que a Regencia
não podia fazer actos do Podel' Moderador, sem a referenda
dos Ministros. Então, esta !'azão ,ainda mais conl\'aJ'ía a opi-
nião do nobre Senador. Se, para a Rr.gencia sel' obrigada a
sujeitar os actos que pl'aticava no ex.crcicio do PodCl' Mode-
rador ;í referenda dos Ministrus, era necessario quo se inter-
pretasse a Consliluição, cll~ãO para mim a Lei da Hegencill
limitava a regra de que esses ncLos do PodeI' :\Ioderador que
ella praticava não prccisavão de refercnda, I)

A attenção do Senado e a discussão di vidio-se pela


emenda tIo Senador Alves Branco acima transcripla, e
pelas malerias complexas que encerra vão o art. 7.. do
projecto e seus paragrapbos. Oautor da mesma emenda
reconhecia que fôra posta em lugar improprio, e que
devia ser apresentatIa em artigo á parte, para ser con-
siderada só por si, · concentrando-se sobre elle a dis-
- 32

cllssão, O Senador Vasconcellos opinava no mesnio


sentido, Depois de alguns dias de discussão, foi a
emenda retirada pelo, seu mesmo autor, reservando elle
propô-la separadamente de qualquer objecto: (Sessão do
Senadú de 12 de' Julho de 1841,) Nuncn porém o fez,

Os argumentos com que a' opposição de então com-


batia aquellas doutrinas e opiniões, sustentando. a re-
ferenda e a responsabilidade dos Ministros nos aclos do
Poder Moderador, recluzião-se como aiÍlda hoje se redu-
zem a uma s6 categoria, ' O Senador B, p, de Vas-
concellos reduzia-os a um s6 do seguinte modo, nu
sessão de 12 de Julho:
« O un-ico aI'gumenlo, dizia elle, que lenho ouvido pl'O-
duzi,', he que não podendo existir Monarchia Representativa
sem irresponsabilidade do J\fonarcha, e não podendo a ines-
ponsabilirlade do Monarcha existi.r sem que haja Ministros
que anteparem a CorÔa, lIe evidente que não havendo res-
ponsabilidade pelos nctos do Poder l\Ioderador, a responsabili-
dade recahirá sonre o l\fonarcha, e assim ficaní elle desco-
berto c 'entregue ús racções, e acontecerá que dentro de pouco
tempo desapparecerá do BI'asi.! a Monm'cbia Representativa, » (1)

Com effeito lodos os argumentos dos sustentadores


da referenda vêm baleI' nesse ponto,

Como vou analysa,lo detidamente no capitulo se-


guinte, não reproduzirei neste as repetições com que
tem sido aquelle argumento c1iversam'enle guizado,

(1) Este Achillt's de l.ão ferl'cntes zeladores da Monorcbia póde tradu-


zir-se assim: -Como li Constitui .1\0 não admitte IJl1e o Poder Moderador
tenba l'csponsabilidade pelos seus aetos, he preciso fazt!-Ia recahir sobre os
agentes de outro Poder distincto e que aquellc tem de moderar. E como_
t'stes nno podcm ser responsJreis e ter imputaçãO sem lirrc vontade, he
llrrciso dar-lhes a filcnldade de embaraçar aqucllesactos,
E se {izcssemos a autoridade 1111 periill it imagem du. das nossas passadas
ní'grncias, nilo Ilesappareceria a Monal'rhi, como estns rlesllppnreccrno
antrs lie tempo!
- 33-
. Em roda desse unico argumento principal gravilão
óutros muitos secunda rios e adminiculativos, que lam-
bem examinarei opportunamente.

Esta questão do Poder Moderador tem, depois' de


1841, .r-eapparecido sporaaicamente na nossa imprensa
e tribuna, sumindo-se logo como o relampago, no
qual nirrguem mais cogita depois que se desfaz. Appa.
rece ordinariamente nas Camaras mettida a martello
em discussões estranhas, na de fixação de forças de
terra por exemplo, e sem que ninguem saiba d' onde
veio, porque e para que veio, e para onde se foi.

Reappareceu em 1860, primeiramente na imprensa,


pür occasião de não haver' o Poder Moderador esco-
lhido um cidadão incluido em lista triplice para Se-
nador, nomeando outro tambem nella contemplado.

o Jornal do C01nmercio, o Regcnerador e o Con'eio da


Tarde por um lado, o Correio Me1'cantil e o Diario do
Rio de Janeiro por diverso, além de outros jornaes,
occupárão-se, em series de artigos, do assurnplo, e
força he reconhecer que, havendo sido a Carta Impe-
rial de Senador referendada, as asperas contas então
tomadas pelos devotos zeladores da üniolabilidade e
-da I'eferenda, não o forão a esta ultima.

. Essa discussãO da imprensa repercuti0 na Camara


dos Deputados, na sessão desse anno, em discursos
e occasiões destacadas, de passagem, e envolvida com
-assumptos estranhos (1) . .

(1) Vide sessões da Camara dos Depulados de 31 de Maio, de ~, 20, 22


de Junho e 6 de Julho de 1860 . Sustclltúrão qlle os aclos do Poder
H. 5
34
Reappareceu essa questão na eamara dos ,Deputa-:'
dos, do mesmo modo, extemporaneamente, des tacada 1
cortada; na sessão de 1861, e tambem nella não deu
um passo para uma solução (1).

Não me occuparei separadamente da exposÍçãÓ e


apreciação dos argumentos, que nessas épocas forão
produzidos, quer na imprensa, quer na tribuna. Re-
fundem-se elles . nos que apresentou a discussão do
Senado em 1841.

Assim refundidos, pretendo vamilysa-Ios no capitulo


seguinte'.

Moderador nllo dependião (Ia referenda, os Srs. Ferraz Presidente ()Q Con-
selho, Almeida Pereira Ministro do Imperio, e o Deputado Paulino José
Suares de Souza. O finado Sr. Landulpho sustentou a opinilio contraria.
(t) yide sessões da Camará dos Deputados de 1, 5, 9, 15, 16, 17 de Ju-
iho e 'de 6 de Agosto de 1861. A ,opinrlio de que os aetos do Poder Mo-
derador nlIo dependem da referenda, exposta e s,!stentada pelo Sr. Sayllo
Lobato Ministro da Justiça, foi impugnada pelos Srs. Furtado, Zaeharias,
José Bonifacro e Saldanha M'ari noo,. O Sr. Gomes de Souza sustentava:
1.0 Que todos os aetos do Poder Moderador devem ser referendados, e
estlIo sujeitos á censura parlamentar. 2. o Que o Soberano Dão he obri-
gado a ouvir os Ministros nas resoluções relativas aos netos desse poder.
3. 0 Que os Ministros slio obrigados a nssignar esses netos sem critica Dem
reOexlIo. oi. o Que a responsa bllidade nlio cahe sobre o l\linistro que refe-
renda o aeto, mas sobre aquelle que immediatamente depois continuar a
estar junto a Corôa.
~~P'TULO xxv •••.

Exame tIa questão.

o que he Poder llloderadol', Real ou Neutro '?

A Constituição o define. no seu art. 98. assim:


« O Poder Mo~derador he a chave de toda a orga-
nisação politica, e he delegado privativamente ao Im-
perador, como Chefe Supremo da Nação e seu Primeiro
Representante, para que incessantemente vele sobre
a manutenção da Independencia, equilibrio e harmonia
dos mais Poderes Politicos, »

O Sr. Conselheiro Pimenta Bueno explanou tão bem


essa definição da Constituição, que vou pedir ao meu
antigo e douto amigo. emprestado o bello § 265 do
seu Direito Publico Brasileiro, para o transcrever aqui.

_ « O Poder Moderador, cuja natureza a Constituição


esclarece bem em seu art. 98, he a suprema inspecção
- da Nação, he o alto direito que ella tem, e que não
póde exercer por si mesma, de examinar o como os
diversos Poderes politicos, qu~ ella creou e confiou a
- 36-
seus mandalarios, são exercidos. He a faculdade que .
ella possue de fazer com que cada um delles se con-
serve em sua orbita, e concorra harmoniosamente com
outros para o fim social, .0 bem ser nacional; he
quem mantem seu equilibrio, impede seus abusos,
conserva-os na direcção de sua alta missão; he em-
fim a mais elevada força social. o orgão político o
mais activo, o mais influente, de todas as instituições
fundamentaes da Nação :
« Este Poder, que alguns Publicistas denominão
Poder Real, ou Imperial, Poder conservador, incon-
testavelmente existe na Nação, pois que não he possivel
nem por um momento suppõr que ella não tenha o
direito de examinar e reconhecer como funccionão os
poderes que ella instituio para o seu serviço, ou que
não tenha o direito de providenciar, de ' rectificar sua
.direcção • . de neulralisar seus abusos.
{( Existe, e he distinclo não só do Poder Executivo, comG
de todos os outros; não póde ser exercido, como já in-
dicámos, pela Na.ção em massa, precisa de ser delegado. })

E se não he isto ó Poder Moderador da nossa Consti-


tuição, eu desafio os que contestarem, para que digão
o que he. Expliquem, definão a base da qual ·temos
de partir.

Geralmente he o celebre Publicista Benjamin .Constilnt


considerado como o crendor da theoria desse Poder .
.
De seus escriptos par~ée a ' Constituição havê-lo co·
piado (I).

(1) As palavras- da Constituição - he a chave do toda a organisação po'li·


tica -o outras de quo se serve, são com elTeito copiadas Oll tiradas de
outras similhtmtes ou equivalentes que Benjamin Constant emprega no 'Ca-
- 37-
, Benjamin Constllnt éncerra a lheoria do Poder Mo-
derador nas seguintes palavras:
« Les trois pouvoirs politiques, tels qu.'on les ti connu
j usqu'ici, le pouvoir legislatif, exécutif et j udiciaire ,
sont trois ressorts qui doivent qoopérer, chacun dans
~Il partie, au mouvement · général; mais quand ces
ressorts dérangés se croisent, s' entrechoquent, et s' en-
travent, il faut une force qui les remette à lflUf place.
Cette force ne peut pàs être dans l'un de ce~ ressorts,
cal' elle lui servirait à détruire les autres; il faut qu' elle
soit en dehors, qu' elle soit neutre en quelque sorte,
pour que' son f,lction s'applique partout ou il est né-
ciessaire qu' elle soit appliquée, et pour qu' elle soit
pr6servatrice, et réparatr:ice sans être hostile. ,
, «( . La ~Ionllrchie Constitutlonnelle a ce grand avan-

tage, qu'elle crée ce· pouvoir neutre dan~ la personne


d'un Roi, déjà entouré de trllditions et de souvenirs,
et revêtú d'une puissance d'opin,ion qui sert de base
à sa puissance politique. L'intérêt véritable de ce Roi
n'est ./lucunement que l'un de ces pouvoirs renverse
l'autre, lpais que tous s'appuient, s'entendent, et
agissent de concert. »

o Poder Moderador,ao qual elle dá o nome de Real


ou Neutro, não he creação de Benjamin Constat;lt. o

pitulo Lo da sua-Politique Constitutionnelle.-Silvcstrc Pinheiro, Observa-


coes sobre a Constituiç1l0 do Imperio do Brasil, e sobre a Carta Constitucional
Portugueza, censura a parte doutrinaI e didactica dos artigos que crel\o o
Poder Moderador. Com eO'eito, se n1l0 fôra a parte doutrinaI talvez nilo
tivesse esse Poder suscitado tantas apprehensões. Mas n1l0 será essenci al
essa parte? O Senador B. P. de Vasconcellos obsenava na sess1l0 de Se-
·nado de 12 de Julho de 1841 o seguinte. « Tem se dito que este artigo he
doutrinaI ; e já hoje um Nobre Senador disse que elle continha razões de
ordem. Eu n1l0 estou habilitado a declarar quaes s1l0 os artigos da Cons-
tituiçilO que silo doutrinaes, e qu aes silo aquelles que contém razoes de
ordem; mas do que estou convencido, c o que me obriga a seguir a regra
de Hermeneutic;l., be que todos os artigos de uma lei sllo taxatiyos . » Lex
debet esse jubcns; non c!occns. A lei não cnsina , prcscre,'c.
- 38-
qual reconhece haver colhido o germen da idéa nos
escriptos de Clermont Tonnerre.

, Benjamin Constant não fez mais do que desenvol-


ver a idéa, e separar, debaixo do nome de um Po-
~er distincto, varias attribuíções, que não pertencendo,
nem devendo, por sua natureza e fim, pertencer ao
Exeeutivo, tinhão estado até então mais ou menos en·
volvidas n' elle ; mistura que já muitos Publüdstas
tinhão notado.

Não fez mais, como se expressava o Senador Lopes


Gama na sessão do Senado de 10 de Julho de 1841,
do que reduzir a principios o que a analyse e a
observação da Constituição pratica da 'Inglaterra lhe
demonstravão. Achando entre as prerogativas do Rei
algumas de natureza tal que nenhum outro Poder
constituído do Estado podia fiscalisar, por serem ne-
cessarias para a manutenção e equilíbrio de todos os
Poderes politicos, entendeu que o complexo d'essas
prerogativas devia constituir um quarto Poder, ao qual
chamou Poder neutro.

Quem o mostrou porém, quem o delineou, quem o


creou realmente, e assim o proclamou o Senador Al-
ves Branco no Senado, foi o Sr. D. Pedro I, primei-
ramente no art. 98 da nossa Constituição, depois . no
art. 71 da Carta Constitycional da ~lonarchia Portugueza.

São as unicas Constituições que conheço, que con-


sagrão um quarto poder, no qual reunem todas as
allribuições marca~as no art. 101 da Constituição, em
outros paizes envolvidas no Executivo.
- 39-
As Cartas Constitucionaes Francezas de 1814, e de
1830, não ·tinhão Poder Real, neutro ou Moderador
distincto. As funccões-
o
d'este Poder, não considera-
das como delegações da Nação, estavão fundidas com
outras no Poder Executivo.
Porém por essas Cartas ao Rei só, pertencia o Po-
der Executivo-« AuRoi seul appartient la puissance
executive ») -djz.em ambas aquellas Cartas.

Entre nós (certamente porque o Imperador exerce


privativamente o Poder Moderador) não he elle o Poder
Executivo. He sómente Chefe do Poder Executivo.

E qual era o resultado na França? O Senador


Alves Branco no-lo dizia na ·sessão do Senado de 12
de Julho de 1841.
( Alli o Rei não tendo :outro meio de fazer executar a sua
v.ontade senão debaixo de referenda, faz muitas cousas que
não devia fazer; dizem até que tem correspondencias secretas
desconhecidas dos Ministros, & c. He isto o que deve resultar
- da posição violenta em que se vê um Poder Supremo, e que,
pela sua natureza, o deve ser, lutando~com outro Poder que
he subalterno, mas que quer sempre tomar o primeiro lu-
gar; d'isto hão de nascer grandes difficuldades; em algumas
outras nações não duvido que estes casos appareção menos;
por exemplo na Inglaterra, onde tudo está assentado em uma
baso solida; Ilinguem ahi se atreve a fazer resistencia ao Rei.
POI: conseguinte CI1 desejo satisfazer plenamente a uma neces-
sidade que eu vejo que ha no Poder Moderador, a necessidade
da independencia, a necessidade de ser elle aquelle que vi-
gie sobre todos os outros Poderes. »

Não me referirei ás Constituições Francezas do 1.0


e 2.· Imperio. São organisações muito especiaes, que
não tem analogia alguma com a nossa.
- 40-
E para onde se forão tantas Constituições sem Poder
~foderador,exceptuada a Ingleza? Depois d'ella, a nossa:
com SeU Poder Moderador, he a .mais antiga. das co-
nhecid.as.

tantas y.e~es citada, lilão tem . Poder


 . Inglaterra,
Moderador distincto e organisado C9mo o nosso.

Mas nenhum povo respeita mais profundamente a


prerogativa Real, e os actos dà Realeza: que são mais
proprio. e pessoalmente d'ellil-- these acts of TOy.aJty
which nr~ more properly and personnally his own-
como se exprime Blackstone .

. Uma das pTeroga.tivas Reaes Ra Inglaterra ·he a per-


feição. O Soberano ulli he perueito . . não pód.e, fazer .
mal.-The King can do no wrong.-He mesmo inca-
paz de pensar mal.-Of thiriki:ng wrong.-Elle nunca
póde ter el'n vista fazer alguma cousa impropria.-:
.Be can never mean to do an imprQper tbing.-Não
'p(jde haver n'eUe nem loucura nem fraquez·a .-In .him
is no f0ily or weakness (1).
A ConstituiçãO lngleza., comQ observa Benjamin Cons- '
tant, estabelece a neu{Talidlade do Poder R-eai mais de
facto do que de direito. Essa neutralidade introdu-
'ziQ-se pela força das cousas~ e porque he .uma con-
~diçãO indispensavel, ·e um resul1ado Il;ecessario de toda
a ~lonarchia Constituoí0naL

Os Inglezes admitlem a possibilidade ·de aetos pro:-


cprios do Soberano.. O oraculo da .lei. ing~eza, o cele-

(I) B1ack-stone Commentaries on the laws oC England Chapt. 7- of the


Royal pr e roga liv c .~P e rrcc ti on.
- 41-'
bre Blackstone, nos diz como procede o Párlamenlo,
, quando a CorÔa se apresenta diante d'elle descoberta.
Cobre-a elle do seguinte modo, como expõe Blackslone:
« Comtudo, ainda não obstante a perfeição pessoal quo a
lei attribue ao Soberano, a Constituição concede latitude para
suppOr o contrario a ambas as casas do Parlamento, cada uma
das quaes, por sua vez, tem exercido o direito de representar,
e de queixar-se ao Rei, ainda mesmo d'aquelles actos da Rea-
leta, que são mais proprios e pessoaes d'ella, taes são as men-
sagens assignadas pelo Rei, e as falIas do Throno. E comtudo
tal he a reverencia prestada á Pessoa do Rei, que ainda que
as duas Camaras tenhão o indubitavel direito de considerar
aquelles actos officiaes debaixo de qualquer face, e conseguin-
t~mente de trata-los nas suas respostas como partindo pessoal-o
mente do Principe, comtudo ellas mesmas (para conservarem
a mais perfeita decencia, e a maior liberdade no debate)
cHas, por us.o, suppõem que taes actos são nascidos de con-
selhos da administração. Porém o privilegio de examinar e
discutir assim livremente os actos pe;soaes do Soberano (quer
directamente, quer por meio de seus Conselheiros) não per-
tence a nenhum individuo, mas h'o limitado áquellas Augustas
Assembléas. Um ~Iémbro foi mandado metter na Torre, por
ter suggerido que a resposta do Hei á falia da Camara dos
Communs continha palavras ameaçadoras, tendentes a afastar, .
pelo medo, os, Mem1;>ros da Camara dos seus deveres; e outl'O
llor ter dito que uma parte da falia do Throno havia sido
calculada mais para o meio dia da Allemanha do- que para
a Inglaterra, e que o Rei era estranho tanto á linguagem,
como á Cónstituição do paiz. »
Blackstone. Commentaries on lhe Iaws or England. Chapt. 7.
or the Royal prerogative .
. O mesmo Blackstone, no mesmo lugar, mostra como
o Rei de Inglaterra, no exercicio da sua prerogativa
legitima, he absoluto.
Accrescenta ~lIe:
« Depois das premissas lançadas neste Capitulo, confie que
não serei consi derado como advogado do Poder arbitrario,
11. 6
!2 --
~stagelecendo o pr.incipio de que, no exercicio de sua prero·
~ativa legitima, o R~i he e ·deve ser a,bsoloto., isto Iie que
não ha autoridade que possa embaraça·lo ou resistir·lhe. EUe
p6de rejeitar aquelles bills, põde 'fazer aquelles Tratados, pode
cunhar aquella moeda, póde crear aqueUes Pares, póde perdoar
aquellas olTensas que quizer; salvo se a Constituição tiver ex-
pressamente, ou por evidente consequencia, estabelecido alguma
excepçãoou limite'; declarando que a prerogativa 'i rá somente
ate certo ponto e não mais longe.
« Porquanto, prosegue Blackstone, de outra maneira o Poder
da CorÔa não seria mais do que um nome e do que uma
sombra, insufliciente para os fins do governo. »

Ha comtudo na Constituição Ingleza, como observa


Benjamin Constant, algumas prerogativas reaes incom-
pativeis como a neutralidade do Poder Real. Outras
part-es da Constituição, as prerogativas amplissimas do
Parlamento, a amplissima doutrina da responsabilidade
dos Ministros, tudo isso confunde a quem não apro-
fundar muito a matem.

Mas acontece isso porql1e a 'Cons~ituição Ing.leza está


mais no espirito e habitos nacionaes do seu povo, no
tino pratico de seus homens de Estado, e de suas Cama-
raso, nos precedentes, do que nos textos destacados que
a formão. Deriva-se muitas vezes o direito do uso e
dos factos.

o que concluo d'aqui he que da não existencia de


llm P.oder Neutro, Real ou Moderador escripto na Cons-
tituição Ingleza, nada se pó de concluir que nos seja
appliéavel.

He por isso que o Senador B. P. de Vasconcellos


dizia, na sessão do Senado de 12 de Julho de 1841:
- 43-
« Como querem os Nobres Senadores comparar com o nosso
um governo em que todos o5-.actos do Poder são pela Carta con-
siderados obra dos Ministros, que por elles são responsaveis.
Por ventura está. consagrado na Cal'ta Franceza o Poder Mode-
rador? li

He notavel que os principaes argumentos que pro-


duzem entre nós os sustentadores da necessidade da
referenda, para a exequibilidade dos actos do Poder
l\loderador, são tirados de organisações que o não admit-
tem. Raciocinão assim:
Não ha Poder Moderadór n'esta ou n'aquella Cons-
tituição, n'este ou n'aquelle paiz. N'elle a .responsa-
bilidade de todos os actos pesa exclusivamente sobre·
os Ministros.
Logo pela nossa Constituição, que tem Poder Mode-
rador, deve pesar a responsabilidade dos actos d'este
sobre os Ministros, como por aquellas II

§ 2."

Onde deve residir o Poder Moderador '!

As attfibuições do Poder Moderador são essenciaes


em qualquer organisação polilica. Não podem deixar
de existir n'ella, em maior ou menor grão, mais ou
]l1enos extensas ou restrictas, distribuidas pelos diffe-
rentes Poderes, ou reunidas em um. He por isso
que, como já vimos, quando em 1832 se pretendeu
extinguir o Poder Moderador da Constituição, protes-
tavão os propugnadores da idéa que não pretendião
extinguir o Poder, mas sim passar as attribuições que
"
- 44 ~

o constituem para o Poder Executivo. E com efleitõ


uma Constituição que não encerrasse em si attribui-·
çõe~ moderadoras seria uma machina incapaz de
funccionar algum tempo sem estalar e 'desorganisar-se .

. (A -questão não he portanto saber se deve ou 'não


haver Poder Moderador, porque posta assim eqUIva-
leria ás seguin tes : .
, Deve ou não existir a attribuição' de nomear Se-
nadores, ou devem ser eleitos directamente pelo Corpo
Eleitor.al ?
. Deve e ~ istir a attribuição de convocar extraordi-
nariamente, a Assembléa Geral?
.
Deve existir a aHl'ibuicão de sanccionar as Leis; ou,
deve o .Poder J. .egislativo ser formado exclusivamente
pelas duas Camaras, a dos Deputados e o Senádo,
independen lemente de Sancção?
Deve existir a attribuição de adiar, ou dissolver a
Camara do Deputados?
Devem existir as attribuições. de nomear e demitti~
Ministros, de suspender Magistrados, de perdoar-e mo-
derar as penas, de conced~r amnistias?

Se todas ou a maior parte d'essas attribuições são


inseparaveis de 'uma organisação politica séria, devem
existir ,em algum dos · Poderes creados pela' Consti-
tuição.

Ninguem póde sustentar que devem ser collocadas


no Poder 'Legislativo ou Judicial (1). ,.- • i

, (1) • Todas as Yozea, obsel'va Benjamin Constant, que essa ,50mma de


àUloridade foi reunida ao Poder Legislativo, que nno devia estender-se
senAo a objeptos determinados, estendeu-se esse Poder a tudo . .Hom'e arb i·
trariedade • e tyrannin sem limites. Dahi os excessos das Asscmbléns do
- 45-
Na maior -parte das finadas Constituições, e não são
poucas, tem sido as attribuições neutras ou modera-
doras accumuladas no Poder .Executivo, e he isso, na
minha opinião, uma das causas da sua pouca .solidez
e duração. « O vicio de quasi todas as Constituições,
dií Benjamin Constant, está em não haverem creado
um Poder neutro, e em terem collocado a somma da
autoridade, da qual . -devêra ser revestido, em um
dos Poderes acti·oos.. . . Quando aquella somma de
autoridade foi Teunida ao Poder Executivo 'houve des-
potismo. D' ahi a usurpação que resultou da Dictadura
em Ro:na}) (1).

Pela natureza e fins dos 'netos qu.e he chamado a


exercer, ccmvém que as altribuições do Poder Mode-
rador residão privativamente no chefe Supremo do
Estado que he permanente, ' desapaixonado, ou mais
imparcial, mais desinteressado nas lutas, até mesmo

Povo nas Republicas da Italia, os do longo Parlamento, e os da Conven-


ção em algumas épocas da sua existencia. ))
A Constituição du Republica l"l'llnceza de 22 frimaire anno 80 (13 De-
zembro 1799) e o Senutus Consulto organico respectivo de 16 thermidor
anno 10 (4. Agosto 1802) tinhão crrado um Senado vitalicio denominado
-Senado Conserl'adOI'-ao qual confiárão attribui~ões neulras ou modera-
doras, como por exemplo a de dissolver o Corpo Legislati\'o e ú Tl'ibunado.
Mas semelhante organisação não foi, nem podia ir (lor diante.
(1) « Na maior parte das Monnrchias Constitucionues e representativas,
diz o Sr. Conselh riro Pimentu Bueno no seu Direito Publico Brasileiro
n. 266, o Poder ~Ioderador está reuuido no Poder Executil'o de quem fór-
ma a parte a mais elevada, e que he exercida pela Corôa, pela aqno e
dirccçilo do l\Iouarcha. Be porém mais logico e comeniente nao confia-lo,
e menos coufundi-Io com nenhum outro Poder, por isso mesmo que elle
tem de iuspeecion~r a todos, já sobre seu exercido proprio, já sobre suas
relaçOes reciprocas.
« Pelo que toca á personalidade a quem deva ser confiado não póde haver
duvida em que deve ser ao Imperante, por isso mesmo que he o uuico
poder exclusivamente proprio da Corôa, indepeudente do Ministerio.
« O deposilario deste grande Poder neutro deve estar cercado de todos
os respeito~ tradiNes e explendor, da forca da opinião e do- prestigio. A
consciencia nacional precisa crer que, superior a todas as paixões, a todos
os interesses, a toda rivalidade ,ninguem pó de ter maior desejo e gloria do
que elle em que os outros Poderes activos fuuccionem segundo os precei-
(os fundamentacs do Estado e fali,llo '1\ felicida.de deste.
- 46
porque he inviolavel, e -que póde dizer dos partidos,
melhor que os Ministros, o que Tacito dizia dos Impe-
• radores Galba e Olho -mihi nee mJuna nec beneficio
cogniti.

Não póde, sem graves inconvenientes e sem perder


a qualidade de neutro e Moderador, residir o Poder que
assim se denomina no Executivo, ou depender dos ~li­
nistros, os quaes ordinariamente são chefes ou homens-
de partidos, ou dependentes destes. São muito mais sus-
peitos, muito maÍlt apaixonados, muito 'mais dependentes
nos nctos necessarios para restabelecer um -equilíbrio. e
uma harmonia, que muitas. vezes elIes proprios des-
truirão, do que o Chefe Supremo do Estado, o qual
sempre permanece tal, qualquer que seja o partido
dominante (1), qualquer que seja o Ministerio, e que
tem de preservar o. Throno para a sua descendencia, .e
com elle a fórma Monarchico-Representativa.

cc E quem tem todos os meios de observar as suas tendencias e forca


neeessnria para reprimir as paixões he quem está sobre a eupula social
"igiando os destinos da Nação.
cc O exereicio do Poder Moderador he quem evita nos Poderes publicos
o terrivel dilemma da dictadura ou da revoluçllO; todos os attributos do
Monarcha lel'ão suas previdentes ,'istas a nllo querer nem uma Dem outra
dessas fatalidades, que quasi sempre se entrelação e reagem. II
Toda essa doutrina he perfeitamenle sila e verdadeira. Creio porém que,
em lugar de se dizer que na maior parte das Monarchias Representativas
o Poder Moderador esld reunido ao Poder Executivo, se poderia dizer
esteve-Quasi todas as Constituições que os reunirllo não dur4rllo e forao-se,
se exceptuarmos a de Inglaterra, a respeito da qual, como vimos, se dão
circumstancias praticas, espeeiaes e singulares. .
A actual Constituição Franeeza he tão especial que della nilo se póde tirar
argumento. A Constitulçllo do Brasil e de Portugal tem Poder Moder.ador.
Quaes sllo as outras Monarchias Constitucionaes e Constituiçoes aetual-
mente existentes, das quaes se possa tirar argumento para a commixtão
do Poder Moderador e Executivo? Será a da Hespanha?
Tira-se argumento da~ Cartas Francezas que não existem mais e cahirão,
sendo uma das causas os defeitos e fraqueza da sua organisac;llo. Faltava
neHas força que os Reis procuravão haver por meios irregulares.
(1) Mas póde um partido prétender derribar o Chefe do Estado, ou
mudar a fôrma de Governo, em tal caso o Chefe do Estado he suspeito e
apaixonado. Em tal caso, digo eu, deve elle ter na Constituiçao toda a
força necessaria para combater franca, efficazmente e a tempo a revolu~ãO,
sem recorrer a meios illegaes c ext.remos.' .
47
« O Podei' Moderador, dizia o Senador Alves Bl'Unco na
sessão do Senado de 10 de Julho de 184.1, não luta, he um
Podei' benefico, o que não he uma ficção, mas uma verdade;
o mal só poderá ter lugar, quando esse Poder obrar pelas
paixões do Ministcrio, quando o Poder Executivo puder im-
pedir actos de benellcencia que o Poder Moderador queira
fazer a um que não seja dos amigos do l\:linisterio. porque então
muitos Cidadãos serão excluidos do beneficio. O mal dos actos
do Poder Moderador, nunca p6de vir de sua natureza, mas
de circumsta~cias externas como essa. Se os actos do Poder
Moderador dependerem s6 do Ministerio, dos partidos que a
elle se elevão, então a nOisa Monarchia ficará inteiramente
convertida em Republica, que he o Governo que não tem,
nom póde ter outro moveI senão, os interesses, as opiniões, as
paixões dos partidos políticos; que he o Governo cujo Chefo
deve ser responsavel, para que se não desmande de todo; a
Realeza neutra, imparcial, benefica e por isso inviolavel como
he, desapparecerá; e o homem ou familia que a exercia fi·
cará, como o Ministerio, exposto aos tédios, aos rancÔfes dos
partidos contrarios. Não póde acontecer o mesmo quando a
Realeza collocada na sua posição superior fôr livre para fazer
o bem, para exercer, independentemente do Ministerio, essas
attribuições do Poder Moderador, atlribuições essencialmente
protectoras e beneficas. . .. A historia dos dez annos do nosso
interregno nos mostra o perigo de pÓlo o Poder Moderador
sempre dependente da referenda dos Ministros; as Regencias
e Regentes forão victimas dos odios provocados pelos seus
~inisterios; não só porque erão fracos, porque não tinhão o
prest!gio do nascim<1nto; sendo por conseguinte muito natural
que os inimigos dos Ministros os confundissem com elles.
He mister que acabemos com isso, que realizemos a inde·
pendencia do Poder Moderador, que lhe demos um conselho,
tambem independente do Mioisterio, e que possa bem orien·
ta-lo na marcha e circumstaocias da Sociedade; então he que
ha de renascm' no espirito dos povos a separação entre I) aclo
do Imperador sempre ben9fico, e o de seus Ministros que
podem fazer mal.
« Sim, Sr. Presidente, he s6 assim que isto poderá ter lugar,
e foi por falta dessa independencia do Poder Moderador, por
48
falta da um Conselho imparcial, que, em o anno passa do -se
., fizerão censuras á amnistia dada aos rebeldes do Rio -Grande
do Sul; o acto tomou um caraetel' do partido da época, e
por isso devia achar censores nos seus adversarios, como achou;
isso era natural; se a Poder Moderadol' obrasse com indepen-
dencia, se tivessé um Conselho que não obrasse pelas paixões
da época, ninguem o atacaria, porque não era possivel que
se achasse máo, que o Mooarcha marcasse a época da sua
ascensão ao Throno com um acto de elemencia, em favor de
seus subditos desgraçados, desviados da senda das. leis, cha-
mando-os outra ve:L a seus braços; tal foi a l'azão da censura,
taei forão os objectos della, e não o acto em si, contra o
qual não vi que se lançasse odiosidade alguma; nem disso
podia vir ao Impel'adol' odiosidade alguma , »

o Podc.. l1IodCl'31101' Itc .esscncialmente consel'vallol'.

Cumpre ter muito em yista uma circumstancia im-


portantissima, e vem a ser que o Poder Moderador,
pela natureza e alcance de suas llUribuições, separa-
das do Executivo, não póue ser invasor, não póde
usurpar, 'Póde embaraçar o movimenlo, não o póde,
por si só, emprehender e levar a effeito: o mais que
póde effectuar he a conservação do que está, por al-
gum tempo, Be poder não de movimento, mas essen-
cialmente conservador,

He sem duvida n' este sentido que diz Benjamin


Constant, que o direito de manter o que existe per-
tence necessariamente ao Poder Real, e o constitue
autoridade neutra e preservadora; e que o direito
de propô r o estabelecimento do que ainda não existe,
49 -
pertence ao Poder ministerial, ao Executivo. He o
poder do movimen to .

E senão medite o leitor, por um pouco, sobre cada


uma das attribuições marcadas no art. 101 da Cons-
tituição.
O Poder Moderador
Nomaa Senádor um dos tres Cand·idatos eleitos pelo povo.
Convoca extraordinariamente a Assembléa Geral.
São attribuições innocentes, que M.o podem trazer
invasão. O nomeado Senador he um dos eleitos dI)
povo. O Senado ' he quem verifica os seus poderes
revê e pronuncia definitivamenle sobre a eleição.
Quanto a convocação da Assembléa Geral note-se
bem que a Constituição diz-extraordinariamenle.-A
convocação ordinaria compele ao Poder Executivo, por- _
que um aeto cuja omissão póde dar cabo das liber-
dades publicas, deve estar a cargo de um Poder res-
ponsavel.

Sancciona os Decretos e Besoluç'ões da Assembléa Geml.


Se da a Sancção concorda com as maiorias das duas
Camaras. Os Representantes da Na-ção são o Impera-
dor e a Assembléa Geral. Pois bem, he um Repre-
sentante da Nação que concoda com outro. Não ha
nada mais normal. Que tem que ver ahi a responsa-
bilidade? Quem ha de accúsar, quem ha de respon-
sabilisar. A Camara dos Deputados e o Senado que
serião co-réos ?
Negci a Sancção, e note-se que, durante os 21 annos
do actual Reinado, ' ainda não foi negada a sancção a
lei alguma. Embaraça sómente, e temporariamente,
porquanto, pelo art. 65 da Constituição, tem essa de-
H. 7
-. 50-
negação effeito suspensivo sómente, visto que todas as
vezes que as duas legislaturas que se seguirem aquella .
que tiver approvado o projecto, tornarem successiva-
mente a apresenta-lo nos mesmos termos, eÍllender-se-
ba que o Imperador tem dado a sancçfto.

Qualquer conflicto que portanto !)e levantasse entre


o Poder Moderador e as Camaras teria assim uma
solução prudente e constitucional. Fica suspensa a
questão, e os do~s Bepresentantes da Nação appellão
constitucionalmente para o tempo e para a vontade
nacional, manifestada mais categoricamente, e pe-
rante a qual o Poder Moderador leria de curvar-se,
pois dispensa-se o seu assentimento.

Assim se a Nação quer certo movimento, e o I~­


perador, que a Constituição declara seu 1.0 Repi'esen-
tante, não o quer, Ô movimento póde, não obstante,
realizar-se, um pouco mais lentamente, e tirada toda.
a duvida de que a Nação b quer, por meio da reno-
vaçfto de seus Representantes electivos.

Que tem que ver aqui a responsabilidade de um


Ministro que referendasse a negativa da Sancção? A
questão be entre os dous Hepresentantes da Nação o
Imperador e a Assembléa GemI. He o Ministro que
ba de decidir uma questão sujeita á Nação reunida
em comicios eleitoraes?
E se pudesse haver r(~sp onsabilidade sómenle poderia
dar-se 8, 9, 10 e 11 annos depois qlJe duas legisla-
turas tivessem tornado a apresentar successivamente a
mesma lei nos mesmos termos. Porquanto são as duas
legislaturas seguintes o unico Juiz da questão.
51 - .

P;'oroya u Assembl6lt Geral. -.: Attribuição innocente.


e que não póde importar responsabilidade.

Adia a Assembléa Geral. Em tal caso tem de reunil'-


se para diélnte. PÓ de, o adiamento demorar a adop-
ção de alguma medida, e conservar o que estÓ, mas
não póde concorrer para dar poder ou força que a
Constituição e as -leis não tenhão dado.
Dissolve a Camata dos Deputados. Uas essa disso-
lução tem o carader de uma appellação, e o PolIer
Uoderadol' tenl de convocar immediatamenle outm Ca-
mura que substitua a dissolvida, e que tem de ser o
Juiz da qu estão que provocou a dissolução. Não he o
Poder ~loderador que a resolve. -He a Nação que es-
colhe homens, flue pen~cm como ella para julgar a
questuo. Ha conflicto entre o Represent-ante e Delega-
do da Nação Imperador e Poder Moderador, e o Re-
presentante da Nação Camara dos Deputados. Poderá
em circumslancias tão graves, tão solemnes, um MInis-
tro, que não he Representante nem Delegado da Na-
-ção, inlerpôr-se embaraçando aquelle recurso, com a
negativa da sua referenda?
O Poder Moderador apenas provoca o juizo da Nação,
recorre á origem e fonle de todos os poderes. PÓ de a dis-
solUÇão embamçar alguma medida q lle se pretendia
fazer passar, adia-a sómel!le se a nação a quer, dá-lhe
occasião de a reprovar mais categoricamente se a não
quer, e em todo o caso conserva o que está, e não confere
poderes e força que a Constituição não tenha dado.
Nom~a e demitte livremenle os ~finist1'os de Estado.
He um poder que as proprias fi epublicas conferem
sem péas ao Chefe do Estado, e que a ninguem mais
- 52

se póde conferir. Seria ábsurdo fazer depender da


vontade do Ministro que sahe a nomeação do Ministro
que entra. E onde não ha vontade e livre delibe- -
ra.ção não póde haver responsabilidade.
Suspende os At/ayistrados. Devem porém ser logo res- .
ponsabilisados. He o unico meio, aliás insufficientc,
que temos de fiscalisar o Poder judicial, que não
tem quem o fiscalise.
Quem em tal ' caso suspende .he um Poder indepen-
dente, o Poder Moderador. Quem responsabilisa he
outro Poder independente o Judicial.
« O Poder Executivo', dizia o Sr. Alves Branco na sessão
do Senado de 10 de Julho de 1841, he de muita importancia
e influencia; pOl' meio delle Magistrados póde haver que
dêem sentenças contra a justiça, ou opprimão innocentes só
pOl'que um lVIinisterio tem delles vinganças a tirar. Taes Ma-
gistrados poçleráõ ser suspensos e responsabilisados, se o Mi-
nisterio tivel' de referendar esse acto? Não haverá um Poder
Superior, todo movido pelos principios da justiça de clemen-
cia e de ordem, que possa tiral' das mãos de um Verres a
vam de feno com que opprime, com que insulta e menoscaba
o sagrado ·das leis?))

Se o Magistrado suspenso he condemnado pelo Poder


Judicial ao qual he. entregu'l, nenhum inconveniente
antes vantagem provém do exercicio do Poder Moderador .
Se he absolvido lucra o Magistrado na sua inde-
pendencia, e pelo triumpho da sua innocencia. Nada
perde I1a sua antiguidade e honorario8', Em todo o
caso não he por abi que' póde o Poder Moderador
engrandece.r-se. invadir, usurpar, e prejudicar as li-
berdades publicas.
Ha certas pessoas que imaginão possi vel nas socie-
dades humanas seguir á pista o mais pequeno desvio
53
das autoridades Supremas, accusa-las, responsabilisa-
las, puni-las por apprec.iações erroneas, como se pune
um faclo claramenle definido como crime nas leis. São
os irmãos terriveis da responsabilidade. Entretanto
quando exercem autoridade escapa tudo são e salvo,
posto que morlo e ferido de língua. Quando ha um
espirito e opinião publica vivaz e bem formada, ella
evita efficazmente muitos males', quando a não ha a
responsabilidade he por si s6 um remedio. inefficaz.

Perdoa as penas, concede amn'istias . . AUribuições be-


neficas, que não podem residir senão no Chefe Supre-
mo do Estado, c pelas quaes não p6de ' conquistar
poderes ou força que a ConstituiçãO lhe não tenha dado.

Em outro lugar voltarei a este assumplo, para mais


desen,::olvê-lo. Emprehendi aqui esta leve ~esenha s6-
mente para mostrar que não ha entre as attribuições
do Poder Moderador, nenhuma por meio da qual se
possa effecluar, sem o concurso principal de outras
legislativas e executivas, algum movimento, ou mu-
dança llas instituições do paiz, e que são todas ellas
eminentemente conservadoras, sem prejudicarem o
movimento pausado e reflectido.

!)lffet'cnça entre Imperador, Poder lUoderador e


Podei' Exeeutivo.

Em um folheto publicado em 1860, intitulado-


Da natureza e limites do Poder Moderador - geral-
mente aUribuido á pessoa que tem brilhado e brilha
54 -
pela sua poslçao, merecimento e luzes,' 'encontro,
entre outras, com as quaes me não conformo, a asser-
ção seguinte: -- na linguagem da ConstituiçãO geral.
mente Poder Executivo quer dizer Imperador.

Essa asserção, não obstante o geralmenle, pela ma-


neira por que está desenvolvida no dito fellheto, tende
a estabelecer uma confusão, que mudaria completa-
mente a nossa Constituição, e, sendo verdadeira, muito
facilitaria a soluçãO da questão da referenda, c da
responsabilidade do Poder Moderador, no sentido
em que a resolve o mencionado folheto.

Felizmente não he cxacta ' a referida asserção e


senão vejamos,
A Constituição emprega umas vezes a palavra Impe-
rador, e outras estas Poder Executivo, porque são di-
versas, e as faz diversas, e tem diverso a-lcance.

o Imperador he Representante da Nação, e seu


11rimeiro Hepresentante, arts. 11 e 98 da Constituição. ,
O Poder Executivo não o he.

O Imperador exerce o Poder Uoderador privativa-


mente, por uma delegação da Nação, conlo Chefe Su-
premo della, como seu primeiro Rcpresent~nte, e não
como Chefe do Poder Executivo. Prova evidente de
que a Constituição quiz separar completamente o Po-
der Moderador do Executivo.
Não seria uma contradicçãa palmar separar a Cons-
tituição completamente o Poder Model'ador do Execu -
tivo, e reuni-los depois pela refel'enda, tomando por
ella e pela responsabilidade o primeiro depenclente do '
segundo?
- 55-
o Imperador não he o Poder Execuli,'o, não cons-
.. titue por si só o Poder Executivo. He simplesmente o
Chefe do Poder Executivo. Não confundamos a parte
com o todo. He o Chefe de lJ.m corpo composto de
Agentes de cuja referenda dependem os actos desse
Poder, e sem a qual não podem ser executados. Por
ID{lis importante que seja a parte que possa caber
ao Imperador, como Chefe do Poder Executivo nesse
Corpo, não he elle o mesmo Corpo. Os Ministros , por
isso mesmo que são responsaveis, não podem ser
agentes passivos. Podem dizer ao seu Chefe-eu sou o
responsavel, e não tomo sobre mim essa responsabili.,
dade.

O Imperador não he portanto o Poder Executivo.


Applicai a referenda e a responsabilidade aos actos do
Poder Moderador, o Imperador, pelas mesmas razões,
não será lambem o Poder Moderador, mas simples-
mente Chefe do Poder Uoderador. -Ora isso he coutra
a Constituição.

A Consti tuição distingue formalmente no Imperador


o primeiro representante e Chefe Supremo da Nação, a
cjuem ella delegou privativamente as attribuiçõcs que
formão o Poder Moderador, e o Chefe do Poder Execu-
tivo.

Esta distincção he importantissima na nossa Consti-


tu.iÇão, e he mais uma prova da sua grande sabe-
doria.
Como Chefe do Poder Executivo, com Ministros res-
ponsaveis, o Imperador acompanha, discutindo, fa-
zendo observações, cedendo até certo ponto, o movi-
- 56

mento que as maiorias que dominão nas Camaras '


imprimem _aos negocios .. movimento q'ue não deve con-
trariar, principalmente quando he conveniente e justo,
conforme a opinião nacional, c necessario para que o
Governo se mantenha, seg undo as condições do sys-
tema Representativo. Deve então deixar govel'nar_ os
Ministros n'aquillo que lhe3 compete e ,pelo que res-
pondem. O Imperador como Chefe fiscalisa, observa,
, dirige o Conselho, atlendendo sempre a que os Mi-
nistros são responsa veis.

Mas' quando' vê que o movimento que os Ministros


ou a maioria da Camara dos Deputados querem im-
primir aos nego cios vai além da jus ta méta; que vai
caus~r sérios males difficeis de remediar depois; qu~
não he conforme á opinião nacional; que ha desac-
cordo entre as Camaras e o Ministerio; que os Mi-
nistros responsavei3 não tem mais a força necessaria
para: gerir os negocios com vantagem publica, intervém
como Poder ~Ioderador, e re~tabelece a ordem e a hflt-
monia, põe as co usas no pé em que devem estar pelo
exercício' das attribuições independentes d' esse Poder (t).

(I) Car le Roi etant environné de Ministres responsables, tandis qu'il


s'éleve nu dessus de toute responsabilité, il esl evident qu'i1 doil les laisser
agir d'apres eUI memes, puis qu'on s'en prendra à eux seuls de I'évene-
ment. S'i1s n'etaient que Ics exécutellr.> de la volonté royale, iI y aurait
injustice ales poursuivre pour des desseius qui ue seraieut pas les
leurs.
« Que fait donc le Roi dans sou Conseil? 11 juge, mais il ne Corce point
le Ministre. Si le Ministre obtempére a I'nvis, iI est sur de Caire une chose
excellente •.••• s'i1 s'eu écarte et que pour maintenir sa propre opinion, H
argumente de sa responsabilité, le Roi n'insiste plus; le Ministre agit,
(alt une (aute, tombe ; et le Roi clwnge SOIl JIIlinistre.» Chateaubriand.
De la Monarcbie selo11 la charte. Chap. 5.
« Le Roi n 'insiste plus ; Itl Ministre agit, fait une raute, tombe; et le
Roi chnnge sou Ministre» diz Chateaubriand. Refere-se á carla Franceza
que não tinha Poder Moderador. Por ella podia-se julgar necessario, que
o Rei cedesse, deixasse commettcl' o nelo i Ilegal ou incon veniente, para
que o Ministro foss e por elle derribado pela Camara. Depois do moi
"inha o remedio.
- 57
Benjamin Conslant esboçou aquella distincção, entre
o Poder Moderador e o Executivo, nos seguintes termos.

« o Poder ministerial bem que emanado do P~der


Real, tem comludo uma existencia realmente separada
d'este ultimo; e a differença he essencial e funda-
mental entre a autoridade responsavel, e a autoridade
investida da irresponsabilidade.
« O Poder ministerial he tão realmente a Uliica
mola para a execução em uma Constituição 'livre, que
o Monarcha nada propõe senão pelo intermediaria
de seus Ministros; nada ordena sem que a sua assig-
nu"tura õffereça á Nação a garantia de sua responsa-
bilidade (.l).
« Quand.o se trata da nomeação dos Ministros ,o
~IoJlarcha decide só; he direito seu incontestavel. })
..
o Senador B. P. de Vasconcellos, na sessão de 12
.de Junho de 1841, estabelecia a differença entre o
Imperador, como Poder Moderador, e como ·Chefe do
Poder Executivo .r;lOS seguintes termos:

« A Constituição faz dilTeronça entre o Poder Moderador e


o Executivo; só responsabilisa os Ministros pela referenda dos

Essa doutrina nno be rigorosamente applicavel entre nós. O Imperador,


porque exerce o Poder Modcmdor, tem mais independencia e largueza: NlIo
precisa esperar por lima votação semelhal\le. E quantos Ministerios, principal"
mente hoje, tem maiorias para'evitarem derrotas que Ihcs pOSS1l0 dai' a queda, e
com tudo não tem força surliciente para fazerem algum bem ao paiz, e para
arreda-lo das bordas de um abysmo quando para elle vá pendendo, mais
ou menos lentamente.
(1) Estas e outras proposições de Benjamin . Constant, pela sua letra
e porque de outro modo seria completamente contradictorio, referem-se aos
actos do Poder Executivo, ou mini sterial CCM110 lhe elle chama. Tenho-as
lido "citadas com applicaçllo aos actos do Poder Moderador, o que prova
que os que assim as cita vão , e com ellas argumentavllo, ou por falta de
reflexão mais detida, ou pelo habito de estudar as questões ás pressas de
um dia para outro,' não baviâo comprehendido bem aquelle distincto Pu:
blicista.
lI. 8
- 58-
Dctos do Pod'cl' Exccutivo, e por consequencia os nelos do
Poder Moderadol' são completos, ainda sem a referenda dos
Ministl'Os, 'J)
, ,
O Senador Lopes Gama (depois Visconde de Maran-
guape) accrescentava na mesma sessão:

« Perguntarei; se tal he a indole do Poder Moderador; se


x ,suas atlribuições nada tem que as separe da responsabilidade
~os Ministros, para que se estabeleceria na Constituição este
'capitulo do Poder Moderador, distincto e ' desligado do que
trata do Poder Executivo? Porque n'aquelle se diz :-0 Poder
Moderador he delegado privativamente ao lmpel'ador,-e n'este
se diz-o Imperador he o ' Chefe do Poder Executivo, e o '
'exercita pelos seus Ministros? A ditl'erença essencial e mani-
festa entre tstas disposições não he, nem póde ser outra se":
bão que o Poder Moderadol' he excrcido pelo lf!1perante, sem
que seus 8ctos dependão da referenda pal'a tel'em elTeiLo; os
llQ Poder Exccutivo porém, não se podem praticar sem essa
referenda. »

Retrahindo-nos, como forçosamente nos devemos re-


trahir, ás attribuições do Poder Moderador, quando
dizemos que sells aetos não tem referenda, veremos
que o seu exercicio sem ella não pód,e prejudicar os
direitos e libardade dos cidadãos.

Não confundamos aquellas altribuições tão distinc-


tas, tão claramente especificadas na Constituição, co~
as do Poder Executivo responsavel.

Dizia o Senador Paula Souza na dita sessão de 12


de Outubro:

« Mas he sabido que uma these da Constituição por si só


hão basta; he preciso seu desenvolvimento para que essa these
produza o etreito necessaril); e estabelecida a these de que o
- 59-
Imperador, como o que exercita o Poder Moderador, he ir-
responsave.l pelos aetos que praticar, he necessario que haja
as competentes garantias, para que a thcse se realize e pro-
duza elTeito.
« A Constituição estabelece como lhese que ninguem p6do
ser preso sem culpa formada. Estabelecido o principio do
Nobl'e Senador, segue-se que não se precisa dar garantias para
que ninguem seja preso sem culpa formada; porém sem o
desenvolvimento da these, sem se darem as necessarias garan-
tias, não poder-se-lia realizar. Logo se o principio cardeal da
Monarchia Conslilucional he que o Monarcha seja inviolavel,
para que elle se realize. he preciso que alguem se responsa-
bilise pelos aetos do Poder Moderador, que são actos emana-
dos do Monarcha, &c. »

Para que baralhàr de industria cousas tão desseme-


lhantes? Que analogia 'tem .1S attribuições do Poder
Moderador, em grande parte beneficas, .de aprecia-
ção vasta e larga, applicadas em circumstanciàs que
nenhuma lei p6de precisamente marcar e prevêr, con-
servadoras, com outras do Poder Executivo mais po,.
sitivas, aclivas, e pelo abuso das quaes se p6de dar
cabo da liberdade individual e publica? Ha alguma
attribuição do Poder Moderador, por meio da qual
possa elIe entender com a liberdade individual, e gâ-
rantias do cidadão?

Ao Poder Executivo responsavel he que competem


exclusivamente a suspensão de garantias e o emprego
de meios, cujo abuso póde prejudicar as instituições e
as liberdades publicas,

E se o lmperador sahindo do circulo restricto e


marcado pela Constituição das attribuições do Poder
Moderador, ordenasse, sem referenda, cousa não cem-
prehepdida n' ellas, obstaria á sua execução o art. 135
r - 60
da Constituição, collocadp no Capitulo intiLulado-Dos ·
l\'Jinistros-(Podcr Executivo), que diz -:-Não s:llva os
Ministros da responsabilidade a ordem do Imperador
vocaLou por escripto .

.,

§, 5.".

Fins do l"otIcr DIodel'adol'.

o Póder ~Ioderad6r não tem por f;j.m, nem tem nas


suas attribuições meios, para constituir nada de novo.
Não he Poder activo, S6mente tem por fim conser-
var, maderar a. acção, restabelecer o equilíbrio, man-
ter a independencia e harmonia dos mais Poderes, _o
que não poderia fazer se -estivesse assemelhado, re-,
.fundiüo e na dependencia de um d'elles.
O-ponde·ribus libmta SlÚS-, creio que de Ovidio,
tem sido mal applicado ás Constituições que tem só
. os tres Poderes Legislativo, Executivo e Judicial. He..,
lh~s mais applicavel o-sine pondere habentia ponclus-
do mesmo poeta. O certo he que todas essas Consti-
tuições, á excepção da Ingleza (a respeito da qual mi-
litão circumstancias inteiramente peculiares e. excepcio-
naes), tem perdido o decantado equilibrio. desappare-
c~ndo no vasto limbo que habitão tantas finadas
Constituições desequilibradas, sem terem ao menos
n'essa tristonha morada a esperança de redempção que
no ~ verdadeiro limbo ' alenta os antjgos Patriarchas ~
-'

-- GI

C~U'~\ctCl'CS _csscJlclacs do l'o,lcl' Modcl'lulol' llclu nossa


- . Constituição.

o Poder Moderador he um Podor P~lili~o, ()rt. 1~;


da Constituição.

Be uma delegação da Nação.


Todos os Poderes Polilicos são delegações da Nação,
(!.rt.. 12 da ConstituiçãO. Mas o Poder Moderador não
he delegação, como os oulros, simplesmente por vir-
tude da disposição geral (1' esse art. 12, he delegação
especial e privativa, por virtude do art. 98, que diz
-e he delegado privativamente ao Imperador.
- Be a Suprema inspecção sQbre o~ Poderes Legisla-
tivo, Executivo e Judicial, o alto direito que tem a
nação de examinar como os poderes por ella delega-
dos são exercidos, e de manter a sua indepenclencia,
equilibrio e harmonia; he essa Suprema inspecção,
esse alto direito que a mesma Nação, não o podendo
exercer por si mesma, delegou privativamente ao Im-
perador, revestindo-o das attribuições do Poder 1\10-
derador.

, Pois bem, he essa suprema inspecção, he esse allo


direito, he essa delegação privativa, que alguns querem
pôr na completa dependencia, não de outro Poder,
mas dos Ministros, agentes de outro Poder I
Be o Poder 1\loderadar ( bem como ou tros) delegação
da Nação, porque offerecida a Constituição (assim o
declara o seu preambulo) pelo Sr, D. Pedro I ás
observações dos Povos deste Imperio, para serem elIas
- G2-
depois presentes a uma" nova 'Assembléa Constituinte, .
requerêrão os mesm~s Povos juntos em Cumaras, que
fosse jurada e executada, approvando-a (I).

A referenda obrigada dos Mi nisl.ros para a exequi-


bilidade dos actos do Poder Moderador, he portanto
uma usurpação de uma delegação nacionaL

He mais o Poder NIóderador um Poder independente,


e não poderia ser independente, se o exercicio de 5uas
attribuições dependesse do assentimento do outro, ou
dos agentes de outro. Ver-se-hia muitas vezesimpossi-
bilitado para preencher o seu fim.

He um Poder essencialmenté con~ervador, como já


vimos_
Reside, todo inteiro no 1.0 Beptesentante da Nação,
o Imperador, arts. 11, 98 e 101 da Constituição.
He um Poder Supremo, e como tal pertence ao Chefe
Supremo da Nação, arts, 98 e 101 d~ Constituição. \
O Imperador Chefe Suprpmo da ~ação he uma cousa.
O Imperador simplesmente Chefe do Pod~r Executivo
outra.

o Poder Moderador he privativo, isto he, pertence


privativamente ao Imperador, como Chefe Supremo da
.
Nacão, art. 98 dà Conslituicão. .
(1) Na Cnrr.n Constitucional da Monatcbia ,Portugueza nllo he o Poder
l'oderador (nem o são os outros Poderes) delegaçilo da Na'Çllo, porque .eise
Carta nllo foi orrerecida á approvaç1\o dos Povos, foi decre'tada, dada, a
mandada jurar pelo Sr. D. Pedro IV, como se v~ do seu preambulo.
Nilo contém por isso, como contém a nossa Constituição, artigo algum
que declare os quatro Poderes delegaçOes da Naçllo. E tratando do Poder
Moderador diz -SImplesmente, no art. 71 c( O Poder Moderador he a chave
. de toda a organisaçi1o politica, e compete privativamente ao Rei, como
Chefe Supremo da Naçll.o, .para que vele .sobre a manuteuçll.o da indepén-
deucia, equilibrio, e harmonia ~os mais Poderes politicos.»
~ G3-
Privativariwnte em portuguez (vejão-se os Diccio-
narios) quer dizer com cxclltsão de outros. Foi sempre
essa a significação que teve essa palavra. Com exclusão
de outros. Que outros? Não pqde ser senão de outros
Poderes, a saber o Legislativo, o Executivo e o Judicial.
Se pertencesse ao Imperador como Chefe do Poder Exe-
cutivo, não seria mais privalivo, porque os agentes
d'este ultimo Poder, os Ministros, terião quinhão n'elIe.
Não se daria a exclusão que a Constitui~ão quer.

Sabem todos que á petição de principio he um argu-


mento- vicioso, o qual consiste em estabelecer como
faelo, como principio, em dar por liquido, e demons-
trado aquillo mesmo que está em questão.

Os que pre-tendem que os actos do Poder ~{oderador


dependem da referenda para a responsabilidade dos
Ministros, demonstrão essa these (descarnadas as de-
monstrações) da seguinte maneira:
He absurdo que a inviolabilidade do Imperador não
seja coberta e protegida pela referenda dos Ministros
do Executivo. Logo os actos do Poder Moderador, para
que sejão exequiveis, dependem de referenda pela qual
assumão os Ministros a responsabilidade de taes actos (1).

(1) Já vimos a paginas 26 a 31 que o Senador Vasconcellos resumia assim 08


a!gumentos apresentados pelos propugnadores da referenda. E ainda nllo sa-
blrllo desse terreno unico que tem, como se vê das ultima.s discussOCs da
Camara dos Deputados.
G4 :-

Be uma verclaJeira petição de priuClplO porque o'


membro principal do syllogismo he aquillo mesmo que
Jle questionado.

Pódo-se retaliar do seguinte modo.

. Be absurdo - formar com todas as atll'ibuições de


natureza neutra um 4.° Poder, eleva-lo á categoria
de Poder Político, declara-lo delegação d~ NaçãO, con~
fia-lo ao Chefe Supremo e primeiro Representante da
Nação exclusivamente, isto he com exclusão de todos
os outros Poderes, e portúnto do Executivo, distingui-19
e separa-lo accuradamente do Executivo, tratar delle
em capitulo separado da ConstituiçãO, e logo depois,
por uma inexplicavel revira-voHã, convertê-lo el1! ra-
badilha do Executivo (1).

Para que negar certas attribuições a um Poder es-


sencialmente responsavei, confia-las a outro irrespon::-
savel, para. 'na occasião da execução dos respectivQ~
actos, leva-los para o primeiro, fazendo:-os delle de-
pendentes. Não era tüo simples, como em outras Cons-
tituições, entregar ao ·Poder Executivo, clara e fr~ri­
camente,. as attribuições dQ Poder Moderador?

o folheto que acima ci tei colloca uelle as suas baterias, como se vê dos
seguintes trechos:
« Todas as theses da Constituição, relativas ao' Poder Moderador, são, como
se vc, dominadas por aquella que solemnemente declara a pessoa do ImL
pemdor - inviolavel e sagmda, uno sujeita a responsabilidade alguma.
« Ora diz o bom senso que declarar (em paiz livre) trresponsa,'el uma
pessoa, a quem se confião tão transcendentes fllncções, implicaria grave
àbSllrdo, se a sua inviolabilidade não fosse protegida pela respollsabilidadé
de fuuccionarios sem os quaes 'nada podesse lévlL'l" a errei/o. )J
. (1)« Dizer que um Poder he privativamente delegado a uma pessoa, e que
he independente de outro qualquer Poder, e querer ao mesmo tempo que
s6 obre por via delle, he inintelhgivel. )) Discurso do Senador Alyes Branco
na sessão do Senado de 10 de Julho de 18.1. _ . .
- 65-
Serião dOlls absurdos e um compensaria o outro. Mas
qual he a opinião que he absurda? Estamos outra
vez no mesmo terreno.

Ne~ sahiremos delle em quanto não procurarmos


a verdade, pela analyse do Poder Moderador, de sua
natureza, caracteres, fins, alcance de suas funcções, e
de todas as disposições da Constituição que lhe são
relativas, não destacando-as; mas considerando o seu
todo c jogo. D'ahi resultaráõ as conclusões verdadeiras,
e não da applicação, dando-o como inconcusso, e de-
monstrado, do mesmo principio que está em questão.

§ 8.°

Pela ~6ssa Constituição são exequlveis os Retos do Poder Mo-


derador sem a referentla dos Dllnistros.

P renotarei que as questões que alguns separão - Os


actos do Poder Moderador são exequiveis com ou sem
referenda? São ou não por elles os Ministros respon-
saveis?-refundem-se em uma só. Se a referenda he
indispensavel, he certamente por causa da respolJsa-
bilidaâ.e. Se não he precisa, he certamente porque os
Ministros não tem responsabilidade legal (t).

(1) c( Tocla a questão, dizia o Senador Alves Branco na sessão do Senado


de- 10 de Julho de 1841, se reduz a isto - os actos do Poder Moderador
devem ter referenda dos Ministros? - questilo que se reduz ou equivale a
e est'outra, a saber: - Os aetos do Poder Moderador são responsaveis?
Porquanto hc evidente que da mesma maneira que se resolver a I.a, resol-
ver-se-ha a segunda pela negativa ou affirmativa. Sim, a quesl.ilo rle responsa-
bilidadc está perfeitamente envolvida na questão da referenda dos Ministros; se
sc decidir que devem ter tal I'cferenda, então s6 elles deyr.m ser os responsaveis;
e cahe a minha emenda; se se decidir que ufio dcvem ter tal referenda, entilo os
Ministros n1l0 devem ser responsavcis, e tratarei dc mostrar quem melhor
poderá escrever, authenliear c expedir os aetos do Poder Moderador em
Conselho, que be a materia de minha emenda. II
11. 9
- 66
Principiarei, como o Senador Alves Branco; pela
ConstituiçãO, e concluirei com a Constituição, porque
esta questão he de Direito escripto, e não de jure cons-
tituendo. He de jU'l'e constituto. ·

, Diz a Constituição, art. 98 (fonte principal da material


que o Poder Moderador he a chave de toda a organisação
política, e he delegado privativamente ao Imperador.
Delegado por quem? Certamente que pela Nação,
porquanto o art. 12 da Constituição diz que o Poder
Moderador he delegado da Nação.

Já observei em outro lugar, que a palavra exclusi-


vamente em portuguez, quer dizer-com exclusão de
outros -e portanto aqui, com exclusão dos outros
poderes.
Logo o Poder Moderador, por força do art. 98 da
Constituição exerce as suas attribuições, isto he as attri-
buições marcadas no art. 101 da ConstituiçãO, com
exclusão dos outros Poderes, e portanto do Executivo.

Com exclusão do Poder Executivo. Será com exclu-


são do Imperador que he Chefe do Poder Executivo.
Não porque a Constituição confere o Poder Moderador
expressa e nomeadamente ao Imperador, que declara
tambem Chefe do Poder Executivo:

Quem he pois o excluido· pelo -privativamente-?


Não o podem ser senão os Ministros.

A Constit.uiçãO fez os Poderes políticos independen-


tes. Encarregou o Poder Moderador de manter. essa
independencia, de equilibra-los, de harmonisa-Ios.
- 67-
Fez porlanto para esse fim o Poder Moderador su-
perintendente, fiscal, .superior aos oulros Poderes. Fê-lo
portanto, senão mais, tão independente como os outros,
porque de outro modo ser-lhe-hia impossivel preen-
cher a sua missão.

Ora quaes são os poderes cuja independencia, equi-


librio e harmonia ,he o Poder Moder~dor encarregado
de manter?

São o Legislativo, Executivo e Judicial. Dissolve a


Camara dos Deputados; nomêa e demitte os Minislros,
suspende os Magistrados; perdõa e modera as penas.
Logo o Poder Moderador he superintendente, fiscal,
superior ao Poder Executivo para o fim de o fazer
entrar na sua orbita, quando prejudique a indepen-
dencia dos outros Poderes. e para o repõr em equili-
brio e harmonia com estes.

Fazer depender lodos esses actos do Poder Mode-


rador da referenda, e portanto da apreciação e yonla-
de de agentes de outro Poder, o Executivo, he por cerlo
refundir o que a Constituição separou; he por certo
destruir, nullificar um Poder privativo, independente
que a Constituição creou; he fazer depender o fiscal
do fiscalisado .
. O Senador Paula Souza dizia na sessão do Senado
de 12 de Julho de 1841 :
« O ideal da Monarchia Reprcsrntativa, ideal que está
expresso na nossa Constituição he que os Poderes políticos sejão
divididos: eUa classifica esses Poderes, e marca as atlribui-
ções de cada um; mas como esses Poderes podem chocar-se
entre -si, cra preciso que houvesse umjl nutoridade supc1"ior a
- 68 -:-
ttf,do, que, l)ara interesse do paiz, podesse harIDonisar esses-
Poderes. Be isso o que a COl)stiluição determinou creanQo
um Monarcha hereditnrio. Os interesses }lroprios desse ~lonar­
cha hereditario, e os de sua familia estão identificados com
os "interesses nacionaes. H e a" autoridade que está acima de
tudo para vigiar todos os agentes da Sociedade; quando vê
que um Ministerio he inepto elIa o derniUe; quando vê que
urna Carnara he prejudicial aos interesses do p~iz ena a dissolve;
qpando vê que o Poder Judicial abena dos seUS deveres, e
posterga a justiça ena suspende os Magistrados. » (1)

o mesmo il1ustre Senador como vimos no 1. tomo


t
0

desta obra a paginas 275 e 277 eptendia que o Con-


t

selho de Estado politico tinha por fim auxiliar o Mo-


narcha e não o l\finisterio; e que devia ser conside-
rado como fiscal do Ministerio, por isso que o Monarcha
o· consulta para não ser sómente dirigido pela acção
ministerial.
Como pretendia elle ao mesmo tempo que as deli-
berações do Poder Moderador não pudessem ter effeito
sem que os Ministros as referendassem? Os fiscalisados
impedindo com o seu veto as deliberações do fiscal I

- Assim a intelligencia que exige a referenda e res-


pOI).sabilidade dos' Ministros do Poder Executivo para
que sejão exequiveí~ os aclos do P04er Moderador
traz comsigo as seguintes inadmissíveis cons~quencias.

(1) Mas qual era a conclusão que o iIlustrado Senador tirava desta bella
descripção que encerra a verdadeira theoria do Poder Moderador? A con-
clusão faz cabir das nuvens. Ei-Ia -Tudo isso porém não póde ser feito
senão com a referenda, com a responsabilidade. com o ben'lplacito dos
agentes interessados de outro Poder, que póde ser o que está fóra da ordem.
Assim a Constituiçllo-1JOnderibus librata suis-teria collocado cada um
dos Poderes em uma concba da balança, e depois de os haver equilibrado e
estabelecido o meio de manter o equilibrio e harmonia, teria atirado com
todo o peso do neutro, do superior do que está acima de tudo, na comha
de outro, reunindo dous em uma! E isto para fazer equilibrio! Não faça-
mos á Constituição a injuria de a suppllr tllo absurda.
" - 69-
,
Anniquila a delegação privativa 40 Poder Moderador
feita pela Nação ao seu 1.0 Representante e Chefe Su-
premo, porquanto:

Reparte essa qelegação <la Nação com agenles, & c.


de outro Poder que não são delegados della. O P04er
Executivo he delegação da Nação, mas os Ministros
sós não constituerp. o Poder Execl}.t1vo.

C:onfunde o primeiro Representante, o Chefe Su-


premo, o Delegado privativo da NaçãQ com os agentes
qe um outro Poder, os quaes não são Representantes,
nem Chefes, nem Delegados da Nação.

Sujeita o sl}.perintendente, o fiscal, o neutn>, o su-


perior, o qpe está acima de tudo ao fiscalisado.

Destroe completamente a independencia de um Poder


Politico, o Moderador.

Destroe o equilíbrio que o fo~er Moderador he


encarregado de manter, e empece o seu restabeleci-
plento.

Em uma palaua, acaba com o art. 98 da Consti-


tuição.

A responsabilidade suppõe uma norma, um padrão


pelo qual tem de ser aferido o acto do responsavel.

A acção do Poder Moderador depende de aprecia-


ções tão superiores, tão va&tas, tão vagas, tão com
plex,as, 4e cirçuplstílnçias 140 variavei~" que A lej não
70 -
póde marcar as condições da responsabilidade no-
seu exercicio.

Ha com effeito actos e autoridades que não podem


ter outra responsabilidade .senão a moral, e as con-
sequencias desses mesmos actos, pela influencia que
exercem sobre a massa da Nação, fonte de todo o
poder. Ha pontos em que a responsabilidade esta-
belecida nas leis criminaes tem de parar, ou pela na-
turezà das apreciações em que he baseado o acto;
ou porque não ha ·superior que a verifique senão a
massa nacional; ou finalmente porque a Constituição
dá outro remedio.

Nem em questões politicas e de partido, que só-


mente são avaliadas por considerações e interesses de
partido, pó de haver justiça no julgamento por cor- '
porações políticas, compostas de Gregos e Troyan0s . .
Qual he a lei que marca, (e póde uma lei mar- ·
ca-Ias?) as condições e circumstancias que se devem
dar para que seja convocada extraordinariamente,
adiada ou dissolvida uma Camara? Depende tudo
de cir0umstàncias mui variaveis e complexas que na
occasião actuão, e da sua apreciação.

Póde uma lei fixar os casos e as circumslancias


em que deverão ser concedidas as commutações de
penas, os perdões e as amnistias? ·

A com mutação e o perdão dependem de circums-


lancias minuciosas e especiaes que em _cada um dos
casos podem tornar menos justa a applicação da lei
que o Poder judicial não pó de dei~ar de applicar,
- 71-
o poder de agraciar suppõe necessariamente a facul-
dade de pôr de lado as leis, cuja applicaçiio rigo-
rosa aquellas circumstancias especiaes tornão menos
justá. He um Poder, o qual, como Deus de quem
emana, em parte alguma tem limites. He o unico
do qual se póde dizer.-Princeps a legibus solutus cat.

As amnistias dependem de considerações de huma-


nidade, e do bem do Estado.

Onde existe um padrão do bem do Estado.?

o partido contra
cujo poder e interesses se houver
uma parte da população revoltado, dirá: - o bem do
Estado consiste na punição dos revoltosos - o partido
contrario dirá-o bem do Estado consiste em que se
lance o véo do esquecimento sobre tudo.

O Poder Moderador dissolve uma Camara. Exerce


uma attribuição que a Constituição lhe dá. Não inva-
dio, não usurpou. Está no seu direito. Não póde haver
responsabilidade pelo exerciciQ de um direito que a lei
confere sem condições. Aquelles cujas idéas vistas e
interesses a dissolução ferio, clamão que as circums-
tancias forão mal apreciadas, mas como dizião os Ro-
manos- Cogitationis pumam nemo patitur.

A dissoluçãO não he mais do que uma appellação


para a Nação, e ninguem deve ser punido porque
lança mão ' do recurso que lhe dá a lei sem condições.
A lei seria contradictoria e cruel dando o recurso e
punindo quem usa delle.
A unica sentença que póde ter lugar hc a que sahe
das urnas eleitoraes.
- 72-
Ou a maioria da Camara que de1!t causá á dissolu':'
ção triumpba, bu vencem seus adversarios. A queslãd
fica df:cidida, e tanto e~ um como em outro caso, a
nova Camara não p'oderia ser juiz impárcial na ques-
tão politica da dissolUÇão.
Quantas dissolQ.ções não tem tido lugar nOs paizes
regidos pelo systema Representativo? Na Inglaterra são
elIll's frequentes. Quantos Ministros tem sido responsa-
, bilisados e" condemnados por motivo de dissolução' de
Camaras?

Não' tem conta o numero de' Ministros nomeados e


demitlidos nos paizes regidos pelo systema Represen-
ta,tivo. Quaes forão ·accusados pela referenda da Ifomea-
ção de seus successores? Se por ella fossem sujeitos
á responsabilidade, terião um motivo muito justificado
para se perpetuarem no poder contra a vontade irres·"
ponsaveL Dirião- Os successores qtle ' nos quereis dar
vão c@mprometler IDS negocios publicos., e serem0S pela
nossa referenda l'esponsaveis por tão más nomeações.
Deixamos-nos ficar, porque ninguem ha mais capaz
do que nós.

O Principe de Polignac expiou por um longo cativeiro


no Castello de Ham a referenda das celebres ordenanças
de Julho. Ninguem se lembrou de accusar o Ministro
qUe havia referendado ' a sua nomeação.

O Poder ~Ioderador escolhe na lista triplice um dos


tres nomes' que o Corpo eleitoral lhe apresenta para o
preenchimento de uma vaga de SeNador. O' Senado
verifica os poderes e dá assento ao nomeado. Como
poderia ser o responsavel o Ministro que referendasse a
- 73-
Carla Imperial, sem que' o fosse'm os Eleitorê; e o S~­
nado? Quem julgaria o ~finistro? O Senauo que deu
assento ao nomeado?

. O Senado nega assento' ao nomeado. Para que podesse


ser responsabilisado o Ministro que referendasse a Carla,
seria illdispenzavel que tivesse o direito de annullar
a eleição, e de mandar proceder a outra; o que entre-
garia o Senado ao Poder Executivo.

O Poder Moderador sancciona uma lei, a qual deve


necessariamente ter sido adoptad~ por ambas as Ca-
mara~, pois de outro modo não a poderia sanccionar.
Dada a necessidade da referenda, e se por ella fosse o
Minisko re.sponsavel, dev~rião sê-lo támbem as duas
Camaras autoras do delicto, do qual seria apenas com-
plice o Ministro. Quaes serião os accusadores e juizes
do Ministro? Ás mesmas Camaras que adoplárão
a lei?

O Poder ~Ioderador não sancciona. A ConstitUição


estabelece o competente eorréctivo no seu art. 65,
como já vimos.

o Senador Pauln SJuza na sessão do Senado de j 2


de- Julho de 1841, querendo provar que no exercicio
das aUribuições do Poder ~ioderador o Imperador po-
diá fazer mal, dizia que o podia fazer:

« Sanccionando os Decretos e Resoluções da Assemhléa Ge-


ral para que tenhão força de lei. Quantos Decretos e Resolu-
ções não podem prejudicar o paiz sendo sanccionadas? Mas
quer-se que isto seja ncto privativo do Monarcha, sem que
haja quem seja o responsavcI. »
li. 10
De maneira que seria respollsavel um Ministro, porque
deu seu assentimento ao accordo dos Hepresenlantes
da Nação o Imperador e a Assembléa Geral I ! E quem
responsabilisa e julga o "Ministro por tão enorme de-
licto? As mesmas Camaras que approvárão a lei e
depois lhe dizem - nós vos accusamos e condemnamos
como responsavel por haver o Poder Moderador eon-.
cordado comnosco I
Nem podem sorprender alguem 0plI!lOeS tão des-
sabelladas, pOl'que já houve ' em 1842 quem exigisse
muito sériamente que o Imperador suspendesse a exe-
cução das leis da reforma judiciaria e do Conselho de
Estado, leis adoptadas por grande maioria de ambas
as Camaras, sanccionadas, e em execução; em . uma
palavra leis. O Poder Executivo suspendendo leis I Custa
a crer, porém está escripto.

O mesmo Senador Paula Souza proseguia preten-


dendo provar que o Imperador no exercicio do Poder
Moderador podia fazer mal e portanto que os actos
deste devião depender de referenda, formulando as s~­
guintes supposições:
Suppunha
Que o Poder Moderador nomeava Senador pp.ssoa ,
na qual não se verificavão as circumslancias indispen-
saveis para sê·lo.
Esta supposição importa necessariamente outra, a •
saber, que o Corpo eleitoral elege uma pessoa que não
se acha naquellas circumstancias. E para que o indivi-
duo mal eleito e nomeado entre no Senado, he indis-
pensavel que o mesmo Senado, na verificação' dos
Poderes, o adrniUa.
-' 75-
Suppunha mais 9 mencionado Senador:
Que o Poder Moderador dissolvia a Camara: que
eleita outra a dissolvia tambem, e mais 3:,4. 11 , &c.,
de modo que nunca houvesse Camara dos Deputados.

Que nomeava para Ministros estrangeiros natura-


lisados; o que o art. 136 da Constituição exprf:lssa e
litteralmente véda, dizendo: -Os Estrangeiros, posto
que naturalisados, não podem ser Ministros de Estado.

Que suspendia todos os Magistrados do Imperio, de


modo que a justiça publica deixasse de ter acção.

Que perdoava a um réo de crimes muito atrozes,


cujo~ perdão
affeclava todos os interesses da Sociedade.
,

Que concedia amnistia a criminosos que subvertem


a Constituição do Es~ado.

Que hoúvesse quem de proposito fizesse esses males,


contando com a amnistia. - ;,

Quaado um homem que possuia a dialeclica e illus-


tração, que incontestavelmenle possuia o Senadl)r
Paula Souza, recorre a semelhaptes meios, he porque
hão encontra outros.

Não analysarei aquellas supposições, e limitar-me-hei


a transcrever a breve resposta que, na mesma sessão
c. immediatamente, lhe dava o Senador Alves Branco.
« Ora o Nobre Senador, para poder combater a minha
emenda, figurou a Sociedade fóra do estado normal, o Estado
em revolução, tudo fóra de seus eixos; eu até nisto acho
mesmo que II minha emenda cra assentada em verdade e
- 76
utilidade, porque olla não póde ser combatida senão flguran·
do-se a Sociedade em complela desordem, como he suppÔr-se
quo o Poder Moderador podia mandar fazer revoluções para
amnistiar os revolucionarios; annullar o Poder judicial, sus-
pendendo todos os Magistrados; nulliftca!' o Poder Legislativo
dissolvendo constantemente a Camara dos Deputados, &c., & c.
nem se vê quo todas essas hypolheses, 50 são possiveis, o
podem lior tambem no systema que o Nobre Senador apregoa.
« O Nobre Senador parece que assenta que os males que
tem soITrido as Nações modernas tem vindo de que falta essa
nlspol1sabllidade; ITlas nós vemos que nas Nações em que tem
havido desordens contra o Throno havia essa responsabilida-
de. O motivo dessas revoluções he o espirito B.epublicano
que ataca as Monarühias, espirito que procura ter predomi-
nio, he vel'dade. Antigamente os homens se entregavão a mui-
tos afazeres v, g. exploruvão as matas, ' as brenhas, os mares,
as minas, emfim explora vão tudo como hoje, mas deixavãQ
o poder á exploração de poucos; depois p,'incipiárão muitos
a explora-lo; e hoje, a fallar a 'Verdade, o querem explorar
todos sem distincção, e expl()ra-lo com furor muito exagerado.
Não reprovo que todos procurem habilitar-se para servir bem
a Sociedade; mas o modo por que hoje as cousas marchão a
eite respeito he de certo bom trisle.
« Ei&-Jqui d'onde tem vindo essas revoluções modernas, eBas
hão de acabar quando a eITerves'cencia da ambição rr.al enten-
dida cessar, o quando se chegar bem a conhecer a.té que
ponto se podem levar os principios que garantem a autori-
dade, e os que garalltem a liberdade, pois que eu não con-
cebo como seja possivel haver paz em uma Sociedade Qm
que se não guardão essas duas ordens de prin~ipios, ou antes
o elemento antigo que quer conservar o que está creado, e o
clamento moderno que quer invadir tudo, que quer destruir
o que ex.iste, como IIe da natureza da cousa~ »

Accrescentarei a essas palavras do insiglle pensadúr,


que he puerilidade acreditar que em épocas 'de agi-
tação e movimento, de exaltamenlo de paixões e inte-
resses políticos, nas gt'andes crisp.s, nas grandes lutas,
77-
quando os laços s.ociaes estão relaxados, quando as
instituições dõ paiz combalidas vacillão, ,póde o medo
da acção ordinaria, ,regular e lenta da responsabili-
dade ministerial evitar certos males, e dernover do
seu prop.osito os que conspirã.o contra as instituições.
Confiã.o que bão de vencer n.os seus plan.os, e então
as batalhas serã.o os pr.ocessqs, as vict.oria~ serão ai
~entenças, e essas vict.orias hã.o de varrer todas essas,
então, teias de aranha da responsabilidade.
O medo da resp.onsabilidade ' evitou por ventura na
França o golpe dQ Estado de 2 de Dezembro, que de
um moment.o para .outro, a c.onverleú de Republica
em Imperio? Afast.ou p.or ventura tantos outros g.olpes
de Estado de que reza ~ historia? Golpes de Estado
com referenda para a r~sponsabilidade I

E se .o Chefe do Estado tiver prestigio e f.orça bas-


tante, se quizer e puder, se lhe nã.o .obstar .o espírit.o
public.o, 'dar cab.o de certas liberdades, deixa-I.o-ha de
fazer por falta de quem referende seus act.os? Está
visto que Rão emprehenderá levar á execuçã.o .o seu
plano sem um partid.o que o auxilie, e que n'elle acharia
tant.os mais indi~idu.os ' que referendassem seus actos,
quant.o mais probabilidade tivessem de ganharem na
parada altas posições e outras vantagens.
A responsabilidade ministerial deve existir, deve dar-
se em todos os actos do Poder Executiv.o, que todos a
admtltem, e n'elles se dá pela nossa Constituição. Cons-
titue uma garanliaimporlante, principalmente em épocas
normaes,' mO as, felizmente para as liberdades publicas
nã.o be ~ unica, direi mesmo não he a principal, sobre
que e1111s descansão ..
- 78-
Examinando-se cum attenção a lei da responsabili··
dade dos Ministros, de 15 de Outubro de 1827, confron·
tando seus artigos com as attribuições do Poder Mode·
rador marcadas no art. 101 da Constituição, yerifica-se
que aquellas disposições penaes restrictas a acções defi·
nidas, não alcanção, não abrangem os actos d' aquelle
Poder si~plesmente, e. quues a Constituição os auto·.
rIsa.

São actos puramente moderadores, conservadores,


que tem na Constituiçã.o ·correctivo proprio, e que pela
sua natureza e alcance, sem o emprego dos moios dos
quaes dispõe só o Executivo, não pódem attingir fins
criminosos; como, por exemplo, d,estruir a fórma do
Governo. a independencia, integridade da Nação, ruc.

A. applieação da nossa lei da responsabilidade dos


'Ministros, reüahe, pela sua letra e espirito sobre factos
positivos e certos, sobre crimes definidos na legislação
criminal, e não sobre as apree~ações vastas e largas,
em que forçosamen te tem de basear-se os actos do Pouer
l\loderador, .os quaes, para a applicaçúo aos casos e
circumstancias oecorrentes, não tem padrão em .parte
alguma.

Admittamos, por um momento, a supposição de que


um l\lonarcha tenha em vistas, por exemplo, destruir
a fórma de governo, eJbrar contra os direitos indivi·
duaes dos cidadãos marcados na Constituição, e que·
tem por base a liberdade, segurança e propriedade.

Não lhe fornecerião as attribuições do Poder Mode·


rador meios para ISSO. DependerÍi.\ forçosamente de
79 -

aetos positivos do Pouer Execlltivo, e portanto da refe-


tenda de l\finistros responsaveis.
Esses actos estarião comprehendidos na lei da res-
ponsabilidade dos Ministros.

Be este mais um poderoso argumento, entre os mui-


tos que demoDstrão a proposição que escrevi no prin-
cipio deste capitulo- Pela nossa Constituição são exe-
quiveis os actos do I'oder ~Ioderador sem a referenda
dos Ministros.
Não falta quem exagere por tal modo a maxima- ·
O Rei reina e não governa-que entenda que o Mo-
narcha deve limilar-se a nomear os l\1inistros· indica-
dos pela maioria da Camara dos Deputados, a deixa-
los governar como entenderem porque são elles os
responsaveis, limitando-se a assignar os Decretos que
apresentarem, e a conceder-lhes demissão quando us
Camaras não os quizerem mais, ou elles mesmos não
quizerem mais servir. O Sr. Andrada Machado dizia
na Camara dos Deputados (sessão de 19 de Maio de
184.1): -Sr. Presidente, os Soberanos não governão.
reinão; governão os Ministros. O que importa pois que
o m:imisterio governe mal, quando o 1J10narcha, que só
'reina, nada tem cO/n ·os vicios de sua administração.

Admiltidá tal doutrina o Poder ~Ioderador perten-


ceria exclusivamente aos l\linistros, doutrina contra a •
qual protestão a letra e espirito da Constituição.

Ordinariamente os Ministros são chefes de um par-


tido, apoião-se em um partido, com cujas idéas e in-
teresses não podl'ID deixar de ir, ao menos até certo
ponto, de accordo.
80 -
- 'v Se o Monarcha não pudesse fazer cousa alguma, dizia o
Senador Alves Branco (Visconde 'de Caravellas) senão o que
guizer o partido que subir ao Poder, cu não sei como o No-
bre Senador poderá, provar que vivemos em uma Monarchia"
que temos ' as garantias de estabilidade que a Constituição cs-
t~beleceu; por isso he que eu disse tambem que desde que -a
referenda fosse necessaria em todos os casos, desappareceria em
todos os . casos o Poder l\foderadQr, appal'Cceria s6 o Poder
Executivo, que sendo de sua natureza apaixonado e parcial
estragaria a pureza do Poder Moderador, o reduziria a nad!l,
e mesmo o envolveria nos , odios de todos os Ministerios, sem
remedio, porque o Poder Moderador nenhum, bem poderia fa-
zer a subditoi seus, que não fossem do parti.do do seu Minis-
terio.» .

Supponhamos que a nomeação de Senadores, pela


referenda e consequente responsabilidade, he actô em
que sempre e necessariamente tem de inte!vir os Mi-
nistros. O Imperador e os Senadores são vitalicios, os
Minislerios, e a estada no poder dos partidos dos
quaes são tirados, transitorios. O Senado tem um nu-
mero fixo de membros, e compõe-se de homens que
mais ou menos pertencem aos partidos, em que se de-
vide o paiz; não póde s~r dissolvido, e sómente se re-
nova lentamente, pelo preenchimento dos vasios que
vai abrindo a morte.

Supponliamos mais que um :aiinislerio- dura tres ou


• quatro annos, e que durante esse espaço de tempo se
. dão 8, 9 ou 10 vagas rio Senado; o que he muito pos-
sivel.

o :aiinisterio por sua influencia ha de' auxiliar a


-eleição e nomear homens importantes' do seu partido.
Aliás descontenta-os, e póde perder, um
,apolO, '1ue
- 81 -"
talvez lhe seja indispensavel. Não p6de esse reforço
dado a um dos lados do Senado, formar ahi uma
maioria pe.rmanente e ·systematica, que torne impos-
sivel o governo do outro lado, quando o imperio das
circumstancias, uIpü maioria da Camara dos Deputa-
dos e a vorttade do Chefe do Estado o chamem a go-
vernar, o paiz? Não virá esse estado de cousas crear
-
confhctos entre as duas Camaras, e impôr ao Poder
:&lodetad.or a nomeação de Ministros que agradem s6-
mente á maioria do Senado?

Sõmente o Pnder~ Moderador póde, pelo livre e in-


dependente exercicio de_ sua prerogativa, évilar esse
mal gravíssimo.

Creio ter demonstrado que o que a Constituição


(bem entendido a nossa) r.stabelece e quer, he justa. .
mente aquillo que os sustentadores da referenda qua- .
lificão absurdo; e portanto que a sua argumentàção
c-onstitue rigorosamente o que os logicos chamão peti-
ção de principio. Não ha maneira mais facil e com-
moda de argumentar do que, forrado o trabalho de
o demortstrar, declarar absurda a proposição do ad-
versario, e adoptar essa declaração como base meon·
cussa da conclusão ú qual queremos chegar.

Creio tambem ter demonstrado, com o auxilio de


homens eminentes nosso~, que absurdo, á vista da
Constituição (falIo sempre da nossa, não das Cartas
l~rancezas e outras), seria fazer dependentes os aetos
do nosso Poder Moderador dos Ministros.

Outrosim que hc justamente n'aquillo que os sus ..


tentadores da: referenda chamão absurdo, que malS'
n. 11
- 82-
sobre~ahe e brilha a sabed0ria da nGssa 'Consti-
tuiÇãO.
Proseguirei, não obstante! porque a materia está
• lq,nge de estar esgotada.

Os_artigos 1I0i, fO~. e f3~ da Constituição.

o Capitulo LOdo Titulo 5.° da Constituição, .que


se intitula-Do Poder Moderador-diz no art. 101:
({ O Imperador exerce o Poder' Moderador:
§ 1.0 Nomeando os Senadores, &c., &c.

O Capitulo, que se segue immediatamente a este,


que he o 2.", e se in titula-Do Poder Executivo-diz
no art. 102;
« O Imperador' he o Chefe do Poder Executivo, e
o exercita pelos seus Ministros de Estado. » ...

Note-se que esses dous artigos, 101 e 102 os quaes


morão na Constituição paredes meias, estão comludo .
collocados em capitulos differentes, um intitulado-Do
Poder Moderador-outro-Do Poder Execulivó.

O art. 101 diz-O Imperador exerce as attribuições ·


do Poder Moderador.-O arL 102 diz-O Imperador
exercita o Poder Executivo pelos seus Ministros de
Estado .

. O que he que entra pelos olhos, '0 ·que . he que se


p6de logicament~ conclui~ d' ahi pela simples confron-

83
taçüo d'osses paragraphos, mormenle combinando-os
com o-privativamente-'-do art. 98, senão que as ,
palavras-pêlos seus Ministros-do art. 102 confirmão"
tornão mais patente a sua exclusão no art. 10'1, isto he-,
no exercício das attribuições do Poder Moderador?

Cumpre cQI;nbinar mais com esses artigos o art. 132


da mesma Constituição que diz:
« Os Ministros de Estado referendaráõ ou assignaráõ
todos os actos do Poder Executivo, sem o que nllQ
poderáõ ter ex.ecução » (1 )•

Este artigo da Constituição, e a falta de disposiÇ.ão


igual a respeito dos' actos do · Poder Moderador, seria
bastante para convencer que estes não precisão de re-
ferenda para poderem ter execução,

o Senador Vergueiro demo,nstrou 'tão victoriosa-


mente este ponto, comojá vimos a paginas 12 e 13 d'este
volume' que apenas ajuntarei mui breves observações •

. Ainda qu~ não existisse aquelle ' art. 132 na çons·


tituição, nenb um aeto do Poder Executivo seria exe 4

quivel sem a referenda, por bem do art. 133, que


estabelece a responsabilidade dos Ministros por esses
netos.

O art. 133 collocado depois do art. 132, que se re 4

fere designadamente aos actos do Poder Executivo


·(eollocados ambos no capitulo que trata especialme.nte

(1) Este artigo foi tirado do art. 174 do Projecto da ConstituiçlIo apre-
sentado á nossa Assembléa Constituinte, que diz-Os Ministros referendaráú
os netos do Poder Executivo, sem o que n:Io sno aquelles obrigatorios.-E
note ~se que n'esse projecto ,nno bavia Pode~ Moderador. .

84
do Podcr Executivo), evidentemente estabelece a l'es-:
ponsabilidade dos ~iinistros unicamente para os aetos .
do Poder Executivo, excluidos os do Poder Modera-
dor d@s, quaes. trata exclusivamente o. capitulo 1. 0

Se- a c.onstituição, quiz, pelo art. 32, tornar mais


.claro e po~itivo um ponto tã(} claro pelo art. 33, e pela
natureza das cousas, deixaria, se quiz.esse sujeitar· os
aetos. do Pod.er Moderador á referenda, entregue a in-
ducções Corçadas, e que Yiolenião a mesma Constiltúção
este oulro pontó importantissimo, e cuJa Solu~ão póde·
mudar completamente a essencia de um dos Poderes ?

, Dous artigos e tanta. clareza para que fiq·ue bem:


-claro e entendido, que os actos dQ Pod~r Executivo,
são inexequiveis sem referenda, e que são· por' eRes res-
ponsaveis os Ministros. Nem uma palav.ra para C0m..
'Prehender nesse préceito os aetos do. Poder· Moderador ,.

, Póde aIguem admiltir q~e as palavras-ados do,Podor


Executivo-:-querem dizer-aetos. do. Pod.er Moderador?

, Mencionar os primeiros sómente, com tod'as 11 pre-


'venções e cuidadQ, e não fallar nos, segundos, he
'excluir estes positivamenla.

§ to ..

Os :\c tos (10 Podcl' Model':\(l Ol' " b rigão inuncdiatmneJltc, selU
mais fornaali(ladc, c al,c nas JIlanifesta(los pclo 1n1l'cl·adol'.

o Poder ~Ioderador,
como vimos, he um Poder.
mdependenlo, e delegação da Nação. Ora para que um
- 85. -
Poder seja independente he neeessario que gyre na sua
(~sphera propria, e que· neUa encontre os meios para
fazer obrigatorias as. suas deliberaÇÕes sem dependen-
da de outro. Poder. "

Tomão alguns, muitO. irrefleclid'amente, as palavras


.-Poder E'xecutivo- como equivalentes a esl"outras-
Poder que executa tudo .-He um eq.uivoeo insu.stenla·
vel. o. Poder Executivo he um Poder sui generis, que
tem muitas. aUribuiç.ões proprias, que ap.plica as leis.
a certa ordem de factos na Sociedade. Não. he de sua
attrihuição pôr em execução as deliberações de todos.
os outros Poderes, salvo. quando a lei expressamente Q
encarréga disso.

. o. Poder Judicial he um Poder independente. Faz:


obrigatorias as suas decisões pelas Sentenças, cuja
força de·, obrigar não. depende de mais ninguem . De-
clarou que tal objeoto. pertence a A e não> a B. B não.
p6de mais dispôr delle, e se o fizer o acto. he nullo"
ninguem o respeita. Essa decisão daquelle Poder inde-
pendente, produz seus effeitos,"independentemente de·
accordo e execução por, outro Poder. fie decisão do.
unico Poder competente. Sahe del1e completa e perfeita.
Se para a execução desse acto do Poder Iudicial
fosse necessaria a referenda do Executivo, tornar-se-hia
dependente deste e deixaria. de Scf um Poder indepen-
dente.
"
. A Camara dos Deputados, e não he por si só um
Poder, decreta a pronuncia de um Ministro, e he él1c-
êuspenso . Por ventura he remetLido o Decreto ao Poder
Executivo, a fim ele que seja referendado, e depois
86 -
executado? Não, O acto da Camara tem força de obri-
gar em si mesmo, e apenas conhecido, o Ministro não
póde mais exercer neto algum que válido seja, e a
Camara tem o direito de reclamar á autoridade mi-
litar legitima a força necessaria para executar o seu
Decreto, se fôr desobedecido', .
« Supponhamos, dizia o Senador Alves Branco na sessão de 10
de Julho de t8/d, que o Poder J~xecuLivo não convoca a nova
Assembléa Geral, no tempo proprio; o Senado~ passados dous
mezes, a convoca; pergunto a resolução que manda convo-
car a Assembléa vai ser executada pelo Pod'er Executivo, que
não a quer convocar ?.... O Senado toma a resoluç11o, e
manda directamento aOS Presidentes das Provincias que fação
proceder á eleição dos Deputados;. e ~sta resolução, neste
caso, tem força de obrigar os Presidentes, e todas as auto-
ridades, O Senado convoca directamellte seril dcpendoncia do
Poder Exec.utivo; do contrario não havia garantia alguma,
porque o mesmo Poder que quer convocar a Assembléa Ge-
ral, he aquelle de q1iem dependo a convocação; por conse-
guinte quando o Senado expede cartas de 'convocação, dn
Assembléa e não be obedecido, enlão está tudo em rebellião,
está tudo em anarchia, mas. a resoluç,ão do Senado obdga
desde que ella be publicada, e então o que salva ° Estado
he a ré nas i,nstiluiçõéS, , XI
o
-
Não se deve confundir, como, muitos confundem, a
força com o Poder Executivo" Se um aeto completo e
perfeito, e com força de obrigar de um Poder inde-
pendente, precisa de força para ser-executado, a força
militar essencialmente obediente~ he obrigada- a- prestar
auxilio áquelle Poder que o reclama',

, O que aconleée com o Poder Judicial, com a 'Ca-


mara dos Deputados, quando proimncia um MiIiis~ro',
com o Senado quando convoca a Assembléa Geral, dá-se
com os Retos do Poder Moderador.
- 8i' -
DemiUe um Ministro. Ninguem, couhccida essa reso-
lução, o p6de mais eonsidel'ar Ministro e obedecer-lhe.
Nomêa um Ministro. Ninguem, conhecida essa res\)-
luç;.lQ, póde deixar de obedecer-lhe.

. Adia, dissolve uma Camara. Está o acto completo


e perfeito com a simples manifestação dessa resolução.
Conhecida e authenticada que seja, ·não p6de mais essa
Camara funccionar sem declarar-se em aberta rebellião
contra um dos Poderes do · Estado.
'. Perdôa a um réo. Conhecida essa resolução, nllo
p6de a autoridade a cuja ordem está conserva-lo na
prisão, sem grave responsabilidade. Se o uão solta,
cumpre ao Poder Judicial manda-lo sültar por Habeas
çorpus.

Os acLos do Poder Moderador são tão geraes, e de


uma natureza tão simples, que não exigem para a sua
~xecução aetos complicados.

Mas quem ha de escrevê-los, quem ha de authen-


tica-Ios, quem ha . de fazer as communicações neces-
sarias? tI ~

Gravissima difficuldade e de tão colossal importancia


que preferível he, para a não arrostar, tornar depen-
dente, anniquilar, refundir n'outro um Poder que he,
pel(l Constituição, independente I

. Mas' quem e como? Certamente quem e como uma


lei regulamentar mui simples determinar, e quem eeomo
o Imperador resolver na occasião, em quanto não existir
essa. lei. -
- 88 -=-
Niib--ha inconveniente, antes vantagem em que iaes
resoluções sejão expedidas pelos Minislerios, muito pl'in~
cipalmente quando estejão ef:!1 harmonia co,m a politica
destes. .
I
O essencial he que fique fh'mada e ihcontestavel
a doutrina constitucional - qQe os . actos do Poder
:&Ioderador são por si mesmos completos, perfeitos~ obri-
galorios e exequiveis, sem dependencia de outro Poder;

Os que pretendem que os actos do Poder Moderador


sejão sujeitos a referenda, ~ e que setn ella não possão
ser exequiveis, allegão que de outro modo, ficando a
Corôa descoberta atttahirá sobre si a odiosidade que
daquelles actos puderem provir. Chegão a asseverar,
como asseverava o Senador P aula Souza, que a res-
ponsabilidade recahirá sobre o 'Monarcha; que assim
ficará elle descoberto, entregue ás facções, e que dentro
em pouco tempo desapparecerá do Brasil a Monarchia:
Representativa.

A l\lonarchia estará etn perigo quando a fraqueza da


sua constituição lhe tirar o prestigio. quando a puzei'etn
na absoluta dependencia das vistas e pai~ões dos par-
tidos em que se apoião os Ministros.
Nem a Corôa fica descoberta, porque cobre-a e deve
cobri-la o Conselho. de Estado, e porque as Camaras
não devem procurar arrancar esse véo.
Nem procedem argumentos de conveniencia contra
a Constituição e as leis. Se a Constituição não exige a
referenda, e essÇl. disposição he má, póde disputar-se
se convém r~forma-la, pretenção que já naufragou.
- 89-
, E por ventura com a r.eferenda não pode a Corôa.
ficar descoberta, · se fór coberta unicú,mente pelos Mi-
nistros? A Corôa resolve adoptar tal ou tal medida, de-
pendente do Poder Moderador. Os Ministros recusão re-
ferenda-Ia. A Corôa demitte-os e nomêa outros. Não fica
patente que a medida parti0 da CorC,a?

Accresce que dos actos do P odep Moderador nã'O pôde


vir odiosidade ao Imperador, porque as attribuições
desse P'Oder são essencialmente protectoras e beneficas.
O seu exercici'O ou he indifferente, 'Ou traz um be-
nefici'O, e quando possa haver erro tem este c'Orrectiv'Os
na C'Onstituição. Não sendo actos de partid'O nã'O podem
levantar 'Odios, que sómente 'Os aetos e acintes de par-
tido soem trazer. Os act'Os que vem de muit'O alt'O,
de pessoa c'Om a qual nã'O estam'Os nem podem'Os 'estar
em luta, cuja imparcialidade não se póde contestar,
que não podem ser aUribuidos a paixões, porque quem
os pratica nã'O desce á arena da luta, nã'O podem prodYzir
odiosidades.

Torno a repelir quand'O .se trata d'O P 'Oder M'Oderad'Or


he preciso cingir-se ás suas attribuições, á natureza e
alcance destas, e nã'O as misturar e confundir c'Om as
do Execu ti v'O.

« E por ventura, observava o Senador Alves Branco na sessão


do Senado de 10 de Julho de 184.1, a referenda livra algum
Cl1efe de Na~.ão de odiosidades e rancores? Antes de 1831
todos os actos linhão referenda (1) e nem por isso ficou o

(1) o ilIustrado Visconde de Cayrú assegurava o mcsme na scsslIo do


Senado de 5 de Junho de 1832, dizendo: « Não se mostra que o ex-Im-
perador li7.esse abuso de taes attrihuições (do Poder Moderador)_ Elle só
nomeou Senadores na conformidade dl1 Constituição, elegendo um da lista
lI. 12
- .90 -
SI', D. Pedm I isento dos odios dos partidos j sua pcssoà (oí
insultada, abocanhada até o ultimo extremo.
« As Regencias tambem nunca deixárão defazcr referendar seus
actos, mas a provisoria vÓou em poucos dÍas; a permanente
durou quatl'o annoS, e sahio abocanhada por seus mesmos amigoS.·
O Regente que se. segui o sabe-se como sahia atllcado e ludi ...
briado, O ultimo Regente não foi mais feliz; logo não hc a rere-
r~nda- dos Ministros que abriga a Chefe algum do Poder Exe-
cutivo. »

Por ventura os actos que provocárão a queda _de


Carlos X ~ão forão referendados pelos seus Ministros?
Não forão referendados todos os actos do Reinado de
EI-Rei Luiz Philippe? Não forão r~ferendados todos os
aetos do Reinado do Sr. D. - Pedro I? (I)

Evitou por ven tura a referenda, e responsabilldade


dos Ministros ' as invenções dos gabinetes secretos, da
Camarilha, da Joanna: da OJygarchia? & c,

No tempo das Regencias, apezar de em tudo cobertas


pela referenda, forão ellas victimas dos odios provo-
Gados pelos seus ~linislerios. A referenda não lhes serv~o
de escudo.

tripliee dos Eleitores das Co maras. Nunca suspendeu Resolutúes dos Con-
selbos Provinciaes; nlIo dissolYCu a Comara dos Deputados; apenas nRo
deu sancrão a duas Oli tres Leis, relativas á extinccllo do fôro MJ!itar.
Este nto' nllo foi exll'aordinario, ant es aplaudido pelás pessoas sensatas.
Nn nomeaç1io de Ministros de Estado se mostra ler sido maior o numero
dos Drasileiros natos, e talvez com preferencia aos Brasileiros adopti\os:
Nomeou Conselbeiros de Estado pessoas da Dór dn Na ~ ão, e de credito por
seus tnlentos e serviços, &c., &c.
(1) He sem duvida [Jor esses e outros factos que o Imperador Napole1io 1II
dizia na esposiçilo qll ~ precede a ConstilniçlIo dc 14 dc Jant'Íro de 1852
« Dans cc pays de centrulisation \'opinion publique a sans cessc tout rapporté
nu Cbef du gouveruclIl ent, \c bien comme le mal. Ainsi éCl'ire cn tê te d'une
cbarte que ce Cbcf cst in'csponsable, c'est mentir ali sentimcnt public,
c' est vouloir établir une fielion qui s'es t trois fois cyanouic au bruil des
réyolutions. I) -
- 91-
1\Ias, se não ha referenda e Ministro que responda.
como poderá ser o Imperador irresponsave11

o Imperador não he irresponsav.el por causa de uma


referend,a dos Ministros nos actos do Poder Moderador,
que a Constituição não exige para estes, tendo-a ex-
pressamente exigido para o Poder Executivo.

o Imperador he irresponsavel, dizia o Senador R


P. de Vasconcellos, na sessão do Senado de 12 de
Julho de 1811, não p0rqw~ 0S Ministros cubrão o
l\Ionarcha, mas- « porque a Constituição declara que
sua pe5soa he inviolavel e sagrada. Ora quem tem uma
cobertura tão boa como he a Constituição necessitará
da cobertura transparente dos Ministros? Eu não sei,
Sr. Presidente, _se a minha opinião tem sido susten-
tadà por alguem, estou convencido e supponho, que
convém que os Ministros referendem os aetos do Poder
Exeeutlvo, mas não he d' ahi que deduzo a irrespon-
sabilidade do ~Ionarcha, nem julgo ' que da respon-
~ahilidade dos Ministros pelos aetos do Poder Mode-
rador dependa a persistencia no paiz da Monarchia
Hepres~ntativa (I). ~ »

(I) E com cllci·to se de[Xlndesse unicamente da andrajosa cobertura que


pod.illO olfereccr alguns Ministerios que temos tido, já nllo cxistiria ha
mUlto tempo •
. A legislação criminal necessaria para tornar elfectivo, principalmente na
imprensa, o art. 99 da Constituição, isto he a inviolabilidade do Imperador,
está !linda por fazer, e he entretanto indispensavel. Ha de cobrir a CorÔa
tanta ou mais eflicazmentc- do que a referenda ás vezes· de Ministros sem
rmportancia. Poi~ que! Um Representante· da' Naçllo nllo póde- ehamar li
Corôa á discussão nas Camaras, e qualquer- o poderá- fa-Ler na imprensa!
. Conviria aproveitar para fazer aquella legislai,ilio épocas em que os espi-
ritos estivessem calmos, c- por tanto mais dispostos a ouvirem n voz da
razfio. _
Os Inglezes que sfio o povo que melhor' tem· comprehéndido o dogma
~a iuviolabilidade Real, adoptfio e observfio a seguinte doutrina, da qual
Já fiz mençao, e que expue B1ackstone, Commentaries on tbe laws or Eu·
gland Chapter 7 or the Roral Prcrogati\'e « Dut the priTi14!ge of canvassing
- ~2-

§11.

Não lia melo termo.

o Sr. H. H. Carneiro Leão (Marquez de Paraná)


na Camara dos Depu.tados, sustentava, como vimos.
que os actos do Poder Moderador não devião ter re-
ferenda.
AC'crescentava porém que em ultimo resultado, para
execucão
. . dos actos era necessaria a referenda.

Observando-lhe o Sr. Andrada lVlachado que então


pensavão do mesmo modo (1), progredia o Sr. Car-
neiro Leão dizendo:

« Nós divergimos; porque eu enlendo que em ultimo resul-


tado para execução do acto h.e precisa a referenda, mas para
que o Imperador faça o acto, tal referenda não he necessaria.
Esta doutrina julgo dever-se liquidar; ella salva, como eu
-disse, a tutella forçada em que os Ministros possão querer col-
locar Q Imperador. Não acho que isto seja pensar do mesmo
-mOdo que o Dobre Deputado. ))

Esta doutrina que o distincto Estadista não dava


por. liquida, pois a queria liquidar, importava pra-
ticamente contradicção. Com muita razão dizia no Se-

tbus freely tbe personal ncts of the soyereign (either directly, or eteu througb
the medium of his reputed ndvisers) belongs to no i odividual, but is coo ·
fined to tbose august Assemblies; nud then too the objeetiqns must be
proposed with the utmost respcet nud deference. ))
Nlio entra porém no meu 1>laoo este assumpto, sobre o qual poderá
o leitor consultar com proveito- Chassao -Traité des dçlits et contraven-
tions de la parole, de I'écriture et de la presse-nos artigos-otreuscs en-
'Ycrs la .personne du Roi -Allaques contre l'autorité ct la dignité du Roi-
Attaques contre les droits du Roi.
(1) Sessão da Camara dos Deputados de H de Junho de 1841.
93 -
nado o Senador Paula Souza, referindo-se a uma
opinião semelhante:

« Um nobre Senador sustentando as opiniões que já honlem


forão enunciadas na casa, continúa a julgar que os DctOS do
Poder Moderador não devem ter referenda, mas o nobre Se-
nador já vem annulIando esta opinião com o mais que disse ...
Devo julgar que entende que para uma decisão qualquer sobre
aclos do Poder Moderador não he precisa a referenda, mas
que para essa decisão se tornar pratiea, lie mister que os Mi-
nistros a executem, e em consequencia que a rererendem.
Se l1e isto o que o nobre Senador entende, então estamos
conformes, porque ha sempre um responsavel pelos actos do
Monarcha. »

Semelhante opinião funda-se em uma inutil e esteril


distincção entre exercer o aclo e executar o acto.
Suppõe que o aelo nâo he perfetlo, e não tem a força
de obrigar immediatamente depois de concluido.
Mas o que ha ·que executar no acto que, por exemplo,
declara dissolvida uma Camara? .

Essa opinião separa os Poderes, e logo. depois os


confunde.
Não ha meio termo. O exerciCio das attribuições
do Poder Moderador depende, ou não depende da
referenda.

O Senador. Vergueiro sustentava que sómente a attri-


buição de nomear e demittir ~finislros dispensava a
. referenda, porque .a Constituição se servia da palavra
--livremente-o Diz ella:
Art. 101. O Imperador exerce o Poder ~Ioderador :
§ 6.° Nomeando e demittindo livremente os Ministros
de Estado.
- 94-
Pretendia o Senador Vergueiro que em consequencia
da palavra -livremente-não era: necessaria, para o
exercício da altribuicão de nomear e demitlir os Mi-
nistros, referendú,alguma. Logo era necessaria para
o exercicio das ou tras attribuições do mesmo Poder
que não tem o livremente.
1\1as como muito bem explicavão QS Senadores Vas-
conceBos e Alves Branco, a essa palavra-livremente-
não se póde dar semelhante intelligencia.
A attribuição de nomear e demiUir os ~linistrog já
pertence"por bem dos arts. 98 e 101 da Constituição "
ao Poder Moderador privativamente, isto he com ex-
clusão de outro Poder. Para que portanto no priva-
tivamente juntar o livremente, para faz~r uma exclusão
que já eslava feita? "
Pelo art. j .oU da Constituição devia ser ouvido o
Conselho de Estado em todas as occasiões em que 'o
Imperador se propuzesse exercer qualquer das attrí-
buições proprias do Poder Moderador, indicadas no
art. 101 da mesma Constituição, exceplo ~ 6. a -No.-
mear e demiltir livremente os Ministros de Estado.
Combinados os nrts. 101 § 6. e o art. 142, met-
0

te-se pelos olhos a denlro que as palavras-livremente


e á excepção da 6. a -correspondem e se explicão, e
que conforme a ajustada e verdadeira int~Iligencia dada
pelos Senadores VasconceJIos e Alves Branco ...... livre-
mente-quer dizer sem obrigação de ouvir o Conselho
de Estado (1).
(1) Discurso do Senador Alves Branco nuesslIo de 10 de .Tulha de 1841 ,
do mesmo e dos Senadores VascoDcellos e Vergueiro Das S6iiOcs de 12. e
13 do mesmo mez. "
- 95-
Aquella palavra-livremente- está hoje inutilisada,
havendo desapparecido com o Conselho de Estado da
Constituição o preceito constitucional que esta impunha
de ouvi-lo .
§ 12.
Que responsabilidade vem a ha,'cr pelos actos do Poder
Moderador.

Ha uma especie de responsabilidade chamada moral,


ou censura imposta pela opinião publica, em muitos
casos mais efIicaz do que a legal. Ninguem a pó de
evitar e produz sempre todos os seus effeitos. Vai
direita ao causador do mal, não respeita· condições
e jerarchias; pelo· contrario quanto mais elevada he
a posição do individuo mais b persegue, mais com
eUe se agarra. Não ha Soberano, por mais poderoso,
que a não tema, p.orque ella mina e destróe a força
moral, sem a qual não póde durar um Poder.

Não se limita aos nctos exercidos em vir.tude de


officio publico, ex tende-se ainda mesmo aos particu-
lares de funccionarios publicos, e enfraquece ou destróe
o prestigio dos que exercem os altos cargos do Estado.
Penetra por toda a parte.

He um perfeito engano acreditar que o Chefe do


Estado, se der justa causa, possa escapar a essa res-
ponsabilidade. Pelo eOfltrario, porque está muito alto
he Ínuito visto, e mais a provoca.

Nos . pa~es regidos pelo systema representativo, e


sobretudo nos n~ssos tempos, a responsabilid~d e moral
- 96-
representa um papel muito mais importante, he muito
mais efficaz do que a responsabilidade legãl, a qual
fica re&ervada para os Testes e Cubieres. Os homens
politicos temem muito mais a responsabilidade moral,
até porqne he infallivel e inevitavel. A penal não.

Censura-se, accusa-se um :afinistro como réo dos


maiores crimes. Violou a Constituição em todos os
seus artigos. Acabou com a liberdade. das eleições;
destruiu a liberdade da imprensa; por pouco não fir-
ma de uma vez o absolutismo. Sahe do Ministerio,
deixão-no perfeitamente tranquillo. Fica em paz,
sórnente sujeito á responsabilidade moral.

São muito raros nos nossos tempos os processos de


responsabilidade contra ~fjnistros.

. Quando a responsabilidade moral não affecta, quando


a censura publica não reprehende o Chefe do Estado por
um acLo, como emanado delle, reprehende-o muitas
vezes por tolera-lo, .por havê-lo deixado praticar.
O Rei deixa fazer o mal. Responsabilidatie morál.
O Rei não deixa os ~Iinistros governarem, envolve-se
em tudo, impõe-lhes a sua vontade, he a CaLIsa do
mal.

Os aetos são dos Ministros, e são elles os responsa-


veis, dizem uns. Mas, dizem out.ros, não vê o Chefe
do Estado esses actos; não· preside o C~mselho; não
os assigna; e porque não busca outros ~Iinistros1 He
elle o pedaço de pão, que, como narra o Fabulista,
deu lupiter ás rãas, as quaes se queixavão porque era
um Rei que não se mechia?
- 97
Certos politicos nossos dão uma importancia exage-
rada á responsabilidade legal; ao medo das penas,
Para alguns são remedios para tudo, a cBiJêa para
os Uinistros, e revolução para o Chefe elo Estado. He
gente earrancuda, sombria e terrivel. Comtudo he na
. pratica a responsabilidade legal, na maxima parte dos
casos, uma verdadeira burla. Ainda não tivemos um
Ministro condemnado, durante os 35 annos que temos
de governo representativo. Creio poder concluir dahi. ·
ou que a responsabilidade penal he inefficaz, ou que
tudo correu sempre entre nós ás mil maravilhas.
~

Vou porém cmglr-me mais ao assumpto deste pa-


ragrapho.

«Pelo que diz "espeito ás funcções, e prerogativas do Po-


der Moderador, dizia o Sr. Sayão Lobato, Ministro da Justiça,
na sessão da C!lmua dos Deputados do 1.0 de Julho de 1861,
a responsabilidade he moral (muitos apoiados) ; o Ministerio
pelo faclo de estar adherente ao Chefe do Estado, áquelle
a quem privativamente confare a Constituição esse poder, be
re$PQlls!lvel mor.!llmente. Não incorre porém em responsabili-
dade legal; porque no que toca ás funeções e prerogativas
do Poder Moderador não lia nem póde haver responsabilidade
legal, pois não \1a autoridade eonstituida que possa tomar conta
dOI actos do Poder Moderador (muitos apoiados).

« As (uneções e prerogalivas do Poder Moderador são de


!aJ moçlQ regradas, que excluem tQda a responsabilidade iegal ;
para nenhum dos actos desse Poder ha juiz constituid@; ne-
nhum desses aetos pôde tornar-se corpo de delicto para
U!D processo de responsabilidade. Se assim não fosse admit-
tir-se-hia o absurdo de dar acima do 1. 0 Representante
4a Nação, <lo seu Chefe Supremo, um a autoridade oonsti-
tuida, e esta e!Úão substituiria aquelle, occuparia a primeira
plana. »
n. 13
- 98-
He esta a verdadeira doutrina, conforme á Cons-
tituição. o que cumpre he preser.var quanto fôr possí-
vel a COIÔa da responsabilidade moral.

, Figuremos as duas unicas hypotheses admissiveis.


1. a A medida que depende do exercicio das attri~ ,
buições do Poder Moderador he solicitada ' pelos Mi- -
nistros, ou, não o sendo, he comtudo por elles appro-
vada, vai de conformidade oom a sua política: não a
eontrarÍa.
2. a A medida ql1e depende do exercício do Poder
Moderador, he por elIe iniciada, ouvido o Conselho de '
Estado, he impugnada pelo Ministerio, cuja politica
embaraça e contraría.

, No 1. caso ha perfeito accordo entre a Corôa e seus '


0

Ministros. Devem assignar· o acto em signal do seu


accordo e 'adhesão, fazendo-o assim taII).bem seu,
e assumir franca e ' lealmente a responsabilidade
moral que d'elle possa provir. Fazem o seu dever co-
brindo a Corôa, tambem coberta pelQ Coriselho de
Estado.
He isso o que se tem praticádo até agora, e a -re-
ferenda que apparece em todos os actos do PoQ.er
}Ioderador prova que nelles tem havido accordo entre
a Corôa e seus Ministros, e não que estes podem emba-
raçar, pela negativa da referenda, o exercício daquelle
Poder.

. Na 2. a hypothese, se a Corôa não cede ás suas ob-


servações, deve o Ministerio retirar-se. Se não se retira
njio p6de renegar e contrariar o aclo, não p6dé declinar
da suu responsubilidad~ moral, s~m faltar a.~ ~ deveres
- 99- -
da honra, da lealdade e fidelidade ao seu Soberano.
Semelha~te procedimento exigiria prompta demissão,
que seria vergonhosa. Se não se retira está entendido
que muda, ou modifica a sua politica no sentido do
aeto do Foder Moderador, e que se presta ' a execu-
ta-lo. Conservar-se no posto o Ministerio, e desculpar-se
com a Corôa, seria o exemplo mais feio de traição e
deslealdade.

Retira-se o Ministerio, unico caso em que a CorÔa


póde correr perigo de ficar descoberta (1). Mas, se
he ouvido, cobre-a então o Conselho de Estado, ou
pelo menos, càmo praticão os Inglezes, deve-se con-
siderar por elle coberta.

Fórma o Poder Moderador novo Ministerio. Os novos


Ministros adherem portanto á medida, e com o Con-
selho de Estado cobrem a CorÔa. Apresenta-se o novo
Ministerio ás Camaras. Se estas lhe dão apoio está a
questão decidida satisfactoriamente, e passada a crise.
Se lh'o negão, ou o Poder Moderador abandona a
medida e fórma novo Ministerio, ou dissolve a Ca-
mara, e he então a questão sujeita á Nação, que a
resolve pelos novos Representantes que passa a eleger.

Be porém tal o aeto o qual motivou a retirada do


Ministerio que o Poder Moderador não póde achar
~Iinistros. Be então impossível que, assim tão adver-
tido, não abandone ou modifique a medida que he
a causa da crise, do que ha exemplos em outros

(11 Como aconteceu ultimamente na retirada do ultimo Minislerio do


Sr. Visconde de Abaeté, que insistia. pelo . adiamento da Camara dos De-
putados. NãO foi ouvido o Conselho de Estado, o qual sómente então po-
dia cobrir a Corôa. •
- 100 --
páizes. Resolve-se as~im a ' mesma crise sem que se·
recorra a uma revolução, que he a peior de todas as
soluções.

Esta ultima hypothese de não encontrar o Poder


~foderador Ministros que adhirão ás suas vistas, muito
ditBcilmente se realizará, principalmente com um Mo-
narcha justo e prudente que não ha de deixar che-
gar os negocios a esse ponto.

Valerá a pena, para evitar uma hypothese quasi


, impossivel, principalmente entre }lÓS, alterar profun-
damente ,a ConstituiçãO, fazendo desapparecer um dos
seus Poderes, refundindo-o no Executivo. Os perigos
serião então outros e maiores.

. Uma sei'Íe de processos nas circumstancias que acabo


de esboçar aggravaria o mal consideravelmente, com-
plicando tudo e elcitando as paíxões. Deixemos isso
. para algumas de nossas aldêas, onde as odientas
parcialidades alcunhadas politicas que as dividem, se
batem e procurão desmontar-se com ·pronuncias. lnfe-
lizmente não falta quem queira transportar esse espírito
e meios mesquinhos para a alta política I

A audiencia necessaria do Conselho de Estado em


taes casos, além de ser uma valiosa garantia do acerto
das deliberações do Poder Moderador, porque não he
criveI que pratique um acto, cujos inconvenientes lhe
forão demonstrados, remove a responsabilidade moral
d' esse Poder para aquella corporação. Deve dizer-se;
foi mal aconselhado por homens que lhe mereci~o
"tonsideraçiio e credito. E se não a 'remOVQr comple-
- 101-
tamenle, certamente a allenuará de um modo consi-
deravel, dividindo-a.

Em todo o caso essa corporação élpresentará um


alvo á censura, ás conjecturas e ás discussões.
Como já vimos, ainda que o Parlamento Inglez
acredite que um aeto parti0 da influencia pessoal
do Soberano, suppõe sempre, para o discutir, que
foi aconselhado. Suppõe sempre Conselheiros - suppo-
SED ADYISERS.-- Pois bem, sejão os Conselheiros de Es-
tado os verdadeirqs ou suppostos Conselheiros, que
cubrão a Corôa no (jIercicio do Poder Moe.erador.

He ,sem duvida por eS3as considerações, e porque


não exige referenda dos Ministros para os actos do
Poder Moderador, que a Constituição exigia sempre
a audiencia do Conselho de Estado que creou, no
exercicio d'esse Poder. A Constituição foi n'isso, como
em muitas outras cousas mui providente 0 sábia; e
na minha humilde opinião he esse um meio muito
efficaz de cobrir a Corôa: quando exerce as altribui-
ções do Poder Moderador.

Mas dizião o Senador Paula Souza eoutros que tudo


querem apurar, e levar a responsabilidade ao mais pe-
queno recanto, como se fosse isso possivel em nego-
cios politicos, em sociedades de homens, dizião- Póde
a resolução do Imperador ser contraria á opinião una-
Dime do Conselho de Estado. - Hypothese esta que
, sómente se pó de dar na imaginação, principalmente
se o Conselho fór politico, e se compuzer de homens
politicos, que não sejão de uma só côr e opinião
politica.
- 102

Não obslanle, direi que se o nego~io fôr de pouca


imporlancia, he preferivel em vez de provocar por elle
crises que podem assumir grandes proporções, dizer
com Horacio

Non ego p,IUcís


OO'endar maculís, &c .• : ••

Se fÔr grave, devem os Conselheiros unanimes, como


observava o Senador B. P. de Vasconcellos, demittir-se,
para que de modo algum lhes possa ser imputado
o acto, . visto que he inadmitsivel a producção por
elles de actas para se justificarem contra a Corôa
inviolavcl.

E se o Chefe d(} Estado não se mover pela oppo~


'sição do seu Min!sterio, pela unanimidade do Conse-
lho de Estado, pelo offerecimento da sua -demissão,
pela do Ministerio, pela impossibilidade de formar
ou!ro, estará o paiz em completa revolução.

Ora não he possivel achar combinações politicàs que _


evitem revoluções, se o Chefe do Estado conspirar
contra as instituições, e atirar para longe de si todos
08 meios que lhe ellas dão para cobrir a sua C~I()a
e preservar, a sua inviolabilidade.

Felizmente a hypothese figurada sómenle póde-achar,


guarida em imaginações enfermas, e não podem - os
actos do Poder ~{oderador, pela sua natureza e al-
cance, e pelos correctivos e remedios estabelecidos na
Constituição, dar lugar a tão melancõlicas e perigo-
sas collis(íes,
- 103-
§ 13 .

Mas os setos do Podei' Moderadol' tcm sido refercndados.

Primeiramente, do faelo não se conclue o direilo.

; Não me consta que se houvesse suscitado duvida


entre a CorÔa e 5leus Ministros, negando-se estes a
assignarem e a executarem aetos do Poder Modera-
dor, e a assumirem a responsabilidade moral. Parece
que sobre taes actos Muve sempre accordo entre a
Corôa e seus Ministros. Prova da sabedoria, pruden-
cia e circumspecção com que s6e ella haver-se na
dificil execução do regimen Constitucional I

Sómente no caso de desaccordo nos Conselhos da


Corôa poderia apparecer- a questão, e manifestar-se
fóra d'esses Conselhos. E era preciso que fosse assim
formulada,-A Corôa quer exercer, por tal ou tal
modo, . tal ou tal. altribuição do Poder Moderador. O
acto contraría a politica do Ministerio, o qual por-
tanto se nega a referenda-lo e a executa-lo (1).

Mas os Ministerios até agora ou tem elles mesmos


solicitado os aetos do P-oder ~Ioderador, ou os tem
aconselhado, ou tem se conformado com elles; tem
havido accordo entre o Poder Moderador e os Minis-

(1) Em abono das opiniões que lenho exposto e sustentado não posso
deixar de citar, além das muitas que já citei, a valiosa opinião do meu
douto ami ~o e collega, o Conselheiro Pimenta Bueno, no seu Direito Pu-
blico Brasileiro . Ahi diz elle, que assignando os Ministros os actos do Po-
d ~ r Moderador apparece o seu nome sómente para authen ticar o reconhe-
cimento, a veracidade da firma Imperial ; 11110 slIo pois responsaveis por
'taes actos, -Direito Publico Brasileiro 1.0 vol. Tit. (i,O Caps, 1,° -e 2 .°
104 -
tros do Executivo, e tem estes l'eferendaup e executa'-
do os actos d'aquelle. ,
Poder-5e-ha concluir d'ahi que esses aetos serião
inexequiveis se os Ministros se tivessem negado a re-
ferenda-Ios~ e a executa-los?

A' circumstancia de ser o Poder Moderador privati-


vo do Imperador, não exclue a audiencia, consulta
e accordo com os Ministros do Executivo, tanto maIS
sendo o Im perador lambem Chefe (esse Poder.

Não hávendo lei regulame!ltar que declare quem


e como ha de certificar que tal he a Resolução do
Poder Mod.erador, quem a communique e a faça constar,
tem feito e faz isso pela sua Secretaria o Ministro que
solicitou o acto, ou que lhe dá o seu assentimento
p'or ser conforme ou não co~trariar a politica do ~Iinis­
terio. Nada mais regular. Em quanto o Poder Mode-
rador e o Executivo estão conformes não ha neeessidade
de distinguir e separar seus a.cfos. Formão um t@do
político. Vis unita {ortior.

Ha m~esmo . actos do Poder Moderador pelos quaes


não se manda executar c.ousa a]guma.- Hei por bem
,dissolver a Camara dos Deputados.-Lido esse Decreto
na CUJIlar,a dos Deputados, está tudo concluido.

o Sr. José Clemente Pereira que fôra Ministro, du~


rante o Reinado do Senhor D. Pedro I, sendo-o depois
novamente, dizia ná sessão da Camara dos Deputados
de 14 de Junho de 1841:
« Agora como se disse que o Ministerio octuol reconhecia
o principio da necessid~de da referenda nos actos do Poder
· - 105 -
Moderador, explicarei o que sei a esle respeito. Direi ~ opinião
do Ministerio hoje, e porque tendo servido em tempos ante-
riores, julguei mesmo então, senão necessaria, conveniente :lo
referenda. Não he questão nova; he uma questão que tem
sido suscitada nos Ministerios desde que a Constituição se
jUl'Ou. Todos os Mio'isterios reconhecêrão que os actos do Poder
Moderador não precisão de referenda, o que he obvio, porque
se o Imperador exercita esse poder só por si, evidrnte he que
não precisão os actos do Poder Moderador, pal'a sua validade,
de referenda dos Ministros; quero dizel' que podem ser exe-
cutados sem essa referenda. Julgou-se porém necessario, ou
ao menos conveniente, que tivessém 11 referenda dos Ministros
como meio de evitar que se apresentasse algum Decreto falso,
por ser muito possivel a imitaçãO de uma firma, muito mais
porque o lmperadol' ou lmpel'adores tem por costume assignarem
estes actos por via de uma rubrica" .. Todos os autographos
das sancç5es das leis não são referendados pelos Ministros, mas
porque o não são? Porque estando assignados pelos Presi-
denles e SecretaI'Íos das Camaras, roconheceu-se que a respeito
destes actos não se podia dar o perigo da falsWcação. l)

o simples facto de haverem os Ministros para o fim


indicado, e como-prova de adhesão, referendado os actos
do Poder Moderador, não constitue aresto, porque
nunca houve decisão .alguma do Poder Legislativo que
assim entendesse a Constituição, pelo contrario enten-
deu-a diversamente, quando determinou que fossem
referendados os actos do Poder Moderador que ema-
nassem da Regencia.

Podia o Corpo Legislativo Ignorar que até então,


como depois, referendavão, isto he punhão o seu
nome os Ministros nos aclos do Poder ~Ioderador?
Eslá visto que não dava a essa referenda o alcance e
significação que tem a referenda dos actos do Poder
Executivo.
11. H
- 106
Dizia na sessão do Senado de 10 de Julho de 184.1·;
um dos homens que mais aprofundou estas questões,
o Senador Alves Branco, já por mim tantas vezes citado:

« Em verdade se houvesse no nosso passa90 arestos bem


estabelecidos sobre este ponto, eu que sustento os arestos, e
desejo nunca achar razões para afastar-me delIes, ver-me-hia
bem embaraçado; mas felizmente não existe algum, do qual
se possa inferir que o sentido da Constituição he que os actos
do Poder Moderador tenhão referenda, dos que obrigão a res-
p"onsabilidade dos Ministros do E:ecuttvo não existe nenhum.
Devo declarar o que entendo por arestos; não respeito como
taes opiniões isoladas dos Membros das duas Camaras, ou
mesmo do Governo; são para mim arestos as decisões do Corpo
Legislativo a respeito das leis, e principalmente da Consti-
tuição; sobre este ponto nunca houve questão; nem me consta
ter havido decisão alguma; portauto· não ha aresto algum, e
estou perfeitamente livre para seguir o que minha consciencia
e minha razão ha muito me aconselhão.
« Aconteceu porém que no tempo do Sr. D. Pedro l, sempre
os Ministros referelldárão os actos do Poder Moderador; mas
isso não pód·e fazer regra alguma, porque fazia-se assim por
não haver lei regulamentar que fixasse esse ponto, e pretendeu-se
que, em quanto não a houvesse, era melhor ir seguindo o
que estava estabelecido e ol'ganisado para o Po(ler Executivo. »

Referenda na Sancção.

Pretendem alguns, e sustentava o Senador Vergueiro


essa doutrina na sessão do Senado de 13 de Julho de
1841, que a Constituição exige a referenda dos Mi-
nistros no exercicio da altribuiçãO do Poder Moderador
de sanccionar as leis.
- 107

A Constituição, depois de haver regulado nos arts. 62,


63, 64, 65; 66, 67 e 68, sem fallar em referenda,
o modo de dar' ou negar a sancção, exigindo sómenle
a assignatura do Imperador, passa a estabelecer,. no
art. 69, a formula da promulgação, e accrescenta no
ilrt. 70.
« Assignada a ki pelo Imperador, ?'e{lmmdada pelo
Soorelar'io de Estado, e sellada com o se110 do Imperio,
se guardará o original no Archi vo Publico, e se 1'e-
. metteráõ os exemplares del1a impressos a todas as
Camaras, ' & c. })

Note-se que, pOl~ virtude do art. 62, fica a lei sanc-


cionada no autographo, .sómenle com a assigl~atura do
Imperador. Um desses autographos, com essa assigna-
tura só, he remettido á Camara que o enviou. Assim
se tem sempre praticado segundo-aletra da Const.ituição.
Está consummado e perfeito o acto da sancção sem inter-
venção de referenda alguma. Nem poderia ser commu-
nicado ás Camaras 'se não estivesse perfeito e concluido.

Resta sómente o acto, para assim dizer, material,


de cullocar a lei no seu quadro, isto he accrescentar-
lhe a formula da promulgação, para ser publicada.
H '3 essa f-ormula da promulgação que he revestida da
referenda do Ministro, o qual, por esse modo, authen-
tica a lei. Como que certifica, como Tabellião do Estado,
em- publico e raso, que o documento e assignatura
Imperial são verdadeiros, e manda que seja impressa,
publicada e que corra a lei.

Por ventura, cumpridas as disposições dos arts . 62


c G8 ela ConstituiçãO, tendo o Imperador escriplJ nos
- 108 -
autographos - O Imp@rador Consente - assignando eUe
só, como manda a Constituição, e havendo sido o
autographo logo devolvido á Camara que o enviou,
como tambem manda a mesma Constituição, poderia
o 1\finisLro quando se tratasse da formula material
da. promulgação embaraçar, inutilisar tudo negando
uma referenda, que he então outra méra formula?

Se a Constituição quizesse que a Sancção da lei de-


pendesse da referenda, tê-Ia-hia exigido no art. 68,
quando o Imperador declara que-Consente-, e não
quando, depois de a haver sancciona.do, se trata uni-
camente da formula da promulgação da lei e de a
mandar imprimir, publicar, e correr.

o art. 70 da Constituição prova portanto o contra-


rio, e confirma a regra, sem excepção,4e que os
RcLos do Poder Moderador são perfeitos e completos
sem referenda.
§ 15.

Q art. i3n tia Cons(ltuiçl'i9.

Diz O aft. 135 da Constituição:


« Não salva os Ministros da responsabilidade a
ordem do Imperador vocal ou por- escripto. -
N. B. Este ar ligo foi copiado do projecto de Cons-
tituição apresentado á Assembléa Constituinte, o qual
não tinha Poder Moderador.

Ora o art. 132 que está no mesmo capi~ulo, o


qmll se intilula - no Poder Executivo - , diz que Oi
- 1(:)9-

1\'Jinislr0s da Estado referendaráõ, ou assignaráõ lodos


os actos do p(i)der Executivo, sem o que não poderáõ
ter execução.

J,ogo, concluem alguns, os actos do Poder Moªc-


rador não podem ler execução sem ª referenda, e
taes actos assignados sómenle pelo Imperador não
salvão os l\finislros da responsabilidade.

Tal c<mc1usão he extremamente violenta e forçada,


porque por ella se quer applicar o art. 132 a aclos
nos quaes se não refere.

Ouçamos ª
explicl\çúo mui simples e verdadeira
que do citado artigo dá uma auloridade muito superior
á minha, se alguma posso ter. Dizia o Sr. Alves
Branco na sessão do Senado de 10 ae Julho de 18.4.1.
« Eu eritendo que esta parte da Constituiçi1o he perfeila-
mente logica. Diz o art. 132 que os Ministros de Estado re-
fcrendaráõ todos os actos do Poder Executivo, sem o que não
poderáõ t~r execução. E porque não poderáõ teI' execução sem
a ICferenda dos Mi nistros? Diz o art, 133 - Porque os Mi-
nistros são responsaveis por elles. Mas se acaso um Ministl"O
disser que f()i o Imperador que mandou fazer o acto? Res-
ponde o art. 135 - Não salva aos Ministros da responsabilidade
a OIdem do Imperador vocal ou por escripto.
« Querer achar aqui obrigação de referenda para o Poder
1\foder~dor he dür por provado o lIue se questiona; he uma
manifesta petição de principio; porque tratando-se aqui do
Poder Executivo, he evidente que esle artigo se refere ,a elle;
e para se referir ao Poder Moderador, era mister que antes
se tivesse dito que seus actos tambem se referendão; o que
não he assim. »

Os arts. 132, 133, 134 e 135 todos relativos aos


aclos do Poder Executivo, tem uma concatenação 10-
- 110-
gica tão cerrada; todos enes estão tão fixados peló
1.0 (L32) e pela rubrica do capitulo, na hypothese
de que os actos são do Poder Execútivo, q~e nem a
marteUo se p6de dar ,neHes ingresso ao Poder Moderador .

"Não he por inducções taes, tão contrqrias il letra


d' aque]]es artigos, e tão illogicas, qU.e se p6de trans-
formar completamente a natureza e alcance -de um
dos Poderes que a Constituição creou independen.te,
e moderador do proprio, com o qual; por meio de
semelhantes argumentos, ' o querem misturar e con-
fundir (1).

§ 16.

Alcance da qUCIi'ão. Conclusão.

Felizmente, não se tem ainda manifestado entre nós


a occasião e a necessidade de dar 'a esta questão uma
soluÇão pratica.
A opinião geral e a dos nossos principaes homens
de Estado, como já vimos, tem sido que os actos do
Poder Moderador são .E;xequiveis sem r,eferenda.
Quando a Camara dos ' Deputados foi levada, indi-
rectamente, a pronunciar-se s(}bre esta questão, consa-
grou essa intelligencia, como tivemos oceasião de ver.

(I) A Constituiçã.o Porlugueza contóm um artigo (11 l, que I'stabclccc o


Poder Moderador do mesmo modo que o nosso~ ° Lente da Univcrsidade
dc Coimbra Justino Antonio de Freitas, uas suas Institoiçüp.s de Direito
administrativo PortuguClI, Capitulo 5. diz - Estas fuucçõcs chamadas da
0

prerogativa Real, n1l0 exigem, na opinião de alguns publicistas, o inter-


medio dos Ministros; e se elles assignfio conjllllctamente com o Monnrcha
os aetos d'cssa naturcza, he mais para os legalisar, do que para se rcspon-
sabilisarclU por clles. E accrcscçllta o mesmo autor..,.... lista theoria f!arccc-
nos mais conformc COIU u letra da Carla constitucional .
- 111 -
Nenhum Ministro, nem ainda os pomws (creio que
são só dous) que sustentárão a opinião contraria nas
CamaFas, promovêrã'o a solução da questão, n' esse sen-
tido, estando -no poder, e em immediatas relações
com o Poder Moderador.

No exercicio do Poder Moderador tem sempre havido


accordo entre esse Poder e os !Iiulstros do Executivo.
Talvez em algum caso houvessem 1ransacções, conces-
sões volunlarias reciprocas. O certo he que tem havido
accordo, e as referendas o provão.

T~tlvez mesmo que quasi todos, senão todos os •


aetos do Poder Moderador tenhão sido solicitados, e
propostos pelos Ministros, o que lhes he licito, e he
muito conv.í5niente. Prova a harmonia dos Poderes.

Não tem portanto apparp.cido necessidade de pres-


cindir o Poder Moderador da referenda.

Se algumas pequenas crises tem apparecido, tem


ellas tido um desenlace constitucional e prudente.
E porque?
Porque os Ministerios não tem procurado dominar
u Corôa, e não a podem dominar.

E porque não tem os ~linisterios procurado dominar


a Corôa ? Porque a não podem dominar ?
-
Porque a ConstituiçãO constituío o Poder M,)derador
independente. Porque constituio-o não satellite dos
Ministros, mas 1.0 Representante da ~ação, e fez;
d'elle um ente íntelligr.nte e livre.
- 1L2-
A questão porém tem um alcance immenso.
'.
Refundi o Poder Moderador no Executivo.

Ponde o exerci cio de suas attribuições na absoluta


dependencia dos l\1inistros, e as cousas mudarllõ com-
pletamente.

. Tereis dado um "'grande passo para a an,niquilação


da l\1onorchia no Brasil.

A nossa Constituição' ficará transformada nas Cartas


Francezas de 1814 e 1830, e terá a mesma sorte que
ellas tiverão.

A. Corôa perderá a maior parte do seu prestigio e


força.

' O Imperador não será mais o primeiro Represen-


tante da Nação, como· o fez a ConstituiçãO.

Os. ~IiDistros hão de procurar pôr-se a cima da Corôa.

Dar -se-hií.o· entre a Corôa e os .Ministros as lulas


surdas, dar-se-hão as intrigas, e enredos parlamentares
que tanto a~signalárão os ultimos tempos da Realeza
Constitucional na Franç.a. Depende'ndo os ~1iDistros
unicamente das maiorias tudo hão de sacrificar para
ageita-las, a fim de com clIas pesarem sobre a Corôa.
lIa de se tornar para elles necessidade indeclinavel a
de intervir nas eleições para formar maiorias. A cor-
rupção que cl'abi necessariamente vem, ba de acabar
de abysmar o paiz.

.
- 113 -
Ha de desappareeer com os ciumes e as lutas in ~
I

testinàs o accordo' e a harmonia que tem reinado


I

eu tre a Corêa e os ~fiuistrb8', '

Se a Nação estiver diVidida em partidos e~carniçlldos,


se estiver no Poder um partido oppressor, não haverá
um Poder superior, independente, sobranceiro ás pai~ões
que valha a03 .opprimidos.

,Durante os l\'linisterios de 23 de Março de 1841, e


de '2 de Fevereiro de 1844 a Corôa procurou sempre
mod'erar as·reacçfléS'j e attenufar as, àSperezl!,s da posição
d0s vencid9s., Pois· bem; os vencedores queixavão-se
de. obstacú..los p0stos- á aiílniquilação de seus . adversa-
rios. Os vencidos queixavão-se por não serem embara-
Ç.adas todas as medidas, e pela existencia e conservação,
no-podeu, dos seus contrarios ,

Quando se pretende que, conforlile a Constituição,


os actos do Poder Moderador sejão exequiveis sem a
referenda, e sem a responsabilidade, quer legal, quer
moral, dos- Ministros,' não se quer excluir semplle os
Ministros, e a sua responsabilidade moral, não, se pre,.
tende que cada Poder marche para seu lado em di-
recções diversas. Semelhante pretenção seria absurda
e funesta.

O que se pretende he que fique bem entendido e


patente, que havendo desaccordo entre os Poderes, e
portanto em casos extraordinario~, quando perigar a
independencia dos Poderes, quando estiver perturbado
o seu equilíbrio . e harmonia (bypotheses da Consti-
tuição) possa o Poder Moderador, coberto pelo Con-
11. 15
114
selho de Estado, obrar efficazmente como e nos termos
que a mesma Constituição determinou, e que ninguem
possa obstar á execução de seus actos, com o funda-
mento, de que não estão revestidos da referenda dos
Ministros de outro Poder.

;: Quer-se que, sobretudo nàs grandes crises, à CorÔa:


tenha a necessaria 'largueza e força para evitar ou \

fazer abortar as revoluções .

.E embora os Ministros- referendem e fação executar


os actos do Poder Moderador que solicitão, aconselhão,
QU aceitão, e assumão a responsabilidade moral que

delles' possa resultar, o' saber-se que no caso de des-


accordo, nas circumstancias extraordinarias que suppõe
o art. 98 da ConstituiçãO, póde o Poder Moderador
prescindir da referenda, e que o acto obriga e he éxe-,
quivel sem ella, dá grande força moral e prestigio á
CorÔa. Esse prestigio e força moral he a mãior neces-
sidade da nossa épóca.

Mas este assumpto vai ficar ainda mais esclarecido


no capitulo seguinte.
CJJt.PITULO XXIX.

o Imperador reloa e niio governa'l O Iml,e-


-rador reina e goverlJa?

A melhor resposta que se pó de dar a essas questões


seria a seguinte - O nosso Imperador exerce as aUri-
buições que a nossa Constituição lhe confere.

Comtudo o celebre brocardo politico - O Rei reina


e não governa - confunde-se ou prende tão estreita-
mente com a questão do Poder Moderador, que, para
completa-la, julguei conveniente occupar-me d'elle neste
capit\1Io.

- § 1.0

o que he reInar' O que he governar '!

A primeira duvida que se offerece a quem cogita de


saber que idéas exprimem as palavras que ouve, e de
que se serve, he-o que he re~nar? o que he governar?
Quaes são os limites que separão o reinar do governar?
Quando se póde dizer que o Rei, que só deve reinar,
passa a governar? Quem marcou, e onde estão· mar-
cados os limites? Onde está o typo, o. padrão, principaI-
116
mente tomada a questão em abstracto, como quasi todos
li tomão, sem referencia,. li uma orga,nisação consti-
tucional certa e positiva?

Se consultarmos os lexicographos, e as acoepções


communs e gerues,. veremos qlle elles confundem .as
palavras reinar, e governar, - Reinar diz o nosso
Moraes-ser Rei, governar como SobeI1ano, OH Sobe-
rana- Reinaf, governar,- mandar como i\ei, O mesmo
dizem Constancio e Eduardo de FUl'ia E~ercer poder l

Regio, governar CO{IlO Rei l

Posto que aquella distincção tenha s~do agitada na


l~rança, n,ão é\diantão mais os seus Dicoionarios pos-
teriores, Reinar, clizem elles, he reger, governar um
Estado comQ R.ei (J) I

lfe verdade qy.e esta,s distlnccões e as accepções


que dellas se d~rivão, são mais proprias da sciencia
política" do cp~e da Lexicographia.,

(1) o Diccionario politico de Garoier Pagés (no qual domina0 idéas


Republicanas) dá, causticamente, uma id éa da pl\lavra - reinar - , ,e m·
prçgada na questllo da qual me OCCllpo . Diz elle (verbo re!!ner),
" A p~lavra - reinar - não deveria tel' outra significação senão csta-
!ler rei -, mas uma locução moderoa- o Rei rein,a e não governa - deu-
I,be um senti,do l'elaLÍYo, sobre o qual he bom dizCl" algumas palavras,
Nós que pensamos theoricamente, que o chefe do Estado deve na realidade
governar, debaixo de um~ séria responsabilidade, damos puuca importancia
l\s differenças que assignalão alguns enLre as palavras--:reinar e governar- ;
porém os c,,"snistas monarchicos achão uma g·raLlde, e tem razãO, no in-
teresse das ficçoes constitucionaes, e para garantir o Estado dos abusos
possiyeis d, inviolabilidade Real. Reinal' toma {lOrtaLlto, em coutraposiçlIo
a governar, uma significaçllo que he mui difficil detel'minar, mas que deve
eIprimh' o es'tado passivo da roda a mais betla, a mais brilhante, a mais
especial, se quizererri; de uma machma; e goverQar' exprime a acÇao do
mo~r dessa rnllC~inl', Se preferÍl'des um exemplo tirado de uma das me-
taphoras as mais usadas, direi que reina aquelle que se limita a segurar .
as redeas do 'carro do Estiado como as segurili'Ía um prego; mas governll o
que as puxa, para lançar o carro em tal ou tal direcção. Seria mais
Clallto dizer, collocando-nos no 'ponto de vista dos mouarchistas consti-
tuciol).~es-, o reinar he o paI' de rod~s mui douradas, mui ,Iu ~e~tçs" mlli
envermsadas, e o governo' he o cocheIro. "
- 117-
..
Para comprehendermos portanto o que significão
naquelle ap'horismo -o Rei reina e não governa-,
as ,palavras - reinar e governaf- cumpre remontar,
resumindo-as, á doutrina exposta por aquelles que, se
o não inventárão, o formulárão, e lhe derão grande
voga.
§ 2."

Do.utrlna tio M. l'hlers no N"olon,,', om 1830.

Foi ~I. Thiers, em 1830, quem, em alguns artigos,


escriptos como elle soe escrever do periodico deÍlOmi-
nado o Nacional, por eHe fundado, por MM. Mignet e
i rmand' Carrel, proclamou, e mais chamou a attenção
sobre .a formula - O Rei reina e não g\>verna. - Esses
artigos (1) produzirão viva impn:ssão no mundo po-
litico. As doutrinas, quando formuladas em aphoris-
mos breves, sustentados com talento, e em certas cir-
cumstal'lcías, despertão mais fi attenção, e fixão-se mais
na memoria de todos .

Reinava então ainda Carlos X: era seu ~linistro o


Príncipe de Polignac; e estava-se em vesperas do fa-
moso golpe de E,stado, que produzio a queda da-
quelle Rei.
Carlos X, como se eXprImIU o mesmo M. Thiers,
em 1846, n.a Camara d~s De~utudos, tinha qualidades

(1) Esses celebres artigos cncontrilo.,se na obra intitulada - Etudes his-


toriques SUl' la yie privée, politiqu.e ct liu,er-aire de M. Thiers llar Laya
10 1'01.
Porilo esses nl'tigos primeiramente, a polemi ca <lH e lcva ntál'ão e as dis-
cussOes de 1846, qu e derão a essa qlles t:lo a celebridade <lHe tem ti do, e
a coul'crt êrllo em machilla de guerra dos arscuncs das opposiçôes .
. 118 -
cstimaveis, era honesto, religioso, generoso, mas
queria por força ingerir-se no governo. Tendo vivido
na época da Revolução, todas as vezes que a liber-
dade representativa: mesmo honesta, se lhe apresen-
tava ante os olhos, julgava que era a mesma Re-
voluÇão e que, se cedesse, morrerIa no cadafalso como
Luiz XVr.

He preciso reconhecer que as agitadas vesperas do


golpe de Estado que derribou Carlos X, erão a época
a menos azada para discutir com calma, e liquidar a
questão.- o Rei reina e não governa (1).

Versavão os artigos citados sobre a fórma da ~Io­


narchia Franceza, e sobre os limites do Poder do Rei
e do Poder Parlamentar, e especialmente da _preroga··
tiva de escolher os Ministros.

_ Sustentava o Nacional que o direito que tem a CorÔa


de nomear os Ministros, não póde ser exercido de
um modo absoluto.

« Por quanto, dizia elle, do direito de escolher os Ministros,


que pertence no Rei, combinado com o direito de recusar-
·Ihes os meios de existencia, que pertence ás Camaras, r~sulla

.. para estas uma participação incontestavel na escolha dos Mi-


nistros. »

Até ahi, e não sendo por parte das Camaras Ín-


dividu~lisada a escolha, he orthodoxa a doutrina.

(1) Esta Quesl.'lo foi apresentada occasionalmente, como o be sempl'e,


como meio de o[lposição ao Governo de Carlos X. Foi depois de vez em
Quando cxhumada, c sempre por quem fazia opposiç1l0.
Porque n1l0 a clhumão <\uando são Ministros, ou quando o 5110 os seus?
B e cnlilo boa oC('asillo de iqllida-la. . -
- 119
Nenhum ~Ional'cha, a não ter de ser dissolvida a Ca-.
mara dos Deputadc1s,' irá procurar para Ministros.
homens que não tenhão nella apoio. Nenhum homem
de juizo aceitará o ~Iinisterio, não podendo contar
com o apoio das Camaras, salvo tendo certeza de dis-
soluçãõ. e fundada esperança de que nas novas eleições
triumphará a sua · opinião.

o modo pelo qual o Nacional desenvolvia a sua


opinião dava-lhe porém uma cÔr mais carregada.

" O Rei (proseguia M. Thiers) não administra, não governa,


o

reina. Os Ministros administl'ão, e governão, e não podem


ter um só subaltel'Oo contra sua vontade; mas o Hei póde
ter um Ministro contra sua vontade, porque repetiremos,
não administra, não governa, . reina (1).
o« Nomeado uma vez o Ministro pela influencia da Camara,
tem elle a prerogativa Real, que foi feita para concentrar o
poder nas mãos executivas. O Ministro faz a paz, a guerra,
arrecada, paga, compõe a administração, admillistm a justiça
por juizes da sua .escolha, _em uma {Jalavra governa; e como

(1) Não traduzirei para lhe nno diminuir o chistc o seguinte trecho
muito significativo do Nacional. K Regner est quelque cbose de fOrt elevé,
de trés difficile It faire comprendre à certaills Princcs, mais que les Rois
anglais entendent à merveille. Uu Roi anglais est le premier gentilhomme
de son royaume; il est au plus haut point tont ce qu'un anglais de
baute condition pcut élre. 11 cbassc, il ai me les ~be\'aux, il est curieux
du continent, et \'a le visiter quand iI cst Prince de Galles; iI I'st même
pbilosophe <luand c'est l'usage des grands seigneurs; il a I'orgueil anglais
I'ambition anglaise au plus haut degré; il soubaite le triomphe du pnvil-
lon; i\ est le creu\' le plus joyeux de I'Angleterre apres Aboukir et Tra-
falgar; il est· en un mot la plus haute expression du caractere anglais; 1I
est trois cents fois cc qu'est un lord de la Grande Bretagne. La nation
anglaise rcspectc, aime en Ini son Representant le plus vrai; elle le dote,
I'enricbit, et \'eut qu'i\ vive daus un éclat conforme à son rang, et It la
richesse du pays. Ce Roi a des sentiments de gentilhomme; iI a. ses pré-
férences, ses antipathies. Tandis qu'un lord n'a que le trois cenlJeme du
\'eto de la Chambrc haute, il a te veto de la royauté tout entier, it dis-
sout une Chambre, it re(use un biU, quand les choses lui ' semblent aUer
dans un sens t'rop contrl1:ire au sien. Mais iI ne gouverne P!ls, i\ IlIissc ~c
pays se gouverner i iI SUlt rarcment scs gouts dans le chOlx de ses_ tih-
nistrcs, car iI prend Fox qu'i1 ne garde pas; mais iI prend Pitt qu'iJ garde;
il prend M. Canning, qu'iJ ne renvoie pas, mais -qui mcurt au pouroir. II
Veremos adiante até <lue ponto he isso exacto.
J20 -
possue ' a confian ça das Camaras (porque sem ella.nuq exislil'ià )
não faz senão (lousas que cllas approvem; porém fa-Ias com
unídade, em qunnt.o ellas na sua diversidade e com seus cem
olhos, o observão, criticão e julgão. Assim o' Rei reina., os
Ministros governão, as Camaras , .
julgão. »

Esta theoria demonstra o . que he governar, mas não


se colhe d'ella o que seja reinar. Por ella ' reinar he
fazer nada, e o aphorismo - "o Rei reina ~ !"não governa
- dá em resultado - o Rei ;(b.z' nada, ' os Ministros
fazem tudo.

Em 'lugar do Rei fazer alguma cousa pelos Ministros,


as , maiorias das Camaras pelos Ministros fazem tudo.
São 'Ministros das Camaras e não do Rei.

A revolução que precipitou Carlos Xc e levou Luiz


Philippe ao Throno, sopitou, a questão.

§ 3:

'" questão na trIbuua entre lUM. ThIers e Guizot.

Durante o minÍsterio de Casimir Perier (época de


luta) homem altivo, exigente, de caracter resoluto, sus-
ceplivel, e extremamente independente, e que receava
que o Rei o quizesse dominar, o que tornava as relações
entre ambos melindrosas, e difficeis, tornou a agitar-
se surdamente a questão sobre a acção do Rei no go-
verno, e sobre ciumes de poder- entre a Corôa e seus
Conselheiros, questão, a qual diz M. Guizot, então :Mi-
nistro, lançou no l\linisterio dissentimentos tão pueris

\
-- 121-
e falsos em si mesmos quanto graves em suas con-
sequencias (1).

o rtsultado, por fim, foi vir á tribuna da Camara


dos Deputados, nas Sessões de 27, 28 e 29 de ~Iaio
de 1846, a questão-o Rei reina e não governa.

1\'1. Thiers reivendicava o direilo de examinar se a


influencia de um dos tres Poderes, a Corôa, não era
excessiva. M. Guizot, então ' Ministro, não contestava
esse direito, reconhecia-o perfeitamente; mas observava
que cada um deve usar d'elle a proposito, em pro-
veito do paiz, segundo as circumslancias em que está
collocado, e segundo os verdadeiros principios do go-
verno em que vive.

M. Thiers reproduzia a s~a antiga doutrina, que


sobresahe nos trechos seguintes:
«( Vistes as Republicas da America do Sul proclamarem
Imperadores; alli vMes até soldados mediocres, como Rosas,
assenhorearem-se de um paiz quando não tem Rei. He costume
velho, mas he bom lembra-lo.
«( Eis o que fizerão todos os povos, com a dilTerença de

nome, que muda segundo os tempos e as nações; nomOa-se


um Rei, para que não haja usurpador.
« Mas as NaçÕes illustradas não podem ser governadas como
os Eslados da ASla. Cumpria prevenh' os inconvenientes do
direito de successão, cuja consequencia seria entregar a sorte
de uma nação á todas as contingencias do nascimento, fazer
succcder a um Principe capaz um Principe incapaz; a um
Principe honesto um Principe immoral.
« Ora, para acautelar este inconveniente imaginou-se um
systema tão prudente como simples, o qual consiste, por todas

(1) Mcmoires ponr servir à I'Hisloire de mou temps chup. 12.


J[ . 16
- 122
:as nossas Constituições repr.esentativas, em colIocar homens
sél'iamente responsaveis ao lado desse R.ei, com a realidade
'c ,as appareticías do Pod-ef, Quanto a mim o dil'eito de suc-
cessão, princfpiC) tão sagrado, seria coma milito asiatica, se,
ao lado da R.ealeza, não se achassem Ministros responsaveis,
tendo, como taes, a realidade do p6der. -
« ••.. sahimos da Restauração com .esta convíCÇAo pro-
:fuoda, que era mistel' que a · Realeza nao se compromettesso
nas lutas do ,gov,erno, que apparecessencllas ornCftOS {>QS-
sivel. Estavamos intimamente convencido~: -(le':-qae o -Gover,no
Representativo he tanto mais conforme co sua r.eát-.e ver-
-<ladeira indole" quanta ao lado da Realeza ha Ministros mais
sél"ill~cmte responsalfeis, 'Ís't@ he exerc.end@ nuiis l'e'ahneJilte ,o
poder.
« Neste PQnto.,sei ,que ha dilTeren~.as para mais ,ou .para
menos; Lambem sei que ,póde haver opiniões muito diversas,
que uns podem estai' pelo ·mais e outros pelo menos; mas
não me contestaráõ, que, aos olhos de todos os homens si-
sudos, sinceramente amigos (la l\'lona-rchja Constitu.cional. ·0
.systema he tanto mais verdadeiro, quanto os Ministras são mais
realmente encarregad'Üs do exercicio cdo Poder, quanto mais
realmente o exereem; quando não são Ministros, que esqui vão
'o corpo com ã' intenção. segundo se diz.: de 'deixar passar .() -
:bem e não O mal.. . como ' se neste caso · não passasse tanto
,o mal .como o bem~ e sim Ministros que não fogem .com o
.corpo, que não se limitão ao papel de mediadores entre os
poderes publicos, J)

Era a doutrina symboJisada pelo apho.rism.o-o Rei


if,eina e nij.o .,governa.

Vejamos agora :(l que professava l\I,GuÍzoL Dizia elle:


.« Eis a dilTerença que exislp- entre mim, eM, Tbiers.
'( He miaha convicção que os homens a quem a CorÔa faz
a ·honra de 'Chamar para Conselheil'Os, e a quem a maioria
de uma e outra Camal'a faz a honra de prestai' o seu con-
curso, tem a missão de governar, mantendo o accordo e a
união entre os Poderes, condjção necessaria e fundamental do
Governo Rrpresentalivo,
- t23' -
« lle para 05 l\Ums((os um trabalho o provarem constan-
temente ás· Gmnaras que elles tem razão, que a. politica que
põem em pratica, as medidas que aconsethão, as leis quO' pro-
põem 5ã'O boas,e convenientes, ao pan, e que lt bem dO' mesmo
paiz as C&ma~~ as devem adopta·r. ,
li Eis ó traballl'O d<Y MiD'isterio pal'a com as Camaras, Accres-
cento q1I8 o rnesm<Y devo' 1I~ fazel' com ai Cor~a ,
u Um TbroD'o nã'o he umil . çndeira vàsta que foi fechada·,
para que 'ni{l8pem se pos~ ,~nta ... nella, e unicamento para
obstai' á usurpaçllo. Não he Isto- verdade, ai Cor6a he Gausa
muito mvcna; a Corôa \le. necessaria, a Monarobia' he' necos-
saria, nãO' ~ para , obstar á usurpação~ não só para r,ep,rÍlll!v
os ambiciosos, mas tambem como parte acliva, e real 'dq ,go-
-vemo.
_~( Urna ~soa i,ntelltgente o IívI'C, que p'Osstro idéas 'suas,
sentimentos seus, desejos seus, vontades suas, assim c';!mo l~os
os seres reaes e vi ventes, está sentada I'l'Cssa cadeira. O dever
dessa pessoa· régia, porque todos tem dev~res que cumprir,
- deveres igualmente imperiosos, igualmente santos, seu dever
consiste em não governar senão de accordo com os .s~~ndes
Poderes publicos, instituidos p-ela Carta, com sua approvação,
com seu apoio. A este dcver bc qlfe Carlos. X faltou.
«( Agora o dever dos- Conselheiros da· Cor(l.a consiste em fazer

aceitar por ella as mesmas idéas, as mesmas medidas, a mesma


politica que conseguirem fazer prevalecer nas Camaras.
« Eis o governo co.nstitucion<ll; não só o m~ico verdadeiro,
o unico legal, o unico cOllstituGÍon&l, senão o unico digno;
porque curilpre que tenhamos bastante respeito á CorÔa para
acreditar que ella orna a testa de uma pessoa intelligente c
livre, com a qual tratamos, e nã.o que assenfa em uma simples
machina, inerte e vãa, destinada para occupar um lugar, que
outros tomarião se o não occupasse ella.
« Dizieis ainda agora que um Ministro, para ser Ministro
constitucional, deve seI' olTlnipotente com a CorÔa. Não se
eAige a omnipotencia; reconhece-se que aIli he absolutamente
necessario que os Ministros discutão, transijão, fação que as
Carnaras os aceitem. Ma5 quer-se que com a Corôa, a mesma
necessidade não exista; quer-se com rlla o privilegio da om-
nipotencia!
- 124-
« Eis a theoria flue acaba de ser proclamada nesta tribuna;
cumpre que um Ministro seja omnipotente com a Corôa, e
não he Ministro real, não be Ministro sério, não cobre errecU-
vamente a CorÔa, senão com esta condição. Eis o que dis-
sesteis. Pois bem! Tudo isso he falso j' completamente falso .
« E se isto fosse verdade, se fOra mister que assim. succe-
desse, podeis ter a certeza de quç nunca haveria, D~a In ~
glaterra de que ralIais, um Ministro que cobrisse 11.' Cçmla ,
porque nunca houve um só, mesmo sob o governo 'CIos Rcis
muito fracos e mediocres, que não os levasse cm c0nta mais
de uma vez, e muito, e que já não digo D)anifestasse clara-
mente, mas ao menos não . indicasse ás dl}~s Camaras do Par-
Jamento, que contava com a Corôa, que a ppinião da Corôa
inl1ui~ sobre elle, que o det}nha ou o impcllia, Eis a verda-
de dos factos. A Camara vê agora onde eshi a questão, e a
distancia que ha entre mim e o bomado Sr. ThiQrs . . »

§ 4..

S e o Rtli s(imentc l'cioa; . ou governa na Ingla'Cl'~a: •

He ponto que sómentedeve ,ser considerado e re-


solvido por autoridades ringlezas, e da 1.· ordem .

Hanam, um dos primeiros historiadores' Inglezes,


que mereceu ser traduzido por M. Guizot, na sua Bis-
"toria Constitucional de Inglaterra, Tom. 5. o ':"Reinado
da Rilinha AnIJa e de George 1. o e 2. ° - diz :
« Devemos distinguir aqui o Governo Exccutivo, tomando
esta palavra no sentido o mais .lato, da mesma Corôa, ou da
autoridade pessoal do Soberano, He cousa assás delicada tra-
taI' desta materia, porém he eBa cousa muito importante, e _
não póde por isso ser omiltida.
. « Sem remontar mais longe sabemos que
Henrique 1 .°, Henrique 8.° , Isabel, c os quatro R.eis da casa
- 125-
do' Sluart, poslo que nÃo mostrassem tanta habilidade, quanta
actividade, erã() os pl'incipaes dircctorr1j da sua propl'ia po-
liUcu; quasi não ouvião conselbos; e conhccião bastante os
pormenores do Governo para poderem dispensar taes conse-
lhos. Be eminentemente o caso de Guilherme 3.°, que era
verdadeiramente o seu proprio Ministro, e muito mais capaz
de exercer esse cargo, do que aquelles que o servião. ))

MacauJy, que foi nosso contemporaneo, na sua


magnifica Hisloria de Inglaterra que a morte lhe im-
pedio acabar; ~xprimc-se assim, no volume 4.°:
« A doutrina de que o Soberano n"llo he responsavel he sem
duvida tão antiga como qualquer parte da nossa Constituição.
A doutrina de que seus Ministros são responsaveis he tam- -
bem de immemorial antiguidade. Que onde nüo ha respo")-
sabilidadc nfio-pódo .baver segurança digna de confiança contra
uma má administração, he douLrina que poucos, nos nossos
tempos e pai~ .cs1arlÍõ dispostos a contestar. Destas tres pro-
pOSições
, .
decmrre ·ciaramentc que a administmçfio será melhor
dirigida .quando o Soberano não praticar aeto algum publico
sem a concorrencia dos Ministros, como sr,us instrumentos. Este
argumento he perfeitamente ,v.I,oroso. Devemos porém lem-
brar-nos de que os argument~~ ,ão ~l,ma cousa e o Govlwno
°
outm. Segundo a logica, ninguem, excepto idiota, admitte
as premissas c nega a legitima conclusüo. Porém na pratica
nós vemos que grandes c illuslmdas sociedades frequente-
mente persistem, geração após geração, em affirmar cerLos
principios e em recusar proceder segundo esses principios.
Póde entmr em duvida se realmente existi0 qualquer política
que exactamente correspondesse á idéa daquelIa. Conforme n
idéa pura da Realeza Constitucional, o Principe reina e não
governa, c a Realeza Constitucional, como agora existe na
Inglatcna, aproxima-se mais do que em outro qualquer paiz
daquclla idéa pura. Corntudo seria um grande erro imaginar
que os nossos Principes apenas reinao e nao governão. No
seculo 17 tanto Whigs como Torys pcnsárão que era não s6
direito como lambem dever dos Principes o governarem. Todos
os parlidos concordão em censurar Carlos lI, por não lei·
sido seu primeiro Ministro . Todos os partidos con cordão em
- 1~6-

louvar James por ter sido SêU proprio High AdmiraI; e todos-
os parlidos julgál'ão natllral e razoavel que Guilherme fosse-
o seu proprio Ministro dos Negocios Estl'3ngeiros, »

Não se pense que todos os Monarchas Inglezes nos ·


tempos modernos, se tem abstido· de goverrrar e de
procurar estender o Poder Real. A respeito de George lU,
que reinou nos fins do seculo passado, e principios
do presente, e em uma época na qual flotescêrão
na Inglaterra Estadistas eminentes, como Pilt, Fox,
Burke, Sheridan e outros, diz tord. Brougham nos
seus Hislorical Sketches of Slatesmen, &c. descrevendo
o Jongo reinado daquelle Rei: -
« Estava elle impressionado por UDl sublimo- sentimenlo da
sua prerogativa, e firmement~resolvido a ,mantê-la, e por
ventura a estendê-Ia, Fosse quaL fosse .o rcstJlla4o, estava elle
resolvido a não ser um mero nome, ··urna simples cifra . DOS
negocios puhlicos; e quer pelo sentimento dos; dével'es· que
) he erão impostos pela sua posiçllo, qUCl' pelo desejo do gozar
de todos os sebs pod~res e priyile§ios, em quanto a sua razão
permaneceu inteil'a, e espceialll1S!Qtn· durante o utumo perio-
do do seu reinado, envolveu-se ello mais n08 negocios do go-
verno, do quo qualquCl' dos Principes que até então se tinbl'io
sentado no throno deste paiz,. desde que a nossa Monarchia
foi clal'3mente limitada, e ~ups funcções f1xeeulivas forão dis-
tribuidas entre .Ministros rosponsaveis, A . correspondencia que
mante"e com seus servidores confidenciaes, durante os dez
mais criticos annos da sua vida, existe, e prova quo a sua
altenção estava sempre desperta sobre todas .as occurrcncias do
governo, Nilo se dava um passo nos negocies estrangei·ro5,
coloniaes, e domesticos, sobre o qual não formasse a sua opi- ·
nião, e não exercesse a sua innuencia. As inslrucçúes· aos Em-
baixadores, as ordens aos governadores, os movimentos de for-
ças, e até a simples marcha de um batalhão nos districtos
deste paiz, as nomeações para os cargos da Igreja e do Estado,
& c. tudo isso he assumpto de suas cartas; sobre tudo pronuncía
l\ sua opinião, e declara a sua vontade peremptoriamente. »
- 127 - .

Ü mesmo lord Brougham, uma das maiores illus~


trações contemporaneas, anMo e' experimentado par-
lamentar, profundo conhecedór das instituições do seu
paiz, accrescenta na obr~ citada, sobre a questão de
que ora me occupo, o seguin le:

« A questão he esta, Exerce o Rei deste paiz um cargo ef-


iectivo, ou sómenle nominal'l He sómente uma fórlOa vila, ou
he um poder essencial na nossa Constituição mixta e equili-
:Jiu'ada? Alguns su!ítentld que não, 'e he opinião que prevalece
éntre certas autoricladds de nãe. ·mediana categoria, quo o
Soberano depois de te~escolhido os Ministros, entrega-lhes todo
~ Podei' Executivo. Tratão elIes o Soberano como uma espe-
cie de deposita rio temporario de bens contingentes que he
mister. presl1cvmyw.icomnillm administrador provisorio por um
·dia, de bénS: de ' fallido, o depois tirão esses bens do seu po-
der para commettê-Ios a :autro, logo que ~a quem d'elles se en-
carregue! Blrtendem&q11o :D Poder 'Real da Cor.ôa cifra-se na
escolha: dos MinlslrDi, escolha, além d'jsso, flscaliàBda pelo Par-
"lamenf.Oi Reduzem ainda mais. o Rei á condlÇfo de uma es-
tá'Ld8 o cUra omcial do que~ redQzia o Chefe do Estado uma
das' Constituições _do Abbade Sie.yes. Sieyes propunha crear
um grande funccionario cujá unica attribuição seria provêr os
empregos, c pl'Opondo .esse .t:lI.rg.o a Napoleão I, então 1.0 Con-
sul, respondeu-lhe este· pérgllntando-Ihe, se lhe parecia bem
convertê-lo em um porco na -eév com tres milhões por anno?
() anImai inglez, segundo a do.utrina dos Whigs correspondo
muito mais áqtJ.eHa grossein deseripção~ porquanto o plano
do Nbha4e deva aa seu Real bicbo ~oto decisivo na distl'jbui-
Ção dos empregos, em quanto que o nosso leão ficaria limi-
tado á ,;triste prcrogaíi,va de n.omenr para Ministros a quem o
llarlamento .escolhesse. e ·de comer a Slja ração socegadamente .
. « Agora., prosegue Lord nrougham. com a melhor disposição
possiv,el para desejar que a prerogativa Real seja restringida, o
que a vont~de da 'Nação go\'el'Oe seus negocios, Ilão podemos
comprehender semelhante 1heol'Ja de um governo monarcbico,
Dá eUa á Corôa .()u demasiado I:endimento, ou demasiada-
mente pouco que Jazer, Pagar.um m.ilhão, ou mais por anno,
- 128 -
pOl' um nome, pal'ece absurdamenle extravagante, AITectar
viver debaixo de um governo Monarchico, e com tudo não
soITrer especie. alguma de poder Monarchico parece extrava-
gantemente absurdo. Seguramente o fim pa~'a que uma nação
tem um Soberano, he para que sua voz Sl'j:l ouvida, e para
que seja sentida a sua influencia nos negocios publicos. »

Em outra obra que acaba de publicar (em 1861) o


mesmo Lord Brougham, intitulada - The Brilish Cons-
~itution, - accrescenta elle: .

« Este he o espirito da Constituição Ingleza que qUCl' que


o individuo Monarcha não seja uma sirriples cifra, porém uma
parte independente do systema politico, e que obre como um
freio sobre os outros ramos do syEtema, "/J

Não será isso o Poder Moderador?

E em outro lugar:
« O Rei não está habilitado para governar sem o Parla-
mento; mas t~m.bcm não está reduzido á condição, do uma
estatua ou de um Poder dependente, Elle tem influencia bas-
tante para fazer sentir as suas opiniões, e as suas inclinações
em todas as operações do Estado (1).

(1) Permilta o leitor que fôrme aqui uma nota com duastranseripçúes,
que derramllo alguma luz sobre o assumpto. . -
Referindo-50 ao anno de 1839, quando um Minislerio Whig deu- a sua
<!emissão, diz M. Guizot na sua bella obra intitulada -Sir Robert Peel-
Elude d'Histoire contemporaine.
« La Reine fit appeller le duc de Wellinglon qui, de même qu'en 1835,
l'cngagea à s'adresser à Sir Robert Peel. Sir Robert se déclara pret à former
un cabinet, et en indiqua sur le champ les principiaux membres. La Reine
les agréa tous, se montrant décidée à soutenir loyalement ses nouveaux
conseillers; mais a"ec la meme franchise, elle témoigna qu'elle regrettait
los anciens et croyait n'a"oir cu qu'à se louer de leurs services. Les Whigs
avaient entouré son enfance; depuis qu'elle élait sur le trone, Lord 1\Ie1-
hoúrne, par l'aménité de son caractere, par I'impartiale Iiberlé de son ja-
geruent, par les agréments de son esprit tranquillement moqueur et gai,
c par dcs soins à la fois respectueux et presque paternels, lui avait inspiré
une confiance et un gÔut voisins de I'affcctiou. Pcel et ses amis eô con-
çurent quelque inquietude, et pcnsercnt qu'en prenant Ic pouvoir i1s avaient
bcsoin de rrouvcr qu'eux aussi ils possédaient I'entierc confiance de la
Reinc. Pec lui demanda à disposcr dcs principales chargcs de sa maison.
Ce ne rut pas, a cc qu'i1 parait, de Sir Robert, mais du duc de 'Vellinglon
lui même quc vint la premicre idéc de celte exigcnce. La jeunc Rcine en
fut choquée; c'elail, lui direnl les \Yhigs, une prélention exhorbilante et
que n'autorisaicnt poinl Ics préccdcnts, On njoutail que de grandes dames
- 129-
He portanto ~m gvande erro affimar que na Ingla·
terra, typo e paiz classico do governo constitucional,
os S~beranos nunca governárão e nunca gov~rnão. Tem
isso dependido, e ha de depender sempre, do caracter
do Soberano, e das ciroumstancias.

du parti cons er\'n~eur en avaient parl6 comme d' un triompbe ,ur la Reine,
disant qu'elles sauraient bien, quand elles formeraient sa cour, la contenÍl'
dans ses limites constitutiounelles mieu" que ne faisaient les Whigs, L'im-
pertinence est quelque rois une arme utile, mais plus souvent un dangereux
plaisir. Le lendemain du jour ou Sir RoberL anit formá sa demande, iI
reçut de la Reine cc bilJet: .
" - La Reine, arant reflecbi sur la proposition que lui a fait hicr Sir
Robert ·Peel d'eloigner les dames de sa cbambl"e, ne peut consentir a uu
procédé qu'elJe croit contraire à I'usage, et qui repugne à ses sentimelltS.
« Sir Robert répondit par une longue lettre r6spectueuse, sens6e et
constitutionnellement vraie, mais un peu lQ.urde, et sans élcgnnce, COmme
~I!ns compll!isance. Evidemment iI convenait mieux au Parlement qu'à la
Cour, La negotiation fut rompue, et Itevint dans les Cba~bres I'objet d'un
débat. Les conservateurs, Wellington comme Peel, maintinrent Icur pré-
tentiou; les Wbigs soutinrent le rerus de la Reine, se déclal'nnt prêts à eu
accepter la responsnbilité. IIs reprirent aussitôt le pouvoir, et Sir ltobert
Peel reprit de son côté, pour deul ans encore, son rÔle d'homme de gou-
vernement dans I'opposition. II
Em um dos mais antigos e mais acreditados Jornaes da Europa, o loma'
dOI Debates de 2 e 3 de Janeiro ultimo, li eu bn dins um mnito intores-
snnte artigo sobre o l'rincipe Alberto de Sal e Cobourg, hn pouco finado.
O seguinte trecho tem muita relação com a materia de que ora me occupo ,
« Quant alu conséquences poJitiques de la mort du prince Albert, iI
est difficile de les prév.oir des nujourd'hui et de les nprécier dans une
juste mesure. Le prince, quoi qu'on en puisse dire, n"ai~ une grande pnrt
dnns le gouvernement de I'Angleterre en tout ce qui r elevnit de I'autorité
de la reine. C'était vninement qu'i1 en était eIclu par la Constitution, la
nature des choses. átait plus forte que le principe légal; et en elfet iI ne
IiC pouvnit pâs que le mari de la reine, si tcndrement aimé et si digne dc
I'êtrc, ne ruI pas toujours infol'mé des questions mises à I'ordre du jour,
eL souvent coDsulté sur la meilleure solutiou qu'il faudrait leur donner, et
que son opinion n'eüt pas un grand poitls sur I'esprit de sa compagne.
Les hommes d' EtaL de l'Angleterre, ministres passés, présens et futuri,
u'ignoraient point cette. condition dlt gouvernement de la reine ; ils I'acccp-
taient et s'cn Lrouvaient bien, parce que, somme tout(l, I'infljlence do, prjnre
tournnit au grand avantage des alTnires. ,Albert de Snxe-Cobourg s'étai~
fait Anglais; iI s'6tait donné sans réserve à sa nOllvelle patrie; iI en servait
les intérets, qui étaient devenus les siens propres, avec une conaissance
parrnite de toutes chose's et un zele qui égalait au moins celui des meil-
leurs patl"iotcs. Le prince avait SUl' tous les hommes poli tiques de I'An-
glctcrre I'immense avaótage d'etre étr'lnger à tOU8 les partis ; il n'était ui
torr, ni wigh, \li radical , ce qui le disposait à servir, dans loures les grandes
occasions, de médiateur et d'inttmnéi:liaire; iI rapprochait toutes les opi-
Ilions, i1 les couciliait; i1 npprenait aUI hommcs les plus opposés à tran-
l;iger et à se réunir quand uu · &rand intérêt I'exigeait, et I'on Murrait
citer de uom breuses occasions ou il a rempli ce grand et difficil e rÔle à
. Ia satisfaction de ceu x-Ià meme qui s'étai ent d'abord montrcs les plus l"cbelles
et Ics plus in traitables . Tou t cela le prince le fais ait sans brui t, avec' une
simplicité et une nbnégation Qui en rehaussai ent la valeur. Com mc iI était
rempli d'attentions pour la reine, iI Ii'e[açait toujours , ayant gran de soio
de lui reporler le mérite du bicn qu'il venai t de faire,
lI. 17
- 130-
. Os maiores, os mais independentes, os mais aclivos
Ministros que governárão a Inglaterra, attendêrão' nas
mais graves occasiões ás idéas, aos 'sentimentos, ás
opiniões da Corôa, da qual erão Conselheiros. A eman-
cipação dos Catholicos da Irlanda foi demorada por
20 annos, pela opposiÇãO pessoal do Rei, e Pitt, o
maior Ministro que teve· a Inglaterra, res-pondia ás ins-
tancias que lhe erão feitas em favor dessa emancipação
-Não pude persuadir o Rei.-A consciencia do Rei
me . deté!ll. - Não posso obter o '" consentiment:o do
Rei (1).
,
Porém supposto a Corôa Ingleza possa ter ou tenha
effeclivamente incontestavel influencia no governo, .in-
tervem e11a, ou deixa-se vêr raramente. Dirige-se mais
que nenhuma pela opinião nacional, e póde melhor
fazê-lo, do que qualquer outra, porque he a Ingla-
terra o p:liz onde a opinião -nacional mais homogenea,
e a certos respeitos unanime, se manifesta mais cla-
ramente, e onde ha verdadeiro espirito publico. Não
pretende alli . a Corôa governar tudo, não embaraça
os ~linistros, não difficuIta li sua tarefa e relações
com as Camaras. E, sobretudo quando ,os tempos estão

(1) Discurso de M.- Guizot na sl'ssllo de 29 de Maio de 18(6 na Camara dôs


Deputados. Lord Brougham Historieal Setches of Statesmen who Ilourished
in the time of Georges m, no artigo intitulado M. l'itt. .
« Muitas vezes Ministros Inglezes e granlles Ministros tem attribuido clara
e abertamente á CorÔa certas medidas. Lord Grey, Lord Chatam, pOI' exemplo,
o fizerão. Em um discurso pronunciado por Lord Grey, em um banquete,
depois da adopção d'esse bill de reforma, que constitue a grande época, a
grande gloria do Lord Grey, attribuia elle a Guilherme 4.°, a bonra e merito,
aos olhos do paiz, da adop~lIo desse bill. Entretanto cra por muitos sabido,
que a opinião pessoal d'aquelle Monarcha fOra contraria a semelhante aeto.
Lord Grey queria que se attribuisse 110 Rei o bem da reforma.
Quando Lord Chatam, de accordo com seu Soberano, lIecidio que a In-
glaterra tomaria parte n'essa grande guerra do meiado do seculo pa ssado,
que elevou a tilo alto gráo o poder da Inglaterra nos dous continentes, o
Ministro Bl'itanuico attribuio ao Rei em pleno Parlamento o merito d'cssa
resoluçllo, que aliás 01'8 coutçstado. Muita gente achava mão o que Lord
Chatam achara bom.
131
nebulosos, entranha-se ainda mais pelas nu~ens que
a cobrem, amparada por ~linisterios forles.

Já se vê portanto que praticamente na Inglaterra,


não. he seguido á risca o aphorismo - O Rei reina e
não governa-, e que a Constituição Ingleza está muito
longe de ter a applicação que ás Cartas Francezas que-
rião dar os sustentadores d'aquelle principio. A diffe-
rença está principalmente em que estes apresentavi!o
méras e estereis theorias para seus fins, e em que os
Inglezes, como homens praticos, querem e contentão-ie
com o que he humanamente possivel.

A. questAo - Rei reina e 040 8'OvorDa -, entre nÓ8_

Esta questão não he, nem p6d~ ser uma questão


abslracta. Depende ihteira~ente a S\la solUÇão da
organisação <jpnstitucional de cada paiz, e do modo
pelo qual distribue os poderes.

Applicar a torto e a direito aquelle brocardo, a toda


e qualquer ConstituiçãO, sem curar de saber se ella
1) admitte ou não, he confundir e baralhar tudo.

Depois de fixas as idéas sobre o que cada um en-


tende pelas palavras reinar e governar, póde se per-
guntar -A' vista da Constituição Ingleza reina sómente,
ou tambem governa o Rei de Inglaterra? A' vista
da Constituição Brasileira reina ou tambem governa
o, Imperador dó Brasil?
"- 132 -
Ist{) ne in telligivel , e p6de leval'-nos a alguma con-
clusão. O mais he confusã'Ü e dá lugar a con1rovetsias
interminaveis, nas quaes he impossível tomar pé, por-
qae nã0 ha ponto em que -se firme.

Infel~mente, nas 'poucas vezes que aquelle brocardo


tem sido invocado na n0ssa tribuna, tem sido ·traú<!lo
como 'prinCipio geral, líqüido e applicavel. 'sem uma
s6 palav-r a para demonstrar que o he.

Na sessão de 19 de Maio de 184 ti explicand0 ~


Sr. Andrada Machado a .retirada do Ministerio 'do qual
acabava de fazer parte, dizia:

« Nestas clrcumstancias, os ~lnco Ministros que erão de


outra opinião, erão obrigados a retirarem-se, a serem vencidos.
Não foi Sua Magestade que decidio, porque o Imperador reina
e não ' governa, mas tem o direito q,ié lhe 'da a 'Constitulção
de demittir os Ministros, e elIe demittio os Ministros que
pensavão como eu.
,. .......... , ............... ' "... .. -.-.................. .
"

( 'Si'. Présidente, os Soberanos 'não °govei'nãO, r~lnão '; go-


vernlio ·os Millistros:' O que impo'tta pois 'q ue o Minlsterio
governe mal, quando o Mo'narcha que só ,r eina, nada tem
com os vicios de sua administração? He verdade porém que
o respeito do Monarcha facilita a acção do go~erno, faz com
que o goveIlno labore com menores difficuldades, ache menos
resisteDcia do que encontra nas regencias: o respeit!> que se
tem ao Monarcha influe muito n'isto, sendo 1Ouito maia r
por ser de um sol, do que o que se sente por esses planetas,
-que ,bl1ilhão com luz emprestada. »

o Sr. H. H. Carneiro Leão, tambem Deputado então,


. respondia na sessão de 25 de Maio :
. « Tambem não sei para que' vem a theoria que os Sobe-
ranos 1'einão e não governão. Não faltão publicistas hoje que
133 -
que neguem esta doutrina, mas eu não reproduzirei a sua
atgum'tmtação; direi sómenle que aquolles 'que suslentão que
o Monarcha reina e não governa cumpre que nlio restrio-
Jã0 a palaVi'a - reinar ...... até o ponto de fazer com que o
M'Onareha seja méro instrumento da v{lntade ministerial (apoia"
1105 l, e não tenha nenhuma influencia no governo do Estado,
quando elle b'e llltamente interessado na consolidação da ordem
'6 da paz, e na manutenção da liberdade e das instituições
do paiz. .
« O 'nobre Deputado disse - o que importão ao MODarcha
os vielos da administração, porque não he responsavel ? 1m-
portão demasia'damente aos Monarchas os erros dos Ministros.
Se Ii-enhuiíla :re~pon'sabilidade legal póde caber ao Monarcha,
.o propri'o jnter.esse do pab, a religião dos mesmos Monallchas,
leu próprio interesse, faz com elles sejlo altamente interessa-
dos em que os Ministros nlio commettão erros. eom eft'eito
os ,Monarehas nunca podem ser responsabilisados pelos ItCtGs
Ide seus Ministros, mas não he menos certo, e a hisloria tem
mostrado muitos exemplos em que elles tem 'algoma cousa
iOtkido por causa de máos Ministros. Portanto 010 reduza
o Monar.cha ao papel de indilJerente sobre 'a condocta dos
Ministros: -elle deve ser o pllimeiro fiscal da condueta dos
,Ministros. Chefe do ,Pooer Executivo, ,exercendo o Poder Mode-
rador, que tem pela Constituição uma lnfluencia mui g.rande,
.e deve mesmo ,y.jgiar sobre todos os loutros !poderes, he -sem
-du1'ida que; quer na theO'rla, quer mesmo pela nosso direito
publico constitucional, deve ter uma grande inl1ueocia sobre
os aelos da adtnihistràçã'o. I>

'Na sessão de 12 de lunho explicava o Sr. Andra-


da MachadQ, e fundamentava a sua, opinião nos termos
apontados a pago 16 deste volume, os quaes por-
tanto nãa reproduzirei. .RepliGava-lhe assim o Sr.
CarnemID Leãl:!> na ·iessão ,de 14:
«( Nà() me toccuparei das ,outras questões, porque realmente
seria demorar 'muito ,a discussão, mas tenho -necessidade de
.rallar sobre uma .cousa que nlio he tão ,especial, e que parece
13! -
&Cr doutrirra geral do systema representativo, e he a que o
nobre Deputado tratou na sessão ultima de estabelecer, isto
-he, que o Imperador reina e não governa. '1

" « Sr. Presidente, esta questão U~m alguma cousa de meta-::-


-physica, primeiramente,' seria bom, seria neeessario definir o
que he reinar e o que he governar. Esta distincção entre
reinar o governar he um pouco subtil, um pouco sublime:;
.fol Inventada talvez em occasião em que tem sido necess'ílrip
guerrear os Ministros, e não havendo talvez actos grandes
que os podessem desconceituar na opinião publica, se recor-
reu a essa subtileza, que o Imperadol' reina e não govema..
.ora, apezar de .conhecer isto, não quiz entrar neste debate, e
disse ao iIlustre Deputado que não procurava entrar no exame
desta doutrina, mas que me parecia que a opinião ~os ilIus-
,tres Deputados não era· geralmente admittida por todqs 03 . pU-
blicistas, e se entrei ,no exame foi ,porqué o ilIustre Deputado
não fez uma applicação legitima e verdadeira dessa opiQIão,
Jlorque exagerou a doutpÍna do-reina e não governa-, quand~
disse -o que se Importa o Imperador com os máos actos, com
os vicios c erros de seus Ministros?-Acho que Isto he uma
exageração dessa doutrina , porque nenhum dos pubüc.istas que
a sustentão levou as co usas ao ponto de dizer-os Reis ou
,Imporrrdores não' devem importar-se com os erros e . vicios dos
Ministl'Os.-Veja o nobre Deputado se isto não he ex.agerar a ·
doutrina ~ ' Demais, se nós estivessemos tratando de estabelecer
principios geraes de direito publico, talvez o nobre Depu;-
tado, podesse reproduz)I' todos .os argumentos quo fazem os
que adoptão esta opinião, mas quando nós devemos arra-
zoar esta questão pela nossa ' Constituição do Estado, não vale
. p argum entação do nobre DJputado de dizer que a Constitui-
ção he defeituosa ne3se ponto, o já vê o nobre Deputado que
pouca força pó1e dejuzir dos principios geraes quo possão
apresentar esses publicistas. O nobre Deputado 'parece crer
em geral qu'e no systeml representativo os Monarchas reinão
c não governão; mas existe systema representativo na Suoda,
e ninguem p:Sde dizer que o l\fonarcha da Suecia não gover-
na . Ora, talvez a respeito da Inglaterra se pO'isa dIzer ·que
a aristocracia 'ulli governa mais do que o ' Rei; mas a respei-
to da França já se não póde dizer que o Rei reina e não
- 135-
govel'nu, Nós porém devemos beber as doutrinas constltucio-
nars não do systema representativo em geral, mas da nossa
Conslituição. 01'0, no systema que a nossa Constituição ad-
mittio, o Imperador he Chefe do Poder Executivo. O nobre
Deputado no seu discurso final queria qu. o Imperador .diri-
gisse e innuisse; he o que chama govemar .
• O S.', Andrada Machado:-Expliquei como.
« O SI', Carnoiro Leão :-Escapárão-Ihe talvez estas expres-
sões, mas a l'erdade obriga ás vezes a dizer o que não se
queria, e o que he um pouco incoherente com o que se queria
dizer anlecedentemente. »

Na sessão da eamara dos Deputados de 5 de Julho


do anno pnssado, dizia o Sr. Zacharias de Góes e Vas-
concellos, discutindo a questão do Poder ~loderador:

. « E uma prova sem replica de <rue, segundo n lei funda-


mental, o lmpcmdol' não reina só, mas governa, acha-se no
art. 126, assim concebido: « Se o Imperador por causa phy-
sica ou moral, evidentemente reconhecida pela plu1'lllidado
de cada úma das Camaras da Assembléa GemI, se impossibi-
litar para governar, em seu lugal' govemará como Regente o
Principe Imperial, se fOr maior de 18 annos. »
« Mas de que modo governa a CorÔa? Vou dizer com fmn-
queza o meu pensamento.
, « No governo cumpre distinguir a deliberação, da ncção,
. « Na deliberação, que toma-se no gabinete e he negocio do
reposteiro para denll'o, a CorÔa póde, conforme os luzes c ex-
periencia que tivel', exercer a mais extensa e decisiva influencia;
póde inspirar alvitres, reprovar alvitres, e dominar pela intel-
ligencia, Ao publico não importa levantar ·o reposteiro c de-
vassa"r o quo no gabinete se passa; he-Ihe de algum modo
indilTCl'enle saber seI o Imperante discute com os seus Conse-
Ihniro's os negocios gmves do E~tado, ou se os entretem com
questões de pouco nlcaDce, como AlTonso I V om sua juventude
entrelinha os seus com n narração miuc1a do suas c3~das,
ernquanlo nlio achou um Conselheiro que teve n coragem do
lh'o axprobrnr,
. - 13G -
a Se na deliberação compete a Corôa a maior influencia em
lodos os ramos da adnlinistração e no ex.ercicio d.e todas ai
suas attribuições, o mesmo não póde ter lugar na acção •.
u A 8Cção, essa pertence exclustva\Tlente a quem be rllsp()n o
savel, e consequen~ment,e só ao!! Ministros. Em sahindo do
gabinete para cabir no dominio da publicidade, a deliboraÇ.ão
passa a ser um acto, e esse para ser !Ia realeza ha mister a
referenda de um Ministro; de sOl:te que, qualquer que tenha
sido no Conselho 8 posição da CorÔa, ou a iniciativa da Ille-
dida, fosse sua, ou apenas approvasse-a, o Reto entende-se do
Ministro e do Ministro toda a responsabilidadp. .
• Só deste modo, Sr. Presidente, se concilião as prerogali-
vas da Corôa com os direitos da Nação. »

. Não creio que a palavra·- governar-do art. 126 tIa


Constituição resolva a questão. A palavra governar tem
nesse artigo a a~cepção a mais lata; comprehende en-
globádamente todas quantas attribuições possa ter o
Ímperador, ou o Regente, quer digão respeito ao reinar,
quer ao governar. Governar significa ani reger, dirigir.
Demais a Constituição he de 1823, e a celebre questão
sobre o reinar e governar, foi formulada, e enterreirada
muito depois.

Sinto não poder concordar com a distincção que


faz o illtlstrado Orador. Nestes assumptos, e por ven-
-tura em todos, a~ atlribuições dos Poderes devem ser
.claras, e suas posições francas.

Não ha meio termo, torno a repelir, e sobretudo


meio termo indefinido. b meio termo indefinido seria
uma fonte perenne de conOictos .
.'
A distincção entre a deliberação e acçã(), applicada
ao Poder Moderador, pelo modo qu'e acabamos de vêr,
~ 137

me parece metaphysica, inutil e esteril. De que serve


ª" déliberação a um Poder, se não a póde levar a
etreito, senão por .meio daquelle que a contesta e re-
pelle? '

De que serve uma deliberação que não póde sahir


do recinto de um gabinete, e tornar-se effectiva, se
~quene que a impugna lhe não der o seu assentimento
e não lhe abrir a porta?

A 'discussão intima entre a CorÔa e os seus Ministros


não póde ser sujeita a regras que marquem o grão de
influencia que nella cada um deve ter, e nem, como
dizia ~I. Guizot em uma occasião memoravel, póde
essa discussão intima ser trazida ao publico e á tri-
buna .. .

" Não he possivel sahir deste dilemma:-ou os aetos


'do Poder Moderador são exequiveis sem referenda, ou
não'.
, Se o são, o Imperador reina, e governa. Se o não
são, não. sei mesmo se reina .. mas tenho por certo
não só que não governa, como tambem que não he
o Imperador da Constituição.

Na sessão da Camara dos Deputados do 1.0 de Julho


do anno passado, dizia o Sr. Furtado, sustentando
que 05 actos do Poder Moderador erão inexequiveis
sem referendá :

« ••••• Refiro-me á questão da responsabilidade dos actos


do Poder Moderador. Talvez em occasião mais opportuna a
trale, 'Visto como elIa exige um desenvolvimento largo. Direi
no entretanto-dai-me uma eleição livr~, dai-me um parla.-.
lI . 18
- 138 -.
mento independente (1) e Ministros rcsponsaveis, que não . receio
nem Joannas, nem camarilhas, nem olygarchias (2).
. « O que he importante para os actos do Podei' Moderador
he que haj1io agentes não ú'responsaveis que os assignem;
havendo esta assignalurll, fação a distincção que quizerem, Q
parlamento fará elTectiva a responsabilidade, Mas, corno disse,
em occasião mais opportuna talvez discuta esta grande questão.
EUa se prende a outra - se o Rei reina e nào governa, O"
~e o Rei reina e governa - questão quo já foi muito agitada
em França, e cuja solução tambem depende de largo des-
envolvimento, · Por agora, e de passagem, direi que a nossa
Constituição não autorisa em toda a sua plenitude a maxima ~
o Rei roina e não governa; porém repito, 'd ai-me eleição livre,
parlamento independente, Ministros que assignem lodos ·os aclos
~o Poder Executivo e Moderadol', e eu não receio inOuencias
indebilas e camarilhas.»

" -« O que /te .imp01'tante he que ltajão agentes não ú'-


1'esponsaveis, que assignem os actos do Poder Moderador. )~
O que significa·: agentes não irresponsaveis ?
Sei que os Ministros são agentes esse'ncialménte res-
ponsaveis nos actos que não podem ser executados
sem sua referenda, e que referendão; mas he im-
propria a denominação de agentes não irresponsaveis,
dada a quem he essencialmente responsave1.
Quererão semelhantes palavras dizer, como parece,
que embora não sejão os actos do Poder Moderador

(1) 'Eleiçi!o livre, parlamento independente, em lingoagem pa l'lamentar,


quer dizer eleiÇilo nossa e dos nossos amigos ; parlameoto composto de nós
e .dos nossos amigos ~ Nem he possivel que a Naçilo queira o contrario do
que nos cooyém e nós queremos. _, .
(2) Em Iingoagem parlamentar, dá a opp'0, iÇilO esses nomes áquelles que
ella suppõe que lhe empatllo as vasas, DaJ1leul, no seu Diccionario critico
da liogoagem politica, define assim: -« Mot empruoté à l'Espagoe pour dé-
signer une espéce de gouveroement occulte établi dans le gouvernernent
même, ef qui agit sourdement dans la vue de neutraliser ce ,qui se fait
pubJi!jl)ement; cette double action supposée chez nous est un e arm e bien
imaginée par nos anarcbistes, aussi ne I'ont-ils pas negligée, et les opposants·
de tontes los couleurs DOUS ont donné tout 11 la fois une camarilla de leut· façon;
une cour lorsqu'i! n'y a point de cour, et autres denominations analoglles, dun s
lu vne ,de mnsquer des ~ttaques 8\1dncieuscs, el au fond bieo crimine lles~ II
- 139 -
referendados pelos l\'linistros, o scjão por qualquer
pessoa á qual se imponha responsabilidade legal? Mas
não he possível exigir a referenda, e consequente res-
ponsabilidade de entidade não conhecida; e não des-
tinada para esse fim pela Constituição, sem alterar á
mesma Constituição.

« A nossa Constituição não a.utorisa em, toda a sua


amplitude, a maxima - o Rei rc·ina e não govcrna. - »
. . Não autbrisa' em toda a sua amplitude! ' Logo auto-
risa até certo ponto. ~té onde? Qual he o fio, o prin-
cipio que nos ha de guiar para reconhecermos e fixar-
mos esse ponto? Onde está. elle na Constituição?

Que confusão I Nem ella póde deixar de dar~se to-


das as vezes que, para evitarmos soluções claras e
francas, ' nos formos emmarailhar em ' meios termos
.indefinidos e obscuros, os · quaes, em lugar de desa-
tarem as queslões as tornão cada vez mais insoluveis.
A maxima da qual me tenho qccupado tem sido
mais alguma vez in:voc(!.da nas nossas Camaras, mas
'sem desenvolvimento, ao menos de que eu tenha no-
-ticia, que nos possa fornecer mais alguma luz.

§ 6. 0
_

Exame da doutrina de ltIr., Thler.tJ. ~ua applleação ao Brasil.

A questão reduzia-se e red~z-se ao seguinte. Tra-


tava-se de saber, e essa formula a simplifica,-se no
governo Constitucional da França era a Corôa um ro-
der, ou se era cousa nenhuma.
- 140-
He preciso reconhecer que he esla, no seu desen~
volvimento . e applicações, uma das mais abstrusas
questões politicas que se podem dar, e que he impos~
sivel resolver n' aquellas organisações que não tem
Poder Moderador. Estudando as difficuldades em que
se achou a França, com as suas Cartas Contitucionaes
que o não tinhão, admiro cada vez mais a sabedoria
da nossa ConstituiçãO.

Quanto ' á Inglaterra livra-se ella das difficuldades


por meios e expedientes praticas sómente proprios
'd'esse paiz, e porque os partidos, profundamente mo-
narchicos, convém em respeitar as · prerogativas da
Co~·ôa. Demais -qm vigoroso espirito publico contém
todos os que tem pendor para o desmando. Os méros
especuladores políticos perdem alli o seu tempo .

. . Pela doutrina de Mr. Thiers prepondérão exclusiva-


mente as Camaras, e para melhor dizer a dos Deputados.
lIe o astro em derredor do qual gravilão 0S Poderes
do Estado. Elias indicão os Ministros. O Rei nomêa
a q~em ellas indicão. Quasi que completamente se
refunde um dos ramos do Poder Legislativo com o Exe-
cutivo. . .

As prerogativas Reaes -de ,nomear rtlembros da 2."


Camara, de dissolver a. dos Depu tados, as attribuições
.heneficas de perdoar, de . amnistiar, que devem ser
exercidas independentemente dos partidos, as que tem
,por fim restabelecer o equilibrio' e harmonia entre os -
Poderes dependem exclusivamente dos Ministros e de
SUIl referenda, e portanto das maiorias que os fazem
nomear !:l os suslenlão.
141-
Segundo esse systema a conJição da inviolabilidade
da Corôa he a nullidade pe~soal do Rei. O Rei reina
e não governa, isto he o Rei he n llllo. Não basta
que a Constituição o .declare inviolavel. Logo que
se quér elle envolver no exercicio de suas aUri-
buições, logo que governa, logo que sllspeitão que go-
verna, logo que convém gritar que governa, deixa de
ser inviolavel. Com as eondições ,que põem á inviohr-
bilidade he certo que elIa nunca existirá.

Este systema suppõe maiorias firmes, constantes,


compactas, com principios claros e definidos, dil'i-
gida~ . por chefes influentes, activos e prestigiosos.
Suppõe . minorias activ.as e valentes com bandeiras vi-
siveis, lidadoras, para ' que as maiorias , se conservem
cerradas, .disciplinadas e obedientes a seus chefes.

. Suppõe um continuado 'contacto e accordo dos Mi-


nistros com aquellas maiorias e seus chefes, em cuja
dependencia ficão necessariamente.

~Iuitas vezes' não constitue esse systema verdadei-


ramente' um governo nem do Rei nem dos ~finistros,
nem das Camaras, nem de suas maiorias. He o go-
verno dos chefes dessas maiorias, porque para que
. as maiorias tenhão cohesão, para que sejão fortes,
principalment~ quando a opposição he valente, activa
e numerosa, he indispensavel que se personifiquem
em chefes, os qU(1 es, a final, governão sem respon--
sabilidade propria.

'Parece ser esse o systema do lado que se chama


1il)eral entre nós, porquanto he a necessaria canse-
142 -
quenCia das doutrinas que nullificão ó Púdér ~lode­
rl,ldor, e consagrão o principio -o Rei reina e não
governa.
Entretanto os homens mais eminentes d'esse lado
tem repellido esse systema.
O Sr. Feijó, quando B.egente~ em 1837, respondia
do seguinte modo á Commissão da' Camara dos Depu-
tados, que fôra apresentar-lhe a resposta á falla do
Throno (1) :
u Como mc intcresso muito pela prospeJ'íd;Jde do Brasil,
e pela observancia da Constituição, não posso estar de accordo
com o principio cmíttído no segundo período da re3posta á
falla do Throno; e sem me importar com os elemenl,os de
que se compõe a Camara dos 8rs. Deputados, prestarei li mais
franca e leal cooperação á Camara, esperando que, ao menos,
desta vez, cumprão as proml:'ssas tantas vezes repetidas, de
- tomar em consideração as propostas do Governo. »

Entendia portanto que se podia governar sem se


importar com os elementos de que se compõe a Camara
dos Deputados (2) .

(1) Sesslio da earoara dos Deputados de 6 dé Junho de 1837.,


(2) Ero 1837 na Caroara dos Deputados (sessllo de 3 de Junho) negava
um Ministro (o da l'I'Iarinha) á mesma Caroara , o direito de ser infor-
mada sobre as intenções do Governo e dizia- « eu penso que o Executivo
he Poder separado, delegado pela Nação, e que nlio tem obrigaçlio de apre-
sentar ao C01"pO Legislatil'o senão o resultado de suas medipas. II
, Nunca a Camara dos Deputados Coi tratada mais de resto. O mesmo
Ministro dizia na sessão de 12 de Junho de 1837. u Eu disse, continúa o
orador, que ha um fim occulto, e o sustentarei •••• Eu já o esplico. O
que se pretende, Senhores, he que o Mi!listro, entralldo por aquella porta
(apontando para a entrada do salão) diga: - Louvado seja Nosso Senhor
Jesus Christo, a benção, meus senhores (muitas risadas). He isto o que se
pretende. E não he uma verdade? O que noto eu aqui? Já vi destruidas
as razOes que orrereci? Apresento o estado do Pará; digo que o PJ"esidcnte
pede fol'C;.as; mostro que tres mil homens não são bastautes para guar-
necer a força necessaria; mostro que n'um caso extraordmario he neces-
sario que o Governo esteja habilitado para lançar mllo de uma força maior;
e o que se tem aqui dito f Qúe o Governo não merece confiança! E por-
que? Porque 'nllo venho aqui tomar a benc;ão, c dizer: - Meus senbores,
nllo querem , mais nada, passem muito bem.
En trctauto essa adininistração era S\lstcntada pelo lado liberal!
--.: 143

"Na sessão do Senado"de 27 de Maio de 1839, dizia


oS,,, Feijó:

« 0J'a vamos aos governos das maiorias: cu julgo que isto


he até contrario á Constituição, Eu tenbo ouvido dizer quo
o nosso Governo he o das maiorias, e que, quando a maioria
quer uma" cousa deve SC/' feita, isto seria o Governo da força,
e he verdade que a maior sujeita a menor.
« EUa não reconhece os principios de maiorias das Camaras;
como pretende o iIIustl'e ex-Ministro; a Constituição, pelo con-
trario, dá ao Poder Moderador o direito de negar sancção ás
leis "que passão pela maiol'ia das duas Camaras, e isto lIe
porque ella entende que as maiorias não devem governar;
que podem tender a cousas que sejão oppostas ao bem geral,
A Constituição dá tambem ao Podei' Moderador o direito de
dissolver a Camara dos Deputados, ou de adia-la; e porque?
Porque não quer "que "as maiorias governem; porém, eu direi
assim mesmo, que essas maiorias devem ter consideração,
quando são a verdadeira expressão da maioria dos sentimentos
nacionaes, quando não são ephemeras, creadas por seducção,
ou por cabalas e falsas suggestões, pois, sendo assim, facil-
mente ellas se dissipão e tomão-se minorias, Disse-se aqui ,
lambem (c_foi de certo modo desenvolvido este pensamento) que
eu não achava remedio aos nossos males"; eu entendo ainda
() mesmo.

E na sessão de 2-9 accrescénlava:


"{( Direi alguma cousa sobre o Governo das maiorias, prin-
cipio este que me parece absurdo e subversivo de toda a ordem
~o Brasil, além de inconstitucional.
" O Governo das maiorias {eu tambem já o disse em outra
sessão) não existe em nossa Constituição .' Verdade he que
em toda a casta de Governo, quando a maioria da Nação quer
alguma cousa, faz-se; :então he o predominio da força maior
sobre a menor. Mas, note-se que essa maioria só he pode-
rosa quandQ he effeito dI! educação; e não facHcia creada por
cabalas, por seducções, ou corrupções, porque então he ephe-
mera: tal he ~ maioria de partidos. A lT!esma maioria das
- 1.14-
Camaras não, lie segura, nem sempre representa a opinião'
nacional, como ha. bem pouco hou ve occasião de observar-se.
A maioria da Cumara' dos Depulados sustentou a odministração
passada, mas a Naçüo avio cahir com prazer; e hoje essa
mesma maioria acha-se estrangulada, não he muis a maioria
compacta dos annos antecedenles.
« Sr. Presidente, este principio póde ser funesto; altera o
nosso systema político, entregando o Governo nas mãos da
maioria das Camaras,- ou de uma só. (Apoiados.) Se me não
engano li qoe o nobl'e ex..,Ministro da Justiça, em uma das
sessões passadas, disse, na Camara dos Deputados, 'que elJa
usasse da sua influencia, dirigisse o Governo, & c, Ora, se assim
foi, na verdade quiz o Governo identificar-se com a Cllmara.
entregar-lhe o governo do Estado; e isto he absurdo. Já lem-
brei, e 'O repito, a ConstituiçãO tanto não recõnhece o predo-
minio das Camaras que concede ao Chefe do Estado negar
a sancção ás leis apresentadas pela maioria de ambas as Ca-
maras. E se entre nós ho elle obrigado a dá-la depois de al-
gumas repelições, em outros Governos representativos tem o
Chefe do Estado voto absoluto que annulJa de uma vez esse
syslema das rr.aiorias. Elle póde dissolver a Camara dos De-,
putados quando ,essa maioria não está de accordo com o mesmo
Chefe, ou á este parecer que nüo he ver.dadeiro orgão dos
sentimentos nacionaesj como, pois, quer o. illustre Senador
obrigar o Imperante a tirar seus Minislros das maio~ias, sen-
do-lhe absolutamente livre nomea-los e demitti-los sem con-
dição alguma? SenhQres, tal principio tende a republicanisar o
Brasil. O nosso Governo he mOllal'chico, isto he, -governo de
um só, . embora modificado. O nosso Governo he: o da lei.
A Assembléa, '0 Governo, e o Poder judiciario ' todos tem at-
tribuições marcadas na Constituição. Não confundaUlos os po-
deres do Estado: estão divididos. Não ha necessidade de su-
jeitar-se o Governo ás maiorias das Camaras ; estas e o Governo
tem' meios constitucionaes de se contrabalançarem para não se
invadirem: he perigosis~ima semelhante doutrina. Eu desejava
não vê-la proclamada no Senado . (Apoiados.) Além disto
quanto he pel'lliciosa esta doutrina conhecer-se-ha, attendendo
8 que nada he mais facil do que formar-se uma maioria
na Camara dos Deputados, do que temos cxem.p lo bem fresco;
- 145-
então o Governo, identificando-se com a Camara, póde esora-
visar a Nação, estando certo de não ser accusado por aquelles'
a cujo aceno obedece, ou a quem com manda.
« Senhores, convém que cada Poder obre livremente, e con-
sinta-me o Senado dizer-lhe que a Nação vive bem de5con-
tente da Assembléa : se clla não vigiar na conducta do Go-
verno, se se propuzel' apadrinha-lo, e servir-lhe de capa, pód~
ser que se julgue superfiuo o Corpo Legislativo. »

o Sr. Paula Souza tomava diverso rumo. Queria que ,


as maiorias seguissem as opiniões dos Ministros e que
fossem estes os seus directores, porquanto dizia e11e,
na sessão do Senado de 27 de Julho de 1841:

« No Governo representativo, segundo penso, os Ministros


são os representantes das opini ões quo dominão as Camaras;
estas, mais ou menos, segi~em as opiniões dos Ministros, por isso
que elles são os directores das marorias; mas quando elles
não querem ser os directores da~ maiol'ias, e deixão-se con-
duzir como a reboque, então torna-se inutil esse principio
o regim e n representativo; por isso eu queria quo os Senhores
Ministros sel'vissem de nossos directores, e não que se dei-
xassem guiar de modo que parece que nós somos os direc-,
tores. »

o mencionado Sr. Feijó entendia que os Ministros.


não -se devião intromelle~ nos nego cios das Camaras.
Dizia elle na sessão do Senado de 7 de Agosto de 1839:
« Senhores Ministros, o Ministerio restrinja-se á execução
da Constituição e das leis, deixe-nos em liberdade; não queir~
confundi!' os rederes, na separação dos quaes está a essencia
de um governo: livre. Não queira prostituir a Assembléa Geral,
cujo credito acha-se bem abalado. Note-se que se he livre ao
Ministerio inOuil' nas eamaras, para obter essas medidas,
tambem será conveniente influir nos juizes, para oBter uma
senten ça favoravel aos seus desejos ; e que de males se não
seguem de semelhante doutrina! »
n. 19
1.46 -
'Taes 'erãa gerslmenti as idéas do antigo partido H·'
heral, idéas exageradas, mas até certo ponto verdadeiras.
Parece propender hoje para o systema diamelralmente
'~pposto, o de M. Thiers,
-
As verdad'eiras duutrinas sustentadas na Camara dos
Deputados na memoravel época de 1837, erão as qu e
'expunha e sustentava ú Sr. Limpo de Abreu (Visconde
üe Abaetê), a saber:
" Que toda vez que o ~Ijnisterio se tornava pupi110 de
umá CarmIra Legislativa, o Governo não podia deixar
-de humilhar as prerogativas da Corôa, e de fazer im-
menso mal ao paiz. '
; 'Que a Camara dos Depulados hão tinha direito algum
fundado para declarar que o Ministerio não tem a con-
fiança Nacional. - , ({ A Camara1 dizia o illustrado orador,
não fie o interprete da confiança Naéionál. A Nação não
he- representada"unicamente pela Camara dos Srs. DeL.
,pu.tados; lia () Senado que concorre para esta represen-
fação, e por isso a Camara por si só, não póde emiltir
uma proposiçãO desta natureza. »
40
, He fóta de duvida que conleslar ás Camaras uma
influencia decisiva sobre a formação dos Ministerios, ou
'exigir dos ~linistros que sejão fortes sem () apoio dellas;
he recusar o Governo representativo (1).
PoréQl entre essa recusa, e o governo exclusivo, com-
pleto e ~bsoluto das maiorias, ha grande distancia.
. O· governo exclusivo das maiorias das Cumaras traz
gravissimos inconvenientes, e salvas circumstancias

• (1) M. Guizot.-Du gouverncment de la FraMce dep\lis la Re~taur8tion,


et du ?!tinistére act\lel (18'10) .
- 141-
taras e excepcionaes, e em cerlos pUlZCl) , he imprlti-
caveI.

Além disso a nossa Constituição o não quiz~ J •

Vejamos.

Não 11e possivel ma'nter maiorias sem chefes', e quando,


ellas governão exclusivamente assumem, bem como.
seus chefes, uma importancia extraordinària. Os chefes,
irresponsaveis de maiorias tendem muito a individua-
lisar, e a reconcentrarem-se na sua laboriosa tarefa
de angariar adhesões, de sustentar a sua influencia
pessoal, de obter favores para os que lhes dão força,
de vingar-se dos que 0 3 abandonão ou lhes resisLem ~
Tornão-se muitas vezes caprichosos e intolerantes. Pre-
occupados do seu trabalho de ageitar, disciplinar e de'
conservar satisfeitas e arregimentadas as maiorias, des-
cuidão-se ou põem d~ lado os interesses das massas e os.
geraes da Nação (Ll. O enredo parlamentar absorve.
tudo.

(I ) 0& srguintes profunllos trechos de àL Gnizol-J es moyens dé gou-
Yfl'uemenl,-elplicão e co mplclllo :o meu Ileosàmeulo. - « Q u~nd 00 coosi-
dere le pOIl\'oir, opn isolémeol el eo lui mente, mais dnos son rapport in-
"limc avcc la socielé, SOIl adiou se présenLe SOlls uu doulJle aspecl. lIa à>
trailer d' un c parl, al'cc ccttc musse générale de ciLo)'cns qu'j( nc "(jit poiot,
mais qui le subissenl, le sentent elle jugent ; de l'au lre avec des-iodividulI
que tellc ou telle cause rapprocbe de lui, et qui se lrou l'enL avec loi en rela-
Lion personnelle ou direcle, . 0iL qu'ils le scrvcnl pa r leurs ConcUons, soit
que lui mome éprouve le besoin de se servir de le ur innuence; Agir sur
des masses, el agir par des individus, c'est ce (IU'On appelle gouverner.
« De ces deux parls du gou"erncment le pou voir ,cst enclin à négliger
la premi ere. Faible e t pressé, le soin de trailer a l'cc les individus l'absorbe.
Hieu n' ust si commun que de le voir oll bti er qu'iJ a un peuple, et uo
pcuple, à qui lout l'e qu'iJ fait "a aboulir, Des errcurs du pouvoir, eene
la surlout lui esL fatale, car c'esL dons lell- masses, dans le peuple Illi mémc'
qu'i1 doiL puiser 5a principale forcc , ses principallI moycns de gouverne-
ment. »
, '" ..•.•...... •.•• «Le public, ta natioo, fe pays, e'est done lá qu'est
la force, IA qu'on pellL la prendre. Trailer avec les masses , e'es. le grand
resJQrL du pou"oir. Vient ensuite rart de traite~. ave c les iodividu5; art
lieC&5Jaire, mais qui, à lui seul, I pllU ~ val.Ul' et produit peu d'eaet. D
148

- -O governo exclu.sivo das maiorias parlamentares n~o


pó de apresentar estabilidade, porque está muito sujeito _
á deslocação das vontades e irlteresses, e mesmo aos
caprichos e desavenças dos que as compõem e as di-
rIgem.

He uma luta permanente, essencial condição da sua


existencia, e essa luta por fim afrouxa, e nem póde
durar sempre.

Logo que a Sociedade cansa, e se aborrece dessas


lutas, logo que as suas causas desapparecem, ou mín-
goão, logo que as feiçõeS' dôs partidos deixão de ser
bem distinctas e bem pronunciadas, Ibgo que ha mais
ou menos accordo sobre principios e interesses políticos
essenciaes, logo que esses _principios e interesses não
estão em perigo, a antiga disciplina dos partidos afrouxa
e perde-se, e torna-se o governo exclusivo das mruo-
rias parlamentares impraticave~.

Então essas maiorias fraccionão-se em grupos, cadà


um com seus Chefes. Nã~ he mais possivel formar
. .
Ministerios inteiricos. D'ahi a necessidade de coalicões,
,

as quaes sómente podem dar Ministerios fracos, para


os quaes~ cada dia he vespora de queda.

He assim que a quietação produzida na Inglaterra


pelas grandes reformas inauguradas ha 30 e tantos
annos, dissolveu as maiorias compactas, disciplinadas
e permanentes desses tempos.

_ He assim que em lugar dessas maiorias, 'as quaês,


no secul~ ~ass~dt>, manliye~ão algumas yezes .os par-
149 -
tidos no poder durante 20 annos e mais, não se vê
no Parlamento Britannieo, desde a emancipação dos
Catholicos, e desde o grande acto da reforma, senão
[racções fluctuantes que ora se atirão para um lado,
ora para outro.

Restão sómente questões especiaes sobre cujo meriL(l


julga cada um ter o direito de dar um voto indepen-
dente, porque pó de fazê-lo sem com promeller interesse
algum vital d!l Sociedade.

Observa-se hoje na Inglaterra que os partidos tendem


muito para aproximarem-se. e que em um grande HU-
mero de questões politicas' votão os Whigs com os Tories
~ os liberaes com os conservadores.

Não ha muito tempo dizia o Times - O Parlamento


tem exercido até hoje um poder supremo, porque ,tem-se
contentado de governar por meio de ' seus Membros
mais distinctos (1).

(I) o se!;uinte trecho de um artigo que li no Times, pareceu-me tão


importante, e ter tanta rela, 110 com o assnlllllto de que rue estou occnpaudo,
que nl\o posso resistir ~IO desejo de o transcreyer aqui. Ei-Io: .
li Porque he o Congresso dos E~tados Uuidos, o que todos reconhecem,
incapaz de cumprir os deveres que a Carnara dos Comrnllns preencheu 1.30
bem durante 170 auuos? NlIo hc diOicil a resposta, e qualquer .Americano
intelligente, que n30 temesse uem a imprensa, nem a populaça do seu
paiz, li daria. O Congresso do; Estados-lJUidos nao póde ser encarregado
dessas Cuncçoes (fiscalisaçllo do Poder ElecutÍ\'o) porque em quanto o Par-
lamento da Inglaterra se compoe ainda dos maiores tulentos e dos carac-
teres os mais dislinctos do palZ, nllo acontece o mesmo na America, onde
os que mais merecem fogem da vida publinl. Reculln diante das provanças
pelas quaes terião de passar. e nao podem rrsignar-sl' ás associações, ás
concessões, ás corrupções, ás intri~as pelas quaes tem de passar um can-
didato para abrir caminho até o Capitolio de Washington. A eterna cam-
panha eleitoral qne he preciso abril' com reeleições de dons em dons annos,
~s meios pelos quaes se obtem o favor daquelles que tangem os fios da
mtriga eleitoral;e muitas vezes li falor de pessoas que 0110 conhecem, sao
condições que nllo ·podem ser aceitas por homens cultos c de boa educaçilO.
Be ehimeato cio que nllo podem viver. Assim, regra seral, li politica na
America he uma carreira sómentc seguida por gente de 3.& e ~.a ordem,
e pelos que naufragárão nas profissOcs liberaes, os aycuturciros, &c.
- 150

Com eifeito o governo parlamentar tem sido possivel


na Inglaterra, porque os differenles partidos ' se tem
encarnado em um pequeno numero ,de individuos ..
cujas inspirações seguião cegamente, votando á von-
tade de seus Chefes, com disciplina e abnegação
exemplar.

Esle governo tem estado dividido ou partilhado entro:


um pequeno numero de homens eminentes chamados
Fox, Sheridan, Pilt, Chatam, Cannillg,' Peel, Russel f
Derby, Palmerston, dos quaes parte costuma estar no
~linisterio, e parte na opposição.

-
Na Frunça tambem esteve dividido por um pequeno
num ero de homens da 1.· ordem, como Guízot{
Thiers, &c, &c,

He este o governo parlamentar, e he sómente corri


taes homens, cujo numero tende a escassear, que póde
existir. São precisas notabilidades diante das quaes
as de 2.· e . 3.· ordem abaixem a cabeça.

Poderá esse governo de continuada luta, em parte


pessoal, ser permanente? Em lugar de um Rei tem
a Nação uns poU(~os de Reis, uns occupando o Throno
parlamentar, outros que o dispulão, e paga eIla por' fim
as custas de seus ciumes e rivalidades, ambições e
conlendas.

Ha muito quem pense que a Inglaterra está passando


por uma crise poliLica, sem precedentes, de onde lhe
poderá provir uma profunda modificação no seu re-
gimen parlamentar. . . . ,
151
, Se fosse possível pôr de parte tudo quanto ha de
pessoal e odiento na nossa poJilica, e fazer calar certas
ambições pessoaes, eslariamos nas mesmas circums-
laneias.

\ Seria o systema do governo exclusivo das maiorias


parlamentares praticavel entre nós, sobretud'o hoje;
quando não· ha partidos claramente definidos, e do
modo pelo qual he composta, e he de crer continue
á sê-lo, a Camara dos Deputados? Conta muitos moços
'de talento e esperançosos, mas que não se subordinão
a08- que julgão seus emulos e que não recebêrão ainda
a1uel1a eonsàgração, que só dão o' tempo, ou grandes
feitos em grandes lutas. Os homens apparecem menos
em tempos de calmaria. As nossas maiorias hoje são
mais occasionaes do que permanentes, e como que he
necessario arregimenta-Ias para cada votação.

Os homens que entre nós adquirem com o tempo,


nome, relações, maior numero de adhesães, pratica
e certo tino parlamentar, apenas tocão os .i0 annos,
buscão nq S~na,do refugio contra a instabilidade das
noss~s eleições populares, eilns~dos do trabalho que
dão, e da .extrema dependencia em que põem os can:
didatos. Cada anno vai desguarnecendo a Camara dos
Deputados, ás vezes do que tem de melhor com' a
i~ade exigida pela Constituição para ser Senador.

Seria possIvel haver constantemente na Camnra dos


Deputados maiorias .forles com idéas e planos fixos,
com chefes reconhecidos e obedecidos, com a necessaria
cohesão, as quaes pOl' si e pOI' meÍo dos Ministros
que as l'epresehtassem, imprimissem com mão vigo-
- 152

rosa O seguimento e estabilidade necessarios nos nego~


ciGs, e sobretudo indispensaveis para impellir uma
.Nação nova no caminho do progr~sso?

Finalmente, e para nós essa consideração h~ li. mais


forte, a nossa ConstituiçãO . não admitte o Governo
e;cclusivo das maiorias parlamentares" e principalmente
da maioria di! Camara dos Deputados só.

Primeiramente porque a Assembléa Geral compõe-se


de duas Camaras, e a Camara dos Deputa9.os he apenas
uma fracção de um dos Poderes do Estado, o Legis-
lativ.) . Ha muis duas fracções a Camara dos Senadores
e o Imperador.

Porque a Cam~ra dos Deputados não representa


por si só j\ Nação, repl'esenta-a. com o Senado. He
Representante da Nação a. Assembléa Geral.

Porque a  ssembléa não he unica Represelltante


da Nação, Tambem o he o Imperador.

Tanto a Constituição suppõe que a maioria da Camara


dos Deputados póde deixar de representar a opinião
Naciónal. que consagrou o direito de dissolução, e a
appellação para essa mesma opin ~ão.

o Governo exclusivo das . maiorias parlamentares


destruiria completamente o systema da Constituição .

. O que ficaria sendo o Imperador, que a Constituição


declarou, certamente com intenção, 1,° Representante
da Nação, seu Delegado, e a quem privativamente
confiou o Poder '~Iod erad or ?
- 153
A Constitui~.ão. com muita sabedoria,-não quíz que
algum dos Po~eres governasse exclusivamente. Deu a
cada um o seu justo quinhão de influencia na direcção
dos negocios do paiz.

o que deu á Assembléa Geral he importantissimo.


he sem duvida o maior. Uas ella não poderia absor-
ver em si os quinhões dos outros Poderes, sem destruir
pela base a Constituição.

E a _Nação reservou-se pelos arts. -65 e 101 § 5.·


da Constituição. o direito de rever e decidir definiti-
vamente, nos comicios ' eleitoraes, as soluções, para
assim dizer provisorias. mais importantes dadas pelo seu
Primeiro Representante e Delegado privativo o Poder
Moderador.

§ 7 ..

Exame da doutrina de M. Guizo«. Sua applleaçAo ao BraeU.

Um dos primeiros jornaes da época, e que he ainda


hoje um dos primeiros da França, resumia assim a
doutrina de ~L Guizot :

Todo o Poder Executivo pertence ao Rei ( he ISSO


expresso na Carta); logo o Rei he um Poder, um
Poder Real. O Hei governa pOl'.tanto; porém não
governa senão com o concurso de um Mínisterio res..
ponsavel, e o mesmo Minislerio nada he, nada póde
sem o apoio das Camaras. Se as Camaras retirào {to
11. 20
154
~jI\i$t~do. Q S€)Uf.lpOio, cahe elle no mesmo' insta~te,
o, ~ei, he obrigado a escolher outros Ministros: ; sempre
lH~ a vontad~ Nacional que por fim triumpha (1).

Observadas essas condições o Rei he inviolavel; 1'"


bUSÇA-Io atraz de seus . Ministros, he violar a Consti-
tu~ção, . he transformar a Monarchia em Republica, e
(az('lr do governo constitucional o mais impossível, o
mais absurdo dos governos.

por e&sa qoutrina o Rei governava, envolvendo-se no


e:lt,erçiGíot de toda~ as, attribuições do Poder Executivo.
O Ministerio porém, cobrindo a Corôa, apparecIa na
priweira plana.

fie o que marca a política, quem a faz aceitar pejas


Camaras e pela Corôa; he o moderador que procura e
estabelece o accordo entre os Poderes. He o astro em
roda do qual estes gravitão.

Tendo de fazer ac~itar a sua poJítica pelas Camaras


vê-se -em maior necessidade de transigir, de empregar
todos os meios para attrahir e conservar maiorias, e
ás' vezes de corromper.

N'este systema he maior a tentação de ingerir-se o


Governo em eleições para formar maiorias.

(1) Todos invocilo n vontadc nacional, que he sempre 11 nossa. O que


he porém ,'erdade he que, como pensava Napoleão, a maioria de toda e
qualquer sociedade he neutra em política, numpricamente, c indilTcrente,
com t1\nto que não olfendão as suas crenças religiosils e os ~eus interesses,
isto he que respeitem a sua religião, a propriedade e a justiça. A minoria que
6C envolvé nas lulas políticas divide-se, c cada fra cção dessa minoria de-
clara a sua vontade - nacional. Luiz XIV dizia - l'Etat c'cst moi. Nilo ba
partidinho que nno digôl - A Na çao - sou cu .
- 155 -
Póde marchaI' este systeJIla com Ministerios fortes,
compostos de l!:sladistas da primeira ordem, que goZê'ól
de grande consideração da Corôa e das Camaras, por
meio da qual consigão o necessario accordo. Póde
marchar, por algum tempo, com Guizots, mas os Guizots
são raros e por ora ainda não nos tocou nenhum, Póde
marchar um ~linisterio com esse systema quando se
apoia em um forte e grande partido. Então poderá
melhor dispensar meios que gastão e desacredilão o
Poder, e que corrompem. Mas poderáõ aqueIlas cir-
cumslancias ser permanentes?

Quando porém não ha partidos com principios bem


dIscriminados, quando não ha grandes interesses e
questões que dividão e agitem a população, quando
as maiorias das Camaras são incertas e fluctúantes,
quando os Ministerios são fracos, he o systema em
questão impraticavel.

Estamos nós, principiantes de honlem, em circums-


tancias de pôr em execução todas essas beIlas e engenhosas
theorias, de ter sempre Ministerios ,com o necessario
vigor para dar vigorQso impulso a taes systemas? Tivemos
o Ministerio de 19 de Setembro com a sua possante
e compacta maIOfla, e por ventura mais algum outro,
mas.

Neque semper idem fl oribus est honos


Vernls, neque uno Lunn rubens nitet
Vultu,
HORAT .

Na mesma Francà e' Ingláterra onde abündão tnais


os hOMéns de' :gst~do, não seria possivel ' seguir tão
difficil systema permanentemente.
- ,. 150 -
He possivel que um 'Monarcha inlelligenle, mais in~
teressado do que ninguem na boa gestão dos negocios,
o qual presidindo Conselhos de Ministros, ouvindo fi
todos, , acompanhando n,o centro dã administração,
passo a passo, e isto por largos annos, a marcha dos
acontecimentos, adquire profunda experiencia dos ho-
mens e das cousas, se limite a acompanhar Ministros
novos, ainda sem importancia sufficienle, e que vüo
começar o seu tirocinio? Poderia uma ConsLituição
dizê-lo, m~s na pratica havia de succeder inteiraÍnentp.
o contrario.
Ora, na minha h~miTde opinião ao menos, convém
pÔr de lado tudo quanto não póde pa.ssar de theoria ,
ou qUIiI he mui raramente praticaveI. -

§ S. -

ConclBsüo do Capitulo.

Os principios até aqui estabelecidos e demonslrados,


encerrão em si as seguintes conclusões.
A questão-o Rei reina e não governa-não he nem
póde ser uma questão abstracta e absoluta.
He uma questão que sómente póde ser examinada
e resolvida, tendo-se em vista as instituições positivas
de cada paiz.
Não sendo assim consideràda he meramente uma
machina de guerra, destinada a produzir estr~go, des-
ordem e oonfusão.
- 1;)7

Os resultauos da maxima - O Rei rema e não go-


verna - são os seguin tes :
Exclusão da ingercncia do Rei - Poder Executivo,
ou chefe do Poder Executivo pela Constituição- no
governo, no Poder Executivo, o que he já em SI
mesmo um absurdo.
Governo exclusivo das maiOriaS das Camaras, e
particularmente da dos Deputados, e dos Ministro!>
agentes do Exe~utivo, systema que em certos casos,
em certas circumslancias, com certos homens raros,
p6de marGhar por algl1m tem-po, mas que não póde
ser permanente, e que muitas vezes póde deixar de
representar a vontade nacional.

A nossa Constituição não suppõz, nem admitte o


governo exclusivo do algum Poder.

Desenglobou-os, separou-os com maior perfeiçllo que-


qUàlquer Constituição que conheço.

Deu a cada um justo e- independente quinhão de


altribuições. Cada um influe no governo segundo essas
attribuições.

A maxima - o Rei reina e não governa --- he com-


pletamente vasia de sentido para nós, pela nossa
Constituição.
O Imperador exerce as attribuições que -a Cons-
tituição lhe confere, e essas não podem ser entendidas
e limitadas por uma manma estrangeira, contestada
@ repellida no proprio paiz, nas guerras de pastas,
em que a pretendêrão fazer vigorar.
(:;Jt.PITULO XXX .

Da (:;entraIl8aç~o.

«On parle beaucoup de la centralisatioD, de


l'unité administrative, clle a rendu d'immcnses
services à la France. Nous gardcrons bcaucoup de
ses formes, de ses regles, de ses maximes, de ses
ceuvres; mais le tcmps de sa souveraineté est
passé. Elle ne suffit plus nujoul'dhui nUI besoins
dominants, aUI périls pressnnts de notre 80-
6été. »
Guizot. De la Dcmocratie em Frauce.

Algumas consldcrnçucs geracs blstoricas.

o assumpto da centralisação he muito complexo.


Liga·:se estreitamente á organisação politica e admi-
nistrativa, e ás circumstancias das sociedades. Nas suas
applicações sómente póde ser bem elucidado pelo es-
tudo das instituições dos differentes povos, das diffe-
rentes épocas, da educação, genio e habitos nacionaes.
O Imperio Romano, na época em que se dissolveu,
legou ao futuro os destroços de tres grandes faclos
sociaes . .1.0 Um poder central unico que teve durante a
Realeza, a Republica, e o Irnperio. 2.° A administração
. das Províncias Romanas por Delegados do Poder Central.
3:° O regimen das &uas Municipalidades.
160 -

o Poder central e soberano desappareceu com a in-


yusào dos barbaros, e a vigorosa organisação e cen-
tralisação Romana, base principal da grandeza do Ini-
perio, sumio-se nas obscuras profundezas da anarchill
da média idade.

Do quinto até o decimo seculo nada encontra se


qu@ fixo seja e estavel. quer na ordem social ·quer
na inteUectual. Vêem-se tribus, bandos guerreiros. pos-
suidores de feudos, deslocados, derribados uns pelos
outros; existencias isoladas, territorios divididos, o
poder repartido por um grande numero de pequenos
soberanos (1); completa áusencia de espirito publico e
nacional, e de autoridade central. ~J3 um estado perma-
nente de incerteza e de transformação. A unida~e e a
centralisação desapparecêrão. A França he, por exemplo.
ainda no undecimo seculo, um composto de pequenas
nações regidas por soberanetes, quasi completamente
extranhos uns aos outros, salvo quando lutão para se dei-
pojarem. Havia Bretões, Aquitanio3, Provençaes, Nor-
mandos, &c., não havia uma só nação, um s6 povo.
O fraccionamento feudal tinha rompido toda e qual-
quer idéa geral, toda e qualquer unidade.

O que produzio todas as miserias da sociedade feudal"


na média idade, diz Tocqueville. foi estar o poder não

(1) « And although is bas been said, in one sense juslly, that the structure
of a feudal Kingdom and a feudal harooy was the same, the kiogdom being li
great barony, and the barony a little kin ~dom; yet thel' dilTercd materialll'
io thi s respect, that lhe pllwer o{ t,he kmg was much less in his realm
Chall Ihat o{ the baron in his IOl'dship , These are said lo bave be~ n 1.115
barooial castles io England in tbe tw clrth cenlury ..•.•.•• The wbol e ar-
ran lZements. civil and military, of the feudal syslem, wére sucb as to render
it Quite impossible lbat tbe crolVn sbould bave anl' steadl' or considerable
autboritl' at home, or any regular power abroad -». Brou~bam. Political
Philosophy. Part e J . ~ Chapler 9. f eud al sys lem. '
- 16L -
sómente de administm'l', como tambem de governar, repar-
lido entre mil mãos, e fraccionado por mil maneiras;
a ausencia de toda e qualquer centralisação governa-
mental impedia que as nações da Europa marchassem
com energia para algum fim. -
As dolorosas convulsões pelas quaes, no momento
em que escreVo estas palavras, e.stá passando a ltalia
para reunir as suas diversas fracções em redor de um
centro, são mais uma prova da difficuldade de reunir
e centralisar aquillo que tem vivido dividido e decen-
tralisado (1). •

A feudalidade nascida da fraqueza do Poder e da


extincçâo de um centro forte, na média idade) foi a
centralisação desorganisada, a anarchia organisada, o
retalhamento do territorio e do poder, e uma centra-
lisação parcial e relativa.

Sómente do de cimo seculo por diante, com a fusão


dos elementos chrislão e germanico, começou o desen-
vfJlvimento da civilisação moderna, cuja qualidade essel?--
cial he a unidade e a cenlralisação.

E por isso um dos maiores adversarios da cenlralisa-


ção na França, Bechard, ' de l' administration interieure
de la France, confessa que a centralisação he o mais
poderoso instrumento da civilisação. He a mesma civili- •
sação, accrescenta elIe.

(I) Vem-me ao bico da penna, como applicaveis à revolução pela qual está
passando a Itaha, . aquelIes magnifi cos versos, com que um dos seus maiores
podas descreve uma erupção do Etna. .
« Interdum sropulos avulsaque viscera montis
« Erigit eructans, liquefactaque saxa sub anras
« Cum gemitll glomerat, fundoquc elestuat imo.
E NEIDOS L. 3.°
11. 21
- 162' -
A. HisLoria narra longamente as secula:'cs e porfia-
das lutas que a Realeza teve -de sustentar rara chegar
á unidade e á cen tralisação- do> Pod-er alY"oluto (1), e
talvez tyrannico em muitos paizes e épocas, porém pre-
ferivel ao poder tambem absoluto e tyrannico de muitos
tyrannetes. O poder tyrannico que está perto he mais
insupportavel do que o que está longe.

' A Realeza prestou assim aos povos.' e ú causa da


civilisáção o mais assignalado serviço.
Terminada a reacção contra o feudali'\ mo; morto
este; conquistadas pela Realeza a unidade e a centra-
lisação dei poder; alguns pouco 'applicaveis exemplos
da antiguidade, e de algumas nações modernas, o- movi-
mento progressivo do espirito humano, a Revolução
Franceza, trouxerão a reacção contra a excessiva unida-
de e concentração do Poder Real, isto he contra o poder
, absoluto. A divisão dos Poderes foi uma das maiores
conquistas em prol da liherdade. Bons e 1:i:vres engenhos
começárão a combinar os meios de conseguír, conser-
vada aquella so.mma de unidade e cenlralisação, que
he indispensavel nas ~10narchias, e geralmente cln
qualquer fórma estavel de governo, garantias suffi-
cientes contra as demasias e desmandos d'aquelle poder,
por meio de combinações mais ou menos engenhosas, .
mais ou ' menos acertadas, mais ou menos praticas e

applicaveis .

O Brasil não tomou parte naqueIlas lulas. Tivemos


a fortuna de vir depois, e de aproveitar, na Consti-

(1 ) Pensava-se então segundo as elpressõcS' de Tacito, - cc earo conói-


tionem esse imperandi , Ul nan aliter ratio constet, quam si uui reddatur. »
- 163-
luição que nõs rege, o frueLo de tailtas lulas, de lantas
dôres e de tanta expefiencia.

Herdâmos a eentralisaçilo da rtlonarehia Portugueza.


Quando veio a Independencia e com ella a Constituição
que nos rege, sahiamos da administração dos Capitães
Generaes, dos Ouvidores de Commarea, dÇ>s Provedores.
dos Juizes de F6ra e Ordinarios, dos Almotaeés, das
Camaras d~ Ordenação do Livro I.·, &c. Não tinhamos,
como a fo~márão os Inglezes por seculos, como a ti-
verão herdada os -Estados-Unidos, uma educação que,
nos habilitasse praticamente para nos governarmos
nós mesmos; não podiamos ter adquirido os habitos, .
e o senso pratico para isso neeessarios (1). Os homens
mais adiantados em idéas liberaes tinhão ido bebê-las
nas fontes as mais exageradas, e tcn,dião a tomar por
modelo as instituições dos E~tados-Unid9s, como a
mais genuina e pura expressão do liberalismo. Por
outro lado os homens chamados para o poder mani-
festavão tendencias de conservar o que existia, e somente
tinhão estudado e conhecião, em lugar de se porem á
frente de justas e razoaveis reformas praticas.. aecom-
moda das ás circumstancias d.o paiz, que operassem a
transição. Pelo que respeita ás nossas primeiras le-
gislaturas póde~se dizer dellas o que ' Mirabeau disse da

(1) Dizia na scssilo do Senado de 12 de Julbo de 1841, o Senador Ver-


gueiro - (C Todos sabemos bem que as agitações que tem havido entre
nós .••..•• procedem de havermos anticipado a nossa orgonisaçâo poLitica
á sociaL»
" O Sr. VasconceIlos.-Estou muito concorde com n opinillo .de um Nobre
Senador emitLidn nn sessfio de hoje, que attrihue todas as desgraças do paiz
li terem as reformas politicas precedido as reformas sociaes. »
Gomtudo quantos não clamão por nhi - As cousas nfio vão bem porque
as nossas instituiçoes politicas não são sufficientemente livres. O mal vem
do Poder Moderador, diz um, he preciso acaba-lo. Vem da vitaliciedade do
Senado, diz outro, o remedio he fa ze-lo temporario. Vem da interpretatfiO
do aeto addicional, acode terceiro. He preciso augmcnt'ar as franquezas pro -
\'illciacs, &c . &c.


- 164-
Assembléa Constituinte da França-:-·« chactm savait alors
ce qu'il fallait 'renverse1', nttl ne savait ce qu'il fallait
établir) (1).

§ 2."

o que bc cCJltrallsação.

Fixemos primeiramente, com a possivel clareza, em


que consiste a centralisação, contra a qual tanto clamão
principalmente aqu~lles que ignorão o que elIa he, e
considerão 'em abstracto aquil10 que he tão complexo
e relativo (2).

A centralisação, diz T.rolley, )Ie a unidade da Nação


e a unidade do poder. He ella que leva ás extre-
midades do corpo social aqueUa acção, que partindo do
seu coração, e voltando a ene, dá vida ao mesmo corpo.

A unidade na administração, diz Cabanlous,' he de-


signada com o nome de cenlralisação. Consiste na

(1) Pelo que diz respeito ao estabelecimento do Governo Representativo,


ha entre nós e a França muitas anoJogias.
Em um livro que acaba de publicar M. Odilon Barrot, intitulado - De la
CentraJisation - diz elle (pag. 60.): .
« Nous avons joui pendant prés de quarante ans de cette Corme de gou-
vernement, et c'cst li peine si aujourd'bui même nous commentons li cu
comprendre le mécanisme, et les conditions essentielles. C'est que nous y
sommes enlrés mat pl'eparés et (oue chargés des habitudes de la vieiUe illo.
na.rchie, et de nos prejl'gés révo!utionaires. »
As seguintes observações de M. Guizot silo no mesmo sentido - « Pour
nous au cobtraire le gouvernement repl'esentatiC nous est arrivé d'en haut.
11 s'est superposé sur un pays qui I'implorait et ne l'avait pas créé. Aussi en
avons nous reçu les grands Iinémens l ' les formes générales, avant d'en
posséder les elements primitifs et plus lDaperçus. I) -Du gouvernement· de
la France depuis la Restauration.
(2) « La centraJisatiou esl un mol que l'on répéte sans cesse de nos jours
et dont persoune, en général, ' De cbcrche a préciser le senso Ii Tocque-
,··iIle - De la democratie en Ameriquc •


-- 165 -
subordinação dos administradores locacs á autoridade
central, a qual os nomêa e demitte, e reserva para
si a decisão dos negocios mais importantes. As con-
sequencias da centralisação forão porém exageradas,
exigindo-se a intervenção central para nego cios locaes
de ' mui mediocre importancia.

Na lingoagem política e administrativa, observa Blan-


che, a palavra centralísação exprime o facto, recorda
o pensamento de uma ConstituiçãO, de uma organi-
sação, cujo principio consiste em que cada um dos
elementos que a compõe parte do mesmo ponto cen-
tral ~m para elle converge, a fim g.e concorrer pela
combinação de suas acções respectivas para um fim
commum. He neste sentido que se diz que foi ne-
cessaria á França toja a sua vigorosa centralisação para
poder resistir aos poderosos e terriveis abalos, os quaes,
por vezes, a tem sacudido durante meio seculo.

Está com effeito organisada por modo, que todos


os elementos de sua organisação, quer politica, quer
. administrativa, podem ser considerados como raios que
prendem ao mesmo ponto central, ou porque d'eUe
partem, ou porque n' elle se vêm reunir; que rece-
bem d'elle a vida, e o, movimento, e lh'o vêm depois
restituir.

Lefebvre, no seu livro sobre a decentralisação, esta-


belece uma distincção em demasia metaphysica entre
uniformidade e unidade, entre concentração e centra-
lisação. Parece-me porém fóra <le duvida que a cen-
tralisação suppõe uniformidade, unidade e concentra-
ção, que podem ser maiores ou menores. São cousas
16G
que tem lig,1ção intima. Quem centralisa cOl:l.oontia.
Quem centrali-sa e concentra une.

A idéa' do aentralisação he tão complexa que mal


pó de comprehendê-Ia uma definição breve que exclua
outras tambem exactas. Por isso mUItos tratárão ' da
eentra'lisação sem pretender definir em poucas pala-
vras um phenomeno social tão complicado. Preferi
transcrever as definições que ficão apontadas. as quaes
não se excluem e dão do assumpto uma idéa que se
tornará mais clara pelo que vou accrescentar.

Um dos maiores adversarios da centralisaçúo, Be-


chard, que escreveu sobre a necessidade de decentra-
• lisar a administração da França, reconhece comludo
que-« A centralisação politica'tem sido por toda a par~
te um signal de força e de grandeza. Quando as Na-
cões ,se civilisão; quando estão cansadas de guerras,
e de falsa liberdade, caminhão para a centralisação;
quando voltão para a barbaria, o governo rOqlpe-se
e espalha-se. « Neste sentido he uma verdade o que
diz Cormenin, que os Imperios se dissolvém pela de-
centralisação. E com effeito lá se está dissolvendo nos
Estados-Unidos a mais magnifica obra da decentrali-
sação moderna.

Existem, como observão Tocqueville e ou(ros~ duas


mui diversas especies de centralisação as quaes muito
importa bem conhecer- a centralisação politica ou go-
vername!ltal, e a administrativa (1).

(1) Na falia com que o Rei Victor Manoel abria o anno passado (1861)
o Parlamento Italiano dizia: « Estabelecendo as maiores liberdades admi·
nistraLi1Ja,ç entre povos habituados a costumes e a uma organisaçllo dilTe-
rente, velareis para que essa tmidade política, chamada pelos votos de tan-
tos seculos, niio seja alterada. 11
- fG?i: -
Porquanto ha interesses ql1C silo- communs a todas:
u;; partes da Nação, bem como a' formação das leis-
geraes, os que prendem ás relações ex-ternas,. &e. lIa
outros que são especiar,s a certas· partes da Nação,.
como por exemplo r.erlas empresas,. -ob;as, &c.

Concentrar em um mesmo lugar ou l-lü' mesma mflo-


o poder de dirigir os primeiros, he - fund·all o que se:
chama centralísação política ou governamentnl.. Con-'
centrar do mesmo modo o poder de dirigir os segundos,.
he fundar o que se chama centl'alisação administra.li.va·"

Essas duas especies de centralisação tocão-se e con- ,


fundem-se em muitos pontos. Comtudo encarados no
seu todo os objectos que / pertencem ao domínio de
'eada uma, facil he distingui-las.

A' cenlralisação governamental adquire uma força


immensa, quando reunida á administrativa, e posto
se coadjuvem mutuamenle, eorotudo podem estar se-
paradas.

Â. centralisação política he essencial. Nenhuma na-


ção póde existir sem ella. Nos Governos Hepresenta-
tivos obtem-se a unidade na legislaçãO e na direcção
dos negocios politicos pelo accordo das Camaras e do
Poder Executivo. Por meio do mecanismo Constitu-
cional convergem os Poderes para se cen tralisarem em
uma s6 vontade, em um pensamento. Se esse accor-
do, essa unidade, essa centralisação não existe, e não
he restabelecída pelos meios que a Constituição forne-
ce, a máchina Constitucional emperra a cad~ mo-
mento até que estala.
- lG~

o que he certo he qu e o Podei' Executivo, qu er


considerado como Poder político, quer como adminis-
trativo deve ter concentrada em si quanta força fór
indispensavel para bem dirigir os interesses communs
confiados á sua guarda e direcção.

Vejamos como se exprime um escriptor Republica-


no,-llamilton no Federalista-« Ha muito quem pen-
se, diz elle, que a energia do Poder Executivo he in-
compativel com a in doi e do Governo Republicano.
Como a energia do Poder Executivo he um dos prin-
cipaes caracteres ue uma boa Constituição,-como essa
circumstancia he tão essencial á segurança da socie-
dade contra os ataques estrangeiros, á firme adminis-
tração das leis, á protecção da propriedade contra as
tentativas dos poderosos para transtornarem o curso
ordinario da Justiça,-como finalmente o vigor do
Poder Exeeutivó he que mantem e segura a liberdade
contra o furor das facções, e contra os projectos da
ambição, he muito de desejar, para os amigos das fór-
mas Republicanas, que aquella idéa seja sem funda-
mento; porque, se;m que seus proprios principios pa-
deção condemnação irremjssivel, não he possivel ad-
mitti-la.

«( A energia do Poder Executivo consiste na sua du-


ração, na sua unidade, na sufficiente extensão de seus
poderes, nos meios de provê r ás suas despezas e ás suas
necessidades. . . .. Os homens mais habeis, os 1 uris-
consultos mais celebres pela exactidão e firmeza de seus
principios, todos concordão em exigir unidade no Poder
Executivo, apesar de não, lerem duvida em deixarem a
autoridade legislativa a um grande numero de pessoas.»
169
o que he isto senão centralisaçüo polilica e governa-
mental?

A centralisação deve muito li. representantes de opi-


niões liberaes. Foi a Assembléa Constituinte FranceJ;a
de 1789, que lançou os fundamentos da centralisação da
.
Franca .

Forão os autores do acto addicional os que entre nós,


como depois veremos, fizerão maIS profundas feridas
na autonomia municipal.

Ninguem he mais centraHsador do que os revoluci0-


narios e demagogos, depois que empolgão o poder.

.
A Convencão Nacional da Franca foi a A-"sembléa .
a mais demagogica c a mais revolucionaria de que reza
a historia. Foi tambem a mais centralisadora (1).

A palavra-decentralisação-tem dous sentidos que


muito importa distinguir. Decentralisar no primeiro
sentido consiste em renunciar a que a ac~ão do cen-

(I) De son cõté, diz Cormeuio, la Cooveotiou à la fois ofieosire et déf-


fensivc rasscmblait éoergiqucmeot tous les poul'oirs sous sa maio -Bn
comité de la guerre clle orgaoisait Ics armcés, drcssait Ics plans d e cam-
)lagne, C\icLait Ics iilstructions militaircs, enjoignnit Ics /leuves à passer, Ics
vallcés à combler, les mo;;tagoes à franchir , les "illcs à prcodre, les llois
à déposel', les pcuplcs à délil'rer ctles traités à' cooclure ; elle iostituait, e~
dcstituait Ics géuéraux, rcdi geait Ics Imllctills ues vicloires, disa it qucllc
ar!néc, quel corps, quel capitaioc, quel so ldat nl'ait bieu merité de la patric. -
En comité de satul pubtic , cllc prcuait Ics mcsures de haute policc, dccretait
les nrrestations, ct preparait les mi scs hors la loi.-Bn comité de finallces,
ellc frupait moooaie d'assigoüts, prol'oquait la rc utrée dcs impots, traochnit
les llucstions, domaniales.-En comité de Législation, elle survcillait Ics
listes d'émigrés, cassait Ics scntcuccs dcs juges ct Ics al'l'cLés dcs dcstri cts,
et dcs ndministrati ous centrales, vidait les conOicts avec la brieveté du com-
mandemcnt législalit', mandait les Tribunaux à sa barre, etstatuait souverai-
Dcment et saos appel. Ainsi la puissance législa ti l'c, éxccutive, judiciail'e, ac-
cumul ée daos Ics I11cmes maios, al'ait été portérr, c' ctait lá un despotismo
ocasionncl jusqu'à I'éxaltation de I'uoité.
11. 22


170 -

tro esteja toda concentrada em um ponto, ná Côpitu1,


por exemplo; he dissemina-la pelas Provincias e Mu-
nicipios, e~tregando-a aos Presidentes e outros agentes '
do -Governo que o representem. Nesse caso, por mais
geral que seja a decentralisação, ha sempre uma unica
vontade, embora essa vontàde se apreseQ,te ~m muitos
lugares, isto hé em todos aquelles nos quaes se acba um
daquelles funccionarios que assim representa o ]Joder
central, e obra segundo as suas instrucções e espírito.

Tal he a decentralisação que te~ tido ultimamente lu-


gar na França, pelo Decreto de 25 de l\larço de 1852 e
outros.
Pela segunda. especie de decentral~sação o Governo do
Estado em lugar de entregar uma parte da sua acção a
seus agentes restitue-a á Sociedade. Em lugar de tratar dos
nego cios do povo, convida-o a tratar por si mesmo d'el-
leso A .Sociedade entra na confecção das leis, na admi-
nistração e na Justiça. como entra entre nós por meio das
Assembléas Legislativas GemI e Provinciaes, pelas Muni-
cipalidades, pelo Jury, &c. Quanto mais verdade houver
na formação d' e~sas Corporações quanto maior indepen-
dencia e extensão tiver a sua acção, maior e mais real
será a decentralisação, e mais serão mutiplicados os
centros de vida.
Em poucas palavras: ha duas decentralisações, uma
que aproxima o governo dos administrados; outra a
qual, quando e onde se póde isso fazer sem perigo, en-
carrega os administrados de se administrarem a SI
mesmos.

ne essencial á centralisação, unidade, força e res-


ponsabilidade do Poder Executivo que nomeie os seus
_(7. - 171 -
agentes, e os possa' suspender e demittir. ne essa a
attribuição 'desse Poder, que tem sido, senão contes··
tada em principio, mais atacada na sua extensão pelo
espirito democratico.

Com effeito um syslema que não concedesse, em


larga escala, ao Chefe do Poder Executivo
. a nomeacão .
de seus agentes, quebrantaria a unidade desse l)oder
e seria eminentemente decentralisador.

A Assembléa Constituinte da França decretou na Cons-


tituiçãO que fez de 3 de Setembro de 1791, a centrali-
sacão e a Monarchia Constitucional, e entretanto, con-
tradictoriamente, havia decretado lambem (Lei de 22
de Dezembro de 1789) que os Administradores de
Departamen tos (Presiden tes de Províncias) seríão no-
meados pelos eleitores. Dava assim ao Poder l'..xecutiv.o
agentes que não tinha escolhido, e que não poderia
demitir sem 10rl1ar a eleição uma burla (1).

A nossa Constituição procedeu judiciosamente, e con-


sagrou o principio da: centrali saçãogovern~mental quando
dispôz no art. 165, que os Presidentes serião nomeados
pelo Imperador, e por elle removidos, quando entendesse

r (Il Pretendeu-se arremedar isso entre nós, propondo-se que 05 Presiden tl!6
de Provincias fossem nomea dos pelo lmpel'ador sobre proposta de tres
cidadãos Brasileiros, feita pelos el~ito~es no mesmo tempo em que elegessem
os Deputados ás Assemb léas PrOVIDCl8es.
Acta da sessfio da Camara dos Deputados de 27 de. Junho de 1835.-
A Commissno de Constituição composta .dos 81'S. C1ndldo José de Araujo
VianJ?a (Viscond~ de. 8apucahy), CarnClro l eno 1.Mal:q.uez de. Paraná ),
e LUIZ Cavalcanti, fOI de parecer qu e esta matena dIZIa respeIto a umll
att.ribuiçllo do Poder Executivo (a Constitui~no diz do I~peradol', e quando
falia do provimeuto de outros em pregos dIZ do Executivo, arts. 10:t Si 4 .•
e lG5) que .se pretend l8 restringir, e por ~sso irn~orta"a reforma constitucional.
A mesma Commissão julgava essa medida nocIva aos interesses da unino.-
N«o teve este negocio seguimento . Acta' da sessllo da CUIDar a. dos lJppu-
tados de 24 de Julho do 1835.
- "17~ - \
que assim convinha ao bom seryjço do Estado, e no
art. 102 § 4.°, que competia ao Chefe do Poder Executivo
pr~vêr os empregos civis e politicos.

Porém esse art. 102 § Li .. admitte, c tem se lhe feito


por meio d.e Leis regulam€ntares, excepções que podem
estabelecer uma conveuiente e razoavel decentralisaçúo,
a respeito de emp_regos menores, sem prejuizo da força
que Gumpre tenha o Poder Executivo.
/\.. centralisação he essencial, não pó de deixar de existir
quando se trata de in teresses communs, e geraes a uma
sociedade. He então o laço que a une. Dai a um lVIuni-
cipio a faculdade de entender em negocios que affeclão
toda a Provincia, ou diversos l\'Iunicipios, t\ Provincia o
direito de tomar resoluções que enlendão com os negocios
e interesses de outras ou de todo o Imperio, e tereis a
anarchia e a dissolução da sociedade.
-
Nem centralisação, nem decentralisação demasiada.
Como diz o suave e singelo Sá de Miranda :
n A fortaleza louYada
" Anda em braços com a prndencia,
« Irmlla sua muito amada.
(( Põe na ayante fi experiencia.
" Tudo sem saber he nada.
I( Por f oiças nós que podemos?

I( Isso que be do saber yei o :

« O bem todo está no meio,


i( O mal todo nos extremos .


§ 3."

~pplicação cio principio da celltralisação.

o principio da eentralisação tem applicaçóes mui


nríaclas. Não ha uma bitola pela qual se possa avaliar
- 173
,
a extensão do raio da acção administrativa cenlrnl;
não ha ponto algum fixo pelo qual deva ser traçada
a linha de demarcação, que separe as funcções da exis-
tenda aooimum e as da vida local. Tudo depende
da Constituição e das aircumstancias especiaes de cada
paiz. Sómente · a tal respeito se pó de estabelecer uma
regra geral de prudencia para o Governo e de con-
veniencia para 'os povos, e vem a ser.-He preciso
proporcionar a centralisação ás suas applicações natu-
raes. CUJl).pre sujeitar a uma centralisação maior os
negocios de maior importaneia; a uma centralisação
média os de importancia secundaria; a uma centrali-
sação mínima ou a. uma decentralisação completa os
negocias de interesse puramente local, que sómente
affectão localidades ('I).

HB preciso não quérer regular de longe, e pela


applicação de grandes principios, os pequenos negocias
que s6mente podem ser bem tratados no lugar com
promptidão, e por pequenos meios empregados oppor-
tunamente. He preciso não querer governar com razões
de Estado os negocios domesticos das localidades, as
quaes tem outras razões para os governarem.

§ 4.°

A centralisação c deccntrall sa~ão llcpcndcm muito das


clrcumstancias (10 paiz, da educação, laabitos c caracter na-
cionaes.

A maior ou menor cenlralisação ou dccentralisação


depende muito das circumstancias do paiz, da educação,

(1) Cenlrnlisons lcs grandcs nlTuirrs , deccnlralisons lcs pclitcs. Cormenin


· - 174-
habitos e caracler nacionaes, e não sómente da legis-
lação. Uma nação acostumada por muito tempo ao gozo
pratico de certas liberdades locaes; affeita a respeitar
as suas leis e os direitos de cada um; que adquiri0
com II educação e o tempo aqueUe senso pratico
que he indispensllvel para tratar os negocios; que
tem a fortuna de possuir aquella unidade, mais pro-
funda e mais poderosa, que a que dá a simples cen-
tralisação das instituições, a saber a que resulta da
semelhança dos elementos sociaes; essa nação póde
sem inconveniente dispensar em maior numero de ne~
gocios a éentralisação. Estas breves consid'eraçóes ex-
plicão o por que a decentralisaçãona' Inglaterra e 'nos
Estados-Unidos não produz os inconvenientes, que,
levada ao mesmo ponto, infallivelmente produziria em
outros paizes.

He certo que o Poder central administra melhor


as 10ca1jdades, quando estas são ignorantes e semi-
barbaras e aquelle illustrado i quando aquelle he acLivo
e estas inertes; e quando as mesmas localidades s~
achão divididas por paixões e parcialidades odientas,
que tornão impossível uma administ,ração justa e re-
gular. Então a acção do Poder central que está mais
alto e mais longe, que tem mais pejo e he mais im-
parcial offerece mais garantias.

As condições topographicas de um 'paiz; a dispersão


ou concentração da sua população; as divisões terri:.
toriaes ; a sua extensão; a facilidade; ou difficuldade
das communicações; o maior ou menor numero de
homens habilitados para a gerencia dos negocios nas
loealidades ; a maior ou menor confiança qu e, em ge-
- 175-
l'al, podem inspirar; a maior ou menor harmonia en-
tre os interesses economicos das diversas fracções do
territorio, são circumstanciàs de alto valor, que muito
cumpre consultar e aÚender para a maior ou menor
een tralisação.

Errão portanto consideravelmente aquelles, que, abs-


lrahindo do estudo e c()ffiparação das circumstancias ex-
postas, além-se sómente a uma ou outra consideração
theorica, destacada, e declamatoria.

Para julgar as instituições he preciso allender aos


tempos e ás circumstancias. - Todas as inslituições hu-'
manas, diz Corme-nin tem sómente uma utilidade
temporaria ,e ~elutiva' ; boas talvez para uma época, são
más para outras. - As nossas instituições de hoje
serião incompativeis com o nosso estado de ha Uql
ou dous seculos! quando eramos colonia. As nossas
instituições de ha um ou dous seculós serião incom-
patíveis com o. nosso estado de hoje (1).

A França he sem duvida o paiz o mais vigorosa-


mente centralisad.o da Europa. Não deve ella porém
essa centralisação sómente ás suas instituições.

Deve-a á aggregação do seu territorio; á sua posição


geographica, e as suas circumstancias topographicas.
Não a dividem rios immensos, altas montanhas ou
desertos. Não ha talvez paiz que mais se preste á fa-
cilid{lde das communicações. Deve-a ao seu caracter

~ 1 ) Mr, Thicrs na sua Hi,storia do Consulado e do Imperio faz a seguinte


ob.servaCão mui judiciosa c profunda-« Une Constitution qu'elle qu'elle
SO(t donne toujours des l'esuJtats conformes à J'état prcsent des esprits. »
- 176 -=-

nacional, sociavel, generalisador ' e expansivo i ás suas


glorias militares, lilterarias e scientificas que estreitão
e unem; á universalidade popular da sua língua; ás
suas Escolas, a seus Codigos, á uniformidade da
instrucção; aos seus precedentes revolucionarios; ú
sua administração intensa; ao seu governo unitario;
ás suas divisões territoriaes; ao seu amor in nato da
igualdade, da independencia nacional e de gloria; á
sua Capital, e finalmente úquelle instincto proprio do
seu caracter nacional que a leva a genera1isar os
systeml!s; ao methodo dos seus livros, á co<1ificação
das suas leis, e á hom(lgeneidade de todos os ra-
mos do serviço publico.

o genio inglez não he' generalÍsador e procede por


diverso modo. Encerra-se em geral na experiencia e
na comparação dos faclos. He essencialmente pratico,
e apodera-se dos principios que a reflexão e o bom
senso parecem justificar, sem procurar perscrutar a
sua origem, e pô-lo em relação com o todo de um
systema philosophieo.

As causas e agentes da cenlralisação são intellcc-


tuaes e moraes, religiosos, governamentaes, adminis-
trati vos, physicos e materiaes. J.:aes são nas Socie-
dades modernas a imprensa, a instrucção publica, o
Culto, a guarda nacional, o Exercito, o Orçamento,
a Divida publica, o Supremo Tribunal de Justiça. o
Thesouro Nacional, as Camaras Legislativas, o Con-
selho de Estado, as estradas geraes, a' navegação a
vapor, os Tclegraphos electricos, os caminhos de
ferro, & c., & c.
li7 -
§ 5 ..

Vantagens da (lentraUsaçuo.

A centr.alisação tem grandes vantagens. Os seus


e~~cessos e abusos grandes inconvenientes.

PermUta-se-me que a respeito de suas vantagens


parodie alguns trechos da magnifica introduCçãO de
Cormenin ao seu .Direito administrativo.

. Sem a centralisação como ligar o Sul e o Norte do


Imperio, quando tantas dissimilh~nças se dão nos cli-
mas, territorios, espirito, in teresses, commercio pro-
duetos e estado social?

. Sem a centralisação como haver um cadastro, uni-


formidade de moeda, pesos e medidas; como formar
e administrar um Exercito e uma ~1arinha, que não
podem deixar de ser . unicos; como wanter aquella
ordem e uniformidade que ' he indispensavel no Clero
e na Magistratura; como fabricar armadas, construir
fortalezas, melhorar portos, abrir canaes, construir
estradas geraes, caminhos de ferro, c administra-los,
por meio de uma administração unica e uniforme?

Sem a centralisação como resolver as questões que


se levantão entre dous Municipios ou duas Provin-
cias; entre os interesses da Agricultura e do Com-
mercio; como resolver assumptos inlernacionaes, e
prevenir occorrencias que podem affeclar relações com
nações estrangeiras?
u, ~
178
Sem a ccnlralisação como contrastar com a desídia
e inercia de muitas localidades e promover n'ellas
melhoramentos de que não curão?

Sem a centralisnção ficaria exclusivamente entregue


aos governadores das localidades o arbitrio de fnier
ou deixar de fazer certas cousas, de manter ou não
manter servidões publicas, de alienar os bens dos
Conselhos, de contrahir ernprestimos ruinosos que
absorvessem os recursos presentes e futuros, para fins '
menos uteis . .

Sem a centrulisação não seria possivel um systema


de communicações que ligasse as diversas partes do
Imperio. Cada uma altenderia sómente áquella~ que
lhe fossem eflpecialmente uteis. .

Sem a centralisação não seria possivel a uniformi~


dade de impostos gemes e da sua arrecadação; a
admissão .de' todos os Brasileiros aos empregos publi-
cos; 11 uniformidade das habilitações necessal'ias para
certos cargos e profissões; a uniformidade dos Codi-
gos, das jurisdicções, das penas, e das garantias; a
livre circulação elas pessoas, e elos generos, e 11
igualdade perante a lei.

Em uma palana, sem a ccntralisação não haveria


Impcrio.

Em materia adaíinistrativa a ccntralisaçüo applica~


se e conserva-se pela fiscalisação ou tutela que exerce
a autori~ade central .a respeito de cada Provincia ou
~Iunicipio, r:scalis11~ão ou tutela indispensarel não . só
'- 179 --
para resguardar os dil'eitos e interesses da associação
em geral, COlr.ü lambem para assegurar o cumpri~
menta .das leis, e o respeito aos direitos de cada um.

Essa fiscalisação e tutela, impossiveis sem certo


gl'élO de centralisação, . são lanto mais necessarias,
quando nas localidades não existe abundancia de
homens habilitados e ' imparciaes' para os cargos pu-
blicos, e quando se ellas achão divididas por odientas
parcialidades, que se servem das posições officiaes
, para opprimir e abaLeI' os seus adversarios.
Poderá alguem s.ustentar que.a maior parte das nossas
Camaras l\1unicipaes, poderião, sem graves inconve~
nientes, viver completamenle Ílulependentes de toda
e qualquer fjscalisação e lutella?

Se as nossas leis provinciaes não estivessem sujeitas


á sancção do Delegado do Poder central, e á revisão
e annullação pela Assembléa Geral, existiria Imperio?

§ 6:

Inconvenientes da cellb·~tlisação exccssi\'a.

A centralisação, quando he excessiva, produz graves


inconvenientes, principalmente e m um paiz como o
nosso, extensissimo, pouco povoadp, onde os diversos
nucleos de população vivem espalhados e separados
uns dos oulros por distancias immensas, por serranias
e rios caudalosas, e onde. são pessimos os poucos meios
de communicação que possue.
·- HO-
A ' centralisução he um principio cujo typo se en-
contra na natureza orga nica. Existe elll todas as crea-
turas viventes um. centro de acçlio e de vida" cujus
numerosas ramificações, por meio do beneficio de um
movimento continuo, levão o- silngue U todas as partes
do corpo, e o tornão a traz6r incessantemen te ao
coraçao,. . d' onde sahe de novo mais nutriente, mais
substancial e mais puro, Esta concepção cujo meca-
nismo he tão simples, mas tão admiravel, he obra '
prima da Cl'eação, tuo rica de obras primas. O co-
.
. não concentra em si toda a forca e vida; não
racão
absorve, por um modo exclusivo, todas as potencias
e todas as faculdades das o-utras partes do corpo . Pelo
co.ntrario compraz-se, peló trabalho incessante de sua
maravilhosa evolução vital, em restituir sem cessar o que
recebeu, em derramar incessantemente sobre todos os
me'rribros do corpo, aos quaes dá vida, a belleza, o
calor, a intelligencia e a força (1).

A centralisação administrativa porém, tende a retirar


a vida dos membros para concentra-la no coraçiio.

Tende a multiplicar em demasia as rodas e as peças


da machina administrativa, os empregados, as commu-
nicações hierarchicas do serviço, a papelada, a escri pLa,
as duvidas e as formalidades .

Tende a augmentar ultm modum a chaga dos empre-


gados assalariados .. e a despeza que trú.zem seus orde-
nados, ~ratificações e aposentadorias.

(I) Lefcbyre.- De la dCcclltrv,lisation.


- 181 -
Na Frailça, refere Becbard, de l' administràlion in·
terieure de la France, forão instituidos no espaço de
~O annos 35 mil novos funcciollarios, que cus tão ao
Estado 63 milhões de francos. Tinha a França, quando
Bechard escreveu (1830), 535.365 empregados assala-
riados eITectivos ou aposentados, não comprehendidos
·18 mil agent.es, ou legionarios pagos pelo orçamento
da Legião de Honra, e 15 mil cantoneiros de estradas.
Trezentos mil d'aquelles funccionarios erão pagos pelas
Municipalidades, porém a maior parte era nomeada
pelos ~linistros ou pelos Prefeitos (l).

Este mal. não he porém privativo dos governos e


poderes centraes. Veja-se a legislc;tçilo das nossas
Assembléas Provinciaes. Uma grande, senão a maior
parte, he relativa ao ~ugmento do pessoal, á creação
de empregos, ordenados, gratificações, aposentado-
rias, e favores particulares. Vejão-se os seus orça-
mentos. Vai-se a maior parte das rendas das Províncias
em alimentar e escancarar mais a chaga do (ullccirr
1{a r tSmo.

Be inéontestavel que a excessiva centralisação, quando


se juntão a governamental e a administrativa, não he
das cousas mais favoraveis á liberdade dos Cidadãos
que pêa c embaraça. Fortalece, além do necessario e
juslo, o Poder Executivo, e põe os Cidadãos na dc-

(l ) ' ~r. Th iers no seu Relalorio sob re o Orçamento de 1832, apresentado


na sessão legiSlativa de 19 de Agosto de 18;\ 1, dizia: « c'est à diminu er le
nombre des emplgis qne doit tcndrc le vérilablc espril d'éco nomi e; tel eaL
àussi le but vers lequel toutes nos pensées sonl dirigécs. lIl.1is pour cclã, it
(!lut m odifier les s ystémes d'administratioTL ci cn simpli(Ulr les ressorls. C'cst
une reuvre dclicatc qu i demande de longucs m cditatious, ct dc n ombr cuI
meuagemcnts, "
Isto a os he j uteiramellte applicavel,
- 182-
pend'encia {mmed-iata do Poder eéntral, em negoci03
nos quaes póde essa immmediata. dependencia escu-
Síll'-se. Um governo bem organisado não deve go-
vernar tudo directamente, e substituir em tudo e
por tudo a sua iniciativa, acçiio e actividade á de
todos. Ha muitos assullIptos nos quaes fi acção do
interesse parLiwlar ou Ioeal he mais activa, maIS
prompla, mais eIIicilz, mais econornlca do que a do
governo.

A absorpção da gerencia de todos os interesses ainda


secundarios e locaes pelo Governo Central, mata a vida
nas localidades, nada lhes deixa a fazer, perpetua
nellas a indifl'erença e a ignorancia de seus negocios,
fecha as portas da unica escola, em que a população
p6de aprender, e habilitar-se praticamente para gerIr
negocios publicos.

, Ao mesmo tempo habitua-se a esperar tudo, e ai,nda


mesmo o impossivel, do Governo. He o mais funesto
presente que se.lhe póde fazer, pelo muito que o com··
promette. Em lugar de fortificar o 'poder, enfraquece-o,
tornando a sua missão cada vez mais complicada e
onerosa. Todos cruzão os braços e se vollão para elIe,
todos o accusão, quando se manifesta o mais peque-
no mal. A autorülade local desculpa-se com a sua im-
potencia, com as delongas -inevitaveis,com as informa-o
ções, pareceres, com a dependencia em que está, com
as dilações das idas e vindas da correspondencia. O.
centro com a accumulação dos negocios e correspon-
dencia, com a impossibilidade de ver as cousas por
si, com a ins,:!:fficiençia de esclarecimentos e de pessoal. _
Todos tem mais ou meno& _l'uzão, .e os neg9cio~ JlM
-.- 183 -
-
andão para diante. O centro não póde ver e provi-
denciar tudo (1).

A impotencia em que se vêem desgosta e esterilisa


as administrações locaes, as quaes, quando muito,
acodem ao trivia1 expediente de negocios pessoaes acti-
vndos pelos pretendentes.

A accumulaeão de tantas e minuciosas attribuiçõcs


justHica um grande numero de empregados e agentes,
que vai sempre em augmento e exige despezas enor-
mes sempre crescentes.

Com uma cenlralisaçuo demasiada gasta o centrá todo


o seu tempo e acLividade em um sem nl!.mero de mi-
nuciosidades, na obscrvancia de formalidades ás vezes
pueris e de méro a pparato; não póde seguir o fio dos
grandes negocios, ou os vê mal, e enfra,quece-se sem
proveito. Vem a faltar o tempo necessal'io para as
grandes questões, e pàra estudar e promover os grandes
melhoramen tos .
.Se jUlltarlJlOS a essa grande massa de negocios mi-
nimos, as solicitações de myriadas de pretenden/.es em
frequente c directo contaclo com os Ministros, cujo

(I) São, como costu mão ser, profundas as seguintes observações de M. Gui-
zol- " QuaUlJ le poUYoir_supérieur esl ch.1rgé à la fois de gOIl\"erner a\'eê
la liberté, et d'administrer avec la centralisalion, qlland iI a à lulter au
so mmet pour les grandes aITaircs de l' Etat, et en mcrne temps à regler
partout, sons sa responsabilé, presq lle ldulos les nffaires du pays, deux iu-
eoU\'cUicBts graves no tardent pas a éclater; ou bien le pou\'oir ce ntral ,
absorbé par le soio des aO'a ires générales, et de su prop l'e defeLlse, negligc
les affaire lo ca les et Ics laisse tomber duns le désordre et la languenr i ou
bieo il les lie etroitemeLlt aux aO'ail'es gé nérales, les 'fait servir à ses propres
intérêt-s, ct l'administration tout enticre, depuis le hameau jusqu 'au palllis
lI'est plllS qu' un moyeo de gouvemement eo tre les mains des p~rtis poli tiql1cS
qui se àisputent le pouvoir. » l\1emoires p o ur~ e rvir à I'bistoire de m ou temp5.
1 ,0 volume, capo 5. He-oos isto inteiramente applicayel. ·
- 184-
tempo absorvem com miudezas; o tempo que toma a
~gencia, manejo e direcção individual de maiorias par-
lamentares; o que se perde- em idas e vindas, em es-
perar aqui e acolá; a necessidade de procurar a' todos,
de responder a todos, de apertar a mão a todos, de
cortejar e adjectivar a todos, não nos surprehenderá
que o desgraçado chama,do Ministro, se tanto durar
no l\iinisterio, chegue ao fim do anno cansado, afadi-
gado, extenuado, deitando a alma pela boca, sem ter
feito cousa alguma de vulto para vantagem real e du~
radoura do paiz, e almejando uma retirada como unica
liquidação possivel de todas as embrulhadas, promessas
e compromissos em que se vê envolvido.

Grande parte dos nossos Regulamentos, principal-


m.Qnte dos modernos, são em demasia centralisadores,.
Pretendem prevê r e regular as mais insignificantes mi-
nuciosidades, e nada deixão ao executor. Este manie-
tado nas éousas as mais pequenas, estaca diante de
mínimas difficulda.des .que surgem, receia tomar sobre
si a responsabilidade, considera-se como simples ma-
china, porque-como tal o considerão, e consulta o
l\1inistro. São os papeis extractados na Secretaria,
dizem sobre elles o Official, o Direclor da Secção,
o Dire'ctor Geral. São ouvidos o Consultor, o Procu-
rador da Corôa, a respectiva Secção do ':onselho de
Estado.

Na quarta parte nova os c,ampos Ílra,


E se m,ais mundo houvéra lá chcgára.

Por fim passados mezes e ás vezes anno, reconhece-


se que a qU,estão he futil e solve-se. No entretanto
~. lSi) - '

fico u por esse tempo purado 'o seu ull<.lumento, c muitas


vezes não aproveita mais a solução.

Procedem em grande parte os inconvenientes dos


nossos Regulamentos de serem copiados, mal e sem os
devidos descontos, dos Regulamentos Francezes, em
demasia minuciosos, e que tudo querem uniformar,
centralisar, provêr e dirigir. Comludo, por causas cuja
exposiçãO seria longa, nüo produzem alli essas quali-
dades os mesmos inconvenientes que entre nós. Ao
menos a expedição dos negocios não tem a morosidade
(IUe tanto prejudica o sprviço c as partes entre nós.

Assim tanto a centralisação como a decentralisação


tem vantagens e desvantagens, e o que he que neste
mundo não tem umas e outras ?

o que porém devemos concluü' de todas as consi-


derações que ficão apontadas, as quaes se cruzão, des-
troem e modificão umas ás outras? Que deve ser tudo
centralisado ou decentralisado ? l"ôra o maior dos
erros.

He muito mais ruzoavel concluir que não se deve


attender destacada e exclusivamente a cada uma das
considerações 6xpendidas. Que cumpre combiná-las, pro-
curar o justo meio e aLtender sobretudo ao estado e
circurnstancias do paiz. Não procurar o melhor em ·
abstracto, theoricamenle e no pape), mas o que he re-
lativamente 'possivel, e actualmente applicavel. Remover
os inconvenientes que he possivel arredar, resignar-nos
aos inevitaveis, ou procurar allenua-los, e esperar do
tempo, do desenvolvimento do espírito publico, c do
11 . 2/..
-- 186 -
senso pratico da população aquelle maior grilo ue me-
lhoramento, que podem attingir as sociedades hu-
maHas (1).

§ 7."

Ccntrailsação na Fran~a . Comlmraç:io com a nossa .

Como a centrulisação na França, por motivos que lhe


são peculiares, tem sido exce~siva: como temos quasi
que copiado grande parte das instituições desse paiz,
nüo falta quem queira applicar-nos englobadamente,
sem exame e distincção, as arguições e censuras, que
escriptores liberaes Francezes tem feito ú centralisação
que existe 110 seu paiz.

A centralisação, a qual teve na França a sua ongem


nas leis da Assembléa constituinte, chegou ao seu auge
durante o primeiro Imperio. Era então até certo ponto
justificavel, porque segundo observa Michel Chevalier
( Revue des Deux Mündes 1. J uillet 18.4.9) era então
Cf

necessaria para a luta que Napoleão I sustentava contra


toda a Europa. Porém essa centralisação, ora maior ora
menor, tem passado . por difrerentes vicissitudes.

( I) I1 e um erro acreditar que tudo depcl1dc das instituiçõcs e das leis.


tJe pcode mais dos homens, do seu espirito, educaçãO e habitos. Diz Sa l·
Il1 stio, em Ca tilioa , fallando dos anli gos 1\0Il1al1os . - (( )!litur dom i lI1ililire
(\u e boni m ores ~oleba!llur; concordia maxullla, minuma avarilia eral ; jus
uOlllW lqU C ap lld cos non '/c!J ibus mayis, quam nalllra t'alcba l. Ii

E como diz o ,"elho e bom Ferreira:


« nous slío leis; melh or o bom u so dcllas. I)

Uvro 2.0 carta 2 .•


- 187 -
Não he meu proposito historia-Ias, o que me Levaria
mui lonee.

Bastará notar que a centralisação administrativa não


he hoje na França, a cerlos respeitos, o que fôra. O seu
proprio governo tem por vezes reconhecido a neces-
sidade de afrouxá-la .

A exageração da intervenç<1o central em negocios mé-


ramente Jocaes, e de mínima importancia, foi corrigida
pelas leis de 18 de Julho de 1837 e de 10 d~ Maio
de 1838, e ultimamente, com maior largueza, pelo
Decreto de 25 de Março de 1852~ chamado Decreto,
de decentraJisação.

Diz o preamhulo. deste ultimo ;.


« Luiz Napoleão, &c. Considerando que abusos c
exagerações de todo. o genero tem desnaturado o prin-
cipio da nossa ceutraJisação administrativa, substi-
blindo á acção prompta das autoridades locaes as lentas
formalidades da administração central; considerando
que se he possivel governar de. longe, não se pó de
administrar hem senã.o. de perto, e', por conse-
queneia, que tanto importa centralisar a neção. governa~
mental do Eslado, quanto he neeessario decenLralisal'
a aeção púramente administrativa, & e, <'Xc. De·.,
crela, &e. (1) .

(1) DaBoz," Rccucíl periodi!J,ue et critique ue jutiaprudeoce et de Icgis-


latioo, année 1852, 4m c partie . pago 90 . A' pagiua 29 da 3 . " porte acha-se
a circular do Mioistro do loter;or de 10 de Abril do mes mo aono que acom-
panhou a remessa desse Decreto. O fim do Decreto, diz essa ci rcular, he
aproximar o administrador do administrado; simplificar a iostl'ucção dos
negocios ; tomar a sua solução mais pl'ompla ; pondo llssim lcrmo ás queixas
que se levantaYão de torla a parte c"ntra as compli cações c demoras du.
admiui;trao;ão.
- ' 188 -

Esse Decreto referindo-se ás tabellas que o acompa-


nhão, autorisou os PrefeitOs a decidirem nas localidades
muitas. questões:, antes uITcctus á decisão. dos Ministros.

Como as attribuições e assumplos administrativos estãO'


perfeitamente discriminados e classificados na legislação.
Franceza (infelizmente não o. estão entre n6s) faeil era
levar a effeito a decentralisação. que o Decreto kre
em vista, sem confusão, e sem dar, lugar, a duvidas.
e a ques"tões. de oompetencia.,

Os Decretos de 20 de Novembro de 18GG, de 3'\


de Ago.sto., 20 e 30 de Outub-ro de 185~, tiverão. por'
fim siP1plificar a administração da Algeria, e a pplicar-lhe
aquelle já citado. Decreto, de 2;:' de Uarço de 1852',
eonfiando. ,ás autoridades lo.caes da Colnnia a maio.r-
parte das at~ribuições até então exercidas pelo Go.verno.
central, e dando maiar quinhão á livre acção dos adITÚ,-
nistrados, e a,o. ex..erci.o da, iniciali~ra individual..

Finalmente o Decreto de '12 de Abril de 1861 tere


po.r fim desenvo.lver mais o principio. de decentralisação
estabelecido fiO de 25 de ~Iarço de 1852. No relato-
rio. que () precede, 0., Ministro. do. interior, Conde de
Persigny, classifica em duas categorias as reformas que
introduz aqu,elle, Decreto. Umas tem por fim simplificar
a instrucção de certos negocios" abreviar as delo.ngas
usitadas, supprimir as escripta,s e fo.rmalidades inuteis.
Outras delegão aos SubprefeitQs atlribu,içõ.es seeundarias.
até então exercidas pélos Prefeitos.

Esta dj:lcentralisação. po.rém verificava-se sómente des-


locando o. exercício de certas attribuições que o..governo.
189 ~

centl'ilL accumulava, e lransfel'indo-o para os Prefeitos,


ou Subprefeitos delegados do mesmo governo _ Não dava
ás localidades maior ingerencia nos seus negocios pe-
culiares. .

As princípaes arguições feitas á centralisação na França


são as seguintes:

Tem na sua organísação muito pouca importancia


os Conselhos geraes de Departamento, dos quaes crão
um arremedo os nossos antigos Conselhos Geraes.

Como Delegados do Poder Legislativo os Conselhos


gemes apenas repartem, en~re os diversos arrondis-
sements, as contribuições direclas decretadas pelo mesmo
Poder.
Como orgãos dos interesses dóS" Departamentos apenas
deliberão .e emiltem votos.

As Assembleás Provinciaes porém entre nós legislão.


As suas· leis quando não são contrarias ú Constituição.
quando não ofIendem os impostos géraes, os direitos
de outras' Provincias., e os. Tratados não. podem ser
annulladas nem mesmo pela ASS.~mbléa Geral. Ainda
mesmo quando. offendão os interesses da propria Pro-
vincia, não podem ser embaraçaJas pela negativa da
sancção do PresidelHe da Província, delegado do Im-
perador, .uma vez· que tenhão a seu favor do.us terços
dos votos da Assembléa ·Provincial.

Os Conselhos gemes de Departamento não tem as


attribuições importantissimas e decentralisadoras co n-
feridas ás Assembléas Provinciaes c QS meios conce-
I
190 -

didos a estas para fiscalisarem, contrastarem, arcarem


com os Presidentes das Provincias c mesmo com o
Goyerno Geral, ao qUdl, sem sabirem dos limites de
suas a Uribuições , podem as ditas Assembléas suscitar
graves embaraços.

As Assembléas Provinciaes tem épocas que ellas'


mesmas designão, e tempo que marcão para as suas
sessões.

Os Conselhos geraes da lt'rança sómente se podem


reunir, quando convocados pelo Prefeito, em virtude
de Ordenança do Chefe do. Estado, que determina a
época e duração das sessões. Lei de 22 de Junho. de.
1833 art. 12, e de 10 de Maio de 1838 art. 1.0

As nossas AssembMas Provinciaes não. podem ser


dissolvidas. Os Conselhos geraes em França o. podem
ser pelo Imperador.

Até certa época os membros d' esses Conselhos erão


nomeados pelo Rei. Passárão depois a ser eleitos pelos
eleitores.

Os Prefeitos não resolvem por si a maxima parte


dos pegocios, que sujeitão aos l\1inistros. Os nos,sos
Presidentes decidem por si um numero muito maior,
e todos 9S que são puramente Provinciaes.

Omilto outras differenças minuciosas .

A Frunç,a possue uma capital, a qual, por clrcums-


tanGias cuja exposição seriu mui longa, he o mais po-
- 191 -
deroso instrumento da sua centmlisação (1). As nossas
Provincias não seguem do mesmo modo o Rio de
Janeiro, quasi collc,cado em uma extremidade do Im-
perio, antes ha em algumas, tendencia para olha-lo
com desconfiança e ciume. Não se dá na França o
espírito de provincialismo essencialmente decentrali-
sador que se dá entre nós.

o principio constitucional na França, pelo que res-


peita á distribuiçãO dos poderes administrativos, con-
siste em que a acção administrativa, em tudo, é sob
a impulsão do centro, desce d'elle e transmitle-se de
degráo' em degráo, até a Municipalidade, que he a
circumscripção elementar. A autoridade desce do Im-
perador ás administrações dos Departamentos, d'eslas
ús dos Districtos, d'estas finalmente ás das Municipa-
lidades. 1\.' testa de cada uma das divisões adminis-
O

, IFativas está collocado um funccional'io representante


da autoridade central, que serve a essa autoridade
como in~trumento e intermediario.

o Estado he um; os Departamentos são completa-


mente sec~ões de um mesmo todo, que uma admi- o

nistração uniforme comprehende debaixo de um re-


gimen commum.

o Estado lambem entre nós he e deve ser um, mas


pelo que respeita aos negocios que, segundo o acto
o

ôddicional ficárão sendo gemes. Infelizmente ficárão


confusamente extremados, como teremos, em outro

_ (1) Achaose islo muito bem demollsll'lluo nu recrute obra de Duponl


While-La ccotrljlisatioll o
- 192
trabalho, ' occasião de ver. No tocante aos liegocios
provinciaes o Estado não he completamente um. Cada
Provincia póde regular os ' seus in teresses espeCiaes
como' entender conveniente, com tanto que não offen-
da a Constituição, os interesses de outras Provín-
cias, ~os impostos gemes e os Tratados .

Assim a autoridade administrativa entre nós, pélo


que respeita aos neg-ocios puramente provinciaes, não
desce sómente do C~rf.e do Estado para as adminis-
trações provinciacs. Provém lambem ,do pov~ que
el('ge os Deputados Provinciacs, e as Camaras MunÍ-
cipaes. O Chefe do E'stado apenas :intervem, por meio
do seu Delegado, o Presiuente, para fiscalisar, e exer-
cer o seu direito de suprema inspecção.

- 'Não desce 'a autoridade .administrativa do , centro


ou das administrações provinciaes para as Municipali-
dades, ao menos em principio, porque ' as nossas Ca-
maras Municipaes são exclusivamente feitura da elei-
ção popular, incluido o seu Presidente. O seu Execu··
tivo não he éOffi9 o Muire na França, nomeado pelo
Imperador.

E se as nossas Cumaras l\'Iunicipaes estão em de-


masia pc.'ldas, e não teJ.ll liberdade para moverem-se
nos pequenos nego cios das loca lidades; se a respeito
d'ellas se dá uma centralisação demasiada, p~ovém
isso mais da extrema dependenda em que as põz o
acto addicional das Assembléas provinciaes.

Este assumpto he vasto e importante. O seu desen-


yolvimento fica reservado para quando especial e pra-
-- 193
ticamenle me occupar das nossas Municipalidadei,
da sua organisaçüo, aUribuições, e das reform[ls que
exige o seu actual estado.

E ver-se-ha que se o aeto addicional decentralisou


quanto pÔde as Provincias do Poder cenll'al, centra-
lisou quanto pÔde nas Províncias, 'cerceou e raduzio
quanto pÔde a autonomia municipal.

Felizmente as nossas instituições, apezar de alguns


defeitos inevitaveis em obras humanas, ofTerecem,
mediante alguns retoques, e desenvolvimentos prati-
cos, margem e m~ios para consideraveis melhoramen-
tos. Se alguma cen tralisação demasiada ba, póde isso
ser remediado por medidas especiaes e praticas, dan-
do-se, no que ' be puramente administrativo, mais ac-
ção ás autoridaq.es, sem privar o centro d'aquella
que lhe he indispensavel.

He sómente o estudo desapaixonado, profundo e


reflectido do paiz, da sua legislação, das suas cir-
cumstancias, das suas necessidades, que póde indicar
õs remedios. Não declamações vãas e empoladas, prin-·
ópios vagos e absolutos, aos quaes são applicaveis,as
energicas palavras de Tacito. - « Speciosa vcrbis, 1'e
inania aut subdola: quantoqtte majore libcrtatis imagine
teg,ebantur, tanto cru.ptu1"a ad in{ensius servitíum.

n. . 20
- 10,{-

~
~ 8 .•

Decelltralisação que se seguie entre nós ao. " de Abril.

Quando rompeu a revolução de 7 de Abril o Imperio


não estava ainda praticamente organi.sado, constitucio-
nalmente. Muitas theses da Constituição que encerrlío
yerdadeiros thesouros, com os quaes se julgarião felizes
muitas nações, não tinhão ainda recebido o desenvol-
vimento regulamentar e pratico indispensavel (nem
aitida o recebêrão completo), para que produzissem _
õs seus beneficos effeitos. A Constituição não era ainda
bem comprehendida e . executada, não só pelo Poder
Executivo, eomo pelas mesmas Camaras Legislativas (t).

A Camara dos Deputados, e os ~linisterios seguião


por linhas parallelas, de modo que não se podiãO en-
contrar as vontades e haver accordo.

Autoridades administrativas como, por exemplo, Di-


rectores de cursos juridicos, . Camaras Municipaes, di-
rigião-se directameule á Camara dos Deputados pedindo
esclarecimentos, e solu,ção de duvidas. Os particulares
que se julgavão, por qualquer maneira offendidos em
seus direitos e interesses, recorrião á mesma Camara,
mnda em negocios de competencia do Poder adminis-
tI'ativo. A Camara, armando á popularidade, da qual

(1) (C Eu creio que :I ConstiLuiçllo he um:l lei que ainda não está bem en-
tendida, c nem desenvolvida em leis regulamentares, que Mo de ir, pou-
co a pouco, apparecendo e passando em tempo proprio " dizia o Senador
Alns Branco na se!sllo do Senado de 10 de Julho de 18H.
- 195
_ aliás gozava exclusivamente, acolhia tuuo, e occupa-
va-se de insignificantes questões administrativas, mal
e iricompletamente instruidas e examinadas, e tendia
, a administrar por meio de pareceres de Commissões.
Dirigia advertencias e recommendações ao Governo,
indicava-lhe soluções, m"andava responsabilisar empre-
gados, & c " O Governo umas vezes obedecia, outras
recalcitrava.

, F or outro lado os Ministros em lugar de tomarem


a posiÇão q'le lhes competia, de se pôrem á testa dos
negocios e das discussõe~, de se prevalecerem das van-
tagens que dão a pratica dos negocios, e a vida no
centro das Repartições, sobre contendores inexperien-
tes, em vez de vindicarem os direitos do Poder Exe-
cutivo, em vez de conquistarem influencia pela palavra,
~ peJo acerto-das suas opiniões e medidas, escondião-se,
fugião da tribuna e de se ~ncontrarem com a Camara,
cujas hostilidades repellião por meios obliquos.

As Camaras invadião a attribuição do Poder Execu-


tivo de fazer Regulamentos. Os Ministros propunhão
ás Camaras objeclos de Regulamentos.

Um Ministro pedia por oflicio á Camara dos Depu-


tados a suspensão da votação do seu Orçamento até
que pude~se elle examinar o que convinha, em ordem
a satisfazer as observações feitas por alguns Deputados,
para o que dizia precisar de dous ou tres dias, em conse-
quencia de suas occupações e do estado de abatimento
em qu~ ficára com o aturado debate de duas sessões
successivas. (Acta da sessão da Camara dos Deputa-
dos de 15 de Setembro de 1827.)
- 196-
Outro Ministro declarava que não tomaria parte na
discussão do Orçamento da sua Repartição, nem o de-
fenderia, por não o ler feito, e não ter conhecimento
algum do apresentado pelo Ministro da Fazenda. (Acta
da sessão da Camarados Deput.ados de L1 de Agosto
de 1829.)
Outro remeltia á Camara dos Deputados a Conven-
ção de 23 de Novembro de 1R26, sobre a exlincção
do trafico, declarando em seu officio, que o Governo
cedêra por bem o que lhe seria tirado pela força.
(Acta da sessão da Camara dos Deputados de 22 de
l\'Iaio de 1827) (I).

O Senado resolvia em sessão de 14 de Setembro de


1827. 1. Que o Ministro pudesse assistir á discussão,
0

mas não discutir. 2. ,Que a discussão continuasse de-


0

pois que, o Ministro se retirasse, para ~ntão ter lugar


u votação. E com effeito naquel1a sessão forão postos.
em discussão todos os artigos da proposta da fixação
de forças de terra, para sobre cada um delles dar

(1) Armitage, na sua Historia do Brasil, f.ranscrCl'e do jornal a Aurora


de 11 de Fevereiro de 18213, que o tirou do Astro de íJlinas, o seguinte
trecho que recapitula varios outros factos.-« Quando nos recordamos do
procedimento do extincto Ministcrio, qunado rellectimos em suas providen,
cias, e sobretudo na sua triste figura nas discussões a que forão admitti-
dos na Augusta e Diguissima Camara dos Srs. Deputados, cahe-nos o sem-
blante aos pés, porque da vergonha do Governo todos nós participamos.
11m quer que os Conselheiros de Estado tenha ordenado porque o he, e
produz documentos, que se cenvencem de falsos, e quer votar, quando um
artigo da ConstituiçãO expresso e concebido em vu Igar lhe nllo permitte.
Outro gaguejft e apenas assegura que tem na sua mão pOl' emprestimo um
livro muito bom chamado Bentham, outro mente nara lhe ser facil a dis-
soluC:lo dos argumentos que formava a opposiçllo: o outro guarda silencio
em todos os pontos e sómente o rompe quando se lbe exproba a Portaria
pela qual se mandava pagar a si mesmo dous ordenados; outro finalmente
agradece ao Sr. Deputado que o chamou extravagante no sentido de De-
lembargador extravagante, e assegura á Camara que não &e deve dar maior
loldo aos Carpinteiros das embarcaçoes graudes do que aos das pequenas,
proposiçao que demonstrou por estas formaes palavras.-Ey. nao pos~o dar
a ~azao rlestll minha asscrçllo, mas creia'!pe a Camara_que ella bc "crda-
t1elra . » , .
- 197
o. Ministro as informações, que lhe fossem exigidas,
feito o que retirou-se, e começou a discussãQ pelo
1.· artigo.

o Governt> pedia. medidas importantissimas, por


exemplo sobre o meio circulante, por meio de um
iimples officio, sem indicar nem propõr cousa a1guma.

A iniciativa do Governo era vista çom ciume e quasi


considerada uma usurpação.

o principio de que o Governo está mais habilita-


do para preparar e iniciar medidas, s6menle foi re-
conhecido e proclamado na resposta á falIa do Throno
de 1837 (1).

(1) Acha-se este principio t110 bem explanado no seguinte trecho de um


discurso do Senador n. P. de Vasconcellos na sessllo do Senado de 15 de
Sctemb ~o de 1841, que julgo que o leitor estimará que Ih'o ponha aqui de-
baito dos olhos. Ei-Io:
« Pelo discurso do nobre Senador póde-se entender o contrario, pensar
que o nobre Senador qucr que continuemos na pratica actual; que, por
exemplo, na Lei do Orçamento se bouver quem se lembre de pôr um im-
posto sobre os cnbellos, vá o imposto sobre os cabellos; outro se lembre
de impôr sobre os sapato~ &c., outros sobre ns condecoraçOes, embora se
fira direitos adquiridos; e assim, ficar esta lei importante com emcnda se-
melhante. Eu, Srs., desejo que todas as leis sejl10 propostas pelo hlinis-
terio, que um s6 project.o se n30 discuta que n110 venha do ftlinisterio. Con-
5idero a iniciativa do Corpo Legislativo como uma ameaça, que p6de em-
pregar a representacl10 Nacional contra os desvios do Ministerio; se o Mi-
nisterio recusar ao paiz as instituiçoes de que elle necessitar, deve estar
o Representante da Naçllo armado de meios, de recursos para obrigar o
Ministerio a conformar-se com a opini110 publica. Be só neste caso que eu
julgo que deve ter exercicio a iniciativa dos Representantes da Naçao. Em-
quanto .u110 adoptarmos este systema, continuarão as nossas leis, em grande
parte, a ser, como SllO, letra morta, a n110 se elecntarem, porque muitas
vezes silo lejs que apenas podem interessar a 200 ou 300 pessoas, c silo
indilTerentes á maioria do paiz, por isso que n110 cst110 em relaç.llo ás ne-
cessidades publicas; e todas as vezes que ullo nos lembrarmos de que alei
nITo deve ser outra cousa mais do que a elpressao moral das necessidades
, da sociedade, havemos de caminhar como teIDos feilo até o presente. Eu
nllo quero desacreditar o Corpo Legislativo; mas, julgo que n marcha se-
guida até hoje nllo tem sido a melhor i he indispensa\'el pôr termo aos
nossos males. I)
Quero t.ambem citar paizes estrangeiros; eu lambem leio alguma cousa.
Citou-se a Inglaterra; he verdade que na Iuglaterra nilo se aprasenla pro-
posta alguma em Dome da Corôa j mas, quem IIpresenta as propostas? Silo
- 198-
Entendia-se que o meio mais proprio para fazer
entrar o Governo nu Jinha constitucional era o da
accusação dos Dtinistros, e não se advertia que o uso
irreflectido e frequente d'esia arma a embota e inu-
tilisa. E com eft'eito forão repetidas a'J! accusações
de Ministros de 1827 a ÍS30, sem outró resultado
do que desmoralisar mais o Governo, e -azédar mais
as suas relações com a Camara dos Deputados. No
decurso d'aquelles quatro annos forão accusados os se-
guintes Ministros, entre os quaes se contão homens
de verdade~ro merecimento, e carregados de serviços,
Lucio Soares Teixeira de Gouvêa, Oliveira Alvares,
José Clemente Pereira; Visconde de Alcantara, Conde
do Rio Pardo, Marquez de Baependy, Marquez de
Paranaguá, e Marquez de Aracaty.

,Era este o modo, pelo qu~l durante o 1. Heinado, 0

foi comprehendido e executado o systema parlamentar.

Quando as garantias que formão uma Constituição


forão éonquistadas e introduzidas pouco a pouco com
o tempo, como na Inglaterra, vão-se ellas, tambem
pouco a pouco e com o . tempo, firmanuo no espírito

os nmigos do Governo; sabe-se que todas 115 propostas 5110 do Goycrno.


Quando be que a opposiclio, em qualquer das eamaras Inglezas, apresenta
um projecto de lei l lU olTerece emendas' ? A opposi r:!o alli nno se lembra
de governar, emquanto he opposição, isto he, emquanto he minoria. A op-
posiçãO só mostra sua força quando passa á maioria; anUlo he que IIpre-
senta um principio qunlquer, olTensivo dll marcha do Governo; 511 esse prin-
cillio he adoptado, entlio essa minoria transforma-se em maioria, mas nllo
apresenta emendas. Porém, desgraçaàamente, entre nós, a minoria apre-
senta emendas e tem merecido a approvaQ3O, e dahi vem que as nossas
leis nno podem guardar a mesma ordem que as leis inglezas, por isso que
a minoria muitas vezes quer dominar 11 maioria. Na Inglaterra, a minoria
, faz constante opposiç:!o ao Goyerno; mas, nllo emenda, anda sempre com
o seu systema de governo na algibeira, para o apresentar quando se lhe
diz: -Fizestes opposiÇ1io a esta politica porque 11 reprovaveis, porque entcn-
.dieis que a vossa era preferiyel j portanto, , ·inde dar ao paiz prova de que
eslaTeis em boa fé. -,
- 199-
e habitos da pupulação. Identificadas com ella assentão
perfeita e solidamente. Quando porém no meio de um _
paiz atrazado, como estava o
Brasil quando sacodio
o jugo da metropole, se lança repentinamente uma
Constituição como a nossa, não he possivel que func-
cione logo bem, não por culpa deste ou daquel1e,
mas por culpa de todos.

Nos ultimos tempos do 1.0 Reinado havia a opinião


liberal levantado o grito da reforma da Constituição e
da federação. Em quatro ou cinco annos não havia a
Constituição feito desapparecer todos os males que nos
aflligião! A culpa evident~mente era della (1).

Para que aquellas idéas de reforma e federação fossem


bem aceitas sobravão as seguintes considerações.

o exemplo seductor dos Estados-Unidos e da sua


rapida e admü'a;"el prosperidade, que offuscava todos
aquelles que abstrahião das circulllstancias desse paiz
e das nossas, tão diversas.

A não satisfacção immediata de tantas esperanças


que a Independencia, e a adopção do systema consti-
tucional fizera conceper. Não estavão removidas, como

(I) Ha muita gente Que crê que a palavra liberdade be magica e opéra
por si só todos os melhoramentos. Decretada a liberdade está tudo reme-
diado. Decreta-se a liberdade em um paiz. Nno desaPllarecem logo tod05
os seus males? Nno ha mais que averiguar. He porque a liberdade he pouca.
Evidentemente o remedio he augmentor a dose . He cousa simplicissima e
facillima. Nno he porém dessa opinião Michel Chevalier, o qual no seu Curso
de Economia Politlca vol. 1. 0 Lição 10.-, diz o seguinte - « On pcut bien
dans un bel enlbousiasme voter au scruLin, on par Assis et le\é la libertá
~'un peuple; mais toute IiberLé qui ne s'~nto~re pll~ des institutio~s posi-
tll'es propres à la rendre feconde en améhoratlons ntales, je veux dlre con-
Cormes à la double nnture spirituelle et. mlltericlle de l' homm e n'est qu'une
libl'rté nominalr , drccYnnte ri dnn"rrCllsr.
~ 200-
por encanto, todas as diillculdades que inevitavelmenle
devia encontrar um paiz immenso, quasi deserto, pri-
vado de commurticações; que ha pouco abríra seus
portos á communicaçào com o resto do mundo; que
ha pouco Qcabava de sabir de um regimen colonial,
;.trbitrario e por ventura corrupto, e qué não estavá
preparado pela educação e habitos para o reglmen
pratico constitucional.

o merecido descredito dó Poder durante o 1. o Reí-


' nado.

Havia nas idéas e aspirações dessa época 'um fun-


damentQ exagerado, porém no fundo verdadeiro. A
institUição dos' Conselhos Geraes, segundo a Constituição,
não , rep,artíra com as Provincias aquella quantidade
de acção indispensavel para que pudessem prover effi-
eaz:m.ente a certas urgentes necessidades administrativas
locaes. Nada se aviava por si nas Provtncias, como que
çandenadas ao sup.plicio de Tantalo. Tudo por fim de-
pendia do centro, ainda que minimo e insignificante
fosse. A centralisação administrativa era excessiva, e
era isso tanto mais sensivel, porque estava tudo por
crear e fazer, e esperavão todos maravilhas.

Os Conselhos Geraes limitavão-se a fazer projectos


peculiares e accommodados'ás suas localidades e ur-
gencias, seglJlldo se e~prime a ConstituiçãO: Erão mé-
ros p,roje.ctos os, quaes, para, serem exequive!s" deyião
ser apPfov~qos pela, Asseml;>léa G~ral. Para que fosse
cre~dit uma Escola na mais insignificante aldêa" ~ra
necessaria uma lei da Ássembléa Geral, approvando a
proposla do Conselho. AAssembléa Geral vergava assim
- 201 ~

debaixo uo pesq de uma tarefa; que impossivel lhe


era desempenhar. Isto explica a esterilidade effectiva
da instituiçãO dos Conselhos Geraes~ cujas propostas
aliás erAo em grande parte, pela sua inexperiencia,
falta de conhecimentos e pratica administrativos, e
de mejos proprios, ínapplicaveís ou inexequíveis. Se
exceptuarrhos as propostas que creavão Escolas ás duzias
(para as quaes não ha~ia . Mestres), e que erão appro~
vadas nas Camaras . ~egislativas sem discus~ão, mui
poucas são as que 5e encontrão nas nossas Colle~ções
convertidas em leis. Realmente este estado de cousas
exigia remedio . Cuinpria soltar mais os braços á,s
Províncias, pDra providenciarem com efficacia sobre
o que fosse peculiar ás suas localidades 8 u~gencias
administrativas,. sem cortar ou enleia r o~ grandes laços
que as d~vem unir.

~ias a reacção dec.entralisadora que se ~egu~1? ao


7 de Abril, em odio ao Poder central, elce.de~-se muito,
e teria acabado com eUe, e portanto com a. uniã.o
das Provincias, se não houvesse sido contida e redu-
zida a tempo.

Vejamos ~o mo se operou essa decentralisação.

Os principaes instrumentos forão o Co digo do proce~so


de 29 de Novembro de 1832 ( I ), o acto addicional d9
1~ de Agosto de 1834, e muito principalmente a in-
te11igencia que se lhe deu, e a lei de 8 de Out~bro

( 1 ) Um dos projectos que servirão de base a esse Codigo iOltituia no


Titulo 3.0, Capitulo 2.0 art. 1 0, um Tnbunal parlameotar, ao qual com-
petia julgar em 1." c-ultima iostancia os crimes do Imperador I
lI. . 26
..

=- 20:2
de' 183-.4, novo Regimento dos Presidentes de Pro-
vincias. Vamos por part~s.

o Codl"o do Processo.

Portugal legou-nos com sua legislação. na época da


Independencia, a confusão do Poder· administrativo
:com o Judicial, confusão propria de um governo abso-
luto, e portanto de uma organisação que não conhecia
a divisão· dos Poderes.

Por aquella legislação exeremo os Juizes ' muitas e


importantes attribuições administrativas. O qireito civil
e privado, o criminal, o commercial, o administrativo,
e as jurisdicções respectivas jilzião indiscriminadamente
envoltas no avultado montão das Ordenações e leis
extravagantes. Eslavão as cousas de modo que a ad-
ministração não podia preencher _a sua missão sem
'Ô aúxilid do Poder judiciaJ,- então seu instrumento e
subordinado.

Todos os interesses geraes e locaes estavão confundidos.


e entregues ás mesmas mãos. A instituição das municipa-
lidades, unica que tinha alguns laivos de liberdade havia
definha<!o, e perdido a côr á sombra do absolutismo.

Cumpria, primeiro que tudo, separar a jurisdicçãO


administrativa da judicial; a policia administrativa e
preventiva da judicial. Sujeitar o que era administra-
tivo ao Poder admininislrativo sómente; e dar-lhe
sobre os -s'eus agentes administrativos aquella acção sem
- 203-
I
a qual não póde preencher o seu fim. Reduzir a justiça
judicial ao que deve ser, segundo o nosso systema, e
assegurar-lhe então aquella indepen~~ncia que deve ter.

Nada d'isso porém se fez. Tratou-se sómenle de tornar


a autoridade judicial, então poderosamente influente
sobre 11 administração, completamenle independente do
poder administrativo pela eleição popular.

o Governo ficou portanto sem acção propria sobre


agentes administrativos lambem, dos quaes dependia
sua -acção, e que todavia erão delle independentes.
Sómente podia acluar sobre elles pela responsabilidade,
recorrendo aq Poder judicial.

o conhecimento de todos os cnmes, ainda dos de


responsabilidade, passou a ser da exclusiva compe-
tencia dos Juizes de Paz, filhos da eleição popular,
creaturas da cabala de umà das parcialidades do lu-
gar, e defi,nitivamente da competencia tambem exclu-
siva de Jurados alistados por uma Junta composta
do mesmo Juiz de Paz, do Parocho, e do Presi-
dente da Camara Municipal ou de um Vereador (l) .

A accusação era exclusivamente promovida por um


Promotor proposto em lista tríplice pela Camara 1\1u-
nicipal, muitas vezes tambem filha da cabala vence-
dora pas eleições do lugar (2) .

(1) A attribuição d e formar <.'Ulpa e de julgar definiti vamcnte 05 cri-


mes de responsabilidade dos empregados publicas oilo privilegiados, passou
para os Juizes de Direito, pelo art. 25 S;Si 1.0 c 2.° da lei de 3 de De-
_ z ell~bro de 1841.

(2) Os Promotores passárilo a ser nomeados pelo Imperad or ou pelo


Presidentes de Provincia pelo art. 23 da citada lei de 3 dê Dezembro.
20&. -
Os 'Juizes Municipaes e de Orphiíos erão lamhem
propostos em lista triplice, pelas mesmas Camaras
Municipaes (l) .

. Os Juizes de Paz sobrecarregados de altribuições


importantissimas, cujo concurso e auxilio era indis-
pensavel ao Poder aominislrativo, filhos da eleição
popular, e muita~ vezes em hostilidade ao Governo,
erão deUe inteiramente · independentes (2), e servião-se
frequeritemente do seu lmmcnso poJar para cmba~
raça-I,) e hostilisa-Io.

O art. 6 .. do Codigo do Processo tinha apenas dito


que nas Cidades populosas poderia. haver ate 3 Juizes
de Direito, com jurisdicção cumulativa, sendo um
tIelles., Cncfe de Policia. Nlio -disse porém o que -era
esse Chefe, nrto lhe deu jurisdicçiiO, n qual sómentc
póde ser creada por leI, nlio lhe marcou altribuiçõcs
algumas. Era menos que um Juiz de Paz. Embara-
'(jado em dar Regimento a esse simulacr'o de autori~
.dade, uniéa de sua nomeação, publicou o Governo
'0 Regulamento de 29 de Março de 1833, em verdade
ridiculo, e nem podia deixar de sê-lo, porque o
Chefe de PoEcia unico agen te do Governo, ficava re-

. (1) Os Juizes, Municipacs e de Orphão! pass6rno 1\ seI' nomeados pelo


Imperador, por virtude da lei de 3 de Dezembro· de 1841.
(2) A instituiçOo des Juizrs de Paz de elricllo popular tal como t\ com-
prehendêrn a lei de su n crcacllo de 15 de Outubro de 1827, melhorada e
~ tnlvez um pouco nmpliadn, podcrin vir n ser mui util como justiça loca l.
A lcgislaçllo posterior ao 7 de Abril nmpliou-a e sobrecarregou-a extraor-
dinariamcnte; desnaturou-a completamente. Era a ~nicn autoridade
em que conGnva. Era tnll'ez a 3./l autoridade depoi! da Regen-
eia e dos Ministros. A Regcncia e o lI'I inistcrio conferenciavllo nll Côrtr.
com O! Juizcs de Paz. A Ici de 3 de Dezembro talvez reduzisse de mais
essa autoridade. He o eITeito das reaeçOes cuja acÇno se mede ordinaria-
mentc por nquella contra a Qual se declarilo. He porém convicç3o minha
quc conl'ém apro veitar cssa inst itui c~o, dando-lhe mais importancia do
que agora tem , reorganisalldo-ô, c mrlhorando-a.
- '20j -

duúdo ' ao simples papel de ilnuador. A iluloridaue ue


eleiçüo popular era tudo, a unica de nomeação do
Governo nada.

;\cto atitUclollal.
1

.. A decc.nlralisaç-Jo administrativa que trouxe o aclo


addicional era .. pelas razões que acima forão expos~
las, até certo ponto justificavel.

,. Decentralisando porém as atlribuições que passou


para. as Assembléas Provinciaes, era indispensavel fa~
z-ê-lo \"de modo que . cada um dos Poderes Geral é .
Pr01,incial ie pudesse mover na SUil orbita, sem en~
.contrar' no mesmo terreno, e pôr-se em conílicto com
o outro. Era indispensa.vel que essa deccn~ralisaçiio
fosse meramente adminislralim. e não embaraçasse [I
direcçiio política dos Poueres Geraes, que não póue
·deixar de ser unica; nem he possivel que hajúo tantas
políticas <iuantas Assembléas Pl'ovinciacs. Seria uma
completa anarchia.

o neto addicional dera as Assembléas Provincia<.'s a


atLribuição de legislar sobre n creação e suppressão
dos c.m~regos Municipacs, e Provinciacs.

Declarou porém que são empregos lHunicipaes c


Provinciaes ' todos os que existirem nos Municipios é
Provincias, ú excepçUo" dos que dizem respeito á admi-
. .
nistracão, . arrecadilc.ão e contabilidade da Fazenda Na-
cional, á administração da Guerra e Uarinha, dos CQr~
"
- 206

reios Geraes. do cal'go' de Presidente de Provincia,


Bispo, Communrlante Superior da Guarda Nacional,
Membros das Relações e Tribnnaes Superiores,- e Em-
pregados das Faculdades de Medicina, Cursos Juridicos e
Academias (t). .

Entendeu-se que na faculJade de legislar sobre a


creação e suppressão de todos os outros empregos não
mencionados no § 7. o do art. lOdo acto addicional,
ainda creados por leis gemes relativas fi objectos da
competencia do Poder Gerat estava comprehendida l\
.faculdade de legislar sobre as uttribuições uos respectivos
empregados. Assim á Assembléa Geral competia fazer os
Codigos civil, criminal, commercial e de processo, &c.
organisar as Municipalidades e a Guarda Nacional, & c.
e ás Assembléas Provinciaes crear os empregos Ílecessa-
rios para o andamento dessas instituições, e marcar-lhes
as attribuiç.ões, éomo se fosse possivel separar ' uma cousa
da uutra.

A confusão que d' ahi nasceu foi tal que pôz em du-
vida as propl'ias attribuições claras e patentes da As-
sembléa Geral, a qual chegou ao ponto de duvidar dellas I
Tal ' era o espirito da época I Os seguintes exemplos
provão ISSO.

(I ) Esta declaração e ellull1eracllo, Que se contém na ' .• parte do SI 7. o


do art. 10 do neto addicional, e que he a cnusa pri ncipal de toda a con-
fusao e conOictos que se tem dndo entre as allribuiçoes do Poder Geral e
Provincial, não existia uo projecto da Commissllo. He ipsis verbis uma
emenda do Depntado pela Bahia ('"aula Araujo, a qual veio dar lugar a
todas a complicaçOes que tem apparecido. .
Para maior. esclarecimento deste impol'tante assumpto, e porque silo hOJ.e
documentos rarissimos, junto em appendice a este volume, o projecto Orl-
ginario do acto addicional, ' que servio de base li discussllO, e o parecer
dado em ,1837, pela Commissllo de Asseq:tbléas Provinciaes da Camara dos
Deputados sobre il interpretação do me~mo aeto .
- 207

A Camara .dos Dep.utados adia uma proposta. uo Go-


vel!no sobre Habeas-Corpus, até que se adopte uma
medida sobre a lei de 1.4 de Junho de 1835, da As-
sembléa Provincial .de Pernambuco. ACi1as da Camara
dos Deputados, sessão de 26 dé Setembro de 1836.
Não se sabia se essa iei podia embaraçar e até que
ponto, a A.ssembléa · Geral de legislar sobr~ o Habeas-
Corpus.

. A mesma Camara adia uma proposta do Governo sobre


Policia, até sobre se tomar uma medida geral ácerca das
attribuições das Assembléas Provinciaes. Aetas da Ca-
mara dos Deputados, sessão de 27 de Maio de 183G.

A' mesma Camara ~dia um projecto sobre registro de


hypothecas, e manda-o á Commissão de Assembléas
Provinciaes. Aci.as da Camara, dos Deputados, sessão
de 8 ' de Maio de 1837. Duvidava-se se a creaç,ão do
emprego de Escrjvão desse registro, era da compelencia
da Assembléa Geral, ou das Provinciaes.

Discutindo-se . na sessão de 11 de Maio de 1840


(acta respectiva) um projeeto ~obre hypothecas com-
I

plica-se a discussão com leis e attl'ibuições de Assem-


bléas Provinciacs.

A reférida Camara adia um projecto sobre a for-


mação da culpa até que se decida a questão sobre em-
pregados Geraes e ProviÍlciaes. Actas da Camara dos
Deputados, sessão' de 10 de Maio de 1837.

, A mesma Camara adia um projecto vindo ,do Senado


que elevava a rend~ para ser Jurado . Aelas da Camara
-- 208
dos Deputados,' sessão "de 10 Maio de 1837. Não sendo
o cargo de Jurado dedarado nomeadamente gerà l pelo
acto addicional, duvidava-se da competencia da .Assem-
b16a Geral p.ara legislar sobre elIe.
j

9 propri0 Senado adia um parecer e proj.ecto 'das


Commissôes de ConstíluiçãO e Assembléas Provinciaes,
sobre outro~ projectos relativos a Juizes de Paz, Mu-
nicipaes e de Direito, pelas difficuldades .qüe soífrêrfl
a sua discussão, provenientes de consider;arQm muitos
~l materia privativa dq3 Assembléas - Provinciaes. Actas
dd Senado, sessão de 2 de Agosto de 1836. Dizem
ahi as Commissões .. . :. . . As Commissões reunidas de Cons-
tituição e Assembléas Provinciaes, a que forão por de- ,
cisão dó Senado rp,mettidos os projectQs offerecidos pelo
Sr~ Senador Vallasques,' ácerca dos Juizes de Paz ~
Municipaes e -de Direito, pela difficuldade que scffrêra
, -
a sua discussão, arguindb-se-ll;les absoluta 'contradicção
com o art. 10 §§ 7.° e 11 do aclo addicional, que faz
aquella mataria privativa das Assembléas Provinciaes,
&c., &c. Aclas do Senado, sessão do 1.0 de Setembro
de 1836.

Bastão esses exemplos .


He por isso que dizia o Senador B. P. de Vascon-
cellos na sessão do Senado de 5 de Agosto de 184.5.
Mas porque so faz aos Saquaremas a acc~sação -de contra-
,listas? Porque lia intorprotaçl1o do acto addicional attribuírão
ao governo geral algumas funcçõ cs que er~o exercidas pelas
provincias. Não ha outros factos que possão fundar uma aCGu:'
sação contra <?s Saquare~as. _ .
« Mas eu peço licença ao nobre Senador pOI' Pernambuco
_para ponderar-lhe que desde 1834. o corpo legislativo não podia
- 209 ~-

fazer uma lei 'sobt'!) ' qualquer obj eclo po r causa da intelJigencia,
que se dava ao acto addicional. A cada passo discutia-se si
era l ou si não era geral o obj ecto de q ue tratava, Tinha·,so de
fazer qualquer in sti tuição, d izia-se no CO l'p O legislativo :- A
medida he boa i mas quem tem de ~e x ec ula r ' 11e. empregado
provincial; ao menos o acto addicion al como tem sido entondido
o con,sidera como tal, - era a lei adiada, e não 50 tomava
resolução alguma. Tinh a-se de refor mar, por exemplo, a ordem
do processo: ru as as autorid ades que executa vão o codigo do
processo erão consideradas provi nciaes, como se havia de marcar
á maneira de executar a lei si os executores della, por essa
desordem do Ilctà addicional, não se considel'avão empregados
gemes 1 regulal' a determinação pertencia ao Governo geral;
mas , a pessoa que tit,1ba de executar era do Governo 'provin,c ial;
de maneira que todas as vezes que os dous ~overnos não estivessem
dispostos a procede!' na melhol' harmonia, a desordem, o
a~archia em illfuIliveI. De duas uma: ou a illlerprelação do
àclo addicional havia de com mclter lÍs Assembléas 'provinciaes
â organisação dos codi gos , ou as Assembléas provinciae3 havião
de reconhecet' que os executores das leis geraes erão empregados
geraes : tomou o ultimo ex pedien te~não por es pirito de cenlrali-
sação, mas porque as A s~e m b léas provinciaes não permiltião
~ma execução regular em objectos de grande tarefa. Como
havia de uma Asselll bl éa provin cial regul ar um 'codigo com-
mercial, ou um codigo civil criminal, u ma ASliernbléa (como
são algumas) composta' de vinle Deputados, podendo haver
casa com onze Deputados, e havei' maioria com seis? O que
_ se de\'ia esperai' de uma Assembl éa tal? Estaria habilitada
para discutir leis d_csta importa ncia? E conviria que promovesse-
mos essa des união por todas as prol'incias? !Jcnhores, eu en-
lendo que a accusação q ue se faz aos Saqua remas por esto
motivo não he' fund ada, ha de me IJerdoa r o ' nobre Senador, »

As Assembléas Provinc-iaes passárão a legislar sobre


Jurados, Juizes de !}ai, Ju n(as de Paz, Juizes Uuni-
cipa~s, de Orp huos; de Direito e Promotores . Creárão
novas entidu des , pe1as quaes repartirão aUribuições
d' aquellí;l.s ; ' legislArão sobre processo, sobre Parochos,
lI, - - 27
'-- 210-
sobre ' a Guarda Nacional; ' sobre privilegios cxc1usi~
vos e industria, sobre ünposto~ de importação, sobre'
ancoradouros, so1;>re Corpos do Exercito. Creárão Ban-:
cos, imtendêrão com a circulação monetaria, em uma
palavra, invadirão tudo, e ião decentralisando , tudo
e acabando com o Imperio.

, Quando, no desenvolvimento d,o vasto trabalho que


tenho entre mãos, tratar da administração das Pro-,
vincias, e procurar analysar, explicar, e desfiar prati~
camente cada uma das attribuições das Assembléas
Provinciaes. apontarei a legislação Provincial á qual
acabo de referir-me.

Quem ha ahi que ' possa contestar que a continua-


ção desse estado de completa desorganisação e anar-
chia social, á qual davão o nome de liberdade, traria
por fim a dissolução no Imperio? Como, estando a
Corôa em minoridade, pôde a nossa machina cons-
titucional resistir a tantos empuxões, e a tão desen-
contrados abalos? Sómente a Providencia o sabe I
Talvez resistisse por isso mesmo que a Corôa ' estava
em minoridade; não perdeu, adquiri0 força com tan-
tos desatinos, e era o santelmo em que bruxoleava ~o
longe esperança de salvação .
.
Como puderão' varões illustres pelo seu saber, pelo
seu amor ao seu paiz, alguns dos quaes prestarãó
depois importantes serviços á Monarchia' Constitucional
oppôr-se com vehemente paixão, a que fosse, pela
interpretação do acto addicional, dado remedio a se-
melhante estado de cousas,? Isto sómente se póde
explicar pelas pailões e vertigem dessas épocas.
- 211 - ,

Havia com effeito uma verdadeira vertigem que nos


empurrava para uma dissolução social.

, Que havia uma verdadeira :vertigem provão-no as


proposições seguintes, apoiadas pela terça parte ~a Ca-.
mara dº~ Deputados:
, Sessão da -Camara dos Depulados de 27 de Maio
de 1831, acta respecti,va - Proposição-Que o Governo
do Brasil seja federal, e uma lei marque as circums-
tançias da federação.
Apoiada pela terça parte dos Deputados, na fórm~
dO art. 174. da Constituição, teve '2 .. e 3. a leitura~ e
,JIlundou-se qué fosse admittida á discussão. Sessão
de 16 de Junho de 1831.
Sessão da Camara dos Deputados de 3 de Junho
de 1831, acta respectiva-Proposição-Que a Religião
seja negocio de consciencia, e não Estatuto de lei do
J!:stado. Apoiada pela terça parte dos Deputados .
. Sessão da Camara dos Deputados de 16 de Junho
de 1831, acta respectiva-Proposição-Que a Justiça
~eja .compromissoria ou electiva, completa, facil, breve,
gratuita, presente ou accessivel, e sempre possive,l eO}
todo lugar a todas as pessoas, publica, salva decen-
.cia' e eJigencia do processo. Que as penas se abulão
,da Justiça; e os fins da Justiça sejão: conciliação dos
,desavindos, satisfação da obrigação, reparação do dam-
no, correcção ou ' repressãq do malféitor, segurança
dos offendidos. - Apoiada pela terça parte dos Depu-
tados, na fórqla da Constituição (1).

(1) Este e outros prcjectos, tomados entlJo ao serio, o que nllo abonll
muito o estado das cabeças nessas épocas, recordao , entre outros da Revo-
Inção Franceza, um que menciona Duvergier de Hauranne, na introduc-
çno á sua Historia do Governo Parlamentar, e no qual o d ema~ogo e san-
guinario Saint Just propunha- Art. 1.0 As Municipalidades elegerau, de dous
~ 212 -
Sessão -da Camara dos Deputados de 12 de Outu-
bro de 1831, acla respectiva-Emenda-Cada Provin-
cia nomeará Mma Assembléa, que fará süa Constitui-
ção particular. - Apoiada pela terça parte dos Depu-
tados.
Sessão da Camata dos Deputados de 16 de Junho
de 1831, acta respectiva - Proposição -Que o Go-
verno do Brasil seja ora vitalício na pessoa do Impe-
rador o Sr. D. Pedro lI, . depois temporario na pes-
soa ,de um Presidente das Provincias confederadas ,
no Brasil.
Sessão da Camara dos 1!eputados de 27 de Junho -
de 1835 - Propôz-se que a quantia necessaria para
as despezas geraes da Nação, fosse dividida pelas Pro-
vincias do Imperio, designando-se a quota que cada
uma, na proporção de seus haveres, devia dar pará
taes despezas, eficando a cargo das respectivas Assem-
bléas Provinciaes, a escolha dos impostos, ou meios .
para obter taes quantias.-A Com missão de ConstItuiçãO
entendeu que este projecto envolvia reforma da Consti:,
tuição, e 'era nocivo aos interesses da união.-Sessão
de 24 de Julho de 1835 .

, Nuo accumularei mais exemplos para provar a ten-


dencia anarchicamente decentralisadora dessas épocas,
mas não posso passar em silencio o projecto de reforma

em dous annos, na occasião da renovação das legislaturas, seis velhos nota\'cis


pclas suas virtudes, aos quaes incumbirá apasiguar as sedições. Art. 2.°
Estes velhos SCl'ào enreitados com uma banda tricolor, c com um penacho
branco, e quando assim appareccrem o povo guardarú si lencio e prcnderá
os que continuarem o tumulto. O povo to ma os vel hos por arb itros.
AI't. 3.0 Se a perturbação co ntinúa os velhos annul1cilio o luto da lei. Os
.Que iusultão um velho silo reputados múos, e perdem a qualidade de ci-
Jil1d~o, &c. Este seraphico hom em, Saint Just, foi membro da Commissilo
de sa l v~ç1io publica, iusepara ye l amigo, e complice de Robespierre, e um
dos qne orgauisár o o s)'s Lel11R chamado do torro r, que inuundou a frança
de saugue.
- 213
da COllstilui~ã(), tal qual ' foi appl'ovauo pela Cnmam
dos Deputados em Outubro de 1831 e remettido parll
o Senado. Esse projecto red uzia o Gorerno do Brasil
a uma ~Ionarchia Feu@rativa, acabava o Poder Mode-
rador, tornava o Senado temporario, a Camara dos
Deputados biennal, nullificava a prerogativa da Sllncção,
supprimia o Conselho de Estado, ·&c. Para evitar uma
longa exposição de tão importante documento, e por-
que he raro e pouco conhecido, jllnto-o no Appendice
a este volume, bem como as emendas do Senado (I).

Neste estado VIvemos durante grande parte do mino-


ridade.
Finalmente a interpretação do acto addicional consa-
gr{lda na lei n.O 105 de 12. de Maio de 1840 (2); os
luminosos pareceres ao Conselho de Eslado, especial-
mente os lanç.ndos peló Sr. Bernardo Pereira de Yas-
concellos, no exame e revisão das leis Provinciaes, que
habilitárão o Governo para dirigir os Presidentes na
saneção das leis, e nas suas relações com as Assem-
bléas Provinciaes, firmando . as boas doutrinas i a lei

(1) Fs ~ava tudo róro dos eixos. Camaras l\funici paes, com manifesta violaçlfo
da sua lei organica, represcntavllo á Camara dos Deputados pedindo a re lllo ~lIo
llo Tutor do Imperador. Fical'ão as rll presen ta çües sob rc a mcsa p3ra sCl'cm
tomadas em cilusidcraçllo quando se tratasse das contas do Tutor. Sessões
de 21 dc Agosto e S de Sctembro de 1833 . Outras ccnsuravfio a falia do
1'hrono cm ofTicios, que erão recebidos com especial agrado. Actas da Camara
dos Deputados de 1334 .
(2) Ap~oveito a occasião para rcctificar, porque mc diz pe.ssoalmente rcspeito,
uma inexactidilo quc cncontro na Circular dirigida pelo Sr. Theophilo J3enedicto
Ottoni aos Eleitorcs da Pro\'incia de Minas Geraes. Diz ella a n, !ir, - " O
'51'. PauJino José Soares de Souza, dcpois Scnador, Visconde do ruguay,
'crll o Relator que propô1- () o Mi nistro que sallccionou a reforma do ncto
addicionnl -. EsLa segunda pnrte não he ex:acta . O Minislro que rc(erendou
a lei interpretati'l'a do aeto addicional, contl'a a qual votál'a na Camara dos
Deputados; foi o Sr. Francisco Ramiro de Ass is Coelho, as ignado na mcsma lei;
e fazia parte do Ministerio, seodo Rl"gente o Sr. l\la rIlU C7. de Olimla , o Sr. Aln's
Branco, depois Visconde de CaraTcllas, um dos mais illustl'c6, mui bl'Í-
·Ihantes, e proeminentcs Cbefcs do lado liberal. Pa rece que não considerou
dfluella lei como elbol'uitanlc.
-- 214 -
ue g de Dezembro de 1841; a maior força e prestigio
de um governo presidido pelo Imperador; o desengano
que trouxerão as rebellióes e agitações nas Provincias;
a reacção natural do espirito publico, forão reduzindo
e contendo as tendencias decentralisadoras nos seus
justos limites .

• O acto addicional tambem dera ás Asscmbléas Pro-


viociaes a attribuiçãO de legislar sobre a nomeação para·
os empregos Provinciaes e Municipaes, e estabeleci-,
mento de seus ordenados.

Pela intelligencia nos primeiros tempos dada aa


mesmo aeto addicional, ficava privad.o o Poder Execu-
tivo central de nomear todos os empregados Provin-
ciaes e Municipaes, ainda mesmo aquelles creados. por
leis Geraes, relativos a õbjectos da competencia do
mesmo Poder Geral.
Ficava este assim reduzido á nomeação para os em·
pregos que dizem respeito á Fazenda Nacional, á Guerra
e Marinha, e Correio Geral. Conservou. a dos Presidentes
de Província, Bispos, Commandantes Superiores da
Guarda Nacional, Membros das Relacões e Tribunaes
Superiores, dos empregados das Faculdades de Medi-
cina, Cursos J uridicos e Academias (I).

(1) P6de-se dizer que aSiiim ficara o nosso Podcr Geral de peior condiç1io
que o dos Estados-Unidos. Michel Chevlllier, Lettres sur I'Amerique du Nord,
referindo-se a um relatllrio apresentado no Senado por Mr Calhoun, apre-
senta o seguinte calculo de agentes fedcraes nomeados pelo Presidente.
(Executive pal1·onage.)
Agentes administrativos e financeiros ........................... U.IU
Serviço militar e negocios de Indios............................ 9.6U
Marinha...................................................... 6.409
Correios ....••.••••••.• , •. I ••••• , ••••••••• I •••• ••• , •••••• , • • •• 31.917
60.203
- 215-
o"direilo ue nomear para todos os outros empregos
passou para o Poder I'rovincial, que o exerceu até
a interpre~ação do acto addicional. Como Presidente da
Província do fiio de Janeiro nomeei Juizes de Direito,
\ Juizes Municipaes, Parochos, Chefes de Legião, &c., &c.

Nem obstava o ser o Presidente da Provincia agente


do Poder central, porque nomeava na conformidade
das leis Provillciaes, as quaes, na hypothese da intel-
Jigencia mencionada, podiãO prescrever-lhe condições,
.
modificar, ou retirar-lhe a allribuicão de nomear .

Que tivesse o Poder Provincial faculdade para legislar


sobre a nomeação e demissão de empregos Provinciaes
e Municipaes relativos a objectos da competencia das
Assembléas Provinciaes~ nada mais justo e regular, e
he essa a_unica intelligencia razoavel que póde ter o
acto addicional. Entendeu-se porém que o Poder Pro-
vincial podia legislar ,sobre a creaçãQ, suppressão e no-
meação para empregos relàtivos a objectos -da com-
petencia do Poder Geral, ao passo que este não podia,
e com razão, legislar e nomear para empregos relativo$
a objectos da competencia das Assembléas Provinciaes I

Tal era a decentralisação anarchica e desordenada


que trouxe a inteUigencia, que a opinião democratica
exagerada daquelles tempos dava ao acto addicional.
,Cortava, cerceava, reduzia a nada a attribuição es-
sencial e Qonstitucional, conferida ao Poder Executivo
p-elo art. 102 § 4.' da Constituição.

:- 'A uma centralisação excessiva, substituio-se uma de-


centralisação excessiva tambem, subversiva e desorga-
- 21G -
nisadoril, que entregava ús farções que se 'lá àlilass'Ctn
'nas Provincias_o Puder Executivo central de mãos e
. pés [lludos I

« rncitlll in Scillam, qui \'uH I'itarc Cha rib:l im : »

, A cQllaçãó dos empregos que he um meió ' de acção


e influencia ( e a questão era em grande parte de em,·
pregos por meio dos qllaes cada "dominador quer se-
gUl'Ue-se em seu bairro) passou das mãos de um Poder
mais distante, mais imparcial, por não estar tão de perto
envolvido e interessado nas lutas e paixões pessoaes e
locaes; para as ele inflúenciás, que muitas vezes se s'e r~
vião dessa arma poderosa para se rcforÇ<1.rem e esnÍa~
garem aquelles aos quaes se antojava' desputar-lhes o
governo ela , Ierra. E era tudo isso feIto , em i'lOme da
liberdade
,
I (1)

Succedia vencer as eleições uma das parcialidades


em que ' esta vão divididas as nossas Províncias. A
maioria da Assembléa ProvincÍal era sua. Pois bem,
montava o seu, partido, e por exemplo, depois de no-
meados' para os empregos e postos da Guardá Nacional
homens seus, fazia-os vita1icios (2). Amontoava os obs-
'o
táculos pará que lado contrai'io não' pudesse pàra
o futuro governar. Fazia Juizes de Paz ieus, e Ca-
maras Municipaes suas. ' Estai; autoridades aptÍravão os
ir urados e nomeavão in,direclamente, 'p~r pro"postas, os
Juizes Municipaes, de Orphãos e Prbm,o tores.
! •

r · (1) « Ul impcri\lm c\'cttanl libcrtalcrn prroferunt; si pervertcrinl libcr.


Antem ipsam uggrederentul'.H Dizia Tacito dos pseudo-hb era8s do seu tell.l po.
(2) Em luga r com petente unontarei essas le.is c as cirCUlllslanci:ls c fius
com que forão fe it as. " , . , . ,
- 217-
EJifi-cava-se . assim um - caslcllo incxpugnavel, não
~Ó para (j lado oppl'imido, como ainda mesmo para.
() Governo centr.aL

'Se o Presi<l~nte da Pr'Ovim.cia, Delegado e unica au-


tOl'idade: adininis-lrativa nomeada pelo Poder Geral, nil'O
ia de aceordo, estavão organisados os meios de uma
vigorosa resistencia, com apparencias de legalidade, e
Icgalm-cnte insuperavel.

Recorria 'O G'Overn'O Ú unica arma que lhe fóra dei-


xada. Suspendia e mandava responsabilisar 'O empre-
gado que não executava 'Ou illudia as suas 'Ordens,
muitas yezes acint'Osamenle e de accordo com a par-
cialidade á qual pertencia. Era este accusado pelo
Prom'Ot'Or filho da eleiçã'O em que 'triumphára a mesma
parcialidade. Era-lhe f'Ormada a culpa pel'O Juiz de
Paz do mesm'O parÍid'O . Se por acaso era pronunciad'O,
qra j ulgad'O por J urad'Os apurados pel'O Juiz de Paz e
Presidente da Camara eléil'Os pel'O mesmo partid'O.
Este estad'O de c'Ousas, e as absolvições acint'Osas que'
se seguião, acabavã'O ' de desmoralisar a autoridade
superi'Or. Ou 'O G'Overn'O Cenlral havia de passar pelas
f'Orca,s Caudinas, nomeand'O 'O Presidente que se que-
riu, 'Ou a lula se abria, e t'Omava grande, pr'Oporções.
D'ahi a 'Origem das rebelliões e sedições que derra-
márã'O tant'O sangue, exhaurírã'O '05 C'Ofres d'O Estad'O
e produzírã'O lanl'Os 'Odios.

A lei da interpretação d'O acto addicional, e a de


3 de Dezembro de 184.1, modilleárão pr'Ofundamente
e'se estudo de cousas. Póue por meio deHas ser m'On-
tado um partiJo, _mas póLie lambem ser desmolltadu
11. 28
- 218 - '
qLianuó ahuse , Se !te o Governo que o. monta lerá con-
tra si em todo o Imperio todo o lado conlrario. Abrir-
se-!Ja enlão uma luta vasta e larga, porque terá dB '
hasear-se em principios , e nüo a luta mesquinha
odienta, mais perseguidora e oppressi'va das localida-
des, E se a opinião contraria subir ao Poder encon-
tl'arána legislação meios de governar', Se quando o
partido liberal dominou o Poder no Uinisterio de 2
de Fevereiro de 184.4, não tivesse achado a lei de 3
de Dezembro de 184 L que combateu na tribuna, na
imprensa e com as armas na mão, e na qual não
locou nem para mudar-lhe uma virgula, se tivesse
achado o seu ad versario acastellado ' nos c'astellos do
systema anterior, ou teria cahido logo, ou· teria
sallado ' por cima das leis : Cumpre que na organisação
social haja certas m61as flexiveis, para que não que-
brem quando aconteça, o que he inevitavel, que nellas
s~ carregue um pouco mais.

A lei, de 3 de Outubro de 1834 art. 6: incumbio


ás Assembléas Provinciaes a nomeação dos Vice-Presi-
dentes das Provincias, embora ti mandasse fazer em
lista sextupla, e leva-la á pre~ença do Imperador para
ser marcada a ordem numerica da substituicão.. Se o ,

hesidente da Província he nomeado pelo Imperador,


por bem do art.. 175 da Constitui~:tl0, se o Vice-Pre-
siuente faz as vezes e exerCQ as atlribuições do Pre-
siden te, nada mais logico e mais conforme ó. Consti-
luiçüo do que ser tambem o Vice-Presidente nomeado
pelo Imperaclor (I).

(I) Os Vicc·P,'cs illentcs passárilo a ser nomeados pelo Imperador, ren'g3-


dos, nessa parte, os arts. G.o, 7,0 c 8.° da lei cituda pela Elesolul'50
n. " ~07 de LS d~ Se tembro de 18\1, "
!f. suppressão- do Consell:ío d0 Estudo de que tru(a
0' Titulo 3: Capitulo 7.° da Cpnstituição, pelo al'l. 32
do aeto addicional, foi mais um passo· dado para a
decentralisação. O Conselho de Estado he uma insti-
tuição .que lende a, fortalecer o Governo Central; que
o auxilia com· suas luzes e' conselhos; que com clle
partilha a responsabilidade, pelo menos moral; qu e
i~prime um caracter de unidade e seguimento na
administração. A organisação dn Conselho de Estado
da Constituição tinha defeitos,. mas não pod.ia emen-
da.-Ios um Poder que tinha largas de constituinte 'I

D'emais essa suppressão tinha um grnnde alcance.


A Constituição instituio um l)oder Político, como
vimos, delegação da Nação, como os outros, como elIes
distincto e independente,. chamado Poder Moderador.
Para que a Corôa porém, no exercicio das atll'Í-
buições desse Poder, tivesse um auxiliar prestigioso"
e ficasse ~oberta, quando se afastasse do :mI!is te rio ,
5 reou a Constituição um Conselho-de Estado, composto
de Conselheiros vitalicios, nomeados pelo Im pcrador,
excluidos do seu numero os Ministros.
O principal encargo desse Conselho, o qual nüo
podia' então deixar de s~r ouvido, era o de aconselhar
o Imperador em todas as occa-siões em que se pro·
puz~sse exercer qualquer das atlribuições proprias do
Poder Moderador·, indicadas no art. 101 da Consli-
tuição, exceptuada a do § 6,"
A mesma Constituição· solemnemente declarava res-
ponsaveis os Conselheiros.
Supprimido o Conselho de Estado, e portanto a
sua responsabilidauc , destruido fLcava o antemural
co m que a Conslituição amparára o Poder )loclcrad or.
- ~20 --
Descoberla assim eompTcLamenLe a Corua pelo lado do
Conselho de Esta~lo, supprimido, era mais faeil fazê-la
prOGUl'éll' aDl'igo na responsabilid.ade dos Ministros para
os aetos do Poder Moderador: Porquanlo bastaria que
os Ministros negassem a' sua referenda, para que a
Corôa não tivesse com quem .acobertar -se. '

Porei aqui termo ao assumpto d'esLe Capitulo, tendo


10mado nota do espirito e timdencius . das reformas
que se· seguíriio· logo ao 7 de Abril.

. -'
f::il.PITULO XXXI.

AI.I.llcação :lO U.·:lsll tbs .lIstUlIlçocs :..1-


. luiulstrath:1S luglczas., Ilmcl'lcauas c Jí'.·au-
cczas.

Para copiar as instituições de um paiz c applica-las


a outro, Tio todo ou em parte, he preciso, -primeiro
°
que tudo, conhecer seu todo e o seu jogo perfeita
e ·coIDf'-lctamente.

Essas instituições, principalmente as Iuglezas, Amc-


.ricanas e l"rancezas, formão um todQ syslematico c
harmonioso. Cada uma das suas molas suppõe o COIl-
curso e jogo de outras, certo espirllo, habitos, caracter
nacional e cerlas circumstancias, cuja falta não he pos-
sivel suppril'. Cada u ma das suas partes susten ta c he
sustentada pejas outras, e com el1as se liga. He nc-
€essllrio muito estudo, muito criterio, para ~epari.lr
:uma parte d'essàs institui ções, c applica-Ia a outro
paiz diverso, cuja orgauisação, eclUCaçil.?, habitas, ca-
racter e mais circumstancias são tambem di versos_

o quc mnn nação deve ter ('.lU vista nas suas JIl S-
t.Ítu i':()es hc assegurar u libcrdade, uireLtos, garanti as
c bl'm esta r dos ÜUHdrlus.
- 222-
Assegurm' contra quem? Entendem uns qu@ contra
a autoridade 'sómente, isto he quando ella não está nas
mãos delles. Partem de> seguinte presupposto, que con-
sidera0 infallivel. O abuso sómente póde vir de cima
e. nunca do povo, quaesquer que sejão a sua educação
a habitos. Cumpre portanto diminuir a força da all-
toridade.

lia dous meios, diz Tocqueville (De ]a democrÉílie


en Amerique), de diminuir a força da autoridad.e em
}

'uma nação.
O primeiro consiste em enfraquecer o poder no sell
proprio principio, tirando á sociedade o direito de de-
fender-se em certos. casos. Enfraquecer por esse m@do
a autoridade he o que, em gera], se chama na Eu-
ropa fundar a liberdade. He este o modo pe]Q qual
os ]iberaes que estudão a liberdade nas producções de
alguns declamadores Francezes, tem querido estabelecer
a liberdade no Brasil. .
Ha um se~ndo modo de diminuir a .força da au-
tori.dade, e consiste .. ná0 em despojar a: sociedade, não
em despojar a autoridade de alguns dos seus direitos,
não em paralysar seus esforços, mas sim em distribuir
o uso das suas forças por differentes funccionarios,
dando a cada um todo o poder necessario, para levar
a eITeilo o que a lei lhe incumbe. Foi e&te o meio
de que se servírão a Inglaterra e os Estados-Unidos.
Torna a accão da autoridade menos irresistivel, menos
perigosa, mas não a destróe.

A centralisação politica ou governamental está lcvada


na Inglaterra a um grão muito aHo, o que he uma
prova irt'ccusavcl de que he mui compatível com ~ a

..
- 223·
liberuaua. O Estado e a Nação movem-se alli como um
só homem (I).
Núo tem porém centralisação administrativa.

({ Desde o tempo dos Saxões, diz Creasy (The rise


<lnd progress of English Constitu tion ), cada districto
entre nós, tem-se governado a si mesmo em malerias
locaes (2). Nunca conhecemos o que se chama hierar-
chia administrativa, isto he uma autoridade cenh;al
suprema, mandando seus Prefeitos, Subprefeitos, e
outros officiaes assalariados para cada Departamento,
e dirigindo ou executando por si mesma os deveres
da policia, ou outros semelhantes, e providepciandl),
tambem por si mesma, sobre as emergeneias ~ocaes.
, « Temos mantido 'esses livres principios no nosso
governo interno, e ao mesmo tempo amadurecido Uln
governo concenltado do Estado pará os interesses -geracs
do Reino. Foi nossa felicidade combinarmos o sys-
tema da distribuição local do poder em materias de

(1) o Imprrio da Allcmailha nunca pô,le tirar das suas forças lodo o
~artirlo possivel. Tocqueville dá, as sl'guiutes razões: - Porque a força
nacional .DuDra foi ahi ceDtralisada.-Porque o Estado Dunca pôde conseguir
que as suas leis gemes fossem obedecidas. - Porque as partes separadas
desse grande coqJO, sempre ·til'erllo ° direito ou a possibilidade de recu-
sarem o seu concurso á antoridade commum, ainda mesmo nas cousas
que interessarão todos os CidadãOS; por outras palavras, porque ufio havia
centralisação go\'croalllental. . .
A fraquela e as difficuldades em que 'se está vendo o [mperlO AlJstnaco,
prOI'élh principalmente da fraqueza do laço politico que coustitue a eCD-
tralisação governameDtal eutre esses Reinos, Ducados e Senhorios cltraDhos
uns aos outros pelas raças, pelos costumes, pellls religiões, e cujo incohe-
rente amalgama compõe o Imperio da Casa de Lorraine.
·· 0 estado <Iusi permaDente de anarchia em que tem vivido as Repnhlicas
Amcricanas de origcm Hespanhola, provém principalmente da uotavcl falta
de eCDtraJisacilo governameDtal que apreseDtão as ins~ituiçues que adoptárao.
Cada Chefe que empolga o Poder,' procura sUJlJlri·la por gol[leS de Estado,
e pela tyrannia militar. Dc outro modo njnguem se poderia aLli sustentar
sómente pcla execuçilo das leis.
(2) Póde-se lambem vcr Homersham Cox- The British Commoqwcalth,
or a coromentary on Ule instiLulions and principi es of British govcrament
Chapt. 35-l.ocal admini strativo goycrnm cn t,
- 224 --
j-mporlancia local, com o systcma da cenlratísarão do
poder em materias da }Jolitica da Realc.:a e da cousa·
ptt/~ica. Vimos na primeira parte d'esta nossa obra,
quão benefico tem sido o facto de termos tido um
l1nico Parlamento para toda a Inglaterra, e não Ássem-
bléas Legislativas com direito de impôr paFa cada Con--
daelo, ou para cada Provincia. O facto de haver sempre'
entre nós prevalecido o principio de governar-se a si
mesmo cada lugar, he, pelo menos, igualmente impor-
tante. A pratica da nossa nar-ão du.rante seculos, estabe-
lece a regrà, que exceptuadas as materias claramellte de
interesse directo geral e Real, a centralisação he inconsti-
tucional. » (1).

A falta de centralisaçiío administrativa na Inglaterra


he perfeitamente sllpprida, e nlio prejudica a unidade
nacional, porquanto possue em alto grão essa nação
<HlueUa unidade de que faUa Guizot, mais poderosa,
que fi que resulta da . centralisação 'administrativa, e'
que vem a ser a que nasce da semelhança ,dos ele-
mentos sociaes. Não ha nação na qual se enc.ontre
geralmente mais intelligencia collectiva, 'milis êspil'ilo
de associação, mais idéas e affeições communs; que
forme mais um corpo uniforme: que patenteie mais
semelhança em todas as cousas, na lingua, nos ha·
bitos, vestidos, habitações, alimentos, utensis, coslu-

(1) Não ha muito tempo passando Lord PnlmerstoD por Salford, em res-
posla a- uma II1l0cuçao que o respectivo l\In)"or (Presidente da Camnrôl
Municipal) lhe dil'igira, dizia: « O que particularmeute distingue o povo
da Inglaterra das nn~,õcs do continente he o systema de governo local
tno felizmente estabelecido, e que dirige os negocios, sem que o Poiler Exe-
cntivo tenha necessidade de iutervir, Os negocios, do povo sllo dirigidos
pelo mesmo povo, e por eonscguiote de si mesmo se devl)rá queixar se nao
csliver ialisreito. Vive porém satisfeito; os uçgocios são dirigidos vanllljosa-
IIIrnle para o l1aiz, e a r('put3~ão da In glatel'ra cresce cada dia eutro as
uações do Mundo,
- 225-
mes domesticas, em uma palavra que tenha mais es-
pirita nacional. Em nenhum paiz se encontrão tantos
objectos fabricados uniformemente, mais uniformidade
no systema dos Ganaes, estradas, &c. Conhece-se o
Inglez em toda a parte, e para toda a parte leva e
conserva, nas mais pequenas causas , os habitas tradi-
cionaes do seu paiz ('1 ).

As suas instituições e modo especial de administrar


tem uma simplicidade original que parecerá pueril aos
mestres de cavillação (2) ; tem um sainete , um certo

(1) « Il faut reconnaitre, diz Michel Chevalier, Lettrcs sur l'Amerique du


Nord, à rhonneur d.e la race an glaise, qu'elle es t plus que toutes Ics autres
imprcgnéo du sentiment du rcspect à la loi. Jl:lsqu'à ces dernicrs temps,
les Anglo-Americains se sont montrés sous cc rapport, ce qu'i1s sont sous
beaucoup d'autres, des Anglais renforcés . Il y a des peuples qui ne com-
prennent la loi que sous la fo rm e vivante, c'cst à dire qu'autant qu'elle
est personnifi ée dans un homme. I1s savcn t obéir à un chcf, i1s ne peu-
vent se faire à respecter une lettre mo rte. Avec eux la gloire et la pros-
perité de I'État dépend ent médiocrement de la qualité des lois, beaucoup
de la qualité dcs hommes chargés d 'cn être Ics interpretes. Chez eu x l'Em-
pire grandit et déchoit tour à tou r selon que le Souverain, quel qu'en soit
le titre, est un homme su périeur, ou nn personnage vulgaire. Tel paralt
être en général le caractere des nations asiatiques . L'Anglais elit moulé
sur \ln type tout dilférent. II lui coute pcu de s'incliner devant un texte;
il ne ,se prete que do mau vaise graco à s' incliner deva nt un homme. II
n'a pas besoin qu'un homme vicnne lui enjoi ndre J 'observer la loi, il
sait lui même, sans effort et d'instiuc.t, sy conformer. En un mot I'An-
glais a en lui le principe du seIf governmen t. Ceci fl\nd compte du succes
que ce systeme politique a cu aux Etats-Unis, ou la race anglaise 8'est
pleinement développée selon sa nature . »
(2) Póde se ver, por exem plo, no Munici pal Cor porati on Act, de 9 de
Setembro de 1835, que refundio e reformou a legislaçllo municipal da
Inglaterra, a simplicidade com que, por meio de poucas e succintas dispo-
siçóes, be regulada a eleiçãO dos officiacs, que li vre, e exclusivamente,
administra0 os municipios, e exercem, muito mais largamente, attribuiçoes
mais importantes do que os nossos Vereadores. O Town Clerk (equivale _
ao Secretario das nossas Camaras) faz a r elação dos habilitados para vota-
r em (S) 4 ,o), e perante elle são apresentadas as reclamações (S) 17). O Mayor
(equivale ao Presidente das n ossas Cnmaras) com dous assessores, rCI'/! a
lista, c toma conhecimento das reclamaçO es (S) 18) . Pódc admittir ou ex-
~Iuir do direito de votar, por via do juramento ou affirmaçllo de que o
individuo está ou nao nas circumstancias requeridas pela lei (S)S) 1.° e 21)
ficando o que jurar ou affirmar falso sujeito ás penas de perjurio. Com~
pare-se essa legislaçllo Ulo simples, tilo cheia de confiança na boa fé dos
executores, com a nossa tlio minuciosa, tllo suspeitosa, tllo cheia de cau-
telas, IÍS veLes inefficazes e inuteis e co,m essa enormissima massa de Avisos
tendentes a acautelar e a evitar fraudes e víoleneias sempre renascentes.
Todos sabem o que são as nossas elciÇi!es que cada parcialidade procura
11. 29
- 226-
cunho particular, que mal se accommoda e se torna-
ria perigoso e inapplicavel .á outras raças e á outra
educação que não tivessem o respeito ú lei e os sen-
timentos do justo _e do dever (1), sem os quaes as
instituições inglezas não produzirião os resultados que
todos admirão.

A sua legislação quasi que se limita a impÔr o dever,


e a escrever ao lado a pena que corresponde á sua vio-
lação, sem o longo e desconfiado aranzel de minuciosas
.cautelas para prevêr e evitar o abuso e a cavillação.

!s. organisação das Municipalidades na Inglaterra e


nos Estados-Unidos descansa sobre a idéa, á qual se
deu a maior expansão, de que cada um he o melhor
apreciador do que lhe diz respeito, e está mais em es-
tado de provêr.as suas Jaecessidades particulares.

Os Poderes administrativos na Inglaterra limitão-se


portanto ao que he indispensavel. á vida social admi-
nistrativa. Os Cidadãos por sí mesmos, ou por meio de
associações, cumprem uma grande parte dos deveres,
que. em outros paizes, estão confiados a íunccionarios
publicos .

vencer seja como r/lr. A luta consiste em privar do direito de votar OI


adversarios que o tem, e em Jazer votar os . nossos que o nno tem. Á.
victoria assim conseguida entra para o rol dos factos consummados.
Os arts. 100,101 e 102 do Codigo Penal impõem penas aos que impedem
o exerci cio do direito de votar; aos que us1l0 de solicitacOes com pro-
messas de recompensas ou ameaças; e aos que falsifiC1io listas ou actas,
mas quantas pessoas tem sido punidas por esses crimes; aliás tno repetidos
e vulgares? Ha tambem abusos em outros pai2:es, mas n1l0 sllo tlIo fre-
quentes, e tanto os Tribunacs- como o espirito publico 08 reprimem. No
andar em que vamos o quc serlIo as nossas eleições daqui a 3 ou 4 le-
sislaturas ?
(1) Estes sentimentos, segundo as cxpressões de Creasy, nascem - « not
rrom accidental idiosincracy of an individual ruler, but from the national
' pirit anil f rom the anccltrals habits of a whole people. »
- 227-
Referindo-se á França, Inglaterra e Estados-Unidos,
diz Vivien, Etudes administratives. « As differenças
dos systemas produzirão tambem as da legislação. 1..,
lei Ingleza e a Americana applicão-se a prevêr e a re-
gular todos os casos. Como são applicadas em geral
por agentes que não dependem do governo he neces·
surio que essas leis sejão precisas, imperativas, e ex-
pressas. Não chamão portanto nenhum poder secundario
para supprir as suas omissões e não deixão margem
á apreciação, por meio da razão, áquelles que as devem '
fazer executar (1). Esta execução he um ac.to de algum
modo mecanico, e o agente da administração he, para
assim dizer, um agp.nte cego chamado sómente para
lêr um texto, e segui-lo litteralmente. Basta-lhe, segundo
uma expressão de Montesquieu, ter olhos. Basta ao le-
gislador ligar uma pena a cada uma de suas prescripções
e ferir com ella aq.uelle, que, por incuria ou má von-
tade, a violou .
.« Ainda que a autoridade judicialimponha essa pena
nem por isso se enyolve em negocias administrativos;
porquanto he apenas chamada a lêr um texto da lei,
e a verifi~ar se foi observado, ou violado; o que per- _
tence ao oflieio doJuiz. Não pó de embaraçar uma admi-
nistração que já tem os braços atados, que não tem
livre arbitrio, e cujos deveres. estão escriptos e antici-
padamente marcados.

(1) NlIo ba portanto na Inglaterra esstl multidllo de Avisos ou Decislles do


Governo que existe entre nós, e por meio das quáes o mesmo Governo ex-
plica e interpreta todas as leis, dirigindo todas as autoridades ainda mesmo
as judiciarias. As leis Inglezas escriptas em estylo pesado e fastidioso, slIo
em extremo minuciosas, cheias de repetições para remover toda a amphi-
bologia, fogem dos termos geraes, e applicao-sc' a fixar bem os casos, e todas
as suas circumstancias. Não procedem por artigos seccos e pêcos dos quaes
se póde dizer com o nosso Tolentino:
« O estylo be sybillino, o nome he ode I
- 228
« Não he assim quando a lei, como na França (e e?
accrescentarei como no Brasil) satisfaz-se com promulgar
• alguns principios fundainentaes, em conferir poderes
geraes á administração, armando-a com certos direitos.
Então o administrador não he mais um executor servil
encerrado no rigor de um texto. Verdadeiro arbitro
goza de liberdade moral; deve appellar para a sua in-
telligencia" e interrogar o pensamento do legislador, com
° qual busca um fim commum, e cujo interprete he
tanto, quanto Ministro. Com este systema se ~ autori-
dade judicia.l fosse autorisada a annullar os actos dos
administradores . e a chama-los aos seus Tribunaes
poderia submelter a administração a uma fisca1isação
geral e i,Ilimitada, attrahi-Ia a si toda, feri-la de inercia,
~ fazê-la par~r no seu curso. »

Não he portanto de admirar que a Inglaterra e os


Estados-Unidos não proclamassem o p~i ncipio da se-
paração absoluta dos Poderes, e não tirassem 'd' elle,
para· a sua organisação administrativa, aquelles corol-
larios que tirárão a Frariça, e outros paizes que a imi-
tárão. No self govarnmenl o principio· da separação dos
Poderes não tem a importancia e alcance que tem
nos palzes onde a administração he quasi toda do
governo.
.
E por isso prescinde a Inglaterra de um Conselho
de Estado organisado como na França. Não tem neces-
sidade de um contencioso administrativo organisado e
'desenvolvido como na ,França. As garantias que essas
.instituições ahi dão estão na Inglaterra e nas Estados-
Unidos no sel{ government, na eleiçãO popular, e bons
resultados que apresentão.
- 220 ,-
Na França, como entre nós, o governo administra
quasi tudo. São portanto ahi indispensaveis instituições
que o illuminem na sua marcha, e offereção garantias
aos administrados. O seu systema administrativo he
perfeitamente logico, e não deixa de ter grandes van~
tagens.

O governo Inglez governa e apenas administra alguns


ramos geraes . O mais move-se sómente por si na esphera
administrativa, sem a impulsão do mesmo governo e
sem lhe servir de estorvo, antes auxiliando-o. As
autoridades administrativas não se prevalecem da sua
independencia para invadirem a orbita politica em que
syr~ o governo, e para fazerem-lhe uma ' guerrazinha
acintosa de alfinetadas. Lá estão a eleição, a tribuna,
a imprensa e um poderoso espirito publico para conter
e corrigir os desmandos governamentaes.

A legislação Ingleza e Americana parte em geral do


seguinte principio - Deixar toda a liberdade e punir o
abuso. Por isso he pouco regulamentar, e no seu meca·
nismo administrativo he mola essencial o Poder Judicial.

A Franceza parte em, geral dõ principit> opposto.


Regular para prevenir que o abuso se dê, removê-lo
antes que appareça. Por isso- he muito regularmentar,
e o Poder Judicial reduz-se em geral a julgar questões
privadas e criminaes.

Em these he ,preCerivel o primeiro principio. Em


paizes porém onde se tem arraigado o habito da impu-
nidade, não póde produzir senão males e augmentar
mais a desmoralisação.
- 230-
Quando se tI'ala de applicar, a melhor theoria hi
aqueUa que pó de ser applicavel e pratica.

Para tornar o que fica exposto ma.is cla.ro e com..


prehensivel lancemos uma rapida' olhada sobre algumas
instituições administrativas Inglezas, e vejamos como
n' elIas funcciona o sel( government.

A Inglaterra sómente conhece as seguinte~ divisões


territoriaes - County - Hundred ~ Borough--.Parish.

County que he -synonimo de Shire.....;; Condado.


DlsLrictos territoriaes em que o Reino da Inglaterra
está dividido, para seu melhor governo, e mais facil
administração da Justiça. Não ha lugar algum que
não faça parte de um Condado. A La autoridade de
um Condado he o Sheriff. Ha 40 Condados na.Inglaterra
e 12 em GaUes (1) .

l/undred. Subdi"isão do Condado, muito antiga, e


que se compõe de 10 tithings (o tithing forma· se de
10 familias) e portanto de 100 familias.

Borough.-Corporate Town.-Villa incorporada, que


não he Cidade (CÍÍy) e manda membros ao Parlamento.

Parish. - Parochia, cuja extensão he muito desigual.

Os principaes objectos do governo local na Ingla-


terra são a manutenção dos pobres, a policia local,
a conservação da tranquillidade
,
publica, a construcção,

(1) Cabinet lawyer .- ,'crb" Counly.


231 -
calçamento, illuminação das estradas e ruas, o reparo
das pontes, regulação dos mercados, e dos carros de
aluguel, o estabelecimento e execução de medidas para
a preservação da saude e conveniencia publica.

As sommas necessarias para esses fins são havidas


por meio de imposições locaes. Cada pessoa. que não
he isenta, por extrema pobreza, he imposta (rated)
em proporção de sua posiÇãO e bens que possue (1).

As autoridades principaes, para o governo adminis-


trativo do Condado, são, além do Sheriíf, o Lord
Tenente (Lord Lieutenant), as Justiças de Paz e os
Coroners. Sómente estes ultimos são de eleição po-
pular.

Os negocios dos Hundreds são dirigidos pelas Justiças


de Paz; os dos Boroughs pelas corporações Municipaes ;
os das Parochias pelos constables, churchwardens, pelos
overseers, pelos Surveyors of high ways, e, onde oba,
pelo Vestry.

Os Lords Tenentes são officiaes honorarios, perma-


nentes, nomeados pela CorÔa, que podem ser por ella
demittidos, mas que ordinariamente se1'vem por toda a vida.

São os orgãos das communicações entre o Governo


Executivo central e a ~lagistratura local sobre assumptos

(1) « The sum required for rate is cstimnted, and each liable person ia
. cnlled upon to pay his portion; when yon bear, therefore, of li poor; or
any other rate or one shilling in the pound, it means that for every pound
at which a person is rated, according to the "alue or his house "r pro-
perty, he has to pay that sumo li
Fopblanque.- How we are govorned.
- 232 -

de tranquillidade publica. A sua autoridade cornprehende


especiCllmente a rnilicia local, cujos oflicÍaes nomêa, e a
Yeomanry ( milicia nacional).

o Sheriff, antigamente eleito pelo povo, hoje annuuL


mmte nomeado pela Corôa d' entre as pessoas escolhidas
pelos Juizes que presidem o Jury, he a primeira peSsoa
do Condado, e tem attribuições r.elativas ás eleições
para o Parlamento; preside á eleição dos Coroners e
executa as sentenças civeis e crimes dos Tribunaes.
He encarregado da manutenção da tranquillidade pu-
blica; p6de prender os que a perturbão, e ordenar, de-
baixo da pena de prisão e multa, a qualquer que tenhB:
mais de 15 annos de idade, que o siga para esse fim
e para defender o paiz contra o inimigo. Na quali-
dade de Bailiff do Rei he guarda dos direitos da Corôa,
e tem attribuições fiscaes. Superintende os carcereiros.

He portanto uma autoridade mui diversa, e muito


mais restricta do que os nossos Presidentes e os Pre-
feitos Francezes. O Condado não tem semelhança com
as nossas Provincias e com os Departamentos Francezes.
O Sheriff percebe emolumentos pelos aetos que pratica.

Por carta de privilegio, os Sheriffs de Londres e "Míd-


dlesex são eleitos pela Cidade. O que não serve o cargo
paga a multa de 600 libras, excepto se jurar que não
possue 15 mil libras.

Os Juizes de Paz são nomeados pela Rainha, ou por


commissão a pedido do Lord Chanceller.
Para ser J ui~ de Paz he preciso ter uma propriedade
que renda 100 libras por annoJivres, ou a immediata
- 233-
reversão de rendas reservadas lia importancia de 30Q,
libras. Se o nomeado entrar em exercicio sem essa qua-
lificação incorre na multa de 100 libras (1).

Podem ser demittidos por máo procedimento, por


não residencia no Condado, ou por haverem perdido
as condições de qualificação .

Os seus poderes dependem da sua commissão e dos


differentes Estatutos que creárão objectos de sua juris-
dicç_ão. Suas attribuições tem sido ultimamente muito
augmentadas por aclos do Parlamento, principalmente
quando formão as suas sessões.

. As Justiças de paz do Condado reunem-se quatro


vezes por anno em sessões geraes denominadas - Ge-
neral and- Quarter sessions.

Não sómente exercem attribuições judiciaes, mas tam-


bem administrativas e de policia preventiva.
Incumbe-lhes a conservação da paz e tranquillidadc
publica; regular as cadeias e casas de correcção; dar
liceriças a casas pub.licas·; proceder no caso de violação
das leis relativas a vagabundos e casas de jogo. In-
cumbe-lhes tambem, em sessão, o lançamento e appli-
cação das imposições (rates) das Paro chias do Condado,
applicadas á manutenção da policia, ao pagamento dos
emolumentos dos Coroners, do reparo das pontes do
Condado, e estra~as adjacentes, &c. Nomeão os T.hesou-

{IJ Para os cargos de Sberill' e Juiz de Paz são sempre nomeadas pessoas
qualificadas. e por isso, como obserfa 'Odilon Barrot, De la ccntrahsalion ,
quasi nllo ha membro do Parlamento que nfio seja Shcrill' ou Juiz de Paz
no seu Condado.
11. 30
- 234-
reiros dos Condados e divisões dos Condados' encarre-
gados de receberem aquellas imposições, e publicão
as contas das despezas nos jornaes do mesmo Con-
dado.

Áquellas sessões assistem todas as Justiças do Con-


dado, o Sheriff, o Coroner, os Constables dos Hundreds,
os Baillifs, e os Carcereiros para levarem e receberem
presos.

Além dessas sessões geraes ha outras especiaes para


se tratar de negocios particulares a cada districlo ou
divisão de Condado.

Os Coroners são officiaes vitalicios nomeados pelos


freeholders. Podem com tudo ser reJIlovidos por inca-
pacidade e máo proceder. O seu numero não he fixo.
Em alguns Condados ha seis, em outros menos.
O seu principal encargo he inquirir sobre os casos
de qualquer morte violenta e não natural, proceder
a corpo de delido e prender o culpado.

He este, muito em geral, o modo pelo qual he admi-


nistrado o Condado, independentemente de tutella e
ingerencia direcla do Governo central, e por autori-
dades que accumulão funcções judiciaes e adminis.-
trativas (1). ,

Vejamos agora, tambem muito por aUo, como são


administradas as divisões do. Condado . .

(1) P6de ver-se para mais amplo esclarecimento, Tbc Britisb Common"ealth,
by Homersbam Cox - Cabinet lawyer. - Fonblanque How we are gover-
nad .- Creasy - The' ri~c and progress or the English Constitution.
- 235 -
A Inglaterra reformou e refundio ha 26 annos, a'
iua legislação municipal (1), pelo acto do ParlamentQ
de 9 de Setembro de 1835, conhecido pela denomi-
nação de - Municipal Corporation Act-, o qual consta
de 143 artigos' e foi depois emendado, pelo-Muni-
cipal Act amendement Act - de 17 de Julho de 183'1.
Com excepção da de Londres, são as Municipalidaaes
Inglezas regidas por' eSsa legislação,
, -

Feita a qualificação dos burges'ses ( eleitores de bo-


rough) procede-se á. eleição do numero de Conselheiros
Municipaes, marcado para o borough, os quaes são
renovados, por um terçp cada anno. Estes Conselheiros
elegem d'entre si, ou d'enlre as pessoas qualificadas
para Conselheiros, os Aldermen"cujo numero he o do
terço dos mesmos Conselheiros e servem por 6 annos.
A metade dos Alde:(men he renovada de tres em tres
_ annos, mas p6dem ser reeleitos.

Aquelles Conselheiros e os Aldermen formA0 o Town


Council ( o Conselho da villa) e elegem d' entre si a
pessoa -que julgão mais propria para Mayor; que he
o seu Presidente. O Mayor serve um anno, mas p6de
ser reeleito.

Procedem mais os Eleitores do borough, em cada


anno, á eleição de duas pessoas qualificadas para Con-
selheiros, que sirvão de Auditores, e de outras duas
para Assessores .

... (1) No anno de 183j foi nomeada uma commissllo Real de inquerito sobre
, o estado das Municipalidades, e concluindo-se desse exame que essas cor-
poratOes tinMo degenerado em uma grande insufficiencia e corrup~o, ro~
adoptado o acto de rerorma ac!nn eitado.
- 236-
-
( lncumbé "aos Auditores o exame" das contas e des-
peza do Conselho.

Incumbe aos Assessores revel' com o Mayor as quali-


ficações para votantes na eleição.

Os individuos nomeados Conselheiros, Aldermen,


Mayor, Auditores e Assessores, são obri,gados a accei-
tarem esses cargos sob pena de ~ulta,

o Mayor preside o Conselho, e he com os officiaes


cor:p.petentes o seu Executivo. Preside a eleição dos
COIise)heiros e he Juiz de Paz em quanto exerce o
cargo de 1\iayor e no anno seguia te, Revê com os
Ass"essores as qualificações de votantes para as eleições .'

As funcções dos Aldermen pouco differem das dos


Conselheiros, excepto , em alguns casos, nos quaes
podem servir de Mayor, e superintender as eleições dos
Co.nselheiros, -

Os Conselhos das villas tomão todas aquellas deli..,


. . -
beracões, e exercem as funccões administrativas in~
cumbidas a essas Corporações. Nomeão os officiaes.
1\Iunicip~es, e podem encarregar certos assumptos a
I

cõmmissões geraes e especiaes; porém os actós d'essas


eommissões devem ser sujeitos á sua approvação. No-'
meao o Watch commiUce (Commissão de vigilancia),
presidida pelo ~Iayor, para regular a policia local, ~
o numero sufficiente de Constables. Pod~m tomar certas
deliberações para a suppressão de actos nocivos, por
meio de Estàtutos ou Regulamentos sujeitos á appro-
váçã0 ·do Secretario de E~tado.
- 237

o Conselho lambem fiscali a os funuos do borough


c póde estabelecer fintas (rates) para occorrer ás des-
pezas necessarias (1) e provêr á acquisiç.ãO dos edificios
e terrenos precisos para hospicios de alienados, prisões
e casas de correcção (2). As Bibliothecas publicas e
Museos de artes estão debaixo da sua inspecção.

Quando os boroughs são divididos em wards (sub-


divisão do Municipio) cada um desses wards elege se-
paradamente o numero de Conselheiros que lhe toca,
bem como de auditores e assessores.

o Watchcommittee (Commissão de vigiiancia) do


Conselho Uunicipal, nomêa um numero .sufficiente de

(1) A nossa lei das Camaras deu-lhes vagamente urna infinidade de al -


tribuições importantes (farão isto, farão aquillo. furão aquill'OtlLro), sem
lhes dar ao mesmo tempo uma orgauisaCão eOlclIz e vi gorosa e meios parll
leva-Ias a errei to, como ém outro lugar veremos. Os arti gos que se rcferelll
a reudas são os mais chuchos e pêcos da lei. Procedeu com as Camaras
Municipaes o legislador como o bom do Morgado de Nicoláo Tolentino que
« Aturde a moça boçal
« Com cem Quintas, cem commendas,
« E armando um mappa geral
« Das suas immensas rendas,
~( Vai-se sem lhe dar rea I.
Os Jnglezes e Americanos silo' mais positivos. Quando incumbem uma
cousa düo os meios para a conseguir.
. As nossas Camaras Munici.paes estão extremamente peadas. Compondo-se
a sua receita em geral de alguns magros impostos, cujo producto em alguns
lugares mal cobre a despeza com o pessoal indispensavel, não podem lançar
a mais pequena finta para tal ou tal melhoramento local, nem faz er a mais
pequena despeza, ainda mesmo de natureza obrigatoria, sem a morosa au-
tor~sação das Assembl éas Provinciaes, as qllaes absorvidas ~m ~S S ~tnlptOS
maoJOres, polilicos e parlamentares pouco curão de taes mlnuclosldades.
Quando se trata de Orçamentos Muni cipaes estão os bancos desertos.
O Co digo administratiro Portuguez regulou muito melhor este assumpto
do que está regulado entre n6s, dando muito mais acção e largueza á~ ~a­
maras. Não anticipemos porém o desenvolvimeo.to que este assumpto eXige,
e ba de ter em outro lugar. ,
(2) P6de-se vêr o-Municipal rates act-7WiII, &c. 1 Vie~. Capo 81 ~()
17 de Julho de 1837 intitulado.-Au act to provide for lhe levylDg ofrates 111
boroughs and towns having municipais corporaLions, in En:;land and Wales.
- 19ualmef,1,Le- o Prisons act 5 e 6 Vict. Capo 98 intitulado - Au ~ct to
amend Lhe laws concerning prisoos, de 10 de Agosto de t842, em vll'tude
do qun,J podem os Conselhos dos boronghs cootrahir cmpres timos ou lanear
fintas (gaol rates para a construcç1io de prisões, & C.
238
Constables para as Parochias. Incumbe aos -Constables
manter o spcego e paz de dia e n(Jite; prevenir o roubo e
outros crimes; prender os que orrendem as l(~is; coadju-
var os encarregados da cobrança dos impostos de consu-
mo; executar os mandados dos impostos dos Coroners, e
das Justiças de Paz, &c. Para o cumprimento de seus
deveres podem chamar em seu auxilio as pessoas que en-
contrão, ou seus vizinhos, e são essas pessoas ohrigadas a
auxilia-los, sob pena de multa ou prisão. São mui poucas
8S causas que escusão de servir o cargo de Constable.

Os Churchwardens são eleitos annualmente nas Pa-


rochias e tem a seu cargo a Igreja c a inspecção do
procedimellto dos Parochianos, pelo que diz respeito li
censura e j urisdicção Ecclesiastica.

Os Ovel'seers são nomeados pejas Paroehias e tem


a seu cargo levantar as fintas ou imposições (rates)
necessarias para soccorrer os pobres, cégos, aleija-
dos, ·&c. que não podem trabalhar. Incumbe-lhes pÔr
em aprendizagem os meninos pobres e procurar tra-
balho para aquelles, cujos pais não os podem sustentar.

Cada Paro chia he obrigada a conservar as estradas


que passão por ella em bom est.ado. Para'esse fim pro-
cedem annualmente á nomeação de -Surveyors of lhe
highway (Inspectores de estradas). Devem possuir uma
propriedade que renda annualmente 10 libras, ou que
tenha o valor de 100. Os que recus~o servir esse cargo
incorrem em uma multa de .20 libras.

Taes são as feições mais geraes da administração local


do Condado e suas divisões na Inglaterra, e o modo
- 239-
pelo qual, sem o impulso central, ie administriio, desde
tempos immemoriaes os seus habitantes, e de um modo
que não prejudica o mais levemente a centralisação po-
lítica e governamental.
Não he possivel entrar aqui em desenvolvimentos
mais minuciosos, aliás convenientes para a perfeita
comprehensão da materia; seria preciso para isso um
Tratado especial. O que fica dito porém me parece
sufficiente para o fim que tenho em vista.

Passemos aos Estados-Unidos.

- Os emigrantes Inglezes que fundárão os Estados-


Unidos levárão comsigo o espirito dessas instituições,
a educação e os habitos necessarios para as manejar.
Nascidos como observa .Tocqueville, em um p·aiz por
seculos agitado pela luta dos partidos, e onde as facções
se tinhão visto obrigadas, cada uma por sua vez, a
collocarem-se debaixo da prútecção das leis, havia a
sJ.la educação política sido feita nessa aspera escola, e
existião derramadas entre elles mais noções de direito
e mais principios de verdadeira liberdade do que na
maior parte das nações da Europa. Na época das pri-
meiras emigrações, o governo municipal, germen fe-
cundo das instituições livres, já estava profundamente
arraigado nos habitos ing]ezes e com elle o dogma da
Soberania do povo se havia introduzido mesmo no seio
da Monarchia dos Tudors.

Estava-se então, prosegue Tocqueville (1), no meio das.

(~) De la Democratie en Amerique, um dos livros mais profundos e me-


lhores que conheço. Sir Robcrt Pcel o apontava cmphaLicamcnLe, como
um livro digno do estudo de um ESt.ldisLa Inglez. Vide Lambem Histoire
politique des Etats-Unis por Laboulaye - Story Commentaries. 1.0 vol. His·
tQries af the Colonics.
240 -.
disputas religiosas que agitavão o mundo christão. A
Inglaterra tinha-se -precipitado nellas com uma especie
de furor. O caracter de seus habitantes que tinha sido
sempre pensador e gra,:c havia-se tornado austero e
àrgumentador ..A instruc'ção havia-se augmentado muito
nessas lutas intellectuaes ; os espíritos tinhão recebido
uma cultura mais profunda e eminentemente religiosa.
Os costum~s havião-se tornado mais puros. Todas essas
feições geraes da nação se encontravão nas physionomias
daquelles de seus filhos ' que ião buscar um novo porvir
do outro lado do Oceano.
. ({ As Colonias que para ahi se dirigião continhão o
germen de uma completa democracia. Os em:igrantes
erão quasi todos sahidos das ,classes médias, e não
tinhão idéas de superioridad~ uns sobre os outros. Ha-
via proporcionalmente uma massa maior de luzes der-
ramada entre esses homens do que no seio de qualquer
nação Européa. Levavão comsigo e$ses emigrantes é!Q.mi-
raveis elementos de ordem e moralidade (l). Seguião
para o deserto acompanhados de suas mulheres e seus
filhos. Não era a necessidade que os obrigava a aban~
donar o seu paiz, no qual deixavão uma posição social
desejavel, e meios sufficientes de vida. Arrancavão-se
ás doçuras da patria para obedecerem a uma néces-
sidade puramente intellectual. Querião fazer triumphar
uma idéa. »

Os emigrados, os que se denominavão a si mesmos


peregrinos ( pilgrims ), pertencião a essa seita de Ingla-

(I) !t Lcs peuples se ressentent toujou,'s de leur origine, Les circonstanccs


qui ont accompagné leur naissance et servi à leur déyelloppement inOuent
SUl' lout le reste de lem carriere. T:ocqulwi 110.
21, L

terra denominada, pela austeridade de s-eus princípios,


-puritana-o O puritanismo não era sóÍnente uma
doutrina religiosa, confundia-se, a muitos respeitos,
com as doutrinas democraticas e republicanas as mais
absolutas e-era essa a causa pela qual tinha tão perigosos
adversarios. Perseguidos pelo governo da ~lãi Patria,
feridos no rigor de seus principios pela marcha diada
da sociedade em c_ujo seio vivião, buscavão os -Puri-
tanos uma terra tão barbara, tão abandonada de todos, \
para que lhes fosse permittido viver n'ella a seu modo,
e orar a Deus em liberdade.

Os difl'erentes Estados da União Americana vivião


isolados uns dos outros, debaixo do governo colonial,
e tinha cada um delles o seu governo separado. Adqui-
rindo pela Independencia a sua soberania individual
não consentÍrão que fosse absorvida na collectiva da
União. Essas soberanias coexistem sem confundirem-
se, é l1ãQ he filcil determinar com exactidão onde acaba
uma e começa a outra. Cada Estado governa-se por
si mesmo no seu interior. Tem sua ConstituiçãO, suas
leis, seus Magistrados. Vota e administra os impostos
cnmo lhe aprazo He sómente obrigado a .observar alguns
prÍncípios geraes de líberdade individual, e de Direito
publico insertos na Constituiçao federal (1).

Quasi o mesmo se póde dizer da Municipalidade.

Grande parte dessas Colonias redigio um contracto


soéial (2) governando-se a si mesmas, constituindo-se

(1) Michel Chevalier - Leltres sur l'Amerique du Nord.


(2) Tocquevillc traz o theor de um desses contractos que aqui yOlI transA
crcver - « Nous, doot les noms sllircnt, qui, pour la Illoirc de Dicu, je
H. 31
- 212-
depois em ~lunicipalidades. Os emigrantes, sem negarem,
a supremaziá da l\Ietropole, não forão buscm' nella a
fonte dos -seus poderes. Sómente depois que a sua
existencia se tornou um facto consummado, he que
obtiverão Cartas Regias, as quaes legalisárão, em relação
á Metropole, aquella existencia.

Assim o primeiro governo que liverão foi o Muni-


cipal, na maior extensão possivel, sem hiel'archia, sem
tutella, e sem sujeição alguma fi um centro.

Quando os Rei~ de Inglaterra chamárão á sua su-


jeiçãO, como colonias, os Estados hoje da União, satis-
fizerão-se com o Poder Central. .As ~Iunicipalidades
continuárão a governar-se a si mesmas.

Quando forão creados o Condado e o Estado achárão


já existente essa vigorosa ol'ganisação municipal, de
posse de, amplissimos direitos e atlribuições (1).

Vejamos agora, rapidamente, qual a organisação


administrativa que resultou do que fica exposto, ' e
como os Americanos do Norte se govcrnão a si mesmos.

dévelloppelllent de la foi chrétielllle et I'honneur de nolre palrie, avons


enlrepris d'établir la prémiere colonie sur ces rivages rec.ulés, nous conve-
nons daus ces présenlcs, par consentement Illutnel et soleOlllel, et devant
Dieu, de nous former en corps de socielé polili(!IHl, dnns le buL de nous
gouverner, ct de lravniller à I'accomplissement de nos desscins; et en
vcrlu de cc contl'at, nous convenons de pror;nulgner dcslois, aetes, ordon-
llnuccs e.t d'instiluer selon les besoins des magislrats aux quels nous pro-
mettons soümissioll et obéissance. )) .
(1) « Chez la plupart des uations Européenucs (e no Brasil lambem)
l'existeuce poli tique n comlllencé dans lcs regions supérieures de la societé,
ct s'est eommullIquée peu a pen, et · toujours d'une maniere incomplete,
aux diverses pnrties du corps social. En Amerique (Estados-Unidos) au
contrair(', on pe\l~ dire QUO In commuue a été organiséo avant le eomlé,
le Comté avant l'Elat, l'Etat avant I'Uuion. II Tocquevillc.
- 243-
Tomárão como fonte e ponto de partida as insti-
tuições inglezas que alargárão e democratisárão mais.

o segundo dos artigos da Confederação de 9 de


Julho de 1778 diz - «Cada Estado conserva a sua
soberania, liberdade e independencia, e todo o poder
- jurisdicção e direito que não he por este acto de confe-
deração expressamente delegado aos Estados-Unidos
reunid os em Corrgresso. »

As attribuições do Poder central forão marcadas


naquelle acto, e na Constituição federal. Todas as que
não estão ahi comprehendidas ficárão reservadas aos
Estados (1).

Como não emprehendi um trabalho propriamente


político, . mas sim administrativo, limitar-me-hei a
observar que, com a sua soberania e independencia,
conservárão os Estados poderes amplíssimos, con-
cedendo sómente a Constituição federal ao Poder
central os poderes julgados absolutamente indispensaveis
para gerir interesses muito e muito gemes a todos os
Estados.

Assim cada , Estadó decreta a sua- Constituição espe-


cial, emenda-a quando quer, tem sua legislatura com-
- posta de duas Camaras, Assembléa e Senado. um
Governador e Secretario do Estado electivos, organisa a
sua administração interior, quer judicial, quer adminis-
trativa, faz a sua legislação civil, criminal e de processo

(1) o nosso neto addieional procedeu na razão inversa, felizmente. Mar-


cou as attribuiç03S das Assembléas Provineiaes. Todas nquellos que Da!)
t onfere a essas Corporações fieárlio reservadas ao l' oder Geral •


244 -
legisla sobre impostos, eleições, Bancos, Uníversida-
des &c., &c.

A legislação de cada Estado sobre -estes e outros as-


sumptos, se bem que com feições geraes, porque pre-
sidirão os mesmos principios á sua formação, diversifica
comtudo mais ou menos.

Nos Estados da Nova Inglaterra a vida municipal


he mais activa e desenvolvida. A' medida que se desce
para o meio dia torna-se menos; a Municipalidade tem
menos magistrados, menos direitos e deveres, e a po-
pulação uma influencia menos .directa sobre os ne~
gOClOS.

, Não sendo, possivel, ainda que por alto, mencionar


a legislação de tantos Estados, referir-me-hei, para dar
uma idéa geral, á-do Estado de Nova York, sem du-
vida um dos melhor organisados, e talvez aquelle em
que ha menos decentralisação (1).

. Nos Estl\dos que compõem a União Americana acha-se


a vida politicae ~dministrativa concéntradaem tres fócos
de acção; a Municipalidade (Township), o Condado
{ County ) e o Estado . .

A Municipalidade representa um papel importan-


tissimo, pela sua independencia. e extensão de seus
pôderes. He Soberana naquillo que lhe he especialmente
relativo.

-(1) P6de ver-se -'Ilhe Revised Statutcs or tho State or Now York. 5. a
edição 1850. - .


-Os Cidadãos dos differentes Municipios do Estado
qualificados para votar, formão cada anno reuniões
(me-etings) para elegerem um supervisor (Inspeclor), um
Town Clerk (S~cretario), tres assessores, um co11eclor, um
ou ;dous overseers (administradores dalaxa dos pobres),
um até Jres commissarios de estradas ( commissioners
of high ways) , até cinco constables (l) um aferidor ~
de pesos e medidas ( Town sealer of weights and
measures) e tantos overseers of high ways (fiscaes e
inspectores de estradas), quantos süo os t1istrictos em
que está dividido o municipio.

Naquellas mesmas reunioes annuaes ( meetings) de-


cidem os votantes quantos ovér3cers dos pobres, c
quantos commissarios das estradas deve haver. Servem
por um anno. •

Os individuos eleitos Supúvisors, Secretarios, Asses-


sores, 'Commissarios das estradas, e overseeI:s dos pobres
que recusão servir, incorrem na multa de QO dollars.
Os que recusão servir os cargos de overseers' of high
ways e de aferidores de pesos e medidas, incorrem na
multa de 10 dollars (2).

_ Ao Supervisor incumbe receber os dinheiros da Mu-


nicipalidade e fazer os págamentos ; promover perante

(1) Sobre a eleição e qualificações destes Olliciacs Municipaes (Town ollicers)


vide-Revised Statutes ofNew York vol. 1.0 Chap. 11 Tit. 2 article first- 01
the election o f Town officers - arliclc second - of the qualifications ofTown
ollicel's, and the tenure ar their offices.
(2) E accrescenta a lei - Nenhum Quaker ou reputado Quaker, eleito para
o cargo de assessor, será sujeita a tal pena, se affirmar dentro de tres dias.
contados daquelle em qne receber a noticia da sua eleição, que elle tem es-
cru pulos de consciencia sobre a elecuçllo dos deveres do dito cargo.
24.6
a Justiça o das multas,. e he encarregad0 das cO[ltas
das ' despezas que presta perante os Juizes de Paz.
Os Supervisors das differentes cidades e villas de cada
Condado reunem-se annualmente, e formão o Board
of Supervisors ( M~sa ou Conselho dos Inspectores), ao.
qual a lei confere altribuições importantes, relativas ás
contas de cada Condado, ao levantamento de dinheiro '
para estradas e pontes, á nomeação de commissarios
especiaes pagos para estradas, á compra de terras, e
construcção de edifi<úos para 9S pobres, &c. Não me
he possivel expôr, ainda resumidamente, todas essas
attribuições, e desenvolver o seu jogo, porque isso me
levaria mui longe (I).

Os Assessores procedem ao lançamento das taxas ou


impostos, bem como ás operações para isso necessarias.

Quando ha reclamações contra o lançamento os As-


sessores procedam a novo exame, e deferem juramento
ao reclamante que incorre na pena de' perjurio, se jurar
falso.

Os ColleGlores são encarregados da cobrança das


taxas ou impostos, á vista das listas e mandados (War-
rants), que lhes são remeltidos.

Nos Estados-Unidos he o Collector das Municipali-


dades quem cobra as rendas do Estado. Na França
he o Collector do Thesouro Geral quem cobra as r~nd&s
,das Municipalidades .

. (1) Vide Reviscd Slatutes orNe,," York- '01.1 Chap. J2 Til. !l-article
firsl- of lhe. Doard of SupllrviiOrs.
- 24i -
Aús Overseers of poor, administradores da taxa dos
pobres, incumbe distribuir-lhes .soccorros, collocar os
meninos pobres nos asylos de orphãos, procurar-lhes
trabalho, & c. e cobrar as taxas applicadas áquelles soc- _
corros. A sua jurisdicção tambem se extende aos alie-
nados, aos que vivem em embriaguez permanente,
aos rIXOSOS, e aos filhos bastardos cujos pais 'estão
ausentes, &c.

Pertence aos Commissioners of high ways, commissa-


rios das estradas, o cuidado e superintendencia das
mesmas e das pontes que n'ellas se acharem; dar as
oruens e as instrucçoes precisas para seu reparo, regular
e alterar o que convier, dividir as mesmas estradas ,
e pontes em districtos; designar em cada um d'elles
os habitantes sujeitos a trabalharem nas estradas;
exigir dos overseers of high ways, de tempos fi tempos
q!le notifiquem as pessoas ás quaes incumbe o trabalho
dos reparos, &c.

Os overseers of high ways, fiscaes ou Inspectores


das estradas, são ubrigad0s a fazerem reparar e con-
servar em bom estado as mesmas estràdas dentro dos
Distridos, e, quando Ih' o exigir o Commissionario,
a notificai' as pessoas a quem incumbe o trabalh<;>
dos reparos (1 ).

(1) Vide Re"ised Slalutes or New- Yor~ vol. 2 Chapt. I~ - or high ways
bridges, &c Commissioners or higb WilyS -Asscssl11ent of I1lgh ways labor-
Performance of high ways, &c. I-Ia ahi muito que "prender.
He de ver o cuidado que merece a essa legislação (Jr~v!d~nte" minuciosa
e pratica, o reparo e a.conservação das es.tradas oos MoulclplOs .. ESlabel~cell
para isso autofldadcs slDgul~r~s, e especlaes e d eu-lhes ~s mClos precIsos.
A no~sa lei das Camaras MUDlClpaes encarregou esse negocIo a toda a eamara
collectivamente, nno indicou meios al goos, contenlando-se com dizer, art.
66 ~ ti. O - ProveráO por snas posturas - sobre cooslrncção, reparo e conser-
va~ão das estradas, caminhos, planta ção de arvores para presel'\'JIçilo de
- 2-18 - -

Os Conslables (equivalem a olliciaes de Justiça)


preslúo juramenlo e fiança, e são encarregados da exe-
cucúo de mandados da Justiça, prendem os crimiIlOsos
e ~agabundos c são sujeitos a multas no 'caso de
negligencia.

O Supervisor, o Town Clerk, os Assessors, os Over-


seers of lhe poor, percebem vencimentos.

Um dos ramos ao qual mais se applica a Legislaçuo


Americana he ~quel1e que diz respeito á creação c
manutenção das Escolas. Parece que tomou principal-
menle a peito Ilfugentar dous dos maiores males que
podem afTIigir um paiz a ignorancla e a pobreza,
promovendo a instrucção c o trabalho.

Pelo que respeita á instrucção publica adtnitte,hoje


a legislaçãO do Estado de Nova York alguma ccnlra-
1i~ação P. hierarchia. As Escolas estão divididas em ·dis-
trictos, debaixQ da inspecção dos School Commissioners
eleitos pelo Board of Supervisors (1). O Condado tem
lambem um School CommisS'ioner, igualmente nomeado
pelo dito Board. Finalment.e o Estado tem um Supe ,
rintendenle da instrucção publica nomeado pelo Senado
e pela Assembléa. Este funceionario não he portanto
eleito din'ctamente pelo povo .

seus limites, e commodirlade dos viajantes, e das que fOI'em uteis para
a sustCllt8Çllo dos ~omcns e dos animaes, ou sirvão para a fabrica ção da
polvora e outros obJectos de defeza -. E quasi todos os MUllicipios, senão
todos, ainda estão, desde 1828, no - proverãú - isto /te no futuro. Bem
aviados estariamos, se, dada a necessidade de defezá, tivessemos de defen-
der-nos com a polvora feita das arvores que aquella lei manda plantar I
(1) Antes, na eleitão dos Official's Municipacs, cada Muoicipio elegia um
Town Superiotendent of common Schools, Superintendente das Escolai
publicas do Municipio. Essa Ic gi sla~ão foi revognda.
- 24.9 -
- Comluclo em cada Districlo das· Escolas, reunem-se
nnnualmente, em meeting, os seus habitantes que tem
direito de votar, e nomeão um Presidente, um Se-
cretario, um até tres Truslees, um Collector do. Districto .
escolar e um bibliothecario; marcão o lugar para a
escola do Districto, e lanção as taxas que lhes parecem
sufficientes para a construcção ou aluguel de uma casa
para a escola e .para sua manutenção.

Aos Trustees ( administradores, guardas), pertence


convocar meetings quando seja necessario, formar as
listas dos que devem concorrer com a taxa, promover
por meio do CoUector a sua cobrança, contraçtar, pagar
os mestres, &c. (1).

Os diversos funccionarios dos quaes me tenho occu-


pado, n110 formão uma corporação como as nossas Ca-
maras Municipqes, cada um administra singularmente
o ramo que lhe incumbe.

São propriamente executores. As reuniões annua(J-


dos votantes (meetings) são as que deliberão.

(1) Vi u. Reviseu Statulçs of Slale of New-York, " 01. 2, Chnpt. 15,


Tit. 2, Ar t. 5. Sc hoo l Commissioners-School district mcelings. - Duties
of Trustees.
o Americano paga bem as Í<IXUS quc assim impõc a si mesmo, para a
satisfação das necessidades e melhoramentos da sua localidade, conside-
ra nd o-as mais como uma jusla cotisação do quc como um veruadeiro
inlpo sto . Quem goza no lu ga r he quem paga, e os que promovem o lnn-
çame nto da taxa· uão se despopularisão por isso. He portanto de crer
que o produ cto seja bem applicado.
A mai or parte das despezas que em outros paizes são fcitas por cofres
mais ou menos gemes, são feitas nos Estados-Unid os por cofres especiaes,
e recahem so bre aquelles que immediutu e directamente pnrticipao dns
yan tagcns que as taxas teem em vista .
E nem por isso os Muuicipios sao sobrecarregados . L' Porqne as tnxas
são modicas. 2 . ' Porque recahem quasi exclusivamente sobre a pro-
priedade e o capital, e não sobre o consumo . Assim o rico be que
paga. À população do campo vem a pagar muito menos que a das Ci-
dades. Michel Chevallicl' lellres sur I'Ameriquc du Nord, Tomo 1.0 nota
48 uClOonstra isso. . .
u. 32
- 250-
Compete a esses meetings não só eleger os officiaes
municipaes mencionados, como dar-lhes as direcções
necessarias para a administração do Municipio, e
estabelecer as taxas com cujo producto se ha de acudir'
ao serviço, aos :melhoramentos no Município, &c. e
tambem organisar os necessarios regulamentos ou pos-
turas (bylaws) obrigando á sua execução por meio de
multas. Essas posturas devem porém ser approvadas
pelo Court of Sessions L1 ) .

o que fica dito respeita ás Villas (Towns) . Na admi-


nistração municipal das Cities (Cidades) ha differenças.
Não me he possivel expÔ-las, porque seria preciso entrar
em longos e miudos desenvolvimentos. Assemelha-se
mais (nas CHies), á organisação Ingleza, e ha mais centra-
lisaçãO indispensavel em maiores nucleos de população
em grande parte adventicia e transeunte, e mais indiffe-
rente aos negocios miudos municipaes.

As Cities tem Con,selho Municipal (Com1;Ilon Council)


I um l\iayor, eleito annualmente em separado pelos
mesmos votantes que elegem os membros daquelle
Conselho. Ha mesmo difIerença na organisação mu-
nicipal, no mesmo Est.ado de uma City para outra.

(1) Vid . Revised Slatutcs "01. 1. Chapler 11. Tit. 2. Town mce-
tiogs ~ !lo Powers of anDDal Town meetings .
Entre n ós os Vereadores são englobadamente eleitos por todas as Cre-
gue7.ias do Mu nicipio e frequentemen te não tem al gumas quem as repre-
sente na Camara. Todos os Ver ead ores, pela lei, são englobadamente en-
ca rregados de todos os rumos do serviço . Nesta parte he a nossa orga-
nisação extremam ente,defeituosa. He preferivel a qtle Buenos-Ayres adoptou
na sua lei de municipalidades de 1854 . e que seg ui o o meio term o. Cada
Paroc~ia nomêa dous Vere.a dores e um Supplente. A Camara divide-se em
commlssOes cada uma das quaes prepara e he competente para certo ramo.
Creio que ha muito a aproveitar na o rga ni s a~ão mun icipal dos Es\nd os-
Unidos: - . "
- 251 -

Ba:sea-se porém liOS mesmos prmclplOs que ficão ex-


postos (1).

Em regra não se concede a prerogativa de Cily


senão a povoações de 12 a 15 mil almas. Entre nós
as Assembleas fazem Cidade, qualquer villa que o quer
ser. e 1 tem padrinho. He verdade que a distincção
entre Cidade e Villa não tem alcance, e nu9.a significa.
He questão , de vaidade. A Cidade tem nove Vereado-
res e a Villa sete.
I
Nos Estados da Novu Inglaterra 'o mUllICl piO contém
ordinariamente dous a tres mil habitantes. Não he tão
extenso, observa Tocqueville, que não tenhão os seus
habitantes quasi os mesmos interesses. Be suffi,cien..
mente povoado para que se possão encontrar nelle os
elementos precisos para uma boa administração.

Ainda menos que nos outros Estados he admittida


nos da Nova Inglaterra a lei da representação. Os offi-
ciaes municipaes não representão o povo que os e1egeu.
São meros executores de suas deliberações. Não ha
Conselho l\iunicipal. He na praça publica" na Assem-
bléa geral dos cidadãos, á maneira da antiga Athenas
e dos Comicios Romanos, que são tratados os negocias
municipaes. A Assembléa dos votantes, depois de haver

(1) Estava reservado para a nossa lei do 1.0 de Outubro de 1828, adoptar
em tudo um só e igual padrãO de Camara Municipal' para a capital e
grandes cidades do Imperio, e para o mais insignifican te villorio do ser-
tão. He por isso que apezar de emplastrada e remendada, como o tem sido
por algumas leis e Decretos, não póde a Camara Municipal da Corte, bem
como as de al gumas grandes Ca pitaes preencher bem os seus fi ns pelo
,'icio original da sua organisaçno. Alargar-me-hei sobre este importantissimo
assump l.o quand o, em ou tro trabalho, me occupar das nossas Camaras
l\i unicipaes,
252 -
eleilQ seus Magistrados, os dirige em tudo aqui1lo que
não he execuç..ão pura e simples ' das leis. A maiol'
parte dos poderes administrativos está na mão dos Se-
lectmen, eleitos annualmente. São tres nos pequenos
Municipios; e nove nos grandes. Os grandes Municipios
porém tem.em geral um Mayor, e um Corpo lHurú-
cipal, dividido em dQus ramos.

O Mayor das grandes cidades tem attribuições ju-


diciaes e he pago.

, Assim às principaes feições dá administraçüo nos


Estados-Unidos, são as seguintes: '
Uma extraordinaria decentralisação. Não ha hi,erar-
chia.
. O poder administrativo está qrias{ todo encerrado
na . Municipalidade, e distribuido por muitas múos.
Não ha n' ella cargo que não , seja electivo, por
via de .regra, annualmente.,"
' 1 O ·cor-po do~ vot!lntes na eleição municipal he 'so-
berano, no quehe peculiar ao MunicipioI e não
,vai de encontro á Constituição e leis do Estado, que
lhe deixão a mais ampla liberdade. ' .
No systema eleitorül ordinario os votantes em massa
Hmitúo-se a eleger e delegar. Nos Estádos-Unidos
fazem mais, dirigem, deliberão e resolvem" sobre
varios assumptos.
Os officiaes que o corpo dos votantes nomêa são
méros 'executores. Não o representão.
. Os differenles ramos de ser.viço siio separados, e
cada um confiado a um funccionario especial, dando-
se-lhe poder e meios amplos ,para a execução.
A responsahilidade destaca-sé, e individualisà-6 .
- 253-
A deliberacão he de muitos, a accão he dó um
,só. Grande parte das funcçõe.s ad~inistrativas he
retribuida com ordenadós ou emolumentos.
São . obrigato~ias, sob penas.

Logo que w resolve um melhoramento, cl'êa-se


UfiD: renda especial para o levar a effeito, votan-
do-se o imposto
.
ou taxa nécessaria
. :

Em outros paizes o producto do imposto he en-


tregue á administração collectiva que o recolhe a
unia caixa commum . com outros, sahindo indiscri-
minadamente do · todo quae~quer despezas. Nos Es-
tados-Un,idos . he, por via de regra, entregue a um
funccionario especi~l eleito para o fim que o mesmo
imposto ,tem elI,l "vista. Cada renda tem seu destino
especial.

Não ha verdadeira policia, nem passaportes; quasl


não ha ~orça publica, mas o Sheriff empr@ga como
talos cidadãos que encontra, e os quaes se prestão.
Ha exemplos de se reunirem cidildãos, a fim de for-
marem commissÕes,
,
. para perseguirem cnmmosos.

Em alguns Estados os Condados não são divididos


em Muniqipalidades, mas sim em hundreds. Em outros
não há subdivisão alguma analoga ao 'Uunicipio.
Ha sómente Condados, como em alguns Estados do Sul.

Do Condado . - O Condado no geral dos Estados


tem pouca , vida; ' não tem Assembléa que o repre-
sente, e não tem existencia politica. He mais pro-
priamente t!.m centro judicial e administrativo sui
- 254-
gencris. Os seus administradores têm pod~res mui
limitados, e excepcionaes, I)pplicados a poucos casos
previstos pela lei (1).

A Municipalidade e o Estado, geralment~, são tudo


nos Estados-Unidos.

O Condado he administrado pelo Board of Su-


pervisors, do quul já faUei, .pelo Sheriff, pelos Co-
roners, Atíorueys, e pelo Court of Sessions.

O Board of Superyisors reune-se annualmente para


despachar os nego cios de sua c~mpetencia, e compõe-se,
como vimos, dos Supervisors eleitos nos Municipios.

Em geral as autoridades ás quaes incumbe a. admi-


nistração dos negocios do Condado, não tem o di-
reito de dirigir o procedimento ou administrélção das
Municipalida~es, exceptó nos assumptos que 'têm re-
lação com o Condado.

Os Sheriffs, Corotlers e Attorneys são mais ' pro'-


priaménte autoridades judiciaes analogas ás Inglezas
com a mesma denominação.

(1) A organi~açllo do Condado dilTere nos dilTerentcs Estados. Sobre a


do de Noya York púde vêr-se-Revised Statutes Tol. 2 Chapt 12-of the
poweJ's, dutics and privileges of CounHes, and of certa in County offi-
cers.
O Condado Aml'ricano não tem analogia com as nossas Provincias, e
com os Departamentos da Franca. .
As suas autoridades n30 podem constituir um degrao hierarchico,
em relacno ás Municipalidades, porque estas süo soberanas e independentes
no que lhes pertence. Para se expÓr perfeitamente ~ssa organisaçüo seria
preciso escrever um grosso volume ..
Comtudo, como observa Tocqueville, á medida que nos afastamos da
Nova Jnglaterra para o Sul, a vida municipal passa de algum modo para
o Condado. O Condado torna-se o grande centro administrativo, e fúrma
o poder intermediario entre o Governo e o. simples cidadãos.


- 255-
Os 1uizes de Paz (1), os quaes são eleitos na
época e pela maneira pela qual o são os officiaes
municipaes, tomão parte na adminislração das ~lu­
nicipà1idades e dos Condados. Em geral intervêm nos
actos os mais importantes da vida administrativa.

Heunem-se ' duas vezes por anno na cabeça do


Condado, 'para formarem o Tribunal denominado
Courl of Sessions . Esse Tribunal dirige por si mesmo
o pequeno numero de negocios que dizem respeito
a varias MunicipÍllidades. ou a todas as dos Con-
dados, e dos quaes porta nto não p6de Eer uma só
encarregada.

O . Court of .Sessions tem a missão de fazer entrar


na linha dos seus deveres as Municipalidades que
d' ellas se afastão. Se, por exemplo? um Municipio
deixa de votar o~ fundos necessarios para conservar
as estradas em bom estado, Q omcial municipal d'ellas
encarregado he aulorisado pelo Court of Sessions
para levantar por si esses fundos . Se um l\lunicipio,
para não pagar o imposto, não elege os officiaes
que o lanção e cobrão, he copdemnado p~lo Court
of Sessions em uma forte multa, paga por todos os
habitantes do mesmo Municipio. O Sheriff do Con-
dado faz executar a sentença.

Se o ~lunicipio deixa de provêr ao levantamento


dos fundos necessarios para as despezas das Escolas.
o Supremo Judicial Court impõe-lhe uma forte multa.

(1) Adoptando dos Inglezes a instituição dos Juizes de Paz, tirárilo-Ibe


os Americanos o t aracLer aristocratico (lllC na Inglaterra tem.

(.
- 25G -

,As~im I;e que se . pratica nos Es(ad,os-Uriidos o


chamado - seU' ,governmenL-O ~iunicipio satisfáz por
si ,~esmo, na mais larga escala, a lod'as as suas
necessidades

.. O circulo , dos . interesses
.
~considêrados ~'r

locae.s he O mais largo possi vel. .

A l'~gra he, que o p~yO h~ 'que ~eve dirigir o' Governo,


°
e não Governo o povo O Governo VaI com o povo,
I,

°
porque Goyerno he ' povo, ° ..

" Assim he e deve ser, ao, menos a certos respeitos,


n'aq'Qelles afortunadospaizes" onde o, povo fór homo"
geneo, geralmente illustrado e rr;oralisad6., e' onde a
sua' educação e habitos o habili~em paril se governar
, bem Çl si mesmo. Q,llae~ e quantas são as nações 'entre
RS quaes se tem podido estapelecer °
self government ?
Ide es~abeleçê-ío em ce~tos lugares da Italia', entre os
tazzaroni, no Mexico, e na~ Re,pu~licas da , America
Meridiona,ll O pobre Soberano, °
povo, deixar-se-ha
illudir, e será victima do' primeiro ambicioso esperlo,
porquanto não são somente os Reis, dos quaes se póde
,dizer com Camões ql,le,: '

(/ ....•.. , .. , ......... ' •. quando embebidos,


« N'l1ma apparencià branda que os contentá,
« Dão os premíos de Ajace, metecidos
« A' lingua vãa 4e rl~sscs fraudulcpta, » i.

Nos )paizes nos quaes ainda não estão diffundidos


~m todas as classe~ da sociedade .aquelles habitos de
Qrdem e leg.alidade. que ~?icoS 'podem coUocàr as liber-
dades publicas f6ra, do a1eance das invasões do Poder,
\ dos caprichos da multidão, e dos botes do~ ambiciosos,
e que :p.ã'ü estão po.r! tm~o deyidament.e habilitados para
o 'self government, he preciso 'começar a introduzi-lo
pouco a pouco, e sujeitar esses en5aios a uma cerla
tutela, e a certos correctivos. Não convém proscrevê-lo,
porque, em termos habeis, tem grandes vantagens, e
nem o Governo céntral, principalmelite em paizes exten-
sos e pouco povoados, pó de administrar tudo: He pre-
ciso ir educando o 'povo, habituando-o pouco a pouco,
a,' gerir os seus negocios. ' ,

Um povo, di7.. Tocqueville, póde sempre ,estabelecer


Assembléas politicas, porque ordinariamente encontra
no seu s~io certo numero de homens nos quaes as
luzes substituem até .certo ponto a pratica dos negocio~
....... :A liberdade municipal escapa, para assim
d,izer aos esforços do homem. lie raro que seja creada
I

pelas leis; masce por algum modo por si mesma. Sâo,


.. continua das leis e dos "Costumes, a:5 circums-
a accão
tancias e sobretl:ldo .o tempo, que conseguem- conso-
lidá-la. De todas as nações do continente da Europa,
não ha talvez uma só que á. conbeça. He comlud6 na
Municipálidade qué reside a força dos povos livres.,
As instituições municipaes são para a liberdade o que
as Escola3 primarias são para a sciencia; põem a
liberdade ao alcance do povo, fazem com que aprecie
o seu gozo tranquillo, e habituão-no a servir-se d' eIla.
Sem instituições municipaE's póde UJIlél nação dar- se
um governo livre, mas não tem o espírito da liber-
dade.
, -
Pela lei de 17 de 'Março de 1849 organisou a Áustria
as suas Municipalidades, segundo principios verdadeira-
mente liberaes. Á exposiçãO de motivos d'essa lei reco-
nhece e declara que - A áutonomia da municipalidade
n. 33
- '2 58-
em' lu do o que dii repeito aos seus interesses, ,a não
entra em uma espbera que lhe he. extranha, fórma ·o
principio fundamental da organisação do municipio.. .

~. g. Pio IX, em cumprimento da promessa feita


em seu motu proprio de 10 de Setembro de 1849;
promulgou pouco depois, uma lei municipal, fundada
no prineipio electivo, combinado de. modo .que con-
corrão para' fi administração publica os proprietarios,
capHulistas, agricultores, industriaes e commerciantes.

Nem por isso foi creado o espirito municipal n' esses


paizes. Não bastão leis para isso.

o. -systema que acima expuzemos da Inglaterra e


E-stados-Unidos, nã'Ü admitte a hierarchia e a tutela,
do Governo. Não ha n' esses paizes centro para o qual
convirjãtl os raios do . Poder administrativo .

, Um systema que não!rubminislrasse correctivos efli"


cazes , para forçar o executor da léi a cumpri-la, ou
para reformar a sua decisão quando lhe he contraria,
seria anarchico, e não poderia progredir.
Porquanto a autoridade póde abusar, póde errar,
póde ser negligente ; e he necessario que' haja quem
a -chame ao cumprimento de seus deveres .

No systema hierarchico e de centralisação ha o supe-


rior que superintende, ha a emenda pelo superior.

No systema electivo e decentralisador ha outros meios


.e cc>rrectivos, dos quaes lanção mão a Inglaterra 'e
.os Estados-Unidos . Taes são:


- 259 ~

Uma legislação propria, minuciosa, e muito pratica,


que nll0 deixe o menor arbítrio.
A disseminação do Poder administrativo por um
grande numero de mãos dando-se a cada funccio-
nario sómeqte a acção precisa para o desempenhó do
serviço especial que lhe he encarregado.
A frequente renovação da eleição.
A imposição de penas pelo Poder Judicial.

Para que o systema electivo e decentralisador possa


funccionar bem he preciso, primeiro que tudo, que a
lei seja, como na Inglaterra e nos Estados-Unidos,
extremamente minuciosa, pratica e previdente, que pe-
. netre, para assim dizer, no seio da administração que
não .só prescreva regras, como tambem o· modo de as
applicar, que defina tudo minuciosa e rigorosamente.

Este systema requer uma legislação propria. A nossa


lei porém procede por generalidades, e o Governo a
completa por meio de Instrucções, e H.egulamentos ..

Be necessario tambem que a legislação não se limite a


estabelecer e a proteger direitos, he- tambem preciso que
fixe e defina bem as obrigações. Um dos grandes erros,
observa Laferriere, da Assembléa Constituinte da França,
seguido em ·outros paizes inexperientes que a tomárão por
modelo, Gonsistio em ter protegido mais os direitos do
homem do que os da sociedade, e em ter desconhe-
cido e estabelecido com timidez a união indispensavel
e fundamental do direito e do dever. He agradavel
ter sómente direitos, e os aduladores do povo fogem
de fallar-lhe em deveres. A legislação Ingleza"e Ame-
l'lcana occupão-se especialmente em fixar os dgveres.
- 260-
( A nova eleição não remedêa o mal feito, e por fázer
até que chegue a sua época. Os Americanos procu:
rárão, attenuár esse' incbnveniente amiudando as
elei-
çôes, as quaes se fazem , todos os annos. Em a1guns
paizes porém esse remedio ~eria peior que o marque
não removeria.

Para que esse correctivo tenha valor he preciso que


a eleição seja pura, conscienciosa e livre. De oulra
maneira a ' autoridade que abusou, abusa tambem pãra
se fazer reeleger ou pessoas de sua parcialidade" Serve
çégamente a influencias eleitoraes, crea clien tella , e
serve-se do seu poder para prep'a rar' a sua reeleição.,
Isto he frequente ,entre nós. Quantas' vezes não. he
reeleito o individuo porque, para extj'r par abusos, foi:
entender com influencias eleitoraes I . Quantas vezes o he
porque lhes servio, serve e ha de servir de instrumento [

: Se o funccionario he eleito pelo povo, he inamo~


vivel durante o tempo pelo qual o "foi" e em quanto
dura o mandato que lhe foi conferido. O funcciona-
rio eleito pelo povo nada 'tem que esperar quanto á
privação ou conservação , do seu cargo, senão do povo
ou d'aquelles que ' o fazem eleger pelo povo.

, He por isso que os povos que intrGduzÍrão a eleição


no seu machinismo administrativo' vÍrão-se obrigados
a fazer grande uso das penas judiciaes, como meio de
administração, da qual se torna portanto parte'Bssen:.
cial o poder judicial. Sómenle este poder póde então
servir de intermedio entre o Poder Central e o Admi-
nistrador de eleição popular .e obrigar este á obedien"
cia sem. violar e anniquilar o direito dos eleitores.


- 261-
, Esse meio suppõe necessariamen te um Poder J uuicial
bem organisado, justo e desapaixonado, e que cumpra
rigorosamente o seu dever. ' O emprego d'esse meio em
um paiz no qual andarem os Juizes envolvidos em par-
cialidades eleitoraes, e onJe dominar a impunidade serú
uma fonte de males.

O Poder judicial não pó de inspeccicnar e fiscalisar


o administrativo, acompanhando-o em todos seus actos.
Nem nos Estados-Unidos faz isso. He uma móla da
machina administrativa, mas não he a machina. SÓ-
mente póde" mesmo nos Estados-Unidos, conhecer de
casos especiaes, quando lhe são sujeitos pela parte.
Muitas vezes não a ha.

Para contrabalançar os inconvenientes que d'ahi re-


sultão, recorreu a legislação Americana ao interesse par-
ticular e á denuncia, concedendo ao denunciante a me-
tade das multas em que o funccionario incorre. Esse
meio porém, o qual nem sempre assegura a execução
das leis, he prejudicial á moralidade publica.

Áccrescé que "esse meio he em certos casos inefficaz.

O Poder judicial impõe penas quando ha crime. Co-


nhece reslrictamente do facto positivo e destacado, de··
clarado crime pela lei penal. He indispensavel um
facto positivo e claramente apreciavel, que sirva de
base á acção judicial. He precisa uma legislação que
defina miudamente todos os direitos e deveres de cada
autoridade, e imponha penas especiaes como a In-
gleza e Arriericána. "A nossa não procede assim, procede
por meio de generalidades .
- 26~

Mas quando ie lrala de um fado complexo, de umá


apreciação administrativa complicada, he o Poder ju~
dicial improprio para substituir a sua acçãu á do Superior'
administrativo hierarchico ..

Tambem he inefficaz o meio apontado quando o


funccionario h~ simplesmente pouco intelligente, negli-
gente, . pouco zeloso, sem todavia praticar actos que
possAo ser rigorosamente qualificados como crimes.

Então o Poder judicial he impdtente. E para co-


nhecer d' essa negligencia e fal~a de zelo seria ueces-'
sario que exercesse uma fiscalisação continua sobre o
funccionario administrativo. Seria preciso que adminis~ '
trasse.

Ha tambem outro correctivo bastantemente efficaz no


systema Americano e' que consiste em incumbir a. outra
autoridade o cumprimento de um dever, quando o
não preenche aquel1a; a qual ha delle em primeIro
lugar encarregada.

o principal correctivo no systema hierarchico; he a


hierarchia que suppõe certa tutela sobre os emprégados
subalternos e a sua amovibilidade.Dá~e sobretudo no
systema Frahcez, e tambem no nosso.

A hierarchia he a ordem e a subordinação dos dif-


ferentes funccionarios a respeito uns dos outros. Sup-
põe differentes grãos de jurisdicçãO e certa tutela.

Deixa sal vos e entregues ao . Poder judicial os casos.


clara e expressamente previstos pelas Jeis penaes . Sup-


- 263-
pre porém o vasio que não he possivel deixar de haver
n' estas, pela fiscalisação, pela tu tela, pela reforma das
decisões por meio dos recursos e finalmente, nos casos
em que a lei a autorisa, pela destituiçãO dos empre-
gados.

Be um correctivo indispensavel sobretudo n' aquelles


paizes on.de a educação, os .h~bitos de ordem e legali-
aude, o respeito aos direitos, a obediencia ao dever e
o senso pratico dos nego cios não penetrárão ainda ge-
ralmente nas diversas classes sociaes.

A hier~rchia administrativa existe em maior ou menor·


gráo na França, na Hespanha, na Belgica, em Portugal,
no Brasil, e em geral entre todos os povos que não são
da raça anglo-saxonia, e. entre os quaes, por não es-
tarem preparados pela educação e habitos, não he exe-
quivel o self government completamente. .

o Superior hierarchico dirige, fiscalisa, conhece das


decisões .do inferior, emenda-as por via de recurso,
e em certos casos, que convém fixar, suspende e demille.
Em uma palavrd exerce. uma especie de tutela, com- .
prehendidos assim os easos em que o funccionario in-
ferior cumpre os seus deveres com pouca intelligencia,
sem actividade, sem zelo, e sem praticar com tudo faclos
positivos 'e distinctamente apreciaveis, qualificados clara-
ment~ crimes pelas leis.

Os paizes que nfto. tomão pór base exclusiva da sua


órganisação administrativa o systema electivo (isto he
que não constituirem democracias puras) não teem re ..
medio senão récorrerem á hierarchia. Não tem remedio
- 264-
senão rec-orrerem ao exame, ao cônse1ho, á publicidade
dos aetos administrativos, aos recursos, para evitar,dif~
ficultar e cercear o abuw. '
. -
A nossa Constituição supp"õe_0_ systema hierarchico'
mais ou menos desenvolvido, segundo o espirito das
~eis r~gularrie ntarés. . '

Toda a nossa legislação o admitle, bem como a


tutela. O, art. 78 da I..ei do 1.0 de Outubro de 1828,
por exemplo, declara aS .Camaras Municipaes subor-
dinadas aos Presidentes das Provincias, primeiros ad-:
mini~tradorês d' el1as. " ':;
O art. 73 da mesma' lei dá recursos para ' o Go-'
v~rno das .deliberações , accordãos- e posturas das Ca-·
maras. '
. Quando as Camaras Municipaes não cumprem, sobre
objecto de PQlicia, as suas obrigações, iricumbe. aos
Chefes de Policia indagar e recorrer na fórma do arti-
go acima citq.do: Decreto de 2 :Março ' de ' 1833 art.
1 .o § 6. 0, e aos· Delegados, lei 3 d~ Dezembro de 1841,
art. 4.· § 5." Regulamento n ." 120 de 31 de Janeiro
de 18.i2 'arl. 58 § 9.° 62 § 1.0 e art. 447 ,
, ,
Poderia apontar outros exemplos que ficão reservados
para lugar" compétente, '

Ja se tentou entre nós excluir a hierarchia e insti-


tuir o systema dos Estados Unidos.

Â. acção democratica que se seguio ao 7 de "Abril,


em lugar de introduzir a luz e a.ordem no cháos em
ql1e a abdicação nos deixára, proveniente da luta .entre

,..


M'novos pfi nr,ipios constituclonàes, é ui'nu 'l('glslu~ão-Jc
t~i1lpos-colon'illes Gabsolutos; de institüü' uma hierarchiil'
aCéommodada ás nossas cil'cumstancias , que 'respeitasse
quanto Cltmpre e convêm o principio popular da Consti-
tuiÇão; de discriminár e definir bem as altribuições das
lluloridàdés, cercando-as de formulas e de garantias para
os administrados; ' procurou o remedio exclusLvamentc'
nó systema electÍvo e nos meios que lhe sli.o peculiares.
" '

; '.'Entregou aos Juizes de Paz electivos, exclusivamente,


toda ' a pol,icia municipal, geral, jud~cial e administraliva, ,
,e II formação da culpa em todos os crimes. Deu-lhe!>
o- Fllgamc"nto ; deíiniti,vo nos 'dclictos 'que não "eri.io le-
\"adosao Jury. Sómci1te por elles, e por méio d'e pro_o
Gess'os ,podiãO C'ertos funccionarios 'ser ', compellidos 'ao
cumprimento
.
de seus deveres..
, ' I

;- Estabeleceu o Jury; que, como instituição conslilucio- '


nal, nªo podia deixar de c('eêr, mas entregou-lhe ex--
clusivaruente o julgarnc)lto da responsabiliuade de loel(\s.;
os funccionarios publicos, ainda em questões compli -
oouas . ~ . esp'eclues, e ' por :môdo que prcjudicavá ' a
rrcçllO: sóbre eUcs de seus superiores. .
I
, '

. Consiituio -os Juizes nunicipaes, de Orphfios.c Pro-


motores (fazendo-os propô r pelas Camaras Municipacs)
litéras "-cmana~ões da -elei-ção t)op~~a~·, '.

!. : l~e~ eTeger' os Vice-Presidentes de ProVin cia , I1ge~tes'


do Poder Executivo GoraI, pelas Asscrnblúas Pl'ovirréiaes,'
co\'poraç<)e~ locaes, filh~s ,da elp!ção popul{\r.
~ "! r
. ' ,

-" tt · acção hi·erafchica estava qllasi nulliflcada para ser


subsLlf,ul'ua peln j udidíll'iu uo Jniz. U(!'PélZ , p,'pplá·d).J 11 ry.
ll. 34
266 -.'
.. Em O'dio 'ú à'L..gislratura, suspeita por, 'ser da. no...)
meação do Poder Executivo., e reputada hostil a ~sé'
desenvolvimento, democratico. e não obstante estaI,' re· .
duzida a sua' jurisdicçÉío clliminalao con.hecimento de
fprmulas, copiou-se, e muito maL. o julgamento . . po·'
litico dos Es(ado$-U nidos. , dando-se. ás Assembléas:"Pro~ '
vinciaes b direito de decretar a suspensão e a demissão ,-
<.los lVlagist,rados, . e /!!,~U6la bem que as palavréJ,s do.
respectivo artigo- , queixa .de responsabilidade - dei-
>i.árão margem para "u'ma iIJ.terp~etação que evita 'os
IPaior~ male) que aquella ottribuiçãO poderia produzir. '
, ,
,
• A organisação que acabo de esboçar tendia fi dis·
pensar, ou fi excluir a hieraréhia. ' Consagrava o prin·
cjpio de modo que 'a excluia. ,e as suas consequenciai.
J

Era um arremedo imperfeitissimo e íq.anco das


instituições dos ' Estados-Unido~, destituido' poré'm dos
e
principaes ess;enc-iaes ~eios e circumstancias . que as
accommodão a ,esse paiz.
"

., E. qual foi o seu resultado entre nós? A abdicação


do 1;0 Regente do .aeto . aqdicion~l, e 115 convulsões que;
agitárão va~ia8 Pr.ovincia.s ,do Jmpe,rio, o pode~ dizer
111elhor. ' . ,

o Poder central; o principio Monarchiéo, da Cànsti... ·


, tuiçüo fica-va · nullificado, , de$liluido de acção e de
, melOSo
, '

• _ , . . ' i
O que fica 'expendido autorisa-me a concluir que a
systema ,administrativo da Inglaterra e dos ,Estat10S-
Vnidos
~..
:uão nos he applicavel, ao menos
...
em' .geral,.
-' -


- 267 -
porque não s~ dã\> no Brasil certas circ!.! mstanc~as espe-
ciaes que o tornão exequivel e efficaz n'esses paizes.
Demais o ,seu principio e base est~ em opposiÇãO com
11 nossa organisação pólitica e administrativa llctual.
Seria preciso ' introduzir nella alterações profundas, e
mudar co.mple~.amente. o, aclual estado de c.ousas. :

lIisturaf porém o systema Americano com O nosso,


de modo que se combatão -e prejudiquem mutuamernte,
ne introduzir aanarchia no pai?, porque como dil; Ovidio
do cháos:'"

• d • • , ••• quia corpore in uno


, « Frigida pugnabnnt calidis, humcntia siccis,
Cl .MoI lia cum duris, sine pondere babentia pondus. »

Isto não tira que seja possivel e muito conveniente,


no de..l;envolvimento e reforma da:; nossas instituições
administrativas, ir dando, úquella parte de ' self govern-
ment que ellas el1cerrão, mais alguma expansão tem-
perada com ajustados correcti70s, habituando assim
o nosso. pov~ ao uso de umà liberdaÇl.e pratica, séria
e tranquilla, preservado sempre o elemento Monarchico
da Constituição, porque, por fim de contas, he para
aquelles povos que nella nascérão e forüo criados;
essa f6rma de governo, rodeada de garantias e insti-
tuições livres, a que melhor p6de assegurar uma Ii-
'herdade solid!:l, tranquilla f; duradoura.

Não se pense que o seIf government, e a completa


decentralisação administrativa não tenhão tambem, a
par de vantagens, sérios inconvenientes. freasy, já ci-
tado, estrenuo panegyrista do self government c da de-
centralisaçüo na Inglaterra, reconhece o cspirito n xoso,

({I
""< 3G8 -

.4~rnpC'rl'~do c caprichoso <las corpor~ç?~s c IrulorÍuude5


]ocaes de elej~ilo popu~ar (t) •

Os que tem viaj<.ldó. c vist.o de pe~to os Esta~o3. . .Unid~ ,


reconhecem, que ahi em muita,;; l,ugares o self goveru ~
mcn~ e ac}c~en~ralisaçào nãq são. na pt"atica ~.tfIo .digno~
de applauso" e de admiração como na thcoria. Roeo-
~hecem , q'll:0 se a aclual população desse paiz h ~..inclus-
~rlalrnentesupel'ior a seus' avós, .be-lhes muito ' inferio"
pelo lado ~oral,. poliLi,cq e no respeito aos ,santos prin-
cipios da justiça (2) . Desgraçadamente diz ~fiehel ç~.~
valier-Leltres SUl' IfAmerique du Nord-o sentimento do
respeito á lei parece aoniquilar-se entre os ,A·rp~ricanos.
Este po~o emj-neilt~meote pratico a outros respçitos não
l'eCUOtl diante de nenhuma"das consequencias do ,prin-
cipio da Soberania· popular, p'elo menos em. quanto
estas consequencias o lisongc:J.viío ; chegou-se ,portant<?
a negar' nós Estados-Unidos ' que houvesse priricipiQ
algum de justi0a verdadeiro em si mesmo, o a a'dmiltir
que a vonlade do povo · era nccessariamcn te ~ SCl:1 pro (
<1 justiça; establ··leceu-se como facto fi infullibilidade, ~
cada instante e ' em tudo, do povo, e assim abrio.:sç'
~ porta á tyrannia de minorias .t-urbulentas, que a s~
mesmas appellidão pomposamente - o.povo. 'Foi s ~bsti:

.'
(1l .r On (h" ('o1Ilrti l'Y W<l ;1'C ali af.lL ta hé' S(I'I1CK ~t Lhc fl r.st ilght witlt
su perior l't'glllnl'ily , harmoll Yi aml (jllict vigoOl' of acLiou, which ccnLralis cd
IlrltninisLration s(l'l~ nls to sCl'lIrc ir favo llrablcs instaures llhl'llarl; whilc lhe
brawls. Lhr. jobbing'. aurJ lhe ('apricionsucs~ or 111ll' OWll focaIs boarrls .IIIHI
~oJllllnl' . om ce~.s forc'c tllem~elvl'~ u'[lon .I!YCl'y man's . uoticcàL Itomc, »
t.;r~asv- rlle rt ~e and pragr<rss of the! ltpglisb GoOStIWt.lO'll. - .
f • • )

, ' (2) cc Alitas p'al'clltltm prjol' Il'Ü , tulil,


« Nos ne(fl\iorrs mo:t rll:tUl'OS ,
~, Pro!§c llielll' yitiosiol'cm'.

Hota{ ,
LuÍl1cr 'li l\oç~u Jo _j Hsliça, a da convcnicncia e do iu-"
t6! cesse (1 ).

São ft'equcnles nos Eslados--UniJos os nelos de ue~o·


hedienda, e as lutas com a autoridade. a, qual frc
quentemente, nüo tem rorç,a para cohibir aquellcs dos
quaes he feil~ra. Te~ sido frequent~s as lutas entre os
Estado:; . e o Congresso, nascidas da collisiío de Ín-l '
teresscs; lutas que tem ameaçaJo romper a União. Tal
foi a que se' deu em t~32, na questão da tarifa das
Alfandegas e na qual a Carolina do Sul chegou a armar-so
e a preparar-se para lutar com o Governo Federal,
tendo por sj a Virgínia, 11 Georgia e' oulros Estados do
Meio difl.. Tal he a luta que acaba de abrir-se, mais
grave, e que ameaça com a ,separnçúo dos Estados do Sul.

Certas emprez.as, observa Tocqucvílle que inleressâg


to~o o'Estado não podem ser executadas, porque núo
ha 5dministração nacionpl que as dirjja. Abandonadas
aos cuidados das Municipalidades, e dos Condados,
entregues a agentes c1ectivos e temporarios, nflo aprc~
sentão resullado algum, ou nada produzem que dura
~or seja. .

Os paizes nimiamente decenlralisados, moridos pela


experiencia, e com o andar dos tempos, tendem mais
pa~a centrali~arem-se, do que para augrnenlarern u'

(I) Bc por isso IlUC ~L Clny, t stilllisl3 fln11ncnte dos_ E~tados·tlliúo~, djzía
nào ha muitos 1I11110S no Senado - Nós eslamo~ 110 IlI ClO tl e uma II crolll ;ao !
,-- P(Jl lc-sc \'êr 1111 Ca pltulu :\1 (l o '2." \'01. ,Ias cil rt~ s tl c Mi chel Chcvalirr.
já l,ur W1.t'S ci lilÚIl~ , U~ III1Ill C l'O ~US e:l('rtlltlos t[IW traz c 'IIH' prol'lIo u Ilu C
IH:illla rlrn .Iil.o, r, qll c ha 1'(!nladril'ó1 Ílwni l'"da .Ie mcios 111' rCI,rcssilo II U.
EslóHlus-Ullitlos, f(uIHlflo 1I11U1 millurin lurl.JUlclIla flu e sc prodaLUu - ° VOYO
- ~o mlll e LLe aetos i? iq u(rs c ül.l culus.
- 2iO-
decelltralisação que já. tem. D~·s~ essa tendenda na:·
Inglaterra (1) ..

HI!. nos Estados-Unidos alguns Estados, nos quaes-


começüo a apparecer alguns laivos de centralisaçã8
administrativa. O de Naya York he que· está mais adian.;
tado n' essa via. ! direcção das Escolas primarias está
centralisada nas.. mãos dQ Governo· do:. Estado.

Possue um Conselho Universitario cujos membros


(Regentes da Universidade) silo nomeados pela Legis-
latura do Estado, -e a cuja direcção estão sujeitas to"das
as Escolas Superiores Ghamadas Academias,A.doptou
sobre os Bancos (2)., e sobre os trabalhos publicas prin~
cipios _mais centra.lisadores do que os outros: Estadns,.
e por esse modo levou a effeito um systema de canaes
com a extensão de 247 legt:Ias e 'meia. Outros 'Estados
começão a imita-lo, celltr<llisando-se, e englobando
nas attribuições do Estado, a instrucção publica, os
Bancos, e os trabalhos publicas. O caracter de grandeza,
I de unidade, de céntralisação, e portanto de cohesão'
e de força que se nota no Estado de Nova Yofk, 'compa-
ralivamente com os oulros, fez com que lhe dessem
o nome de Empirc Statc (Estado Impe~io ).

As grandes capitaes onde ' ha consideravel accumu . .


laça0 de população, em grande parte 'adventicia, e
. transeunte, indi.ITcl'enle a tudo quanto não são seus
. \

(1 ) fi La Gra nde nrclagne fait chaquc joUl' un nou veou pas vers la CCl!- '
lral isatioll adminis~l'lltivc qu e la France a iuaugurée la prcmiCre. Apl'CS
la ce ll~ra li sati o ll de la gestioll de la taxe des paunes, apres r éLa bli s~cm ~ nt
d' un e suneillancc celll.rale dcs chc llIins rle fer, cst vcou e la ccutrahsatlo u
du p ~ pic r monnai e. " Lesur. AOJluairc Ilistoricluc - 1S H .
(2) Safcly Fund aet.
- 271 --
nrgocio e prazerlts, onde sóe haver grande accumu..
lação de riquezas por um lado, por outro grande miseria
e a fermentação de todos os appetites sensuaes que
provocão .ao crim~ j onde o expediente, pela exlraor·
dinaria affiuencia de negocias, he immenso e varia-
díssimo, não' .podem ser regidas simplesmente por meio
de autoridades populares eleitas, e sem certo gráo
de centrálisação. Por isso as grandes cidad~s dos Estados
Unidos tem uma organisação diversa e mais concen-
trada do qu'e as Municipalidàdes do campo. Por isso
na organisação administrativa de Londres e na da sua
Eolicia não se dá o self government no mesmo gráo '
que nas oútras . partes d0 Reino..

A civilisação Européa, que he a de todo o mundo,


tem ' uma origem dupla; ' procede dos Romanos e dos
povos ~ermanicos. Assim ha Europa T;atina, e Europa
Teutoniea. A .Europa Latina comprehende os pOV0S do
Meio dia, entre os quaes estão a França, a Hespanha,
a· ·Italia e Portugal. A Europa Teutonica os povos
continentaes· :dQ Norte..e a Inglaterra. . .
A La he protestante, a 2. a catholica. Nas linguas da
1.0' doininà o -latim, rias da 2. a b idioma germanico.
Essa,s duas grandes difl'erenças, essas duas grandes
divisões reproduzírão-se na America descoberta e po-
voada pela . Europa: A America meridional he, ~omo, '
a Europa meridional, latina e catholica. A America
do Norte he Anglo-Saxonia e protestante.
Essas duas immensas diITerenças explicão a das ins-
tituições, leis e costum ~s.

Portugal, meridional e latino, foi beber na fonle


Romanll, grande p~rte das SlV1S ins lituições, das suas

c.
- 272 - ' t

leis, ,e dos' sens costumes; Era o Dj'rcit() Roma"no tt'


luse fundamental dos c$ludos nas suas ~scolas de Di- ':
feito. Os principaes caracteres da legislação ROIl1(l.na '
Stio a uniformidade, a unidade e o melhodo .'
'\" .
O Brasil tirou de Portugal a r~ça, a religião a tin·"
gua, as institniçõe~ e os costumes, c.· pertence' portanto
ao grupo dos povos latinos. '
. \

Posto que a França seja de natureza mixta, germa;


nica e latina, cO'mtudo pelo lodo das suas feições dis-'
tinctivas conta-se e pertence lambem ao grupo laLjÍl·o.
A França tirou tambem das inslituições e leis no,: '
manas grande parte das suas.
, '
. E por isso na anl~ga legisláçãO das ,antigas ~Ion~rchias~
Franceza, Portugueza e Hespanhóla e outras ' latinas
encontrão-se muitQ's pontos de semel~ança. A. educação,
i:\s idéas e os costumes devião resentiF-se muito d'isso .
l,loucos, 'e .pouco duradores são os vestigios do sc1t
government que .se encontrão ,n'esse,s paizes.
, . , ' .
. A França foi, em tempos mOderJlos, a 'primeira das..
Nações latinas/' que, pela sua esll1ondosa revolução, inàu-
gurou o systema constiLucional. Não o conquistolI poúco 1
~ pouco, como a ' Inglaterra. Não ',o firmü'u com luté\'
~ectJlares em ,precedentes, recordúçóes 'c tradi'Ções his"'~
to ricas (I). Desttuío todo o antigo edificio (o que tam1i>effiJ
, ,
"
. '.' ' ·4
, ( ,

(1) Não posso furlar·mc no prazer dc lrnnscrc\'cr :lQui, como nota, ()


seguinte succulcnlo ,p:lragropho do Cabantous - HcpcLiLions écriLcs, sobre o
qual ch:lmo a atLeoç3o do, lcitol·, , · - . .. "..
« 00 donnc le nom de con~tit\lition à r~oscmblc tlr.s ' rcgr' r.s rond:llnen -
lales, qni tlétermillcnL la rórlll c du gO lll'CI'IlPIIlCI1L I'L Irs garanti!',; IJes d~­
''')'l'llS, so il que ce~ " r('gll'S :ti('1I1 elol· constalécs par écri l, .. :o il lju'ctnlJlies
- 273
Ilieniõsr varreu e limpou· o terreno., ~dificou sobre elle
outro inteiramente novo, simples, systemático·, regu-
ladas todas as suas proporções pelas theorias mais )ibc ~
raes e philosophicas do tempo,··'

A obra da Assembléa Constituinte Franceza durou


pouco, Foi ·substituida pelas 15acchariaes da demagogia,
Estas pelo despotismo militar; em cujo seio refugiou-se
a França espavorida, . Este foi seguido pela Restau. .
ração, pelo l'egimeIi parlamentar, e pelo systema admi-
nistrativo do Imperio, desenvolvido e modificado, se"':"
gllrído as idéas e eXlgenCIaS mais ou menos liberaes
dos tempos,

o systema francez, inteiramente diverso do anglo.-


saxc)l1io, mais ou ·menos modificado·, he o mâis sim-
ples,· mai methodico, ' maü; claro e comprehensivo,
e o que mais facilmente póde ser adoptado por um
paiz que arraza, de um s6 golpe, todas as suas
antigas · instituições,· pará adoptar · as constitu cionaes

successivemcnt et graduellement, elles fa ssent padie dcs m murs nationa -


-- les et se conserv ent pár la ,scule nu tori té d e la tradition. .
« 11 nc faut pas croire que res constituition s puremcnt trarJitionclles soient Ics
moin s respectées et les moios dl!rables. C'es t tqut le contraire qoi a \icu. Leur
ori ~ ine n'oyant rico d'acCirJen[el oi d'arbitraire est entourée de· la véné-
ratlOn générale. Le temps qui les o créées les modifie inccssa mcn t saos
jamais les detruire, et leur existence n'a d'autre limite que la naLiona -
lité ell e même dont elles sont le prod ui t spontaoé ct progressjf. La Coos-
tilution Romainc daos rantiquité, la Constituti on Anglalsc da ns Ics lemps
moderncs, sont dem: c\cmples rcmarqoubles de la longévité des Constitu -
ti ons pnremcot traditionelles. Les Constitnlioo s éc ri te~ ne possedent )las
en général cette énergie de résislance contre I'action des ré\"olnLions poli-
t iqu es parce qu'elles soot souveot elles Ill cmes le resultat subit ct irréfl êclli
d' cvenemellts de ·ce genre, Ell es ont tou te foi s un(\ véritable utilité, cu cc
!)u'elles suppléeot à I'abseo ce des coostitutions traditi ollell es, dans les pa)"s
ou l'e~ )ll'Ít )lublic o'a oi assez de fermeté, ni asseI de persévérance )lOUI'
cn préparer r óvé ncm cllt, Elles peuvent d'uiIJeurs préscnter de o otablcs
chauces de durée, IOl'sque Icurs fondatcurs ont eu la sagesse de les adapter
au caractere dcs peupl es qu'ell es so ut destin ées à régir et d'y résel've r de
1l10yC llS legauI ct pacifiques de tran Srol'Dlati oll , et de perfectionemcnt. I)
-~\ n os ~ a Consti tui çãO 'possu r estas emin cnt es qualid arl cs .
Ir , 35

ou representativas, 'e isto muito 'principalmente qliân :
do esse paiz làtga as fnxas. do ' systema absoluto, e
abrindo pela' primeira- vez' <JS' olhos.- á- luz da liber-
dade, está mal,. ou não esta de tbdo- preparado para
se govern(!r em -tudo e- por tudo a si mesmo. -
" ,

, A, u~iversalidad'e e clareza _da litigoa fmnceza', o


methodo synthetico -e âídactico dos seu~ livros, a
abundancia que tem 'de Tratados e resumos ele-
mentares, o. pcmco trabalho que dão a · quem se sa~
tisfaz com nqções superficiaes, o ' seu modo de proce-
der por generalidades, a falta de -cunho especial.e original
de suas instituições, que por isso se prestão a' outros
paizes, onde esse cunho especial e original não se
dá tambem, são cCl:tamenle 'us causas pelas quaes os
povos , de raça latiq.a, que se tem organisado consti-
tucionalmente, ' tem idó beber na organisação frun"':
ceza bases e desenvolvimento pata sua-nova'organisação.'

Nessa fonte tem ido beber a ' Belgica, " a Hes-


panDa, Portugal, o Bin,sil e outros póvos da raça lati-
na. como teremos occa~ião de ver, apalpando, quando ,
entrarmos em miudos desenvolvimentos. '

Adoptas:los em um paiz, como nós adoptúmos, os pontos


cardeaes d' esse systema, ' organisa,do o paiz. segundo o
seu espirito em geral, não he possivel proscrevê-lo ,
sem adoptar o contrario, e seul a completa mudança
de toda a organisação existente. -

o systema administrativo Fmncez concede pOl!CO ao


self government, -he um e muito uniforme, preventivo
e muito ccntrulisudor. Alarga muito a direcção , tutela


275
e fiscalisação ,do 'Governo . AdmiUe largamente a hierar-
chia. Reduz ,o Pod~ r judicial ao civil e criminal.

Ao mesmo tempo assegura, quanto he possivel, pelo


exame, discussão e conselho, pela publicidade, e por
JP.~io de f6rmas, solemnidades e recursos, o maior acerto
e i/llparcialidade das decis.õcs .Administrativas. Sujeita
porém todas as loca}idadés ás mesmas regras e modo
de prQceder. Em todas a,s localidades p&ssão os negocias
pelo mesmo cad\nho . .·0 meC<!ni~mo a~JP.Ínistrativo he
o mesmo em toda ~ parte.

. Est.e . syslema he muito ligado, logico, e harmonico,


e tem inconteslaveis vantagens. Depois de bem mon-
tado (l desenvolvido he o que apresenta melhores con-
dições de resi~tencia e estabilidade, porque não de-
\pende do vai-vem de inconstantes paixões populares . .
Ho o unico ,applicavel a paizes que não estão nas
condições especiaes da Inglaterra ou"dQ"s Estados-Unidos.
Cada individuo ' tem menos ingerencia nos negocios
publicas, porém o seu direito está mais resguardado,
e garantido do que em muitos paizes que se dizem
-livres. Bem desenvolvido e Qxecutado, .como o he na
França, não se dão as violencias, e as injustiças fla-
grantes, das quaes apresentão nãO" raros exemplos paiies
que aliás gozão .<te liberdade.' A França não goza dê
)..lma completa liberdade política, mas não ha talvez
t

,pai-z ·melhor administrado, e onde a seg!lranca pes-


so.al, o djreito de propriedad~, 'e a impareialidade . dos
.Tribunaes sejão ' melhor assegurados e garantidos.

Ha muito qúe 'estudar e aproveitar n'esse systema.


por meio de um esclarecido Ecclectismo. Cumpre porém
2i6 -
conhecê· lo a fundo, não o copiar servilmente corno
o ternos wpiatlo,: muitas vezes mal, mas sim accommo- -
da-lo com criterio, corno convém, ao paiz.

Cumpre admilli-lo de modo que a sua excessiva cen··


tralisação não prej udique o direito garan lido pelo art.
·71 da Constitu'ição, e art. 1. do acto addicional, e
0

que tem todo o Cidadão de intervir nos negocios da


sua Provincia e Municipio, que são immeditamente re-
lativos a seus intef{$ses particulares.

Cumpre distinguir accuradamente q uaes sejüo .esses


negoci.os -para .eviLar confusão, usurpações' e conflictos.
e, a respeito d'elles, dar mais largas ao seU government
·entre n6s, reservada sempre ao Poder central aquelIa
fiscalisação e tutela, que ainda mais indispensaveis são
em paizes nas circumstancias dó nosso, porém de modo
que essa fiscalisaçã;o e ·tutela não embaracElm o an-
damento dos negocios e sobretudo dos p~quenos"
Cumpro', pelo que respeita aos negocios administra-
tivos da competencia do Poder geral, e dos seus agentes
nas Provincias cerca-los de instituições que assegurem
o exame, a audiencia dos interessados, a discussão; os re-
cursos, e a imparcialidade ~ justiça das décisões, fixar
regras e tradições. e acabar com o arbitrario.
Com instituições administrativas que preenchão essas
~ condições, com a liberdade politica que a Constituição
encerra, com um espirito publiéO esclareeido e pru-
dente,-possuiremos os principaes elemenJos que podem
assegurar a felicidade de uma Nação.

~
~
- ~
, .
APPENDICE
AO

2.° VOLUME.

.,
, ;

( _": r

"
ProJecto para a reforma da Uoustltuiç ilo

approva,do p·ela. Camara dos. Deputado!! e reoebido no Senado


em 14 de Outubro de 1831, e do qua'l, emendado, resultou
a lei de 12 de Outubro de 1832, e por fim o acto addicional.

Art. Unico. Os Eleitores dos Deputados para a soguinte legis·


laLurá.-Ihes confel'iráõ, nas procurações; especial faculdade para
reformarem os nvligos 'da 'C9nstituição, que forem oppostos áS
pr.oposições quo .se seguem.

§ 1.0 O Gover-no do Únperio dõ Brasil será uma Monarchia


Federativa·; ·' .

§. 2.° A Constituição reconllecerá' sómente tres Podores polí-


ticos; o Legislativo, . Executivo c o J.udicial.

§ 3.° A. Constituição marcará dist1nctamente as aLtdbuiçóes


que competem no Poder. Legislativo; as quo competem á Assom-
bléa Nacional sem n· cot}correncia· de outr.o ramo desLe Podcl' ;
as que competem a cada uma das Camaras, quo compõem
ª Assembléa Nacional; e as 9ue são c ommuns a ambas as
Camaras; fazenda-so ·nas · respectivas - attrihllições as-alterações
que forem convenientes.

§ 4.° Ã Camara dos Deputados será renovada por novas


eleições de dous em ,deus. annos que formaráõ o periodo de cada
legislatur.a.

§ 5.° KCamara dos Senadores será electiva e temporaria;


a éleição de seus , membros será na terça parte dos quc li.
compõem, e terá lugm' todas_as vezes que se renovar a Camara
dos Deputados,

§ 6 .° Passaráõ para o Poder Executivo as attribuiçõcs do


280
Poder Moderador, que róI' conveniente conservar. as outras
serão supprimidas.

§ 7.· O Poder Executivo só 'poderá suspender a sancçlio das


leis declarando por escripto os motivos; se apeza.r d'isso ambas
3S Camaras declararem que o projeéto deve passar, será elle
promulgado como lei. ' " , ..

§ 8.· Será supprimido na Constituição o capitulo relativo


ao Conselho de Estado.

~ '9.· Os Conselhos Gemes serão corivertido!> em Assembléas


Legislativas Pl'Ovinciaes, compostas de dlras Camaras; as leis,
nos 'objectos de sua cOll)petencia, ' terão vigol' nas ' respectivas
~rovincias com a sancção dos Presidentes.

§ 10. As rendas publicas serão divididas em Nacionaes e


Pl'Ovinciaes; os impostos necessarios para as desp e~as nacionaes
serão fixados pela Assembl6a Nacional, e peias Assembléas Pro-
vinciaes, as que forem necessarias para as despezas Pl'OvinCiaes.

~ 'U, Durante a minoridade' do Imperador o Imperio será


govel'llado por um l\egente ou Vice-Regente el(l~to pelas Asse,m-
bléas Provinciaes do Imperio, feitá a apuração de volos pela
Assembléa Nacional.

~ 12, Nos Municípios haverá um Intendente que serti nell es


o mesmo, quo os Pl'esidentes nas Provlncias.

Paço da Camara dos Deputados em 13 de Oútubl'O de 1831.

Acta da Sessão do Senado de 14. de Outubro de 1831.


, ,


~8t -
:l83~.-N. :129.

Emendas approvadas pelo Senado ao Projecto, vi1l d9 da Ca-


?nara dos Deputados, sobre a re{o1'lna da Cot/slituição.

No . Artigo Unico supprimão-se as palavras - que fqrcm op-


postas ás proposições.
, §§ 1.° e 2.° supprimidos.
~ 3.° que passa para 1.0 ridija- sc assim:
He reformavel o art. 49, a fim de poder o Senado reunir-se
independente da Camam dos Deputados quando se converter
em Tribunal de Justiça.
He reformavel o art. 6 L para conservação da Jndepe(lden-
cia de , cada uma das Camaras .
R§ , :.r.1 .,
~ ° :l.
,. °, 6"
° i,.,. . o e 8 ,° suppt'lm)
" dos .
§ 9,°, que passa a 2.° ridija-se 'a ssim:
He reforma vel o art. 72 na parte que exceptua de ter Conselho
Geral a'Provincia aonde estiver collocada a Capital do Imperio.
fie reformavel o art. 73,
He I'eformavel. o art, 80 sobre a 'época de ínstallaçüo dos
Conselhos Gemes de Provincia,
He refOl'mavel o art, 83 § 3,°
São reformaveis os arts, 8!~, 85, 86, 87, 88 sobre os Con-
selhos Gemes poderem resolver delinitivamente com appro-
vação dos Presidentes, em Conselho, quanto ror do interesse
peculiar de suas Provincias e que se não oppuzer ás Leis ge-
raes do Imperio, ou aos interesses da outra P )'ovincia, sendo
t udo participado pelos Presidentes á Assembléa Ge ral Legis-
lativa e ao Governo.
fIe rerormavel ~ art. 101 :§ [~, o s01)re a approvação das Re-
soluções dos Conselhos Provinciaes pelo Podei' Moderador .
§ 10, que passa a ser 3,°
São reformaveis os arts, 170, e 171 para fi ca rem em barmo-
nia com o que fOr approvado nos artigos antecedentes.
§§ 11 e 12, Suppri~idos. •
Paço do Senado em 31 de Julh o de 1832.- Bento Barro;;o
Pereira, Presidentc.-Conde de Valença, 1.0 Sccr etario.-Luiz
J oaquim lh,que- E.~ trarla Furtado de Mendonça, [~ . o ~ecretario .
1[. 36

- 282-
p'rojecto de Lei sobre as' reformas da Conslituiçâ9, d'o qllill
?'esullmt o acto a ddú:iona 1.

A Camara dos Deputados competentemente auto risada pai'a


refórmar á Constituição do Imperio, nos termos da Carta de
i.ei de 12 de Outubro de 1832; Decreta as seguintes mu(Jan-
ças, e addições, que depois de juntas á mesma Cori's tituição,
seriío solemnemente promulgadas, ..

Ar't. 1. 0 O direito reconhecido, ' e "gamntido peio art. 71


da Constituição, será exercitado peJasCamaras dos districtos
e pelas 'Assembléas, que com o titulo de - ' Asse~bléas Lé-
gislativas Provinciaes-se devem estabelecer em todas as Pro-
y,incias. '

Art. 2,0 Cada uma das Assembléas Legislativas Proviilciaes,


cons't ará de 36 membros, nas Provincias de Pernambuco, Bahia,
Rio . de Janeiro, Minas e S. Paulo: de 28 nas do Pará, Ma-
ranMo, Ceará, Parahyba, Alagôas e Rio 'Grande do Sul; é
de.. 20 ,em, todas aS loutras. Este numero poderá ser al,ter.a'd o
por lei geraI.\

Art. 3. 0 A sua eleição " far-se-ua ,da ~esma maneira, que


SQ fizer a dos Representantes da Nação, e pelos mesmos Elei-
tores, mas cada Legislatura Provincial durará só dous annos,
podendo os membros de urna ser reeleitos pa'ra a seguinte.
Immediatamente depois de publicada esta reforma, procc-
der-se-ha á eleição das Assembléas Legislativas Provinciaes,
que entraráõ logo em exercicio.

Art. z..:
A sua primeira reunião far-se-ha nas Capitaes das
Provincias, e asseguintes nos lugares que forem designados
por actos Legislativos Provinciaes: o lugür porém da primeira
reunião da AssernbléÍl Legislativa da Provincia, em que estiver'
a eôrt~ será design~do pelo Govérno:

Art. 5.° A nomeação dos respectivos Presidentes, Vice· Pre-


sidentes, e Secreta rios, verifica~no dos Poderes de Sf'tlS membros,
-283 -
j luamenlo, ç sua economia e policia inLerna, nll'-se-Ita na rÓI'mil
de SElns Regiment~s,
. l
Art. 6,' Os membros das Assembléas Provinciacs são invio-
lllveis pelas {)piniões que emittircm no exerci cio de suas func-
çiles, e durante a sua Deputação não poderáõ ser presos, senão
por ordom d'a . respectiva AS5embléa, salvo por crime de re-
bellião, sedição, insurreição, auxilio a, estrangeiros para invasão
do Imporio é em ' flagrante delicto de pena capital.

Al't. 7,' Se algum delles f~r pronunciado, praticar-se-ha ()


mesmo, ·que determina o art. 28 da Constituição, ácerca dos
Senadores e Deputados.

Art. , 8,' Todos os unuos ha \(erá . sessão, <'Iue durará dous


mezes, podendo &cr proro'g ada, quando o julgar conveniente
o Presidente da Provincia,

Al't. 9.'P Presidente da Provin cia assistirá á instaUação da


! .ssembléa:-' Pr{)vincial, que se fará. á excepção da primeira vez,
no dia que ella marcar; lerá assento,igual ao da Presidenle
dolla e .á sua direita, e ahi dirigirá á mesma Asscmbléa sua
falIa, instruindo-a de estado dos negocios publicos, e das pro-
videncias que mais precisaI' a Provincia para seu melhoramento.

Art. 10. Compete á s. Assembi-éas ' Legis"latlvas J1rovinciaes


legislar:
1.. Sobre as pessoas não l-ivras, 'exeeptuado O que diz res-
peito ··ao seu lraüco ex terno .
2. o Sobre a cI'eação de novas Villas, e Parochias, alteração,
,r exlincçao das existentes.
; 3. 0 Sobre inslrllcção publica e estabelecimentos proprios a
promovê-la, não comprebendendo os Cursos Jurídicos, Facul-
dades de Medicina e Academias' actualmente existentes, e 0 5
que para .0 futuro forem estabelecidos por lei -geral.
4, o Sobre os casos, em que póde ter lu:;ar a desapl'Opri·açã<!l
por utilidade Munioipal ou Provincial. ,
5.' Sobre a Policia c eco nomia M tm~ cipal , precedendo pro-
l)O~(a das Cu maras.

(".
- 284-
6.° Sobre' a Ib:ilção 'oàs despezas Municipaes', é 'iprovinciaes;
e os impostos para ellas neéessarí03, comlanlo que não pre:"
judiq!lem as imp~sições gemes do Estado. 'As Camaras 'po-
deráõ propôr os meios oe occoi:rét' 'ás despezas de seus I\iu~
nicipios; I

7. 0 Sobre l'cpal'tição da ' contribuição ' âirec(a .pelos "M,uni-


cípios da 'Provincia,·e'· s'obl'c à fiscalis'ação do emprego das rendas
publicas Provinciaes e MuniCip'a ese d,as. contàs de ·sua receita.
c despeza. f"
As despczas Provin ciacs serão fixadas soõre orçamento do
Presidente dil Provincia, Ae ' as 'l\'Iuni ~jpacs sobre órf umente> das
respecLivas Cumaras. ' i
8. o Sobre cl'eação, alteração ' ou suppressuo de 'émprcgos Mu~
njcipaes . e Provinciàes e estabelecimento dos seus ordenados.
9. o S(')brc' ob'ras publi'cas, ' cstl'aâo:s~ e navegação rio' 'interior
da rbs~ectiva Provincia, quando l;ão ' pnüudíquein a outras Pro~
vincias.
10. Sobre construcção de casas de prisão, trabalho, correcção
e regimen dellils: . ..
11. ' Sebrc'casas·de 'soc"Orí;(ls pub'licos, Conventos, e quaesquci"
associações polHicas, ou ·religiosas .

Art.. H. Tarpbem compete as


Asscmbléas Legislativas Pro-
vincia,es ;'
. '

1. o Organisar os seus Regimentos internos sobre as segQ.intes


bases ;-1. a Nenhum pi'ojccto de lei,: ou Resolução poderá
entrar em discussão, sem 'que' tenha sido dado para Qrdemd(}
dia, pelo m'enQs 24. horas antes ::- 2: a, Cada. projecto ; de lei' ou
Resolução, pelo menos, passará por tres discuSsões.- '3. a j.D e
uma a {J)Utl'u disctHsão não poderá, haver m.enor inte"rvaUo .do
que 24- tloras.
Etn quanto as A:ssenibléas P"ovihciaes não organisaF~(n os
scus Regulamen~os, regular-se-hão pelos Regimentos ·dos .con"
selhos Geraes de Provincia. ' ' I
2 . 0 Fi,xar sobre inrorma~ão do Presidente da Pl;o~incia, a
,-
forçá PolíGial respectiva. · {,
3. o AutorÍsul' as Camàras l\'Iunicipaes, e o' G(!).\',erno; 'Provincial
1)1ll'U cônLrabir 'crnI1t:e Limos, com q.ucoccorrão ás suas rcsp'c ctivas.
d~ p~a ~ ~

,

- 285 -
, 4,· ' Regular :l. admillistraçiío tlo~ 'bens l)roviuda.cs, Ullla lei
determinal'á o ' que são bens Provinciaes,
5.· Prombvêr cumulativainente com a Assembléa e o Ge-
,'erno Gemes, a 0l'gani5ação da Estatistica da ProviAcia, a ca -
techese, e ' civilisação dos , indigenas, e o estabelecimento de
colonias oos l'u gares incultos .
. 6.· Decidil', quando tiver sido pronunciado o ,Presidente da
Provincia, ou quem suas "ezes fizer, 'se o pl'ocesso deva con-
tinuar;' e elle ser, ou não suspenso do exerci cio das suas
1'nucções,
7.· Decretar a suspensão, ainda mesmo ,demlssão, c declarar
inhabil pal'a exercer o mesmo, ou diverso emprego, o Ma-
, gistrado, contra quem,houver quc'ixa de responsabilidade, sendo
elle ou\'ido, e dando-se-lhe lug:i r á defeza.
8.° Exercer cumulativamente com o Governo GemI, nos
casos e pela fórma marcada no § 'iH> do art. 179 da Consti-
tuição o direito que esta concede -ao mesmo Governo Geral,
o qual poderá tambem nos mencionadas casos, suspendel' a
execução de alguma lei Policial, Municipal, ou Provincial,
quando assim o julguc .indispensavel, fazendo cessar essa sus-
pensão immediatamente quç pesse a necessidade urgente que
a motivou.
, 9.° Velar na guarda da Constituição e das lei ~, na sua Pro-
vincia, e representar á Assembléa e ao Governo Geracs. contra
as leis de outras Provincias, quando cIIas oft"enderem os seus
dIreitos.

, Art. 12. A~ Asscmbléas .Provi,nciaes não poderál)- ,legislar


sobre impostos <le importação, nem sobre objeGtos não 'com-
prebendidos nos <lous precedentes artigos.

Art. 13. As Leis .e Resoruções das AssembléllS Provinciaes


serão cnv-iadas directamenle ao Presidente da Provincia, a quem
campete sancciona-Ia.

Art. 14. Se o Presidente , ' ouvido o seu' Conselho, entender


que deve sanccionnr a Lei ou Resolu ção, o fará pela seguinte
fOl'lIlula , assign'ada <k seu punho.- 'Sancciono e publique- s '
t omo lei.
- 286
Alt. 15. Se o Presidente, ot1vido o seu Conselho, julgar
quo deve negar a Sancç.ão, por entcnder que a Lei Oll Res(}~
luçl'ío, não convém aos interesscs da Provincia, o fará por esta
formula -V'Olte á Assembléa LegislêJtiva Provincial,- expondo,
debaixo de sua assignatura, as razões, et;n que se fundou. N'este
caso será o projecto submettido , a nova discussão, e se fôr
adoptado tal e gual. ou modificado, no sentid'O das ,razões pelo ,
Presidente alIegadas, por dous terços dQs votos dos Membros·,
<ia Assembléa, será reenviado ao Prcside-nte da Provincia, que
o sanccionará. Se não fór adoptado, não poderá ser novamente.
proposto na mesma scssão.
I 't J \

. Art. 16. Quando porém o Presidente negar' a sO'Qcção, por


entenQer que 'O . projec,to prejudica a alguma outra Provincia
lI?S casos declaradoS no § .9. 0 do art. 10, ou olTende os Tratados
fe~tos com Nações estrangeiras; e a Assembléa Provincial' julgar
'O contrario por dous terços dos votos, como no at'tigo pt'ece-
dente, será o projecto com as razões allegadas pelo Presidente
da Provincia, levado ao conbec~mento do Governo e da , Assem-
bléa, Geral, para esta defi,nitivamente decidir, se ,ç!le deve ser,.'
ou não, sánccionado. ' , .

Art. 17. Não se achando lússe tempo reunida a Asse~bléa


Geral, e julgal?do o Governo que '0 pl'Oject'O dcva 'ser sanccio-
nando, poderá. mal!.,dar que elle seja proyisoriamcnte execut~do,
até definitiva decisão da Assembléa Geral .

Art. 18. Sanccionada a ,Lei, ou Resolução, a mal~dará o


Presidente public~l' pela fórma: seguinte: - F. ; ..• Presidente
da Provincia de ...•• Faço saber a todos os seus habitantes,
que a Assembléa Legislativa ProvinCial Decretou e eu sanccionei
a Lei ou Resolução seguin~e ( a integra da lei nas' suas !iispo-
sições sómente). Mando portanto a todas as autoridades, a quem
o conhecimento, e execução · da referida Le;, ou Re,solução per,,;
tellcer, que a cumprão e fação cumprir tão inteiramente como
n' elIa se contém. O See.relario ~esta Pr.ovineia fi façi1 ill)primir ,
publicar o corret'.
Assignada a Lei ou Resolqção, p_elo Presidente da Pr,ovincia,
o sellada eonl o :;clIo do Imperiô, se guardar~, o orj pi!lal no


Arcbivo Publico, e se ellviaráõ exemplares d'ella á todas as
Camaras, Tribnnaes, e mais lugares da Provincia, onde con-
venna fazer-se publica .

.Art. 19 O Presidente dará ou negará a sancção, DO prazo


de 10 dias. c não o fazendo, ficará entendido que a deu. Neste
caso, e quando, tendo-lhe sido reenviada li. lei, como determfna
e art. 15, recusar sancciona-Ia, a Assembléa Legislativa Pro-
vincial a mandará publicar com esta declaração; devendo então
assigna-la, o Presidente da' mesma Assembl éa.

Art. 20. O Presidente da Provincia enviará á Assembléa, e


aG Governo Geraes, copias authenticas de todos os actos legis-'
lstivos Provinciaes, 'que tiverem sido promulgados, a fim de
se examinar se olTendem a '-Constituição, os impostos geraes,
os direitos de outras Pro'vincias, ou os Tratados, cásos unicos
em que o Poder Legislativo Gel'al os poderá revogar.

Art. 21. Os Membros da Assembléa Provincial venceráõ dia-


riamente, durante ó tempo das ' sessões ordinarias e extraor-
tlinarias, e das prorogações, um subsidio pecuniario, marcado
pela Assembléa Provincial, na primeira sessão da legislatura
ólfttecedente. Terão lambem quando morarem fóra do lugar
de sua reunião, umá indemnisação annual para as despezas
da ida e volta, ma'reada pelo mesmo modo e proporcionada
á extensão da viagem . .

Na primeira legislatura, tanto o subsidio, como a indem-
uisação, serão marcadc.s pelo Presidente da Provincia.

Art. '22.-Além das attribuições. que por lei competirem aos


Presidentes das Provincias, compete-lhes tambem :
1,· Nomear d'entre os Deputados Provinciaes até seis Con-
selbeiros, 'a quem ouvirá na 'sancção das leis, c em lodos os
negocios graves da administração Provincial, e removê-los quan -
do julgar eonveniente.
As fun cções dos Conselheirbs' cessão em todo caso, logo qu e
toma posse novoPresidcntc.
2.' Nomear para um ou ' mais Manicipios, Delegados, que
el'ão incumbidos 'de 3f\Ílrovar provisoriamcntP 35 posturas das

, c
(I

- 288-
Camaras MliI1idpaes, promover a sua obsel:va.neia, ~ executar
as erdens do Presidente ,da Provi ncia. '
3.° Nomeár e demittir os empregados publicos, quando .o
exigir o bem do serviço, e não se OppUZeI' á lei.
4.° Convocar a nová .\.ssembléa- Provincial, de maneira que
possa reunir-se no pra~o marcado para,as suas sessões.
5. ° Convocar a Assembléa Provincial .cxtraol'dinariamente,
pro roga-la e adia-Ia ·quando a~sim o ~ exigil' Q bem· da Pr€l-
vincia. , ~" '"
6. o Suspender upublicaç,ão das leis P rovinciaes, nos casos,
e pela fôrma marcada nos arts. 15 'e 16,
, 7.° lncum'bil' os negodos Geraes ,aos empregados Provincines
l

c l\Iunicipaes, e vice-versa, quando assim julgal' conveniente.

, Art. 23, Todos· os , negocios Municipaes, e P,rovinciaes, se-


rão decididos ,e definitivamente. terminados ,nas respe~tivas Pro-
, vincias, ainda que seu conhecimento l(mha sido com!nettido a
empregados Geraes.

Art. 24.. Se o Imperador não tiver parente algum que feu-


na as qUíllidades exigidas [lO art. 122 da Consliluição será o
Imperió governado, durante a sua , menoridade, por um Re-
genté Permanente •

Alt, 25, A eleição d'este Regente será feita' pelos Eleitores
de todo o Imperi~, os quaes, reunidos nos respectivos Colle-
gios,' votaráõ por escrutinio secreto, em um Cidadão Brasilei-
ro. Apurados 'os votos, lavrm''Cse-hã.o tres actas do . mesmo
theor, que contenhão os nomes de todos os votados, e o nu-
mero exacto de 'votos, que cada um obtiver. Assignadas estas
netas pelos Eleitores, e selladas, serão enviadas; um;a ,á Cama..
Ta Munic,ipal, a que ' pertencer ' e ' Collegio·, outra ao Gover:n9
Gpral, por intermedio do Presidente da Provincia, e a tercei-
ra directarnente <lo Presidente do Sen,ado.

Art. 26, Q Presidente do ' Senad6, tendo recebido as aetas


de todos os Collegios, abri-Ias-ha , em Assembléa Geral, rcu-
nidas, amba'S' as CamoTas, -e fará contar os votos; o Cidadão
que oQtivel' a mai.oria d'estcs ser<Í. o RegçRte. Se houver, em-
(

.,
- 2Sg
pate, por lercm ' obtido o mesmo num ero de valos, dous ou
mais Cidadãos entre elles, decidirá a, SOltO.

Ar!. 27.• O Governo Geral marcará um mesmo dia para


esta eleição, em todas as Pravincias do Imperio.

, Art. 2S~ Emquanto o R,egente não tomar posse, c na sua


falta, e impedimentos, governará o Ministro de Estado do Im-
perio, e na falta, ou impedimento d'este o da Justiça.

Art. 29. A aclual Regencia governará, até que tenlia sido


eleito c tomado posse o Hegente de que ' trata o art. 25.

Art. 30. Fica supprhnido o Conselho de Estado, e serão


el iminados da Constituiçüo os artigos, de que co nsta o Capi-
,tulo 7.° do Titulo 5.°.

Paço da Camara dos Deputados, 7 de Junho de 1834.

Pm'ccer da Commissão das Assembléas Provinciaes' da Camara


dos Deptdados de 10 de Julho .de 18'37, sobre a interpre-
- taçiio do 'Aclo Addicional, .

A necessidade de estabelecer uma ,regm geral de interpre-


tação sobre va rias artigos do Acto AddicionaJ, ácerca dos quaes
occorrem duvidas, e tem apparecido variada intelligeneia, pa-
rece haver sido em diversas discussões reconhecida por esta An-
gusta Camara. O exame de varias actos Legislativos das Pro-
vincias, pela Cornrnissü<r1hrs Assembléas Provinciaes, a convc,llccU
ainda mais da urgencia (le semelhante medida,
Certamente que a adopção de uma interpretqção sobre aquolles
paragrá phos que admitlem fundada duvida, he medida preferivel
á de se ir fixando a sua intelligencia á proporção que se forem
examinando e discutindo os nctos Legislativoji das Assembléa,,,
das ProviIjcias. Esta interpretação facilitará o exame que in-
cumbe á t ssembléa Geral o art. 20 do mesmo Acto Addi-
n. . 37
- 2nO-
cional, fixará uma inlelligencia cerl~, -Ínvaria\'el e independente ",
do vota ções contradiclorias, e orientará as ASSC~11 biéas e .esPrc-
sidentcs das- Provincills na proposição, .discussão, adopção e
s~lIcçào das Leis Provinciaes. ·Nada .pódc haver pois 'que, mais
(ul~esto seja do que a incerteza e instabiIida~e nos principio,s
constitutivos e orgllnicos do Direho Publico , Naéiona~1.
Nesta cspi~hosa tarer~ julga a CommiS~l1O q~e cumpre tel'
muito em vista, que o' Aclo Addicional Ill.arçou ,as attribuições
das Assernb16as' Provinciaes 'amrmativamonte, isto 'h c,eslabe,-
leceu nos arts, 10 e 11 quaes os- objectos sobre' que 'pode-
rião legislar . E rio ,artigo 12 dispOz que ,o não podcl'iflo fazer
sobre outros nos ,ditos artigos li riO ,comprehenilidosi '
Logo, ' tudo que está róra desses arligos pertérÍce ao fodef
GoraI. E deve ' a 'sua intelIigencia deri~ar-se de suas palàvras
por tal modo, que ntío ~ vénha ella por ~ua amplitude a com-
prehender objeclos que a , letra e espírito da Lei não compre- ,
bende, e soMe os ({uaes Í1no esliío as mesmas . ;
Assembíéas .por
'outros artigos aulorisadas a .legislar, A.o mesmo tempo cum-
pre que tanto o Poder ' GemI, como o Provincial encontre na
esphera de su~s attribuições tudo quanto h~ indispensavel para
, o ieu bOql c cO~lpleto desempeJ\ho, Esta circum-stancia cons-
tit!le a princ,ipal excellenci<J, da ,Constituição fede"ral- dqs ltsta:-
dosTUriido8 'da America do Nort~: Todas', as vezes pois que à,
I~ei confere Q poder ge)'al de fazer uma cousa, 'compreh!:lnde
na sua disposição todos as poderes peculiares .a esse fim neces-
~ ~

sarios, FÔra absurdo admittir,que o Acto AddicioQal ~~nce'desse


attribuições imperfeitas e 1J1ancas ás Legislaturas }?rovi!lciaes,
e qu-e fizes.,se ,depender as , Leis que dellas emanassem de 'ou ...
tI'O Poder, sem comlud-o sequel' suppôr- a maneira de obtel! '
o concurso das duas vontades. Seria isto inexhaurivel fonte '
r
de conflictos, de confusão e de anarchia na Legislação.
Não lIe de admirat:, .que as Assembléas I..egi,slativas ,Provinéiacs
tenhão exhorbitado das attrib~j ções de que o Acto Addicio nal as
I'eveslÍra, porque têem natilral tendencia QS Corpos 'delibCl~antes
a transpÔr as raias de séus' poderes. Era, ,isto tanto mais natu-
ral em o nosso Paiz a i'espeilo de Instituições de recente data,
mal entendidas em muitos lu ga res, e cuja intelligencia não
pÔdê ainda fixar a diuturnidaqe dos tempos, a .frcquencia das
di st: ti ssõcs c a rcpntição dos casos.
- 2'91
Antes do fixar a interpretação que àdoplil, j ul ga a COIll-
mi ssão conveniente estabelecer os seguintes principios que em
sua tarefa a dirigírão.
« lIe inqueslionavel que a Lei ha mister interpretação quan-
do o SOll sentido, posto quo claro n@s termos, l evà r-nos-~Ii<i
ti consequencias fal sas, e a decisões absurdas, so indistincla-
mente fosse applicad~ a tudo quanto pareco estar comprehendldo
em as suas palavras. A evidencia do absurdo qu o desle sen-
tido apparenl e resulLaria obriga-nos enUlo a descobrir "pela
interpretação não o que a Lei diz, mas o que a Lei quor ;
obriga-nos " tambem a julg,ar .!)ela sua intenção, qu al seja a
oxtensão e limi~e s que o seu sentido deva ter. Esta especie de
interpretação depende sempre' da modificação que alguma ou-
tra Lei dá áquella CIl!0 se qUCl' appll ca r. " .
Nenhum "arligo de Lei se deve entender de modo qU\) dos:
t rua- outros da mesma Lei e os inulilise.
O § 7,·- do art. 10 do Acto Addicional autoriStl as ASiem-
bléas Pr.ovinciaes ·a legislar sobre a creação e suppresião dos
" E mpI'cgados l\lunicipaes e Pl'ovinciaes, e estabelecimento dfJ
seus ordenados.
.>\. 2." partc dessc pal'agl'3pho estahelcce que são empregos Ge;-
racs os que dizcm respeito á adminiSt['[\~ão, arrecadação e conta:
hilidade· da Fazenda Nacional ; á administração' da GUCl'l'U e Ma-
rinha e dos Coi're.ios Geraes ; os cargos de Presidenlc de Pro -
"inci[l , Bisp'o , Commandanlc Superior d'u Guarda Nacional,
;\rembros das Relações e Tribunaes Superiores, Empregados
das Faculdades de Medicina, Cursos jul'idicos e Aéademias,
Todos os mais que existem nas Provincios c Municipios são
Provinciaes c' Municipaes. São portanto Pro vinciaes ou 1\1u-
ni cipaes os empregos de Juiz de Direito, Chefes de Legião,
Juizes Múnicipaes, de Orphãos, de Paz, os de PromolOl', de Pa-
rocho, Vereador, & c.
Antes do Ácta Addicional li nh a o Poder Legislativo Ge/'al a
plenitude do "lloder Legislati vo, Com a reforma da Co nstitui-
cão do Estado fmccionou-se aqu clle Poder e fi cou perlencendo
~s Assembléas Legislativas Pl'ovinciaes, com exclusilo do PodeI)
Legislativo Geral, o legislar sobre todos aqu elles objeclos qu e
so achão "co mprehen didos nos arts. 10 e 11 do Aclo Addi cio-
lI al, cxce ptuados dous casos que fez cumulaliyos , Uc portan to
Bvidentc: f. o', que passárão a p'crtenccr á. espHera ' do PO'd ~r
Legislativo Provinc!al todps aquellas Leis GeJ'acs que versrío
sobre objectos comprchefididos nos mencionados dous artigos:
2.°, -que as Assenibléas dO' l'tovincia podem revogar .e alterar
essas Leis como erilenderem conyeniente: 3. -que o Poder '
0
,

Legislativo Geral não ~óde mais, sem manifesta usurpação,


legislar sobr~ semelhantes objectos. -
Postos ' estes principios' que á Commissão parecem inconles-
- tayei,s, passa ella a entrar na 'in'terpretação do § 7. 0 citado.
Considerado esse · paragrapho só por sóe 'pelo que soão as suas
palavras, pode entender-se (e assim, o tem varias Assernbleas
'entendido ) que autorisa as LegislatuJ'as Provinciães a crea-r e
supprimir todos ü's empregos, que não são Géraes, com al-
teração e mudança de suas a,ttribuições e ess(~ncia. Não se pô-
de ' pois dar Cl'eação ou suppress50 de um emprego serll éreação
ou suppressão das attribuições que lhe estã@ inherentes, to "
mando-se a palavra emprego em accepção generica e abslracta,
sem referencia a localidades, e' a divisões Civis; Judiciarias 0U
Ecclesiasticas. O emprego de Juiz de _Direito 11e p"rovincial.
Logo podem .as Assembléas Provinciaes supp.l~imi-Io e creal'
outro que o ·substitua. O .mesmo podem . faze'r a respeito dos
J uizes Municlpaes, de Orphãos, de Paz,' dos Promotores, Chefes
de L-egião, Oficiaes da Gual'da Nacional, Vereadores, Paro-
chos, & c. Admittida pois aquella intelligéilcia força he 'ad-
mÚtil' francamente todas as consequencias que della ~a­
narem.
Ora se as Assembléu-s Proviríciaes pogem supprimir lodas as .
altribuições de qualquel' dos empregos Provinciaes Oli Muni-
cipaes, he necessaria consequencia que podem supprimir p-arle
das mesmas attribuíções, porque a mesma entidade que p6de
o mais póde- o 'ínenos. Se com a suppr,essão do emprego de
J líiz Municipal' podem supprimit: todas ris suas altribuições,
podem tambem supprimir - parte dellas. A doutl'ina conlrar·ia
importaria o absurdo, de que as Legíslaturas Provinciaes sómente,
podcrião exercer a faculdade ' de legislar sobre empregos Muni-
cipaes e Pl'Ovinciaes, destmindo o emllrego e lodas as suas at-
tribnições, ainda mesmo que o bem publico não exigissse a
supprossão total do ' empl'ego, mas dnicam enle alguma allcra-
~ão nas suas nttribuições.

"
-.
- 2~3 -
Es ta inlolligencia (que a Commissão repl'ova.ltem sido adop-
tada em toda -a sua amplitude pOI' varias Assenlbl éas, cujas
Leis tem alterad.o quasi toda a nossa orgauisação judiciul'ia.
A Co!nmiss110, para maiol' clareza dos seus argumentos, irá
buscar al guns exeniplos em diversas Leis Provinciaes, confor-
mes á inlelligoncia exposta.
A Assembléa Provincial de Pernambuco, pela sua Lei de 14
do Abril do ' anno pas3ado, creou Prereilos, aos quaes encarre-
gou, entre outras, as attl'ibui ções dos Cheres de Policia, as de
fazel' executar as s,entenças crimillaes, e de formar as listas
-dos Jurados. Supprimio os Juizes de Orphãos, cujas allribui-
ções deyolveu aos Juizes de Dircito do Civel. Supprimio igual-
, mente os Juizes Mun'icipaes, e bem assim todas LlS altribni-
ções dos Juizes de Paz, que não são pertencentes á concilia'ç,ao,
eleições, e julgamento de causas civeis até a quanti a de 50~F OO
réis. Devolveu aos Juizes de Direito do Crime as attribui ções
de 'conceder fianças, de julgar as contravenções ás Posturas
Muni cipaes, de pronunciar nos casos em que até então pro-
nUllciavão os Juiz~s de Paz, e de julgar os crimes em que
cst~s sentenciaviio, & ç.
A Lei Provincial do Ceará . de 4. de Junho de 1835 contém
muitas dis posições analogas. Além disso extinguio as Juntas
de Paz, passando para os Juizes de Dil'eito as suas attribni-
ções. Alterou a fÓl'ma da eleição dos Juizes de Paz, que tor-
nou indirccta fazendo-os eleger em listas triplices, da~ quaes
escolhe o Pre~idente da Provincia os 4 Juizes qu e devem servir
, durante cada J~egi slatura.
_ Outros exemplos pudera a Com missão aponlar. Esses lhe bas-
tiio porém para o fim que tem em vista,
Essa Legislação he nlltul'a1 consequencia da intelligencia ,do
§ 7.0 em qu Eístiio , q~e ficou apontada e qúe a Commissão tem
de combate...
Supponha-se 'por um pouco verdadeira, e exominem-se quaes
os seus resultados •
. O exame o mais superficial das nossas Leis judicial'ias, e
'das Nações mais cultas, bastará a convencei' que a ordem, e
todas as regras do Processo Civil e Crimillal descansão sobre
a seguinte base - a orga nisação judiciaria. Não he poss ivel
pois es tabelecer regras de Processo abstrac las, que caibão li
I
- 2-94 -
qUllesquer Tl'ibullaOs, e a qualquer organisàçüo judiciaria, mór-
mente pelo que respeita á parte relat.iva aos recursos.
O Codigo do Processo Criminal suppondo a existencia das
Juntas de Paz, incumbe-lhes no artigo 216 - conhecer de to-
das as sentenças dos Juizes do Paz que houverenl imposto
qualquer pena, de que so tiver recorrido em tempo, confir-
mando-as, ou revogando-as, ou altenlndo-as som mais recurso,
excepto o de H.evista. E na Parte 2." Titulo 3.° Capitulo 10,
estabeleceu a rórma de Processo, qúe perante esses :rribunaos
deveria seguit'-se nos recursos do que con hecem.
A Lei J>rovincial do Ceará acima citada extinguindo as Jun-
tas de Paz, e passando os suas attribuições pal'a o Juiz do
Direito exlinguio aquella rórma de Processo, pois a que ho
seguida perante Tribunaes collectivos, nuo !to applicavel a um
só Juiz. .
O mesmo. Codigo do P I'ocesso suppcmdo a existencia da or-
ganisação judiciaria que creára, deu, entre outras, aos Juizes dQ.
Paz a allribui~,;1o de concedel: as fianças, cOm reCIIJ'so para o
Juiz de Direito. Encarregando os mesmos Juizes de Paz da for-
mação dos summarios e das pronuncia~, marc~lU os recursos
respectivos, suppondo a exÍstencia d'esses Juizes com as aUri-
buições de que q~ reveslím.
A Assembléa Provincial de Pernambuco passando a altribui-
ção de conceder fianças dos Juizes de Paz para os do- Direito,
extinguio o recui'so daqueIles para estes. Encarregando. os
Juizes de Direito ~as pl"Onuncias, extinguio o recurso do art. 294-
do Codigo. ._
Entretanto ho indispensavel que as alterações provenientes.
dessa Legislação sejão. postas em harmonia com as outras pilrles
do Codigo.
A sobrcdita_Assembléa vio-se nestes' embaraços e na necessi-
dade, decorrido pouco mais de mez e meio, de Jegislar pela
Lei de 4 do Junho do anno passado, sobre os recursos cujas
rolações havia destruido. .
Assim podendo (segundo a intclligcllcia por hypol!te.se admit-
tida) as Assembléas P rovinciaes, pela cl'eação ou suppressão de
empregos Provinciaes creados-por Leis Gemcs, relativas a nego-
cios tambem geraes, alterar as suas attribuições, e ach~ndo-se
estas, como no Codigo do Processo, eslreitamenle Iigados..com

(
lodo o seu s.ysLema, he indispensnvel admiltil' alguma das se-
,guintcs hypolhescs ';
1. 0, ou ,que as Assernbléas IjcgislativaS Provinciaes possão
alterar as regras do Processo e pÓ-las em harmonia com a sua
Legislação ácerca dos empregos quo supprimem e crelfo; 2.·,
ou que incumba á Assembléa Geral estabeleceI' essa harmonia;
3,', ou que a faculdad~ do legislar sobre Empregados Provin-
daes e l\tunicipaes que tem ,as Legislaturas de Provincia fique
limitada pela Legislaçflo do Processo; 4-__', ou finalmente, que
a desharmonia resultanto de taes alterações subsista smn cor-
l'ectivo o romedio. '
A L' hypothese he inadmissivel. Exceptuaâas pois as attl'~bui­
çúes mencion!ldas nos §§ 5. o e 8. o do art. 11 do Acto Addicio-
nal, - que são 'c umulativas á União o ás Provincias, todas as
mais o não podem ser. As oxcepções conteudas ' nesses para-
graphos firmfio pois a regra em contrario.
Assim a faculdade de legislar sobre materias de Processo, sobro
a organisação da- Guarda Nacional c das Municipalidades, nllo
póde pertencer cumulativamente á União e ás Provincias. Nem
, pela natureza çlas cousas era póssivel que a ambas pertencesse.
Ora essa faculdade nfio pertence ás Legislaturas Provinciaes,
porque n'ão se acha com-prehondida em nenhum dos paragra-
phos dos arts. 10 o ,11 do Acto Addicional, o o nrt. 12 ex-
pressamente' veda que ellas legislem sobre objectos não com-
pl'chendidos naqueHcs . dous artigos. Logo pertence á UnHio.
A ,2 .' hypothese he igualmente inadmissivel. A flscalisação
e àcção- da Assembléa Geral sobre as Leis Provinciaes reduz-
se únicamente, polo art. 20 do Acto Addicional, a examinar
se taes Leis orrendem a Conslituição, os impostos geraes, os
direitõs de outl'US I)rovincias ou os Tratados. Seria além disso
indecoroso e absurdo que á Assemblé,a Geral coubesse a ta-
rera de pOr as Leis de Processo em harmonia com as Leis de
18 Provincias, fazendo assim Lei~ de Processo Provinciaell. Sendo
as alterações quo a Assembléa Geral assim faria resultado ne-
cessai"io da confrontação de Leis Provinciaes que não poderia
alterar, com as Leis do Processo, não exerceria eHa a seme-
lhnnte rospeito o Poder Legislativo, Competindo-lho aliás ,a
confecção dos Codigos, ver-se-hia a cada passo coarclada o
embara çada prlas Lei s dn;' Proyincias.
29G
A 3, a suppõe O POUOI' 1,>rovinciol limitado pOI' limitações,
que aliás nITo se encontrão no Aclo Addicional. Suppõe que
em certos casos nüo leria a plenitude de {Joderes indi ~ pensa­
vcis para legislai' sobre objectos que, segundo a intellige n ~ia
pOl' hypothese admittida, serião da sua competencia, Sllppõe
mais que fica pertencendo ás Assembléas Provinciaes o' legis-
lar sobre parte da ol'ganisação judiciaria, sobre pal'te da or-
ganisação da Guarda Nacional e das Municipalidades, e ú 1\s-
sembléa Geral a faculdade de estabelecer as rcgras do Pro-
cesso e de legislar sobre a outm parte do, organisação judi-
daria, da Guarda Nacional e das Municipalidades, Quaes são
porém as Leis qu"C extremão as raias do Podei' Geral e Pro,
vincial sobre semelhante materia, que mal'cão o 'ponto em q,ue
cada um deve parUl', afim de se evitarem conflictos, usurpa .....
ções ~on tinuadas e a anarchiá e confusão na Legislação civil e
criminal, judiciaria e administrativa, quejá começa a apparecer?
A 4, a he sobremaneira absurda e destruidora da ordem so-
cial. Bastará á Commissão havê-la ennunciaclo.
Sendo, como são, os Vereadores, Chefes de Legião e mais
Omciaes.da Guarda Nacional . Empregados Provinciaes e Mu-
nicipaes, são applicaveis á~ Municipalidades e á organisação
da Guarda Nacional as mesmas considerações feitas ácerca do~
Empregados de Justiça. ,.
Taes são as consequencias da inlelligencia do § 7. 0 do art. 10
do Aclo Addicional que admi-lte que as Assembléas Législa-
Uvas Provinciaes podem crear e supprimir, com alteração de
suas .atLribúições, empregos creados {Ior Leis Gel1aes feitas sobro
objectos, ácerca dos quaes não podem legislar as mesmas As-.
sembléas,
Núo tie porém possivel que est.a Augusta Camara decretando
o Acto Addicional ~ . fizesse por tal modo, que em véz de es-
tI'citar os laços da União os afrouxasse, introduzindo na's Leis
judiciarias e administrlltivas um gel'men fecundo de intermi"",
naveis confiictof e de inemediavel confusão e anar~tlÍa.
He .principio correnté de Herm6neuticil que todas as vezes
qne da Lei entendida por certo modo se scguem graves in-
convenientes e absurdos não se lhe deve dai' essa inteIligencia,
e isto muito pl'in~jpalmentequando as suas palavras admiÜern
outro que evita esses inconvenicntes e abs urd os.


- ~W7

l~ssa outra intcIligenciu que a Commissão adopta vem a ser


a seguinle.
Dev~mos distinguir duas classes de Empregados Provineiacs
t~ Municipaes.
Ha pois Empregados Pl'Ovinciues e Municipacs creados por
Leis Gerues pura execução de Leis lambem Geraes relativas a
objectos sobre os quaes não podem legislar as Assembléas de
Provincia. Taes são os Juizes de Direito, Municipacs, de Orphãos,
ue .Paz, os Promotores, Tabelliães, . Escrivães, Pm:ochos, Ve-
rea dores, Cbefes de Legião, e mais Oficiaes da Guarda Nacional.
'Ha -Empl'egad~s Provinciaes e Municipaes creados por Leis
p.rovj~lciaes ou ainda mesmo ,Geraes, relativas a objectos sobre
os quaes podem legislar as Assembléas de Provincia. Taes são
os Empregados na instrucção publica, ~a dire~ção e adminis-
tração de obras J?rovinciaes e Munic)paes, ,na arrecadação e ~
fiscalisação das Rendas Provinciae" e Municipaes, na direcção
e administração das casas ,de prisão, 'trabalho, correcção e
soceorros publico's, nos Corpos Policiàes das .Provincias, nà admi-
nistraçã.o dos bens Provinciaes, na organisação dá Estatis,Úca da
-rrovincia, na catechese e civi,lisação dos Indigenas, no esla-
'betecimento de ' COlonias, &c. . , .
" Á Commissão entende 'que o paragrapho em questão ' diz res-
'peito sómente a~s Empregados Provinciaes 4~ 1.' Cla~se, e que
tmicamente com'prehende a faculdade dõ os crear e suppri-
mir numericamente, 'augmentando ou diminuindo ' o seu nu-
mero, o que cO,hcorda com 'o § '1. o do mesmo artigo qu~ fa-
culta ás AS,sembléas Legislativas Pl'ovinciaes o legislarem sobre
a divisão Civil, Judiciaria e Ecclesiastica.
Esta intEliligencla no entender da Com missão salva todos os
inconvenientes' que náscem da outra já proposta c examinada,
~onserva a unidade, harmoni~ e uniformidade da Legislação
Gerar em todo o Imperio. Por elIa, tanto o Poder Legislativo
Geral, cOlno o' P l'ovincial, encontrão na esphera das suas attl'i-
buições tudo quanto he neçcssario para seu completo desem-
penho. Cada um desses Poderes ' move-se livre o de's embara-
çaéIo sem enco:1lrár o outro a cada passo no mesmo terreno.
. Pelo ' que respeÚa ao § 11 do mesmo art. 10 enténdl! " a
Commissão ' que os Empregados Provinc{L1.es dé qu'e falia são
os àa 2.' dasse acima jndicada.
n, 38

- 208 -
Porquanto fÓra incongruente que Empregados ·Gel'aes crra~
dos pOl' Leis Gemes para executar J~eis Geraes, relalivas a n e~
gocios tambem Gemes, .ficassem inteiramente, quanto ás 'suas
nomeações, susp~nsões e' demissões róra da acção do Poder Le-
gislativo e Governo Gel'al, Seria por certo contraria á boa raziío,
á ordem .social e aos principios de uma boa administl'ação se'
melhante doutrina. FÔl'a de mais injusto que o Poder Geral
fosse responsavel pela ordem publica e pela união do Imperio,
~stando por tal modo privado de toda a acção sobre os Em-
pregados encarregados de executar as Leis da União.
Releva pois ter ' bem diante dos olhos, que a excepção ,dos
§§ 5.° e 8.° do art, -11 do Acto Addicionaldando attribuições
pumulativas á União e ás Provincias firma regra em contrario,
quanto ás attribuições conteúdas nos seus outros paragl'llphos
e nos do art, 10. Nestes termos a at~ribui ção comprehendid fl
no § 11 em I questão 11e privativa das Legislaturas Provinciaes
e não póde .em algum modo ser cumulativa com os Poderes
da União. Assim creando a Assembléa Geral .Empregados pal'U
executar as suas Leis (não se\ldo daquelles de que faHa a 2.' parte
do § 7.° do art. 10 do Acto Addicional) não poderia legisllll'
sobre sua nomeação, 'suspensão e demissão . Seria POl'tantO pre-
ciso que taes Leis fossem ás Assembléas Pl'ovinciaes para lhes
dar complemento. Teríamos ~este , caso Leis Geraes dependen -
tes de 18 Assembléas Pl'ovinciaes para que pudessem ter exe-
cução em todo o ~mperio. Leis em parte Geraes, em parte Pro~
vinciaes. Leis Geraes que para terem execução necessitariijo do
beneplacito das Legislatnras das Provincias. A Com missão, talvez
pelas suas acal'lhadas luzes, não. tem .conhecimento de nenhuma
fórma de organisação politica, que deixando ao Poder Geral a facul-
d.ade de fazer Leis por si mesmas obr,igatorias, anniquilasse depois
contradictoriamente, por semelhante modo, todo o seu elTcHo.
. Supponhamos que a .'.ssembléa Geral julga 'necessurio dar
pova fórma e organisação ás Muuicipalidades ou á Guarda Nu~
cion~I. Os V.ereadore~ e Omciaes da Guarda Naciona,l não' são
}!:mpregados Çeraes mas sim Pl'ovinciaes.
Mas seg,undo a intelligcncia, que a. Com missão combate, dos
§§ 7,° e ~1 em questão, sómente pertence ás Asse l'Jlbléas P ro~
yi~ci~es o legislar sobre a nomeação, suspcllsão e dem issão de
taes Empregados ~
"


E assim como poderá a Assembléa Geral reformai' a orga-
nisação das Municipalidades e da Guarda Nacional? Como o
podtlrá füiler sem crea!' oulros 'funccionarios e sem legislar sobl'e a
maneira de os nomear? Como o poderá fazer sem ferir attri~
buições, que segundo a intelfigencia que a Com missão combate,
pertencem nesse caso ás Assembléas l}I'ovinciaes? Como pode~'
l'áõ essas Assembléas exercer taes attribuições sem legislar sobre
, a Ol'ganisação é fórma das Municipalidades e da Guarda Na~
cional?
Todos estes embaraços, todas estas incoherencias resultão de
que se tem querido regul!!r as attribuições das Assembléas'
lll'Ovinciaes, unicamente pela classificação de Empregados Go-
raés e Pl'Ovinciaes que o Acto Addicional estabelece e não
por 'uma razoavel inteUigencia dos arts. 10 e 11 que marcão
essas attribuições c pela regra do art. 12, que expressamente
declara que as ditas Assembléas não podem legislar sopre ob-
jeclos não comprehendidos nos referidos arts. 10 e 11. Deste
modo uma simplés classificação de Empregados prevalece sobre
disposições ,que fixão os Poderes da União e das Provincias C'
marcão as raias de cada um delll~s!
E note-se que o § 11 em questão pão se poderia enten~el'
ácerc.a dos Juizes de Direito (que todavia são Empregados
Provinciaes) quanto á sua demissão sem manifesta incoherencia
com o § 7,0 do art, 11 do mesmo Acto Addicional. Porquanto
esse § 7. 0 autorisa as Assembléas P!ovinciaes, a decretar a de ...
missão do Magistrado, contra quem houver queixa de respon-
sabilidade, e este Decreto pelo art. 13 do referido Acto náó
tem a sancção do i Presidente da Provincia.
Or.a: sem duvida que seria pouco coherente depositar nas-
mãos das Assembléa~ Provinciaes o formidavel poder de de-
cretar a demissão de Magistradbs, sem intervenção do Pre-
sidente da Provincia, e admittir ao mesmo tC\1lpo que as ditas
Assembléas delegassem todo este poder aos mesmos Presidentes.
Ficariaassim de todo anniquilada a Independencia do Poder
Judiciario. Ficaria ássim a demissão de Magistrados que a
Constituição do Estado fez perpetuos e vitalícios, unicamenle-
dependente dos Presidentes das Provincias . Ficarião assim anni~
quilados os arts. 153 e 155 da Constiluição que não forão
julgados rcformuycis, como se mOs ll'~ do Decreto de 12 de'
o

- 300-
Outubro de 1,832, e para cuja re ~urma, nüo tinha esta Augusta
Ca\TIara pqderes. .
Note-se lambem qu e o § 11 em qu estão não podrria eom-
prehenqer a . TlümeaçÃo dos .1 uizes. de . Direito, J)ão ohstante
~erem ellJpreg~dos Provindiles, porque a intcllig-cncia que o~
c9 mpre.hendes~e pnniquilaria ô attribuição oonferirla ao I,rnrw-
)!i1dor pel.Q art. f 02 § 3.° da COl'lstituição que l.àmbem não
foJ julga!I9 Jefofll!a,'el e para ç1lja refurn:w I,arnbem não tilllla
esta Augusta Camara os necessarios poderes.
, ~nlendendo-se porém ' o artigo em q\:lestão como o entend e
~ Commissão, reIT;lovidos fic~o todos os inconvenientes e <tb "
ii ~rdos pondel:ados.
, E; porquanto sobr~ o § 4.~ dQ art. f O citado do Aclo Ad-
dicio~!l! tambem tem ocçprrido duvida,. julgou a Commissüo
conveniente fixar a Sl!a i.ntelligencÍll.
. A Commissão eplenc;le que a palavra Muniçipi:11 se rnfcrI! a
:-jmbas ps anteceQe~tes. - Jlolicia e Economia - c qu e as se-
guinte~ - pr~ce4~ndo prQPosta ,das Camaras ,- se refen~m a
<ynpªs, a!lue.11a~, . , '
: A l~olicia pois, segunqo Escriptores abalisados, e segundo
,IS Leis _d~ Nações pl,Jllas , se divide em PoJicia Geral e l\lu-
~icipal, e em p;olici~ Administrativa e .Tud~ciariª. A nQ!;Sa.
~,ei . org~nica ,das t:a.maras. MUfliciplles ,capibl,1lqu Tl!uito cxac:,.
tamente em ,o sou Titulo 3.° os diversos objecto, que . cons.~~
ti,tuem. entre nq5' a Pol,icia Municipal Adl]1j,nistrativa .
. .'A Commissão ~ntonde plais que 3 · Policia ele Que ·falla o
p3ragrap~o , em q\l.eslãp tle a administrativa, e não 3 judicia-
ria, porque ~qu e lla .he ossenci,almenle MuniciplI1, e n~o esta "
Nem he de I suppOr que fosse a inlenc:i1o do Acto AddiciOnal
entregar li Policia judiciaria, que póde c deve !irr tmfforme
~ m todo o Imporio, ás Camaras l\'Iunicipaes, c ás 'Assernhlúus
~rov.inciaes, e tornar independentes as Leis Policiaes judicia-
Tias da Sancção 'dos Presidentes das Provincias. A Lc!gislaç~o
llolicial judiciaria constitue pois uma partc importanlissirna
da Legislação do Processo Crimin:}l, cuja confecção sómcllle
pertence á União.
Observando ·a Com missão qu e já duas Assembléus pro"in-
ciaes cntendêrão quc a faculdade dê dec relar a suspensão e
demissüp . de Mílgislrados, que lhes lIe outorg a~~ }Jelo § 7 .°


\

- 301
do 11I'I
t. H ' do Aclo 'Addicional era irtleiramentc nrLill'aria,
lambem julgou do seu dever fixar a intelligencia desse para-
grapho.
~ A Com missão ' persuade-se que o ' AcLo Addicional investio
por esse artigo as Assembl'éas Provin ciaes de uma porção do
Poder Judiciario, convertendo-as em Tribunaes de Just.iça,
para o julgamento dUCfuelles crimes de responsabilidade dos
Magistrados Provior.iaes, aos qu ues estivesse imposta pelas
V~ is Criminaes pena de suspensão ou demissão do emprego,
A intelligencia contral'ia consagraria pois a mais insupor;
lav('1 tyrannia. Censagl'ari a o principio de qu e a suspensão e
demissão (qu e são penas) podel'ião ser imp~s!as a Empregados,
dos quaes alguns süo pela ConsLiluiçno declarados perpetuos,
por factos que llen huma Lei antnriol' houvesse qu alifi cado de-
licLo, e a,qu e não ifllpu~c ra pena al guma.
Tambem julgou a Commissão devCJ' declarar qu e ta es pena s
'{leveráõ ser impostas em 'vil'Lud e de um Processo, cuja fórma
c regra s se ach em estabelecidas por Leis anteri ores ao jul-
~am ento. Ninguem póde pois ser sentenciado, ou som'er uma
pena, senão por virtude de Lei' anterior, e na fórm,a por ella
prcscl'ipta. Art. 179 § 11 da' Constituição do Im perio.
Releva observar aqui que esta intell igencia qu e aponta, e
pl'Opõ{' a Com missão he a ' unica, no seu entende r, que póde
(!Onserva I' iIIesos os arts. 153 e 155 da Consti tuição do I m-
perio , Considerad as pois as Assembl éas Provin ciaes, qu ando'
imp1em ao Ma g~st radb a pena de- demissão nos crim es em que
a Lei a fulmina, como ,Tribunaes de Justi ça, vem os mesmos;
MagisLrados a p'erder o lugar por virtude de sentença, como
e'x i ~e c} art. 155 citado .
. Outros argum entos e considerações pudera fazer a Coo1-
'missão.· A' vista porém da exte nsão qu e leva este Parece r,
r oserva-os para 3 di scussão, e tem a IlOnra de ap resenta r o
seguinte Projecto.

A Assembléa Geral Lcgistáti vi\ ' Decreta .

Art, 1.0 A palavra - l\I un icipal - do 3rt. 10 ~ 4," do Aeto


Addici'on al comprehende amba s as outras anteriores - Policia
e Economia - as quaes am bas dizem respei to lÍs seguin tes -
302 -
precedendo proposta das Cam~ras. A palavrn -Policià - com~
prehende súmenle a Policia Municipal administrativa, e não
a .iudiciaria.
Art. 2.· A faculdade de crear e supprimir empregos Mu-
nicipaes e Pl'ovincíaes, concedida ás Assembléas Provinciaes pelo
§ 7.· do art. 10 do Acto Addicional, s6rnente diz respeilo ao
numero dos mesmos empregos, sem alteração da sua nal\.t-
, rcza e altribuições, quando forem estabelecidos paI' Lcis Gc-
raes relativas a objectos, sobre os quaes nãó podem legisla r
as referidas Assembl éas.
Art. 3.· O § 11 do mesmo artigo sômenle diz respeito aos
Emprega dos Provinciacs creados 'por Leis Provinciaes ou ainda
mesmo Geraes, relativas a objectos sobre os quaes podcm le-
gislar as Assemblé'as de Provincia.
Art. 4.· A palavra -Magistrado de que usa o ' § 7.· do
art. 11 do mesmo Aclo Addicional, não comprehende aquelles
que o § 7.· do ' art. 10 considera Geraes.
Art,,5.· Na decretação da suspensão e demissão Idos Magistl'3dos
procedem as Assembléas Legislativas Provinciaes como Tl'ibunaes
de Justiça . Sómente podem portanto impÔr taes penas em vir-
tude de queixa, por crimes de responsabilidade a que ellas
estão impostas por Leis Criminaes anteriores, o]).servalldo a
fórma de Processo Para taes casos anteriormente eslabelecida.
Art. 6.· O 'Decreto de suspensão ou demissão deverá conter ~
1.·, o relataria do facto: 2,·, a citação da Lei em que o :Ma-
gistrado está incurso: 3.·, uma succinta exposit,ão dos fun-
damentos capitaes da decisão tomada.
Paço' da Camara dos Deputados, 10 de Julho de 1837.-
Pattlino José Soares de Souza.-M. 'Calmon dtt P'i n.-H. H .
Carneiro Letio.
\\

;.

I>

ly

r
1 .

\
\
INDICE
DOS

CAPITULOS E' PARAGRAPHOS'


'.
CONTIDOS NESTE SEGUNDO VOLUME,

..-
PACS .

CAPITULO :XXVII.- Do Poder Moderador. ooo. o... o 1


§ 1.0 Questão do Poder Moderador na
Camara dos Deputados em 1831, por oc-
casião da Lei da Regenciao. ooo.. o. oo 2
§ 2. 0 Questão do Poder Moderador no Se-
'nado em 1832, por occasião da discussão
_ do Projecto de Lei da Reforma da Cons-
" tituição, do qual, emendado, resultou a
" . Lei de 12 de Outubro de 1832, e final-
mente o Ãcto Addicional. oo. .' o. o.. o 9
§ 3.· Questão do Poder Moderador em
184.1, e posteriormente. oo o: oo o o o o o o o 15

CAPITULO XXVIlI.- Exame da questão:


. § 1. 0 O que he Poder Moderador, Real
ou Neutro? o ~ oo
o o 0 .0 oooo.. o
.. o o o o o o o o 85
. § 2.. ~ Onde . deve residir o Poder Mode-
rador ? ooo o ooo o o
o '• • o o o
o 0 '0 o o o • o o o o' 43
§ .3. 0 O Poder Moderador be essencial-
> mente Conservador ...
' o• oooo. •. oo
o • o o 4,8
§ r.o o DiITerença entre Imperador, Poder
Moderador e Poder Ex.ecutivo. . . • . . 53
\ [,

-2-
§ 5.° Fins do Poder Moderador.,...... 60
§ 6.° Caracteres 'essenciaes do Poder Mo- -
del'odol' pela nossa Constituição...... 61
§ 7.° Petição de 'principio. . . . . . . . . . . • . 63
§ 8.° Pela nossa Constituição são exequi-
veis os actos d9 Poder Moderador sem
a referenda dos Ministros........... 65 . II
§ 9.° Os §§ 101,' 102 e 132 da Consti-
tuição .......... ~ . • . . . . . . . . . . . . . • . . . 82
§ 10. Os actos do Poder Moderadol' obri-
gão immediatamente, sem mais formali-
dade, e apena-s manifestados pelo Impe-
rador.... ... .•......•.. ............ 84-
§- 11. Não há meio termo ....... ,. ... . . 92
§ 12. Que responsabilidade vem a haver
pelos aetos do Poder Moderador. . . . . . 95
§ 13, Mas os actos do Poder Moderador
tem sido referendados................ 103
§ 14·. Heferenda da Sancção.......... . 106.
§ 15. O artigo 135 da Constituição . . ... . 108
•. §-. 16, Alcanee da questão. Conclusão,. 110

)
I C.HITULO XXIX·- o
Imperador reina e não govel'n.u?
O Imperador reina e 'governa? ..•.... , 115
§ 1.0 O que he reinar? O que he go-
vernar '! . . . . . . . . . • . . . . . . . • . . . . . . . . . »
. § 2. ° Doutri.Íla d'e J\tI Thiers no Nacio-
nal 'em 1830 ......... , .•....... " .. 117
§ 3. ~ -A questão na tribuna entre MM.
Thiers e Guizot ..... , •........... , .. 120
§- 4,° Se, o Re~ sómente I'eiaa ou gover-
na na J.nglaterra ..•••..•. ·. ......... 124-
§ 5, °· A questão.-.- o Rei r.ei.na e não go-
vel'ná entre nás•...••. : ..• ~........ 131
§- 6-.0' Exam06 da. -doutrina de M. Thiers,
Sua applicação' ao· Br-asil. . . . . . . . . . . • 139
§. 7.°· Exame da <:loutrina· de .M:. Guizot.
Sua appI,icação ao BrasiL •....... ,.. 153
§ 8 ." C<mcIusiÍf) do Capitulo ...... " .. ' 156

CAPIHLO XXX.-=. Da Centralisação :


§ L· Algumas considerações geraes his-
toricas . . . . . . . . . . . . . . . . . • . . . . • . . . • • 1õ9
§ 2.· O que ho Cenlralisação?........ 164.
§ 3.· Applicação do principio da centra-
lisação ..•.••.•.................• '.' 172
§ 4... A centralisação o decentralisação
\ dependem muito das circumstancias do
paiz,da educação, habitos e caracter na-
cional. . • . . . . . . . . . . . . . . • . . . . . . . . . . • 1'13
§ 5.· Vantagens da centralisação....... 177
§. 6.· Inconvenientes da centralisação ex-
cessiva ••...•...•.....•. " . . . . . . . . • 179
J § 7.· Centralisação na França. Compa-
,ração com a nossa......... . . . . . . .• lS6
§ 8.· Decentl'alisação que se seguio 'entre
, nós ao 7 de Abril •...• , . . . . . . . . • . . 194.

CAPITULO XXXI.- Applicação ao Brasil das instituições ad-


/' ministrativas Inglezas, Amel'Ícanas o Fran-
cezas ..•.••.. ', ' .• ' ........•..•...... , 221

I'
)
Appendice.

.:J> rojecto para a reforma da Constituição, approvado pela


Camara dos Deputados e recebido no Senado
em 1_4. de Outubro de 1831, e do qual, emen-
dado,oresultou a Lei de 12 do Outubro de 1832,
e por fim o Acto Addicional............... . 279
Emendas approvadas pelo Senado ao ' Projeclo vindo da
Camara dos Deputados, sobre a reforma da Cons-
tituição. . . . . • . . • • • • • • . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 281
Projecto de Lei ' sobre a refórma da Constituição, do qual
resultou o Acto Addicional.................. 282
Parecer da Commissão das Assembléas Pl'ovinciaes da
Camara dos Deputados, de 10 de Julho de 1837,
sobre a interpretação do Aclo 4,ddicional. . . .• 289
"

..'

..

"
,

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