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RESUMO

Trata-se de apresentar a história global como um subcampo da ciência histórica. Ela se


constituiu nas três últimas décadas, incorporando as grandes questões dos anos finais do século
XX, e buscando compreender também o significado dos acontecimentos dos anos 2000.
Portanto, o objeto de análise é a historiografia global produzida entre 1990 e 2010. O primeiro
capítulo buscará analisar um conjunto de obras dessa corrente a fim de apresentar seus
contornos: tarefas, fontes, métodos empregados, a periodização e as estratégias de construção
narrativa que apreendem e explicam a globalização; expondo assim as preferências temáticas
dos autores. O segundo capítulo pergunta pelos antecedentes historiográficos que levaram à
formação dessa corrente, e traça a história da tensão entre cosmopolitismo e paroquialismo em
diversas tradições historiográficas, sublinhando a supressão do primeiro desde o século XIX e
seu retorno na segunda metade do século XX na corrente da história mundial, de onde a história
global emerge. O terceiro capítulo aborda o debate modernidade/pós-modernidade,
documentando como ele esteve presente na formação dos estudos globais, na década de 1980,
e da própria história global, na década de 1990. Mediante a exposição do debate e a análise de
seu papel constitutivo na corrente da história global, será possível evidenciar o modo como esta
última superou as dicotomias do primeiro, incorporando: a crítica do eurocentrismo e do
Estado-nação – do pensamento pós-moderno; e, fundamentalmente, a metanarrativa como
modo de escrita da história da humanidade – do pensamento moderno. Assim, este subcampo
da história recupera e atualiza um elemento moderno através da experiência pós-moderna, cujo
resultado é uma metanarrativa global, mais preparada para enfrentar os perigos do discurso
eurocêntrico e do Estado-nação, e mais adequada para fornecer sentido histórico num mundo
globalizado.
PALAVRAS-CHAVE: globalização, eurocentrismo, cosmopolitismo, glocalização,
metanarrativa.
ABSTRACT

This work aims to present global history as a subfield of history. It constituted itself in the three
last decades incorporating the great issues of the final years of the twentieth century, and
seeking to understand also the significance of the events of the 2000s. Therefore, the object of
analysis is the global historiography produced between 1990 and 2010. The first chapter will
seek to analyze a set of works of this trend in order to present his outlines: tasks, sources,
methods, periodization and the strategies of narrative construction that capture and explain
globalization; thus exposing thematic preferences of the authors. The second chapter asks about
historiographical antecedents that led to the formation of this trend, and traces the history of the
tension between cosmopolitanism and parochialism in several historiographical traditions,
underlining the first’s suppression since the nineteenth century and its return in the second half
of the twentieth century in the current of world history, from where global history emerges. The
third chapter addresses the modernity/postmodernity debate documenting how it was present in
the formation of global studies in the 1980s and of global history itself in the 1990s. By
exposing the debate and analyzing its constitutive role in the trend of global history, it will be
possible to show how the latter overcame the dichotomies of the first, incorporating: the critique
of eurocentrism and of the nation-state – from postmodern thought; and fundamentally the
metanarrative as the mode of writing the history of humanity – from modern thought. Thus this
subfield of history recovers and actualizes a modern element through postmodern experience,
the result of which is a global metanarrative, more prepared to face the dangers of Eurocentric
and nation-state discourse, and more adequate to provide historical meaning in a globalized
world.
KEYWORDS: globalization, eurocentrism, cosmopolitism, glocalization, metanarrative.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 10

CAPÍTULO 1 – HISTÓRIA GLOBAL APLICADA 18

1.1 Definições prévias: a dupla tarefa da história global 20

1.2 Globalizando a história: a produção da diversidade e multiplicidade 26

1.3 Historicizando a globalização: a produção da unidade e sincronicidade 49

1.3.1 William R. Nester: a globalização numa perspectiva estadunidense 51

1.3.2 Robert B. Marks: a globalização como história ambiental 67

1.3.3 Peter N. Stearns: a globalização como história mundial 84

1.3.4 Jürgen Osterhammel e Niels P. Petersson:


globalização e reconfiguração analítica 95

CAPÍTULO 2 – ENTRE COSMOPOLITISMO E PAROQUIALISMO:


UM EXPERIMENTO EM HISTÓRIA GLOBAL DA HISTORIOGRAFIA 111

2.1 Considerações preliminares 113

2.2 A historiografia filosófica até o século XVIII 122

2.2.1 Historiografia chinesa 124

2.2.2 Historiografia islâmica 128

2.2.3 Historiografia ocidental 133

2.3 Cientificismo e nacionalismo: a historiografia acadêmica do século XIX 146

2.4 A história mundial no século XX: de prática diletante a subcampo acadêmico 161

2.5 A emergência da história global e sua separação da matriz histórico-mundial:


de 1990 ao século XXI 176
CAPÍTULO 3 – O DEBATE MODERNIDADE/PÓS-MODERNIDADE E SUA
REPERCUSSÃO NOS ESTUDOS GLOBAIS 191

3.1 A modernidade como projeto inacabado e a superação das metanarrativas 194

3.2 O fim da modernidade e suas consequências 205

3.3 Universalismo e particularismo:


o posicionamento dos estudos globais frente à dicotomia no interior do debate 213

3.3.1 Mike Featherstone:


uma abordagem pós-moderna, não localista, da globalização 214

3.3.2 Roland Robertson:


a interpenetração dos elementos dicotômicos em chave moderna 226

3.4 O impacto do debate na história global 239

3.4.1 Bruce Mazlish:


a história global entre o pensamento moderno e pós-moderno 241

3.4.2 Jerry Bentley: a história global dos encontros interculturais 249

3.5 O resgate da metanarrativa e a superação


das escritas da história moderna e pós-moderna 257

CONSIDERAÇÕES FINAIS 281

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 291


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Introdução

A banda de rock brasileiro Titãs assim representa, em sua música Disneylândia, um


fenômeno que vem se intensificando e se ampliando cada vez mais: “Filmes italianos dublados
em inglês/ Com legendas em espanhol nos cinemas da Turquia”. Em outra estrofe, que, graças
ao mesmo fenômeno, bem poderia estar estampada em uma notícia de jornal ao invés de ser
uma peça artística, se diz: “Crianças iraquianas fugidas da guerra/ Não obtêm visto no
consulado americano do Egito/ Para entrarem na Disneylândia”.
Para além de uma representação do fenômeno no campo da arte, existem outros
exemplos que endossam a existência, e a efetividade, da globalização. O antropólogo Néstor
García Canclini (2003) relata um choque de identidades plurais numa noite em que ele, um
argentino, conversara com um garçom mexicano num restaurante italiano na Escócia. Canclini,
embora argentino, vivia no México há décadas e estava representando a identidade mexicana
diante de um mexicano que estava cada vez mais imerso na identidade escocesa, sem jamais
perder a sua identidade mexicana.
A situação vivenciada por Canclini, bem como a descrita na música Disneylândia, é
apenas uma entre incontáveis outras que ocorrem em todo o planeta, diariamente. As
identidades se encontram, se chocam e se complementam por meio de diversas relações:
interpessoais, entre pessoas e bens de consumo, entre nações, entre empresas etc.; todo este
conjunto de relações configura um processo de trans-formação identitária. Processo este que
sinaliza, com propriedade, o que quer dizer globalização. Todavia, a percepção da existência
deste fenômeno enquanto tal é recente e não se compara com o tempo em que ele vem atuando
na constituição da história da humanidade.
Os especialistas são unânimes ao afirmarem que o fenômeno da globalização afeta
radicalmente a vida das pessoas que passam por ele, bem como suas relações socioculturais. A
globalização modifica a forma como se vivencia o tempo e o espaço, e consequentemente o
modo como os indivíduos se relacionam com a história.
Este fenômeno pode ser basicamente definido enquanto um processo histórico de
integração e desintegração – social, econômica, tecnológica, política, religiosa, científica – com
um grau diferencial de influência na vida de indivíduos e sociedades, isto é, o processo de
globalização não atua de igual maneira para todas as pessoas e grupos sociais em todos os
períodos históricos em que se faz presente.
A globalização, por sua atuação diferencial, é um processo dotado de alta complexidade,
cuja compreensão demanda um esforço interdisciplinar de diversos campos do saber, tais como:
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a sociologia, a economia, a antropologia, a psicologia, a filosofia, a história etc. O esforço


combinado tem produzido resultados distintos e, por vezes, até mesmo divergentes. Não
obstante esta divergência de resultados, eles comumente apresentam conteúdos históricos ricos
de sentido para a orientação do agir de indivíduos e grupos sociais atingidos pela globalização1.
É nesta direção que caminha a história global, uma corrente histórica que lida com a
história da globalização, suas etapas, dimensões, temas e problemas; e cujo campo vem sendo
ampliado com a inserção de historiadores advindos de outras áreas e com a recepção de um
público com renovado interesse neste fenômeno que exerce cada vez mais influência na vida
de tantas pessoas.
A história global toma como objeto o processo da globalização, um fenômeno que,
embora tenha sido percebido só recentemente (sendo conceituado por volta da década de 1960),
possui uma história secular e quiçá, alguns especialistas ainda argumentam, milenar. A hipótese
diretriz deste trabalho é a de que essa corrente histórica possui ela mesma uma história em que
se coadunam: uma extensa genealogia cujas raízes remontam a diversas tradições
historiográficas (desde a antiguidade até os dias atuais e em diversas partes do planeta), ideias
modernas (reunidas em torno de um humanismo universalista) e pós-modernas (agrupadas em
uma visão de mundo particularista, que reforça a percepção da diversidade). Este trabalho
pretende evidenciar a presença destes elementos na história global, bem como sua interação no
interior desta corrente.
Cabe aqui, então, uma rápida apresentação da constituição do conceito de globalização
e de sua inserção na história mundial, o que repercutiu na emergência da história global. O
processo que levou à conceitualização da globalização enquanto tal, enquanto um fenômeno
distinto da internacionalização e, portanto, com características próprias, surgiu no campo das
Relações Internacionais por volta de 1960. No âmbito da sociologia das relações internacionais
John Nettl e Roland Robertson, entre outros, buscavam desenvolver estratégias e instrumentos
analíticos para abordar “o mundo como um todo”, e para isto a distinção entre
internacionalização e globalização se fazia necessária (FEATHERSTONE, 1998).
Internacionalização se referia a apenas uma das dimensões da globalização: a dos intercâmbios
interestados nacionais. Já globalização se referia a um fenômeno aquém e além do Estado-
nação, em que a interação entre o local e o global se dava de múltiplas formas.

1 Naturalmente, estes esforços de compreensão da globalização produzem resultados cujo conteúdo vai muito
além de uma narrativa histórica do fenômeno (uma obra sociológica ou das Relações Internacionais, por
exemplo, tem como escopo produzir conteúdo sociológico ou internacional em que o objetivo não é contar a
história da globalização, mas sim compreender as relações sociais e atuar nas internacionais, respectivamente),
o que não impede que seja possível captar sentido histórico nestas mesmas obras.
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Em virtude da complexidade do fenômeno, e de sua atuação crescente no campo dos


negócios multinacionais, da política mundial e nas relações transnacionais, outras disciplinas
passaram a se ocupar com o mesmo, em especial a sociologia, a ciência política e a economia.
Não obstante, na segunda metade da década de 1980, devido à profusão do emprego do termo
“globalização”, este conceito foi perdendo precisão, foi se desgastando pelo uso continuado e
irrestrito por parte de acadêmicos, profissionais liberais, programas de TV etc. De modo
controverso, quanto mais se percebia e se vivenciava a globalização, mais se perdia o que este
conceito poderia significar, seu sentido ficava mais turvo (FEATHERSTONE, 1998;
ROBERTSON, 1998).
Os passos iniciais para reverter o que acontecia, na década de 1980, especificamente ao
conceito de globalização foram dados na década seguinte. Trata-se de uma década que marca a
passagem do século XX para o século XXI. E, segundo alguns autores – Georg Iggers (2010) e
Eric Hobsbawm (1995), por exemplo – vários são os eventos que conferem a singularidade
deste decênio: a começar com a queda da União Soviética e toda a reestruturação geopolítica
do mundo a partir disto, que se pode citar como exemplo a intricada desintegração da
Iugoslávia; a formação de blocos governamentais supranacionais, como União Europeia,
Mercosul etc.; e se poderia mencionar, como um fato que encerra o período, a queda das Torres
gêmeas nos Estados Unidos em 2001 (NESTER, 2010). É o que Roland Robertson (1998)
afirmou ser a fase de “uma grande incerteza global” geradora de “terremotos geopolíticos”.
Perante estes e outros eventos foi necessário redobrar o esforço para definir conceitualmente a
globalização, bem como promover estratégias de abordagem e atuação diante deste processo.
Somente uma compreensão adequada do que vem a ser globalização poderia possibilitar a
criação de instrumentos apropriados para lidar com seus efeitos.
Como tais efeitos não foram sentidos apenas no âmbito do Estado-nação, o interesse
pela globalização expandiu-se a outras disciplinas, nomeadamente a antropologia e a história.
Ambas, a partir da década de 1990, começaram a estudar os impactos do fenômeno em seus
respectivos campos de estudo.
A antropologia, pela própria natureza de sua disciplina, enfrenta os problemas da
articulação do local com o global desde sua emergência. Seja pela ideia de cultura humana
(única, global) ou de culturas humanas (múltiplas, locais) o princípio de relação intercultural
em diferentes níveis estava estabelecido desde sua constituição disciplinar no século XIX. Com
o advento do conceito de globalização, a antropologia percebe prontamente a necessidade de se
atualizar em uma antropologia global, já em 1993, no XIII Congresso Internacional de Ciências
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Antropológicas e Etnológicas, realizado no México. O tema do Congresso foi justamente “As


dimensões Culturais e Biológicas da Transformação Global” (ARIZPE, 2001).
A história também já possuía uma predisposição para incorporar o conceito de
globalização. E isto é evidenciado pela corrente histórica predecessora da história global: a
história mundial. Antes mesmo de se definir com tal nomenclatura a história mundial já possuía
uma historiografia cuja natureza percebia um conjunto de processos históricos que se
assemelhava, e muito, ao que posteriormente seria concebido por globalização. Tratava-se de
uma historiografia intitulada História das civilizações, que se incumbiu de prosseguir, de certa
maneira e a seu modo, com o trabalho levado a cabo pelas filosofias da história do século XVIII.
Tanto em uma quanto em outra historiografia tratava-se de produzir uma narrativa do choque
ou do encontro entre civilizações, e pela amplitude própria destas civilizações estes encontros
interculturais adquiriam dimensões planetárias. No século XX o nome de destaque desta
história das civilizações foi o de Arnold Toynbee, mas ele não fora o único.
Depois de Toynbee, vieram Fernand Braudel, William McNeill, Jerry Bentley e diversos
outros que buscaram compreender os processos históricos para além dos limites da
historiografia acadêmica, tal como ela se constituiu no século XIX, ou seja, para além de uma
história nacional, com seus pais fundadores, seus heróis e seu destino manifesto no Volksgeist.
Através desta veia historiográfica da história mundial, a história global percebeu a
potencialidade que havia em se produzir histórias considerando-se a globalização como um
fator eficiente das mesmas. O conceito de globalização serviria para esclarecer e aprofundar
relações – socioculturais, políticas, econômicas etc. – que antes eram vistas apenas como fruto
do choque de civilizações, e serviria ainda para atualizar a percepção de relações que eram
circunscritas ao nível nacional e internacional, sempre tendo-se o Estado-nação como vetor de
análise.
Assim, a partir de 1990, com o retorno à pesquisa e problematização do conceito por
diversas disciplinas, a história global se constitui como um campo de estudo dentro da disciplina
histórica, buscando cada vez mais fundamentar seus princípios científicos, aumentando a
precisão analítica de seus métodos, explicitando suas teorias, conceitos e inspirações
ideológicas. É neste espaço de constituição da história global, um processo lento, gradual, e que
ainda está em curso, que esta pesquisa tenciona se fazer presente. Pois ela objetiva explicitar,
junto ao elemento supramencionado – a história mundial – um outro fator que é constituinte
desta corrente histórica, a saber: a dicotomia que surge no debate entre o pensamento moderno
e pós-moderno. É preciso então introduzir uma distinção conceitual, que se segue:
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Modernidade e pós-modernidade são conceitos epocais, definem um período histórico


e reúnem as características básicas da sociedade e da cultura daquele período. Basicamente, a
modernidade se inicia por volta do século XVIII e a pós-modernidade no pós-Segunda Guerra.
Pensamento moderno e pensamento pós-moderno caracterizam as ideias e categorias
produzidas no interior de cada período. Ambos são frutos da experiência histórica vivida, e não
ideias surgidas metafisicamente e sem qualquer vínculo com seu presente histórico. Para a
compreensão de um pensamento é necessário antes de tudo compreender sua época, seus
aspectos ideológicos, econômicos, científicos, estéticos, políticos e éticos, isto é, seu suporte
histórico que é condição de sua possibilidade. O pensamento moderno encontra sua emergência,
segundo Habermas (2000), com a filosofia de Hegel, que é uma filosofia da modernidade; já o
pensamento pós-moderno tem sua origem com o pós-modernismo nas artes, que visava
justamente contestar o modernismo artístico; por volta de 1960, este movimento serviu de
inspiração para os trabalhos de teóricos nas décadas seguintes, tais como Lyotard, Vattimo,
Foucault e Jameson (HOLLANDA, 1991).
O debate modernidade/pós-modernidade se configura de forma dicotômica na medida
em que representantes de cada lado fornecem uma leitura divergente sobre o que foi, ou ainda
é, a modernidade e sobre a existência, ou não, de uma pós-modernidade. A dicotomia se
constitui em perspectivas distintas e dissonantes sobre os conceitos epocais. Este debate
reverberou na disciplina histórica e produziu ecos na história mundial e global.
Portanto, o problema deste trabalho pode ser colocado da seguinte forma: como a
história global se posiciona no debate entre o pensamento moderno e pós-moderno? Como a
escrita da história global se posiciona diante da dicotomia no interior deste debate?
De forma explícita, a hipótese que se coloca é a seguinte: A história global supera (no
sentido hegeliano de Aufhebung) a dicotomia do debate. A escrita da história global incorpora
elementos que dão suporte ao pensamento moderno (o retorno à metanarrativa via humanismo,
de caráter universalista) e elementos que sustentam o pensamento pós-moderno (a crítica ao
eurocentrismo via reforço da identidade cultural múltipla, de caráter particularista). Neste
sentido, a história global elabora uma escrita da história que atua na interface entre uma escrita
da história moderna e pós-moderna.
O debate entre o pensamento moderno e pós-moderno apresenta uma dicotomia inerente
ao mesmo. Tal dicotomia é apenas uma das perspectivas sob as quais a história global pode ser
problematizada. Outras, igualmente constitutivas desta corrente, poderiam ter sido aqui
elencadas, e desempenhariam o mesmo papel no que tange a ser uma forma de problematização
deste subcampo historiográfico.
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Como exemplo de outras formas em que a história global poderia ter sido
problematizada está a tensa relação entre uma tradição marxista e outra weberiana. Tradições
que, é quase desnecessário dizer, não são excludentes, mas comportam teorias divergentes.
Dentro daquilo que constitui uma raiz da historiografia global, a saber, a história mundial,
podem ser encontrados representantes de ambas as tradições. A tradição marxista pode ser vista
em André Gunder Frank (1976) e Immanuel Wallerstein (1990), incorporando uma análise
materialista da história mundial, bem como seu desdobramento dialético; a tradição weberiana
é seguida por autores como Shmuel Eisenstadt (1969) e Theodore von Laue (1987), em que os
mesmos partem da teoria da modernização, inaugurada por Weber e desenvolvida por Talcott
Parsons, e promovem seu desdobramento para a compreensão de como a modernidade europeia
é incorporada e adaptada por múltiplas sociedades ao longo do processo de globalização2.
A escolha pela perspectiva do debate entre o pensamento moderno e pós-moderno,
enquanto eixo de problematização do trabalho, tem um fundamento essencialmente logístico.
Visualizar a história global a partir desta perspectiva permite selecionar melhor, abordar com
maior propriedade e precisão, conceitos que são constitutivos para a própria tese que sustenta
toda a pesquisa, a saber, o universalismo e o particularismo. A problematização a partir da
perspectiva do debate entre as tradições marxista e weberiana seria a mais adequada caso a tese
se sustentasse sob os conceitos de uma interpretação histórico global a partir da superação do
materialismo histórico e da teoria da modernização, o que seria um caminho passível de ser
trilhado. Mas como toda investigação implica escolher determinados caminhos e,
necessariamente, abrir mão de outros, a decisão do caminho trilhado se deu a partir dos
conceitos que foram considerados fundamentais para a consolidação da história global.
O resgate da metanarrativa atribui a essa corrente histórica uma novidade que a distingue
do restante da historiografia acadêmica que passou pela experiência pós-moderna; cuja atenção
às diferenças, à história local, e aos aspectos culturais da representação, torna esta vertente
quase paradigmática no âmbito acadêmico contemporâneo – seja em revistas especializadas,
seja em livros ou congressos de história –, relegando à metanarrativa o caráter de algo
ultrapassado e inadequado, um erro eurocêntrico fruto da soberba dos filósofos da história do
século XVIII.
Assim, pretende-se destacar como a metanarrativa foi recuperada por esta corrente
histórica na medida em que se percebeu, mediante observação do fenômeno da globalização, a

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Uma outra perspectiva sob a qual este trabalho poderia ter sido problematizado seria através do conceito de
globalização e suas múltiplas leituras – antropológicas, filosóficas, sociológicas – em relação à leitura própria
da ciência histórica.

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